Você está na página 1de 610

O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

1938

Primeira Edição: Escrito em 1938, primeira edição em 1948

Tradução do Russo: Reinaldo Pedreira Cerqueira da Silva

HTML: Fernando A. S. Araújo.

A Mirrail Alexandovitch Lifschitz,


com admiração e amizade.

2
Índice Geral

Prefacio a edição alemã

Introdução

Capítulo I - O período republicano do jovem Hegel (Berna, 1793-1796)

1 – O período “teológico” de Hegel: uma lenda reacionária

2 – O que significa “positividade” para o jovem Hegel?

3 – Concepção da História e do presente

4 – As antigas repúblicas

5 – Cristianismo: despotismo e escravização do homem

6 – O significado da “positividade” para o desenvolvimento do pensamento


de Hegel

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético (Francfurt, 1797-1800)

1 – Características gerais da época de Francfurt

2 – O Velho e o novo nos primeiros anos de Francfurt

3 – Dois fragmentos de folhetos sobre problemas alemães atuais

4 – Estudo crítico da ética de Kant

5 – Os primeiros estudos econômicos

6 – “O Espírito do cristianismo e seu destino”

7 – O fragmento do sistema de Frankfurt

8 – A nova formulação do problema da positividade

Capítulo III - Fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Iena, 1801-


1804)

1 – O papel de Hegel na superação de Schelling e Fichte

2 – A crítica ao idealismo subjetivo

3 – Contra o individualismo abstrato na ética

4 – A concepção hegeliana da história nos primeiros anos de Iena


3
5 – A economia política no período de Iena

6 – O trabalho e o problema da teleologia

7 – Os limites da Economia política hegeliana

8 – “A tragédia na ética”

Capítulo IV - O rompimento com Schelling e a fenomenologia do espírito


(Iena, 1803-1807)

1 – Da exacerbação das divergências entre Schelling e Hegel até a ruptura

2 – A opinião pública e o entendimento da história por Hegel na época de


"A fenomenologia do espírito"

3 – Esquema da estrutura da “Fenomenologia do Espírito”

a. “Espírito subjetivo”

b. “Espírito objetivo”

c. “Espírito absoluto”

4 – A “alienação” como conceito filosófico central da “Fenomenologia do


Espírito”

4
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Introdução

A história da origem e desenvolvimento da filosofia clássica alemã é para a


concepção marxista da história um problema importante que ainda não chegou a
uma clareza completa. Embora os clássicos do marxismo tenham referido
repetidamente à extraordinária importância deste problema, apesar de que
Engels o situe entre os antecedentes da filosofia do movimento revolucionário
operário em Kant, Fichte e Hegel, e apesar de que Marx, Engels e Lenin, tenham
esclarecido luminosamente os problemas centrais de todo este complexo de
problemas em diversos e profundos trabalhos, a história daquele
desenvolvimento em seu conjunto ainda está longe de haver conseguido uma
elaboração satisfatória.

Nem sequer conseguimos ainda de um modo completo o esclarecimento


histórico concreto dos problemas temáticos desta história, nem uma análise
suficiente concreta dos fatos e textos que são os dados de partida, nem
tampouco, consequentemente, uma crítica básica radical das teorias burguesas
mais importantes daquela história, na sua falsidade ou confusão de estrutura.

No seio da ciência burguesa, a interpretação da origem histórica e do


desenvolvimento da filosofia clássica alemã esteve durante muito tempo
determinada pela concepção – deformada à maneira idealista – do próprio
Hegel, a qual é sem dúvida genial, porém também esquemáticas em vários
aspectos. O genial pensamento histórico de Hegel consiste essencialmente na
afirmação da conexão interna dialética, dos sistemas filosóficos, uns com os
outros. Hegel foi o primeiro a levar a História da filosofia desde seu estádio
primitivo de uma coleção doxográficas de anedotas e biografias, de proposições
metafísicas sobre a verdade ou erro de concepções de filósofos isolados, até ao
nível de uma verdadeira ciência histórica. Pelo que faz à história da filosofia
clássica alemã, esta concepção tem o resultado seguinte: Hegel vê na “filosofia
transcendental” ou “crítica” de Kant o ponto de partida do desenvolvimento da
filosofia dialética do idealismo, ponto culminante e de chegada da qual
considera, e com razão, seu próprio sistema; simultaneamente mostra com maior
nitidez e com profundidade os principais problemas da dialética (coisa-em-si e
seu conhecimento, antinomia e doutrina da contradição, etc.) como a
problemática central de Fichte nascem das contradições e meias verdades do
sistema kantiano, e como as contradições do próprio Fichte e os problemas

5
deixados sem solução por ele levaram por seu turno aos sistemas filosóficos de
Schelling e Hegel.

Nessa exposição de Hegel há muito de verdadeiro e importante. Mas ele como


um idealista objetivo, pensa auto movimento do espontâneo do conceito na
filosofia, vê-se forçado a inverter também aqui as conexões reais, pondo-as de
“cabeça para baixo”. Engels mostrou repetidamente que os diversos sistemas
filosóficos se enredam sem dúvida com a problematização não resolvida de seus
antecessores; mas na sua condição de pensador materialista dialético mostra
também em cada caso que essa conexão puramente técnico-filosófica, é somente
a superfície da conexão real, e que a história da filosofia tem aprofundar e achar
os motivos da conexão real e objetiva. Quando, como ocorre com Hegel, se
absolutiza idealisticamente o modo aparente imediato da história da filosofia,
fazendo dela uma sucessão “histórico-problemática” e “imanente” dos diversos
sistemas filosóficos, forçosamente de apresentar de forma exagerada e deformada
o núcleo, em si correto, que existe sempre na afirmação de tais conexões técnicas
de um sistema ao outro. Este fato tem como consequência – e mesmo no próprio
Hegel – o necessário esquecimento da irregularidade e confusão da história real
da filosofia inclusive no período do próprio filósofo: deste modo, os diversos
reflexos dos fatos materiais da história – reflexos extremamente complexos na
realidade - assim como as tentativas científicas de captar dialeticamente os
resultados do desenvolvimento da ciência da natureza, acabam, por se ver
reduzidos à conexão “imanente” entre poucas categorias, sem dúvida muito
importante.

Assim nasce um esboço para a compreensão das conexões histórico-filosóficas


que então, no curso da decadência posterior da filosofia burguesa, deu lugar a
deformações e inversões da história ausentes de caráter científico.

Este tratamento “imanente” da história da filosofia penetra posteriormente,


durante o período da Segunda Internacional, nas concepções de marxistas como
Plekhanov e Mehring. As condições histórico-filosóficas do idealismo de
tendência menchevista foram fortemente influenciadas pelos erros e falhas da
concepção hegeliana da história da filosofia. A superação das deformações e
debilidades, no domínio do progresso filosófico representado pelo período
leninista do marxismo, o estudo da obra filosófica de Lênin, oferece uma
perspectiva, a partir da qual se faz possível uma posição coerente marxista-
leninista diante desses problemas. As obras de Marx e Engels, descobertas e
editadas nos últimos decênios desempenham também um papel decisivo na
construção de tal história da filosofia baseada no estudo crítico de seu
desenvolvimento.

Na própria filosofia burguesa, a concepção hegeliana da história filosófica, não


sobrevive depois da derrota da Revolução Burguesa de 1848. Já muito antes
daquela data foram oferecidas, com algum êxito, histórias bem inferiores à de

6
Hegel e nitidamente hostis à história real. A concepção anti-histórica mais
importante é a de Artur Schopenhauer, começou a ter influência ampla só depois
da Revolução de 1848. A tese básica de Schopenhauer é que ele avalia as
tentativas de Fichte, Schelling e Hegel de ir além das contradições kantianas,
como um erro grave. Segundo Schopenhauer, a filosofia deveria retornar ao
único método verdadeiro – o método de Kant, todo o resto é somente engano,
tagarelice vazia, charlatanismo. Assim, pois, Schopenhauer, por seu lado, liquida
com todo o desenvolvimento dialético da filosofia clássica alemã, divulgando
uma volta a concepção metafísica da realidade. Por outro lado, Schopenhauer
“depura” a Kant de toda oscilação deste no sentido do materialismo;
Schopenhauer reduziu Kant a um denominador comum com Berkeley. (Parecida
é de muitos pontos de vista a tendência de Herbart, apesar de motivos
diferentes).

Esta concepção, que no fundo é a anulação completa da história da filosofia


clássica alemã, se apresenta de forma mais vulgarmente provinciana e pequeno-
burguesa nos posteriores neokantianos. Assim pode-se avaliar talvez de modo
mais claro as obras de Otto Liebmann (Kant und die Epigonen [Kant e os
epígonos], 1865, etc.). Com Liebmann chega a uma posição de domínio
filosófico aquele neokantismo que faz de Kant um subjetivista e agnóstico integral
e rejeita como “metafísica científica” todo esforço de conhecer a realidade
objetiva tal como ela é independente da consciência. Assim se constitui
consequentemente no neokantismo a diretriz schopenhaueriana na história da
filosofia ainda de modo, sem dúvida, mais prosaico, sem as pitorescas
extravagâncias de Schopenhauer. A concepção consiste em supor que toda a
filosofia pós-kantiana é um único e gigantesco erro cometido ao separar-se da
corrente subjetivista de Kant, única correta, Hegel é tratado por estes autores
como um “cachorro morto”.

Esta concepção determina a maioria das exposições da história da filosofia


clássica alemã – e, especialmente daquela de Hegel – escritas em meados do
século. De qualquer modo, neste mesmo período seguem acalentando algumas
sobras do hegelianismo nacional-liberais já sem dúvida, doentias. A concepção
relativa a estas sobras se expressa nas conhecidas histórias da filosofia de Kuno
Fischer e J. E. Erdmann. Contudo o escrito mais importante sobre Hegel
aparecido na época – o trabalho de Rudolf Haym – é definitivamente um
panfleto volumoso contra a natureza “científica” do objetivismo e da dialética em
Hegel.

Na época imperialista renasce o estudo da filosofia clássica alemã. O


neokantismo liberal satisfaz cada vez menos as necessidades ideológicas da
burguesia imperialista alemã. Cada vez mais é decidido o surgimento de
correntes que, sem alterar em nada os fundamentos agnosticistas do
neokantismo, almejam, porém uma renovação reacionária do idealismo objetivo
(renascimento romântico, vitalismo, fenomenologia husserliana, psicologia real

7
diltheyana, etc.). Em contato íntimo com as correntes reacionárias tem espaço
uma renovação da filosofia clássica alemã – sobretudo a de Hegel – e estreita
ligação com isto torna-se a propor o problema de sua história, com a intenção de
menosprezar tanto o esquematismo dos hegelianos de ultima hora quanto à
recusa global do hegelianismo pela ortodoxia neokantista.

O “renascimento” da filosofia clássica alemã no período imperialista não é, pois,


uma renovação nem um desenvolvimento posterior da dialética hegeliana, nem
uma intenção de concretizar o historicismo de Hegel, contudo a intenção de por
a filosofia hegeliana a serviço de uma reconstrução reacionária e imperialista do
neokantismo. Por isto a polêmica dos teóricos e historiadores do inicio deste neo-
hegelianismo se dirige principalmente contra os argumentos da época de
descrédito de Hegel que tendiam situá-lo em oposição irreconciliável a Kant. O
neo-hegelianismo imperialista ignora completamente aprofunda e aniquiladora
crítica do subjetivismo e agnosticismo kantianos por Hegel. A tese básica desse
neo-hegelianismo é , ao contrário, a unidade de toda a filosofia clássica alemã e
especialmente a unidade entre Kant e Hegel. Todos os filósofos (Windelband, J.
Ebbinhaus, Brunstäd, etc.) se esforçam por demonstrar que todos os problemas
da filosofia hegeliana se encontram já em Kant, que a única coisa que Hegel fez é
formular consciente e explicitamente o que já estava implícita e
inconscientemente em Kant. Assim, surge uma concepção da história que
somente aparentemente é uma repetição ou renovação do esboço hegeliano do
desenvolvimento da filosofia clássica alemã; esta concepção contem todos os
defeitos exacerbados do idealismo e todos que seguem que se servem desta
construção esquemática. Porém, em verdade, é uma concepção completamente
em oposição a Hegel. Enquanto este critica severamente, por seu lado, todas as
deficiências e insuficiências de seus antecessores do ponto de vista do idealismo
objetivo e da dialética e sublinha, por seu turno, energicamente todos os traços
daqueles antecessores nos quais, apreciando o sentido histórico, os neo-
hegelianos da época imperialista dissertam no sentido contrário, reduzindo Hegel
e Kant, quer dizer, não reconhecendo em Hegel senão aquilo que pode conviver
sem violência com o agnosticismo kantiano. A atitude consiste um rebaixar ao
nível puramente kantiano toda a história do desenvolvimento da filosofia clássica
alemã. Esta tendência pode se ver também com toda clareza no neo-
hegelianismo do após-primeira guerra mundial, o qual, além disso, usa outros
motivos mais abertamente reacionários. Hermann Glockner, diretor da nova
edição de Hegel e um dos autores principais do neo-hegelianismo depois da I
Guerra Mundial, expressou com completa clareza no primeiro congresso
hegeliano: “O problema hegeliano é hoje na Alemanha, sobretudo um problema
kantista”.

Aqui só faremos uma breve menção ao contexto de classes geral e aos meandros
da política de cada modificação na compreensão de Hegel. Um determinado
confronto poderá nos ajudar a iluminar o sentido no qual se modificava a
situação hermenêutica. Quando Haym combatia em seu tempo o objetivismo e a

8
dialética da filosofia hegeliana, sua tendência capital era ainda liberal, mesmo
sem dúvida na forma especificamente alemã do nacional-liberalismo. De
qualquer forma, Haym recusou as concepções de Hegel – ignorando
completamente seu caráter dialético – por reacionárias, pensando que a
eliminação da filosofia hegeliana possibilitaria o desenvolvimento de uma
ideologia liberal na Alemanha. Por outro lado, para o conhecido historiador do
período imperialista Friedrich Meinecke, tão intimamente relacionado com o
neokantismo de Baden (Windelband, Rickert), a filosofia hegeliana é um bom
preparativo da política e concepção de Estado de Bismarck. A renovação do
hegelianismo neste período está, pois, intrinsecamente relacionada com o fato de
que aquelas resistências contra a forma bismarquiana da fundação do Reich,
contra o caráter pseudoconstitucional e reacionário da Constituição alemã, que
também se manifestavam como vivas, mesmo com timidez e incoerência da
burguesia alemã. O neo-hegelianismo está fadado então a promover uma
concepção do mundo que possibilite a “reconciliação” plena, concreta e positiva,
da burguesia alemã no Estado Bismarqueano. Não será preciso esclarecer que
nessas circunstâncias tem forçosamente que se situar em primeiro plano
precisamente os motivos ideológicos mais reacionários da filosofia hegeliana.

Contudo. como é natural, esses motivos reacionários não procedem


exclusivamente da temática diretamente histórico-política de Hegel. Os neo-
hegelianos até agora estudados por nós tendiam conseguir uma ampliação e
modernização do neokantismo pelo procedimento de estender sua validade a
toda história da filosofia clássica alemã. Mas isto não era suficiente para satisfazer
todas as necessidades ideológicas reacionárias do período imperialista. Já
falamos da crescente importância das tendências filosóficas irracionalistas
“vitalistas”. A grande popularidade alcançada pela forma especificamente
diltheyana de renovação do hegelianismo se deve exatamente ao fato de que
Dilthey falsificou a dialética de Hegel no sentido de abri-la a uma recepção do
irracionalismo filosófico. Deste ponto de vista a monografia de Dilthey sobre o
jovem Hegel (1906) representa um ponto importante de inflexão na concepção
alemã de Hegel. O essencial histórico-filosoficamente é que Dilthey abre caminho
às tendências imperialistas e reacionárias encarnadas na renovação do
romantismo filosófico ao por Hegel em ligação direta com este, ignorando ou
falsificando inclusive os fatos mais evidentes e importantes da biografia de Hegel
sobre este assunto.

O neo-hegelianismo do após-guerra percorre, no essencial, os caminhos traçados


por Dilthey, mesmo utilizando, naturalmente, os resultados filosóficos das demais
correntes neohegelianas. Richard Kroener afirmou em seu livro Von Kant zu
Hegel [De Kant a Hegel], que é uma obra decisiva para o desenvolvimento
posterior do neo-hegelianismo: “A dialética é o irracionalismo tornado método, o
irracionalismo tornado racional”. E a aspiração geral destes neo-hegelianos – tal
como pode apreciar-se nos discursos proferidos por Kroener, Glockner, etc. nos
vários congressos hegelianos – consiste em aplicar a “reconciliação” hegeliana,

9
em utilizar aparentemente o método hegeliano da história da filosofia para
alcançar uma “síntese” de todas as correntes filosóficas contemporâneas
(incluindo, naturalmente, as fascistas).

Não é por acaso que o ponto de partida de todo esse desenvolvimento se


encontre na monografia de Dilthey que tem como tema central o jovem Hegel.
Dilthey acreditou descobrir o período de passagem do pensamento de Hegel, e
mais exatamente os momentos críticos dessa passagem, determinados motivos
mentais que considera aproveitáveis para uma interpretação místico-irracionalista
da filosofia hegeliana. Já antes de Dilthey falsificou no mesmo sentido a figura do
companheiro e amigo de juventude de Hegel nesse período: Hölderlin. (Ofereci
uma critica pormenorizada dessa falsificação reacionária de Hölderlin no meu
ensaio sobre o “Hyperion”: Goethe und seine Zeit [Goethe e sua época], Aufbau-
Verlag, Berlim, 1950).

Como afirmei, a interpretação por Dilthey de Hegel foi decisiva para o


desenvolvimento seguinte do neo-hegelianismo. E assim a figura do jovem Hegel,
que mesmo em Kuno Fischer ou em Haym somente desempenhavam um papel
episódico, se converte no centro de interesse dos estudos hegelianos. Fica cada
vez mais frequente a prática de tomar rascunhos e notas juvenis de Hegel que
não estavam destinadas a publicação e interpretá-los de tal modo que deem de si
a imagem de “verdadeiro alemão”, isto é, irracionalista-místico: aceitável para o
fascismo. O ponto culminante deste processo é a monografia de Th. Haering
sobre Hegel (vol. I. 1929).

Embora esta falsificação da interpretação da história da filosofia clássica alemã,


pelo que fez de Hegel, atinja o cume, tal movimento teve pelo menos a utilidade
de que se chegasse finalmente à publicação dos manuscritos juvenis de Hegel,
dispersos até então, ignorados e esquecidos. Assim começamos agora, em certa
medida, a dominar o material que esclarece o desenvolvimento juvenil do
filósofo.

A seguir enumero as principais obras, às que teremos, em meu julgamento, de


consultar constantemente no estudo do desenvolvimento juvenil de Hegel:

Hegels Theologische Jugendschiften [Escritos teológicos juvenis de Hegel],


Tubinga, 1907. Publicados por Hermann Nohl. (Citaremos: Nohl)

Die Verfassung Deutschlands [A Constituição da Alemanha] e System der


Sittlichkeit [Sistema de Moralidade], ambos publicados nos Schriften zur Politik
und Rechtsphilosophie Hegels [Escritos de Hegel sobre política e filosofia do
direito] por G. Lasson, Leipzig, 1923. (Citado: Lasson.)

Jenenser Logik, Methaphysik und Naturphilosophie Hegels [Lógica, metafísica e


filosofia natural de Hegel em Iena], editada por G. Lasson, Leipzig. 1923.
(Citado: Jennenser Logik [Logica de Iena].)

10
As aulas ditadas por Hegel na época imediatamente anterior a Phämenologie des
Gesteis [Fenomenologia do Espírito], editadas por J. Hoffmeister, Leipzig, 1931,
com o título de Jenenser Realphilosophie [Filosofia da realidade da época de
Iena), vol. I e II. (Citadas: Realphilosophie.)

Dokuments zu Hegels Entwickling [Documentos relativos ao desenvolvimento do


pensamento de Hegel], editados por J. Hoffmeister, Sttugart, 1936. (Citadas:
Hoffmeister.)

O conjunto dessas publicações oferece um material bastante rico – e praticamente


não aproveitado até hoje – para o estudo da formação da dialética hegeliana. A
reconstrução desse processo de formação se vê facilitada, às vezes, pelo trabalho
filológico realizado paralelamente com a edição e aproveitamento destes textos.
Nohl, Hoffmeister, Haering, Rosenzweig e outros levaram adiante uma exata
pesquisa cronológica dos manuscritos de Hegel baseando-se nas cartas e demais
fragmentos datados com certeza. Assim, dataram com exatidão a modificação de
letra e, uma vez conseguido este importante instrumento, puderam estabelecer,
com maior ou menor precisão, as datas dos diversos manuscritos. Embora não
possamos submeter a uma prova essa cronologia, a aceitaremos basicamente
sempre que não as desmintam os dados do conteúdo filosófico de pública
importância.

No entanto. Isso não significa em absoluto que temos todos os documentos que
sejam cientificamente úteis e relevantes para o desenvolvimento das visões do
jovem Hegel. Os primeiros manuscritos importantes de Hegel, finalmente se
perdeu. Este são, por exemplo, os primeiros manuscritos econômicos
relacionados ao período de Franckfurt e, acima de tudo, um grande comentário
sobre as obras de Stuart. No segundo capítulo veremos claramente a medida da
perda que significa o desaparecimento destes manuscritos para o
desenvolvimento das concepções econômicas de Hegel. Rosenkranz, que teve em
mãos este documento, não tinha em troca nenhuma ideia da importância da
economia nas concepções de Hegel. Por isso é impossível fazermos uma ideia do
manuscrito sem outra base que as observações de Rosenkranz. Assim, pois,
ocorre que nos deparamos enviados e reduzidos a observações, mais ou menos
hábeis, a conclusões baseadas em observações isoladas e argumentações
baseadas nas obras posteriores, na hora de tentar entender este ponto de inflexão
no desenvolvimento do pensamento de Hegel.

Além disso, a justificativa da utilização científica é muito discutível e variável nos


manuscritos editados total ou parcialmente por Rosenkranz. Assim, por exemplo,
Rosenkranz editou – embora parcialmente – notas históricas do período de Berna
e observações filosóficas do período de Iena, inserindo tudo em sua biografia de
Hegel, sem dizer-nos nada sobre a fase dos referidos períodos em que se
redigiram tais notas. Para ele, que conservava os manuscritos, não havia
dificuldade em data-los. Hoje, perdidos os manuscritos, nada mais resta como

11
instrumento do que a combinação e nitidez. A importância objetiva das
observações publicadas para estudo do desenvolvimento de Hegel é sempre
grande, e às vezes decisivas. Assim, por exemplo, as notas de Berna, contêm
algumas observações sobre a Revolução Francesa. Seria muito importante poder
estabelecer sua sucessão cronológica, como meio de conhecer as fases da atitude
de Hegel diante aquele problema – para ver, por exemplo, a quais
acontecimentos da Revolução Francesa reagia o filósofo em suas tomadas de
posição -. Ainda mais importante seria conhecer a cronologia exata das notas
filosóficas do período de Iena. Como se sabe, em Iena, Hegel começou a ficar ao
lado de Schelling na luta contra Kant e Fichte, para orientar-se contra o próprio
Schelling na Introdução à Phämenologie des Geistes [A Fenomenologia do
Espírito]. Pois bem: essas anotações de Iena contêm observações críticas contra
os discípulos de Schelling e contra o próprio Schelling. Estará claro que um
conhecimento do momento exato que Hegel rompeu com Schelling – sem dúvida
um momento no qual ainda não o fazia publicamente – nos revelaria o
desenvolvimento juvenil de Hegel de um modo muito mais concreto do que hoje
é possível consegui-lo. Assim, pois, utilizar este material, o único que pode se
considerar seguro em cada caso, porque falta à cronologia, é a situação dos
fragmentos em períodos gerais.

Apesar destas lacunas e deficiências, temos diante de nós um material


relativamente grande para o estudo do desenvolvimento juvenil de Hegel. E
como o neohegelianismo de tendência fascista utilizou exatamente este período
do pensamento de Hegel para fazer do filósofo um irracionalista aceitável ao
fascismo, é uma tarefa de certa importância o confrontar esta falsificação histórica
dos fatos. Tanto mais quanto que as vozes da “nova ciência” penetraram
também na literatura marxista, aproveitando a circunstancia de que, até agora, os
marxistas não se interessaram praticamente pelo período juvenil de Hegel. Assim,
por exemplo, muito pseudomarxistas recorreram à interpretação de Dilthey no
centenário hegeliano de 1931 ao desenvolvimento juvenil do filósofo.

Mas, o interesse pelo desenvolvimento juvenil recebe apenas a simples tarefa de


destruir com falsificações históricas de tendência fascistizante. Se se considera
com olhos marxistas o desenvolvimento juvenil de Hegel se aprecia nele uma
fase importantíssima da história da constituição da dialética na Alemanha.
Não é irrelevante para a correta interpretação marxista da obra madura de Hegel
o conhecer o caminho pelo qual Hegel chegou às referidas concepções. A atitude
de Hegel em relação a seus antecessores – Kant, Fichte e Schelling – fica assim
muito mais esclarecida do que antes. A fábula do parentesco de Hegel com o
romantismo revela toda sua nulidade e insustentabilidade. Numa palavra – que
para marxista é óbvia - : se entende incomparavelmente melhor o próprio Hegel
se se estudou a constituição de seu sistema, uma vez confrontadas diretamente –
como o faz Hegel em sua exposição histórico-filosófica – as obras da maturidade
de Schelling, por exemplo, com as obras de maturidade de nosso filósofo, sem
discernir entre as respectivas gêneses.

12
Contudo a história da filosofia hegeliana posiciona, ao mesmo tempo, aquelas
grandes perguntas históricas que se constituíram o fundamento geral da filosofia
clássica alemã e a implantação do método dialético nela até a concepção
hegeliana da dialética. O presente trabalho não tem pretensão de fazer, em todas
as suas dimensões, esta pesquisa extraordinariamente vasta, nem sequer por que
faz ao caso pessoal de Hegel. Vai limitar-se, isto sim, a uma componente desse
processo de desenvolvimento, a saber: a componente histórico-social.

Pois a crise de crescimento das ciências da natureza, então dominante, os


importantíssimas descobertas que abalaram por esta época os fundamentos da
ciência natural, a origem da nova ciência química, o posicionamento do
problema da genética nas diversas investigações biológicas, etc. são fatos que
desempenham um papel adequadamente decisivo na constituição da dialética no
seio da filosofia clássica alemã. Em seu livro sobre Feuerbach, Engels descreveu
detalhadamente a influência que teve esta revolução das ciências da natureza na
crise do pensamento metafísico e a pressão da filosofia no sentido da concepção
dialética da realidade.

Este importante processo não foram ainda realmente estudado na totalidade. A


história burguesa da filosofia se limitou durante muito tempo a contemplar por
alto as “especulações filosófico-naturais” da filosofia clássica alemã. Em meados e
finais do século XIX, Marx e Engels foram os únicos que souberam ver
claramente e apreciar como merecem os problemas reais problemas daquele
período, sem deixar-se enganar pela forma idealista e às vezes absurdamente
mística em que se manifestam. A este propósito Engels escreveu no Prefácio ao
Anti-Dühring:

“É muito mais fácil irritar-se contra a velha Filosofia da Natureza como o leigo
irreflexivo à la Karl Vogt que apreciar a importância histórica dessa especulação.
A Filosofia da Natureza contem muito absurdo e muita fantasia, não menos
porém que as teorias contemporâneas afilosóficas que a dos pesquisadores
empíricos da natureza; e contem além disso muito sentido e muita compreensão
como começa a apreciar-se desde a difusão da teoria da evolução (...) Os
filósofos da natureza são em relação à ciência natural conscientemente dialética
do que os utopistas são em relação ao comunismo moderno”.

A pesquisa marxista deste contexto pressupõe um conhecimento amplo e


profundo do desenvolvimento concreto de todas as ciências da natureza. O autor
deste livro não se considera competente nem sequer para esboçar concretamente
esta problematização. Com estas observações não se propõe, pois, senão declarar
abertamente ao leitor a necessária unilateralidade e o caráter não definitivo do
presente estudo.

A necessária complementação deste estudo é importante e atual também por


motivos diferentes dos mencionados. Acrescentemos que a atual filosofia

13
reacionária da época imperialista assume em relação à Filosofia da Natureza uma
atitude muito mais positiva que os seus antecessores. Contudo, esta mudança de
comportamento contribui mais para confundir e deformar a verdadeira questão.
Pois os que hoje em dia emitem um juízo positivo sobre a Filosofia da Natureza
tomam dela exatamente o absurdo, o místico, o cientificamente reacionário, e
pretendem desse modo utilizá-la como uma arma contra a concepção científica
da natureza, O estudo da conexão real entre o desenvolvimento da ciência da
natureza na época e o nascimento do método dialético inclui, pois, ao mesmo
tempo uma luta contra as teorias anticientíficas e místicas do fascismo atual e de
seus antecessores.

O presente estudo se ocupará também de outro complexo de problemas, da


mesma importância extraordinária, posicionado pela história da constituição da
dialética na filosofia clássica alemã, a saber: a influência dos grandes
acontecimentos político-sociais da época, marcadamente a Revolução Francesa,
e suas consequências no nascimento do modo dialético de pensar na Alemanha.

Tão pouco a história da influência da Revolução Francesa na Alemanha é terreno


que esteja estudado detalhadamente. A ciência histórica burguesa, especialmente
depois de 1848, esforçou-se constantemente para deixar em pleno esquecimento
todos os esforços revolucionários democráticos que se produziram na vida alemã.
Sabemos hoje assombrosamente pouco dos muitos alemães que aderiram direta
e combativamente à Revolução Francesa. Georg Foster é o único que conseguiu
escapar relativamente do esquecimento, e isso porque era previamente
conhecido pelo mundo como cientista natural e como escritor; embora ainda
careçamos de um estudo realmente marxista de sua atividade e de suas obras.
Além disso, Foster é um entre muitos, e para conseguir um contexto fiel da
influência da Revolução Francesa na Alemanha não bastaria um estudo
aprofundado desta única personagem, mas haveria de conseguir além disso um
conhecimento dos fatos em extensão. Em sua busca haveria de tentar recolher
também, como é natural, o estado de ânimo de amplas massas populares. As
obras autobiográficas de Goethe – apesar da extraordinária prudência com que
Goethe se expressa nelas – permitem adivinhar o quanto profundamente ficou
agitada a opinião pública alemã pelos acontecimentos em França.

Contudo, uma investigação deste tipo nunca deve esquecer o estado atrasado da
Alemanha naquela época, tanto do ponto de vista econômico-social quanto no
político. Tendo em conta este atraso é preciso examinar sempre as afirmações
concretas e os posicionamentos das personagens alemãs a respeito da Revolução
Francesa. Não é, pois, lícito aplicar mecanicamente, aos reflexos ideológicos dos
acontecimentos franceses na Alemanha as mesmas categorias políticas que
surgiram em França como consequência da real luta de classes no país, e que
nele se desenvolveram. Recorde-se, por exemplo, que na própria França os
girondinos tomaram parte durante muito tempo das reuniões do Clube dos
Jacobinos, e que somente o radicalismo das reais lutas de classe deu

14
posteriormente lugar à própria e clara diferença entre ambos partidos. Seria,
consequentemente mecanicista e errado caracterizar manifestações e posições
alemães com os mesmos rótulos políticos da Revolução Francesa, quando o fato
é que a diferença social que se produz imediatamente em França não chega a ser
real na Alemanha, senão muito mais tarde.

A isso se acrescente ainda outro problema de importância extraordinária, a saber:


o problema central da revolução burguesa na Alemanha. È conhecido que Lenin
indicou que o estabelecimento da unidade nacional dos alemães é uma questão
central dessa revolução alemã. O entusiasmo pela revolução Francesa levou, por
conseguinte, a uma explosão poderosa do sentimento nacional na Alemanha,
uma enérgica aspiração à liquidação do fracionamento feudal-absolutista, em
pequenos Estados e da impotência nacional, uma aspiração profunda para uma
Alemanha livre, unitária e forte. Contudo, os fundamentos históricos dessa
tendência encerram uma contradição irreconciliável. Falando da Guerra da
Independência espanhola contra Napoleão, Marx escreveu que nela, como em
todos os movimentos de independência análogos da época, “unem-se a reação
com a regeneração”. Esta profunda observação de Marx pode aplicar-se
literalmente à Alemanha da época. De um lado, as guerras revolucionárias da
República Francesa se convertem necessariamente em guerras de conquista. E se
bem as conquistas napoleônicas na Renânia – e especialmente nela – eliminam
os restos feudais e cumprem assim objetivamente tarefas autênticas da revolução
burguesa, a conquista em si não pode deixar de intensificar a divisão e a
impotência da nação alemã. Por outro, e em consequência do atraso social da
Alemanha, os movimentos nacionais estão cheios de mística reacionária. Não são
capazes de livrar-se revolucionariamente do jugo dos pequenos príncipes para
organizar uma resistência democrática nacional contra a conquista napoleônica;
São inclusive tão débeis que nem sequer chegam a propor-se um projeto dessa
natureza, e pretendem organizar a resistência nacional em aliança e sob a direção
da monarquia reacionária da Prússia, Áustria, etc. Por este motivo se convertem
necessariamente em promotores da reação que dominou a Alemanha inteira
imediatamente depois da queda de Napoleão.

Essas contradições objetivas se encontram na vida, o pensamento e os fatos de


todos alemães importantes do período. Trata-se de generais e estadistas como o
barão von Stein, Gueisenau ou Scharnhorst, de poetas como Goethe e Schiller,
de filósofos como Fichte e Hegel: sua vida inteira está dominada por estas
contradições e por sua irreconciliação.

A exposição histórica desse período se enfrenta, pois, com a complicada e


dúplice tarefa de manter simultaneamente diante dos olhos o grande
acontecimento histórico ocorrido em França e o deformado reflexo dele na
atrasada Alemanha. Marx formulou claramente esta situação, a respeito de Kant,
na Ideologia Alemã: no pensamento de Kant encontra Marx um eco “do
liberalismo francês, baseado nos reais interesses de classe, em Alemanha”; y

15
acrescenta a seguir que o atraso da Alemanhaprovoca neste ponto uma
deformação essencial dos problemas. “Kant”, continua Marx, “separou portanto
essa expressão teórica dos interesses por ela expressos, transformou as
determinações da vontade da burguesia francesa, que estavam materialmente
motivadas, em puras autodeterminações da vontade livre, da vontade em si e
para si, da vontade humana, e converteu esta em puras determinações
conceituais ideológicas e em postulados morais”. Marx expressou nessas linhas,
com argucia incomparável, um dos temas essenciais pelos quais o
desenvolvimento ideológico alemão da época tinha de ser necessariamente
idealista. Com isto, por certo, Marx caracteriza com a mesma argúcia e clareza,
essas inevitáveis deformações de problemas que são produto necessário do
idealismo filosófico.

Embora essa explicação da gênese do caráter idealista da filosofia clássica alemã,


essa enérgica crítica de suas debilidades idealistas, não esgota de modo algum os
problemas históricos dessa época da filosofia. O próprio Marx destacou nas suas
Teses sobre Feuerbach o aspecto positivo do idealismo clássico. Após criticar o
caráter simplesmente contemplativo do velho materialismo, afirma Marx: “Por
isso ocorreu que o aspecto ativo fosse desenvolvido pelo idealismo em confronto
ao materialismo: mas só abstratamente, pois o idealismo, naturalmente, ignora a
atividade real, sensível, enquanto tal”. Com isto formula Marx os princípios
essenciais de uma crítica correta, fecunda e autenticamente histórica da filosofia
de Hegel, a crítica que ele mesmo ofereceu em seus escritos juvenis e que muitos
decênios depois voltou a descobrir Lenin em suas geniais anotações das obras de
Hegel.

A tarefa do historiador da filosofia clássica alemã consiste, pois, em explicitar


concretamente a ação, tão fecunda para a dialética, desse “aspecto ativo”. Ao
mesmo tempo tem de mostrar como surgiu aquela abstração idealista da real
atividade humana em consequência do reflexo dos grandes acontecimentos
históricos na atrasada Alemanha e como foram concebidos genialmente, nesse
reflexo abstrato e parcialmente deformado da realidade, determinados princípios
gerais da atividade, do movimento, etc. Pois a tarefa do historiador da filosofia
seria muito simples, unilateral e limitada se reduzisse a estabelecer as
consequências negativas do atraso da Alemanha. O papel do histórico-universal
desempenhado pela filosofia clássica alemã para todo o pensamento humano é
um fato tem de derivar-se também de um modo marxista daquelas circunstancias
sociais.

Do mesmo modo criticaram Marx e Engels a filosofia clássica alemã. Porém sua
tradição foi embotada também neste terreno durante o período da Segunda
Internacional. E também aqui foi Lenin quem recolheu, renovou e continuou a
linha de Marx. Escreve Lenin sobre a crítica a Kant por seus contemporâneos: “1
Plerranov critica o kantismo (e o agnosticismo em geral) mais do ponto de vista
do materialismo vulgar do que do dialético-materialista na medida em que

16
recusa in limine seus argumentos, em vez de corrigi-los (como Hegel corrigiu a
Kant) aprofundando, generalizando-os ampliando-os e mostrando a conexão e
os trânsitos de e entre todos e cada um desses conceitos. 2 Os marxistas
criticavam (a princípios do século XX) aos kantistas e os seguidores de Hume
mais a maneira de Feuerbach (e de Büchner) que a de Hegel”. Está claro que
estas importantes observações de Lênin se aplicam plenamente a metodologia do
estudo histórico e crítico da filosofia hegeliana.

Engels mostrou bela e convicentemente numa carta como a hegemonia filosófica


passou sucessivamente da Inglaterra a França e da França a Alemanha, e que tão
pouco no terreno da filosofia é sempre o país mais desenvolvido econômica e
socialmente aquele que desempenha o papel de dirigente; tão pouco nos diversos
países, tomados separadamente, coincide o ponto culminante do
desenvolvimento econômico com o desenvolvimento econômico com o da
filosofia; neste terreno, conclui, rege, pois, a lei do desenvolvimento desigual.

Os traços fecundos e geniais da filosofia clássica alemã estão aparentados do


modo mais íntimo com a sua reprodução mental dos grandes acontecimentos
históricos do período. Analogamente, os aspectos negativos do método idealista
em geral são em determinados pontos reflexos das circunstâncias da atrasada
Alemanha. Desta complicadíssima ação recíproca é preciso recolher a conexão
dialética viva no desenvolvimento da filosofia clássica alemã.

Repetimos pois: os acontecimentos históricos centrais cujo reflexo mental temos


que estudar aqui são a revolução Francesa e as grandes lutas de classe que se
seguiram a ela em França, com a influência na problematização interna da
Alemanha. Pode se dizer que, em geral, os grandes representantes ideológicos
deste período são tanto maiores quanto mais resolutamente puseram em primeiro
plano de seus interesses os acontecimentos histórico-universais que lhes são
contemporâneos. A filosofia de Fichte se fragmentou internamente em seu
choque com a irreconciliabilidade das contradições próprias da revolução
nacional-democrática em Alemanha. Por outro lado, a poesia de Goethe, A
Fenomenologia do Espirito e a Lógica de Hegel são obras que exerceram uma
influência decisiva em todo o desenvolvimento ideológico seguinte a sua
aparição.

Embora a posição de Hegel nesse processo, seu modo de orientar-se em relação


aos grandes acontecimentos históricos de sua época, tem ainda outro traço
característico que o diferencia de todos os seus contemporâneos no âmbito
filosófico. Hegel não é apenas o filósofo que mais profunda e adequadamente
tem a compreensão da essência Revolução Francesa e do período napoleônico
para a Alemanha, mas também o único pensador alemão do período que se
ocupou seriamente com os problemas da Revolução Industrial que ocorreu na
Inglaterra, e o único que à época pois em relação os problemas da economia
clássica inglesa com os problemas da filosofia da dialética. Marx mostrou na

17
Ideologia Alemã como as ideias econômicas receberam dos materialistas
franceses uma formulação filosófica abstrata que correspondia às necessidades
ideológicas da burguesia francesa que se preparava objetivamente para a
Revolução. E mostra logo como estas ideias tornam a Inglaterra e recebem ali
uma formulação econômica mais concreta, a qual leva necessariamente, no
pensamento dos ideólogos, da burguesia já dominante, a uma completa
vulgarização filosófica (cf. o que escreve Marx sobre Bentham). Por outra parte, a
muito diversificada oposição às consequências sociais e econômicas do violento
desenvolvimento do capitalismo são uns dos principais momentos temáticos
desencadeadores do Romantismo. Com a concepção dialética destes problemas
Hegel se encontra tão longe da vulgaridade de Bentham como a errônea e
reacionária “profundidade” romântica. Antes aspira abarcar com o pensamento a
real estrutura interna, as forças realmente ativas de sua época, e a descobrir a
dialética de seu desenvolvimento.

Seria incorreto limitar esta tendência da filosofia hegeliana àquelas observações


nas quais Hegel discute explícita e diretamente os problemas da sociedade
capitalista. Esta discussão determina antes toda a estrutura de seu sistema, a
peculiaridade e grandiosidade de sua dialética. Neste ponto precisamente se
encontra a sua superioridade filosófica e dialética sobre seus contemporâneos.
Nosso estudo se propõe a tarefa de mostrar pelo menos alusivamente, o em
esboço essa interação do desenvolvimento do jovem Hegel. Ele mostrará como
num decisivo momento crítico desse desenvolvimento, no que Hegel vacila
confusamente diante dos ideais revolucionários da sua grande Revolução
contemporânea, o estudo da economia política, da situação econômica da
Inglaterra, volta a proporcionar-lhe uma bússola que permite sair do labirinto
encontrando a via da dialética. E, tentaremos mostrar concretamente a grande
importância que teve a compreensão dos problemas econômicos para o
nascimento do pensamento conscientemente dialético do jovem Hegel.

Esta concepção da filosofia hegeliana não passa no fundo de uma tentativa de


aplicar ao desenvolvimento juvenil de Hegel a genial observação oferecida por
Marx em seus Manuscritos econômico-filosóficos de 1844:

“A grandiosidade da Fenomenologia hegeliana (...) é, pois, uma parte, que Hegel


concebe como um processo de autoprodução do homem (...) que concebe, em
resolução, a essência do trabalho, e do homem objetivo, verdadeiro porque real,
como resultado de seu próprio trabalho.”

Marx mostra aqui o quanto a filosofia hegeliana é um movimento mental análogo


a economia clássica inglesa. Por certo, enquanto que nesta os problemas das
sociedades burguesas aparecem em sua concreta regularidade econômica, Hegel
não oferece mais do que o reflexo abstrato (idealista) de seus princípios gerais;
porém, por outro lado, Hegel é o único capaz de passar assim disso a dialética

18
geral. (Vale a pena recordar de novo ao leitor que com tudo isto – como já
assinalamos – se toca apenas em um aspecto da origem da dialética hegeliana.)

Depois disso estará claro para o leitor que essa grandiosa concepção hegeliana
da dialética da sociedade humana é uma dialética idealista, com todos os
defeitos, limitações e deformações que o idealismo introduz necessariamente na
concepção da dialética. A tarefa deste estudo é precisamente mostrar
concretamente os aspectos importantes e os débeis do desenvolvimento da
dialética hegeliana em suas diversas etapas. O autor espera que em breve sigam
a esta obra trabalhos que corrijam e complementem a unilateralidade de seu
posicionamento histórico – trabalhos que estudem a influência da ciência da
natureza na origem da dialética hegeliana -. Somente quando contemos com
resultados também neste terreno poderemos encontrar-nos com o contexto claro
e dominado do desenvolvimento de Hegel. E é de se prever que esses trabalhos
concentrarão e corrigirão algo deste meu trabalho que se deduz necessariamente
da unilateralidade de meu posicionamento. Porém o autor tem a esperança de
haver exposto em seus traços fundamentais o desenvolvimento do
pensamento do jovem Hegel na medida em que este é concebível pelo material
que dispomos atualmente.

O ponto de vista metodológico para o estudo da história da filosofia que domina


o presente trabalho abarca muito mais que simples objetivo de conseguir uma
reta compreensão do desenvolvimento juvenil de Hegel. Trata-se da conexão
interna entre filosofia e economia, entre economia e dialética. No curso de
tempo, a exposição da história da filosofia viu-se cada vez mais obrigada a
rebaixar o complexo de problematização filosófica no sentido rigoroso para
descobrir conexões mais profundas, e a dirigir sua atenção ao crescimento
histórico do pensamento humano na ampla totalidade da compreensão científica
da realidade concreta. É muito natural que ao fazê-lo assim as ciências da
natureza estavam e estão em primeiro lugar. O estudo da interação entre ciência
da natureza por uma parte, a teoria do conhecimento e a lógica por outra e a
metodologia filosófica, a teoria do conhecimento e a lógica por outra, deram
resultados nada desprezíveis, apesar de haver padecido do fato de que
considerou quase sempre como critério metodológico definitivo o agnosticismo
de Kant, Berkeley ou Hume, ficando assim cego para as complicadas influências
recíprocas que existem entre a dialética filosoficamente consciente, por mais
idealista (filosofia da natureza do período clássico alemão) e a dialética não
esclarecida teoricamente e espontaneamente nascida da prática cientifico-natural
(Lamarck, Darwin, etc.). Em troca, a relação metodológica entre filosofia e o
domínio dos fenômenos sociais que até agora praticamente ficaram sem estudo.

Cremos que isso não é por acaso. O motivo encontra-se na situação social e em
seu desenvolvimento. Enquanto que nos começos da economia burguesa os
grandes representantes da nova ciência viram nela, por um lado, a ciência básica
da vida social, e por outro, nas categorias econômicas, relações entre seres

19
humanos – com uma honrada e espontânea ausência de preconceitos - , mais
tarde penetra nessa ciência a feitizaçao das categorias econômicas, produto
objetivamente necessário e crescente do desenvolvimento do capitalismo, até
determinar cada vez mais profunda e decisivamente a metodologia das ciências
sociais. Esta metodologia opera cada vez mais exclusivamente com tais categorias
feiticizadas, sem penetrar até as relações entre homens (ignorando também as
relações dos homens com a natureza, mediada por aquelas relações inter-
humanas); em paralelo com este processo, e em grande medida em
consequência dele, a metodologia econômica deixa de ser a ciência fundamental
da vida social para converter-se em uma das numerosas disciplinas particulares
radicalmente especializadas. E como também, a filosofia recorre em sua maior
parte este caminho que leva a especialização como disciplina particular, se
compreende que os filósofos na tenham sequer a ideia da fazer fecundar seu
trabalho metodologicamente pelo estudo detalhado das categorias econômicas.

Repetimos: os velhos economistas adotaram uma atitude completamente diversa


diante dessas questões. Lemos em Galiani: “O valor é uma relação entre
pessoas”. E mesmo em tempos de dissolução da escola de Ricardo se sublinha
consciente e energicamente este caráter inter-humano das categorias econômicas,
como faz por exemplo, Thomas Hodgkin. Porem este importante conhecimento é
só uma meia verdade. Depois de citar essas palavras de Galiani, Marx as
comenta do modo seguinte: “porém teria de acrescentar: uma relação mascarada
por uma crosta coisificada”; e em sua análise crítica de Hodgkin explica Marx:

“Hodgkin diz, pois, com outras palavras que os efeitos de uma determinada
forma social do trabalho se atribuem à coisa, os produtos desse trabalho; que a
relação mesma se transmuta fantasticamente tomando a figura coisificada.
Vimos que este fato é uma característica específica do trabalho baseado na
produção de mercadorias, no valor de troca e que esse quiproquó se manifesta
na mercadoria, no dinheiro (coisa que Hodgkin não vê), e ainda mais
potencialmente no capital. Os efeitos que tem as coisas tanto que momentos
objetivos, do processo do trabalho atribui-se-lhe no capital como efeitos que elas
tiveram na personificação, em sua independência diante do trabalho. Porem as
coisas deixariam de ter esses efeitos se deixassem de enfrentar-se com o trabalho
nessa forma alienada. O capitalista enquanto capitalista não mais que a
personificação do capital, ou seja da criação do trabalho, revestida de vontade
própria e personalidade, confrontada com o trabalho. Hodgkin concebe esta
situação como uma ilusão puramente subjetiva por trás da qual se escondem o
engano e o interesse da classe exploradora, e não vê esse modo de representação
se depreende da própria relação, como esta última não é expressão da primeira,
senão o contrário”. [Marx, Teorias sobre a mais-valia]

Com isto nos encontramos no centro da trama das relações recíprocas entre
categorias econômicas e categorias filosóficas: as categorias dialéticas das ciências
sociais aparecem como imagens mentais refletidas daquela dialética que se

20
desenvolve objetivamente, independentemente do saber e da vontade dos
homens em sua vida, e cuja objetividade faz da realidade natural uma “segunda
natureza”. A reflexão posterior mostra que precisamente esta dialética da
economia, se concebe corretamente, se expressam as relações inter-humanas
mais originais, mais fundamentais, mas decisivas; e que esteja precisamente no
terreno no qual a dialética pode estudar a vida social segundo seu modo
autêntico e sem errar. Por isso não é por acaso que, do ponto de vista da teoria
da ciência, o nascimento do materialismo dialético coincida com este
descobrimento da dialética da vida econômica. O “genial esboço” de Friedrich
Engels sobre as categorias econômicas publicado nos Anais Franco-Alemães e os
Manuscritos econômico-filosóficos de Marx descrevem claramente estes começos;
E tão pouco é casual que na última dessas obras se ofereça, por um lado, uma
análise da natureza dialética do trabalho dos economistas clássicos e, por outro,
uma análise dos fundamentos econômicos da Fenomenologia do Espírito
hegeliana.

Como o leitor verá, essas observações de Marx resultaram decisivas para o


presente livro. Porém se nos detivemos um tanto nelas além disso foi porque
cremos que abram uma via de acesso a uma rica aplicação metodológica da
história da filosofia. Nosso estudo pesquisa as relações recíprocas entre o
desenvolvimento das concepções econômicas de Hegel e sua dialética puramente
filosófica, e cremos que com ajuda do novo ponto de vista metodológico
indicado nos foi possível descobrir cientificamente conexões até hoje
desconhecidas ou contemplados incorretamente.

Porém se limita a Hegel a essa posição problemática? Hegel é o único pensador


importante em cuja obra a economia desempenhe papel tão importante? Todo
conhecedor da filosofia inglesa dará resposta negativa imediatamente a essas
perguntas, pois conhecerá as relações existentes entre Hoebbes e Petty, saberá
que Locke, Berkeley e Hume foram economistas além de filósofos, que Adam
Smith foi filósofo além de economista, que as concepções sociais de Mendeville
são inseparáveis de suas ideias econômicas, etc. Mas esse conhecedor saberá
também que a conexão metodológica de Locke, por exemplo, entre a economia
e a teoria do conhecimento dele é até o momento um terreno totalmente baldio
enquanto a pesquisa, e que a literatura que existe até hoje se limitou a recolher
biograficamente uma espécie de “união pessoal” de economia e filosofia nas
pessoas desses pensadores, para tratar depois de um modo desconexo as
atividades de referidos autores em um ou outro campo.

Como é natural, essas relações entre economia e filosofia não existem somente
na filosofia inglesa. Desde Platão e Aristóteles, inclusive Heráclito, não existe
apenas um pensador universal, um filósofo verdadeiro, que estudou estes
problemas e prestou atenção. Porém não é de modo algum necessário, para que
exista esta atenção, que o pensador em questão tenha posto conscientemente e
como problemas especiais da economia essas relações inter-humanas que na

21
Idade Média e Moderna chegaram finalmente a ser objeto desta ciência: basta
que essas relações entre homens tenham chegado a ser de um modo ou de outro
um problema para o filósofo.

Pensa o autor que neste ponto se abre um novo campo extraordinariamente


fecundo à história da filosofia. Por isso conclui estas observações introdutórias
expressando a esperança que o referido campo se veja muito em breve sujeito a
um trabalho enérgico, e de que esta primeira tentativa de descobrir as conexões
aludidas resulte logo superada por outros trabalhos mais exaustivos.

22
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Prefácio à Edição Alemã

Acabei de escrever este livro no final do outono de 1938. Pouco depois era
declarada a guerra e impossibilitada assim por muitos anos sua publicação.
Quando em 1947-48 apresentou-se a mim finalmente a possibilidade de imprimi-
lo submeti o texto a uma minuciosa revisão, mas minhas várias ocupações não
permitiam então tomar em consideração senão a mínima parte da literatura sobre
Hegel, surgida desde 1938. Também esta nova edição foi revisada, mas fora de
certas correções de estilo, fiz poucas modificações no texto anterior.

O leitor encontrará na Introdução informação detalhada sobre os pontos de vista


metodológicos que orientaram o autor. Nem deste ponto de vista creio ter razões
para alterar a exposição que fiz há dezesseis anos. As tentativas atuais na França
— assinaladamente no conhecido livro de J. Hippolyte(1) — de “modernizar
Hegel num sentido existencialista-irracionalista não constitui motivação relevante
para modificar minha exposição, e nem sequer para completá-la”. Para uma
crítica básica ao hegelianismo do período imperialista aplica-se sem mais a estes
esforços franceses para uma reinterpretação de Hegel, embora seja obviamente
compreensível que as condições internas e externas desse renascimento
hegeliano francês tenham que ser em muitos aspectos diferentes das alemães.

Permita-me aqui algumas observações dirigidas aos leitores alemães de outras


obras minhas que em muitos casos foram escritas depois desta. A exposição do
desenvolvimento do jovem Hegel completa em vários sentidos o que em outros
estudos tentei dizer sobre a história da filosofia e da literatura alemã. Assim, por
exemplo, nesta obra encontrar-se-á sobretudo um contra-ataque positivo da
época “clássica” do irracionalismo estudado no meu livro A Destruição da Razão.
A peleja analisada nesta obra como luta de Schelling e seus sucessores é
apresentada naquele livro, da perspectiva de Hegel, como uma crítica e
superação do irracionalismo, embora não seja naturalmente, senão por motivo
crítico-negativo para a fundamentação do novo método idealista-dialético. Mas a
complementação recíproca das duas obras não termina por aqui. No livro
presente pude explicar positivamente porque a filosofia hegeliana foi a grande
adversária dos irracionalistas da época, porque estes combateram em Hegel —
com razão — ao mais significativo representante do progresso filosófico burguês
de então, e porque a critica daqueles irracionalistas a dialética do historicismo
pode achar nos limites e erros idealistas de Hegel pontos reais de apoio e
pretextos para uma argumentação no vazio. A exposição e a crítica do

23
desenvolvimento juvenil de Hegel indicam assim a razão pela qual, uma vez
surgido o socialismo científico como adversário principal do irracionalismo,
perdem-se — com Nietzsche — os restos dos fundamentos filosóficos que ainda
possuía o irracionalismo na época da juventude de Schelling. Para entender
plenamente o papel de Marx, na história do pensamento alemão – um papel que
nem sempre é direto, porém também às vezes mediato – é imprescindível um
conhecimento real de Hegel, da sua grandeza e de seus limites.

Não menos importante é o problema para a compreensão da literatura alemã em


sua época de esplendor. Em meus estudos sobre Hölderin e Heine, e
especialmente dedicado ao Fausto de Goethe, chamei a atenção para essas
relações, vistas sob a perspectiva da poesia alemã. A Fenomenologia do Espírito
encontra-se tematicamente no centro do presente livro, e como ao estudá-la
mostra os profundos laços de parentesco mental e ideal entre ela e o Fausto, o
leitor atento conseguirá uma complementação talvez útil das análises da obra de
Goethe anteriormente publicado por mim(2), embora, como são natural, as
proporções neste livro voltadas para um estudo sobre a obra goethiana. Algo
parecido possa se dizer pelo que faz a todo complexo de problemas da literatura
alemã progressista. Restabelecer as verdadeiras relações entre todos estes temas é
uma tarefa científica importante porque o claro equilíbrio ideológico com o
romantismo reacionário é um problema central na história da literatura alemã,
porque os representantes dessa reação romântica foram exaltados tanto mais
desmedidamente quanto mais reacionários fossem, e porque a história literária
escrita no período imperialista, deixando de fora os casos em que se apresentou
abertamente e militante como luta reacionária, pretendeu sempre esconder a
oposição que existe entre o classicismo alemão e o romantismo alemão.

Contudo, além de ser uma tarefa científica importante, é algo que repercute
imediatamente no terreno da política cultural em geral. Numa época em que o
povo alemão está de novo buscando um caminho, quando importantes setores
da intelectualidade alemã encontram-se ainda vacilantes entre o caminho para
frente e o caminho para trás, a compreensão correta das lutas espirituais do
passado é como uma bússola para o futuro. O autor esforçou-se sempre por pôr-
se a serviço das grandes tarefas postas, tanto com seus trabalhos filosóficos,
quanto em seus estudos históricos literários. Pensa o autor que o esclarecimento
da filosofia de Hegel, bem como de suas relações com tendências progressistas e
reacionárias de sua época, possa contribuir para iluminar mais adequadamente
este problema importante e atual.

É uma tomada de posição como a indicada antes – o caminho para trás ou para
adiante – desempenha um papel crucial a atitude perante a Marx; E neste ponto
o importante não é apenas a atitude perante Marx como pensador e político,
como filósofo, economista e historiador, mas também o que significou e significa
Marx para a cultura alemã. Thomas Mann escreveu há uns trinta anos:

24
“Disse que as coisas não chegaram a bom termo para a Alemanha, que a
Alemanha, até que Carlos Marx leu Frederico Hölderin. Acrescentei que este
encontro estava preparando-se, mas esqueci de precisar que uma mera e
unilateral noticia seria necessariamente estéril”.

Trata-se, eficazmente de um promissor programa cultural, especialmente se antes


de restabelecer o autêntico Hölderin, como pretendeu fazer este mesmo
programa aqui e em outros lugares. Porém seria uma ilusão perigosa imaginar
que esse programa já se realizou em parte na cultura do povo alemão. A
expulsão de Marx da consciência cultural alemã – de amplas camadas sociais
pelo menos – é uma tremenda debilidade que se manifesta diariamente, a todas
as horas, em todos os âmbitos da vida. O povo alemão, que possui tradições
revolucionárias mais débeis objetivamente que as de muitas outras nações, não
pode permitir-se ao luxo de renunciar a este valor central da sua cultura
revolucionária.

Há muitos caminhos que chegam ao objetivo desejável de evitar esta renuncia.


Um deles consiste em mostrar as raízes especificamente alemães da obra vital de
Marx, pondo assim a claro o quanto Marx está profundamente ligado ao
desenvolvimento progressista alemão desde Lessing até Heine, desde Leibniz até
Hegel e Feuerbach, o profundamente alemão que é sua obra, começando por
sua estrutura mental e terminando pela forma verbal. Uma análise histórica
correta de Hegel que contemple e interprete do ponto de vista filosófico da
perspectiva de Marx possa ser também um acréscimo de utilidade para o
cumprimento da tarefa.

Como é óbvio, este livro é antes de tudo um estudo científico de fatos e conexões
de ordem filosófica e histórico-filosófica. Seu valor depende da medida que haja
conseguido dar clareza maior nesses problemas da alcançada antes dele. Porém
nenhum conhecimento é um ente isolado. A compreensão correta do
desenvolvimento de Hegel coloca todos os problemas que acabamos de esboçar,
e o presente livro propõe-se também esclarecer neste sentido. O próprio autor
não pode qualificar o êxito ou fracasso de seu livro. Porém é seu dever declarar
sem disfarces suas intenções ao leitor.

Notas de rodapé:

(1) Genese et structure de la phenomenologie (Gênese e estrutura da


Fenomenologia) de Hegel. (N do t.) (retornar ao texto)

(2) Goethe e seu tempo. (N do t.) (retornar ao texto)

25
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo I - O período republicano do jovem Hegel


1 – O período “teológico” de Hegel: uma lenda reacionária

O Iluminismo é o ponto de partida do desenvolvimento de Hegel, como


ocorre com quase todos os homens significativos da Alemanha da época.
Aqui também encontramos um terreno vasto tanto quanto pouco estudado
da história da filosofia. Entretanto, os historiadores alemães da literatura e da
filosofia se esforçaram durante muito tempo para levantar uma muralha
chinesa entre o Iluminismo e o período clássico. Com completa falsificação
da realidade se interpretou o Sturm und Drang [Tempestade e Impulso] nos
últimos decênios, quando a ciência histórica começou a retocar no sentido
apologético-reacionário inclusive o próprio Iluminismo, deu a maior
importância a conexões que partem dela, com objetivo de interpretar com
este novo estilo e um sentido reacionário as figuras mais importantes do
período clássico, uma vez alcançada a imagem reacionária do Iluminismo
alemão.

Uma história marxista da filosofia terá que estudar aqui em detalhe o caráter
de classe do iluminismo alemão, bem como a influência do iluminismo
francês e inglês nele. Terá de revelar as contradições de classe que
dominaram no seio do Iluminismo alemão. Pois é visível, além disso, para
qualquer conhecedor da história da Alemanha que o Iluminismo deste país
serviu ideologicamente também aos objetivos do absolutismo feudal dos
pequenos estados teutônicos e aos dos revolucionários burgueses que então
se organizavam ideologicamente. Marx desde A ideologia alemã esta
contradição do Iluminismo teutônico. A situação de mais progresso de
França, com a correspondente maior diferenciação classista, a maior clareza
e decisão da luta de classes, converteram-se em França de um modo mais
natural aos principais iluministas em ideólogos preparadores da revolução
burguesa. Como na Alemanha a revolução burguesa não estava na ordem
do dia no terreno da realidade, a influência dos iluministas franceses foi
menos confusa e contraditória que na própria França.

O absolutismo feudal e seus ideólogos tentaram muitas vezes na época


aproveitar determinados aspectos do Iluminismo para seus próprios fins. A
oposição, e especialmente a oposição político-social dos iluministas alemães,

26
era muito débil, muito mais do que haveria sido em um país
economicamente mais desenvolvido. E este caráter do Iluminismo alemão se
reflete em todos os terrenos ideológicos. Enquanto a linha principal do
desenvolvimento ideológico tende em França cada vez mais claramente para
um resoluto materialismo de Diderot, Holbach e Helvetius, o Iluminismo
alemão está simplesmente dominado pela ideia da “religião racional”. Ateus
e materialistas são na Alemanha da época meras exceções, e na maior parte
dos casos personalidades isoladas em todos os sentidos, como por exemplo,
B. J. Ch. Edelmann. O radicalismo mais extremado que conseguiu alcançar
os representantes principais do Iluminismo alemão é um panteísmo
spinozista. Contudo, mesmo propugnar esta ideologia, como fizeram Lessing
maduro ou o jovem Goethe, provoca a indignação e o espanto nas fileiras
dos iluministas médios alemães. É extraordinariamente peculiar o fato de
que Lessing não tenha revelado seu espinozismo ao iluminista Moses
Mendelsohn, que tão próxima amizade teve com ele, e que Mendelsohn se
sentira tão profundamente afetado quando da morte de Lessing, se fizeram
públicas suas verdadeiras ideias pela aparição de suas conversas com F. H.
Jacobi.

O marco deste estudo nos permite, naturalmente, uma investigação especial


da Ilustração alemã. Para nossas finalidades basta a comprovação de que a
educação recebida na Fundação de Tubinga, onde o jovem Hegel passou
seus primeiros anos de estudo, era uma ilustração adaptada às condições da
corte. Possuímos faz pouco tempo uma série de apontamentos (publicados
por Hoffmeister) dos quais de depreende sem margem à duvidas que o
jovem Hegel conheça muito intimamente o Iluminismo alemão, francês e
inglês. Também seus estudos posteriores em Berna nos mostram um Hegel
intensamente ocupado com a literatura do Iluminismo, não limitada à
ciência histórica e à filosofia, inclusive as Belas Artes do período. (Assim, por
exemplo, nas anotações de Berna se encontra uma citação de um romance
de Marivaux.) A parte principal dessas leituras são, sobretudo a princípio,
dos iluministas alemães. Nos resumo de Tubinga, já citados, encontramos
praticamente textos de todos os iluministas alemães, inclusive dos de menor
importância, e não só citados, mas estudados mais ou menos
detalhadamente. Especialmente no início do período de Berna, Hegel se
refere em suas anotações frequentemente à Jerusalém de Mendelssohn,
então muito famosa. Com especial frequência se apresentam os escritos e
peças artísticas de Lessing, sobretudo Nathan o Sábio.

Porém, com isto não se esgota o âmbito de leituras do jovem Hegel, nem
sequer pelo que fez no período de estudos em Tubinga. De seus estudos e
anotações se depreende claramente que conhecia muito bem aos grandes do
Iluminismo francês, Montesquieu e Voltaire, Diderot, Holbach, Rousseau e
outros. Seus estudos históricos devem ter sido muito amplos, sobretudo em
Berna. Dos seus resumos descobrimos que estudou detalhadamente as obras
27
de Grocio, a História índia de Raynald, a História da Grã-Bretanha de
Hume,e a Decadência e Queda do Império Romano, de Gibbon.s A estes se
acrescentem a leitura das obras históricas de Schiller, alguns estudos de
Benjamin Constant e escritos do revolucionário alemão Georg Foster. Dada
a natureza da educação da época, não é demais dizer que Hegel conhecia
bem aos filósofos e historiadores da Antiguidade. Porém, é importante
indicar que sua interpretação dos antigos historiadores e filósofos movia-se
plenamente dentro da linha do Iluminismo anglo-francês. Também o jovem
Hegel – como mostraremos detalhadamente a seguir – viu na antiga Cidade-
estado (polis) não um fenômeno social passado e caduco surgido em
determinadas condições concretas e desaparecida em outras, mas o modelo
eterno, o protótipo inalcançável da modificação atual da sociedade e do
Estado.

Já não basta para apreciar claramente a direção em que se movem as


leituras do jovem Hegel. No marco das lutas de tendências que atravessam o
Iluminismo alemão, o jovem Hegel vai encontrando-se cada vez mais com a
esquerda democrática, a qual critica e combate os traços do Iluminismo
alemão que se deve a sua adaptação ao mundo especificamente alemão dos
pequenos estados absolutistas. O desenvolvimento de Hegel entre Tubinga e
Berna se produz numa direção tal que o interesse do jovem pensador aponta
cada vez mais aos dos Iluministas franceses e ingleses, deixando em segundo
plano os alemães. Por isso é peculiar e chama a atenção que Hegel apele
tantas vezes em suas notas à crítica da religião contida no citado drama de
Lessing, crítica que, para a situação alemã da época, é extremamente
radical. Não menos ilustrativo e característico é o citado juízo de Hegel sobre
as relações entre a Antiguidade e o presente, formulado a propósito do
problema das relações entre a arte antiga e cristã, se baseie em concepções
expressas nas Ansischten von Niederrhein (Visões do Baixo Reno), de
Georg Foster. Hegel tomou extensas citações deste livro; e se isso é
característico para Hegel, peculiar para seus modernos editores é admitir que
Hermann Nohl, por exemplo, se bem se vê obrigado a admitir dessas
citações, não as reproduza em sua edição, com objetivo de dificultar ao leitor
a compreensão da importância dessas citações para o desenvolvimento de
Hegel.

Mais tarde teremos que nos ocupar detalhadamente do fato curioso de que o
jovem Hegel haja sido bastante indiferente aos problemas filosóficos no
sentido estreito. Sem dúvida leu aos filósofos antigos, Espinoza e Kant,
porém a única leitura documentalmente comprovada das obras de Espinoza,
por exemplo, é o Tratado teológico-político. E o estudo deste livro pode
haver estado perfeitamente relacionado com seus estudos da crítica da
religião e da história das religiões.

28
Neste contexto deve-se citar também a leitura da História da Igreja, de
Moshein, pois todos os modernos editores e expositores do desenvolvimento
do jovem Hegel concedem uma importância extraordinária a esta leitura,
pela qual querem demonstrar os interesses religiosos e teológicos do
pensador em formação. Ocuparmo-nos detalhadamente desse problema
mais à frente. Pelo momento bastará dizer que as obras históricas já citadas
do período do Iluminismo tratam também amplamente da história das
religiões, especialmente a do cristianismo. E enquanto Hegel tomou poucas
citações de Mosheim referentes a fatos históricos, em seus comentários toma
resolutamente posição a favor da crítica radical ao cristianismo que se
encontra nos escritos de Gibbon, Foster, etc. O fato que em todo este
contexto Hegel estudou também a mística alemã (o mestre Eckhart, Tauler,
etc.) não prova as construções de Dilthey, Nohl e consortes. Pois, como
também veremos detalhadamente mais à frente, as seitas são de uma grande
importância para a concepção do cristianismo que faz Hegel à época. Do
mesmo modo que descobriu e criticou no cristianismo primitivo o caráter de
organização em seitas, pode haver-se ocupado já nesta época, por interesses
histórico-polêmicos, do problema das seitas posteriores.

Para voltar ao problema das leituras filosóficas do jovem Hegel, é preciso


destacar, naturalmente, sobretudo o conhecimento de Kant, o qual retroage,
certamente, à época de estado de ânimo da jovem geração filosófica de
então, que tanto no jovem Hegel quanto no jovem Schelling se encontre no
centro do interesse a Crítica da Razão Prática. Este é o caso mais
acentuadamente em Hegel do que em Schelling. Não se encontra em todo
período de Berna uma só anotação de Hegel que aluda a uma ocupação
profunda com os problemas da Crítica da Razão Pura, com problemas
epistemológicos no sentido mais estreito. Também se depreende claramente
da correspondência com Schelling que o jovem Hegel começou a estudar
com vacilações, sem interesse sério, os primeiros escritos de Fiche, e se
encontrou a seguir ao que parece pelos materiais que encontramos, com
uma atitude muito crítica diante deles. Por outro lado, é característico que as
Cartas sobre a educação estética, de Schiller, suscitaram nele
verdadeiro entusiasmo, e isso, de acordo com a tendência geral da época de
seu pensamento, não tanto por seu conteúdo estético-filosófico quanto por
sua contundente crítica da ausência de cultura na Idade Moderna, por sua
comparação dessa decadência cultural com a grandeza cultural dos antigos.

Como é natural, tudo isto não significa que o jovem Hegel possa ser
simplesmente alienado do Iluminismo em todos os terrenos de sua
concepção do mundo. Pois seu ponto de vista idealista lhe separa desde o
início dos franceses e ingleses. Hegel não oscilou seriamente jamais para o
materialismo filosófico, como fizeram, por outro lado, muitos seus
contemporâneos importantes. No seu Materialismo e empiriocriticismo,
Lenin assinalou a presença dessa oscilação em Kant; também nos
29
primeiríssimos trabalhos do jovem Schiller, quando este estudava medicina,
se encontram certas tendências ao materialismo; quando estudarmos o
desenvolvimento de Hegel durante o período de Iena poderemos mostrar as
enérgicas oscilações as vezes em Schelling, durante o período da “Filosofia
da Natureza”. Muito mais coerente que os pensadores citados, Hegel foi
toda sua vida um filosofo idealista. Sua aproximação ao materialismo, no
sentido em que registra Lenin em suas observações à lógica de Hegel, se
produzem ao redor do idealismo objetivo, através do alcance enciclopédico
de seu saber e por sua sóbria observação sem preconceitos dos fatos. Porém
seu pensamento filosófico consciente sempre foi idealista.

Já indicamos que no período de Tubinga e Berna o jovem Hegel ocupou-se


profundamente de problemas propriamente filosóficos, que seu interesse
nessa época não se dirigiu a problemas da teoria do conhecimento. Apesar
disso, surge nele uma atitude unitária para o juízo dos fenômenos da
sociedade e da história. Há poucos indícios de que em Berna tenha se
ocupado seriamente de problemas filosóficos-naturais. O jovem Hegel não
investiga filosoficamente os fundamentos filosóficos de seu ponto de vista
unitário. Como muitos importantes contemporâneos, quer aplicar a
problematização kantiana da Crítica da Razão prática à sociedade e à
história. O ponto de vista kantiano é dominante nos dois sentidos; primeiro,
porque Hegel concebe os problemas sociais principalmente como problemas
morais; segundo, porque o problema da prática – ou seja, da transformação
da realidade social do homem – é o problema central de seu pensamento.

Porém num ponto decisivo Hegel vai, já em sua primeira juventude, além de
Kant. Este estuda os problemas morais do ponto de vista do indivíduo; o fato
moral fundamental é para ele a consciência moral. E não consegue uma
aparente objetividade idealista senão projetando sobre um sujeito fictício,
aparentemente ultraindividual, mas na realidade individual e mistificado – o
chamado “eu inteligível” – os traços comuns, a legalidade geral da ética que
pretende descobrir. Os problemas sociais crescem diante de Kant
secundariamente, pelo acréscimo posterior dos sujeitos individuais que são
os primariamente estudados.

Por outro lado, o subjetivismo do jovem Hegel, orientado à prática, é desde


o primeiro momento coletivo e social. Para Hegel, o ponto de partida e o
objeto central da investigação é sempre a atividade, a prática da sociedade.
Encontra-se aqui uma metodologia que tem determinados pontos de contato
com a de Herder. Este foi o primeiro iluminista alemão que problematizou a
prática social coletiva, mesmo sem ser capaz de fixar, conceitualmente de
um modo claro a natureza do sujeito que assim atua nem as leis reais de seu
modo de atuar; precisamente do ponto de vista metodológico fica sempre
característica nele uma semiobscuridade impenetrável. O jovem Hegel não
se apoia em nenhum momento concreto e demonstrável nas investigações

30
históricas de Herder, e nem sequer contamos com documentos para provar
que foi impressionado de modo especial por Herder. Mas as ideias deste
estavam no ar na Alemanha da época, e seria, portanto ocioso trabalho
filosófico buscar passos paralelos entre Herder e o jovem Hegel.

Porém, o seguinte ponto é importante para todo o desenvolvimento de


Hegel: este parte do conceito herderiano, nada esclarecido, de sujeito
coletivo. No seu período de Berna não faz o menor esforço para esclarecer
conceitual e epistemologicamente a essência desse sujeito. Ainda estuda este
sujeito coletivo, e seus fatos e destinos, no curso do acontecimento histórico,
da transformação da realidade social. Veremos que da decadência deste
sujeito coletivo, sua decomposição em indivíduos “privados” cuja simples
“soma” passa a compor a sociedade, desempenha o papel decisivo no seu
pensamento a este respeito.

Em sua época de Berna, o jovem Hegel toma, como veremos, essa


decomposição como simples fato históricas, sem obter dele posteriores
consequências filosóficas. Seu problema capital nesse período é um
problema prático: se problematiza a pergunta de como foi possível essa
decomposição da subjetividade coletiva das antigas repúblicas-cidades.
Assim aparece nele o reflexo mental da importante ilusão histórica que guiou
a ação dos dirigentes jacobinos da Revolução Francesa, de Robespierre, ou
de Saint-Just. Somente depois da derrota do jacobinismo, após o Termidor,
aparece já em Frankfurt, quando a grande crise de seu pensamento, o
problema de uma valorização positiva da sociedade moderna, da sociedade
burguesa, do indivíduo “privado”, e veremos como surgem dessa crise, em
íntima relação, tanto da ocupação com os problemas da economia política
como a concepção dialética da realidade social.

De imediato, pois, teremos de ocuparmos desse sujeito histórico coletivo,


conceitualmente, sem analisar. E sabemos também que todos os problemas
sociais e históricos que surgiram ao jovem Hegel neste contexto na forma de
problemas morais. De tal problematização segue necessariamente que nessas
reflexões histórico-filosóficas a religião tem de representar um papel
decisivo. Este é um dos pontos mais aproveitados pela filosofia reacionária
do período imperialista para falsificar o perfil de Hegel. Caracteristicamente
Hermann Nohl intitulou, sua edição dos fragmentos teológicos juvenis de
Berna e Frankfurt de Hegels theologische Jugendschriften [Escritos
teológicos juvenis de Hegel]. Com isso pretende sublinhar a ideia de que
Hegel somente cursou a teologia na Fundação de Tubinga como estudo
inevitável para ganhar a vida, mas como se os problemas teológicos
constituíssem o fundamento e o ponto de partida de todo seu pensamento.
Esta tendência se encontra também no outro editor recente de Hegel, Georg
Lasson. Para este, a religião e a teologia são o eixo de todo o sistema
hegeliano; Lasson critica a todo comentarista de Hegel, por reacionário que

31
seja, que não coloque de um modo absoluto o ponto de vista religioso no
centro da interpretação do filósofo. Neste mesmo âmbito de ideias se
encontra também a tese capital da maior monografia moderna sobre o
jovem Hegel, a de Th. L. Haering o qual vê em Hegel um “pedagogo
popular” deformando hermeneuticamente o ponto de partida prático de
Hegel, que já analisamos, no sentido de uma tentativa de doutrinação
religiosa do povo.

O que tem de verdade sobre esse caráter “teológico” dos escritos juvenis de
Hegel? O leitor atento e sem preconceitos encontrará nesses escritos
assombrosamente pouca teologia; e além disso, encontrará no jovem Hegel
um estado de ânimo resolutamente hostil à teologia. Como já sublinhamos,
a questão religiosa desempenha, naturalmente um papel no complexo de
problemas históricos do jovem Hegel e, como sabemos, a religião nunca
deixa de desempenhar tal papel no sistema de Hegel.

Porém o que convém estudar concretamente é: primeiro, em quê consiste


esta posição do jovem Hegel com a religião; segundo, quais são os
fundamentos da posição problemática, e quais suas circunstâncias e
condições históricas. Se começamos pela segunda pergunta, comprovamos a
seguir que o problema do conteúdo histórico, da atividade ou eficácia
histórica das religiões, especialmente o cristianismo, sempre foi um problema
central de todo o Iluminismo alemão, até Reimarus e Lessing. E é preciso
acrescentar ainda que este problema torna a aparecer na época da
dissolução do hegelianismo nos escritos de Strauss, Bruno Bauer,
Feuerbach, etc. O jovem Hegel se encontra, pois, deste ponto de vista, na
linha geral do Iluminismo alemão. Engels descobriu claramente os motivos
reais deste fenômeno: “Porém, a política era então um terreno muito
espinhoso, e por isto a luta principal se dirigiu contra a religião; essa luta era,
ademais, desde 1840, uma luta indiretamente política.”(1)

Este caráter indiretamente político da religião e da luta contra a religião


existe plenamente no período em que Hegel escreve seus “Escritos
teológicos juvenis”: enquanto que no período preparatório imediato da
revolução de 1848 o radicalismo filosófico passou rapidamente da crítica da
teologia – como atividade desanimada, como forma insuficiente de oposição
ideológica – a formas mais políticas de crítica na discussão da teologia tinha
de se sentir como muito mais revolucionária. Neste ponto se situam os
“Escritos teológicos juvenis” de Hegel. Em sua tendência fundamental, são
escritos contra a religião cristã. Aludimos a ideia central da filosofia da
história de então professada por Hegel, segundo a qual a decadência das
antigas cidades-estados significou a decadência da sociedade da liberdade e
da grandeza humanas, a transformação do heroico citoyen [cidadão]
republicano da polis no simples e egoísta “homem privado” da sociedade
moderna, o burguês. Antecipando aqui sucintamente o resultado final da

32
análise da religião cristã feito por Hegel nesta época, temos que dizer: o
jovem Hegel, vê no cristianismo precisamente a religião do “homem
privado”, do burguês, a religião da perda da liberdade humana, a religião do
despotismo milenar e da servidão milenar. Com estas ideias se move Hegel
na linha do Iluminismo em geral.

Porém, há que aditar a seguir que o jovem Hegel, como todos os iluministas
alemães em geral, não chegou, na luta contra a religião cristã, tão longe
quanto os ingleses e franceses. Sua luta contra o cristianismo, não chegou a
ser um ateísmo materialista. Antes ao contrário, o núcleo de seus esforços é
religioso; consiste em descobrir as condições sociais nas quais a religião e o
despotismo e a servidão poderiam ser de novo substituída por uma religião,
da liberdade segundo o modelo da Antiguidade.

Dadas as circunstancias alemães, não há neste fato nada que possa chamar
a atenção. Engels mostrou inclusive que no próprio Feuerbach a luta contra
a religião, o desmascaramento dela, se converte as vezes na exigência de
uma nova religião “pura”. E se deve também a Engels a observação de que
a sobrevalorização do significado histórico da religião, a ideia de que os
grandes pontos de inflexão do desenvolvimento da humanidade estejam
condicionados pelos a acontecimentos religiosos, segue sendo ainda
característica da concepção histórica professada por Feuerbach. Tudo isto se
pode dizer, ainda mais contundentemente, dos iluministas alemães cuja obra
precede à de Hegel. Que se pense, sobretudo, em um pensador honesto e
importante como Lessing, cujas obras iluministas se desenvolveram sempre
no seio de um horizonte religioso. Por outro lado, entretanto, não se pode
esquecer, mesmo no Iluminismo alemão nunca alcançou na luta
antirreligiosa a solução materialista e ateia que se encontra em Diderot,
Holbach e Helvetius, chegou, por outro lado, às vezes (Lessing, Herder) mais
longe que os pensadores franceses na compreensão histórica da origem das
religiões, das raízes sociais da evolução de suas formas.

Neste ponto se encontra precisamente a importância dos escritos juvenis de


Hegel. O jovem Hegel situa com grade radicalismo no centro de seus
estudos o problema das origens sociais do cristianismo. Com esta
sobrevalorização idealista do papel histórico da religião, à que nos referimos,
Hegel vê no cristianismo a causa última de todos os acontecimentos e todas
as situações sociais e políticas da vida moderna contra as quais dirige
exatamente sua luta principal. Seu objetivo prático central – a renovação da
democracia da polis, de sua liberdade e de sua grandeza – requer, segundo
suas concepções da época, uma fundamentação histórica e política, como
consequência da qual o cristianismo se converteu em religião dominante. O
objetivo de Hegel é eliminar todo esse complexo histórico. Busca as causas
de sua origem para poder apontar a perspectiva de seu fundamento.

33
Não fará falta para ver mais claramente como todas estas concepções do
jovem Hegel nascem da base posta pela influência da Revolução
Francesa. O entusiasmo inicial de Hegel pela Revolução Francesa é um fato
universalmente conhecido. Sabe-se também que os amigos juvenis de
Hegel, Hölderin e Schelling, plantaram com ele ainda em Tubinga uma
árvore da liberdade em torno da qual dançaram cantando em coro canções
revolucionárias. Segundo a tradição, constituem também na Fundação de
Tubinga no centro de um clube secreto que se dedicava a leitura de escritos
proibidos sobre a Revolução Francesa. Este entusiasmo se enquadra naquele
estado de ânimo geral diante da Revolução Francesa que existiu na maior
parte da intelectualidade alemã da época, fenômeno ao que antes referimos.
Quando estudei, em outro livro, este tema aludi ao fato de muito escritores
destacados da época aquele entusiasmo durou pouco. Os acontecimentos de
1793-94 não estavam ao alcance da compreensão da maior parte dos
alemães contemporâneos. A ditadura plebeia dos jacobinos de Paris
espantou e indignou a maioria deles (a Klopstock, por exemplo, a Schiller,
etc.). Contudo a tese de que por aquela decepção se converteram em
opositores inimigos da Revolução Francesa e abandonaram os princípios de
1789 é uma de muitas fábulas forjadas pela historiografia burguesa. Na
maioria dos casos ocorreu justamente o inverso. Tal é precisamente o caso
do jovem Hegel.

Em carta a Schelling (Natal de 1794) escreve, por exemplo, o pensador:


“Certamente sabeis que Carrière foi guilhotinado. Seguis lendo os diários
franceses? Se não estou enganado, me disseram que em Württemberg estão
proibidos. O processo de Carrière é muito importante, e revelou toda a
vergonha dos robespierristas”(2). Esta carta mostra com nitidez que o jovem
Hegel é hostil ao jacobinismo plebeu. A peculiaridade da posição de Hegel
entre seus contemporâneos alemães consiste, portanto, em seu radicalismo.
Não somente Foster foi bastante mas longe que ele deste ponto de vista –
passando além disso à prática -, senão também Fichte; e velhos iluministas
como Herder o Wieland conservaram durante muito tempo uma viva
simpatia inclusive pelos extremos da Revolução Francesa, mantiveram
entretanto durante toda sua vida a necessidade histórica daquela
Revolução, e seguiram sempre vendo nela o fundamento da moderna
sociedade burguesa.

Por certo que as ideias de Hegel a propósito da sociedade burguesa


sofreram modificações radicais. No período juvenil de Berna, que é aquele
que aqui nos ocupamos, Hegel vê na revolução burguesa, apesar de sua
oposição à política de Robespierre, o fundamento da futura renovação da
sociedade. Mais tarde, após a crise de Frankfurt, quando consegue uma
compreensão mais profunda da base econômica da sociedade burguesa,
concebe a Revolução Francesa não como o impulso e o veículo que
deveriam levar a uma futura renovação da sociedade, porém, ao contrário,
34
como o fundamento histórico passado – mas historicamente necessário – da
realidade que existe na sociedade de seu presente. Com isto chega
finalmente a um entusiasmo – certo que misturado na prática pela
perspectiva histórica – pelos aspectos radicais da Revolução Francesa.

Mais tarde poderemos estudar detalhadamente este desenvolvimento de


Hegel seguindo passo a passo suas manifestações ainda existentes, até
chegar ao célebre capítulo da Fenomenologia do espírito. O que agora
nos importa é conhecer de perto e concretamente o estado de ânimo de
Hegel na época. Em uma carta a Schelling datada um pouco mais tarde (16-
IV- 1795) escreve Hegel:

“Não creio que se haja para a época sinal melhor do que este fato de que a
humanidade se represente ante si mesma. Isso é uma prova de que
está se dissipando o limbo que aureolava as cabeças opressoras e os deuses
da terra. Os filósofos ensinam e proclamam essa dignidade da humanidade,
e os povos aprenderão a senti-la, e a não pedir mais direitos humilhados no
pó, mas tomá-los por si, apropriando-os. A religião e a política jogaram a
mesma carta. A religião ensinou que o despotismo quis: o desprezo ao
gênero humano, a incapacidade deste para qualquer coisa boa, para ser
algo por si. Com a difusão da ideia de como deve ser tudo, desaparecerá a
indolência de pessoas sentadas, que estão dispostas a tomar tudo
eternamente como é”.(3)

Esta carta é interessante de vários pontos de vista. Por uma parte mostra até
que ponto a Crítica da razão prática foi o ponto de partida do jovem
Hegel. Muito diferente de suas concepções posteriores, nas quais colocará
precisamente no centro da metodologia das ciências sociais a atenção à
realidade e a recusa do “dever ser” abstrato kantiano, Hegel contrapões
aqui, a maneira de Kant, o dever-ser transformador ao inerte e reacionário
ser. Mas ao mesmo tempo é visível que sem preocupar-se muito com os
fundamentos epistemológicos de sua operação, Hegel está modificando
hermeneuticamente a Kant: o dever-ser tem agora um significado puramente
político-social, enquanto que seu caráter inicial kantiano, de pura
moralidade, constitui apenas seu fundamento geral idealista. A isso se
acrescenta que a contraposição entre o ser e o dever não se coloca aqui na
psique individual, entre o empírico e o inteligível – como é o caso de Kant -,
mas entre tendências progressistas e tendências reacionárias na vida político-
social.

O que faz esse conteúdo político-social em si, se aprecia claramente que a


luta de Hegel contra a filosofia e a religião dominantes são aspectos
ideológicos de sua luta da época contra o despotismo em geral. Ao conceber
a crítica do cristianismo como elemento da luta geral contra o despotismo
feudal e absolutista, Hegel se encontra na linha do Iluminismo e, mais

35
especialmente com as grandes lutas de classes que tiveram lugar em França
em torno da religião. Engels destacou acertadamente como característica
essencial da Revolução Francesa – diferente de todas as outras revoluções
burguesas – sua essência irreligiosa. Enquanto que as revoluções anteriores
burguesas, inclusive a inglesa do século XVII, lutaram ainda sob bandeira
religiosa, a Revolução Francesa apela “a ideias jurídicas e políticas... e se
preocupa com a religião na medida em que esta fecha o caminho, sem que
lhe ocorra colocar uma religião nova no lugar da velha; como é sabido, a
única tentativa nesse sentido, a de Robespierre, terminou em fracasso”.(4)

Com essa observação Engels caracterizou a linha fundamental do que


realmente ocorreu na Revolução Francesa, neste campo. Ao considerar a
posição do jovem Hegel em relação a estes acontecimentos não há que
esquecer o que foi dito antes a respeito, a saber, o fato de que o reflexo dos
acontecimentos em Alemanha, em consequência do atraso político e
econômico, sofreu uma deformação característica. Pois por muito as
direções políticas da Revolução Francesa estivessem gravadas por diversos
preconceitos e ilusões (em parte porque também o que faz no problema
religioso), o fato que trataram como políticos reflexivos. A relação entre o
estado revolucionário francês e a religião católica ficou determinada pelo
fato de que a Igreja católica constituiu o centro ideológico e organizativo da
contrarrevolução da realeza, assim como pela circunstância de que os
principais políticos compreenderam, ou perceberam pelo menos, que a
influência da religião católica nas massas camponesas não poderia ser
extirpada senão decretando sua supressão. A caracterização dada por Engels
se confirma plenamente quando segue com detalhes os complicados fatos
históricos que constituem a as reviravoltas e oscilações da linha de
desenvolvimento deste problema durante a Revolução Francesa.(5)

Os historiadores burgueses dos movimentos religiosos, durante a Revolução


Francesa coincidem todos superestimar extraordinariamente sua verdadeira
importância. Assim, por exemplo, Mathiez deu grande importância às
relações entre a conspiração de Babeuf e os teofilantropos, apesar de sua
própria exposição e dos fatos que ele mesmo forneceu se depreende
claramente que Babeuf e seus companheiros não utilizaram as reuniões
religioso-morais daquela seita apenas para preocupar-se com a legalidade
relativamente segura para suas próprias reuniões.(6) E dos fatos publicados
por Aulard e Mathiez se se depreende também claramente que a luta de
Danton e Robespierre contra as concepções religiosas de Hébert.
Chaumettre, etc., tiveram na realidade um fundamento politico, a saber, o
temor de que sua agitação extremista acabasse por empurrar aos
camponeses nas fileiras da contrarrevolução da realeza.

Inclusive a tentativa de fundar uma nova religião, leva a cabo por


Robespierre, no último período de seu domínio, no culto do “Ser Supremo”,

36
ainda tem, sem dúvida, matizes que emanam das concepções rousseaunias
de Robespierre, das ilusões que alimentavam ele e os seus partidários sobre
as perspectivas e as possibilidades de desenvolvimento da Revolução
democrático-burguesa, entretanto, pela sua essência, é primariamente um
ato político e não religioso, mesmo que seja a ação de um político
desesperado numa situação também desesperada do ponto de vista
sociológico objetivo.

O fato de que Robespierre haja posto cada vez mais energicamente a


questão da moral no centro do terror revolucionário dos jacobinos reflete sua
luta desesperada contra as tendências capitalistas desencadeadas pela
própria revolução, as quais empurravam inevitavelmente para a liquidação
da ditadura jacobina da plebe e para a aberta ditadura sem adornos da
burguesia, ou seja, para o Termidor. O Terror em nome da virtude
republicana da luta contra todas as formas de degeneração e corrupção, é
em Robespierre, o aspecto ideológico de sua defesa do modo plebeu de
dirigir a revolução democrático-burguesa não só contra a contrarrevolução
da realeza, contudo contra a própria burguesia também. O fato que essa
politica de Robespierre se baseasse suas perspectivas em simples ilusões, o
fato de que a ditadura plebeia dos jacobinos, depois de haver cumprido sua
missão – salvar a revolução da intervenção estrangeira mediante a
mobilização das massas plebeias – tinha forçosamente que cair, em nada
contradiz o caráter predominantemente político dos atos de Robespierre no
último período de seu governo, tampouco no que fez na questão religiosa.

Quando, pois, Robespierre diz em seu discurso à Convenção de 5 de


fevereiro de 1794 que se está fazendo uma contrarrevolução moral para
preparar uma contrarrevolução política, tem do seu ponto de vista e uma vez
descontadas, naturalmente, suas inevitáveis, ilusões, completa razão.(7) E seu
esforço para fundar uma nova religião, a religião do “Ser Supremo”, se
baseia precisamente em que para assegurar e continuar a revolução
necessita criar nas concepções morais do povo uma ampla base que seja o
contrapeso tanto da agitação da Igreja contrarrevolucionária quanto da
decomposição e corrupção que partem da burguesia.(8)

No curso das oscilantes lutas de classes que ocorreram em consequência de


Termidor, surgem em França diversas seitas que igualmente se propõem
manter o espírito republicano mediante a influência religiosa-moral sobre as
massas. As mais importantes dessas seitas é a dos teofilantropos. Esta seita
está composta por republicanos moderados, e alcança conseguir
temporariamente influência sobre certos membros do Diretório de ideias
republicanas. A seita parte do fato que as velhas religiões são inadequadas
para transformar os costumes num sentido republicano, e de que, por outro
lado, sem tal reforma moral a República ficaria sem apoio das massas, nos
costumes do povo.

37
Já Robespierre considerava as grandes festas populares, a introdução de
costumes republicanos nos principais acontecimentos da vida diária
(nascimento, matrimônio, enterro) como meio importante para conseguir
essa influência religiosa-moral do povo. Em seu discurso à Convenção que
acabamos de citar fala extensamente da importância das solenidades
populares gregas, especialmente da importância que tinha a atividade
autônoma que o povo desenvolvia nelas; termina o discurso abrindo a
perspectiva de que tudo isso possa repetir-se e renovar-se com maiores
dimensões em França: “Um sistema de tais festas seria ao mesmo tempo o
mais suave laço de fraternidade e o mais poderoso instrumento de
regeneração”(9). Como é natural, esses momentos mais exteriores da
“renovação religiosa” desempenham no movimento das seitas posteriores a
Termidor um papel muito maior que no político Robespierre.

Indicamos já que os historiadores como Aulard e Mathiez superestimaram


claramente a importância desses movimentos religiosos. Porém o mais
importante para nossa problematização não é a importância que esses
movimentos hajam tido realmente em França revolucionária, entretanto, o
modo como teve lugar sua recepção na atrasada Alemanha e especialmente
o modo como influenciaram o jovem Hegel.

Não possuímos, certamente, uma prova direta de que Hegel se haja


interessado profundamente por essas correntes religiosas em França
revolucionária. Porém, a probabilidade de que as haja conhecido é
extraordinariamente grande. Mathiez(10) oferece em seu livro uma detalhada
bibliografia dos jornais em que se publicaram artigos a favor ou contra os
teofilantropos. Dentre esses jornais se encontra Deutsche Merkur [O
Mercúrio Alemão], de Wieland, uma das publicações mais lidas à época na
Alemanha, assim como a Minerva de Archenholz. Da última revista
sabemos, com certeza, que Hegel a conhecia e lia(11). E como também
sabemos que durante sua estadia em Suíça leu, com extremo cuidado as
mais diversas publicações francesas, é inverossímil, dado seu interesse pela
renovação religiosa-moral da humanidade em relação à Revolução francesa
que não haja sabido nada dos movimentos religiosos que se produziam lá.

Porém, mais importante que esta ligação externa é a interna. No curso deste
capítulo, quando tratarmos da concepção hegeliana da Antiguidade,
falaremos detalhadamente da grande importância que atribuía às festas
populares gregas e a atividade autônoma do povo nelas e na religião grega
em geral; suas ideias estão neste ponto em contato íntimo com o citado
discurso de Robespierre. E pelo que faz a ideia de influenciar de modo geral
nos costumes mediante a nova religião que é preciso criar sobre a base de
uma renovação da Antiguidade, pode se dizer que esta questão se encontra
precisamente no foco dos interesses de Hegel à época.

38
Como a maioria dos idealistas alemães de então, Hegel considera a
renovação moral do povo menos como consequência da revolução que
como premissa sua. Esta concepção havia sido já apresentada por Schiller
nas Cartas sobre a educação estética, cuja impressão sobre o jovem
Hegel já indicamos. Porém, a concepção de Schiller é pessimista.
Precisamente porque considera que a renovação moral do povo é um
pressuposto inevitável da revolução alcançada, desespera a possibilidade
que esta, ainda pensa que uma necessidade histórica e moral da eliminação
do sistema feudal absolutista característico da Alemanha da época. E é
característico que também em Schiller, e muito importante e fato que esta
questão da renovação moral do povo considere impossível toda ação
educativa do Estado

O jovem Hegel se distingue neste ponto de Schiller precisamente pelo seu


otimismo no que se refere à possibilidade de uma renovação da
humanidade, de um período revolucionário no qual voltariam a despertar a
liberdade e a virtude da humanidade. Por isso desempenha tão grande
papel a religião em sua concepção idealista juvenil. Hegel vê – também nisto
de acordo com a ética e a teoria social de Kant – que o estado não é capaz
de impor aos cidadãos mais que a obediência externa à lei, a legalidade e
não a moralidade. Porém, como pensa que a solidez de um regime depende
exatamente de suas raízes nas concepções e nos sentimentos morais de seus
cidadãos, busca na história os fatores que determinam essas concepções, e
descobre que a religião é a mais eficaz de todos eles.. Assim, por exemplo,
diz no seu estudo mais importante do período de Berna, A possibilidade
da religião cristã, falando dessa relação do cidadão com o Estado: O
Estado “não consegue levar ao cidadão a servir-se dessas instituições senão
pela confiança nelas que tem de suscitar. A religião é sobretudo este meio de
suscitá-la, e o que seja capaz de satisfazer seu fim depende do uso que o
Estado faça dela. Este fim está claro nas religiões de todos os povos, as quais
coincidem todas em que se encaminham em produzir o ânimo e a
consciência, o qual não pode ser objeto de leis civis...”(12)

Acreditamos que nestas linhas podem ver-se claramente que há decerto no


caráter “teológico” dos escritos juvenis de Hegel. O jovem Hegel pensa que
os pontos de inflexão da História que resultam importantes – a passagem da
liberdade antiga ao despotismo medieval e moderno e a esperada passagem
desse despotismo à nova liberdade – estão ligados do modo mais profundo
com inflexões religiosas; que tanto a democracia como o despotismo
necessitam de religiões adequadas a seus respectivos fins para poder subsistir
duradouramente. O dito até agora bastará para deixar claro que o modo
como Hegel se coloca metodologicamente questão da religião futura e de
suas relações com a renovação da Antiguidade está intimamente aparentada
com as ilusões dos revolucionários franceses, com os esforços religiosos-
morais que se produzem no seio da Revolução Francesa. É uma
39
consequência da autenticidade alemã de Hegel o fato de que em sua
juventude haja reagido tão intensamente a este respeito, no fundo marginal,
do desenvolvimento ideológico da Revolução francesa. Porém, mais adiante
veremos que também deste afastado ponto de vista adjetivo tenha sido
capaz de compreender alguns momentos objetivamente importantes do
desenvolvimento social.

Certo que é um traço essencial da filosofia idealista o superestimar


desmedidamente o papel histórico da religião. E que esta superestima
atravessa permanentemente todo o desenvolvimento de Hegel. Como
veremos, ele revisou radicalmente mais tarde suas opiniões juvenis pelo que
faz a todas as grandes questões da concepção da história. Porém entretanto
em seus cursos de Berlim, sobre a filosofia da História torna ao mesmo
questionamento, precisamente nos lugares que se referem já a revolução de
1830. Nesse lugar polemiza com o liberalismo dos países da Europa
ocidental e diz: “Pois é um princípio falso o de que as cadeias do direito e da
liberdade possam romper-se sem a libertação da consciência, o princípio de
que seja possível uma revolução sem Reforma”(13). Como se vê, o ponto de
partida metodológico do jovem Hegel pelo qual faz a eficácia histórica das
religiões o acompanha – mesmo, sem dúvida com grandes modificações de
conteúdo – durante toda sua vida. Trata-se de uma herança insuperável do
idealismo filosófico. Porém, apesar de tudo isso a tese de que existe um
período “teológico” do jovem Hegel é, com foi visto, uma lenda histórica
dos apologistas reacionários do imperialismo.

(1) Engels, Ludwig Feuerbach e o fim da Filosofia clássica alemão, Berlim,


1952, p. 13. (retornar ao texto)

(2) K. Rosenkranz, Hegels Leben, Berlim, 1844, p. 66. Esta obra se citará
doravante por Rosenkranz. (retornar ao texto)

(3) Publicado em Rosenkranz, p. 70. (retornar ao texto)

(4) Engels, Feuerbach, op. cit., p. 33. (retornar ao texto)

(5) As monografias mais importantes sobre esta temática são: Aulard, Le


culte de la Raison et le culte de l´Être Supreme [O culto da Razão e o culto
ao Ser Supremo], Paris, 1909. Mathiez, Les origines des cultes
révolutionaires [ A origem dos cultos revolucionários], Paris 1904. Mathiez,
La theophilanstrophie et le culte decaderé 1796-1801, Paris, 1904 [A
teofilanstrofia e o culto deposto 1796-1801] (retornar ao texto)

40
(6) Mathiez, Theofilanstrophie, p. 40 e ss. (retornar ao texto)

(7) Oeuvres [Obras] de Robespierre, ed. por Vermorel, Paris, 1867, p. 302
(retornar ao texto)

(8) Discurso à Convenção de 7 de maio de 1794, ibidem, p 308 e ss.


(retornar ao texto)

(9) Ibidem, p. 329 e ss. (retornar ao texto)

(10) Mathiez, op. cit., p. 390 e ss. (retornar ao texto)

(11) Carta a Schelling do Natal de 1794, Rosenkranz, p. 65 (retornar ao


texto)

(12) Nohl, p. 175. (retornar ao texto)

(13) Hegel, Werke, Berlim, 1840, volume IX, p. 542. (retornar ao texto)

41
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo I - O período republicano do jovem Hegel


2 – O que significa “positividade” para o jovem Hegel?

A verdadeira questão central do período de Berna do jovem Hegel é a da


“positividade” da religião especialmente da cristã. Entretanto, para
imediatamente deixar clara a ideia central de Hegel é preciso acrescentar:
para o jovem Hegel, a religião positiva do cristianismo é uma coluna do
despotismo e da opressão, enquanto que as antigas religiões não-positivas
foram as religiões da liberdade e dignidade do homem. Sua renovação é, de
acordo com as ideias do jovem Hegel, um objetivo revolucionário cuja
realização está posta diante da humanidade de sua época.

É preciso, pois, esclarecer, sobretudo o que entende o jovem Hegel por


positividade de uma religião. Formula seu pensamento em diversos lugares
dos seus escritos de Berna, e acrescentaremos algumas citações para que o
leitor fique familiarizado com este conceito do jovem pensador, expresso
tanto quanto possível em suas próprias palavras: “Uma fé positiva é um
sistema de proposições religiosas que pretende ter verdade para nós pelo
fato de nos ser imposto por uma autoridade sem que possamos nos negar a
submeter nossa fé à esta. Neste conceito se apresenta, sobretudo, um
sistema de proposições ou verdades religiosas que têm ser aceitas como
verdades independentemente de nosso juízo, proposições que seguiriam
sendo verdade mesmo se nenhum homem nunca as tivesse conhecido,
mesmo se nunca qualquer homem as houvesse considerado como
verdadeira, e que, neste sentido, se chamam amiúde verdes objetivas; tais
verdades se nos impõem então como verdades também para nós, como
verdades subjetivas.”(1).

O essencial dessa caracterização hegeliana é a independência das


proposições ou verdades religiosas positivas com relação ao sujeito, junto
com a exigência que se faz ao sujeito de reconhecer como vinculativas para
si essas proposições que ele não citou. Positividade significa, pois, para o
jovem Hegel, sobretudo a supressão da autonomia moral do sujeito. Neste
sentido, a concepção estaria intimamente aparentada com a da moral
kantiana, e efetivamente contêm muitos elementos desse parentesco.
Entretanto, teremos que chamar a atenção sobre o fato de que o sujeito

42
moral de Kant é mais exatamente sempre algo histórico-social. Sua
determinação é no jovem Hegel extraordinariamente apagada e oscilante.
Pois o conteúdo de sua concepção – na medida em que trata do helenismo
não-positivo. Quer dizer, do ideal histórico-moral – é a coincidência de
autonomia moral do sujeito individual, com a coletividade democrática do
povo inteiro. A contradição entre subjetividade do indivíduo e a atividade
social da totalidade social surge, segundo a concepção de decadência
produzida por a religião cristã. A religião cristã se contrapõe então ao sujeito
como algo objetivo, positivo, e a obediência a seus mandamentos são, por
um lado, consequência da perda da liberdade, e por outro, a constante
reprodução da opressão e do despotismo.

Segundo a concepção do jovem Hegel, este período do despotismo dura até


o presente e penetra por todas as manifestações da vida social e da
ideologia. O jovem Hegel conceitua a decadência do homem principalmente
segundo a medida na qual o homem se adaptou à perda da liberdade,
segundo a medida na qual as questões ideológicas se resolvem na direção
da liberdade ou a submissão sob a positividade. Uma passagem do diário de
viagem de Hegel, do período de Berna (julho-agosto de 1796) caracteriza a
muito exatamente esse estado de ânimo e ilumina ainda mais claramente a
caracterização de positividade que já citamos. Hegel fez naquele período
uma rápida viagem pelas montanhas de Berna e observou a natureza pobre
da região, as grandes dificuldades dos homens para se realizar pelo trabalho
como base vital, uma existência. De acordo com os interesses que então o
moviam, coloca-se o problema de qual religião, qual concepção do mundo
deveria surgir dessa condição de vida. “Nestes desertos solitários, alguns
homens letrados haveriam descoberto antes todas as teorias e ciências,
exceto aquela parte da fisioteologia que pretende demonstrar ao orgulho do
homem que a natureza o preparou toda para seu desfrute e bem-estar; um
orgulho que também caracteriza nossa época, a qual tende mais buscar
satisfação na ideia de que um ser alheio fez por ela que a achar em sua
consciência que foi ela a que impôs a natureza todos esses fins”(2).

Pode-se avaliar nestas linhas muito claramente o subjetivismo radical do


jovem Hegel. Também Kant combateu com argumentos da rude e
dogmática concepção da teleologia na chamada fisioteologia. Entretanto, o
faz apelando para a contraditoriedade interna dessa concepção teleológica,
mostrando as antinomias que surgem dela. Nada disso interessa ao jovem
Hegel. O interessa nisso outras perguntas: que tipo de homem é o que
acredita na fisioteologia, e que tipo de homem a rejeita? se sente orgulhoso
o homem do que faz, do que criou, ou busca a satisfação na ideia de que
um poder alheio a ele (Deus) o guarda!? Hegel quer, pois, depurar a moral
de todos os elementos teológicos - positivos - , mas, não porque – como
Kant – considere incognoscível os objetos da teologia mas porque crê
incompatível a fé como tal com a liberdade, e com a dignidade do homem.
43
O jovem Hegel recusa, pois, muito energicamente a concepção kantiana que
tende a reintroduzir na concepção do mundo, com ajuda de “postulados” da
Crítica da razão prática, todos os elementos teológicos da Crítica da razão
pura dissolveu epistemologicamente e declarou incognoscíveis.

Nesta luta contra a renovação da teologia com ajuda da ética kantiana não
se acha só no jovem Hegel, mas que ocorre na mesma linha que seu amigo
de juventude Schelling. Em sua carta do ano de 1795 Schelling escreve a
Hegel, lamentando-se que na Crítica da Razão prática se converteu em
Tubinga, onde ele morava à época, em ponto de apoio de uma revitalização
da teologia reacionária ortodoxa. “Todos" os dogmas possíveis e imagináveis
receberam o selo dos postulados da razão prática, e quando não bastão os
argumentos histórico-teóricos da razão prática tubinguesa desata os nós.
Que prazer contemplar o triunfo destes heróis filosóficos! “Passaram os
tempos da tristeza religiosa, da que está escrita.”(3) Nesta luta o jovem
Schelling se apoiou essencialmente na filosofia de Fichte.

Hegel está completamente de acordo com a luta de Schelling contra os


teólogos de esta nova observância kantiana. Mas sua resposta, manifesta
alguns traços muito característicos que vale a pena considerar. Sobretudo,
segue sendo bastante indiferente aos problemas filosóficos em sentido
rigoroso, e ao mesmo tempo mostra este propósito uma atitude muito crítica
a respeito de Fichte. Após declarar a Schelling sua concordância, escreve:
“Mas a essa indecência da qual tu me escreves, - e cujo ultimo ato posso
imaginar pelo que dizes – contribuiu Fichte indiscutivelmente, abrindo as
portas com uma Crítica da revelação. O mesmo fez uso moderado de seus
princípios mas uma vez aceitos não há jeito de por uma barragem nem meta
à lógica dos teólogos. Fichte construiu partindo da santidade de Deus o que
haveria podido e devido fazer com sua simples natureza moral, e deste
modo reintroduziu o velho modo de demonstrar da dogmática. Valeria a
pena talvez precisar com mais detalhes é em que medida, depois de haver
consolidado a fé moral, necessitamos retrospectivamente a necessidade da
ideia de Deus, por exemplo, na explicação da relação finalística, etc. e em
que medida estamos autorizados a passar da ético-teologia a físico-teologia,
para trabalhar aqui com ela”.(4) Se recordamos agora o texto acima citado
sobre a físico-teologia, veremos claramente que Hegel tentou expurgar muito
mais radicalmente que todos seus contemporâneos a razão prática kantiana
a autonomia moral do homem, dos elementos teológicos, que em todas as
tendências de Kant e de Fichte viu uma continuação da positividade com
uma nova forma.

A resposta a Schelling contem outra passagem tão característica do jovem


Hegel que tivemos forçosamente que aduzi-la. Enquanto Hegel enfrenta com
bastante indiferença os aspectos epistemológicos do problema da
positividade na religião e na teologia, aprofunda por outro lado os

44
fundamentos sociais do conflito, oferecendo uma categórica caracterização
naturalista das reais bases daquele renascimento teológico:

“Não posso me assombrar com o que contas da marcha que segue – si Diis
placet – a filosofia teológico-kantiana em Tubinga. A ortodoxia é
incomovível enquanto professá-la é uma atividade que significa vantagens
materiais e está entrelaçada em todo o Estado. Este interesse é demasiado
grande para que renunciem sem mais nem menos a ele; pelo demais, é um
interesse que opera sem que se tenha completa clareza sobre ele”(5).

Esta passagem mostra claramente que o conceito do prático é em Hegel


muito mais amplo e social do que em Kant, Fichte e no próprio jovem
Schelling. Hegel tomo, sem dúvida, como ponto de partida de suas
exigências de liberdade e dignidade humanas o conceito prático kantiano de
liberdade, mas seu conceito de realização de suas exigências passa a seguir
ao social. E neste período não se preocupa minimamente com o problema
de como possam ligar-se epistemologicamente com o ponto de partida
subjetivo-idealista as consequências sociais e historicamente reais que ele faz
desprender-se do referido principio. Como é sabido, no posterior curso de
seu desenvolvimento Hegel submeteu a severa crítica o subjetivismo da ética
kantiana, e pretendeu resolver sobre a base do idealismo objetivo – da
dialética objetiva da vida social, concebida de modo idealista – os problemas
sociais reais contidos naquela ética

Mas, no período de Berna, Hegel pretende uma interessante elaboração


histórico-social do dualismo kantiano-fichteano, dualismo que tem como
resultado também para Hegel na concepção subjetivista-idealista do núcleo
moral. Para Kant existem dois mundos radicalmente separados entre os
quais não há transito algum: o mundo da ética, do eu inteligível (númenon),
no qual não tem vigência das categorias do mundo fenomênico
(causalidade, etc.) e o mundo do conhecimento do eu empírico (fenômeno),
no qual regem aquelas categorias. Fichte, com sua teoria do “não-eu” (o
mundo externo inteiro) posto pelo “eu”, situa esse problema num plano
filosófico geral, convertendo a fundamentação kantiana da ética em
fundamento e ponto de partida também da teoria do conhecimento. Como a
seguir como veremos esta concepção exerce sua influência decisiva na
filosofia do jovem Schelling.

O jovem Hegel concebe de modo muito diferente a relação entre a livre


consciência moral e a realidade objetiva. Esta é também para ele um mundo
externo estranho e contraposto à consciência moral, objetivo e “morto” em
comparação com a viva subjetividade. Entretanto a contraposição não é
aqui uma contraposição “eterna”, filosófica e epistemológica, como para
Kant e seus sucessores, senão uma contraposição histórica. Trata-se só
momento historicamente característico da Idade Média e a do Idade

45
Moderna; mas não existiu nas antigas cidades-estados democráticas e
republicanas, e a perspectiva de sua superação constitui o núcleo das
esperanças do jovem Hegel em relação ao futuro.

Precisamente sob este esclarecimento nos torna visível em todo seu


significado a questão central do período de Berna, a questão da positividade
da religião cristã. Esta positividade é, segundo as concepções do jovem
Hegel, a realidade social que corresponde ao dualismo kantiano na ética.
Somente vendo claramente esta colocação podemos compreender que a
indiferença do jovem Hegel para com a reforma fichteana da filosofia
kantiana não procede de estados de ânimo alheios à filosofia. Não deixemos
suscitar a impressão de que o jovem Hegel não haja tido problemas
autenticamente filosóficos, nem de que a biografia de Hegel deva ser uma
história de um despertar para a filosofia. Antes, pelo contrário, pode dizer-se
que, como veremos mais tarde, a maioria das características de sua filosofia
lançaram suas raízes nesta concepção da contraposição entre positividade e
a subjetividade moral, e cresceram organicamente dela. Porém, os
problemas epistemológicos da filosofia hegeliana não se manifestam, não se
tornam conscientes como problemas filosóficos centrais, até o momento em
que a contraditoriedade de sua primitiva concepção se apresenta ao filósofo
como contraditoriedade interna e objetiva da realidade social; quando a
teoria se converteu em dialética da realidade.

