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FRANZ BRENTANO

______________

O CONCEITO DE
VERDADE
______________

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
O CONCEITO DE VERDADE
FRANZ BRENTANO

O CONCEITO DE VERDADE

São José
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
2014
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ - USJ

Reitora: Elisiane C. de Souza de F. Noronha

EDITORA CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

Editor executivo: Evandro Oliveira de Brito


Assessor editorial: Débora Medeiros

COMISSÃO EDITORIAL EDITORA ASSISTENTE


ACADÊMICA Zuraide Silveira

Adarzilse Mazzuco Dallabrida EDITORAÇÃO ELETRÔNICA


Carolina Ribeiro Cardoso da Silva Assessoria de Comunicação USJ
Fernando Mauricio da Silva
Keila Villamayor Gonzalez CAPA: Zuraide Silveira
Jason de Lima e Silva REVISÃO: Adriano Picoli
José Cláudio Morelli Matos TRADUÇÃO: Evandro O. Brito
Maria Solange Coelho
Rogério Tadeu Lacerda FICHA CATALOGRÁFICA
Vera Regina Lúcio Coordenação de Biblioteca do USJ

140 O conceito de verdade / Franz Brentano,


B839c tradução Evandro O. Brito – 1. ed. – São
José: Centro Universitário Municipal de
São José, 2014.

ISBN 978-85-66306-06-4 (impresso)


ISBN 978-85-66306-05-7 (e-book)
Inclui bibliografia

1. Verdade. 2. Correspondência. 3.
Evidência 4. Teoria do conhecimento. I.
Brentano, Franz, (1838-1917). II
Título

CDD 140

Atribuição - uso não-comercial


Vedada a criação de obras derivadas
Sinceros agradecimentos aos incentivadores deste projeto.
Especialmente Udo Tellmann, Katy Rdjabi e Jacqueline Schreyer do
IIK Düsseldorf
Ninguém, nem antes e nem depois de mim
(e Husserl não está excluído),
foi capaz de se expressar
clara e incisivamente sobre isso,
tal como eu fui.

Franz Brentano.
SUMÁRIO

1. PRIMEIRAS PALAVRAS .......................................... 3

2. PREFÁCIO ................................................................... 4

2.1 Uma chave interpretativa para apresentar o conceito


brentaniano de verdade.................................................. 4

2.2 A exposição brentaniana do conceito de verdade e os


problemas a ela concernentes ........................................ 8

2.3 A orientação cartesiana para dissolução dos


equívocos concernentes ao conceito de verdade ......... 19

2.4 A interpretação brentaniana e a evidência do juízo


como dissolução para os equívocos concernentes ao
conceito de verdade ..................................................... 25

2.5 A verdade como correspondência ................................ 30

2.6 Considerações finais .................................................... 33

2.7 Referências .................................................................... 34

3. APRESENTAÇÃO .................................................... 38

4. SOBRE O CONCEITO DE VERDADE .................. 42


2
1. PRIMEIRAS PALAVRAS

O texto principal de Franz Brentano, aqui


traduzido, consiste na conferência intitulada Über der
Begriff der Wahrheit, apresentada à Sociedade Jurídica
de Viena em 1889, e publicada como primeiro capítulo
da obra Wahrheit und Evidenz, Hamburg, Felix Meiner,
1930, págs. 329. Antecede o texto principal uma
introdução elaborada pelo tradutor e uma apresentação
do autor. Está última consiste na tradução do
suplemento XI, intitulado Vom Psychologismus, o qual
foi publicado em 1911 como uma parte dos apêndices
da edição denominada Klassifikation der psychischen
Phänomene.
A primeira edição da obra O conceito de
verdade foi publicada em 2013 pela Editora Bookess em
2013. Essa edição acadêmica está destinada à
divulgação gratuita e contou com pouquíssimas revisões
apenas na introdução.

3
2. PREFÁCIO1

2.1 Uma chave interpretativa para apresentar o


conceito brentaniano de verdade

Com o objetivo de apresentar não apenas a análise,


o problema e a solução, mas principalmente o conceito de
verdade formulado por Franz Brentano neste livro,
seguiremos seus passos na exposição sistemática nesta análise
brentaniana do conceito aristotélico de verdade como
correspondência. Deste modo, indicaremos os aspectos
fundamentais da filosofia brentaniana do psíquico, tal como
foram formulados no contexto da sua comunicação
apresentada à comunidade filosófica de Viena em março de
1889. Essa comunicação recebeu o título Sobre o conceito de
Verdade (Über den Begriff der Wahrheit) e foi publicada como
primeiro capítulo da obra Verdade e Evidência (Wahrheit und
Evidenz: Erkenntnistheoretische Abhandlugen und Briefe) 2.

1 Este texto, elaborado com o propósito de introduzir o leitor no


problema da verdade analisado por Franz Brentano, consiste em
uma adaptação de duas versões anteriores, as quais estavam
destinadas a outros propósitos. Sua primeira versão, um pouco mais
ampliada, apareceu como uma seção do capítulo III da tese doutoral
intitulada O Desenvolvimento da ética na filosofia do psíquico de Franz
Brentano (BRITO, 2012). Sua segunda versão, um pouco mais
reduzida, foi publicada na Revista Guairacá com o título Franz
Brentano, Correspondência e Verdade: uma exposição esquemática da
análise de Franz Brentano apresentada no texto Über den Begriff der
Wahrheit (1889), (BRITO, 2012). Sua escolha como texto introdutório
à tradução se deu em função da sua pertinência para esclarecer o
tema tratado no livro.
2 Editada por Oskar Kraus, a obra “Verdade e Evidência” (Wahrheit und

4
A análise presente nesta introdução será
desenvolvida à luz da interpretação da filosofia brentaniana
do psíquico inaugurada por Roderick Chisholm (1969, 1976,
1986) e consolidada nas duas últimas décadas por filósofos da
mente como Albertazzi (2006), Crane (2006), Fisette e Fréchette
(2007), Mulligan (2004), Simon (1995), Smith (1994), entre
outros. Ao tomarmos por base o modo de análise destes
filósofos da mente, evitaremos os equívocos interpretativos
cometidos por Linda McAlister e seus seguidores, bem como
algumas polêmicas levantadas por pupilos de Brentano, como
Husserl e Meinong.
O problema da verdade tratado nesta introdução,
além de ter como horizonte interpretativo a análise de Porta
(2002) acerca do problema da equivocidade do ser, pressupõe
os resultados das análises que publicamos recentemente em
dois trabalhos dedicados à apresentação daquilo que Brentano
definiu como esfera conceitual (Gedankenkreise) de sua
Psicologia Descritiva.
Analisamos, em um desses trabalhos3, algumas
considerações de Chisholm sobre as mudanças presentes na
definição brentaniana de fenômeno psíquico, tal como foi
apresentada nos trabalhos de 1889-91 que compuseram a obra
Psicologia Descritiva4. Expusemos, além disso, a tese de

Evidenz: Erkenntnistheoretische Abhandlugen und Briefe) foi publicada


em três edições (1930, 1958 e 1974).
3 BRITO, Evandro O. A descrição da atividade intencional da
consciência na obra psicologia descritiva de Franz Brentano. Kínesis,
Vol. IV, n° 07, Julho 2012. P. 174-187.
4 A obra póstuma Deskriptiven Psychologie foi composta por alguns

trabalhos e palestras oferecidos por Brentano a partir de 1887. As


referências que faremos a tal obra no decorrer da nossa análise
correspondem principalmente aos trabalhos de 1889-90. No entanto,
assumimos que a esfera conceitual (Gedankenkreise) da Psicologia
5
Chisholm que apontou as mudanças na doutrina da in-existência
intencional do objeto apresentada na Psicologia do ponto de vista
empírico, em 1874. De modo mais específico, mostramos como
Chisholm encontrou tais mudanças na descrição brentaniana
dos fenômenos psíquicos e as atribuiu ao abandono da ontologia
aristotélico-tomista que fundamentava a doutrina da in-
existência intencional do objeto. A análise de Chisholm
apresentou, ainda, uma nova definição brentaniana de
fenômeno psíquico formulada na obra Psicologia descritiva. Com o
propósito de evidenciar essa nova definição, nós destacamos o
modo como o novo fundamento epistemológico apontado pela
tese de Chisholm descreveu a relação intencional própria de
todo ato psíquico. Finalmente, destacamos a virtude da tese
chisholmeana para interpretar a recepção de Descartes na obra
Psicologia descritiva e sua nova classificação dos fenômenos
psíquicos.
Nosso segundo trabalho5 ocupou-se da análise do
manuscrito Psicognose (Psychognosie), título original das
leituras apresentadas por Franz Brentano na Universidade de
Viena em 1890. Tratamos, especificamente, da nova descrição
dos atos psíquicos intencionais, explicitada por Brentano a
partir da análise da consciência desenvolvida nesse
manuscrito. Assim, nossa investigação apresentou o modo
como Brentano descreveu a unidade da consciência como o
todo, distinguido em suas partes, o qual constitui o objeto da
Psicognose. Além disso, o ponto fundamental da nossa
investigação mostrou que, assumindo a interpretação
inaugurada por Chisholm (1969), a nova descrição dos atos

Descritiva de Brentano está explicitamente definida nos trabalhos


produzidos entre 1887 e 1891.
5 BRITO, Evandro O. Franz Brentano e a descrição dos atos psíquicos

intencionais: uma exposição esquemática do manuscrito Psychognosie de


1890, p. 87.
6
psíquicos, como relação entre as partes da consciência,
introduziu algumas mudanças fundamentais na teoria
brentaniana da intencionalidade, ao descrever dois tipos
distinguíveis de relações intencionais, caracterizadoras dos
atos intencionais de representação e dos atos intencionais de
juízo.
Nossa análise mostrou, de modo mais específico,
que Brentano descreveu a representação como “a classe das
partes dos pares de correlatos intencionais”6 e, com base nessa
descrição, a representação seria um ato intencional dirigido ao
seu respectivo correlato, caracterizado como objeto imanente.
Além disso, mostramos que o juízo foi descrito como “a classe
das partes meramente distincionais da relação psíquica
primária e secundária [Diploseenergie]”7 e, com base nessa
descrição, o juízo seria um ato intencional dirigido a uma
representação. Por isso, destacamos ali o fato de que o juízo se
dirige à representação como um todo, à medida que a
representação se dirige ao objeto imanente. Deste modo,
enquanto “dienergia” psíquica (Diploseenergie), o juízo teria a
representação (como um todo e não o objeto imanente da
representação) como objeto primário, enquanto tem a si
mesmo como objeto secundário.
Portanto, a descrição da atividade intencional do
ato de julgar como a classe das partes meramente distincionais
da relação psíquica primária e secundária (Diploseenergie) é o
pressuposto brentaniano fundamental para a análise do

6“die Teile des intentionalen Korrelatenpaares„. BRENTANO, Franz.


Deskriptive Psychologie, p. 25.
7 “bloß distinktionelle Teile der psychischen Diploseenergie,
(primäre und sekundäre psychische Beziehung)„. BRENTANO,
Franz. Deskriptive Psychologie, p. 25.
7
conceito de verdade como correspondência. Assim, passemos
à exposição textual sem perder este pressuposto de vista.

2.2 A exposição brentaniana do conceito de verdade


e os problemas a ela concernentes

A análise brentaniana, desenvolvida em seu


trabalho Sobre o conceito de Verdade (Über den Begriff der
Wahrheit), apresentou uma retomada da clássica definição
aristotélica de verdade compreendida como adaequatio rei et
intelectus. Essa análise, que se opôs à interpretação tradicional
desse conceito aristotélico de verdade como correspondência,
orientou-se pelas definições, distinções e classificações
apresentadas pelo próprio Brentano em sua tese doutoral, a
qual desenvolveu uma teoria acerca dos múltiplos sentidos do
Ser segundo Aristóteles. Deste modo, Brentano permaneceu
sustentando em 1889, tal qual fizera em 1874 com base em
pressupostos aristotélicos, que a verdade e a falsidade
tomadas no sentido próprio se encontravam no juízo, fosse ele
positivo ou negativo8. É interessante ressaltar, de modo mais
específico, que a análise de Brentano foi pontual e apontou
diretamente aquela que seria a principal definição aristotélica
de verdade, ao mencionar e interpretar a seguinte passagem
da Metafísica.