Por isso para o jovem Hegel esse caráter estranho, morto, “dado”, das leis
morais é o principal traço da positividade. Hegel diz que é próprio da
essência de toda moral o fato que o sujeito moral seja ele próprio o
legislador; “a religião cristã, em troca nos proclama a lei moral como algo
que existe fora de nós, como algo dado e tem portanto que tentar conseguir
repetir a essa lei por outros caminhos. Já ao tratar do conceito de religião
positiva põe ao homem a lei moral como algo dado”(6).

Disto resulta para a religião cristã uma complicada casuística da moral,


diferente do livre funcionamento do sentimento moral ainda sadio que se
encontra no estado social correspondente a uma religião não-positiva. A
Igreja cristã possui um código em que está escrito “por uma parte (...) o que
o homem dele fizer, por outro lado o que deve suceder e crer, por outra
parte deve sentir. Todo o poder legislativo e judicial da Igreja se baseia na
posse e manipulação de um código, e se é contrário ao direito da razão de
cada homem o estar submetido a tal código alheio a ele, então todo o poder
da Igreja é ilegítimo, e nenhum homem pode renunciar ao direito de se dar a
si a lei, ao direito a não dar conta de seu manejo mais que a si mesmo, pois
com essa renuncia deixaria de ser um homem”.(7)

Aí encontramos claramente formulada a contradição irreconciliável entre a


religião positiva e a liberdade humana. No escrito mais importante do

46
período de Berna – A Positividade da Religião Cristã, que já citamos e do
qual acrescentaremos mais algumas passagens – Hegel estuda essa
contradição em todos os terrenos da vida moral do homem, e em terrenos
importantes dos problemas sociais. Aquele caráter positivo da religião, no
sentido em que descrevemos, é para Hegel o momento que determina
decisivamente a vida inteira da Idade Média e da Época Contemporânea.
Essa determinação penetra naturalmente também no terreno do
conhecimento, do entendimento e da razão. A perda de liberdade moral
acarreta necessariamente, segundo Hegel, a perda do uso independente da
razão. O objeto da religião positiva, que é alheio, ao sujeito, morto, dado, e ,
contudo, dominante, desgarra a unidade e conclusão da vida em que viveu
o homem antigamente, na era de sua liberdade e converte as questões
decisivas da vida em problemas transcendentes e inacessíveis para a razão.

A origem desse complexo de problemas é analogamente para o jovem Hegel


consequência da religião positiva. O poder dessa repousa precisamente em
que o homem reconhece um poder estranho acima de si para todo âmbito
de seu ser e de seu pensamento; uma vez renunciada a sua liberdade moral,
o homem não pode já eximir-se ao poder da religião positiva. Esta se
estende então a todos os âmbitos da vida e agora em germe todo o usar
livremente da razão.

“A capacidade de viver segundo ela [segundo a fé positiva G.L.] pressupõe


necessariamente a perda da liberdade da razão, da independência da razão,
a qual não tem que poder opor nada a aquela incredulidade a respeito de
uma religião positiva, e ao mesmo tempo o ponto de apoio em torno do
qual giram todas as discussões sobre ela, e mesmo não chegue claramente a
consciência, constitui o fundamento de toda submissão à fé ou de toda
resistência a ela. Este é o ponto que têm que se apoiar os ortodoxos sem
conceder nada (...)”(8).

Esse domínio se refere, também no âmbito do conhecimento. A razão livre


tem de emitir sobre as chamadas verdades históricas da religião – para não
falar dos milagres, etc. – um juízo segundo o qual estes são meras fantasias,
“poesias”, etc. A religião positiva não pode tolerar tal juízo; “tem, portanto,
que por em jogo uma potência superior diante da qual tenha que emudecer
o entendimento, e assim a fé se converte em questão obrigatória e fincada
no terreno do sobrenatural no qual o entendimento não está autorizado a se
apresentar: neste sentido, fé significa uma conexão de dados fornecidos à
imaginação, e diante do qual o entendimento busca sempre outra coisa;
aferrar-se por dever – ou seja por medo ao violento legislador – e obrigar ao
entendimento a colaborar em um assunto que tem de repelir-lhe por
natureza (...)”(9)

47
Apreciar-se-á que os escritos espontaneamente teológicos do jovem Hegel
são na verdade um grande ata acusatória contra o cristianismo. Todo
conhecedor da literatura achará nas passagens que citamos várias coisas nas
quais ecoa a luta geral antirreligiosa da época.

Contudo é necessário destacar claramente, simultaneamente, que se


recordam essas coincidências na tendência antirreligiosa, as diferenças
metodológicas entre Hegel e o Iluminismo. Já chamamos a atenção sobre o
fato de que Hegel, diferentemente de Diderot, Holbach ou Helvetius, nunca
combateu a religião em geral, mas se limitou a contrapor polemicamente o
cristianismo positivo a uma religiosidade não positiva. (E neste sentido seus
maiores pontos de contato são com Rousseau). Mas a isto acrescenta mais
uma divergência enquanto à metodologia geral da luta anticristã; os
iluministas não importantes falam muitas vezes, como Hegel, dos efeitos
escravizadores do cristianismo com sua destruição da liberdade e da
dignidade humanas. Mas este motivo não constitui para aqueles como para
Hegel o ponto central da polêmica. Para aqueles é pelo menos tão
importante quanto isto o contrastar as doutrinas do cristianismo e de todas
as religiões em geral com os fatos da realidade tal como este foram
recolhidos pela ciência da época, para desmascarar deste modo a variedade
e a contraditoriedade internas das religiões.

Este motivo desempenha, por outro lado, um papel totalmente subordinado


no jovem Hegel. Este diz de vez em quando, como vimos, que os dogmas do
cristianismo são incompatíveis com a realidade e com a razão; entretanto
esta afirmação desempenha um papel episódico em suas exposições.
Inclusive quando chega a falar explicitamente desta questão, o que lhe
importa não é o aspecto científico dela – a discordância dos dogmas
religiosos com a realidade -, mas a imposição imoral da Igreja a humanidade
racional que consiste em apresentar estes dogmas positivamente e sem
exame, como objeto de fé e sentimento religioso. Esta metodologia nos
mostra com toda clareza porque e como os grandes iluministas franceses
estão infinitamente acima de Hegel enquanto decisão de sua luta
antirreligiosa. Porém também podemos observar, ao mesmo tempo, que o
subjetivismo do jovem Hegel, que é o que leva a esse posicionamento
mesmo surgido do atraso da Alemanha das características do Iluminismo
alemão da filosofia kantiana, etc., do ponto de vista social e ideológico,
constitui, por outro lado, o fundamento para a elaboração tanto do “aspecto
ativo” quanto do historicismo de seu modo filosófico de ver.

Contudo teremos de nos ocupar outra vez detalhadamente neste capítulo


dos fundamentos filosóficos e de suas consequências da concepção
hegeliana da positividade. O que aqui nos importava era exclusivamente
tornar visível a linha fundamental, o perfil básico deste conceito central de

48
seu período de Berna, para que o leitor possa compreender corretamente a
concepção geral histórico-filosófica do jovem Hegel.

O jovem Hegel é, como mostramos, partidário do “primado da razão


prática. Para ele, o absoluto, o independente e o prático são simplesmente
idênticos. Esse exclusivo apelo à razão prática é o traço comum de sua
filosofia juvenil e a de Schelling. Já a propósito da questão das relações entre
razão prática e a teologia pudemos apreciar os pontos de concordância e
divergência entre o jovem Hegel e o jovem Schelling. E como a amizade
inicial filosófica de Hegel e Schelling e seu posterior rompimento
desempenharam um papel importante na história da constituição da
dialética, consideramos inevitável expor resumidamente a atitude de
Schelling neste período. Numa de suas primeiras obras – a Nova dedução do
direito natural [primavera de 1796] - , Schelling, de acordo com Fichte e
segundo concepções aparentadas com o conceito de positividade de Hegel,
explica que o Incondicionado, o Absoluto, nunca pode ser objeto:”
Enquanto me proponho aferra-lo como objeto, tornará a cerrar-se nos
limites do condicionado. O que é para mim objeto não pode mais que
aparecer-me; enquanto seja mais do que fenômeno, mais do que aparência,
restará aniquilada minha liberdade (...) Por isso, se tenho que realizar o
Incondicionado, este tem que deixar de ser objeto para mim.” O Absoluto é
idêntico ao Eu.(10)

Mesmo mais claramente se apresentam essas concepções de Schelling, com


todas as suas consequências no breve trabalho não destinado à publicação
cujos fragmentos se conservaram em uma cópia manuscrita de Hegel do ano
de 1796. A cópia começa com a parte ética do escrito de Schelling. Não
sabemos como era o texto anterior. Talvez se tenha perdido a primeira parte
da cópia: porém também pode ser – e isso seria bastante característico do
jovem Hegel – que nosso filósofo houvesse copiado apenas a parte da ética.
Schelling expõe neste texto que a filosofia inteira (ele diz “a metafísica”) é
idêntica à ética; que Kant exprimiu o processo em seu sentido, contudo
muito menos não o esgotou. E que partindo dessa concepção se chegará a
novos conceitos sobre a natureza e as ciência dela. Aqui se anuncia, pois, os
primeiros sonhos filosóficos naturais do jovem Schelling. Entretanto, para
nosso problema importa mais sua concepção de sociedade e do Estado. Diz
Schelling a este respeito: “Passo agora da natureza à obra do homem. Antes
de tudo, a ideia da humanidade: quero mostrar que não existe uma ideia do
Estado, porque o Estado é algo mecânico, e não há ideia de uma máquina.
Somente o que é objeto da liberdade pode chamar-se de ideia. Devemos,
pois, passar por cima do Estado e sair dele. Pois todo Estado tem que tratar
aos homens livres como engrenagens mecânicas; e não deve fazê-lo;
portanto, deve extinguir-se”. Partindo dessa reflexão o jovem Schelling quer
formular os princípios de uma história da humanidade, “e despojar toda a
desgraçada obra do homem do Estado, a Constituição, o Governo e a
49
legislação, de todo o que não seja a pele”. A seguir é necessário expor as
ideias do mundo moral e da religião. “Derrotar toda superação, perseguir
com a própria razão ao sacerdócio que agora se faz passar por
racionalidade. Liberdade absoluta para todos os espíritos, os quais levam em
si o mundo intelectual e não deve buscar nem Deus nem a imortalidade fora
de si.” O fragmento termina com a proclamação da estética como cume da
filosofia do espírito, e com o pedido de criar uma nova “mitologia
popular”(11).

Não é difícil reconhecer nestas observações desordenadas do jovem


Schelling importantes ideias básicas de seu célebre período da filosofia da
natureza (em Iena). E nem é difícil ver o quanto perto andam as aplicações e
ampliações schellingianas da “razão prática” da concepção hegeliana da
positividade. Por isso é compreensível que Hegel e Schelling se
considerassem na juventude aliados filosóficos. Contudo tão importante ao
menos com isso é compreender claramente que já neste período existem
entre Schelling e Hegel contradições profundas, mesmo nunca abertamente
expressas. Como vimos Schelling vai muito mais longe do que o jovem
Hegel na recusa de toda “positividade”. Para ele é “positivo” no sentido de
Hegel, e do primeiro momento, o Estado e tudo o que tem a ver com ele; a
libertação da humanidade coincide para Schelling com a libertação a
respeito do Estado como tal. Isto significa que já nesse período Schelling não
compartilhe – ou deixou de compartilhar – as ilusões revolucionárias do
jovem Hegel sobre uma radical renovação do Estado e da sociedade,
renovação que teria como consequência a superação e supressão de suas
características “positivas”. Com ela a utopia concretamente revolucionária
do jovem Hegel se converte no que – utilizando um conceito de origem
posterior – poderíamos chamar a utopia anarquista de uma libertação não-
estatal da humanidade. E não é tampouco difícil ver que esta característica
está em intima relação com o fichteanismo declarado do jovem Schelling,
independente de que seja a causa ou consequência dele.

O jovem Hegel se distingue a principio de seu aliado filosófico por sua


problematização histórica. Para ele, o positivo não é o Estado em geral e
abstratamente, contudo somente o Estado despótico, desde a Roma Imperial
até o presente. Porém o Estado Antigo, por outro lado, é produto e
expressão da livre atividade dos homens, da sociedade democrática. Por isso
o objetivo de Hegel e as perspectivas do desenvolvimento que considera não
são a aniquilação do Estado enquanto tal, porém o restabelecimento da
antiga cidade-estado – que não é positiva -, da antiga democracia livre e
ativa.

Aparentemente e julgada segundo o critério dos costumes metodológicos da


época, a problematização do jovem Hegel é menos filosófica do que a de
Schelling. Este utiliza a contraposição kantiana-fichteana liberdade-

50
necessidade, essência-aparência (pares contrapostos que nele e em Fichte,
são muito mais sinônimos que no próprio Kant), de um modo que acarreta a
plena resolução da teoria do conhecimento na ética. Tudo o que para a ética
é objeto da prática, e não sujeito, se converte em “simples objeto” (é
“positividade”, segundo a terminologia do jovem Hegel). Este mundo da
morte da objetividade coincide simultaneamente com o mundo
“fenomênico” kantiano, ou mundo do aparecer; somente a prática põe ao
homem em relação com a verdadeira realidade, a essência. A conexão entre
a teoria kantiana do conhecimento professada pelo jovem Schelling e a a-
historicidade de seu ponto de vista se pode avaliar claramente aqui. E ao
mesmo tempo se faz compreensível porquê o jovem Hegel, para o qual a
positividade era antes de tudo um problema histórico, se interessou muito
pouco por este aspecto epistemológico do desenvolvimento do kantismo por
meio de Fichte e Schelling.

A indiferença de Hegel para com as construções ético-epistemológicas de


seu amigo de juventude não significa, pois, em absoluto uma atitude a-
filosófica. Em realidade, já nessa atitude podemos distinguir os primeiros
brotos da grandiosa concepção posterior de Hegel que levou os problemas
filosóficos, os problemas das categorias, a uma situação de intima relação
com o desenvolvimento histórico da realidade objetiva. Ao colocar no centro
de sua problematização o conceito de positividade – que havia sido até
então um conceito a-histórico, o polo inverso da religião deista na teologia,
ou do direito natural na teoria jurídica -, o jovem Hegel dá o primeiro
inconsciente para sua posterior concepção dialética da história. Sem dúvida
se deve repetir a este propósito que no período do jovem Hegel não
somente ignorou o alcance filosófico de sua problematização, como que nem
sequer se ocupou muito na fundamentação filosófica do mesmo ou de seus
requisitos filosóficos.

Este caráter histórico da problematização central do jovem Hegel se


desenvolve paulatinamente. Sem dúvida hoje já conatos dele do primeiro
momento – na medida em que as de seu desenvolvimento -, especialmente
o contraste entre a Antiguidade e o Cristianismo. Porém o historicismo
propriamente dito da concepção se desenvolve passo a passo; no espírito
seguinte, a propósito do período de Frankfurt, veremos em que grande
medida se desenvolve mais elasticamente no sentido da historicidade, o
conceito de positividade já central em Berna.

Na época de estudante em Tubinga, esta problematização tem, mesmo em


Hegel um caráter acentuadamente antropológico-filosófico. Dissemos já que
possuímos desta época abundantes anotações e citações de Hegel referentes
ao tratamento antropológico das faculdades intelectuais, das diversas
possibilidades físicas e mentais do homem, anotações nas quais se alude a
quase toda a literatura do Iluminismo alemão sobre este tema e a as

51
importantes obras do Iluminismo francês e inglês. Estas citações que se
editaram nestes últimos decênios (primeiro na revista Logos, e depois no
livro de Hoffmeister), não foram, contudo, aproveitadas nos estudos
hegelianos. Em especial, carecemos mesmo de todo estudo sobre a medida
na qual foram aproveitados por Hegel para as partes antropológicas da
Fenomenologia e da Enciclopédia.

Tal investigação ficaria fora do âmbito de nosso estudo. Aqui nos


limitaremos à observação metodológica geral de que a historização da
antropologia é um dos traços característicos gerais do desenvolvimento de
Hegel. Não só no sentido de que a Fenomenologia tente articular os
problemas, da antropologia no processo histórico dialético, como também
no sentido da estrutura global dos princípios do sistema. Assim a intuição, a
representação e o conceito, tratados nas citações juvenis, como problemas
antropológicos são para o posterior Hegel, por ouro lado, principio de
sistematização (Intuição: estética; Representação: religião; Conceito:
filosofia), e por outro lado, fundamentos simultaneamente da periodização
(estética: Antiguidade; religião: Idade Média; filosofia: Idade Moderna).

É importante para nossa problematização a confrontação inicialmente


antropológica, de memória e fantasia. Hegel contrasta nesta época a religião
objetiva com a religião subjetiva: pelo que faz à religião objetiva, “as forças
que atuam (...) são do entendimento e a memória (...). Podem também
pertencer à religião objetiva conhecimentos práticos, mas na medida em que
pertencem a ela são capital morto; a religião objetiva pode ser ordenada no
cérebro, pode expor-se sistematicamente, expor-se num livro e a outras
pessoas mediante o discurso; a religião subjetiva se manifesta em
sentimentos e atos (..). A religião subjetiva é vida, sua eficácia no interior do
ser e a atividade para o exterior”. E Hegel compara logo a religião subjetiva,
com os seres vivos da natureza, e a objetiva com os animais dissecados dos
gabinetes de história natural”(12). Esta contraposição se mantem em todo o
período de Berna, e bastará com o que foi dito até agora para apreciar que a
religião objetiva de Tubinga é o primeiro estudo da ideia da positividade do
cristianismo tal como a encontramos no período de Berna. Limitar-me-ei a
aludir um parágrafo dos estudos históricos de Berna para deixar claro como
continua atuando aquela ideia: “a memória é forca em que ficam
dependurados dos deuses gregos (...) . A memória é o túmulo onde se
conservam os mortos. O morto descansa nela como coisa morta. E se
classifica como uma coleção de pedras”. Segue a isto um ataque duro contra
as cerimonias cristãs das quais diz: “É uma ação de mortos. O homem tenta
nelas se converter plenamente em objeto, fazer-se delimitar totalmente por
um poder alheio. Este serviço se chama oração”(13).

A atitude do jovem Hegel no período de Tubinga é uma duríssima polêmica


de todo iluminista contra a religião objetiva. Somente a religião subjetiva

52
tem valor para ele. Esta tem mesmo sem duvida um matiz a-histórico que
procede da “religião natural” ou “racional” do Iluminismo; e a concepção do
jovem Hegel está claramente sob a influência principal de Lessing: “A
religião subjetiva se encontra no homem bom, enquanto que a objetiva pode
ter a cor uniforme que quiser; o que faz do cristão para nós é o mesmo que
faz de vós alguns judeus para mim, diz Natan (ato IV, cena 7, de Natan o
Sábio, de Lessing, G. L.), pois a religião é um assunto do coração, o qual
opera amiúde inconscientemente contra os dogmas admitidos pelo seu
entendimento ou sua memória (...).”(14) Porém no jovem Hegel do período
de Tubinga esta construção entre religião subjetiva e religião objetiva se
entrecruza na distinção entre religião pública e religião privada; e há que
observar que a este propósito que a unificação histórico-metodológica de
ambos pares não se produz, até o período de Berna. Mas já no período de
Tubinga a concepção de Hegel põe em estreito contato a religião pública
com a subjetiva, e a privada com a objetiva.

Aqui pode afincar-se tangivelmente a dialética conatural ao jovem Hegel


muito antes que o problema da dialética se apresente conscientemente em
seu pensamento. Pois o marco de sua concepção formal e metafísica haveria
que combinar melhor o subjetivo com o privado e não o público. O fato que
Hegel rompa aqui espontaneamente os quadros do pensamento metafísico
é, por outro lado, consequência do brotar progressivo de sua concepção
histórica e, por outra parte, efeito do irresistível impulso para a liberdade que
se desencadeia nele a Revolução Francesa. A religião subjetiva é em sua
concepção uma verdadeira “religião popular” ou nacional. E o próprio
Hegel resume do seguinte modo as exigências que devem pôr-se a tal
religião: “I. Suas doutrinas tem de ser de tal natureza que se enlace
diretamente com ela todas as necessidades da vida, as ações públicas do
Estado”. E na parte seguinte, que é negativa e polêmica, Hegel recusa todo
feiticismo, incluindo os feiticistas aos apologistas pseudoiluministas do
cristianismo(15). O linguajar dessas manifestações está claro. O única coisa a
acrescentar é a observação de que Hegel parte aqui explicitamente da
racionalidade da religião subjetiva e da objetiva. Com isso basta para
comprovar que todas as interpretações reacionárias do período imperialista
que veem na contraposição hegeliana de fantasia e memória um sinal de seu
“irracionalismo” são inversões da realidade numa calunia contra o filosofo. E
pelo que faz ao conteúdo social das exigências postas à religião pública,
Hegel se manifestou também inequivocamente neste período. O jovem
Hegel sublinha que a religião pública não deve conter apenas mandamentos
e proibições diretas – por exemplo, não roubarás – mas que “especialmente
as prescrições mais indiretas são as que mais tem que se valorizar, porque
são frequentemente as que de maior importância. Estas são principalmente
as que constituem a elevação e o enobrecimento do espírito de uma nação:
por elas se desperta em sua alma o sentimento de sua dignidade, tão

53
frequentemente adormecida para que o povo não se desprenda dele nem
permita que o arrebatem”(16). A religião subjetiva, a religião pública é, pois,
já para o estudante de Tubinga a religião de autolibertação do povo.

continua>>>

Incio da pgina

Notas de rodap:

(1) Nohl, pag. 233.

(2) Rosenkranz, p. 482.

(3) Plitt, Aus Schelling Leben in Briefen, Leipzig, 1869, vol. I, p 72. Citado a
partir de agora como Plitt.

(4) Rosenkranz, p. 67 e ss.

(5) Rosenkranz, p. 67.

(6) Nohl, p. 212.

(7) Ibidem.

(8) Nohl, p. 234.

(9) Ibidem, p. 236.

(10) Schelling Weke ed. por M. Schröter, Iena, 1926, vol I, p. 106.

(11) Publicado por Hoffmeister, p 219 e ss.

(12) Nohl, p 6 e ss.

(13) Rosenkranz, p. 518 e s.

(14) Nohl, p. 10.

(15) Nohl, p. 20 a.

(16) Ibidem, p. 5.

54
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo I - O período republicano do jovem Hegel


3 – A concepção da História e do presente

O jovem Hegel pretende fazer da religião subjetiva ou pública o fundamento


e o apoio do movimento de libertação da Alemanha. Já vimos que esse
esforço deu no período de Berna uma curiosa e característica mistura de
objetividade histórica e subjetivismo filosófico radical. O problema histórico
do jovem Hegel consiste em descobrir concretamente na Antiguidade o
subjetivismo democrático da sociedade em sua forma superior e
desenvolvida, depois da fundação daquele mundo, o nascimento do período
morto, não humano e despótico da religião positiva, descrevê-lo em todas
suas cores sinistras e obter desse contraste a perspectiva da futura libertação.
A oposição entre Antiguidade e Cristianismo, entre religião subjetiva e
religião positiva é, pois no período de Berna, o fundamento da filosofia
política do jovem Hegel.

Como é natural, também seus interpretes reacionários tem que ver esse
caráter prático de sua filosofia. Haering põe precisamente este problema no
centro de sua interpretação, ao conceber as tendências “populares
pedagógicas” do jovem Hegel como traços essenciais de seu
desenvolvimento filosófico. E assim dito, a ideia seria admissível. Entretanto,
Haering e outros apologistas reacionários partem na interpretação das
concepções do jovem Hegel dos traços reacionários das tomadas de posição
política dos últimos anos do filósofo, consideram esses traços como a
“essência” sempre presente na filosofia hegeliana e pretendem os numerosos
e inevitáveis pontos confusos do jovem Hegel – especialmente no terreno
das questões religiosas – para por desde o primeiro momento tendências
reacionárias no centro do pensamento de Hegel.

Certamente que não é possível negar ou silenciar totalmente as tendências


republicanas do jovem Hegel. desfocam-nas ou até silenciam apesar disso na
medida do possível, entretanto não pode chegar a ser completa pelos dados
abundantes nesse aspecto. Os apologistas imperialistas saem então do
equilíbrio declarando que o republicanismo do jovem Hegel é uma “doença
infantil”. Franz Rosenweig vê, por exemplo, em Hegel um percursor da
política de Bismarck. E silencia de um modo plenamente anti-histórico que
chega a deformação dos fatos, sobretudo, por nem o Hegel maduro tenha
sido o precursor de Bismarck, pois, inclusive, suas concepções mais

55
reacionárias se movem numa direção diferente, e, em segundo lugar, passa
completamente por cima do significado das grandes crises históricas
(Termidor, a saída de Napoleão) que determinaram o caráter político do
desenvolvimento de Hegel e produziram no filósofo maduro aquele estado
íntimo profundamente resignado que é tão característico das importantes
figuras alemães que esperavam do período napoleônico uma renovação da
Alemanha. (Pense-se no velho Goethe.) Entretanto, logo se descobriu “pré-
formada” na alma do jovem Hegel uma analogia com Bismarck, é muito
fácil expor como assunto superficial todo o republicanismo do jovem
pensador, em inteira relação com a Revolução Francesa, e apaga-lo com a
crescente “maturidade” de Hegel.

Em tudo isto nenhuma importância tem para estes apologistas que a


compreensão da necessidade histórica da Revolução Francesa, a ideia de
que a Revolução Francesa constitui o fundamento da cultura presente,
expõe-se, entretanto inequivocamente em outros escritos do Hegel maduro.
Limitaremos a dar um exemplo desse estranho método de mistura a citação
com o silêncio para falsificar a imagem: Rosenweig fala em certa ocasião de
um escrito político do jovem Hegel e destaca tudo aquilo do que poderia
depreender-se insinuações de antirrepublicaníssimo e de oposição ao
Iluminismo; logo se refere – com aparente objetividade que é no fundo o
melhor meio de falsificar as coisas -, e com certo desprezo: “Mas certamente
Hegel não havia chegado, entretanto, a esses resultados pelo que fazem
reconhecimento da monarquia”(1).

Sabemos já quanto intimamente está ligado no jovem Hegel o caráter


prático de sua filosofia com seus sonhos políticos. Mostraremos com ajuda
de uma citação claramente que concebeu a situação da Alemanha da época
como produto daquele processo que, em sua opinião, no desenvolvimento
da positividade da religião. Pois, para isso poderemos compreender
claramente em que medida a defesa da antiga liberdade e da antiga
democracia constitui para o jovem Hegel, um contraste revolucionário com a
situação da Alemanha da época.

Depois do que vimos não surpreenderá a ninguém que o ponto de partida


das considerações de Hegel seja também aqui as concepções religiosas, as
tradições religiosas. Por isso diz sobre a Alemanha: “Nossa tradição. Os
cantos populares e todo o resto. Entretanto, nenhum Herodes, nenhum
Aristogon coroado de gloria por haver morto ao tirano e haver dado a seus
concidadãos os mesmos direitos e as mesmas leis; nenhum Harmodio,
nenhum Aristogon vive na boca de nosso povo, em seus cantos. Que
conhecimentos históricos tem nosso povo? Carece de uma tradição pátria
própria, e sua memória, sua fantasia, está cheia da pré-história de um povo
estrangeiro, dos hebreus e as maldades de seus reis, de coisas que não nos
afetam absolutamente”(2)). Neste contexto Hegel compara a arquitetura

56
alemã com a grega; porém, no jovem Hegel a comparação não é
principalmente estática. Além disso, lhe interessa comparar os diferentes
costumes vitais, a livre e formosa vida dos gregos com a vida dos alemães,
estreita, miserável, pequeno-burguesa, somente interrompida pelos meios e
ruidosos excessos da bebida. A diversidade das arquiteturas não é para o
jovem Hegel, senão expressão da diferença entre os conteúdos sociais da
vida dos povos diferentes. (também aqui se manifesta já de um modo de
consideração que se manterá na sua estética posterior, mesmo sem dúvida
em outro nível muito diferente da dialética e da análise histórica concreta.).

Porém as considerações mais importantes sobre a Alemanha de seu presente


se encontravam também na obra capital do período de Berna do jovem
Hegel, o escrito sobre Positividade da religião cristã. Neste trata-se de que a
conquista romana e depois o cristianismo aniquilaram as religiões nacionais
originárias, incluindo a dos alemães. A evolução da Alemanha foi de tal
natureza que não pode oferecer alimento a uma fantasia religiosa nacional.
“Fora Lutero par os protestantes, quais poderiam ser nossos heróis, se nunca
fomos uma nação? Qual poderia ser nosso Teseu fundador de uma cidade e
legislador dela; quais nosso Hermodio e nosso Aristogon, aos que
pudéssemos cantar como libertadores de nossa terra? As guerras que
devoraram milhões de alemães foram guerras de ambição ou independência
dos príncipes, e a nação foi senão apenas um instrumento que mesmo
lutando com fúria e raiva, ao final não podia saber porque e nem se havia
ganho algo”. A seguir Hegel oferece uma descrição muito cética da
subsistência das tradições históricas protestantes, acrescentando
penetrantemente que os governantes alemães não tem o menor interesse em
que se mantenha vivo no povo o aspecto libertador dos movimentos
protestantes.(3)

Dessas análises da situação alemã segue-se para Hegel que o povo alemão,
que não tem uma fantasia religiosa arraigada em solo próprio e enlaçada
com a própria história, é um povo que “carece plenamente de toda fantasia
política”.(4) E esta carência de vida anímica nacional se expressa em toda a
cultura alemã. O que interessa aqui, sobretudo ao jovem Hegel é de outro
modo outra vez muito característico, não a altura absoluta dos produtos
culturais alemãs – embora tenhamos visto que possui um íntimo
conhecimento deles -, senão a carência de popularidade da cultura alemã,
seu escasso enraizamento no povo ou nação. Esta deficiência constitui sua
principal reprovação à cultura alemã de seu presente: “As amáveis peças de
Hölty, Burger, museus desta especialidade, se perdem provavelmente do
todo para nosso povo, pois, este, para poder aceder a seu desfrute, teria que
estar menos atrasado no resto de sua cultura; do mesmo modo a fantasia
das partes cultas da nação se move num terreno completamente diferente
das classes vulgares, e os escritores e poetas que trabalham para aquelas são
completamente incompreendidos por estas, inclusive em seus traços
57
simplesmente exteriores da cena e dos personagens”. Também neste
contexto se reproduz a contraposição entre a Alemanha e a Antiguidade
sublinhando que precisamente a arte superior da Antiguidade clássica, a arte
de Sófocles e Fídias, foi uma arte popular, que moveu a nação inteira.(5)

Neste terreno, o jovem Hegel luta para que a futura cultura alemã tenha
bases clássicas. O jovem Hegel vê na recepção destas o único progresso
verdadeiro, e por isso combate especialmente as concepções de Klopstock, o
qual apela para a poesia em parte à pré-história do povo teutônico (batalha
de Teotoburgo), em parte às tradições judaico-cristãs (esta última, um eco
atrasado, insosso à moda teutônica, às tradições ideológicas da revolução
inglesa, recebido por mediação da influência de Milton). À exclamação
anticlássica de Klopstock –“ É Acaia a pátria dos teutônicos?” – responde,
sobretudo Hegel com uma detalhada discussão que culmina na tese de que
a renovação artificial das tradições alemães arcaicas é uma empresa tão
inviável como em seu tempo a tentativa do imperado romano Juliano de
ressuscitar a religião antiga. “Aquela antiga fantasia teutônica não encontra
em nossa época nada que se pudesse aderir ou com que pudesse entrelaçar-
se, está tão isolada no círculo de nossas representações, opiniões e crenças e
nos é tão alheia como a ossiânica ou a hindu...”. E, pelo que faz à
renovação da tradição judaico-cristã propõe a seguinte réplica: “E pelo que
faz ao que esse poeta exclama a propósito da mitologia grega, com o mesmo
direito poderia gritar a ele e a seu povo, a propósito da mitologia hebreia: É
por acaso hebreia a pátria dos teutônicos?”(6).

Também neste ponto vemos, especialmente pelo que faz as tendências


paleo-teutonizantes, uma atitude de Hegel que se manterá durante toda a
sua vida. Não só está – como veremos – numa atitude de hostilidade politica
face as guerras antinapoleônicas da Independência, senão também em face
de todos os esforços paleo-teutonizantes do romantismo. Também isto tem
que ser, naturalmente silenciado ou “reinterpretado”, pelos falsificadores de
Hegel no período imperialista, antes de poder fazer dele um romântico.

Essa imagem da liberdade e da mediocridade do presente alemão, de sua


falta de uma verdadeira cultura popular, está entrelaçada do modo mais
íntimo com toda atitude democrática do jovem Hegel. Durante sua estadia
em Berna, então governada por uma oligarquia da nobreza, Hegel enuncia
sobre a cidade suíça juízo tão depreciativos como os que sentia sobre a
Alemanha. E seu juízo é politicamente ainda mais claro, pois está expresso
em uma carta, e livre portanto das preocupações com a censura que se
apresentariam em qualquer obra destina à publicação. Em 16 de abril de
1795 escreve Hegel a Schelling: “A cada dez anos se renova o conseil
souverain em parte correspondente aos membros falecidos durante o
período. Não é possível descrever o modo humano como se desenvolve esta
renovação, pois as combinações que se fazem aqui apequenam todas as

58
intrigas próprias das cortes principescas. O pai consegue a nomeação do
filho, ou do pretendente da sua filha que traga ao matrimônio maiores bens,
etc. Para se der do que é uma constituição aristocrática há que passar aqui
todo o inverno de um ano que caia na Páscoa da renovação do
Conselho”.(7) Certamente esta carta não necessita de comentário. Porém,
para apreciar o desenvolvimento futuro de Hegel é necessário observar além
disso que suas experiências de Berna arraigaram nele um desprezo
inextinguível pelo regime aristocrático-oligárquico. Esta recusa desse regime
não desapareceu sequer quando já havia revisado radicalmente suas demais
convicções políticas do período de Berna.

Hegel contempla esta situação política e cultural como produto de um


processo cuja força motora central é para ele o domínio da religião cristã
positiva. E se todavia em seus últimos anos Hegel chamou a Revolução
Francesa uma “grandiosa aurora” não será difícil imaginar-se a impaciência
com a qual espera dela nos anos juvenis de Berna a renovação do mundo.
Esta renovação tem, segundo ele, seu pressuposto necessário na polêmica
crítica do cristianismo, e o conteúdo positivo da renovação se apresenta a
ele como renovação, precisamente, da Antiguidade. A análise e o elogio da
democracia antiga têm, pois, para Hegel neste contexto uma grande
relevância política atual.

Também neste ponto tem a concepção hegeliana muitos precursores. Nas


grandes lutas que houveram pela liquidação da sociedade feudal
desempenhou desde o Renascença um papel decisivo nos escritos da
vanguarda ideológica o modelo da democracia antiga. Entre as maiores
deficiências da historiografia dos problemas ideológicos é preciso incluir
exatamente o fato de que não se tenha estudado suficientemente esta
relação entre a Renascença e a Antiguidade e a luta da classe burguesa por
sua liberdade. A historiografia burguesa esforçou-se inclusive por apagar
essas ondas, cada vez com mais resolução, para expor a renovação da
Antiguidade como assunto interno, plenamente imanente a arte, a filosofia,
etc. A verdadeira história dessas lutas ideológicas – desde as artes plásticas
até a ciência do Estado e da historiografia – mostraria quanto foram estreitas
aquelas relações e de que modo – isto seja dito para ilustrá-las também com
um exemplo oposto que indique a complexidade da problemática – a
veneração da Antiguidade perdeu em seguida sua significação positiva e
degenerou em um vazio academicismo enquanto que seu conteúdo político-
social se perdeu definitivamente no curso do século XIX. Aqui não
poderemos, como é natural, sequer estabelecer a linha desse
desenvolvimento desde Maquiavel, por Montesquieu, Gibbon, etc., até
Rousseau, cujo desenvolvimento, como demonstrou Engels, se apresentam
desde os primeiros esboços de uma dialética da evolução social.

59
Do dito se depreende claramente que Hegel conheceu bem a maior parte
desta literatura de apologia à democracia antiga. (Somente pelo que faz a
Maquiavel, parece que o conheceu mais tarde, provavelmente, ao final do
período de Frankfurt.) Entretanto, inclusive prescindindo dessas influências
literárias, é indubitável a conexão essencial da veneração da Antiguidade
com estes motivos revolucionários no jovem Hegel. Pois a filosofia política
da Revolução Francesa, a sistematização de suas ilusões heroicas, repousa
precisamente nesse desenvolvimento ideológico. Os principais jacobinos são
discípulos diretos de Rousseau.

Por muito que a ideologia jacobina da renovação da democracia antiga haja


sido uma ilusão heroica dos revolucionários plebeus, de modo algum era
uma concepção sem enraizamento ou fundamento. Os ideólogos desta
renovação social partem de pressupostos econômico-sociais muito
determinados e reais. Sua diferença em relação aos representantes menos
decididos da revolução democrática é precisamente de ordem econômica: os
jacobinos radicais opinam que a igualdade relativa das fortunas é o
fundamento econômico de uma democracia real, e que a crescente
desigualdade da situação econômica dos cidadãos de um Estado leva
necessariamente à aniquilação da democracia e ao nascimento de um novo
despotismo. Esta doutrina está contida na parte mais radical da citada
literatura acerca da renovação da Antiguidade e tendência a contemplar na
igualdade relativa das fortunas o fundamento da democracia culmina
precisamente no Contrat social, de Rousseau.

Basta uma história externa conscienciosa da época para comprovar a


importância das discussões sobre esses problemas na Revolução Francesa.
Nos limitaremos a adicionar alguns exemplos característicos. Um artigo
muito citado de Rabaut-St.Etienne, publicado na Chronique de Paris do ano
de 1793, contém as seguintes exigências: “1º Distribuir as fortunas do modo
mais uniforme possível; 2º Ditar leis sobre sua conservação e para evitar
futura desigualdade”(8). Naquele mesmo ano escrevia a Revolution de Paris:
“Para impedir a grande desigualdade entre as fortunas dos republicanos, que
são todos iguais. É preciso estabelecer um limite superior das mesmas, acima
do qual não se permitirá lucro algum nem sequer com impostos que
correspondam a ela.”(9) Medo análogo é o de uma decisão da assembleia
popular de Castres: “Não afastar-se nunca dos verdadeiros princípios e não
admitir jamais a um homem de grandes riquezas enquanto não saiba que é
um patriota puro e ardoroso e enquanto não haja destruído essa
desigualdade por todos os meios a seu alcance”(10). Analogamente se
expressa Cambon no debate sobre o imposto progressivo e o empréstimo
compulsório (1793): “Este sistema é o mais racional e o que melhor
corresponde a nossos princípios, pois por meio dessas disposições
produzireis a igualdade que algumas pessoas queriam no reino da
fábula”(11). Os exemplos poderiam multiplicar-se.
60
Marx mostrou sem compaixão o caráter ilusório da renovação da
Antiguidade a que aspiravam os revolucionários jacobinos, ao submeter a
uma análise rigorosa a diversidade econômica dos dois desenvolvimentos.
Escreve a respeito em A Sagrada Família: “ Robespierre, Saint Just e seu
partido sucumbiram porque confundiram a antiga comunidade social
realístico-democrática, baseada na real escravidão, com o moderno Estado
representativo, espiritualista-democrático, o qual se baseia na escravidão
emancipada, que é a sociedade burguesa. Que fabulosa ilusão foi o ter de
reconhecer e sancionar os direitos do homem a moderna sociedade
burguesa,a sociedade da indústria, da concorrência geral, dos interesses
privados na livre perseguição de seus fins, da anarquia, da individualidade
natural e espiritual alienada de si mesma, e querer anular ao mesmo tempo
as manifestações vitais dessa sociedade nos diversos indivíduos e pretender
conformar ao modo antigo a cabeça política dessa sociedade! ”(12).

Entretanto, em França essas ilusões eram herdeiras de políticos


revolucionários plebeus, quer dizer, separados de seu caráter ilusório,
estavam intimamente relacionados com momentos concretos da ação
política real do partido plebeu nas circunstancias concretas dos anos 1793-
94. Por isso em França podiam se realizar com esses fundamentos ilusórios
medidas políticas que foram imprescindíveis do ponto de vista do
desenvolvimento real. Limitar-nos-emos aqui a destacar duas delas. Em
primeiro lugar, a guerra contra a coalizão da Europa inteira exigiu uma serie
de medidas coercitivas tanto no terreno político, para a destruição das
correntes contrarrevolucionárias – inclusive dentro da própria burguesia -
como no terreno militar e administrativo, para assegurar o fornecimento de
víveres ao exercito, uma atenção mínima às camadas urbanas mais
miseráveis, que eram a base social do jacobinismo radical. Em segundo
lugar, a realização radical da revolução democrática teve como
consequência o confisco e a distribuição de uma grande parte das
propriedades feudais, ou seja – por sua intenção e inclusive por seus efeitos
durante algum tempo e parcialmente pelo menos - um nivelamento da
propriedade da terra sobre a base de parcela camponesa.

O elemento ilusório que existe nas ações dos jacobinos consiste, pois, como
indica a citada crítica de Marx, na qual os jacobinos não compreenderam os
verdadeiros fundamentos político-sociais de suas medidas revolucionárias e
alimentaram noções basicamente falsas pelo que faz à perspectiva que
aquelas medidas revolucionárias deveriam abrir. Este caráter ilusório não
destrói, portanto a essência democrática, o caráter revolucionário de seus
atos. Antes, pelo contrário, precisamente essa indissolúvel mistura de política
plebeia, realista, democrática e revolucionária, com ilusões fantásticas sobre
as perspectivas do desenvolvimento das forças da sociedade burguesa
desencadeadas pela revolução democrática é precisamente a viva
contradição dialética que caracteriza este período da revolução.
61
Deste ponto de vista é preciso considerar a relação dos precursores
ideológicos da revolução democrática e dos jacobinos com a Antiguidade.
Marx chamou a atenção sobre o fato de que estas concepções ilusórias
passam totalmente por alto o fundamento real da economia antiga, a
escravidão, do mesmo modo que são incapazes de incluir a imagem que
fazem da sociedade burguesa no lugar e papel do proletariado. Porém, esta
falsidade da concepção básica não suprime este sentimento correto – correto
no marco de concretos limites históricos - de que existiu uma determinada
relação entre a propriedade de parcelas relativamente iguais e a democracia
antiga. Marx precisamente formulou com grande precisão esta conexão:
“Esta forma da livre propriedade do campesinato cultivador artesanal,
considerada como forma dominante e normal, constitui por um lado a base
econômica da sociedade nos melhores momentos da Antiguidade clássica, e,
por outro lado, voltamos a encontrar nos povos modernos como uma das
formas que se desprendem da dissolução da propriedade feudal da terra. Tal
é o caso da yeomanry na Inglaterra, da classe camponesa na Suécia, em
França e na Alemanha ocidental (...) A propriedade da terra é tão necessária
para o pleno desenvolvimento deste modo de exploração como a
propriedade da ferramenta é para o livre desenvolvimento da exploração
artesão. E constitui a base do desenvolvimento da independência
pessoal”(13). Estas observações de Marx são de importância extraordinária.
Sobretudo, Marx indica com poucas palavras a relação econômica entre o
florescimento das democracias antigas e a relativa igualdade da propriedade
camponesa. Além disso, a alusão a yeomanry nos é muito significativa. Pois
do mesmo modo que nas guerras da República Francesa e nas napoleônicas
os camponeses libertos pela revolução e novos proprietários de suas terras
constituem o núcleo dos exércitos, assim também na revolução inglesa a
yeomanry constituiu o núcleo das tropas que libertaram o povo do jugo dos
Eduardo.

Nesta medida tem as ilusões jacobinas uma base econômica real. O


elemento ilusório das concepções jacobinas se descobre no fato de que os
jacobinos viram nesta estádio econômico de passagem para o pleno
capitalismo um estado duradouro da humanidade liberta, e tentaram fixa-lo
como definitivo. Os trabalhos históricos de Marx e Engels, contêm
abundante material da prova do caráter infundado e errôneo dessas ilusões.
Assim, por exemplo, assinala Engels que essa mesma yeomanry que
combateu nas batalhas de Crownwell desapareceu quase sem deixar rastro
cem anos mais tarde nas tormentas da acumulação originária ou primitiva. E
Marx por seu lado mostra em suas obras históricas de 1848 sobre a
Revolução Francesa que o camponês francês liberto do jugo feudal e
proprietário de sua terra caiu logo sobre o jugo ainda mais pesado dos usura
capitalista. A ilusão dos revolucionários jacobinos consiste, pois, “somente”

62
em não haver visto que suas medidas revolucionárias eram objetivamente
medidas que desencadeavam o desenvolvimento capitalista.

Esta realidade e esta ideia exercem uma influência extraordinariamente


grande e praticamente decisiva no desenvolvimento da filosofia alemã da
época. Ao prepararmos para contemplar com mais detalhes essas influências
devemos recordar mais uma vez que a filosofia alemã de sua época, mesmo
seja em muitos aspectos um eco dos acontecimentos da Revolução Francesa
se produz contudo nas condições do atraso econômico e político do país. Já
indicamos que esse atraso causa o caráter idealista da referida filosofia. E
este idealismo tem lugar como consequência que o reflexo mental e a
elaboração filosófica dos acontecimentos da Revolução Francesa parta
precisamente dos motivos nos quais a ideologia dos homens realmente
ativos seja ilusória. A filosofia alemã do nona década do século XVIII se
relaciona, pois, exatamente com essas ilusões, e reforça seu caráter ilusório
ao sistematiza-las e aprofundá-las filosoficamente. E se, já em si essas ilusões
são reflexos idealisticamente deformados da realidade objetiva, esse caráter
é mais penetrante nas elaborações alemãs. Na filosofia alemã aparecem
como ilusões de segundo grau, como ilusões ao quadrado.

Fichte é na Alemanha o filósofo que mais resolutamente toma partido dos


ideais da Revolução Francesa. Seus primeiros livros – que apareceram
anonimamente – são uma tomada de posição aberta e panfletária a favor,
da Revolução Francesa e contra seus inimigos, as monarquias feudais-
absolutistas da Europa. E ainda no ano de 1796, quando Fichte empreende
a tarefa de sistematizar estritamente suas ideias sobre a filosofia prática – em
seus Fundamentos do direito natural - obtém consequências muito radicais
partindo das ilusórias concepções jacobinas da Revolução Francesa. O
direito natural fichteano, como as obras jurídicas-filosóficas dos séculos XVII
e XVIII se baseiam na teoria do “contrato social”, porém numa forma
determinada também pelo subjetivismo da filosofia kantista e pelas
concepções sociais jacobinas. Para Fichte, o contrato social inclui a
obrigação da sociedade de velar pela existência de seus membros no marco
da igualdade das fortunas: “ Todo direito de propriedade baseia-se no
contrato de todos com todos, o qual diz: nós manteremos em nosso poder a
condição de que deixemos a ti o teu. Portanto, enquanto alguém não possa
viver de seu trabalho, isto significa que não o está deixando o que é seu, que
o contrato social foi rompido pelo que faz a esta pessoa, e que esta pessoa
deixa de estar desde este momento obrigada juridicamente a não respeitar a
propriedade de ninguém”(14).

Estas concepções de Fichte se relacionam inclusive com as da extrema


esquerda jacobina. E é interessante observar que Fichte é o filósofo alemão –
ao menos entre os mais importantes – que se mantem fiel por mais tempo a
essas concepções. Benjamin Constant recolhe zombeteiramente o fato de

63
que mesmo no ano de 1800 Fichte escreveu uma utopia ( O estado
comercial fechado) cujos princípios coincidem em muitos pontos com a
política social e econômica do último período do governo de Robespierre. É
necessário acrescentar, naturalmente, que também neste caso a
sistematização filosófica das referidas ilusões por Fichte se produz por uma
direção que forçosamente tem de exacerbar idealisticamente o elemento
ilusório. ( O desenvolvimento posterior de Fichte, os conflitos íntimos que se
produzem em consequência de sua adesão ao movimento de independência
caem fora do âmbito de nossa investigação. Entretanto, forçosamente
tínhamos de fazer algumas alusões a Fichte, pois também pelo que fez a este
filósofo a historiografia burguesa silencia ou falsifica os problemas e conflitos
internos que aquela situação histórica determinou no pensador).

O jovem Hegel nunca chegou tão longe quanto Fichte, nem sequer no
período de Berna. Por uma de suas cartas a Schelling vimos já antes que ele
era hostil a ala radical e plebeia jacobina. Apesar disso é preciso afirmar que
a ideia rousseauniana e jacobina da igualdade relativa das fortunas constitui
o fundamento econômico de sua filosofia da revolução. Entretanto, esta
filosofia tem uma curiosa característica que devemos registrar, mesmo que
não possamos considerar todo seu alcance senão ao expor detalhadamente
as concepções de Hegel sobre a Antiguidade e o cristianismo. A
característica em questão consiste em que a Antiguidade é para o jovem
Hegel um período quase “aeconômico”. O jovem Hegel parte para a
concepção dogmaticamente admitida da igualdade relativa das fortunas nas
antigas cidades-estados, e analisa somente os fenômenos culturais e
religiosos nos quais se manifestam as peculiaridades daqueles estados. Por
outro lado, suas considerações sobre o cristianismo estão semeadas de
concepções econômicas, por ingênuas que sejam no momento. Pois para o
jovem Hegel o cristianismo é o período do homem privado, que se interessa
por sua propriedade e somente por ela. A agonia da vida pública da
Antiguidade, no período do despotismo antigo e depois no despotismo da
idade cristã é para o jovem Hegel o período da vida econômica tal como ele
a entende. Somente quando suas ilusões jacobinas entram em conflito com
a realidade surge no pensador a necessidade de conseguir concepções
econômicas mais profundamente fundadas. Por isso é muito característico
que o descobrimento do papel da escravidão na Antiguidade se produza
senão relativamente tarde, no período de Iena.

Entretanto tudo isto não significa de modo algum que o jovem Hegel haja
sido cego par o problema social. Ao contrário. O problema da divisão do
trabalho desempenha um grandioso papel em sua concepção de diferença
entre a Antiguidade e o cristianismo. O ilusório de sua filosofia da história se
manifesta também no fato de que o jovem Hegel idealiza a deficiência da
divisão do trabalho na Antiguidade e espera da revolução democrática, o
restabelecimento daquela situação antiga.
64
Em si tomada, a consideração crítica da divisão capitalista do trabalho é sem
dúvida um momento muito progressista da filosofia humanista do período. E
é mérito sobretudo de Schiller o haver assinalado este problema no centro
do interesse dessa filosofia. Sabemos já que o jovem pensador leu com
entusiasmo a obra de Schiller que é decisiva neste terreno, as Cartas sobre a
educação estética. Em um estudo especialmente dedicado à crítica de
Schiller mostrei com detalhes que esta crítica da divisão capitalista do
trabalho não é produto de um anticapitalismo romântico, mas continuação
das melhores tradições do Iluminismo, especialmente da tradição de
Ferguson(15). É difícil precisar em que medida as concepções do jovem
filósofo estão influenciadas pelas de Schiller e em que medida enraízam-se
em Ferguson, ao que Hegel conheceu sem dúvida alguma. A importância
metodológica que encontramos em Schiller e em Hegel diante de Fergunson:
nos dois primeiros aparece muito pálido o fundamento econômico da
divisão capitalista do trabalho, e os dois se preocupam sobretudo por todas
as consequências ideológicas e culturais da referida divisão do trabalho.
Hegel, certamente, com especial matiz de que para ele o ideal humanista do
homem não desgarrado pela divisão do trabalho não se consegue pela via
da arte, senão pela ação política. A grandeza da arte antiga é para Schiller
um problema central: a forma de manifestação de um homem com todas as
faces, de um homem ainda não atomizado. Este mesmo ideal se encarna em
Hegel, no modo de ação política plenamente humano, com todos os rostos
da antiga democracia; a arte da Antiguidade aparece em Hegel
marginalmente, apenas como ilustração de um fato central que lhe interessa.

Entretanto, ainda mais importante é a diferença entre Schiller e Hegel pelo


que faz à concepção histórico-filosófica. O primeiro escreveu sua obra no
momento de sua evolução intelectual em que se havia separado já do modo
de ação política da Revolução Francesa. Por isso se trata de um livro
atravessado por um profundo pessimismo diante do presente, e,
consequentemente, a Antiguidade é para ele um grandioso e eterno modelo
que pertence plena e definitivamente ao passado. O jovem Hegel do período
bernense se encontra nisto no ponto de vista oposto. Para ele, a Antiguidade
é um modelo vivo e atual; certamente que é o passado, entretanto, se trata
de renovar sua grandeza, e esta renovação constitui precisamente a tarefa
política central, cultural e religiosa do presente.

(1) Rosenweig, Hegel und der Staat, Munique-Berlim, 1920, vol. I, p. 51.
(retornar ao texto)

(2) Nohl, p. 359. (retornar ao texto)

65
(3) Ibidem, p. 215. (retornar ao texto)

(4) Ibidem. (retornar ao texto)

(5) Nohl, p.216. (retornar ao texto)

(6) Nohl, p. 212. (retornar ao texto)

(7) Rosenkranz, p. 69. (retornar ao texto)

(8) Apud [apoiado], Aulard, Politische Geschichte der Franzinsichen


Revolution, Munique-Leipzig, 1924, vol. I. p. 304. Rabaut estava geralmente
ao lado dos girondinos, entretanto, estes, naturalmente, não receberam bem
sua proposta. Cf. ibidem, p. 365. (retornar ao texto)

(9) Ibidem, p. 366. (retornar ao texto)

(10) Aulard, op. cit., vol. II, p. 723. (retornar ao texto)

(11) Ibidem, vol. I, p. 367 e ss. (retornar ao texto)

(12) Marx-Engels, Die Heiligie Familie, Berlim, 1953, p. 250-1 (A Sagrada


Familia). (retornar ao texto)

(13) Marx, Das Kapital, vol III, Berlim, 1953, p. 858. (retornar ao texto)

(14) Fichte, Werke, Leipzig, 1908, vol. II, pag. 217. (retornar ao texto)

(15) Cf. o artigo “Scillers Theorie der modern Literatur” ( A teoria


schilleriana da literatura moderna), em meu livro Goethe und seine Zeit
(Goethe e sua época), Aufbau –Verlag, Berlim, 1950.

66
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo I - O período republicano do jovem Hegel


4 – As antigas repúblicas

A Antiguidade é, pois, para o jovem Hegel uma imagem de contraste


político-utópica com o presente. Os fragmentos de Hegel publicados por
Nohl e procedentes do período de Berna oferecem uma imagem precisa de
como se representava, à época, o filosofo a cultura antiga. Porém para
entender realmente o significado político desta imagem teremos de
acrescentar alguns fragmentos de seus estudos históricos do mesmo período
de Berna, fragmentos nos quais a referencia ao presente se expões de um
modo ainda mais plástico que nos estudos editados por Nohl. Pela
importância destas questões, pela falsificação sistemática do
desenvolvimento de Hegel levado a termo pela historia burguesa da filosofia,
teremos forçosamente que citar na íntegra – ao menos quanto ao conteúdo-
esses fragmentos. Pedimos, pois, ao leitor que desculpe a extensão das
citações.

“Nos estados da Idade Moderna – Hegel escreve – a segurança da


propriedade é o eixo em torno do qual gira toda a legislação, o fato ao qual
se referem quase todos os direitos dos cidadãos. Em várias repúblicas livres
da Antiguidade, o rigoroso direito de propriedade, essa preocupação de
todos nossos governantes, esse orgulho de nossos estados, foi lesado já pela
Constituição do Estado. Na constituição lacedemônia, a segurança da
propriedade e da indústria é um ponto que mal se leva em consideração,
quase poderia dizer-se um ponto esquecido. Em Atenas se subtraía aos
cidadãos ricos uma parte de suas fortunas. Para isso se utilizava um pretexto
sumamente honroso: se encarregava à pessoa que se queria aliviar de sua
riqueza um cargo público que exigisse gastos enormes a seu titular. O que
nas tribos que estavam divididos os cidadãos eram nomeados para um
desses cargos poderia buscar entre os concidadãos de sua tribo um que fosse
mais rico que ele. Quando acreditava havê-lo achado e este afirmava ser
mais nobre, o nomeado podia reconhecer aquele intercâmbio de
propriedades ao qual o concorrente não podia negar-se. A
desproporcionada riqueza de alguns cidadãos é extremamente perigosa,
inclusive para a constituição mais livre, e é capaz de destruir a liberdade;
assim nos mostra a História com o exemplo de Péricles de Atenas, dos

67
patrícios romanos, cuja decadência tentou deter em vão as propostas sobre a
legislação agrária à ameaçadora influencia dos Gracos e outros; o exemplo
dos Médici em Florença (...) Valeria a pena investigar o quanto rígido direito
de propriedade deveria sacrificar-se a forma da república duradoura. Talvez
se cometeu uma injustiça com o sistema do sansculotismo em França a
buscar exclusivamente no latrocínio a fonte de maior igualdade de
propriedade, a que aspirava”(1).

Estas manifestações do jovem Hegel não precisariam comentário algum seja


pelo fato de que os textos do período de Berna que aduziremos mais à frente
as iluminam mais de perto. Entretanto preferimos começar com este
fragmento porque nele aparece com mais clareza que na maioria das
anotações de Berna a relação entre igualdade de riqueza na Antiguidade e
na Revolução Francesa, o problema da igualdade das fortunas como
fundamento da liberdade republicana.

Talvez seja ainda mais interessante o seguinte fragmento, escrito em francês,


acerca das relações da organização militar e da guerra na monarquia e na
república. A propósito deste fragmento se produziu entre os apologistas do
imperialismo uma grande discussão filosófica acerca de se é um trabalho do
próprio Hegel ou um extrato simplesmente. Quando Rosenkranz publicou
pela primeira vez este fragmento o apresentou como um trabalho do próprio
Hegel, como o final de seu artigo sobre as transformações que se produzem
na direção da guerra como consequência da passagem do Estado de
monarquia para a república. (Neste ponto teremos que lamentar de novo a
incrível superficialidade com que os discípulos imediatos de Hegel trataram
seu legado. Pois o manuscrito do artigo cujo final Rosenkranz publicou
desapareceu). Os representantes da “nova ciência” nos estudos hegelianos –
os Lasson, Rosenzwieg, Hoffmeister e companhia – negam por outro lado
que se trate de um escrito de Hegel. “O texto parece mais com o discurso
demagógico de um general francês que um artigo de Hegel”(2), afirma
Hoffmeister. O conteúdo objetivo dessa “crítica” de Hoffmeister, como é
natural, equivale rigorosamente a nada. Pois, em primeiro lugar, os senhores
neohegelianos exclamam cada vez que os convém que Rosenkranz,
discípulo direto de Hegel, tinha para sua edição tradições vivas e somente
em casos como este lhes acontece ser “repentinamente” suspeito o primeiro
biógrafo de Hegel, que foi, apesar de tudo, o mais consciente até o dia de
hoje. Em segundo lugar, que os Hoffmeister e companhia tivessem razão e
se tratasse de um texto tomado por Hegel de um manifesto francês não
provaria absolutamente nada. Pois, neste caso haveria que colocar o
problema por quê o jovem Hegel copiou para seu uso pessoal precisamente
este manifesto, e em que relação está este com o artigo perdido de Hegel. E
como todo o que leia sem preconceitos os escritos hegelianos do período de
Berna terá que comprovar que existe uma profunda coincidência entre esse
texto e toda sua filosofia da sociedade e da história da época, os senhores
68
neohegelianos não teriam absolutamente conseguido nada com sua
“penetração filosófica” porque o faz com fins de falsificação.

O fragmento em francês é do seguinte teor: “Dans la monarchie le peuple ne


fut une active, que pour le moment du combat. Comme um armée soldée i
devoit garder les ranges non seulement dans le feu du combat meme, mais
aussitôt après la victoire rentrer dans une parfait obeisance. Notre experience
est accoutumée, de voir une masse d´hommes armés entrer, au mot
d´ordre, dans une furie reglée du carnage et dans les loteries de mor et de
vie, qui s´est armé lui même. Le mot d´ordre etoit la libertée, l´enemmie la
tyrannie, le commandement em chef une constituition, la subordination
l´obéissance envers ses representans. Mais il y a bien de la différence entre
passivité de la subordination militaire et la fougue d´une insurrection; entre
l´obéissance à l´ordre d´un general et la flamme de l´enthousiasme que la
liberte fond pas toutes les veines d´um être vivant. C´est cette flamme sacré,
qui tendoit tout les serfs, c´est pour elle, pour jouir d´elle, qu´ils etoient
tendus. Ces efforts sont les jouissance de la liberté, et Vous voulez, qu´elle
renounce à elles; ces occupations, cette activité pour la chose publique, cet
interêt est l´agent et Vous voulez, que le people s´enlace encore à inaction, à
l´ennui?”(3)

Os dois textos citados falam numa linguagem suficientemente clara. Ambos


mostram profundo e intimo o entusiasmo de Hegel pelas democracias
antigas e o quanto profundamente este entusiasmo está relacionado com sua
atitude diante da Revolução Francesa. Nossa tarefa consiste agora em dar –
o mais possível com as próprias palavras de Hegel, pois suas formulações
são extraordinariamente características e não devem debilitar-se na
exposição – um quadro o mais compreensível quanto possível do modo
como viveu na alma do filósofo durante este período de seu
desenvolvimento o ideal antigo. Começaremos nossa exposição com uma
grande citação procedente do escrito já citado várias vezes sobre a
positividade da religião cristã – pois esta citação terá o valor de um resumo -
, e depois poderemos passar a expor as opiniões do filosofo acerca dos
diversos aspectos particulares da vida antiga.

“A religião grega e romana foi uma religião apta somente para povos livres,
e com a perda da liberdade tem que se perder também o sentido e a força
da religião, sua adequação ao homem”. Para que servem os canhões para
um exército que não têm munições? Tem que buscar fora outras armas. Para
que servem as redes de pescar se o rio secou?

Como homens livres, eles obedeciam às leis que haviam dado, obedeciam a
homens que eles mesmo haviam posto como superiores, realizavam guerras
que eles mesmos haviam decidido, sacrificavam sua propriedade e suas
paixões, mil vidas por uma causa que era a sua; não estudavam nem

69
professava, porem exerciam as máximas da virtude mediante seus atos, que
podiam considerar completamente seus; tanto na vida pública quanto na
privada e doméstica, cada qual era um homem livre e vivia segundo suas
próprias leis. As ideias de sua pátria, de seu Estado, é o invisível e supremo
pelo qual luta e trabalha, o que o move; tal era o fim que em realidade
achava já composto ou que ele mesmo contribuía para compor e a manter.
Ante essa ideia desaparecia sua individualidade, ele não exigia vida e
sobrevivência, mais do que para aquela, e podia realiza-las; não lhe ocorria
– ou, ao menos, não na generalidade dos casos – pedir sobrevivência ou a
vida eterna para sua própria individualidade, nem mendiga-las; o único que
podia ocorrer-lhe era sentir algo mais intensamente, nos momentos inativos
e de inercia, algum desejo que se refira somente a ele. Catão, não se
refugiou no Fédon de Platão, senão quando ficou demonstrado o que havia
sido para ele até então a ordem suprema das coisas, seu mundo, sua
república, então se refugiou em uma ordem superior.

Seus deuses governavam no reino da natureza sobre todo aquele pelo qual
os homens podem ser felizes ou infelizes. Eram obra sua as grandes paixões;
semelhante aos grandes donos da sabedoria, a eloquência e o conselho,
dádivas suas. Se lhes fosse pedido conselho sobre o êxito feliz ou infeliz de
uma empresa, se impetrasse suas bênçãos e se lhes oferecessem dons de
todas as classes; entretanto o homem podia enfrentar-se a si, enfrentar sua
liberdade, com esse poder, com esses senhores da natureza, quando entrava
em conflito com eles. A vontade do homem era livre, obedecia a suas
próprias leis, porque não conheciam mandamentos divinos, e quando
chamados mandamentos a uma lei moral, estes não estavam dados em lei
escrita, senão que regia invisivelmente (Antígona). Com isso reconheciam a
si mesmo a cada qual o direito a ter vontade, fosse esta boa ou má. Os bons
consideravam um dever o sê-lo, porém honravam ao mesmo tempo a
liberdade dos demais, inclusive a liberdade moral divina, ou feita ou
abstraídas por eles, que impor aos demais.

A Fortuna bélica, o aumento da riqueza e o conhecimento de várias


comodidades da vida e do luxo produziram em Atenas e em Roma uma
aristocracia militar e da riqueza que conseguiu domínio e influência sobre
muitos homens, os quais, conquistados pelas façanhas daqueles homens e
mais ainda pelo uso que faziam de suas riquezas, os reconheceram livres e
prazerosamente um predomínio e um poder no Estado (...) Logo esse
predomínio livremente concedido se manteve pela força, e esta possibilidade
pressupõe a perda daquele sentimento, daquela consciência que
Montesquieu declarou, sob o nome de virtude, princípio das repúblicas e
que consiste na capacidade do indivíduo sacrificar-se por uma ideia que,
para os republicanos está realizada em sua pátria.

70
A imagem do Estado como produto de sua própria atividade desapareceu
da alma dos cidadãos; a preocupação e o domínio do todo com um olhar
ficou limitada a alma de um indivíduo ou de alguns poucos: cada qual teve
seu lugar mais ou menos limitado, diverso dos lugares dos demais e
conquistado por outro; o governo da máquina do Estado ficou confiado a
um pequeno número de cidadãos, e estes não serviam senão como
engrenagens particulares, que nos cobram seu valor senão em união com os
demais; e a parte do todo dividida confiada a cada um desses indivíduos era
tão irrelevante em comparação com tudo que o indivíduo não tinha por quê
conhecer essa relação ou tê-la presente. A utilização do Estado era o grande
objetivo posto por estes cidadãos, e o objetivo que estes se impunham
nessas circunstâncias era o lucro, a manutenção da vida e acaso também a
vaidade. Toda a atividade e todos os fins se referiam agora ao indivíduo;
não havia atividade do todo, por uma ideia; cada qual trabalhava ou para si
ou, obrigado, para outro indivíduo. A liberdade de obedecer a leis impostas
por eles mesmos, a liberdade de seguir na paz a autoridade imposta por eles
mesmos, a liberdade de realizar planos em cuja decisão haviam participado
eles mesmos, desapareceram rapidamente; toda a liberdade política
desapareceu; o direito do cidadão se reduziu ao direito à segurança da
propriedade, que agora os encheu todo o seu mundo; o fenômeno que
destruía todo o tecido de seus fins, a atividade da vida inteira, tinha que
aparecer agora ao cidadão como algo espantoso, pois agora já não
sobrevivia esse fenômeno – a morte- nem nada lhe sobrevivia, enquanto que
ao republicano lhe sobrevivia a república, e ele sentia vagamente que a
república, sua alma, era algo eterno”(4).

Este texto nos oferece com clareza as linhas fundamentais da concepção


hegeliana das antigas democracias. A referência ao presente, à Revolução
Francesa, se depreende do próprio texto para todo leitor sem preconceitos, e
só pode reforçar-se pela comparação com os textos citados anteriormente. É,
por exemplo, característico que o jovem Hegel assuma aqui repetidamente o
tom objetivo do historiador que narra e fala arredondadamente de
republicanos e de virtude republicana, citando sem dúvida a Montesquieu,
entretanto com o efeito de que todo leitor tenha que pensar
involuntariamente na virtude republicana tal como Robespierre a pôs na
ordem do dia da revolução.

Esta conexão fica ainda sublinhada pelo fato de que Hegel apresente o final
da igualdade das fortunas como causa decisiva da decadência e morte do
mundo republicano antigo; chamará a atenção, sem dúvida, a todo leitor o
ingênuo e ideologicamente que Hegel constrói a passagem da liberdade até
sua negação. Hegel se deu conta das causas econômicas – que toma de
Rousseau - , porém, pelo momento, as entende muito abstratamente, sem
conseguir partir delas nenhum membro concreto da mediação para os
problemas ideológicos, que são os que lhe interessam em primeiro lugar.
71
O problema ideológico central do jovem Hegel volta a ser neste caso o que
chama de subjetividade, em contraposição a positividade. No terreno da
política, essa contraposição pode expressar-se em termos relativamente
simples e claros; os homens obedecem a leis que criaram deles mesmos, a
autoridade que elegeram, etc., o Estado é constantemente o produto de sua
atividade. E é característico da concepção do jovem Hegel na época que
rechace para esse estado social todo estamento, seja de natureza secular ou
religiosa. Sabemos já que o jovem Hegel descuidou a existência e a
importância da escravidão para o mundo antigo. Sua concepção de
democracia antiga era, mais geralmente, alheia a distinção de classes ou
estamentos. Segundo suas concepções, enquanto que se consolidavam
diferenças econômicas e políticas testamentais havia terminado a verdadeira
liberdade.

É preciso observar ainda que o jovem Hegel descreve esses processos de um


modo extraordinariamente abstrato e ideológico. Assim descreve, por
exemplo, em um dos primeiros estudos de Berna: “Porém quando um
estamento – o dos governantes, ou o dos sacerdotes, ou os dois – perde este
espírito de simplicidade que fundou e animou até o momento suas leis e
seus ordenamentos, não somente se perde irrecuperavelmente a liberdade,
além disso é certa a opressão do povo, e sua desonra, sua humilhação (daí
que a divisão em estamentos seja em si perigosa para a liberdade, porque
pode produzir um esprit de corps que logo se opõe ao espírito do todo)”(5).

Esta recusa dos estamentos na democracia é tão decidida quanto ingênua


em sua fundamentação. Entretanto apesar disso não há que passar por cima
que com essas palavras anunciam o Hegel maduro nunca chegará a uma
concepção concreta da sociedade gentílica – Bachofen foi o único que
chegou a uma representação que, mesmo também deformada misitica-
idealisticamente, é correta em traços importantes - , entretanto não há
duvida de que tanto a análise do conflito trágico de Antígona na
Fenomenologia do Espírito, por exemplo, como a tardia concepção estética
da “Idade dos heróis” contém profundas penetrações nessa sociedade,
mesmo que recobertos de um envoltório místico. No jovem Hegel esse
aspecto do quadro é muito abstrato: por uma parte a igualdade absoluta
(sociedade sem classes), por outra o pleno autogoverno, a autonomia
completa da atividade popular. Entretanto o sóbrio realismo de Hegel na
observação de fatos da vida diária – esse traço que já encontramos em sua
carta a Schelling sobre os fundamentos materiais da ortodoxia – aparece
também aqui repetidamente. Assim, por exemplo, não deixa de interesse o
observar que Hegel enquanto fala com maior entusiasmo das festas e
solenidades antigas, não esquece acrescentar como traço essencial destas
que o povo não só as organizavam por si mesmo, mas, além disso, de todos
donativos e tributos religiosos.(6)

72
Esta liberdade ativa do povo manifesta o caráter não-positivo, não-feiticista,
não objetivo da religião antiga. Como é natural, apesar de todo seu
entusiasmo subjetivo-idealista na absolutização da “razão prática”, o jovem
Hegel sabe muito bem que um mundo sem objetividade alguma, sem
objetivação dos sentimentos e dos pensamentos é uma impossibilidade. Por
isso tenta expor com descrições complicadas e complicadas análises em quê
consiste o específico dessa antiga objetividade não-objetiva.

Tomaremos dentre essas análise uma que é um caso extremo e, por


conseguinte, muito característico. Em seus estudos históricos do período de
Berna, Hegel fala num determinado lugar das cerimonias fúnebres públicas
dos atenienses e das mulheres carpideiras que intervinham nelas. Hegel vê
nas lágrimas uma objetivação da dor. “Entretanto como a dor é por natureza
subjetiva, lhe repugna profundamente sair de si mesmo. Somente a mais
imperiosa necessidade pode obrigar-lhe a isto (...) Isso não pode ocorrer por
meio de nada heterogêneo. Somente como dada a si se tem a dor a si e em
parte também como algo fora de si mesma (...) O discurso é a forma de
objetividade mais pura para o subjetivo. O discurso não é ainda
objetividade, porem se é movimento para a objetividade. O lamento
cantado tem ao mesmo tempo mesmo mais plenamente a forma da beleza,
porque se move segundo uma regra. Os cantos de dor das mulheres
carpideiras são portanto o mais humano para a dor, para a necessidade de
descarregar-se dela fazendo com que saia de modo mais profunda e
mantendo-se diante si em toda sua dimensão”(7).

Esta ideia se encontra intimamente aparentada com a filosofia cultural do


jovem Hegel com sua imagem da antiguidade, que é puramente política, à la
citoyen [à moda do cidadão, n. do t]. A vida dos homens da Antiguidade,
tem seu centro no âmbito público. Entretanto, os homens são livres,
indivíduos autônomos com seus próprios destinos. Suas ideias privadas, seus
sentimentos e suas paixões tem que ser, pois, de tal natureza que não
permaneçam fixados nessa esfera privada, pelo contrário, que possam
sempre desembocar sem obstáculos na vida pública.

O jovem Hegel estabeleceu nesse período vários paralelos entre Jesus e


Sócrates. Ao fazê-lo começa por sublinhar o caráter feiticista do número
tradicional dos discípulos de Jesus (doze), entretanto destaca sobretudo o
fato de que Jesus subtrai seus discípulos à vida, à sociedade, os isola dela, os
transforma em homens cujo traço principal é precisamente serem discípulos
seus, enquanto que os discípulos de Sócrates continuam sendo homens da
sociedade, continuam sendo nela o que eram, sem que lhes transmute
tampouco artificialmente sua individualidade. Os discípulos de Sócrates
voltam, pois, enriquecidos para a vida pública, “cada um de seus discípulos
é mestre em si e para si; muitos deles fundaram suas próprias escolas, vários
foram grandes generais, estadistas e heróis de outro tipo”, enquanto que por

73
obra de Jesus surgiu um seita fechada de frente estreita; “entre os gregos
Jesus teria sido objeto de riso”(8).

Segundo as concepções do jovem Hegel, o fundamento do caráter normal


do mundo antigo – diferente da patologia deformadora da vida cristã – é o
fato de que fique sempre aberto o caminho para a volta do indivíduo à vida
pública.

Aqui também podemos ilustrar as concepções de Hegel do modo mais fácil


mediante um texto que escolhemos pelo seu caráter extremo e característico.
Hegel analisa várias vezes a diferença entre a feiticeira medieval e as
bacantes antigas. “Para as mulheres gregas as festas das bacantes eram um
ânimo lícito da desabafo. Depois do esgotamento do corpo e da imaginação
se produzia uma serena volta ao círculo da sensibilidade isolada e da vida de
costume. A menade selvagem era durante o resto do tempo uma mulher
razoável”(9). O essencial na Antiguidade é, pois, a “volta a vida costumeira”,
enquanto que a feiticeira cristã é “um movimento que vai desde o caso da
loucura individual até a plena e permanente destruição do espírito”(10). Não
importa aqui que Hegel haja interpretado bem ou mal o culto antigo de
Baco, mas essa característica geral da vida antiga, em viva conexão, entre a
vida pública e a vida privada, esse livre e ativo desembocar da vida privada
na pública que se manifesta inclusive nos casos em que, como no texto
citado, se trata de aspectos da vida anímica humana que beiram ao
patológico.

O rigoroso conhecimento dessa interação também é importante para a


concepção do jovem Hegel porque nos ajuda a perceber com clareza o
pouco que tinha de ver com o subjetivismo republicano de suas ideias da
época com um individualismo no sentido moderno; pode inclusive, dizer-se
que a concepção hegeliana é um oposto mental do individualismo moderno.
O jovem Hegel prestou, sem dúvida atenção a este último, entretanto o
considerou como produto da decadência, da positividade da religião,
produto do período cristão. E é muito característico da penetração do jovem
Hegel – apesar de todas as ilusões, de toda rigidez de seu idealismo subjetivo
– o fato que haja percebido claramente a conexão interna existente entre o
individualismo moderno como sentimento vital e concepção do mundo e o
eficaz estagnação e eficaz cisão da personalidade humana no
desenvolvimento medieval e moderno.

Por outro lado, Hegel tem uma ideia não menos clara de que a
personalidade humana plenamente desenvolvida não pode dar-se mais do
que onde e quando a situação social permita uma tal consciência da vida
pública e vida privada, uma tal viva interação entre ambas.

74
O empobrecimento e a estagnação da vida humana é por isso um dos
momentos essenciais da crítica hegeliana à Idade Moderna. O seguinte
paralelo entre a vida antiga e a moderna foi escrito por Hegel para alinhar
em seguida alguns extratos do grande livro de viagens Ansichen vom
Nierderkein, do jacobino de Maguncia George Foster, cuja contraposição da
cultura e arte antiga com os modernos - contraste que também em Foster
arraigava no espírito republicano – influenciou poderosamente o filósofo.
“Só numa república se vive por uma ideia, nas monarquias sempre pelo
individual; e como os homens não podem viver sem uma ideia, se fazem nas
monarquias pela ideia individual, um ideal; ali, pois, uma ideia, como é
devido; aqui um ideal, algo que poucas vezes haviam criado os próprios
homens, a Divindade. Na república, o Grande Espírito dirige todas as suas
forças físicas e morais para sua ideia, e todo seu campo de ação tem
unidade; o piedoso cristianismo que se entrega ao serviço, de seu ideal é
pelo contrário um místico insensato; se seu ideal o completa plenamente,
não pode dividir-se entre este e seu âmbito de ação mundano, todas as suas
forças tendem para aquela parte, entretanto as exigências de contemplar o
ideal satisfarão as exacerbadas exigências da imaginação, e até a própria
sensibilidade imporá seus direitos: exemplos, os inumeráveis monges que
criam flertar com Jesus e ate arrasar-lhe materialmente. A ideia do
republicano é, em troca, de tal natureza que suas mais nobres energias
encontram satisfação no trabalho verdadeiro, enquanto a do insensato
místico só se satisfaz com o engano da imaginação.” A seguir – e também
sob a profunda influência de Foster – Hegel oferece uma contraposição entre
a arte (arquitetura) antiga e cristã, contraposição que termina, naturalmente,
a favor da Antiguidade e a propósito da qual deve observar-se de novo que
a arte não se contempla substantivamente, mas como expressão de diversos
sentimentos vitais das sociedades dos grandes períodos.(11)

A radicalidade da posição do jovem Hegel na condenação de todo o


desenvolvimento moderno comparado ao da Antiguidade pode ser
apreciada por uma passagem polêmica do filósofo contra o esteticista
Schiller, ao qual já se venerava, porém, muito nesta época. Em seu ensaio
Sobre a poesia ingênua e sentimental (1795-96), tão essencial para conhecer
o caráter específico da poesia moderna, Schiller reconheceu sem dúvida a
grandeza imorredoura e incomparável da poesia antiga, contudo, tentou ao
mesmo temo justificar a poesia moderna com um fundamento filosófico e
histórico. Esses esforços de Schiller, igual aos parecidos e contemporâneos
de Goethe, tiveram lugar uma influência importante na filosofia hegeliana da
arte moderna. Contudo, neste período Hegel não respeita absolutamente
estas descobertas filosóficas e históricas. E até polemiza, mesmo sem nomear
a Schiller, contra um texto importante do estudo do poeta.

Schiller destacou em seu estudo a superioridade da poesia moderna sobre a


antiga na descrição do amor. “se conceder por isso nada ao misticismo, o
75
qual certamente, não enobrece à natureza, pelo contrário a abandona,
poderá seguramente admitir-se qual a natureza, pelo que faz àquela relação
entre os sexos e ao afeto do amor, é suscetível de uma caracterização mais
nobre que lhes deram os antigos”. Para ilustrar este fato, Schiller apela às
obras de Shakespeare ou de Fielding. Basta lembrar a exposição da história
do amor individual e de seu reflexo na poesia da obra básica de Frederico
Engels A origem da família para apreciar a veracidade que adivinhou aqui
Schiller os verdadeiros fatos históricos e suas relações, ainda que,
naturalmente não pudesse dar razão de suas causas reais. Contudo a
polêmica do jovem Hegel se orienta precisamente contra essa constelação
histórica real. Hegel vê nessa superestimação do amor nos tempos modernos
e em seu escasso apreço na Antiguidade uma consequência da oposição
política que está constantemente analisando. E se pergunta: “E não terá a
ver esse fenômeno com o espírito de sua [dos gregos, G. L.] livre vida?”
Hegel imagina o caso de um cavalheiro conte ao estadista ateniense
Aristides todas suas façanhas que fez por amor, sem contar-lhe o objeto de
todos esses fatos. Neste caso, Aristides, segundo Hegel, “Aristides que não
sabia a quem haveria dedicado todo aquele dispêndio de sentimento,
façanhas, entusiasmo, responderia do seguinte modo: Eu dedico minha vida
à pátria, não conheço nada superior que a liberdade e que seu bem;
trabalho por ela sem pretender recompensas de títulos, poder ou riqueza,
contudo sei que não fiz tanto por ela, nem senti tanta e tão profunda
veneração; conheço outros gregos que fizeram mais do que eu, que foram
mais entusiastas, contudo nenhum que haja chegado a altura da negação de
si na qual vos encontrais. Qual foi, pois, o objeto dessa vossa vida superior?
Tem que ser infinitamente maior que o maior que posso imaginar, maior
que a pátria e a liberdade!”(12). Nesta irônica recusa de toda a moderna
cultura dos sentimentos do amor individual está contido um elogio
entusiasmado da vida normal da Antiguidade. Hegel rechaça a inteira
cultura moderna do sentimento como mero excesso, hipertensão,
dilapidação de sentimentos superiores em objetos meramente individuais,
simplesmente privados e, portanto, indignos. Pois, em sua opinião, objetos
dignos de ações heroicas são só a pátria e a liberdade.

Nessas concepções opera certo grau de ascetismo republicano que era


ademais natural na filosofia dos partidários dos jacobinos de Rousseau e
para o qual estava preparado o jovem Hegel por seu ascetismo idealista da
Crítica da razão prática. Contudo também neste ponto rebaixa muito a Kant
enquanto a radicalismo, e critica a este pela incoerência de sua concepção
ascética da moral.

Como é sabido, Kant recusou em sua ética toda relação dos mandamentos
de dever com a sensibilidade, toda determinação de seu conteúdo e de sua
forma por exigências da felicidade sensível do homem. Nisto Hegel está de
acordo. Contudo critica a Kant que admita uma dignidade de felicidade nas
76
consequenciais religiosas de sua ética, e que esta categoria desempenhe um
grande papel junto a aparição de Deus nesta segunda Crítica, como
“postulado da razão prática”. Hegel vê nisto sobretudo uma renovação da
positividade da religião. A ética kantista exige segundo ele, a presença de
“um ser alheio, titular do domínio sobre a natureza, como se agora essa ética
deixasse faltar esse domínio e não pudesse prescindir dele. Nesse sentido, fé
significa carência da consciência de que a razão é absoluta, perfeita em si, de
que sua ideia tem de ser criada exclusivamente por si mesma, livre de toda
ingerência estranha, de que isto não pode consumar-se senão mediante a
extirpação, precisamente, desse elemento estranho impertinente [o Deus
kantista, G. L.], e não mediante uma imitação dele. O fim último da razão,
assim condicionado, cai a fé moral na existência de Deus, a qual não pode
ser prática (...)”(13) Hegel critica pois , a ética kantista partindo dos
pressupostos desta, e chega certeiramente a depura-la das provas da
existência de Deus que Kant deslizou nela, a uma recusa da doutrina kantista
da fé, entretanto, na base de um posterior radicalizante ascetismo moral já
não presente na Crítica da razão prática.

Porem o motivo decisivo da recusa não é esse, Hegel vê no Deus kantista


algo positivo no sentido radicalmente crítico de seu período de Berna, e
rechaça as ideias da ética kantista principalmente porque vê nelas um
obstáculo para a edificação da moral heroico-republicana, uma expressão da
moderna pequena-burguesia. Daí o chiste: “Só em nosso tempo se sabe
dizer, quando alguém morre a morte de honra, ou pela pátria ou a virtude,
que merecia melhor sorte”. E acrescenta em enérgica polêmica contra o
caráter positivo do enlace kantista entre felicidade e moral no Deus
postulado: “O que, como republicano ou como guerreiro que, mesmo não
por uma pátria, lute pela honra, o que pôs, um fim a existência, uma
finalidade na qual não se encontrará de reverso, da medalha, a bem-
aventurança, esse tal tem um fim cuja realização depende exclusivamente
dele, não necessita nenhuma ajuda alheia”(14). Está claro que Hegel está
desenvolvendo aqui o elogio do heroísmo ascético da Revolução Francesa, e
até que passe traços desta à Antiguidade. Porem o que não está claro em
todas estas manifestações de Hegel é o radicalmente que vê neste período a
plena realização da personalidade humana, na entrega absoluta à pátria, aos
interesses da vida pública à república; e que não vê mais do que um
egoísmo limitado em qualquer aspiração do indivíduo orientada a vida
privada.

Também pelo que faz a esta crítica irônica do espírito pequeno-burguês é


preciso levar em conta as circunstâncias concretas históricas. Pois a
historiografia burguesa alemã estabeleceu um esquema geral segundo o qual
toda luta contra o “filisteismo” é um fato romântico. Tal interpretação seria
completamente falsa no caso que nos ocupa. Os historiadores burgueses da
literatura fizeram de Hölderin, tão aparentado ideologicamente com o jovem
77
Hegel, um romântico; e hoje é moda também geral na historia burguesa da
filosofia o aproximar Hegel ao romantismo. Em face de tudo isso é preciso
dizer em linha de princípio que a crítica romântica do espírito pequeno-
burguês se orienta contra a aparência prosaica e moderna deste e a opõe
um ideal estético. Consequentemente, esta crítica romântica desemboca, por
um lado, frequentemente, em uma apologia de tendências anárquicas e
boêmias, e por outro lado, em uma apologia engrandecedora da estreiteza
espiritual e moral do artesanato pré-capitalista, anterior à divisão capitalista
do trabalho.

A luta do jovem Hegel, e de seus companheiros contra o espírito pequeno-


burguês não tem nada a ver com tudo isto. Espirito pequeno-burguês é para
o jovem Hegel precisamente a sobrevivência da estreiteza medieval do
horizonte na vida e pensamento presente. E a esse espírito não opõe nunca
nada de estético. Para o jovem Hegel é antes de tudo a prisão nos
problemas de interesse vitais puramente privados o que constitui o traço
essencial do espírito pequeno-burguês, e por isso a imagem de contraste a
isso é, como vimos, a plena entrega do cidadão da cidade antiga à vida
pública. Também neste ponto Marx caracterizou com profundo olhar
histórico os traços específicos da frente de luta dos jacobinos: “Todo o
terrorismo francês nada mais foi do que um modo plebeu face aos inimigos
da burguesia, o absolutismo, o feudalismo e o Spiessburgertum [último
itálico meu, G.L.](15). Estará pois, claro que também a luta do jovem Hegel
contra o espírito pequeno-burguês no âmbito da luta ideológica, se refere
aos fins da revolução democrática.

O jovem Hegel opõe, pois, à moral cristão pequeno-burguesa do “homem


privado” a moral heroica da vida pública. Esta oposição vai tão longe que
até defende contra a moral para filisteus, que é a moral cristã, o direito ao
suicídio, como exemplo mais antigo e argumento estoicos. Esta atitude não é
nada insólita entre a intelectualidade progressista dos finais do século XVIII.
No Werther de Goethe, encontramos, por exemplo, uma apaixonada defesa
deste direito ao suicídio. E também no Werther a atitude se fundamenta no
contexto das lutas pelas liberdades democráticas. Porém o jovem Hegel vai
mais longe que Goethe também aqui, e precisamente na linha do
predomínio exclusivo da vida pública, dos interesses da república e da
liberdade. Hegel cita várias condenações cristãs-pequenos-burguesas do
suicídio e acrescenta ao final: “Cato e Cleomenes e outros que tiraram sua
vida ao ser derrotada a livre constituição de sua pátria, não poderiam
recolher-se simplesmente à vida privada, sua alma havia abraçado uma
ideia, e agora que lhes era impossível seguir trabalhando por ela, sua alma,
expulsa das cadeias do corpo para voltar ao mundo das ideias infinitas”(16).

O problema da morte, e o de morrer se encontra no jovem Hegel no marco


de sua oposição entre a grandeza antiga republicana e a mesquinhez cristã

78
entre vida e morte, e vê no morrer uma continuação orgânica necessária do
modo em que a vida avança em geral. “Os heróis de todas as nações
morrem do mesmo modo, pois já viveram, e aprenderam em sua vida a
reconhecer o poder da natureza. A impaciência para com esta, para o menor
de seus males, incapacita para suportar seus efeitos maiores. Como poderia
explicar-se de outro modo que estes povos em cuja religião o momento
capital é a preparação para a morte morram em geral de um modo tão
pouco viril, enquanto os homens de outras nações olham face a face o
momento quando se aproxima?” Segue a isto uma descrição de formosa
morte grega, influenciada por poemas filosóficos de Schiller. Hegel opõe
logo a essa formosura a mesquinharia da religião positiva, do cristianismo:
“Por isso vemos os leitos dos enfermos rodeados de padres e amigos que
executam diante da alma agonizante os angustiantes suspiros do rigor”(17).
Em outro lugar o jovem Hegel chega a lançar a brincadeira contra a morte
de Jesus. Diz ironicamente que o mundo inteiro, segundo a religião positiva,
deveria estar cheio de agradecimento à pessoa de Jesus por aquele sacrifício,
“como se não houvessem já sacrificado muitos milhões de homens por fins
menores, entregando-se com o sorriso nos lábios, e não suando sangue, com
alegria, pelo seu rei, por sua pátria, por sua amada: é preciso ver como
haveriam morto nada menos que pela linhagem humana em geral!”(18).

Tais são os traços essenciais com que o jovem Hegel caracteriza a


Antiguidade em sua oposição ao cristianismo. Uma vez tomado
conhecimento desse material, não falta, me parece, demonstrar uma vez
mais ao leitor que a imagem da Antiguidade do jovem Hegel desemboca na
representação utópica do futuro republicano, nem que o filósofo passe
constantemente traços de uma imagem para a outra, e vice versa. Do ponto
de vista do posterior desenvolvimento de Hegel deve sublinhar-se
especialmente esta atitude a respeito da Antiguidade, o fato, isto é, de que
para o jovem Hegel a Antiguidade não é um período passado da história,
mas o modelo vivo do presente: “e mesmo passarão séculos até que o
espírito dos europeus na vida ativa e nas legislações aprenda a conhecer e
fazer distinção a que os gregos chegaram pela simples retidão de
sentimentos”(19). Como vimos, esta exemplaridade da Antiguidade tem como
conteúdo o republicanismo democrático. Sua forma de manifestação
filosófica é o radical subjetivismo idealista do jovem Hegel, sua violenta e
apaixonada luta contra a religião do despotismo desumano, a religião
positiva do cristianismo.

(1) Rosenkranz, p. 525. (retornar ao texto)

(2) Hoffmeister, p. 466. De modo análogo Lasson pps. VII-XII. Rosenrwieg,


op. cit. Vol. I. p. 239.(retornar ao texto)

79
(3) Rosenkranz, p. 532. Tradução do texto: “Na monarquia, o povo não foi
uma potência ativa mais que o momento do combate. Como exército
mercenário, não só tinha que enquadrar-se nas filas baixo o fogo do
combate, senão que, imediatamente depois da vitória, tinha que voltar a
perfeita obediência. Nossa experiência nos acostumou a ver uma massa de
homens armados, que, quando recebem ordens, irrompem em uma
regulamentada fúria de açougueiro e a loteria da vida e da morte, o jogo, ao
repetir-se a ordem, voltam à calma. O mesmo se pediu ao povo armado por
si. A palavra de ordem é a liberdade, o inimigo a tirania, o alto mando uma
Constituição, é a obediência a seus representantes. Entretanto há muita
diferença entre a subordinação militar e o fogo de uma insurreição, entre a
obediência às ordens de um general e a chama do entusiasmo que a
liberdade difunde por todas as vezes que um ser vivo. Por esta chama
sagrada que possui temos os nervos por ela, para gozar por ela, se
esforçavam. Estes esforços são os gozos da liberdade, e o que queira é que
renuncie a ela; essas concepções são o agente, essa atividade para a coisa
pública, e quereis que o povo se entregue outra vez a inação e ao tédio?” (n.
do. T) (retornar ao texto)

(4) Nohl, p. 221 e ss. (retornar ao texto)

(5) Nohl, p.38. (retornar ao texto)

(6) Ibidem, p. 39. (retornar ao texto)

(7) Rosenkranz, p. 519 e ss. (retornar ao texto)

(8) Nohl, p. 33; cfr. Ibidem, pps. 162 e ss. (retornar ao texto)

(9) Nohl, p. 33, cf. Ibidem, p. 162 (retornar ao texto)

(10) Rosenkranz, p. 524. Cf. Nohl. P 54 e ss. (retornar ao texto)

(11) Nohl, p. 366 e ss. (retornar ao texto)

(12) Rosenkranz, p. 523 e ss.. (retornar ao texto)

(13) Nohl, p. 238. (retornar ao texto)

(14) Nohl, p. 239. (retornar ao texto)

(15) Marx, artigo da Nova Gazeta Renana do dia 15 de dezembro de 1848.


MEGA , I vol. 7 p 493. (retornar ao texto)

(16) Nohl, p. 362. (retornar ao texto)

(17) Ibidem, p. 46 (retornar ao texto)

80
(18) Nohl, p. 90 (retornar ao texto)

(19) Ibidem, p. 211 (retornar ao texto)

81
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo I - O período republicano do jovem Hegel


5 – Cristianismo: despotismo e escravidão do homem

Ao passar à exposição do cristianismo, de sua odiada e desprezada encarnação


da positividade filosófica, do despotismo político, encontraremos não somente
um tom completamente novo no estilo expositivo – coisa bastante natural —,
senão, além disso, um modo de consideração muito mais histórico, ainda que
sem dúvida dentro do marco que não podia rebaixar o historicismo do jovem
Hegel em seu período de Berna.

Vimos que Hegel ligou estreitamente a antiga grandeza e o heroísmo republicano


com seus fundamentos econômicos, concebidos à Rousseau. Entretanto também
vimos que a questão da origem de tal sociedade, de tal Estado, não se apresenta
nem como tal em Hegel, a Antiguidade é uma imagem desiderativa puramente
utópica. Essa ahistoricidade de sua metodologia não é somente uma simples
consequência de seu extremado subjetivismo filosófico, pois pudemos observar
em alguns detalhes que esse subjetivismo não o impede de modo algum ter uma
concepção muito realista de determinadas conexões sociais concretas. Cremos,
além disso, que essa ausência de posicionamento histórico pelo que faz à
Antiguidade depende a situação econômica e política da atrasada Alemanha. Por
ilusório que fosse também, em França o sonho de renovação do republicanismo
antigo, esse sonho estava apesar de tudo nesse país em uma estreita e real
situação com objetivos reais de uma revolução real e de sua preparação
ideológica. A possibilidade e necessidade de por em conexão real esses ideais e
ilusões com a realidade social conseguiu por isso mesmo em França um grau
mais elevado de historicidade. Entretanto a situação social real pôs na Alemanha
na ordem do dia a revolução democrática. Por isso o entusiasmo do jovem Hegel
por ela era mais do que ideológico. E por isso também a imagem da realização
de seus sonhos, o cúmulo de sua realização, é sempre a farte mais fraca, pálida e
incorreta de suas exposições. (Veremos que esta debilidade da filosofia de Hegel
subsistirá mesmo sem se modificar durante longo período, e que jamais se
superará de todo no curso de seu desenvolvimento.). O período bernense de
Hegel não somente é a culminação de seu entusiasmo revolucionário, além disso,
e ao mesmo tempo – a consequência da grande distância que existe entre a
posição ideológica de objetivos e a real situação social da Alemanha -, a
culminação daquele caráter abstrato.

82
Este caráter abstrato, essa distância em relação às perspectivas do futuro, se
reflexa no posicionamento abstrato, em sua ahistoricidade quando se trata de
averiguar como se originou aquela imagem ideal das antigas repúblicas na
realidade.

Muito diferente é a situação quando se trata da concepção hegeliana do


cristianismo neste período. Aqui o posicionamento histórico segue em linha reta
ao entusiasmo revolucionário do jovem Hegel. Quanto maior é seu entusiasmo
pela vida antiga, quando não vê o contraste entre a mesquinhez miserável do
desenvolvimento posterior, quanto mais sofrem o mesmo sob o peso da vida
cristã-moderna, tanto mais enérgica, concreta e historicamente teve de
posicionar-se o problema: como pode sucumbir uma sociedade tão bela e digna
do homem, para dar passagem a um espaço humano miserável? Assim escreve
Hegel: “A repressão da religião pagã pela cristã é uma das assombrosas
revoluções, a investigação das causas deve ocupar ao historiador que pense. Às
grandes revoluções que saltam à vista tem que haver sido precedida uma
revolução silenciosa e secreta no espírito da época, a qual não é visível por um
olhar, nem, sobretudo, para os contemporâneos, e é tão difícil de compreender
como expor com palavras. O desconhecimento destas revoluções do mundo
espiritual faz que seu resultado seja assombroso: uma revolução desta natureza,
uma revolução na qual uma antiga religião autônoma, é substituída por outra
estrangeira, uma revolução que se realiza diretamente no reino do espírito da
época. Como pode ser desprezada uma religião que se havia estabelecido desde
séculos nos estados, que estava entrelaçada do modo mais íntimo com a
constituição política? Como pode extinguir-se a fé em alguns deuses aos quais as
cidades e os impérios atribuíam seu nascimento, aos que os povos ofereciam
sacrifícios todos os dias, cujas bênçãos invocavam para todos os assuntos, sobre
cujo ensino haviam sido vitoriosos os exércitos, aos que haviam honrado pela
vitória, aos que se dirigia como uma aura de alegria de suas canções igual à
seriedade de suas orações, cujos templos, altares, tesouros e estátuas eram o
orgulho das nações, a glória das artes, cuja veneração e cujas festas eram
pretextos da alegria universal, como pode despregar-se do tecido da vida
humana a fé daqueles deuses, que tão entranhada estava com ele?”(1).

Conhecemos já a básica resposta histórica de Hegel a este problema pela extensa


citação que aduzimos antes do estudo bernese sobre A positividade da religião
cristã: a causa foi o desenvolvimento da desigualdade das fortunas, desigualdade
que, segundo Hegel e segundo seus predecessores franceses e ingleses, acarreta
necessariamente a perda da liberdade, o despotismo. Tampouco neste ponto
Hegel alcança a concretização histórica de um Gibbon ou um Fergunson, um
Montesquieu ou um Rousseau. Assim, pois, quando afirmamos que a temática da
origem do cristianismo o jovem Hegel mostra de grande historicismo do que nas
antigas repúblicas, isso deve entender-se, naturalmente, somente dentro dos
marcos das possibilidades do filósofo naquela época.

83
Entretanto este espírito histórico do posicionamento do problema se manifesta
antes de tudo no fato de que para explicar o domínio do cristianismo Hegel não
busca a explicação diretamente na história da origem desta religião, antes na
história da decadência dos estados antigos. Hegel parte da necessidade social de
uma religião correspondente ao novo estado da decadência da liberdade,
correspondente ao despotismo, e explica a vitória do cristianismo pelo fato de
que o cristianismo satisfez essas necessidades. “Nessa situação, sem fé em nada
sustentável, em nada absoluto, com este costume já de obedecer a uma vontade
alheia, a uma legislação estranha, sem pátria, em um estado que não era já
objeto de nenhuma alegria (...), nessa situação se ofereceu aos homens uma
religião que o bem estava já por si mesma adaptada às necessidades do tempo –
pois havia nascido no povo de análoga corrupção e análogo vácuo e deficiência,
mesmo tendo outras cores —, ou bem possibilitou aos homens que obtiveram
dela aquilo a que podiam aferrar-se com satisfação de suas necessidades”(2).

O primário é, pois, para Hegel a dissolução da antiga liberdade democrática, da


antiga livre atividade do povo, por causa da crescente desigualdade das fortunas.
À antiga situação corresponde àquela religião não-positiva que não é , em última
instancia, o ferro em brasa que move às ações heroicas em uma vida natural,
intimamente unida com a natureza. A destruição dessas formas de vida é o
processo mais importante que Hegel investiga aqui. Repetidamente diz que a
extensão do Império Romano nivelou as diversas nações e aniquilou suas
religiões nacionais. Porém em seus estudos posteriores rebaixa também este dado
e comprova e afirma a aniquilação das velhas relações do homem com a
natureza em conexão com a decadência da República Romana: “Pela instituição
do Estado Romano, o qual arrebatou a liberdade de quase toda a terra
conhecida, a natureza ficou submetida a uma lei estranha ao homem, e ficou
desgarrada da união com ela. A vida da natureza se petrificou; os deuses se
converteram em seres criados e servidores de outro. Onde se manifestava o
poder natural, o benefício, a grandeza, estavam o coração e o caráter do homem.
Teseu não foi herói para os atenienses, somente depois de sua morte (...) Os
césares romanos foram divinizados, Apolônio de Tiana fazia milagres. O grande
não era já sobrenatural, mas antinatural, contra a natureza, pois a natureza havia
deixado de ser divina, e não era já formosa nem livre. Nessa separação da
natureza e do divino um homem se apresentou como unificador de ambos, como
reconciliador e salvador”(3).

Hegel estuda depois as diversas correntes espirituais no marco da Roma


decadente, com objetivo de mostrar nesta fase o caminho que devia levar com
necessidade histórica a aceitação da religião cristã. “Após a catástrofe da
liberdade romana e grega, quando o homem perdeu o domínio de suas ideias
sobre os objetos, cindiu-se o gênio da humanidade. O espírito da multidão
corrompida disse aos objetos: sou vosso, toma-me! Se lançou à corrente dos
objetos, se deixou arrastar por eles e sucumbiu em suas mudanças”. Seque a isto
uma análise das diversas correntes espirituais que se encontraram em oposição a

84
este processo, e Hegel descobre com uma penetração histórica assombrosa para
a época que essas correntes, apesar de sua oposição ao curso básico dos
acontecimentos, não podiam mudá-lo em nada. Por este dado estrutural explica,
por exemplo, que os estoicos romanos tardios se afastaram da vida real. (É
característico que neste período o filósofo não se ocupe dos epicúreos, nem dos
céticos. O estudo do ceticismo grego chega ao período de Iena a um nível alto de
compreensão. Com Epicuro, por outro lado, nunca conseguiu Hegel uma relação
correta.) Depois Hegel mostra como o sentimento de impotência levou a admitir
a existência de objetos imperceptíveis pelos sentidos, à adoração destes e as
correntes trágicas em geral. Depois da qual indica que dessas correntes havia já
uma via direta para o cristianismo. E disse para terminar: “A Igreja já
desenvolvida reuniu em si ambas as coisas: os desejos dos estoicos e os daqueles
de espíritos alquebrados. A Igreja permite ao homem viver em meio ao torvelinho
dos objetos e lhe promete ao mesmo tempo levantar-lhe sobre eles por meio de
fáceis exercícios, gestos, movimentos dos lábios, etc.”(4).

Assim pois, o ponto essencial que, segundo a concepção de Hegel, havia


suscitado em Roma, e em todo mundo romano a necessidade de uma nova
religião, necessidade então satisfeita pelo cristianismo, foi à extinção do caráter
público e livre da vida republicana, a privatização das manifestações da vida
humana. Nessa atmosfera social surge, segundo Hegel, o individualismo no
sentido moderno: o indivíduo que se preocupa de suas próprias necessidades
estreitas, materiais e no melhor dos casos espirituais, o indivíduo que se sente
“átomo” isolado da sociedade; cuja atividade social não é mais do que uma
pequena engrenagem de uma máquina gigantesca, nem pode ser outra coisa,
máquina cuja totalidade, finalidade e meta o indivíduo não pode nem quer
penetrar com o olhar. O moderno individualismo é, pois, segundo Hegel, ao
mesmo tempo, um produto da divisão social do trabalho. Em tal sociedade surge
a necessidade de uma religião privada, uma religião da vida privada.

Pelos apontamentos de Tubinga sabemos já que o jovem Hegel viu nesse caráter
privado o momento decisivo do cristianismo. Diferente das antigas religiões, que
sempre se dirigem ao povo inteiro, é característico do cristianismo o fato que se
refira ao indivíduo, à salvação, a redenção e bem-aventurança do indivíduo.

Entretanto, Hegel posiciona mesmo neste ponto outra questão histórica. Aquele
cristianismo recebido da Roma imperial não é idêntico ao cristianismo
originariamente fundado por Jesus, segundo o modo como essa fundação nos foi
transmitida por determinadas partes do Novo Testamento.

Esta contraposição é uma antiquíssima questão da história das religiões. Já nas


seitas revolucionárias da Idade Média opuseram as doutrinas originárias de Jesus
à da Igreja Católica em sua polêmica com esta, e viram no abandono daquelas, a
causa da decadência do cristianismo. Essas ideias seguem desempenhando um
papel importante entre os partidários de Thomas Münzer, e na ala mais radical

85
dos puritanos na revolução inglesa. Terminada esta termina também a época na
qual determinadas doutrinas e narrações do Velho e do Novo Testamento se
utilizam como bandeiras ideológicas por parte dos grupos políticos radicais. A
preparação da revolução democrático-burguesa em França se orienta cada vez
mais resolutamente contra o cristianismo, contra a religião e a Igreja em geral.
Porém isso não significa que a contraposição das doutrinas morais de Jesus com
a imoralidade da prática antissocial da Igreja deixe de desempenhar um papel na
polêmica antieclesiástica do Iluminismo. Inclusive na Revolução Francesa aparece
de vez em quando propagandisticamente a ideia do “bom sans-culotte Jesus”
utilizada contra os sacerdotes contrarrevolucionários e monarquistas. Na atrasada
Alemanha, aonde, como vimos, não pode surgir um materialismo ateu resoluto
nem uma luta radical contra a religião, onde inclusive no campo do Iluminismo a
“religião nacional” ocupou um lugar ideológico central, se utilizam, como é
natural, ideologicamente muitas sentenças e doutrinas de Jesus (Sermão da
Montanha, etc.) como elementos daquela “religião racional”.

Também é natural que estas concepções dominantes na Alemanha exerçam


determinada influência no jovem Hegel. Este posicionamento alemão contribuirá
mesmo, como veremos no capítulo seguinte, para reforçar essencialmente sua
perspectiva de desenvolvimento da humanidade – no curso da crise sofrida em
Frankfurt – e chegará a uma concepção do fundador do cristianismo como figura
trágica da história universal. Em Berna, sua simpatia e empatia em relação a
Jesus são mais substancialmente menores, Hegel sente sem dúvida por ele certa
simpatia, como fundador de uma doutrina moral pura. Porém, inclusive nesse
assunto lhe coloca muito abaixo de Sócrates, como vimos anteriormente. Esta
comparação desfavorável para Jesus se desprende organicamente da concepção
geral do jovem Hegel. Jesus como mestre coloca a seus discípulos em uma
separação da vida em sociedade, em seu isolamento individual, enquanto
Sócrates leva de novo a seus discípulos à atividade da vida pública.

Por maior que sejam as diferenças entre a religião de Jesus e o cristianismo


posterior, um e outro são religiões privadas: por isso já a primitiva comunidade
de discípulos de Jesus tem para o jovem Hegel certo caráter de “positividade”.
Isto se expressa já no número dos discípulos de Jesus, no qual o jovem Hegel vê
um sinal de feiticismo(5).

A base dessa positividade das doutrinas e da atividade de Jesus se encontra,


segundo Hegel no fato de que Jesus se dirige por princípio e sempre ao
indivíduo, e ignora por princípio os problemas da sociedade. Isto se exprime
precisamente do modo mais claro em seus ataques à riqueza, a desigualdade,
etc., nos quais defende opiniões que a primeira vista, deveriam ser simpáticas ao
jovem Hegel, porém que este recusa muito coerentemente pelo caráter associal
de sua proclamação. Hegel, fala, por exemplo, do seguinte modo acerca do
célebre caso do jovem rico: “Mas se queres ser perfeito vende tudo o que tens e
dá aos pobres, disse Cristo ao jovem. Esta imagem de perfeição que estabelece

86
Cristo leva em si a prova de como Cristo não considerava em sua instrução, a
formação, a perfeição do homem individual, e o pouco que esta instrução pode
ampliar-se a uma sociedade maior”.(6)

Com isto chegamos à segunda interrogação histórica que Hegel põe aqui. A
necessidade em que se encontra o cristianismo de fazer-se positivo no sentido
pejorativo do filósofo alemão consiste em que mandamentos morais que se
dirigiam somente ao indivíduo e não tinham outra finalidade do que a perfeição
deste como individuo se ampliaram no curso do desenvolvimento da sociedade.
Hegel diferencia várias fases desse processo; em primeiro lugar, as doutrinas do
próprio Jesus e suas relações com os discípulos imediatos; em segundo lugar, a
seita cristã surgida depois de sua execução, em cuja seita vão reforçando-se os
traços positivos já presentes em germe no ensino de Jesus, e que, pela unificação
intencional moral das primeiras comunidades cristãs, se produz uma seita
religiosa de pronunciados traços positivos; em terceiro lugar, por último, a
posterior ampliação da doutrina a toda sociedade, a fase do cristianismo como
Igreja dominante na qual aquelas forças estranhas e hostis à vida, as forças da
positividade, conseguem nociva importância histórica que determina o
desenvolvimento inteiro da Idade Média e da Idade Moderna.

Como se vê, o esboço desse processo é incomparavelmente mais histórico que a


concepção do jovem Hegel fazia da polis antiga. E é interessante e notável
observar que o fundamento deste desenvolvimento histórico é para o jovem
Hegel a ideia rousseauniana do efeito qualitativo que tem nas democracias a
ampliação quantitativa. Na seção sobre a democracia (O Contrato social, livro III,
capítulo IV) diz precisamente Rousseau que a ampliação simplesmente
quantitativa de uma democracia é perigosa para seu caráter democrático e pode
inclusive ser seu final. É muito característico do jovem Hegel que estas
observações de Rousseau, em que este se refere diretamente às democracias
antigas, se convertam em nosso filósofo em observações sobre o cristianismo.
Com a natural e relevante modificação de acento que consiste em que o motor
da decadência não seja, como em Rousseau, uma dialética interna das
democracias diretas, mas a ampliação da moral privada, dos mandamentos
morais que se referem a indivíduos como tais, a uma sociedade maior. Este
aumento da sociedade comporta então, segundo o jovem Hegel, diversas formas
qualitativas de desenvolvimento da positividade, em correspondência com as
dimensões do aumento quantitativo. (Aqui pode, pois, assinalar a primeira forma,
mesmo muito primitiva, inconsciente e esquemática, da passagem da quantidade
à qualidade em Hegel. E será interessante indicar, que a ideia rousseauniana,
mesmo generalizada e modificada, reaparece explicitamente em Hegel mais
tarde, a propósito de assuntos estatais e constitucionais, por exemplo, na
Enciclopédia, parágrafo 108, Apêndice).

Hegel parte, pois, do fato de que os terríveis aspectos posteriormente


manifestados no cristianismo “estão já contidos em seu primeiro e incompleto

87
esboço, e foram depois utilizados e ampliados pela ânsia de domínio e pela
hipocrisia”. E depois acrescenta generalizando: a história da religião cristã “nos
acrescenta um novo exemplo aos muitos do que temos de que as instituições, as
leis de uma sociedade pequena em que cada cidadão tem a liberdade de ser ou
não membro dela, deixam sempre de ser adequadas quando se estendem a uma
grande sociedade, e não podem subsistir com a liberdade civil”(7).

Hegel analisa então com grande detalhe, as modificações sofridas pelas doutrinas
e os mandamentos de Jesus seja na comunidade primitiva, seja como mais tarde
essas modificações continuaram desenvolvendo-se, até chegar a positividade
completa, a hipocrisia e o despotismo da Igreja cristã plena. Este detalhe de
análise se explica pela situação da Alemanha da época; sabemos pelas cartas de
Hegel o modo como a ortodoxia reacionária havia utilizado para seus fins, por
exemplo, a filosofia de Kant. Entretanto, como é natural, tampouco estes estudos
de Hegel fazem de seus escritos juvenis como “teológicos”, pois seu conteúdo
fundamental é antiteológico; porém a história da degeneração das diversas
doutrinas cristãs particulares não tem para nós atualmente interesse.
Limitaremos-nos, pois, à exposição do aspecto principal do desenvolvimento
histórico. E aqui é necessário sublinhar uma vez mais que o jovem Hegel
complementa sempre o motivo da ampliação quantitativa da comunidade cristã
com a penetração de diferenças econômicas e sociais nela, isto é, que também
aqui desempenha o papel principal o problema básico de Hegel, o problema da
desigualdade das riquezas. Com a ampliação da comunidade se perde a íntima
união e fraternidade original de seus membros. Assim termina a comunidade de
bens inicialmente praticada nas primeiras comunidades, porque os membros
procedem agora de camadas sociais material e socialmente diferentes. Aquela
primitiva comunidade de bens “não se exige já como condição de sua admissão
[do novo membro, G. L.] (...) porém se aceitam por outro lado tanto mais
prazerosamente as contribuições voluntárias à caixa da sociedade, meio de
comprar a própria parcela de céu (...); com isto ganhou muito o clero nos tempos
posteriores, recomendando aos leigos que praticasse essa generosidade em
benefício do sacerdócio, enquanto este teimava em dissipar o acumulado, e
assim, para enriquecerem-se eles que se apresentavam como pobres e
necessitados de ajuda, foram convertendo em mendigos a outra metade de
homens”. Do mesmo modo se converte a igualdade primitiva em uma hipocrisia,
em um dogma religioso positivo; “certamente, esta teoria se conservou em todo
seu tenor, porem acrescentando-se prudente e astutamente que essa igualdade é
diante os olhos do céu, pelo que não é preciso levá-la em consideração nesta
vida terrena”.