8 A verdade e a falsidade tomadas no sentido próprio encontram-se


no juízo. Todo juízo é, assim, ou verdadeiro ou falso. [„die Wahrheit
und Falschheit im eigentlichen Sinne findet sich im Urteil. Und zwar
ist jedes Urteil entweder wahr oder falsch“]. BRENTANO, Franz.
Wahrheit und Evidenz, p. 6.
8
Uma vez que, como a pesquisa anterior mostrou,
as palavras ‘Verdadeiro’ e ‘falso’ são usadas por
Aristóteles com significados diferentes, tudo se
resume em determinar, agora, quais destes
significados são utilizados quando se trata do
e do . Esta
questão não parece difícil de resolver, porque na
Metaph. E, 428, com uma clareza que não deixa
nada a desejar, Aristóteles diz que o
e o se
encontram apenas no juízo, seja ele positivo ou
negativo: ‘o que é, no sentido do verdadeiro, e o
que não é, no sentido do falso, encontram-se na
união e na separação, e entre ambos, por sua vez,
compartilham a contradição. De fato, o verdadeiro
compreende tanto a afirmação do unido como a
negação do separado; o falso, por sua vez,
compreende a contradição de ambos... Pois o
verdadeiro e o falso não estão nas coisas, [...] mas
no entendimento, e quando se trata de conceitos
simples, nem mesmo neste’. É claro que o juízo é,
aqui, o que se denomina verdadeiro ou falso, e,
portanto, Ser ou não Ser. 9

A delimitação do juízo como lugar da verdade e


falsidade enunciadas em seu sentido próprio, tal como
Brentano mostrou ter encontrado aqui na teoria aristotélica,
serviu de pedra de toque para a descrição brentaniana do juízo
como um ato psíquico de atribuição de verdade e falsidade (ou
valoração, da representação de “algo”, como verdadeiro ou
falso). Essa descrição, tal como veremos adiante, estava

9BRENTANO, Franz. Sobre los múltiples significados del ente según


Aristóteles, p. 72-73.
9
caracterizada pelo fato de que o juízo, analisado sob a ótica da
Psicologia descritiva brentaniana de 1889, possuía uma estrutura
e, além disso, tal estrutura consistia na predicação existencial
de uma representação (ato de representar “algo”), fosse ela
simples [(A)é] ou composta [(A é B)é]. Assim, Brentano
explicou e exemplificou o ato de juízo nos seguintes termos:

O próprio juízo é o sujeito ao qual se atribuí o Ser


como predicado. O Ser aqui mencionado não é,
portanto, a cópula que na própria proposição liga
sujeito e predicado – especialmente quando se
considera que um juízo negativo também é
chamado de Ser, e um juízo afirmativo de não Ser.
Trata-se, antes, de um Ser que se predica de um
juízo completo, já enunciado. Um exemplo pode
esclarecer isso. Suponha que alguém quer provar
para outro que um triângulo tem como soma de
seus ângulos dois (ângulos) retos e, como ponto de
partida de sua demonstração, pede para ser
admitido que o ângulo externo é igual à soma dos
dois ângulos internos opostos. Pergunta-se, pois, é
isso ou não? Quer dizer, é verdadeiro ou falso? – É
isso, quer dizer, é verdade!10

É oportuno ressaltar que Brentano desenvolveu a


análise do conceito aristotélico de verdade tomando como
base os fundamentos de sua descrição do fenômeno psíquico
de julgar, definida a partir de 1889 como relação psíquica
primária e secundária (Diploseenergie). Nesses termos, o juízo
foi descrito como um ato psíquico intencionalmente dirigido à
representação e esta, por sua vez, foi descrita como um ato

10BRENTANO, Franz. Sobre los múltiples significados del ente según


Aristóteles, p. 73.
10
psíquico intencional dirigido a um objeto imanente. Em função
dessas orientações teóricas, Brentano considerou que a
definição correta de verdade poderia ser estabelecida por meio
da análise da resposta aristotélica para a seguinte questão:
“Quando um juízo é falso e quando é verdadeiro?”11 Tal como
descreve a citação a seguir, a resposta para essa pergunta
colocou o ponto de partida da análise brentaniana:
Aristóteles responde que o juízo é verdadeiro
quando aquele que julga o concebe em
conformidade com as coisas, no caso contrário é
falso. ’Quando alguém toma por separado o que é
separado, unido o que é unido, seu juízo é
verdadeiro. E ele erra quando concebe as coisas de
modo contrário ao que são’.





(Metafísica, IX, 10, 1051 b3). 

Com isso, tal verdade foi esclarecida pela


concordância de um juízo com as coisas reais
(wirklichen Dingen).12

11„Wann ist nun aber nach ihm ein Urteil wahr?, wann falsch?“.
BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 7.
12 „ARISTOTELES antwortet darauf, wahr sei es, wenn der
Urteilende sich den Dingen entsprechend, falsch, wenn er sich ihnen
entgegengesetzt verhalte.„ Wenn Einer, was geschieden ist, für
geschieden, was verbunden ist, für verbunden hält, urteilt er wahr,
und er irrt, wenn er sich entgegengesetzt verhält, wie die Sachen
(Metaph. IX, 10, 1051b 3)“. Damit war eine Wahrheit für die
11
Ao apresentar a definição aristotélica acima, a
análise brentaniana reconheceu a necessidade de dissolver os
problemas que envolviam a noção de “correspondência”.
Vejamos o primeiro deles.
Brentano reconheceu que seria preciso esclarecer o
modo aristotélico de conceber a ligação daquilo que está
ligado e a separação daquilo que está separado. Tratava-se,
disse ele, das seguintes afirmações de Aristóteles:

Aristóteles diz, em seu livro ‘De Interpretação’,


que juízo consiste em uma interligação de
pensamentos  e que
ele seria uma composição (). E essa
consiste no fato de que, quando se julga, toma-se
uma coisa real como unida ou como separada de
alguma outra coisa que é igualmente real (Grifos
nossos). Tomando-se por coisas unidas, aquelas
efetivamente unidas, e por coisas separadas,
aquelas que são efetivamente separadas, então se
julga verdadeiro. No caso contrário, falso, quando
se procede contrariamente para com as coisas..13

Übereinstimmung des Urteils mit den wirklichen Dingen erklärt.


BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 7.
13„ARISTOTELES sagt in seinem Buch De Interpretatione, das Urteil
bestehe in einer Verflechtung von Gedanken
(), es sei eine Zusammensetzung
(). Und diese bestehe darin, daß man, wenn man urteile,
etwas Reales mit etwas Realem für verbunden, für eins oder etwas
Reales von etwas Realem für getrennt, geschieden halte. Halte man
für verbunden Dinge, die wirklich verbunden, für getrennt Dinge,
die wirklich getrennt seien, so urteile man wahr; falsch dagegen,
12
Segundo a análise brentaniana, essa definição de
verdade incorria em ambiguidades, pois ela sustentava a
interpretação proposta por “[...] aqueles que, por verdade,
imaginam dada certa relação de identidade ou similitude, ou
mesmo semelhança, entre um pensamento e uma realidade
(Realität)” 14.
Orientado pela teoria do juízo fundada na filosofia
do psíquico, desenvolvida a partir de 1889, Brentano
considerou que “[...] a proposição segundo a qual a verdade
seria a concordância do juízo com a coisa (ou toda formulação
similar) ou é necessariamente falsa ou deve ser compreendida
de uma maneira inteiramente diferente”15. De fato, Brentano
pretendeu afirmar a segunda hipótese dessa bifurcação, para
sustentar a tese de que a verdade seria a concordância entre o
juízo e “algo”, embora esse “algo” não fosse uma “coisa real”.
Assim, por meio de um silogismo disjuntivo, ele apresentou as
clássicas contradições que envolviam a possibilidade de
concordância entre alguns juízos e as coisas reais. Tais
contradições envolviam tanto os casos de alguns juízos
negativos, como os casos de alguns juízos afirmativos. Com o
propósito de apontar textualmente o problema, exporemos
separadamente cada uma dessas classes de impossibilidades

wenn man sich entgegengesetzt wie die Dinge verhalte“.


BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 18-19.
14„Welche bei der Wahrheit eine gewisse Relation der Identität oder
Gleichheit oder Ähnlichkeit von einem Denken und einer Realität
gegeben glauben“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 23.
15„Wir sehen: der Satz, die Wahrheit sei die Übereinstimmung des
Urteils mit der Sache (oder wie man sich ähnlich ausdrücken mag),
muß entweder grundfalsch oder ganz anders zu verstehen sein“.
BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 23.
13
que Brentano pretendeu eliminar de sua teoria da verdade,
começando pelas primeiras.
A possibilidade de correspondência, entre os juízos
negativos e as coisas, foi exemplificada por Brentano, como
descreve a citação a seguir, a partir do fato de que aquilo que
deveria ser o correspondente do juízo negativo verdadeiro não
existe como coisa real. Ou, nos termos brentanianos, é um
existente não-real.

A dúvida explicita-se de maneira particularmente


clara no caso da simples negação. Se a verdade
‘não existe dragão’ consistisse em uma
concordância de meu juízo com uma coisa (Ding),
qual deveria ser então esta coisa (Ding)? Não o
dragão, o qual nem se quer existe (nicht vorhanden
sein). Nem tampouco, no entanto, qualquer real
(irgendwelches Reale), o qual (como concordante)
pudesse ser considerado.16

O argumento exposto, como sustenta Brentano,


propõe a refutação da tradicional interpretação da noção de
correspondência de um juízo a uma coisa real, baseando-se no
fato de que os juízos negativos verdadeiros, assim o são,
independentemente da realidade daquilo que está sendo
afirmado. Isto significa que Brentano já está analisando a
correspondência dos juízos negativos baseado nos critérios de

16„Besonders im Falle der einfachen Leugnung tritt das Bedenkliche


klar hervor. Wenn die Wahrheit: ‚es gibt keinen Drachen‘ in einer
Übereinstimmung zwischen meinem Urteil und einem Dinge
bestände, welches sollte dann dieses Ding sein? Der Drachen doch
nicht, der ja dann gar nicht vorhanden ist. Aber ebensowenig ist
irgendwelches Reale da, das (als übereinstimmend) in Betracht
kommen könnte“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 22.
14
sua Psicologia descritiva. Em outras palavras, ele está
pressupondo apenas a realidade do ato de representar “algo”
(cuja existência pode ser real ou não real) e não a realidade
daquilo que é representado. O mesmo ocorre, como
destacamos na citação que se segue, com o juízo negativo de
existência.

Algo completamente similar ocorre, no entanto, no


caso onde eu não nego uma coisa (Ding) de modo
absoluto, mas nego apenas algo (etwas) como
determinação real (reale) de outro. Quando eu
digo “algum homem não é negro”, é necessário
então para a verdade da sentença, como nós já
dissemos, não um negro separado do homem, mas
sim a falta de negro no homem, a qual existe na
realidade (der in Wirklichkeit ist). Esta falta, este
não-negro, é como tal coisa alguma (kein Ding),
assim é novamente coisa alguma (kein Ding) dada
na realidade (in Wirklichkeit gegeben) que
concorda com este meu juízo. Aponta-se assim,
como dissemos, garantido primeiramente por
todos os juízos negativos (e inequivocamente pelas
negações simples), que não existia aquela relação
de concordância entre juízo e realidade (Realität), a
qual pretensamente pertenceria a cada juízo
verdadeiro.17

17„Ganz ähnlich aber verhält es sich auch in den Fällen, wo ich ein
Ding nicht schlechtweg leugne, sondern nur etwas einem anderen
als reale Bestimmung abspreche. Wenn ich sage: irgendein Mensch
sei nicht schwarz, so ist -- wir sagten es bereits - zur Wahrheit des
Satzes nicht ein Schwarz getrennt von Mensch, sondern der Mangel
eines Schwarz an dem Menschen, der in Wirklichkeit ist,
erforderlich. Dieser Mangel, dieses NichtSchwarze aber ist als
15
Indicada a primeira impossibilidade de
correspondência, passemos à segunda classe de contradição
que envolve a impossibilidade de correspondência entre os
juízos e as coisas reais. Ainda segundo Brentano, além dos
juízos negativos verdadeiros, os juízos afirmativos verdadeiros
também explicitam a impossibilidade de correspondência
entre um juízo e uma coisa real. Tal como descreve a citação a
seguir, a impossibilidade torna-se evidente quando aquilo que
deveria ser o correspondente desse juízo verdadeiro não existe
necessariamente como coisa real, ou seja, quando se trata de
uma coleção de coisas, de partes da coisa, de limites de tal
coisa, de algo no futuro ou no passado etc. Portanto, em
função desta inexistência de coisas reais, que são
necessariamente correspondentes aos juízos afirmativos
verdadeiros, Brentano concluiu que a interpretação tradicional
da concepção adaequatio rei et intellectus estava completamente
abatida. Vejamos seu argumento.

O outro caso, onde parece se mostrar a mesma


coisa, nós encontramos imediatamente quando
examinamos de modo claro toda a extensão do
âmbito no qual se exerce a função afirmativa. Nós
descobrimos, então, que embora o juízo afirmativo
se refira frequentemente às coisas (Dinge), também
não deixa de tratar de objetos (Gegenstände) – eu
clarificarei agora a partir de alguns exemplos – os
quais não são designados de modo algum com o

solches kein Ding; also ist wieder kein Ding als das, was mit diesem
meinem Urteile übereinstimmte, in Wirklichkeit gegeben. - So zeigt
sich denn, wie gesagt, zunächst bei allen wahren, negativen Urteilen
(und am unverkennbarsten freilich bei den einfachen negativen), daß
jene Relation der Übereinstimmung zwischen Urteil und Realität, die
angeblich zu jedem wahren Urteil gehören würde, nicht vorhanden
ist“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz,p. 22.
16
nome “coisa” (Dinge). Onde, então, um juízo
afirmativo se refere às coisas (Dinge), seja ele o que
simplesmente reconhece uma coisa (Ding), seja ele
o que atribui outra determinação real (Reale) a
uma realidade (Realität), nós certamente
poderíamos mostrar, no caso da verdade, uma
concordância das coisas (Dinge) com o juízo. Onde
não fosse o caso, no entanto, como deveríamos ser
capazes de dar conta de semelhante concordância?
De fato, nossos juízos afirmativos verdadeiros, às
vezes dizem respeito a uma coisa, a um coletivo de
coisas, às vezes a uma parte, um limite de tal coisa
etc – meros objetos (Gegenstände), os quais são
eles mesmos coisas alguma (keine Dinge). Ou, no
entanto, se alguém se atrevesse ainda a afirmá-los,
ele pretenderá, talvez ainda do mesmo modo,
afirmar um ser que se encontra fora de mim como
uma coisa (Ding), o qual eu conheço como passado
remoto ou como futuro distante? E ainda, o que
acontece quando eu reconheço a falta e quando eu
reconheço a ausência de uma coisa? Ele dirá que
essa falta, que esta ausência em uma coisa, é
também uma coisa? E ainda, quando eu digo que
existe uma impossibilidade ou existe certas
verdades eternas – por exemplo, as leis
matemáticas – ele acreditará aqui talvez que, algo
semelhante às ideias platônicas, existiriam no
mundo ou fora dele seres eternos concordantes
com meu juízo? Certamente não. Parece que o
conceito de adaequatio rei et intellectus foi aqui
completamente desfeito.18

18 „Der andere Fall, wo sich dasselbe zu zeigen scheint, begegnet uns


17
A partir da exposição de tais impossibilidades, a
análise brentaniana inferiu a necessidade de uma nova
interpretação para aquilo que seria a concepção aristotélica de
concordância entre o juízo e “algo”. Apresentado o ponto de
partida brentaniano, passemos agora à apresentação do
problema filosófico da verdade, para o qual Brentano
apresenta uma solução no interior da sua filosofia do psíquico.

sofort, wenn wir den Umfang des Gebietes, in welchem die


affirmative Funktion geübt wird, klar überblicken. Wir finden dann,
daß sich das affirmative Urteil zwar oft auf Dinge bezieht; aber auch
- ich werde dies sogleich an Beispielen verdeutlichen - daß es oft auf
Gegenstände geht, die keineswegs mit dem Namen "Dinge" zu
benennen sind. Wo sich nun ein affirmatives Urteilen auf Dinge
bezieht, sei es daß man einfach ein Ding anerkennt, sei es daß man
einer Rea1ität eine weitere reale Bestimmung zuspricht, da werden
wir allerdings im Falle der Wahrheit eine Übereinstimmung der
Dinge mit dem Urteil aufweisen können. Wo aber nicht, wie sollten
wir da noch ebenso dasselbe zu tun vermögen? Und tatsächlich geht
unser wahres, affirmatives Urteilen, wie manchmal auf ein Ding, so
ein anderes Mal auf ein Kollektiv von Dingen; dann wieder einmal
auf einen Teil, auf eine Grenze von einem Ding und dergleichen -
lauter Gegenstände, die selber keine Dinge sind. Oder, wenn einer
dies doch noch zu behaupten wagte, wird er vielleicht ebenso noch
behaupten wollen, ein Wesen, das ich als längst vergangen oder als
fern zukünftig erkenne, sei außer mir als Ding zu finden? Und weiter
noch! Wie ist es, wenn ich den Mangel, wenn ich das Fehlen eines
Dinges anerkenne? wird er sagen, dieser Mangel, dieses Fehlen eines
Dinges sei auch ein Ding? Und wieder, wenn ich sage, es bestehe
eine Unmöglichkeit oder es gebe gewisse ewige Wahrheiten, wie z.
B. die mathematischen Gesetze; wird er da vielleicht glauben, daß,
ähnlich etwa den platonischen Ideen, mit einem Urteile
übereinstimmende ewige Wesen irgend wo in oder außer der Welt
beständen? Gewiß nicht. - Der Begriff der adaequatio rei et intellectus
scheint hier ganz und. gar in Brüche zu gehen“]. BRENTANO,
Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 22-23.
18
2.3 A orientação cartesiana para dissolução dos
equívocos concernentes ao conceito de verdade

O problema filosófico norteador do conceito de


verdade, tal como a análise brentaniana o expôs, foi
introduzido na história da filosofia pelo sofista Górgias.
Tomando esse fato histórico-filosófico por base, a
argumentação brentaniana tomou como boneco de palha a
clássica problematização apresentada por Górgias, pois, ao
analisar as teses pré-socráticas e sofísticas, Górgias havia sido
o primeiro a apontar as consequências problemáticas
decorrentes da noção de verdade como correspondência.
Brentano sintetizou a crítica de Górgias à noção de verdade
como correspondência do seguinte modo:

Górgias nega, consequentemente, que algo real


seja conhecido e, ainda que fosse o caso, que o
conhecimento poderia ser comunicado entre um e
outro. A não ser consigo mesmo, nada corresponde
completamente a qualquer coisa. O que está fora
de mim, não está em mim. O que está em mim e
permanece, não passa para outro. Não há, assim,
verdade e não há meio possível de comunicar a
verdade. Se alguma coisa por nós pensada
precisasse ser designada como verdadeira, dizia
Górgias, então tudo o que nós pensamos seria
designado como verdadeiro, pois cada
pensamento é um consigo mesmo e diferente de
todos os outros. O fato de que, no entanto, cada
pensamento fosse designado como verdadeiro,
também o seria quando eu pensasse em uma
19
batalha de carroças sobre o mar, o que seria uma
contradição.19

Ainda que a questão de Górgias não tenha sido


apresentada de modo rigoroso, o propósito de Brentano era
descrever o modo como o problema da verdade colocado por
Górgias, caracterizado como problema fundamental da teoria
do conhecimento, poderia ser dissolvido pela sua filosofia do
psíquico. De que modo? Por meio da aplicação dos critérios de
análise encontrados na descrição das relações entre as partes e
o todo da consciência, norteadores dos fundamentos teóricos
da sua Psicologia descritiva.
A análise brentaniana explicitou que a solução
para o problema levantado pelo sofista Górgias “[...] estava
baseado na confusão acerca de uma diferença que Descartes
classificou como distinção entre realidade formal e realidade
objetiva”20. Ressaltou, no entanto, Brentano, acerca dessa

19 „GORGIAS leugnet daraufhin, daß irgend etwas Wirkliches


erkennbar, und daß, wenn dies sogar der Fall wäre, die Kenntnis von
einem dem anderen mitteilbar sei. Vollkommen stimmt nichts mit
etwas überein außer mit sich selbst. Was außer mir ist, ist nicht in
mir, was in mir ist und bleibt, geht nicht in einen anderen über. Also
ist keine Wahrheit und keine Mitteilung von Wahrheit möglich.
Wenn etwas, was wir denken, wahr zu nennen wäre, meinte
GORGIAS, so wäre alles, was wir denken, wahr zu nennen; denn
jeder Gedanke ist mit sich eins und jeder von allen anderen
verschieden. Daß aber jeder Gedanke wahr zu nennen wäre, auch
wenn ich einen Wagenkampf auf dem Meere denke, sei ein
Widersinn“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 7-8.
20 „Es beruht auf der Verkennung eines Unterschiedes, den
DESCARTES als den Unterschied von formaler und objektiver
Realität bezeichnet“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p.
17.
20
solução cartesiana, “[...] bem antes dele, Aristóteles já havia
elucidado inteiramente, o que lhe permitiu superar as
absurdidades e os sofismas de Parmênides, Empédocles,
Górgias, Protágoras, entre outros”21. Tal como comenta a
citação a seguir, a solução do problema consistia em
distinguir, em um ato psíquico de crença, os elementos
constituintes da realidade formal e os elementos constituintes
da realidade objetiva:

Quando eu creio algo, esta crença está


“formalmente” em mim. Quando mais tarde eu me
recordo dessa crença, então ela está, segundo a
expressão de Descartes, “objetivamente” em mim.
Trata-se do mesmo ato individual de crença, mas
no primeiro caso eu o exerço e no outro caso ele é
apenas o objeto imanente da atividade de
rememoração, a qual eu exerço.22

A análise de Brentano, exposta na citação acima,


pressupõe as seguintes interpretações para os contextos da
realidade formal e da realidade objetiva.

21„den aber lange zuvor schon ARISTOTELES ins volle Licht setzte
und dadurch die Absurditäten und die Sophistereien des
PARMENIDES, EMPEDOKLES, GORGIAS, PROTAGORAS u.a.
Überwand“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 17.
22„Wenn ich etwas glaube, so ist dieser Glaube "formal" in mir.
Wenn ich mich später dieses Glaubens erinnere, so ist er nach
DESCARTES Ausdruck "objektiv" in mir; es handelt sich um
denselben individuellen Glaubensakt; aber das einemal übe ich ihn
aus, das andere Mal ist er nur der immanente Gegenstand der
Erinnerungstätigkeit, die ich übe“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und
Evidenz, p. 18.
21
No contexto da realidade formal, o ato psíquico de
crer consistiria formalmente na crença. Nesse caso, a crença
seria o ato psíquico em seu pleno exercício (ou, nos termos
brentanianos, um juízo). Assim, caracterizado como juízo, o
ato psíquico de crer pressuporia um ato psíquico de
representar “algo”. As seguintes proposições podem ilustrar a
análise de Brentano. A proposição “creio que ouço tal som”
deve ser reduzida a sua forma psíquica “é verdade, que ouço
tal som”. Além disso, estes dois modos são descritos como
predicações existenciais do tipo [(A)é], pois “A” descreve
“ouço tal som” e “é” descreve o ato judicativo de atribuição do
modo de existência afirmativo à proposição “A”. Do mesmo
modo, a proposição “não creio que ouço tal som” deve ser
reduzida a sua forma psíquica “não é verdade, que ouço tal
som”. Estes dois modos também são descritos como
predicações existenciais do tipo [(A) não é], pois “A” descreve
“ouço tal som” e “não é” descreve o ato judicativo de
atribuição do modo de existência negativa à proposição “A”.
No contexto da realidade objetiva, o ato psíquico
de lembrar estaria constituído objetivamente da crença.
Pergunta-se, então, de que modo? Neste caso, a crença seria o
objeto imanente ao ato psíquico de lembrar, caracterizado
como uma representação. Podemos recorrer às proposições
anteriores para exemplificar o ponto analisado por Brentano.
Tomadas como atos psíquicos básicos, o ato de ouvir “algo” e
o ato de lembrar “algo” seriam representações, ou seja, atos de
representar objetos imanentes correlatos. Nos exemplos que
apresentamos, o correlato do ato de ouvir seria “o som
ouvido” e o correlato do ato de lembrar seria “o ato de ter
acreditado que ouvi algo”. Assim, para Brentano, aquilo que
era um ato de 2º tipo (juízo como crença) passava a ser
concebido como uma parte distinguível de um ato de 1º tipo
(lembrança, como representação de “uma crença em algo”).
Vejamos os detalhes dessa distinção quando aplicada aos
22
critérios de análise encontrados na descrição das relações entre
as partes e o todo da consciência, norteadores dos
fundamentos teóricos da Psicologia descritiva.
No caso da realidade formal da crença, o ato de
julgar positivamente (crer) seria distinguível em objeto
primário e objeto secundário. O objeto primário teria, por um
lado, o ato de representar dirigido ao objeto imanente. E, este
último, por outro lado, constituiria o correlato representado. O
objeto secundário teria, por um lado, o ato de julgar afirmativo
(crer) atribuindo realidade (o ser-real) ao objeto primário (ato
de representar o objeto imanente), mas, no caso da realidade
objetiva da crença, o ato de lembrar algo consistiria num ato
de representar e, portanto, estaria dirigido a um objeto
representado. A crença seria, assim, esse objeto imanente
representado.
Se aplicarmos as distinções propostas pelos
critérios brentanianos de análise, podemos afirmar que,
enquanto realidade formal, a crença consistiria na atividade
objetiva secundária do ato de julgar; enquanto realidade
objetiva, a crença consistiria no correlato do ato de lembrar, ou
seja, no objeto imanente dado nessa relação intencional.
Ao tomar por base seus critérios de descrição da
relação entre as partes e o todo da consciência, e descrever
distintamente esses dois modos cartesianos de atividade
psíquica (realidade formal e realidade objetiva), Brentano
encontrou a sua tese sobre a verdade como correspondência.
Essa tese considerava que apenas a descrição da realidade
formal poderia explicitar, de modo evidente, a
correspondência que seria própria da atividade de
conhecimento. Seriam os juízos, à medida que estavam
estruturados pelas relações psíquicas primárias e secundárias
(Diploseenergie), e não as representações constituídas por
realidades objetivas, que explicitariam a noção de verdade
23
como correspondência na teoria brentaniana do conhecimento.
Esse era, para Brentano, o argumento fundamental para a
rejeição da atribuição de verdade à classe das representações.
Por isso não havia como conceber as representações como
conhecimento.
É importante notar que essa distinção, estruturada
pelas relações psíquicas primárias e secundárias
(Diploseenergie), constituiu não apenas as atividades psíquicas
de segunda classe (juízos), mas também as atividades
psíquicas de terceira classe (sentimento de amor ou ódio). Tal
como Brentano ressalta na citação seguinte, esse deveria ser o
locus de toda teoria do conhecimento e, inclusive, da teoria do
conhecimento moral:

Algo análogo ocorre com todas as outras funções


psíquicas como vontade, desejo, aversão etc. Com
o ato psíquico, o qual é dado formalmente, algo é
dado como objeto imanente do ato psíquico,
portanto objetivamente para falar como Descartes,
ou intencionalmente, como nós consideramos
melhor expressar a fim de evitar mal-entendidos.
Evidentemente, não há qualquer contradição em
que algo individual seja intencional em mim e não
seja formal, ou o contrário, o que poderíamos
explicitar por meio do exemplo da memória e
outros mil. O desconhecimento deste fato
manifesta-se como um retorno à pré-história da
teoria do conhecimento.23

23“Ähnlich ist bei jeder anderen psychischen Funktion, Wollen,


Begehren, Fliehen usw. Mit dem psychischen Akt, der formal
gegeben ist, etwas als immanenter Gegenstand des psychischen
Aktes, also mit DESCARTES zu reden objektiv, oder wie wir, um
24
O exposto é suficiente para apresentar a estrutura
psíquica utilizada por Brentano para interpretar a noção
aristotélica de verdade como correspondência.