Todos os costumes e cerimônias do cristianismo se fazem deste modo positivos,


isto é, se convertem em comédias desumanas que ignoram hipocritamente a
verdadeira situação dos homens que participam neles. Assim, por exemplo, foi
originalmente a cena, o banquete eucarístico, a despedida que tomou o mestre
de seus discípulos; depois, se converteu em festa comemorativa do amado mestre

88
morto, ficando como decisivo problema religioso-moral a igualdade e a
fraternidade dos discípulos. “Porém esta confraternização se foi extinguindo à
medida que no curso da universalização do cristianismo se produziu em suas
fileiras uma desigualdade crescente entre os cristãos, desigualdade que a teoria
recusava sem dúvida, mas que permanecia na prática”(8). O cristianismo se
desenvolveu em todos os terrenos até converter-se numa Igreja positiva e
transforma a inicial moral privada de seu fundador, naquela dogmática hipocrisia
que, segundo as concepções do jovem Hegel, é a religião necessária e adequada
para a sociedade baseada nos interesses privados, para a sociedade do burguês.

Nada há de mais sólido nessa situação, segundo as concepções do jovem Hegel:


a renovação da liberdade antiga e da atividade autônoma do homem na
sociedade antiga. Aludimos ao fato de que os interpretes imperialistas do
desenvolvimento do jovem Hegel aduzem triunfalmente que este estudou
detidamente a História da Igreja, de Mosheim. Entretanto tampouco deste fato é
possível obter um argumento a favor do caráter teológico do desenvolvimento
juvenil de Hegel. Pois Hegel recusa toda tentativa de superar por vias religiosas
cristãs a positividade do cristianismo, considerando-o sem perspectivas. É
evidente que surgiram na história das seitas tardias, e não é menos precisamente
esse estudo o levou à conclusão indicada negativa. Referindo-se precisamente ao
livro de Mosheim, fala Hegel desses homens que aparecem de vez em quando
com o intuito de superar a positividade do cristianismo mediante uma volta à sua
modalidade original. E diz sobre o destino de tais esforços: “Porém se não
guardam sua fé para eles mesmos, se convertem em fundadores de uma seita
que ou bem foi reprimida pela Igreja ou bem se ampliou e, na medida em que se
afasta de sua fonte, permanece sem outra coisa que as regras de seu fundador; as
quais deixaram de ser para seus membros chaves da liberdade e tornaram-se
estatutos eclesiásticos; o qual suscitou depois o nascimento de novas seitas
(...)”(9). A positividade do cristianismo, com todas suas consequências nocivas é,
pois, insuperável enquanto subsista a forma de sociedade humana à que o
cristianismo deve sua difusão e seu domínio.

Os textos do jovem Hegel contêm descrições muito detalhadas de como o


cristianismo deformou todos os problemas morais e os converteu em hipocrisia e
em submissão ao despotismo. Deixaremos à patê todos os estudos de Hegel
relativos a questões de moral puramente individual e atenderemos à crítica que
dedica à ação do cristianismo no terreno da vida pública, do estado e da história.

As observações mais características e mais agudamente críticas se encontram nos


apontamentos de Berna que se relacionam diretamente com as citações que
Hegel toma da obra de Gibbon. Diz Hegel neles: “Os primeiros cristãos falaram
em sua religião, consolo e esperança em retribuição futura para si e de castigo
para seus inimigos – seus opressores, que eram adoradores de ídolos -, porém o
servo de um monastério ou um general o súdito de um Estado despótico não
pode depois apelar para vingança contra o prelado o proprietário que abusam do

89
suor dos pobres, não pode convocar sua religião como vingança porque o que
oprime ouve as mesmas missas que ele, ou inclusive as reza, etc.: entretanto esse
súdito ou servo cristão encontrou em sua religião mecânica tanto consolo, quanto
indenização da perda de seus direitos humanos, que chegou a perder em sua
animalidade o sentido de sua humanidade (...)

Sob os imperadores romanos a religião cristã não foi capaz de por oposição à
decadência daquela virtude, à opressão da liberdade e dos direitos dos romanos,
à tirania e a crueldade dos governantes, à decadência do gênio de todas as artes
e todas as ciências sérias, nem foi capaz de dar nova vida ao valor fundido, aos
ramos secos da virtude nacional e da felicidade nacional, mas que, envenenada e
corroída por essa peste geral e convertida, nessa deformada imagem, em
servidora e instrumento dos déspotas, converteu em sistema a decadência das
artes e ciência, fiz virtude da paciência da covardia com que se contemplava o
pisoteamento daquelas formosas flores de humanidade e liberdade, converteu
em virtude a obediência ao déspota, se converteu ela em advogada e fogosa
cantora dos tremendos crimes do despotismo e de algo ainda pior que os crimes
particulares, a saber, do despotismo que absorvia toda força humana vital e
destruía com seu oculto veneno de longa ação”(10).

Hegel esboçou essa obscura estampa dos efeitos históricos do cristianismo não só
relativo a Roma decadente, mas também para toda a história medieval e
moderna. Em outro lugar, falando da eficácia histórica da religião cristã, disse o
seguinte: “Quanto pouco foi capaz de levantar-se acima da corrupção de todos
os estamentos, da barbaria dos tempos dos grosseiros preconceitos dos povos! Os
inimigos da religião cristã que liam com um coração cheio de sensibilidade
humana a história das criaturas, do descobrimento da América, do atual tráfico
de escravos, e não somente essas brilhantes histórias nas quais a religião cristã
desempenhou um papel destacado, mas toda a grande cadeia de podridão dos
príncipes e da vergonha das nações, e que ao ler sentiam que as sangrava o
coração, para depois ouvir as pretensões dos mestres e servidores da religião pelo
que faz a utilidade geral dela e outras declamações parecidas, tinham
necessariamente de encher-se de ódio amargo à religião cristã (...)”(11).

De modo parecido trata Hegel os efeitos da religião cristã em todos os períodos


da História e em todos os terrenos de sua influência histórica. Por exemplo,
sublinha com insistência que precisamente os países em que é mais forte a
influência da Igreja - , como por exemplo, o Estado da Igreja ou Nápoles – são
politica e socialmente os países mais decadentes da Europa. E em uma ocasião
formula a seguinte modo grave a repetida acusação contra a Igreja: “A Igreja
ensinou a desprezar como excrementos a liberdade civil e a liberdade política
comparadas com os bens celestiais e mesmo com o gozo da vida”(12). E assim o
cristianismo produziu durante todo o seu domínio um rebaixamento de toda a
humanidade e se converteu no apoio principal do árbitro despótico, da mais
sinistra reação. Para o jovem Hegel não se trata aqui de excessos particulares de

90
senhores eclesiásticos ou mundanos. Esses efeitos do cristianismo se desprendem
isso sim, segundo ele, de sua mais íntima essência de sua positividade.

Pelas citações anteriores de Hegel nas que o filósofo compara a mesquinhez do


cristianismo com a moral heroica dos antigos vimos com clareza suficiente como
o cristianismo, como religião que é da vida privada, dos interesses privados,
como religião que se dirige aos indivíduos tinha forçosamente que destruir as
virtudes superiores dos antigos. O cristianismo produz uma concepção do mundo
em que é ridículo todo heroísmo, todo sacrifício do próprio interesse. Para um
homem que se preocupa apenas de seu interesse, o sacrifício heroico da vida
pelo bem comum tem que parecer ridículo(13). E o jovem Hegel recusa também as
mais sutis e espirituais satisfações do individualismo como manifestações de um
egoísmo pequeno-burguês. Assim especialmente condena a fé na imortalidade da
alma, a fé na eterna bem-aventurança individual. Recordemos ao leitor, as
palavras de Hegel sobre o heroísmo dos antigos republicanos, os quais,
precisamente porque sua vida se dissolvia plenamente na comunidade
republicana, não necessitavam nem buscavam uma imortalidade individual.

O fundamento desse heroísmo era, como sabemos, a atividade autônoma do


povo nas antigas repúblicas. Em relação, com as concepções de Hegel a este
respeito indicamos que o filósofo imaginava as antigas repúblicas como
sociedades sem classes. Em troca, como claramente se depreende das últimas
citações, Hegel põe em íntima relação o cristianismo com a estratificação
estamental da sociedade, e especialmente considera o clero como estamento
definido. Esta divisão estamental – Hegel compara algumas vezes o sacerdócio
com os grêmios medievais – se refere nele a todos os interesses materiais e
espirituais da sociedade. Já vimos antes como descreve Hegel a transformação
do princípio da comunidade de bens em um enriquecimento egoísta dos
monastérios: o descreve como um processo histórico necessário. Em outro lugar
fala amplamente da ativa independência de um povo ainda não dividido em
estamentos e contrapõe a isto o clero cristão como “depositário das lendas” como
monopolista das verdades religiosas. Este monopólio também é um meio pelo
qual o sacerdócio consegue exercer seu próprio domínio e apoiar o poder
mundano. E o fato de que mitos e lendas do cristianismo sejam estranhos aos
povos da Europa aumenta para Hegel tanto o poder desse monopólio quanto
seu caráter inimigo da liberdade.

Sob o domínio da religião positiva do cristianismo, os homens vivem, pois, em


um mundo social que lhe opõe como “dado”, insuperável, plenamente estranho.
A grave missão histórica da religião positiva do cristianismo se resume, segundo o
jovem Hegel, em quebrar no homem a vontade de ter uma atividade própria, de
viver em uma sociedade de homens livres. Por isso Hegel diz, a título de resumo,
sobre a função social da religião cristã: “Se mostrava também na divindade que
lhe oferecia a religião cristã, mais além da esfera de nosso poder e nossa vontade,
entretanto não do nosso implorar e pedir, e por isso a realização de uma ideia

91
moral não poderia ser senão coisa simplesmente desejada (o que é objeto do
desejo é que alguém no pode fazer por si mesmo, e espera conseguir sem ação
própria) e não poderia ser já coisa querida. Os primeiros difusores da religião
cristã suscitaram esperança em tal revolução, uma revolução que deveria realizar
um ser divino enquanto que os homens se comportavam com toda passividade; e
quando com o passar do tempo desapareceu completamente aquela esperança,
os cristãos se contentaram em esperar aquela revolução da totalidade para o
Final dos Tempos”(14).

Nesse texto se vê muito claramente que o ódio e desprezo que sente Hegel pela
religião positiva, pelo cristianismo, tem sua fonte mais profunda em seu
entusiasmo pela revolução. Precisamente porque o jovem Hegel representa a
revolução de um modo puramente idealista, como realização da “razão-prática”
que ele reinterpretou com sentimento social, o assunto da vontade tem que
desempenhar papel decisivo em suas ideias. Como vimos, a vontade é para o
jovem Hegel não somente o princípio do prático, senão, ao mesmo tempo,
também o absoluto. Tudo depende dessa vontade. A grandeza das antigas
repúblicas subsistiu enquanto os homens quiseram livremente. Entretanto ao
converter o cristianismo a livre e ativa vontade em passivo e humilde desejo,
pode e teve forçosamente que dominar o despotismo do mundo. Sem dúvida,
Hegel via motivos sociais e históricos dessa transformação da vontade em simples
desejo. Entretanto precisamente porque era um pensador alemão – e na
Alemanha (mesmo no caso de que o próprio Hegel houvesse alimentado menos
preconceitos e ilusões idealistas) não eram visíveis naquela época forças objetivos
que movessem para uma revolução democrática -, sua utópica esperança
revolucionária tinha que concentrar-se em uma vontade idealisticamente posta e
hipertrofiada.

A religião tem que ser naturalmente o motor central do movimento histórico


concebido no marco de tal concepção idealista do mundo. Por isso, a
positividade da religião resume-se para o jovem Hegel no obstáculo decisivo à
liberdade da humanidade, o momento contra o qual grita, como Voltaire,
écrassez l´infâme! Conscientemente resume suas concepções sobre a religião e
seu papel histórico do seguinte modo: “Assim o despotismo expulsou dos
princípios romanos ao espirito do homem da face da terra; a privação da
liberdade obrigou ao homem a cobiçar seu eterno e seu absoluto na divindade; e
a miséria produzida por aquela privação o obrigou a esperar e buscar a felicidade
no céu. A objetividade da divindade caminhou passo a passo com a corrupção e
a escravidão do homem, e a primeira não é propriamente mais do que uma
revelação, uma manifestação daquele espírito dos tempos (...) o espírito do
tempo se revela na objetividade de seu Deus, quando este (...) ficou situado em
um mundo alienado ao nosso, em cujo território não tomávamos parte alguma,
no que não podemos construir nem plantar com nosso esforço, senão, no
máximo, coisas que fazer por oração ou por feitiçaria, quando o homem foi um
Não-Eu e sua divindade outro Não-Eu (...) Nesse período a divindade tinha de

92
deixar de ser algo subjetivo, e reduzir-se plenamente a objeto, e aquela inversão
e perversão das máximas morais permaneceu então fácil e consequentemente
justificada pela teoria (...) Tal é o sistema de toda Igreja”(15).

Resta-nos ainda por examinar um aspecto da crítica hegeliana da religião cristã, a


saber, o assunto da reconciliação com a realidade. Este problema nos interessa
sobretudo porque nela se apresenta com especial crueza a oposição entre o
jovem Hegel e seu posterior desenvolvimento. Hegel fala desse assunto várias
vezes e com as mais duras expressões: “No seio dessa humanidade corrupta que
tinha de depreciar-se moralmente contra si (...) surgiu e se aceitou
necessariamente a doutrina da corrupção da natureza humana; nessa doutrina
(...) satisfazia ao orgulho, ao permiti-lo descarregar da culpa pessoal, e era capaz
de dar no próprio sentimento da miséria uma ponta de orgulho; convertia em
honra o que é vergonha, santificada e eternizada aquela incapacidade, ao
declarar pecado inclusive o crer na possibilidade de uma força sadia”(16). E em
outro lugar: “Entretanto quando o cristianismo penetrou na mais corrupta de
todas as classes, na classe aristocrática, quando o despotismo envenenou todas
as fontes da vida e do ser, a época manifestou toada nulidade de sua essência
naquele aspecto novo que exigiram seus conceitos da divindade de Deus e suas
polêmicas a respeito; e pode exibir sua miséria tanto mais abertamente quanto
que dourava com o nimbo da santidade e cantavam com mais alta honra do
homem”(17).

Em outro lugar o jovem Hegel chega a lançar a brincadeira contra a morte de


Jesus. Diz ironicamente que o mundo inteiro, segundo a religião positiva, deveria
estar cheio de agradecimento à pessoa de Jesus por aquele sacrifício, “como se
não houvessem já sacrificado muitos milhões de homens por fins menores,
entregando-se com o sorriso nos lábios, e não suando sangue, com alegria, pelo
seu rei, por sua pátria, por sua amada: é preciso ver como haveria morto nada
menos que pela linhagem humana em geral!”(18). E mais ainda: “Para um povo
nessa situação tinha que ser bem-vinda uma religião que, sob o nome de
obediência e sofrimento., convertia em virtude suprema o espírito dominante da
época, a impotência moral, a desonra dos pisoteados; graças a esta operação os
homens puderam contemplar com alegre assombro como o desprezo de outros e
o sentimento da própria vergonha se convertiam em tranquilidade e em
orgulho”(19).

Documentamos com muitas citações do jovem Hegel para que o conhecedor de


suas ideias posteriores possa apreciar toda a distância que separa neste assunto
ao jovem filósofo de sua atitude posterior. Sabemos que a “reconciliação” com a
realidade será depois, um ponto central da tardia filosofia da história de Hegel,
mesmo que o conceito deva, naturalmente, entender-se do modo dialético que
expõe Engels em seu Feuerbach. No curso de nossos análises posteriores,
quando estudarmos a gênese deste tardio ponto de vista na crise em Frankfurt e
depois em Iena, veremos quantas contradições internas contem a atitude do

93
Hegel maduro em relação a realidade histórica. Entretanto o núcleo dialético
desta concepção é sempre o reconhecimento da realidade social tal como esta é:
e isso ainda que esta realidade não seja naturalmente, mais que um estádio, um
momento do desenvolvimento histórico, e têm que transformar-se no curso do
desenvolvimento histórico em não-realidade, em não-ser, em algo superado e
anulado. Por isso para o Hegel posterior as concepções do mundo tem de
apresentar-se como resumos historicamente necessários das épocas no
pensamento. Esta concepção tardia pressupõe uma imagem da história na qual
um desenvolvimento continuo da dialética leva desde os começos do gênero
humano até o presente.

A “reconciliação” é no posterior Hegel uma categoria na que se expressa a


independência do curso objetivo da história em relação aos esforços e das
valorizações morais do homem ativo naquele processo histórico objetivo. As
diversas concepções do mundo, religiões, etecetera, aparecem portanto nessa
ligação com resumos mentais de um determinado período histórico. Por isso,
recusa consequentemente Hegel a valorização puramente moral das mesmas. O
que significa, naturalmente, que não tome atitude alguma diante delas. Porém
então, no Hegel maduro, o momento decisivo de cada religião, concepção do
mundo, etc., e não como no jovem Hegel a relação das mesmas com a moral
eterna e supra histórica. Neste sentido, a “reconciliação” significa um grande
passo adiante no desenvolvimento do sentido histórico de Hegel.

Entretanto esse desenvolvimento é muito contraditório. Por outro lado, a


aplicação desta categoria de reconciliação significa também uma reconciliação
real com as tendências miseráveis e retrógradas do passado e do presente; leva a
cortês embelezamento de tias instituições miseráveis e reacionárias em seu
presente alemão, e conduz ao abandono de toda luta e de toda crítica real,
especialmente face ao cristianismo. O passado histórico-científico superador da
mera indignação moral do período de Berna se paga, pois, em Hegel com
grandes perdas pelo que faz ao caráter progressista de seu pensamento.

O jovem Hegel não vê ainda nenhum caminho objetivo historicamente


necessário que leve ao presente “real”. O presente real é para ele a grande
maravilha da Revolução Francesa, a ilusória renovação da antiga liberdade
democrática. E entre a autêntica Antiguidade e sua renovação no futuro se
encontra o período corrupto e decadente do despotismo, da opressão, da religião
positiva. Hegel vê sem dúvida a necessidade histórica com a qual se originou a
religião positiva, porém não pode perceber forças históricas reais presentes nela e
cuja dialética interna leve a renovação da Antiguidade (É característico que não
possuamos nem uma só anotação do jovem Hegel relativa as causas reais da
Revolução Francesa).

Esse exacerbado caráter de sua saudade por uma renovação revolucionária da


humanidade não permita a sua filosofia da história conseguir um ponto de vista

94
metodologicamente unitário, mostrar realmente e por sua própria dialética o
caminho que leva do presente à perspectiva do futuro. Por isso em sua própria
perspectiva de futuro a renovação de liberdade antiga, não deixa de ser um
postulado abstrato, o qual tem como complemento necessário e orgânico aquele
ódio ao cristianismo cujas manifestações acabamos de ver. Este ódio tem sua
fonte na ideia que o jovem Hegel faz da liberdade e de outros conceitos morais
como categorias eternas e supra históricas. Em sua opinião, o cristianismo conclui
precisamente essas eternas verdades da moral, as perverte, coloca o mentiroso
nicho da santidade em torno do halo do eternamente recusável. O jovem Hegel
descarrega todo seu ódio revolucionário contra essa perversão de conceitos
morais.

Seria incorreto qualificar sem mais como progresso em suas concepções o


amadurecimento de Hegel. Não há dúvida de que seu desenvolvimento para a
maturidade há enormes progressos, e isso precisamente em sua concepção da
história. Precisamente, contudo, porque se afastou dos ideais revolucionários de
sua juventude pode Hegel converter-se na figura filosófica culminante do
idealismo alemão e pode apressar a necessidade do desenvolvimento histórico e
a metodologia adequada para a compreensão com toda profundidade e toda a
verdade que eram possíveis sobre a base idealista. Entretanto no fato de que esse
desenvolvimento, esse amadurecimento filosófico, não haja podido ter lugar
senão à custa de uma renuncia aos fins da revolução democrática se expressa em
Hegel o trágico caráter do atraso social e econômico da Alemanha. Marx e Engels
assinalaram repetidamente que inclusive os maiores alemães da época
sucumbiram em sua luta contra a “miséria teutônica”: que inclusive um gigante
como Goethe não pode ser mais do que “algumas vezes colossal outras
medíocre”(20).

Tampouco Hegel pode evitar este destino. E quando consideramos o posterior


desenvolvimento de suas concepções até chegar a grandiosa forma em que
apresentou como método unitário a dialética idealista, temos que recordar essa
cisão do desenvolvimento alemão geral, o qual fez também de Hegel uma figura
“algumas vezes colossal e outras medíocre”.

(1) Nohl, p. 220. (retornar ao texto)

(2) Ibidem, p. 224. (retornar ao texto)

(3) Rosenkranz, p. 522. (retornar ao texto)

(4) Ibidem, p. 521 e ss. (retornar ao texto)

95
(5) Nohl, p.33. (retornar ao texto)

(6) Ibidem, p. 360. (retornar ao texto)

(7) Nohl, p. 44. (retornar ao texto)

(8) Nohl, p. 163 e ss. (retornar ao texto)

(9) Nohl, p. 210 e ss. (retornar ao texto)

(10) Ibidem, p.365 e ss. (retornar ao texto)

(11) Nohl, p. 89. (retornar ao texto)

(12) Ibidem, p. 207. (retornar ao texto)

(13) Ibidem, p. 230. (retornar ao texto)

(14) Ibidem , p. 224 (itálico meu G.L.). (retornar ao texto)

(15) Nohl, p. 227 e seguintes. Precisamente aqui, neste lugar decisivo de sua luta
central contra o cristianismo, a influência das concepções de George Foster no
jovem Hegel é perceptível inclusive no estilo. (retornar ao texto)

(16) Ibidem, p. 225. (retornar ao texto)

(17) Ibidem, p. 46. (retornar ao texto)

(18) Nohl, p. 226. (retornar ao texto)

(19) Ibidem, p. 229. (retornar ao texto)

(20) Engels, Socialismo alemão em Verso e Prosa II, MEGA, I, vol. 6. P 57. Cf.
Marx-Engels, Sobre literatura e arte, Berlim 1950, p. 218. (retornar ao texto)

96
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo I - O período republicano do jovem Hegel


6 – O significado da “positividade” para o desenvolvimento do pensamento
de Hegel

Nas considerações feitas até agora expusemos o âmbito da filosofia da


história do jovem Hegel na época estudada. Interessa-nos agora caracterizar
com algumas observações a significação filosófica dos conceitos centrais do
pensamento de Hegel neste período. Não chegaremos mesmo assim a uma
verdadeira crítica destes conceitos hegelianos. Nossa tarefa consiste ainda
momentaneamente em seguir o desenvolvimento das concepções de Hegel
em suas linhas básicas, até chegar à formalização definitiva e historicamente
relevante dessas ideias na Fenomenologia do Espírito. Nesse momento, e
não antes, será possível necessário e verdadeiramente produtivo examinar o
conteúdo de verdade do estado da dialética alcançado por Hegel, confrontá-
lo com a dialética materialista e precisar deste modo à grandeza histórica e
os limites filosóficos deste ponto culminante da dialética idealista. Até que
chegue esse momento nosso posicionamento permanecerá, até certo ponto
encerrado no desenvolvimento do próprio Hegel, isto é, se limitará a tentar
estabelecer a importância que tiveram posicionamentos e determinadas
soluções para os posteriores e mais perfeitos estados da dialética hegeliana.
Não seria certamente difícil submeter a uma detalhada crítica materialista
todos os conceitos do período hegeliano considerado até aqui. Mas
acontece, por outro lado, que Hegel superou nos seus desenvolvimentos
posteriores determinados aspectos adialéticos de seu pensamento, e, por
outro lado, que as debilidades idealistas de suas concepções nunca
superadas, são em seu núcleo, as mesmas através de todos seus períodos
filosóficos. Em ambos os casos, pois, uma crítica filosófica detalhada
realizada agora neste momento levaria inevitavelmente repetições mais à
frente.

Vimos que o conceito central, histórica e filosoficamente decisivo, com que


trabalha Hegel neste período é o conceito de positividade. Na forma da
filosofia hegeliana alcançada no período que estudamos, na contraposição
da atividade autônoma subjetiva e liberdade por um lado e morta
objetividade, positividade, por outro, está contida em germe um problema
central da posterior dialética plenamente desenvolvida por Hegel: o
problema que mais tarde costuma exprimir Hegel com o termo “alienação”,
no qual está contida – segundo as posteriores concepções de Hegel, unitárias
97
e sistemáticas – todo o problema da coisidade ou objetivação no
pensamento, na natureza e na história. Pense-se, por exemplo, no fato de
que segundo a posterior filosofia de Hegel, toda a natureza deve conceber-se
como uma alienação do espírito.

Neste período Hegel não posiciona ainda nenhum problema em sentido


epistemológico próprio. Ainda se serve ocasionalmente da terminologia de
Fichte, por exemplo, chama de Não-Eu ao homem e ao Deus do
cristianismo, isto não significa, como vimos, que se encontre em verdade e
simplesmente na teoria fichteana do conhecimento. Hegel utiliza esta
expressão fichteana para denominar plástica e pateticamente um estado
moral e social da humanidade. Com a mesma liberdade usa as categorias da
filosofia kantista. O que lhe interessa neste período – poderia dizer-se quase
exclusivamente é a interação da prática social com a ideologia religiosa-
moral. E é nisto um estado muito particular do desenvolvimento alcançado
pelo pensamento de Hegel que o sujeito desta prática social se conceba,
certamente sempre como um sujeito coletivo, sem que jamais pretenda o
jovem Hegel esclarecer filosoficamente o ser deste sujeito, determinar
precisamente seu conceito. Para todo aquele que conheça o posterior
desenvolvimento filosófico de Hegel, saberá que este sujeito volta mais tarde
na figura do “Espírito”, e que a coroação de seu sistema, baseado na lógica
e na filosofia da natureza, é o percurso que vai do sujeito subjetivo,
passando pelo objetivo, até o espírito absoluto. Tal sistemática conceitual
não se encontra em Berna nem em Frankfurt. A primeira formulação do
processo do espírito aparece na Fenomenologia. Nos estudos de Berna, o
interesse direto de Hegel é histórico: quer seguir o destino real desse sujeito
coletivo (que é o portador, idealisticamente mistificado, da continuidade do
processo histórico) através da história concreta. Uma questão à parte é que o
curso histórico assim estudado por Hegel seja uma construção idealista
abstrata; mas o fato que o curso dos estudos históricos de Hegel tropece com
o conceito de positividade, de objetividade, é da maior importância para
todo seu desenvolvimento filosófico posterior.

Pois com este conceito Hegel chega a conceber a objetividade propriamente


dita, a independência dos objetos em relação à razão humana, como
produto do desenvolvimento da atividade do desenvolvimento da própria
razão, como produto da atividade desta. Com isso, toca tanto nas ideias que
constituirão a culminação de sua dialética enquanto momento de fixação e
consolidação definitiva dos limites idealistas, mais além dos quais jamais se
arriscará seu pensamento. Este segundo ponto estará claro evidentemente
para todo materialista, e no quarto capítulo aduziremos extensivamente a
profunda crítica de Marx a esses limites idealistas da filosofia hegeliana. O
primeiro ponto – mesmo sem dúvida em seu indissolúvel relação com as
limitações que se seguem do segundo – é de decisiva importância para a
gênese da dialética hegeliana. Esse momento contém, certamente, a ideia de
98
que todo o desenvolvimento social, com todas as formas ideológicas que
produziu no curso da história, é um produto da própria atividade humana,
um modo de manifestação da autoprodução e autorreprodução da
sociedade. Com esta concepção dialética da história, o idealismo rebaixa a
determinados limites – não menos idealistas – da concepção histórica do
materialismo mecanicista. Este se limitou no essencial em considerar, por um
lado, as condições naturais constantes de toda sociedade (clima, etc.) e em
estudar, como única manifestação da prática humana, aqueles motivos
visíveis e tangíveis que determinam a ação dos indivíduos. Engels destacou
energicamente esta superioridade da filosofia da história de Hegel – do
Hegel maduro, certamente – em relação àquela de seus predecessores: “Por
outro lado, a filosofia da história, especialmente como a representa Hegel,
que os motivos ostensivos e efetivamente eficazes dos homens em sua ação
histórica, não são de modo algum as causas últimas dos acontecimentos
históricos, e que por trás daqueles motivos há outras forças motrizes que são
necessárias estudar; mas a filosofia da história não busca essas forças na
própria história, mas as importa de fora, da ideologia filosófica”(1). Este
reconhecimento crítico da filosofia hegeliana da história tem de modificar-se
quando se trata do jovem Hegel, no sentido de que neste, as deficiências
idealistas, estão ainda mais atrasadas, enquanto que, ao mesmo tempo, não
existem nada mais que esboços do posicionamento fecundo da ciência
histórica.

Porém esboços existem sem dúvida. Existem, por um lado, no modo como
concebe o jovem Hegel sublinha o caráter social das forças motrizes do
desenvolvimento histórico (por mais idealisticamente mistificadas que
estejam essas forças), e existem também no fato que este filósofo vê na
história da liberdade humana o núcleo do processo. Precisamente porque a
positividade da religião, mesmo que contenha uma concepção geral da
objetividade, é por sua essência um resultado nascido historicamente e que é
necessário superar historicamente no futuro, um resultado, pois, do
desenvolvimento social, Hegel obtém uma dialética histórica da liberdade,
por mais que muito abstrata, muito idealista, e muito construída. O processo
histórico é no jovem Hegel do período de Berna uma grande construção
triádica: liberdade originária e atividade autônoma da sociedade humana –
perda dessa liberdade sob o domínio da positividade – reconquista da
liberdade perdida. Salta aos olhos o parentesco desta filosofia da história
com as concepções dialético-idealistas de Rousseau.

O processo de perda e reconquista da liberdade se concentra no


pensamento do jovem filósofo no problema da religião. O caráter morto,
alienado e hostil ao homem, que é próprio da objetividade da positividade,
tem para o jovem Hegel sua expressão mais alta na religião cristã; por outro
lado, essa religião – apesar de todos os esforços dele para aduzir os
fundamentos econômicos e sociais da transformação – é na concepção do
99
filósofo a causa última da indigna e desumana situação da sociedade, da
indigna e desumana relação do homem com seu mundo externo. Por isso,
para o jovem Hegel sacudir o jugo do despotismo significa, sobretudo,
libertar-se daquela positividade, libertar o homem da religião cujos objetos
são para os homens ultramundanos, transcendentes. E por isso também
pede o jovem filósofo à filosofia que desmascare e aniquile a objetividade
transcendente da positividade e que converta toda objetividade em livre
subjetividade ativa: “Prescindindo de algumas tentativas anteriores, está
reservada, sobretudo em nossos dias a tarefa de reivindicar como
propriedade do homem, ao menos em teoria, os tesouros dissipados no
céu...”(2).

Nesta e em outras manifestações análogas do jovem Hegel se expressa uma


tendência filosófica que tem certo parentesco com a de Feuerbach. Este
parentesco já havia sido notado por Rudolf Haym, o investigador hegeliano,
na sexta década do século XIX; ele chamou a atenção ao mesmo tempo
para uma diferença entre os filósofos, mesmo passando por alto a
superioridade do materialismo de Feuerbach sobre Hegel. Afirma Haym: “a
verdadeira essência de Deus, disse Hegel, é a essência da perfeita
comunidade política”(3). Haym, cujo desenvolvimento filosófico já estava
definitivamente completo antes de 1848, que havia vivido a dissolução do
hegelianismo e a profunda influência de Feuerbach, tem pelo menos uma
ideia da real noção dessas relações filosóficas, e não deseja falseá-las ou
deformá-las como fazem os neohegelianos do período imperialista. Mas em
sua exposição sublinha somente a ponte forte da filosofia de Hegel, em face
de Feuerbach, e passa por cima, como dissemos o reverso materialista deste
último, o que haveria alterado completamente o equilíbrio da comparação.
Certamente que a critica de Feuerbach à religião tem seus pontos débeis
idealistas, agudamente apontados por Engels. Feuerbach, disse Engels, “não
quer em absoluto suprimir a religião, senão aperfeiçoá-la e consuma-la. A
própria filosofia deve dissolver-se na religião.”(4). Porém esta debilidade
idealista de Feuerbach, não deve impedir-nos de ver a superioridade de seu
materialismo mecanicista na teoria do conhecimento que mais decisiva
influência teve na crítica da religião, mesmo que Feuerbach não fora sempre
coerente na aplicação de seus princípios.

Esta superioridade do materialismo se manifesta exatamente a propósito da


categoria de positividade, tão importante para o jovem Hegel. Não é casual
que haja sido Feuerbach que lançou os ataques aniquiladores críticos contra
a posterior concepção de positividade hegeliana, a ideia, más desenvolvida e
mais pensada filosoficamente, da “alienação”. O jovem Marx reconheceu
sempre os méritos de Feuerbach em relação à crítica do idealismo hegeliano,
e recolheu e desenvolveu dialeticamente os elementos valiosos dessa crítica.
No capítulo IV falaremos detalhadamente desta questão. Aqui termos de
limitar-nos a indicar que em Feuerbach os objetos da natureza se concebem
100
como independentes da consciência humana. Quando, pois, Feuerbach
dissolve antropologicamente a ideia de Deus, quando concebe a divindade
da religião como algo criado pelo homem a sua imagem, isso não o leva a
uma dissolução da objetividade, como no caso de Hegel, mas, ao contrário,
a uma confirmação da objetividade real, da independência do mundo
externo com relação à consciência humana. Somente sobre a base de tal
concepção podem superar-se realmente as representações religiosas, pois
somente assim se manifesta claramente sua pretendida objetividade do
mundo externo, com a objetividade do correto reflexo mental desse mundo
externo, para que apareça a vacuidade dos objetos da religião, sua falsidade,
sua real nulidade objetiva. E mesmo que Feuerbach – como nota e critica
Engels – não tenha sido capaz de levar coerentemente até o fim sua
superação materialista da religião, seu posicionamento contem de qualquer
modo um correto ponto de partida sobre como devem dissolver-se
filosoficamente as representações religiosas.

O chamado método antropológico de crítica da religião, a prova de que as


representações religiosas nada mais são do que projeções mentais,
objetivações do que o homem pensa, deseja, sente, etc., sobre si mesmo,
não é, portanto, um método correto, mas que se insere como parte de uma
crítica materialista da religião. Lenine exprimiu muito claramente esta
debilidade, e a exprimiu de um modo pleno de significado: “Por esta razão é
muito estreito em filosofia o “princípio antropológico” de Feuerbach e
Tchernicheviski”. Tanto o princípio antropológico quanto o naturalismo são
preconceitos imprecisos e débeis do que diz o nome materialismo(5)”. Com
isto indica e critica Lenine com sua costumeira profundidade as debilidades
da filosofia de Furbach, e abre, além disso, uma grande perspectiva crítica
do princípio antropológico quando este se apresenta no marco de uma
filosofia idealista.

Tal é o caso do jovem Hegel. O erro mais grave de Haym se baseia em que
abstrai completamente o princípio antropológico em sua inserção no
idealismo ou no materialismo, que esse princípio cobra um significado
completamente novo no contexto idealista. Pois para o idealismo não existe
objetividade dos objetos do mundo externo e a falsa e fictícia pseudo-
objetividde das representações religiosas. Ambas são produtos de um sujeito
idealisticamente mistificado, e deste ponto de vista tem pouca relevância que
o filósofo idealista parta da consciência real do individuo humano ou de
uma consciência mistificada coletiva, ou “geral” ou “sobre-humana”. E se o
filósofo idealista deseja conceder uma determinada objetividade aos objetos
do mundo externo pelo rodeio de algum expediente sistemático, se vê
obrigado a reconhecê-la também às representações religiosas. Inversamente,
como, quando no caso do jovem Hegel pelo que faz a religião positiva, quer
resolver e dissolver os objetos da religião dissolve ao mesmo tempo a inteira
objetividade do mundo e a reduz a alguma “subjetividade criadora”. Este
101
destino caracteriza não somente a filosofia do jovem Hegel, mas o inteiro
final da filosofia clássica alemã; Os esforços de Schelling e Hegel para
rebaixar o solipsismo místico, o idealismo subjetivo de Fichte, terminam –
mesmo em cada um à sua maneira – com a admissão de um sujeito-objeto
idêntico e não menos místico, o qual segrega o mundo da objetividade e
volta em seguida a absorvê-lo.

Como é natural, este método não está ainda coerentemente desenvolvido no


jovem Hegel; mas já está presente como tendência pelo menos. E esta
atitude determina os limites e incorreções idealistas de aplicação do princípio
antropológico na crítica da religião praticada pelo jovem Hegel. Os pontos
de partida de tal concepção crítico-antropológica das representações
religiosas são arcaicos. Já se encontram na filosofia grega, e se apresentam
muito frequentemente nos escritores iluministas franceses. Quando, pois, o
jovem Hegel tenta ver nas representações religiosas de determinados
períodos como projeções da historia dos homens, e tentar por essas formas
religiosas em intima conexão com os modos de existência, ainda não está
dando uma contribuição filosófica original. Ainda mais: o principio
antropológico, a crítica antropológica da religião, cobra da visão idealista
básica de Hegel, uma versão debilitada claramente inferior à criticada por
Lenine, justamente nos materialistas destacados da velha escola. A diferença
pode expressar-se brevemente do modo seguinte: apesar de todas as
debilidades que pode apresentar o princípio antropológico nos pensadores
que são em geral materialistas; há nestes sempre uma relação causal clara e
unívoca: são os homens que criam seus deuses (suas representações
religiosas). No pensamento de Hegel, por outro lado, apresenta-se uma
curiosa e confusa interação. Há, por um lado, pontos rudimentares para o
ponto de partida da concepção dos antigos materialistas: a liberdade e
independência ativa do povo grego cria o mundo luminoso dos deuses
olímpicos; a religião positiva do cristianismo nasceu da humilhação do
homem sobre o despotismo de Roma tardia, etc. Mas ao mesmo tempo, se
apresenta a relação inversa: os deuses apresentam como atores reais na
arena da história do mundo; a liberdade não é só origem dos deuses
olímpicos, mas também o presente destes à humanidade; o cristianismo
nasce da decadência moral de um povo governado tiranicamente, mas
também, ao contrário, a própria tirania é uma consequência da religião
cristã.

Hegel nunca superará este claro-escuro de sua filosofia da religião. Não


somente na Fenomenologia do espírito, mas também em seus últimos
escritos, relativos aos problemas religiosos, continua-se encontrando essa
confusa duplicidade de pontos de vista, a qual chega inclusive, no curso do
desenvolvimento posterior, a um reconhecimento cada vez mais vigoroso da
pseudo-objetividade da religião. Em sua juventude, Hegel quer
apaixonadamente destruir a religião cristã. Mas sua luta antirreligiosa tem a
102
debilidade central e insanável de pretender colocar no lugar da cristandade
positiva a religião não-positiva dos gregos.

Assim Hegel faz da religião um elemento inseparável da vida humana, em


todo o curso da história. A humanidade não se liberta das representações
religiosas que acarretam desde as origens e se transformaram ao longo de
milênios segundo as mudanças das formações sociais. A história é antes uma
história das transformações das religiões, ou então, dito em linguagem
coerentemente idealista-objetiva: a história é história das metamorfoses de
Deus. Uma vez o idealismo chegou a este ponto de vista - o qual não ocorre
mesmo no jovem Hegel senão, tendencial, confusa e incoerentemente -, esta
história de Deus se converte necessariamente no momento primário e mais
importante da história, e todas as corretas contra-tendências, nascidas da
crítica antropológica das representações religiosas, ficam obscurecidas,
afastadas no início, pelo peso dominante deste princípio teológico-idealista.

Vemos, pois, que no jovem Hegel começam a ser ativas uma série de
tendências idealistas que foram determinantes na postura posterior do
sistema hegeliano. Porém este fato não deve ofuscar ou esconder os
princípios pelos quais começam também no jovem Hegel as robustas e
verazes tendências histórico-dialéticas. Por mais errônea que seja hegeliana
daquela confusa interação entre o homem e a divindade não há dúvida que
contem um problema real, que deve ser resolvido real e cientificamente pela
dialética materialista; é um problema diante do qual foram impotentes
Feuerbach e os demais materialistas mecanicistas: o problema da origem
histórica e da eficácia das representações religiosas. E não há dúvida – todo
leitor atento dos textos do jovem Hegel aduzidos até agora poderá
comprová-lo facilmente – de que o jovem Hegel posicionou esse problema e
lutou seriamente contra ela, mesmo que como era natural, não lhe foi
possível chegar a uma solução satisfatória, nem a um posicionamento de
clareza definitiva.

O jovem Marx também posicionou este problema em sua fase idealista, ou


seja, na época da sua tese de doutorado, e já então o fez de uma forma
insuperavelmente mais clara do que Hegel; contudo, tampouco então soube
resolve-lo. Lê-se nas teses de Marx: “As provas da existência de Deus são,
por um lado, tautologias vazias - por exemplo, a prova ontológica, que em
realidade nada diz mais que o seguinte: ´’o que me represento realmente
(realiter) é uma real representação para mim” uma representação que opera
sobre mim – e neste sentido possuíram uma existência real todos os deuses,
tanto os pagãos como os cristãos. Não dominou realmente o antigo Moloch?
Não foi uma real na vida dos gregos o Apolo Délfico? Nesse ponto não
decide nada a crítica kantista”.(6) Marx não pode satisfazer satisfatoriamente
este problema até que chegou a clara concepção do materialismo dialético.
Somente então pode desmascarar com aniquiladora penetração a nulidade

103
de todas as representações religiosas, muito mais resolutamente do que
haviam conseguido antes dele os principais materialistas mecanicistas,
explicando como o desenvolvimento das forças produtivas e pelas
modificações das relações de produção que determina aquele, surgiram em
determinados períodos históricos estas ou aquelas representações religiosas,
e como estas dominaram a vida mental e afetiva dos homens.

A ideia importante e interessante que há nessas tendências filosoficamente


tão confusas do jovem Hegel é o posicionamento da questão da concreta
eficácia histórica das religiões. O Iluminismo combateu a religião cristã, e o
fez mais radical e inteligentemente do que o jovem Hegel. Porém não pode
quase posicionar aquele problema, e menos, naturalmente dar-lhe uma
resposta. Nem Feuerbach posicionou o problema seriamente de saber de o
porquê o cristianismo ter sido a religião dominante no Ocidente. Ele aceita
esse fato enquanto tal, e tenta somente deduzir, o cristianismo partindo da
abstrata “essência” de um homem não menos abstrato, “do” homem. Com
uma dedução assim não se pode obter de um modo metodologicamente
constrito apenas a origem das representações religiosas em geral, de modo
algum uma representação determinada, e menos ainda naturalmente, a
modificação histórica das mesmas.

Neste ponto se insere a reflexão do jovem Hegel. A observação de Haym


que citamos antes tocou aqui no mérito essencial do jovem Hegel: este
posicionou o problema da origem das religiões de modo não somente
histórico, e inseparável deste, também social. A história é para o jovem
filósofo, história da atividade social dos homens. Apesar de primitiva que
seja a sua análise social, por ingênuas, ilusórias e construídas as análises
socioeconômicas que aplica, apesar de cheias de preconceitos iluministas e
kantistas que estejam suas construções (concepção da situação social como
consequência do bom ou mau governo, como era para a filosofia iluminista;
valorização excessiva da importância social de problemas puramente morais,
como era para Kant, etc.) essa concepção representa, apesar de tudo, um
passo adiante importante no desenvolvimento da metodologia do estudo da
origem e decadência das religiões. Exatamente aqui se aprecia a verdadeira,
e exatamente como descreveu Marx em suas Teses sobre Feuerbach, a
relação entre o velho materialismo e o idealismo clássico alemão. Pois as
explicitações dos momentos sociais na origem e a agonia das religiões alude
em Hegel, com exemplar radicalidade, ao “aspecto positivo” sublinhado por
Marx. E nossa análise anterior acrescentou também documentação do outro
aspecto da caracterização do idealismo dada por Marx, a saber, o fato de
que esse “aspecto ativo” não pode ser no idealismo senão uma atividade
abstrata e ideológica.

Sublinhamos já uma consequência negativa essencial dessa necessária


abstração do idealismo: a incapacidade do jovem Hegel para lutar

104
consequentemente contra a religião. Na dialética, inconsciente da concepção
histórica do jovem Hegel há uma tendência segundo a qual somente as
religiões positivas são religiões estrito, pelo qual nem a religião grega nem a
renovação da mesma que esperava o jovem Hegel são religiões no sentido
próprio. A polêmica contra o caráter desumano da religião positiva do
cristianismo exige por isso em Hegel um acento antirreligioso, mas enérgico
do que o costumeiro. Certo que em Hegel não pode levar até o fim esta
tendência, em consequência de seu idealismo. Por isso mesmo não pode
deixar de ser a positividade um conceito impreciso e ambíguo. Por um lado
é a expressão filosófica da destruição idealista radical de toda objetividade;
por outro lado alentam nesse conceito indícios daquele tipo de coisidade
social que Marx mais tarde designou com a expressão “feiticismo”. A
tendência é sempre no jovem Hegel, como foi dito, um indício obscuro e
confuso; inclusive a posterior versão, mais madura, do problema, a
concepção da coisidade social como “alienação”, é incapaz de abrir
caminho a um posicionamento claro do problema. O motivo disto, como
mostramos se encontra no idealismo. Pois o caráter de feitiço da mercadoria
em sua “fantasmagórica objetividade”; não pode ser objeto de dedução e
exposição por Marx porque o materialismo dialético mostrou já com a maior
clareza a objetividade real das coisas, com o que se impede a confusão e
difusão das fronteiras que existem entre essa real objetividade e a
peseudorealidade feiticista. (Estas reflexões se justificam aqui porque
estamos interessados em indicar a oposição filosófica entre materialismo e
idealismo; porém é evidente que Hegel, especialmente em sua juventude,
não dispunha dos conhecimentos econômicos que permitissem deduzir essas
formas enfeitiçadas partindo da concreta estrutura econômica da sociedade).

A importância deste fato não é pequena, de que podemos encontrar no


jovem Hegel nada mais do que indícios sumariamente confusos, como que
envolvidos em névoa mística, de importantes relações sociais e filosóficas.
Trata-se de duas tendências mentais intimamente relacionadas e que
desempenharam importante papel no desenvolvimento posterior da
estrutura da dialética hegeliana. Estas tendências são: primeira, que a
história humana inteira com todas as formas de sociedade que nascem e
morrem em seu curso, é um produto da atividade social dos homens.
Segunda, que dessa atividade social dos homens nascem algo diverso do
que eles imaginavam e propunham com suas ações, que o produto da
atividade social dos homens crescem acima deles e alcançam em face de
eles como um poder independente, uma objetividade própria. Que se pense
como, segundo a concepção de Hegel, o cristianismo chega a ser algo
essencialmente diverso do que propunha seu fundador. Porém esta dialética
tem como consequência também em todo o desenvolvimento do
cristianismo. Resultou de nossas considerações que o conceito hegeliano de
positividade não é, segundo a concepção do jovem Hegel, algo que haja

105
penetrado de fora na história humana. Ao contrário, precisamente na
dedução desse conceito alcançou o historicismo de Hegel o ponto
culminante de suas possibilidades na época, Hegel expôs apaixonadamente
como produto de um processo social interno – um processo, sem dúvida, de
dissolução e decadência – os aspectos da religião cristã que mais
energicamente apresentam a pretensão de ultra humanidade (Deus
onipotente, Revelação, milagres, etc.). A positividade, a culminação histórica
da inatividade social humana, da aniquilação do homem, surge, segundo a
concepção hegeliana, da auto aniquilação do homem, surge, segundo a
concepção hegeliana, do desenvolvimento necessário da atividade social dos
homens.

Não podemos dar nenhum passo adiante, na análise dessas concepções do


jovem Hegel, sem referir, repetidamente às limitações idealistas de sua
imagem do mundo. Pois vimos que as tendências corretas contidas nos
esboços de Hegel, que apontam a um conhecimento real das conexões
sociais fracassam sempre pelo fato de que a concepção da positividade
desemboca e transmuta ao final na teoria da objetividade em geral. Como
sabemos – e mesmo exporemos detalhadamente no capítulo IV – esta
tendência resultou negativamente determinante para toda a dialética
hegeliana. Porém não se pode passar por cima, que as grandes tendências
da dialética hegeliana, aquelas que apontam para o futuro, nasceram
historicamente num entrelaçamento intimo com seus aspectos débeis, ao
ponto de que o estudo da gênese histórica dessa dialética tem por tarefa
mostrar essa ligação para em seguida esclarecer na crítica. Em nosso caso, o
problema consiste em que o jovem Hegel transforma a morta objetividade
das religiões positivas em um movimento social, em um produto da
atividade social dos homens. Com isto dá o primeiro passo no caminho no
final do qual contemplamos a ideia básica do seu método dialético: a
transformação de todo ser estático em movimento. Por certo Hegel tem
muito caminho por diante até chegar a este final. Pois, em primeiro lugar,
suas tendências neste sentido, se limitam no período de Berna, aos
problemas sociais. Assim mesmo não há indícios de uma generalização, com
a passagem à ideia do movimento em geral, tal como se apresentará em
seguida na sua Lógica. E o estudo deste caminho do desenvolvimento
hegeliano será neste nosso trabalho muito limitado. Pois tivemos de nos
limitar às concepções sociais de Hegel. E exatamente na generalização que
citamos desempenha um papel extraordinário grande o estudos das ciências
da natureza por Hegel e o aproveitamento de seus resultados filosóficos na
época. Somente, pois, um trabalho complementar sobre o desenvolvimento
de suas concepções filosófico-naturais pode oferecer-nos uma verdadeira
solução do problema histórico.

Porém também dentro do âmbito das categorias sociais está ainda o jovem
Hegel muito longe de conseguir um método realmente filosófico partindo de
106
seu esboço de uma conexão dialética da reprodução mental dos objetivos
sociais como produtos da atividade humana, de sua dissolução mental em
movimento social. O contraste entre os dois períodos estudados por ele é
muito rígido e metafísico para permitir essa passagem ao método: no mundo
grego, tudo é atividade autônoma e vida pública; no cristianismo, tudo é
passividade e vida privada. O mundo do citoyen antigo opõe-se rigidamente
ao do burguês moderno. E não pode mesmo se falar de consciente
penetração na dialeticidade pela qual a passividade dos homens na era cristã
é também uma forma de atividade social. Ainda menos aparece a
compreensão de como se entrelaçam contraditoriamente em qualquer
sociedade os interesses individuais dos homens e das classes (Hegel fala
sempre de “estamentos”) com os interesses públicos. Nos capítulos restantes
nos ocuparemos detalhadamente dos progressos da concepção dialética do
movimento social que permitiu a Hegel seu conhecimento dos problemas da
economia política; também então teremos que registrar as necessárias
limitações postas a seu conhecimento. Aqui teremos que limitar-nos a indicar
por meio de resumo que seu obscuro esboço da dialética histórico-social não
passou de esboço por causa das limitações idealistas gerais de seu
pensamento e de sua herança metafísica, ainda não superada.

Mas naquela confusa antecipação havia diversas tendências importantes


tanto por seu valor geral científico quanto pelo seu papel no posterior
desenvolvimento hegeliano. Trata-se, sobretudo, da ideia de que o
fundamento real da vigência de uma religião é sua adequação à situação
social da qual se originou ou passou a ser dominante. Hegel supera assim
aquelas concepções que não veem na religião senão um consciente engano
do povo; tal era a posição ideológica de muitos iluministas. Vimos que
rebaixar este ponto de vista não significa no jovem Hegel qualquer tolerância
ao cristianismo. O jovem Hegel fala com patética e satírica indignação das
diversas formas de superstição e engano, que segundo sua concepção à
época, nascem necessariamente da essência do cristianismo. O progresso
consiste exatamente no reconhecimento desta necessidade, e em sua
concretização sociológica. Assim, por exemplo, Hegel mostra com diversos
exemplos como os costumes originais das comunidades cristãs primitivas,
nas quais dominava ainda certa fraternidade, certa igualdade social, tinham
obrigatoriamente que transformar-se em hipocrisia com a penetração das
diferenças sociais e econômicas nelas e com a sanção dada pela Igreja
Universal, em seguida a sua constituição, dadas a essas diferenças. E, por
outro lado, a argumentação do jovem Hegel se baseia sempre em que
mesmo as concepções cristãs são crassamente contraditórias à verdade, a
razão e dignidade humana, foram, contudo, exatamente por essa
contraditoriedade, adequadas à situação social e moral da época. Por isto, o
simples desmascaramento das doutrinas cristãs como engano e hipocrisia,
que é no máximo ao que chegam os iluministas, em um solo mais concreto

107
filosófica e socialmente. Também segundo a exposição do jovem Hegel são
os homens vítimas do engano do sacerdócio cristão, porém o filosofo pensa,
além disso, com mais concreta profundidade, que somente podem ser
enganados porque a dissolução da sociedade, em que vivem e o
anquilosamento moral devido a essa decomposição exigem precisamente
um engano do tipo operado pelo sacerdócio cristão.

Outra tentativa de progredir neste sentido da concretização histórico-social é


o conceito desse especial caráter não-objetivo, não-positivo da religião
grega, que tão importante papel desempenha nas concepções do jovem
Hegel. Certamente que aqui se manifesta de modo mais enérgico o caráter
contraditório do subjetivismo da época, e que suas absurdas consequências
ficam ainda dissimuladas somente pelo fato de que o jovem filósofo não
explicita radical e abertamente todas as consequências filosóficas de sua
atitude básica. Apesar de tudo, repito, o contraditório caráter do
subjetivismo da época se manifesta neste ponto do modo mais plástico.
Estamos pensando, naturalmente, no caráter não-objetivo de todo o mundo
grego, na concepção de uma atividade autônoma livre e subjetiva, que não
cria os objetos, por assim dizer, mas reservando-se a possibilidade de voltar
a anulá-los, objetos, isto é, que podem ser transformados em subjetividade
antes que o sujeito possa fixa-los em sua independência e substantividade,
objetos que podem ser retro-atraídos sempre à ativa subjetividade do povo.

Esta concepção da subjetividade desempenhará mais tarde um importante


papel no sistema hegeliano. Uma das questões capitais dialéticas da
Fenomenologia do espírito é, com efeito, a transmutação da substância em
sujeito. A concepção juvenil hegeliana do mundo grego contém a primeira
semente desta ideia. E isso principalmente em suas aplicações
revolucionárias no presente, no sonho da renovação do mundo grego, da
atividade autônoma e a liberdade do povo, da não-objetividade do mundo
que começa com o período da Revolução Francesa. Traduzida na linguagem
da Fenomenologia do espírito, topamos, pois, com o seguinte esquema:
período do sujeito ainda não transformado em substância; subjetividade
absorvida pela substância (positividade); retrodução da substância ao sujeito
de novo desperto. Como é natural, isto não está escrito tão claramente na
obra do jovem Hegel quanto na Fenomenologia do espírito, mas isto
sublinha as construções históricas daqueles escritos.

Certamente, como veremos nos capítulos seguintes, o desenvolvimento


posterior da filosofia hegeliana da história não procede só da direção que
ruma ao desenvolvimento metodológico, ao esclarecimento dialético do
curso da história, mas também na direção que aponta para a reconstrução
deste esquema histórico. Pois, no Hegel posterior a história não começa com
esse período grego, e isso no sentido em que (como já ocorre em Frankfurt),
ele inclui em sua filosofia, os problemas históricos do Oriente, mas também

108
em um sentido filosófico geral. No Hegel posterior, o curso da historia perde
progressivamente o curso que possuía na triada rousseauniana: liberdade,
perda dela e sua recuperação. Em seu lugar aparece uma concepção de
mundo mais evolucionista da difusão geral da liberdade no curso da história:
liberdade só para um (despotismo oriental); liberdade para alguns (Mundo
Antigo clássico); liberdade para todos (cristianismo e Idade Moderna).
Contudo, seria falso crer que a concepção juvenil de Hegel desapareceu em
seguida de sua filosofia sem deixar rastro. Antes, pelo contrário, essa
concepção – mesmo sem dúvida de forma muito modificada e desprovida
de sentido histórico – subjaz fundamentalmente no sistema, tal como este se
apresenta na Enciclopédia. O esquema estrutural básico é aqui o seguinte:
lógica (autoatividade do espírito). Filosofia da natureza (alienação do
espirito); filosofia do espírito (caminho do espírito para a plena liberdade,
para o sujeito-objeto idêntico, como resultado final da filosofia do espírito).

Contudo, inclusive prescindindo destas prolongadas consequências, dessa


subconsciência sobrevivente do primeiro esquema, imaturo e não pensado
até o fim, do desenvolvimento de Hegel, sua concepção contraditória do
mundo grego tem também outras implicações mais concretas e mais
importantes historicamente. Na crítica de suas concepções pelo que faz à
filosofia da religião aludimos àquelas debilidades da posição hegeliana pelas
quais o filósofo, em vez de recusar e combater a religião em geral, opõe à
religião positiva uma religião não-positiva.

Esta debilidade da concepção juvenil de Hegel contribuiu poderosamente


para a popularidade de seus escritos juvenis no período imperialista. A
propósito do qual é preciso observar, naturalmente, que esta popularidade
consistiu somente no costume de citar frequentemente algumas passagens
confusas, e não em estudar seria e complexamente todo o seu
desenvolvimento juvenil. Entretanto, não há dúvida de que, ademais do
suposto irracionalismo do jovem Hegel, também essa religião sem objeto
determinado, essa religião etérea e estética, sem substância nem dogmas,
desempenhou um papel importante nessa popularidade. Os ideólogos
reacionários do período imperialista não se atreveram muitas vezes –
especialmente antes da I guerra mundial – a apresentar uma defesa aberta
das religiões realmente existentes, porém ao mesmo tempo queriam
conservar – inclusive no sentido de por em conserva – a religião como tal no
terreno do pensamento. Lenin avaliou muito claramente o grande perigo
ideológico dessas tendências. Em uma carta a Gorki escreve sobre elas: “Um
padre católico que estuprou uma moça (..) é menos perigoso para a
democracia que um padre sem paramentos litúrgicos, que um padre sem
religião grosseira, um padre ideal e democrático que predique a criação de
um novo Deus. Pois é fácil desmascarar ao primeiro, e não é difícil expulsar-
lhe e condenar-lhe; enquanto que o segundo não é tão fácil de isolar, é mil

109
vezes mais difícil de desmascarar, e nenhum pequeno-burguês débil e
vacilante se declarará disposto a o condenar”(7).

Esta debilidade central da concepção juvenil de Hegel tem, porém uma


grande importância para o desenvolvimento posterior de seu pensamento.
Esta mesma ideia, com efeito, de que a religião grega não é uma religião no
sentido do posterior cristianismo positivo leva Hegel à tentativa de elaborar
uma ideia concreta e do ser do mundo helênico. E esses traços históricos se
acusam tanto mais quanto menos se enlaça a concepção hegeliana da
Grécia com sua concepção do presente e com suas perspectivas do futuro,
ou seja, quanto mais resolutamente contempla o Mundo Antigo como algo
transcorrido definitivamente passado, como algo superado da implantação
do espírito. Nos capítulos seguintes mostraremos em detalhes de que modo
essa modificação das concepções de Hegel estão entrelaçadas com sua nova
atitude face o presente, diante da atualidade histórica da Revolução, de
república democrática na Alemanha e veremos ao mesmo tempo as
importantes consequências que tiveram essa mudança de atitude para todo
o sistema hegeliano.

Aqui basta observar nesta especial concepção da Antiguidade está à semente


da concepção histórica, da estética hegeliana, do destino histórico da beleza
no curso do desenvolvimento da humanidade. Como é sabido, no sistema
posterior de Hegel a arte grega é propriamente a objetivação do princípio
estético, e essa arte e essa objetivação própria de modo algum se baseiam
em princípios da natureza artístico-formal, mas explicitam, como resultado
da análise orgânica da vida grega em sua totalidade. Em todos os períodos
posteriores, e já no romântico (que para Hegel inclui a Idade Média e o
Renascimento); o estético se apresenta em uma forma que já não é
realmente pura. E a passagem dialética do espírito sobre esse segundo
período não acrescenta, ao superá-lo, uma volta ao grego, mas, ao
contrário, à época ou ao período do espírito em sua forma conceitual, ou
seja, dito esteticamente, na prosa. Com isso o mundo grego recebe no
posterior sistema hegeliano um papel e uma importância específicas e este
novo papel devemos muito a concretude e riqueza dos princípios estéticos
hegelianos. Como é evidente, as fundamentações de princípios dessa
periodização são de um caráter ideológico, muito idealistas. E o grande valor
destas análises da estética hegeliana encontra-se precisamente nos pontos
em que Hegel, vai além de seus próprios princípios e estuda a vida grega em
sua fenomenalidade real, nas reais objetivações que recebeu na arte.

Mas não se deve esquecer que para Hegel mesmo esta concepção segundo a
qual esta religião grega não tem um caráter propriamente religioso foi a
chave e acesso a investigação da especificidade da vida grega, embora os
resultados efetivamente conseguidos pelo filósofo superem amplamente o
seu traço idealista.

110
A trágica contradição própria do desenvolvimento de Hegel faz-se visível
também neste ponto teórico. Como pensador alemão de finais do século
XVIII e inicio do século XIX, Hegel não podia mais do que eleger entre o
ilusionismo utópico e uma resignada adaptação à miserável realidade alemã
da época. O mundo grego não podia ser para Hegel mais do que a ilusão
jacobina da renovação democrática da humanidade – que foi para ele
efetivamente no período de Berna – ou uma época de florescimento,
definitivamente caduco, da beleza, da cultura orgânica, que devia seguir o
período da prosa seca, uma prosa da qual não há saída para o homem, uma
prosa com a que tem de contentar-se mentalmente, e a correta conceituação
da qual é o negócio supremo da filosofia. Sabemos em que direção moveu-
se o pensamento de Hegel de um dos ramos dessa alternativa para e até a
outra, e nos capítulos vindouros poderemos estudar algumas etapas
importantes deste caminho. Veremos também que a dialética hegeliana não
pode nascer senão graças a que o desenvolvimento de Hegel discorreu nesta
direção. Por isso os jacobinos heroicos que foram os predecessores ou
contemporâneos de Hegel, como Georg Foster ou Hölderin, não passaram
de figuras episódicas do desenvolvimento ideológico da Alemanha.

Porém, é muito instrutivo lançar um olhar para estes problemas da diferença


que existe entre a dialética idealista de Hegel e a materialista de Marx e
Engels. Também Marx tem o mundo grego no centro das considerações
estéticas; também para ele representa a cultura grega o modo de
manifestação mais puro e mais alto alcançado até agora pela atividade
estética da humanidade. Marx destacou insistentemente este caráter
orientador da arte antiga. A seguir de haver feito alusão às condições
históricas concretas de sua gênese, sublinha Marx:

“Porém a dificuldade não consiste em entender que a arte e época grega


estejam ligadas com determinadas formas de desenvolvimento social. A
dificuldade consiste em que essa arte e essa épica continuem produzindo em
nós prazer artístico, e que sigam valendo o forma e modelos inatingíveis”(8).

Marx também opôs abruptamente a beleza grega ao prosaísmo capitalista. E


como Marx penetrou no ser do capitalismo de modo muito diverso de Hegel
inclusive no período de sua maturidade científica, e como Marx se
encontrava em uma posição mais irreconciliável e muito mais profunda e
cientificamente fundamentada, esta sua condenação da cultura capitalista é
mais profunda, mais ampla e aniquiladora do que poderia ser a de Hegel.
Exatamente por isso não pode apresentar-se a Marx, como se produziu mais
tarde em Hegel, um estado de ânimo de resignação diante da cultura
humana: a contemplação da passada imperecedoura beleza da Antiguidade
não é para Marx motivo de melancolia. Exatamente sobre a base desse
profundo e amplo conhecimento da humanidade, das verdadeiras forças
motrizes, desenvolve Marx a perspectiva já não utópica, mas científica, da

111
renovação da humanidade sob o socialismo. A exemplaridade da arte grega
é desta perspectiva uma herança tremenda para a humanidade para que no
período de sua libertação, uma vez superada sua “pré-história”, crê com essa
herança numa cultura que supere amplamente todo o passado. Na resolução
do dilema hegeliano entre utopia e resignação se apreciam não somente a
superioridade científica da dialética materialista sobre a idealista, mas
também o fato de que inclusive quando aprendeu muito com He, nos
pontos em que salvou para o futuro pontos essenciais do pensamento de
Hegel, a dialética materialista deu aos descobrimentos dele um significado
completamente novo.

Porém para Hegel não havia saída deste dilema. Seguir com seu caminho de
juventude não haveria significado ao final senão sofrer o destino de um
Forster ou de um Hölderin. As semente e interrupções, as vezes geniais, de
seus escritos juvenis do período de Berna não podiam ter importância para o
pensamento humano mais do que Hegel superou o ilusionismo republicano
de seu primeiro período juvenil. Vimos que todas aquelas interrupções, por
confusa e imatura que fosse à forma, apontavam para a concepção dialética
da história. Porém o jovem Hegel não está ainda capacitado em seu período
bernense para chegar a um domínio realmente dialético da história, nem
mesmo dentro dos limites de uma dialética idealista. O melhor modo de vê-
lo assim consiste em notar que as principais categorias dialéticas de seu
método posterior – imediatidade e mediação, universal e particular em sua
interação dialética, etc. - não existem nem mesmo vagamente neste período.
O que já existe é um esquema do curso da história que não é adialético em
seu núcleo, porem cujo desenvolvimento filosófico esta ainda repleto de
meios conceituais metafísicos. E se o jovem Hegel se afasta muitas vezes de
concepções metafísicas, isso ocorre porque deixa de explicitar algumas
consequências de seus pressupostos deixando-os num confuso claro-escuro.
Porém uma situação assim é uma solução apenas aparente, e um pensador
da categoria de Hegel não poderia sentir-se satisfeito com tais pseudo-
soluções. Observamos também que essa confusão, esse claro-escuro, não
tem primariamente causas sistemáticas, metodológicas. Mais de uma vez
ficou claro, ao contrario, que a obscuridade e confusão da metodologia do
jovem Hegel dependem da confusão e utopia diante de seu presente. A
verdade do princípio de Marx, segundo o qual o correto conhecimento dos
estádios superiores do desenvolvimento histórico dá a chave da
compreensão dos anteriores, o princípio de que há de se conhecer o
presente para expor corretamente a história do passado e com verdade, se
confirma também no caso de Hegel. A crise decisiva de seu pensamento – à
exposição detalhada para qual passaremos no capitulo seguinte- é
precisamente a mudança face ao presente, a realidade capitalista.

112
(1) Engels, Feuerbach, op. cit., p. 48. (retornar ao texto)

(2) Nohl, p. 225. (retornar ao texto)

(3) Haym, Hegel und seine Zeit [Hegel e seu Tempo], 2ª edição, Leizig,
1927, p. 164. (retornar ao texto)

(4) Engels, Feuerbach, op. Cit. p. 80. (retornar ao texto)

(5) Lenine, Aus dem philosophischen Nachlass [Cadernos Filosóficos],


Berlim, 1949, p.325. (retornar ao texto)

(6) Marx, Differenz der demokritischen und epikureischen Naturphilosophie


(Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro], MEGA
I, vol I. parte I. p. 80. (retornar ao texto)

(7) Lenine, Carta a Máximo Gorki de 14 de novembro de 1913. Para


algumas questões referentes a esse desenvolvimento ideológico na
Alemanha pode-se consultar meu trabalho “Feuerbach und die deustsche
Literatur [Feuerbach e a Literatura alemã] em meu livro Literaturtheorien
des 19. Jarhunderts und des Marxismius [As teoria literárias do século XIX e
as do marxismo). Gospolitizdat, 1937. (retornar ao texto)

(8) Marx, Zur Kritik der politischen ökonomie [Contribuição à critica da


economia política], Berlim, 1951, p. 269. (retornar ao texto)

113
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético (Frankfurt, 1797-1800)
1 – Caracterização geral do período de Frankfurt

Não havia ponte alguma que unisse as concepções do período de Berna


com a realidade social do presente alemão. A inatualidade objetiva e a
impossibilidade de uma revolução burguesa na Alemanha privavam por
antecipação as tentativas de pôr em prática aquelas concepções. E a
natureza de Hegel estava desde o primeiro momento orientada
energicamente para a prática. Hegel teve sempre a esperança de poder
intervir na vida política de seu tempo, É, por exemplo, característico, que
depois da composição a Fenomenologia do Espírito haja aceitado
agradavelmente e cheio de esperanças o cargo de redator que lhe
ofereceram em Bamberg; a decepção começou no curso desse trabalho,
sobretudo em consequência de extraordinárias limitações do campo de
atuação desta publicação sob as condições da censura da época.

É um fato que uma camada relativamente grande da intelectualidade


burguesa alemã simpatizasse com as ideias da Revolução Francesa. De
acordo com toda probabilidade, essa camada era bastante maior do que
pode se crer baseando-se nas tendenciosas exposições da historiografia
burguesa. Mas, de qualquer forma, não foi suficientemente ampla e influente
de modo a possibilitar material e moralmente uma difusão editorial, filosófica
ou poética das ideias da Revolução Francesa. Assim o prova o trágico
destino do amigo juvenil de Hegel, Hölderlin.

A defasagem entre as concepções de Hegel no período de Berna e a


realidade social fica aprofundada pelo desenvolvimento da Revolução
Francesa. E isso em dois sentidos: por um lado, por causa do
desenvolvimento interno das lutas de classes em França; por outro, em
consequência dos efeitos das guerras da República Francesa contra a
intervenção absolutista-feudal.

O grande ponto de inflexão na história da Revolução Francesa, Termidor


(1794), esse ainda no período bernense de Hegel. Parece que o
acontecimento não impressionou imediatamente ao filosofo de um modo

114
decisivo. Vimos que estava de acordo com as repressões contra os
robespierristas; mas isto nada mais prova que sua separação por princípio da
ala plebeia radical da Revolução Francesa. Em suas concepções
republicano-revolucionárias não podemos apreciar nenhuma diferença
correspondente a Termidor. Este fato, que é sem dúvida surpreendente à
primeira vista, tanto pelos desenvolvimentos da própria Revolução Francesa
quanto pelos pontos de vista estimados pelo jovem Hegel. A história interna
da França sob o Diretório foi uma constante oscilação dos republicanos
burgueses — que queriam conservar e desenvolver as conquistas da
Revolução Francesa necessárias ao avanço da burguesia —, entre as
pretensões da reação monarquista e os esforços dos partidos plebeus radicais
que tentavam seguir a anterior linha radical da Revolução. Os dirigentes dos
republicanos burgueses tentavam realizar acordos constantemente, algumas
vezes com sua direita outras com sua esquerda. A instável situação das lutas
de classes em França suscitou o desejo de uma ditadura militar pelo lado da
burguesia francesa (9 de novembro de 1799: golpe de estado de Napoleão
Bonaparte).

Ainda mais importante para a compreensão deste período é a qualificação


social de Termidor. Diferente da historiografia liberal e de seus repetidores
trotskistas, Marx exprimiu com extraordinária clareza o conteúdo social de
Termidor: “A queda de Robespierre, o iluminismo político (...) que havia
sido poeticamente inchado, começa a realizar-se prosaicamente. Sob o
governo do Diretório irrompe a sociedade burguesa em poderosas torrentes
de vida: a própria Revolução a havia liberto dos laços feudais e a havia
reconhecido oficialmente, ainda que o Terror houvesse quisto sacrificá-la
segundo uma vida pelo modelo antigo, Sturm und Drang [Tempestade e
Ímpeto – n.do t.], por empresas comerciais, avidez de enriquecimento,
atividade intensa da nova vida burguesa, cujo gozo de si era ainda fresco,
alegre e despreocupado, frívolo, embriagador; real clareza da situação da
terra francesa, cuja articulação feudal havia sido despedaçada a golpes de
marreta pela Revolução e que fica agora submetida pela primeira febre de
muitos novos proprietários a um cultivo polifacético; primeiro movimento da
indústria liberta: tais são alguns dos sinais vitais da sociedade burguesa
recém-surgida. A sociedade civil fica positivamente representada pela
burguesia. Assim a burguesia começa seu domínio”(1).

Esta nova orientação no desenvolvimento da classe burguesa em França se


reflete, como é natural, na Alemanha atrasada de modo ainda mais
deformado, mediado e ideológico que os acontecimentos heroicos da
própria Revolução. Não poderia produzir-se na Alemanha um florescimento
econômico comparável com o que ocorreu em França. Poucos foram os
observadores alemães que entenderam, ou que poderiam entender os
aspectos econômicos do desenvolvimento francês depois de Termidor. Tanto
mais profundamente arraigam as manifestações ideológicas coerentes. Seja
115
pelo fato que a maior parte dos humanistas burgueses alemães careceu de
toda compreensão para o ascetismo plebeu da extrema esquerda
revolucionária e o rechaçaram, tinha que produzir neles a simpatia por este
regime burguês que recusava o feudalismo e a reação, mas atuava com
grande energia contra os “extremos” revolucionários, e constituía-se num
regime burguês risonho e alegre afirmador da vida. Esta simpatia, que mais
tarde se concentra na pessoa de Napoleão Bonaparte, contém uma
transfiguração e uma idealização humanístico-idealista do período posterior
a Termidor.

As novas ilusões esperam que o ideal humanístico do homem plena e


harmonicamente desenvolvido seja plenamente realizável na sociedade
burguesa do presente. Certamente os representantes mais importantes desse
humanismo burguês viram também as contradições do novo
desenvolvimento, especialmente os obstáculos e inibições que a sociedade
capitalista opõe à verdadeira implantação da personalidade. A discussão
desses problemas constitui um dos conteúdos capitais da literatura clássica
alemã. E no curso da análise das concepções de Hegel poderemos observar
que seus posicionamentos correm em paralelo com o dos principais
representantes do humanismo clássico alemão, Goethe e Schiller. Os
neohegelianos imperialistas aproveitam principalmente a confusão, a
obscuridade e o misticismo do pensamento e a terminologia de Hegel no
período de Frankfurt para fazer dele um precursor ou partidário do
romantismo reacionário, colocam também aqui invertida a imagem do
desenvolvimento real.

Esta etapa dos acontecimentos franceses põe, pois, em primeiro lugar a


discussão da sociedade burguesa. Como correspondem ao atraso
econômico, político e social alemão, a discussão se produz de acordo com
uma linha quase exclusivamente ideológica. Não se trata de propor
politicamente os problemas da sociedade burguesa, como acontece em
França, nem tampouco de analisar cientificamente as leis econômicas
subjacentes a ela, como fizeram em Inglaterra, mas se trata simplesmente de
um estudo da situação do homem, da personalidade e de seu
desenvolvimento é sem dúvida um eco do desenvolvimento francês pós-
termidoriano, e este eco se lança a uma considerável culminância de
realismo na poesia da época, especialmente na de Goethe.

Na filosofia do jovem Hegel se apresentam, naturalmente, muito mais


acentuados e dominantes, os traços idealistas. Mas, já aqui – antecipando
uma tendência básica do desenvolvimento de Hegel – é preciso sublinhar
que o filósofo é o único pensador alemão da época em que a discussão da
sociedade burguesa chega a se ocupar seriamente dos problemas da
economia. E isto se manifesta não pelo fato de que Hegel seja o único
pensador alemão importante da época que estudou seriamente aos

116
economistas ingleses clássicos, mas também a circunstância de que o estudo
se estenda inclusive, como veremos, à situação econômica concreta da
Inglaterra. Enquanto em Berna levanta sua construção histórico-filosófica
sem basear-se mais do que ao fato histórico-universal da Revolução
Francesa, a partir deste momento o desenvolvimento econômico da
Inglaterra se converte em outro elemento básico de sua concepção histórica,
de sua concepção de sociedade. Seguramente não fará falta detalhar que
também neste caso Hegel continua sendo um filósofo alemão de seu tempo,
cujas concepções fundamentais estão decisivamente determinadas pelo
atraso da Alemanha.

Esta componente se reforça muito no período de Frankfurt, e isso


precisamente devido ao curso da Revolução Francesa. Hegel regressa à
Alemanha depois de três anos de ausência, passa três meses em sua terra
natal de Württemberg e depois se dirige para viver num dos principais
centros comerciais da Alemanha, Frankfurt. Tem, pois, a possibilidade de
observar de perto os efeitos da Revolução Francesa na vida alemã. Estes
efeitos eram em Württemberg bastante consideráveis, e provocaram ali uma
crise de governo que duraram anos, mesmo que não passara em suas
dimensões dos marcos prescritos pelo atraso político da Alemanha. O
problema de como tem de modificar-se a estrutura feudal-absolutista da
Alemanha pela Revolução Francesa se põe, pois, agora para o jovem Hegel,
não como um problema pura e genericamente histórico-filosófico, mas
politico concreto.

Mas neste momento a influência da Revolução Francesa na Alemanha não


se limita só ao terreno ideológico, a produzir o despertar que a formas de
governo feudal-absolutista são insustentáveis. Exatamente nesta época as
guerras defensivas da República Francesa passam a uma ofensiva quase
ininterrupta. Isto significa que a França deixa de ser o campo de batalha, e
passam a sê-lo Alemanha e Itália. Ao mesmo tempo, e em consequência das
transformações subsequentes e coerentes a Termidor, a mistura de guerra
ofensiva e guerra de propaganda política, que era característica dos
primeiros anos da Revolução, se convertem preponderantemente em guerra
de conquista, Conservam-se sem dúvida em todo o período, inclusivo sob o
Império, alguns elementos da guerra de propaganda política. Todo governo
francês da época se vê obrigado a liquidar ao máximo nos territórios
conquistados os restos feudais, e se aproximar da situação econômica e
política à francesa. Mas esta tendência vai se subordinando cada vez mais
aos objetivos da conquista da República burguesa e a seguir do Império.

Assim as guerras com a França afetam direta e profundamente à vida dos


alemães. Como veremos mais tarde minuciosamente, a influência resultante
foi extraordinariamente contraditória. Por um lado, os ideólogos melhores e
mais progressistas da Alemanha depositaram na influência da Revolução

117
Francesa suas esperanças pelo que faz por uma renovação do país, e às
vezes se puseram inclusive na intervenção armada francesa. Basta pensar na
República de Maguncia e em sua relação com as vitórias transitórias das
campanhas de Custine; esse mesmo estado de ânimo existia nos tempos da
Federação Renana. Por outro lado, a conquista francesa complicou mais a
profunda desagregação nacional de Alemanha. A unidade nacional, o
nascimento do Estado nacional unitário, parece afastar-se ainda mais, e sua
realização se faz ainda mais contraditória.

Ao estudar o período de Frankfurt veremos o quanto estava despreparado


Hegel para dominar politica e filosoficamente as contradições surgidas desta
situação. Mas também veremos como, precisamente esse aproximar-se dos
concretos problemas da sociedade burguesa, do atual destino social e
político da Alemanha, a contraditoriedade se pôs cada vez mais
intensamente no centro de seu pensamento, e a contradição passou a ser
vivida, por ele como fundamento e força motriz da vida. Pusemos em itálico
a palavra “vivida” porque o desenvolvimento de Hegel não procede de
passar de um sistema ao outro, como é em resumo o caso de Schelling.
Teremos de lembrar o período de Berna, e especialmente aquele traço de
seus trabalhos bernenses, que consistia no escasso interesse pelos problemas
filosóficos, sobretudo os epistemológicos e lógicos. Ele queria dominar com
o pensamento determinadas conexões temáticas e usava a filosofia para
realizar as generalizações imprescindíveis nesta tarefa. Tal continua sendo de
imediato, e em geral seu método de trabalho em Frankfurt. Mas veremos
que paralelamente à concretização cada vez mais intensa de seus problemas
sociais e políticos, a passagem a posicionamentos conscientes e diretamente
filosóficos é cada vez mais curta e rápida, que os posicionamentos sociais e
políticos, se transmutam cada vez mais diretamente em outros filosóficos. E é
interessante observar que isto ocorre tanto mais violenta e diretamente
quanto mais é precisamente a contradição o núcleo filosófico do problema
concreto tratado em cada caso.

A dificuldade de uma interpretação direta dos apontamentos e fragmentos


de Hegel no período de Frankfurt se deve exatamente a que esta
transmutação é na maioria dos casos extraordinariamente abrupta, sem
mediação, sem dedução. O pensamento de Hegel durante seu período de
Frankfurt, em violento contraste não somente com seu desenvolvimento
anterior, mas também com o posterior, parte quase sempre de vivências
individualmente matizadas, e chega estilisticamente tanto a impressão da
paixão como da imprecisão e obscuridade da vivência pessoal. E a
incipiente formulação filosófica das contradições vividas está diretamente
ligada a vivencias individuais e carece quase sempre de real claridade e
univocidade, tanto no conteúdo quanto na forma. As primeiras formulações
filosóficas de Hegel se perdem frequentemente em uma mística abstração. A
isso se acrescenta que a princípio sente pouca necessidade de compor
118
sistematicamente as vivências ideais individuais. Hegel quer, sobretudo,
resolver determinados problemas concretos históricos e políticos. As
concepções filosóficas crescem ao longo desse esforço, cada vez mais
robusto, intima e estreitamente ligados com suas análises dos fenômenos
particulares. Ao final do período de Frankfurt realiza por ultimo a primeira
tentativa em sua vida de compor em um sistema suas concepções filosóficas.

A primeira aparição do método dialético em Hegel é, pois,


extraordinariamente confusa. As contradições vividas das manifestações
individuais da vida ficam situadas em um mistificado contexto ao qual ele
chama “vida” durante este período. Não rompeu ainda sistematicamente
com a lógica e a teoria do conhecimento do pensamento metafísico. Por isso
a contradição entre pensamento metafísico e dialética se manifesta primeiro
como contradição entre pensamento, representação, conceito, etc., por um
lado, e a “vida” por outro. Nesta contradição se manifesta a profundidade
da posterior dialética de Hegel, aquela apaixonada tendência de aprisionar
os concretos fenômenos da vida em toda sua contradição, a tendência pela
qual, como assinalou Lenine, Hegel muitas vezes se aproxima da dialética
materialista. Porém, no período de Frankfurt a concepção desta vida está
desfocada por sua falta de clareza e está repleta de conteúdo místico. A
oposição entre representação e vida leva, com efeito, Hegel a ver na religião
a consumação plena da “vida”, e, portanto, a culminação do sistema
filosófico.

Trata-se de uma inflexão importantíssima em relação ao período de Berna.


Como veremos a seguir detalhadamente, o fundamento desta mudança de
perspectiva consiste em que o posicionamento central de Hegel seja agora a
posição do indivíduo, do homem na sociedade burguesa. Em Berna, Hegel
tinha observado, de fora, por assim dizer, a sociedade burguesa de sua
época, ou seja, havia considerado todo o desenvolvimento histórico que vai
do final da república romana até o seu presente como um período de
decadência, como algo historicamente transitório, apesar de que houvessem
durado séculos, por algo que tinha de ser a renovação das antigas
repúblicas; por isso, coerentemente, prestou mais atenção aos traços
negativos deste período. Poderia dizer-se que no período de Berna Hegel
havia considerado a sociedade burguesa como um fenômeno unitário da
decadência.

A nova etapa de desenvolvimento de Hegel se caracteriza, sobretudo pelo


fato de ver na sociedade burguesa um dado básico e imutável, com cuja
essência e legalidade objetiva tem então que enfrentar no pensamento e na
prática. Este confronto, esta ocupação nova, começa sobre uma base muito
subjetivista. Quer dizer: Hegel não posiciona ainda o problema do ser
objetivo da sociedade burguesa, como fará mais tarde em Iena. Seu
problema é antes como deve comporta-se o homem individual com a

119
sociedade burguesa, como entram em contradição os postulados morais e
humanistas do desenvolvimento da personalidade com a estrutura e a
legalidade da sociedade burguesa, e como apesar de tudo estes postulados
podem se harmonizar com esta, reconciliar-se com esta. Com isto está dito
que mudou radicalmente a atitude de Hegel em relação ao presente. Para
qualificar sua nova atitude utilizamos a categoria de seu sistema que a seguir
será célebre e terá a má fama, a categoria de ”reconciliação”. E não por
acaso, pois esta categoria – contra a qual manteve o próprio Hegel, em
Berna, como se recordará (ver Capítulo I – 5 - O cristianismo: despotismo e
a escravidão do homem), a luta mais violenta, se apresenta neste período
exatamente como um problema central do pensamento. A relação entre
indivíduo e sociedade burguesa se estuda certamente agora na busca de
suas contradições, ou mais precisamente, no curso do estudo concreto
surgem constantemente novas contradições; mas o objetivo do pensamento
de Hegel é agora superar e suprimir essas contradições leva-las a
reconciliação. (Também a palavra Aufheben – superação e preservação -,
tão importante a seguir, se preserva pela primeira vez no período de
Frankfurt, e nele vai sendo uma categoria cada vez mais dominante de seu
pensamento).

E preciso distinguir claramente essa nova forma do subjetivismo hegeliano


do idealismo subjetivo do período de Berna. No primeiro capítulo
analisamos este último, pelo quê nos basta lembrar ao leitor nosso resultado
final naquele contexto, a saber, que naquele período o sujeito do acontecer
histórico-social é sempre para Hegel um sujeito coletivo. O isolamento do
individuo após a ruptura imediata da sociabilidade de sua vida nas antigas
repúblicas-estado, o nascimento do “homem privado”, era então para Hegel
o mais claro sintoma de decadência. O subjetivismo de Hegel em Frankfurt
é, por outro lado, um subjetivismo em sentido literal. Ele parte real e
diretamente do indivíduo, de suas vivências e destinos, e estuda a seguir as
formas particulares da sociedade burguesa referindo-as a estas formas de
destino individual, a sua interação com ele.

Lenta e progressivamente devolve o predomínio do estudo do mundo


circundante objetivo do individuo, o estudo da sociedade burguesa. Partindo
do destino individual, do “homem privado” tão depreciado antes, Hegel
tenta surpreender as legalidades particulares gerais da sociedade burguesa,
penetrar até o seu conhecimento objetivo. Neste esforço volta a apresentar-
se o velho problema do período de Berna, o da “positividade”, mas agora
recebe, no curso do estudo uma fórmula muito mais complicada,
contraditória e histórica do que a de Berna. E exatamente este novo
posicionamento induz a Hegel a um estudo cada vez mais detalhado das
forças dominantes da sociedade burguesa, o estudo dos problemas
econômicos. A tentativa de conseguir reconciliar filosoficamente os ideais
humanistas do desenvolvimento da personalidade com os fatos objetivos e
120
inelimináveis da sociedade burguesa leva Hegel a uma compreensão mais
profunda dos problemas da propriedade privada primeiro e do trabalho
como relação recíproca fundamental entre o indivíduo e a sociedade.

Por outra parte a atitude de Hegel em relação ao presente acarreta em


comparação com o período de Berna uma mudança completa também na
atitude em relação ao cristianismo. Após o pouco que dissemos esta última
mudança já não pode surpreender. É sabido que toda concepção idealista
da história relaciona diretamente as grandes inflexões de seu rumo com as
modificações ou transformações religiosas; nem tampouco a concepção
histórica de Feuerbach ultrapassou esse limite. No jovem Hegel, o juízo
negativo sobre a sociedade burguesa, a sociedade dos “homens privados”,
estava estreitamente relacionada com sua condenação ao cristianismo. Sem
prejuízo de algumas tentativas de investigar as causas sociais da decadência
do republicanismo antigo, para o jovem Hegel o cristianismo era o culpado
essencial, a força impulsionadora daquela evolução. Dada esta concepção
da história, não pode surpreender que uma alteração na estimativa do
presente acarretasse em seguida uma modificação no juízo sobreo
cristianismo. Pois é claro que para o jovem Hegel – cuja concepção básica
idealista se conserva sem mudança em Frankfurt, e até aumenta enquanto
ao misticismo religioso – o cristianismo segue sendo, mais resolutamente
ainda, o fundamento moral do presente.

Não é preciso gastar palavras em destacar o caráter idealista desta


concepção. Mas é preciso compreender ao mesmo tempo em que tal
concepção não é casual nem carece de raízes; daí sua tenacidade e
indestrutibilidade em Hegel. Sua raiz, cujos defeitos se manifestam tão
deformados e misticamente nas diversas concepções idealistas da história, é
a conexão entre o cristianismo e todo o desenvolvimento europeu moderno.
Marx e Engels mostraram em investigações históricos tão profundas quanto
concretas como nasceram das diversas seitas na fase de dissolução do
império romano exatamente o cristianismo para fazer-se seita universal. Eles
mostraram de que modo se adaptou a religião cristã às necessidades
dominantes nos diversos períodos de desenvolvimento econômico da
Europa, de que modo surgiram sempre na historia da luta de classes
europeias, formas novas da religião cristã (seitas medievais, luteranismo,
calvinismo, etc.). E mostraram também inclusive a moderna sociedade
burguesa alcançada tem de reproduzir como superestrutura própria a religião
cristã em diversas formas modificadas. Em uma das suas exposições
polêmicas contra o jovem hegeliano Bruno Bauer, Marx escreveu: “Sim, o
Estado cristão consumado não é assim o chamado Estado cristão, que
confessa o cristianismo como fundamento próprio, como religião de Estado,
e se comporta, portanto de modo exclusivista diante das outras religiões,
mas antes o Estado ateu, o Estado democrático, o Estado que situa a religião
diante de outros elementos da sociedade [burguesa] civil (...). Este é o que
121
pode abstrair da religião, porque nele está realizado de forma secular o
fundamento humano da religião (...). Não o cristianismo, mas o fundamento
humano do cristianismo é a base desse Estado. A religião se conserva como
a consciência ideal do estado de desenvolvimento humano realizado neste
Estado.”(2).

Esta conexão real histórico-social se apresenta deformada e invertida nas


filosofias da história dos idealistas, e também na do jovem Hegel. O
cristianismo, o produto necessário do desenvolvimento social europeu da
Idade Média e da Idade Moderna, se apresenta como força motriz e
impulsionadora primária do curso da história nessa fase. Deste ponto de
vista geral se pode dizer que não há nenhuma mudança decisiva na filosofia
de Hegel entre Berna e Frankfurt. Pois independente de que em Berna
rechace o cristianismo e em Frankfurt busque uma reconciliação com ele,
nos dois casos conserva a religião essa posição dominante na concepção
histórica que é característica do idealismo. Certamente que pelo fato de que
Hegel parta dos problemas vitais do indivíduo, enquanto, por outro lado,
busca uma reconciliação com o presente, se lhe oferece uma relação muito
mais íntima com o cristianismo. Deste ponto de vista, pois, sua atitude de
Frankfurt significa uma mudança abrupta em relação a Berna.

Este partir dos problemas da vida individual é algo que não se encontra em
Hegel senão na crise de transição de seu pensamento que se produz em
Frankfurt. Exatamente é característico que Hegel – tanto em sua juventude
como na maturidade – o individuo não o interessa senão como membro da
sociedade. Sua posterior e violenta crítica às concepções morais de Kant e
Fichte, de Scleiermacher e do romantismo, parte em geral do fato que estas
concepções, mesmo por caminhos diversos uns dos outros, dissolvem o
momento social em ações que aparentemente são somente individuais, e
passam por cima também do condicionamento e determinações sociais das
categorias éticas individuais. O apelo ao indivíduo no período de Frankfurt,
o partir das necessidades ou esforços ou aspirações do indivíduo, têm, pois,
somente caráter episódico no desenvolvimento de Hegel. É, contudo um
episódio que deixa marcas e cujas consequências serão perceptíveis por
muito tempo. Teremos, pois, repetidamente ocasião de ver os primeiros
brotos do método da Fenomenologia do Espírito se encontram nos
posicionamentos de Hegel em Frankfurt, no movimento que vai da
consciência individual aos problemas sociais objetivos, nas tentativas de
desenvolver outros determinados estádios de compreensão mental e afetiva
do mundo, ou seja, na tentativa de descobrir nos estádios superiores
resultados de superação e resolução das contradições dos estádios inferiores.

Porém os apontamentos de Frankfurt não devolvem essa clareza mais


quando se os contemplamos com as perspectivas de obras posteriores.
Tomados em si, ou lidos imediatamente após os escritos de Berna, são de

122
uma obscuridade e confusão que assombram. Expressões pouco
esclarecidas, cercadas de nuvens de associações implícitas, desempenham
um papel importantíssimo no Hegel desta fase. A presença cada vez intensa
da vivência da contraditoriedade como base da vida aparece neste período
como uma trágica irresolubilidade das contradições. Não por acaso que
temporariamente categorias como “o destino” se convertem em eixos de
tentativas de dominar mentalmente o mundo, nem que neste período se
apresente pela primeira e única vez em sua filosofia, uma concepção mística
da vida religiosa como culminação do seu filosofar. Começou na vida e no
pensamento de Hegel uma crise cujas causas sociais e históricas esboçamos
em nossas observações introdutórias: a crise de suas concepções
republicano-revolucionárias, que encontrou em Iena solução provisória em
forma de aceitação da presente sociedade burguesa em sua específica forma
napoleônica. O período de Frankfurt é de tentativa em busca de algo novo,
uma lenta, mas ininterrupta destruição do velho, uma insegurança, uma
busca em todas as direções, uma verdadeira crise.

O próprio Hegel sentiu assim esta fase e exprimiu claramente seu caráter de
crise tanto em seus escritos posteriores quanto em suas manifestações da
época. É característico nos escritos seguintes o fato que Hegel, com a
sinceridade sem considerações que lhes são tão próprias, fale do infeliz
estado de hipocondria e autodestruição, de ruptura consigo mesmo. Ao
caracterizar na Enciclopédia as diversas idades do homem Hegel oferece
uma descrição da idade juvenil, do amadurecimento do homem, que
contém muitos traços importantes do período de Frankfurt. Diz que o ideal
tem ainda no jovem um aspecto mais ou menos subjetivo. “Nessa
subjetividade do conteúdo substancial de tal ideal encontra-se não somente
a oposição do mesmo ao mundo existente, como também estímulos para
resolver e superar a oposição mediante a realização do ideal”. A passagem
da vida ideal do jovem até a sociedade civil é um processo doloroso e de
crise: “Ninguém se afasta facilmente (...) desta hipocondria. Quando mais
tarde a sofre o homem, mais perigosos são seus sintomas. [Hegel esteve em
Frankfurt dos vinte e sete anos aos trinta. G.L.] (...) Neste enfermiço estado
de ânimo o homem se nega abandonar sua subjetividade, não consegue
superar a repugnância pela realidade, e se encontra exatamente por isso, em
um estado de incapacidade relativa que se converte facilmente em
incapacidade real. Por isso, se o homem não quiser sucumbir, tem de
considerar ao mundo como autônomo e já feito (...)”(3).

Esta avaliação do período de Frankfurt se apresenta mais abertamente –


porque pessoalmente – em uma carta de 1810: “Conheço por experiência
própria este estado de ânimo, ou antes, da razão, quando com seu interesse
e busca se introduziu num caos de aparência (...) e, mesmo intimamente
segura já do fim, ainda não chegou a clareza e detalhe do todo. Sofri
durante alguns anos essa melancolia até o esgotamento; mas provavelmente
123
todo homem tem tal ponto de inflexão em sua vida, o ponto noturno de
contração de seu ser, por cuja estreiteza passa compulsivamente e se
reafirma e assegura na segurança de si, na segurança da vulgar vida diária, e
quando já, se fez incapaz de que esta o preencha, na segurança de uma
segurança de uma mais nobre existência interior”.(4)

Os documentos de Frankfurt falam ainda numa linguagem mais clara. Neles


se apreciam muito mais claramente que essas memórias já generalizadoras
dos concretos momentos humanos e sociais que desencadearam a crise.
Assim, por exemplo, um fragmento do folheto de Hegel sobre a Constituição
da Alemanha começa com uma exposição da situação anímica do homem
presente: “Estes [os homens, G. L.] não podem viver sozinhos, e o homem
está sempre só (...). A situação do homem ao que o tempo recluiu em um
mundo interior não pode ser se é que quer manter-se nesse mundo, mais
que uma morte constante; e se a natureza o empurra para a vida, não pode
ser mais que um esforço para superar o negativo do mundo atual, para
poder encontra-se e gozar nele, para poder viver.”(5)

As confissões pessoais de Hegel se encontram em umas cartas que escreveu


em princípios do período de Frankfurt a Nanette Endel, uma amiga de sua
irmã, à qual conheceu durante sua estadia em Stuttgart, entre o período de
Berna e Frankfurt. Afirma assim em uma carta de 9 de fevereiro de 1797:
“(...) e como creio que seria um trabalho ingrato dar exemplo aos homens, e
que Santo Antônio de Pádua, conseguiu seguramente mais pregando aos
peixes do que conseguiria eu aqui com uma vida exemplar, decidi, depois
de amadurecer minha reflexão, não pretender melhorar nenhum destes
homens, mas pelo contrário, pôr-me a uivar com os lobos (...)”. Sabe-se por
outros documentos que Hegel esteve efetivamente nas melhores relações
com a família de comerciantes de Frankfurt na que foi preceptor com seus
anteriores discípulos de Berna e suas famílias. Pela carta a Schelling
conhecemos a abrupta recusa republicana da sociedade patrícia bernense
por Hegel. A carta que acabamos de citar mostra, por outro lado, que Hegel
mudou em Frankfurt radicalmente sua tomada de posição externa diante
dos homens. A passagem da carta poderia sem dúvida também interpretar-
se no sentido de que se tratara de uma simples tática na relações de pessoas
de seu meio, e até de hipocrisia. Mas essa interpretação se enganaria
completamente sobre o caráter de Hegel. E uma passagem de outra carta
datada de 2 de julho do mesmo ano, em que fala a Nanette Endel da
mudança de sua relação com a natureza, nos mostra que a transformação de
suas atitudes é bem mais profunda: “(...) e se ali [em Berna, G.L.] acudia
aos braços da natureza para reconciliar-me comigo mesmo e os homens,
aqui me refugio a miúde perto dessa mãe fiel, para tornar a separar-me dos
homens com que vivo em paz, para preservar-me da influência deles sob a
égide da natureza, e para abalar a aliança com eles”.(6)

124
Nestas cartas especialmente na última, apreciamos com toda clareza a
mudança de atitude de Hegel diante de sua sociedade contemporânea. E
vemos ao mesmo tempo em que essa mudança leva em si, desde o primeiro
momento uma contradição interna, ou, aliás, que seu núcleo contem todo
um complexo de contradições. Hegel se acha convencido muito lentamente
do caráter e do fundamento objetivo dessas contradições. Daí, por um lado,
o estado de ânimo torturado, hipocondríaco, de crise, durante o período de
Frankfurt, apesar de que sua situação pessoal era muito melhor que em
Berna; e não penso somente em suas circunstâncias externas: seu isolamento
espiritual em Frankfurt muito menor do que em Berna; passou, por exemplo,
os primeiros tempos em contato com seu amigo de juventude Hölderin, e
através dele conheceu a outros representantes nada desprezíveis, da nova
geração poética e filosófica de Alemanha, como, por exemplo, Sinclair.

Por outro lado, o caráter vivido dessas contradições, seus laços com o
destino pessoal de Hegel, seu manter-se durante muito tempo simplesmente
vivencial, não esclarecido conceitual-sistematicamente, explicam o modo, já
citado, em que Hegel se enfrenta com os problemas neste período, a saber,
partindo da vivência individual para chegar à generalização conceitual, mas
de tal modo que no traçado de todo o caminho permanece visível a ocasião
vivencial que desencadeou tudo. No fragmento que citamos da Constituição
da Alemanha vimos um exemplo desse modo de tratar os problemas. Hegel
começa somente a encontrar o caminho que fará dele um filósofo dialético.
Por isso não considera que seja preciso analisar e reduzir seus motivos e
legalidades de caráter objetivo, como fará mais tarde em Iena, mas vê nesse
momento uma parte integrante do próprio problema. E isso é
compreensível, pois o problema se posiciona a Hegel é precisamente de suas
relações pessoais com a sociedade civil, a tentativa de achar seu lugar na
sociedade burguesa.

Como é natural, esse não é um problema de ordem puramente pessoal. Se


fosse apenas uma questão puramente biográfica o problema careceria para
nós da importância que tem. Mas a contradição com que luta o jovem Hegel
é objetivamente a contradição geral que afeta a todos os poetas e
pensadores alemães da época; de sua solução nascem a filosofia e a poesia
clássicas. E como esta poesia e filosofia conseguiram uma ampla e profunda
relevância internacional, estará claro também a contradição social que é
subjacente a elas é muito mais do que um assunto alemão, mesmo seu
modo específico de manifestação esteja sem dúvida determinado pela
situação social da Alemanha da época.

Trata-se da tomada de posição dos grandes humanistas alemães face à


sociedade burguesa que triunfou na Revolução Francesa e na revolução
industrial inglesa, e que começa a revelar seus aspectos repelentes, prosaicos
e inóspitos para a cultura com uma clareza muito maior do que nos tempos

125
das ilusões heroicas antes da Revolução Francesa e durante ela. Assim surge
para os importantes humanistas burgueses da Alemanha a complicada e
contraditória necessidade de reconhecer como necessária e única possível,
essa sociedade burguesa, afirma-la como realidade progressista, descobrindo
e declarando ao mesmo tempo aberta e criticamente suas contradições e
sem capitular apologeticamente diante da desumanidade que lhe é essencial.
O modo como tenta posicionar e resolver essas contradições a filosofia e a
poesia clássica alemã – no Wilhelm Meister e o Faust de Goethe, no
Wallenstein e nos escritos estéticos de Schiller, na Fenomenologia do espírito
e os posteriores escritos de Hegel, etc. – mostra a grandeza histórico-
universal daquele classicismo e, ao mesmo tempo, os específicos limites que
punham o horizonte burguês em geral, e a “miséria alemã” em particular.

Quando Hegel fala de refugiar-se na natureza para não ser assimilado pelo
ambiente social, está exprimindo aquela contradição de um modo primitivo
e imediato, vivencial. Por um lado quer compreender a sociedade burguesa
contemporânea sua tal como ela é, tal como ela se move, e quer cooperar
com ela; por outra resiste em reconhecer como vivos e vivificadores os
elementos de desumanidade e morte que existem nela. A contradição se
manifesta nas primeiras experiências de Hegel em Frankfurt, é, pois, ao
mesmo empo uma contradição de sua vida pessoal, apaixonada e
arrebatadoramente vivida, e uma contradição objetiva de sua época.

A crise da vida e do pensamento de Hegel em Frankfurt consiste, pois em


levar esta contradição até a altura da objetividade filosófica. A genialidade
filosófica de Hegel, sua superioridade mental sobre seus contemporâneos,
manifesta-se no fato de que partindo dessa simples expressão da contradição
vivida em sua existência pessoal chegou não somente a conhecer a
contraditoriedade da sociedade burguesa (mesmo sem dúvida dentro dos
horizonte geral burguês e com os limites da filosofia idealista), mas inclusive
a rematar dessa contraditoriedade o caráter dialético geral de toda a vida, de
todo ser e de todo seu pensamento A crise de Frankfurt termina com as
primeiras formulações do método dialético hegeliano, mesmo ainda nem
uma versão mística. Termina também – não por acaso – com uma
“reconciliação” dialética – que reconhece a contraditoriedade do
fundamento – com a sociedade burguesa sua contemporânea. Foi uma
rápida poesia escrita ao final do período de Frankfurt ou a princípios do de
Iena, Hegel exprime muito claramente o estado de ânimo com que ele
superou a crise de Frankfurt:

Audazmente pode o filho dos deuses entregar-se a luta pela perfeição;


rompe a paz contigo, rompe com a obra do mundo!
Aspira, tenta mais que Hoje e que Ontem, não serás assim
Melhor que o tempo, mas o serás do melhor modo(7).

126
(1) Marx- Engels, Die heilige Familie [A sagrada Família], op. cit., p.250 e ss.
(retornar ao texto)

(2) Marx, Zur Judenfrage [Sobre a questão judia –n. do t]. Em Die heilige
Familie [A Sagrada Família], op. cit., p.41, 42, 45. (retornar ao texto)

(3) Enzyklopädie, 396, Apendice , Werke , Berlim, 1845, seção VII, vol. II,
p.98 e ss. (retornar ao texto)

(4) Publicada por Rosenzweig, op. Cit. vol. I, p 102. Rosenzweig publicou
também uma passagem tomada das memórias manuscritas do hegeliano
Gabler que se refere a uma conversa com Hegel, do ano de 1805. Hegel se
expressa do mesmo modo, falando do período de Frankfurt. Ibidem, p.236.
(retornar ao texto)

(5) Lason, p.139. Quando estudarmos detalhadamente os fragmentos da


Constituição da Alemanha exporemos os motivos pelos quais datamos o
citado fragmento do período de Frankfurt. (retornar ao texto)

(6) Beitrage zur Hegelsforschung, ed. por Lason. Segundo Caderno, Berlim,
1910, pp. 7 e 11. (retornar ao texto)

(7) Hoffmeister, p. 388. (retornar ao texto)

127
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético
2 - O velho e o novo nos primeiros anos do período de Frankfurt

Uma das características mais importantes da individualidade filosófica de


Hegel é que seu desenvolvimento é realizado gradualmente, passo a passo.
Anteriormente, enfatizamos energicamente o ponto de virada no
pensamento hegeliano a fim de introduzir o leitor à atmosfera espiritual do
período de Frankfurt. De fato, esse processo se desdobrou muito lentamente,
muitas vezes acompanhado por uma reversão. Grande parte das conquistas
do período de Berna por um longo tempo permanece inalterada ou
permanece com pequenas mudanças. Hegel é muitas vezes limitado apenas
pela reestruturação de velhos pensamentos, antigas construções históricas, às
vezes sem perceber quão diferente é o curso de seus antigos e novos
pensamentos. Nós, por exemplo, veremos que o último de seus trabalhos no
período de Frankfurt é uma nova introdução ao principal ensaio bernense, A
Positividade da Religião Cristã, embora — e isso também mostramos - o
conceito de positividade sofreu mudanças fundamentais ao longo dos anos.
E assim é o desenvolvimento de seus pontos de vista em quase todas as
áreas.

Em primeiro lugar, não se deve esquecer que Hegel abandonou suas visões
republicanas do período de Berna de maneira nenhuma em um dia; pode-se
até dizer que só depois da derrubada de Napoleão, vindo a estabilidade da
Restauração, "reconciliou-se" com a monarquia do tipo alemão. Ele foi a
esse caminho difícil, que é completamente impossível de reconstruir devido à
perda dos manuscritos mais importantes. No geral, no entanto, seus
pensamentos, por razões óbvias, com algum atraso, seguem os
desenvolvimentos políticos na França.

Deve-se acrescentar aqui que a análise teórica e prática do estado concreto


das coisas na Alemanha estão se tornando cada vez mais evidente em Hegel,
o que consideravelmente aproxima a análise política das decisões da vida.
No entanto, a natureza utópica de seus objetivos e aspirações (em
comparação com a situação real da Alemanha atrasada) o tempo todo
embota a nitidez das declarações ou nubla-as com obscurecimento.

128
Opiniões republicanas, que se formaram em Berna, Hegel, manteve em
Frankfurt. Uma imagem clara de seus sentimentos então dá um poema
"Eleusis", escrito em Berna para Hölderlin em antecipação de um encontro
próximo com ele. Cito apenas algumas linhas para transmitir melhor este
humor ao leitor:

(..). Felicidades na certeza de que


você achará a antiga união ainda mais durável e madura, uma
união não limitada por nenhum juramento
exceto um juramento de viver somente pela verdade livre
e nunca fazer as pazes com um estatuto que
dita pensamentos e sentimentos.(1)

No início do período de Frankfurt, foi publicada a primeira obra impressa de


Hegel, que ainda reproduz completamente suas visões de Berna. Esta é uma
tradução comentada da composição do advogado Carte de Lausanne,
dirigido contra a oligarquia de Berna em defesa dos direitos do país de
Waadt oprimido por Berna. O cantão de Waadt estava sob opressão há
muito tempo. A tentativa de libertação, causada pela influência da
Revolução Francesa, fracassou e apenas intensificou a repressão reacionária
da oligarquia bernense. A libertação do cantão oprimido ocorreu em
conexão com as guerras revolucionárias apenas no momento em que Hegel
assumiu a tradução e o comentário. No prefácio, Hegel refere-se
explicitamente a esse evento e publica um panfleto com praticamente a
próxima tarefa - mostrar à reação alemã arrogantemente triunfante um
quadro da fragilidade de sua dominação. Em conclusão, ele escreve suas
"Observações Preliminares": "Da comparação do conteúdo dessas cartas com
os últimos acontecimentos em Waadt, do contraste, que é a aparência de
apaziguamento conseguida em 1792, e o orgulho do governo com sua
vitória, por um lado, e seu real fraqueza nesta terra, o súbito distanciamento
de Waadt no outro, poderia ter tirado muitas conclusões úteis de tudo isso.
No entanto, os fatos falam em voz alta o suficiente para si mesmo, o que
importa para se familiarizar com eles o suficiente; disso tudo e sua fraqueza
real nesta terra, o súbito distanciamento de Waadt no outro, poderia ser
tirado de todas essas muitas conclusões úteis. No entanto, os fatos falam em
voz alta o suficiente para si mesmo; tudo é apenas uma questão de
familiarizar-se com eles; eles gritam sobre a face da terra, e sua fraqueza real
nesta terra, o súbito distanciamento de Waadt no outro, poderia ser tirado
de todas essas muitas conclusões úteis.. Discite justitiam moniti - (Aprenda a
justiça, prevenido. - G.L.) – Porém dificilmente ensinará aos surdos que
serão duramente atingidos pelo seu destino”.(2)

Já a partir dessa observação de Hegel, fica claro que a linha principal de seu
raciocínio não mudou em nada em comparação com o período de Berna.
No entanto, o descobridor deste trabalho, Falkenheim, já tentou usar alguns

129
pontos dos comentários de Hegel para negar sua natureza revolucionária.
Ele procede do fato de que, em observações preliminares, Hegel defende os
"direitos antigos" de Waadt contra a oligarquia de Berna. Segundo
Falkenheim, essa tendência não poderia ser revolucionária; como prova é
dado o método histórico de apresentação. Esta linha de pensamento é
metodologicamente baseada no preconceito professoral alemão de que o
historicismo é a invenção da reação e começa com E. Burke e os filósofos
franceses da era da Restauração, enquanto o período anterior era
supostamente anti-histórico.

Não menos falsa é a conclusão tirada da defesa dos "direitos antigos".


Apenas a pré-história da Revolução Francesa revela a tremenda importância
da luta por tais "direitos antigos". Escusado será dizer que esta luta é bastante
dupla. Em parte, ela defende os privilégios feudais em oposição à igualdade
legal econômica e socialmente progressista buscada pelo absolutismo, e em
parte protege os direitos dos trabalhadores que, durante a acumulação
primitiva, procuram liquidar com a união dos senhores feudais e capitalistas.
De fato, em alguns casos, privilégios herdados significam certa proteção
contra a arbitrariedade da monarquia absoluta. Assim, por exemplo, os
parlamentos franceses eram, em essência, instituições reacionárias que se
opunham a qualquer reforma fiscal, a eliminação de qualquer os direitos
feudais mais injustos e, portanto, duramente criticados por todos os
educadores de destaque. Mas quando eles gradualmente se tornaram os
únicos centros de organização da resistência à arbitrariedade do absolutismo
no período anterior à Revolução Francesa, eles desfrutaram de uma
popularidade excepcional.(3) Marx e Engels, em contraste com Guizot, até
enfatizam essa característica "conservadora", que é especialmente
característica do período de preparação para a Revolução Francesa.

Em países atrasados como a Suíça ou a Alemanha, a proteção dos “direitos


antigos” desempenha um papel ainda maior, verdadeiro e ainda mais
bifronte. No entanto, é claro que Hegel não se posiciona em posições
contrarrevolucionárias, defendendo os "antigos direitos" de Waadt contra a
oligarquia de Berna neste assunto. Claro; que a proteção dos “direitos
antigos” por Hegel não é de forma alguma clara e consistentemente
democrática, ele não distingue entre eles, nem Schiller, vários anos depois,
em sua dramática glorificação da defesa dos “direitos antigos” do povo
(Guilherme Tell). Apenas o jovem Marx, nos notáveis artigos da “Gazeta
Renana", assume esta questão como uma posição democrática
revolucionária consistente e distingue rigorosamente os "direitos antigos" dos
trabalhadores dos privilégios de exploração.(4)

Embora tenhamos visto que os comentários de Hegel sobre o trabalho do


folheto não indicam uma mudança em seu ponto de vista, os comentários
contidos nele são documentos importantes. Aqui, o ódio do regime

130
aristocrático em Berna é revelado tão claramente quanto na carta acima a
Schelling. É importante traçar com que diligência Hegel colecionou os fatos
sobre as relações econômicas em Berna, sobre o sistema tributário, etc. Aqui
nós olhamos para o laboratório de seus pensamentos e descobrimos quanto
esforço sua consciência enciclopédica posterior requeria em todas as áreas.
Os estudos econômicos são importantes documentos de seu
desenvolvimento em outro sentido negativo: isso ainda é uma coleção
puramente empírica de fatos com comentários políticos; a ideia de
generalização econômica desses fatos ainda não aparece em Hegel.