2.4 A interpretação brentaniana e a evidência do


juízo como dissolução para os equívocos
concernentes ao conceito de verdade

Passemos, então, à interpretação brentaniana


propriamente dita, tomada à luz dos critérios de análise da
obra Psicologia descritiva. Vejamos o que ele disse:

De modo semelhante a Aristóteles, quando ele


esclarece que um juízo é verdadeiro quando ele
considera unido o que está unido e assim por
diante, nos podemos de todo modo dizer daqui em
diante: é verdadeiro o juízo quando afirma de algo
(etwas) que é, que ele é. E, nega que algo (etwas)
que não é, que ele seja (de modo contrário, falso,

Mißverständnisse zu vermeiden, uns besser ausdrücken werden,


intentional gegeben. Und es enthält offenbar gar keinen
Widerspruch, daß individuell dasselbe intentional in mir und formal
nicht in mir sei oder umgekehrt, was wie durch das Beispiel der
Erinnerung durch tausend andere anschaulich gemacht werden
könnte. Die Verkennung dieser Tatsache erscheint wie ein Rückfall
in die rohesten Zeiten der Erkenntnistheorie“. BRENTANO, Franz.
Wahrheit und Evidenz, p. 18.
25
uma vez que, em vista disto que é e disto que não,
o juízo adotaria uma posição contrária).24

A citação acima nos coloca diante da relação entre


verdade e ser. Antes de abordarmos esse ponto, é interessante
ressaltar os pressupostos da análise brentaniana. Brentano
sustentou a tese aristotélica de que a verdade e a falsidade,
tomadas no sentido próprio, se encontravam no juízo25, mas,
segundo sua análise, isso significava que o juízo consistia na
predicação existencial da representação, fosse ela simples
[(A)é] ou composta [(A é B)é]. Por isso, a análise brentaniana
precisou definir o estatuto epistemológico desse modo de ser
caracterizado pela predicação existencial.
Brentano movimentou-se dentro dos limites da sua
própria tese doutoral e valeu-se da teoria dos múltiplos sentidos
do ser para distinguir entre realidade e existência. Assim, em
1889, as partes constituintes de um ato psíquico de juízo foram
distinguidas também em função dos múltiplos sentidos do ser
que caracterizam os componentes distinguíveis mais
elementares. Por um lado, o correlato do ato constituinte da

24 „Und so können wir denn, ähnlich wie ARISTOTELES, wenn er


erklärt, wahr sei ein Urteil, wenn es für zusammen geeinigt halte,
was zusammen geeinigt sei, und wie er sich des weiteren
ausdrückte, allerdings nunmehr sagen: wahr sei ein Urteil dann,
wenn es von etwas, was ist, behaupte, daß es sei; und von etwas,
was nicht ist, leugne, daß es sei (falsch aber, wenn es mit dem, was
sei und nicht sei, sich im Widerspruch finde)“. Brentano, Franz.
Wahrheit und Evidenz, p. 24.
25 “A verdade e a falsidade tomadas no sentido próprio se encontram
no juízo. Assim, todo juízo é verdadeiro ou falso“. [„Die Wahrheit
und Falschheit im eigentlichen Sinne findet sich im Urteil. Und zwar
ist jedes Urteil entweder wahr oder falsch“]. Brentano, Franz.
Wahrheit und Evidenz, p. 6.
26
relação psíquica primária seria existente ou não existente.
Nesse caso, enquanto relação intencional básica, a
representação referia-se ao correlato que seria “algo” existente,
mas também seria “não algo” ou não existente. Por outro lado,
o ato constituinte da relação psíquica secundária seria o modo
de atribuição de realidade ou negação de realidade. Nesse
caso, enquanto atividade psíquica, o juízo seria real em sentido
positivo e negativo. Essa realidade (Wirklichkeit) consistiria na
própria atividade da consciência. Enquanto relação intencional
complexa (Diploseenergie), o juízo se dirigiria (valoraria)
positivamente ou negativamente a representação de “algo” e
“não algo” correlata. Embora fosse uma reorientação
relativamente simples, o próprio Brentano reconheceu que a
tradição filosófica não se apercebeu das vantagens dessa
distinção:

Enfim, nós não estaremos tentados a confundir,


como é recorrente, o conceito de real (des Reale)
com o conceito de existente (des Existierenden). Já
faz dois mil anos que Aristóteles analisou os
múltiplos sentidos do ser (des Seienden). É
lamentável, mas verdadeiro, que ainda hoje a
maioria nenhum proveito tenha tirado de suas
investigações.26

26”Wir werden endlich nicht, wie es immer und immer wieder


geschieht, den Begriff des Realen und den des Existierenden zu
verwechseln versucht sein. Ein paar tausend Jahre ist es her, seitdem
ARISTOTELES die mannigfachen Bedeutungen des Seienden
untersuchte; und es ist traurig, aber wahr, daß noch heute die
meisten aus seinen Forschungen keine Frucht gezogen haben“.
BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 27.
27
Essa reorientação epistemológica assumida por
Brentano no interior do pensamento aristotélico e cartesiano
teve outra implicação. Ela estabeleceu o critério que sustentava
as quatro consequências fundamentais da definição de
verdade como correspondência. Vejamos como isso ocorreu.
Em primeiro lugar, tal como estabelece a citação a
seguir, esse critério permitiu que Brentano reconhecesse o
campo coberto pelo juízo como ilimitado. Em outras palavras,
ao ser caracterizado como uma relação psíquica secundária,
todo juízo tinha por base uma representação que se
caracterizava como relação psíquica primária. Assim, qualquer
representação poderia fazer parte do campo de atividade do
juízo. Ora, isso significava que poderia ser julgada como
verdadeira ou falsa a representação que supunha “algo”
(existente), como correlato do ato de representar, mas também
poderia ser julgada verdadeira ou falsa a representação que
supunha “não algo” (não existente) como correlato do ato de
representar. E, por que isso foi possível a partir de 1889?
Porque o fenômeno psíquico do juízo foi descrito como uma
atribuição de realidade (ser-real ou não-ser-real) à atividade
psíquica de representar. Desse modo, disse Brentano:

Quanto à extensão do domínio, ele é totalmente


sem limite. O material pode ser escolhido de
maneira totalmente arbitrária. Certamente, algo
(Irgend etwas) é sempre julgado. Mas o que significa
esse algo (Irgend etwas)? É um termo, o qual poderia
ser aplicado a Deus, ao mundo, a cada coisa (jedes
Ding) e não-coisa (Unding).27

27„Was den Umfang des Gebietes betrifft, so ist es schlechterdings


unbegrenzt. Die Materie kann ganz beliebig gewählt werden. ‚Irgend
etwas‘ wird freilich immer beurteilt. Aber was bedeutet dieses
28
Em segundo lugar, o modo de referência
intencional do juízo à representação explicitou uma estrutura
bipolarizada em afirmativa e negativa. Isso significava, tal
como afirmou Brentano, que “[...] este domínio totalmente
ilimitado se divide de imediato em dois”28: o juízo afirmativo e
juízo negativo. Além disso, essa “[...] oposição entre juízo
afirmativo e juízo negativo implica que, em cada caso, de fato,
uma única das duas modalidades será apropriada, enquanto a
outra não será”29. Ainda segundo Brentano, tratava-se aqui
“[...] disto que nós exprimimos ordinariamente quando
dizemos que, de dois juízos contrários, um é sempre
verdadeiro e outro é falso”30. Por isso, tratava-se, em terceiro
lugar, das descrições do domínio afirmativo do juízo como
atribuição de ser-real à representação e do domínio negativo
como atribuição de ser-não-real à representação. Como partes
do todo psíquico, o ser-real constituinte da atividade de julgar
estaria relacionado de alguma maneira com o existente, ou
seja, com o constituinte do correlato do ato de representar.
Essa relação, como ressalta Brentano a seguir, é o primeiro
indicativo da harmonia ou correspondência entre as partes do
ato psíquico:

‚Irgend etwas‘? Es ist ein Terminus, der auf Gott und die Welt, auf
jedes Ding und Unding angewendet werden könnte“. BRENTANO,
Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 24.
28“Dieses völlig grenzenlose Gebiet scheidet sich nun aber sofort in
zwei Teile“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 24.
29“Der Gegensatz des bejahenden und verneinenden Urteils bringt
es nämlich mit sich, daß in jedem Falle die eine und aber auch nur
die eine von den beiden Beurteilungsweisen passend und die andere
unpassend ist“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 24.
30 “Was wir gemeiniglich so ausdrücken, daß wir sagen, von zwei
kontradiktorischen Urteilen sei immer das eine wahr und das andere
falsch“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 24.
29
O domínio para o qual a forma afirmativa de
julgar é apropriada, nós o chamamos então
domínio do existente (Existierenden). Um conceito
que deve, certamente, ser distinguido de conceitos
tais como coisal (Dinglichen), consistente
(Wesenhaften) e real (Realen). O domínio para o
qual a forma negativa de julgar é apropriada, nós o
chamamos domínio do não existente
Nichtexistierenden).31

Brentano tomou, então, o que se explicitou a partir


desses três pontos para definir a noção de verdade como
correspondência ou concordância. Sua análise considerou que
a clássica definição aristotélica deveria reconhecer que a
verdade é a justa atribuição de realidade (ser-real) e irrealidade (ser-
não-real). Nesse caso, a contribuição da filosofia do psíquico
está na possibilidade de descrever a justeza desse ato de julgar.

2.5 A verdade como correspondência

A verdade é um juízo, relembrava Brentano


constantemente em suas referências aos argumentos
aristotélicos. Essa tese deveria ser concebida, no entanto, no

31 “Das Gebiet, für welches die bejahende Beurteilungsweise die


passende ist, nennen wir nun das Gebiet des Existierenden, ein
Begriff, der also wohl zu unterscheiden ist von dem Begriffe des
Dinglichen,Wesenhaften, Realen; das Gebiet, für welches die
verneinende Beurteilungsweise die passende ist, nennen wir das des
Nichtexistierenden“. BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p.
24.
30
seguinte sentido. A atividade psíquica do juízo consistiria na
relação intencional estruturada como relações psíquicas
primárias e secundárias (Diploseenergie). Assim, o ato psíquico
de julgar seria a atividade secundária que atribuiria realidade
(ser-real) ou irrealidade (ser-não-real) à relação psíquica
primária chamada ato de representar um objeto imanente
(existente ou não-existente), ou seja, a representação. Por isso,
esse ato explicitaria o ponto fundamental da teoria do
conhecimento, a saber, o fato de que a correspondência ou
concordância não poderia ser uma identidade ou semelhança,
mas deveria ser concebida como a harmonia, a pertinência ou
a correspondência. Essa harmonia ocorreria entre a atividade
de atribuição de realidade ou irrealidade (relação psíquica
secundária dirigida à relação psíquica primária) e a atividade
de representação de existentes ou não existentes (relação
psíquica primária chamada ato de representar um objeto
imanente, seja ele “algo” ou “não algo”). Vejamos, então, essas
duas características fundamentais que explicitam a noção de
verdade pressupostas no que acabamos de estabelecer.
Primeiramente, a harmonia ou correspondência de
um juízo verdadeiro, descrita por Brentano como justeza,
explicitava-se a partir de ambos os domínios afirmativos e
negativos do juízo. Em outras palavras, toda descrição do
domínio afirmativo do juízo (onde ocorreria a valoração da
verdade) mostraria que o verdadeiro se explicitava em dois
domínios. Por um lado, o verdadeiro explicitava-se na justa
atribuição de realidade (ser-real) à representação (quando ela
era uma referência a “algo” – ao existente). Por outro lado, o
verdadeiro explicitava-se na justa atribuição de irrealidade
(ser-não-real) à representação (quando ela era uma referência a
“não algo” – ao não existente). Além disso, e de modo
contrário, toda descrição do domínio negativo do juízo (onde
ocorreria a valoração da falsidade) mostraria que o falso
também se explicitava em dois domínios. Por um lado, o falso
31
explicitava-se na injusta atribuição de realidade (ser-real) à
representação (quando ela era uma referência a “não algo” –
ao não existente). Por outro lado, o falso explicitava-se na
injusta atribuição de irrealidade (ser-não-real) à representação
(quando ela era uma referência a “algo” – ao existente). Desse
modo, tornava-se compreensível o esforço teórico de Brentano
anunciado a seguir, ao redefinir a noção de correspondência
como harmonia ou concordância:

Em nenhum dos outros tantos modos ditos, além


dos que foram ditos aqui, se estabelece a
concordância do juízo verdadeiro com o objeto
(Gegenstande). Concordar não significa aqui ser
idêntico ou parecido, mas corresponder, ser
apropriado, ser pertinente, se harmonizar com, ou
outra expressão equivalente que se possa aplicar
aqui.32

Nesses termos, portanto, Brentano definiu a noção


de verdade como aquela noção que se originava da justa
atribuição psíquica de realidade (ser-real) e irrealidade (ser-não-real).
Tratava-se da justeza entre dois elementos reais (zwei
wirklichen Elemente): um elemento psíquico (a atividade de
juízo) e outro elemento também psíquico (a atividade de
representação).

32 „In nichts anderem als dem, was ich hier sage, besteht die
Übereinstimmung des wahren Urteils mit dem Gegenstande, von
der soviel gesprochen wurde. Übereinstimmen heißt hier nicht gleich
oder ähnlich sein; sondern übereinstimmen heißt hier entsprechend
sein, passend sein, dazu stimmen, damit harmonieren, oder was für
andere äquivalente Ausdrücke man hier noch anwenden könnte“.
BRENTANO, Franz. Wahrheit und Evidenz, p. 25.
32
2.6 Considerações finais

Como parte de um projeto inacabado em 1889, essa


definição brentaniana de verdade assumiu uma posição
central na filosofia do psíquico de Franz Brentano. Ao lado dos
problemas oriundos da fundamentação da noção de relação
intencional, os problemas relacionados à verdade dos juízos
evidentes e à evidência da preferência justa passaram ao
centro da análise brentaniana a partir de 1889.
Posteriormente, Brentano levou os resultados de
sua filosofia do psíquico às últimas consequências e propôs, a
partir de 1905, uma reformulação radical do seu projeto de
filosofia do psíquico. Essa virada radical, chamada de Reísmo,
caracterizou-se pela fase em que Brentano descreveu o modo
concreto ou individual como modo exclusivo de existência das
coisas. No entanto, não se tratou de um abandono puro e
simples da sua teoria da relação intencional, com suas
implicações no conceito de verdade evidência e no conceito de
justa preferência moral. Pelo contrário, tal virada consistiu na
radicalização da sua teoria da relação intencional com o
propósito de assegurar a evidência do conhecimento
verdadeiro e justa preferência moral.
Deste modo, a análise aqui exposta consiste no
passo fundamental para a compreensão da fase final do
pensamento brentaniano. Por esse motivo, também, torna-se
extremamente relevante a apresentação da interpretação
brentaniana do conceito aristotélico de verdade como
correspondência, bem como sua reelaboração baseada na
descrição da atividade psíquica do juízo, como fonte originária
do conhecimento do verdadeiro e do falso.

33
2.7 Referências

ALBERTAZZI, Liliana. Immanent realism: an introduction to


Brentano. Dordrecht: Springer, 2006.

BRENTANO, Franz. Aristóteles: vida e obra. Trad.: BRITO,


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_____. Psicología desde un punto de vista empírico. Trad.: José
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_____. Psycologie du point de vue empirique. Trad.: Mauricio de


Gardillac. Paris: Aubier, 1944.

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Trad.: Manuel Abella. Madrid: Ediciones Encuentro, 2007.

_____. Von der mannigfachen Bedeutung des Seienden nach


Aristoteles. Freiburg: Herder, 1862.

BRITO, Evandro O. A descrição da atividade intencional da


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Marília: Kínesis, Vol. IV, n° 07, 2012. p. 174-187 Disponível em:
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______. Franz Brentano e a descrição dos atos psíquicos


intencionais: uma exposição esquemática do manuscrito
Psychognosie de 1890. Recife: Ágora filosófica, Vol. I, no 1, 2012.
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exposição esquemática da análise de Franz Brentano
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Franz Brentano. 2012. 214 f. Tese (Doutorado em Filosofia) –
Programa de Estudos Pós-graduados em Filosofia, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2012.
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37
3. APRESENTAÇÃO33

A minha teoria do conhecimento foi acusada de


psicologismo; uma palavra surgida recentemente, em função
da qual alguns filósofos religiosos se benzem como se nela
estivesse o próprio diabo, tal como alguns católicos ortodoxos
por causa do nome Modernismo.
Para responder a uma acusação tão séria, eu devo
primeiramente questionar o que realmente se quer dizer com
isso, pois se está recorrentemente com esse nome à mão,
também onde se trata de coisas muito diferentes. Quando eu
pedi um esclarecimento em um amigável encontro com
Husserl, e oportunamente com outros que tinham na boca esse
novo termo por ele introduzido, disseram-me que com isso se
define uma teoria a qual contesta a validade universal do
conhecimento, uma teoria segundo a qual outros seres, além
dos humanos, poderiam ter conhecimentos (Einsichten) que se
opõem diretamente ao nosso.

33 Este texto de Franz Brentano, introduzido aqui deliberadamente


como apresentação da sua análise acerca do conceito de verdade, não
fez parte da referida palestra e nem mesmo fui anexado a essa no
momento de sua publicação. Esta apresentação consiste, na verdade,
no suplemento XI, intitulado Vom Psychotogismus, o qual foi
publicado em 1911 como uma parte dos apêndices da edição
denominada Klassifikation der psychischen Phänomene. Achamos por
bem introduzi-la aqui como apresentação, pois o tema nela tratado
cumpre perfeitamente essa função. Sua primeira tradução foi
publicada recentemente na Revista Peri. Cf. BRENTANO, 2013, p.
169-172.
38
Entendido neste sentido, eu não apenas não sou
psicologista, mas eu sempre rejeitei enfaticamente e combati
tal subjetivismo absurdo.
Acerca disso, contudo, eu ouço em retribuição que
eu ainda sou psicologista e suprimo a unidade da verdade
universal, pois esta consiste apenas no fato de que o juízo
verdadeiro corresponde a algo fora do espírito (Geistes), o qual
é um e o mesmo para todo aquele que julga. No caso dos
juízos negativos e nos casos daqueles que descrevem algo
como possível, impossível, passado ou futuro, esse algo não
poderia entretanto ser uma coisa. Como eu sustendo como
algo existente, ao lado das coisas, também as não coisas
indeterminadas, não seres (Nichtsein), possibilidades,
impossibilidades, seres-passados, seres-futuros e similares, eu
deixei escapar aqui a unidade da verdade universal.
Eu respondo que, mesmo se a eliminação da
universalidade do conhecimento fosse consequência de tal
negação, ainda não se poderia me rebaixar como psicologista,
pois eu mesmo não aponto essa consequência. Poder-se-ia
dizer apenas, algo como, eu apenas estabeleci frases nas quais
as conclusões poderiam levar ao psicologismo.
Nem isto também está correto, pois por que não
poderia ser autoevidente, também sem a pressuposição de tais
não-coisas, que dois juízos, dos quais um reconhece de certo
modo o que o outro rejeita do mesmo modo, também não são
ambos corretos quando duas pessoas diferentes os fazem
ambos, que quando uma e a mesma pessoa os faz?
Certamente, ninguém afirmará que mesmo que tais não-coisas
existam, a percepção (Wahrnehmung) dessas não-coisas, e sua
comparação com os próprios juízos, deva preceder o
conhecimento da verdade ou falsidade de nossos juízos na
concordância ou na não concordância de um com o outro. De
modo contrário, será sempre o caso que percepções
imediatamente evidentes de coisas, e negações imediatamente

39
evidentes de relações que são dadas na nossa representação,
ofereçam o suporte último para nossa avaliação crítica do
pensamento de outrem, bem como do nosso próprio
pensamento.
Isto tudo para me defender da fala depreciativa, e
de minha parte difícil de acreditar, que se teriam ouvido da
boca de alguns dos meus próprios alunos. De modo contrário,
então, e para excluir algo pior, eu deveria interpretar isso
como sinal de extrema fraqueza de memória. [Se ainda hoje
muitos que falham ao reconhecerem a natureza da evidência,
confundem a validade lógica com a necessidade genética do
pensamento, seja para o indivíduo, seja para a totalidade do
gênero humano. Eu pelo menos, tanto em minhas preleções
como em meus escritos, sempre distingui com clareza entre o
sentido da necessidade natural e o sentido da corretude de um
ato. Sim. Ninguém, nem antes e nem depois de mim (e Husserl
não está excluído), foi capaz de se expressar clara e
incisivamente sobre isso, tal como eu fui.].
Mas, não! Existe ainda uma terceira hipótese.
Sabemos como são os humanos e como seus conceitos mudam
imperceptivelmente, de onde se segue que, em decorrência das
equivocidades, eles não sabem exatamente o que dizem.
Assim, algo humano de tal espécie pode ter ocorrido com os
que me chamam de psicologista. Nesse caso, não apenas o
subjetivista, mas também deveria ser acusado de psicologismo
aquele que crê que a psicologia tem qualquer palavra a
acrescentar na lógica e na teoria do conhecimento. Mas,
quanto mais eu condeno o subjetivismo, menos eu serei levado
pela sedução de ignorar essa verdade. Pelo contrário, ela está
tão firmemente determinada para mim, que me deveria
parecer paradoxal e até absurdo se alguém negasse que
conhecimento é juízo e o juízo pertence ao domínio da
psicologia. Considera-se também que, se outros seres além de
nós compartilham conosco o conhecimento, aquilo que eles

40
compartilham deve estar no domínio psíquico humano e
apenas aqui é diretamente acessível para a investigação
científica.

Franz Brentano.

41
4. SOBRE O CONCEITO DE VERDADE

Trabalho apresentado à Sociedade filosófica de Viena em 27


de março de 1889

1. Quando Aristóteles fundou a ciência, em sua


maior amplitude, ele precisou de uma terminologia científica
que não existia. Aristóteles precisou estabelecê-la para si e,
com isso, comprovou sua grande prudência e seu fino tato
científico. Ele introduziu uma série de nomes completamente
novos. Outros nomes, os quais ele tomou emprestado da
linguagem ordinária, ele definiu-os precisamente quando
eram imprecisos e, quando eram ambíguos, ele distinguiu-
os seus múltiplos sentidos, esclarecendo-os todos pela
separação entre os componentes conceituais dos conteúdos.
2. Equívocos inimagináveis foram, então,
explicitados a partir do nome causa, do nome parte e também
do próprio nome ser. Certas formas de equívocos foram
encontradas quase universamente em cada palavra ou, ao
menos, em classes inteiras de palavras. Por exemplo, a
ambiguidade em virtude da qual nós designamos com um
mesmo nome seja uma atividade, seja uma capacidade, seja
uma disposição para ação. Frequentemente, nós dizemos de
um homem que ele vê, em oposição ao cego, ainda quando ele
tem os olhos fechados: ele tem a capacidade de ver.
Frequentemente, nós dizemos de alguém que ele não ouve, e
com isso queremos dizer que ele é surdo. Dizemos, o homem é
um ser pensante, computando ainda sem contradição alguém
que está desmaiado. Dizemos que saber é conhecer a partir das
causas, mas atribuímos sabedoria ao erudito, ainda quando
dorme, em razão da permanência das disposições adquiridas.
Dizemos, de modo contrário, sei o que ele quer, embora
admitamos que nem sequer estamos seguros de que ele pensa

42
tal coisa no momento. Dizemos de alguém, do mesmo modo,
que ele toca flauta, algumas vezes querendo dizer que ele
efetivamente a toca, outras vezes atribuindo-lhe apenas a arte
de tocá-la etc.
3. Aristóteles não eliminou estes equívocos que são
recorrentes e, como dizem, pertencem ao espírito da língua.
De modo contrário, ele os imitou e os multiplicou. Ninguém
que considere corretamente o assunto fará contra ele, por isso,
uma acusação. Assim, deveriam calar, então, muitas das
acusações que se mantêm contra Aristóteles por causa das
ambiguidades de seus termos. Não se pode negar, certamente,
que os mal-entendidos são originados pela concisão de seu
estilo e pela forma de escrever que propriamente pressupõe
um novo Aristóteles como leitor.
4. Aristóteles conhecia os perigos lógicos da
equivocidade. Ele estudou profundamente esse fenômeno
linguístico e distinguiu três classes: equívocos contingentes;
equívocos causados por uma analogia; equívocos causados
pelas relações de outros termos para com um, o qual possui o
nome no sentido mais próprio.
5. Os equívocos contingentes estão quase sempre
limitados a um único idioma. Os trocadilhos quase sempre são
perdidos nas traduções. Os outros, os quais se assentam em
um tipo de conexão de ideias, as quais são comuns a diversos
idiomas, nós os encontramos frequentemente de modo
uniforme em todos.
6. Assim, isto ocorre também, então, com os
equívocos que Aristóteles expôs no tradicional e importante
termo . O que ele disse sobre este vale exatamente
como se ele tivesse diante de si o latim verum ou o alemão
wahr. Deste modo, as distinções dos significados de verdadeiro,
como em geral as determinações do conceito de verdade dadas
por Aristóteles, puderam se tornar válidas, como de fato
ocorreu, muito além das fronteiras do helenismo e se

43
mantiveram durante os milênios nos quais a tocha da filosofia
passou nas mãos dos povos estrangeiros.
7. Ouçamos, portanto, como o poderoso espírito
científico que mais influenciou a engenhosidade humana
explica o termo verdade.
Os termos verdadeiro’ e falso, diz ele, são ambíguos em
função da diversidade de relações para com um, ao qual o
nome pertence em sentido próprio.
Chamamos muitas representações de verdadeiras e
falsas, por exemplo, falsas alucinações. Chamamos conceitos de
verdadeiros e falsos. Chamamos juízos de verdadeiros e falsos.
Chamamos suposições, esperanças e preocupações de verdadeiras
e falsas. Chamamos um coração, um espírito de verdadeiro e
falso (un esprit faux). Chamamos as coisas externas de
verdadeiras e falsas. Chamamos provérbios de verdadeiros e
falsos, um comportamento de verdadeiro e falso, expressões,
letras e muitos outros sinais de verdadeiros e falsos. Nós
chamamos um amigo, chamamos ouro de verdadeiro e falso.
Nós dizemos verdadeira felicidade e falsa felicidade. Esta última
em sentido bem diverso. Às vezes, porque ela é apenas uma
felicidade aparente, mas às vezes porque ela é uma felicidade que
nos abandona deslealmente. Neste sentido, nós dizemos
ocasionalmente que uma mulher é falsa, quando uma jovem
flerta conosco para nos enganar. Em outro sentido, uma falsa
mulher seria um homem que se faz passar por uma mulher,
como às vezes um ladrão é preso em trajes femininos. Em
outro sentido, quando alguém que não tem esta pretensão e
mesmo assim é tomado como uma mulher, tal como, por
exemplo, ocorreu comigo em um crepúsculo à porta da
fortaleza de Würzburger. Eu trajava uma batina e o susto pela
decepção foi enorme e muito cômico.
8. A ambiguidade da expressão verdadeiro salta aos
olhos por meio desse uso diverso. Do mesmo modo, nota-se
facilmente a relação para com um que será determinante em

44
todos os casos. Ela é tal como a expressão saudável que nós
aplicamos seja a um corpo, seja à cor da face, seja a um prato, a
um medicamento, a um lugar ou a um passeio. O corpo sadio é
saudável no sentido próprio. Tudo o mais é considerado
saudável em relação a sua saúde. A cor, porque a simboliza.
As outras coisas, porque a oferecem, a fomentam ou a
produzem.
9. E qual é este um? Onde se encontra a verdade no
sentido próprio? Ela encontra-se no juízo, diz Aristóteles.
Todas as outras coisas chamadas verdadeiras e falsas possuem
este nome em relação à verdade e à falsidade no juízo.
Algumas, porque enunciam um juízo verdadeiro ou falso,
como uma falsa alegação, uma falsa declaração. Outras,
porque originam um juízo verdadeiro ou falso. Por exemplo,
uma alucinação, uma palavra mal pronunciada ou mal escrita,
um metal tomado como ouro por causa da similitude de sua
cor. Algumas, porque pretendem produzir um juízo
verdadeiro ou falso. Por exemplo, uma verdadeira
animosidade, um falso comportamento. Outras, porque
alguém que as toma por reais, as julga verdadeiras ou falsas.
Por exemplo, um verdadeiro Deus, uma verdadeira pedra, ao
invés de pintados. Nós chamamos alguns conceitos
verdadeiros ou falsos em relação àquilo que é congruente ao
seu conteúdo, pois aquele que o concebe julgaria verdadeira
ou falsamente. Por exemplo, se dissermos que uma figura de
quatro ângulos não é o verdadeiro conceito de quadrado, e
assim por diante.
10. Portanto, a verdade e a falsidade, tomadas no
sentido próprio, encontram-se no juízo. Todo juízo é, assim, ou
verdadeiro ou falso.
11. Quando, segundo ele, um juízo é verdadeiro?
Quando é falso? Aristóteles responde que o juízo é verdadeiro
quando aquele que julga o concebe em conformidade com as
coisas, no caso contrário é falso. “Quando alguém toma por

45
separado o que é separado, unido o que é unido, seu juízo é
verdadeiro. E ele erra quando concebe as coisas de modo
contrário ao que são”.





(Metafísica, IX, 10, 1051 b3).

12. Com isso, tal verdade foi esclarecida pela


concordância de um juízo com as coisas reais.
13. Esta definição estava preparada há muito tempo.
a) Os antigos jônicos deixaram-nos conhecer as
matérias e as forças exteriores a nós por meio de matérias
semelhantes em nós.