De certo interesse biográfico é para nós que aqui, pela primeira vez, Hegel
começa a se engajar na economia inglesa, mas o faz, ainda sendo totalmente
guiado pela política da Revolução Francesa. Ele polemiza em uma
declaração Cart, que argumenta com a ideia de que um baixo nível de
impostos é supostamente uma medida da felicidade nacional. Cart dá o
exemplo oposto da Inglaterra livre que ele honrou, onde as pessoas, apesar
de pagarem impostos altos, têm autogoverno livre. Hegel concorda com essa
teoria e até dá um exemplo em seu reforço, quando os deveres sobre o chá
se tornaram a razão da luta dos americanos pela libertação. “O dever, é
claro, em si não tem grande significado”, escreve Hegel,”, mas foi
precisamente a luta pelo direito à independência que causou a revolução.
Ele corrige o folheto apenas em relação à avaliação da liberdade britânica e
fala da repressão na Inglaterra depois da Revolução Francesa, o poder maior
do governo comparado ao parlamento, à confusão da lei básica e restrições
às liberdades pessoais e direitos civis. "(...) Esses fatos levaram ao fato de
que o respeito pela nação inglesa de muitos de seus admiradores mais
zelosos diminuiu significativamente"(5), ele conclui.

Podemos, portanto, considerar este trabalho como um eco do período


literário de Berna em Frankfurt.

O mais impressionante é a mudança em seus pensamentos, maneira de


escrever, problemas de posicionamento, etc., em fragmentos publicados por
Nohl e escritos imediatamente após os comentários para o folheto da
brochura(6). A crise característica do período de Frankfurt já é claramente
visível neles. Já indicamos anteriormente que a terminologia hegeliana não
era tão instável e confusa como era neste momento. Ele parece estar
procurando por conceitos, experimentando com eles, reinterpretando,
descartando, etc.

Precisamente porque agora seu pensamento começa a compreender a


natureza contraditória da vida, os esboços parecem à primeira vista uma
confusão de contradições. A abordagem emocional e pessoal da realidade
forma a base da confusão da apresentação. Sem palavras longas, fica claro
que, por causa desse emaranhamento, os fragmentos de Frankfurt de Hegel

131
tornaram-se objeto de interpretações reacionárias, tentativas de aproximar
Hegel do misticismo romântico reacionário. A este respeito, o famoso livro
de Dilthey é particularmente indicativo de toda a literatura da época do
imperialismo sobre Hegel. Se os antigos intérpretes ignoram todos os elos
entre a filosofia de Hegel e os problemas sociais, mesmo durante o período
de Berna, então não se pode ficar surpreso com o fato de Dilthey interpretar
os fragmentos de Frankfurt como puro "panteísmo místico".

Hegel, como vimos, agora procede da atitude do indivíduo para a sociedade


burguesa moderna, ele é novamente confrontado com o velho problema de
positividade de Berna. Na luta contra a ordem social feudal-absolutista, os
humanistas retrataram a sociedade burguesa de muitas maneiras ilusórias,
como o mundo humano autocriado do homem. O real surgimento de uma
sociedade burguesa desenvolvida na França e na Inglaterra dá uma nova
virada para esse conceito, para tais ilusões. A sociedade ainda parece, em
grande parte, como resultado e, além disso, um resultado constantemente
recriado da atividade humana. Por outro lado, a sociedade descobre toda
uma série de fenômenos, formas de vida, instituições etc. que, sendo uma
objetividade morta, opõem-se ao indivíduo, dificultam seu desenvolvimento
como indivíduos, destroem princípios humanistas na relação dos indivíduos.
Os eminentes humanistas alemães deste período, como ideólogos burgueses,
são forçados a reconhecer os fundamentos gerais da sociedade burguesa
estabelecida, mas ao mesmo tempo rejeitam tudo o que está morto e mata
uma pessoa. É claro que tal oposição nunca vai além dos limites da
sociedade burguesa. Pelo contrário, a principal tendência é apenas encontrar
as formas de atividade subjetiva, criar formas humanas e formas de vida,
com a ajuda de que tudo o que estivesse morto e sem alma na sociedade
burguesa pudesse ser levantado dentro dela, sem questionar sua própria
existência. O romance de Goethe, “Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm
Meister” é uma grande representação poética de tais aspirações. E
completou apenas 30 anos depois, Fausto mostra que toda a sua vida
Goethe lutou por superar a antítese do humanismo e da sociedade burguesa
dentro dos limites das possibilidades historicamente dadas. Não é por acaso
que Puchkin chamou Fausto de "a Ilíada do nosso tempo".

Foi durante o período de Frankfurt que Hegel mudou a interpretação da


positividade nessa direção. Crítica de positividade, característica do período
de Berna, foi realizada puramente sócio-filosófica e filosoficamente e
historicamente positiva, então apresentada a Hegel como o resultado do
declínio da humanidade, chamado na filosofia da história do período do
cristianismo e da sociedade burguesa. Somente o renascimento
revolucionário das antigas repúblicas poderia levar, de acordo com seus
pontos de vista, à remoção da positividade. Essa retirada deve ser final e
ocorrer de uma só vez, já que, de acordo com seus pontos de vista naquela

132
época, as antigas cidades-repúblicas, mesmo durante o seu auge, eram
completamente desprovidas de positividade ou algo similar.

No período de Frankfurt, a questão é colocada de forma diferente. Hegel


vem da vida do indivíduo. O indivíduo vive em uma sociedade cheia de
instituições positivas, relações positivas entre as pessoas e as próprias
pessoas são mortificadas pela positividade e transformadas em coisas
objetivas. E o problema para Hegel agora não é como uma determinada
sociedade poderia destruir a positividade e ser radicalmente substituída por
outra, mas, ao contrário, o problema é como um indivíduo em determinada
sociedade pode levar uma vida humana, isto é, removendo positividade,
positiva em si mesmo e em outras pessoas, em suas atitudes em relação às
pessoas e coisas. A questão social torna-se assim uma questão de
moralidade individual: o que fazer? como viver? Além disso, a tendência
decisiva dessa formulação de questões da moralidade individual é
reconciliar-se com a sociedade burguesa, remover (parcialmente,
dependendo das circunstâncias) sua natureza positiva.

A categoria central com a qual Hegel tenta expressar suas aspirações


filosóficas nesse período é o amor, que em certo sentido o aproxima de
Feuerbach. (Feuerbach, é claro, não poderia ter conhecido obras inéditas do
jovem Hegel.) Como alguns filósofos modernos (por exemplo, Löwith)
atribuem grande importância às semelhanças supostamente óbvias entre o
jovem Hegel e Feuerbach, é necessário enfatizar seu aparente oposto. Não
importa quão vaga e problemática seja a ética de amor de Feuerbach, que
Engels convincentemente nos mostrou no idealismo, no entanto, no sentido
epistemológico, ela se baseia na análise final da relação materialmente
compreendida Eu e Tu. Assumindo a existência de outra pessoa (Tu),
Feuerbach busca materialisticamente enfatizar sua independência da
consciência do eu.

Em Hegel, pelo contrário, no amor, uma superação mental dessa


independência é alcançada. A principal falha idealista na compreensão de
positividade de Hegel é que a superação da positividade só é possível como
superação da objetividade em geral e que, portanto, em qualquer
objetividade não diretamente produzida pela consciência, algo positivo deve
ser escondido, claramente expresso na compreensão excessivamente mística
do amor. Assim, seu conceito de amor deve necessariamente cair na
religiosidade. "A religião é idêntica ao amor. O amado não se opõe a nós,
ele é um com a nossa essência, nós vemos apenas a nós mesmos - e ainda
assim ele não somos nós - um milagre que não podemos entender"(7).

Não é difícil ver que os conceitos de amor em Feuerbach e Hegel são


diametralmente opostos um ao outro em sua lógica. O oposto não deve,
contudo, obscurecer o fato de que esses filósofos destacados não tinham a

133
categoria do amor por acaso e tinham fundações sociais semelhantes. Mas o
significado social de seus conceitos é muito diferente, o que é explicado pelo
desenvolvimento de quarenta anos da economia e da luta de classes na
Alemanha que se seguiu a Hegel. Por um lado, a categoria do amor é uma
expressão nebulosa e idealista de um ideal humanista, revolucionário-
burguês, de uma pessoa compreensiva e holisticamente desenvolvida, que
está numa relação desenvolvida, multifacetada e verdadeiramente humana
com as pessoas. Por outro lado na nebulosa e exaltação idealista desta
categoria reflete a ilusão da realidade de tais aspirações dentro da sociedade
burguesa. No entanto, nos anos 40 do século XIX, quando o movimento de
libertação do proletariado já existia e o socialismo científico surgiu, essas
ilusões tinham um significado completamente diferente do que na virada dos
séculos XVIII e XIX. E quando os seguidores de Feuerbach, entre os
"verdadeiros socialistas" alemães, tentaram deduzir as ideias socialistas da
ética do amor de Feuerbach, então as limitações e o reacionarismo das
ilusões subjacentes a essa categoria foram revelados.

Mas, no período em que o jovem Hegel lidou com esses problemas, o nítido
contraste dessas ilusões com as tendências progressistas da época ainda não
estava claro. Veremos que, no decorrer do desenvolvimento posterior, a
atitude hegeliana em relação à sociedade burguesa se tornará muito mais
completa e real, mas com todo o misticismo e confusão de posições no
período de Frankfurt, eles foram um marco necessário para compreender a
natureza contraditória da sociedade burguesa. A categoria do amor tem um
caráter de transição em Hegel e, portanto, o significado dessa categoria
mudará no futuro.

Deve-se acrescentar que na Alemanha naquela época era objetivamente


impossível revelar as categorias ilusórias que expressavam as aspirações
humanísticas gerais de uma maneira idealista. Numa Alemanha
economicamente atrasada, a progressividade do desenvolvimento capitalista
não poderia ser articulada puramente economicamente, como fez a
economia política inglesa clássica. A percepção de que a progressividade
reside no desenvolvimento das forças produtivas materiais só poderia ser
alcançada na própria Inglaterra. Sim, e aí a compreensão disso, mais
elevada para o ponto de vista burguês, foi realizada várias décadas depois -
na economia política de Ricardo.

Mas foi precisamente o desenvolvimento econômico da Inglaterra, que


determinou o alto nível teórico da economia política clássica, que impediu a
expressão de contradições e antagonismos do desenvolvimento capitalista de
uma forma conscientemente dialética. É verdade que Smith e Ricardo, com
seu desinteressado amor à verdade, válido para todos os eminentes
pensadores, falavam duramente e sem constrangimento sobre todas as
contradições que enfrentavam; eles se importavam pouco com o fato de que

134
a afirmação de uma conexão contradizia a afirmação de outra, que eles
mesmos haviam identificado. Portanto, Marx fala justamente de Ricardo: “O
mestre [Ricardo] o novo e significativo – se desenvolve entre o“ estrume ”de
contradições - forçosamente derivado de fenômenos contraditórios. As
mesmas contradições que estão no fundo do testemunho da riqueza do solo
vivo a partir do qual as explica a teoria.”(8).

Embora a consistência realmente exista, de fato, a economia política inglesa


clássica estava infinitamente longe de ver o fato fundamental da vida
econômica e, portanto, a metodologia da economia política, na contradição.

Mas é a consciência dessa vida contraditória que é o principal problema da


filosofia e da poesia alemã clássicas: suas ideias principais baseiam-se na
contradição entre os ideais humanistas e a sociedade burguesa na
Alemanha, com seus numerosos remanescentes feudais. O "emaranhado de
contradições" torna-se para eles a base para colocar problemas e suas
soluções, e seu objetivo é todo o círculo da vida humana. Todas as
contradições que surgem de todo o contexto da vida são experimentadas,
formadas, pensadas. Como a filosofia e a poesia clássicas alemãs não
esclarecem e não podem esclarecer a essência econômica dessas
contradições, elas são forçadas a construir formulações idealistas. Mas
precisamente porque o lado ideológico desse processo é filosoficamente
interpretado por eles até o fim,

O oposto entre um homem vivo e abrangente e um homem que se tornou


um brinquedo das relações mercantis da sociedade burguesa e reduzido ao
nível de um "especialista" unilateral que desempenha uma função
extremamente estreita da divisão capitalista do trabalho é o tema principal
do Wilhelm Meister de Goethe. Este oposto é incorporado não apenas à
imagem de Wilhelm e do comerciante de sua juventude - o comerciante
Werner. Também se reflete na arte, em particular no teatro, quando Goethe
revela magistralmente vários aspectos da influência devastadora sobre uma
pessoa de especialização gerada pela divisão do trabalho. É muito
característico da então situação na Alemanha que Goethe não é estranho à
opção religiosa de resolver essas contradições. Vida de uma dama de um
abrigo nobre ("Confissões de uma bela alma" Goethe é retratada com amor
por uma pessoa sofisticada que, com a ajuda da religião, domina a vida
cotidiana e preserva as relações humanas vivas que o conectam com as
pessoas. Em nenhum caso Goethe é o maior grau de ascensão. Ao
contrário, opõe-se criticamente a outro estágio, em que uma pessoa é
completamente absorvida na vida cotidiana da sociedade capitalista. Em “As
Confissões de uma Bela Alma”, as imagens ideais são apenas as pessoas que
manifestam a necessidade humana de amar e intervêm ativamente na vida
cotidiana da sociedade burguesa (Lotário e Natalie). Pelo contrário, é

135
criticamente contrastado com outro passo, em que uma pessoa é
completamente absorvida na vida cotidiana da sociedade capitalista.

O ponto de vista do jovem Hegel em Frankfurt não alcança a altura da


posição de Goethe. Neste período de transição, a solução religiosa
desempenha um papel incomparavelmente maior para Hegel do que para
Goethe. A religião não está sujeita a críticas e é estimada do ponto de vista
humano e histórico muito superior à de Goethe. Mas mostraremos que a
oposição entre eles não é tão profunda quanto parece à primeira vista.

No começo, com a particularidade determinada pela metodologia do


período de Berna, Hegel contrasta o subjetivo, o humano, vivo com o
objetivo, o morto e o positivo. Mas precisamente como resultado da nova
formulação de perguntas, a fixação de antagonismos agudos transforma-se
no estudo de contradições móveis e flexíveis. Por um lado, isso aumenta a
escuridão mística de seu conceito: durante todo o período de Frankfurt, a
religião permanece uma verdadeira esfera da vida real, vitalidade real, real
retirada do imóvel e positiva. Mas, por outro lado, a partir de uma oposição
concreta do subjetivo e do objetivo, novas contradições, cada vez mais
complexas, se desenvolvem, levando em uma direção completamente
diferente dos esquemas filosóficos orientados para a religião.

O pensamento de Engels sobre a contradição entre o sistema e o método de


Hegel é mais vividamente confirmado precisamente no período de Frankfurt,
especialmente quando Hegel, por um longo tempo, inconscientemente
critica a superação religiosa das contradições. Como veremos, Hegel vê na
religião a mais alta forma de amor, isto é, a realidade social, imbuída de
subjetividade humana e não positiva. Como as crenças religiosas de Hegel
convergem com as cristãs e ele recusa a atitude negativa em relação ao
cristianismo característico do período de Berna, sua consciência se torna
mais e mais absorvida por tais características do cristianismo e
comportamento religioso como descarga, fuga da vida. Portanto, ele se
esforça acima de tudo pela reconciliação do indivíduo com a realidade
concreta de sua sociedade burguesa contemporânea,

De acordo com seu entendimento na época, essas falhas consistem no fato


de que o comportamento religioso de uma pessoa deixa intacto, insuperado
a positividade do mundo ao redor e, portanto, apenas complementa a
positividade da sociedade burguesa. Uma elevada subjetividade religiosa
aparece sob essa luz como outra forma de esquecer as esperanças
humanísticas de superar a positividade da sociedade. “Outra forma extrema
de dependência da positividade, de um objeto, é o medo dos objetos, a fuga
deles, o medo da unidade com eles, a subjetividade suprema”(9).

136
A avaliação da subjetividade pura e inerente da religião de escapar dos
objetos como algo idêntico à positividade será decisiva para Hegel no
período de Frankfurt. Como veremos, essa avaliação contribui para a
contradição em sua compreensão do cristianismo, em particular a
contradição entre a vida e os ensinamentos de Jesus.

Depois do período de Frankfurt, em Iena, Hegel considera o idealismo


subjetivo de Fichte e o materialismo francês como dois breves equívocos que
ainda expressam igualmente importantes correntes de seu tempo.

Enquanto isso, ele não tira conclusões de longo alcance disso. Hegel está
interessado principalmente na criação, por um lado, de uma imagem
extremamente crítica de pessoas que se entregam ao poder da subjetividade
na sociedade moderna e, por outro, exaltam o poder salvador e libertador
do amor. "Uma vez que este amor pelos sem alma busca se cercar apenas de
algo material e que materialidade é em si mesmo, não importa (...),
portanto, embora os objetos do amor mudem, mas nunca os perde. Daqui
segue sua tranquilidade com a perda a autoconsolação de que a perda será
reembolsada a ela, porque pode ser reembolsada. A questão dada ao
homem acaba por ser absoluta, mas, claro, se o homem não existisse, então
nada existiria para ele. por que ele teria que existir? É bem claro que uma
pessoa quer viver, porque além dos limites da totalidade de suas estreitas
possibilidades, além de sua consciência reside (...) apenas um nada deserto,
o que, no entanto, uma pessoa, é claro, não é capaz de suportar"(10).

Tal é a descrição extremamente desajeitada e confusa do estado mental de


um homem comum da sociedade burguesa, a quem Hegel contrasta seu
ideal de amor. Para essa pessoa, o mundo inteiro consiste em objetos
impenetráveis e incompreensíveis, mecanicamente separados uns dos outros
e de uma pessoa, onde ele vagueia vazio, não satisfazendo seus problemas.
Ele não tem uma relação genuinamente substancial com as coisas, com as
pessoas, com ele mesmo. O amor, ao contrário, é para Hegel o princípio que
supera esses limites mortais e cria relações vivas entre as pessoas, tornando-
as, assim, no verdadeiro sentido da própria pessoa. "Verdadeira unidade, o
amor verdadeiro existe apenas entre pessoas que são cheias de vida, iguais
umas às outras no grau de sua manifestação e, portanto, vivendo
inteiramente uma para a outra, de modo algum sem coração em relação
umas às outras (..).(11)

A continuidade do desenvolvimento dos pontos de vista de Hegel é expressa


no fato de que os termos que caracterizam essa oposição aparecem não
apenas nas obras do período de Berna, mas também em suas citações dos
livros de Forster. Assim, por um lado, ele enfatiza a necessidade de
igualdade entre as pessoas que se amam, por outro lado, ao final da citação
acima, observa que uma pessoa da sociedade burguesa está sujeita a um

137
poder estranho, cuja misericórdia ele busca com temor e tremor.
Naturalmente, esses termos são essencialmente reinterpretados. Igualdade
em Forster e Hegel no período de Berna foi principalmente igualdade
política. Agora, para Hegel, a igualdade de atitudes em relação à sociedade
burguesa tem um significado muito maior. Mas o conteúdo social da
igualdade (igual força de manifestação) engloba, como veremos, uma nova
característica deste período é a gama de problemas - a sua dependência do
material, a igualdade econômica daqueles que amam. Essa questão ainda é
considerada por Hegel apenas como um obstáculo no caminho da unidade,
na qual o amor remove todas as pessoas desunidas, criando uma verdadeira
unidade de vida entre elas. E o obstáculo deve ser superado.

É perfeitamente compreensível que os neo-hegelianos reacionários do


período do imperialismo tentassem usar o fato de que durante a crise de
Frankfurt as categorias de "amor", "vida", etc., eram o foco do raciocínio
hegeliano. Os neo-hegelianos tentaram fazer de Hegel um defensor da
"filosofia da vida" romântica, ocultar a crise, a natureza transitória do período
de Frankfurt e usar as categorias que desapareceram naquela época e depois
interpretar toda a obra de Hegel no espírito do romantismo "filosofia da
vida".

No entanto, mesmo se desviarmos da inadmissibilidade de uma


interpretação geral, ela não é fundamental em relação ao período de
Frankfurt como tal. Hegel também não foi romântico durante o período de
Frankfurt. Tendo acentuado nitidamente a semelhança de Hegel, Schiller e
Gota na formulação humanista dos problemas, queríamos mostrar ao leitor
a inconsistência dessa lenda. Mais tarde, ao analisar suas obras do período
de Iena, mostraremos quão pouco, vivendo no próprio centro do
movimento romântico, Hegel sentiu suas aspirações.

Quanto à chamada "filosofia da vida", é bem conhecido das últimas obras de


Hegel que ele a rejeitou. Já em Iena, criticou de maneira aguda e enérgica o
então típico representante dessa filosofia, F. G. Jacobi, e mais tarde ele
sempre teve uma atitude negativa em relação a isso.

E se tu leres os fragmentos de Frankfurt de Hegel filosoficamente, não é


difícil perceber que ele nunca aceitou verdadeiramente o princípio teórico-
cognitivo básico dos modernos representantes da "filosofia da vida", a saber,
o princípio do "conhecimento direto". É verdade que, como veremos, Hegel
luta contra a "filosofia da reflexão" racionalista de seu tempo - foi durante o
período de Frankfurt que ele entrou pela primeira vez em polêmicas com a
filosofia de Kant. E foi precisamente nos últimos anos do período de
Frankfurt, quando sua concepção de positividade tornou-se histórica e
dialética, que Hegel se opôs ao racionalismo do Iluminismo.

138
Mas tudo isso não significa que ele tenha abordado com aprovação a
"filosofia da vida" de seu tempo. Você não pode se deixar enganar por
expressões como "amor" e "vida". O primeiro biógrafo de Hegel,
Rosenkrantz, embora muitas vezes tenha dado à dialética hegeliana uma
interpretação muito superficial, aproximando-a do idealismo subjetivo de
Kant, ainda não foi tocado de uma maneira filosófica e foi muito mais claro
do que os neo-hegelianos viram: “, Em essência, o que Hegel chama em
Frankfurt é o mesmo que em Iena é chamado de moralidade(12), a totalidade
concreta do modo de ação de um homem da sociedade burguesa.

No período de Frankfurt, no entanto, Hegel se opõe ao amor à reflexão, mas


não os torna antinômicos, o que é típico das ideias modernas da doutrina do
"saber imediato": o amor para ele é a retirada dialética do estágio da
reflexão. É claro que não se pode esperar que Hegel já pudesse realizar essa
relação dialética nos primeiros anos de sua estada em Frankfurt, mas em
seus esboços aparece: ao descrever a relação entre reflexão e amor diante de
Hegel, o duplo sentido de superação, mais tarde percebido, ou seja, o valor
intrínseco da conservação. Ele afirma: "Esta unidade é a plenitude da vida,
porque a reflexão também toma seu lugar nela; a unidade não desenvolvida
foi oposta pela possibilidade de reflexão, separação - aqui a unidade e a
separação estão conectadas; é uma vida que se opõe a si mesma (e agora se
sente assim), mas mesmo assim não absolutizou essa oposição. Os vivos
sentem no amor a plenitude da vida. Assim, todas as tarefas são resolvidas
no amor, a unilateralidade autodestrutiva da reflexão e a oposição infinita ao
inconsciente, não desenvolvida, são superadas".(13)

Essas passagens são importantes não apenas para refutar a falsificação de


Hegel pelo neo-hegelianismo, mas ao mesmo tempo elas claramente
caracterizam um certo estágio no desenvolvimento de suas visões. Ao
mesmo tempo, mostram a rapidez com que Hegel faz a transição da
experiência das antinomias da sociedade burguesa, do sentimento de
fragmentação que fluiu desse antagonismo para a formação de elementos
teóricos da interpretação dialética da contradição. Ele só tinha que perceber
que o que ele havia desenvolvido de forma vaga em disputas e "de repente"
parecia ser um dialético completo. A maturidade "súbita" de Hegel, que
atingiu muitos historiadores burgueses da filosofia no período de Iena,
encontrou essa explicação removida.

Mas, é claro, o movimento de Hegel em direção à dialética é muito desigual


e contraditório. A contradição interna de sua posição filosófica é mais
claramente expressa no problema da reflexão. Como vimos, ele tenta
entender o amor como uma retirada dialética da reflexão, isto é, como um
nível superior comparado ao "inconsciente, não desenvolvido", porque
contém reflexão na forma acima. No entanto, as tendências místico-
religiosas frequentemente prevalecem em Hegel, e então o amor aparece

139
como uma "unidade" completa e perfeita da qual até mesmo os menores
traços de separação e reflexão desaparecem.

Este tipo de soluções diametralmente opostas pode ser encontrado não


apenas nos primeiros anos do período de Frankfurt, mas também em um
fragmento de seu sistema que conclui este período. Eles podem ser
encontrados não apenas na análise do conceito de amor, mas também na
análise da vida religiosa, que, segundo suas visões de então, deveria
remover as contradições do amor. A forma como a resolução originalmente
dialética da relação entre reflexão e vida é interpretada na passagem citada
acima é em outro aspecto típica e, ao mesmo tempo, elucidar as raízes
sociais da mais profunda oposição entre Hegel, de um lado, e depois
românticos e "filósofos da vida". "- do outro. Como no período de Frankfurt,
Hegel vê a vida não como algo imediato, mas como um objetivo, o que só
pode ser realizado após a remoção (num duplo sentido, inclusive no sentido
de conservação) da reflexão, ele procura, assim, salvar filosoficamente os
ideais humanistas numa sociedade capitalista, para assegurar tal
desenvolvimento ou transformação de uma sociedade capitalista que faria
relações humanas entre por pessoas. A necessidade acentuada de Hegel de
preservar a reflexão durante sua remoção significa que ele não quer retornar
ao estado social pré-capitalista primitivo (como os românticos reacionários) e
não imagina a verdadeira plenitude da vida e sua compreensão “pensante”
fora das relações sociais, “independentemente” deles, distraindo de eles (o
que é típico da "intuição intelectual" de Schelling). Está claro (e o
subsequente desenvolvimento da filosofia alemã mostra claramente) que
ambas as tendências opostas a Hegel, apesar das longas e afiadas polêmicas
entre si, procuram cumprir o mesmo objetivo social - resolver as
contradições da sociedade burguesa de tal maneira. Já analisamos as ilusões
de Hegel em detalhes e continuaremos mais tarde, quando elas aparecerem
em uma forma social mais concreta, sua análise crítica específica, mas elas
não são um elo entre Hegel e as tendências reacionárias de seu tempo. Com
todas as suas ilusões, Hegel procede socialmente e, portanto,
filosoficamente, de maneira oposta. apesar de uma longa e aguda
controvérsia entre si, elas se esforçam para alcançar o mesmo objetivo social
- resolver as contradições da sociedade burguesa de modo a devolvê-la a um
estado pré-capitalista mais primitivo (filosofia da restauração). Essa atitude
de Hegel em relação à sociedade burguesa se destaca mais claramente
quando, ao analisar o amor, deixa generalizações religiosas exaltadas e
imprecisão emocional e explora como o amor pode se manifestar no mundo
real, passando naturalmente aos problemas da propriedade. Lembre-se que
em Berna, ele realizou sobre estas questões são extremamente posições
comuns sócio-histórico: a igualdade propriedade foi a base econômica da
liberdade republicana, nos tempos antigos, o aumento da desigualdade na
Antiguidade Tardia - a base do declínio mais tarde, a transformação do

140
cidadão antigo no burguesa moderna, em uma "pessoa privada". Agora,
Hegel é forçado, mais especificamente, a entender os problemas da
propriedade. A princípio, isso acontece - de acordo com o caráter geral do
período de Frankfurt - diretamente, emocionalmente e razoavelmente
primitivo. Sabemos que em seus estudos históricos e políticos, Hegel
também expôs fatos econômicos, mas ainda estava limitado a uma coleção
empírica de fatos a partir dos quais se tiravam conclusões políticas diretas.
Hegel primeiramente considera a influência direta da propriedade sobre a
vida espiritual e moral de uma pessoa na sociedade burguesa, definindo a
propriedade como algo morto e positivo, algo que não pode ser combinado
organicamente com a atividade subjetiva e viva. A relação de trabalho e
propriedade nesse período não está em seu campo de visão. Ele vê na
propriedade apenas um meio de consumo ou, no máximo, um meio de
poder pessoal. mas ainda se limitava à coleção empírica de fatos a partir dos
quais se tiravam conclusões políticas diretas. Hegel primeiramente considera
a influência direta da propriedade sobre a vida espiritual e moral de uma
pessoa na sociedade burguesa, definindo a propriedade como algo morto e
positivo, algo que não pode ser combinado organicamente com a atividade
subjetiva e viva. A relação de trabalho e propriedade nesse período não está
em seu campo de visão.

É claro que tal compreensão da propriedade não poderia estar ligada a


vínculos reais e vivos com seu conceito subjetivo extremamente abstrato de
amor, que era defendido naquela época. E o mais interessante é que Hegel
está tentando estabelecer tal relacionamento. Ele vê que o amor deve ser
realizado em uma sociedade burguesa particular, isto é, entre pessoas que
são ou não são proprietárias, e sua propriedade é muitas vezes diferente. E
apesar do fato de ele ver na posse e na propriedade de algo morto e positivo
e, portanto, diametralmente oposto à vida e ao amor, ele ainda explora a
relação entre eles. "Além disso, os amantes estão ligados por uma infinidade
de laços com uma [objetividade] morta: afinal, cada [pessoa] possui muito,
isto é, está em [conhecida] atitude [algo] oposta, isto é, a objetos, quem se
opõe a cada relação de sujeito; assim, eles são capazes de múltiplas
oposições de acordo com a diversidade da herança, aquisição de
propriedade e direitos e posse deles (...) e desde que possessão e
propriedade são uma parte tão importante dos cuidados e pensamentos de
uma pessoa, os apaixonados não podem evitar a reflexão sobre este lado da
relação "(14).

A primitividade desse conceito econômico e a natureza psicológica das


relações entre homem e propriedade sob estudo determinam que aqui Hegel
não é capaz de ir além do compromisso superficial. É importante notar aqui
apenas que, vendo a inerradicabilidade do problema, ele reconheceu a
necessidade de compreendê-lo. Em sua opinião, sua decisão consiste em
uma comunidade de propriedade amorosa.
141
Mas Hegel, sendo um realista sóbrio, percebe que isso é apenas a aparência
de uma solução. Nas notas da citação acima, ele fala da comunidade de
propriedade daqueles que amam: "Devido a esta inseparabilidade de
propriedade (...) a comunidade de propriedade parece ser a remoção de
direitos, mas na realidade o direito é retido para aquela parte da
propriedade que não é usada diretamente, mas usada - sobre isto,
entretanto, Na comunidade da propriedade, as coisas não são propriedade,
mas escondem o direito, a propriedade de uma certa parte delas"(15). Assim,
Hegel vê que a remoção da positividade da propriedade através da
comunidade de propriedade daqueles que amam não é uma remoção real.

Esse realismo sóbrio, crítica imparcial e destruição de suas próprias


construções exaltadas e extravagantes são expressas no fato de que Hegel às
vezes está claramente ciente de que o amor é apenas um momento, apenas
um ponto de subjetividade. "Mas isso unido é apenas um ponto, um foco, os
amantes não podem acrescentar nada para beber, porque então seria
considerado algo diverso; já que a unidade foi afetada pelo oposto, é livre
de qualquer separação; tudo que faz unidade pode adquirir diversidade e
sendo, deve extrair de si os novos meios, opor-se a eles mesmos e conectar-
se com eles "(16). É claramente visível: com todo o significado central
atribuído por Hegel à categoria de amor durante esse período, está, no
entanto, longe de sua exaltação romântica. Ele vê isso como o pináculo da
vida, uma superação real de tudo que é imóvel e positivo no mundo, mas ao
mesmo tempo vê que uma realidade superior não pode estar enraizada
nesse sentimento, que poderia ser realmente oposto à positividade da
sociedade burguesa. No final do período de Frankfurt, ele vê a principal
falha do amor na falta de objetividade e quer contrapor a objetividade e a
positividade do mundo com uma objetividade não positiva e viva. A antiga
contradição dos dois períodos transforma-se aqui em uma contradição
interna da sociedade burguesa.

Sobre as contradições decorrentes desse conceito, falaremos depois. Aqui


devemos enfatizar é que Hegel procura e encontra uma outra solução para o
amor não cumpridas subjetiva - uma decisão que vai ser a partir de seus
escritos posteriores sociais e filosóficas: o amor como a fundação de
casamento e família. No final das linhas citadas acima, ele diz: "Então,
aquele, o desconectado e o reunido. Os unidos estão desconectados
novamente, mas no filho a conexão em si tornou-se inseparável". E para a
palavra "reunificado", ele acrescenta a observação: "A criança é os próprios
pais"(17). Como vemos, aqui no embrião contém a teoria hegeliana da família
como uma célula da sociedade burguesa.

Nesses primeiros esboços de Frankfurt de Hegel, de uma forma muito


contraditória e implícita, os contornos de sua posterior compreensão da
sociedade burguesa são visíveis. Mais precisamente, vemos o jovem Hegel

142
tornando-se aquelas tendências e demandas que o levaram mais tarde a
uma profunda análise da sociedade burguesa. Veremos que a principal ideia
básica no desenvolvimento de Hegel é a seguinte: encontrar a relação
dialética entre a objetividade aparentemente objetiva dos objetos e as
instituições da sociedade burguesa e, além disso, que a objetividade de
todos os objetos perde seu caráter morto e atua como um pré-requisito e
resultado da atividade do sujeito de modo que a filosofia explora a
sociedade e a história como um mundo próprio, como um produto de suas
próprias atividades. Em Frankfurt, por encontrar tal relação, ainda eram
modestos e muito obscuros, tanto em termos de conteúdo quanto em termos
de metodologia. O conhecimento de Hegel da estrutura da sociedade
burguesa moderna ainda era muito vago, empírico e ainda muito longe de
revelar suas leis inerentes. A metodologia de Hegel é até agora em uma
busca pouco clara da relação entre o sujeito e o mundo social dos objetos.
Conjecturas sobre as inter-relações dialéticas surgem constantemente e
desaparecem no nevoeiro místico da religião.

O princípio dominante do período de Frankfurt "continua a ser uma forte


oposição do sujeito e objeto - no entanto, com um desejo apaixonado de
superar esse dualismo agudo". O tempo leva à atividade dentro da
sociedade burguesa.

A sociedade burguesa deve ser revivida por esta fórmula filosófica de dentro,
não de fora, transformada em algo que vive daquela máquina morta, a qual
age diretamente. Mas o caminho dos mortos para os vivos é, como vimos,
desde o início, revelando as contradições da sociedade burguesa - no
entanto, com a intenção de mantê-los adormecidos dentro da estrutura da
sociedade burguesa. É desse modo que Hegel procura reconciliar o homem,
os ideais humanistas com a sociedade burguesa, e já podemos, desde o
início, quando esses problemas aparecem pela primeira vez em suas obras,
ver claramente os pontos fortes e fracos da compreensão de Hegel sobre a
sociedade.

A Tendência de Hegel à vida devido à imprecisão direto-emocional do


modo necessário deveria levar à religiosidade. Já mostramos a
reaproximação de Hegel com o cristianismo, em contraste com sua rejeição
decisiva no período de Berna. Como, como mostramos, o amor e a religião
são idênticos para Hegel, ou, como diz Hegel, o amor forma o caminho para
a religião, essa tendência indubitavelmente leva à reconciliação com o
cristianismo. E aqui Hegel embarcou no caminho pelo qual ele seguirá toda
a sua vida.

Seria, no entanto, errado concordar com a interpretação reacionária de sua


filosofia, que foi proposta pela ala direita dos hegelianos: Hegel era
supostamente incondicionalmente um filósofo do cristianismo protestante.

143
(Recentemente, Georg Lasson, com uma paixão particular, defendeu essa
interpretação e criticou todos os neo-hegelianos menos reacionários, que
"minimizaram" a religiosidade protestante de Hegel.)

A atitude de Hegel para com a religião cristã nunca foi inequívoca,


consistente e incondicional. Durante o estudo do período de Frankfurt,
veremos que Hegel é forçado a enfrentar sérios confrontos mentais com o
cristianismo e, principalmente, com a personalidade de seu fundador, com
Jesus, e que as categorias religiosas do cristianismo desempenham um papel
excepcionalmente grande em seu pensamento. Mas, ao mesmo tempo,
veremos que esse embate termina com o estabelecimento de uma insolúvel e
trágica contradição na vida e nos ensinamentos de Jesus, que em termos
religiosos o topo do sistema hegeliano não é de modo algum idêntico ao
cristianismo. Pelo contrário, já no período de Iena, encontramos os esboços
filosóficos e históricos de Hegel sobre o desenvolvimento de religiões que
levam o cristianismo para fora e visam o advento de uma nova terceira
religião.

Em conexão com a análise das atitudes posteriores de Hegel em relação ao


cristianismo e à religião em geral, descrevemos brevemente a dualidade de
suas atitudes posteriores em relação a esses problemas.

Para entender esse estágio de desenvolvimento da filosofia hegeliana, basta,


por um lado, afirmar a incoerência de sua aproximação com o cristianismo,
a rejeição da atitude nitidamente negativa em relação ao cristianismo
inerente ao período de Berna e, por outro lado, mostramos Hegel está
procurando, na religião e no princípio da religiosidade, a unidade viva das
contradições, ou seja, de acordo com sua perspectiva cada vez mais forte, a
mais alta forma de vida.

A natureza controversa deste conceito implica a linha principal de construção


do sistema para eles no período de Frankfurt - o desejo de remover a
filosofia da religião. Inverter a relação entre filosofia e religião foi uma
transformação importante que foi realizada por Hegel no período de Iena.

A mudança na atitude de Hegel em relação à religião cristã teve


consequências importantes para o caráter geral de seus conceitos filosóficos,
históricos e filosóficos gerais. Nós enfatizamos apenas alguns dos momentos
mais importantes. O esquema do desenvolvimento histórico foi apresentado
a Hegel em Berna da seguinte forma: a morte da antiga liberdade
republicana foi seguida por um período de declínio associado ao
cristianismo. As origens judaicas do cristianismo desempenham um papel
secundário e historicamente aleatório nisso. O fator decisivo é o colapso
político, econômico e moral do Império Romano. Os judeus, os criadores da
religião da nova era do mundo, eram vistos por eles como um povo tão

144
depravado quanto os outros, então eles foram capazes de criar uma religião
que atende às necessidades da humanidade que entrou em um período de
declínio. Está claro que agora a ascensão do judaísmo é de interesse
independente para Hegel; ele começa a investigar a unidade e a diferença
entre o judaísmo e o cristianismo. Expandir o alcance de seus interesses
históricos constitui o primeiro passo para a filosofia da história posterior, na
qual a história da antiguidade é precedida por um amplo estudo do Oriente.

No entanto, nos primeiros anos do período de Frankfurt, a interpretação do


mundo oriental não era verdadeiramente histórica. Foi mais uma análise
filosófica e histórica das tradições judaicas da Bíblia do que uma história
real.

Apesar disso, há alguns aspectos que são importantes para a formação


posterior das visões históricas de Hegel. Então por exemplo, ele prossegue
na análise do judaísmo a partir do fato de que, em contraste com os gregos,
a Judéia é caracterizada por uma “ruptura com a natureza”. Para não
mencionar o fato de que temos aqui o germe de um posterior entendimento
hegeliano do Oriente, Hegel deriva desse requisito muito notável, embora
ainda aforístico. Ele diz que essa lacuna "implica necessariamente o
surgimento de um estado etc."(18).

Para o conceito histórico posterior de Hegel, é importante que o estado surja


apenas com um certo desenvolvimento de contradições sociais.

Em Berna, o antigo estado foi o resultado do desenvolvimento, desprovido


de contradições sociais internas, e o surgimento e o agravamento dessas
contradições levaram à queda do estado. No mesmo estágio, aparece um
embrião do entendimento oposto mais dialético e histórico, embora essa
oposição seja perceptível apenas no aspecto metodológico, e no conteúdo é
extremamente mistificado.

Ainda mais claramente é a mudança nos pontos de vista de Hegel sobre o


papel histórico do Estado, na atitude dos cidadãos em relação ao Estado em
um lugar diferente na mesma passagem sobre o "Espírito do Judaísmo". Para
finalmente entender essa mudança, devemos recordar novamente os pontos
de vista de Berna, de Hegel, segundo os quais os cidadãos só se
relacionavam com o Estado quando essa atitude era a devoção livre de um
cidadão (Citoyen) a uma república democrática. Hegel conecta o declínio do
estado com o domínio do despotismo e com a transformação de um cidadão
em uma pessoa privada que pode não ter nada a ver com o estado. Ele
agora enfatiza energicamente o nítido contraste entre as antigas repúblicas e
a teocracia judaica, mas ele fala sobre o desenvolvimento do reino judaico
da seguinte forma: "O indivíduo era completamente alheio ao interesse ativo
no Estado; a igualdade política dos cidadãos é oposta à igualdade

145
republicana, era apenas igualdade de insignificância. Somente sob os reis,
juntamente com a desigualdade que deveria ter vindo com eles, os muitos
cidadãos tiveram uma atitude em relação ao estado. Para muitos, é
significativo em relação aos de baixo escalão, e para alguns é pelo menos
uma oportunidade de conquistar esta importância”(19). Esta passagem
também é muito nebulosa. Mas ainda daí decorre que, de acordo com
Hegel, é precisamente da crescente desigualdade da posição política e social
dos cidadãos no reino judaico que uma conexão mais forte com o Estado
surge do que a igualdade abstrata anterior da teocracia primitiva.

Em outras palavras, Hegel começa a avaliar as propriedades e classes


surgidas no curso da história como essenciais e determinando a atitude do
cidadão para com o estado. Em Berna, ele viu na estratificação da
propriedade o fator de destruição e a queda do estado. Agora, tentando
explorar teoricamente a sociedade burguesa moderna, ele considera a
diferenciação real da sociedade em classes e classes como uma característica
fundamental. Hegel faz esse passo apenas no período Iena, mas ele dá a
redação final muito mais tarde, na Filosofia do Direito (1821). Mas é
precisamente por essa razão que é necessário enfatizar que essa ideia surge
em Hegel assim que ele se opõe à sociedade burguesa.

A citação acima mostra que a estimativa de Hegel da vida política antiga


coincide plenamente com a sua avaliação durante o período bernense. Não
mudará no curso do desenvolvimento posterior, apenas o lugar que Hegel
atribui ao desenvolvimento histórico da antiguidade será diferente:
paralelamente à compreensão teórica das condições específicas da
sociedade moderna e sua necessidade, Hegel considerará a antiguidade
como um passado irrevogável.

Mas o clima religioso prevalecente no período de Frankfurt invade sua


compreensão da antiguidade. Em busca da objetividade religiosa, não
positiva, Hegel se volta para a religião antiga e vê em sua penetração na
natureza um ideal para suas aspirações.

Mas é mais interessante do que mudar o acento, que, baseado na análise


dessa penetração, ele está tentando dar uma solução ao problema da
unidade da necessidade e do acaso, sujeito e objeto. "Onde se pensa que o
sujeito e o objeto ou a liberdade e a natureza estão conectados, e que a
natureza é liberdade, e o sujeito e objeto são inseparáveis, existe um divino -
tal ideal é o objeto de qualquer religião. que a síntese teórica torna-se
completamente objetiva, completamente oposta ao sujeito, a atividade
prática destrói o objeto e é completamente subjetiva - apenas em um objeto.
O amor é alcançado unidade com o objeto, ele não é dono, e não domina
este amor(20).

146
Aqui vemos como, na primeira tentativa de Hegel de formular problemas
dialéticos, surge imediatamente uma forma de idealismo objetivo
característico da filosofia alemã, um sujeito-objeto idêntico. As construções
de Hegel são até terminologicamente próximas das tentativas de Schelling de
preservar o conceito teórico-cognitivo de Fichte, mas de desenvolvê-lo em
uma dialética objetiva. Não é tão importante até que ponto o pensamento
de Hegel na época foi influenciado pelas obras de Schelling ou movido
independentemente na mesma direção: para aquelas posições que levaram
ao idealismo absoluto no idealismo clássico alemão, a noção de um sujeito-
objeto idêntico era necessária. É apenas sobre como se entende a retirada
do sujeito e objeto em uma unidade superior, porque isso depende O
idealismo absoluto se dissolverá completamente no misticismo religioso
(caminho do desenvolvimento de Schelling), ou a compreensão dialética da
realidade arrancará um território significativo do misticismo idealista pela
divulgação energética das contradições vivas e mantendo-as intactas, a luta
de ambas as tendências preenche todo o trabalho de Hegel. A influência
sobre Schelling leva apenas a um fortalecimento temporário de uma
tendência reacionária. Controvérsia com Schelling e rompimento com ele
significa a vitória de outra tendência, mas tal vitória, que nunca pode ser
final no quadro do idealismo absoluto.

Em qualquer caso, nesses fragmentos pode-se ver um trabalho intensivo


sobre problemas filosóficos que não estava em Berna. Para esse período do
pensamento hegeliano, as oscilações no conceito de objetividade são
características. Hegel opera com várias formulações de objetividade, não
sendo capaz de chegar a uma decisão final, e compreende puramente
subjetivamente essa religiosidade, que, de acordo com seu conceito, deveria
remover a oposição entre sujeito e objeto. Este é um tipo de introdução da
subjetividade em objetos através do poder da imaginação, diz Hegel, em
outras palavras, uma abordagem que, se pensarmos consistentemente até o
seu fim lógico, não pode mudar nada na objetividade.

As flutuações de Hegel se expressam no fato de ele estar buscando na


religião, na vida, que o ser, que deve estar acima de todas as ideias e
conceitos, seja chamado a remover e, desse modo, superar a unilateralidade
e ossificação da reflexão.

Em suas reflexões, Hegel encontra a independência do ser da consciência,


mas desde que ele não abandona por um momento a teoria idealista do
conhecimento, ele não pode tirar nenhuma conclusão frutífera disso. "Essa
independência, essa absolutez de ser, é o que você encontra; provavelmente
deveria ser, mas só porque é, não existe para nós; é a independência de ser
para si mesmo, independentemente de existir para nós ou não para nós, o
ser pode se tornar algo completamente separado de nós e não incorporar a
necessidade de nossa atitude em relação a isso ”. A partir dessas premissas

147
ele tira conclusões completamente diferentes. Anteriormente, ele acreditava
que a fé envolve ser, procurou enfatizar a primazia de ser relativo ao pensar
e, ao mesmo tempo, ver com fé um princípio religioso mais elevado, com o
qual uma unidade objetivamente idealista pode ser criada. Agora ele
acredita: "... NESSA, isto é, não precisa acreditar, mas o que eles acreditam,
deveria ser."(21).

Essa linha de pensamento é extremamente confusa. No entanto, é


importante que as questões da teoria do conhecimento, objetividade, já
estejam de acordo com a pesquisa de Hegel. E é extremamente interessante
notar que os primeiros esboços da separação dialética do ser (ser, ser
existente, existência, etc.) apareceram primeiramente em Hegel nas
passagens citadas.

Escusado será dizer que eles surgem de uma forma muito obscura, longe do
conceito dialético. Mas, para a história do desenvolvimento do pensamento
hegeliano, é característico que eles surjam em conexão com o problema da
positividade - central para o período de Berna. A conexão entre a
positividade como um problema social e a questão da objetividade,
objetividade na filosofia, a conexão que existia no período de Berna em uma
forma inconsciente e instintiva, se transforma em um problema para Hegel.
E não é de todo acidental que, paralelamente a isto, reaparece o velho
conceito de positividade, mas aqui as contradições começam a ser
realizadas.

Embora Hegel dê uma definição de positividade em Frankfurt, o que


corresponde exatamente ao entendimento de Berna(22), no entanto, no curso
de novas pesquisas, esse conceito é especificado, obtém uma formulação
filosófica consciente e assim se torna mais flexível do que em Berna. Hegel
se esforça para a unidade real e viva dos opostos e contradições da vida.
Portanto, positividade agora aparece para ele como uma forma falsa de
unidade. “Onde há separação eterna na natureza, onde o incompatível une,
há positividade”(23). E, além dos já citados pensamentos de fé e ser, ele
define positividade da seguinte maneira: "A fé positiva é uma fé que, em vez
da única conexão possível, apresenta outra coisa; substitui o ser oposto, em
vez do único ser possível; de tal modo que estão conectados, mas não
completamente, isto é, não estão conectados na relação em que deveriam
estar conectados"(24).

Hegel aqui se aproxima, como antes, refletindo sobre a independência do


ser da consciência, para os limites do idealismo, mas imediatamente faz uma
curva na direção oposta, precipitando-se nos braços da subjetividade. Afinal,
se você ler atentamente o lugar que acabamos de citar e lembrar que para
Hegel "vida" é uma combinação de opostos de aposentadoria, então fica
claro que no conceito de positividade à sua frente há algo que (se você

148
pensa materialisticamente) corresponde a um reflexo errado de conexões
objetivas. Mas no momento decisivo, ele faz uma volta de 180 graus e entra
em um “must”, devido ao qual se torna completamente incompreensível o
que as construções de pensamento de uma fé positiva devem concordar ou
discordar.

Essas flutuações também são visíveis no fato de que ele conclui com os
argumentos citados acima: “A crença positiva requer fé naquilo que não
existe”(25). Hegel reforça essa formulação pelo fato de que, ao contrastar a fé
positiva e não positivista, aguça o oposto da representação e do ser. "Numa
religião positiva, o existente é apenas uma representação, algo imaginável, -
acredito que existe alguma coisa, ou seja, acredito em representação,
acredito que imagino algo, acredito no que acredito (Kant , divindade), a
filosofia [kantiana] é religião positiva (a santa vontade da divindade, a
negação absoluta do homem; na concepção algo está unido, as
representações da unidade são representação é pensamento, mas concebível
não é a existência)"(26).

À medida que essa noção se torna mais concreta, Hegel abandonará a


compreensão da positividade simplesmente como uma representação. O
significado das primeiras formulações teórico-cognitivas do conceito de
positividade reside principalmente no fato de que a forte oposição inerente
ao período de Berne torna-se móvel, portanto, como mostramos, no
horizonte de seu pensamento, os estágios do ser apareceram. Também deve
ser acrescentado que esta compreensão da positividade pela primeira vez
revelou a oposição entre Kant e Hegel, dando assim ímpeto à controvérsia
de Hegel com a filosofia de Kant.

(1) Hoffmeister, p. 380 e ss. (retornar ao texto)

(2) Hoffmeister, p. 248. O folheto teve à época pouca influencia, e é hoje


raridade bibliográfica. Citamos pois, a reimpresão do prólogo e as notas de
Hoffmeister. O folheto apareceu anonimamente, mas apontamentos e
notícias bibliográficas dos anos seguintes indicam claramente que seu autor é
Hegel. Apesar de tudo, o folheto ficou completamente esquecido até que
Hugo Falkenheim, chamou a atenção sobre ele num artigo publicado nos
Prussischen Jarbüschern, Berlim, 1909, p. 193 e ss. O leitor pode encontras
as indicações bibliográficas mais importantes em Hoffmeister, p. 457 e ss.
(retornar ao texto)

(3) D. Mornet, Les origines intellectuelles de la revolution française, Paris,


1933, p. 434. (retornar ao texto)

149
(4) Aus dem literarischen Nachlass von Karl Marx, Friedrich Engels, ed. por
Mehring, Stuttgart, 1913, vol. III, pp. 410 e ss. (retornar ao texto)

(5) Hoffmeister, p 249. (retornar ao texto)

(6) Infelizmente, estes fragmentos não são possíveis de precisar a data com
precisão. O fragmento publicado por Nohl em apêndice com o numero 7
(esboço sobre o espírito do judaísmo) e o publicado com o número 8
(moralidade, amor, religião), até agora não foram datados com segurança. O
número 9 (amor e reigião) é de princípios de 1797, o apêndice 10 (amor)
dos finais de 1797. O fragmento 11 do apêndice (fé e ser) é do ano 1798.
Nohl, p. 403 e ss. (retornar ao texto)

(7) Nohl, p. 377. (retornar ao texto)

(8) Marx, Theorien über den Mehrwert [Teorias sobre a Mais-Valia],


Stuttgart, 1921, vol. III, p. 94. (retornar ao texto)

(9) Nohl, p. 376. (retornar ao texto)

(10) Ibidem, p. 378. (retornar ao texto)

(11) Nohl, p. 379. (retornar ao texto)

(12) Rosenkranz, p. 87. (retornar ao texto)

(13) Nohl, p. 379. (retornar ao texto)

(14) Nohl, p. 381 e ss. (retornar ao texto)

(15) Nohl, p. 382. (retornar ao texto)

(16) Ibidem, p.381. (retornar ao texto)

(17) Nohl, p. 381. (retornar ao texto)

(18) Nohl, p.368. Baste com indicar brevemente aqui estes fragmentos de
Hegel têm um documento precursor em uma breve anotação histórica do
período de Berna publicado em Rosenkranz, p. 515 e ss. Mas as ideias sobre
a essência do Oriente antigo contidas nessa anotação não tiveram
consequências para as cosnstruções histórico-filosóficas de Hegel, razão pela
qual não as estudamos particularmente. (retornar ao texto)

(19) Nohl, p. 370. (retornar ao texto)

(20) Nohl, p. 376. (retornar ao texto)

(21) Nohl, p. 383. (retornar ao texto)

150
(22) Nohl, p. 364. (retornar ao texto)

(23) Nohl, p. 377. (retornar ao texto)

(24) Nohl, p. 383. (retornar ao texto)

(25) Nohl, p. 384. (retornar ao texto)

(26) Nohl, p. 385. (retornar ao texto)

151
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético
3 - Dois fragmentos de folhetos sobre questões atuais na Alemanha

A natureza contraditória dessa etapa no desenvolvimento dos pontos de vista de


Hegel é particularmente expressa em dois fragmentos de folhetos escritos em
1798–1799.

O primeiro folheto descreve os conflitos constitucionais na terra natal de Hegel,


em Württemberg. Foi obviamente escrito no primeiro semestre de 1798, uma vez
que Rosenkrantz(1) publicou uma carta de resposta de Hegel a seu amigo, datada
de 17 de agosto de 1798, então por essa época o folheto deveria estar pronto.

A razão para isso foi o conflito constitucional em Württemberg no final do século


XVIII, entre o duque e os estamentos das propriedades fundiárias de
Württemberg. O conflito se intensificou por causa da questão das atitudes em
relação à França, já que o duque estava do lado da intervenção da Áustria contra
a França, enquanto os estamentos declaravam simpatia pela França. Depois que
o duque tentou realizar o seu governo totalmente Absoluto, sem a Dieta, o
governo em 1796 convocou novamente a Dieta para eleger uma nova comissão,
no qual o monarca esperava encontrar uma ferramenta, mais dócil, obediente de
sua política. Mas o conflito só aumentou. Numerosos panfletos apareceram em
Württemberg, onde estamentos absolutistas-feudais antiquados de Württemberg,
eram atacados por sua constituição antiquada, foram submetidas a fortes críticas.
Às vezes chegava a exigir a representação popular, eleita por toda a população.

O folheto de Hegel aparece em conexão com esses conflitos. Os fragmentos do


folheto que nos chegou mostram claramente as flutuações de sua posição sobre
os problemas atuais da época. Hegel, é claro, não fez um acordo com a ordem
absolutista feudal da Alemanha e não se rendeu a eles. Pelo contrário, sua crítica,
quando fala apenas de posições filosóficas críticas ou gerais, é aguda e decisiva.
A este respeito, não se pode falar de qualquer mudança significativa em sua
posição política. Mas agora, tentando intervir diretamente nos problemas reais da
realidade alemã, ele descobre a insegurança, move-se pelo tato, com
surpreendente moderação do ponto de vista de seus próprios pré-requisitos. A
crítica aguda termina com a proposta de reformas relativamente inofensivas,
como indicou Haym(2).

152
A incerteza é claramente visível mesmo em alterações no título do folheto.
Inicialmente, chamava-se "O fato de que os magistrados de Wurttemberg devem
ser eleitos pelo povo". Mais tarde, em vez da palavra "povo", surgiu a palavra
"cidadãos". O título definitivo foi: "Sobre as relações internas em Württemberg,
especialmente sobre a constituição dos magistrados".

Inicialmente, o panfleto foi dedicado ao "povo de Wuerttemberg", que foi


posteriormente excluído(3). Não podemos precisar se essas modificações são
causadas por condições de censura ou flutuações na posição do próprio Hegel, e
até que ponto elas estão associadas a mudanças no próprio texto; pois apenas
fragmentos escassos se conservaram.

O ponto político de partida do folheto é muito próximo em muitos aspectos às


opiniões republicanas de Hegel do período de Berna e suas observações sobre o
folheto de Cart. Nos fragmentos publicados por Haym, encontramos avaliações
claras e brilhantes do absolutismo. Hegel diz que o absolutismo "finalmente o
torna o centro de tudo - uma pessoa unindo em si mesmo, ex providentia
majorum todos os poderes, mas não dando nenhuma garantia de que ele
reconhecerá, respeitará os direitos humanos". E em total concordância com este
julgamento, ele afirma que "todo o sistema representativo de Württemberg é
errôneo e precisa ser completamente reestruturado"(4). Tal crítica encontra uma
base teórica na demanda por justiça e direitos humanos. Neste juízo, “a justiça é
o único critério desta decisão, a coragem capaz de realizar o triunfo da justiça é o
único poder que com dignidade e tranquilidade pode eliminar tudo de maneira
precária e criar um estado de sólida confiança”(5). Somente o desejo de justiça,
apenas uma tentativa de ascender ao universal, escreve Hegel, pode superar a
mesquinhez, a particularidade dos interesses, o filistinismo.

Nas observações introdutórias a esses fragmentos, Hegel vive descreve o


crescente desejo de atualizar as ordens de Württemberg e caracteriza a
indestrutibilidade desse desejo, que só cresce quando essa atualização é
retardada. "... Não é uma excitação aleatória, o que pode acelerar. Você pode
chamá-lo de uma febre, paroxismo, mas este paroxismo com a morte de um
paciente ou a purificação da matéria. Ele expressa os esforços de outra
autoridade de saúde para expulsar a doença em si"(6). Hegel afirma que as ordens
de Württemberg, na forma em que existem, se tornaram frágeis e exigem uma
reestruturação profunda.

Hegel aborda com um sorriso amargo aqueles que, embora concordem


abstratamente com a necessidade de reforma, mas do egoísmo de classe se
opõem a qualquer reforma concreta. "De fato, há frequentemente uma reserva
por trás do ardente desejo pelo bem comum: porque corresponde aos nossos
interesses. Tal disposição para apoiar qualquer transformação imediatamente
desaparece, é perdida pelas pessoas assim que a demanda é feita a elas." E ele
resume suas observações satíricas sobre a necessidade de reforma da seguinte

153
forma: "Se a mudança é inevitável, ela deve ser implementada. Essa verdade
trivial deve ser expressa porque o medo da ação iminente faz com que a
disposição da coragem diminua e as pessoas se enchem de medo". a necessidade
de mudança, mas no momento decisivo manifesta fraqueza, prefira manter tudo
o que lhes pertence. Nisso, eles são como um varredor, que, diante da
necessidade de reduzir suas despesas, em cada caso acha impossível abandonar
seus hábitos anteriores, não quer se restringir a nada e perde tudo no final - tanto
o necessário quanto o necessário. sem o que seria possível fazer "(7).

Qual é a causa da fragilidade das relações domésticas em Württemberg? A


resposta dada por Hegel é clara e simples. Eles estão enraizados na era antiga,
passando para o passado, social e politicamente obsoleto e não correspondem ao
espírito e às necessidades da modernidade. Essa é uma atitude burguesa-
progressista comum em relação às instituições do absolutismo feudal alemão. É
necessário insistir nessas observações de Hegel, já que elas dão um grande passo
adiante no desenvolvimento de suas visões filosóficas, históricas e filosóficas
gerais. Na defesa ideológica do progresso social, Hegel, pela primeira vez aqui, se
volta para a ideia de desenvolvimento histórico.

No período de Berna, o frequente renascimento das repúblicas antigas em uma


era de declínio causada pela positividade cristã e pela desigualdade de
propriedade, agia como algo da catástrofe de Cuvier. Agora Hegel começa, em
verdade ainda é muito geral e abstrata, por ver a força motriz do progresso no
próprio desenvolvimento social. Como resultado, ele começa a considerar várias
instituições sociais e políticas com maior concretude histórica. Segundo sua visão
atual, certa instituição em si não é nem boa nem má, como lhe parecia em
Berna, mas no decorrer do desenvolvimento social, de um instituto inicialmente
justo, emerge uma falsa instituição, que impede o progresso, reacionária.

Hegel justifica a fragilidade da ordem de Württemberg da seguinte maneira:


"Quão cegos são aqueles que acreditam que instituições, constituições podem ser
preservadas, leis cujo espírito de vida desapareceu e que não se conforma mais
com as necessidades e atitudes das pessoas; formas que não são mais
interessadas, a razão e o sentimento são suficientemente poderosos para
continuar a servir de laços que unem o povo”(8).

Aqui está claro o quão importante para o desenvolvimento das visões de Hegel
são aqueles caminhos complexos e intrincados para uma nova compreensão da
positividade, que analisamos na seção anterior. Afirmou-se aí que a compreensão
inicialmente rígida da positividade tornou-se mais flexível, que as abordagens
dialéticas começaram a emergir das antinomias ossificadas e metafísicas da
positividade e da não positividade.

O que Hegel recentemente chamou unidade genuína e inautêntica começa aqui a


adquirir concretude histórica: o que agora é chamado de positivo, do qual "o

154
espírito desapareceu". Hegel não pergunta mais o que é positivo e o que não é
positivo; chama a atenção para como uma determinada instituição se torna
positiva.

No final do período de Frankfurt, esse movimento em direção a uma nova


compreensão filosófica e historicamente consciente de todo o problema da
positividade se aprofunda e se torna a base metodológica de toda a filosofia
posterior da história de Hegel.

Até que ponto, até o momento em que escrevemos a brochura sobre a situação
em Württemberg, Hegel chegou a uma clara compreensão filosófica do
problema, quão estreitamente ligou a formulação acima citada ao problema geral
da positividade, é difícil dizer com base nos fragmentos restantes. As breves
citações separadas aduzidas por Haym indicam, em todo caso, que tal conexão
estava no folheto. Mas, com exceção de poucas palavras, Haym transmite o texto
hegeliano em sua própria exposição, muito abreviada, de modo que só temos
sugestões para resolver nosso problema. Haym escreve: "Com palavras
adequadas, Hegel caracteriza e condena a burocracia, ‘que perdeu todo o
significado do direito humano natural’, e tentando ir adiante, hesitando entre o
serviço e a consciência, olha constantemente para os ‘fundamentos históricos do
positivo’.”(9). Pode-se ver que a relação entre a positividade e o atraso histórico
da ordem de Württemberg estava no panfleto de Hegel, mas, na medida em que
o vínculo entre o texto era consciente e claramente filosoficamente fixo, é
impossível decidir dos fragmentos remanescentes do texto.

A citação acima de Haym nos mostra outro lado prático e político importante do
panfleto de Hegel: sua crítica à burocracia absolutista de Württemberg. Em outro
fragmento do panfleto, Hegel também se opõe fortemente ao absolutismo do
estado anão, cujo aparato burocrático tem muito mais poder do que as
autoridades da terra. “Então os funcionários tomaram o comitê e, com ele, toda a
população do país”(10).

Essas observações são importantes porque são claramente expressas: Hegel não
era apenas um crítico agudo e opositor dos remanescentes feudais na
constituição de Württemberg, ele simultaneamente lutou contra a mesma luta
amarga contra o absolutismo, que agora está em conflito com o sistema feudal.
Assim, é claro que o objetivo final de Hegel só poderia ser algo radicalmente
diferente, a saber, a transformação democrático-burguesa de Württemberg.

E o mais decepcionante é a timidez e imprecisão dessas observações, nas quais


Hegel formula suas propostas concretas. Depois de uma severa crítica à ordem de
Württemberg, após uma comprovação filosófica e histórica da absoluta
necessidade de transformações radicais, é extremamente decepcionante colocar a
questão: "... é sábio num país com uma monarquia hereditária que há séculos
escolheu repentinamente seus representantes da multidão ignorante, acostumada

155
à obediência cega e dependente? das impressões do momento”. E sua proposta
concreta de mudança política segue essa observação, em vez de críticas duras às
relações em Württemberg. "Enquanto a velha ordem permanecer obsoleta, até
que as pessoas conheçam seus direitos, desde que não haja espírito comum, até
que o poder dos oficiais seja limitado, eleições populares servem apenas para
levar à completa derrubada de nossa constituição. O mais razoável seria transferir
o direito de voto para as mãos de um corpo independente de maridos
esclarecidos e justos. Mas não consigo imaginar que tipo de eleições poderia ser
usado para criar uma reunião desse tipo, mesmo que fosse cuidadosamente
determinado quem tem o direito de eleger e quem será eleito”.(11)

A lacuna entre a crítica da ordem existente e a timidez e imprecisão das reformas


propostas é evidente. Para explicar as demandas tímidas de uma assembléia
"independente" de notáveis, não é suficiente que Hegel, como vimos em Berna,
dissociasse da ala radical plebeia da Revolução Francesa, mesmo se levarmos em
conta que o folheto foi escrito após a Revolução Francesa e sua experiência, que
Hegel poderia ter temido a transformação de uma representação eletiva em uma
convenção radical. Afinal, muitos liberais moderados, tanto na França
contemporânea quanto depois na Alemanha, defenderam o ponto de vista de
que um cargo eletivo poderia se tornar uma forma de transição para as reformas
necessárias.

A verdadeira razão está, é claro, na atmosfera social e política geral na Alemanha


e nas atitudes ideológicas que se seguem, as quais determinam constantemente o
comportamento de Hegel (e de contemporâneos proeminentes, como Goethe).

Graças a sua ampla visão política, Hegel viu claramente o atraso das
constituições existentes dos estados alemães e das constituições propostas como
as mais apropriadas. Mas ele não tinha ideia de como vincular sua crítica à
promoção de objetivos políticos. Essas flutuações e dificuldades foram a base
sobre a qual cresceram várias ilusões reacionárias, que historicamente inevitáveis
e até o fim da vida de Hegel determinaram seu pensamento. Quanto mais
concretamente ele aborda esse ou aquele problema, mais precisa deve ser essa
lacuna, e ilusões, que são projetadas para superá-lo completamente
ideologicamente.

Marx revelou de maneira excepcionalmente clara na "ideologia alemã" os


fundamentos sociais e o caráter social de tais ilusões. Descrevendo a Alemanha
em sua fragmentação política e econômica no final do século XVIII e início do
século XIX, ele diz: “A impotência de cada área da vida (aqui não podemos falar
de propriedades, não de classes e pelo menos apenas de classes antigas e não-
nascidas) Não permitiu que nenhum deles conquistasse uma dominação
excepcional: a consequência inevitável era que na era da monarquia absoluta,
manifestada aqui na forma mais humilhante e semi-patriarcal, aquela área
particular que, devido à divisão do trabalho, geria a administração pública.

156
interesses, adquiriu independência excessiva, burocracia ainda mais fortalecida e
moderna, o Estado foi constituído, portanto, em uma força supostamente
independente, e esta provisão, que em outros países foi transitória (estágio de
transição), permaneceu na Alemanha até hoje. Essa posição do Estado também
explica em nenhum outro lugar que há um modo de pensar burocrático
respeitável e todas as ilusões sobre o estado que estão em circulação na
Alemanha; isso também explica a aparente independência dos teóricos alemães
dos burgueses - a aparente contradição entre a forma em que esses teóricos
expressam os interesses dos burgueses e os próprios interesses”(12).

Mesmo com a mais superficial familiaridade com o curso do pensamento de


Hegel, não é difícil ver como todas as características da ideologia alemã daquele
tempo reveladas por Marx se manifestam nele. É verdade que as ilusões sobre
um "modo de pensar burocrático respeitável" e sobre o Estado se manifestarão
com mais força em sua concepção posterior de sociedade, mas a independência
imaginária dos teóricos dos interesses reais da burguesia em ascensão, enfatizada
por Marx, foi a força motriz de Hegel. Essa fonte resulta tanto na imprecisão e na
timidez das reformas propostas, quanto na ilusão sobre a formação de uma
corporação "independente", que deve determinar a constituição de Württemberg.
Ao mesmo tempo, sua atitude em relação ao liberalismo é especialmente
importante. Quanto aos objetivos sociais, Hegel acompanha os liberais em
muitos assuntos. Ele,(13) no entanto, até o final de sua vida, e quanto mais ele
continuou, mais e mais definitivamente ele rejeitou os métodos políticos do
liberalismo, especialmente alemão, e acima de tudo sua fé no sufrágio,
parlamentarismo, reformas parlamentares, etc.

Nesta contradição reflete o atraso econômico e social da Alemanha e causou não


só desigual, mas também duplo, restrito, pequeno desenvolvimento filipino da
ideologia política. Ambas as direções estão igualmente imbuídas de sentimentos
burguês-filisteus e de um utopismo vago. Os liberais alemães dessa época
apresentaram suas demandas principalmente de forma dogmática, sem levar
seriamente em conta o equilíbrio real das forças sociais. (A fim de eliminar
possíveis mal-entendidos, enfatizamos que estamos falando apenas de ideólogos
do liberalismo, e não de alguns democratas revolucionários como Georg Forster.)

Hegel, como Goethe, vê claramente a estupidez do liberalismo alemão. Ele não


compartilha as ilusões liberais nas estimativas da Alemanha e nas condições
sociais da vida da sociedade burguesa. No entanto, essa crítica muitas vezes justa
é misturada com as ilusões já conhecidas por nós, que mais tarde o levaram a
posições reacionárias explicitamente expressas na solução de questões
individuais.

As limitações e ilusões das duas posições possíveis naquela época refletem


igualmente o alemão Misere (insignificância): o enfado mesquinho, burguês-
burguês das relações sociais na Alemanha prevaleceu sobre os maiores ideólogos

157
alemães com o horizonte político mais amplo. Apenas na véspera da revolução
de julho na França e especialmente depois dela, quando um movimento
democrático surge na Alemanha, a verdadeira superação dessa estupidez começa
(Georg Büchner, Heine). Basta apenas recordar a luta do jovem Marx contra os
jovens hegelianos radicais, para ver quão profundamente enraizada esta limitada
ideologia tinha nas relações sociais na Alemanha.

Como a base da posição ideológica de Hegel está associada à estrutura de classes


da então Alemanha, permanece inalterada durante toda a sua vida. É verdade
que, no curso de seu desenvolvimento, Hegel está cada vez mais concreto e
profundamente consciente das forças motrizes do desenvolvimento social, suas
leis; mas é sempre apenas até certo ponto que se move dentro da estrutura das
leis assim entendidas. As contradições sociais que ele delineia concreta e
claramente, sem qualquer justificativa social objetiva, passam diretamente para
algum tipo de abstração, que depois adquire conteúdo burocrático e se baseia em
ilusões sobre o Estado.

Ele nunca realmente extrai essa universalidade abstrata de condições sociais reais
e especiais, embora Hegel tente revelar a conexão dialética entre a
"peculiaridade" dos interesses privados e de classe e seu resultado social.
Considerando-os a partir de uma posição filosófica idealista, e sua base de classe
- baseada na independência imaginária das condições sociais, como se “de
cima”, ele transforma essas condições em alguma “universalidade” abstrata. A
principal contradição do conceito social e filosófico de Hegel aparece aqui em
comparação com os trabalhos subsequentes ainda muito implicitamente.
Veremos também que tanto o conteúdo político do conceito de Hegel quanto os
elos metodológicos são muito variáveis; no entanto, essa contradição básica é
uma linha de todo o seu pensamento.

Sabemos que a brochura da Hegel em questão nunca foi publicada. Uma


explicação bem conhecida da razão para isso é fornecida por uma carta
publicada por Rosenkranz por um amigo de Hegel em Stuttgart. O autor da carta
é da opinião de que publicar o trabalho sob as circunstâncias naquela época não
teria ajudado, mas sim prejudicado. Um dos argumentos decisivos foi dirigido
contra o esboço hegeliano de um encontro de notáveis, chamado na carta de
"arbitrário". Mas uma razão mais importante para o fato de o panfleto não ter
sido publicado aparentemente foi a decepção com o resultado da guerra com a
França, que abraçou várias camadas de alemães progressistas e até mesmo
revolucionários. O Congresso de Rastatt, que se reuniu de dezembro de 1797 a
abril de 1799 e completou a primeira guerra de coalizão contra a República
Francesa, apenas cortou o território da Alemanha. Aspirações e esperanças
(verdade os extremamente patrióticos) patriotas alemães, que acreditavam que as
guerras da França republicana levariam à expansão internacional das instituições
democráticas, foram brutalmente destruídos e, nas negociações de paz, houve
uma pequena barganha sobre certos territórios. Essa decepção se reflete nas

158
linhas conclusivas da carta a Hegel de seu amigo de Stuttgart: "... nossa
autoridade despencou. Os administradores de uma grande nação traíram os
direitos sagrados da humanidade ao desprezo e zombaria de nossos inimigos.
Não conheço a vingança que seria proporcional a seu crime. Nestas
circunstâncias, o anúncio do seu ensaio apenas nos prejudicaria” e nas
negociações de paz houve uma pequena negociação sobre certos territórios. Essa
decepção se reflete nas linhas conclusivas da carta a Hegel de seu amigo de
Stuttgart: "... nossa autoridade despencou. Os administradores de uma grande
nação traíram os direitos sagrados da humanidade ao desprezo e zombaria de
nossos inimigos. Não conheço a vingança que seria proporcional a seu crime.
Nestas circunstâncias, o anúncio do seu ensaio apenas nos prejudicaria”(14).

A contradição, tão emocionalmente expressa nesta carta, tem sido repetidamente


considerada por nós. Subjacente a todas as tentativas teóricas e práticas para
alcançar a unidade da Alemanha durante este período. Hegel levanta questões
no folheto iniciado, mas não terminado. No entanto, é muito característico para
Hegel que em seus esboços não haja vestígios de amargura contra os franceses.
Ele aborda a questão da unidade da Alemanha do ponto de vista das
contradições internas de seu desenvolvimento nacional, e suas declarações
específicas posteriores sobre as perspectivas do desenvolvimento histórico
mundial mostram que Hegel sempre manteve a simpatia pela linha de
desenvolvimento pela qual a França seguia. Além disso, durante o período da
dominação de Napoleão, as simpatias só se tornam mais fortes, e na solução
napoleônica dos problemas da Revolução Francesa, ele vê cada vez mais o
modelo histórico. Escusado será dizer que tal ponto de vista não ajudou Hegel a
superar uma barreira essencialmente intransponível entre a análise sócio-histórica
e as perspectivas de implementação de seus resultados.

Essa lacuna é encontrada nos fragmentos sobreviventes do panfleto "A


Constituição da Alemanha", principalmente no fato de que Hegel sempre corta o
manuscrito, onde deveria ter sido mais específico ao descrever as perspectivas.
Em Iena, Hegel retomou o trabalho sobre este panfleto, ampliou e aprofundou
significativamente tanto na parte crítica quanto histórica, e na que apresenta
propostas concretas. No entanto, ao fazê-lo, a lacuna foi transferida apenas para
outra área e é claramente perceptível, mesmo em frases muito específicas.

Hegel, em particular reconhecendo que no passado quaisquer mudanças nas


constituições estaduais poderiam ser feitas apenas por forças históricas reais, em
sua "Constituição da Alemanha", no entanto, mantém completo silêncio sobre as
forças históricas que poderiam trazer as reformas desejadas, aqueles lugares onde
ele ainda sugere tais forças, suas sugestões são vagas e ilusórias(15).

Quanto ao primeiro fragmento, aqui a nitidez das críticas e a coragem da análise


e, ao mesmo tempo, a ausência de perspectivas específicas são impressionantes.
Em seu estudo, Hegel prevê o declínio da Alemanha, sua desintegração final

159
como uma possível ameaça. Ele sugere, no entanto, como uma alternativa para
outra solução, mas aqui o manuscrito se interrompe. Depois de forte crítica ao
desejo de independência dos principados individuais da Alemanha, Hegel disse:
"Se esta luta pelo isolamento é o único princípio condutor no Império Alemão, a
Alemanha voará incontrolavelmente para o abismo em direção a sua morte, e
seria necessário, no entanto, uma ocupação estúpida e inútil. A Alemanha não
deveria fazer uma escolha entre o destino que se abateu sobre a Itália e o
caminho que leva a um único estado?(16). Mas não há nada no manuscrito sobre
essas circunstâncias.

Nós já mostramos que a análise de Hegel procede exclusivamente das relações


internas da Alemanha e coloca a culpa pela crise do império alemão sobre eles, e
não nas guerras que a França travou. Como todos os alemães progressistas do
seu tempo, Hegel vê o mal principal da Alemanha na propriedade de grandes e
pequenos principados, na fragmentação da Alemanha em vários grandes e
pequenos estados independentes. Ao mesmo tempo, ele chega a uma posição
radical: "Além do despotismo, isto é, estados inconstitucionais, nenhum país
possui um sistema estatal pior que o Império Alemão". E ele acrescenta: "Voltaire
chamou diretamente o sistema estatal de anarquia da Alemanha; este é
realmente o melhor nome, se você considera a Alemanha um estado, mas agora
não é mais adequado”(17).

A justificativa para esse veredicto agudo é típica de Hegel. Ela mostra, por um
lado, como a afirmação hegeliana dos fatos entra em conflito com suas visões
iniciais e como ele se move (embora, no caminho de construções idealistas muito
arriscadas) "na bobina" de contradições em direção à conquista de novos
conhecimentos profundos.

A principal contradição do sistema estatal alemão, Hegel, vê que a base desse


dispositivo não é, em essência, a lei do Estado, mas o direito privado. Em sua
concepção, ainda há muito da antiga compreensão do estado, em parte
relacionada à lei natural, em parte tomando a antiguidade como modelo. Ele
condena os princípios do direito público alemão pelo fato de que eles "não são
princípios estabelecidos a partir de conceitos baseados na mente", mas simples
"abstrações da realidade". Hegel vê que as normas legais surgem de uma
verdadeira luta pública, aceita esse fato, mas encontra nele algo contrário à
razão, algo contrário à realidade como deveria ser.

Essa contradição tem um claro caráter idealista e metafísico, que é ainda mais
notável quando consideramos a justificativa conceitual da abstração da realidade.
Fortemente condenando tais abstrações, Hegel escreve: "Afinal, a propriedade
veio antes da lei, e não se originou de leis, mas o que foi adquirido se
transformou em um direito legal". Mas se examinarmos o pensamento de Hegel
mais de perto, veremos: sua luta contra a natureza do direito privado do Império
Alemão significa que o feudalismo ganhou em lutas públicas da Idade Média com

160
o novo tempo na Alemanha. "... O estado só poderia confirmar o que já foi
rejeitado ... na Alemanha ... cada membro do corpo político tem poder no
estado(18).

É absolutamente claro que foi na vitória dos princípios feudais que Hegel viu a
razão pela qual a Alemanha deixou de ser um único estado. Além disso, mostra
que o direito público baseado no direito privado tende a tornar-se independente,
separado do estado e do todo nacional, como resultado do qual o caos de
direitos conflitantes e reivindicações de direitos necessariamente surgem. É
verdade que Hegel, diferentemente das obras posteriores, vê a lei não como
resultado, mas como o princípio supremo das relações sociais e estatais, mas
dentro da estrutura dessa abordagem idealista que distorce a realidade, dá uma
imagem clara, clara e satírica da situação na Alemanha, onde se tem o direito de
falar em nome de toda a Alemanha sobre guerra e paz na mesma base(19).

Esta avaliação afiada das relações na Alemanha é muito mais clara do que na
brochura de Württemberg, expressa um ponto de vista histórico sobre a
positividade, reconhece o atraso dessas relações, a necessidade de sua reforma.
Por um lado, Hegel descreve vividamente aqueles no passado, as forças efetivas
e progressistas que originalmente criaram a construção do Império Alemão; ele
também presta homenagem aos sentimentos, tradições e afeições que os alemães
têm pelo seu passado, mas, por outro lado, enfatiza muito nitidamente que esse
passado histórico não tem nada a ver com os problemas reais do nosso tempo.

Ele formulou a mesma ideia em uma brochura sobre relações em Württemberg


da seguinte maneira: "A construção do estado alemão é uma questão dos séculos
passados; não corresponde ao nosso tempo, em suas formas mais do que um
destino milenar encontrou sua expressão; covardia, honra e sangue, necessidade
e bem-estar de tempos passados, longas gerações decadentes A vida e as forças,
cujo desenvolvimento e ação é o orgulho da geração atual, são indiferentes a ela,
não se interessam por elas e não dependem dela; Manutenção com suas colunas
e ornamentos fica sem o espírito dos tempos”(20). Hegel não pronuncia a palavra
"positividade" aqui, mas é claro que nesta análise temos o desenvolvimento
histórico posterior de sua ideia de positividade.

Especialmente importante para o desenvolvimento da construção histórica de


Hegel é a continuação dessa análise histórica, o estudo da "lenda da liberdade
alemã". Aqui, pela primeira vez, Hegel está tentando dar uma imagem do estado
social pré-estatal, que mais tarde designou o termo “idade dos heróis”. É verdade
que esse conceito terá um papel decisivo, em primeiro lugar, no conhecimento de
Hegel do desenvolvimento pré-estado da antiguidade. Mas ele tem um número
de declarações (por exemplo, em "Estética"), onde a decomposição da Idade
Média é tratada de forma semelhante a Vico.

161
As observações de Hegel atestam o desenvolvimento de seu senso de
historicidade, sua compreensão dialética da história, igualmente longe de
glorificar estados sociais primitivos, de querer retornar a eles e do vulgar descaso
das condições sociais primitivas em nome do progresso, de sua avaliação
vulgarmente desdenhosa. "alturas das últimas conquistas" da civilização. Hegel
aqui pinta um quadro colorido da era da liberdade alemã, um estado onde não
leis, mas a moral unia as pessoas em um povo, e os mesmos interesses, não uma
ordem geral, transformavam as pessoas em um estado(21). E Hegel acrescenta o
seguinte raciocínio geral: "Quão pouco é abafado e fraco chamar os filhos
daquele estado de horríveis, infelizes e estúpidos, e considerar-se infinitamente
mais humanos, felizes e inteligentes, tão infantis e estúpidos quanto este estado -
como se fosse a única coisa natural, e levar em conta um estado em que as leis
não dominam como necessário, é um estado de liberdade”(22). Alguns anos
depois, no início do período de Iena, nas teses de sua dissertação, ele deu a essa
ideia uma expressão perseguida, paradoxalmente pontuda. Partindo em parte,
argumentando em parte com o conceito de Hobbes, ele escreveu: "O estado
natural não é injusto, e é por isso que é necessário sair dele"(23).

Outro fragmento, publicado pela primeira vez por Rosenkranz, interpreta essas
questões de maneira mais geral e filosófica. Rosenkrantz até chama esse
fragmento de um resumo geral das reflexões de Hegel sobre a crise mundial(24).

O ponto de partida e o clima geral do fragmento nos são conhecidos da citação


já citada no primeiro parágrafo deste capítulo. Tendo descrito o estado de crise
do indivíduo, Hegel prossegue para a análise do estado universal do mundo.
“Todos os fenômenos deste tempo”, ele escreve, “testificam que a paz com a
vida anterior foi perdida, foi autolimitação, domínio ordenado sobre sua própria
propriedade, contemplação e gozo próprio, em completa submissão, o
mundinho, e reconciliando-o. restrição de autodestruição e ascensão mental ao
céu”. O tempo preparou o colapso dessas limitações religiosas filisteias e auto-
satisfeitas. Tanto a pobreza como o luxo removeram o antigo estado. De um
lado, havia uma sede de enriquecimento”, uma consciência impura está cada vez
mais reprovando uma pessoa com o fato de que a propriedade, as coisas foram
transformadas em absoluto por ele, do outro lado, "o tempo foi sentido por um
espírito de vida melhor". Poesia e filosofia alemãs O Comando do Tempo
"encontra apoio nas atividades de pessoas notáveis, no movimento de nações
inteiras, em retratos por escritores da natureza e do destino; através da metafísica,
as limitações adquirem seus limites e sua necessidade pelas conexões agregadas
do todo” encontra apoio nas atividades de pessoas proeminentes, no movimento
de nações inteiras, em retratos por escritores da natureza e do destino; através da
metafísica, as limitações adquirem seus limites e sua necessidade pelas conexões
agregadas do todo” encontra apoio nas atividades de pessoas proeminentes, no
movimento de nações inteiras, em retratos por escritores da natureza e do
destino; através da metafísica, as limitações adquirem seus limites e sua
necessidade pelas conexões agregadas do todo”(25).

162
Hegel aqui dá um novo personagem ao conceito de positividade. A historização
desse conceito (como vimos no panfleto de Württemberg) é revelada primeiro no
fato de que as instituições que originalmente correspondiam à moral do povo,
com o tempo se afastando de suas vidas, abandonaram o espírito e se
transformaram em instituições positivas. Agora, Hegel acrescenta um novo toque
a essa imagem: em uma vida positiva congelada e antiga, um novo espírito
começa a despertar, e a oposição viva do velho e do novo torna o historicamente
obsoleto em positivo.

Como Hegel imagina nesse fragmento a mudança nas relações instáveis no


Império Alemão?

Ele descreve brevemente as perspectivas emergentes e, portanto (o que é muito


característico), fala mais radical e politicamente mais concretamente do que em
seus outros argumentos. "Uma vida limitada como uma força só pode se tornar o
objeto de um ataque hostil de uma vida melhor, se esta também se tornar uma
força ... Como uma especial opondo-se ao especial, apenas a natureza em sua
vida real personifica um ataque ou uma refutação da vida ruim. ..”(26) Aqui,
Hegel já revela uma visão realista do desenvolvimento social, entendida como o
confronto de várias forças (especial versus particular). Aqui ele está muito longe
das ilusões liberais sobre o "poder esmagador da ideia", do chamado de que os
castelos do absolutismo colapsam, assim como os muros de Jericó caíram dos
canos de Josué na Bíblia. Mas, ao mesmo tempo, ele vê a luta contra o
absolutismo, contra os remanescentes feudais, assim como os ideólogos
progressistas da classe burguesa então revolucionária o consideravam,
especificando ainda mais a luta contra a velha vida agora positiva. A dominação
da velha vida "não é baseada no poder do particular sobre o particular, mas na
universalidade; a verdade, o direito que ele liga consigo mesmo deve ser tirado
dele e transferido para aquela parte da vida que é exigida ... Positividade do
existente(27).

Essas posições hegelianas, que usam conceitos extremamente abstratos e são


vagamente expressas, traduzem em linguagem filosófica a controvérsia dos
revolucionários burgueses com a sociedade feudal e avaliam as reivindicações
das classes dominantes como representantes e líderes de toda a sociedade como
autônomos de uma minoria insignificante perseguindo interesses particulares. Por
outro lado, nas demandas do "terceiro estado", esses revolucionários vêem não
tanto as exigências de uma classe a outras classes, mas a demanda que expressa
os direitos de interesse geral, os interesses de toda a sociedade.

Quando Hegel muda em lugares especiais e universais, quando ele, por um lado,
expõe a universalidade feudal-absolutista como pretensão inadequada da
minoria e, por outro, vê a genuína universalidade, correspondente à natureza e à
história, nas exigências específicas da burguesia como classe, é apenas abstrata
filosoficamente formula aqueles pensamentos que, em uma forma politicamente

163
clara e concreta, sem alegações filosóficas, foram difundidos no jornalismo
progressivo no dia antes e durante a Revolução Francesa. E, novamente, para o
desenvolvimento de Hegel como pensador, é característico que a dialética do
universal e do particular emerge pela primeira vez em sua obra não em conexão
com a solução de problemas filosóficos abstratos, mas como uma tentativa de
esclarecer a dialética histórica real da destruição da sociedade feudal pela
burguesia.

Outras construções de Hegel mostram com mais clareza até que ponto a forma
filosófica de questionamento está ligada à sua perspectiva social e histórica. “No
Império Alemão”, ele escreve, “a universalidade possuidora do poder
desapareceu como fonte de todos os direitos, já que essa universalidade existe
agora apenas como pensamento e não como realidade”(28). Aqui, uma descrição
clara do império germânico como uma universalidade, desceu à particularidade,
está politicamente apoiando a controvérsia com os remanescentes absolutistas
feudais dos quais acabamos de falar. Do ponto de vista do desenvolvimento
filosófico de Hegel, devemos lembrar os fragmentos publicados por Zero, onde
ele começou a procurar uma nova compreensão da positividade. Mostramos que
Hegel vê a diferença entre o positivo e o não positivo, pois ambos são unidade,
mas o positivo é apenas uma ideia ou pensamento, enquanto o não-positivo é
ser.

Lembre-se mais uma vez que, nesse sentido, Hegel começou a distinguir entre
certos estágios do ser. Então foi formulado no mais alto grau abstrato e incerto.
No futuro, os problemas adquirem uma forma mais concreta e a determinação
do grau de ser real e inválido acaba por estar ligada à questão histórica do
desaparecimento ou destruição das antigas formações sociais, o nascimento de
um novo estado de sociedade. Estamos nos aproximando do exame da dialética
do desenvolvimento social em Hegel, que Engels descreveu nas seguintes
palavras: “Exatamente da mesma forma, à medida que o desenvolvimento
avança, tudo o que era anteriormente válido se torna inválido, perde sua
necessidade, seu direito de existir, sua razoabilidade. a realidade é tomada por
uma realidade nova e viável ... "(29). É claro que Hegel ainda está muito longe do
estudo historicamente específico que ele alcançará em sua filosofia da história.
Procuramos apenas mostrar que nesses fragmentos ele deu o primeiro passo em
direção à metodologia de sua compreensão da história. E para o nível de seu
pensamento, é característico que esse fragmento termine onde houvesse
conclusões concretas de pré-requisitos políticos e filosoficamente ousados e
progressistas.

164
(1) Rosenkrantz, p. 91. Também o destino deste folheto é prova da
irresponsabilidade com que se procedeu com a herança de Hegel. Rozenkrantz
diz que só se conservou alguns fragmentos dispersos dele. Haym, por outro lado
(loc. Cit. P. 489) disse haver tido diante dos olhos o folheto inteiro. E,
eficazmente, em sua monografia sobre Hegel aduz algumas citações do folheto
que estão contidas em Rosenkrantz, e além disso uma série de alusões mais ou
menos importantes em que não cita literalmente o texto de Hegel. Desde então
se perdeu todo o manuscrito. (retornar ao texto)

(2) Haym, loc. cit., p. 67. (retornar ao texto)

(3) Rosenkrantz, p. 91. (retornar ao texto)

(4) Lasson, p XIV e XV. Sempre que for possível, citaremos para os dois folhetos
a edição de Lasson; porque é a mais acessível ao leitor; Mas procuraremos outras
edições quando o texto interessante não se encontre em Lasson ou esteja
incompleto. (retornar ao texto)

(5) Ibidem, p. 151. (retornar ao texto)

(6) Ibidem. (retornar ao texto)

(7) Ibidem, p. 152. (retornar ao texto)

(8) Lasson, p. 151. (retornar ao texto)

(9) Haym, p. 67. (retornar ao texto)

(10) Lasson, p. 153. (retornar ao texto)

(11) Lasson, p. XV e XVI. (retornar ao texto)

(12) Marx e Engels, Die Deutsche Ideologie [A Ideologia Alemã], Berlim, 1953, p.
198. (retornar ao texto)

(13) Rosenkrantz, p. 62. (retornar ao texto)

(14) Haym, p. 67. (retornar ao texto)

(15) Rosenkrantz, p. 91. (retornar ao texto)

(16) Os dois fragmentos do escrito de Hegel que aqui nos ocupam procedem,
segundo toda probabilidade, dos finais de 1798 e princípios de 1799. Rosenweig
(vol. II p. 88 e ss) e Hoffmeister (p. 468) o provaram assim com muita
probabilidade pelo que faz o primeiro fragmento. Eles mostraram que quando
Hegel fala do Congresso de Rastatt o tempo verbal futuro está corrigido com
outra tinta, por “foram”. Isto quer dizer, sem dúvida, que o manuscrito foi escrito
enquanto o Congresso de Rastatt, celebrava suas sessões e que mais tarde,

165
provavelmente ao voltar a considerar o tema em Iena, o texto foi revisado e
corrigido. Sobre o segundo fragmento há discrepâncias entre os estudiosos de
Hegel que tiveram em vista os manuscritos originais. Haering (p. 595 e 785)
coloca o fragmento no período de Iena, ou seja que o considera contemporâneo
da última redação de todo o escrito. Rosenweig (vol. I, p. 92 e ss, e 235) e
Hoffmeister (p. 496 e ss) pensam, por outro lado, que foi escrito em Frankfurt.
Rosenweig e Hoffmeister aduzem argumentos puramente filológicos baseados nas
alterações da escrita de Hegel, enquanto que Haering baseia sua tese em certos
“sinais internos”. Isto já bastaria para que nos ativéssemos a tese de Rosenkrantz
e Hoffmeister. Mas é que, além disso, estes “sinais internos” falam contra
Haering. Pois o método e a estrutura do segundo fragmento mostram traços
muito típicos do período de Frankfurt, partem de problemas individuais e vividos
e sobem do ponto de vista da vivência pata as conexões históricas e
generalizações filosóficas. Esta subjetividade do modo de expor desaparecerá
totalmente depois do período de Frankfurt. O leitor, que já conhece uma parte
das considerações introdutórias deste fragmento por nossa primeira seção,
poderá julgar por si próprio acerca da atmosfera espiritual do fragmento.
Colocaremos, pois, o fragmento da época indicada por Rosenweig e Hoffmeister.
Primeiro porque, como verá o leitor, o fragmento contém ideias análogas às do
folheto sobre Württemberg, mesmo sem dúvida a um nível superior de
generalização filosófica, razão pela qual é preciso admitir que estes fragmentos
sejam posteriores àquele. E em segundo lugar, porque Hegel começou seus
primeiros estudos econômicos sérios em fevereiro de 1799, e nos novos
fragmentos praticamente ainda nada encontramos de argumentos e
conhecimentos econômicos. É, portanto, provável que haja escrito antes do
estudo de Economia de Steuart, é completamente impossível prescindir da
hipótese se é que queremos reconstruir o processo de desenvolvimento do
pensamento hegeliano. (retornar ao texto)

(17) Lasson, p. 142. (retornar ao texto)

(18) Hoffmeister, p. 283. (retornar ao texto)

(19) Hoffmeister, p. 285. (retornar ao texto)

(20) Hoffmeister, id. (retornar ao texto)

(21) Hoffmeister, p. 286. (retornar ao texto)

(22) Hoffmeister, p. 283. (retornar ao texto)

(23) Hoffmeister, p. 284. (retornar ao texto)

(24) Hegel, Erste Druckschiriften [Primeira publicações impressas], ed. Por


Lasson, Leipzig, 1928, p. 405. A partir de agora citada como: Erste
Druckschriften. (retornar ao texto)

166
(25) Rosenkarntz (p. 88 e ss) o impresso deste fragmento imediatamente depois
da crítica a Kant do ano de 1798. Como Rosenkrantz, foi discípulo pessoal de
Hegel, esta disposição do fragmento pode ser um indício a favor de nossa
hipótese cronológica. (retornar ao texto)

(26) Lasson, p. 140. Por metafísica entende Hegel aqui a filosofia que se
enquadra nos limites do idealismo subjetivo. (retornar ao texto)

(27) Ibidem. (retornar ao texto)

(28) Ibidem. (retornar ao texto)

(29) Lasson, p 141. (retornar ao texto)

167
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético
4 - Estudo crítico sobre a ética de Kant

A crise interna de Hegel no período de Frankfurt revela-se não apenas na


fragmentação dos esboços individuais, que, como vimos, muitas vezes se
rompem no lugar crucial e permanecem inacabados. A crise também se
manifesta nos interesses dispersos de Hegel. Vimos que os estudos sobre
judaísmo, cristianismo, etc., foram interrompidos pelo trabalho no folheto de
Württemberg. Ele foi seguido, ainda que não de maneira cronológica direta,
pelos fragmentos que consideramos sobre a "Constituição da Alemanha",
unidos por nós apenas por causa de sua proximidade temática, a fim de
evitar repetições desnecessárias. Cronologicamente, o folheto de
Württemberg é seguido pela análise detalhada de Hegel dos escritos éticos
de Kant.

A partir das próprias anotações de Hegel, ficou estabelecido que esse estudo
começou em 10 de agosto de 1798, ou seja, quase imediatamente após o
panfleto de Württemberg, e foi interrompido, se nossa hipótese estivesse
correta, com o trabalho sobre a Constituição alemã. É seguido pela
economia política de Stuart, iniciada em fevereiro de 1799. Então Hegel
retoma novamente seus estudos sobre o cristianismo e escreve seu trabalho
mais extenso do período de Frankfurt - "O espírito do cristianismo e seu
destino".

Ao considerar este período de transição, há sempre a sensação de que


Hegel, com grande paixão, embarca na solução de problemas relacionados
a seus problemas imediatos e pessoais, mas ao mesmo tempo chega
constantemente à conclusão de que nem seu conhecimento sócio histórico
nem a preparação filosófica são suficientes para eles. Soluções que atendam
às suas necessidades. É verdade que, expandindo seu conhecimento e
aprofundando a metodologia filosófica, Hegel procura passar por um abismo
insuperável: já apontamos razões sociais objetivas que impediam o
conhecimento genuinamente adequado, histórico e científico das leis da
sociedade burguesa de seu tempo. Mas o caminho para esse objetivo está
conectado em Hegel com a contínua transformação do método dialético.
Quanto mais ele está confiante de que ele alcançou o desejado
"reconciliação” com a realidade, tanto mais profundamente descobre as

168
contradições internas do material que trabalha com esse fim, e que a
compreensão dessa contraditoriedade tem por consequência a interrupção
provisória do trabalho em curso.

Mas, graças ao conhecimento cada vez mais profundo da estrutura dialética


do ser, cada um desses níveis se torna um passo real na abordagem da
dialética científica. A natureza descontínua (de um ponto de vista subjetivo-
biográfico) da atividade científica de Hegel em Frankfurt é objetivamente
contínua: esse é o caminho para o conhecimento da contradição como a
base de todo ser e pensamento.

A disputa com a ética de Kant deve-se principalmente à nova posição de


Hegel em relação à sociedade burguesa. Ao mesmo tempo, Hegel procede,
como vimos, dos problemas e necessidades do indivíduo, dos problemas
morais apresentados à sua vida na sociedade burguesa. Assim, em certa
medida, ele se aproximou da ética de Kant, cuja principal questão é, como
se sabe, os deveres morais do indivíduo. Mas mesmo nesse estágio inicial, a
formulação hegeliana da questão difere significativamente daquela de Kant.
A aparente proximidade das posições metodológicas requer um
desengajamento detalhado, enquanto em Berna, onde Hegel ignorava quase
completamente as questões do destino do indivíduo, havia uma possível
atitude neutra e amistosa à ética de Kant.

O desengajamento também foi causado e agravado pela atitude de ambos


os pensadores em relação à religião. A ética kantiana termina com a
elevação religiosa de Deus ao "postulado da razão prática". Sabemos desde
o período de Berne como o jovem Hegel e seu amigo Schelling pertenciam a
esse lado da ética kantiana. As visões filosóficas de Hegel do período de
Frankfurt também têm uma orientação religiosa. Mas é completamente
oposto a Kant. E como a questão central de Hegel durante o período de
Frankfurt era a questão de como a filosofia é expressa na vida religiosa, o
rompimento com Kant foi mais cedo ou mais tarde inevitável.

O ponto mais importante em que ocorreu a primeira colisão séria de Hegel


com Kant foi, aparentemente, uma crítica à compreensão de Kant da relação
entre religião e estado. Dizemos "aparentemente" porque, estudando as
obras do jovem Hegel, temos que dizer com pesar que este manuscrito
também foi perdido. Na época da publicação da biografia de Hegel
Rosenkranz, o texto da crítica da ética kantiana foi apenas parcialmente
preservado. No entanto, Rosencrantz ainda tinha o comentário completo de
Hegel sobre a metafísica de Kant de sua moral e sua doutrina do direito.
Mais tarde, esses manuscritos desapareceram e temos apenas algumas
observações e citações de Rosencrantz. (Ele cita principalmente as reflexões
de Hegel sobre a atitude face ao Estado e da Igreja(1).) Nosso conhecimento
do período de Frankfurt no desenvolvimento dos pontos de vista de Hegel

169
mostra que este é o ponto principal de seu desligamento de Kant. Mas,
obviamente, o destaque deste item específico foi uma consequência dos
interesses especiais de Rosencrantz, e este item provavelmente ocupa um
lugar muito menor no manuscrito original do que se pode pensar seguindo
Rosencrantz.

Assim, nossa análise deve começar com fragmentos publicados por


Rosencrant. Mas, ao mesmo tempo, devemos ter cuidado, dada a reserva
que acaba de ser feita. Isso é ainda mais justificado porque uma controvérsia
muito profunda com a ética de Kant no "Espírito do Cristianismo" refere-se a
áreas completamente diferentes da ética, e em manuscritos posteriores essa
questão desempenha um papel mais subordinado.

É verdade que não podemos, dado o desenvolvimento muito rápido e


intermitente do pensamento hegeliano no período de Frankfurt, saber
exatamente o quanto sua controvérsia com Kant em O Espírito do
Cristianismo é idêntica àquela que ele levou em seus comentários a Kant, até
que ponto o comentário foi usado para esse propósito. quão amplamente foi
redesenhado e desenvolvido. Apesar do fato de que podemos admitir
imprecisões em cronologia estrita, é melhor considerar a controvérsia crítica
com Kant no "Espírito do Cristianismo" imediatamente após a análise do
comentário a Kant. É aconselhável fazer isso em parte para evitar repetições,
em parte para apresentar a oposição de Kant e Hegel nesta forma mais
generalizada.

Nas observações introdutórias ao comentário de Hegel sobre Kant,


Rosencrantz fala do esforço de Hegel para remover a moralidade - ou, como
ele chama assim, na vida - o oposto kantiano da legalidade e moralidade.
Foi, sem dúvida, a ideia principal do "Sistema de moralidade", escrito em
Iena.

A grande perda para o nosso conhecimento do desenvolvimento das visões


de Hegel é que não temos a primeira formulação da inter-relação dos níveis
de moralidade. Rosencrantz não deixa nenhum indício de como Hegel
pensou a conexão entre esses níveis de moralidade, ele nunca diz se eles
estavam conectados dialeticamente uns com os outros. De qualquer forma,
esses pensamentos nascem nos primeiros fragmentos do período de
Frankfurt, publicados por Nohl. No "espírito do cristianismo", este método já
existe de uma forma bastante geral. Assim, pode-se supor que esse método
também seja apresentado nos comentários, mas não sabemos se Hegel foi
capaz de identificar metodologicamente a dialética do desenvolvimento.

A partir da apresentação de Rosenkranz, mais claramente mostra a direção


das críticas de Hegel à metodologia geral da moralidade de Kant.
Rosencrantz transmite essa crítica: "Ele protestou contra a supressão da

170
natureza em Kant e contra a supressão do homem pela casuística, decorrente
da absolutização do conceito de dever".(2)

A controvérsia sobre a natureza esmagadora do conceito de dever moral de


Kant é generalizada neste momento. Além de Hamann e Herder, que
polemizaram com este motivo comum em toda a filosofia clássica, essa
controvérsia é liderada principalmente por Goethe e Schiller. Goethe rejeitou
completamente a moralidade de Kant, Schiller tentou superá-lo, aplicando
princípios estéticos à vida. A crítica de Hegel, evidenciada por vários lugares
do Espírito do Cristianismo, que depois citamos, coincide plenamente com o
ponto de vista dos grandes poetas humanistas, embora, é claro, a
compreensão da vida de Hegel seja mais amplo e abrangente do que no
conceito estético de Schiller.

O principal conteúdo de sua crítica a Kant, começando com as obras do


período de Iena, é que Kant, por causa da natureza absoluta e metafísica de
sua filosofia, esmaga uma pessoa. Em Iena, ele fala, por exemplo, do
"receptáculo da alma do sujeito", repleto de "habilidades" mecanicamente
separadas umas das outras”(3). E ele vê um progresso substancial, elevando o
idealismo objetivo sobre o de Kant, em que o idealismo objetivo
mentalmente restaurou a unidade dialética do sujeito e, assim, superou a
ruptura do homem na metafísica kantiana.

O único trecho do raciocínio de Hegel sobre Kant, que nos chegou em forma
mais ou menos detalhada, aborda a questão da relação entre o Estado e a
Igreja. Hegel formula a opinião de Kant sobre esta questão da seguinte
forma: "Tanto o estado quanto a igreja devem deixar um ao outro sozinhos e
não se tocarem." Hegel, com suas visões religiosas então orientadas, não
poderia concordar com esse entendimento. Primeiro de tudo, ele viu um
forte contraste entre o estado moderno e a igreja. O estado é baseado no
princípio da propriedade e, portanto, suas leis se opõem às leis da igreja.
Isso está enraizado, segundo Hegel, na atitude do estado e da igreja em
relação ao homem. A lei legal diz respeito a "uma pessoa que é considerada
muito incompleta como proprietária, em contraste, em uma igreja, uma
pessoa age como um holístico ... Um cidadão, se ele quer ser leal tanto ao
estado quanto à igreja, a um deles não é sério." Hegel analisa as posições
extremas dos jesuítas e quakers, não concordando Ele também rejeita o
domínio do Estado sobre a igreja como "inumano". Essa dominação geraria
fanatismo, "que, vendo o poder do Estado nos indivíduos, nas relações
humanas, os separa". e leva-o para a utopia de unidade completa de igreja e
estado, e que é para salvar a integridade da pessoa." A Igreja como uma
entidade é uma parte quando uma pessoa na sua integridade é dividido em
uma pessoa especial e uma igreja estatal pessoa especial. “Um cidadão, se
quer ser leal tanto ao estado quanto à igreja, não é sério sobre um deles."
Hegel analisa as posições extremas dos jesuítas e quakers, discordando de

171
suas tentativas de resolver o problema. Eles também rejeitam a dominação
do Estado sobre a igreja como “inumana”. Essa dominação criaria
fanatismo, “que, vendo o poder do estado nos indivíduos, nas relações
humanas, os separa”. Este curso de pensamento leva-o à utopia da unidade
completa da igreja e do estado, que deve salvar a integridade do homem." A
igreja como uma totalidade acaba sendo apenas uma parte quando a pessoa
na sua integridade é dividido em uma pessoa especial e uma igreja estatal
pessoa particular". "A igreja como um todo é apenas uma parte quando a
pessoa em sua integridade é dividida em uma Estado particular e uma Igreja
particular"(4).

Como não sabemos o contexto exato da crítica de Kant nesses fragmentos


de Hegel, é necessário extrair conclusões extremamente cuidadosas desse
fragmento. Mas, no entanto, ficam claro quais são as consequências
extremas que o esforço de Hegel, claramente expresso no período de
Frankfurt, leva à busca da religião como a unidade da vida, a integridade de
uma pessoa dividida pela divisão capitalista do trabalho.

E em períodos posteriores, Hegel não conseguiu chegar a uma compreensão


correta da relação entre religião e estado, mas nunca mais manteve tais
visões teocráticas reacionárias extremas. Talvez esse curso de pensamento
tenha desempenhado um papel no destino de um ensaio sobre a
constituição e tenha causado sua natureza fragmentária.

Filosoficamente, a antítese de um homem inteiro e dividido é significativa


porque, embora o desejo por uma solução religiosa tenha confundido e
distorcido todos os pensamentos de Hegel no período de Frankfurt, a análise
da sociedade burguesa que surge aqui permanece o ponto central de sua
pesquisa ética, sua oposição a Kant.

Hegel considera, ainda mais resolutamente, que a modernidade é um


período transitório de crise de contradição e desconexão universal. A tarefa
da filosofia (aqui, religião) é remover essas contradições na própria vida.
Mas a remoção em nenhum caso deve obscurecer a lacuna e a divisão, para
suavizar ou enfraquecer as contradições. Pelo contrário, o pensamento
hegeliano está cada vez mais determinado a assegurar que, identificando a
nitidez e a insolubilidade imaginária das contradições, consiga sua remoção.

O ponto de partida da controvérsia contra Kant é que, segundo Hegel, ele


encerra certos momentos da ruptura da sociedade burguesa moderna,
graças à absolutização que esses momentos agem como congelados e,
assim, em Kant, as contradições permanecem em sua forma primitiva,
subdesenvolvida e, portanto, insuperável.

Essa crítica objetivamente idealista de Kant, como veremos nos trabalhos


posteriores de Hegel, o levará a uma compreensão mais abrangente e
172
realista dos problemas morais que o homem enfrenta na sociedade
burguesa.

À primeira vista, talvez todo o raciocínio sobre a tendência de Hegel para


um entendimento realista pareça contraditória, porque no período de
Frankfurt ele cai no misticismo religioso mais do que o de Kant e Fichte, um
seguidor de Kant no campo da filosofia moral. Mas se tu olhares mais
atentamente para ambas as tendências filosóficas opostas, então apenas a
exatidão desta visão aparentemente contraditória é confirmada, mas Hegel
decisivamente (verdadeiro, do ponto de vista do idealismo objetivo, ao qual
ele aderiu neste período intuitivamente do que filosoficamente consciente)
critica as limitações e deficiências do idealismo subjetivo radical de Kant-
Fichte na ética. Ao mesmo tempo, envolve o problema do "homem inteiro".

Na filosofia idealista alemã, a divisão capitalista do trabalho refletia-se num


nível primitivo, pré-revolucionário e ascético, como a divisão do homem em
suas propriedades espirituais e sensíveis. Esta divisão é a herança da religião.
Mas a tendência que tal divisão recebe no início do desenvolvimento da
filosofia clássica alemã não é determinada pela religiosidade em geral, mas
pela religiosidade ascética das seitas em que se refletem as tendências
ideológicas do desenvolvimento econômico e ideológico atrasado da
burguesia. É necessário lembrar o papel dessas seitas na guerra camponesa
na Alemanha, na luta pela libertação da Holanda e na revolução inglesa. E
seria errado esquecer que os ecos muito fortes desses humores também
eram característicos do idealismo ascético de Rousseau e de alguns de seus
alunos jacobinos, como Robespierre.

E se o idealismo clássico alemão, tanto na teoria do conhecimento quanto


na moralidade, procede de uma oposição aguda e antagônica do sensível e
do espiritual no homem, então ele é, sem dúvida, o continuador dessa
tendência. A própria divisão capitalista do trabalho leva à especialização e
isolamento das propriedades e habilidades humanas individuais, ao
desenvolvimento unilateral de alguns à custa de desfigurar os outros.

Para a ética de Kant e Fichte, dividir uma pessoa é tanto uma expressão
quanto um meio filosófico de combinar sua crítica da moralidade moderna
com a afirmação da sociedade burguesa. Na esfera puramente espiritual, na
esfera do “imperativo categórico”, Kant e, seguindo-o, Fichte criam a
construção ideal da sociedade burguesa, caracterizada pela dominação livre
de conflito e harmoniosa do dever espiritual supraterrestre, que não pertence
ao mundo dos fenômenos. Todos os antagonismos e contradições da
verdadeira sociedade burguesa são reduzidos ao oposto do homem sensível
e moral - o fenômeno homo phenomenon e o homo noumenon. E se as
pessoas vivessem em total conformidade com a lei moral, não haveria
conflitos ou contradições na sociedade.

173
O conceito filosófico de moralidade só é possível porque todos os problemas
morais da sociedade burguesa são transformados nos postulados formais da
"razão prática". O homem da sociedade burguesa aparece aqui como um
"expoente" mais ou menos casual desses postulados. Fichte articula uma
compreensão do problema, talvez até mais agudamente e consistentemente
que Kant. "Eu posso e ouso cuidar de mim mesmo", ele escreve, "apenas na
medida em que eu sou uma ferramenta da lei moral, mas assim são todas as
outras pessoas. Isso ao mesmo tempo ganha uma maneira inconfundível de
saber se o autocuidado é moral, ou ela é simplesmente um instinto
natural."(5).

Aqui se expressam duas visões socialmente significativas: primeiro, a


moralidade do primeiro período ascético do desenvolvimento burguês, a
espiritualização radical e a projeção idealista das demandas morais da
sociedade burguesa para o céu; em segundo lugar, a ilusão de que a
sociedade burguesa, por sua “ideia”, não contém nenhuma contradição, que
as contradições reais surgem em parte da incompleta realização da
sociedade burguesa nas instituições sociais, em parte da imperfeição
humana, devido ao fato de as pessoas serem burguesas. as sociedades são
capturadas pela sensualidade. Tomado neste aspecto, a limitação idealista
da ética Kant-Fichteana mostra seu caráter pré-revolucionário (que significa
a revolução francesa). Essas ilusões sobre a sociedade burguesa foram
compartilhadas por muitos revolucionários.

A luta do jovem Hegel contra a ética de Kant e Fichte é dirigida contra esses
dois pontos. Ela indubitavelmente conteve aqueles manuscritos, fragmentos
minúsculos dos quais são preservados na citação de Rosencrantz. Portanto,
se quisermos se familiarizar com o curso particular da controvérsia, que é
altamente importante para o desenvolvimento de Hegel, para aperfeiçoar a
sua posição, mas em relação à sociedade burguesa, por favor consulte as
páginas escritas mais tarde "Espirito do Cristianismo", onde ele analisa a
ética kantiana(6).

No primeiro esboço do "Espírito do Cristianismo", Hegel explica sua partida


da ética de Kant pelo fato de que a pessoa nela sempre age como "um
escravo em relação ao tirano e ao mesmo tempo um tirano em relação ao
escravo"(7). No manuscrito acabado, ele dá uma comprovação mais
detalhada de sua atitude negativa: “Aquele que buscava reviver uma pessoa
em sua integridade não poderia seguir um caminho que apenas
acrescentasse teimosia e arrogância à ruptura de uma pessoa. agir por
respeito ao dever contrário às inclinações humanas ...”.(8) Hegel censura
Kant, aqui, porque ele perpetua o dever e a inclinação (espírito e
sensibilidade), perpetuando a ruptura do homem na sociedade burguesa
(ruptura que Hegel também reconhece como fato e, portanto, como ponto
de partida do filosofar). A solução de Kant para problemas morais não é

174
apenas uma solução válida, mas mostra uma tendência à desumanidade. A
consequência dessa decisão imaginária é apenas a dos vícios ordinários da
vida: a hipocrisia moral também é acrescentada.

Hegel vê na ética kantiana uma espécie de filisteismo, com o qual é


necessário lutar no interesse do humanismo e do progresso social.

Lembre-se de que já nos primeiros esboços de Frankfurt, Hegel colocou a


ética kantiana no mesmo nível da consagração religiosa da positividade. E
em apoio ao pensamento acima citado, ele se refere ao raciocínio de Kant
na obra A Religião dentro dos limites da simples Razão, em que Kant tenta
provar a superioridade de sua ética sobre as religiões positivas. Hegel
contesta fortemente isso. "No entanto, desta forma (por Kant . - G.L). a
positividade seria eliminada apenas em parte, e a diferença entre o xamã
Tungus e o prelado europeu à frente da igreja e estado ou entre o Mongol e
o puritano, por um lado, e a pessoa que segue os ditames do dever, por
outro, não é que alguns se fazem escravos, e o outro é livre, e que o primeiro
obedece ao mestre que está fora deles, o segundo o carrega em si mesmo,
sendo, no entanto, seu próprio escravo; para o especial, sejam instintos,
inclinações, amor patológico, sensualidade ou seja o que for que ele possa
ser chamado, o universal é inevitável e sempre existe o estranho, o objetivo;
permanece uma positividade inabalável, ainda mais escandalosa, porque o
conteúdo que o comando universal do dever recebe contém certa dívida e,
portanto, uma contradição, expressa em que este dever é ao mesmo tempo
limitado e universal e em virtude da forma de universalidade faz as mais
sérias reivindicações em favor de sua unilateralidade. E ai das relações
humanas, que não estão contidas nesse conceito de dever, em um conceito
que, por não ser apenas uma ideia vazia de universalidade, deve manifestar-
se em ação, exclui todas as outras relações ou as subordina a si mesmo”(9).

É evidente que aqui a controvérsia já se desenvolveu contra os dois motivos


da ética de Kant, e a rejeição de um deles acarreta a rejeição do outro. Hegel
rejeita a ética de Kant principalmente porque não significa uma pessoa
inteira e viva, pelo contrário, exclui a vida real de uma pessoa da ética,
suprime-a com exigências estranhas e transforma a moralidade em algo
morto e positivo em relação a uma pessoa viva. E ele vê claramente que
esses momentos mecânicos e inflexíveis da ética de Kant estão intimamente
ligados à absolutização do conceito de dever. Esse motivo da crítica de Kant
significou para Hegel mais um passo adiante no desenvolvimento de sua
dialética. Primeiro de tudo, ele não está interessado no conteúdo de
questões morais, mas apenas verdadeiro ou falso, este ou aquele chamado
de dever em Kant. Ele é em princípio contra a metodologia de sua ética,
cada vez mais enfaticamente a proposição de que certo dever moral, que é
legítimo sob certas condições sociais e históricas, pode se tornar ilegal, sem
alterar seu conteúdo, se for aplicado sob condições modificadas. Isso

175
significa uma aproximação não apenas da compreensão dialética da relação
de verdade e erro para o problema cognitivo central da dialética hegeliana,
que foi desenvolvida no período de Iena, mas também para o ponto central
da metodologia da moralidade hegeliana posterior.

Em suma, o oposto de Kant e Hegel no campo da metodologia é que Kant


não explora o conteúdo social da moralidade, percebe-o fora da crítica
histórica e tenta deduzir exigências morais dos critérios formais do conceito
de dever, de combinar o conteúdo do imperativo consigo mesmo, enquanto
deixe para Hegel, uma exigência moral separada age apenas como um
momento de um todo público vivo e em constante mudança.

Para Kant, as normas morais individuais são isoladas umas das outras e
aparecem como uma consequência lógica inevitável de um único "princípio
da razão" extra-histórico e extra-social; para Hegel, são momentos
contraditórios do processo dialético, que se mutuamente removem no jogo
vivo dessas contradições, morrem ou reaparecem de novo de forma
modificada e com um conteúdo modificado no curso do desenvolvimento
social.

É verdade que, no período em análise, esse contraste não aparece clara e


inequivocamente como resultado do desenvolvimento histórico da
sociedade, como será vários anos depois em Iena, mas já aparece
claramente como o oposto dos dois métodos. E aqui está claro que a
rejeição hegeliana da ética de Kant tem fundamentos sociais e está enraizada
em uma posição diferente em relação à sociedade burguesa. Dissemos
demoradamente que, no seu período de Frankfurt, Hegel procurava
"reconciliação" com a sociedade burguesa, com um homem da sociedade
burguesa, como ele realmente é, protestando contra a violência contra uma
pessoa viva e integral por ditames abstratos do dever, contra a bifurcação
dos vivos e inteiros. homem do lado espiritual e sensível.

A crítica de Hegel a Kant vai na mesma direção que a de Goethe e Schiller.


Mas se Goethe ignora os problemas metodológicos da ética idealista e,
graças à sabedoria materialista espontânea da vida, ele chega ao
humanismo na poesia e na teoria, e embora Schiller rejeite a rigidez da ética
de Kant, ele permanece fiel aos seus princípios básicos e conscientemente
não vai além da teoria do conhecimento de Kant. o jovem Hegel procura
revelar todas as contradições da ética de Kant e chegar a uma compreensão
do que a totalidade da vida requer de uma pessoa, a "vida religiosa", na
sociedade burguesa tal como ela realmente é.

Lembre-se que em Frankfurt, Hegel se opõe à positividade, considerando


todos positivos como falsa unidade. O conceito hegeliano de positividade
implica necessariamente a conclusão de que a atividade humana, o ato do

176
homem é o único: uma maneira de remover a positividade. Enquanto esta
ação foi considerada como no período de Berna, no abstrato socialmente, a
questão para Hegel era simples: a atividade nas repúblicas antigas não
conhecia positividade, a positividade é apenas a passividade da pessoa
privada da era cristã. Agora, quando se trata das ações de uma pessoa na
sociedade burguesa, um critério diferente é necessário. A ação e a inação, a
atividade e a passividade não são mais opostas metafisicamente e
mutuamente exclusivas umas das outras, o que era característico do período
de Bernense. Portanto, nem toda ação supera a positividade. É isso somente
quando fornece a "unidade" correta. "A moralidade de um ato consiste em
uma escolha, a unidade está em uma escolha, porque o excluído está
separado; porque o [conteúdo] representado, que é combinado no ato com
o ato de atividade representativo, deve ele mesmo ser amoral, mesmo
separado"(10).

Esses argumentos também são extremamente sombrios e abstratos, o que é


típico das visões de Hegel sobre o período de Frankfurt. Nessas obras, ele
procede da noção kantiana de liberdade, da possibilidade de livre escolha de
um sujeito entre o bem e o mal moral. A consciência da dialética da
liberdade e da necessidade, característica de obras posteriores, está ausente
aqui. Em seu manuscrito polêmico, Hegel define a escolha como a unidade
do sujeito que faz a escolha e o tema de sua escolha. Não importa o quão
confuso o conceito de unidade esteja aqui, ele expressa, no entanto, o
oposto da posição de Hegel em relação à ética de Kant. Para Kant, o fato da
liberdade (e a imagem moral do pensamento expresso nela) é suficiente para
que o ato que ela gera se torne moral. Se as motivações que o causaram
correspondem aos imperativos da razão prática, então, segundo Kant, esse
ato em si é certamente moral em seu conteúdo social. Kant tem um
conteúdo social diretamente e logicamente derivado das exigências formais
da liberdade, da vitória do homo noumenon sobre o fenômeno homo
phenomenon.

Hegel contesta uma necessidade formal e lógica tão direta. Usando uma
terminologia extremamente vaga, ele se opõe à sua própria compreensão,
segundo a qual a unidade pode ser real ou puramente imaginária (apenas
representada, apenas positiva). A escolha em si já é a unidade do sujeito
fazendo a escolha e o objeto de escolha. Mas se um ato que satisfaça esses
critérios formais é verdadeiramente moral depende, segundo Hegel, do
conteúdo do objeto de escolha. Se o ato em si é a unidade do sujeito e
objeto de escolha, então o ato é moral; se o ato é apenas uma unidade
imaginária e positiva deles, então o ato é imoral. E ele é assim,
independentemente de o fato estar de acordo com os critérios formais
kantianos, independentemente do modo de pensar do sujeito no processo
de seleção.

177
Em total oposição a Kant, Hegel vê o critério não em algo formal, não na
consciência individual do homem (consciência, etc., que é característica de
Kant), mas em algo (significativo, ou seja, em conexão significativa com a
vida). O fato de que Hegel fala aqui apenas sobre a vida em geral não deve
esconder essa conexão de nós. "Moralidade", escreve ele, "é
proporcionalidade, unidade com a lei da vida; mas se esta lei não é uma lei
da vida, mas algo alheio a ela, a suposta unificação acaba sendo a cisão
máxima, objetividade."(11). Na ética kantista, por acaso, essa conexão com a
“lei da vida” ocorrerá ou não, portanto a ética de Kant não oferece garantia
nem critério para superar a positividade morta do mundo. O resultado
inevitável da forma do comando kantiano do dever - separação de uma
pessoa em duas partes hostis opostas: espírito e sensibilidade - é, segundo
Hegel, que uma conexão real, a verdadeira unidade de uma pessoa com a
"lei da vida", a "reconciliação" de um indivíduo com a burguesia nunca não
alcançado. O fato de que, segundo Kant, "moralmente", na interpretação de
Hegel, depende de mim, de "uma divisão em mim mesmo". Portanto, na
moralidade e através da moralidade, a positividade não pode ser superada."
(a saber, a lei moral – G.L.), “mas não o mundo objetivo; o homem e o
mundo são separados”.(12)

A controvérsia de Hegel com a ética de Kant como uma forma de afirmar a


positividade é também expressa em oposição aos conceitos morais de
ambos os filósofos na solução do problema do conflito de deveres. A solução
dessa questão mostra claramente as mudanças e o desenvolvimento que a
essência da sociedade burguesa sofreu durante o período em que
destacados poetas e filósofos começaram a discutir criticamente os
problemas da sociedade burguesa pós-revolucionária. O caráter idealista da
filosofia clássica alemã predetermina que os problemas morais da vida social
não derivam de sua estrutura econômica, mas, ao contrário, o reflexo do
desenvolvimento social na maneira moral de pensar e nos assuntos morais
das pessoas constitui a base e o ponto de partida do pensamento. A
sociedade burguesa é, por assim dizer, o material e o escopo da aplicação de
um modo moral de pensar e ações morais.

A este respeito, o problema do conflito de obrigações é muito indicativo.


Mesmo que seja simplesmente reconhecido que as exigências reais da
moralidade podem entrar em conflito umas com as outras, isso significa
reconhecer a natureza contraditória da sociedade burguesa. A forma como
essas colisões são realizadas e resolvidas filosoficamente nos permite
imaginar claramente como esse filósofo-idealista interpreta na realidade
tanto as contradições quanto sua superação. Desde a essência da filosofia de
Kant, a própria natureza social das ilusões pré-revolucionárias sobre a vida e
o desenvolvimento da sociedade burguesa, verifica-se que não há
contradições nela (exceto a oposição “eterna” entre homo phaenomenon e
homo noumenon), então Kant é decisivamente) nega até mesmo a
178
possibilidade de um conflito de obrigações. "Um conflito entre um dever com
outro ... seria o relacionamento deles, como resultado do qual um deles
eliminaria (no todo ou em parte) o outro. Mas como dever e obrigação são
em geral a essência de um conceito que expressa a necessidade prática
objetiva de certas ações, e duas regras opostas não podem ser necessárias ao
mesmo tempo - se tu agires de acordo com uma delas, tu tens que agir de
acordo com a regra oposta única dívida, mas mesmo ao contrário do dever,
então o conflito de uma dívida com outra e o conflito de deveres são
geralmente impensáveis ...”.(13)

Da mesma forma, esse problema é considerado Fichte. Comparado a Kant,


ele, no entanto, considera mais especificamente, para não mencionar o
conflito de deveres em geral, mas também o conflito entre os deveres de
uma pessoa em relação a si mesmo e a outras pessoas. Obviamente, esta é
apenas uma formulação ligeiramente diferente do mesmo problema, e Fichte
chega essencialmente ao mesmo resultado que Kant: "Não há colisão entre a
liberdade dos seres racionais, isto é, não há contradição no fato de que
muitos eles devem ser livres no mesmo mundo sensível ... Um choque, não
entre seres livres em geral, mas entre certas ações livres de seres racionais,
surge apenas porque um deles usa sua liberdade contra os direitos e deveres
de outros para suprimir suas liberdades.(...)"(14).

Demos de Kant e Fichte tão completamente esses argumentos para


compreender corretamente e de maneira completa as visões do jovem
Hegel, rompendo com a velha tradição, com a interpretação da moralidade
e da sociedade na filosofia clássica precedente. É verdade que, a esse
respeito, Hegel tinha predecessores - os grandes poetas da Alemanha
Goethe e Schiller, que, não apenas em sua obra poética, mas também
científica, davam magníficos e instrutivos quadros de conflitos públicos que,
sendo traduzidos para a linguagem da filosofia moral, são chamados de
conflitos de dever. Em particular, Schiller, em seus trabalhos estéticos,
dedicado, por exemplo, ao problema do trágico, analisa cuidadosamente
essa questão. Mas, uma vez que, filosoficamente, Schiller não podia libertar-
se dos pré-requisitos de Kant, ele é sempre caracterizado por uma
contradição entre os vivos.(15)

Hegel, em sua crítica aos ensinamentos morais de Kant, coloca cada vez
mais claramente essa contradição. E já no período de Frankfurt, Hegel não
estava tão preocupado com conflitos específicos de deveres específicos, que
eram principalmente de interesse de Goethe e Schiller, mas antes com a
contradição que necessariamente decorre do conceito de dívida de Kant.
Lembre-se de que Hegel negou a possibilidade de superar a positividade
com a ajuda da ética de Kant. Ele expressa a quintessência filosófica da vida
de uma pessoa positivamente da seguinte maneira: “Verdade, no aspecto de
certa virtude, que é serviço para uma pessoa positiva e nele, ele (uma pessoa

179
positiva. - t.d.) não pode ser chamado de moral ou imoral, e o mister de
executar certos deveres não é diretamente algo o oposto da virtude em
relação a esses deveres; mas, ao mesmo tempo, tal indiferença certa inclui,
se abordada de um ponto de vista diferente, e imoralidade, que se torna
aparente de um ângulo diferente: já que certo ministério positivo tem certa
fronteira e uma pessoa não pode atravessá-lo, ele não moral Essa
imoralidade da positividade, portanto, refere-se ao outro lado das relações
humanas, diferente da obediência positiva - dentro dessa obediência, imoral
não é imoral." E mais: "A virtude é oposta não apenas pela positividade, mas
também pela não-virtude, imoralidade. que se torna aparente de um ângulo
diferente: uma vez que certo ministério positivo tem certa fronteira e uma
pessoa não pode atravessá-lo, ele não é moral fora dessa fronteira. Essa
imoralidade da positividade está, portanto, relacionada ao outro lado das
relações humanas, que é diferente da obediência positiva - dentro dessa
obediência, imoral não é imoral", que se torna aparente de um ângulo
diferente: uma vez que certo ministério positivo tem certa fronteira e uma
pessoa não pode atravessá-lo, ele não é moral fora dessa fronteira. Essa
imoralidade da positividade está, portanto, relacionada ao outro lado das
relações humanas, que é diferente da obediência positiva - dentro dessa
obediência, imoral não é imoral”.(16)

Em uma nota a esse lugar, Hegel censura a ética do tipo de Kant, na medida
em que "não há mudança, nem aquisição de ocorrência e aniquilação". Em
contraste, de acordo com Hegel, uma virtude real, tomada "como uma
modificação dos vivos", pode existir ou não existir, "pode surgir e
desaparecer". Aqui, Hegel se opõe ao moralista especulativo do tipo de Kant,
capaz apenas de lutar com a vida, o mentor do povo, o educador das
pessoas, que "se dirige diretamente a eles mesmos" e para os quais os
problemas do surgimento e desaparecimento da virtude são de importância
decisiva.

Aqui a dupla oposição de Hegel às virtudes da positividade e da imoralidade


é de tremenda importância. Em Kant, a área de ética está limitada à
execução ou abandono do dever. Assim como ele não levanta a questão da
fonte social de colisões significativas de vários deveres, ele não mostra
interesse nem nas causas nem nas consequências humanistas e sociais de
cumprir ou violar dívidas, tudo isso necessariamente decorre de seu conceito
de moralidade, que se resume à luta entre dois princípios. no homem -
razoavelmente moral e sensível. Hegel rejeita completamente essa oposição
e busca os verdadeiros opostos da própria moralidade no conteúdo público.
Já vimos que o conteúdo da "unidade" do sujeito e objeto de escolha é para
Hegel um critério de um ato moral. Agora ele especifica este critério,
opondo-se à verdadeira unidade, vida adequada (vida social), dois tipos
diferentes de falsa unidade: pura positividade, isto é, algo congelado nas
formas imediatas e mortas de manifestação da vida social, e a imoralidade é
180
uma rejeição direta das formas reais e dominantes de "unidade" (sujeito e
objeto de escolha) em uma dada sociedade.

Hegel não apenas considera todas aquelas questões que Kant ignora como
os problemas centrais da moralidade, mas também tenta revelar o conteúdo
específico e contraditório que pertence ao homem e à sociedade e surge
dessas colisões muito confusas e diversas. Hegel afirma: "O efeito destrutivo
do vício reside no fato de que o vício implica punição; a punição é uma
consequência ruim necessária de um crime, mas nem todas as
consequências podem ser chamadas de punição, como o fato de o caráter
da pessoa cometer o crime ser inevitável." deteriorando, é impossível afirmar
que ele merecia o que ele ficou ainda pior".(17)

Com base nisso, Hegel prossegue para uma crítica intransigente da negação
de Kant dos conflitos de dever. Ele enfatiza a necessidade de conflitos de
deveres enraizados na riqueza e na versatilidade da própria vida. E aqui é
importante notar que já no período de Frankfurt, Hegel considera este
problema historicamente. À medida que a vida (em uma sociedade burguesa
em desenvolvimento) se torna cada vez mais multilateral e complexa, a
natureza contraditória da vida que subjaz ao conflito de deveres aumenta.

Mais tarde, o raciocínio de Hegel sobre esse problema será dado, mas agora
se deve prestar atenção ao fato de que esses pensamentos pressupõem uma
remoção dialética de toda a esfera da moralidade no amor e na religião. Em
contraste com a contradição da moralidade, o amor e a religião aparecem
como princípios da unidade da vida. Que contradições surgem (consciente
ou inconscientemente) no conceito hegeliano de amor e religião,
revelaremos somente após a apresentação das ideias básicas do "Espírito do
Cristianismo". E assim, Hegel fala da inconsistência dialética de toda
moralidade:

"O amor reconcilia não apenas o criminoso com o destino, reconcilia o


homem com a virtude; em outras palavras, se o amor não fosse o único
princípio da virtude, toda virtude seria também uma não-virtude. Jesus se
opunha à completa escravidão à lei do Senhor alienígena. lei, a auto-
coerção da virtude kantiana e virtudes livres de dominação e subordinação,
modificação do amor e se as virtudes fossem vistas não como modificações
de um único espírito vivo mas cada uma como uma virtude absoluta, então
devido à multiplicidade de absolutos, colisões insolúveis inevitavelmente
surgiriam, além disso, sem unir em um único espírito, qualquer virtude
sempre estará incompleta, pois ela já é, por seu próprio nome, única,
portanto limitada. em que é possível, objetos, condições de ação são algo
aleatório; além disso, a relação de virtude com seu objeto é sempre única e
exclui não apenas a relação dessa virtude com outros objetos. Assim, cada
virtude, tanto em seu conceito como em sua atividade, tem um limite, que

181
não pode transgredir. Se uma pessoa possui essa virtude particular, então,
permanecendo fiel a ela, isto é, virtuosa a esse respeito, fora dos limites
dessa virtude, ele só pode ser cruel em suas ações ... O direito, rejeitado em
qualquer aspecto, não pode sua eficácia é diferente: se ela é mantida para
esse outro relacionamento, o primeiro sofre. À medida que a diversidade das
relações humanas cresce, o número de virtudes aumenta, e, ao mesmo
tempo, o número de colisões inevitáveis e a impossibilidade de resolvê-las.
Se uma pessoa com muitas virtudes deseja estabelecer uma hierarquia entre
seus muitos credores, porque não consegue satisfazer todos eles, então se
declara menos culpado diante de Tom, cujas exigências ele não aceita, do
que antes daqueles que ele satisfaz, chamando suas reivindicações de mais
justas. Portanto, as virtudes podem perder seu caráter de dever absoluto e
podem até se transformar em um vício. Com tal multilateralismo de relações
e uma infinidade de virtudes, apenas uma coisa permanece - o desespero da
virtude e o crime da própria virtude. E somente se nenhuma virtude fingir ser
completa e absoluta em sua forma limitada ... E somente um espírito vivo
age com base na integridade dos dados de respeito, age sem quaisquer
restrições, sem a diversidade de relações que levam à sua divisão, e se
restringindo - então apenas o multilateralismo das relações permanece, e a
multiplicidade de virtudes absolutas que são incompatíveis entre si
desaparece. Aqui não se pode falar do fato de que a base de todas as
virtudes é um e o mesmo princípio que, enquanto permanece, age de várias
maneiras, em várias modificações, como alguma virtude especial ... Em tal
existência absoluta, as Virtudes se destróiem mutuamente amiga Sua
unidade, estabelecida pela regra, é apenas uma aparência, pois é apenas
uma coisa mental; é essa unidade que não remove a diversidade e não a
conduz à unidade, mas a deixa em toda a sua inviolabilidade. de modo que
a diversidade das relações leva à sua divisão e se limita, então resta apenas a
versatilidade das relações, e a multiplicidade de virtudes absolutas que são
incompatíveis entre si desaparece. Aqui não se pode falar do fato de que a
base de todas as virtudes é um e o mesmo princípio que, enquanto
permanece, age de várias maneiras, em várias modificações, como alguma
virtude especial ... Em tal existência absoluta, as Virtudes se destróem
mutuamente amiga Sua unidade, estabelecida pela regra, é apenas uma
aparência, pois é apenas uma coisa mental; é essa unidade que não remove
a diversidade e não a conduz à unidade, mas a deixa em toda a sua
inviolabilidade. de modo que a diversidade das relações leva à sua divisão, e
se limita, então apenas o multilateralismo das relações permanece, e a
multiplicidade de virtudes absolutas que são incompatíveis entre si
desaparece. Em tal existência absoluta, as Virtudes se destróem mutuamente
amiga Sua unidade, estabelecida pela regra, é apenas uma aparência, pois é
apenas uma coisa mental; é essa unidade que não remove a diversidade e
não a conduz à unidade, mas a deixa em toda a sua inviolabilidade. Em
uma existência tão absoluta, as Virtudes se destróem mutuamente. Sua

182
unidade, estabelecida pela regra, é apenas uma aparência, pois é apenas
uma coisa mental; é essa unidade que não remove a diversidade e não a
conduz à unidade, mas a deixa em toda a sua inviolabilidade. Em uma
existência tão absoluta, as Virtudes se destróem mutuamente. Sua unidade,
estabelecida pela regra, é apenas uma aparência, pois é apenas uma coisa
mental; é essa unidade que não remove a diversidade e não a conduz à
unidade, mas a deixa em toda a sua inviolabilidade.

A conexão viva das virtudes, a unidade viva é algo completamente diferente


da unidade do conceito; ela não estabelece certa virtude para certo
relacionamento, mas no entrelaçamento mais variado de relações ela se
apresenta ininterrupta e simples. A forma externa dessa unidade pode ser
infinitamente modificada, nunca permanece inalterada, e sua manifestação
nunca leva ao estabelecimento de uma regra, porque essa unidade nunca
assume a forma de um universal em relação ao particular."(18)

Aqui, o oposto dos pontos de vista de Hegel sobre a ética Kant-Fichteana é


óbvio. Torna-se claro quão importante foi revelar esse contraste na questão
do conflito de deveres e até onde ele levará. Os fortes ataques de Hegel ao
formalismo da ética do Kanto-Fichte estão associados à solução desse
problema. No entanto, quando Hegel justifica seus ataques (isso
necessariamente decorre de seu conceito do período de Frankfurt) que a
unidade do princípio moral é, em Kant, apenas uma coisa concebível,
apenas uma ideia, enquanto em seu conceito é sobre ser, sobre a vida,
então ele é auto-iludido. Afinal, a concretização do ser e da vida, que ele
oferece mais tarde no conceito de "espírito objetivo", é algo apenas
imaginável. Esse auto-engano revela claramente as limitações idealistas
intransponíveis de Hegel em sua filosofia. Essa limitação é claramente visível
nas obras do período de Frankfurt, já que nesse período o conceito de vida
tinha uma cor expressada religiosamente.

Mas é impossível absolutizar esse auto-engano de Hegel. Afinal de contas, o


conceito de vida desenvolvido no período de Frankfurt e o conceito posterior
de espírito objetivo contêm uma visão incomparavelmente mais rica, mais
próxima da vida real, mais dialética da realidade objetiva do que os
ensinamentos de Kant. E em Frankfurt, Hegel se opõe ao estreito formalismo
de Kant, seu apelo limitado à consciência e à realização do dever por um
indivíduo isolado, como critério moral de plenitude de definições móveis e
flexíveis da sociedade burguesa, vendo no conteúdo público uma medida de
virtude e vício.

Apelar para o lado do conteúdo da moralidade, uma tentativa de colocar o


problema de seu conteúdo público, é em muitos aspectos um grande passo
adiante no desenvolvimento da dialética. Em primeiro lugar, a sociedade
burguesa, em todo o seu conteúdo concreto, direta e conscientemente se

183
torna objeto de avaliações morais. É claro que a ética de Kant está
conectada com a sociedade burguesa da mesma forma que a de Hegel;
ambos são reflexo filosófico do ser social. Mas a ética de Kant baseia-se no
pressuposto de que se pode tomar uma posição que se eleva acima da
sociedade burguesa. Nesse sentido, a ética de Kant defende a posição do
Iluminismo da era pré-revolucionária, que inconsciente e diretamente
identificou a sociedade burguesa que ainda não se tornara válida com o
"reino da razão". Verdade, os iluministas franceses e ingleses, que, em
estreita proximidade, observaram a luta real que se desenrolava da classe
burguesa emergente, apesar de sua policial relativamente abstrata, idealista e
não histórica em relação à sociedade burguesa, chegou a conclusões muito
mais específicas: nesse caso, eles observaram o moderno eles uma
sociedade. Na Alemanha atrasada, este método idealista é apresentado em
uma forma especial - o idealismo de Kant e Fichte. E assim que esse
método, em seu isolamento subjetivo-idealista, afirma se tornar absoluto e
eterno, verifica-se que ele não pode revelar o conteúdo social que realmente
constitui a base social de suas construções a priori. Historicamente, é
inevitável que esse método chegue a isso, mas baseado em seus próprios
pré-requisitos filosóficos, a partir de seu próprio método filosófico, ele só
pode chegar a seus próprios pré-requisitos sociais por engano. A crítica
hegeliana da doutrina kantiana da moralidade indica fortemente
precisamente esse ponto fraco da metodologia de Kant; no período de Iena,
Hegel, pelo exemplo de certos problemas sociais, mostrará especificamente
sua inconsistência.

O problema do conflito de deveres também indica que o conteúdo social é o


critério de todos os requisitos morais. No entanto, o conteúdo social parece a
Hegel como a integridade das definições da sociedade nesse estágio
histórico do desenvolvimento, enquanto a concretização substantiva e o
cumprimento das exigências do dever de Kant foram reduzidos ao fato de
que uma pessoa está moralmente sujeita às instituições da sociedade
burguesa o tempo todo.

Kant aceita dogmaticamente que as instituições individuais, as normas


morais da sociedade burguesa, por um lado, satisfazem as exigências da
razão e, por outro, não podem se contradizer. Ambas as premissas
dogmáticas de Kant Hegel rejeitam e alcançam uma compreensão mais
dialética da sociedade burguesa. Naturalmente, o fragmento analisado acima
indica apenas o começo de tal entendimento.

A teoria filosófica e histórica de Hegel é reduzida ao fato de que o espírito-


mente se realiza apenas no curso de todo o desenvolvimento histórico da
humanidade e, portanto, apenas a integridade do desenvolvimento e seu
resultado final correspondem às exigências da mente. (Na exigência de
conformidade à razão, as limitações burguesas do conceito hegeliano e dos

184
pré-requisitos dogmáticos do ensinamento de Kant são claramente
expressas.) Os componentes e momentos individuais desse processo não
podem ser medidos diretamente pelos requisitos abstratos da mente. Em
geral, elas só podem ser compreendidas e apreciadas em um relacionamento
espaço-tempo específico com outros pontos individuais, cuja totalidade
incorpora certa imagem da história. E cada integridade histórica (esta ou
aquela pessoa num determinado estágio de desenvolvimento) é apenas uma
integridade relativamente completa e, ao mesmo tempo, apenas um
momento na história do desenvolvimento do espírito. Assim, Hegel tem uma
dialética complexa de relativo e absoluto. Hegel nunca foi um relativista
histórico e nunca colocou diferentes períodos históricos em um nível. Sua
superação do absoluto dogmática inerente a Kant baseia-se na ideia de
desenvolvimento histórico, segundo a qual cada momento da cadeia geral
de desenvolvimento é absoluto apenas na medida em que constitui o
momento necessário de desenvolvimento, mas ao mesmo tempo e em
relação a cada momento é relativo. de momentos de desenvolvimento
histórico. É claro que os ensinamentos de Kant também contêm o conceito
de desenvolvimento histórico, a saber, o conceito de progresso sem fim, no
curso do qual a humanidade aborda as exigências da razão. Mas a
compreensão da história de Kant, por um lado, não fornece nenhuma
explicação real para os estágios individuais de seu desenvolvimento; por
outro lado, esse entendimento é direto demais, e se resume a um
antagonismo abstrato de razão e sensibilidade racional e irracional.

O conceito dialético hegeliano supera a inflexibilidade da filosofia de Kant


em ambas as relações. Etapas separadas do desenvolvimento histórico são
cada vez mais dotadas no trabalho de Hegel com conteúdo concreto e
específico: ele faz cada vez mais esforços para analisar os laços sociais
específicos de uma determinada época em seu contexto histórico real.

Já mostramos que, junto com a oposição da antiguidade e dos tempos


modernos, já no período de Frankfurt, é feita uma tentativa de compreender
a originalidade histórica do Oriente (judaísmo) e assim superar a falta de
ambiguidade e franqueza da compreensão da história de Kant.

Quanto mais Hegel desenvolve os problemas da filosofia da história, mais


claro se torna seu princípio cardinal: o caminho da história é o caminho que
termina com o retorno do pleno a si mesmo, a um perfeito
autoconhecimento do espírito. No entanto, esse caminho não pode ser
reduzido aos princípios moralistas diretos de Kant.

Por um lado, para Hegel, os princípios de um estágio mais progressivo da


história não são moral e culturalmente superiores aos da era anterior. Ao
contrário, em sua filosofia desenvolvida da história, Hegel mostrará que é o
ponto de vista mais baixo do ponto de vista moral, as paixões egoístas que

185
foram a causa motivadora do progresso objetivo. Por outro lado, a conquista
de um estágio mais elevado do desenvolvimento histórico no conceito
hegeliano é constantemente associado a perdas insubstituíveis para a
humanidade.

Ao analisar o conceito hegeliano da história do período Iena, ainda


falaremos de uma mudança em suas ideias sobre a Grécia, mudanças
concernentes, no entanto, apenas ao lugar ocupado pela Grécia no
desenvolvimento histórico: se no período de Berna Hegel viu em cidades
antigas - repúblicas um exemplo de modernidade, então No período de
Iena, ele considera a cultura antiga irremediavelmente afundada no passado.
Tal avaliação do desenvolvimento histórico não contradiz, contudo, a
avaliação hegeliana da cultura antiga. Ele, como antes, acredita que em
certas áreas da atividade humana, especialmente na arte, a antiguidade
representa o estágio mais elevado do desenvolvimento humano. E uma vez
que, por um lado, esse estágio mais elevado de desenvolvimento está
inevitavelmente ligado à essência da cultura antiga, e por outro lado, esse
desenvolvimento inevitavelmente supera a estrutura da sociedade antiga,

A interpretação de Hegel do problema de colisão de deveres é


indubitavelmente um dos pontos de partida da compreensão do método
dialético de Hegel, mas, na verdade, é apenas uma consequência de um
conceito mais geral e dialético da história no espírito dos estágios posteriores
do desenvolvimento da filosofia hegeliana.

No período de Frankfurt, Hegel identifica certos momentos do conceito


dialético geral, desenvolve os pré-requisitos e as consequências, tanto
quanto possível, decorrentes dos momentos identificados, mas ainda não há
um quadro geral do processo histórico em sua filosofia. Mas mesmo nesse
estágio, o problema é entendido por ele não em um contexto social estreito,
mas amplo e profundo, que desde o início distingue decisivamente Hegel
daqueles pensadores contemporâneos que também criticavam a estreiteza
dogmática do imperativo categórico. Portanto, a falta de sentido e anti-
ciência das interpretações neo-hegelianas da era do imperialismo, ligando o
período de Frankfurt no desenvolvimento das visões de Hegel com a
"filosofia da vida", é óbvia. Friedrich Jacobi, por exemplo, na verdade
defendendo as ideias da "filosofia da vida" e criticando a inflexibilidade e
estreiteza do imperativo categórico, O contrasta apenas com a riqueza da
alma humana, o mundo emocional do indivíduo. E quando ele
pateticamente defende certas ofensas "heróicas" em oposição ao imperativo
categórico, ele chega apenas ao relativismo emocionalmente fundamentado
na ética. É o problema do conflito de deveres que mostra que a vida - a
categoria central do jovem Hegel no período de Frankfurt - não tem nada a
ver com essas visões e representa apenas uma antecipação muito vaga de

186
sua ideia futura de uma unidade contraditória e viva característica da
sociedade burguesa.

É verdade que a análise de Hegel aqui tem um caráter filosófico abstrato. No


entanto, revela duas posições metodológicas filosoficamente importantes,
opostas às de Kant.

Primeiro, o conflito de deveres surge da dialética do absoluto e do relativo.


Segundo Hegel, todo dever é apenas um momento da conexão dialética
universal da sociedade, de acordo com a terminologia do período de
Frankfurt - da vida. Mas essa conexão é em si mesma contraditória, a
contradição das definições individuais é sua essência e a base da vida.

A separação das definições individuais (deveres) é realizada de modo que


elas não coexistam lado a lado, cobrindo cada área separada e não
hierarquicamente subordinadas umas às outras, mas sua relação é um
conflito, uma luta, uma contradição. Como cada momento dessa conexão,
cada dever de reivindicar o absoluto, ela inevitavelmente entrará em conflito
com outro momento - com um dever diferente reivindicando a mesma coisa.
E somente a integridade viva de todas as definições elimina a contradição
dos deveres. Mas a essência dessa integridade consiste precisamente no fato
de que forma a integridade dessas definições contraditórias.

Em segundo lugar, de acordo com o entendimento de Hegel, a alegação de


todos os simples momento do absoluto é necessária. Aqui chegamos a tal
ponto quando é possível, na própria fonte, revelar a profundidade da
compreensão hegeliana da sociedade burguesa, a essência de seu método
dialético, que é inevitavelmente limitado pela dialética idealista. A
constatação de que cada momento pretende ser absoluto será mais tarde o
foco da crítica hegeliana à chamada filosofia reflexiva, sua interpretação do
lugar das definições reflexivas no método dialético. Hegel considera as
definições reflexivas como um componente necessário da dialética, mas ao
mesmo tempo apenas como um estágio da cognição dialética da realidade.
Isso o distingue de Kant e Fichte, que, absolutizando definições reflexivas,
eles não vão além deles e, portanto, não podem superar as antinomias
insolúveis que são seguidas da maneira necessária se essas definições
reflexivas forem completadas. Mas isso também distingue Hegel da “filosofia
de vida” contemporânea do romantismo filosófico, de todas aquelas
direções que, embora lutassem contra a inflexibilidade e estreiteza das
definições reflexivas absolutizadas, acreditavam, no entanto, que é possível
apreender a realidade do pensamento, sem recorrer a definições reflexivas,
eliminando definições reflexivas da filosofia como formas de pensamento
inferiores, inferiores e puramente racionalistas. Essas tendências
inevitavelmente precisavam chegar ao irracionalismo místico. Tanto a
filosofia de Kant quanto a "filosofia da vida" são unânimes em considerar as

187
contradições com as quais se deparam, em antinomias eles vêem apenas o
objetivo, devido às limitações do pensamento humano, e não algo
relacionado à própria realidade. Sua única diferença é que Kant tira
conclusões agnósticas disso, e os românticos, ao contrário, são místico-
irracionalistas. Hegel, em contraste com ambas as direções, procura ver em
contradição alguma coisa objetiva e, além disso, a essência da realidade.
Definições reflexivas e antinomias para eles, que são necessárias para eles,
são para ele apenas um etano da compreensão dialética da realidade. Para
Hegel, ultrapassar os limites das antinomias da razão reflexiva significa a
remoção da contradição e a revelação da contradição inerente a um estágio
mais elevado, desenvolvido e desenvolvido - o estágio da razão especulativa.
De acordo com a caracterização hegeliana, a razão reflexiva - a
absolutização delas em relação aos momentos fundamentados - acaba por
ser um momento necessário do método dialético. Mais tarde, em sua história
da filosofia, Hegel chamaria Kant e Fichte de seus antecessores históricos e
de sua filosofia - o estágio preliminar de sua própria dialética.

A posição de Hegel em relação à filosofia reflexiva é de importância decisiva


não apenas para o desenvolvimento do método dialético, pois contém os
momentos mais importantes para definir corretamente a relação entre o
pensamento e a realidade, a dialética do absoluto e do relativo no
pensamento, também é importante historicamente.

Aparentemente, o verdadeiramente histórico, de acordo com seus


apologistas modernos, o romance é baseado em um ponto de vista não
histórico: ele vê no pensamento metafísico dos séculos XVII-XVIII, as
conclusões finais e os limites revelados nas antinomias kantianas, apenas
uma ilusão grandiosa do espírito humano. Hegel, pelo contrário, como um
verdadeiro historiador, vê que o caminho para a dialética não poderia ser
diferente. Ele percebe que o domínio do pensamento metafísico entre seus
antecessores está necessariamente ligado ao desenvolvimento de toda a
cultura humana, que é um produto necessário de certo estágio no
desenvolvimento da sociedade. Mais tarde, do ponto de vista do
materialismo, Engels provará (especialmente com relação à ciência natural)
que a dominância do pensamento metafísico era, naturalmente, um estágio
historicamente necessário.

O fato de que conflitos de deveres são inevitáveis do ponto de vista de todo


o sistema hegeliano é uma expressão de um caso especial do lugar que
definições reflexivas tomam no sistema filosófico de Hegel, bem como o fato
de que contradições dialéticas surgem inevitavelmente, se definições de
natureza relativa são elevadas a absolutas e forma a base da ética de Kant e
Fichte. Do raciocínio acima de Hegel, é claro que, embora ele dê uma
definição filosófica desse problema, embora ele tente conectá-lo com suas
premissas filosóficas, ele, no entanto, interpreta esse problema como

188
resultante da própria vida. Assim, para Hegel, a ética kantiana não é algo
inventado, não é apenas uma imagem teoricamente falsa da realidade.

É verdade que Hegel também vê em Kant momentos falsos, não totalmente


pensados do ponto de vista dos próprios pré-requisitos de Kant, por
exemplo, a negação por Kant e Fichte do conflito de deveres. Hegel os refuta
neste ponto, mostrando uma relação profunda entre o conflito de deveres e
os princípios fundamentais da filosofia de Kanto-Fichteana. Mas neste
momento, a posição de Hegel difere significativamente. Ele considera a
colisão de deveres como uma realidade sócio-histórica, que o pensamento
deve entender e do qual deve emanar.

Hegel avalia criticamente o caráter antinômico da filosofia de Kant: por um


lado, como o imenso mérito de Kant em reproduzir mentalmente um dos
fatos decisivos da realidade (revelando a necessidade de antinomias), por
outro, como a limitação subjetivista de seu pensamento (que Kant não vai
além de antinomias).

O reconhecimento da necessidade de antinomias na vida da sociedade é um


passo importante na compreensão da essência contraditória da sociedade
burguesa. As razões pelas quais isso aconteceu primariamente e
primariamente no campo da moralidade nos são conhecidas pela análise das
condições específicas de desenvolvimento da filosofia clássica alemã. Um
conhecimento mais profundo da sociedade burguesa obriga Hegel a
transferir essas contradições do campo da moralidade abstrata para uma
ampla área da atividade econômica e social humana na sociedade burguesa.

É verdade que, no futuro, Hegel não se limita apenas a uma simples


declaração da natureza antinômica do conflito de deveres, que levaria à
chamada "visão mundial trágica", ao pessimismo em relação à sociedade
burguesa como um todo. Seu pensamento se concentra necessariamente na
remoção de contradições e na compreensão do pensamento de toda a
sociedade burguesa em seu movimento.

É aqui que as limitações idealistas do pensamento hegeliano e as limitações


burguesas de todo o horizonte de seus pensamentos são reveladas.

Hegel está cada vez mais se esforçando para entender essa integridade, o
que elimina a natureza contraditória dos conflitos de deveres (em geral, as
contradições da vida de um indivíduo na sociedade burguesa) como algo em
si contraditório e móvel pela contradição. Ele chega (no final do período de
Frankfurt) a uma nova formulação da contradição dialética, mais distinta
que a de todos os seus predecessores, a tal entendimento que só é possível
dentro dos limites da dialética idealista. No entanto, para ser consistente em
sua teoria, Hegel deveria ter ido mais longe em sua compreensão dialética
da sociedade burguesa, ele tinha que pelo menos sugerir em qual direção a
189
remoção de contradições à integridade da sociedade burguesa poderia
ocorrer em um nível mais alto. Mas Como representantes da economia
política clássica inglesa, Hegel considera a sociedade burguesa como a
última e mais desenvolvida forma de desenvolvimento histórico. De acordo
com esse conceito, as principais contradições da sociedade burguesa devem
ser removidas de maneira diferente das contradições dos estágios iniciais de
desenvolvimento, que levaram histórica ou logicamente ou
"fenomenologicamente" a esse "nível superior". Consequentemente, Hegel é
compelido, tendo atingido o ponto mais alto no desenvolvimento de seu
método, a abandonar novamente o novo conceito de dialética, a fim de
alcançar uma unidade consistente ponderando todas as contradições. É
claro que o desenvolvimento desse pensamento em Hegel não é claro, mas é
uma luta acirrada entre duas tendências em seu pensamento. Mas a
especificidade de sua perspectiva social implica necessariamente que Hegel
não foi capaz de superar completamente os ensinamentos anteriores sobre
contradição. (As outras fronteiras da dialética hegeliana, devido ao seu
conceito de sociedade burguesa, serão descritas em detalhes mais adiante).

O oposto entre Kant e Hegel vai muito além dos limites da metodologia da
doutrina da moralidade. Marca um estágio importante no desenvolvimento
do método dialético, embora o conceito de Hegel apareça inicialmente de
forma limitada e abstrata. Além disso, tal oposição significa uma nova etapa
na compreensão da sociedade burguesa. A filosofia e a literatura alemãs,
que eram dignas da ideologia da França pré-revolucionária, embarcam
numa compreensão teórica e artística da realidade pós-revolucionária de
uma sociedade capitalista em desenvolvimento. É claro que essa
compreensão tinha que ser limitada em muitos aspectos e distorcida, uma
vez que era realizada em solo alemão, onde na realidade era e ainda não
poderia ser uma revolução burguesa. Marx e Engels provaram isso de forma
convincente em relação não apenas à filosofia hegeliana, mas também a
poesia de Goethe e especialmente de Schiller. No que diz respeito ao escopo
deste estudo, revelou as orientações sociais comuns da poesia clássica de
Weimar e Hegel. Já mostramos que Hegel, em comparação com seus
grandes contemporâneos, mais decisivamente revelou a natureza
contraditória da sociedade burguesa, mais intensiva e profundamente tratou
de sua "anatomia" - economia política. A seguir, será mostrado que ambos
os aspectos do desenvolvimento das visões de Hegel estão intimamente
relacionados entre si. mais intensamente e em profundidade envolvido em
sua "anatomia" - economia política. A seguir, será mostrado que ambos os
aspectos do desenvolvimento das visões de Hegel estão intimamente
relacionados entre si. mais intensamente e em profundidade envolvido em
sua "anatomia" - economia política. A seguir, será mostrado que ambos os
aspectos do desenvolvimento das visões de Hegel estão intimamente
relacionados entre si.

190
(1) Rosenkranz, p.87 e ss. (retornar ao texto)

(2) Rosenkranz, p.87. (retornar ao texto)

(3) Erste Druckschriften, p. 211. (retornar ao texto)

(4) Rosenkranz, p. 87 e ss. (retornar ao texto)

(5) Fichte, Das System der Sittenlehere, 1798, § 23 [Sistema da Moralidade]. Em


Werke [Obras], edição Medicus, vol. II. P675, Leipzig, 1908. (retornar ao texto)

(6) Hegel não se refere explicitamente à ética de Kant. Não podemos decidir, sem
deixar dúvidas se ele leu à época os escritos éticos de Fichte, publicados
precisamente nesta data. O material conservado não é suficiente para confirmar
sem reservas a afirmação. Mas como os escritos posteriores éticos e filosóficos de
Hegel, em Iena criticam quase sempre a ética de Fichte junto com a de Kant, e
como no período de Iena considera Hegel a Fichte como coerente continuador
de Kant com todos seus defeitos, podemos considerar e tratar a crítica da moral
kantiana do período de Frankfurt como uma crítica ao mesmo tempo daquela
fichteana. (retornar ao texto)

(7) Nohl, p. 390. (retornar ao texto)

(8) Nohl, p. 266. (retornar ao texto)

(9) Nohl, p. 265 e ss. (retornar ao texto)

(10) Nohl, p. 387. (retornar ao texto)

(11) Nohl, p. 387. (retornar ao texto)

(12) Nohl, p. 390. (retornar ao texto)

(13) Kant, Metaphysik der Sitten (Metafísica dos costumes), Leipzig, 1907, ed.
Vorländer, p. 27. (retornar ao texto)

(14) Fichte, loc. cit., p 694. (retornar ao texto)

(15) Cf. os estudos sobre a estética de Schiller em meus livros Goethe und seine
Zeit (Goethe e sua época) e Beitrage zur Geschirte der Ästhetik (Contribuições à
história da estética), ambos em Aufbau-Verlag, Berlim. (retornar ao texto)

(16) Nohl, p. 276. (retornar ao texto)

(17) Ibidem, id. (retornar ao texto)

(18) Nohl, pp. 293 e ss.

191
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético
5 – Os primeiros estudos econômicos

É aqui, no ponto crucial do estudo da biografia filosófica de Hegel, no ponto em


que as inter-relações concretas do desenvolvimento de sua dialética com seus
estudos econômicos poderiam ser reveladas, as fontes históricas estão
completamente ausentes. É aqui que temos que proceder apenas de
comparações e conjecturas. Felicidade é também que Rosencrantz disse pelo
menos a data do início dos estudos de Hegel sobre economia política. Aquela
fonte, que Rosencrantz ainda tinha, foi perdida.

Não é por acaso que é dessa parte da herança de Hegel que não há mais
vestígios. Entre os estudantes diretos de Hegel, não havia nenhum que
descobrisse pelo menos uma sombra de compreensão dos problemas
econômicos, sem mencionar a importância do desenvolvimento de problemas
econômicos para o surgimento do sistema e da metodologia de Hegel. Mesmo
nos trabalhos publicados de Hegel, nos quais essas conexões entre eles aparecem
explicitamente ("Fenomenologia", "Filosofia do Direito", etc.), eles não
perceberam o significado desses problemas.

O atraso das relações sociais na Alemanha levou ao fato de que mesmo os


maiores gênios filosóficos da época, até mesmo Hegel, tinham um reflexo teórico
das contradições sociais idealisticamente postas em suas cabeças.

Seus alunos, cuja juventude já estava no período da Restauração, carecem de


qualquer compreensão da economia política e de seu significado para a solução
de problemas sociais. E isso é igualmente verdadeiro para a direita reacionária
dos hegelianos, assim como para o centro liberal e a esquerda. A indecisão na
análise dos problemas mais importantes da sociedade, característica dos liberais
da década de 1830, também se revela em sua total falta de compreensão da
economia. Foi apenas a intensificação da luta de classes na Alemanha no início
dos anos 40 que despertou no hegelianismo certo interesse em problemas
econômicos, embora não se baseasse em sólidos conhecimentos e trabalhos
sérios, como foi o caso de Hegel. A "reformulação filosófica" das categorias
econômicas, tanto dos clássicos da economia política inglesa quanto dos grandes
socialistas utópicos, foi reunida entre os hegelianos.

Somente nos trabalhos juvenis dos fundadores do materialismo dialético — Marx


e Engels — nos deparamos não apenas com um conhecimento profundo e sério

192
no campo da economia política, mas também com uma compreensão consciente
do fato de que é nessa área que os problemas mais importantes da dialética
precisam ser estudados. revelar no material, que ainda não foi conscientemente
processado pelos clássicos da economia política burguesa e utópicos, suas leis e
princípios decisivos, e assim revelar a contradição dialética das leis
desenvolvimento.

Já no brilhante trabalho do jovem F. Engels, publicado nos “Anuários Franco-


Alemães”, “Esboço para a Crítica da Economia Política”, o elo entre a economia
política e a dialética metodologicamente está em primeiro plano. Marx também
presta grande atenção a esse problema em seus "Manuscritos Econômicos e
Filosóficos de 1844". Toda a última seção do trabalho é dedicada à crítica da
"Fenomenologia do Espírito" de Hegel e Marx, com toda a crítica afiada e
decisiva do idealismo hegeliano, enfatiza o importante papel positivo que a
economia política desempenha no desenvolvimento da dialética hegeliana e
especialmente a categoria de trabalho entendida como os clássicos da economia
política inglesa. . Depois, eles escreveram excelentes escritos polêmicos contra
Bruno Bauer, Max Stirner, Proudhon, etc., oferecem uma série de profundas e
ilustrativas observações sobre todo este contexto.

É característico do oportunismo dos líderes da Segunda Internacional que a


maior parte dessas obras, cujo valor elas não apreciavam, permaneceu por muito
tempo nos arquivos. A influência do oportunismo levou a um quase completo
equívoco do sentido da dialética, e as vacuidades metafísicas vulgares que eram
amplamente difundidas então deram origem a uma atmosfera na qual era fácil
distorcer os resultados claramente formulados de estudos políticos de Marx.

Somente os maximalistas travaram uma luta consistente contra o oportunismo


em todas as áreas. Lênin foi o único que, apesar de não ter tido a oportunidade
de se familiarizar com a maior parte do trabalho preparatório de Marx, com sua
profundidade característica apreciou sua análise do conceito hegeliano. Ele
escreveu: "É impossível entender completamente o Capital de Marx, e
especialmente seu Capítulo 1, sem ter estudado e entendido toda a Lógica de
Hegel. Consequentemente, nenhum dos marxistas entendeu Marx meio século
depois !!"(1).

Rosencrantz - um defensor do liberalismo e do chamado "centro" na era da


decomposição do hegelianismo, é claro, não tinha o significado da importância
dos estudos econômicos de Hegel para o desenvolvimento da dialética. Para que
o leitor possa imaginar quão insignificante é a base de estudo da fonte desses
estudos é a filosofia de Hegel, tudo o que o Rosencrantz se refere ao analisar este
tópico em sua biografia será dado mais tarde; nas biografias posteriores de Hegel,
esses materiais são apenas reescritos. Os manuscritos de Hegel descobertos nas
últimas décadas forneceram material muito valioso sobre as atividades

193
econômicas de Hegel no período de Jena, mas o período de Frankfurt, como
antes, está envolto em trevas.

Rosenkrantz observa que em Frankfurt, Hegel começou a lidar com problemas


econômicos e, acima de tudo, devido ao seu interesse na situação na Inglaterra.
Ele leu jornais regularmente e fez extratos detalhados deles (eles também
desapareceram, como seria de se esperar). Rosencrantz diz: "Ao mesmo tempo,
ele novamente prestou muita atenção à área de política, acreditando que desse
modo aumentando sua participação nela. Na área de herança e relações de
propriedade, ele estava particularmente interessado na Inglaterra, em parte
devido ao desejo comum ao século passado de considerar a constituição. A
Inglaterra como um ideal, em parte devido ao fato de que em nenhum país da
Europa as formas de herança e propriedade se desenvolveram de maneira tão
multilateral como na Inglaterra, e em nenhum lugar esse desenvolvimento
correspondeu a um igualmente rico e variado relacionamento pessoal, com
grande esforço”(2). Isto é seguido por uma descrição detalhada do sistema
carcerário na Prússia por Hegel.

Rosencrantz não dá aqui, infelizmente, nenhuma data. Isso é ainda mais triste
porque, como o leitor de nossa pesquisa pode facilmente ser convencido, ele
interpreta erroneamente a atitude de Hegel em relação à Inglaterra. Não há um
único comentário de Hegel que comprove que ele era um grande admirador da
constituição inglesa e até mesmo viu um modelo nela. No periodo de Berna, por
razões óbvias, ele não lidou de maneira alguma com os problemas da Inglaterra.
Na tradução e no comentário do folheto de Cart feita nos primeiros anos do
período de Frankfurt, Hegel, ao contrário, criticou duramente a política
reacionária da Inglaterra, que foi uma reação à Revolução Francesa. O interesse
de Hegel pela Inglaterra emergiu, obviamente, no curso de suas reflexões em
Frankfurt sobre a essência e as leis da sociedade burguesa. É por isso que, para a
biografia de Hegel, seria importante e interessante saber a época do início desses
estudos,

Mas Hegel começou a estudar cuidadosamente não apenas a vida econômica da


Inglaterra, mas também a teoria da economia política. Rosencrantz escreve sobre
esses estudos: "Todos os pensamentos de Hegel sobre a essência da sociedade
civil, sobre necessidades e trabalho, sobre a divisão de trabalho e riqueza dos
estamentos, sobre o exército e a polícia, impostos, etc., estão finalmente
concentrados em um comentário sobre a tradução alemã de Stewart, que ele
compilou de 19 de fevereiro a 16 de maio de 1799 e que foi completamente
preservado .Ele contém uma série de idéias magníficas sobre política e história,
muitas observações sutis. Stewart é um seguidor do mercantilismo.Com um
pathos nobre, citando muitos exemplo interessantes, Hegel atacou obsoleto no
sistema mercantilista, procurando salvar a alma do homem nas condições de
concorrência em matéria de trabalho e o tráfego ".(3)

194
Não falemos da pobreza e insensatez dessas observações do primeiro biógrafo de
Hegel. Mas, mesmo a partir dessa pequena passagem, fica claro como a
evidência importante do desenvolvimento das visões de Hegel foi perdida. Afinal,
Hegel abordou os problemas da economia política do ponto de vista de sua
crítica da positividade, e poderíamos ter uma compreensão mais clara de sua
atitude inicial em relação à sociedade burguesa se ele conhecesse seus primeiros
escritos polêmicos sobre teoria econômica.

Deve-se acrescentar que a passagem do livro de Rosencrantz representa uma


tarefa que ainda não foi solucionada. Na última frase, Rosencrantz diz que no
mecanismo da sociedade capitalista, Hegel tentou salvar a alma do homem. Essa
frase dá a impressão de que, no início de sua pesquisa econômica, Hegel era um
defensor do romantismo econômico. Mas à luz do posterior desenvolvimento das
visões de Hegel, especialmente das visões filosóficas e sócio-críticas, a
implausibilidade de tal versão é óbvia. As famosas palavras de que tudo real é
racional e tudo o que é racional é real, embora tenham sido expressas por Hegel
muito mais tarde, formando, a partir de Frankfurt, a direção principal de seu
pensamento.

O estudo dos manuscritos econômicos de Iena, de Hegel, mostrará quão


próximos estão seus pontos de vista à economia política clássica inglesa, que
revelou cinicamente, impiedosamente e de forma verdadeira as abominações e
vilezas da sociedade capitalista, mas ao mesmo tempo reconheceu sua
progressividade. Acreditamos que a observação de Rosencrantz se baseia no fato
de que ele não entendia os pensamentos de Hegel. Mas como é impossível
provar essa estimativa e há uma possibilidade abstrata de que o jovem Hegel
tenha experimentado um curto período de entusiasmo pelo romantismo
econômico, nossa rejeição à interpretação dada por Rosencrantz só pode ser
considerada uma hipótese. No entanto, estamos confiantes de que o leitor
concluirá de todo o estudo do desenvolvimento das visões do jovem Hegel que
nossa hipótese está correta.

É difícil identificar a influência direta dos pontos de vista de Stuart sobre um ou


outro problema econômico em Hegel. Isto é explicado não apenas pelo fato de
que seu comentário sobre o trabalho de Stuart foi perdido e é impossível
entender quais posições causaram maior impressão no jovem Hegel, com o qual
ele concordou, quais ele rejeitou, etc., mas também que a anotação do trabalho
de Stuart não foi acompanhada. aplicação direta de novas idéias econômicas à
análise da sociedade burguesa. A descontinuidade no desenvolvimento dos
pontos de vista de Hegel, já notada por nós ao descrever a crise de Frankfurt, é
revelada durante esse período. Depois de três meses de reflexão sobre os
problemas da economia política, Hegel retornou ao seu principal trabalho no
período de Frankfurt, "O Espírito do Cristianismo". É verdade que examina,
como mostramos, os problemas da sociedade burguesa, mas seu tema imediato é
diferente, e uma mudança em suas visões sociais e econômicas é revelada

195
apenas em lugares separados e em uma forma filosófica geral. Temos apenas
manuscritos do período de Iena, nos quais os problemas da sociedade burguesa e
a perspectiva econômica desempenham um papel distinto e significativo, direta e
detalhadamente. A extensão em que esses problemas foram abordados na última
obra de Frankfurt de Hegel - no fragmento do sistema (1800) - não é conhecida,
já que este trabalho, como veremos, foi perdido, com a exceção de dois
pequenos fragmentos. Mas nos manuscritos de Iena pode-se ver claramente o
conhecimento das obras não só de Stewart, mas também de Adam Smith. E, no
entanto, devido à extrema abstração filosófica dos argumentos de Hegel sobre
economia política e seu interesse principalmente em problemas gerais, é difícil
apontar a influência das opiniões econômicas de Steuat sobre Hegel.

Em todo caso, é altamente provável que o estudo do trabalho de Adam Smith


represente um ponto de virada no desenvolvimento das visões de Hegel, porque
o problema do trabalho, como principal modo de atividade humana, como na
terminologia de Hegel, a identidade do sujeito e do objeto. que elimina a
objetividade morta como uma força motriz do desenvolvimento, graças à qual
uma pessoa age como resultado de suas próprias atividades. O problema, cuja
solução mostra que a filosofia de Hegel se move paralelamente à economia
política inglesa clássica, apareceu primeiro em Hegel, obviamente, no decorrer do
estudo das obras de Adam Smith. Nem o estudo das relações econômicas da
Alemanha, que estava atrasado no desenvolvimento do capitalismo, nem o
estudo da obra de Stuart, poderiam dar tal ímpeto.

Mais uma vez, propomos hipóteses e contamos com comparações, plenamente


conscientes disso. A primeira evidência documental de que Hegel conhecia o
trabalho de Adam Smith está contida em manuscritos publicados recentemente
para as conferências de Iena de 1803-1804.(4) Hegel aqui se refere à posição de
Smith sobre o desenvolvimento das forças produtivas devido à divisão do
trabalho dentro da empresa, e claramente escreve o nome de Smith nos campos.
Mas já no "Sistema de Moralidade" (1802), semelhante, como veremos, embora
não tão desenvolvido, a compreensão da divisão do trabalho é central. É
bastante confiável que, já no início do período de Iena, Hegel conhecesse os
trabalhos de Adam Smith e, assim, pelo menos parcialmente, superasse a
unilateralidade e a imperfeição da economia política de D. Stewart.

Mas acreditamos que a controvérsia de Hegel com a economia política inglesa


clássica cai mais cedo, na época do trabalho preparatório para o Fragmento do
Sistema. É verdade que esse trabalho não nos dá quase nada, já que nas
passagens que nos restam podemos encontrar apenas indícios superficiais de
problemas econômicos, mas não há indicações: como se pensava na estrutura de
todo o trabalho, o quanto estava realmente completo. Mas entre as construções
religiosas e filosóficas extremamente sombrias há um lugar notável, que, sendo
comparado com a interpretação do período de Iena, nos permite lançar luz sobre
alguns aspectos do desenvolvimento dos pontos de vista de Hegel.

196
Nesse fragmento, ele fala sobre a atitude religiosa de uma pessoa para com os
vivos e, sobre a remoção da objetividade, a positividade morta em relação às
pessoas e coisas. Hegel discutirá os problemas filosóficos e sociais que surgem
nesta conexão em uma seção diferente. Aqui nós selecionamos um momento.
Hegel escreve: "... é necessário que ele (homem.- G.L.) considerava-se em forte
relacionamento com os objetos e manteria sua objetividade até a completa
destruição. " a solução na teoria do sacrifício é uma teoria muito peculiar e
imbuída de um profundo misticismo. Um homem, argumenta ele, "não seria
capaz de se unir com a vida infinita, se tivesse guardado alguma coisa para si, por
estar ansioso pelo dominio ou fosse dependente. Portanto, a partir de sua
propriedade, a necessidade de que é o seu destino, ele sacrifica apenas alguma
coisa, pois o seu destino é necessário ... Apenas através da falta de sentido desta
destruição”(5).

Essa ideia à primeira vista parece ser extremamente mística e sombria. A vítima
aparece aqui como um resultado religioso da inevitabilidade e positividade "fatal"
do mundo da propriedade privada - a sociedade burguesa. Para nós aqui, é
interessante contrastar a vítima como “destruição sem objetivo”, como
“destruição em prol da destruição” para “destruição expedita”, completamente
incompreensível, porém, deste texto. O fragmento, uma parte da qual é citado
aqui, é colocado na última página, no final do manuscrito hegeliano.

Como aqui Hegel nunca explica o conteúdo que ele coloca em um conceito tão
importante quanto a noção de "destruição finalistica", pode-se supor que essa
categoria foi divulgada em detalhes em um manuscrito anterior, agora abolido.
No entanto, mesmo a partir da citação acima, fica claro que “destruição
finalística” significa uma atitude cotidiana normal de uma pessoa para o mundo
objetivo. O sacrifício é projetado para levar uma pessoa para fora dessa área.

Nós ainda não estamos preocupados com o que Hegel significa, sacrifício. Nossa
análise subseqüente, especialmente da teoria social de Hegel sobre o período de
Iena, mostrará que isso não é de modo algum religioso-místico, que a questão
está intimamente ligada às ilusões de Hegel, que ele estava alimentando na
resolução das contradições da sociedade burguesa. Aqui somos confrontados
com a noção oposta de “destruição finalistica” de objetos. Uma compreensão
exaustiva dessa definição aparentemente extremamente obscura vem do Sistema
de Moral de Jena, escrito dois anos depois. Estamos falando de trabalho. Em "O
Sistema da Moralidade", Hegel define o trabalho de uma maneira ligeiramente
diferente - na terminologia característica dos primeiros anos de Iena e consoante
com Schelling - como "destruição de um objeto", mais precisamente, como a
destruição expediente do objeto. A primeira tríade dialética, de onde vem Hegel,
é uma necessidade - trabalho - prazer. Trabalho é definido da seguinte forma: "...
a destruição de um objeto, ou contemplação, mas como um momento, então
essa destruição é substituída por outra contemplação, ou um objeto; ou - a
identidade pura é fixa, a atividade destrutiva ... o objeto não é destruído como

197
um objeto, mas depende de outro ... Mas essa destruição é trabalho"(6). É verdade
que essa definição não tem a palavra "expediente", mas se você seguir de perto o
raciocínio de Hegel nesse trabalho, poderá ver como ele volta do trabalho para
uma ferramenta, de uma ferramenta para um carro e entender que a palavra está
faltando aqui o pensamento existe, e a palavra foi omitida porque ela própria
estava implicada neste contexto. A conexão entre expediente e trabalho em geral
passa a ser a idéia principal da dialética hegeliana. E na Lógica, ao discutir os
problemas da teleologia, o trabalho desempenha um papel extremamente
importante, como apontado por V.I. Lenin em suas observações a esses
argumentos de Hegel. Acreditamos que o conceito de trabalho como a categoria
mais importante do conceito hegeliano de história no “Sistema de Moralidade”
de Iena já existia na parte perdida do “Fragmento do Sistema” de Frankfurt.

É extremamente difícil traçar a influência específica dos economistas britânicos


nas idéias de Hegel. No entanto, há uma série de características que
indubitavelmente indicam que a leitura de Stewart teve um efeito bastante sério
em Hegel. Stewart, entre os clássicos da economia política inglesa, como
escreveu Marx(7), é na verdade um historiador da economia política, ele está mais
interessado na história social do surgimento do capitalismo do que em suas leis
internas, às quais prestou muito menos atenção do que os clássicos da economia
política inglesa. No período em que Hegel fundamentou filosoficamente a
necessidade histórica da sociedade burguesa, ele seria grandemente influenciado
pelo enorme material factual coletado nas obras de Stuart, seu esforço constante
para apontar a diferença entre as economias da antiguidade e da modernidade.

Deve-se acrescentar que foram certas limitações de Stewart, o fato de que seus
pontos de vista eram mais baixos no nível dos pontos de vista de A. Smith,
tornou seu trabalho mais atraente para o jovem Hegel do que as idéias mais
claras e convincentes de A. Smith. Desde que Hegel está lutando com a
positividade morta, ele procura superar, com A. Smith, o legado da economia
política anterior, a fetichização de várias categorias por ele. Esses pontos de vista,
no entanto, tinham raízes profundas na economia dos países economicamente
atrasados. Uma consistente interpretação burguesa da relação entre a economia e
o Estado poderia surgir apenas na própria Inglaterra - com Smith e Ricardo. Se
tomarmos os economistas franceses do período napoleônico, não podemos
deixar de ver, o que Marx apontou constantemente, remanescentes das visões
teóricas anteriores sobre a questão da relação entre a economia e o Estado. Isso é
típico da Alemanha em um grau ainda maior. A partir da história do lento
desenvolvimento da economia política na Alemanha, sabemos que as ilusões
sobre o papel econômico do Estado persistiram depois de Hegel e depois se
transformaram em apologética direta (basta lembrar Lassalle ou Rodbertus. Se
considerarmos também que Hegel estava cheio de ilusões no período Jena) No
que diz respeito à resolução das contradições da sociedade burguesa, sobre a
qual falaremos mais adiante, fica claro que, nessa questão, Hegel era mais
inclinado a Stewart do que a Smith.

198
Mas há outra questão crucial na qual Hegel permanece ao longo de sua vida no
ponto de vista de Stewart e nunca chega a esse ponto na compreensão das leis
do capitalismo, que são inerentes a A. Smith e D. Ricardo. Temos em mente o
problema do trabalho excedente e da mais-valia. Marx, em sua crítica à
economia política de Stuart, ressaltou que Stewart é cativado por velhas idéias
sobre os lucros derivados da alienação, o lucro sobre a alienação. É verdade que
Stewart distingue entre lucros positivos e relativos. Este último é o lucro da
alienação. Do primeiro, Marx diz: "O lucro positivo surge de" um aumento no
trabalho, diligência e habilidade ". Stewart não tenta perceber como surge a partir
deste aumento. Sua adição é sobre o valor de troca(8).

Se examinarmos mais detalhadamente as visões econômicas de Hegel do


período de Jena, não é difícil ver quão profundamente ele está preso nessa visão
confusa e retrógrada da Inglaterra.

É verdade que ao adquirir visões mais progressistas como resultado do estudo


das obras de Adam Smith e da vida econômica da própria Inglaterra, Hegel
esclarece a inconsistência do capitalismo, uma certa oposição entre capital e
trabalho e fala abertamente sobre elas, mas nunca penetrou no segredo da
exploração capitalista real. a compreensão é tão próxima quanto os clássicos da
economia política burguesa. Essa limitação foi preservada ao longo de toda a sua
vida e deve-se ao fato de que, percebendo o oposto do capital e do trabalho,
Hegel deriva apenas do conhecimento das relações econômicas internacionais, e
não da experiência real que experimentou, não da real compreensão do
capitalismo. Em outras palavras, essa limitação de Hegel reflete no pensamento
do atraso capitalista da Alemanha.

Escusado será dizer que esta limitação não só não é superada, mas é reforçada
pela natureza idealista dos pontos de vista de Hegel, especialmente devido à
interpretação frontal invertida da relação entre lei e estado, por um lado, e a
economia, por outro. Mas as raízes sociais da natureza idealista das visões de
Hegel, como notado, são as mesmas. O atraso econômico da Alemanha tem um
impacto sobre todos os pontos de vista de Hegel, e não apenas na solução de
problemas individuais e não diretamente, isto é, nem sempre implica uma
distorção direta de suas abordagens brilhantes para uma compreensão correta da
sociedade burguesa. Seu impacto em seu pensamento, pelo contrário, é muito
diversificado, complexo e mediado por várias partes.

Mais tarde, as tentativas de sistematizar as visões econômicas no período de Jena


serão analisadas em detalhes. Aqui, deve-se, pelo menos brevemente, indicar os
resultados imediatos dos estudos de Hegel sobre economia política e caracterizar
sua abordagem dos problemas da sociedade burguesa. O momento decisivo de
sua interpretação já está contido na citação acima do "Fragmento do Sistema":
aqui Hegel vê a economia, a vida econômica do homem, sua condicionalidade
nas relações econômicas das pessoas entre si e com as coisas, como um "destino"

199
irresistível. seguinte parágrafo). As origens desse conceito já podem ser
encontradas nos primeiros esboços do período de Frankfurt, onde Hegel realizou
uma análise complexa de como as relações de propriedade podem estar ligadas
ao amor.

Mas o fato de que houve um episódio aqui se torna uma questão central; que
havia um problema de amor subjetivo, aqui aparece como destino do
representante da mais alta religiosidade - Jesus. A essência do conceito de
destino no período de Frankfurt é que os resultados da luta com forças hostis e a
rejeição da luta, segundo Hegel, são os mesmos do ponto de vista do destino,
que é expresso na opinião de Hegel, a inevitabilidade do destino(9). E, embora
neste ponto, o raciocínio de Hegel pareça místico, é aqui que sua compreensão
mais realista da sociedade e da história se manifesta em comparação com outros
filósofos alemães desse período: a negação da ilusão muito comum de pensar
que ainda ocorre hoje como se uma pessoa pudesse ficar acima de sua tempo,
sobre a sua sociedade, como se uma abordagem teórica ou prática da sociedade
fosse possível, como se fosse do exterior desta sociedade.

A propriedade é interpretada no "Espírito do Cristianismo" como a inevitabilidade


do destino. Visto que aqui Hegel concentra suas reflexões religiosas e filosóficas
sobre a viabilidade dos ensinamentos de Jesus na sociedade, é claro que ele
retorna constantemente à famosa parábola do Novo Testamento: Jesus
aconselhou um jovem rico a renunciar à riqueza para alcançar a salvação
religiosa.

Lembre-se que no período de Berna, Hegel se referiu a este lugar da Bíblia. Mas
nesse período, Hegel vê a expressão da essência do cristianismo na medida em
que é dirigida exclusivamente ao indivíduo, à "pessoa privada". Para Hegel, o
conteúdo econômico não constitui objeto de controvérsia.

Agora estamos falando sobre isso. E com muito mais profundidade. No esboço
do “Espírito do Cristianismo”, as relações econômicas são consideradas apenas
em termos da abdicação da riqueza de Jesus. Propriedade e propriedade não
podem ser um “belo relacionamento”, então Jesus se afasta deles.

Mais tarde, Hegel deixa de lado os compromissos decorrentes de uma base


subjetiva com a qual ele lidou. "O reino de Deus", escreve Hegel, "o estado da
dominação da divindade, assim, todas as definições e todos os direitos são
removidos; daí as palavras dirigidas ao jovem: vender sua propriedade - é difícil
para os ricos entrar no Reino de Deus; daí a negação de toda propriedade e
qualquer herança por Cristo; o tipo de relacionamento com o pai, a família, a
propriedade não poderia se tornar um relacionamento maravilhoso, então eles
absolutamente não deveriam ser, de modo que pelo menos não houvesse
oposição ..."(10) Não há mais conclusões definitivas neste esboço.

200
Bastante diferentes ênfases em local apropriado no texto principal manuscrito.
Nós mostramos que nesta obra de Hegel é muito mais perto de um
entendimento, para a direita em relação à pessoa de Jesus do que no período
Bernese. Afinal, nas obras do período de Berna, ele ainda não foi avaliado tão
drasticamente os ensinamentos de Jesus e enviou críticas venenosas e venenoso
contra o Cristianismo e não contra a igreja. Agora ele novamente lembra a
parábola do jovem rico: "O próximo requisito - sacudir cuidar da vida, desprezam
riquezas -, bem como a observação (Mateus XIX, 23.), Como um homem rico
dificilmente entrará no reino dos céus, não podemos dizer nada. é apenas uma
ladainha, permitido apenas em sermões ou em verso, para uma tal exigência não
contém, do nosso ponto de vista, a verdade. a propriedade e seu destino tornou-
se muito importante para nós, para a reflexão deste tipo seria aceitável para nós?
rejeição deles concebível. No entanto, não podemos aceitar que a riqueza e os
privilégios associados e cuidados trará, inevitavelmente, a uma determinada
pessoa (Bestimmtheiten), limites ... e relações de dependência; dentro desses
limites é, no entanto, um lugar para a virtude e dever, mas eles não permitem
que a integridade da plenitude da vida, porque a vida está associada a objetos,
com as condições que estão fora deles, porque a vida é dada como pertencentes
a ela que ela nunca poderia ser seus membros. A riqueza inevitavelmente revela
seu oposto ao amor, ao todo, já que é um direito e é percebido como uma
diversidade de direitos, com o resultado de que a virtude diretamente
relacionada, integridade e todos os outros possível dentro deste círculo de virtude
deve ser ligado com uma excepção, e cada acto de si virtude é o oposto. Sobre o
sincretismo de servir a dois senhores, e não há nada que pensar, como a
incerteza e não pode ser conectado, mantendo a sua forma"(11).

É óbvio que Hegel deu um grande passo em frente no reconhecimento da


necessidade da sociedade burguesa, embora expresse sua visão na terminologia
mística inerente ao conceito de destino. Se refletirmos sobre a passagem anterior,
é óbvio quão inseparável é a conexão entre a controvérsia de Hegel e a ética de
Kant, enfatizando a inevitabilidade do conflito de deveres com o conceito
gradualmente emergente de sociedade. Uma análise mais aprofundada do
manuscrito principal do período de Frankfurt mostrará que a compreensão da
natureza trágica e antagônica das contradições intratáveis se desenvolve então
naquele conceito de religiosidade e a pessoa de Jesus, com a qual Hegel tenta
resolver e remover essas contradições durante o período de Frankfurt. Trata-se da
contradição interna de toda a dialética idealista de Hegel, que depois ele
alcançou um nível mais alto.

(1) Lenine, Cadernos filosóficos, loc.cit., p. 99. (retornar ao texto)

(2) Rosencrantz, p, 85. (retornar ao texto)

201
(3) Rosencrantz, p, 86. (retornar ao texto)

(4) Realphilosophie, vol. I, p. 239. (retornar ao texto)

(5) Nohl, p. 349 e ss. (retornar ao texto)

(6) Lasson, p. 420. (retornar ao texto)

(7) Theorien über den Mehrwert (Teorias sobre a mais valia), loc. Cit. vol I. p 32.
(retornar ao texto)

(8) Theorien über den Mehrwert (Teorias sobre a mais valia), loc. Cit. vol I. p 30.
(retornar ao texto)

(9) Nohl, p. 284. (retornar ao texto)

(10) Nohl, p. 297. (retornar ao texto)

(11) Nohl, p. 273. (retornar ao texto)

202
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético
6 - "O espírito do cristianismo e seu destino"

Já nos familiarizamos com os fragmentos mais importantes sobre os problemas


da moralidade e da economia, deste maior manuscrito de Hegel no período de
Frankfurt. Agora é necessário avaliar suas ideias filosóficas básicas e determinar
seu significado para o desenvolvimento das concepções de Hegel. Este trabalho é
uma polêmica com o cristianismo. Ao mudar sua atitude em relação à sociedade
burguesa, Hegel chegou a uma controvérsia com o cristianismo, já mostrada em
detalhes. Além disso, notou-se que, no curso do desenvolvimento posterior de
suas visões, ele não podia mais se desviar de uma atitude mais ou menos positiva
em relação ao cristianismo. Mas a interpretação de todos esses problemas no
período de Frankfurt é qualitativamente diferente da interpretação no período de
Iena. Como já mostrado e será mostrado em mais detalhes abaixo, em Frankfurt,
Hegel considera os problemas da sociedade burguesa do ponto de vista do
indivíduo que nela vive. Já em Iena, o ponto de vista social domina o indivíduo e
Hegel só se torna membro da sociedade, seus problemas individuais são
constantemente interpretados à luz dos problemas sociais gerais (e falando
apenas do período Iena, pode-se mostrar o papel da economia política, na
compreensão da dialética comum e especial, estudo aprofundado de categorias
econômicas). Mas, como Hegel procede aqui do destino do indivíduo na
sociedade burguesa, fica claro que o cristianismo deveria ter para ele um
significado emocional muito mais imediato do que o seguinte. Desde que Hegel
estava decidindo como dar sentido à vida individual, mantendo-a até o fim dos
dias, a controvérsia com a moralidade cristã tornou-se um estágio necessário no
desenvolvimento de seus pontos de vista. Hegel nunca esteve tão
emocionalmente perto do cristianismo como neste período. Mas seria um erro
profundo acreditar que essa intimidade significa a identidade completa de toda a
gama de ideias hegelianas sobre o cristianismo, como afirmam constantemente
os neo-hegelianos reacionários, especialmente Lasson e Hering, tentando provar
que a chave para entender toda a filosofia de Hegel está em seu acordo
supostamente pleno com o cristianismo protestante.

O pouco que essas lendas históricas reacionárias correspondem à realidade


comprova a principal questão discutida neste trabalho e a resposta que, embora
com hesitações e contradições, é dada por Hegel. Está certo Hegel, pedindo a
resolução das contradições da vida que Jesus e sua igreja oferecem, e é relevante
para a vida de hoje? "Essa ideia do reino de Deus completa e abrange a religião

203
na sua totalidade, na forma em que foi fundada por Jesus, mas agora tu deves
considerar se ele atende plenamente a natureza e o que precisa ser levado os
discípulos de Jesus no futuro"(1).

As respostas de Hegel são na maior parte muito negativa. Em seu ensaio, ele
procede dos dogmas místicos do cristianismo e quer mostrar que a religião cristã,
proclamando a ressurreição de Jesus, adquire sua objetividade religiosa, supera a
pura subjetividade do amor. Mas desta maneira surge um "indefinido pairar entre
a realidade e o espírito". Ao mesmo tempo, o oposto deveria ter sido preservado,
“o qual, após desenvolvimento adicional, deveria ter se tornado uma
combinação dos vivos e dos mortos, o divino e o real; que apaziguamento é, mas
não deu, transformando este sentimento em infinito”(2). De acordo com Hegel, o
desenvolvimento do cristianismo cria uma verdadeira "conexão" (sabemos o que
é em Frankfurt este termo para Hegel), mas que "está incorporada na sua
consciência (do homem. - GL) e não permite que a religião de se tornar perfeita
pela vida".

Esta propriedade básica da religião cristã, a oposição no divino - o divino deve


ser sempre apenas na consciência, mas não na vida - é característico de todas as
formas da religião cristã que surgiram durante seu futuro... "(3). E Hegel dá uma
descrição adicional diferentes tendências no cristianismo e mostra que nenhum
deles pode alcançar uma conexão real com a vida, uma real remoção de
positividade, e termina o manuscrito com as palavras: "... o destino dele (a igreja
cristã - GL.) era que a igreja e o Estado, o serviço divino e o amora, a piedade e
a virtude, atividades espirituais e seculares nunca foram capazes de fundir em um
único conjunto"(4).

Portanto, a resposta final de Hegel não é favorável ao cristianismo. A natureza


contraditória de sua obra reside precisamente no fato de ele procurar encontrar
na religião a única retirada real da positividade da vida, que vê no cristianismo o
protótipo da religiosidade e, depois de todas as construções místicas estranhas à
religiosidade cristã, chegar a um resultado negativo: o cristianismo de sua
essência não é capaz de remover a positividade que está morta na vida, em
última análise, o cristianismo é a mesma atitude puramente subjetiva em relação
ao mundo sem vida dos objetos. O amor, que está nesta atitude mantem o
mundo objetivo inabalável, sem o superar.

Veremos que Hegel nunca poderia tirar todas as conclusões dessa posição. Sua
posição com tempo permanece dupla e oscilante. Mas o pior de tudo é que
podemos dizer que, durante esse período, ele identificou plenamente suas visões
com o cristianismo. Além disso, há um fragmento religioso-filosófico do período
de Iena, que mostra claramente a superação do cristianismo por Hegel, o
surgimento de uma nova e terceira religião. É verdade, também aqui, Hegel, de
maneiras religiosas, permanecendo prisioneiro da religião, vai além do
cristianismo. Ele nunca foi capaz de superar sua dependência de ideias religiosas

204
associadas à essência mais profunda de seu idealismo. Em seu entendimento, o
cristianismo não apenas desempenha o papel de uma verdadeira força social da
sociedade burguesa, mas também adquire, como religião, o papel da
transformação filosófica dessa sociedade.

A posição de Hegel em relação ao cristianismo é superiormente controversa. E é


útil compreender suas concepções de períodos posteriores para examinar mais de
perto essas contradições, até certo ponto, em status nascendi. Hegel critica na
comunidade cristã que ela não pode remover a positividade do amor cristão.
Pelo contrário, no amor sem vida da comunidade, o espírito do amor
permaneceu tão escasso, parecia tão vazio que ele não podia conhecer
plenamente o espírito em si mesmo que o atraía, não o conhecia vivo em si
mesmo e permanecia estranho a ele. “Percebida como sendo alheia ao espírito é
a consciência de sua dependência dela". O oposto é preservado, e é "mais
positivo, objetivo, no qual há tanto alienígenas, tanto dominação quanto no
espírito da comunidade de dependência"(5). É verdade que Hegel está se
referindo à comunidade de Jesus e não ao próprio fundador do cristianismo. E
veremos que essa diferença é essencial para esse período de desenvolvimento de
seus pontos de vista.

A afirmação desse tipo de positividade esmagadora é, segundo Hegel, de


importância decisiva para todo o futuro destino do cristianismo. Quanto mais
diversificadas as relações humanas se tornam, isto é, quanto mais se desenvolve
a sociedade civil, mais acentuadamente deve aparecer esta contradição
fundamental do cristianismo. "Foi aqui que o destino aguardou a comunidade,
que em seu amor puro, além de todo mundano, parecia estar além de seu
controle; o destino que se desenvolveu como resultado da disseminação desse
amor (que se destacou de qualquer relacionamento) para os membros da
comunidade, Por outro lado, durante a expansão, a comunidade tornou-se cada
vez mais próxima do destino do mundo, depois inconscientemente percebendo
muitos de seus lados, ou se profanando ao combatê-lo"(6).

No entanto, há declarações muito agudas de Hegel, em que ele afirma e condena


a preservação da positividade e o fundador do cristianismo. Essa crítica diz
respeito, em primeiro lugar, à relação de Jesus com o Estado, com a sociedade
civil (a questão da relação de Jesus com a propriedade privada já era
considerada no final do parágrafo anterior). Hegel diz sobre a atitude para com o
estado e a sociedade: "O reino de Deus não é deste mundo; no entanto, não é de
todo indiferente se o mundo existe em oposição ao reino de Deus ou não existe,
mas é possível. Desde que o primeiro é verdadeiro e Jesus sofreu
conscientemente o estado, uma atitude semelhante ao estado implica o fato de
que uma parte significativa da conexão viva é cortada, que para aqueles que
entram no reino dos céus, laços importantes são quebrados, uma parte da
liberdade é perdida ... muitos relacionamentos eficazes, conexões vivas: os
cidadãos do reino de Deus se tornam indivíduos privados, opondo-se a um

205
estado hostil, excluindo-se deles ... Da ideia do reino de Deus são excluídos,
entretanto, todas as relações criadas pelo estado são infinitamente inferiores às
relações vivas de uma união divina e podem causar um desprezo; No entanto,
desde que o estado existia e Jesus ou a comunidade não podiam tirá-lo, o
destino de Jesus e da comunidade fiel torna-se a perda da liberdade, a vida
limitada, a passividade para a dominação de um poder estranho, que eles
desprezam, mas que completamente fornece Jesus o que ele precisa dela é a
existência entre o seu povo " opondo-se a um estado hostil, excluindo-se dele ...
Da ideia do reino de Deus, entretanto, todas as relações criadas pelo Estado são
infinitamente inferiores às relações vivas da união divina e podem causar um
desprezo nela; No entanto, desde que o estado existia e Jesus ou a comunidade
não podiam tirá-lo, o destino de Jesus e da comunidade fiel torna-se a perda da
liberdade, a vida limitada, a passividade para a dominação de um poder
estranho, que eles desprezam, mas que completamente fornece Jesus o que ele
precisa dela é a existência entre o seu povo " opondo-se a um estado hostil,
excluindo-se dele ... Da ideia do reino de Deus, entretanto, todas as relações
criadas pelo Estado são infinitamente inferiores às relações vivas da união divina
e podem causar um desprezo nela; No entanto, desde que o estado existia e
Jesus ou a comunidade não poderia tirá-lo, o destino de Jesus e da comunidade
fiel torna-se a perda da liberdade, a vida limitada, a passividade para a
dominação de um poder estranho, que eles desprezam, mas que completamente
fornece Jesus o que ele precisa dela é a existência entre o seu povo "
infinitamente inferior à relação viva da união divina e capaz de causar-lhe um
desprezo; no entanto, desde que o estado existia e Jesus ou a comunidade não
podia removê-lo, o destino de Jesus e da comunidade fiel torna-se a perda da
liberdade, a vida limitada, a passividade para a dominação de um poder
estranho, que eles desprezam, mas que completamente dá a Jesus o que ele
precisa dela é a existência entre o seu povo " infinitamente inferior à relação viva
da união divina e capaz de causar-lhe um desprezo; entretanto, como o estado
existia e Jesus ou a comunidade não podiam removê-lo, o destino de Jesus e da
comunidade fiel torna-se a perda da liberdade, da vida limitada, da passividade
em direção à dominação de um poder alheio, que eles desprezam, mas que
completamente dá a Jesus o que ele precisa dela é a existência entre o seu
povo"(7).

A natureza contraditória interna dos pontos de vista de Hegel é revelada com


força particular, onde ele tenta expressar visualmente e esclarecer o conceito de
superar completamente qualquer forma de objetividade morta no reino de Deus.
Ele cita muitos exemplos, especialmente da vida orgânica, para mostrar que a
relação entre uma parte e o todo (o indivíduo e a sociedade) não deve ser
inevitavelmente igual à da sociedade burguesa, onde a subjetividade vazia é
mecanicamente ligada aos mortos, não passível de reviver o mundo dos objetos.
Mas quando ele se esforça para compreender essas relações social e
historicamente, ele é capaz de fazer uma analogia apenas nas relações sociais dos

206
povos primitivos. "Assim, entre os árabes - o filho da tribo da palheta - a
definição de uma única pessoa, um indivíduo, significa que essa pessoa solteira
não é apenas uma parte do todo, que um todo, consequentemente, não é algo
que está fora dele, mas que ele mesmo é o todo que compõe toda a tribo. Isto é
confirmado pelo impacto que essa visão tem sobre os métodos de guerra
adotados por essas pessoas naturais e indivisas: nela, cada pessoa é destruída
com incrível crueldade. Pelo contrário, na Europa moderna, onde uma única
pessoa não carrega a integridade de um estado, mas seus laços com o Estado são
apenas algo mental, alguns iguais para todos os direitos, a guerra não é travada
contra um único representante desse estado, mas contra um todo fora dele. Os
árabes, como toda nação verdadeiramente livre, cada um tem uma parte, mas ao
mesmo tempo um todo. Apenas com relação aos objetos, aos mortos, é verdade
que o todo é algo diferente de partes. Nos vivos, pelo contrário(8).

O fato de que Hegel, apenas na história dos povos primitivos, é capaz de ilustrar
o significado sócio-histórico de seu "reino de Deus", chamado a remover
religiosamente as contradições da positividade da sociedade burguesa, mostra
claramente a inconsistência de seu pensamento nesse período. Muitos críticos da
sociedade burguesa buscaram a salvação dessas contradições em sua fuga para
sociedades "orgânicas" não desenvolvidas. Então os românticos buscavam a
salvação na Idade Média.

As tentativas de remover contradições na vida da sociedade moderna através da


religião inevitavelmente empurram o pensamento de Hegel nessa direção. No
entanto, para ele, em muitos aspectos, uma compreensão realista e sensível das
coisas é característica de um apelo às pessoas que vivem em condições de
organização tribal, e não à Idade Média, não ao feudalismo. Hegel pensa que a
relação do homem com a sociedade de uma forma fundamentalmente diferente
daquela que existe na sociedade burguesa, e o desenvolvimento dos opostos que
surgem, tornar-se-á mais proveitoso para a interpretação da história, do direito,
da arte, etc. considera a ascensão da humanidade das sociedades primitivas para
uma sociedade burguesa desenvolvida não apenas como um fato real, mas
também como um progresso histórico e até mesmo mostra que no curso da
história a comunidade cristã tem inevitavelmente que enfrentar as exigências de
uma sociedade cada vez mais desenvolvida.

Assim, surge uma contradição em Hegel: afinal de contas, o "reino de Deus", que
deveria remover as contradições da sociedade moderna, revela-se um estado
histórico da humanidade que se encontra atrasado e em longo prazo. Hegel é
forçado a escolher entre seu ideal religioso e o conceito de progresso na história.

É característico do período de Frankfurt que aqui Hegel não dá uma resposta tão
decisiva como mais tarde. É verdade que não estamos falando do movimento
regressivo da história para um estado primitivo, que supostamente nega a ideia
de progresso histórico. Tanto o pensamento um quanto o outro, mas

207
especialmente o pensamento da necessidade de uma saída histórica dos estados
primitivos, é frequentemente encontrado em seus esboços. Por um lado, ainda
não há um quadro geral abrangente do desenvolvimento histórico, isto é, Hegel
não alinha esses estados na ordem linear em que eles se seguem no progresso
geral da história; por outro lado, suas reflexões religiosas e filosóficas
frequentemente adquirem uma orientação “supra-histórica”, uma tendência a
reconhecer a “eternidade” do princípio religioso. É verdade que esta tendência é
constantemente superada e criticada. No entanto, para o período de
desenvolvimento de Frankfurt das opiniões de Hegel, é característico que a crítica
e a crítica coexistam pacificamente lado a lado no mesmo manuscrito. Embora
Hegel mostre as contradições tragicamente intratáveis da religiosidade, ele
interpreta o fundador do cristianismo como uma figura trágica, a solução religiosa
para o problema prevalece em todo o período de Frankfurt (que é especialmente
visível no "Fragmento do Sistema"), continua a ser a meta mais alta a que sua
filosofia aspira.

Mas as contradições têm outro aspecto para Hegel. Se você observar as


contradições de que fala Hegel, as avaliações negativas do cristianismo que ele
faz, pode parecer incompreensível que todo esse complexo de problemas fosse
tão importante para Hegel. Já apontamos as condições sociais que levaram Hegel
a uma disputa com o cristianismo e à sua dependência do cristianismo. Mas aqui
é necessário levantar a questão novamente: por que Hegel vê nas ações de Jesus
uma tentativa séria de resolver as contradições da vida, as contradições da
sociedade burguesa? A inevitabilidade de tal abordagem do problema está
primariamente ligada ao idealismo de Hegel. Todo o seu desenvolvimento, e
especialmente no período de Frankfurt, é uma ilustração brilhante da declaração
de Lenin: "O idealismo é o pensamento clerical"(9) isto é, o idealismo filosófico, se
for consistente, permanecer fiel a si mesmo, então não pode fugir às exigências
da religião.

Já observamos com Hegel uma crescente compreensão dos problemas da


sociedade burguesa. Sua compreensão de vários fenômenos negativos inevitáveis
dessa sociedade também está se aprofundando: a alienação do homem do
mundo, de outras pessoas, de objetos, a forma alienada do próprio estado e da
sociedade, que deveria ter sido particularmente aguda na Alemanha atrasada.

Décadas mais tarde, Marx dirá sobre o capitalismo na Alemanha: "Em todas as
outras áreas, nós, como outros países continentais da Europa Ocidental, sofremos
não apenas com o desenvolvimento da produção capitalista, mas também com a
falta de desenvolvimento. Junto com os desastres da era moderna, somos
oprimidos pelos desastres que existem porque os antigos modos de produção
ultrapassados e as relações sociais e políticas ultrapassadas que os acompanham
continuam a diminuir. Sofremos não apenas dos vivos, mas também dos
mortos."(10).

208
É claro que a afirmação de Marx é ainda mais relevante para os tempos de
Hegel. O estado da sociedade aqui descrito determina não apenas o que Hegel
deveria e poderia ver na sociedade, mas também sua abordagem a esses
problemas, isto é, seu idealismo filosófico.

Essas contradições da sociedade burguesa, que ficaram claras para Hegel,


deveriam ter aparecido mais nitidamente diante dele porque ele abordou seu
desenvolvimento teórico e crítico a partir da posição e com a ajuda da mais
suprema forma de humanismo burguês, que, embora desmascarasse as ilusões
heróicas de do período pré-revolucionário e do tempo revolucionário, entretanto,
estava longe de se tornar um pedido de desculpas pelas abominações sociais e
culturais da sociedade capitalista. Esse humanismo do período pós-revolucionário
busca resolver as contradições dentro da estrutura da própria sociedade
burguesa. As ilusões de sua reestruturação radical desapareceram em parte
devido ao curso dos acontecimentos em França, em parte devido à situação na
própria Alemanha, onde nenhuma das verdadeiras forças sociais contemplou
seriamente as transformações revolucionárias, ou pelo menos uma reestruturação
radical das relações sociais. Temos repetidamente notado que Hegel estava
caminhando no caminho dos eminentes humanistas alemães Goethe e Schiller.

O desejo de superar a positividade das relações e instituições sociais capitalistas


assume uma forma especial de Hegel no período de Frankfurt. Já observamos e
no decorrer da análise subsequente do desenvolvimento das visões de Hegel,
mostraremos ainda mais claramente como, no processo de desenvolvimento
desse problema, vivendo a dialética histórica, a história social da emergência de
formas alienadas e positivas "mortas" da vida da sociedade recebe cada vez mais
justificativa dele. As formas de vida "mortas" aparecem simultaneamente em
Hegel como produtos necessários da atividade social do próprio homem.

No entanto, a afirmação sócio-histórica da questão de Hegel está intrinsecamente


ligada, devido ao seu idealismo filosófico, a outra questão filosófica geral - sobre
a objetividade em geral. Devido ao fato de que Hegel deve combinar esses dois
conjuntos de questões, que em si mesmas não têm relação um com o outro, mas
inevitavelmente coincidem para qualquer idealismo filosófico, e especialmente
para o idealismo objetivo, a superação das contradições da positividade adquire
um tom religioso estável. Afinal, em Hegel, a remoção da positividade é dirigida
não apenas para provar que tudo o que é positivo é, na realidade, um produto
da atividade humana, mas é idealisticamente hipertrofiado como uma demanda
pela remoção da objetividade em geral.

É claro que essa retirada só pode ocorrer em formas religiosas. Hegel, no período
de Frankfurt, é mais direto e franco do que depois. Ele realmente vê a religião
como o pináculo da filosofia; ele define a remoção da objetividade em geral,
como a união religiosa do homem com Deus. E o fato de que o constante
crescimento do conhecimento da sociedade e da história, a prudência sóbria de

209
Hegel, a sua honestidade teórica entra em flagrante contradição com este
conceito em alguns lugares, não pode mudar nada em sua essência. Aqui está o
principal vício inerradicável do idealismo absoluto. E mesmo em um período
mais maduro - Iena no desenvolvimento de suas concepções filosóficas, quando
Hegel não vê mais o topo de seu sistema filosófico na religião e começa a
considerar o ponto culminante, o propósito do conhecimento humano ser
científico, isto é, dialético, filosofia, Ele dá a este problema uma solução científica
aparentemente mais sóbria. Afinal, a identidade sujeito-objeto do idealismo
absoluto, o retorno do espírito absoluto a si mesmo da alienação completa na
natureza e de uma alienação incompleta na história ao autoconhecimento final é,
em essência, nada mais que o retorno de toda objetividade àquele sujeito
mistificado que supostamente criou ela - a remoção da objetividade em geral.
Mas, apesar do misticismo idealista inerradicável, a interpretação hegeliana da
sociedade e da história como resultado da atividade humana é a base
metodológica de sua compreensão dialética. Ela só pode ser alcançada se for
possível libertar a interpretação da sociedade e da história como “autocriação”
das antigas ilusões educacionais, como se os motivos conscientes da ação
individual formassem as causas reais do processo sócio-histórico e só pudessem
explicar seus resultados quando essa abordagem permitisse revelar fundamentos
diretamente não observáveis, mas reais e objetivos do processo histórico. É
sabido que Hegel nunca poderia dar esse passo, em seu conceito de história o
papel decisivo é desempenhado pelo conceito idealisticamente mistificado do
espírito. Não obstante, é claro - Marx e Engels repetidamente e decisivamente
apontaram isto - que, apesar de toda a sua mistificação, o conceito hegeliano da
história deu um passo decisivo em direção à sua compreensão dialética, ou seja,
o sentido que Hegel não apenas reconheceu que uma pessoa, mas também
enfatiza o fato de que a partir das ações conscientes das pessoas algo maior é
obtido.

É verdade que essa compreensão da história é o resultado de uma fase posterior


no desenvolvimento das visões de Hegel. Para consegui-lo, Hegel teve que
superar a formulação da questão característica do período de Frankfurt, onde
procede do destino do indivíduo, que, no entanto, não pode ser entendido de
maneira inequívoca e mecânica. Naturalmente, esse tipo de questionamento
forma a base de sua pesquisa, uma das razões importantes para suas reflexões, o
que leva ao fato de que a religião em Frankfurt está no ápice de seu sistema.
Mas, para todo o período de Frankfurt, há uma luta contínua para ir além de tal
questionamento, além da subjetividade, que está inseparavelmente conectada
com tal questionamento, e se a solução proposta durante o período de Frankfurt
é apenas uma pseudo-objetividade mística da vida religiosa.

É bem sabido que, durante esse período, a luta está se desdobrando diretamente
em torno da dialética do amor, isto é, do estabelecimento de relações dialéticas
entre a objetividade morta das relações e instituições sociais e a vida real do

210
indivíduo. Já mostramos que o amor coincide com Hegel na superação da falsa
objetividade e positividade.

Essa formulação da questão determina a interpretação hegeliana de Jesus. Ele


descreve a missão de Jesus de maneiras diferentes, mas o significado
metodológico dessas descrições permanece o mesmo. Em um esboço do "Espírito
do Cristianismo", Hegel escreveu: "Jesus opõe os mandamentos à convicção, isto
é, a tendência a agir de certa maneira; essa tendência é justificada em si mesma,
contém em si o objeto ideal, e não algo estranho a ela" na lei moral da razão(11).
No manuscrito principal, Hegel define essa missão de maneira semelhante, mas
apenas mais decisivamente: "A positividade dos judeus, Jesus opõe o homem; as
leis e suas exigências são virtudes, removendo nela a imoralidade de uma pessoa
positiva"(12).

As definições da missão de Jesus em geral correspondem ao conceito de amor já


conhecido por nós. Jesus, de acordo com Hegel, é um grande representante
histórico do princípio do amor, que de modo algum esgota a importância que
Hegel atribui agora à vida e aos ensinamentos de Jesus. Pelo contrário, Hegel
está cada vez mais convencido da fraqueza e da natureza limitada do princípio do
amor para superar a positividade, e a missão histórica de Jesus é vista por Hegel
no período de Frankfurt apenas para remover essa limitação do amor, para
reconciliar suas contradições em um nível superior. Como serão mostradas mais
tarde, todas essas tentativas deveriam ter terminado em fracasso, reproduzindo as
contradições do amor em escala cada vez maior.

A principal falta de amor é o seu isolamento. É transitório no grande fluxo da


vida. "O amor liga pontos isolados e os transforma em momentos [deste fluxo],
mas o mundo, o homem e seu poder, permanecem fora dele"(13). É verdade que,
segundo Hegel, no amor há um desejo de ir além dos limites desse "ponto". Mas
ele mostra repetidas vezes que esse esforço deve falhar. "Portanto, as almas são
lindas que são infelizes apenas porque percebem seu destino ou não estão
satisfeitas com a plenitude de seu amor - elas experimentam momentos
maravilhosos de prazer, mas apenas momentos"(14). Assim, de acordo com Hegel,
o amor carece de objetividade. Ela manifesta o princípio divino no homem, mas
não é capaz de criar verdadeiramente uma relação viva entre sujeito e objeto.
"Esse amor é um espírito divino, mas ainda não uma religião. Para que o amor se
torne uma religião, deve expressar-se de forma objetiva. É um sentimento
subjetivo - deve fundir-se com a pessoa representada, com o universal e assim
adquirir a forma de um ser (Wesens) pode ser adorado e é digno dessa
necessidade do poder da imaginação para combinar em um maravilhoso, Deus
subjetivo e objetivo, e a sensação de seu desejo de objetividade, razão -. a essa
necessidade, a maior demanda do espírito humano, há uma tendência para a
religião"(15). Aqui a tendência central do período de Frankfurt é claramente
expressa: a religião é a esfera na qual a verdadeira objetividade, que é idêntica à
subjetividade, é alcançada.

211
Já neste esboço surge uma hierarquia dialética de formas de comportamento
humano. "A persuasão remove a positividade, a objetividade dos mandamentos;
o amor - a limitação da crença, da religião - a limitação do amor"(16). A mesma
ideia foi elaborada em detalhes no manuscrito: "A moralidade remove a
dominação no domínio do consciente, o amor - os limites da esfera da
moralidade. No entanto, o amor ainda é imperfeito em sua natureza. No amor
feliz não há lugar para a objetividade; qualquer reflexo remove o amor, restaura a
objetividade, mas o domínio das restrições também é revivido lá. Religioso é,
portanto, (plenitude - G.L. ) de amor e une reflexão e amor, conectando-os uns
aos outros no pensamento"(17).

Este conceito é metodologicamente interessante de duas maneiras.


Primeiramente, aqui em Hegel, um princípio metodológico fundamental da
Fenomenologia do Espírito surge na forma já comparativamente desenvolvida, a
saber, o método de desenvolvimento dialético entre si de várias formas de atitude
subjetiva para o mundo - as “formas (Gestalten) de consciência”, como Hegel
mais tarde as chama. Além disso, tal desenvolvimento, quando um nível sempre
atua como uma resolução das contradições dialéticas do nível inferior, e as
contradições que surgem novamente levam a um nível mais alto. É verdade que
essa abordagem existe não apenas em Hegel, mas é uma característica comum
da filosofia de todo esse período. Seus primeiros vestígios já podem ser
encontrados em Kant, e o "Sistema de Idealismo Transcendental" de Schelling
demonstra este método já de forma geral e desenvolvida.

Em segundo lugar, é necessário prestar atenção a outro princípio metodológico,


que está ligado à grande importância que a reflexão assume na derivação
dialética hegeliana da religião. Temos repetidamente assinalado que o
surgimento de uma avaliação correta do valor da reflexão como um momento de
integridade dialética está associado aos trabalhos do período de Frankfurt e
constitui sua característica distintiva. Essa avaliação distingue fundamentalmente
Hegel dos representantes da "filosofia da vida" e dos românticos, com os quais ele
é tão frequentemente identificado pelos ideólogos da era imperialista. O valor da
reflexão é enfatizado muito fortemente aqui. Segundo Hegel, o lado fraco do
amor, sua subjetividade, está precisamente no fato de estar livre da reflexão e,
portanto, o reflexo que procura evitar e que não pode absorver em si mesmo
pode destruí-lo a qualquer momento.(18)

Mas o que é correto nessa tendência é a compreensão da necessidade da reflexão


como um momento dialético: ela antecipa a posterior distinção da dialética
hegeliana. Nesse estágio do desenvolvimento dos pontos de vista de Hegel, esse
entendimento apenas torna mais pronunciada a insolubilidade das contradições
internas inerentes à posição de Hegel no período de Frankfurt. Já a partir das
construções anteriores de Hegel, segue-se claramente que a reflexão é uma forma
de dominar a realidade no pensamento, que está intimamente ligada à existência
de contradições na própria vida, em essência, seu correlato mental. E como, na

212
unidade religiosa da vida, a superação completa e final de qualquer objetividade,
alheia ao sujeito, deve ser alcançada, a remoção da reflexão significa não
remoção dialética no sentido hegeliano (isto é, no sentido de preservação e
ascensão a um nível superior), mas completa aniquilação, e. aquele significado
quem defendeu Schelling. Mas se a reflexão deve ser removida nesse sentido,
então como pode a objetividade livre de objetivos da vida religiosa a que Hegel
se esforça ser realizada?

É claro que, a partir de tais pressupostos metodológicos contraditórios, somente


resultados muito contraditórios se seguem. Num estágio posterior de sua
dialética, Hegel procura unir dialeticamente essas contradições no "conhecimento
absoluto", mas, nesse estágio, o idealismo filosófico também dificulta encontrar
uma solução real. Em Frankfurt, onde ele vê a unidade dessas contradições não
na cognição, mas na vida religiosa, duas radicalmente opostas entre si, surgem
soluções antinômicas. Para este estágio de desenvolvimento das visões de Hegel,
é característico que em seu manuscrito essas decisões opostas coexistam. Hegel
sente e experimenta sua incompatibilidade, em vez de compreendê-la no
pensamento. Portanto, ele apela para categorias muito vagas e contraditórias
(por exemplo, o destino, que agora será analisado em detalhes), portanto, ele
chega a uma decisão trágica, considerando o destino e a personalidade de Jesus.
É verdade que, no “Fragmento do sistema”, desenvolvendo ainda mais essas
contradições que ele está experimentando, ele dá um novo, especificamente sua
própria formulação da teoria da contradição, mas ele será capaz de atingir o nível
máximo possível para a dialética idealista quando superar a natureza emocional
dos fundamentos metodológicos de suas visões de Frankfurt, quando ele supera
o ponto de partida de suas reflexões, ou seja, o destino do indivíduo, cujo
resultado é que ele coloca a religião acima do conhecimento.

Vamos agora considerar em mais detalhes as soluções opostas a que Hegel


inevitavelmente vem. Ele ou leva a objetividade objetiva a sério - e então tudo se
dissolve em um nevoeiro místico. Ou ele permanece fiel à premissa de que a
reflexão não desapareceu completamente na vida religiosa, mas apenas
dialeticamente removida - neste caso, seu conceito de religião é completamente
incapaz de resolver suas contradições dialeticamente, cuja solução pretendia ser
seu propósito. a formulação da subjetividade do amor, preservando seu vício, é a
incapacidade subjetivista de remover a positividade.

Considere a primeira das tentativas de decisão opostas. No esboço do plano do


manuscrito, Hegel polemica com a filosofia de Fichte: “O ser-deve-se tornar um
esforço infinito, se o objeto é completamente intransponível, se a sensualidade e
a mente - ou liberdade e natureza, ou sujeito e objeto - são tão opostos um ao
outro que são absolutos. Sua identidade como absoluta (absolutos) não é
levantada pela síntese, na qual não-objeto e não-sujeito são combinados, não-eu
e não-Eu. Lei é uma relação concebível de objetos um para o outro, e não pode
haver nenhuma relação concebível no reino de Deus, já que não há nada sobre

213
OBJETOS uns aos outros. Maneira concebível é robusto e continuando
desprovido composto fardo espírito do mestre e escravo, atividade e sofrimento,
e singularidade de determinação"(19). No manuscrito principal, Hegel revela mais
detalhadamente a essência da elevação religiosa em detrimento das contradições.
Vamos dar os lugares mais característicos: "Montanha e olho, olhando para ela,
são sujeito e objeto, mas entre o homem e Deus, entre espírito e espírito não há
abismo de objetividade, o espírito se torna diferente para o espírito apenas no ato
do conhecimento"(20).

Aqui, a identidade do sujeito-objeto já é determinada completa e completamente


mística: o conhecimento atual do mundo só pode ser autoconhecimento, e o
idealismo absoluto deve ser construído pelo sujeito, que simultaneamente cria e
conhece o processo mundial. O fato de que tal assunto só pode ser um deus,
Hegel escreve muito brevemente em Frankfurt. Mas desde que a unidade da vida
realmente deve ser uma unidade viva, um relacionamento entre as pessoas, deve
ser baseada na harmonia divina. Essa harmonia é, segundo Hegel, o reino de
Deus. Harmonia ", quando não só a sua (do homem - G.L.) múltiplas
consciências ressoa no espírito, - estas entidades não são apenas iguais, mas
também muitas formas de vida numa só, e pela qual ao mesmo tempo se
suprimem as barreiras divisórias em relação a outros seres, os quais, pois, não
são iguais, senão únicos, e não constituem uma assembléia, mas uma
comunidade, porque não estão unidos em uma generalidade, em um conceito –
enquanto crentes, por exemplo – mas pela vida e o amor. Jesus chama Reino de
Deus a essa viva harmonia dos homens, a sua comunidade em Deus”(21).

Sendo bastante consistente, Hegel aqui chama o mais alto estado do espírito, a
mais alta forma de conhecimento em comparação com o conhecimento comum
pela fé. Ele diz isto: "... a fé é o conhecimento do espírito através do espírito, e
somente igual em espírito pode conhecer e compreender um ao outro; na
ausência dessa igualdade, todos podem apenas entender que ele não é o que é
outro"(22). E Hegel enfatiza que não se trata de igualdade em termos de nível de
razão, etc., mas de igualdade na inspiração religiosa do espírito, da fé. Ele
contrasta esse modo de compreensão mútua das pessoas com a "compreensão
tão penetrante das pessoas, tão glorificada por muitos", que é uma ciência muito
profunda e prática para aqueles seres rasgados cuja natureza envolve grande
diversidade, muitas unilateralidades de cores diferentes sem unidade, para
aqueles que sempre aquilo que eles buscam está escapando - o espírito ... "(23).

Essa oposição é interessante porque aqui novamente se pode observar o


surgimento de um método mistificado de conhecimento, que mais tarde se revela
muito importante no pensamento hegeliano. Subsequentemente, a compreensão
de Hegel do processo histórico, que foi na direção de descobrir "causas implícitas"
(Engels), está associada a uma atitude desdenhosa em relação a uma
psicologização puramente pragmática e mesquinha do processo histórico e dos
atores; É neste contexto que Hegel fala do conhecimento das pessoas

214
características do lacaio. É verdade que esse desprezo tem outro sotaque aqui, diz
respeito à natureza pomposa da unidade religiosa das pessoas no reino de Deus.
No entanto claro

A identidade de sujeito e objeto, subjacente à teoria do conhecimento do


idealismo objetivo, adquire de Hegel, como vimos, uma forma francamente
religiosa, a forma da fé. Com a ajuda da fé, Hegel quer unir o divino em Deus e
no homem para superar o "abismo da subjetividade". "Como alguém pode
conhecer o espírito que não é ele mesmo um espírito? A relação de um espírito
para outro é um sentimento de harmonia, a unidade de ambos; que tipo de
unidade pode haver entre heterogêneos? o fato de que este divino acredita, se
revela, sua própria natureza, mesmo que não perceba que o que ele encontrou é
sua própria natureza"(24).