Empedokles.

b) As teses paradoxais dos sofistas também


lidam com as dificuldades que estão conectadas a essas
opiniões preliminares. Górgias nega, consequentemente,
que algo real seja conhecido e, ainda que fosse o caso, que
o conhecimento poderia ser comunicado entre um e outro.
A não ser consigo mesmo, nada corresponde
completamente a qualquer coisa. O que está fora de mim,
não está em mim. O que está em mim e permanece, não
passa para outro. Não há, assim, verdade e não há meio
possível de comunicar a verdade. Se alguma coisa por nós

46
pensada precisasse ser designada como verdadeira, dizia
Górgias, então tudo o que nós pensamos seria designado
como verdadeiro, pois cada pensamento é um consigo
mesmo e diferente de todos os outros. O fato de que, no
entanto, cada pensamento fosse designado como
verdadeiro, também o seria quando eu pensasse em uma
batalha de carroças sobre o mar, o que seria uma
contradição.
c) Havia, no entanto, outro sofista que defendeu
esta tese oposta. Nada é falso, disse Protágoras, mas é
verdadeiro tudo em que é sempre possível alguém
acreditar. Como ele pensa o ser, assim é o ser. Como ele
não o pensa, assim ele não o é.
Está muito claro para nós, eu creio, o modo como
Protágoras chegou a essa idéia. Se cada crença é verdadeira
devido à perfeita concordância com algo existente, então toda
crença é verdadeira, pois é idêntica a si mesma. Também
Aristóteles remete, para esclarecer, à conexão com as doutrinas
da escola jônica, com as quais também está relacionada à tese
oposta de Górgias. Como um autêntico sofista, como o mais
autêntico, isto é, como o sofista de Platão e Aristóteles, não
como ele se encontra caracterizado por Grote que viveu um
pouco mais tarde, Protágoras fez do paradoxo (como está
explícito) no qual ele havia sucumbido, o ponto de partida de
um animado jogo.  (os pugilistas estendidos
no chão) é o nome do escrito no qual ele defendeu a tese.
Parece que ali se distribuem golpes e se defendem de objeções
óbvias.
À objeção de que a mesma coisa, ao mesmo tempo, é
e não é, parece ter respondido que não é absurdo. Ela
simplesmente é apenas para um e não é para o outro.
Que uma justificação cientificamente fundamentada
não foi apresentada, ou mesmo ensaiada, observa-se pelo fato
de que nem Platão e nem Aristóteles, que tiveram esse escrito

47
diante dos olhos, puderam compreender diretamente como
Protágoras chegou a essa tese, senão que estavam totalmente
orientados por conjecturas, as quais foram obtidas com mais
sucesso por Aristóteles, que estava plenamente familiarizado
com a história anterior e, em todos os casos, se mostrava
ricamente dotado de sentido histórico.
Eu explicitei os trilhos do caminho que levam à tese
protagórica.
„„diss
e também Parmênides. O que há de mais próximo do
paradoxo de que todo pensamento é verdadeiro?Cada
pensamento está de acordo consigo, pois sob essa condição
concorda plenamente com seu objeto. 
14. Não permaneçamos mais na pré-história da
definição aristotélica de verdade. Em vez disso, veremos como
ela repercutiu na posteridade. Nós veremos, então, que ela
prevaleceu, desde aquela época até os dias atuais, com
exceções infinitamente pequenas.
15. A idade média também disse que o verdadeiro e
o falso no sentido próprio se encontram no juízo e definiu a
verdade como adaequatio rei et intellectus.
16. Na lógica cartesiana, que Arnauld nos apresenta
na lógica de Port Royal (parte 2, capítulo 3), é dito que Les
propositions se divisent encore selon la matière en vraies et en
fausses. Et il est clair, qu'il n'y en peut point avoir, qui ne soient ni
vraies ni fausses; puisque toute proposition marquant le jugement
que nous faisons des choses est vraie, quand ce jugement est
conforme à la verité (Wirklichkeit), et fausse, lors qu'il n'y est pas
conforme. A grande revolução, portanto, que Descartes
realizou, deixou inabalável a definição Aristotélica da
verdade.
17. Se nós acreditamos em Windelband, outra coisa
se consumou naquela outra grande revolução ocorrida

48
filosoficamente na Alemanha, enquanto a França rompia
politicamente com a tradição do passado.
Kant teria sido o primeiro a reformar o conceito
aristotélico ou, como diz Windelband, socrático de verdade.
Nisso estaria a verdadeira proeza de Kant, e não naquilo em
que outros querem encontrar. Em seu Präludien (p. 140 e 149),
diz ele, “compreende-se mal todo o propósito de Kant e
interpreta-se sua doutrina tão distorcidamente quanto
possível, quando se pensa que ele havia demonstrado que a
ciência poderia obter apenas a figuração do mundo dado como
fenômeno, de coisas em si, que, no entanto, não pediam ser
conhecidas. A verdade é..., que uma figuração da realidade
(Wirklichkeit) não faz sentido para ele”. Esta questão faz
sentido apenas para os socráticos que mantêm firmemente o
conceito de verdade como concordância entre a representação
e a coisa (dever-se-ia chamar juízo e coisa) e, por isso, ainda
também para os filósofos franceses do século XVIII que, com
uma espécie de indício cético, negam ao ser humano a
capacidade de reconhecer as coisas tais como elas são em si.
Kant não conhece tal barreira para o nosso conhecimento. Ele
mudou justamente o conceito de verdade. Verdade é, segundo
ele, aquilo que está em concordância com a norma do espírito
e não aquilo que está em concordância com o objeto. Dever-se-
ia entender como objeto, portanto, nada mais que essa regra. A
verdade também se encontra, segundo Kant, não apenas no
juízo, no pensamento, ela encontra-se igualmente em todos os
outros campos da atividade espiritual, no querer, no sentir, se
eles forem normais.
18. Nós vemos, assim, realizada no magnífico
sentido, a reforma do conceito de verdade que tanto se fez
esperar. O que mais poderia divergir os filósofos, se eles
buscam por uma verdade em sentido completamente diverso,
deste modo apenas nominal em si mesma, e de fato buscam
por fins completamente diversos. Windelband divide, assim,

49
todos os filósofos entre os retrógrados socráticos e os
progressistas kantianos. A vitória pertence a estes, os outros já
não mais existem. “Todos nós”, diz ele no prefácio, “nós que
filosofamos no século XIX, somos alunos de Kant”.
19. Bem, meus senhores, se vocês, por exemplo,
também me toleram e me computam entre os filósofos, então
vocês devem reconhecer o exagero dessa declaração. Eu
considero toda a filosofia kantiana uma aberração que levou a
erros ainda maiores e, finalmente, ao completo caos filosófico.
Eu acredito, porém, que aprendi muito a partir de Kant, mas
não aquilo que ele queria me ensinar. Eu aprendi, sobretudo,
como é atrativa para a filosofia de massa, e como é enganosa a
glória que a história da filosofia vincula a um nome. O homem
que marca uma época deve ter uma poderosa personalidade,
mas se sua influência foi uma benção ou um desastre, e se
fizemos bem ao tomá-lo como modelo e como mestre, isso
continua sendo muito questionável.
20. Outra coisa, no entanto, torna suspeita a
fidedignidade da história de Windelband.
Como? Kant não ensinou, entretanto, que, dada a
coisa em si, ela é teoricamente desconhecida para nós? Ele não
acreditava com base em motivos práticos que um Deus
pertence a essas coisas em si e seria apenas teoricamente não
provado? Ele não acreditava ter estabelecido um limite para o
nosso conhecimento, dizendo que nós podíamos conhecer
apenas os fenômenos, porque nós teríamos apenas a intuição
sensível e não temos qualquer intuição intelectual, como talvez
realmente a tenham outros como nós? Eu preciso dizer aqui
em voz alta que o contrário do que diz Windelband é afirmado
enfaticamente pelos que conhecem Kant e pelo próprio Kant?
21. Porque nós deveríamos não duvidar de quem (eu
não sei a partir de qual sede de inovação e impulsionado por
quais reivindicações picantes) relata tão engenhosamente os
principais ensinamentos de Kant, como se ele não nos narrasse

50
também um conto de fadas sobre o conceito kantiano de
verdade? Ele não nos apresenta sua própria concepção
doutrinária sob o nome Kant, de modo que, talvez, nós não
devêssemos computar o próprio Kant entre esses chamados
kantianos ou, talvez, toda filosofia não deveria ser dividida em
socrática e kantiana, mas em socrática e windelbandiana?
22. Temos à mão a Crítica da Razão Pura e o próprio
Windelband disse que se ateve exclusivamente a ela, assim o
livro deve decidir.
Ouçam e surpreendam-se com a capacidade de um
historiador alemão da filosofia ao apresentar um filósofo
alemão ao público filosófico, especificamente esse que ele
declara ser o maior entre eles e, em todo caso, o mais célebre
atualmente.
a) Onde se encontra, segundo Kant, a verdade em
sentido próprio?
Windelband diz: em todas as áreas da atividade
espiritual, não apenas no pensamento, mas também na
vontade e similares.
O que diz o próprio Kant? Na Lógica transcendental,
parte 2, que ele denomina “Dialética Transcendental”, nós
lemos de imediato o seguinte na primeira página (Hartenstein,
Ed 1838 v. II, p 276)34: “a verdade ou a aparência não estão no
objeto, à medida que é intuído, mas no juízo sobre ele, à
medida que é pensado. Pode-se pois dizer que os sentidos não
erram, não porque o seu juízo seja sempre certo, mas porque
não ajuízam de modo algum. Eis porque só no juízo, ou seja,
na relação do objeto com o nosso entendimento, se encontram
tanto a verdade como o erro e, portanto, também a aparência,

34 A referida citação da Crítica da Razão Pura encontra-se em B350.


Optamos por apresentá-la na língua portuguesa a partir de sua
tradução elaborada para a 5ª. Edição por Manoela Pinto dos Santos e
Alexandre Fradique Mourão. KANT, Immanuel. Crítica da Razão
Pura. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, 2001. P 321.
51
enquanto induz a este último. Num conhecimento, que
concorde totalmente com as leis do entendimento, não há
erro”
Em relação à primeira pergunta, (onde, segundo
Kant, a verdade se encontra?), não é mais preciso qualquer
palavra.
b) O que é, então, a verdade que segundo Kant se
encontra apenas no juízo?
Ele não entende, acerca dela, nada mais que a
concordância do juízo com o objeto, como haviam feito os
antigos? Nós ouvimos o que Windelband disse acima,
ouçamos também o que Kant tem a nos dizer.
“O que é a verdade?”, pergunta Kant na Introdução à
Lógica Transcendental, cap. III, p. 9335, e responde ele que “a
definição nominal do que seja a verdade, que consiste na
concordância do conhecimento com o seu objeto, admitimo-la
e pressupomo-la aqui; pretende-se, porém, saber qual seja o
critério geral e seguro da verdade de todo o conhecimento”.
O que, então, ensina Kant aqui? Que seria falso algo
como o que foi dito antes, que a verdade seria a concordância
de um juízo com seu objeto? Pelo contrário, ele a assume como
antecipadamente conhecida e, sem dúvida, no sentido
familiar. Ouçamos também o que se segue imediatamente (p.
94)36: “se a verdade consiste na concordância de um
conhecimento com o seu objeto, esse objeto tem, por isso, de
distinguir-se de outros; pois um conhecimento é falso se não
concorda com o objeto a que é referido, embora contenha algo
que poderia valer para outros objetos”. Não nos parece que
Kant protesta contra aquilo que Windelband lhe imputa, como
se ele tivesse alterado a antiga definição, ao menos em seu

35 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Fundação


Calouste Gulbenkian, 2001. P. 119.
36 Idem, ibidem.

52
sentido, ao conceber outra coisa como objeto, ou seja, uma
regra do espírito?
Supondo a hipótese “embora contenha algo que
poderia valer para outros objetos”, o que ele pretendia dizer?
Outras regras? Regras existentes para outros espíritos? Quem
seria tão benevolente para aceitar cair em tal truque de
interpretação? Kant não se cansa. Ele continua a falar da regra
e a difere dos objetos (p. 94) 37: “Ora, um critério geral da
verdade seria aquele que fosse válido para todos os
conhecimentos, sem distinção dos seus objetos. É, porém,
claro, que, abstraindo-se nesse critério de todo o conteúdo do
conhecimento (da relação ao objeto) e referindo-se a verdade
precisamente a esse conteúdo, é completamente impossível e
absurdo perguntar por uma característica da verdade desse
conteúdo dos conhecimentos e, portanto, é impossível
apresentar um índice suficiente e ao mesmo tempo universal
da verdade. Como acima já designamos por matéria o
conteúdo de um conhecimento (= juízo), teremos de dizer: não
se pode exigir um critério geral da verdade do conhecimento,
quanto à matéria, porque tal seria, em si mesmo,
contraditório” assim por diante até a p. 9638 “por mais vazio e
pobre que possa parecer, que” etc.
Eu penso que ninguém entre nós ainda exigiria outras
afirmações decisivas após provas tão contundentes. Nosso
tempo também não seria suficiente para apresentá-las todas.
Permitam-me apresentar apenas algumas pequenas citações
muito indicativas de que Kant não pensa que o objeto
influencia e conduza, como uma regra, a função do
pensamento.
“Todas as representações, como representações, têm o
seu objeto e podem, por seu turno, ser objeto de outras

37 Idem, ibidem.
38 Idem, ibidem, p. 121.
53
representações. Os fenômenos são os únicos objetos que nos
podem ser dados imediatamente, e aquilo que neles se refere
imediatamente ao objeto chama-se intuição. Ora esses
fenômenos não são coisas em si, mas somente representações
que, por sua vez, têm o seu objeto, o qual, por consequência, já
não pode ser intuído por nós e, por isso, é designado por
objeto não empírico, isto é, transcendental = X.”39
“O conceito puro deste objeto transcendental (o qual
na realidade em todos os nossos conceitos é sempre = X) é o
que em todos os nossos conceitos empíricos em geral pode
proporcionar uma relação a um objeto, isto é, uma realidade
objetiva (objektive Realität).”40
“O entendimento, falando em geral, é a faculdade dos
conhecimentos. Estes consistem na relação determinada de
representações dadas a um objeto. O objeto, porém, é aquilo em
cujo conceito está reunido o diverso de uma intuição dada. Mas
toda a reunião das representações exige a unidade da
consciência na respectiva síntese. Por consequência, a unidade
de consciência é o que por si só constitui a relação das
representações a um objeto, a sua validade objetiva portanto,
aquilo que as converte em conhecimentos, e sobre ela assenta,
consequentemente, a própria possibilidade do
entendimento”.41
Nós também recebemos, desse modo, as informações
sobre a segunda pergunta diretamente da fonte mais confiável.
23. Sem dúvida! Kant também mantém a definição
aristotélica de verdade como concordância entre o juízo e a
realidade (Wirklichkeit). Nós podemos dizer, assim, acerca de
todos os pensadores que apareceram depois de Aristóteles e