Hegel é consistente em sua linha religiosa-mística, anulando todas as realizações


anteriores no campo da dialética que ele tanto havia obtido no período de
Frankfurt. Tudo desaparece na névoa mística da objetividade sem objeto, na
destruição de toda objetividade. Nas formulações dadas neste estágio de seu
desenvolvimento, os ensinamentos de Hegel parecem ser puro misticismo. No
mesmo período, ele recusa o momento devido ao qual a religião é capaz de
superar dialeticamente o quadro subjetivo do amor, a saber, a compreensão de
que a religião é uma combinação de dialética de amor e reflexão.

Onde Hegel persegue seriamente a sua ideia de objetividade sem objeto, ele se
recusa completamente a refletir, destruindo, assim, aquilo que ele tinha tão hábil
e habilmente construído antes. Damos apenas uma das citações mais
características: “O Filho de Deus é ao mesmo tempo o Filho do Homem: o divino
revela-se de certo modo como humano. é infinita e finita, e apenas limitada,
finita em si mesma dá o conceito de homem em oposição ao divino. Não há tal
limitação fora da reflexão, na verdade"(25).

Hegel contrasta a reflexão e a verdade em completa contradição com o seu


ponto de partida. Assim, a reflexão deixa de ser um momento necessário de uma
ascensão dialética à verdade (como foi assumida pelos cenários metodológicos
do próprio Hegel e como será revelado em sua interpretação da dialética no
período Iena), ou seja, o momento que se torna falso apenas por sua falsa
absolutização. Aqui, a reflexão, entendida como o oposto absoluto da verdade, é
eliminada da mais alta forma de cognição, do autoconhecimento do espírito.
Portanto, não é por acaso que, em contraste com suas visões posteriores, Hegel
chama o autoconhecimento do mundo como sujeito a um ato de fé, e não ao
conhecimento. É por isso que o principal problema de sua dialética, cujo
desenvolvimento científico o ajudou a superar muitos dos preconceitos do
pensamento metafísico.

215
O outro lado da antinomia é muito mais simples. Hegel nem sempre mistifica a
objetividade; ele é muito sóbrio e realista para levar a sério a reivindicação
religiosa da objetividade sem objeto, especialmente quando se trata de analisar
laços sociais ou históricos. Mas, neste caso, a objetividade morta do mundo
social, sua positividade, que deve ser removida, permanece imutável, e a religião
se expõe como algo limitado, insuficiente, como algo puramente subjetivo, não
digno de amor. A subjetividade, que se tornou estritamente religiosa, ainda se
opõe ao mundo dos objetos e cai sob o seu poder. E assim a nova interpretação
de Deus, obtida com tanta dificuldade, se resume a interpretar Deus como algo
positivo. Vamos citar um, em que Hegel faz uma autocrítica particularmente
aguda - inconsciente - de seu exaltado conceito religioso místico. "Não importa
quão sublimada seja a ideia de Deus, o princípio judaico de se opor ao
pensamento da realidade, o racional para o sensível sempre permanece;
permanece a ruptura da vida, a conexão morta entre Deus e o mundo; sentido
místico"(26).

Hegel fala aqui não sobre o próprio Jesus, mas sobre João Batista, no qual, de
acordo com seus pontos de vista, um nível mais alto e completo de religiosidade
é apresentado: categorias místicas como o filho de Deus, o reino de Deus, criam
objetividade sem objeto à imagem de João Batista. Mas quando se trata da
tragédia de Jesus, veremos que, quanto mais concreto, mais histórico é o
conceito hegeliano, mais difícil para ele aderir a essa tendência mística, em seu
raciocínio, volta-se cada vez mais para o segundo lado da antinomia, para o
mundo dos objetos.

Então, aqui estamos falando não sobre a contradição dialética viva da própria
realidade, que Hegel, talvez, não entendeu completamente, mas sobre uma
oposição afiada e mutuamente exclusiva, sobre duas soluções antinômicas do
mesmo problema que realmente se excluem mutuamente; Em tal contraste, a
insolubilidade objetiva do problema, a falsidade da formulação hegeliana da
questão e a metodologia da época são claramente refletidas. Este contraste não
foi realizado por Hegel, caso contrário ele não teria combinado, no mesmo
manuscrito, soluções mutuamente exclusivas, mas, obviamente, ele tinha a
sensação de que algo não estava certo com essa questão, e ele recorreu a várias
construções teóricas auxiliares para alcançar a reconciliação harmoniosa de
caminhos de pensamento completamente divergentes.

Acima temos repetidamente encontrado essa categoria. Vimos que Hegel via o
estado e a propriedade como destino, e isso não era apenas um método de
designação ficcional para ele, pois procurava expressar dialeticamente uma forma
específica de necessidade histórica, a especificidade da atitude de uma pessoa em
relação à positividade do mundo externo. À primeira vista, parece que Hegel
procura esclarecer os lugares obscuros de sua filosofia da religião recorrendo à
ajuda de conceitos igualmente obscuros e místicos da filosofia social e da filosofia
da história. E, de fato, essa interpretação hegeliana da noção de destino é muito

216
incerta e contraditória. Mas é aqui, apesar de todas as contradições, que o núcleo
verdadeiramente dialético de seu raciocínio se torna aparente, então vale a pena
considerar com mais detalhes o significado que Hegel colocou na palavra
"destino" durante esse período.

O ponto de partida de Hegel é a justaposição de laços puramente mecânicos e


desumanos da sociedade burguesa, especialmente em sua forma mais fetichista
de manifestação (no sistema legal de punições, convertida na essência interna da
ética de Kant) e idealizada por ela - uma relação dialética viva do movimento da
sociedade como um todo. e é inseparavelmente um sujeito e objeto, agindo e
sofrendo. Para a lei, diz Hegel, o culpado é apenas "a personificação do pecado,
o crime personificado"(27). Ele explora as relações sociais gerais entre pessoas,
relações de vida e cobrindo amplamente as pessoas em que o crime permanece,
um crime, mas a natureza humana do criminoso não é destruída de forma tão
mecânica, de uma forma tão desumana. Hegel diz: "A pena é diretamente
encerrado em uma lei violada. O mesmo direito que o criminoso é privado de
outro também é privado do criminoso... isto é, merece punição. A necessidade de
punição está em algo externo e está de acordo com o crime"(28).

Além disso, Hegel conclui que é a partir desta dura necessidade da "Lei de Sua
Majestade", a quem ele tanto admirava e que glorificava Kant, que a chance na
vida inevitavelmente se segue. "A necessidade da punição é estabelecida, mas a
realização da justiça não é algo necessário, porque a justiça como uma
modificação dos vivos pode desaparecer; outra modificação pode ser feita; assim,
a justiça adquire o caráter de um acidente; isto é, de estar em vida, pode haver
uma contradição ..."(29). É claro que essa abordagem de Hegel está intimamente
ligada à controvérsia contra a ética kantiana e fichteana, que já foi considerada
em detalhes. No futuro, esse contraste será a base da mais importante instalação
de Hegel, que recusa resolutamente deduzir definições separadas e concretas da
lei dos conceitos de lei, que eram característicos de Kant e especialmente Fichte,
enfatizando a natureza sócio-histórica, mais ou menos aleatória, do direito
positivo.

Mas estamos interessados no conceito geral de destino com Hegel no período de


Frankfurt. Sua análise do direito e do crime constitui apenas um ponto de
partida, um diferente, adicional, em relação ao conceito de destino. Hegel precisa
mostrar que na vida pública existe uma forma de necessidade mais ampla, viva e,
portanto, genuína do que aquela que é expressa na forma legal da lei. A
reavaliação do Estado, a lei legal é uma característica comum do Iluminismo, a
filosofia de Kant e Fichte, a ilusão geral do período pré-revolucionário da
ideologia burguesa. A controvérsia liderada por Hegel aqui faz parte do processo
geral de libertação de uma série de tradições iluministas, que ele ingenuamente
fascinou em Berna e que ele gradualmente supera em Frankfurt, desenvolvendo
seu próprio método dialético; já anotado e será mostrado mais tarde.

217
Para Hegel, a categoria do destino é uma expressão de necessidade viva ampla,
dialética. "No entanto, o destino tem um alcance maior do que a punição;
ultrapassa até mesmo aquele cuja culpa não está ligada a um crime, portanto o
destino é muito mais rigoroso do que punição. E às vezes parece que sua
gravidade limita a injustiça escandalosa; isso acontece quando o destino pune
severamente a culpa mais sublime, a culpa dos inocentes, já que as leis são
apenas combinações mentais de opostos, esses conceitos estão longe de esgotar a
diversidade da vida ... mas sobre aquelas relações de vida que não são
separadas, sobre aquelas vida Toroni, que são dados em uma conexão ao vivo
fora dos limites da virtude, a punição não tem efeito. O destino da mesma, como
a vida, a integridade e ilimitado ... onde a vida é ofendido com o que seria certo,
com qualquer convicção na legalidade de suas ações, isso foi feito, o destino
aparece lá. Portanto, temos o direito de dizer que não há sofrimento inocente, o
sofrimento é sempre culpa. No entanto, a dignidade de uma alma pura é a mais
elevada, mais conscientemente ela ofende a vida em seu desejo de preservar o
mais alto, e quanto mais negro o crime, mais conscientemente a alma baixa
ofende a vida"(30). Qualquer um que esteja familiarizado com a filosofia posterior
da história ou a estética de Hegel pode perceber os contornos de seu conceito de
necessidade histórica, sua teoria do trágico etc.

Em contraste com o poder vingador da punição, por um lado, e o destino, por


outro, a natureza viva e abrangente do destino é importante. É precisamente nele
que se encontra a principal orientação das visões de Hegel no período de
Frankfurt, muitas vezes inconscientemente manifestada: “a vida” é um processo
de movimento social como um todo em oposição à aparência inerte, na qual seus
momentos isolados se manifestam. Para Hegel, é principalmente importante que
a lei surja "mais tarde na vida e seja menor do que ela". A este respeito, Hegel
aproxima-se de uma formulação posterior da compreensão dialética da lei: "Ele é
apenas uma lacuna (die Lucke) na vida, a vida está faltando como uma força. A
vida pode curar suas feridas novamente, uma vida hostil pode retornar a si
mesma ... falta é percebido como parte da vida, como não-sendo”(31).

Como o destino coincide em Hegel com o movimento dialético de uma vida


holística, toda a sociedade, autodestruição e restauração da vida, com a contínua
auto-reprodução dialética da sociedade, não surpreende que ele enxergue o
destino como algo essencialmente humano, apesar de toda punição ser ainda
mais severa. punição. “No destino, o homem conhece a própria vida, e uma
oração ao destino não é uma oração ao seu mestre, mas um retorno e uma
aproximação a si mesmo”(32). Em casos específicos, a rocha pode ser causada
pela ação de outra pessoa. Mas isso não muda nada no fato de que cada pessoa
tem seu próprio destino. Hegel enfatiza constantemente que, do ponto de vista da
atitude de uma pessoa em relação ao destino, não importa se ele se relaciona
com essa força ativamente ou passivamente; no conceito hegeliano desses anos,
a luta ou a rejeição afetam igualmente o destino do homem.

218
Essa característica essencial do destino é expressa por Hegel, ao rejeitar
radicalmente a subordinação mecânica de Kant do indivíduo à sociedade, na
qual a sociedade representa constantemente apenas o universal, e o indivíduo
apenas especial e atinge o universal apenas pela submissão incondicional aos
princípios universais (o imperativo categórico). Hegel vê a relação do indivíduo e
da sociedade como uma dialética do universal e do particular. No contexto do
destino, o indivíduo e a sociedade são entendidos como forças opostas; a força
opõe-se à força e, nessa luta, a unidade viva do todo é constantemente
renovada. "A pena, apresentada como destino, é de um caráter completamente
diferente; na imagem do destino, a punição é uma força hostil - algo individual...
Em uma força tão hostil, o universal não é, portanto, separado do especial, assim
como a lei como universal opõe o homem ou suas inclinações como especiais. O
destino é apenas um inimigo, e o homem se opõe a ele como uma força de
combate; a lei, como universal, domina o particular e se submete na pessoa da
pessoa, exigindo dele obediência"(33).

Contrastar o indivíduo e a sociedade como forças opostas não é apenas mais


adequado à vida real da sociedade do que o conceito de Kant, onde qualquer
desvio da lei aparecia apenas como algo indigno e onde a mudança histórica da
sociedade era entendida como o resultado de seu próprio movimento, sua auto
geração contraditória. No conceito de Hegel, há outro lado - a conexão de todas
as manifestações da vida do indivíduo na sociedade. Sensação e experiência
(inicialmente apenas sensação e experiência) de que a unidade da vida social
encontra sua manifestação objetiva em tudo o que acontece com um indivíduo,
mesmo quando se trata de fenômenos puramente individuais e particulares.
Hegel está engajado nessa ideia precisamente dentro da estrutura do problema
do crime, definindo crime e punição como destino.

Em um momento em que as contradições da sociedade burguesa já estão abertas


e suas fundações econômicas e de classe profundas não foram identificadas e
ainda não podem ser identificadas, isto é, foi durante a época de Hegel na
Alemanha que a dialética do crime se torna o foco, onde elas são expressas em
forma filosófica e literária. essas contradições. Esse problema é abordado em
vários trabalhos notáveis - de Schiller a Michael Kohlhaas, de Kleist. Mas não se
trata de um problema puramente alemão - basta apontar a literatura européia de
Byron a Balzac.

O fato de que as contradições da sociedade burguesa são mais claramente


reveladas ao considerar o problema de um criminoso e um crime não é de forma
alguma uma coincidência ou um capricho de Hegel, ele enfatiza o impacto vivo
sobre o criminoso da sociedade como um todo, expõe a ilusão de que aqui
estamos falando de algo individual. "A ilusão de um criminoso que, matando a
vida de outra pessoa, está pensando em expandir a sua, tem o efeito que o
espírito de vida destruído aparece diante do criminoso; aparece como Banco,
que veio a Macbeth como um amigo e quem o assassinato não destruiu: ele

219
imediatamente ele tomou o seu lugar, mas não como cúmplice de uma festa, mas
como um espírito maligno. O criminoso acreditava que ele atacaria a vida de
outra pessoa, mas destruiu apenas a sua própria, já que a vida é inseparável da
vida, pois a vida existe apenas numa única divindade”.(34)

Considerando o significado do conceito de destino para o desenvolvimento de


Hegel, devemos distinguir dois pontos: em primeiro lugar, a inter-relação dialética
abrangente, que, embora ainda absurdamente confusa e inconsistente, começa a
aparecer nesse conceito e, em segundo lugar, aquela forma particular de sua
manifestação. em Frankfurt, por causa do qual as conclusões dialéticas contidas
aqui são distorcidas.

O primeiro ponto é muito óbvio nas citações acima. Hegel está falando de uma
relação abrangente e viva da vida social, na qual suas partes mortas e positivas,
como momentos desse relacionamento vivo, perdem seu caráter morto e positivo
e se tornam momentos de movimento de um todo vivo. Aqui, Hegel embarca em
um caminho que o levará à única compreensão possível da sociedade como um
todo na Filosofia do Direito, ao entendimento que ele formula em seus anos de
maturidade como segue: que esta dividida é uma certeza sólida e persistente que
“não é mortalmente forte, mas constantemente se gera em decadência"(35).

É claro que as citações acima do manuscrito de Frankfurt estão muito claras a


partir desse pensamento. Repetimos: neste momento, Hegel era mais propenso a
sentir e experimentar essa relação e suas definições específicas do que seu claro
entendimento. Observando a imprecisão e imprecisão dos pensamentos de Hegel
durante este período, devemos, no entanto, ver claramente a direção em que
esses pensamentos estão se desenvolvendo. Além disso, aqui novamente Hegel
procura especificar mais a dialética do universal e do particular e de todas as
maneiras possíveis quer não apenas superar a absolutização Kanto-Fichteana das
definições reflexivas, mas também entender a importância de sua interconexão
dialética. Em várias declarações, Hegel tenta interpretar o positivo nos fenômenos
sociais como um momento necessário de uma inter-relação geral e removê-lo
dialeticamente como tal. Esta linha é completamente contrária às aspirações
religiosas e filosóficas, todas as tentativas de dissolver a reflexão na objetividade
objetiva da vida religiosa. É nessas afirmações, nas quais as últimas ideias
principais de Hegel aparecem ainda de forma extremamente obscura e
assistemática, torna-se óbvio que a observação de Engels sobre a contradição
entre o sistema e o método em Hegel se aplica a todos os estágios do
desenvolvimento de suas visões. A abordagem do desenvolvimento do método
dialético é frutífera no conceito de destino de Frankfurt, mas é a abordagem
desenvolvida por Hegel com o objetivo subjetivo de reforçar o conceito religioso
que, em sua essência, contradiz esse objetivo. em que as ideias principais
posteriores de Hegel ainda aparecem de forma extremamente obscura e
assistemática, torna-se óbvio que a observação de Engels sobre a contradição
entre o sistema e o método de Hegel se aplica a todos os estágios do

220
desenvolvimento de seus pontos de vista. A abordagem do desenvolvimento do
método dialético é frutífera no conceito de destino de Frankfurt, mas é a
abordagem desenvolvida por Hegel com o objetivo subjetivo de reforçar o
conceito religioso que, em sua essência, contradiz esse objetivo. em que as ideias
principais posteriores de Hegel ainda aparecem de forma extremamente obscura
e assistemática, torna-se óbvio que a observação de Engels sobre a contradição
entre o sistema e o método de Hegel se aplica a todos os estágios do
desenvolvimento de seus pontos de vista. A abordagem do desenvolvimento do
método dialético é frutífera no conceito de destino de Frankfurt, mas é a
abordagem desenvolvida por Hegel com o objetivo subjetivo de reforçar o
conceito religioso que, em sua essência, contradiz esse objetivo.

No entanto, este é apenas um aspecto do conceito de destino de Frankfurt, cujo


aspecto é o mais frutífero, olhando claramente para o futuro. A outra é que Hegel
reduz novamente o caráter vital, os conceitos de destino para o indivíduo, e isso
se deve ao fato de que os fundamentos desse conceito são colocados em inter-
relações sociais objetivas. A questão central para Hegel em Frankfurt é o destino
do indivíduo na sociedade burguesa. Quando Hegel estuda os problemas da
sociedade burguesa, muitas vezes supera a estreiteza desse ponto de vista, e é
nesses casos que ele consegue, embora de forma ainda obscura e intuitiva,
apreender as verdadeiras inter-relações dialéticas. E ele conscientemente procura
aplicar essa abordagem para resolver seu problema principal. Mas como
resultado, seu próprio conceito é distorcido, acaba por estar abaixo do nível que
ele teoricamente já alcançou.

Isso também se aplica ao problema do destino. Quando Hegel chama o destino


de "humano" em oposição ao sistema legal, o sistema de punição, este
pensamento, muito vagamente declarado, contém um grão racional, contém-o na
medida em que "humano" significa vida social. Mas, assim que esse pensamento
chega diretamente ao indivíduo, essa apresentação vaga se torna imediatamente
mística, especialmente quando Hegel fala do destino, o que acontece com muita
frequência, além disso, é isso que compõe a compreensão de Hegel sobre o
destino. Da natureza "humana" do destino, Hegel deduz a possibilidade de
"apaziguamento" do destino.

No abstrato, a ideia de apaziguamento não contradiz o caráter social da noção de


destino, que se manifesta mais claramente no fato de que, argumentando com a
positividade da punição e com o elogio cantonês da positividade. Hegel não luta
com conteúdo social, mas com uma forma de positividade. Está no mesmo
terreno burguês como a filosofia de Kant. Ele não se esforça para uma
organização radicalmente diferente da sociedade, mas no máximo - para certa
modificação dela, especialmente para uma compreensão filosófica diferente dos
fenômenos desta sociedade e suas interconexões.

221
O misticismo está no modo como Hegel interpreta essa paz. E o problema se
resume ao fato de que é possível apaziguar o destino, que é a autodestruição da
vida, com amor. "O fato de o hostil ser sentido como vida cria a possibilidade de
reconciliação com o destino ... Esse sentimento de vida, que se encontrou
novamente, é o amor, e nele o destino encontra sua pacificação ... Assim, o
destino não é algo estranho, como punição, não um real bem definido, como um
ato maligno sentido pela consciência. O destino é autoconsciência, mas como
algo hostil, o todo pode restaurar a amizade em si mesmo, pode retornar à sua
vida pura através do amor, fé em si não se contemplando o próprio será
diferente, e o destino será pacificado."(36)

Pode-se ver que, quando Hegel conscientemente aguça sua compreensão do


destino, ele novamente tem que descer das alturas já alcançadas por ele: a
necessidade social do destino aparece como uma espécie de “senso de destino”,
como a experiência individual do que está acontecendo com ele. A reconciliação
com o destino, decorrente da experiência subjetiva, é alcançada através do amor.
A autodeterminação por si só já leva a uma completa distorção das conexões
reais, uma vez que tal necessidade de destino individual não pode ser deduzida a
partir de definições objetivas de desenvolvimento social. Graças a esse
subjetivismo, eles absolutizam e aparecem como necessários precisamente
características aleatórias no destino do indivíduo, a aleatoriedade que Hegel
posteriormente percebe claramente em sua filosofia social e na filosofia da
história.

Não é de surpreender que tal definição de destino (não apenas seu lado
subjetivo, mas também aqueles momentos em que os germes de uma
compreensão posterior da sociedade e da história estejam contidos) logo
desapareça do vocabulário filosófico de Hegel. A dialética social de Hegel
absorveu essas tendências frutíferas, mas o termo “destino” não é mais usado
nela. A ideia de apaziguamento do destino, alcançada através do amor, também
desaparece completamente, portanto, em Iena, Hegel considera os fenômenos
sociais de um ponto de vista consistentemente sócio-histórico, e não individual(37).

Usando o conceito de destino no período de Frankfurt para a fundamentação


sócio-histórica de sua filosofia da religião, Hegel revela a contradição geral de seu
método e seu sistema. Embora Hegel reconstrua seu conceito de destino de
modo que seu ponto crucial torne-se a pseudo-objetividade de apaziguamento do
destino alcançado pelo amor, mas aplicando esse conceito à história, ele não é
mais capaz de evitar a dialética objetiva, que na época começou a ser
desenvolvida por ele. A dialética social objetiva esclarece a essência da solução
extremamente religiosa encontrada por Hegel: seu significado está na rejeição
voluntária da luta contra o destino incorporada na sociedade e em circunstâncias
históricas. Mas Hegel, desenvolvendo o conceito de destino, indicou claramente
que a rejeição da luta, a fuga do destino, é também destino, assim como a luta.
Assim, escape de forma alguma representa uma posição mais correta. Hegel

222
também mostrou claramente que qualquer recusa em lutar, o fechamento do
assunto sobre si mesmo inevitavelmente deixa por cumprir a falsa objetividade, a
positividade do ambiente social.

E quando Hegel tenta descrever com base em tais pressuposições metodológicas


contraditórias a imagem e destino de Jesus, que, segundo Hegel, é a
incorporação histórica do critério da vida religiosa, então essa tentativa não
resulta na incorporação da vida religiosa, não superando a positividade através
da religião livre de objetos, As intenções de Hegel são uma imagem trágica, a
incorporação da insolubilidade das contradições. Em contraste com as intenções
religiosas e filosóficas de Hegel, surge uma imagem trágica historicamente
condicionada.

As palavras introdutórias do fragmento dão uma definição clara das condições


históricas dessa tragédia. Hegel procede da tensa situação revolucionária em que
o judaísmo estava localizado na época da vinda de Jesus. O raciocínio
correspondente de Hegel deveria literalmente ser citado principalmente porque
tal abordagem histórica é característica das tendências que o opõem, e porque
aqui você pode encontrar uma versão peculiar dessa nova compreensão mais
histórica da positividade com a qual já nos encontramos em dois fragmentos de
seus folhetos políticos. . Aqui está muito claramente afirmado que o
fortalecimento da positividade constitui o fator social que leva à revolução, ou,
melhor dizendo, o amadurecimento das condições para a revolução está
associado a um aumento na positividade do estado social. "No momento em que
Jesus apareceu diante da nação judaica, foi no estado que é uma condição para
a realização de uma revolução mais cedo ou mais tarde e sempre tem um caráter
universal. Quando o espírito deixa a constituição, as leis e, tendo mudado, não
correspondem mais a elas. então há uma busca, um desejo por outra coisa, a
aquisição de qualquer outra coisa, graças a isso, uma variedade de imagens,
modos de vida, aspirações, necessidades que, se divergirem tanto, não podem
coexistir, gerar uma explosão e dar o começo de uma nova forma universal, um
novo vínculo de pessoas; quanto maiores esses laços, maior o escopo que
deixam desconectados, maior o escopo para o surgimento de novas
desigualdades e futuras explosões " leis e, tendo mudado, já não lhes
corresponde. então há uma busca, um desejo por outra coisa, a aquisição de
qualquer outra coisa, graças a isso há uma variedade de imagens, modos de
vida, aspirações, necessidades que, se divergirem tanto, não podem coexistir,
gerar uma explosão e dar o começo de uma nova forma universal, um novo
vínculo de pessoas; quanto maiores esses laços, maior o escopo que deixam
desconectados, maior o escopo para o surgimento de novas desigualdades e
futuras explosões " leis e, tendo mudado, já não lhes corresponde. então há uma
busca, um desejo por outra coisa, a aquisição de qualquer outra coisa, graças a
isso há uma variedade de imagens, modos de vida, aspirações, necessidades que,
se divergirem tanto, não podem coexistir, gerar uma explosão e dar o começo de
uma nova forma universal, um novo vínculo de pessoas; quanto maiores esses

223
laços, maior o escopo que deixam desconectados, maior o escopo para o
surgimento de novas desigualdades e futuras explosões " geram uma explosão e
dão origem a uma nova forma universal, novos laços de pessoas; quanto maiores
esses laços, maior o escopo que deixam desconectados, maior o escopo para o
surgimento de novas desigualdades e futuras explosões " geram uma explosão e
dão origem a uma nova forma universal, novos laços de pessoas; quanto maiores
esses laços, maior o escopo que deixam desconectados, maior o escopo para o
surgimento de novas desigualdades e futuras explosões"(38).

Neste contexto, Hegel pinta a tragédia de Jesus. "Desde que Jesus entrou na luta
contra o gênio de seu povo em toda sua essência e rompeu completamente com
o mundo judaico, o fim de seu destino só poderia ser inequívoco - ele teve que
ser destruído pelo gênio hostil do povo. A glorificação do filho do homem nesta
desgraça não é negativa, não reside no fato de que ele quebrou todos os laços
que o ligam ao mundo, a glorificação é positiva, reside no fato de que ele se
recusou a subordinar sua natureza ao mundo contrário a ela, escolheu mantê-la
em luta e desgraça, em vez de curvar-se perante o danificado ou
inconscientemente permitir que essa corrupção de superar a si mesmos e para
desviar. Jesus estava ciente da inevitabilidade da sua morte como um indivíduo,
e procurou convencer seus discípulos"(39).

Aqui, a tragédia de Jesus parece um pouco mais teológica: é o auto-sacrifício do


indivíduo em prol da salvação, “libertação” da corrupção do mundo. Mas
quando Hegel desenvolve seus pontos de vista, ele fala novamente da salvação
de Jesus, que escapou das formas específicas de seu ambiente social e histórico.
Portanto, Hegel, falando de Jesus, deve recorrer às mesmas afirmações
categóricas com as quais ele caracterizou a pura subjetividade do amor: "Assim,
ele só encontraria liberdade no vazio". E então Hegel descreve a tragédia de
Jesus de uma forma completamente diferente.

“O destino de Jesus era sofrer do destino de seu povo - ou fazê-la seu, suportar
sua inevitabilidade, compartilhar seus prazeres e unir seu espírito com seu
espírito, mas ao fazer isso ele teria que sacrificar a beleza, sua conexão com o
divino; alienar o destino de seu povo e manter sua vida subdesenvolvida e
inexplorada. Em ambos os casos, ele não foi dado para cumprir a missão dada a
ele pela natureza: ele podia sentir apenas fragmentos dele, e isso foi profanado,
ou completamente realizado, em sua imagem como uma visão radiante, cuja
essência é a verdade mais elevada, no entanto, ele teve que desistir ou a
oportunidade de sentir, traduzir-se em realidade, agir e realidade. Jesus escolheu
o último, e seu destino era a separação de sua natureza do mundo ... No entanto,
quanto mais profundo ele sentiu essa separação, mais difícil se tornou para ele
carregá-lo com calma, e todas as suas atividades foram uma recusa corajosa
dada por sua natureza ao mundo. Sua luta era pura e sublime, pois ele conhecia
seu destino em sua totalidade e se opunha a ele mesmo ... A luta do puro com o
impuro é um espetáculo exaltado; entretanto, pode facilmente tornar-se

224
aterrorizante, se os ímpios reconhecem o sagrado, e a fusão de ambos,
reivindicando pureza, resiste violentamente ao destino, já tendo sido derrotada
por ele ... O que apenas parcialmente abandonou seu destino e parcialmente está
em união com ele percebendo ou não percebendo essa confusão, produz
destruição terrível em si mesma e na natureza; misturando a natureza com o que
não é a natureza, o golpe entregue ao segundo cairá sobre o primeiro, o trigo
será esmagado junto com o joio e o santo dos santos da natureza será
contaminado”.(40)

Com esta interpretação trágica da pessoa de Jesus, todo o conceito de vida


religiosa, cujo notável representante histórico, segundo Hegel, era Jesus, colapsa.
Acontece que a superação religiosa da pura subjetividade do amor, uma tentativa
de criar uma objetividade não objetiva apenas reproduz as contradições do amor
em um novo nível, ou seja, retêm a positividade das definições sociais,
interagindo com as quais a subjetividade do amor desafia o destino apenas
fugindo dela. Aqui as contradições do amor aparecem na indecisão trágica. A
recriação da imagem de Jesus em pensamento não serve para Hegel como prova
histórica da realização da vida religiosa, mas antes um correlato filosófico das
imagens trágicas criadas pelo amigo de sua juventude Gelderlin, e em particular a
imagem de Empédocles. Verdadeiro Há uma diferença significativa entre Hõldel
e Hõldel, pois Hõlder permaneceu fiel aos ideais da Revolução Francesa antes de
sua morte trágica e, conscientemente, fez dessa tragédia o centro de sua poesia,
enquanto Hegel, em Frankfurt, tentou reconciliar as contradições da sociedade
burguesa, apresentando o conceito de vida religiosa. intenções conscientes ainda
chegaram a uma visão de mundo trágica, que é devido à contradição objetiva
entre o sistema e o método realmente usado, até o fim consistente na sua
aplicação, apesar do método de contraste dos seus resultados. A tragédia da
conclusão final, ao contrário de Holderlin, por muito tempo, Hegel não se
realizou. desde que Holderlin permaneceu fiel aos ideais da Revolução Francesa
antes de sua morte trágica, ele conscientemente fez dessa tragédia o centro de
sua poesia enquanto Hegel no período de Frankfurt procurou reconciliar as
contradições da sociedade burguesa, apresentando o conceito de vida religiosa,
mas apesar de suas intenções conscientes, ele chegou a uma trágica visão de
mundo. isso se deve à contradição objetiva entre o sistema e o método
efetivamente utilizado, até o fim por sua aplicação consistente, apesar de a
falsidade do método aos seus resultados. A tragédia da conclusão final, ao
contrário de Holderlin, por muito tempo, Hegel não se realizou. desde que
Holderlin permaneceu fiel aos ideais da Revolução Francesa antes de sua morte
trágica, ele conscientemente fez dessa tragédia o centro de sua poesia enquanto
Hegel no período de Frankfurt procurou reconciliar as contradições da sociedade
burguesa, apresentando o conceito de vida religiosa, mas apesar de suas
intenções conscientes, ele chegou a uma visão de mundo trágica. isso se deve à
contradição objetiva entre o sistema e o método efetivamente utilizado, até o fim
por sua aplicação consistente, apesar de a falsidade do método aos seus

225
resultados. A tragédia da conclusão final, ao contrário de Helderlin, por muito
tempo, Hegel não se realizou.

Mas, quando estudamos o "Fragmento do Sistema" de Frankfurt, podemos ver


que Hegel ainda está procurando uma solução para as contradições da vida
moderna em um espírito religioso. O resultado real do período de Frankfurt está
na constante luta interna, na incessante crítica inconsciente das tendências que
conscientemente constituíram a essência de todas as suas aspirações naquela
época. Os opostos insolúveis permanecem em seus esboços, mas é precisamente
porque Hegel, sem se preocupar com a antinomia, expande vigorosamente cada
lado da oposição, coletando incansavelmente e processando teoricamente
material empírico para sua especificação, seu método dialético se desenvolve em
um emaranhado de contradições.

Um desses opostos é que, em um esforço para dotar a vida religiosa de um


caráter objetivo, Hegel é inevitavelmente forçado a enfatizar seu caráter social. A
subjetividade do amor é expressa, segundo Hegel, precisamente pelo fato de
representar uma relação transitória entre indivíduos separados, tomada como
pontos isolados. Hegel apenas uma vez neste período fala do amor como o
princípio básico da sociedade, vendo nele a base da família. Mas a vocação da
vida religiosa é ser a base de um novo tipo de relações sociais entre as pessoas (o
reino de Deus, comunidade, igreja, etc.). E a trágica contradição entre a vida
pessoal e o destino histórico de Jesus é novamente reproduzida, encontrando sua
expressão no fato de que é impossível alcançar com base nisso mais do que a
criação de uma seita. Hegel entendeu o caráter sectário do cristianismo já em
Berna. Em seguida, ele criticou severamente e rejeitou-o, defendendo as antigas
visões republicanas. Agora, sua atitude em relação ao sectarismo é mais positiva,
e ele não fecha os olhos para o fato de que a educação da seita ocorre dentro de
uma determinada sociedade.

O reconhecimento do valor social das pequenas comunidades que servem de


modelo era geralmente característico dessa época. Podemos recordar o “Wilhelm
Meister” de Goethe, onde uma pequena comunidade de pessoas espiritualmente
e moralmente importantes não só está envolvida na educação mútua abrangente
de seus membros no espírito do humanismo, mas também persegue um objetivo
social, a eliminação voluntária e completa dos remanescentes feudais, a
transferência da produção agrícola para os trilhos capitalistas ( na escrita de
Goethe muito mais tarde, mas já concebida pela continuação deste trabalho, nos
"Anos de peregrinações de Wilhelm Meister", a comunidade já estabeleceu metas
para si mesma que estão se aproximando às ideias do socialismo utópico).

As ilusões do humanismo alemão desse período encontraram a mais clara


expressão teórica em Schiller. Nas Cartas sobre Educação Estética, ao "estado
natural" feudal-absolutista, ele contrasta o ideal estético humanista do Estado. E
conclui sua análise nas seguintes palavras: "Mas tal estado de perfeita visibilidade

226
existe e onde pode ser encontrado? A necessidade disto existe em toda alma
afinada; de fato, você provavelmente pode encontrá-la ... talvez em alguns
poucos círculos ..."(41)

Se olharmos de perto os comentários de Hegel sobre as consequências sociais da


reforma moral de Jesus, sobre a remoção do dualismo kantiano de razão e
sensualidade, dever e inclinação, então sua proximidade com as ilusões
humanísticas de Goethe e Schiller é impressionante. Já falamos sobre a
similaridade de seu desejo de superar a ética de Kant. Agora, considere o
pensamento de Hegel sobre as consequências sociais dessa superação. Hegel fala
de Jesus: "Que a reconciliação perde em universalidade, porque na reconciliação
a lei perde sua forma, o conceito é substituído pela vida (no conceito de
universalidade abrange tudo o que é especial) - apenas perda aparente, mas na
realidade - um ganho genuíno infinitamente maior graças à riqueza dos laços
residenciais, mesmo com os poucos indivíduos com os quais a reconciliação entra
em relação"(42). As semelhanças com as ilusões humanísticas de Goethe e Schiller
são tão óbvias que não exigem comentários.

É muito mais importante delinear brevemente a diferença em suas orientações


dentro dessa similaridade, a fim de revelar a natureza específica do
desenvolvimento das visões de Hegel. O significado humano e social das ilusões
humanistas em Schiller e especialmente em Goethe tem um caráter
incomparavelmente mais sóbrio e realista do que em Hegel; especialmente em
Goethe, ele é incomparavelmente mais livre do preconceito religioso do que era
o caso de Hegel em Frankfurt. Portanto, eles trataram o cristianismo mais
criticamente que Hegel.

Mas isso é apenas um lado da história. Não devemos esquecer que é


precisamente no esforço de Hegel para destacar a vida religiosa que se expressa,
no entanto, de uma forma extremamente confusa e mística, a tendência de seu
pensamento, que o coloca acima de Goethe e Schiller, porque tem um caráter
genuinamente social, acaba sendo um desejo real de resolver problemas
sociedade burguesa. Para Hegel, a organização de pequenos círculos, nos quais
os ideais humanísticos podem se tornar efetivos, nunca foi o objetivo final. Ele
sempre lutou por tal moralidade, por tais relações humanas que abraçariam a
sociedade burguesa como um todo. Essa orientação acarreta essas conclusões
místico-religiosas, que já foram ditas em detalhes, e contêm a contradição entre o
sistema e o método sempre inerente ao seu pensamento.

É graças a isso que Hegel está acima de Goethe e Schiller, tanto na compreensão
da sociedade burguesa quanto no desenvolvimento do método dialético. A
complexidade e o desenvolvimento desigual do método dialético na Alemanha
podem ser demonstrados comparando o desenvolvimento das visões de Goethe
e Hegel. As visões de Goethe estão incomparavelmente mais próximas do
materialismo e mais livres de qualquer ideologia religiosa. No entanto, Hegel

227
chegou a tal estágio no desenvolvimento do método dialético, que Goethe,
apesar de seu sentido dialético, inerente e desenvolvido por sua pesquisa, nunca
alcançou, que ele não conseguia compreender plenamente, mesmo quando teve
a oportunidade de se familiarizar com esse método. Hegel).

Portanto, ao examinar todas as tendências místicas, emaranhadas e


contraditórias nas concepções de Hegel do período de Frankfurt, nunca se deve
esquecer que sua principal tendência é compreender os problemas da sociedade
burguesa em sua integridade e em seu movimento. Esta linha leva à reconciliação
com a sociedade burguesa, mas à reconciliação, desprovida de qualquer engano,
apologética e baseada na identificação de suas contradições dialéticas. A
orientação humanista básica de Hegel, sua crítica humanista da sociedade
capitalista, é constantemente realizada na consciência e expressão dessas
contradições. Por mais emaranhados e idealisticamente exaltados sejam as
principais categorias desenvolvidas durante o período de Frankfurt (por exemplo,
o amor), é necessário notar em suas obras um protesto humanista contra a falta
de alma, a fealdade e a desumanidade de uma sociedade capitalista. E se Hegel
ainda busca a reconciliação com ele, significa acima de tudo o reconhecimento
da existência real e, em última análise, a progressividade da sociedade capitalista.

Os comentaristas burgueses de Hegel vulgarizaram essa posição. Do fato de que


Hegel rejeitou a ética de Kant em sua juventude e mais e mais resolutamente
considera os problemas morais apenas como parte do todo social, eles concluem
que ele não viu e não reconheceu as contradições entre a moral dominante e as
visões da sociedade burguesa, de um lado, e moralidade, do outro. A
vulgarização das visões hegelianas reside no equívoco de que uma das razões
para a rejeição hegeliana de Kant da moralidade é que, em virtude de seu
formalismo, estabelece não apenas um elo artificial, mas também rígido,
mecanicamente interpretado, não contraditório entre instituições morais e sociais.

Quando Hegel interpreta a moralidade individual como um momento do todo,


como um momento de moralidade e, portanto, subordina-a ao todo, esse
pensamento deve revelar a inter-relação comovente e contraditória entre eles.
Vigorosamente falando contra o formalismo de Kant e contra o raciocínio
romântico individualista vazio na moralidade, Hegel não recusa a crítica
humanista da sociedade burguesa.

No período de Frankfurt, quando para Hegel a atitude do indivíduo em relação à


sociedade burguesa é básica, essa orientação do pensamento de Hegel se
manifesta com extrema franqueza. Esse tipo de direção de seus pensamentos
pode ser observado na análise do problema do crime. Mas Hegel vai muito além
dessa região. Por trás de suas categorias de amor e vida religiosa está o desejo de
justificar não apenas o direito objetivo da sociedade em relação a um indivíduo,
mas também a legitimidade das demandas humanistas do indivíduo em relação à
sociedade. A tragédia de Jesus está associada a uma colisão de opostos. Esse

228
contraste é revelado por Hegel em vários lugares do manuscrito de Frankfurt.
Então, ele conta a parábola do Novo Testamento de Maria Madalena. Tirando
sarro de seus pequenos acusadores burgueses, Hegel escreve: " Ou seria melhor
que Maria se submetesse às exigências dos judeus e ao seu destino, vivendo
como um autômato, uma vida honesta e comum sem pecado e amor? Sem
pecado, porque o tempo de existência do seu povo pertencia a tais épocas,
quando uma bela alma não pode viver uma vida sem pecado, mas mesmo neste,
como em qualquer outro momento, pode, através do amor, retornar a uma bela
consciência.(43)

Poder-se-ia pensar que essa posição de Hegel deriva do ponto de partida


específico que é característico do período de Frankfurt, a saber, do discurso sobre
um indivíduo separado; esta posição é completamente superada mais tarde
quando se refere a um ponto de vista social objetivista e geral. Mas tal
entendimento simplificaria os ensinamentos morais do falecido Hegel. Nós não
temos a oportunidade de examinar essa questão em detalhes, então, para a
prova, citaremos apenas uma citação da Estética, que mostra que a posição de
Hegel, é claro, mudou de acordo com a mudança em sua metodologia, mas no
geral permaneceu a mesma. Nele, Hegel expressou sua opinião sobre os
trabalhos juvenis de Goethe e Schiller. Esta passagem também é interessante na
medida em que prova mais uma vez o quão perto estão as visões de Hegel das
visões dos clássicos da literatura alemã, e não dos românticos, de acordo com os
neo-hegelianos. Hegel diz: "Mas nunca cessaremos e não deixaremos de nos
interessar pela integridade individual e autonomia de vida, não cessaremos de ter
necessidade disso, por mais que reconheçamos como vantajosas e razoáveis as
condições de uma organização desenvolvida de vida civil e política. Neste sentido
podemos admirar a aspiração poética do jovem Goethe e Schiller, sua tentativa
de reconquistar a independência perdida das imagens da poesia no marco das
condições do novo tempo que tiveram antes deles " por mais que reconheçamos
como favoráveis e razoáveis as condições de uma organização desenvolvida da
vida civil e política. Nesse sentido, podemos admirar a aspiração poética do
jovem Goethe e Schiller, sua tentativa de reconquistar a independência perdida
das imagens da poesia no marco das condições do novo tempo que tiveram
diante de si " por mais que reconheçamos como favoráveis e razoáveis as
condições de uma organização desenvolvida da vida civil e política. Neste
sentido, podemos admirar o esforço poético do jovem Goethe e Schiller, sua
tentativa de recuperar a independência perdida das imagens da poesia no quadro
das condições do novo tempo que eles tinham antes deles"(44).

A crescente objetividade do ponto de vista de Hegel sobre a sociedade e a


história faz com que ele desenvolva esse ponto de vista, ligando os complexos
problemas morais decorrentes das paixões individuais a grandes processos
historicamente inevitáveis. Um amplo conceito de história, livre de qualquer
atividade humana moralizante e avaliadora, a grandeza e a tragédia do homem,
que, por sua vez, derivam da luta interna característica do período Frankfurt de

229
Hegel, da compreensão da dialética da relação entre indivíduo e sociedade. . Já
no início do período de Iena, esse conceito foi dado de uma forma desenvolvida.
Em um dos primeiros escritos de Iena, em um panfleto sobre a constituição da
Alemanha, Hegel caracteriza Richelieu e Maquiavel, e aqui uma abordagem
verdadeiramente histórica é claramente vista. E, ao mesmo tempo, não é de
modo algum uma questão de uma compreensão humanisticamente embelezada
de momentos individuais do processo histórico, mas de uma das fontes de uma
compreensão dialética correta da história por Hegel. Quando Engels se opõe a
Hegel Feuerbach, acreditando que Hegel, mais profundo e mais corretamente,
avalia o papel do mal no desenvolvimento histórico do que Feuerbach, ele, no
entanto, adota uma gama maior de problemas do que a que esboçamos aqui,
mas não há dúvida de que essa formulação O problema é um dos momentos
mais importantes que compõem o conceito hegeliano de história.

(1) Nohl, p. 321. (retornar ao texto)

(2) Nohl, p. 341 e ss. (retornar ao texto)

(3) Nohl, p. 336. (retornar ao texto)

(4) Nohl, p. 336 e ss. (retornar ao texto)

(5) Nohl, p. 327 e ss. (retornar ao texto)

(6) Nohl, p. 308. No curso de sua exposição e de suas reflexões, Hegel volta
repetidamente a esta analogia com os povos primitivos, p. ex, pagina 322, em
que utiliza as narrações de viajantes ingleses publicadas por Forster. (retornar ao
texto)

(7) Idem. (retornar ao texto)

(8) Idem (retornar ao texto)

(9) Lenine, Aus dem philosophischen Nachlass (Cadernos Filosoficos), loc. cit, p.
209. (retornar ao texto)

(10) Kapital, Vorwart zur ernsten Auflage (O capital, prólogo à primeira edição),
Berlim, 1949, vol. I, p. 6 e ss. (retornar ao texto)

(11) Nohl, p. 388. (retornar ao texto)

(12) Nohl, p. 266. (retornar ao texto)

(13) Nohl, p. 390. (retornar ao texto)

(14) Nohl, p. 389. (retornar ao texto)

230
(15) Nohl, 332. (retornar ao texto)

(16) Nohl, p. 389. (retornar ao texto)

(17) Nohl, 302. (retornar ao texto)

(18) Recordaremos ao leitor que isto não era para Hegel um problema
completamente novo. Nos começos do período de Frankfurt tentou unificar amor
e reflexão: o que ocorre agora é que este problema se desloca à esfera da
religião. (retornar ao texto)

(19) Nohl , p. 395. (retornar ao texto)

(20) Nohl, p. 312. (retornar ao texto)

(21) Nohl, p. 321. (retornar ao texto)

(22) Nohl, 289. (retornar ao texto)

(23) Nohl, 290. (retornar ao texto)

(24) Nohl, 313. (retornar ao texto)

(25) Nohl, 309. (retornar ao texto)

(26) Nohl, 308. (retornar ao texto)

(27) Nohl, p. 288. (retornar ao texto)

(28) Nohl, p. 277. (retornar ao texto)

(29) Nohl, p. 278. (retornar ao texto)

(30) Nohl, p. 283 e ss. (retornar ao texto)

(31) Nohl, p. 281. (retornar ao texto)

(32) Nohl, p. 280. (retornar ao texto)

(33) Nohl, p. 280. (retornar ao texto)

(34) Rechtsphilosophie (Filosofia do direito), Leipzig, 1911, ed, Lasson, p. 270,


apêndice, p.354. (retornar ao texto)

(35) Nohl, p. 282 e ss. (retornar ao texto)

(36) A palavra destino aparece, naturalmente, também na filosofia posterior


hegeliana, mas não com o específico significado que tem nesta fase. Nos cursos
de Iena de 1805-1806 destino significa um tipo de necessidade da qual “não

231
sabemos qual é a sua lei, qual é o conteúdo, que quer” Filosofia do Direito, vol.
II, p. 186. Neste mesmo curso, o conceito de destino se atribui historicamente ao
mundo Antigo. Idem, p. 267. Esta concepção segue sendo a hegeliana desde
então (cf. Estética, edição Gloknet), vol. II, p 101 e ss. Na Ciência da Lógica
Hegel trata do destino no sentido de uma necessidade mecânica. Obras, Berlim,
1841, vol. V, p. 187 e ss. (retornar ao texto)

(37) Nohl, p. 385. (retornar ao texto)

(38) Nohl, p. 317. (retornar ao texto)

(39) Nohl, p. 328 e ss. (retornar ao texto)

(40) Carta 27. (retornar ao texto)

(41) Nohl, p. 259. (retornar ao texto)

(42) Nohl, p. 269. (retornar ao texto)

(43) Nohl, p. 293. (retornar ao texto)

(44) Estética (ed. Glocknet), vol. I, p. 266. (retornar ao texto)

232
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético
7 - O fragmento do sistema de Frankfurt

Não se sabe o que impediu Hegel de completar e publicar o "Espírito do


Cristianismo", seja a consciência da contradição que analisamos na seção
anterior, seja a vaga sensação do sistema contraditório. Nos últimos anos do
período de Frankfurt, não há dados que pudessem servir como evidência das
diferentes etapas no desenvolvimento dos pontos de vista de Hegel. Temos
apenas um fragmento (ou esboço) do sistema, cuja versão sobrevivente terminou
em 14 de setembro de 1800(1). Não se sabe que trabalhos preparatórios
precederam este fragmento, portanto é impossível fazer uma análise concreta da
transição do “Espírito do Cristianismo” para este trabalho. Pode-se apenas
afirmar que o desenvolvimento filosófico de Hegel foi um ano e meio após a
conclusão do "Espírito do Cristianismo". Tal afirmação é parcialmente facilitada
pelo fato de que a ideia principal deste trabalho - a elevação da filosofia ao nível
da vida religiosa - é preservada em um fragmento do sistema, tendo pela primeira
vez recebida uma formulação filosófica geral nele. Mas, por outro lado, a análise
é dificultada pelo fato de que, como veremos agora, o método dialético de Hegel
atingiu aqui um nível de desenvolvimento muito mais alto do que nos escritos
anteriores de Frankfurt. Como não podemos mostrar caminhos concretos que
levaram a essa primeira formulação especificamente dialética de Hegel, o que
podemos fazer é, pois, relacionar os diversos problemas que Hegel posiciona
nestes fragmentos com seu desenvolvimento filosófico anterior e posterior.

A natureza extremamente fragmentada das duas passagens sobreviventes é claro,


nem sequer sugere o que a estrutura do sistema filosófico de Hegel poderia ser
naquele tempo, quais problemas estavam no centro de sua atenção, como passos
separados eram dialeticamente conectados uns com os outros, etc. é possível
entender sua interpretação da relação entre filosofia e religião, de modo que não
há mais nada a fazer, mas como considerar a solução de Hegel para questões
individuais em termos de seu desenvolvimento anterior e subsequente.

Nas passagens sobreviventes, discute-se o principal problema de todo o período


de Frankfurt - o oposto da vida e da objetividade morta e a resolução dessa
contradição na vida religiosa.

233
Embora Hegel continue a aderir à posição filosófica básica do "Espírito do
Cristianismo", aqui ele expressa mais claramente a ideia de que a religião é o fim
do sistema, embora os mesmos problemas apareçam muito mais dialeticamente
do que no "Espírito do Cristianismo".

A transição metodológica de Hegel para a dialética significa que ele interpreta


mais relativisticamente a rígida falta de ambiguidade dos conceitos isolados, fala
mais sutilmente sobre a superação das arestas entre eles, que conceitos são cada
vez mais derivados dele um do outro - ele recusa sua incondicional e rígida
metafísica.

Parece que a linha filosófica geral característica de Hegel em Frankfurt se torna


um método consciente em um fragmento do sistema. Lembre-se de quão
rigidamente Hegel, no período de Berna, contrapunha vivo e morto, subjetivo e
objetivo, etc. É precisamente em termos de eliminar a quietude metafísica dos
opostos que a obra O Espírito do Cristianismo, com todo o misticismo nele
contido, representa um significativo passo à frente. E em vários pontos, sobretudo
na luta contra a ética de Kant, essa linha se torna gradualmente, de Hegel,
filosoficamente consciente. Em um fragmento do sistema, Hegel dá mais um
passo significativo no desenvolvimento da flexibilidade dialética dos conceitos,
em conhecer sua fluidez, suas transições entre si.

A primeira passagem sobrevivente começa no meio de uma sentença e termina


no meio de uma sentença. Levanta a questão da vida, a relação do indivíduo
vivo com o mundo ao seu redor, que Hegel entende como a relação do todo
com o todo. A conexão orgânica interna e as leis inerentes ao mundo exterior são
delineadas aqui com muito mais clareza e clareza do que antes. É verdade que o
ideal hegeliano de restaurar a vida já incorporava a possibilidade e a necessidade
de tal compreensão do mundo externo, mas em esboços anteriores o problema é
apenas delineado. Em particular, em uma análise concreta, o mundo ao nosso
redor foi entendido diretamente como o próprio mundo social. A natureza tem
sido anteriormente o tema das reflexões de Hegel, mas foi entendida de forma
estreita - apenas em relação à vida social do homem, do ponto de vista do
debate, aparece sem dúvida sempre no horizonte de consideração, mas somente
em sua mais intima relação com a vida social dos homens, quase sempre
segundo a formulação problemática de se uma determinada forma de sociedade
humana está em harmonia com a natureza ou vive em luta com ela, estranhada
dela.

Até agora, Hegel nem sequer falava em colocar problemas filosófico-naturais,


assim como não desenvolvia problemas teórico-cognitivos, independentemente
de questões sociais, filosóficas e históricas específicas. Pode-se dizer que o
desenvolvimento das contradições da sociedade e da história levou Hegel a uma
profunda pesquisa metodológica e ao vigoroso desenvolvimento da teoria da
dialética, mas nos fragmentos restantes não se encontrou nada que indicasse um

234
estudo aprofundado dos problemas filosófico-naturais. Em qualquer caso, em
Frankfurt, Hegel estudou os trabalhos de Schelling provavelmente mais de perto
do que em Berna, o que já é perceptível em vários tons terminológicos que
penetram em sua língua sob a influência de Schelling. No entanto, estas obras
não poderiam dar-lhe conhecimentos específicos sobre os problemas da ciência
natural. Em Iena, comprovamos que Hegel se lança muito rápida e
energicamente aos problemas da filosofia da natureza e aprofunda, além disso,
problemas concretos científico-naturais.

Em Iena, Hegel tornou-se amigo de vários cientistas naturais. Em 1804, ele se


tornou membro da Sociedade Mineralógica de Iena, no mesmo ano - um
membro da Sociedade Westfaliana de Cientistas Naturais, etc.(2) É verdade,
temos várias folhas com cálculos sobre geometria do período de Frankfurt, mas
são datadas por Hegel em 23 de setembro de 1800, ou seja, escrito
posteriormente no esboço do sistema(3).

Em um esboço do sistema, os problemas da filosofia natural são interpretados de


maneira bem diferente de antes. Quão íngreme é essa nova mudança
metodológica, é difícil determinar a partir das passagens restantes. Mas até
mesmo o fato da nova formulação da questão é importante, tanto mais que
Hegel está constantemente retornando a ela. No início da segunda passagem,
encontramos um obscuro fragmento místico sobre o espaço e o tempo, cujo
significado, infelizmente, é difícil de entender também porque contém apenas
conclusões de um raciocínio mais extenso, mas perdido. No entanto, levando em
conta esses fatos, bem como o ritmo excepcionalmente acelerado do
aprofundamento dos problemas filosófico-naturais de Hegel em Iena, pode-se
supor que o trabalho preparatório para a elaboração do sistema incluiu o estudo
das questões das ciências naturais.

Na primeira passagem, a vida aparece em Hegel como a relação de uma


integridade para outra (uma involuntariamente recorda a posterior interpretação
hegeliana da interconexão dialética de qualquer integridade real como um círculo
que consiste em círculos divergentes). O indivíduo e o mundo são ambos
“conjuntos infinitos” aqui. O indivíduo "é considerado apenas em correlação,
como algo que tem sido apenas em conjunto; a outra parte (também infinita
multidão) é considerada apenas em oposição, como algo que tem sido apenas
através da separação da primeira parte ...”(4). Aqui estamos falando diretamente
sobre a subjetivação da oposição entre a realidade individual e objetiva. E, claro,
o idealismo de Hegel reforça o desejo de tal subjetivação, em que a “suposição”
predetermina o que considerar como uma união e o que é uma separação.

Mas não devemos perder de vista o fato de que a subjetivação, ao mesmo tempo,
inclui também a relativização da antiga oposição rígida da realidade individual e
objetiva, incluindo uma interação mais dinâmica, móvel e flexível entre elas.
Hegel descreve essa interação da seguinte maneira: "O conceito de

235
individualidade inclui a oposição à infinita diversidade e conexão com ele. O
homem é uma vida individual, porque é diferente de todos os elementos e da
infinidade da vida individual fora dela; é uma vida individual apenas porque é
uma com todos os elementos, com toda a infinidade de vida fora dela, é apenas
na medida em que a totalidade da vida é dividida: é uma parte, todo o resto é
outra, e é só até onde ele não é uma parte e nada separado dele”(5).

A relativização da oposição entre o indivíduo e o mundo com a ajuda da


categoria de “posição” implica não apenas que toda criatura viva pode ser
considerada ao mesmo tempo como um centro relativo de associação e apenas
como parte do todo, como um mundo externo para outro indivíduo. que cada
indivíduo aparece como uma unidade, cuja base é simultaneamente a
preservação da unidade com o mundo exterior e a ruptura com ele.

Essa relação pode ser vista, de acordo com Hegel, de duas maneiras diferentes.
Pode-se proceder da "vida indiferenciada" (a vida religiosa do "Espírito do
Cristianismo"). Então cada indivíduo se torna apenas uma "manifestação da
vida", a reflexão reflete todas essas "manifestações", "como em repouso, estáveis,
como pontos sólidos, como indivíduos"(6). Assim, por um lado, um papel
importante e decisivo é atribuído à reflexão: graças a isso, o indivíduo é fixo
como uma individualidade. Por outro lado, a reflexão se manifesta como algo
puramente subjetivo, já que a vida, por si só, é inseparável, e apenas a suposição
introduz e fixa o momento de separação na bebida. No desenvolvimento das
visões do jovem Hegel, este é o período em que a metade se manifesta na forma
mais precisa, a interpretação da reflexão que ainda não dá uma solução final. A
decisão a que Hegel poderia chegar - a objetividade da reflexão - é o resultado
de um estágio posterior no desenvolvimento das visões de Hegel. A
indecidibilidade do oposto é muito mais clara quando Hegel caracteriza os
estágios inferiores da posição. Aqui "o viver é um pré-requisito, a saber, nós
como observadores". Desse ponto, Hegel deduz o oposto do Eu e da natureza.
que "como uma pluralidade ... é uma multidão infinita de organizações,
indivíduos; como uma unidade, um todo único, organizado, desconectado e
conectado". Esta bela e correta definição sofre de “um” defeito idealista, já que é
apenas uma posição, ou seja, uma posição do ponto de vista do indivíduo
contemplativo. Não é a vida em si, mas apenas "a imposição da vida, para a
reflexão trouxe à vida suas noções de correlação e separação, do indivíduo,
existente em si mesmo e do geral, ligadas, portanto, ao limitado num caso, ao
ilimitado - no outro e através da colocação fez a vida na natureza”(7). A natureza
aparece assim como um produto do eu, isto é, o eu que acredita, como reflexão.

Nesse estágio do desenvolvimento de Hegel, a atitude da filosofia e da religião é


dicotômica. Em suma, se considerarmos ambas as formas de manifestação de
vida acima, então a primeira corresponde à religião, a segunda à filosofia. O
oposto aqui é expresso no oposto de espírito e lei. Para Hegel, a lei é "simples
unidade ... apenas algo mental, sem vida. O Espírito é a lei que traz a vida em

236
unidade com o multiforme, que assim se torna vivo". Nesta base, uma pessoa
deve ir além do relacionamento delimitador "eu sou natureza", a fim de entrar em
uma relação viva com a vida real. Se "a natureza não é a própria vida, mas a
vida é fixada pela reflexão, embora da maneira mais digna, então a vida
pensante observando a natureza sente ... essa contradição ... e essa vida
pensante toma a forma de mortal, transitória"(8).

Hegel chegou ao real misticismo, porque deu a sua principal tendência de


Frankfurt uma definição filosófica: o desejo de uma vida viva, removendo tudo o
que é morto, positivo, objetivo e refletido. Sua definição da relação entre religião
e filosofia é uma retirada consistente da filosofia na religião. A filosofia como
ponto de vista da reflexão só pode levar a um progresso sem fim, ao conceito
proposto por Kant, que mais tarde se tornou em Hegel o conceito de "infinito
ruim". Segundo Hegel, nesse período, o progresso infinito não pode ser
completado dentro dos limites da filosofia. Conclusão, indo além dos limites do
progresso infinito, "infinito mau", no qual os mortos e os positivos são mais uma
vez confiados como mortos e positivos, elas são possíveis somente através da
obtenção de alguns seres externos e separados da reflexão. Hegel descreve este
processo da seguinte forma: "... todo enunciado é um produto de reflexão;
portanto, com respeito a cada um dos postulados, pode ser mostrado que se algo
é postulado, então não há outro ao mesmo tempo, e esta raça sem parar deve ser
controlada de uma vez por todas, lembrando que por exemplo, o que chamamos
de conexão de síntese e antítese (a exposição deste ponto está ausente no
manuscrito preservado -.GL), não é um postulado, racional, reflexivo, mas sua
única propriedade disponível para reflexão é que está sendo fora da reflexão ...
Isso porque a filosofia termina onde a religião começa, porque a filosofia está
pensando, portanto , sabe, por um lado, o oposto do não pensar, por outro -
pensar e pensar. Sua missão - para identificar em tudo o infinito finito e exigem
uma melhoria da final por meio da razão e, especialmente, para conhecer os
erros cometidos por seu próprio infinito, e, assim, assumir um verdadeiro infinito
além do seu alcance”(9). Assim, a tarefa da filosofia é um auto superação crítica
causa da religião. .

"Estar sem reflexão" é o domínio da religião, isto é, de acordo com Hegel, a


atitude do homem para com o mundo, que não é dada no pensamento, não na
representação, mas na experiência.

Em sua polêmica com a filosofia contemporânea de Hegel enfatiza que o que


está acontecendo na exaltação religiosa do homem vem "não a partir do finito ao
infinito, pois eles são apenas o produto de reflexão e, como elas são, a sua
separação é absoluta, mas a partir do final da vida a vida eterna ..."(10). Nesta
vida infinita, o ser parcial dividido das partes, isto é, do homem, cessa; “A vida
limitada eleva-se ao infinito, e só porque o finito é a própria vida, traz em si a
possibilidade de ascender à vida infinita”(11). E Hegel descreve como essa auto-
exaltação da vida finita ao infinito deve acontecer. "Se ... a pessoa acredita na

237
vida infinita como o espírito de todo o exterior de si mesmo, pois ele mesmo é
limitado, e ao mesmo tempo acredita fora de si mesmo, limitado e eleva-se aos
vivos, se junta a esse mundo com os laços mais profundos, adora a Deus”(12).
Considerando os manuscritos anteriores de Hegel, já respondemos em detalhes a
questão de quais tendências sociais o levaram ao avanço do conceito de "vida
religiosa". Agora, quando somos confrontados com formulações extremamente
místicas da obra filosófica que completou o período de Frankfurt, é necessário
delinear brevemente os problemas filosóficos que determinaram o caráter
especial dessas formulações. Nesses fragmentos de Hegel, como no Sistema de
idealismo quase transcendental de Schelling, publicado quase simultaneamente,
o ponto de vista da filosofia clássica alemã, que começa a inclinar-se em direção
ao idealismo objetivo e absoluto, é expresso.

A transição do idealismo subjetivo para o objetivo está ligada à resposta à


questão filosófica sobre a atitude perante a realidade, ao ser que existe
independentemente da consciência. Ao mesmo tempo, essa é uma questão sobre
a atitude em relação ao materialismo filosófico (independentemente de ser
formulado abertamente ou abafado) O idealismo subjetivo de Kant, na profunda
caracterização de Lênin, foi um balanço entre materialismo e idealismo, um
compromisso entre eles. Lênin escreve: "Quando Kant admite que nossas ideias
são correspondidas por algo fora de nós, alguma coisa em si, então Kant é
materialista. Quando ele declara isso para si mesmo incognoscível, transcendente,
sobrenatural, Kant age como um idealista"(13).

Como é bem conhecido, em sua "Instrução de Ciência", Fichte recusou-se a se


comprometer em prol do idealismo subjetivo radical e consistente. Hegel e
Schelling, superando Kant e Fichte, lutam por uma solução objetivamente
idealista dos problemas da filosofia. E como na história da filosofia acredita-se
amplamente que Hegel era nesse sentido um estudante e continuador das
tendências de Schelling, somos forçados, juntamente com uma análise de uma
questão comum, a considerar brevemente sua relação um com o outro (uma
comparação detalhada das visões de Schelling e Hegel será dada em capítulo ao
analisar sua cooperação na superação crítica de Iena e Hegel do tipo dialético de
Schelling).

Pode-se dizer com toda certeza que a primeira tentativa de Hegel de construir um
sistema de idealismo objetivo não surgiu sob a influência de Schelling, mas
cresceu organicamente a partir da posição sócio histórica de Hegel, das
contradições que surgiram aqui. É claro que, em um grau ainda menor, podemos
falar da influência de Hegel em Schelling. O idealismo objetivo de Schelling
surgiu do desejo de suplementar a dialética do Fichte com a filosofia natural.
Demorou um período de tempo relativamente longo antes que Schelling
percebesse o oposto de seu conceito de dialética a dialética de Fichte (isso,
aparentemente, foi facilitado pela interação pessoal com Hegel). Assim, o
desenvolvimento das visões desses dois proeminentes representantes do

238
idealismo objetivo na filosofia clássica alemã, à primeira vista, é realizado em
paralelo.

Mas isso é apenas uma aparência. O autoengano de Schelling e Hegel em


relação à conexão mais próxima de seu desenvolvimento filosófico no período de
Iena, que durou vários anos, não deveria esconder de nós o verdadeiro estado de
coisas. De fato, no desenvolvimento do idealismo objetivo, ambos os filósofos
seguiram o caminho oposto; sua cooperação no período Iena era apenas um
ponto de reassentamento de caminhos cada vez mais divergentes, e a
necessidade de uma luta conjunta contra o idealismo subjetivo ocultava a
oposição incipiente que já emergia.

Falando de forma breve e esquematicamente, para o idealismo objetivo há duas


abordagens teóricas possíveis para o problema da realidade objetiva (é claro que
ambas dão apenas a aparência de uma solução, aqui definimos a tarefa apenas
para dar sua característica condensada). Uma possibilidade foi revelada por
Hegel no período de Frankfurt. A realidade empírica é entendida, como Kant e
Fichte, como um produto do “posicionamento” de um sujeito filosófico. Portanto,
ainda deve existir uma realidade diferente, “improvável”, independente da
consciência humana - a realidade religiosa. Seu caráter extremamente idealista
manifesta-se mais claramente no fato de que deve ser experimentado pela
unidade de princípios subjetivos e objetivos, a resolução do oposto do homem e
do mundo na unidade do homem e de Deus. Assim, surge a esfera da pseudo-
validade mística, que é completamente vazia (a noite em que todos os gatos são
enxofre, como mais tarde ironicamente cita Hegel), ou é semelhante a um vaso
irracional arbitrariamente preenchido com qualquer conteúdo reacionário. Uma
importante manifestação histórica e filosófica dessa forma de idealismo forma o
assim chamado. a "filosofia positiva" do falecido Schelling (ele a denominou
assim em oposição à filosofia "negativa" de seu período juvenil, que se tornou
predecessora de várias tendências filosóficas reacionárias-irracionalistas de
Kierkegaard a Heidegger (para a filosofia do falecido Schelling, ver capítulo II de
G. Lukacs "A Destruição da Razão", Berlim, 1953). como Hegel mais tarde
ironicamente em "Fenomenologia"), ou é semelhante a um vaso irracionalista,
arbitrariamente preenchido com qualquer conteúdo reacionário.

Outra forma de idealismo objetivo é desdobrada na filosofia hegeliana. O


programa dessa filosofia é apresentado por Hegel na Fenomenologia do Espírito,
que enfatiza que a tarefa da filosofia é transformar substância em sujeito; o
mundo inteiro deve ser considerado nesta filosofia como auto geração e
autoconhecimento do espírito, e qualquer grau de desenvolvimento da realidade
objetiva acaba por ser apenas um grau diferente de “alienação” (EntaiiBerung)
do espírito. Assim, todas as relações de subjetividade e objetividade são
colocadas na cabeça e distorcidas mesmo em ninharias, como veremos quando
consideramos a crítica de Marx à Fenomenologia do Espírito. Aqui só é
necessário notar que, apesar de todas as distorções idealistas, foi essa forma de

239
idealismo objetivo que foi capaz de dar um grande passo adiante no
desenvolvimento da dialética do progresso humano, padrões de natureza e
história, é isso. a forma do idealismo objetivo continha elementos e tendências
que permitiram mais tarde realizar um materialista, transformando-o da cabeça
aos pés. Outras formas de idealismo objetivo são inevitavelmente reacionárias.

Antecipando o estudo subsequente, pode-se dizer: o desenvolvimento das visões


de Hegel vai da versão reacionária do idealismo objetivo à sua versão
progressiva, enquanto o desenvolvimento das visões de Schelling foi à direção
oposta. Mostraremos que, no começo, Schelling, de maneira completamente
ingênua, incorpora a filosofia natural à teoria do conhecimento de Fichte e, em
seus primeiros trabalhos filosófico-naturais, aproxima-se do materialismo, que
nunca foi inerente a Hegel. Contudo, sendo incapaz de alcançar os vértices de
uma dialética idealista (além de estar extremamente superficialmente
familiarizado com os problemas da sociedade e da história), Schelling enfrentou
cada vez mais a solução de problemas de idealismo objetivo, o que é
característico do período de crise das visões de Hegel em Frankfurt.

A natureza contraditória da crise do pensamento de Hegel em Frankfurt também


é encontrada nos poucos fragmentos remanescentes de seu sistema. É
interessante que Hegel, mesmo nesses períodos de crise, quando desfruta de
formulações místicas extremamente exaltadas, irracionalistas, não perca sua visão
filosófica sóbria. Ele é mais propenso a admitir tais pensamentos, que estão em
flagrante contradição com seus postulados místicos, do que se entregar ao
irracionalismo completamente místico. Mostramos que o significado principal do
fragmento hegeliano está na remoção da filosofia na religião. Nós também
mostramos que essa retirada contém ao mesmo tempo ir além dos limites do
pensamento, da reflexão. Curiosamente, Hegel, precisamente quando ele vai
além do pensamento, procura definir o que a adoração de Deus significa, então
ele novamente inconscientemente introduz categorias filosóficas no conceito de
adoração e com isso destrói todo o seu irracionalismo religioso. Aqui ele diz que
uma pessoa na esfera religiosa "acredita" em alguma forma peculiar, "fora de si",
tanto a vida infinita como a si mesmo, que a vida religiosa é apenas o resultado
da atividade filosófica do sujeito - ou, se você usa a terminologia da
"Fenomenologia do Espírito" simplesmente "uma forma de consciência".

A segunda contradição entre o sistema e o método é muito mais importante e


tem consequências mais significativas. Mostramos que Hegel atribui à filosofia
apenas o papel negativo da preparação e da vida religiosa, permitindo que ela
mesma pavimente o caminho para uma retirada crítica de si mesmo. Enfatizando
essa necessidade, ele atribui grande importância ao fato de que o caminho do
pensamento puramente filosófico é um caminho conectado, como ele dirá mais
tarde, com "infinito mau", apenas com progresso sem fim, um conceito
apresentado na filosofia de Kant e Fichte. Neste manuscrito, Hegel identifica
completamente a filosofia com o fato de que mais tarde, em Iena, a chama de

240
“filosofia reflexiva” (é bastante característico que essa identificação reapareça na
“filosofia positiva” do falecido Schelling e seja dirigida contra Hegel).

No entanto, no mesmo período, Hegel, mesmo sem perceber, ou, pelo menos,
não tirando todas as conclusões, superou esse ponto de vista. Em várias
formulações, ele já expressa essa compreensão da dialética, que ele desenvolveu
mais tarde, embora muitas vezes ainda seja extremamente vaga e mistificada.
Assim, analisando a incapacidade da filosofia de superar o oposto real e a
necessidade de seu apelo à religião para se filmar, Hegel apresenta uma
formulação clara correspondente às formulações tardias de sua dialética.

"Se a diversidade não está mais aqui como tal, mas ao mesmo tempo está
totalmente relacionada ao espírito vivo, como um corpo vivo, então algo seria
excluído e haveria incompletude e oposição, ou seja, os mortos. Em outras
palavras, a diversidade é suposta em relação apenas como um órgão, a própria
oposição é excluída, enquanto a vida não pode ser considerada apenas como
uma conexão, um relacionamento, mas também deve ser considerada como uma
oposição. e as relações, essa relação pode ser, por sua vez, selado, e permitiu que
a objeção, segundo a qual [ele] tem de contrariar a falta de comunicação, então
eu teria que dizer que a vida é uma relação de comunicação e falta dela ...”(14).

É claro que aqui já temos uma forma desenvolvida de dialética hegeliana, uma
compreensão da contradição na qual Hegel superou todos os seus predecessores,
porque a contradição atua como o princípio mais profundo de todas as coisas e
suas mudanças, enquanto as primeiras formulações da contradição dialética, que
se limitam à simples remoção definições opostas inevitavelmente levam a uma
esfera, geralmente colorida religiosamente, onde as contradições são
completamente e completamente excluídas (isto é inerente, por exemplo, a
Schelling). Em contraste, Hegel age como um princípio vivo e comovente; não
pode ser completamente removido, mas é constantemente reproduzido em níveis
mais altos de desenvolvimento (e, como veremos ao considerar o período de
Iena, a atitude em relação à reflexão também muda radicalmente, que se torna
um momento necessário do movimento dialético geral; mas anteriormente já
afirmamos que tais tendências, embora nunca pensadas até o fim e não
realizadas consistentemente metodologicamente, existiram nos primeiros anos do
período de Frankfurt).

É claro que mesmo uma conduta consistente dessa contradição dialética deve
minar a ideia de vida religiosa como o pináculo da filosofia e levar diretamente à
forma de pensamento “especulativo” que é desenvolvida por Hegel mais tarde.

A doutrina da contradição pode tornar-se adequada e verdadeiramente frutífera


apenas na dialética materialista, quando é formulada como um reflexo mental
das contradições cambiantes da realidade objetiva. Reconhecendo as limitações
intransponíveis do idealismo filosófico de Hegel, não diminuímos suas grandes

241
realizações - o conhecimento da verdadeira natureza da realidade e do
pensamento contraditórios. V.I. Lenin enfatizou as formulações correspondentes
de Hegel de "A Ciência da Logica", é claro, mais claro e consistente, e salientou
que aqui o caminho está aberto para o materialista "invertido" da dialética
hegeliana. Ele escreve uma citação da "Ciência da Logica", em que Hegel fala
sobre a relação de identidade e contradição: "Se já estamos falando de hierarquia
e ambas as definições, devemos nos manter separados, essa contradição deve ser
considerada algo mais profundo e mais substancial. "Lenin destaca este lugar e
acrescenta no final do trecho:" O Movimento e "PERSONALIZADO" (isto é NB!
espontâneo (independente), espontâneo, INTERNO-NECESSÁRIO movimento),
"mudança", "movimento e vitalidade", "o princípio de todo movimento próprio",
"impulso" (Trieb) para "movimento" e "atividade" - o oposto de "ser morto" -
quem acreditará que esta é a essência do movimento hegeliano”, abstrato e
abstrusen (pesado, ridículo?) Hegelianismo? Esta essência tinha que ser
descoberta, entendida b, limpo, que fez Marx e Engels “o movimento "e para"
atividade "é o oposto de" ser morto "- quem acreditará que esta é a essência do
hegeliano, abstrato e abstruso (pesado, ridículo?) hegelianismo? Essa essência
tinha que ser descoberta, entendida, hinuberretten, descascada, limpa, como
Marx e Engels fizeram “o movimento "e para" atividade "é o oposto do" ser morto
"- quem acredita que essa é a essência do hegeliano, abstrato e abstruso (pesado,
ridículo?) hegeliano? Essa essência tinha que ser descoberta, entendida,
hinuberretten, descascada, limpa, como Marx e Engels fizeram “(15).

A redação da essência da contradição dialética é o resultado mais alto da obra de


Hegel no período de Frankfurt. Pode-se dizer que termina seu período filosófico
de "A Tempestade e Impulso", encerra sua crise de visão de mundo. Mas, ao
mesmo tempo, é a formulação desse fragmento que contradiz nitidamente o
resultado filosófico final do período de Frankfurt - a construção do sistema. Só se
pode consertar essa contradição, mas não considerar detalhadamente os
caminhos que levaram a ela e depois partir dela. Para fazer isso, não temos o
trabalho preparatório de Frankfurt para um fragmento do sistema e outras partes
do fragmento, bem como os trabalhos de Hegel, que antecederam seu trabalho
em Iena.

A extensão em que passagens importantes foram perdidas mesmo de um


fragmento do sistema pode ser julgada por uma observação, quando Hegel,
imediatamente após formular a natureza da contradição dialética, refere-se ao
que ele havia dito anteriormente sobre a "conexão entre síntese e antítese". Como
a síntese de Fichte e Schelling foi interpretada apenas como um elo entre a tese e
a antítese, aqui, obviamente, um argumento importante para a controvérsia
epistemológica de Hegel foi perdido, revelando uma nova forma de sua dialética.

Analisando as tendências gerais do período de Frankfurt, tentamos revelar os


caminhos pelos quais a dialética hegeliana se desenvolveu e que a cada passo
aprofundou a oposição entre seu método e sistema. Com base nisso, pode-se

242
supor que aqui também o desenvolvimento do conceito correto de inconsistência
foi influenciado pelas contradições da vida, manifestadas na atividade humana e,
especialmente, no trabalho. Neste livro, já foi feita uma tentativa de provar que,
até o momento da redação de um fragmento do sistema, Hegel estava bem
familiarizado com a economia política de A. Smith e aceitou seu conceito de
trabalho. E se olharmos mais de perto as afirmações de Hegel sobre os problemas
econômicos, relacionando-nos, porém, a um estágio um tanto posterior, mas
relacionado ao trabalho, veremos: sua essência é que as categorias mutuamente
excludentes no pensamento metafísico, por exemplo, o universal e o particular,
aqui não apenas se transformam um no outro, mas, sendo categorias desta
atividade, existem simultânea e inseparavelmente um do outro, unidos em
contradição. Considere, por exemplo, o que Hegel diz no "Sistema de
Moralidade" (Iena, 1802) sobre o instrumento, sua conexão com o homem e o
trabalho. "Por um lado, o instrumento é subjetivo, está à mercê do sujeito de
trabalho e é inteiramente determinado por ele, é produzido e processado com
sua ajuda; por outro lado, é objetivamente voltado para o objeto de trabalho.
Através desse meio termo, o sujeito remove o imediatismo do ato de destruição;
para o trabalho, a destruição da contemplação é também a destruição do sujeito
nela depositada, a negação, a pura quantitatividade; a mão e o espírito tornam-
se embotados nele, isto é, eles mesmos adquirem o caráter de um negativo e sem
forma; e ao mesmo tempo (porque é negativo, a diferença é dual) o trabalho é
simplesmente um único e subjetivo. Na forma de um instrumento, o sujeito cria
um termo médio entre ele e o objeto, e esse termo médio é a racionalidade real
do trabalho ... então singular; a subjetividade do trabalho eleva-se no
instrumento ao universal; todos podem fazer a sua semelhança e também
trabalhar; a este respeito é o pertencimento imutável do trabalho” Na forma de
um instrumento, o sujeito cria um termo médio entre ele e o objeto, e esse termo
médio é a racionalidade real do trabalho ... então singular; a subjetividade do
trabalho eleva-se no instrumento ao universal; todos podem fazer a sua
semelhança e também trabalhar; a este respeito é o pertencimento imutável do
trabalho “Na forma de uma ferramenta, o sujeito cria um termo médio entre si e
o objeto, e esse termo médio é a racionalidade real do trabalho ... Na ferramenta,
o sujeito separa seu estado de indiferença de si mesmo, bem como a objetividade
... ao mesmo tempo, seu trabalho deixa de ser algo então singular; a
subjetividade do trabalho se eleva na ferramenta para o universal; todos podem
fazer a sua semelhança e também trabalhar; a este respeito é o pertencimento
imutável do trabalho”(16).

Não estamos interessados nas críticas das visões econômicas de Hegel, mas
apenas na metodologia de suas construções econômicas. O leitor pode notar que
Hegel está desenvolvendo mais claramente um novo tipo de dialética
precisamente onde ele vê o trabalho como uma atividade. Não se trata apenas da
transição do universal para o particular e vice-versa, etc., mas também de como
Hegel entende a atividade laboral, a atitude ativa de uma pessoa mediada por

243
ferramentas, em relação ao mundo dos objetos, sobre como ele interpreta o
universal e particular. em sua simultaneidade e unidade. É claro que tais
fragmentos posteriores não podem servir como argumento final em favor do fato
de que o desenvolvimento dessas inter-relações forma pelo menos uma das
principais fontes da forma dialética hegeliana específica. Mas desde que a linha
principal de seu desenvolvimento leva a "Fenomenologia".

O núcleo do segundo trecho completo de um fragmento do sistema consiste em


suas reflexões sobre propriedade, trabalho e sacrifício, que foram consideradas
em detalhes ao descrever o desenvolvimento das visões econômicas de Hegel.
Eles fazem parte desse complexo teórico, cuja ideia principal é explorada no
"Espírito do Cristianismo". Entre eles estão suas reflexões sobre até que ponto
uma religião, cuja tarefa, segundo Hegel, é remover uma objetividade falsa,
morta e positiva, pode corresponder a essa tarefa.

A resposta que Hegel oferece aqui é muito mais cética do que se poderia esperar
com base no raciocínio filosófico místico da passagem anterior: Hegel refere-se ao
raciocínio anterior, irracional, segundo o qual a vida religiosa é definida como
aquela que anima ou sustenta a vida em objetos. já nos é conhecido das
primeiras obras de Hegel. Nada há de fundamentalmente novo no fato de que
Hegel recorda o destino da vida religiosa, que é forçada a "deixar o objetivo para
o objetivo ou mesmo transformar os vivos em objetos"(17). Essa formulação é mais
aguda do que a dada no "espírito do cristianismo", porque se reconheceu que a
religião não pode remover a objetividade, mas isso se aplica apenas ao judaísmo,
onde, segundo Hegel, as relações vivas são congeladas na objetividade.
Transformação em objetividade pode ser, segundo Hegel, algo temporário e
reversível. No entanto, é necessário que ela coloque-se em uma forte relação com
os objetos e preserve sua objetividade até o ponto da completa destruição"(18).
Aqui, novamente, a definição hegeliana do trabalho como um relacionamento
permanente que não é removível pela religião. Consequentemente, nas formas
modernas de religião, Hegel vê um estado em que a vida religiosa deve chegar a
um acordo com as condições da vida que se tornaram objetivas e
constantemente re-reproduzem a objetividade. Ele leva esse pensamento até ao
reconhecimento da necessária divisão social do trabalho entre os padres
modernos.

Assim, a crença exaltada no poder salvador da vida religiosa diminui à medida


que Hegel se aproxima de uma história concreta, para a vida social dos tempos
modernos. Portanto, as observações finais soam mais desapontadas. Hegel
acredita que "tal elevação da vida finita à vida infinita, na qual há tão pouco
finito, limitado ... tanto quanto possível ... não é algo absolutamente necessário ...
No entanto, o grau de oposição e conexão, sobre o qual uma certa natureza pára
desta raça humana, aleatória ... A mais completa perfeição está disponível para
aqueles povos cujas vidas são menos divididas e divididas, isto é, para povos que

244
são felizes, pessoas mais infelizes não podem alcançar este estágio”(19). Vemos
que o vinho intoxicante do misticismo religioso é consideravelmente diluído aqui.

A tentativa filosoficamente extremamente importante de Hegel, perceptível no


argumento citado e a seguir, em um nível filosófico mais elevado, é examinar
criticamente a visão de mundo moderna que ele agora considera necessária. Não
é de surpreender que, ao condenar a limitação com sua finitude e fragmentação,
ele coloque em uma prancha pura objetividade e subjetividade. Esta é apenas
uma formulação filosófica geral de pensamentos já conhecidos por nós, segundo
a qual a atividade e a passividade em relação ao destino, a luta com ele e a fuga
dele levam ao mesmo resultado.

Vemos que aqui Hegel começa a criticar não apenas o lado moral da filosofia de
Kant e Fichte, mas também aponta a crítica em seu sistema, aponta para sua
posição cognitivo-teórica fundamental - a incognoscibilidade da coisa em si,
como a correlação filosófica da subjetividade dos sistemas de Kant e Fichte. Por
outro lado, em sua filosofia, ele vê a mais importante expressão ideológica de seu
período, a saber, a expressão de sua contradição insolúvel, que ele designa aqui,
como mais tarde em Iena, pela palavra “fragmentação”. Assim, Kant e Fichte são
agora para Hegel os representantes ideológicos da crise que ele vê no estado
contraditório da sociedade de seu tempo e cuja superação teórica é a tarefa de
sua filosofia.

Sabemos como Hegel imaginou superar essa crise em Frankfurt. Acabamos de


mostrar quais contradições internas estão escondidas em sua tentativa de superar
a crise. No entanto, a avaliação histórica e cognitivo-teórica de Kant e Fichte se
torna um elemento constante de sua filosofia, mas quando ele supera o mistério
religioso do período de Frankfurt, essa crítica surge em uma relação mais
abrangente e mais científica. Aqui nós já vemos o início do método histórico-
filosófico de Hegel, guiado pelo qual ele critica nesta ou naquela filosofia não
suas partes individuais ou crenças, mas a considera como uma visão de mundo
integral, e essa integridade aparece ao mesmo tempo como um resultado
inevitável de seu tempo, conforme necessário momento de desenvolvimento
geral. Essa visão de mundo inspira medo com sua grandeza

No entanto, nestas observações, dirigidas por seu argumento contra a filosofia de


Kant e Fichte, Hegel vai muito além. Hegel, pela primeira vez, formula a ideia de
que a subjetividade de Kanto-Fichteana e a coisa incognoscível em si estão
interconectadas. Hegel diz: "... do ponto de vista subjetivo é (as posições
filosóficas da modernidade. - G. L.) pode ser vista como autonomia ou de outra -
como um objeto estranho, distante, inatingível; ambos esses pontos de vista
podem ser considerados compatíveis, apesar de que, quanto mais forte a
separação, mais claro o "eu" e mais distante o objeto é do homem, mais ele sobe,
maior e mais desconectada a profundidade interior, mais e mais desconectado

245
todo o exterior ... Que lado é coberto pela consciência - um acidente ... Se a
separação é infinita, não importa Eu, se o subjetivo ou o objetivo é fixo”(20).

(1) Em verdade, possuímos apenas desse manuscrito hegeliano apenas dois


cadernos escritos (que fazem cada um deles duas páginas da edição Nohl).
Segundo a numeração das páginas do próprio Hegel, o manuscrito parece haver
tido 47 folhas escritas deste tipo. Conservaram-se a 8ª e a 47ª (Nohl, p. 345). È
duvidoso inclusive que Hegel considerasse terminado o trabalho. De qualquer
forma, em sua carta a Schelling de 2 de novembro de 1800 fala de seus trabalhos
sistemáticos no presente, Claro que não podemos saber com certeza se a frase se
refere aos fragmentos conservados ou a inícios de novos trabalhos (Rosenkrantz,
p. 143). Não conhecemos trabalhos preparatórios de Hegel para este sistema
nem tampouco outros trabalhos contemporâneos do filósofo. Na seção seguinte
falaremos da nova introdução à Positividade do Cristianismo, que é posterior.
Com base no exame do manuscrito, Hoffmeister afirma que o pequeno artigo de
Hegel sobre o Wallenstein de Schiller, que até agora se incluía entre os escritos
posteriores berlinenses (vol. XX da ed. Glockner, p. 465 e ss),é também desta
época (Hoffmeister, p. 456 e ss). Como o artigo acrescenta apenas variações
sobre o tema, já conhecido da concepção do destino que estudamos, nos
limitaremos a registrar o fato. (retornar ao texto)

(2) Sobre essas relações de Hegel em Iena cf. Rosenkrantz, p. 220. (retornar ao
texto)

(3) Hoffmeister, p. 288 e ss. 470 e ss. (retornar ao texto)

(4) Nohl, p.346. (retornar ao texto)

(5) Nohl, p. 346. (retornar ao texto)

(6) Nohl, p. 346. (retornar ao texto)

(7) Nohl, p. 346e ss (retornar ao texto)

(8) Nohl, p. 347. (retornar ao texto)

(9) Nohl, p. 348. (retornar ao texto)

(10) Nohl, p. 347. (retornar ao texto)

(11) Nohl, p. 348. (retornar ao texto)

246
(12) Nohl, p. 347. (retornar ao texto)

(13) Lenine, Materialismo e Empiriocriticismo, Berlim, 1952, p 187-88. (retornar


ao texto)

(14) Nohl, p. 347. (retornar ao texto)

(15) Lenine, Cadernos Filosóficos, loc. Cit., p 54 e 57. (retornar ao texto)

(16) Lasson, p. 428 (retornar ao texto)

(17) Nohl, p. 349 e ss. (retornar ao texto)

(18) Nohl, p. 350. (retornar ao texto)

(19) Nohl, p. 351. (retornar ao texto)

(20) 20 – Nohl, p. 351. (retornar ao texto)

247
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo II - A Crise das concepções sociais de Hegel e os começos do seu


método dialético
8 - Uma nova formulação do problema de positividade

O mais recente trabalho realizado por Hegel em Frankfurt é uma nova


introdução ao seu grande manuscrito do período de Berna, "A Positividade
da Religião Cristã". O próprio Hegel datou o começo de seu trabalho em 24
de setembro de 1800, isto é, logo após o fim do Fragmento do Sistema(1).
Como este é um pequeno manuscrito, a data de início do trabalho é
suficiente. A principal direção metodológica da introdução é completamente
oposta ao manuscrito original de Berna. Não se sabe se Hegel pretendia
reformular radicalmente a versão original de seu novo ponto de vista, se ele
realizou esse retrabalho e quando o completou.

A análise da composição não apresenta dificuldades particulares após


conhecer os manuscritos anteriores do período de Frankfurt, uma vez que,
em essência, aqui encontramos uma generalização de tendências pré-
existentes. Vamos destacar principalmente aqueles momentos em que certas
tendências adquiriram a forma mais madura, aproximando-se de uma
posição que foi defendida mais tarde, e em que a mudança em sua posição
anterior e a crítica às atitudes características do período de Berna foram mais
claramente reveladas.

Em termos metodológicos, a definição do conceito de “ideal” é de particular


interesse, uma vez que aqui temos a primeira, longe da clara antecipação do
que Hegel designou posteriormente pelo termo “conceito concreto”. A
palavra "ideal" é repetidamente encontrada nos manuscritos de Berna e
Frankfurt, mas é sempre usada no sentido usual ou no sentido que Kant lhe
deu. O termo é, naturalmente, de natureza mais ou menos aleatória, e Hegel
logo o abandonou. A essência da questão é ainda mais importante. Depois
que a contradição dialética adquire um novo entendimento no Fragmento
do Sistema, não se deve se surpreender que surja um conceito que leve a
um “conceito concreto”. Mas neste trabalho, Hegel define a tarefa da
filosofia como uma preparação negativa e crítica da religião, como a sua
remoção na religião e tudo concreto atribui à religião. E se agora ele procura
e encontra integridade concreta mesmo em categorias filosóficas, então esta
é apenas mais uma confirmação de nosso pensamento de que o método e
sistema de Hegel durante o período de Frankfurt estavam em conflito um

248
com o outro, e o desenvolvimento de Hegel no caminho da dialética foi
assim. a maneira como ele desenvolve um método contrário às suas
intenções de criar um sistema.

Hegel contrasta concretude e historicidade com os ideais de abstração e anti-


historicidade dos conceitos universais. Ele diz: "O ideal da natureza humana
é algo completamente diferente dos conceitos gerais do destino do homem e
da relação do homem com Deus. O ideal, claro, admite tudo de especial e
tudo definido, requer até ações religiosas específicas, sentimentos, ritos,
requer certo excesso, requer muita coisa tão excessiva que, à luz fraca dos
conceitos universais - apenas gelo e pedra”(2). A formulação de Hegel ainda
está longe da clareza metodológica e da certeza, mas aqui surge a ideia pela
primeira vez de que a generalização conceitual não necessariamente implica
um esgotamento de conteúdo, ao contrário, uma generalização filosófica
real, graças à completude das definições nele feitas, torna-se mais rica e mais
especificamente do que em um nível mais alto de universalidade.

A natureza emocional do período de Frankfurt manifestou-se na maneira


como Hegel define conceitos: ele não separa as generalizações de que
necessita do estado histórico real subjacente a essas generalizações. Essas
generalizações, ainda não processadas logicamente ou semiprocessadas,
claramente guardam todos os vestígios desse estado histórico. Idealmente,
aqui está um conceito geral que leva a um conceito específico, mas está
separado do escopo de aplicação de um conceito específico, da positividade
religiosa. É verdade que mesmo no final Hegel sempre encontramos a
completude do material concreto com o qual ele anima e torna mais claras
as conexões lógicas mais abstratas, mas é necessário distinguir claramente a
riqueza de sua metodologia adicional, sua maturidade em comparação com
sua interpretação de Frankfurt, quando a razão subjacente à definição.

O movimento de Hegel em direção a um conceito concreto tem um caráter


dualista. Por um lado, aqui começamos o caminho para uma nova lógica -
para incorporar na lógica dialética as características das coisas, os
fenômenos históricos, etc., e assim construir uma metodologia (embora
inconscientemente, com uma orientação idealista), teoricamente refletindo a
riqueza e o movimento das definições reais da realidade objetiva. Por outro
lado, a tendência para concretizar a estrutura lógica leva Hegel a justificar a
religião antes da razão e da razão.

As observações introdutórias do ensaio hegeliano sob consideração contêm,


de acordo com isso, uma ampla e detalhada polêmica com a filosofia do
iluminismo, especialmente com sua interpretação da religião e da história da
religião. Em suas observações introdutórias, Hegel opôs-se energicamente à
filosofia defendida pelo Iluminismo do contraste gritante entre religiões
positivas e religião natural. Ele rejeita a premissa de que "há apenas uma

249
religião, uma natural, uma vez que existe uma única natureza humana, mas
que pode haver muitas religiões positivas"(3).

Hegel rejeita a derivação da religião e seu papel histórico dos conceitos


universais da natureza humana. "O conceito universal da natureza humana
não é mais suficiente; o livre arbítrio acaba sendo um critério unilateral, já
que os costumes e tipos de pessoas, e a religião que se interliga com eles,
não dependem de sua definição em conceitos ... Os conceitos universais da
natureza humana são vazios demais para compor uma medida especial
acidentalmente mais versátil - as necessidades de um espírito religioso”(4).

O lado progressista das aspirações hegelianas desta época é que ele não
quer condenar filosoficamente e moralmente o passado da humanidade,
mas compreendê-lo em um movimento e complexidade específicos. Tendo
dado uma série de argumentos da filosofia iluminista contra a religião, ele
diz: "este tipo de explicação implica profundo desprezo por uma pessoa.
Uma ideia rudemente ignorante de sua mente ... eles perguntam sobre a
verdade da religião, mas não em conexão com os costumes e caráter dos
povos e eras, mas a resposta tais: religião era simples superstição, engano e
estupidez”(5). Hegel protesta apaixonadamente contra a noção de que "as
crenças de muitos séculos, que milhões de pessoas viveram e morreram
durante todo esse tempo, que consideravam dever e verdade sagrada - tudo
isso ... era um absurdo vazio ou mesmo imoralidade, pelo menos como
opiniões”(6).

Já a partir dessas citações fica claro que o fortalecimento da historicidade


implica a justificação histórica e filosófica de Hegel da religião, não apenas
no sentido de que as religiões do passado são reconhecidas como forças
históricas reais e historicamente investigadas as condições sociais de sua
aparição e desaparecimento, mas também no sentido de justificação
filosófica da eternidade. e relevância da religião. Isto não é surpreendente
depois de explorar as tendências gerais do período de Frankfurt. É
necessário, diz Hegel, “pelo menos assumir que uma pessoa tem um
sentimento natural ou consciência de um mundo suprassensível, um senso
de dever para com o divino ... que tudo mais elevado, nobre e bom numa
pessoa é algo divino, vem de Deus, existe um espírito que procede dele”(7).

Em essência, esta é uma aplicação à história da filosofia religiosa, defendida


no "Fragmento do sistema". Mas seria unilateral ver nisso a única tendência
no desenvolvimento dos pontos de vista de Hegel nesse período. A exaltada
religião aqui expressa, que é um dos lados de seu idealismo, não
desapareceu nos estágios subsequentes depois de superar o misticismo
extremo do período de Frankfurt. Mas, ao mesmo tempo, Hegel tem uma
séria tendência histórica para interpretar o cristianismo como uma força
espiritual, que por dois milênios determinou significativamente o bem e o

250
mal, progressiva e atrasada na cultura européia. Nas observações
introdutórias sobre este manuscrito, Hegel dá uma visão ampla da influência
política, social e cultural do cristianismo. que muitas censuras em relação ao
cristianismo poderiam ser tomadas textualmente a partir das obras do
período de Berna. Como este é o primeiro esboço histórico de Hegel, é
necessário citar este raciocínio textualmente.

"A religião cristã foi reprovada ou elogiada por ser capaz de se adaptar aos
costumes mais diferentes, ao modo muito diferente de vida e estrutura de
vida. Sua depravação se torna a corrupção do estado romano, e chega ao
poder quando este império caminha para seu fim, além disso, é
imperceptível que sua queda seja retardada pela religião cristã, pelo
contrário, graças a este evento, a região deste último está se expandindo, e
ao mesmo tempo aparece como a religião de romanos e gregos, durante o
tempo da escravidão atolada na parte inferior. vícios , e ... como uma
religião o mais ignorante, o mais selvagem, mas também os bárbaros mais
livres Foi a religião e os estados italianos no momento perfeito de sua
liberdade ousada -. Idade Média, e dura e as repúblicas suíços gratuitos, e
moderada - em um grau muito diferente - as monarquias da Europa em um
tempo mais recente, bem como a religião dos servos mais oprimidos e seus
senhores: ambos vão para a mesma igreja. Liderados pela cruz, os espanhóis
na América destruíram gerações inteiras de pessoas, os britânicos,
devastando a Índia, conduziram hinos cristãos de ação de graças. As
melhores flores das belas artes nasceram e cresceram em seu seio, a alta
construção das ciências subiu ao céu e as artes plásticas foram exiladas em
sua honra, e o desenvolvimento da ciência foi equiparado ao ateísmo. E em
qualquer clima a árvore da cruz floresceu, em todos os lugares onde se
enraizou, em todos os lugares produzia frutos. Os povos da alegria da vida
estavam ligados a ela [religião], e a tristeza mais desesperada encontrou nela
alimento para si e uma desculpa” Liderados pela cruz, os espanhóis na
América destruíram gerações inteiras de pessoas, os britânicos, devastando a
Índia, conduziram hinos cristãos de ação de graças. As melhores flores das
belas artes nasceram e cresceram em seu seio, a alta construção das ciências
subiu ao céu e as artes plásticas foram exiladas em sua honra, e o
desenvolvimento da ciência foi equiparado ao ateísmo. E em qualquer clima
a árvore da cruz floresceu, em todos os lugares onde se enraizou, em todos
os lugares produzia frutos. Os povos da alegria da vida estavam ligados a ela
[religião], e a tristeza mais desesperada encontrou nela alimento para si e
uma desculpa “" e o desenvolvimento da ciência foi equiparado à falta de
deus. E em qualquer clima a árvore da cruz floresceu, em todos os lugares
onde se enraizou, em todos os lugares produzia frutos. Os povos da alegria
da vida estavam ligados a ela [religião], e a tristeza mais desesperada
encontrou nela alimento para si e uma desculpa “e o desenvolvimento da
ciência foi equiparado à falta de deus. E em qualquer clima a árvore da cruz

251
floresceu, em todos os lugares onde se enraizou, em todos os lugares
produzia frutos. Os povos da alegria da vida estavam ligados a ela [religião],
e a tristeza mais desesperada encontrou nela alimento para si e uma
desculpa”(8).

É verdade que essa descrição bastante longa apenas apresenta, em vez de


resolver problemas. Durante esse período, Hegel estava longe de encontrar
uma resposta para uma questão tão complexa de desenvolvimento histórico.
Mas uma declaração tão ampla da questão mostra como a concretude
histórica de seus pontos de vista aumentou em comparação com o período
de Berna. Ao mesmo tempo, vemos que a negação hegeliana da
metodologia histórica do iluminismo, a adoção do conceito geral de
"homem" como ponto de partida da metodologia, está intimamente ligada a
uma compreensão mais ampla da complexidade e do entrecruzamento do
desenvolvimento da história.

O desejo de formular conceitos concretos decorre precisamente de tais visões


históricas. No final da passagem que acabamos de citar, Hegel complementa
sua definição de ideal: “Mas a vida selvagem, para todo o sempre, é algo
diferente do conceito da natureza e, portanto, tudo que era uma simples
modificação, pura coincidência, algo supérfluo se torna necessário. vivo e
talvez até o único natural e belo”(9).

É claro que tais posições iniciais inevitavelmente levam a uma historização


cada vez mais do conceito de positividade. Hegel não pergunta mais: o que
é positividade? Agora ele se pergunta como a religião se torna positiva. Mas,
apesar do historicismo, cuja origem já pode ser vista nas brochuras políticas
de Hegel em Frankfurt, seria errado contrastar nitidamente, como os neo-
hegelianos tentam fazer, com o "histórico" Hegel, que está sob a influência
do Iluminismo, com o "não-histórico" Hegel. Não importa quão metafísicos e
não históricos sejam os conceitos apresentados por Hegel durante o período
de Berna, seu objetivo é construir um conceito geral do processo histórico. E
não importa o quanto Hegel seja impedido de compartilhar seus pontos de
vista com as visões filosóficas do Iluminismo, a criação de um sistema de
conceitos, Pretendia-se recriar a teoria do entrelaçamento histórico, mas a
amplitude de pontos de vista em suas primeiras obras históricas foi formada
sob a influência positiva dos historiadores do Iluminismo. Os apologistas
reacionários negam o fato de que o período do Iluminismo de Gibbon a
Condorcet, com todas as limitações do historicismo, foi um século de
grandes conceitos históricos, perdurando na importância das realizações da
historiografia.

Por outro lado, as limitações idealistas do conceito hegeliano da história


desse período não podem ser negligenciadas. Simpatia alimentada
historiografia reacionário conhecidos lados tendencialmente escolhidos,

252
exagerada e mal interpretados de concepção de Hegel da história, com base
em uma determinada interpretação da génese da consciência histórica de
acordo com a qual a verdadeira abordagem histórica surgiu na literatura
reação dirigida contra a Revolução francesa (E. Burke), e leva contornando
Hegel, Ranke e historiografia apologética.

Se quisermos entender corretamente os pontos fortes e fracos do emergente


conceito hegeliano de história, então é necessário perceber a futilidade dessa
construção. O historicismo surge da luta ideológica em torno da Revolução
Francesa, cuja tendência principal, como a filosofia iluminista, é a
justificação da necessidade do progresso humano, historicismo, que procura
provar a necessidade do progresso humano por um conhecimento profundo
dos fatos, tendências de desenvolvimento e leis da história. a verdadeira
linha de desenvolvimento da consciência histórica e, ao mesmo tempo, o
lugar que Hegel ocupa nesse desenvolvimento.

Obviamente, o “reconhecimento” hegeliano como um fato da existência da


religião era de importância decisiva, mas ao mesmo tempo era um lugar
ideologicamente fraco para o conceito hegeliano de história,
indissoluvelmente ligado ao seu idealismo filosófico.

A premissa de que a religião é “eterna”, que corresponde ao “ideal da


humanidade”, é tão metafísica quanto o conceito de humanidade universal,
que Hegel critica severamente.

E se Hegel começa a desenvolver uma abordagem verdadeiramente


histórica, então não é o resultado das tendências de seu pensamento que os
apologistas reacionários tanto valorizam, mas as tendências que são
diretamente opostas. Ele foi capaz de criar uma filosofia significativa da
história, apesar dessas tendências, e não graças a elas.

Vamos examinar como Hegel formula sua nova posição em relação à


positividade. As tendências que o levaram a esta posição foram consideradas
na análise da brochura sobre Württemberg, a brochura sobre a "Constituição
da Alemanha", uma série de citações do "Espírito do Cristianismo". Agora ele
dá ao fato da positividade uma formulação mais dura e decisiva. "Afinal,
tudo pode ser natural - e ter medo do desconhecido, e negar sua própria
vontade por vontade própria, e humildemente obedecer a essas regras, em
seus atos e em sua aposentadoria, em palavras e em silêncio, para serem
esquecidos sem qualquer sentido. e compreensão, mergulhando na
escuridão surda do sentimento - por um curto período de tempo ou por toda
a vida ... uma religião que seria imbuída de tal espírito, mas também se
tornaria uma religião positiva, desde que seria proporcional à sua natureza
por agora. É verdade que a natureza que precisaria de tal religião é uma
natureza miserável; mas tal religião cumpriria seu objetivo final, daria algo

253
mais elevado a essa natureza, em que tal natureza encontraria satisfação, e
com a qual somente ela poderia se dar bem. "Hegel continua:" É claro que a
religião agora se tornou positiva, mas só se tornou assim, mas inicialmente
não foi ... "

Quando isso se transforma em positividade? Vemos que a religião,


proporcional à "natureza miserável", não foi positiva. "... Somente quando
um espírito diferente é despertado, quando a natureza (do homem - G. L. )
ganha autoestima e, portanto, requer liberdade para si mesma ... só então
sua antiga religião lhe parece positiva"(10).

Assim, se a religião se mostrar positiva, é sinal de um golpe vindouro. Hegel


historizou o conceito de positividade, mas aqui sua posição está
completamente em desacordo com a posição dos românticos, que (por
exemplo, a escola histórica do direito) viam o fato da existência de certa
instituição, em sua positividade um argumento para sua proteção e
santificação. Hegel, pelo contrário, considera a positividade como um sinal
de que o desenvolvimento histórico ultrapassou determinada religião, que
merece ser destruído pela história e que a história deve destruí-la.

Esse oposto dos românticos nos permite esclarecer outro importante aspecto
novo na posição metodológica de Hegel. Ele se recusa a discutir se certos
dogmas ou instituições do cristianismo são positivos ou negativos. Exige que
a positividade seja sempre explorada como algo inteiro: "... o conteúdo de
tal visão ... sempre se relacionará com o todo"(11). Hegel deixa apenas alguns
pequenos comentários muito gerais sobre essa questão. Mas ainda é
necessário considerá-los. Em primeiro lugar, porque aqui pela primeira vez
essa abordagem holística se manifesta claramente, o que é então expresso
na metodologia filosófica e histórica da "Fenomenologia", - "O verdadeiro é
o todo". Em segundo lugar, porque a moderna filosofia reacionária
hegeliana atribui a si mesma o mérito de desenvolver uma abordagem
holística, considerando o todo. Ela transforma o todo em um conceito
metafísico, excluindo qualquer consideração histórica real, qualquer
desenvolvimento, criando sucessivas sucessões no curso da história e, ao
mesmo tempo, compreendendo a integridade, contrastando de forma nítida
e completa com a causalidade (lembre-se O. Spann).

Como não há escassez de tentativas de aproximar as visões de Hegel de tais


tendências reacionárias, para transformá-lo no ancestral dessas direções
reacionárias, é aconselhável citar uma série de lugares do estudo histórico
posterior de Hegel, onde ele aborda um exemplo concreto para explicar a
essência da positividade e usa essa abordagem para analisar a integridade.
No ensaio "Métodos científicos do estudo do direito natural" (Iena, 1803),
Hegel discute a essência do feudalismo e seus remanescentes na Alemanha e
explora a extensão em que pode ser considerado como uma forma de

254
positividade. Ele diz: “Então, por exemplo, o dispositivo pode parecer algo
completamente positivo ... se é positivo em seu aspecto interno, em relação
à vida, depende se as pessoas realmente se organizam nele como um
indivíduo, Ele preencheu completamente a forma deste sistema, ele penetrou
nele com sua vitalidade ... Se o gênio de uma nação é geralmente em um
nível mais baixo e mais fraco, e a fraqueza da moralidade é mais palpável na
barbárie e cultura formal, se esta nação permitisse qualquer outra para
derrotá-la, ela perdeu sua independência, portanto, ela preferiu a
infelicidade e a vergonha de perder a independência para a luta e a morte ...
então a verdade absoluta está encerrada no dispositivo e na escravidão, e
essa atitude é a única forma possível de moralidade e, portanto, a forma de
necessário, justo e moral"(12). Assim, a consciência de amargura da
insignificância das relações sociais e nacionais da Alemanha leva Hegel a
considerar os remanescentes feudais de seu tempo como um estado
correspondente à "natureza miserável" e, portanto, não positiva. Se na
Alemanha houvesse um movimento real contra esse estado insignificante,
então, de acordo com o entendimento de Hegel, as mesmas relações teriam
de ser avaliadas como positivas.

A tendência à concretude histórica implica ainda outra definição importante


na doutrina da positividade de Hegel nesse período. Deve ser lembrado que,
no período de Berna, alguns pontos de vista, religiões, instituições foram
marcados como positivos desde o início, enquanto outros estavam absoluta
e metafisicamente livres deste estigma vergonhoso. Agora, Hegel está
radicalmente quebrando essa metodologia ... "todo ensinamento e todo
mandamento podem se tornar positivos ... e não há ensino que em certas
circunstâncias não seria verdade, não há mandamento que não seria um
dever cumprir em certas circunstâncias, porque e aquilo que pode ser
considerado a verdade da mais pura água, em vista de sua universalidade
em circunstâncias especiais, requer aplicação especial, limitação, isto é, não
em todas as condições uma verdade incondicional"(13). Aqui Hegel chegou
perto do conceito da dialética histórica do verdadeiro e do falso, como é
apresentado na "Fenomenologia do Espírito" e no seu sistema posterior.

É verdade que isso, como todo passo em direção à dialética de Hegel, pode
ser visto de dois lados. O lado idealista e regressivo desta abordagem à
dialética histórica do verdadeiro e do falso está no reconhecimento
incondicional da religião cristã, na mitigação de polêmicas históricas com
ela. A observação pela qual Hegel precede a passagem que acabamos de
citar parece, talvez, à primeira vista e inocentemente. Ele diz: “A questão da
positividade da religião não diz respeito ao conteúdo do credo e aos
mandamentos da religião, mas a forma pela qual a religião afirma a verdade
de seus ensinamentos e requer o cumprimento de seus mandamentos”(14).
Esta afirmação contém um verdadeiro núcleo histórico, uma vez que Hegel
se concentra na diferença de se certo ensinamento é introduzido na
255
consciência e educação de uma pessoa livremente e voluntariamente, ou
para preservar o poder, a violência etc. Mas se você relacionar esta
afirmação com a citada Anteriormente, a disposição de que a atitude
religiosa para com Deus é algo eterno, que o bem e a nobreza de uma
pessoa vem de Deus, não é difícil ver nele um desejo idealista-reacionário de
excluir a "essência da religião" do processo histórico formação e
desaparecimento e sujeito à crítica histórica apenas certos modos históricos
de manifestação da religião pela sua natureza positiva.

Essa dualidade, uma mudança na atitude de Hegel em relação à religião


cristã, é expressa de várias formas. As citações acima sugerem que esta obra
de Hegel transbordará e glorificará o cristianismo. Mas imediatamente após
eles, ataques energéticos seguem o dogma fundamental do cristianismo
sobre Cristo como o Salvador, em seu papel de mediador entre a
humanidade e Deus. Hegel diz: "Mas tal visão é grosseiramente positiva
quando a natureza humana está absolutamente dissociada do princípio
divino, quando nenhuma mediação é permitida - exceto em um indivíduo -
e toda consciência humana do bom e divino é menosprezada para escurecer
as trevas, para a destrutividade da fé. em algum começo completamente
estranho e onipotente"(15). Não há saída para a dualidade também porque
essas visões de Hegel frequentemente chegam perto das visões de certas
seitas cristãs. Hegel, como foi mostrado, criticou o cristianismo precisamente
por seu caráter sectário e pela maior parte das seitas tratadas de forma mais
negativa do que a própria igreja.

Estamos falando da irresistível dualidade do idealismo hegeliano. A


compreensão do desenvolvimento histórico e da sociedade burguesa muitas
vezes leva Hegel além dos limites da cosmovisão cristã. Uma penetração
profunda na dialética das interconexões o empurra inexoravelmente para tal
visão do mundo em que o deus cristão é completamente redundante. Vale
ressaltar que, após a citação acima, ele observa que uma solução para a
questão da positividade do cristianismo, a mediação da relação entre o
homem e Deus pode ser encontrada apenas com a correta compreensão da
relação entre o finito e o infinito. Numa breve introdução ao seu antigo
manuscrito, Hegel, é claro, não poderia discutir esse problema filosófico em
mais detalhes. Sua solução para este problema no "Fragmento do sistema"
sabemos apenas nos termos mais grosseiros. Mas já em Iena, ele está
procurando a formulação dialética correta deste problema, e foi sua
descoberta da dialética do infinito e finito que tornou possível considerar o
infinito sem qualquer transcendência, sem qualquer outro mundo. Essa
interpretação dialética do infinito, assim como as aspirações semelhantes de
Goethe, é muito adequada para privar a fé religiosa em Deus de qualquer
base filosófica. Mas, ao mesmo tempo, é impossível não ver que a base
idealista dessas relações dialéticas constante e de uma nova maneira
introduz na filosofia, parece, já superou as crenças religiosas. A irresistível
256
dualidade e ambiguidade da filosofia hegeliana é, como foi dito, uma
consequência necessária de seu idealismo, e o idealismo se deve ao
desenvolvimento específico da sociedade burguesa na Alemanha. Até
mesmo Goethe, que está muito mais próximo do materialismo,

É verdade que, em Hegel, essas ideias mudam muito. Em Frankfurt, a crise


chega ao clímax. Mas a natureza específica da relação dual com o
cristianismo tem certas raízes em Hegel, que no período do iene encontrou
uma expressão ainda mais distinta.

As ilusões, segundo as quais as contradições da sociedade burguesa em si


podem ser superadas, não apenas fortalecem a tendência geral e idealista
básica da filosofia hegeliana, mas também recebem uma expressão especial
precisamente na religião. Hegel pode mais facilmente chegar a um acordo
com as contradições do cristianismo, muitas vezes combinam uma atitude
nitidamente negativa em relação a ele com tentativas de manter um conceito
orientado pela religião, porque ele vê uma saída das contradições da
sociedade burguesa na criação de uma nova forma de religião que supera o
cristianismo (este conceito será analisado mais detalhadamente. período).

Somente após o colapso do império de Napoleão, e com isso nas ilusões


napoleônicas, Hegel foi forçado a finalmente se reconciliar com a sociedade
capitalista como um mundo de “prosa”, o cristianismo se tornou a forma
histórica final de religião para ele, e assim essa dualidade atinge sua mais
alta expressão. Mas, ao mesmo tempo, em seus trabalhos subsequentes, o
conceito mais completo e verdadeiramente dialético da sociedade civil é
formado. Olhando para o futuro, apontamos um ponto muito significativo: a
comprovação filosófica das "propriedades" (estrutura de classes da sociedade
civil) com o desenvolvimento das concepções de Hegel torna-se muito
menos ideológica e cada vez mais abordagens ao conhecimento dos
fundamentos materiais da sociedade burguesa.

Assim, é possível afirmar uma posição que soa muito paradoxal, mas
expressa a viva contradição de Hegel: quanto mais se afasta dos ideais
revolucionários de sua juventude, mais e mais decisivamente "se reconcilia"
com o domínio da sociedade burguesa, menos pensa vai além, cada vez
mais conscientemente se manifesta como dialético. A interpretação dialética
do progresso humano, que ele apresentou pela primeira vez em uma base
não abrangente. em termos históricos e filosóficos, uma forma significativa
na "Fenomenologia do espírito" só era possível nessas condições históricas
específicas com base em tais contradições. Analisando o período de
Frankfurt, mostramos as sementes da controvérsia em seu pensamento. No
período de Iena, eles se tornam mais pronunciados e expandidos. Além
disso, vamos discuti-los em mais detalhes.

257
Sem dúvida, a base desse entendimento surgiu durante o período de crise
da vida e do pensamento de Hegel - em Frankfurt. Do ponto de vista
literário, o legado de Hegel do período de Frankfurt é tanto uma pilha de
fragmentos e esboços quanto seu legado de Berna. No entanto, se a
reconstrução dos esboços de Berna permitir que você crie uma tela ampla e
uniforme, então o resultado do período de Frankfurt é um caos de
tendências fortemente conflitantes. No entanto (e essa era a tarefa deste
capítulo) foi precisamente do caos das contradições não resolvidas que a
dialética hegeliana se originou: a gênese desse método de desenvolvimento
teórico da realidade é o resultado do período de Frankfurt.

Mais tarde, Hegel não atribuiu grande importância às composições dos


períodos de Frankfurt ou Berna. Em qualquer caso, o iene inicia uma fase
excepcionalmente frutífera de sua atividade, que, com exceção de uma
tentativa de completar o ensaio sobre a constituição alemã, não está
diretamente relacionada à atividade literária de Frankfurt.

Hegel, de 30 anos, viaja para Iena como um completo estranho para o


público leitor, sem um único manuscrito, cuja publicação ele poderia pensar
seriamente. Apesar disso, ele viaja para Iena com uma consciência orgulhosa
e justa de sua igualdade com o mais proeminente e importante filósofo da
época, um amigo de sua juventude - Schelling.

Em 1800, o pai de Hegel morre, deixando-lhe uma herança muito modesta,


que, no entanto, permitiu que Hegel deixasse o lugar de mestre familiar e
realizasse trabalhos científicos durante vários anos sem pensar em
preocupações materiais. Ele decide fazer de Iena a cena de sua atividade e
relata essa decisão a Schelling depois do que parece ser uma quebra de
correspondência. Trechos desta carta mostram com que firmeza e confiança
Hegel, que nunca foi conhecido antes, se dirige a seu famoso amigo. Em 2
de novembro de 1800, ele escreveu a Schelling: "Estou observando seus
grandes sucessos públicos com admiração e alegria. Você me poupa de falar
sobre isso em tom humilde ou desenhar na sua frente. Vou escolher um
meio melhor e dizer que espero que encontre amigos de novo, na minha
formação científica, que começou com as necessidades secundárias do
homem, fui à ciência, e o ideal de meus anos de juventude não pôde deixar
de se transformar em uma forma de reflexão, em algum sistema; Agora,
quando ainda estou ocupado com este problema, pergunto-me: o que posso
encontrar de volta para penetrar na essência do homem? De todas as
pessoas que vejo ao meu redor, só em você eu encontro alguém que eu
poderia considerar como meu amigo também no sentido de sua auto
expressão e influência no mundo, pois vejo que você entendeu uma pessoa
em sua forma pura, isto é, em toda a plenitude de sua alma e além de toda a
confusão. Quanto a mim, tenho tanta confiança em você que espero que
você reconheça meu desejo altruísta - mesmo que seu escopo fosse baixo - e

258
você encontrará algum significado nisso. Desejando e esperando para vê-lo,
no entanto, muito antes disso"(16).

Este estado de espírito é consoante com o epigrama que já citamos na


introdução como um símbolo que indica o final do período de Frankfurt:

"... não deixe você se tornar melhor que o Tempo, - O próprio tempo será
exaltado pelo seu esforço ousado."

Para que o leitor envolvido no desenvolvimento das visões do jovem Hegel


possa navegar em suas obras, apresentaremos sua cronologia na forma de
uma tabela.

Tabela cronológica de fragmentos publicada por Hegel

Paginas de Nohl Título Datas documentadas

Tubinga:

3-30 Religião Nacional e antes de 1793


Cristianismo

355-9 Esboços

Berna:

30-35 Vida Nacional e


Cristianismo

359-60 Esboço

36-47 Vida Nacional e


Cristianismo

48 – 60 —— —

70- 71 — —

60 – 69 — —

75 – 136 Vida de Jesus de 9/05 a 2/07 de 1795

259
361-62 Esboço

362-366 —

152-213 A positividade da 2/11/1795 a 29/4/1796


religião cristã

213 - 239 —

366-7 Esboço

Frankfurt:

368-74 Espírito do judaísmo

374-77 Moralidade, Amor,


Religião

377-378 Amor e Religião

378-82 O Amor

382-85 Fé e Ser

385-395 Esboço de Espirito do


Cristianismo

243-342 Espirito do Cristianismo

398-402 Apêndices ao Espirito do


Cristianismo

345-351 Fragmentos do Sistema

139-151 Nova Introdução à Começado em


“Positividade” 14/09/1800
Terminado em
24/09/1800

260
(1) Nohl, p. 139. (retornar ao texto)

(2) Nohl, p. 142. (retornar ao texto)

(3) Nohl, p. 159. (retornar ao texto)

(4) Nohl, p. 141. (retornar ao texto)

(5) Nohl, p. 144. (retornar ao texto)

(6) Nohl, p. 143. (retornar ao texto)

(7) Nohl, p. 146. (retornar ao texto)

(8) Nohl, p. 140. (retornar ao texto)

(9) Nohl, p. 141. (retornar ao texto)

(10) Nohl, p. 141. (retornar ao texto)

(11) Nohl, p. 144. (retornar ao texto)

(12) Lasson, p. 405 e ss. (retornar ao texto)

(13) Nohl, p. 143. (retornar ao texto)

(14) Nohl, p. 143. (retornar ao texto)

(15) Nohl, p. 139. (retornar ao texto)

(16) Rosenkrantzl, p. 143 e ss. (retornar ao texto)

261
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo III – Fundamentação e defesa do Idealismo Objetivo

Em uma carta a Schelling, em que ele informa de sua intenção de se mudar


para Iena, Hegel fala de preocupação com a "fama literária" em Iena. Essa
preocupação de que o Iena era então o centro do movimento romântico não
se justificava inteiramente no momento de escrever a carta. A unidade do
círculo de românticos de Iena, com a qual Schelling estava então
intimamente associado, já começara a tremer gradualmente e então deixara
de existir. A revista da escola romântica, a "Athenaum" de Schlegel, parou de
publicar. A relação entre o principal teórico da escola romântica Friedrich
Schlegel e Schelling tornou-se cada vez mais tensa. A dissolução do
casamento entre August Wilhelm Schlegel e Carolina e o novo casamento de
Carolina com Schelling levaram a uma tensão ainda maior entre eles em
uma base teórica. Quando Hegel chegou a Iena, ela não era mais o centro
de um movimento romântico. Iena também perdeu outra personalidade
filosófica significativa - Fichte. Nos anos 1798-1799. em torno de Fichte, a
chamada discussão sobre o ateísmo se intensificou, e como resultado disso
ele foi forçado a desistir de sua cátedra em Iena e se mudar para Berlim.
Esta luta pela última vez uniu os românticos com Fichte e Schelling contra
seus adversários comuns. A eliminação de Fichte de Iena, a incapacidade de
resolver as diferenças de opinião em uma conversa amigável e amistosa,
sem dúvida fortaleceu os choques filosóficos futuros, embora suas causas, é
claro, fossem tão profundas que só pudessem ser afastadas das relações
pessoais, mas não resolvidas.

1 - O papel de Hegel na superação de Schelling e Fichte

Não obstante, Hegel chegou a Iena em um momento dramático para o


desenvolvimento da filosofia clássica alemã: na época da ruptura de
Schelling com a filosofia fichteana, quando a concretização consciente do
idealismo objetivo começou. A este respeito, Hegel fala publicamente pela
primeira vez (para a tradução anónima e comentários sobre brochuras
dificilmente pode ser considerado público, como apresentações) e
imediatamente se torna muito famoso. O jovem Engels claramente
reconheceu e expressou esse papel de Hegel: "Apenas uma coisa é certa, o
que exatamente Hegel trouxe à consciência de Schelling e até que ponto ele,
sem saber, foi além de Fichte"(1). O próprio Hegel afirma claramente isso no
prefácio de seu ensaio "A diferença entre os sistemas de filosofia de Fichte e

262
Schelling". “Esta diferença não se refletiu”, escreveu Hegel, “nem
diretamente na forma externa de ambos os sistemas, em que apareceram
perante o público, nem, entre outras coisas, nas respostas de Schelling às
repreensões idealistas de Eschenmeier contra a filosofia natural”(2).

O processo de diferenciação do idealismo alemão se desenvolveu de


maneira extremamente rápida. Não mais que dois anos antes do total (7 de
agosto de 1799), Kant publicou sua bem conhecida declaração contra "A
Doutrina da Ciência" de Fichte. Antes disso, Fichte ainda podia pensar que
não estava fazendo nada além de uma interpretação consistente da filosofia
de Kant e, com toda a probabilidade, achava que sim. Fichte, em suas
próprias palavras, defendeu o “espírito” dos ensinamentos de Kant contra
sua “carta”, contra as visões vulgares de vários kantianos. A declaração de
Kant pôs fim a uma situação obscura.

Um relato detalhado dessas diferenças está além do escopo de nosso


trabalho. Gostaríamos apenas de destacar brevemente dois pontos: Primeiro,
o fato de que o velho Kant objetou ardentemente à lacuna de espírito e letra.
Não importa quão vaga, confusa essa afirmação de Kant fosse; ele, no
entanto, viu corretamente que Fichte estava falando de uma filosofia
completamente nova, mas não de interpretar a sua própria filosofia.
Portanto, pode-se argumentar que este motivo para o surgimento de uma
nova filosofia não é desprovido de significado, porque ela - mutatis mutandis
- é repetida quando Schelling diverge de Fichte.

Hegel ocupa um lugar especial na filosofia clássica alemã e é extremamente


característico que quando ele discorda de Schelling, ele simplesmente e
claramente contrasta a filosofia antiquada com a nova, e aqui o problema de
apresentar um novo ponto de vista como reinterpretar o antigo não surge de
forma alguma.

Em segundo lugar, a fim de melhor entender as diferenciações posteriores no


idealismo alemão, deve-se enfatizar que Kant, em sua declaração
mencionada, se opõe ao fato de que na forma fichteana de "filosofia
transcendental" problemas substanciais são introduzidos na ciência.

Kant, em total concordância com suas visões gerais e, é claro, em


contradição com as tendências dialéticas inconscientes de sua própria
"filosofia transcendental", defende o ponto de vista de que a lógica pura
deveria abstrair todo o conteúdo. No futuro, veremos que é a inclusão de
problemas substantivos na lógica que se tornou um dos elementos essenciais
da lógica dialética hegeliana. Graças a isso, ele foi o primeiro capaz de
superar, e conscientemente, a lógica formal anterior. Com Kant, Fichte e
Schelling, como veremos em breve, a velha lógica formal permanece

263
intocada e, sem qualquer crítica, existe ao lado do novo método dialético
emergente.

Em relação às declarações de Kant, Fichte e Schelling são completamente


solidários. Ambos veem a ruptura aberta com Kant como algo inevitável e,
ao mesmo tempo, útil para o desenvolvimento da filosofia. Também é
importante notar que tanto Fichte quanto Schelling não consideram de
forma alguma a nova filosofia como algo completamente completo. Além
disso, ambos sabem que ainda estão em movimento, que a revolução
filosófica está longe de ser completa. Para ilustrar tais sentimentos, a carta de
Fichte a Schelling, escrita em 1799 após a declaração de Kant, é muito
característica. Nela, Fichte escreve sobre como o jovem Kant conseguiu, pelo
menos em termos gerais, entender o mais recente desenvolvimento da
filosofia. E é interessante que ele acompanhe esse julgamento com uma
observação que, pode-se dizer, aponta profeticamente para o jovem Hegel:
"Quem sabe, onde uma cabeça jovem e ardente está trabalhando agora, que
tentará ir além dos princípios da ciência e identificar seus lados e
imperfeições errados. E o céu não nos negará nossa graça, de modo que
não paremos com o pensamento de que esta é uma sofisticação estéril da
mente, e que não concordamos com isso (aqui Fichte observa alguns lugares
da declaração de Kant, G. L.), não devemos sucumbir a tal estado de
espírito ... e deixar um homem aparecer entre nós que ou prova a invalidade
dessas novas descobertas, ou, se ele não puder provar isso, aceita com
gratidão essas descobertas em nosso nome”(3).

Os anos que se seguiram imediatamente a essa carta mostraram que Fichte


não estava em condições de realizar seu programa.

As discrepâncias entre Fichte e Schelling já naquela época, embora


implícitas, surgiram, no entanto. Inicialmente, manifestaram-se em
desentendimentos pessoais e técnicos sobre vários projetos conjuntos para a
publicação da revista, referentes aos reagrupamentos internos da escola
romântica. No entanto, após o aparecimento da primeira obra sistemática e
generalizada de Schelling, "O Sistema do Idealismo Transcendental" (1800),
as contradições nas visões filosóficas foram reveladas com bastante clareza.

Deveria, é claro, ser reconhecido que esse trabalho de Schelling se destina


apenas à construção e à conclusão da ciência fichteana, mas não à sua
crítica e superação. De fato, no entanto, independentemente das intenções
conscientes de Schelling, seu trabalho já é uma tentativa de sistematizar o
idealismo objetivo. Está bem claro que Fichte não pôde se solidarizar com
este trabalho, embora ainda acredite plenamente nas intenções de Schelling
e, por muito tempo, permaneça na convicção de que Schelling e ele são
completamente unânimes em suas opiniões sobre os princípios básicos da
filosofia. Entre eles começa uma longa e completa correspondência filosófica

264
com o objetivo de eliminar todos os "desentendimentos" e restaurar a
harmonia anterior.

Fichte limpou a filosofia de Kant de suas "vibrações materialistas". Ele criou


um idealismo subjetivo puro. O subjetivismo filosófico de Fichte, no entanto,
tem um caráter muito especial. A sequência de sua posição conduz
objetivamente ao completo agnosticismo, mas o objetivo filosófico de Fichte
não me leva a isso. Ao contrário, como vemos, Fichte claramente procura
superar precisamente o agnosticismo cantonês, a incognoscibilidade das
coisas em si. E ele faz isso de uma forma radicalmente subjetiva, disputando
não a cognoscibilidade das coisas em si mesmo, mas sua existência. Ele vê
todo o mundo como "supostamente" por meio do eu (que não é idêntico à
consciência empírica de uma pessoa individual) e, portanto, é plenamente
cognoscível para esse sujeito imaginário e mistificado da filosofia. Segundo
Fichte,

Por meio do conceito brilhante e ao mesmo tempo cheio de contradições do


Eu, que toma o lugar da “consciência em geral” de Kant e não se opõe a ele
por um estranho, independente dele e do incognoscível mundo das coisas
em si, como Kant, ele prepara a transição para o idealismo objetivo , embora
sua filosofia em si não seja nada mais do que a mais radical, a qual você
pode pensar, a construção do idealismo subjetivo.

A tarefa é explicar e concretizar esse conceito do Self, é claro, em uma


direção ainda mais radicalmente idealista e mistificadora, para transformar o
que Fichte ainda age como uma "criação" teórica e cognitiva do mundo (sua
posição) em uma criação real, e diante de nós é idealismo objetivo. É o que
acontece no "Sistema de Idealismo Transcendental" de Schelling e, mais
tarde, em Hegel.

Em filosofia, Fichte fez um trabalho preliminar importante para Schelling e


Hegel em outro aspecto, a saber, no que diz respeito à dedução sistemática
de categorias. Na filosofia de Kant, as categorias são da mesma natureza
subjetivo-idealista que em Fichte. No entanto, em Kant, eles são
empiricamente conectados e não derivados. Kant, de fato, adotou uma
tabela de categorias da antiga lógica escolar. No entanto, ele, naturalmente,
deu uma série de novas interpretações de seu relacionamento entre si, mas
ele não coloca o problema de sua remoção um do outro. Uma afirmação
típica da questão na Crítica de Kant: "há juízos sintéticos a priori - como eles
são possíveis?" - mostra até que ponto Kant entende as categorias e seus
relacionamentos como algo dado (e aqui, também, a hesitação de Kant entre
materialismo e idealismo é visível). Em Fichte, pelo contrário, As categorias
originam-se na atividade postuladora do Eu: a partir do posicionamento e
oposição do Eu e do não-Eu. É assim que a tríade dialética de tese, antítese
e síntese surgem em Fichte.

265
De acordo com isso, Fichte reforça o “lado ativo” da filosofia clássica alemã,
da qual Marx fala em sua primeira tese sobre Feuerbach, é claro, com base
na transição para o idealismo puro.

A atividade moral de Kant é a única esfera na qual ele, por assim dizer,
rompe o mundo dos fenômenos e torna-se participante de um mundo
verdadeiramente existente, o mundo da essência. Portanto, podemos dizer
que a construção da ética de Kant leva a conclusões metodológicas que
afetam a teoria do conhecimento de Fichte. Assim, a imposição do mundo
através do Eu é chamada em Fichte "posição da ação" (Tathandlung).

A inevitabilidade do conflito entre Kant e Fichte pode ser claramente vista a


partir desses poucos traços, descritos por nós nos termos mais gerais. É
verdade que Fichte, a princípio, estava convencido de que ele era mais
consistente que Kant, desenvolvendo sua filosofia até o fim (espírito versus
letra). Na realidade, surge uma filosofia completamente diferente, que Kant
não pôde reconhecer para si.

Note que a relação de Fichte e Schelling entre si tem algumas semelhanças


com a relação de Fichte e Kant. Essa semelhança, no entanto, é muito
relativa. Desde o início, o ponto de partida da filosofia de Schelling foi
completamente diferente do de Fichte. A filosofia de Fichte é o ativismo
revolucionário da época, transferido para o idealismo alemão. E não é por
acaso que as primeiras obras de Fichte foram escritas em defesa da
Revolução Francesa, em defesa do direito à revolução. Fichte permaneceu
fiel a essas opiniões por um tempo relativamente longo.

Vamos abordar com mais detalhes algumas de suas visões na análise da


polêmica posterior de Hegel e Fichte sobre moralidade e filosofia do direito.
Em 1800, Fichte publicou seu ensaio "Um Estado Mercantil Fechado", no
qual Benjamin Constant vê um eco tardio da política econômica de
Robespierre. Podemos, portanto, dizer que o subjetivismo de Fichte exprime
em alemão, idealmente velado, a fé revolucionária em todo o renovador
poder de mudança revolucionário do homem. Para Fichte, fora de uma
pessoa que, é claro, é idêntica a uma pessoa moral, com o homo noumenon
fantasma kantiano, não existe realidade alguma. O mundo, especialmente a
natureza, é apenas um campo puramente passivo da atividade humana.

A filosofia de Schelling, ao contrário, surge da então crise de crescimento no


conhecimento da natureza. Schelling é um daqueles "entusiastas da
natureza" sobre os quais, referindo-se a Feuerbach, o jovem Marx escreve
em sua carta a Ruge(4).

No começo de sua filosofia, Schelling também não fez uma ruptura


consciente com a filosofia de Fichte, assim como a filosofia de Kant de
Fichte. Schelling está convencido de que está defendendo o verdadeiro
266
"espírito da ciência" e até percebe a diferença em um mar menor do que
Fichte de uma só vez. Ambos não se dissociam da filosofia kantiana há
muito tempo.

No futuro, veremos que, em muitos pontos cruciais, Schelling nunca


ultrapassou os limites das declarações kantianas de perguntas. No entanto,
esse ponto de partida geral da filosofia kantiana - de acordo com a
orientação interna do desenvolvimento de ambos os pensadores - é muito
diferente. Enquanto a Crítica da Razão Prática de Kant é um modelo
metodológico para todo o seu sistema filosófico, para Schelling, o
repensamento objetivamente idealista da Crítica do Juízo vem à tona. De
qualquer forma, a direção e que Fichte e Schelling “libertam” Kant de suas
inconsistências são muito semelhantes, mas o conteúdo do que se
desenvolve ainda é fundamentalmente diferente. A semelhança é que ambos
emprestam pesadamente da construção filosófica de Kant (construção) e a
formulação da questão. No entanto, o que Kant tinha como subjetivismo
agnóstico, Schelling se desenvolve em algo objetivamente idealista. As novas
afirmações kantianas sobre a teleologia, com as quais trataremos abaixo e
em mais detalhes, a nova e peculiar aplicação dessas afirmações à vida
orgânica, à totalidade da natureza e à arte formam o ponto de partida
metodológico da filosofia especificamente Schelling.

A direção em que Schelling se comprometeu a realizar a transformação da


filosofia de Kant levou inevitavelmente ao fato de que o desenvolvimento e a
derivação de categorias dialéticas nele eram muito mais claras e decisivas do
que em Fichte. Em Kant, uma contradição se desenvolve apenas até a
formulação das antinomias necessárias; significava apenas autodestruição
dialética no mundo dos fenômenos. Além disso, para Kant, não havia
unidade de contradições, nenhum conhecimento baseado na natureza
contraditória do mundo. O único ponto em que, de acordo com os pontos
de vista de Kant, uma pessoa entra em contato com uma entidade real, o
mundo da ética, está do outro lado de qualquer contradição. Em contraste,
já tivemos a oportunidade de ver que a contradição de Fichte se tornou uma
força metodológica, com a qual, segundo Fichte, um sistema de categorias
deveria ser construído.

Assim, surge o problema: como, através do qual corpo tal conhecimento


pode ser realizado? Para Kant e Fichte, as experiências no campo da pura
moralidade (consciência, etc.) formam a base. Passando para outro nível e
repensando esse princípio, Fichte chega à formulação do conceito de
"atividade criativa" (Tathandlung) - o princípio fundamental de sua teoria do
conhecimento.

Partindo dos fundamentos morais desse conceito holístico, Fichte nega


qualquer objeto que exista independentemente do homem, da consciência.

267
Consequentemente, a possibilidade de conhecer a autocriada (postulada por
meio do eu) é para Fichte algo evidente: é o autoconhecimento do eu
criativo (setzenden).

Schelling, ao contrário, coloca o problema de conhecer o mundo externo


objetivo e, acima de tudo, a natureza. Ao mesmo tempo, ele praticamente
toma emprestado todos os argumentos agnósticos que Kant dá em sua
"Crítica da Razão Pura" em conexão com o conhecimento do que ele chama
de "mundo dos fenômenos". A tarefa formulada por Schelling é criar, com
base nessa teoria do conhecimento, levando à antinomia do conhecimento
do mundo dos fenômenos, um modo mais perfeito de cognição que
justificaria e garantiria o conhecimento adequado da realidade objetiva, a
essência do mundo objetivo. No famoso 76º parágrafo, “Críticos do Poder
do Juízo”, Kant, em termos de sua filosofia, é claro, apenas hipoteticamente,
chega à demanda de tal conhecimento e afirma que, do ponto de vista do
conhecimento humano cotidiano, invariavelmente trazendo o especial para
o universal, o especial sempre permanece algo acidental. Portanto, por meio
desse tipo de conhecimento, nem a natureza como um todo nem a vida
orgânica podem ser adequadamente compreendidas. Ele propõe um
postulado hipotético de outra intelligentsia (intel-lectus archetypus), para a
qual não há oposição entre o universal e o especial.

Esse contraste teve um efeito revolucionário em toda a filosofia alemã. Além


de Schelling, teve uma influência decisiva em Goethe, é claro, em um
aspecto completamente diferente. O desenvolvimento posterior de Schelling
da filosofia kantiana nesta questão é muito simples, declarativo. O que Kant
tinha uma afirmação hipotética, em. Schelling se torna uma realidade
existente, intuição intelectual, que é o órgão da cognição humana,
compreensão adequada da realidade objetiva, revelando que a realidade
objetiva (Natureza) e o conhecimento humano são duas correntes do mesmo
rio, que chegam à realização de sua adequação na intuição intelectual.

No Sistema do Idealismo Transcendental, Schelling define a intuição


intelectual da seguinte forma: "Esse conhecimento deve ser a) absolutamente
livre, e precisamente porque qualquer outro conhecimento não é livre;
portanto, é tal conhecimento que nenhuma evidência pode levar, conclusões
e geralmente qualquer coisa mediada por conceitos, portanto, é geralmente
intuição, b) isto é conhecimento, cujo objeto é independente dele, portanto,
é conhecimento produzindo simultaneamente seu objeto, isto é, liberdade
mas produzindo intuição, que são produzidos, e a produção do mesmo. Esta
intuição em contraste com contemplação sensorial, que é um fabricante de
objeto e em que, por conseguinte, muito diferente da contemplação
contemplado.”(5) Aqui a identidade de sujeito e objeto já é evidente - a base
do idealismo objetivo em sua forma plenamente desenvolvida.

268
Vamos abordar as contradições internas dessa posição de Schelling quando
começamos a analisar os opostos entre ele e Hegel. Aqui apenas
observamos que, desta forma, para Descascar, a objetividade da natureza é
derivada e garantida. Os opostos dialéticos de Schelling não são
contradições na cognição humana, não apenas contradições entre as
habilidades cognitivas humanas e a realidade externa, como em Kant, mas
contradições da própria realidade objetiva. Consequentemente, Schelling,
como Fichte, planeja remover as contradições do conhecimento humano,
reconhece essa remoção e, assim, chega exatamente ao oposto da filosofia
de Kant. Notamos, contudo, que, uma vez que Schelling tem essas
contradições de maneira objetiva, ele - em sua remoção da contradição - vai
além da estrutura do conceito fichteano, desta maneira,

Para uma compreensão mais completa da situação filosófica da época,


notamos de passagem que Schelling tem intuição estética ou contemplação
como uma "prova" da realidade e da possibilidade da intuição intelectual. Já
na Crítica do Juízo, a virada na filosofia notada aqui, uma nova formulação
do problema da teleologia está intimamente ligada à estética. Em Schiller,
que foi impulsionado por esse pensamento, notamos o surgimento de uma
virada para o idealismo objetivo no campo da estética. Schelling vai mais
além e, durante esse período de seu trabalho, coloca a estética no centro de
seu sistema filosófico (discuto detalhadamente essas questões em meus
ensaios sobre a estética de Schelling).

Os esforços de Schelling no campo da dialética visam compreender


filosoficamente as grandes transformações da época no campo das ciências
naturais, sistematizando-as e criando, assim, um sistema completo de
filosofia natural. Uma discussão mais detalhada desses problemas está além
do escopo deste artigo(6). Engels já descreveu este grande período
revolucionário, apontando para a importância da revolução na química feita
pelas descobertas de Lavoisier, para novos conhecimentos no campo da
eletricidade (Volta, Galvani e outros), para os primórdios da biologia
científica e da doutrina do desenvolvimento, etc. em algumas formulações
de perguntas na Crítica do Juízo. Os trabalhos científicos de Goethe, que à
sua maneira influenciaram a filosofia de Schelling, também ocupam um
lugar muito importante no golpe revolucionário. Nessa revolução na ciência
natural, as limitações e falhas do pensamento metafísico e do materialismo
antigo são manifestadas de maneira muito nítida.

A filosofia natural alemã deste tempo está se esforçando nas contradições


assim manifestadas para perceber as contradições da própria realidade
objetiva, considerando-as e desenvolvendo-as como a base da filosofia da
natureza. Acima, aplicamos ao jovem Schelling a expressão de Marx sobre
Feuerbach como um "entusiasta da natureza". Isso nos dá motivos para uma
carta de Marx dirigida a Feuerbach, na qual Marx pede que ele escreva um

269
artigo sobre Schelling no Anuário franco-alemão. Marx chama Feuerbach de
“invertido Schelling” nesta carta e, caracterizando Schelling, escreve o
seguinte: “O pensamento jovem e sincero de Schelling - devemos admitir
todas as coisas boas também em nosso oponente - para as quais ele não
possuía habilidades exceto imaginação sem energia, mas vaidade nenhum
estimulante, exceto ópio, nenhum órgão, exceto pela receptividade feminina
facilmente excitável, esse sincero pensamento juvenil de Schelling, que ele
ainda tinha um fantástico sonho juvenil, tornou-se para você a verdade, a
realidade, um assunto sério e corajoso. Schelling é, portanto, sua caricatura
antecipada ..."(7). Naquela época, sobre a qual estamos falando, o
"pensamento sincero" do jovem Schelling estava em primeiro plano. Não é
preciso dizer que os núcleos de suas visões reacionárias posteriores já
existiam, mas foram muito obscurecidos - mesmo que por pouco tempo -
pelo entusiasmo de criar e fundar uma nova filosofia da natureza, criando
uma compreensão unificada e dialética de todos os fenômenos naturais.
Com essa atitude, Schelling frequentemente encontra insights quase
materialistas, rejeita apaixonadamente o espiritualismo artístico, que era
geralmente próximo a ele. Como não temos a possibilidade de uma
consideração mais detalhada aqui, nos referimos apenas a um exemplo. Em
1799, em seu confronto com o espiritismo de Novalis Schelling, como
Friedrich Schlegel colocou, sobreviveu a um novo episódio do antigo
entusiasmo pela irreligião e, nesse sentido, escreveu a composição
"Epikuraisches Glaubensbekenntnis von Heinz Widerporst" (Credo epicurista
de Heinz Wiederporst). Deste poema nós damos apenas algumas das linhas
mais características:

Desses mesmos buracos, assim que o vi


entendi que a única coisa verdadeira é a matéria,
todos nós somos apoiados, nosso mentor,
todas as coisas são uma verdadeira fonte do passado
Todo pensamento é o começo
Todo conhecimento é o fim e o começo
Não acredito em nada que não seja claro
Acredito apenas aquilo que é óbvio para mim, que
posso cheirar, sentir, saborear,
sobre o qual só posso saber com meu próprio sentimento.
Acredite em mim, o mundo existe desde a eternidade,
e é controlado apenas pelo seu poder eterno(8).

O reconhecimento de si mesmo como um defensor do materialismo é forte e


apaixonadamente expresso, mas de forma alguma claro e pensado até o fim,
porque além das afirmações ateístas de Heinz Wiederporst, Schelling
também diz que ele certamente não reconhece a religião, mas se tivesse que
escolher alguma religião, então ele, é claro, escolheria o católico. Além disso,

270
alguns motivos místicos, que remontam à filosofia natural de Boehme, são
claramente visíveis no poema.

Das poucas observações que apresentamos, deve ficar claro para o leitor que
havia diferenças profundas entre a filosofia de Fichte e Schelling desde o
início. É verdade que essas diferenças eram inconscientes e ocultas para
ambos e, acima de tudo, sua luta conjunta contra os kantianos, que
procuravam consolidar em filosofia a posição que o próprio Kant havia
alcançado.

Em seu ensaio "A Diferença ...", Hegel zomba desses kantianos. Por
exemplo, isso significa uma comparação muito característico diz Reinhold:
"Como a França proclamou repetidamente: La revolução est finie, - também
Reinhold tem repetidamente proclamou o "fim" da revolução filosófica.
Agora ele interpreta a última conclusão terminado."(9) Se compararmos essa
afirmação de Hegel com a carta de Fichte citada acima a respeito da
declaração de Kant, então temos uma imagem de tendências em uma luta
filosófica na qual podemos facilmente ignorar e desconsiderar as diferenças
existentes no contexto de uma posição crítica geral.

A ambiguidade na consciência de Schelling de suas próprias tendências em


filosofar, suas flutuações entre motivos materialistas e excessos místicos em
seu pensamento relacionado à teoria do conhecimento de Fichte - tudo isso
contribuiu significativamente para o fato de que as diferenças permaneceram
despercebidas por um tempo relativamente longo. Schelling também
expressou essa ambiguidade no método de apresentação em si. Mais tarde,
Hegel descreveu corretamente e muito vividamente o método de
apresentação de Schelling. Em "História da Filosofia" Hegel escreve:
"Schelling fez seu desenvolvimento filosófico na frente do público leitor:
várias de suas obras filosóficas são ao mesmo tempo a história de seu
desenvolvimento filosófico e mostra como ele gradualmente se elevou acima
do princípio de Fichte e do conteúdo kantiano com o qual ele começou”(10).

Schelling nunca desenvolveu completamente a filosofia como um todo:


sempre se esforçou por novas descobertas, deixando de lado as grandes e
importantes áreas da filosofia. O Eu Fichteano imperceptivelmente se
transformou na identidade do sujeito e objeto do idealismo objetivo. Em
primeiro lugar, ele expõe sua filosofia da natureza como um acréscimo à
"Ciência", e como o próprio Fichte estava ocupado desenvolvendo a questão
de aplicar esse ensino aos campos da moralidade, lei, estado etc., ambos
tinham a ilusão de uma completa coincidência. em princípios básicos, a
ilusão da divisão do trabalho, a fim de desenvolver vários campos da
filosofia.

271
Ilusões começam a se dissipar com a publicação do primeiro trabalho
sistemático de Schelling. Após a publicação de seu Sistema de Idealismo
Transcendental, começa uma longa discussão em correspondência, que
termina com um intervalo completo. É verdade que, em seu trabalho
subsequente, “Uma exposição do meu sistema de filosofia” (1801), Schelling
fala de “filosofia natural” e “filosofia transcendental” como dois lados de seu
sistema e considera a ciência em uma carta de 19 de novembro de 1800
como algo completo. e filosofia natural - apenas como uma aplicação para
ele, estando "próximo". Ele escreve: "Eu destaco completamente, antes de
mais nada, a ciência. Ela existe completamente independentemente, nada
deve ser mudado nela, nada deve ser feito com ela, ela está completa. Ela
segue sua própria natureza. No entanto, a ciência ... não é filosofia em si. Só
se desdobra logicamente, não tem nada a ver com a realidade"(11). Schelling
ainda está longe de pensar em uma pausa. Ele vê "Ciência" como o
fundamento inabalável de sua própria filosofia também.

E Fichte conduz a discussão com muito cuidado a princípio. E ele também


não quer romper com o mais importante e talentoso aliado. No entanto,
desde o início, ele protesta contra qualquer independência que a natureza
adquira no sistema Schelling. Em uma carta escrita em 15 de novembro de
1800, a resposta a que citamos acima, Fichte descreve a "autoconstrução da
natureza" de Schelling (uma compreensão idealista-objetiva da objetividade
das categorias da natureza) como "autoengano". Ele escreve: "A realidade da
natureza é uma questão completamente diferente. Ela aparece na filosofia
transcendental como algo completamente deliberado, ou seja, em uma
forma acabada e concluída. E isso não é por suas próprias leis, mas pelas leis
imanentes da intelligentsia. com a ajuda da abstração refinada, ele faz do
assunto de seu conhecimento apenas a natureza”(12).

Mais tarde, quando a lacuna já era inevitável, Fichte expressou essa ideia de
maneira muito mais enérgica e clara. Em sua carta de 31 de maio de 1801,
ele escreve que tudo o que é conhecido está contido apenas na consciência
e que somente "aqui, nesta insignificante esfera de consciência, descobrimos
certo mundo sensual - a natureza"(13).

Aqui, um julgamento claro já foi feito sobre a separação explícita do


idealismo subjetivo e objetivo. Fichte nega qualquer direito à existência da
filosofia natural de Schelling, incluindo o direito de ser uma parte adicional
da "Ciência da Ciência", bem como o direito à sua existência independente.
Ele adere firmemente à posição de que a realidade externa é apenas um
momento de criatividade soberana (Setzens) do Eu, o que significa que a
"Ciência" cobre todo o corpo de conhecimento.

Vemos que Schelling conduz a discussão de maneira muito menos decisiva


do que Fichte. Essas flutuações seriam reveladas com muito mais clareza se

272
tivéssemos a oportunidade de analisar em detalhes toda a correspondência.
No entanto, aqui estamos interessados em um ponto - o papel de Hegel.

Lembramos ao leitor que, em uma carta datada de 2 de novembro de 1800,


Hegel informa Schelling de sua chegada em Iena, mas com a condição de
que ele permaneça por muito tempo em Bamberg; Em 15 de novembro,
Fichte já havia escrito um artigo citado criticando fortemente "Sistemas de
Idealismo Transcendental". Embora a resposta de Schelling à carta de Hegel
tenha sido perdida, ainda vemos Haym com uma suposição muito provável
de que foi por causa dessa carta que Hegel chegou a Iena em janeiro de
1801, isto é, muito antes do que planejava. Esta circunstância só pode ser
associada à sua participação ativa na discussão em andamento. Já em julho
de 1801 completou as "Diferenças". Em agosto do mesmo ano, ele defendeu
sua dissertação, e no outono, como um docente-privatista, lecionou na
Universidade de Iena. E essa corrida só poderia ser causada por uma
discussão animada. Eventos subsequentes confirmam totalmente essa
suposição. No mesmo ano, Hegel e Schelling fundaram o órgão de luta do
idealismo objetivo, o Kritischer Journal der Philosophie. Na revista, Hegel
também proclama abertamente e energicamente a divergência de caminhos
na filosofia e o surgimento de uma nova etapa no desenvolvimento da
filosofia.

Embora o idealismo objetivo seja claramente visível já nos trabalhos de


Schelling, especialmente em seus trabalhos sistemáticos, é primeiro
proclamado como uma nova filosofia. E é Hegel. Tanto o seu trabalho,
Diferenças, e artigos volumosos em um periódico publicado conjuntamente
(Fé e Conhecimento e Sobre Métodos de Apreciação Científica do Direito
Natural) contêm uma demarcação abrangente e sistemática com todo o
idealismo subjetivo. Consequentemente, não apenas com o próprio Fichte,
mas também com Kant, com os kantianos e com o então principal
representante da "filosofia da vida" subjetivista - com F. X. Jacobi. Em
grandes e pequenas resenhas no jornal publicado em conjunto, bem como
na revista Erlanger Literaturzeitung, Hegel estabelece um grande grupo de
representantes menores da filosofia de então - Schulze,

Hegel em todos os lugares atua como um defensor principista de um novo


estágio mais elevado no desenvolvimento da filosofia. No entanto, até agora
esta filosofia apareceu perante o público apenas como um Shellingiano.
Portanto, é claro que Hegel, nesses ensaios polêmicos, destaca a diferença
entre idealismo objetivo (Schelling) e idealismo subjetivo (Kant, Jacobi,
Fichte), contrasta nitidamente as capacidades e capacidades criativas dessas
duas direções, a fim de demonstrar claramente o fracasso do subjetivo
idealismo em suas próprias contradições insolúveis e, ao mesmo tempo,
mostrar que o idealismo objetivo é plenamente capaz de dar uma solução
científica satisfatória a todos os s no idealismo subjetivo das questões. Ao

273
mesmo tempo, Hegel não critica a filosofia de Schelling, e tal crítica nem é
planejada.

Tudo isso é claro o suficiente, baseado na necessidade de controvérsias. No


entanto, responderemos à questão de como Hegel se relaciona com a
filosofia de Schelling nos primeiros anos de sua estada e a Iena, se
ignorarmos os exageros que são inevitáveis durante a polêmica.

O material que temos não nos dá nenhum motivo para dar uma resposta
documentada a essa pergunta. Não temos conhecimento de quaisquer
declarações negativas ou pelo menos simplesmente críticas de Hegel sobre
Schelling no período que precedeu a partida de Schelling em 1803 (este ano
ele estava partindo para Würzburg). Só entre 1803 e 1806 Hegel começou a
criticar severamente, dirigido principalmente contra os estudantes e
partidários de Schelling, bem como contra o próprio Schelling. Em A
Fenomenologia do Espírito, essa crítica adquire uma formulação
fundamental e sistemática: o primeiro discurso público de Hegel contra a
filosofia de Schelling torna-se decisivo e final.

Isso significa que Hegel nos primeiros anos passados em Iena foi um
completo apoiador de Schelling? Isso significa que sua colaboração com
Schelling durante esse período foi apenas "diplomacia" ou "tática"? A
primeira dessas opiniões é difundida na literatura histórica e filosófica. A
segunda opinião é apresentada, por exemplo, por Stirling, que está tentando
encontrar em Hegel, durante esse período de sua vida, certo "truque", certo
"cálculo" em sua reaproximação com Schelling(14). Que a primeira opinião é
incorreta, o leitor deve saber de nossa conta da vida de Hegel no período de
Frankfurt. Lá pudemos ver que, mesmo antes de chegar a Iena, Hegel já
havia chegado à formulação do idealismo objetivo, que, na questão central -
na doutrina das contradições - estava em um nível mais elevado do que o
idealismo objetivo de Schelling.

Poderíamos também ver que as observações fragmentárias de Hegel sobre


certas questões filosóficas, sobre vários dos mais importantes problemas da
dialética, indicam uma direção que vai muito além da estrutura da dialética
de Schelling. A tendência mais importante da filosofia hegeliana - a criação
de uma nova lógica dialética - estava completamente fora do quadro das
visões de Schelling. Portanto, quando Hegel no Kritischer Journal der
Philosophie protestou contra a afirmação de que ele era um defensor de
Schelling, ele tinha todo o direito de fazer isso(15).

Isso, no entanto, não significa que Stirling e estudiosos similares interpretem


corretamente a atitude de Hegel para com Schelling no primeiro período de
Iena. Aqui Stirling se comporta em direção a Hegel como Schmidt quando
explicou a atitude do jovem Lessing para com Voltaire. F. Mehring

274
ironicamente criticou essa interpretação e escreveu que tais "pesquisadores"
como Schmidt atribuem aos grandes poetas e pensadores do passado aquela
falta de psicologia de assíduos professores associados em relação ao todo-
poderoso professor comum, com a ajuda da qual eles mesmos organizaram
suas carreiras universitárias. No entanto, pessoas como Lessing ou Hegel
diferem de professores como Schmidt ou Stirling, não apenas
intelectualmente, mas também em suas qualidades puramente humanas.

O fragmento de Frankfurt do sistema mostra que Hegel, em algumas


questões fundamentais da dialética, já desenvolveu uma ideia clara de seu
próprio método. No entanto, apenas em algumas questões fundamentais. E
isso não significa, em absoluto, que, no momento de sua chegada a Iena,
Hegel já havia pensado e elaborado completamente sua própria forma de
dialética, ou, além disso, que a havia desenvolvido sistemática e
concretamente.

Citamos acima de suas palavras que o desenvolvimento de Schelling como


filósofo foi "na frente de todos". É possível que tal maneira de filosofar
pudesse impressionar por algum tempo os jovens, que trabalharam duro e
de alguma forma desajeitados, travando uma difícil e difícil luta pela
construção sistemática de suas visões Hegel. Mas suas profundas convicções
filosóficas se opuseram ao método de trabalho de Schelling.

O primeiro período de ienes para Hegel é um período de experimentação, é


claro, em um nível mais alto do que durante o período de Frankfurt. Este
nível mais alto é impressionante assim que comparamos os rascunhos de
Iena e Frankfurt. Durante o período de Frankfurt, uma clarificação de
posições (Auseinandersetzungen) ocorre em relação a muitos problemas que
eram de importância fundamental para o jovem Hegel, e uma conexão
sistemática de seus pontos de vista é vista neste esclarecimento. A
sistemática, no entanto, conscientemente ainda não vem à tona.

Em contraste, os rascunhos do iene são rascunhos que levam à formação de


um sistema. Consequentemente, podemos notar um grande progresso,
apesar do fato de que os fundamentos metodológicos da sistematização
ainda não foram desenvolvidos.

Em esboços na segunda metade do período do iene, Hegel nos apresenta a


oportunidade de olhar para a “oficina” de seus pensamentos. Estas notas
pessoais foram publicadas por Rosencrantz sob o nome "Hegels Werkbuch".
Para os últimos estudos da filosofia hegeliana, é característico que neles esta
publicação de Rosencrantz e a data exata estabelecida por Hegel para
escrever estas notas (1803-1806) são completamente ignoradas. Dilthey, por
exemplo, analisa as notas de Hegel como comuns ao período do iene e não
menciona uma única palavra que foram publicadas por Rosencrantz. Hering

275
vai ainda mais longe: ele considera a “grande façanha” de Dilthey a
publicação dessas notas por Hegel e atribui-as inteiramente à época inicial
do período de Iena(16).

Qualquer um que leia esses fragmentos cuidadosamente, tendo pelo menos


um pouco de conhecimento e compreensão do verdadeiro desenvolvimento
filosófico de Hegel, verá facilmente que o reconhecimento de Hegel do
método de trabalho é retrospectivo. Hegel, que na época já havia
descoberto a questão da metodologia para si mesmo, está na verdade
realizando uma crítica retrospectiva de seu método de trabalho e filosofar.
Portanto, se aderirmos à data corretamente definida na obra de Rosencrantz,
podemos identificar, a partir da crítica retrospectiva de Hegel, uma
característica interessante das especificidades da atividade mental e do
método de trabalho de Hegel no início do período Iena. Damos aqui alguns
dos lugares mais característicos: "O mais perigoso é o desejo de se proteger
dos erros. O medo de que, agindo ativamente, não cometer erros, seja
apenas a aparência de conveniência, seguido por um erro absolutamente
passivo. Assim, uma pedra não comete um erro ativo, exceto, digamos, o
caso do calcário, se for derramado com ácido nítrico. Então esta pedra
começa a se decompor. Ele está, por assim dizer, desviado do caminho
certo, ele se encontra em outro mundo. Tudo ao nosso redor se torna
incompreensível, perece. Não é assim, no entanto, o homem. Ele é uma
substância, ele é capaz de resistir. Este pedra, fóssil é o que deve ser
abandonado. Plasticidade, a capacidade de assumir uma nova forma é a
verdade. Você pode se tornar uma coisa acima de uma coisa somente
quando você a entende, a compreensão vem depois de estudá-la. " acaba
em outro mundo. Tudo ao nosso redor se torna incompreensível, perece.
Não é assim, no entanto, o homem. Ele é uma substância, ele é capaz de
resistir. Você pode se tornar uma coisa acima de uma coisa somente quando
você a entende, a compreensão vem depois de estudá-la. " acaba em outro
mundo. Tudo ao nosso redor se torna incompreensível, perece. Não é assim,
no entanto, o homem. Ele é uma substância, ele é capaz de resistir. Esta
pedra fóssil é o que deve ser abandonado. Plasticidade, a capacidade de
assumir uma nova forma é a verdade. Você só pode ficar em pé quando
entende, mas o entendimento vem depois de estudá-lo.

Este lugar é muito bem explicado pelo outro pensamento de Hegel. "Ao
estudar uma determinada ciência, você não deve se deixar distrair por
princípios. Eles são gerais e pouco significantes. Parece-me que somente
alguém que possui o especial entende seu significado. Frequentemente,
esses princípios se revelam ruins. Eles representam a consciência das coisas e
muitas vezes melhor consciência.

Não querendo entender e provar passo a passo, eles deixam o livro de lado,
como se estivessem entre o sono e a vigília, renunciam a sua própria

276
consciência, isto é, a partir de sua própria individualidade, repleta de
problemas"(17).

Se você ler esses comentários cuidadosamente, fica claro que Hegel aqui
caracteriza seu próprio método de trabalho no período de transição. Ele já
havia se formado, embora ainda não totalmente esclarecido, mas em suas
características essenciais já tinha uma ideia clara do problema central, e ele
agora, sem medo de possíveis erros, verifica a exatidão dessas visões em um
sistema holístico de características da realidade. Hegel adere firmemente ao
princípio de tomar por sólido e correto apenas os fundamentos gerais que
são confirmados nesta interação com o conhecimento do especial. “Uma
coisa muitas vezes é melhor que a consciência”, nesta declaração é a chave
para todo o modo como Hegel filosofa. Ele realmente leva o pensamento de
Schelling a sério sobre o mundo como um processo único que abrange a
natureza e a história. Ele leva esse pensamento mais a sério do que o
próprio Schelling, que o formula todo ano e algum novo sistema, e alguma
outra forma abstrata. Hegel, no entanto, procura compreender este processo
com a cobertura de todas as suas características, toma cada princípio geral
apenas com uma reserva, condicionalmente, enquanto ele ainda não tem à
sua disposição um método que garanta um conhecimento abrangente dessas
características, ou seja, ele verifica o princípio em fatos, em recursos e
rejeita-o assim que se descobre que ele é abstrato e incapaz de explicar esses
recursos.

O “empirismo” de Hegel, que dá tantos problemas e ansiedade a seus


intérpretes burgueses, é a principal característica da forma específica de sua
dialética. Onde a fronteira para Hegel passa, vamos considerar mais
detalhadamente mais tarde. Aqui foi necessário apontar a principal
característica de sua filosofia, não apenas para mostrar a diferença entre ele
e Schelling em sua totalidade e nitidez, mas também para descobrir por que
Hegel - na presença de diferenças que se estendem até agora em algumas
questões fundamentais do objetivo. idealismo - não assumiu imediatamente
uma posição negativa, rejeitadora em relação a Schelling, mas verificou,
experimentando até certo ponto, a fim de verificar praticamente sua
correção ou insolvência.

Em outras partes das notas, a atitude de Hegel em relação a Schelling é


ainda mais claramente notada, embora seu nome não seja mencionado
aqui. Hegel escreve: "Eu me lembro muito bem como estava ocupado
procurando ciência por um longo tempo, acreditando honestamente que o
que é bem conhecido está longe de tudo. Das várias maneiras de pesquisar
as coisas, cheguei à conclusão de que a essência espreita em algum lugar.
então nas profundezas (im Hintergrunde) e todo mundo sabe muito mais do
que eles dizem, ou seja, o espírito e as razões que devem ser seguidas em
direção. Depois eu procurei em vão onde você pode encontrar algo que eles

277
constantemente falam e procurar o que eles trabalham , como se fosse algo
conhecido e, portanto, verdadeiro, e a busca sua ocupação habitual, cuja
confirmação não pude encontrar, cheguei à conclusão de que, na realidade,
não há nada além do que pareço entender”(18). Esta observação está no final
dos cadernos de Hegel. Aqui ele escreve em um tom que mostra claramente
que ele esclareceu completamente a abstração, o formalismo e a fraqueza
interna da filosofia de Schelling. Hegel na forma de autocrítica interna, por
assim dizer, fornece uma imagem clara de como ele caiu sob a influência da
completude construtiva do desempenho autoconfiante e impressionante de
Schelling. Quando continuamos a analisar as diferenças reais entre Schelling
e Hegel, o leitor, tendo se familiarizado com as questões específicas que
surgem aqui, entenderá melhor o comportamento de Hegel do que agora,
quando contrastamos apenas a “face intelectual” de ambos os filósofos.

No entanto, se exagerarmos esse oposto, poderemos chegar a conclusões


falsas. Se nos propuséssemos o objetivo de compreender corretamente o
período de 1801-1803, não podemos nos dar ao luxo de partir daquilo que
hoje conhecemos sobre o desenvolvimento subsequente de Schelling. É
claro que mesmo assim as tendências reacionárias do pensamento posterior
de Schelling existiam pela raiz, mas apenas pela raiz. E ninguém poderia ter
previsto em 1801 que o iniciador da revolução filosófica na Alemanha
terminaria seu caminho como filósofo da reação teológica. Até mesmo o
vazio das construções formais de Schelling parecia diferente de uma
retrospectiva de seu caminho mais tarde escolhido.

Então todos se levantaram no início de uma revolução filosófica: lembramos


como Hegel ridicularizou causticamente aqueles que queriam completar a
revolução filosófica e, portanto, a abstração das construções de Schelling
inevitavelmente deveria parecer algo que geralmente acompanha o início de
uma filosofia particular em uma nova era na história mundial ( quando
considerarmos a "Fenomenologia do espírito", veremos que Hegel mesmo
então coloca esse ponto de vista em primeiro plano.

Marx, como historiador dialético, com toda a severidade de sua crítica


dirigida à personalidade de Schelling, enfatizava o "pensamento jovem e
sincero" de Schelling e traçava um paralelo entre ele e um filósofo como
Feuerbach. Portanto, é absolutamente claro que o jovem Hegel, que lutou
pelos princípios da dialética objetiva, deveria ter se interessado
primordialmente pelo sincero pensamento juvenil de Schelling. Além disso,
Hegel, com toda a agudeza e correção de sua crítica posterior a Schelling,
não conseguiu penetrar na essência de sua filosofia como era possível para a
dialética materialista de Marx. Afinal, é bem sabido que o método do
idealismo objetivo sempre foi a base geral da filosofia de Schelling e Hegel.
Portanto, a filosofia de Schelling tem certa estrutura, e o pensamento
dialético de Hegel não poderia ir além desses limites,

278
Já dissemos que o "pensamento jovem e sincero" de Schelling consistia em
sua tentativa de considerar a natureza e a história como um único processo
dialético. Neste assunto, ele é um com as mais profundas aspirações do
jovem Hegel. E se os conceitos do jovem Hegel, especialmente no campo da
filosofia da história, da lógica dialética são muito mais profundos do que o
do jovem Schelling, o pensamento de Hegel ainda não amadureceu o
suficiente para criar um sistema unificado e abrangente de conhecimento
humano agregado. Schelling fez isso precisamente no período em análise e
de uma forma extremamente brilhante e brilhante. Dos comentários de
Hegel acima fica claro que ele considerou necessário primeiro verificar, com
base em seu próprio trabalho, a exatidão dos conceitos schellingianos antes
de prosseguir com suas críticas. Das confissões do próprio Hegel,
descobrimos que ele fez isso até certo ponto como um experimento.
Somente com essa consideração da atitude de Hegel em relação a Schelling
nos primeiros anos em Iena, poderemos avaliar corretamente sua
abordagem à terminologia de Schelling usada por ele em algumas de suas
obras, especialmente na terminologia do Sistema de Moralidade. Isso
significa que devemos reconhecer a influência de Schelling em Hegel, mas
não considerar o último como apoiador de Schelling, muito menos um
hipócrita ou carreirista que, por "razões táticas", silencia sobre diferenças de
opinião que já são claramente reconhecidas por ele. especialmente a
terminologia no "sistema de moralidade". Isso significa que devemos
reconhecer a influência de Schelling em Hegel, mas não considerar o último
como apoiador de Schelling, muito menos um hipócrita ou carreirista que,
por "razões táticas", silencia sobre diferenças de opinião que já são
claramente reconhecidas por ele. especialmente a terminologia no "sistema
de moralidade". Isso significa que devemos reconhecer a influência de
Schelling em Hegel, mas não considerar o último como apoiador de
Schelling, muito menos um hipócrita ou carreirista que, por "razões táticas",
silencia sobre diferenças de opinião que já são claramente reconhecidas por
ele.

A isso devemos acrescentar que o próprio sistema Schelling, apesar da forma


brilhante de apresentação, ainda estava em processo de se tornar, assim
como o de Hegel, e com cada publicação assumiu novos contornos.

Naturalmente, não sabemos nada sobre a relação pessoal entre Schelling e


Hegel. Eles moravam na mesma cidade, lecionavam na mesma universidade
e publicavam em conjunto um diário. Naturalmente, eles frequentemente
tinham discussões detalhadas sobre os princípios da filosofia. De fato, pode-
se traçar não apenas a influência de Schelling sobre Hegel em seus primeiros
escritos em ienes, mas também revelar alguns motivos hegelianos, e muito
claramente, nas publicações de Schelling desse período. Assim, por exemplo,
o artigo introdutório na revista filosófica indicada “A Atitude da Filosofia
Natural com a Filosofia em Geral” tem sido controverso: ninguém poderia
279
determinar a quem pertencia, Schelling ou Hegel. Apenas a partir de uma
autobiografia de Hegel, escrita por ele em 1804, ficou claro que o artigo foi
escrito por Schelling.

Sob tais circunstâncias, não é difícil entender a possibilidade de que Hegel,


em suas conversas orais com Schelling a respeito de algumas questões
controversas da dialética, em uma discussão pessoal com ele, pudesse ter
tentado convencer Schelling de seu erro antes de falar publicamente contra
ele. Também não devemos esquecer que se Hegel, durante esse período,
apresentou em muitas questões um ponto de vista mais profundo e
progressivo do que Schelling, em questões da filosofia da natureza, pelo
menos a princípio, ele era um iniciante. De qualquer forma, sabemos bem
que no período de Frankfurt, Hegel estudou apenas os problemas das
ciências naturais, enquanto nesta área Schelling, seus alunos e
independentemente Goethe, com quem Hegel já estava familiarizado
durante esse período, obtiveram grande sucesso, e Hegel teve que primeiro
se familiarizar com esses sucessos,

Nossa análise da relação entre Hegel e Schelling mostra, portanto, a


correção de nossa conclusão de que a colaboração de Hegel e Schelling no
iene é a interseção dos caminhos de dois pensadores proeminentes.

Hegel está trabalhando mais e mais claramente em Iena na forma de


dialética que ele concebeu. Dos documentos que temos, é claro que apenas
os manuscritos de suas palestras para 1805-1806. completamente livre da
terminologia schellingiana. E esta é uma questão que diz respeito não
apenas à terminologia.

Se começássemos a analisar os vários esboços de Hegel sobre as questões


da filosofia da história, veríamos como está intimamente ligada a formação
clara e concreta de suas visões sociais, filosóficas e históricas com a liberação
da terminologia de Schelling.

Em 1803, Schelling mudou-se de Iena para Würzburg. Como resultado


desse movimento, os contatos entre ele e Hegel cessaram. A revista
publicada em conjunto por eles deixou de existir. Ele cumpriu sua missão
histórica: a divergência de caminhos entre o idealismo subjetivo e objetivo já
ocorreu decisiva e claramente. Agora, o processo de diferenciação poderia
começar dentro do idealismo objetivo.

No entanto, seria um grande erro considerar este processo como revelador e


esclarecedor dos pontos de vista de Hegel. Repetimos: durante esse período,
a filosofia de Schelling também estava em processo de transformação. Além
disso, a manifestação cada vez mais aguda dos elementos reacionários da
filosofia de Schelling ocorre em contínua interação e conexão com a
formação de contornos mais claros das visões hegelianas, com uma
280
crescente liberação daquelas categorias de Schelling com as quais ele
"experimentou" uma vez. Em Würzburg, Schelling na obra "Filosofia e
Religião" aparece já a partir de posições reacionárias claramente expressas
(1804). Sua partida da "sinceridade do pensamento" assume um claro
esquema filosófico: o mundo aqui já é considerado um "subproduto" (Abfall)
do absoluto (deus).

A tendência fundamental de Schelling em uma "filosofia positiva" claramente


reacionária posterior é revelada de maneira relativamente clara neste
trabalho (em um período posterior, Schelling considera sua própria filosofia
natural como uma "filosofia negativa" preparatória adicional).

Foi (ou é ridículo subestimar o efeito dessa transformação de Schelling na


posição e atitude de Hegel em relação a Schelling. As visões posteriores de
Hegel sobre esse assunto são claramente expressas na História da Filosofia:
ele considera apenas o primeiro período de desenvolvimento filosófico de
Schelling como a fase que deu a Schelling um lugar na história do
pensamento filosófico, mas ele não considera seus trabalhos posteriores,
considerando-os indignos de discussão (uma analogia com a atitude de
Hegel em relação à filosofia de Fichte sugere a si mesma.) Por outro lado,
não Devemos também esquecer que Hegel está bem ciente da maneira de
trabalhar de Schelling, e Schelling não considera esta fase de filosofar, e por
muito tempo Hegel esperava que criticando as visões de Schelling ele fosse
capaz de direcioná-lo no caminho certo da filosofia dialética. mesmo durante
a "Fenomenologia do Espírito", mostra que Hegel e, em seguida, contou
com a possibilidade de compreensão filosófica. Somente após a publicação
da "Fenomenologia do Espírito", Schelling rompe completamente com
Hegel.

(1) Engels – Schelling e a Revolução. Em MEGA, I, vol. 2, p. 186. (retornar


ao texto)

(2) Erste Druckschriften, p. 3. Para abreviar citaremos sempre este escrito de


Hegel como “Diferença”. (retornar ao texto)

(3) Ficthes Briefwrchsel (Cartas de Fichte), Berlim, 1925, vol. YY, p.168.
(retornar ao texto)

(4) Marx para Ruge, 13 de março de 1843, em MEGA, I, vol. I, 2ª parte, p.


308. (retornar ao texto)

(5) Schelling, Werk (obras), Stuttgart e Augsburg, 1858. Erste abteil (Primeira
secção), volume III, p. 369. (retornar ao texto)

281
(6) Mais sobre Schelling em meu livro Die Zersorung der Vernunft ( A
Destruição da Razão), cap.2, Aufbau Verlag, Berlim 1954. (retornar ao texto)

(7) Marx para Ludwig Feuerbach, 20 de outubro de 1843, em MEGA, I, vol.


I, parte 2 ª, p. 316. (retornar ao texto)

(8) Pitt, loc. cit., vol I, p. 283 e ss., p. 286. (retornar ao texto)

(9) Erste Druckschriften, p. 98 e ss. (retornar ao texto)

(10) História da Filosofia, ed, Glockner), vol. III, p. 647. Precisamente a


secção dedicada a Schelling precede em muitos pontos os cursos de Hegel
em Iena no ano de 1806. Por isso a caracterização de Schelling que Hegel
oferece indica ao mesmo tempo as concepções na época do rompimento de
ambos. (retornar ao texto)

(11) Ficthes Briefe, loc. cit. vol II, p. 295. (retornar ao texto)

(12) Fichte Briefe, loc cit, vol II, p 292 e ss. (retornar ao texto)

(13) Haym, p. 123 (retornar ao texto)

(14) J. H. Stirling, The Secret of Hegel, Edimburgo, 1906, p. 662. Sobre


Stirling – que diga-se de passagem foi um dos primeiros que tentou reduzir
Hegel a Kant – cfr. os conceitos de Marx e Engels em Correspondência.
Berlim, 1950, vol. IV, p. 70 e 304. Carta de Marx a Engels de 23 de maio de
1868 e de 4 de abril de 1870. (retornar ao texto)

(15) Rozenkranz, p. 168 e ss. (retornar ao texto)

(16) Rozenkranz, p. 162 e ss. (retornar ao texto)

(17) Rozenkranz, p. 198, 537; Dilthey, vol IV, p 195; Hering, p 603.
(retornar ao texto)

(18) Rozenkranz, p. 545. (retornar ao texto)

282
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo III – Fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Iena, 1801-


1804)
2 - Crítica do idealismo subjetivo

As primeiras publicações de Hegel do período Iena são pronunciadas obras


polêmicas. O pathos de sua luta é causado pela convicção de que o golpe
filosófico, o lutador de vanguarda do qual ele se tornou, é apenas uma
expressão mental de algum golpe grande e universal e que, portanto,
superar o idealismo subjetivo com a ajuda do idealismo objetivo não é de
modo algum um caso estreito e "de guilda". Filosofia e o momento mental
mais elevado, o pico, o ponto culminante de uma grande revolução sócio-
histórica. É por essa razão que os escritos de Hegel desse período, que eram
de natureza polêmica, de vez em quando encontram comparações e
metáforas que ilustram essa conexão da revolução na filosofia com o
surgimento de um novo mundo. Já citamos uma dessas declarações de
Hegel. Sua outra declaração, que apresentaremos aqui, diz respeito aos
primeiros anos de combate do período Iena e, talvez, seja ainda mais
característico a esse respeito. "Apragmosina política, ou inação
(Apragmosyne - abstenção de votar. -G. L.), em um momento em que a
agitação irrompeu no estado, teria sido punida pelos legisladores atenienses
com a pena de morte. A apragmosina filosófica não assume nenhuma
posição, mas submeter antecipadamente ao lado que o destino coroará com
vitória e reconhecimento geral, tal posição é em si um sinal da morte de uma
mente especulativa”(1).

A arma dessa luta, no entanto, já é especificamente hegeliana. A refutação


de Hegel do idealismo subjetivo não se limita à prova usual de suas
limitações e insuficiências. Hegel dirige suas críticas, talvez indiretamente,
mas muito radicalmente. No idealismo subjetivo, ele vê não apenas certa
direção falsa na filosofia, mas uma direção cuja aparência era inevitável e,
na mesma medida, inevitavelmente falsa.

A prova de Hegel da falsidade do idealismo subjetivo é uma conclusão sobre


sua inevitabilidade e necessidade e as limitações relacionadas. Hegel chega a
essa conclusão de duas maneiras, que estão intimamente e
inextricavelmente entrelaçadas com ele - histórica e sistematicamente. Do
ponto de vista histórico, Hegel prova que o idealismo subjetivo surgiu dos
problemas mais profundos de nosso tempo e de seu significado histórico,
devido à preservação de sua grandeza por um longo tempo. Ao mesmo
tempo, porém, ele mostra que o idealismo subjetivo, necessariamente, pode
283
apenas adivinhar os problemas colocados pelo tempo e traduzir esses
problemas na linguagem da filosofia especulativa. O idealismo subjetivo não
tem resposta para essas perguntas, e é justamente nisso que reside sua
insuficiência.

Defendendo assim o idealismo objetivo do idealismo subjetivo, Hegel


determina o lugar histórico de ambos no desenvolvimento da filosofia, no
desenvolvimento da humanidade. Ele eleva o problema a tal ponto que
Fichte e Schelling, polemizando um com o outro, não tinham ideia. Esse
nível historicamente alto de colocar a questão, que é especialmente
característica dos trabalhos posteriores de Hegel, é um grande avanço no
desenvolvimento do próprio Hegel. Obviamente, ao considerar seus
fragmentos de Frankfurt e Berna, fica claro que esse entendimento já foi
preparado há muito tempo. A filosofia de Hegel da maneira mais próxima
sempre esteve associada aos problemas sociopolíticos e culturais de nosso
tempo. Era para ser a decisão mental final de tudo o que, passando do
passado para o presente, exigia urgentemente uma resposta.

É tão difícil, portanto, explicar o fato de que a historicidade de Hegel agora


"repentinamente" aparece em uma forma tão perfeita. Em Berna e Frankfurt,
Hegel trabalhou diretamente e com afinco nos vastos problemas da
sociedade e, se ao mesmo tempo avançou para o reconhecimento de alguns
dos problemas centrais da dialética, ainda não conseguiu obter uma
exposição sistemática de alguma visão geral. Ele já estava ciente das
tendências mais importantes na filosofia de seu tempo (especialmente em
Frankfurt), mas só expressou sua atitude em relação àqueles casos em que o
conteúdo substantivo dos problemas individuais tornava isso extremamente
necessário. Pela primeira vez apenas em Iena, Hegel foi forçado a expressar
sua atitude em relação à filosofia contemporânea como tal, ou seja, filosofia,
e não como uma solução para questões individuais, embora importantes.

Uma orientação abrangente e profunda em todos os problemas da


modernidade, sua concentração em um problema da transição da filosofia
do idealismo subjetivo para o objetivo, dá a Hegel uma "repentina"
abordagem histórica geral.

Nestas obras polêmicas, a consideração histórica está intimamente ligada à


sistemática. Repetimos: Hegel procura não refutar o idealismo subjetivo "de
fora", mas superá-lo através da divulgação de suas contradições internas,
que Fichte não percebeu. A dialética interna dessas contradições, a solução
solicitada pelo movimento dessas contradições deve provar a necessidade de
idealismo objetivo. Mas como Hegel entende essas contradições como
decorrentes da própria vida pública, mesmo nessas primeiras obras
polêmicas de Hegel, surge à unidade orgânica entre filosofia e história,
característica de um período posterior.

284
Consequentemente, a análise hegeliana do idealismo subjetivo procede
desse ponto de vista histórico e, ao mesmo tempo, sistemático. Hegel aborda
a questão da necessidade de filosofia em seu mundo moderno. Após
conhecermos o fragmento do sistema de Frankfurt e os julgamentos
expressos ali sobre a modernidade, não nos surpreendemos que Hegel veja
a base dessa necessidade de filosofia na fragmentação, na contradição.
Deduz disso uma característica importante e essencial para ele, característica
das fraquezas do pensamento não dialético, a saber, que essa fragmentação
se reflete na separação de categorias racionais do mundo que se move no
todo vivo, do absoluto. Ele diz: “Se examinarmos mais detalhadamente a
forma que a filosofia tem, então veremos que a filosofia, por um lado, surge
da identidade viva do espírito, recriando uma harmonia rasgada e dando-lhe
uma aparência independente, por outro lado, a filosofia surge de uma forma
especial de dualidade, que dá origem ao sistema. A bifurcação é uma fonte
de necessidade e filosofia e, como um produto de uma época, é um dado
lado não-livre da forma. Nesse processo de formação, o que constitui o
fenômeno do absoluto é isolado do absoluto e atua como algo
independente"(2).

A caracterização da modernidade como período da educação mostra mais


uma vez os estreitos laços da filosofia hegeliana com o período de Goethe-
Schiller da poesia clássica alemã. À primeira vista, parece que essa
característica da modernidade é supostamente uma sistematização filosófica
de aspirações, que são expressas nos trabalhos estéticos de Schiller, e
especialmente nos "Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister", de Goethe.
No entanto, o termo “educação” (Bildung) tem um significado diferente para
Hegel: ele se concentra em dissonâncias e contradições, que foram
especialmente reveladas de forma enérgica e clara durante esse período de
desenvolvimento humano. Abaixo, ao analisar a "Fenomenologia do
Espírito", veremos que o período de educação para Hegel aparece como o
tempo de nascimento da dialética em sua última e completa forma.

Essa diferença é significativa e, no entanto, é apenas uma diferença na


ênfase, na avaliação do período de transição passado e no desenvolvimento
de uma posição em relação ao Iluminismo.

Goethe e Hegel estão sempre unidos no fato de se considerarem herdeiros


do Iluminismo, os finalizadores de seu legado. Suas críticas ao Iluminismo
nunca se transformam em uma rejeição à herança deste período, como é o
caso dos românticos (intérpretes modernos do legado de Goethe e Hegel
cometem fraudes principalmente quando puxam aspas para fora do
contexto, tentando obscurecer a conexão entre Hegel e Goethe). Para a
questão da cooperação de Goethe e Hegel, é extremamente característico
que Goethe nos primeiros anos do século XIX. descobre e, traduzindo,
publica imediatamente com seu comentário o “sobrinho de Rameau”

285
Diderot, e Hegel imediatamente usa esse trabalho para revelar com
plasticidade incomum a forma específica da dialética do Iluminismo. As
imagens criadas por Diderot ocupam um lugar decisivo no capítulo mais
importante de A Fenomenologia do Espírito.

Hegel agora considera seu tempo como o ponto culminante da


fragmentação da educação, como um possível momento de transição para a
harmonia. “Quanto mais avança o progresso da educação, mais diversas são
as formas de desenvolver manifestações da vida, com as quais a bifurcação
está intimamente ligada, e mais formidável o poder desta última se torna
(...)”. No entanto, a partir dessa bifurcação, de acordo com os pontos de
vista de Hegel, surge a possibilidade de uma nova harmonia, e a filosofia é
chamada. Torne-se o portador desse pensamento de harmonia. "Quando o
poder da unificação desaparece da vida das pessoas, e os opostos perdem
suas conexões e interações vitais, adquirindo o status de independência,
surge uma necessidade de filosofia"(3).

Já essas declarações, por si só, mostram uma continuação consciente das


tendências de Frankfurt por ele, a saber, o desejo de conectar todas as
contradições e opostos que aparecem na filosofia com as contradições e
opostos da própria vida e procurar sua fonte na vida pública humana. A
tendência de Hegel é uma fonte não apenas de seu historicismo, mas
também de seu entendimento especial e específico das contradições e sua
superação. Está claramente expresso na introdução programática de seu
primeiro ensaio polêmico contra o idealismo subjetivo: "O único interesse do
espírito é superar esses opostos estabelecidos. Esse interesse do espírito não
deve ser interpretado no sentido em que se opõe a qualquer oposição e
restrição. Pela divisão necessária é um fator na vida existindo apenas em
contraste eterno, a integridade em uma vitalidade mais alta só é possível
com a restauração do extremo grau de brecha. No entanto, a razão se rebela
contra a consolidação absoluta dessa divisão pela razão, e com a maior
razão de que essa oposição absoluta em si tenha sua fonte no espírito”(4).
Assim, a divisão de Hegel é um fator na própria vida, e a filosofia da
educação não comete nenhum erro teórico, expressando esse contraste em
termos filosóficos, pelo contrário, é por seu mérito. O erro é que ele não é
capaz de revelar o princípio único que subjaz objetivamente à divisão como
um todo. Por esse motivo, não pode levar à harmonia. Graças a esses
julgamentos, a oposição entre Fichte e Schelling, a oposição entre idealismo
subjetivo e objetivo é elevada ao nível de oposição histórica decisiva. A
filosofia de Fichte aparece como a mais alta expressão mental dessa divisão,
como sua sistematização filosófica. No entanto, a filosofia de Fichte não
reconhece as fontes de sua origem, apenas fornece uma aparente
sistematização dos problemas, alegando responder à pergunta. A crítica,
portanto, consiste em enfatizar sistematicamente a justificação histórica e
filosófica e a necessidade das próprias perguntas e em provar que as
286
respostas dadas a Fichte são tão apenas na forma, mas na realidade elas são
congeladas em contraste com formulações de não resolvidas e que não
podem ser resolvidas em tal nível, as perguntas. Essas perguntas são
respondidas pelo idealismo objetivo, a filosofia, que surgiu das contradições
da vida da época e - filosoficamente - das contradições do pensamento da
época: na linguagem de um período posterior da filosofia hegeliana, o
idealismo objetivo é "a verdade do idealismo subjetivo". consiste em
enfatizar sistematicamente a justificação e necessidade histórica e filosófica
das próprias perguntas e em provar que as respostas dadas a Fichte são
apenas na forma, mas na realidade elas são congeladas em formulações de
oposições de perguntas não resolvidas e incapazes de serem resolvidas em
tal nível. Essas perguntas são respondidas pelo idealismo objetivo, a filosofia,
que surgiu das contradições da vida da época e - filosoficamente - das
contradições do pensamento da época: na linguagem de um período
posterior da filosofia hegeliana, o idealismo objetivo é "a verdade do
idealismo subjetivo". Consiste em enfatizar sistematicamente a justificação e
necessidade histórica e filosófica das próprias perguntas e em provar que as
respostas dadas a Fichte são apenas na forma, mas na realidade elas são
congeladas em formulações de oposições de perguntas não resolvidas e
incapazes de serem resolvidas em tal nível. Hegel já nessas obras se torna o
fundador do método científico na história da filosofia, o primeiro cuja
história da filosofia deixa o nível anterior de simples justaposição de fatos ou
críticas abstratas. Com plena consciência, Hegel realiza essa reorientação já
em "Diferença".

Ele polemiza, por um lado, o conceito de história da filosofia”, segundo o


qual este último é considerado um tipo de habilidade que pode ser
aprimorada ao se encontrar cada vez mais novas técnicas". Ao mesmo
tempo, ele se opõe resolutamente a outro conceito da história da filosofia,
que se dedica ao estudo de "visões" específicas da filosofia. Nada vai sair
disso, diz Hegel, exceto por uma subjetividade ruim. "Aquele que é
obcecado com o específico vê o específico em tudo o mais"(5). Ele, portanto,
adere à visão de que a filosofia tem uma história de desenvolvimento
unificada e em larga escala, representando o desenvolvimento dialético de
um único espírito.

Certamente, mesmo antes de Hegel, foram feitas tentativas para criar uma
história científica da filosofia. Esse requisito pode ser encontrado em Kant e
depois dele com todos os filósofos significativos. No entanto, com os
antecessores de Hegel, esse requisito permanece ao nível das declarações do
programa. Hegel foi o primeiro a realmente abordar seriamente a questão da
história da filosofia e, por um lado, esforçou-se por criar uma história
abrangente da filosofia e, por outro, tentou revelar, como base
metodológica, o desenvolvimento independente da dialética interna do
pensamento, o progresso humano.
287
Até que ponto Hegel realizou seu programa no período Iena, só podemos
dizer quando temos o texto das palestras de Hegel sobre a história da
filosofia, lidas em 1806.

Os editores de Hegel tinham à disposição este manuscrito, mas indicam


apenas alguns lugares de ensaios já publicados sobre a história da filosofia,
que lidam com paralelos com textos de 1806. Portanto, ainda é impossível
fazer um julgamento final sobre esse assunto.

No entanto, somos capazes de reconstruir aproximadamente o entendimento


hegeliano da história da filosofia em Iena. Pois, embora os escritos
polêmicos de Hegel desse período enfatizem a necessidade histórica do
idealismo subjetivo, a necessidade histórica de superá-lo, no entanto, Hegel
não examina essa questão de maneira unilateral ou restrita. Pelo contrário,
para esclarecer o problema da maneira mais multilateral e convincente
possível, com a ajuda da mais ampla argumentação possível, ele considera
as questões mais variadas da história da filosofia. Como essa questão não é
o assunto de nossa discussão, teremos que nos contentar com a lista - e de
maneira alguma incompleta - das mais importantes excursões históricas e
filosóficas de Hegel em seus primeiros escritos polêmicos. Assim, em sua
polêmica contra Schulze, ele faz uma comparação detalhada do ceticismo
antigo com o moderno. No artigo sobre direito natural, ele contrasta as
visões sócio-filosóficas de Platão e Aristóteles com as visões modernas, as
visões sobre o estado, a lei e a sociedade de representantes tão importantes
do Iluminismo como Hobbes e Montesquieu - as visões de Kant e Fichte; ele
contrasta a dialética atual de Spinoza com a dialética vulgarizada de Jacobi
e, ao considerar a teleologia, os pontos de vista de Voltaire e os pontos de
vista de Kant e Fichte, etc.

Mas devemos insistir em um problema histórico em mais detalhes. Estamos


falando da atitude de Hegel em relação à filosofia do Iluminismo. Porque a
posição de Hegel aqui está ligada aos problemas mais importantes da forma
específica de sua dialética e constitui um componente importante das
discrepâncias que mais tarde levaram à sua ruptura com Schelling.

A linha principal da filosofia clássica alemã é a luta contra o materialismo


filosófico. À medida que o desenvolvimento da filosofia clássica alemã, essa
luta inevitavelmente aumenta. As intuições materialistas de Schelling, sem
entusiasmo, continuam sendo apenas um episódio que tem as mesmas
consequências menores para essa direção como um todo, como as
conhecidas vibrações de Kant. Como sabemos, Hegel nunca teve nenhuma
hesitação a esse respeito. Ele sempre foi um idealista consciente, um
oponente aberto do materialismo.

288
Essa hostilidade filosófica em relação ao materialismo, no entanto, não altera
o fato de que a filosofia científica do Iluminismo teve uma influência
indelével no desenvolvimento de Hegel. E Hegel se considera no período de
Iena exclusivamente como o herdeiro do Iluminismo. Não há nada original,
pois seu ponto de partida está na filosofia do Iluminismo. Este foi o
desenvolvimento de quase todos os seus contemporâneos. O importante é
que, ao formar seu sistema, esses fios não se rompem, como a maioria de
seus contemporâneos, talvez com a única exceção que era Goethe.

Schelling e românticos no processo de seu desenvolvimento são cada vez


mais nítidos e decisivos contra o Iluminismo. É característico de eles verem
seus oponentes nos assuntos miseráveis, insignificantes e epigonizantes que
o Iluminismo alemão gerou na virada dos séculos XVIII a XIX. Tais esboços
essencialmente do Iluminismo, como Nikolai, escondiam dos olhos dos
alemães da época a grandeza e o significado dos verdadeiros iluminadores.

Hegel abordou essa questão de uma maneira completamente diferente. Sua


visão ampla, internacional e de larga escala, que já poderíamos observar
quando ele considerou a Revolução Francesa e a ciência econômica inglesa,
também vem à tona nesta questão.

Nos cadernos de Iena, encontramos o seguinte, uma observação muito


característica: "Na Alemanha, um espírito humana sólida é sempre defendido
contra as chamadas reivindicações da filosofia. Em vão, porque se a filosofia
livrar esses defensores de todas as suas reivindicações, isso não os ajudará,
uma vez que eles não têm nenhum motivo, o verdadeiro senso comum não
é a grosseria camponesa, mas o tratamento gratuito dos frutos da educação
de acordo com as leis da verdade, bem como a contradição direto no
espírito de Rousseau, quando sua mente discorda. Ele se expressa contra
certas disposições estabelecidas, bem como contra a educação, em
princípios, ou age como um conhecimento experiente, como uma
ressonância ou inteligência, como Voltaire ou Helvetius”(6).

Hegel, é claro, considera o idealismo objetivo como a forma mais alta e final
da filosofia. Ele deduz o direito dessa filosofia de existir a partir da luta
contra o idealismo subjetivo de Kant e Fichte. Mas ele considera como seus
predecessores imediatos não apenas esses últimos, mas também a
Iluminação. Em uma demarcação crítica com o legado do passado, as
situações geralmente surgem quando, segundo Hegel, o ponto de vista dos
iluminadores ou do Iluminismo como um todo está no mesmo nível de
verdadeiro ou problemático que o de Kant e Fichte. Em alguns lugares, as
vantagens do Iluminismo em relação a Kant e Fichte são ainda enfatizadas.
Voltaremos a esses contrastes ao discutir problemas individuais nos quais
eles são especificamente abordados. Veremos também aqui.

289
Devemos ressaltar que a rejeição de Hegel ao materialismo filosófico não o
impediu de fornecer um lugar significativo na história da filosofia a
representantes importantes como Holbach e Helvetius. Em "Diferenças. ..",
Hegel polemiza contra as visões simples e puramente negativas do kantista
Reinhold, que vê apenas no materialismo "distúrbios mentais não
característicos dos alemães". Aqui ele não encontra nenhuma necessidade
filosófica de superar a divisão na forma de espírito e matéria contrastantes.
"Se a educação ocidental, da qual este sistema surgiu, expulsa o último de
um ou outro país, surge a questão de saber se essa expulsão do materialismo
(da Alemanha) é uma consequência da unilateralidade dessa própria
educação? E se o valor científico desse sistema era insignificante, mesmo
assim, não se pode negar que, por exemplo, no Systeme de la nature o
pensador fala, que ao mesmo tempo se desviou e se encontrou novamente
na ciência. Só podemos nos surpreender com o fato de que, apesar de toda
a sua teimosia com o engano geral de seu tempo, teimosia com a destruição
sem sentido da natureza, com a mentira sem fim, personificando a verdade e
o direito, apesar de sua disposição para tudo que é falso que permeava tudo
em seu tempo como um todo, ele reteve o poder de levar o absoluto que
escapou das desventuras da vida para a qualidade da verdade e construí-lo
na forma de uma ciência com uma necessidade verdadeiramente filosófica e
verdadeira especulação, uma ciência cuja forma também se manifesta na
comunidade local. objetivo incipit, enquanto que a educação alemão, pelo
contrário, recuando um ninho sem pura especulação - na forma de
subjetiva(7).

Não é difícil ver a falsidade do pensamento de Hegel: ele vê no idealismo


objetivo o princípio pelo qual ambos os lados podem ser superados:
idealismo subjetivo e materialismo filosófico. No entanto, interessante em
seu raciocínio é justamente o outro lado, a saber, o fato de ele colocar o
idealismo subjetivo de Kant e Fichte e o materialismo de Holbach no mesmo
nível social, histórico e filosófico. Certamente, Hegel está exagerando os
elementos de crise e desespero nas críticas sociais ao materialista destacado
do século XVIII. Ele não vê sua confiança otimista e plena na vitória do
humor com o qual espera uma agitação social que se aproxima, o domínio
que se aproxima da burguesia. Essa avaliação errônea de Hegel vem de sua
concepção geral da história. Ele vê na revolução francesa o início e o
culminar de uma crise, que está sendo substituída por uma nova era no
desenvolvimento do espírito mundial. Portanto, ele considera os
materialistas franceses exclusivamente como os expoentes espirituais dessa
crise e pode avaliar correta, histórica e filosoficamente os materialistas
apenas na medida em que Hegel seja capaz de entender corretamente a
revolução francesa.

290
E uma vez que certa limitação em seus julgamentos sobre a revolução
francesa é claramente evidente, também são seus julgamentos sobre
Holbach e Helvetius.

No entanto, é verdade que Hegel vê Kant e Fichte como representantes


ideológicos da mesma crise. É por isso que ele reconhece em Holbach o
mesmo alto nível de filosofar especulativo que em Kant e Fichte, e o coloca
acima dos idealistas subjetivos cuja filosofia está atolada em emoções nuas,
em declarações vazias. A última frase do lugar de Hegel que acabamos de
citar é um golpe decisivo não apenas para kantianos como Reinhold, mas
também para a filosofia do sentimento ou romance.

O paralelo entre idealismo subjetivo e materialismo não é algo acidental nas


obras polêmicas de Hegel. Ele desenha esses paralelos constantemente e
sempre em termos de identificar a mesma unilateralidade que o idealismo
objetivo deve superar.

Assim, argumentando contra os conceitos simples do “senso comum”, ele


escreve: “A questão dos materialistas não é mais matéria morta que se opõe
e forma a vida; o eu dos idealistas não é uma consciência mais empírica,
que, sendo limitada por algo, deve ser colocada fora de si mesma. algo
infinito”(8).

A crítica ao idealismo subjetivo é construída de maneira diferente do que


será mais tarde. A famosa crítica à coisa em si mesma, elogiada por Engels e
Lenin, ainda está faltando nos argumentos que Hegel faz contra a filosofia
de Kant. Aparentemente, isso exigia um idealismo absoluto já completo,
fortalecido internamente e sistematizado. Certamente, se considerarmos mais
tarde o raciocínio de Hegel sobre "alienação" na "Fenomenologia do
Espírito", ficará claro para cada leitor atento que uma crítica ao idealismo
subjetivo já está implicitamente presente no conceito de alienação
(EntailBerung). A crítica posterior de Hegel ao idealismo subjetivo é
essencialmente retrospectiva e final. Essa crítica é uma visão geral dos vários
estágios do idealismo subjetivo como um estágio já completamente
superado. Aqui estamos vivendo a hora do nascimento do idealismo
objetivo. De fato, nasce uma nova filosofia que se desdobra no seio de
contradições insolúveis do idealismo subjetivo como consequência e solução
inevitáveis. Correspondendo a essa situação - agora diferente - na polêmica
do jovem Hegel, Fichte ocupa um lugar central. A controvérsia vem
essencialmente de. opostos entre Fichte e Schelling, mas não apenas por
razões literárias: trata-se de expor Fichte a aniquilar as críticas como um elo
necessário na conclusão da filosofia kantiana. Hegel mantém essa posição
histórica em relação a Fichte por toda a vida. No entanto, na lógica e na
enciclopédia, as proporções mudam: Kant, como fundador e maior
representante do novo idealismo subjetivo na Alemanha, torna-se o principal

291
objeto das críticas de Hegel. Nessas obras, o próprio espírito da
compreensão de Hegel da história da filosofia é mais maduro e mais rico do
que observamos no jovem Hegel no calor dessa polêmica acalorada.

Portanto, agora no centro das declarações polêmicas de Hegel está uma


tentativa de provar que, embora o Eu fichteano pretenda superar o dualismo
kantiano de consciência e coisa em si mesmo e apareça como um sujeito-
objeto idêntico, ele ainda não é capaz de satisfazer sua própria demanda.
Aqui vemos que a crítica de Hegeliana-Schellingiana a Fichte é o oposto da
crítica da filosofia de Kant. Tanto Hegel quanto Schelling revelam a falta de
coração de ir além dos limites da filosofia de Kant empreendida por Fichte.
Essa falta de coração de Fichte reside no fato de que ele tenta superar o
dualismo kantiano por meio de um conceito que, ao mesmo tempo, sem
introduzir qualquer clareza, agrava as tendências agnósticas subjetivas da
filosofia de Kant, transformando radicalmente o mundo em consciência,
atribuindo ao mesmo tempo esse papel de eu. o portador da objetividade
superando as limitações da interpretação kantiana da consciência. Em
Fichte, as críticas de Kant estão ligadas a trazer à tona uma tentativa ilegal -
de superar o dualismo da consciência e do mundo exterior com a ajuda da
consciência.

A crítica hegeliana vem de um ponto de vista completamente oposto. Ele


reconhece o desejo de Fichte, através de um objeto-objeto idêntico, de
resolver idealmente o problema da objetividade do mundo, mas argumenta
que Fichte alcança apenas a demanda por uma solução desse tipo, ou seja,
a demanda por objetividade, pelo absoluto, o objeto-objeto idêntico.
Expressamos isso nas próprias palavras de Hegel: "Então, eu mesmo não me
torno o sujeito-objeto no sistema. O subjetivo, é claro, é o sujeito-objeto,
mas o objetivo não é; e, portanto, o sujeito não é igual ao objeto"(9).

Não é difícil ver a necessidade histórica de acordo com a qual esse problema
foi colocado. Com o discurso de Kant, o agnosticismo do idealismo subjetivo
recebeu sua mais alta formulação mental. Ao mesmo tempo, constatou-se o
materialismo dos séculos XVII-XVIII. incapaz de não apenas resolver, mas
simplesmente de formular os problemas da dialética, que foram
apresentados pelo desenvolvimento das ciências naturais e pelo
desenvolvimento social. O avanço do pensamento metafísico para o
pensamento dialético em condições de progresso social e científico só foi
possível no caminho do idealismo. A dialética da realidade objetiva, a julgar
pelas posições idealistas, só é possível com base em um sujeito-objeto
idêntico. Somente quando admitimos algo que vai além da consciência
individual de uma pessoa, mas ainda é semelhante ao sujeito e à consciência
(Subjektartiges, Bewusstseinartiges), somente quando o idealismo vê no
movimento dialético dos objetos certo caminho de desenvolvimento, que
neste sujeito chega à autoconsciência; portanto, quando o movimento do

292
mundo objetivo atinge a unidade objetiva e subjetiva, real e consciente com
a consciência, somente então a dialética idealista objetiva é possível. O
sujeito-objeto idêntico é o pensamento metodológico central do idealismo
objetivo, assim como o reflexo da realidade objetiva, independente de nós
na consciência humana, é o cerne da teoria do conhecimento do
materialismo filosófico. Quando o movimento do mundo objetivo alcança a
unidade objetiva e subjetiva, real e consciente com a consciência, somente
então a dialética idealista objetiva é possível. O sujeito-objeto idêntico é o
pensamento metodológico central do idealismo objetivo, assim como o
reflexo da realidade objetiva, independente de nós na consciência humana,
é o cerne da teoria do conhecimento do materialismo filosófico.

As grandes mudanças econômicas e sociais na virada dos séculos XVIII e


XIX, o auge da ciência natural, revelaram os limites do antigo materialismo.
Segundo Lenin, o "principal problema" desse materialismo "é a incapacidade
de aplicar a dialética à Bildertheorie [Teoria do reflexo], ao processo e
desenvolvimento do conhecimento"(10). Em uma situação em que o
desenvolvimento social trouxe à tona o problema da dialética com tanta
energia que até o agnosticismo kantiano apareceu de forma dialética, em
uma situação em que o materialismo dialético ainda não era possível social
ou cientificamente, havia duas possibilidades de desenvolvimento filosófico:
insistir no agnosticismo kantiano ou avançar na criação de um sujeito-objeto
idêntico, a fim de alcançar uma dialética da realidade objetiva na rotunda da
mistificação filosófica. Portanto, Lenin diz, além da passagem acima: "O
idealismo filosófico é apenas um disparate do ponto de vista do
materialismo, bruto, simples, metafísico. Pelo contrário, do ponto de vista do
materialismo dialético, o idealismo filosófico é unilateral, exagerado,
uberschwengliches (Dietzgen) desenvolvimento (inflar, inchar) de uma das
linhas, lados, faces do conhecimento de maneira absoluta, divorciada da
matéria, da natureza e deificada. Idealismo é clericalismo"(11).

Lenin aqui revela os dois lados da questão com a precisão usual para ele.
Com grande nitidez e nitidez, ele mostra que essa formulação idealista da
pergunta contém inevitavelmente certo elemento religioso-sacerdotal.
Abaixo, veremos que razões sociais profundas eram impossíveis para Hegel
se libertar da religião. Escusado será dizer que o sujeito-objeto idêntico que
surgiu sobre essa base fortaleceu e aprofundou ainda mais essas tendências
religiosas.

Portanto, ao considerar a história da filosofia clássica alemã, estamos


falando em explorar os dois lados revelados por Lenin em sua interação
dialética.

A esse respeito, na filosofia de Fichte, encontramos uma notável mistura de


sequência e inconsistência. Ele é mais consistente do que seus seguidores

293
quando destaca a correspondência do Eu com a consciência. E quando,
com base nessa posição, ele critica as ilusões e inconsistências de Schelling,
ele está, até certo ponto, certo (é claro, se você olhar o assunto da mesma
posição metodológica, então Kant está certo em relação a ele). Com uma
implementação verdadeiramente consistente de seu conceito, Fichte deve vir
a Berkeley. Dando a si mesmo o caráter de um sujeito-objeto idêntico, ele
cai na inconsistência, se você olhar para ele mesmo de um ponto de vista
imanentemente idealista. Para o desenvolvimento da dialética idealista na
Alemanha, essa falta de coração foi repleta de certas consequências e
frutífera.

Agora, as críticas hegelianas são direcionadas contra essa falta de coração da


filosofia fichteana. O avanço persistente de Schelling e Hegel na direção de
criar uma dialética objetivo-idealista força-os a realmente levar a sério a
forma mistificada de um sujeito-objeto idêntico. E dessa perspectiva, Hegel
agora está criticando sem piedade a filosofia de Fichte.

Como já sabemos, ele procede do fato de que eu em Fichte deveria ter sido
o objeto-objeto idêntico; no entanto, devido à inconsistência de Fichte, ele
não cumpre esse papel. “Certamente, identidade absoluta é o princípio da
especulação, mas permanece, como mostra a forma de sua imagem I = I,
apenas uma regra cuja realização sem fim é postulada, mas não construída
em um sistema”(12).

Nesse sentido, Hegel agora expressa o lado sistemático de seu já familiar


para nós - a visão da qual ele coloca o materialismo metafísico e o idealismo
subjetivo no mesmo nível. Essa comparação é formulada da seguinte forma:
“A consciência pura pode ser encontrada na consciência empírica, nem mais
nem menos do que uma coisa em si mesma de dogmáticos (isto é,
materialistas. - G. L.). A consciência não é preenchida com subjetivo ou
objetivo. Um puramente subjetivo é uma abstração da mesma maneira que
um puramente objetivo. O idealismo dogmático considera o subjetivo como
o fundamento real do objetivo, o realismo dogmático como objetivo como o
fundamento real do subjetivo (...). No entanto, assim como o idealismo
sustenta a unidade da consciência, o realismo sustenta seu dualismo. A
unidade da consciência implica dualidade, correlação - oposição. A posição I
= I também se opõe a uma posição completamente diferente: o sujeito não
é igual ao objeto. Ambas as posições são da mesma ordem”(13).

Assim, o Eu fichteano não é um sujeito-objeto idêntico capaz de gerar e


garantir a dialética da realidade objetiva. "Ele produz infinitamente - no
progresso sem fim da existência prolongada - suas próprias partes, mas não
de si mesmo na eternidade da auto-contemplação como sujeito-objeto".

294
Essa limitação do conceito de Fichte é mais evidente na relação do eu com a
natureza. E, nesse contexto, Hegel enfatiza que Fichte permanece no mesmo
nível que o materialismo metafísico: "A posição dogmática de certo objeto
absoluto no idealismo se transforma em (...) auto-restrição, absolutamente
oposta à atividade livre"(14). Por causa dessa atitude negativa em relação à
natureza, esta aparece no sistema de Fichte como algo morto, como algo
incapaz de possuir seu próprio movimento dialético. Hegel traça essa
limitação em várias partes da filosofia de Fichte. Ele mostra que a unidade
de sujeito e objeto, eu e a natureza é excessivamente especulativa ou se
divide em uma certa divisão imóvel.

O dualismo se manifesta com mais nitidez, que Fichte procurou superar na


filosofia de Kant, mas que ele próprio, como mostra Hegel, reproduz em um
nível mais alto na interpretação da relação do homem com a sociedade. Os
problemas dos ensinamentos morais e sociais do idealismo subjetivo serão
abordados em mais detalhes. Aqui é suficiente enfatizar o oposto entre Hegel
e Fichte. Hegel censura Fichte ao fato de que, em sua filosofia, a sociedade é
para o homem apenas uma restrição de sua liberdade, assim como a
natureza é apenas limitada e limitada nele. Já conhecemos a principal ideia
contida nessa crítica das críticas de Hegel à filosofia de Kant. Hegel agora
formula sua censura quase exclusivamente no espírito de suas críticas
anteriores"(15).

Desse modo, Hegel mostra que Fichte ainda está muito longe de superar o
dualismo da filosofia cantonesa. Aqui, Hegel lança uma repreensão contra
Fichte, armado com o qual lutou contra o idealismo subjetivo a vida toda,
uma repreensão de que Fichte não foi capaz de se elevar acima da posição
abstrata. “A impossibilidade de eu me reconstruir em algo um com o meu
fenômeno, devido à oposição da subjetividade e da produção inconsciente,
é expressa de tal maneira que a síntese mais alta que caracteriza o sistema é
apenas Compromisso. Posição: eu igual eu me coloco na posição: devo
igual a Eu. O resultado do sistema retorna ao seu início”(16).

Assim, diante de nós está novamente a fórmula kantista (essencialmente


agnóstica) do progresso infinito, que, segundo Hegel, nada mais é do que
uma repetição na terminologia filosófica. "O infinito ruim", diz Hegel em
Lógica de Iena, "é o último passo no qual a incapacidade de unir e
desconectar opostos se manifesta absolutamente quando eles apenas
apresentam a demanda por tal retirada e estão satisfeitos com a afirmação
desse requisito, em vez de cumpri-lo"(17).

A própria compreensão do idealismo objetivo na "Diferença", em grande


parte, ainda está de acordo com a exposição de Schelling. A primeira forma
primitiva do idealismo objetivo de Schelling é mais ou menos assim: o
paralelismo e a hierarquia igual da filosofia transcendental e da filosofia da

295
natureza aqui ainda aparecem como uma superação do idealismo subjetivo.
Hegel, como Schelling, também procede da posição de Spinoza: "Em todos
os casos, a mesma ordem foi encontrada, em outras palavras, a mesma
conexão de causas, ou seja, que as mesmas coisas se sucedem"(18).
Certamente, essa posição em Schelling e Hegel assume um significado mais
modificado do que no próprio Spinoza. Em Spinoza, é uma expressão de
suas tendências materialistas. Schelling e Hegel querem fazer dele parte
integrante do idealismo objetivo. Portanto, o que constituiu sua força nessa
posição do ponto de vista materialista, do ponto de vista idealista, se torna
sua fraqueza. Schelling ainda tem um paralelismo entre o externo e o
interno, o objetivo e o subjetivo. Apenas alguns anos depois, Hegel estava
tentando superar radicalmente esse remanescente do dualismo. Em sua
"Diferença. ..", ele aceita o ponto de vista de Schelling em relação a duas
paralelas, complementares, mas que acabam formando uma unidade de
ciências. A unidade deve se manifestar no fato de que essas duas ciências se
cruzam. Isso, no entanto, apenas proclamado, mas em nenhum lugar
metodologicamente revelado. De acordo com os pontos de vista do falecido
Hegel - e os núcleos e as versões iniciais desses pontos de vista existiam ao
mesmo tempo - essa transição mútua seria uma garantia real de que ambas
as ciências, complementando-se e representando a unidade, podem coexistir
sem prevalecer uma sobre a outra. Assim que um deles começa a prevalecer,
a unidade é liquidada em uma base materialista ou subjetiva-idealista. O
conceito schellingiano de idealismo objetivo também se manifesta no fato de
que Hegel, em sua filosofia, adota os termos mais importantes de Schelling
do ponto de vista da metodologia, como "produção inconsciente", "intuição
intelectual", e os aceita sem reservas críticas.

Desta maneira, no entanto, no início do período Iena, os elementos


independentes da dialética hegeliana, as próprias tendências que mais tarde
levam à divergência dos caminhos filosóficos de Schelling e Hegel,
manifestam-se fortemente. Assim, nos primeiros anos da permanência de
Hegel em Iena, nós o vemos como o defensor do princípio de Schelling de
coordenar a filosofia transcendental e a filosofia natural. Mas já em 1803, no
artigo "Lei Natural", publicado na revista que dirigia junto com Schelling,
Hegel proclama, ainda não polemizando com Schelling, seu próprio ponto
de vista na filosofia característica de seu período maduro, a saber: o espírito
está acima da natureza: “Se o absoluto consiste no fato de que se contempla
e se contempla, além disso, contemplação absoluta e autoconhecimento”(19).

Assim, aqui Hegel, em uma das questões mais importantes da filosofia, já vai
muito além da posição de Schelling. Uma característica da cooperação entre
Schelling e Hegel em Iena é que, de vez em quando, existem diferenças
entre eles em vários assuntos, mas eles não são fixados por um nem pelo
outro e não são considerados diferenças. Externamente, aqui reina a
harmonia completa, que "de repente" se desfaz em pó assim que essa ou
296
aquela divergência assume uma orientação consciente e cristaliza em um
determinado sistema.

Dessas importantes diferenças individuais, enfatizamos apenas uma. No


entendimento de Schelling do período iene, a filosofia atingiu seu clímax na
arte. A produção da unidade direta do sujeito e do objeto, inconsciente e
consciente, segundo Schelling, como na “Crítica da capacidade de
julgamento” de Kant, ocorre no art. A arte, portanto, é uma garantia para o
filósofo de que realmente existe intuição intelectual e que a produção
consciente e inconsciente na realidade, na natureza e na história se
transformam. Somente em Würzburg a religião no sistema Schelling
começou a utilizar o lugar antes ocupado pela arte em Iena(20).

O desenvolvimento de Hegel segue uma direção diametralmente oposta. No


fragmento do sistema de Frankfurt, o clímax da filosofia é a religião. Essa
visão de Hegel no iene está mudando muito rapidamente. Não falaremos
sobre os estágios dessa mudança, porque na próxima análise da
"Fenomenologia do Espírito" discutiremos em detalhes a questão da religião
na filosofia de Hegel. Apenas enfatizamos que, na "Diferença. ..", em um
grau moderado, ainda é possível encontrar traços do ponto de vista do
período de Frankfurt e uma posição radicalmente nova. Em um caso, Hegel
chama arte, religião e filosofia de "culto" em outro, em conexão com a
importante característica preliminar de certo período de religião, ele diz que
fica fora da estrada principal do desenvolvimento histórico da cultura: "no
entanto, colocando-o próximo a si ou a seu lado...”(21). Aqui, essencialmente,
a posição da" Fenomenologia do espírito "em relação à religião já é visível,
pelo menos as disposições mais importantes dessa posição, uma vez que ela
mesma se contradiz.

Não obstante, devemos nos voltar para um ponto das diferenças agora
claramente manifestas entre as posições filosóficas de Hegel e Schelling.
Terminologicamente, Hegel aceita - por vários anos - a designação de
Schelling das contradições e sua superação. Ele fala repetidamente do
“ponto de indiferença”, da “intuição intelectual”, etc. No entanto, junto com
isso, também encontramos, e de maneira nenhuma indiretamente, a
continuação e o desenvolvimento do conceito de contradição a partir do
fragmento de Frankfurt do sistema. E, ao mesmo tempo, não observações
individuais, mas com tanta frequência e em tantos lugares que é fácil para
nós ver: em todas as experiências com vários aspectos da filosofia de
Schelling, Hegel nunca abandonou seu próprio ponto de vista em questões
cruciais. Então, Hegel na "Lógica de Iena" diz claramente que os opostos não
são superados no absoluto e não desaparecem; ele escreve sobre o que
representa a essência do conceito de Schelling de superar contradições. "O
oposto é geralmente qualitativo e, como nada existe fora do absoluto, é
absoluto, e precisamente porque é absoluto, decola-se, e o absoluto,

297
descansando em sua retirada, também é absolutamente um movimento de
ser ou a remoção do oposto absoluto. "O ser absoluto de uma contradição
ou, se você preferir, o ser de uma contradição na própria essência absoluta"
e precisamente porque é absoluto, ele se remove em si mesmo, e o absoluto,
repousando em sua retirada, também é absolutamente um movimento do
ser ou a remoção do oposto absoluto. O ser absoluto de uma contradição
ou, se você preferir, o ser de uma contradição na própria essência absoluta”
e precisamente porque é absoluto, ele se remove em si mesmo, e o absoluto,
repousando em sua retirada, também é absolutamente um movimento do
ser ou a remoção do oposto absoluto. O ser absoluto de uma contradição
ou, se você preferir, o ser de uma contradição na própria essência
absoluta"(22). constitui a essência do absoluto para Hegel. Ele enfatiza esse
entendimento em outro lugar: "O infinito, de acordo com seu conceito, é
uma simples remoção do oposto, mas não é retirado. É vazio, oposto ao
oposto"(23).

Este conceito é especialmente expressado em "Diferenças". Hegel revela e


formula sua posição aqui da seguinte maneira: "Na medida em que a
identidade é revelada, a separação deve ser revelada na mesma extensão.
Como a identidade e a separação se opõem, elas são absolutas. E se a
identidade deve ser preservada ao custo de eliminar a divisão, eles
permanecem opostos: a filosofia deve agir de maneira justa com uma divisão
entre sujeito e objeto, mas quando ela acredita absolutamente nessa
separação juntamente com a identidade oposta à separação, então ela
acredita em segundo lugar apenas condicionalmente, porque tal identidade,
sendo causada pela destruição da frente, é também relativamente Por
conseguinte, o próprio absoluto é a identidade de identidade e não-
identidade, ao mesmo tempo - e a oposição(24).

Esta é uma clara continuação do fragmento de Frankfurt do sistema.


Portanto, é importante aqui corrigir que Hegel nunca deixou essa linha para
entender a contradição. Vou me referir apenas a um lugar conhecido da
Logica, onde Hegel contesta a igualdade de identidades e contradições e
acrescenta que, quando um dos lados recebe prioridade, acredita-se que a
contradição se torne mais profunda e substancial. Este lugar é especialmente
enfatizado por Lenin em seus resumos das obras de Hegel(25).

É especialmente importante para nós ver claramente qual direção do


pensamento em Hegel está conectada a esse entendimento da contradição e
sua remoção. A partir de uma análise da Lógica de Iena, já aprendemos que
"Hegel considera a superação (Aufheben) o oposto da retirada
(Aufgehobensein) e, assim, preserva a separação, a bifurcação, a diferença,
a não-identidade na unidade filosófica final, ele procura entender como um
movimento que constantemente atualizado, enquanto os momentos são
constantemente invocados e removidos. Com total clareza, esse

298
entendimento da retirada é formulado na "Fenomenologia do Espírito".
Hegel volta novamente ao problema da identidade e da não-identidade. E
ele diz que, não importa o quanto podemos manter, qualquer termo que
podemos considerar como certo e errado, somos obrigados a ser o certo e o
errado(26).

Nesta formulação da contradição dialética, o caráter específico da dialética


hegeliana é claramente expresso. Mas aqui também fica claro por que a
dialética materialista emergente não pode se voltar para outras formas
existentes de dialética, mas apenas para a dialética formulada por Hegel. A
unidade dos opostos ainda era conhecida pela filosofia antiga e, na filosofia
europeia, a coincidentia oppositorum, de Nikolai Kuzansky a Schelling,
aparecia constantemente. No entanto, a contradição entre retirada e retirada
sempre permaneceu sem solução. Queremos dizer que, entre a dialética
idealista, o tiro estaticamente sobre o movimento de retirada constantemente
vence. Quase todas as tendências religiosas existentes, ou pelo menos uma
variedade de tendências, fortalecem essa linha de pensamento. De fato se
Deus deveria ser um ponto de unificação de contradições, qualquer visão
religiosa procura absolutizar a retirada do ser. Veremos abaixo que Hegel
também tem essa tendência, por causa da qual ele frequentemente cai do
nível de seu entendimento específico de contradição e retirada para o nível
de seus predecessores.

Apesar dessas recaídas contínuas e inevitáveis associadas às limitações


universais da dialética idealista, um novo entendimento da dialética significa
um enorme passo adiante, porque somente dessa maneira o movimento
contínuo de auto-alívio e novamente assumindo contradições pode ser
mentalmente reproduzido e refletido adequadamente. Para alcançar
adequação e consistência, esse pensamento engenhoso de Hegel teve que
ser materialistamente "virado do avesso". Era necessário entender
claramente que todo esse movimento dialético é uma lei objetiva do
movimento dos objetos, independente da consciência. Somente com esse
entendimento um movimento constantemente renovado pode ser entendido
como um movimento não ilusório, que não alcança um estado de descanso
em certo "deus" ou espírito. Damos apenas um, é claro, o importante

Em Capital, Marx fala de contradições no processo de troca de mercadorias:


"O desenvolvimento das mercadorias não remove essas contradições, mas
cria uma forma para o movimento delas. Esse geralmente é o método pelo
qual as verdadeiras contradições são resolvidas. Hack, por exemplo, naquele
corpo. continuamente cai sobre o outro e se afasta continuamente deste
último, existe uma contradição. A elipse é uma das formas de movimento
em que essa contradição é simultaneamente realizada e resolvida”(27).

299
Apesar de todas as limitações decorrentes da natureza: idealismo,
permanece uma tendência animada na dialética hegeliana, segundo a qual a
remoção de momentos particulares ao mesmo tempo pressupõe sua
preservação. Assim, a construção de objetos e conexões individuais em
meios absolutos para Hegel não é a extinção de propriedades específicas,
mas sua preservação até as características empíricas dos objetos e suas
conexões. Hegel fala sobre isso em seu primeiro discurso polêmico contra
Fichte - em estreita conexão com a citação acima sobre a remoção de
contradições. "A filosofia, despedaçada, não pode considerar despedaçadas,
sem colocá-las no absoluto (...) essa correlação com o absoluto não é uma
retirada de ambos. .. mas eles devem permanecer dilacerados e não perder
esse caráter, pois são colocados em absoluto ou absoluto, colocamos neles”.

Este conceito tem duas consequências intimamente relacionadas para Hegel.

Antes de tudo, na dialética objetiva existe um amplo campo para a pesquisa


empírica, para um estudo imparcial do que realmente existe no mundo
exterior, na natureza e na sociedade. Como o entendimento de Schelling
sobre a remoção de contradições no imediatismo da "intuição intelectual"
leva ao apagamento da objetividade empírica, um formalismo cada vez mais
arbitrário de suas construções surge inevitavelmente.