39 Idem, ibidem. p. 175-176. [Brentano cita Kehrbach (1838, P. 122.) e


HA (Hartenstein), p. 646].
40 Idem, ibidem.
41 Idem, ibidem. p. 163. [Brentano cita Kehrbach (1838, P. 662.) e HA

(Hartenstein) p. 131-132].
54
marcaram sua época, que eles não encontraram motivos para
fazer uma mudança aqui, por mais revolucionários que tenha
sido em outras questões.
24. De modo contrário, no entanto, vocês bem veem
a partir do exemplo de Windelband que não faltaram
tentativas de se liberar. Alguns outros, de modo similar a
Windelband, caíram na ideia de substituir o conceito de
concordância com o objeto pelo conceito de normativo e, se
não de normativo em geral (como fez Windelband), de juízos
normativos e prescritivos. Em Sigwartz, por exemplo,
encontram-se tais declarações que recuam novamente ao
antigo conceito de verdade, ainda que muitas vezes de modo
inconsistente. Toda a lógica de Sigwart nada aqui em águas
turvas.
25. Essa pretensa tentativa de reforma é facilmente
refutável. Se verdade fosse realmente a conformidade dos
juízos com a regra, então estaria errado todo juízo
insuficientemente fundado ou totalmente cego. Esse, no
entanto, não é o caso. A intuição (Einsicht) deve ser sempre
verdadeira, mas pode ser tanto verdadeira, ou falsa, uma
suposição leviana, um mero preconceito, uma opinião pouco
autorizada que eu assumo ou suponho porque ela é
consensual. Já Aristóteles salientou que se chega
frequentemente a uma conclusão verdadeira a partir de
premissas falsas. Minha convicção estaria, então, em
desacordo com a norma e, a partir desse princípio,
desaprovada. No entanto, isso acerca do qual estaria
convencido seria verdade.
26. Nós temos, assim, entre as definições
tradicionais, apenas aquela antiga que, dada já pelo fundador
da lógica, permanece como tal e tem nosso assentimento.
27. Não se pode negar, no entanto, que ela está
repleta de dificuldades.

55
28. Impõe-se, acima de tudo, uma reflexão que, no
essencial, é também a reflexão do velho Górgias.
Pensada no sentido mais amplo, concordância é
identidade. Parece, de fato, que aqui ela teria este significado.
Pois, em certos aspectos também existe uma concordância
entre Pedro e Paulo. Se meu juízo, por meio do qual reconheço
Pedro, não concordasse mais com Pedro que com Paulo, então
ele não seria verdade, ao menos não seria a verdade de Pedro.
Se ele está, no entanto, plenamente de acordo consigo, então
ele é idêntico a Pedro. Ele é, assim, o próprio Pedro que, no
entanto, está no exterior e não no meu espírito. Ouçam, por
exemplo, como argumenta o professor berlinense Dilthey, a
partir desse ponto de vista, contra a possibilidade de
conhecimento do mundo exterior, tal como ele é em si mesmo.
Em sua Introdução às Ciências do Espírito I, p. 518, ele
fundamentou sua tese com as seguintes palavras: “assim, uma
representação nunca pode ser idêntica a uma coisa, à medida
que esta é concebida como uma realidade (Realität)
independente (Dilthey concebe o juízo como uma associação
de representações). Ela não é uma coisa colocada dentro da
alma e não pode ser acomodada a um objeto pressuposto.
Enfraquece-se o conceito de igualdade por meio do conceito
de semelhança, pois esse conceito pode não ser aplicado aqui
em seu sentido exato: a representação da concordância escapa
em sua indefinição.”
Dilthey também não acredita que nós não poderíamos
conhecer as intenções e convicções alheias, tal como são em si
mesmas. Um crítico, no entanto, observou acertadamente que
Dilthey consequentemente deveria afirmar a impossibilidade
de se conhecer o erro de alguém. “Para que conhecêssemos,
assim, o erro de outrem, precisaríamos ter seu erro
introduzido em nossa alma. Isto, porém, é impossível. Se isso
fosse possível, então nós não reconheceríamos corretamente
que ele erra, pois nós teríamos nos tornado partícipes de seu

56
erro”. Em função disso, seria bem melhor considerar
equivocada a definição de verdade como concordância do
pensamento com o objeto. De fato, se Sigwart em sua Lógica se
empenha em fazê-lo, é esse pensamento que o impulsiona,
como também parece ter influenciado Windelband.
29. Este argumento está, no entanto, completamente
injustificado. Ele baseia-se no desconhecimento de uma
diferença, a qual Descartes designou como diferença entre a
realidade formal e realidade objetiva (formaler und objektivur
Realität), a qual, no entanto, há muito tempo Aristóteles já
elucidou e, com isso, superou as absurdidades e os sofismas
de Parmênides, Empédocles, Górgias, Protágoras entre outros.
Quando eu creio algo, esta crença está “formalmente”
em mim. Quando mais tarde eu me recordo dessa crença,
então ela está, segundo a expressão de Descartes,
“objetivamente” em mim. Trata-se do mesmo ato individual
de crença, mas no primeiro caso eu o exerço e no outro caso ele
é apenas o objeto imanente da atividade de rememoração, a
qual eu exerço. Algo análogo ocorre com todas as outras
funções psíquicas como vontade, desejo, aversão etc. Com o
ato psíquico, o qual é dado formalmente, algo é dado como
objeto imanente do ato psíquico, portanto objetivamente para
falar como Descartes, ou intencionalmente, como nós
consideramos melhor expressar a fim de evitar mal-
entendidos. Evidentemente, não há qualquer contradição em
que algo individual seja intencional em mim e não seja formal,
ou o contrário, o que poderíamos explicitar por meio do
exemplo da memória e outros mil. O desconhecimento deste
fato manifesta-se como um retorno à pré-história da teoria do
conhecimento.
30. Se, no entanto, essa dúvida foi realmente
eliminada já há muito tempo, permanecem outras, as quais
não parecem tão fáceis de eliminar.

57
Uma parte delas está ligada à peculiaríssima
formulação de Aristóteles, a qual está condicionada pelas
imperfeições em sua concepção geral dos juízos. Essas dúvidas
desaparecem tão logo esses erros sejam corrigidos.
Outro caso, no entanto, não se deixa eliminar desse
modo.
31. Em primeiro lugar, algumas palavras sobre as
primeiras. Aristóteles diz, em seu livro ‘De Interpretação’, que
juízo consiste em uma interligação de pensamentos
, o qual seria uma composição
(). E essa consiste no fato de que, quando se julga,
toma-se uma coisa real como unida ou como separada de
alguma outra coisa que é igualmente real. Tomando-se por
coisas unidas, aquelas efetivamente unidas, e por coisas
separadas, aquelas que são efetivamente separadas, então se
julga verdadeiro. No caso contrário, falso, quando se procede
contrariamente para com as coisas.
32. Aqui estão algumas coisas que devem causar
incômodo. Isto se aplica, sobretudo, à afirmação de que uma
separação, uma existência separada das coisas, as quais
correspondem ao sujeito e predicado nos juízos, seria
necessária para a verdade dos juízos negativos, bem como
para a falsidade dos juízos afirmativos. Se eu digo de um cão
que ele é um gato, então é perfeitamente certo que aqui o
sujeito (um cão) e o predicado (um gato) existem separados, e
que eu julgo falsamente quando considero esse cão como um
gato. Meu juízo não é falso, no entanto, porque esse cão e um
gato existem separados. Se não existissem gatos, nem unidos
com o cão e nem separados do cão, ainda assim meu juízo
seria seguramente tão falso como agora.
33. Se ainda fosse necessário, isso também poderia
ser esclarecido pela comparação com outros casos. Se eu julgo,
por exemplo, que certo tom dó é a vigésima oitava de lá, então
eu julgo certamente tão falso como se eu o concebesse como a

58
primeira oitava de lá, embora apenas esse se encontre
separado e não aquele tom dó completamente imaginário. Por
isso, em vez de dizer que o juízo negativo é verdadeiro
quando o predicado se encontra diferente do sujeito na
realidade (Wirklichkeit), nós devemos dizer que o é quando
não se encontra unido a ele.
A definição de verdade seria então, num primeiro
momento, assim: um juízo é verdadeiro quando atribui a uma
coisa algo que na realidade (als Realität) é dado unido a ela, ou
nega em uma coisa o que na realidade (in Wirklichkeit) não é
dado unido a ela.
34. Essa mudança, no entanto, apesar de conter uma
correção substancial, ainda não foi suficiente. Nosso juízo
afirmativo, então, é sempre a união de uma determinação real
com outra determinação real? É fácil demonstrar que este não
é o caso. Quando eu creio que um determinado objeto real é
um cão ou um corpo, ou também que ele é redondo ou
vermelho, então se impõe a mim certamente a ligação de uma
determinação real com outra. O que ocorre quando eu
acredito, não que um cão ou um corpo é uma determinada
coisa, mas simplesmente na existência de uma coisa, enquanto
eu julgo que uma determinada coisa existe? Alguns acham
realmente que aqui ocorre uma ligação, enquanto se junta a
existência à coisa. Pergunta-se o que, então, eles entendem por
essa existência (Existenz), e então eles respondem que um
existente (Existierendes) quer dizer uma coisa (Ding) no sentido
mais indeterminado e geral. Diz-se, assim, que alguma coisa é,
tal como se diz que alguma coisa é uma coisa.
Uma estranha interpretação, a qual Aristóteles já
reconheceu que não poderia estar correta. Assim, ele
esclareceu no livro nono de sua Metafísica que em tal caso não
se encontra qualquer crença em um estar unido e, de modo
geral, nenhuma união de muitas ideias, pois nesse caso o
pensamento é um ato muito simples.

59
35. Precisamente por esse motivo, segundo
Aristóteles, também Deus como ser perfeitamente simples
conhece a si mesmo em sua existência por meio de um
pensamento perfeitamente simples, sem qualquer ligação de
sujeito e predicado.
36. Deixemos a Metafísica e permaneçamos com o
resultado geral da sua doutrina do juízo. Evidentemente, nós
estamos lidando aqui com uma modificação substancial e
precisamente tal que, como eu acredito ter provado
minuciosamente em minha Psicologia do ponto de vista empírico,
envolve uma correção significativa da interpretação acerca dos
juízos.
37. No entanto, essas considerações cerca da ligação
e separação, acerca das quais nós ouvimos anteriormente,
permanecem sempre perturbadoras em Aristóteles e em lugar
algum talvez isso se coloque mais do que aqui. Se ele admitiu
precisamente que o assentimento afirmativo não é sempre a
crença em uma ligação, no obstante ele se manteve inflexível
no fato de que a negação deve ser sempre a crença em uma
separação, de modo que segundo ele a afirmação de um
predicado se opõe à negação de um predicado, mas a
afirmação simples não se opõe à negação simples. Em
conformidade com isso, nos também lemos nos livros sobre a
alma, que a verdade também se encontra no pensamento
simples, mas o erro sempre se encontra no pensamento
composto. Ele também declara explicitamente na Metafísica
que aquilo que se opõe a um juízo simples verdadeiro não é o
erro, mas a simples ignorância ().
38. Eu não vou me prolongar em esclarecimentos
sobre como esta opinião errônea está relacionada com a
anterior. Por notório que seja o erro, e considerando a
obscuridade acerca da essência do juízo existencial, a qual
existiu e existe em quase todos os filósofos até dias recentes,
nós temos toda razão de julgá-lo com benevolência.

60
39. Nós também o eliminamos da definição
aristotélica da verdade e do erro, assim nós chegamos à
seguinte versão:
A verdade de um juízo consiste no fato de que ele
atribui, a uma coisa (einem Dinge), algo real (etwas Reales) que é
dado com ela como uno, ou nega-lhe uma parte real (einen
realen Bestandteil) que não existe com ela como uno, ou ainda,
se ele é um juízo do tipo mais simples, no fato de que ele
afirma que algo real é, quando esse o é, e não é quando esse
mesmo não o é. Nisso consistiria a correspondência do juízo
verdadeiro com as coisas efetivas (wirklichen Dingen).
40. No entanto, novas dificuldades emergem. Há
casos em que essa definição também se mostra incorreta. Eu
vou limitar-me a nomear as duas principais classes.
41. Antes de tudo, mostram-se incorretos todos os
juízos negativos que negam total e absolutamente a coisa em si
mesma ou (como se diz de modo não muito apropriado) lhe
negam a existência (Existenz). Eu digo não muito apropriado,
pois ninguém pensa que em tal caso a coisa (Ding) talvez
subsista (bestehen), embora sem uma existência (Existenz).
42. A dúvida explicita-se de maneira particularmente
clara no caso da simples negação.
Se a verdade ‘não existe dragão’ consistisse em uma
concordância de meu juízo com uma coisa (Ding), qual deveria
ser então esta coisa (Ding)? Não o dragão, o qual nem se quer
existe (nicht vorhanden sein). Nem tampouco, no entanto,
qualquer real (irgendwelches Reale), o qual (como concordante)
pudesse ser considerado.
43. Algo completamente similar ocorre, no entanto,
no caso onde eu não nego uma coisa (Ding) de modo absoluto,
mas nego apenas algo (etwas) como determinação real (reale)
de outro. Quando eu digo “algum homem não é negro”, é
necessário então para a verdade da sentença, como nós já
dissemos, não um negro separado do homem, mas sim a falta

61
de negro no homem, a qual existe na realidade (der in
Wirklichkeit ist). Esta falta, este não-negro, é como tal coisa
alguma (kein Ding), assim é novamente coisa alguma (kein
Ding) dada na realidade (in Wirklichkeit gegeben) que
concorda com este meu juízo.
Aponta-se assim, como dissemos, garantido
primeiramente por todos os juízos negativos (e
inequivocamente pelas negações simples), que não existia
aquela relação de concordância entre juízo e realidade
(Realität), a qual pretensamente pertenceria a cada juízo
verdadeiro.
44. O outro caso, onde parece se mostrar a mesma
coisa, nós encontramos imediatamente quando examinamos
de modo claro toda a extensão do âmbito no qual se exerce a
função afirmativa.
Nós descobrimos, então, que embora o juízo
afirmativo se refira frequentemente às coisas (Dinge), também
não deixa de tratar de objetos (Gegenstände) – eu clarificarei
agora a partir de alguns exemplos – os quais não são
designados de modo algum com o nome “coisa” (Dinge).
Onde, então, um juízo afirmativo se refere às coisas (Dinge),
seja ele o que simplesmente reconhece uma coisa (Ding), seja
ele o que atribui outra determinação real (Reale) a uma
realidade (Realität), nós certamente poderíamos mostrar, no
caso da verdade, uma concordância das coisas (Dinge) com o
juízo. Onde não fosse o caso, no entanto, como deveríamos ser
capazes de dar conta de semelhante concordância?
45. De fato, nossos juízos afirmativos verdadeiros, às
vezes dizem respeito a uma coisa, a um coletivo de coisas, às
vezes a uma parte, um limite de tal coisa etc. – meros objetos
(Gegenstände), os quais são eles mesmos coisas alguma (keine
Dinge). Ou, no entanto, se alguém se atrevesse ainda a afirmá-
los, ele pretenderá, talvez ainda do mesmo modo, afirmar um
ser que se encontra fora de mim como uma coisa (Ding), o

62
qual eu conheço como passado remoto ou como futuro
distante?
E ainda, o que acontece quando eu reconheço a falta e
quando eu reconheço a ausência de uma coisa? Ele dirá que
essa falta, que esta ausência em uma coisa, é também uma
coisa? E ainda, quando eu digo que existe uma
impossibilidade ou existe certas verdades eternas – por
exemplo, as leis matemáticas –, ele acreditará aqui talvez que,
algo semelhante às ideias platônicas existiriam no mundo ou
fora dele seres eternos concordantes com meu juízo?
Certamente não. Parece que o conceito de adaequatio rei et
intellectus foi aqui completamente desfeito.
46. Nós vimos que a proposição segundo a qual a
verdade é a concordância do juízo com a coisa (Sache) – ou
como semelhantemente se expressa –, ou deve ser
necessariamente falsa, ou deve ser compreendida de uma
maneira inteiramente diferente daquela sucedida aos que, por
verdade, imaginam dada certa relação de identidade ou
similitude, ou mesmo semelhança, entre um pensamento e
uma realidade (Realität).
47. Dessas duas hipóteses que nos restaram, a última
é a correta e depois do mencionado se torna fácil esclarecer o
verdadeiro sentido da fórmula utilizada por tanto tempo de
modo obscuro pelos filósofos.
Para realizá-lo, nós devemos nos atentar, por um
lado, para a extensão do domínio que os juízos podem cobrir
e, por outro lado, para a oposição da relação entre os juízos
afirmativos e negativos.
48. Quanto à extensão do domínio, ele é totalmente
sem limite. O material pode ser escolhido de maneira
totalmente arbitrária. Certamente, algo (Irgend etwas) é sempre
julgado. Mas o que significa esse algo (Irgend etwas)? É um
termo, o qual poderia ser aplicado a Deus, ao mundo, a cada
coisa (jedes Ding) e não-coisa (Unding).

63
49. Este domínio totalmente ilimitado se divide de
imediato em dois. A oposição entre juízo afirmativo e juízo
negativo traz imediatamente consigo o fato de que, em cada
caso, uma única das duas formas de julgar será apropriada,
enquanto a outra não será. É o que nós exprimimos
ordinariamente quando dizemos que, de dois juízos
contrários, um é sempre verdadeiro e outro é falso.
50. O domínio para o qual a forma afirmativa de
julgar é apropriada, nós o chamamos então domínio do
existente (Existierenden). Um conceito que deve, certamente,
ser distinguido de conceitos tais como coisal (Dinglichen),
consistente (Wesenhaften) e real (Realen). O domínio para o
qual a forma negativa de julgar é apropriada, nós o chamamos
domínio do não existente (Nichtexistierenden).
51. De modo semelhante a Aristóteles, quando ele
esclarece que um juízo é verdadeiro, quando ele considera
unido o que está unido e assim por diante, nos podemos de
todo modo dizer daqui em diante: é verdadeiro o juízo quando
afirma de algo (etwas) que é, que ele é. E, nega que algo
(etwas) que não é, que ele seja (de modo contrário, falso, uma
vez que, em vista disto que é e disto que não, o juízo adotaria
uma posição contrária).
52. Em nenhum dos outros tantos modos dito, além
dos que foram ditos aqui, se estabelece a concordância do
juízo verdadeiro com o objeto (Gegenstande).
Concordar não significa aqui ser idêntico ou parecido,
mas corresponder, ser apropriado, ser pertinente, se
harmonizar com, ou outra expressão equivalente que se possa
aplicar aqui.
53. Nós também esclarecemos o conceito ainda por
meio de um paralelo óbvio. Também no domínio afetivo
encontra-se uma oposição, a saber, aquela oposição entre o
amor e o ódio. O que quer que possa entrar em questão, um
dos dois modos dessa atitude será apropriado, e o outro

64
inapropriado, em cada caso. Consequentemente, tudo o que é
pensável decompõe-se em duas classes, das quais uma contém
tudo para o qual é apropriado o amor; e a outra contém tudo
para o qual é apropriado o ódio. O que pertence à primeira
classe, nós o denominamos bom, e mau o que é compreendido
na outra classe. Assim, nós podemos declarar justo ou injusto
um amor ou um ódio, uma vez que nós amemos o bem ou
odiamos o mal, ou, ao contrário, se nós odiamos o bem ou
amamos o mal. Além disso, (nós podemos declarar) que no
caso de uma atitude justa, nossa atividade sentimental
corresponde ao objeto (Gegenstande), está de acordo com seu
valor (Werte) e, de modo contrário, ela o objeta no caso da
atitude errônea, está em desarmonia para com seu valor
(Werte).
54. Nós chegamos a um análogo exato do que
representa a concordância do juízo verdadeiro com seu objeto
(Gegenstande) ou com a existência (Existenz) e não existência
(Nichtexistenz) de seu objeto (seines Gegenstandes). No caso,
entretanto, não se trata absolutamente de um ser (Seienden) no
sentido do real (Realen), coisal (Dinglichen), consistente
(Wesenhaften).
55. Nós perguntarmos, no entanto, pela relação da
verdade com a realidade (Realität), assim resulta
simplesmente o seguinte, a partir do fundamento das nossas
reflexões:
1. Para uma parte dos juízos verdadeiros existe, como
dizemos, uma relação direta de sua verdade com algo real
(etwas Realem). São aqueles nos quais a representação
que serve de base para o juízo tem um conteúdo real
(realen Gehalt). É claro que a verdade do juízo afirmativo
e, no sentido contrário, a verdade do juízo negativo são
condicionadas pela subsistência, aparição ou desaparição
da referente realidade (Realität). Sem que o juízo mesmo
seja modificado, frequentemente o juízo adquire ou perde

65
sua verdade se, para além dele, a referente realidade
(Realität) é produzida ou destruída.
2. Para os demais juízos, nos quais a representação não tem
conteúdo real (realen Gehalt), existe uma dupla
possibilidade.
a. Ou eles não são em sua verdade de modo algum
dependentes de uma realidade (Realität), o que é o
caso de todos os juízos onde o objeto (Gegenstand) é
absolutamente necessário ou absolutamente
impossível em si mesmo. Fazem parte deles, por
exemplo, o princípio de não-contradição e todos os
juízos analíticos.
b. Ou eles são, se também não diretamente, ao menos
indiretamente dependentes de uma realidade
(Realität). Em outras palavras, embora a
representação não tenha qualquer conteúdo real
(realen Gehalt), o fato de que seu objeto pertence
ao existente (Existierenden) ou ao não-existente
(Nichtexistierenden) é uma consequência de que
uma certa realidade (Realität) ou certas realidades
(Realitäten) e não outras existem, existiram ou
existirão. Assim um espaço vazio – e em geral uma
falta, uma faculdade, uma coisa meramente
pensada e ao que mais for possível se referir –
existe, surge e desaparece, em ligação com e na
dependência das transformações reais (realen
Veränderungen).
56. Eu acredito que, com isso, foi dito essencialmente
o que seria necessário para esclarecer a definição de verdade
como correspondência do juízo com o objeto (Gegenstande), a
qual possibilitou tantos mal-entendidos.
57. Eu não sei se alguns não se sentirão
desapontados com os resultados obtidos.

66
No caso, a definição parece agora dizer muito pouco e
nada além do que é dito quando se diz que um juízo é
verdadeiro se ele julga um objeto (Gegenstand) justamente, ou
seja, quando ele é, diz que ele é, ou quando ele não é, diz que
ele não é.
“Julgar verdade” e “julgar justamente” parece
consistir em uma simples tautologia e o restante parece ser
apenas uma explicação por meio de expressões correlatas.
Quando nós explicamos o conceito de verdade do juízo
afirmativo por meio do termo correlato existência do objeto
(Existenz des Gegenstandes) e o conceito de verdade do juízo
negativo por meio do termo correlato de não existência do
objeto (Nichtexistenz des Gegenstandes), nós procedemos
semelhantemente àquele que define o conceito de efeito por
meio da sua relação para com o conceito de causa ou o
conceito de grande por meio da sua relação para com o
conceito pequeno. O que se ganhou aqui? Uma expressão é tão
conhecida e usual como a outra.
58. Contudo, as nossas investigações podem nos ser
instrutivas em alguns aspectos.
(1) É interessante agora que nós não mais procuremos
atrás da definição, além do dado na realidade (Wirklichkeit).
A definição também não aparece agora propriamente sem
valor. As expressões tautológicas, mesmo desprovidas da
menor análise conceitual, sempre apresentam vantagens
substanciais para o esclarecimento, se, de dois termos
sinônimos, um deles não sucumbe tanto quanto o outro às más
interpretações. No entanto, esse não seria, em princípio, o caso
na definição “concordância com o objeto” (Übereinstimmung mit
dem Gegenstande), então fiquemos atentos com extravios na
aproximação da afirmação e negação adequadas com o
análogo adequado no âmbito de amor e do ódio.
Assim, nós agora estamos protegidos ante a confusão
conceitual, e também por isso diante de muitos outros mal

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entendidos, pelos quais muitos se deixaram induzir por meio
de mal-entendidos da definição.
a) Nós, por exemplo, não dividiremos a verdade dos
juízos em formal e material, tal como se faz. Está claro, de
modo contrário, que aquilo que alguns denominam verdade
formal (ou seja, a não contradição interna) não deve ser
absolutamente verdade no sentido próprio, mas verdade em
sentido impróprio, como similarmente nós poderíamos muitas
vezes chamar de verdade aquilo que não é juízo.
b) Nós não pensaremos, como alguns ingenuamente o
fazem, que onde se reconhece uma verdade é preciso
comparar uma coisa real (ein reales Ding) com um juízo. Eles
não suspeitam que, no juízo, não se trata sempre de coisas
reais (reales Dinge) e, além disso, também não percebem que,
ainda onde é esse o caso, a coisa real já deveria ter sido
reconhecida como tal por mim, para que a comparação de uma
coisa real e um juízo seja possível. Essa teoria nos levaria a
uma regressio ad infinitum.
Enfim, nós não estaremos tentados a confundir, como
é recorrente, o conceito de real (des Reale) com o conceito de
existente (des Existierenden). Já faz dois mil anos que
Aristóteles analisou os múltiplos sentidos do ser (des Seienden).
É lamentável, mas verdadeiro, que ainda hoje a maioria
nenhum proveito tenha tirado de suas investigações.
59. 2. Nossas conclusões também devem ser
interessantes a partir de outra perspectiva. Falamos
inicialmente da equivocidade e observamos, tal como
Aristóteles, que há uma grande ameaça para o sucesso dos
nossos esforços intelectuais quando ela não é considerada.
Pode-se obter um claro quadro do significado desse
risco quando se observa como uma fórmula sempre
pronunciada, por causa da equivocidade da expressão “Ser”
(Seiendes), levou os mais ilustres pensadores ao erro ao não
obterem clareza sobre algo fundamental?

68
60. Finalmente 3) também poderíamos extrair de
nossa investigação outra lição e poderíamos guardá-la para
sempre conosco. Em nossa investigação, tratou-se de uma
definição, ou seja, da elucidação de um conceito associado a
um nome. Em tais casos, muitos acreditam que sempre se
deveria recorrer às determinações gerais e esquecem, com isso,
que o meio definitivo e eficaz deve consistir sempre em uma
referência à intuição do individual, a partir de onde derivam
todos nossos conceitos gerais. De que valeria toda explicação
dos conceitos vermelho ou azul, se eu não expusesse um
vermelho ou um azul diante dos olhos de alguém? Os que se
ocuparam da definição nominal da verdade, cuja história nós
percorremos, não se atentaram para isso.
Se, como eu espero, nós conseguimos esclarecer o
conceito que estava obscuro, foi unicamente porque
examinamos melhor os exemplos de juízos verdadeiros, onde
não tardamos a constatar que esta relação de igualdade – o
que quer que ela possa ser – não poderia ser uma verdade,
pois afirmação e negação não se relacionam sempre com coisas
reais (realen Dingen). Mesmo agora, depois de esclarecermos
todo mal entendido, a definição nada diria para aquele a que
faltasse a intuição. Esta deveria ser nossa conquista. Ela é
certamente suficiente para uma questão tão limitada como a
nossa, onde se trata, em resumo, apenas de explicar uma
expressão que um uso cotidiano tornou acessível a todo
mundo.

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