O método filosófico de pesquisa se torna um contraste grosseiro e excludente


da pesquisa empírica. O filósofo, construindo a partir das alturas soberanas
da "intuição intelectual", sente-se cada vez menos obrigado a contar com os
fatos e as conexões da realidade empírica.

É claro que existem tendências opostas, especialmente entre o próprio


Schelling e, em menor grau, entre seus seguidores. Essas tendências estão
ligadas aos impulsos materialistas de Schelling, com suas tentativas de
conhecer a natureza como ela é (sua relação com Goethe), mas seu método
filosófico de forma alguma apóia essas tendências saudáveis. Pelo contrário,
a natureza auto-suficiente de suas construções, que são desenvolvidas
principalmente pelo método da analogia, cada vez mais superficial e
formalista, leva-o a ficar mais longe da pesquisa real, do empirismo. E
embora mais tarde ele tenha feito "experimentos", seu método não foi capaz
de impedi-lo e ele cairia em uma natureza ilusória místico-reacionária.

As cartas escritas por Schelling em 1806-1807 são muito características.


Hegel antes de receber sua "Fenomenologia do Espírito". Neles, ele descreve
detalhadamente os "experimentos" que ele faz com uma varinha mágica e os
resultados muito importantes - supostamente empíricos -, devido aos quais
ele entra no campo da "mágica".

Por outro lado, a dialética hegeliana é um método de auto-educação do


pensador, a fim de obter o material cognitivo real e o estudo real desse
300
material. Além disso, veremos que Hegel vai longe demais aqui e, às vezes,
não é capaz de romper com o empírico. Certamente, isso se deve às
fraquezas de sua dialética, que, como Marx escreve, apontam para o duplo
erro do "positivismo acrítico" e "idealismo igualmente acrítico"(28).

No entanto, essa dupla face da crítica de Marx já mostra que antes de Hegel
uma arena completamente diferente foi aberta para um estudo
verdadeiramente objetivo do que antes de Schelling. Marx e Engels se
referem constantemente ao conhecimento enciclopédico de Hegel, em
oposição à ignorância formalista e arrogante e arrogante dos jovens
hegelianos. Esse conhecimento não é apenas uma característica individual
de Hegel, mas, como já vimos, eles estavam intimamente ligados ao seu
conceito específico de método dialético.

O segundo tópico importante, que gostaríamos de dizer aqui algumas


palavras, diz respeito à conexão realmente dialética das categorias,
prestando a devida atenção à independência e originalidade real das
chamadas categorias "inferiores" adjacentes ao empírico. Em Schelling,
quanto mais o nível de conhecimento absoluto se afasta dos estágios
preliminares a ele relacionados, mais indiferente, arbitrário, menos
dialeticamente são estudados por ele. Esse caminho, da dialética instintiva
ao pensamento formalista e distorcido, construído sobre analogias, é o que
observamos em Schelling no processo de seu desenvolvimento, e se nosso
tema fosse precisamente a questão de sua queda, o mostraríamos com base
em um grande material factual. Com Hegel, estamos vendo cada vez mais a
formação da tendência oposta. Enquanto Fichte, procedendo do absoluto
(do Eu), gradualmente, por dedução, ele desce para a empatia, enquanto o
próprio Schelling constrói seu método da mesma maneira, a tendência de
Hegel se desenvolver no período Iena é a seguinte: a partir de categorias
empíricas, através da divulgação de sua dialética interna, ele passa a
categorias mais altas e mais complexas. A identificação desse método atinge
o pico na "Fenomenologia do espírito", em cuja consideração tentaremos
mostrar simultaneamente as limitações do método hegeliano.

Se ignorarmos a construção de um sistema filosófico, essa diferença leva a


consequências extremamente importantes. Hegel relativiza cada vez mais a
transição dialética entre as categorias de não absoluto e absoluto, entre o
finito e o infinito, entre razão e razão, a fim de tornar essas transições
dialéticas mais ricas e mediadas. Ao mesmo tempo, Schelling, quanto mais
ele segue o caminho da “intuição intelectual”, mais ele exige um gênio
estético e depois religioso para a filosofia, mais intransponível para ele é a
lacuna entre o “bom senso” e sua filosofia, menos ele consegue encontrar
uma conexão verdadeiramente dialética entre as categorias de razão e razão,
entre finito e infinito, absoluto e relativo.

301
Aqui temos uma diferença metodológica filosófica e sistemática entre Hegel
e Schelling na compreensão da história da filosofia. O desprezo de princípio
de Schelling pelas categorias "sensíveis", que, ele acredita, nada tem a ver
com o absoluto e não está relacionado a ele, é a base de sua atitude de
desprezo em relação à filosofia do Iluminismo. Em contraste, a busca de
transições e mediações leva Hegel ao que ele vê no Iluminismo como o
predecessor histórico e sistemático de sua própria dialética. Pela mesma
razão, o formalismo na construção filosófica empurra Schelling cada vez
mais para o caminho do não-histórico e até do anti-historicismo. Hegel, pelo
contrário, juntamente com o aprimoramento das transições metodológicas
de sua filosofia, mostra uma compreensão cada vez mais profunda dos
problemas da história.

Aqui, para nós, a atitude de Hegel em relação às categorias racionais, às


chamadas definições de reflexão, é o problema mais importante. Hegel,
junto com Schelling, está lutando contra a tendência de Kant e Fichte de
permanecer no nível das definições das reflexões e de suas antinomias
imóveis, que Kant fala com toda a sua nudez, e Fichte as leva a uma
aparente retração dialética. Nessa luta, Schelling logo cai no extremo oposto,
entra completamente no campo de categorias da mente, onde as
contradições são apagadas (a base metodológica disso, como já vimos, é a
"intuição intelectual"). Hegel, no entanto, pretende lutar contra a filosofia e
Kant e Fichte em sua própria esfera. Isso significa que ele reconhece a
relativa legitimidade e até a relativa necessidade e insubstituibilidade das
definições de reflexão.

Enquanto Schelling, sendo guiado pela linha principal de seu


desenvolvimento, é forçado a abandonar completamente as definições de
reflexão (é claro, ele tem tendências opostas, recaídas, etc., no entanto,
apenas a principal e principal linha de seu desenvolvimento é importante
para nós aqui), Hegel já em A diferença. .. proclama a necessidade de certa
reflexão filosófica.

Devido à importância dessa questão para o sistema Hegel como um todo,


somos forçados a expor suas opiniões sobre esse assunto em mais detalhes.
Hegel diz: "O Absoluto deve ser construído para a consciência, e esta é a
tarefa da filosofia. No entanto, como a produção, como os produtos da
reflexão, é apenas uma limitação, isso é uma contradição. O Absoluto deve
ser refletido, supostamente. No entanto, não é postulado, mas porque,
acreditando nisso, nós o limitamos”. Hegel censura Kant e Fichte por
estarem presos a esse nível de pensamento: "A reflexão isolada, como
suposição do oposto, seria a remoção do absoluto. Está nas garras do ser e
da limitação”(29). Mas Kant e Fichte, como todos os pensadores metafísicos
em geral, não percebem que há uma conexão objetiva com o absoluto, isto
é, com base em uma conexão dialética mútua universal e abrangente de

302
todas as coisas na realidade objetiva e no pensamento. "No entanto, a
reflexão como uma mente está relacionada ao absoluto, e é razão apenas
graças a e através desse relacionamento. A reflexão se destrói e todo o ser e
é limitada na medida em que se refere ao absoluto. Ao mesmo tempo,
porém, é por causa de sua atitude em relação à o absoluto existe limitado”.
Portanto, a tarefa da filosofia é identificar essas relações objetivamente
existentes que subjazem à natureza contraditória da reflexão. Graças a essa
consciência filosófica do processo dialético (Gang) das definições de
reflexão, a percepção de que os limites associados à manifestação direta de
categorias de reflexão apenas parecem vagos, Hegel tem uma “reflexão
filosófica”, que é a força motriz mais importante para seu sistema, o
fundamento metodológico da forma específica de sua dialética, sua
compreensão da história como um momento de desenvolvimento da
dialética. "Na medida em que a reflexão se faz seu próprio objeto, sua lei
mais elevada, que lhe é dada pela mente e através da qual ela se torna a
mente, é sua destruição. Como todo o resto, existe apenas no absoluto, mas
como reflexo se opõe. Portanto, para existir, deve se dar a lei da
autodestruição, lei imanente pela qual se constrói independentemente como
absoluta, a lei da contradição, o que significa que sua posição é dada e
permanece. Com isso, ela definiu os frutos de sua atividade como
absolutamente opostos ao absoluto. Ela predeterminou sua lei eterna para
permanecer a razão e não se tornar razão e aderir firmemente a esse modo
de ação, que é insensato em oposição ao absoluto, mas, sendo limitado,
ainda é oposto ao absoluto”(30).

Nessas declarações, que se juntam ao discurso de Frankfurt, citamos


repetidamente aqui sobre a dialética do absoluto e relativo, finito e infinito
etc., o fundamento da lógica hegeliana tardia é estabelecido de uma forma
muito mais clara e sistemática.

Hegel, durante esse período, experimentou as categorias de Schelling (por


exemplo, a categoria de "potência"), isso, como esperamos, fica claro em
nossa exposição anterior. No entanto, pode-se ver pela mesma exposição
que, embora Hegel de fato tenha experimentado um grau significativo de
influência de Schelling em certas questões relativas ao sistema, no entanto,
do ponto de vista da linha principal de seu desenvolvimento, dificilmente se
pode falar do período de Schelling em sua formação, bem como de aspectos
teológicos. Período místico. A análise que fornecemos acima também torna
óbvio o quão independentemente o pensamento hegeliano estava em
questões decisivas da dialética.

A independência de Hegel também se manifesta no fato de que toda a


discussão sobre o idealismo subjetivo assume um caráter muito mais
abrangente e profundo do que na correspondência de Schelling com Fichte.
Agora, juntamente com os novos problemas considerados até agora, que

303
estavam intimamente relacionados à oposição do idealismo subjetivo e
objetivo, mas cujo significado não foi compreendido por Fichte ou Schelling,
vamos ver como esses opostos se manifestam em outra esfera de problemas
filosóficos, a saber no campo da "razão prática" - moralidade, filosofia do
estado e direito.

Nesses assuntos, Schelling sempre foi independente. Seu trabalho inicial e


imaturo, A Nova Dedução da Lei Natural, foi apenas um episódio menor em
seu derramamento. Obviamente, quando ele publica, um após o outro,
vários esboços de seu sistema em Iena, ele é forçado a discutir esses
problemas com mais ou menos detalhes. Não obstante, uma análise dessas
questões constitui a parte mais fraca, menos fundamentada e não
independente de sua filosofia, tanto metodologicamente quanto do ponto de
vista de um material específico. É por essa razão que os aspectos
reacionários da filosofia de Schelling aparecem nessas questões muito mais
cedo e mais definitivamente do que quando ele considerou as questões
gerais da dialética ou da filosofia da natureza.

Já apontamos o fato característico de que Hegel, que acreditava que na luta


contra o idealismo subjetivo, as críticas à "filosofia prática" de Kant, Jacobi e
Fichte eram cruciais; além disso, mais tarde, ele continuou sua luta contra o
idealismo subjetivo ainda mais decisivamente nesse sentido. região, nunca
fez nenhuma crítica a Schelling sobre o alcance dessas questões. Ele
simplesmente não presta atenção neles. Portanto, ao discutir a lacuna entre
Hegel e Schelling, nós, da nossa parte, abordaremos esse leque de questões
apenas na medida em que sua discussão possa lançar luz adicional sobre o
contexto social da inevitabilidade dessa lacuna.

Antes de falar de uma crítica à "filosofia prática" do idealismo subjetivo,


primeiro consideramos a totalidade dos problemas analisados criticamente
por Hegel.

A reprovação de Fichte à filosofia natural de Schelling, sua crítica à


legalidade do papel das categorias objetivo-idealistas na cognição da
natureza, tornou-se essencialmente um episódio completamente
insignificante nessa discussão.

A essência dessa crítica, bem como todos os fatos do desenvolvimento


histórico altamente contraditório da dialética idealista na Alemanha, tem dois
lados, pelos quais não podemos passar. Até agora, o foco de nossa atenção
tem sido o lado positivo do desdobramento e aprofundamento hegeliano da
oposição entre idealismo objetivo e subjetivo. Nossa análise dos problemas
morais é projetada para enfatizar mais uma vez esse lado positivo, mas
devemos prestar atenção também ao lado negativo.

304
Quando Fichte censura Schelling que sua "autoconstrução" das categorias da
natureza é uma ilusão, um auto-engano, quando Fichte considera a natureza
uma "pequena esfera de consciência", Fichte justamente faz as acusações de
Schelling não apenas do ponto de vista do idealismo subjetivo, mas também
com o ponto de vista de todo idealismo em geral: a natureza é a esfera da
consciência para qualquer idealismo, e é teoricamente cognitivamente
completamente indiferente se essa esfera é grande ou pequena. No entanto,
se considerarmos a natureza de maneira diferente; o filósofo deve provar sua
existência fora da consciência. Se tal prova não for apresentada - e Schelling
e Hegel estão muito longe de sequer pensar em um conceito assim -, as
críticas de Fichte até certo ponto permanecem válidas. Essa censura do
idealista subjetivo Fichte Hegel não é capaz de rejeitar, ele só pode
contorná-lo. De fato, mesmo a forma mais desenvolvida da dialética
hegeliana, que ele expôs em A Fenomenologia do Espírito ou na
Enciclopédia, não resiste a essa crítica.

Schelling e Hegel podem apenas declarar a objetividade do espírito, mas são


capazes de fornecer qualquer evidência teórica, uma vez que a disposição
sobre a independência do "espírito" da consciência é, de fato, o principal
auto-engano do idealismo objetivo.

Feuerbach liderará esse ataque do lado oposto, do ponto de vista do


materialismo, de maneira mais consistente e correta que Fichte, além disso,
contra a forma mais desenvolvida de derivação dialética dessa objetividade
na "Fenomenologia do Espírito". Aqui, Hegel procura, como veremos,
começando com uma simples percepção sensorial, identificar dialeticamente
o caminho que leva ao espírito e justificar a necessidade objetiva de sua
posição. Feuerbach, no entanto, prova que Hegel também permanece
dentro da estrutura do pensamento e que seu apelo à percepção sensorial do
mundo exterior é auto-engano. "Isto aqui é uma árvore. Eu me viro e essa
verdade desapareceu! É claro que ela desapareceu na Fenomenologia, onde
a mudança é feita por um pequeno slogan; mas, na realidade, quando tenho
que virar meu corpo pesado, atrás de mim também está aparecendo "aqui"
como um evento muito real. Uma árvore beira minhas costas. Isso me tira do
lugar que ocupa. Hegel não refuta "aqui" como um objeto de consciência
sensorial e como algo que nos é dado em contraste com o pensamento puro,
mas como um "aqui" lógico (...) (estamos falando sobre a filosofia hegeliana
-. G. L.) começa não com o outro ser do pensamento, mas com o
pensamento do outro ser do pensamento...”(31). Assim, essa linha de
pensamento na dedução da objetividade de Hegel é exposta como auto-
engano.

Tínhamos que citar esse lado negativo da polêmica hegeliana contra Fichte,
uma vez que está intimamente relacionado às limitações finitas de sua
dialética. O fato de Schelling e Hegel contornarem essas reprovações

305
relativamente corretas de Fichte, de um ponto de vista histórico, também era
necessário e frutífero para o desenvolvimento da dialética, pois naquele
tempo (embora em menor grau) que Fichte contornava as reprovações
relativamente justificadas de Kant. Sem essa auto-ilusão filosófica,
intimamente associada a uma série de auto-ilusões sociais, heróicas e
mesquinhas, a dialética hegeliana não teria surgido. Vimos como Feuerbach
critica corretamente esse auto-engano idealista de Hegel. Mas também
sabemos que essas críticas não ajudaram Feuerbach a refazer
materialistamente a dialética de Hegel. Apenas Marx foi capaz de fazer isso,
e filosoficamente, baseado em críticas abrangentes a Hegel e Feuerbach. E
não há necessidade de explicar em detalhes que a superação filosófica do
idealismo objetivo e do materialismo metafísico se tornou possível para Marx
apenas porque ele podia criticar e realmente criticou toda a filosofia
burguesa do ponto de vista da visão de mundo do proletariado. Esses fatos
mostram a impotência das críticas fichteanas a Schelling e até a Hegel, pois
mesmo a situação econômica e a correlação das forças de classe na
Alemanha no início do século XIX. se eles se desenvolvessem de tal maneira
que levassem ao surgimento de algum tipo de filosofia materialista no nível
de Feuerbach, então as críticas ao idealismo hegeliano por esse materialismo
- mesmo que fossem corretas e justificadas do ponto de vista do
desenvolvimento imanente da filosofia, seriam estéreis e impotentes como
fator de desenvolvimento.

E isso aconteceu sob condições alteradas apenas porque a filosofia de


Feuerbach deu impulso ao surgimento do materialismo dialético. Os
seguidores burgueses de Feuerbach estavam filosoficamente em um nível
incomensuravelmente mais baixo do que a dialética hegeliana.

(1) Hegel. Erste Druckschriften. P. 163 (retornar ao texto)

(2) Idem, p. 12. (retornar ao texto)

(3) Ibid., p. 14. (retornar ao texto)

(4) Ibid., p. 13. (retornar ao texto)

(5) Ibid., p. 9. (retornar ao texto)

(6) Rozenkranz, K. – Hegels Leben [Vida de Hegel], p. 540. (retornar ao


texto)

(7) Hegel. Erste Druckschriften, p. 96-97. (retornar ao texto)

306
(8) Ibid., p. 24. (retornar ao texto)

(9) Ibid., p. 48. (retornar ao texto)

(10) Lenine, V. I., Obras Completas, Tomo 29, p. 322. (retornar ao texto)

(11) Loc. cit. (retornar ao texto)

(12) Hegel. Erste Druckschriften, p. 46. (retornar ao texto)

(13) Ibid., p. 47. (retornar ao texto)

(14) Ibid., p. 56. (retornar ao texto)

(15) Ibid., p. 65. (retornar ao texto)

(16) Ibid. , p. 52. (retornar ao texto)

(17) Hegel, Jenenser Logik, p. 29. (retornar ao texto)

(18) Spinoza, B – Moscou. 1957, Tomo 1, p. 408 (retornar ao texto)

(19) Hegel – Escritos Políticos, p. 250. (retornar ao texto)

(20) Veja no meu livro A destruição da Razão, cap. 2. (retornar ao texto)

(21) Hegel – Erste Druckschrfiten, p. 91. (retornar ao texto)

(22) Hegel, Jenenser Logik, p. 13. (retornar ao texto)

(23) Ibid., p. 33(retornar ao texto)

(24) Hegel. Erste Druckschriften, p. 76 e ss. (retornar ao texto)

(25) Cfr. Lenine., V. I., Obras Completas, Tomo 29, p. 176. (retornar ao
texto)

(26) Cfr. Hegel, Composições, Moscou 1959. T. IV. p. 24. (retornar ao texto)

(27) Marx, K. e Engels, F – Obras Tomo 23. p. 113-114. (retornar ao texto)

(28) Hegel. Erste Druckschriften, p. 77. (retornar ao texto)

(29) Marx, K. e Engels, F – Obras Tomo 42. p. 156-157. (retornar ao texto)

(30) Hegel. Erste Druckschriften, p. 17. (retornar ao texto)

(31) Feuerbach, L – Obras Filosoficas Escolhidas. Tomo 1, Moscou, 1955, p.


80.

307
308
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo III – Fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Iena, 1801-


1804)
3 - Contra o individualismo abstrato na ética

Chegando à análise das críticas hegelianas à "filosofia prática" do idealismo


subjetivo, observamos que aqui temos muito mais material para comparação
de um período anterior. Detectamos detalhadamente as críticas de Hegel à
ética kantiana. Aqui veremos que a direção principal de suas críticas
permanece a mesma, e as próprias críticas estão agora se tornando mais
detalhadas, mais concretas e, acima de tudo, mais sistemáticas. Hegel não
investiga problemas individuais da ética kantiana, cuja formulação ele e Kant
cruzam, mas analisa criticamente toda a "filosofia prática" do idealismo
subjetivo.

Antes de tudo, essa crítica está sendo realizada em estreita ligação com as
visões gerais de Kant, Fichte e Jacobi. Hegel considera as limitações de sua
filosofia moral como uma consequência direta da falsidade e unilateralidade
de sua visão de mundo. Ao considerar os problemas morais pelo idealismo
subjetivo, Hegel vê até certo ponto um exemplo de seu fracasso em resolver
as questões mais importantes da vida pública.

Na Diferença, Hegel fala apenas de certos aspectos da ética do idealismo


subjetivo. Em Glauben und Wissen, ele critica sistematicamente o idealismo
subjetivo em todas as direções, completando-o cada vez com uma crítica da
moralidade. O último artigo polêmico importante de Hegel, que ele publicou
em uma revista editada em conjunto com Schelling, um artigo sobre direito
natural, é quase inteiramente dedicado a esse problema. Em "Glauben und
Wissen", Hegel vê a insuficiência da filosofia da reflexão, na medida em que
universal e empírica rigidamente, sem transições, são arrancadas uma da
outra. "A unidade e a diversidade aqui atuam como abstrações opostas,
como resultado das quais ambos os lados opostos têm negatividade e
positividade em relação um ao outro, de modo que o empírico é ao mesmo
tempo algo absoluto para o conceito e, ao mesmo tempo, nada absoluto. Do
ponto de vista do primeiro lado, eles são a essência do empirismo, do ponto
de vista do segundo, são idealismo e ceticismo”.(1) E Hegel complementa a
característica geral do idealismo subjetivo de Fichte da seguinte forma: "O
produto imediato desse idealismo formal (...) é, portanto, da seguinte forma:

309
o reino vazio se opõe a certo reino desprovido de unidade de empírica e
diversidade aleatória”(2).

Essa visão da realidade é particularmente proeminente na ética. A ética do


idealismo subjetivo não é capaz de alcançar uma compreensão real da
universalidade do mandamento moral, o conteúdo social da ética. "Como o
vazio da vontade pura e universal é verdadeiramente a priori, o especial é
simplesmente empírico. Se tentássemos definir o que é lei e dever,
estaríamos em conflito, porque o conteúdo remove imediatamente a
vontade pura, o dever pelo bem do dever. e transforma dívida em algo
material. O vazio de um puro senso de dever e conteúdo estão
constantemente no caminho um do outro"(3). Além dessa crítica geral, Hegel
envia a Kant e Fichte às censuras que já conhecemos das críticas de
Frankfurt, a saber, que essa moralidade em vez de liberdade significaria
tirania, que seguir tal moralidade levaria inevitavelmente à hipocrisia etc. em
suas críticas gerais a Kant e Fichte, Hegel mostrou que seu método pode
levar a dívidas vazias e abstratas, a um progresso vazio e abstrato sem fim.
Agora, em termos morais, esses conceitos assumem uma forma mais
concreta, na qual Hegel, com mais nitidez do que em suas análises teóricas,
revela a insignificância do idealismo subjetivo.

Kant e Fichte, por obrigação, tentam se elevar acima da consciência


empírica do indivíduo e chegar à universalidade ética real. Hegel revela o
autoengano à espreita aqui e mostra que a obrigação apenas leva ao ponto
de vista empírico cotidiano do indivíduo em relação ao mundo, à sociedade,
"porque a obrigação por si só não permite nenhuma integridade, mas
apenas a diversidade da realidade se manifesta como uma inicial
incompreensível. certeza e necessidade empírica, característica e diferença
são absolutas. O ponto de vista dessa realidade é o ponto de vista empírico
de cada indivíduo. a realidade da pessoa é uma esfera incompreensível da
realidade cotidiana, na qual está de uma vez por todas incluída"(4). Assim, a
moralidade do idealismo subjetivo revela a futilidade de sua posição teórica,
sua incapacidade de apreender uma realidade específica no pensamento.

Lembre-se de que Hegel, em suas críticas ao progresso sem fim, já


demonstrou que este último, de nenhum ponto de vista, é realmente capaz
de explicar qualquer problema, que repete e reproduz na terminologia
filosófica os problemas não resolvidos do idealismo subjetivo. Na “filosofia
prática”, essa conexão entre progresso infinito e obrigação é mais
pronunciada. Agora Hegel já está provando que é graças ao progresso
infinito que a irrealização do idealismo subjetivo se torna aparente; progresso
infinito é o reconhecimento de que, se implementado, o idealismo subjetivo
destruiria a si mesmo, suas próprias premissas, e que essas premissas,
portanto, contradizem a realidade. Assim, Hegel, (depois que ele mostra
G.L.), está inteiramente fora do Ser. Entro neste mundo, ou ele entra no Eu,

310
se torna realidade no Eu - em progresso infinito. Para o Ser, as coisas podem
simplesmente não se tornar o que deveriam ser, pois, se isso acontecer, não
= eu e, portanto, deixo de existir. Eu seria realmente uma identidade
absoluta sem uma segunda base; Eu retiraria o que ele próprio criou (gesetzt
hat), e ele próprio deixaria de ser eu. Portanto, no sistema desse
conhecimento sobre deixar a estrutura do dualismo, tu podes pensar tão
pouco quanto Jacobi"(5). Jacobi constantemente se opunha a qualquer
filosofia monística - não apenas contra o real monismo de Spinoza, mas
também contra o alegado monismo de Kant e Fichte. Hegel, portanto,
polemiza, por assim dizer, em duas frentes: por um lado, expõe o monismo
imaginário de Kant e Fichte, considerando o dualismo, por outro - mostra
que Jacobi, que imagina se erguer com seu conceito de fé imediata sobre
Kant e Fichte, em essência, está no mesmo ponto de vista em que esses dois
estão.

Hegel descreve a filosofia de Kant e Fichte em termos aproximados, mas


muito flexível. Ele fala do “sublime vazio e do vazio único”, e em outro lugar
- “da altura limpa e nojenta” da abstração(6). O apelo do idealismo subjetivo
aos sentimentos mais nobres e sublimes, ao fato de que a ética pura conecta
uma pessoa a um mundo supersensível, não causa nenhuma impressão em
Hegel. Além disso, ele diz o seguinte: "O mundo super-sensível é apenas
uma fuga do sensual"(7). O desejo de liberdade no idealismo subjetivo de
Kant e Fichte é, segundo Hegel, apenas uma incapacidade de entender
verdadeira e dialeticamente a integridade concreta da sociedade em seu
movimento real. Ele vê nessa busca pela liberdade "arrogância monstruosa".
A essência da filosofia de Fichte é "estar cheio de tristeza por ele ser um com
o universo, por que a natureza eterna opera nele; sofrer por sua intenção de
obedecer às leis eternas da natureza e sua necessidade sagrada e estrita, de
repugná-las, de se indignar. e lamentar, cair em desespero porque ele não
está livre das eternas leis da natureza e de suas necessidades. .. como se elas
(essas leis- G.L.) fossem algo diferente de leis razoáveis - leis que eu tenho
vergonha de me submeter”(8).

Não há dúvida de que Hegel considera Fichte de um ponto de vista


filosófico mais correto e progressivo, acreditando que a construção de uma
ética real que cubra todos os problemas de uma pessoa socializada possa ser
realizada no caminho indicado por ele, mas não no caminho de Kant e
Fichte. No entanto, esse oposto reflete as contradições gerais e de larga
escala do período em que as atividades de Hegel e Fichte se desenrolaram e
em que nenhuma delas conseguiu chegar a uma solução completamente
correta para o problema da relação dialética entre homem e sociedade.

Talvez, até certo ponto, se possa aplicar - para caracterizar essa oposição
entre Fichte e Hegel - a afirmação de Engels sobre a dialética do

311
desenvolvimento do mundo orgânico: "... todo progresso. .. é ao mesmo
tempo uma regressão, pois consolida o desenvolvimento unilateral...”(9)

As críticas de Hegel mostram claramente a fraqueza da posição de Fichte.


No entanto, na análise filosófica do conceito fichtiano de liberdade, não se
deve perder de vista o fato de que ele surgiu como uma expressão
ideológica da revolução francesa; que Fichte, talvez, esteja abanando de
maneira idealista a contradição entre liberdade e realidade, mas por trás
disso existe certa compreensão realista da situação social. E não apenas no
que diz respeito à Alemanha, onde a revolução francesa não afetou a
existência de sobrevivências feudais: afinal, somente após a ocupação da
Alemanha por Napoleão, algumas sobrevivências do feudalismo foram
eliminadas em partes separadas, e somente depois disso o movimento pela
reforma começou na própria Prússia. Assim, as exigências de liberdade
proclamadas pela Revolução Francesa, e a realidade alemã está na mesma
contradição e se exclui mutuamente, como idealisticamente exageradamente
afirma - como aplicado a qualquer sociedade a qualquer momento - na
filosofia de Fichte. No entanto, as exigências de liberdade proclamadas pela
Revolução Francesa e seu ideólogo subjetivamente idealista Fichte não
foram cumpridas não apenas na Alemanha. Já apontamos que Fichte
pertencia aos partidários democráticos radicais da revolução francesa, que
buscavam estender os conceitos de liberdade e igualdade aos problemas da
propriedade privada e que suas tentativas de encontrar soluções nessa
direção eram mais do que ingênuas. Obviamente, essas tentativas de Fichte
deveriam ter parecido mais ingênuas e estranhas que Babeuf na França.
como idealisticamente exageradamente afirmado - como aplicado a
qualquer sociedade a qualquer momento - na filosofia de Fichte. No
entanto, as exigências de liberdade proclamadas pela Revolução Francesa e
seu ideólogo subjetivamente idealista Fichte não foram cumpridas não
apenas na Alemanha. Já apontamos que Fichte pertencia aos partidários
democráticos radicais da revolução francesa, que buscavam estender os
conceitos de liberdade e igualdade aos problemas da propriedade privada e
que suas tentativas de encontrar soluções nessa direção eram mais do que
ingênuas. Obviamente, essas tentativas de Fichte deveriam ter parecido mais
ingênuas e estranhas que Babeuf na França. como idealisticamente
exageradamente afirmado - como aplicado a qualquer sociedade a qualquer
momento - na filosofia de Fichte. No entanto, as exigências de liberdade
proclamadas pela Revolução Francesa e seu ideólogo subjetivamente
idealista Fichte não foram cumpridas não apenas na Alemanha. Já
apontamos que Fichte pertencia aos partidários democráticos radicais da
revolução francesa, que buscavam estender os conceitos de liberdade e
igualdade aos problemas da propriedade privada e que suas tentativas de
encontrar soluções nessa direção eram mais do que ingênuas e estranhas
que Babeuf na França.

312
A oposição entre Fichte e Hegel reflete a grande oposição histórica mundial
da época.

Por um lado, a sociedade burguesa realmente surgiu dos ganhos da


Revolução Francesa e da revolução industrial na Inglaterra. A filosofia
hegeliana agora se propõe a dar a essa existência concreta da sociedade
burguesa uma expressão filosófica.

Por outro lado, nem a revolução industrial inglesa nem a revolução francesa
eliminaram remanescentes do feudalismo com tal radicalismo e não se
deram conta da própria sociedade burguesa em formas democráticas que os
representantes verdadeiramente democráticos dos movimentos
revolucionários buscavam e esperavam. Consequentemente, a revolução
democrático-burguesa desse ponto de vista também não foi concluída na
Europa Ocidental. O idealismo subjetivo de Fichte confere a esse lado da
situação histórica mundial uma expressão filosófica subjetivamente
exagerada. O oposto observado acima também é exacerbado pelo fato de a
luta filosófica ter ocorrido na Alemanha, onde, como já sabemos, ainda não
se falava sobre a implementação da revolução democrático-burguesa. Ela
era apenas uma perspectiva distante.

Fichte e Hegel, portanto, representam cada um dos lados dessa oposição


histórica mundial e cada um deles é unilateral. E se acompanharmos o
desenvolvimento posterior da revolução democrática na Europa Ocidental,
ficará claro que nenhum deles poderia entender corretamente a própria
revolução e a sociedade burguesa dela decorrente, já nas revoluções de
meados do século XIX, apesar de sua burguesia. o conteúdo democrático, o
papel do proletariado se torna cada vez mais importante, e quanto mais esse
desenvolvimento avança, mais a revolução democrático-burguesa poderia
realmente ser adequadamente entendida apenas da perspectiva da visão de
mundo do proletariado. Portanto, a observação de Marx é bem verdadeira
aqui: "Sugestões de maior em espécies inferiores de animais só podem ser
entendidas se se esse nível superior já é conhecido. A economia burguesa
nos dará a chave da antiguidade, etc."(10). De fato, a teoria dialética da
revolução burguesa e da sociedade burguesa só é possível no materialismo
histórico.

Esse estado de coisas também dá origem ao utopismo abstrato de Fichte. Ele


é um democrata revolucionário em um país em que não há movimento
revolucionário. E quando mais tarde, durante a guerra de libertação contra
Napoleão, ele entrou em contato com o movimento popular, as
características reacionárias desse movimento foram fatalmente pintadas nas
cores de sua filosofia.

313
O objetivismo da filosofia hegeliana se tornou possível porque ele percebeu
a sociedade burguesa como resultado da Revolução Francesa como
realidade, que em seu pensamento ele procurava entender essa sociedade
como era e a realidade, analisar suas verdadeiras leis em seu relacionamento
e explicá-las filosoficamente. O motivo pelo qual o ex-apoiador da revolução
francesa em seu desenvolvimento consistente chegou a esse resultado é
explicado pelo fato de Hegel nunca ter simpatizado com a ala democrática
radical dos jacobinos, de modo que, a partir do partidário da revolução
francesa, ele poderia se tornar um partidário de Napoleão.

Chegamos à conclusão paradoxal de que a superioridade filosófica de Hegel


sobre Fichte, a superioridade de seu conceito social sobre o conceito de
Fichte, está ligada aos fundamentos menos democráticos de sua visão de
mundo política e social. Tais paradoxos são encontrados às vezes na história.
No caso apresentado, foi gerado, em particular, pelo fato de o confronto
ocorrer por motivos puramente ideológicos e de que a posição a favor ou
contra a democracia, de uma revolução democrática, não era politicamente
relevante na Alemanha. Quando Fichte e Hegel entraram em contato com
movimentos políticos específicos, as linhas de atraso e passividade alemãs
foram destacadas em sua filosofia. Em Fichte, isso aconteceu, como já
dissemos, durante o período da guerra de libertação contra Napoleão. Hegel
- principalmente em seu período de Berlim.

Onde as aspirações democráticas desses ideólogos têm pelo menos bases


instáveis em movimentos populares reais, o oposto desse tipo é impossível.
A esse respeito, podemos lembrar a superioridade ideológica dos democratas
revolucionários russos sobre todos os seus oponentes políticos.

A oposição entre Fichte e Hegel encontra sua expressão clara, onde Hegel
critica as opiniões de Fichte sobre o "direito de rebelião", "o direito à
revolução". Em seus "Fundamentos do Direito Natural" (1796), Fichte está
do ponto de vista dos democratas revolucionários radicais. Ele diz: "No
entanto, e isso deve ser mantido em mente com firmeza - o povo nunca é
um rebelde, e a expressão rebelião usada em relação a ele é o maior
absurdo de todos os tempos, porque as pessoas são verdadeira e
legitimamente as mais altas. poder, sobre o qual não existe outro e que é
responsável apenas pela fonte de qualquer outro poder - a Deus. Em uma
assembleia popular, o poder executivo perde seu poder na realidade e pelo
direito. A rebelião só pode ocorrer contra um poder superior. Mas o que na
terra pode ser maior que o povo? Ele só pode se rebelar contra si mesmo, o
que é ridículo. Somente Deus está acima do povo. Portanto, é preciso dizer:
o povo se rebela contra seus senhores. Mas, neste caso, é preciso admitir que
o senhor seja um deus, o que parece ser extremamente difícil de provar”(11).

314
A realização dessa plena soberania do povo de Fichte é a seguinte: em um
período pacífico, o poder executivo tem em suas mãos a plenitude do poder.
Mas com ela existe uma autoridade especial, a chamada éfora. Eles não têm
poder real, no entanto, se o poder executivo violar a constituição, eles
podem impor uma proibição, suspender sua atividade, convocar uma
assembleia pública que tome uma decisão final sobre o desacordo(12).

Hegel, em um artigo sobre direito natural, ataca violentamente essa teoria de


Fichte. A linha de pensamento de Hegel se aproxima de Condorcet da
mesma maneira que o pensamento de Fichte - Robespierre. Isso significa
que tanto a realidade francesa quanto Fichte e Hegel se transformam em
uma espécie de abstração filosófica no estilo alemão. O ponto decisivo do
argumento de Hegel é sua forte rejeição ao direito de rebelião, "pois essa
violência pura consiste em vontades particulares que não podem ser
constituídas como vontades comuns". Hegel, portanto, adere à visão
antidemocrática de que a expressão direta da vontade do povo não pode
dar origem a um estado de direito válido. Aqui a fraqueza de sua posição é
claramente visível.

A compreensão clara e sóbria de Hegel da situação real é expressa na


refutação da construção fichtiana. Explorando a relação entre o poder
executivo e os esforços, Hegel não adere apenas ao lado formal da questão
do direito, como Fichte, que se limita apenas ao esboço da constituição
"ideal", mas considera o equilíbrio real de poder entre o poder executivo e os
éforos. E ele chega à afirmação sóbria e correta de que, com igual poder de
ambos os lados, o estado se tornaria uma espécie de perpetuum mobile, que
"em vez de estar em movimento, imediatamente se torna equilíbrio e. .. o
perpetuum quietum mais perfeito". Isso significa que Hegel entendeu:
qualquer diarquia em estado normal de funcionamento é algo
completamente impensável, se não se esquece de que qualquer constituição
é projetada para um funcionamento bastante longo. Mas se o poder
executivo ou os éforos têm poder real, isto é, se o estado é realmente
governado por uma única vontade, as construções de Fichte perdem todo o
terreno.

Aqui testemunhamos novamente as limitações históricas das partes em


disputa - às vezes diferentes, às vezes comuns a ambas. Afinal, não é segredo
para ninguém que a essência da disputa está no problema do poder dual
revolucionário. Na realidade, durante a Revolução Francesa, esse poder dual
era o poder da Comuna de Paris, o poder dos jacobinos em relação à
Convenção. No entanto, a essência social desse poder dual não era
compreendida, e mesmo aqueles que participaram dos eventos e até
organizaram o poder dual revolucionário e o lideraram, como Robespierre,
não conseguiam entender. Por isso, Robespierre procurou introduzir na
Constituição um artigo sobre o direito revolucionário à rebelião. A filosofia

315
de Fichte é uma reflexão simples e, é claro, idealisticamente exagerada desse
mal-entendido,

É muito interessante e revelador para Hegel que ele conclua sua polêmica
com Fichte com alusões ao golpe de estado realizado por Bonaparte, do 18º
Brumaire. Com isso, ele procura não apenas mostrar a impotência do
éforado de Fichte (afinal, todos os governos franceses da época possuíam
órgãos de supervisão semelhantes, embora, é claro, não tão abstratamente
criados de maneira astuta abstrata), mas também mostrar que as mudanças
na constituição realmente ocorreram de acordo com suas ideias.. Hegel não
menciona o nome de Napoleão aqui. Mas desde que o golpe de estado
realizado por Napoleão ocorreu em 1799, e o artigo de Hegel foi escrito no
inverno de 1802-1803, não resta dúvida de que ele quer dizer 18 brumários.
"Como você sabe, recentemente”(13).

Abaixo, veremos que Hegel chama Napoleão de "o grande especialista


parisiense no estado". É extremamente característico que Hegel contrasta
Napoleão, como a autoridade decisiva em matéria de direito do estado, com
seu oponente filosófico Fichte, já em um período tão inicial.

E essa oposição entre Fichte e Hegel decorre do fato de que Fichte, segundo
Hegel, vê em todas as instituições sociais e jurídicas uma restrição da
liberdade humana, enquanto Hegel tem um ponto de vista diferente. "A
comunidade mais alta é a mais alta liberdade, tanto em termos de poder
quanto em sua implementação"(14). A controvérsia de Hegel repousa sobre a
oposição recém-analisada no entendimento da sociedade burguesa que
surgiu como resultado da Revolução Francesa, sem dúvida. Esse oposto leva
Hegel ao fato de que na ética e na filosofia de Fichte - em todos os lugares
ele vê a escravidão e a supressão da natureza e do homem.

Quanto aos problemas puramente morais que surgem disso, já falamos


sobre eles em conexão com as críticas de Hegel a Kant durante o período de
Frankfurt e chamamos a atenção para o fato de que essas críticas, em sua
direção interna, também se aplicam totalmente a Fichte.

Uma polêmica aberta contra Fichte sobre questões morais segue


inteiramente nessa direção; portanto, não discutiremos essa questão com
mais detalhes aqui, a fim de evitar repetições.

Em questões de teoria do direito e do estado, Hegel zomba de regular a


mania de Fichte e deduz todas as regras a priori: quais regulamentos podem
impedir a falsificação de notas e dinheiro, que passaportes devem ser
fornecidos às pessoas, como emiti-los, etc.(15). Hegel chama a "lista de
preços" de um código de leis que pode ser elaborado com base na prescrição
filosófica de Fichte(16).

316
Isso é muito mais do que apenas ironia sobre os feios estratos filosóficos e
construcionistas e a filosofia de Fichteana. As observações irônicas de Hegel
são baseadas em dois pontos filosóficos fundamentais.

Em primeiro lugar, o ponto é que a verdadeira força motriz da sociedade é


sua auto-reprodução orgânica contínua. Isso, por sua vez, significa que a
sociedade, no processo de seu desenvolvimento, produz as definições
necessárias para si mesma e nenhuma autoridade, incluindo a autoridade
inventada por uma filosofia dedutiva a priori, pode e não tem o direito de
lhe impor essas definições (abaixo, veremos onde e por que Hegel não é
capaz de buscar consistentemente suas verdadeiras visões).

Em segundo lugar, Hegel adere basicamente à posição segundo a qual,


embora o conteúdo geral das leis seja histórica e socialmente
predeterminado, é por isso que definições individuais de leis e especialmente
sua aplicação a casos individuais contêm inevitavelmente um elemento
indestrutível do acaso. Se um determinado crime deve ser punido com três
ou quatro anos de prisão sempre será acidental e filosoficamente
fundamentalmente não é dedutível.

Em segundo lugar, Hegel adere basicamente à posição segundo a qual,


embora o conteúdo geral das leis seja histórica e socialmente
predeterminado, é por isso que definições individuais de leis e especialmente
sua aplicação a casos individuais contêm inevitavelmente um elemento
indestrutível do acaso. Se um determinado crime deve ser punido com três
ou quatro anos de prisão sempre será acidental e filosoficamente
fundamentalmente não é dedutível.

Aqui, a oposição fundamental entre a concretude do idealismo objetivo de


Hegel e a inevitável abstração do idealismo subjetivo de Fichte é claramente
expressa.

Segundo Hegel, essa abstração do idealismo subjetivo decorre de sua


natureza formalista, a rejeição fundamental de todo o conteúdo. O conteúdo
de mandamentos morais ou legais no idealismo subjetivo é sempre
construído arbitrariamente e não é filosoficamente derivado de suas próprias
premissas (para a moralidade). Hegel expressou essa consideração enquanto
ainda estava em Frankfurt. Mas agora ele a formula de forma mais decisiva e
fundamental. Ele polemiza com Fichte: "A vontade, no entanto, é uma
identidade pura, sem conteúdo, e tão pura que é completamente formal,
sem sentido. Portanto, é obviamente impossível para seu conceito de
finalidade receber conteúdo dela"(17).

Hegel mostra o significado concreto dessa diferença pelo exemplo da crítica


a uma passagem importante da Crítica da razão prática de Kant. Kant está
tentando concretizar seu imperativo categórico - a lei mais alta da
317
moralidade - pelo fato de que, como se na consistência ou inconsistência das
ações individuais das pessoas, é possível procurar um critério de correção
moral ou falsidade. Ele, de fato, acredita que, se uma pessoa pode elevar um
ou outro mandamento moral ao nível da lei universal, a verdade desse
mandamento é filosoficamente comprovada. Kant tenta fazer backup com
um exemplo e escreve que o depósito nunca deve ser desperdiçado. "E
imediatamente descubro que esse princípio (ou seja, roubar um depósito. -
G. L.), sendo uma lei, se destruiria, pois isto levaria à contradição de que
depósito é para guardar as coisas(18). Kant, portanto, acredita que, usando
esse princípio de consistência do imperativo categórico, pode-se derivar seu
conteúdo social em todos os casos individuais.

Hegel se opôs a isso de maneira clara e aguda: "Mas que contradição surge
do fato de que não haverá mais depósitos? Isso contradiz outras certezas
necessárias, assim como o fato de que um depósito é possível será
conectado a outras certezas necessárias e, assim, Tornar-se-á necessário, no
entanto, não diferentes objetivos e fundamentos materiais, mas a forma
direta do conceito deve estabelecer a correção da primeira ou da segunda
premissas."(19). Essa crítica hegeliana é dirigida, antes de tudo, contra a
posição segundo a qual um determinado conteúdo social pode ser deduzido
dos mandamentos morais formais. Várias instituições sociais formam uma
integridade concreta interconectada e mutável. Sua necessidade deve ser
deduzida e justificada apenas com base no lugar que ocupam nessa
integridade específica. Como Kant não apresenta esse problema (afinal, ele
procura derivar um conteúdo social retirado diretamente de certas leis
morais formais), parece que essa dedução kantiana não é melhor do que
tentar obter esse conteúdo fraudulentamente. Hegel luta contra a dura
oposição kantiano-fichteana da moral externa e interna, contra a oposição
da legalidade e da moral(20).

Segundo Hegel, a moralidade é uma parte importante, mas ainda apenas


parte da atividade social de uma pessoa e, portanto, não pode ser
arrancada, também filosoficamente, da integridade concreta da sociedade
com suas leis, instituições, etc. externas. Segundo Hegel, segundo a
concepção kantiana e fichtiana, por um lado, é um sistema morto e imóvel
de instituições, e, por outro, a interiorização vazia e abstrata de uma pessoa
moral. Em contraste, Hegel defende a posição dialética sobre a interação
indissolúvel de todos esses momentos do movimento dialético, segundo os
quais as próprias pessoas criam sua própria sociedade e suas instituições e
agem de forma independente nessa sociedade criada por elas.

Segundo Hegel, a separação abstrata e não dialética do interno e do externo


na pessoa socializada é a verdadeira razão pela qual Jacobi, que em todas as
suas obras luta contra Kant e Fichte (mesmo com argumentos bem
direcionados e revelando suas fraquezas corretamente), é filosófico

318
essencialmente adere à mesma posição e, portanto, compartilha suas
limitações subjetivo-idealistas com elas. Se você abordar a questão
puramente externamente, Jacobi será na verdade diametralmente contrário
a Kant e Fichte. Estes últimos defendem a grandeza da lei moral universal
abstrata e reconhecem a iniciativa de um indivíduo, uma pessoa
verdadeiramente viva, apenas na medida em que suas aspirações
correspondam à lei moral. Jacobi, pelo contrário, apela para a singularidade
de uma pessoa real. Ele dá vários exemplos da história, poesia e sagas,
provando que atos que, de acordo com a ética formal e de acordo com
ideias morais geralmente aceitas, possam parecer um crime, são na realidade
uma expressão de alta moralidade humana. Portanto, ele exige diretamente
o direito a esse "crime", porque "a lei é criada para o homem, e não o
homem - para a lei"(21).

Hegel não argumenta que as críticas de Kant e Fichte contidas aqui também
contenham os pontos corretos. Afinal, ele mesmo durante o período de
Frankfurt argumentou contra a ética kantiana, acreditando que ela sujeitava
uma pessoa à violência, tiranizou-a. No entanto, ele ressalta que Jacobi,
embora, por outro lado, como Kant e Fichte, contrasta uma pessoa com uma
coisa pronta, confrontando-a ainda com a sociedade, pessoa completamente
alienígena. Segundo Hegel, uma pessoa viva é uma pessoa em uma
sociedade concreta específica, e sua integridade e vitalidade humanas
podem ser expressas em sua conexão com essa sociedade. Isolado da
sociedade, acaba sendo tão esquemático e abstrato quanto uma pessoa do
mandamento moral abstrato kantiano-fichtiano.

Para provar sua compreensão, Jacobi se refere ao exemplo de dois


espartanos que observaram a oferta do rei persa de ficar com ele: “Como
podemos viver aqui, deixar nosso país, nossas leis e as pessoas pelas quais
fizemos uma longa jornada para morrer? para eles”. Jacobi está tentando
provar a correção de seu conceito com a seguinte explicação: "Eles nem
tentam explicar sua própria verdade ao rei. .. Eles não se referem à razão e à
fidelidade do julgamento, mas se referem apenas às coisas e ao apego a elas.
Eles não se gabam de nenhuma virtude. "Eles não têm nenhuma filosofia.
Eles apenas reconhecem o sentimento que emana do coração, seu
sofrimento. .. sua experiência". Aqui, nos ensinamentos de Jacobi, Hegel vê
a subjetividade característica de Kant e Fichte; discordando da explicação de
Jacobi, Hegel escreve(22).

Hegel, portanto, vê em Kant, Fichte e Jacobi complementares entre si com


igual importância em unilateralidade; o que é comum a eles é que eles
negligenciam o campo específico da atividade moral humana, a vida
humana na sociedade, são cegos em sua visão da vida social como algo
aleatório, externo e secundário. Por outro lado, essa crítica a Jacobi
complementa a crítica hegeliana ao imperativo categórico de Kant. Portanto,

319
Hegel tem o direito de dizer, resumindo: “A beleza moral não pode ser
privada de nenhum dos lados: nem de sua vitalidade, como individualidade,
que consiste no fato de não estar sujeita a um conceito morto, nem na forma
de um conceito e lei: universalidade e objetividade”(23).

A polêmica contra Jacobi no auge do romance foi muito relevante. Embora


o próprio Jacobi não fosse membro ou apoiador da escola romântica no
sentido estrito, ele era um representante do movimento ideológico, que
preparava algumas características reacionárias do romantismo. Em resumo,
estamos falando sobre o fato de que a revolta educacional e democrática da
principal intelligentsia alemã contra o absolutismo feudal na Alemanha, cujas
manifestações mais impressionantes foram Werther do jovem Goethe, os
ladrões e astúcia e amor do jovem Schiller, logo degeneraram. -
parcialmente influenciado pelo fato de que seções significativas da
intelligentsia alemã deram as costas para a Revolução Francesa.

Cheio de paixão, o individualismo nas obras dos jovens Goethe e Schiller


tem um conteúdo socialmente crítico, anti-feudal e amante da liberdade.
Seus seguidores adotaram deles apenas a exigência de uma característica
individual, mas sem luta contra obstáculos específicos ao desenvolvimento
da individualidade na Alemanha. Esses seguidores, em parte, perderam todo
o interesse em criticar a sociedade, em parte criticaram e lutaram contra a
sociedade em geral como obstáculos ao desenvolvimento da personalidade.
Assim, eles, tanto na arte quanto na teoria, arrancam o indivíduo das
condições sociais, contrastando-o com uma sociedade abstrata e isolada.

Essa direção de desenvolvimento corresponde à tendência geral da


cosmovisão. A atividade poética e mental dos jovens Goethe e Schiller
representa o ponto culminante do Iluminismo pré-revolucionário. Nos
poemas do jovem Goethe (um fragmento de Prometeu e outros), proclama-
se o espinozismo. A degeneração da rebelião socialmente crítica do
indivíduo em um culto abstrato da individualidade leva, por sua vez, a um
desvio da linha geral do Iluminismo, uma linha que, como sabemos, nunca
foi decisivamente materialista na Alemanha, se manifestou no espinozismo
dos últimos Lessing, Goethe e Herder. Com Jacobi, a Alemanha inicia a luta
contra o ateísmo de Spinoza.

A escola romântica, em seu conceito posterior, já reacionário, de


personalidade, unia Jacobi e sua comitiva. Com eles, ela poderia assumir o
bastão da luta contra o Iluminismo. Naturalmente, deve-se reconhecer que o
conceito de individualidade entre os românticos foi posteriormente
complementado pela provisão de que a Idade Média proporcionou uma
divulgação e desenvolvimento da individualidade mais livres do que a
modernidade "atomística". A escola romântica de Iena ainda estava em um
estado de transição para esse conceito. No entanto, a ideologia do

320
individualismo ilimitado e vazio já desempenhou um papel decisivo nesta
escola. Seu ideólogo-chefe Friedrich Schlegel durante sua juventude
republicana ridicularizou Jacobi pelo fato de ele não ter o conceito de
humanidade, mas o conceito de "Friedrich-Heinrich-Jacobinismo". No
entanto, apenas alguns anos depois, em 1799.

Outro importante ideólogo do romantismo, F. Schleiermacher, publicou


anonimamente um ensaio em defesa deste romance. O individualismo e o
irracionalismo de Schlegel encontraram sua expressão teórica no romance,
como, aliás, em outros trabalhos da escola de romantismo.
Independentemente da escola romântica, e em parte em oposição a ela, os
romances de Jean Paul aparecem e ganham grande popularidade durante o
mesmo período. O próprio Jean-Paul se reconhece como um estudante e
seguidor de Jacobi.

Já esta breve revisão da situação na literatura mostra quão relevante foi a


dura declaração de Hegel contra a teoria moral de Jacobi. Hoje, devemos
enfatizar especialmente essa linha, pois o neo-hegelianismo invariavelmente
se esforça para fazer de Hegel um "filósofo da vida" e um irracionalista.
Nesse sentido, é muito importante lembrar que Hegel coloca em um nível o
individualismo abstrato e vazio de Kant e Fichte e a irracional "filosofia de
vida" de Jacobi. Afinal, já vimos que o neokantianismo do período
imperialista (Simmel) criou uma espécie de "síntese" do kantianismo e da
"filosofia da vida" e, assim, deu relevância à crítica hegeliana.

O neo-hegelianismo, que, como sabemos, procura apagar a antítese entre


Kant e Hegel, está tentando a todo custo aproximar Hegel da filosofia
romântica da vida. Sem mencionar interpretações abertamente fascistas de
Hegel (Hugo Fischer), encontramos em Kroner na "composição exemplar"
mais moderna do neo-hegelianismo a seguinte característica de Hegel:
"Hegel, sem dúvida, é o maior irracionalista que a história da filosofia
conhecia"(24).

Em contraste com essas tentativas abertas de falsificar a história, feitas


durante o fascínio da filosofia alemã, devemos analisar e apresentar
especificamente em sua conexão real os fatos reais relacionados às correntes
espirituais da época e reproduzir a posição de Hegel em relação a elas.

A conexão real é que Hegel, sendo um defensor de Goethe, que também é


proclamado "seu" pelos falsificadores modernos da história alemã, lutou
continuamente contra todas as variedades de individualismo romântico e a
irracionalista "filosofia da vida". Resumindo sua crítica a Jacobi, Hegel a
caracteriza no sentido de que a individualidade limitada”, esse conceito que
sempre retorna ao sujeito, que ao invés da liberdade moral, coloca o mais
alto grau de pedantismo e mesquinhez, egoísmo zeloso e amor próprio

321
moral" só pode levar à "idolatria interna".(25) É extremamente característico
que Hegel considere a vida de uma pessoa sob o domínio desse tipo de
individualismo um inferno, e ao mesmo tempo se refere - o que também é
muito característico - à Ifigênia de Goethe, no qual o submundo, no entanto,
é retratado como o destino de Orestes, mas com plena consciência de sua
natureza destrutiva e problemática, com plena compreensão mental e
poética de que o humanismo progressivo pode e deve procurar e encontrar
uma saída para esse inferno, que é um fato da vida moderna. Goethe
também se tornou um grande escudo de seu tempo, apenas realizando
plenamente essa vocação do humanismo. "Então, vemos nos heróis Allville e
Voldemar (heróis dos romances de Jacobi. -G. L.) são esses tormentos da
eterna auto-contemplação não em nenhuma ação, mas no terrível tédio e
impotência do ser vazio, e essa fornicação consigo mesma é retratada como
a causa da catástrofe de histórias extraordinárias. Mas, ao mesmo tempo, no
final, esse princípio não é removido, e a virtude não destrutiva da totalidade
dos personagens está relacionada ao quão grande e pequeno é este mundo
subterrâneo”(26). É muito característico da atitude de Hegel em relação à
escola romântica que, em seu trabalho "Glauben und Wissen", a seção
dedicada a Jacobi termine com uma crítica ao "Reden über die Religion" de
Schleiermacher - uma das principais obras do período de romance de Iena.
Hegel censura Schleiermacher pela mesma subjetividade vazia de Jacobi: "E
mesmo essa contemplação do universo se transformou em subjetividade,
além disso. .. virtuosismo, ou desejo, ou talvez apenas uma busca por
desejo. .. A expressão deve ser pura um caso interno, um flash imediato de
inspiração individual, mas não uma expressão verdadeira, uma obra de
arte”. Hegel, portanto, lança a mesma repreensão em Schleiermacher e
contra Jacobi. "Schleiermacher quer perpetuar a arte sem obras de arte"(27),
traga a "filosofia da vida" para o nível de "arte da vida" como a incorporação
"prática" da "filosofia da vida". No entanto, ele permanece no nível do
imediatismo individualista de Jacobi.

Mas, para demonstrar mais uma vez a proximidade dessas visões com o
kantianismo, nos referimos a uma pequena observação dos cadernos das
anotações de Hegel feitas por ele em Iena. "Dizia-se com admiração por
Kant que ele ensina a filosofar, mas não a filosofia, como se alguém pudesse
se juntar sem fazer mesas, cadeiras, portas ou armários"(28).

Consequentemente, Hegel considera Kant, Jacobi e Fichte como


representantes da mesma direção do desenvolvimento filosófico, em cujos
trabalhos o vazio e a natureza problemática do individualismo moderno são
cada vez mais reproduzidos com necessidade histórica. A moral do idealismo
objetivo, que ele contrasta com o idealismo subjetivo em seus escritos
polêmicos, encontra a expressão mais concentrada na posição de que "a
integridade moral absoluta não é senão um povo?(29). E como um apêndice
a essa frase, ele resume seu ponto de vista em as palavras proferidas - de
322
acordo com Diógenes Laerta - por um pitagórico como resposta à pergunta
sobre a melhor educação: "Se você faz dele um cidadão de um povo com a
melhor organização"

Engels mostrou claramente essa tendência no conceito hegeliano de


moralidade e a caracterizou positivamente em contraste com a moralidade
de Feuerbach, que tende a ser abstrata. "A ética de Hegel, ou a doutrina da
moralidade, tem uma filosofia da lei e abrange: 1) lei abstrata, 2)
moralidade, 3) moralidade, que, por sua vez, inclui: família, sociedade civil,
estado. Qual é a forma ideal aqui, o conteúdo é igualmente realista.
Juntamente com a moralidade, abrange todo o campo do direito, da
economia e da política”(30).

A ética hegeliana do período Iena difere da ética de um período posterior,


tanto em conteúdo quanto em construção. No entanto, para uma descrição
geral das tendências hegelianas no campo da moralidade, a avaliação de
Engels do estágio considerado do desenvolvimento de Hegel é bastante
adequada. Depois que, em certa medida, revelamos abstratamente as visões
positivas de Hegel de sua polêmica contra o idealismo subjetivo, somos
confrontados com a tarefa de considerar uma gama específica de problemas
discutidos na filosofia moral hegeliana em sua conexão real. A primeira
condição para isso é saber como, de acordo com Hegel, surgiu a sociedade
burguesa moderna, cujo conteúdo e formas de manifestação ele tenta adotar
em sua moral.

(1) Hegel Erste Duckschriften, p. 230.

(2) Ibid., p. 323. (retornar ao texto)

(3) Ibid., p. 340. (retornar ao texto)

(4) Ibid., p. 328. (retornar ao texto)

(5) Ibid., p. 332. (retornar ao texto)

(6) Ibid., p. 333. (retornar ao texto)

(7) Ibid., p. 333. (retornar ao texto)

(8) Ibid., p. 333. (retornar ao texto)

(9) Marx, K. e Engels, F., Obras, 2a. edição, T. 20, p. 621. (retornar ao
texto)

(10) Loc. Cit. Tomo 46, parte 1. (retornar ao texto)

323
(11) Fichte, J. G. Obras. Tomo II, p. 186. (retornar ao texto)

(12) Ibid., p. 174. Esta construção artificial não é de todo uma invenção de
Fichte. Os Eforas há muito fazem parte integrante da lei natural
revolucionária. Eles podem ser encontrados até em Calvino e mais tarde –
sobre toda a chamada literatura monárquica. Veja a este respeito:
Woltzendorf K. Staatsrecht e Naturrecht in der Lehre vom Widerstandsrecht
des Volkes, 1916, p. 123. A disputa sobre o direito à revolta do povo não é
apenas uma disputa entre estudiosos. A redação deste problema em
episódios da luta pela constituição francesa durante a revolução
desempenhou um papel muito importante. Robespierre e os Jacobinos eram
defensores inflexíveis do direito do povo à revolução, e Condorcet, como
ideólogo dos girondinos, era, ao contrário, um defensor de instituições
criadas que poderiam legitimamente resolver disputas constitucionais. A
polêmica entre Robespierre e Condorcet encontrou uma ressonância teórica
muito forte na Alemanha. Hegel, em seu trabalho sobre a constituição
alemã, também fala sobre o assunto. (retornar ao texto)

(13) Hegel. Trabalhos políticos, p. 223. (retornar ao texto)

(14) Hegel Erste Duckschriften, p.65. (retornar ao texto)

(15) Ibid., p. 67. (retornar ao texto)

(16) Ibid., idem. (retornar ao texto)

(17) Ibid., p.331. (retornar ao texto)

(18) Kant Obras em 6 volumes, Moscou 1965. Vol. 4, parte 1, p. 343.


(retornar ao texto)

(19) Hegel. Trabalhos políticos, p. 211. (retornar ao texto)

(20) Aqui está um trocadilho indescritível: “Legalität und Moralität”,


“correlação apenas com a lei” e “correlação apenas com a moralidade”. (n.
d. t.) (retornar ao texto)

(21) Hegel Erste Duckschriften, p.305. (retornar ao texto)

(22) Ibid., p. 306. (retornar ao texto)

(23) Ibidem. É interessante, nesse contexto que um dos representantes


modernos mais influentes da “filosofia da vida”, G. Simmel, também criticou
o “depósito” kantiano, mas na perspectiva de Jacobi, não de Hegel. Ele
acredita que Kant, por assim dizer, olhou para a singularidade de cada ato
moral, que as circunstâncias externas e internas, às quais cada ato está
associado, são qualitativamente diferentes a cada vez e, portanto, embora

324
existam leis morais, na realidade essas são “leis individuais” existente para
cada caso individual. Como Hegel foi recentemente associado ao
irracionalismo e à “filosofia da vida” ( por exemplo, R. Kroner), esse
“paralelo” entre Hegel, Simmel e Jacobi é muito instrutivo. Veja: Simmel, G.
– Kant 6 Aufl. Munchen, Leipzig, 1927, p. 145. (retornar ao texto)

(24) Kroner, R. Von Kant bis Hegel. Tubinga, 1921, p. 271. (retornar ao
texto)

(25) Hegel Erste Duckschriften, p.307. (retornar ao texto)

(26) Ibid., p. 312. (retornar ao texto)

(27) Rosenkranz, K. op. cit., p, 552. Essa admiração por Kant tornou-se
moda novamente, especialmente na forma de Simmel da combinação do
kantismo e da “filosofia da vida”. (retornar ao texto)

(28) Hegel. Trabalhos políticos, p 228. (retornar ao texto)

(29) Loc. Cit., p 254. (retornar ao texto)

(30) Marx, K. Engels, F. Obras 2ª ed. Tomo 21, p. 295.

325
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo III — Fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Iena, 1801-


1804)
4 — Conceito hegeliano de história nos primeiros anos de Iena

A direção principal do pensamento hegeliano sempre foi histórica. Já ao


analisar o período de Berna, vimos que Hegel tinha uma abordagem
histórica anterior à consciência filosófica dos próprios problemas da história.
Isso se manifestou pela primeira vez quando ele encontrou os problemas da
dialética da sociedade burguesa contemporânea, tendo perdido as ilusões no
estilo jacobino em relação ao renascimento da antiguidade. Desde então, o
problema central do pensamento hegeliano se tornou a conexão dialética
entre desenvolvimento histórico e sistematização filosófica. Gostaríamos de
lembrar apenas aos leitores que tanto a filosofia da lei quanto o
"desenvolvimento" do espírito objetivo na Enciclopédia estão sendo
concluídos na história mundial, como no exemplo mais alto e decisivo do
espírito. Já sabemos que era uma das principais críticas de Hegel contra
Fichte.

Assim, atenção à realidade histórica, sua contabilidade forma a base da


filosofia hegeliana. Na introdução à continuação de Iena da já famosa obra
de Frankfurt, A Constituição da Alemanha, Hegel se propõe a seguinte
tarefa: "Compreender o que existe". Em outra parte da mesma introdução,
ele comenta com um espírito que indica claramente um elemento dialético
positivo e um elemento idealista. Ele escreve: "E aquilo que não pode mais
ser expresso em conceitos não existe mais"(1).

Consequentemente, o historicismo de Hegel não significa deificação de todo


o passado ou justificação de alguns aspectos do presente, simplesmente
porque por trás dele existe um sólido e digno respeito de todo o passado. É
antes o ponto de vista dos historiadores do período do romantismo ou
daqueles que estavam sob sua influência. Hegel, em relação a tais visões,
assume constantemente uma posição negativa. Em ligação com o problema
da positividade, já citamos uma passagem do artigo de Hegel, "Lei Natural".
Nele, ele fala sobre como as instituições feudais, que inicialmente
correspondiam às condições de vida historicamente desenvolvidas do povo,
acabam se transformando em algum tipo de "positividade" morta. Hegel
procura desenvolver o conhecimento histórico correto sobre esse assunto.
"Aquilo que não tem fundamento vivo verdadeiro no presente”.

326
No entanto, não existe outro objetivo senão uma explicação puramente
histórica de leis e instituições. Iria além de sua definição e verdade se
estabelecesse o objetivo de justificar uma lei para o presente que possuía a
verdade apenas no passado (...). E nesse contexto, contrasta polemicamente
a "história de uma vida passada (...) com certo conceito de morte no
passado. O presente”(2). Essa historicidade imaginária dos românticos é,
segundo Hegel, uma falsificação.

Hegel compartilha igualmente a metodologia histórica dos românticos que


apareceram na Alemanha na época. O ponto é que, sob a influência das
ideias da contrarrevolução na Alemanha, um conceito está começando a se
espalhar, segundo o qual o "orgânico" das formações históricas e do
desenvolvimento histórico exclui a vontade consciente de uma pessoa que
visa mudar seu destino histórico, que a "continuidade" do desenvolvimento
histórico está em completa oposição à interrupção uma vez estabelecida
linha de desenvolvimento. O conteúdo de ambas as disposições se resume
ao fato de que qualquer revolução significa essencialmente "ilusão não
histórica", "fraude não histórica", que apenas impede o "curso real" da
história.

Então o significado praticamente metodológico da forma específica da


dialética hegeliana já familiar a nós também é revelado na metodologia da
história. Todas as discussões de Hegel sobre problemas históricos mostram
que para ele a continuidade, a continuidade do movimento histórico é uma
unidade de descontinuidade e continuidade, e que aqui ele permanece fiel
ao princípio básico de sua dialética. Mais tarde veremos que a revolução
francesa ocupa um lugar central no conceito histórico de Hegel do período
Iena. E, portanto, escusado será dizer que esse conceito também se reflete
em sua metodologia. Já dissemos que a Logica de Iena contém uma teoria
da transição da quantidade para a qualidade. A provisão sobre a "linha
nodal de relações de medida", que, no entanto, foi finalmente formulada
apenas mais tarde.

Nas discussões finais de seu trabalho sobre direito natural, Hegel, de uma
maneira clara, embora não clara do ponto de vista da forma polêmica, se
opõe às visões acima e, nesse sentido, fala de saltos qualitativos na história.
Teremos que citar esse local em grande detalhe, embora seja longo, pois
parece-nos que aqui o contraste entre Hegel e o romantismo é bastante
claro. Ao mesmo tempo, devemos observar que, se Hegel fala de
individualidade aqui, é sempre uma questão de individualidade do povo. "E,
embora a natureza continue seu movimento uniforme dentro de certa
imagem, não mecanicamente uniforme, mas uniformemente acelerada, ela
desfruta de todas as novas imagens criadas por ela, que deram um salto
nela, e permanece nela por algum tempo. Assim como uma bomba na
culminação de uma explosão dá um salto e congela por um momento ou

327
quando um metal chega a certa temperatura, não derrete como cera, mas de
repente entra em estado líquido e permanece nele (pois um fenômeno é
uma transição para algo completamente oposto, portanto, é infinito, e desta
maneira o oposto do infinito ou do seu não-ser é um salto, e o ser atual da
imagem em seu poder revivido é o primeiro para si, antes de perceber sua
atitude em relação ao estranhado), também está se desenvolvendo Uma
individualidade distinta contém tanto a alegria de um salto assim, e
permanecer desfrutando de sua nova forma até o momento em que
gradualmente começa a se abrir para o negativo e em sua morte revela a
mesma repentina e fragilidade” e então congela por um momento ou
quando um metal trazido a certa temperatura não derrete como cera, mas de
repente entra em um estado líquido e permanece nele (pois um fenômeno é
uma transição para algo completamente oposto, portanto é infinito, e essa
saída do oposto do infinito ou da sua inexistência, há um salto, e o ser atual
da imagem em seu poder revivido é o primeiro para si mesmo, antes de
perceber sua atitude em relação ao estrangeiro), e a individualidade em
desenvolvimento contém em si a alegria desse salto. e assim, permanecer no
desfrute de sua nova forma até o momento em que gradualmente começa a
se abrir para o negativo e em sua morte revela a mesma repentina e
fragilidade “e então congela por um momento ou quando um metal trazido
a certa temperatura não derrete como cera, mas de repente entra em um
estado líquido e permanece nele (pois um fenômeno é uma transição para
algo completamente oposto, portanto é infinito, e essa saída do oposto do
infinito ou da sua inexistência, há um salto, e o ser atual da imagem em seu
poder revivido é o primeiro para si mesmo, antes de perceber sua atitude em
relação ao estranhado), e a individualidade em desenvolvimento contém em
si a alegria desse salto. e assim, permanecer no desfrute de sua nova forma
até o momento em que gradualmente começa a se abrir para o negativo e
em sua morte revela a mesma repentina e fragilidade”, mas de repente entra
em um estado líquido e permanece nele (pois um fenômeno é uma transição
para algo absolutamente oposto, portanto, é infinito, e essa saída do oposto
do infinito ou de seu não-ser é um salto, e o ser atual da imagem em seu
poder regenerado é o primeiro para o próprio antes de perceber sua atitude
em relação ao estranhado), a individualidade em desenvolvimento também
contém a alegria de um salto e a permanência em desfrutar de sua nova
forma até o momento em que gradualmente começa a se abrir ser negativo e
em sua morte revela a mesma repentina e fragilidade”, mas de repente entra
em um estado líquido e permanece nele (pois um fenômeno é uma transição
para algo absolutamente oposto, portanto, é infinito, e essa saída do oposto
do infinito ou de seu não-ser é um salto, e o ser atual da imagem em seu
poder regenerado é o primeiro para o próprio antes de perceber sua atitude
em relação ao alienígena), a individualidade em desenvolvimento também
contém a alegria de um salto e a permanência em desfrutar de sua nova

328
forma até o momento em que gradualmente começa a se abrir ser negativo e
em sua morte revela a mesma repentina e fragilidade“(3).

Aqui se pode ver claramente quais são as teorias modernas (Mineke,


Rosenzweig, Heller, etc.) que fazem de Hegel um seguidor de Ranke.

Voltando agora à análise das visões específicas de Hegel sobre o processo


histórico, devemos saber que não temos uma apresentação histórica
generalizada dessas visões no período considerado. Temos apenas
discussões dispersas em vários ensaios, em particular os retrabalhados em
1801-1802, mas deixados a nós na forma de um fragmento de um ensaio
sobre a constituição alemã, bem como materiais em vários ensaios
polêmicos, no esboço do sistema etc. Embora nossa apresentação se
concentre principalmente nas atividades de Hegel durante os primeiros anos
de sua estadia em Iena, quando falamos sobre relações históricas específicas
ou depois sobre as visões econômicas de Hegel em Iena, também usaremos
manuscritos publicados recentemente de suas palestras 1803-1804 e 1805-
1806.

Certamente, "Fenomenologia do Espírito" já faz uma revisão sistemática do


desenvolvimento histórico da humanidade. No entanto, abaixo veremos que
os objetivos metodológicos perseguidos por Hegel aqui se tornaram
completamente específicos, de modo que, na "Fenomenologia do Espírito",
não encontraremos um relato da totalidade da história do mundo no sentido
em que será dado em suas palestras posteriores sobre a filosofia da história.

O ensaio sobre a constituição alemã, cujos primeiros esboços já são


conhecidos desde o período de Frankfurt, adquire pela primeira vez suas
características cuidadosamente desenvolvidas e comprovadas historicamente
em Iena. Por isso, aqui de uma maneira mais clara do que nos fragmentos
de Frankfurt, estamos diante do lado do problema hegeliano, dedicado à
história do surgimento da fragmentação nacional e estatal da Alemanha. No
entanto, o outro lado do problema, isto é, a apresentação das perspectivas
reais de onde encontrar uma saída para essa situação, permanece incerto
para Hegel, assim como não estava claro nos anos anteriores. No entanto, a
consideração histórica obriga Hegel a introduzir contornos mais específicos
em sua imagem pouco clara das perspectivas de desenvolvimento.

Considerando que a fragmentação da Itália e da Alemanha é amplamente


semelhante e se esforça para indicar as maneiras de criar unidade nacional
na Itália, Hegel passa a considerar os trabalhos de Maquiavel, que
perceberam direta e claramente a fragmentação de seu país e tentaram
encontrar maneiras concretas de reunir a Itália. Pela mesma razão, na obra
de Maquiavel, aparece uma analogia com o antigo Teseu, que, segundo a
lenda, pôs fim à fragmentação e anarquia da população de Atenas e criou a

329
unidade nacional e estatal desta cidade. Maquiavel procura e espera o
mesmo Teseu para a Itália. O jovem Hegel, que também não tinha ideias
claras sobre as perspectivas para o desenvolvimento da Alemanha, também
se juntou a essa linha de pensamento(4).

O lendário Teseu aparece não apenas em lugares diferentes dos escritos do


jovem Hegel sobre a constituição alemã, mas também em seus outros
escritos, e na literatura de Hegel há uma grande variedade de suposições
que, de fato, Hegel tinha sob o nome de Teseu (Maquiavel frequentemente
significava Cesare Borgia) . Dilthey acredita que o Teseu hegeliano é
Napoleão. Rosenzweig propõe uma hipótese completamente absurda,
acreditando que, sob o nome de Teseu Hegel, significava o arquiduque
austríaco Karl(5).

Com essa última suposição, devemos argumentar com mais detalhes, pois é
uma das pedras angulares do projeto que transforma Hegel em um
antecessor de Ranke e Bismarck. No curso dessa crítica, será revelado qual
era realmente a atitude do jovem Hegel em relação aos dois grandes estados
alemães de sua época — à Áustria e à Prússia. Ele é extremamente negativo
em relação à Prússia. Ele considera a Prússia uma força estranha,
ameaçando de fora a unificação da Alemanha. "Assim como o Império
Romano foi destruído pelos bárbaros do norte, o princípio da destruição do
Império Romano-Alemão também veio do norte. Dinamarca, Suécia,
Inglaterra e depois deles a Prússia são aquelas potências estrangeiras que,
sendo propriedades imperiais o ameaçam”(6). O jovem Hegel não se deixa
enganar pelas lendas sobre Frederico II da Prússia, as guerras travadas pela
Prússia, ele não vê nenhuma manifestação dos interesses nacionais da
Alemanha, mas apenas "os interesses privados das potências em guerra"; ele
os vê como guerras de gabinete do antigo regime. Na expansão das
fronteiras da Prússia durante o século XVIII. Hegel não vê nenhuma
vantagem para a Alemanha. Obviamente, a Prússia expandiu o escopo de
seu domínio e fortaleceu seu poder, mas tudo isso foi contra os interesses da
Alemanha. E em outros lugares ele fala com grande desprezo por uma
burocracia que reina suprema no estado prussiano(7). Em seu ensaio sobre a
constituição, ele fala um pouco mais amistosamente sobre a Áustria do que
sobre a Prússia. Em particular, Hegel pode ver alguma simpatia pelas
tentativas empreendidas por José II para introduzir reformas. No entanto,
considerando a Alemanha como um todo, Hegel coloca a Áustria e a Prússia
no mesmo nível(8). A partir disso, não é difícil ver o que a hipótese
"espirituosa" de Rosenzweig representa de um ponto de vista histórico.

Quanto à comparação de Teseu com Napoleão, muitas considerações falam


a favor dessa hipótese. Alguns anos depois, na época da redação da
Fenomenologia, Hegel era sem dúvida um defensor de Napoleão. Abaixo,
ao discutir esta questão, veremos claramente em suas cartas que ele era um

330
forte defensor da União da República da Reno e permaneceu assim até a
queda de Napoleão. Vimos também que Hegel, em 1803, em sua polêmica
contra o Eforato fichteano, falou com aprovação do golpe de estado
realizado por Napoleão. Não nos enganaríamos se disséssemos que essa
linha pode ser vista em suas primeiras manifestações já nos argumentos de
1801. No entanto, não podemos dizer isso com absoluta certeza, porque nos
fragmentos relacionados à filosofia da religião e da história (eles foram
publicados por Rosencrantz e mas com toda a probabilidade continham esta
preocupação(9).

Esses pensamentos parecem indicar que Hegel contava com a completa


libertação nacional da Alemanha. O que foi baseado nessas esperanças
também não está claro neste caso. No entanto, a ambiguidade dessa questão
não é crítica para o desenvolvimento de seus pontos de vista. É
completamente óbvio para nós de que maneira Hegel recusa a revolução e
se torna um defensor de Napoleão.

Quando esse caminho começou, com o que e com que gravidade as


flutuações estão conectadas — tudo isso, comparado à identificação da
principal linha de desenvolvimento, é apenas de importância secundária.

Para Hegel, a importância do ensaio sobre a constituição alemã é que nele


ele primeiro fixa o curso do desenvolvimento histórico das formações e
estados sociais e, além disso, de uma forma que ele mais tarde elabora com
mais detalhes, mas não sofre mudanças em momentos decisivos.

Na grande migração de povos e no sistema de feudalismo resultante dela,


Hegel vê as fontes sociais e estatais da formação das nações da Europa
moderna.

"O sistema de representação, adotado em todos os países europeus dos


tempos modernos. Não estava nas florestas da Alemanha, mas saiu de lá,
fazendo uma era na história do mundo. O desenvolvimento da cultura levou
a raça humana — após o despotismo oriental, o domínio da república sobre
o mundo e sua degeneração — ao palco, que é intermediário entre eles, e os
alemães são as pessoas de cujas profundezas emergiu a terceira imagem
universal do espírito do mundo. O sistema nomeado não estava nas florestas
da Alemanha, pois cada povo deve passar por todas as etapas destinadas a
isso. A cultura antes que intervém no curso da história mundial, e o princípio
de que o eleva à dominação universal surge apenas na medida em que o
seu próprio princípio se aplica ao resto, o mundo desprovido de suporte é,
portanto, a liberdade dos povos teutônicos”(10).

Partindo desse conceito histórico mundial geral, Hegel expõe como o


feudalismo surgiu e desmoronou nos estados europeus mais importantes. Ele
divide esses estados em dois grupos principais. O primeiro grupo, que inclui
331
Inglaterra, França e Espanha, caracteriza-se pelo fato de que os monarcas,
contando com o poder centralizado, foram capazes de subjugar os senhores
feudais. No segundo grupo, que inclui Alemanha e Itália, a decomposição do
feudalismo levou à fragmentação da vida nacional, impediu a formação da
unidade nacional.

No primeiro grupo, Hegel analisa apenas o desenvolvimento da França. Ele


mostra como a Alemanha e a França, com base na mesma formação social
— feudalismo — chegaram a formas nacionais completamente opostas: “A
França como estado e a Alemanha como estado carregavam os mesmos
princípios de decadência; na França, Richelieu os destruiu completamente e
transformou este país em um dos estados europeus mais poderosos; na
Alemanha, ele lhes deu poder total e, assim, destruiu-o como um estado"(11).
Hegel descreve mais detalhadamente como a nobreza feudal e os
huguenotes, que uma vez criaram o estado no estado, estavam
subordinados às autoridades da monarquia absoluta na França. Ele mostra
por que a supressão deles foi necessária para alcançar a solidez da
monarquia francesa. Ele enfatiza especificamente o papel de Richelieu, e o
conceito hegeliano posterior de "personalidade histórica do mundo" já é
claramente visível nisso.

E nesse assunto os neo-hegelianos estão tentando ligar a teoria hegeliana


com seu moderno "culto ao herói" emanado de Treychke e Nietzsche. No
entanto, o discurso de Hegel não é sobre personalidade, mas sobre o
princípio histórico mundial, que nessa situação faz dessa pessoa uma
ferramenta especial. Ele expressa essa ideia mais tarde, mas aqui é visível
com bastante clareza. Ele escreve sobre os senhores feudais franceses: "Eles
não foram derrotados pela personalidade do ministro [Richelieu], mas por
seu gênio, que vinculou sua personalidade ao princípio necessário da
unidade do estado (...) E esse é o gênio político — faz o indivíduo se
identificar com certo princípio; nessa combinação, esse indivíduo está
fadado ao triunfo”(12).

Hegel fala da Inglaterra, Espanha e outros países apenas de passagem e


brevemente. O que é importante em seu raciocínio é que ele é
manifestamente indiferente às formas de estado (monarquia ou república).
Para ele, estamos falando de "um centro que absorveu todas as suas forças,
a forma de tal estado — pode ser monárquico ou republicano"(13) — qual
deles desempenha essas funções não importa (nesta indiferença às formas
de governo, como em muitos outros pontos de vista, Hegel segue Hobbes).

Ao considerar a Itália, o lugar central é dado a uma análise objetiva e


imparcial das teorias de Maquiavel. Aqui, novamente, é importante notar
que Maquiavel nunca foi para Hegel um teórico de um universal e
desprovido de quaisquer ideias de "política, poder" em geral, como ele foi

332
principalmente retratado pela escola de Maineke. Hegel retrata Maquiavel
como o ideólogo desesperado da Itália, tendo perdido sua unidade e
exigindo sua restauração, como um revolucionário nacional que,
independentemente dos meios utilizados por ele, sempre procurou alcançar
esse grande objetivo. Nesse sentido, Hegel, em poucas palavras, lida
criticamente com o trabalho de Frederico II da Prússia, dirigido contra
Maquiavel, e o chama de "exercício escolar", cujo vazio já foi revelado pelos
atos hipócritas do próprio Frederico(14).

Os pontos de vista de Hegel sobre as formas de decomposição do


feudalismo alemão, sobre a fragmentação da Alemanha em pequenos
estados, já nos são familiares na edição de Frankfurt deste trabalho. Hegel
considera o ponto de virada desse processo a Paz da Vestefália, o fim da
Guerra dos Trinta Anos, quando foi legitimada a independência de certas
partes da Alemanha. "Ao assinar a Paz da Vestefália, a Alemanha recusou a
oportunidade de se estabelecer como um poder de estado sólido e se rendeu
ao poder de seus estados constituintes"(15).

Nesta base histórica, Hegel compromete-se a discutir a necessidade de um


estado moderno. Na sua opinião, esse estado surgiu como resultado da
superação da revolução francesa. Para uma correta compreensão do
conceito hegeliano, é necessário considerar a revolução francesa como
superadora no sentido duplo, dialeticamente, a saber, como removida e ao
mesmo tempo preservada. Em seu ensaio sobre a constituição, encontramos
novamente antipatias claramente expressas em relação às aspirações
democráticas radicais da revolução francesa: ele as fala como anarquia. Mas
se citarmos suas conclusões em detalhes, veremos que seus pontos de vista
estão muito longe de qualquer forma de restauração e que ele vê na
Revolução Francesa depois de superar a "anarquia". "A anarquia não se
identifica mais com a liberdade, e entender que o forte poder estatal é uma
condição necessária para a liberdade, penetrou profundamente na
consciência das pessoas; tão profundamente quanto o fato de que o povo
deve participar da legislação do estado e da decisão de assuntos importantes
do estado. A garantia de que o governo age de acordo com as leis e a
oportunidade de expressar sua vontade nos assuntos mais importantes
relacionados a todo o estado serão dadas ao povo pela organização da
instituição que o representa, cujas funções são fornecer ao monarca o direito
de cobrar uma certa parte dos impostos, especialmente impostos de
emergência; e, assim como antes do serviço pessoal, a coisa mais essencial
para a época dependia de um acordo livre, agora a provisão de dinheiro, na
qual todas as formas de influência estão concentradas, depende desse
acordo livre(16). Vemos que Hegel, por um lado, fica do ponto de vista da
monarquia constitucional (é claro, com a ressalva da completa indiferença
que remonta a Hobbes, se isso será feito sob a monarquia ou a república), e
com uma análise concreta, veremos que esse seu conceito de estado está
333
cada vez mais inclinado ao conceito de estado napoleônico. Por outro lado,
o conceito hegeliano posterior da emergência orgânica do estado moderno
nas entranhas do feudalismo como resultado de sua abolição é claramente
visível aqui.

Nesse desenvolvimento do pensamento hegeliano, a Revolução Francesa,


como já vimos, parece ser um evento de grande importância. E isso deve ser
enfatizado, mesmo que apenas porque os intérpretes modernos de Hegel se
esforcem de todas as formas possíveis para ocultar, falsificar esses recursos,
seu antifeudalismo, seu desprezo pela restauração, a fim de proteger a linha
de desenvolvimento que eles construíram, supostamente indo de Hegel a
Ranke e Bismarck. Esses falsificadores hegelianos usam, entre outras coisas,
métodos diretamente bárbaros e meios de falsificação geral da história.
Rosenzweig, por exemplo, que conhece muito bem as obras de Hegel para
não ver a proximidade das visões de Hegel com o conceito napoleônico de
estado, simplesmente falsifica a própria essência de todo o período
napoleônico: ele vê nele a restauração do antigo regime no estilo de Luís
XIV(17). Nesta base, já é bastante fácil transformar Hegel primeiro em um
defensor do antigo regime e depois no antecessor de Bismarck. Na
realidade, o conceito hegeliano de monarquia constitucional que
reproduzimos brevemente, formulado no modelo de Montesquieu, é uma
reprodução mental de parte da Inglaterra, em parte de estados napoleônicos
— aquelas formas de estado que acabaram sendo resultados de revoluções
burguesas. Essa visão de Hegel é expressa em todas as suas declarações e
estudos sobre questões de estado e direito. Falaremos sobre a natureza de
suas abordagens abaixo em outra conexão. Aqui, apontamos que mesmo o
sistema tributário proposto por Hegel é orientado para o modelo inglês (A.
Smith) e resolutamente direcionado contra todas as formas de
remanescentes do feudalismo no campo das receitas do estado (por
exemplo, domínios)(18).

Podemos entender melhor o conceito histórico de Hegel de um estado


moderno se voltarmos à figura mística de Teseu. A imagem de Teseu surge
não apenas em conexão com o conceito de Maquiavel, reproduzido no
ensaio de Hegel sobre a constituição, mas também em si mesmo, embora
em um local bastante confuso, cujo significado histórico e social esperamos
esclarecer, baseando-se em alguns dos comentários de Hegel em suas
palestras, ditadas mais tarde (em 1805/06). Hegel diz: "Este Teseu de nossos
dias teria que ter magnanimidade suficiente para dar ao povo reunido por
ele de pequenas nacionalidades díspares o direito de participar de assuntos
comuns — uma vez que um sistema democrático como o que Teseu certa
vez deu ao seu povo se transforma grandes estados de nosso tempo em uma
contradição interna, então a participação do povo deve receber o caráter de
uma organização; o Teseu moderno também deve ter força de caráter
suficiente, pois, embora a plenitude do poder estatal em suas mãos possa
334
servir como garantia suficiente de que ele será capaz de se proteger da
ingratidão que Teseu retribuiu, ele deve estar pronto para suportar o mesmo
ódio que Richelieu e outras grandes pessoas que eliminaram recursos
específicos dentro do estado”(19).

A rejeição da democracia por Hegel não é nova para nós. Além disso, a
própria ideia de que a democracia era uma forma adequada de governo
para estados antigos da cidade e que não se encaixa nos grandes estados
modernos não é nova para Hegel, nem por si só. Essa é a ideia geral do
Iluminismo francês. A determinação do pensamento de Hegel nesse assunto
é importante para nós, pois reflete a filosofia da história que já havia surgido
em Frankfurt e mais desenvolvida em Iena, segundo a qual a antiguidade
era um estádio completamente passado do desenvolvimento da humanidade
e, portanto, deixou de ser um modelo para nós em organizações do estado e
da sociedade. No entanto, consideraremos essa questão com mais detalhes
abaixo.

Quanto à imagem de Teseu, não devemos nos deixar enganar por causa do
extremamente geral e, em alguns lugares, simplesmente obscurecer o
raciocínio de Hegel. Obviamente, para Hegel, o "indivíduo histórico do
mundo" sempre cumpre apenas os ditames do espírito do mundo. No
entanto, como veremos em breve, Hegel sempre fala sobre o domínio do
princípio da necessidade histórica, e Teseu é sempre apenas uma
ferramenta, um instrumento da história mundial para a implementação das
mudanças que são especificamente necessárias no momento. O oposto, que
Hegel estabelece aqui entre Teseu e as massas de pessoas, é o oposto do
"indivíduo histórico mundial", que percebeu a necessidade de uma mudança
geral após a Revolução Francesa, para o povo inerte e atrasado da
Alemanha, ainda adormecido em sua insignificância feudal e pequeno-
burguesa e também defendendo sua própria insignificância, como uma
"peculiaridade e originalidade das pessoas", de qualquer abalo. Quando
Hegel fala da "ingratidão" que atingiu pessoas tão grandes como Richelieu,
isso é expresso, talvez um pouco mais sombrio e não inteiramente
verdadeiro; o significado do que foi dito pode, no entanto, ser expresso com
muita clareza: Richelieu odiava mortalmente a nobreza feudal da França,
cujo poder independente ele destruiu. Hegel corrige claramente esse fato,
correlacionando-o com o estado das coisas na Alemanha. Eu observei isso
corretamente, mas a forma de sua apresentação pode ser enganosa, porque
a nobreza francesa não tinha motivos para agradecer a Richelieu e, portanto,
seu ódio por Richelieu não poderia ter o caráter de alguma ingratidão.

Em suas palestras 1805-1806. Hegel novamente fala de Teseu como o


fundador do estado. Ele diz que todos os estados foram criados através da
violência e que grandes pessoas também foram suas transportadoras. "A
vantagem do grande homem é conhecer e expressar vontade absoluta.

335
Todos se reúnem sob sua bandeira; ele é o deus deles. Então Teseu fundou
o estado ateniense; assim, na Revolução Francesa [o estado] terrível poder
foi recebido, um todo em geral. Essa força não despotismo, mas tirania, pura
e terrível dominação. Mas é necessário e justo, desde que constitua e
preserve o estado como esse indivíduo real. Esse estado é um espírito
absoluto simples que se conhece e para o qual nada tem poder, exceto ele
mesmo — o conceito de bom e ruim, vergonhoso e vil, de mentira e engano,
não tem força"(20).

Em suas discussões sobre esse assunto diretamente, Hegel diz que essa
tirania é necessária para acostumar o povo à "obediência" em relação às
novas instituições estatais. No entanto, não se deve apegar-se ao termo
"obediência". Obviamente, o raciocínio de Hegel também contém tendências
antidemocráticas. No entanto, a direção principal desse raciocínio procede
de um entendimento historicamente correto do fato de que não apenas as
instituições obsoletas (feudalismo) devem ser derrotadas, mas também o
poder tirânico é necessário para impedir completamente todas as tentativas
de restaurá-las. Hegel considera ainda a tirania como um período necessário
de transição entre dois sistemas sociais e políticos. "A tirania é derrubada
pelos povos, pois é repugnante, vil, etc., mas, na realidade, apenas porque é
redundante. A memória do tirano é desprezada; ele aparece na memória do
povo precisamente como um espírito que conhece a si próprio, que, como
um deus, age apenas em si mesmo e por si mesmo e já está pronto para
enfrentar apenas a ingratidão do seu povo. Se ele fosse sábio, ele próprio
teria abolido sua tirania, uma vez que é supérflua. Mas, como ele não faz
isso, sua divindade é apenas a divindade do animal, uma necessidade cega
que merece ser odiada precisamente como má. Robespierre fez exatamente
isso neste caso. Sua força o deixou, porque a necessidade o deixou e,
portanto, ele foi derrubado à força. A necessidade é cumprida, mas cada
parte da necessidade é geralmente distribuída entre os indivíduos. Um é o
promotor e o advogado de defesa, o outro é o juiz, o terceiro é o carrasco;
mas todos são necessários”. A memória do tirano é desprezada; ele aparece
na memória do povo precisamente como um espírito que conhece a si
próprio, que, como um deus, age apenas em si mesmo e por si mesmo e já
está pronto para enfrentar apenas a ingratidão do seu povo. Se ele fosse
sábio, ele próprio teria abolido sua tirania, uma vez que é supérflua. Mas,
como ele não faz isso, sua divindade é apenas a divindade do animal, uma
necessidade cega que merece ser odiada precisamente como má. Um é o
promotor e o advogado de defesa, o outro é o juiz, o terceiro é o carrasco;
mas todos são necessários“(21).

E aqui não é difícil criticar a mitologia histórica sombria de Hegel. É bastante


claro que Hegel entendeu pouco naquelas batalhas concretas de classe que
levaram na França ao estabelecimento e à derrubada da ditadura jacobina.
No entanto, sua visão histórica em larga escala o levou a considerar essa
336
ditadura, que em si mesma era para ele — no fundo de sua alma —
antipática, necessária do ponto de vista histórico mundial e como uma
fronteira inevitável da história, como uma declaração do estado moderno.

No entanto, não se deve pensar que Hegel, que não entendeu a


complexidade da luta de classes na Revolução Francesa, também era cego
em relação ao conteúdo social dessa luta. Exatamente o oposto. Em um de
seus comentários à margem das mesmas palestras, ele diz o seguinte sobre a
revolução francesa: "Portanto, a revolução francesa destruiu formalmente as
propriedades privilegiadas; quanto à eliminação da desigualdade social,
essas são discussões vazias"(22).

É claramente visto aqui que Hegel apoia incondicionalmente o conteúdo


burguês da revolução francesa, a criação de uma nova sociedade burguesa e
a abolição dos privilégios feudais. Ele também presta homenagem à ditadura
jacobina de Robespierre como uma ferramenta necessária para a
implementação do golpe historicamente necessário (ele compara
Robespierre e Teseu), sua negação de Robespierre se acentua assim que a
democracia radical desse período tenta ir além da estrutura da sociedade
burguesa ("conversa vazia"). Acreditamos que essas considerações nos
fornecem, sob uma luz bastante clara, o verdadeiro significado histórico e
social do que inicialmente parecia sombrio e místico quando ele falou de
Teseu.

Falaremos mais detalhadamente sobre a estrutura social interna do estado


moderno, que Hegel imaginou durante esse período, posteriormente. Aqui
devemos indicar brevemente que Hegel não entende o senhor no sentido do
antigo regime como monarca. "Ele firmemente une o todo diretamente. Os
laços espirituais são a opinião pública (...)" Hegel pensa em uma sociedade,
cujo movimento livre e independente coloca o todo em movimento. "O
todo, no entanto, é o meio [do meio termo], o espírito livre, que é livre
desses extremos [termos] perfeitamente estabelecidos, o todo,
independentemente do conhecimento dos indivíduos e da natureza de seu
governante; é um nó vazio"(23).

E, assim como é impossível identificar o monarca hereditário com os


governantes do antigo regime, da mesma forma, não há razão para ver no
primeiro estado geral, referido na filosofia da história de Hegel no período
Iena, a antiga nobreza hereditária, como Rosenzweig, por exemplo. Ele
ainda mantém a antipatia pelo regime aristocrático, que Hegel tinha em
Berna. No Sistema de Moralidade, descrevendo a democracia, a aristocracia
e a monarquia, ele diz o seguinte sobre a aristocracia: "A monarquia difere
do domínio absoluto por herança e mais propriedade, e como tem a forma
de governo absoluto, mas não tem sua essência, é a pior"(24). Como vemos,
Hegel reconhece o princípio da hereditariedade apenas sob a monarquia.

337
Para a nobreza, ele a rejeita. Em outro lugar onde ele apenas compara toda
a população com o monarca, ele escreve: "Outro indivíduo é significativo
apenas como uma pessoa distante e educada, como o que ele próprio
fez"(25).

Hegel, portanto, adere firmemente à visão de que a sociedade é dividida em


propriedades, mas que o indivíduo pertence a um ou outro estado em um
dado momento histórico, de acordo com suas habilidades e ações
individuais, mas não de acordo com o princípio da herança. Podemos,
portanto, dizer que o “estado geral” hegeliano está muito mais próximo da
nobreza do serviço napoleônico do que da nobreza hereditária dos estados
semi-feudais.

Assim, vemos em Hegel uma visão generalizada de toda a história desde a


Idade Média até a Nova Era. Ele considera a história européia desde a
época da grande migração de povos até os dias atuais como um único
processo histórico em que a revolução francesa de forma alguma interrompe
o desenvolvimento "orgânico", como acredita o romance contra-
revolucionário, mas exatamente o oposto, como uma grande crise global
abrangente traz para o livre movimento os elementos viáveis do novo,
aquelas tendências que continuarão com um começo saudável no
desenvolvimento futuro dos povos. Obviamente, de acordo com Hegel, a
"anarquia" deve ser superada para isso. Mas poderíamos ver que mesmo
essa anarquia constitui para Hegel o elo necessário no curso dialético da
história, que Robespierre desempenha o mesmo papel decisivo na história
francesa e, através dela, na história mundial, como Richelieu. As funções de
ambos são criar um campo livre de atividade para uma nova aparência de
espírito.

Como pensador com uma compreensão tão ampla e livre da história, Hegel
estava quase sozinho na época — e não apenas na Alemanha. Seu método
de análise de processos e conexões básicas, livres de moralização, simpatias
e antipatias, lembra Balzac, que também interpretou a história francesa da
época da eliminação do feudalismo até a Revolução de fevereiro como um
processo único e cheio de crises. Isso é claramente afirmado por Balzac em
um de seus fantásticos diálogos espirituosos, onde o espírito de Catherine de
Médici se opõe ao jovem advogado Robespierre, e o ponto principal do
diálogo é que seus participantes lutam pelo mesmo objetivo, a unidade da
nação francesa. No entanto, Catherine falhará onde Robespierre aguarda
sorte. Mas esta nação deve falhar precisamente por causa do que alcançou.
E o aluno de Hegel, poeta Heinrich Heine, é claro, concorda(26).

Essa visão da nova história significa para Hegel o acerto de contas —


consciente e final — com seu sonho juvenil do retorno da antiguidade.

338
No centro do novo entendimento da história de Hegel não está apenas o
conhecimento das características específicas do novo tempo, que em
Frankfurt ele entende não apenas como características da decomposição.
Agora, o conceito de Hegel baseia-se, pelo contrário, em entender toda a
história como um processo integral e, consequentemente, a queda das
antigas repúblicas da cidade aparece não apenas como uma necessidade —
ficou claro para ele já em Berna — mas fica claro que essa queda deu
origem a uma certa ordem superior princípio social.

Assim, a antiguidade finalmente perde seu lugar especial na filosofia


hegeliana da história. Já em um fragmento publicado por Rosencrantz, que
remonta ao início do período de Iena, Hegel chama o belo mundo da
antiguidade de "apenas uma memória"(27). Em seus trabalhos posteriores de
Iena, Hegel explica em detalhes o que consiste o princípio superior do tempo
moderno. Ele traça paralelos claros entre o mundo grego e a sociedade
burguesa moderna em suas palestras de 1805-1806. Lá ele diz: "Este é um
princípio superior do novo tempo, que os antigos não conheciam, assim
como Platão. Nos tempos antigos, a moral era determinada por uma bela
vida pública, bela [como] a unidade direta do universal e do indivíduo, uma
obra de arte na qual nem uma única parte é isolada. do todo, e o último
aparece como uma unidade brilhante do eu que conhece a si próprio e de
sua imagem, mas entre os antigos a individualidade não se conhecia como
algo absoluto, não havia um ser em si absoluto. Na república platônica,
como no estado Lacedaemon vê desaparece conhecendo-se a
personalidade”(28).

Consequentemente, o novo princípio que separa a era da antiguidade e o


novo tempo é a individualidade, mais precisamente, o valor absoluto da
personalidade — em sua unidade. Mas essa ideia nos é familiar desde
Frankfurt. Além disso, podemos dizer que as raízes dessa ideia podem ser
encontradas no período de Berna, quando Hegel registrou a diferença entre
sociedades antigas e modernas em relação a uma única pessoa.

Já em Berna, Hegel viu que a "privatização" da vida humana, que deu


origem à queda das antigas repúblicas da cidade, levou ao desenvolvimento
da individualidade, ao individualismo no sentido moderno. No entanto, ele
rejeitou o processo dessa "privatização" em si. Este último era para ele
apenas o lado subjetivo da já extinta "positividade" morta da vida humana.
Foi precisamente a crise de Frankfurt que Hegel começou a abandonar a
pura negação dessa "positividade". Nós apontamos repetidamente como o
conceito de "positividade" de Hegel está se tornando cada vez mais histórico,
assim a dialética cada vez mais complexa de características progressistas e
reacionárias desse conceito penetra gradualmente no conceito de
"positividade", que Hegel rejeitou fortemente. Hegel começa a ver mais
claramente que os lados "positivos" da sociedade moderna também são o

339
resultado da atividade humana, que seu surgimento e desaparecimento,
crescimento e estagnação estão em contínua interação com a atividade
humana; esses lados "positivos" já não parecem mais dados a Hegel ao
homem, "destino" objetivo pré-existente, inexorável e objetivo.

Como já vimos, em Frankfurt, a abordagem dura de Hegel é substituída por


uma abordagem mais dialética. Em primeiro lugar, a mudança começa na
dialética mais objetiva da "positividade", isso ocorre com uma abordagem
perceptível para entender a interação entre o sujeito e o objeto, entre a
subjetividade da ação social de uma pessoa e a objetividade dos dados em
uma forma "acabada" de formações públicas. Tal entendimento tem um
efeito, às vezes até em grande parte, determina a dialética de Hegel, no
entanto, ainda não é reconhecido por Hegel como o núcleo da dialética.
Esse desenvolvimento de pontos de vista ocorre em Hegel durante o período
de Iena e atinge o nível mais alto de consciência na "Fenomenologia do
Espírito". É neste trabalho que o antigo conceito de "positividade" substituído
por um novo — alienação (Entäußerung) ou Entfremdung (alienação). Essa
distinção não é apenas terminológica, como deveria ser para qualquer
pensador significativo. A diferença entre "positividade" e "alienação" está
repleta de uma elaboração profundamente filosófica do problema.
“Positividade”, de fato, é uma propriedade específica de formações sociais,
objetos, coisas, “alienação” é um tipo especial de atividade humana, através
da qual surgem formações sociais específicas, objetos de atividade humana
na sociedade, e eles adquirem seu próprio conteúdo objetivo específico.

Essa mudança na terminologia hegeliana, a filosofia hegeliana ocorre em


Iena gradualmente. Aqui a expressão "alienação" aparece cada vez mais
frequentemente, e a expressão "positividade" é encontrada cada vez menos,
no entanto, por vários anos esses termos são usados em paralelo e
simultaneamente. Somente nas palestras de 1805-1806 esses novos
conceitos já estão cristalizados claramente.

O processo dessa mudança é um processo de compreensão da forma real do


ser, da natureza específica da progressividade da sociedade burguesa
moderna. Vimos que Hegel, já em Frankfurt, começou a considerar a
antiguidade como algo já passado. Em Iena, sua convicção é reforçada. No
entanto, ainda está cheio de profunda tristeza que este mundo realmente
vivo e verdadeiramente humano esteja, infelizmente, no passado. Na edição
de Rosenkrantz, citamos uma frase na qual Hegel declara a antiguidade
como meramente uma "memória". Sua posição então é muito característica
das palavras com as quais ele continua esse pensamento: "A unidade do
espírito com sua realidade deve ser rasgada. O princípio ideal deve ser
constituído na forma de universalidade, o princípio real deve ser afirmado
como unidade(29).

340
Essa tristeza sobre a era passada da antiguidade é o leitmotiv da poesia do
amigo da juventude de Hegel, Holderlin, a mesma tristeza dá uma beleza
inesgotável aos grandes poemas filosóficos de Schiller. Mas Schiller não é
mais um prisioneiro dessa tristeza, ela não o impede; no campo da estética,
ele passa a entender as características específicas e características do mundo
moderno e reflete isso em sua poesia, é claro, em uma ampla base cultural e
filosófica. Hegel também segue o mesmo caminho, apenas de forma muito
mais decisiva e fundamental.

No entanto, deve-se notar aqui que a grandeza do conceito social de Schiller


e Hegel repousa em um grau muito substancial precisamente no fato de que
eles nunca poderiam superar completamente essa tristeza. As críticas
humanísticas da sociedade capitalista em uma época em que o humanismo
proletário ainda não havia se formado, não conseguiam encontrar formas
concretas para a realização da humanidade, mas só podiam entender em
comparação com isso a vida das cidades gregas livres.

O reconhecimento da progressividade do capitalismo entre representantes


proeminentes do humanismo alemão do período clássico nunca se
transformou em uma exaltação plana da sociedade burguesa à maneira de
Bentham. A dialética idealista da natureza contraditória do progresso está
em um grau muito substancial conectado a essa atitude em relação à
antiguidade.

O contraste entre sociedades antigas e modernas se desenvolve no


pensamento de Hegel para entender a diferença entre socialização direta e
indireta do homem. E quanto mais claro Hegel é imbuído da compreensão
da necessidade e progressividade da socialização do homem, mais claro ele
se torna o sistema emergente e cada vez mais sofisticado de mediações
como criação do próprio homem, como um produto constantemente
reproduzido de sua atividade social.

O desenvolvimento dessa dialética leva Hegel a entender que o


envolvimento cada vez mais próximo da personalidade humana nessas
mediações sociais, o crescente desaparecimento das relações diretas das
pessoas entre si, não são a destruição da individualidade de uma pessoa.
Pelo contrário, uma verdadeira individualidade humana se desenvolve
apenas no decorrer desse desenvolvimento, no processo de criação de um
sistema de mediações cada vez mais objetivo, "materializado", mediado no
curso de um EntauBerung (alienação) cada vez mais intenso da pessoa
humana. Acabamos de citar a afirmação de Hegel de que o indivíduo na
sociedade burguesa moderna existe como alienado, "como o que ele fez
consigo mesmo". Hegel vê mais claramente que a humanidade teve que
superar o caráter naturalmente formado do imediatismo inicial, a fim de
revelar toda a riqueza de suas habilidades, de modo que todas as inclinações

341
que cochilam nela sejam reveladas. E o desejo simultâneo pela perda dessa
beleza, que se baseava no imediatismo naturalmente predominante da vida
antiga, reflete cada vez mais a crença dialética de Hegel de que a
humanidade pagou um preço muito caro por esse progresso.

Como para a sociedade burguesa moderna de Hegel era o estádio mais alto
do desenvolvimento humano, e como ele não via e não via além de seu
nível superior, o conhecimento dialético de Hegel seria inevitavelmente
acompanhado de um desejo irrevogavelmente passado. A grandeza de
Hegel como pensador é que ele preserva os dois lados da contradição aqui,
sem se importar nem um pouco com o fato de ele próprio cair em
contradição. (Essas contradições estão parcialmente ligadas a certas ilusões
do período napoleônico em relação à antiguidade.) Portanto, quando os
primeiros críticos liberais de Hegel, como Haym, o repreendem pelo pedido
de desculpas da antiguidade, por não reconhecer a sociedade burguesa
moderna, na verdade o acusam de que ele não se tornou o Bentham
alemão.

A contradição insolúvel, expressa neste contexto no pensamento de Hegel, é


uma contradição do próprio desenvolvimento histórico, e trataremos da
análise abaixo em uma seção especial. Essas contradições do progresso
humano podem ser verdadeiramente concretas, materialmente,
dialeticamente entendidas apenas quando o desenvolvimento da luta de
classes revela perspectivas concretas do humanismo proletário, quando
através da libertação socialista da humanidade se torna possível restaurar as
relações diretas das pessoas entre si e com a sociedade. Uma correta
compreensão histórica e materialista do desenvolvimento da humanidade
corrige o erro de Hegel, no entanto, na direção completamente oposta à dos
vulgarizadores chatos — representantes de um conceito direto e estreito e
liberal de progresso.

O entendimento de Marx da antiguidade como uma infância normal da


humanidade, o conhecimento do comunismo primitivo, a sociedade tribal e
sua decomposição como base da cultura antiga estão em um nível
infinitamente mais alto do que o de Hegel, mas não contradiz a principal
tendência do conceito histórico de Hegel, não exclui seu engenhoso palpite
sobre a direção do desenvolvimento da história humana.

Nas palestras de 1805-1806 Hegel formula a antítese entre sociedades


antigas e modernas da seguinte forma: "Essa linda e feliz liberdade dos
gregos, que era tão invejada. As pessoas se separam em cidadãos e ao
mesmo tempo agem como um indivíduo, governo. Ele interage apenas
consigo mesmo. a mesma vontade é individual e universal; a alienação da
unidade da vontade é sua preservação direta, mas é necessário um nível
mais alto de abstração, um oposto e uma educação mais desenvolvidos, um

342
espírito mais profundo. na moralidade; todo mundo tem razão, diretamente
um com o universal. Não há protesto aqui, todo mundo se conhece
diretamente como universal, depois renuncia a sua própria peculiaridade,
sem perceber como tal, como esse eu, como entidade. portanto, esse é
totalmente retornado. em si mesmo, conhece a si mesmo, como tal, como
essência, procura obstinadamente, separado da existência do universal, ser
absoluto, controlar diretamente seu absoluto. Ele, como um [indivíduo]
separado, deixa o universal; ele tem total independência em si mesmo,
renuncia a sua realidade, significativo apenas para si mesmo em seu
conhecimento"(30).

Também declararemos nossa posição em relação aos problemas que surgem


dessa oposição. Ao mesmo tempo, encontraremos fontes filosóficas de
limitações sociais e políticas de vários tipos, como o fato de Hegel acreditar
ter encontrado no conceito de alienação (Entäußerung), como base da
individualidade moderna, a justificativa filosófica de que o indivíduo na
sociedade moderna rejeita a democracia. Nosso objetivo era mostrar a
principal contradição (Kontrast) sobre a qual repousa o conceito histórico de
Hegel.

Por um lado, Hegel reconhece o desenvolvimento da personalidade humana


tanto através do processo de alienação (Entäußerung) quanto como
resultado desse processo. Ao mesmo tempo, ele reconhece que esse sistema
de mediações "alienadas" criadas pelas pessoas, por assim dizer, dá à
sociedade a possibilidade de um movimento próprio, enquanto o estudo
científico das leis desse movimento é a principal tarefa da filosofia da
história. Depois de discutir a personalidade "natural" naturalmente
estabelecida do monarca e as personalidades "alienadas" de todos os
cidadãos, ele acrescenta: "Todo o albergue está tão pouco conectado com
um quanto com o outro; ele próprio é um corpo indestrutível. O príncipe
pode ser qualquer coisa, cidadãos — tanto faz: a sociedade é completa em si
mesma e se retém"(31). A tensão dialética aqui revelada entre, por um lado, a
crescente subjetividade e originalidade da individualidade humana e, por
outro lado, a auto-legitimidade objetiva e cada vez mais objetiva do sistema
de mediação social criado pelas próprias pessoas para Hegel, é o principal
problema da sociedade burguesa moderna, o principal problema da filosofia
da história.

Pelas declarações de Hegel citadas até agora, segue-se claramente que a


base política para esse entendimento é a economia política, embora essa
palavra ainda não tenha sido usada. Portanto, devemos agora investigar as
visões econômicas de Hegel e revelar seu significado para a dialética
hegeliana. Ao mesmo tempo, enfrentaremos dois tipos de problemas: por
um lado, a questão de até que ponto as contradições do capitalismo
reconhecidas por Hegel contribuíram para o desenvolvimento de sua

343
dialética e, por outro lado, a questão de como a compreensão insuficiente
das contradições do capitalismo levou Hegel à falsa inconsistência e qual é a
relação entre o entendimento hegeliano da economia política e as limitações
de sua dialética idealista.

continua>>>

Incio da pgina

Notas de rodap:

(1) Hegel Trabalhos políticos, p. 65. (retornar ao texto)

(2) Loc. cit., 271- 272. (retornar ao texto)

(3) Loc. cit., 272 — 274. (retornar ao texto)

(4) Loc. cit. 150, 173. (retornar ao texto)

(5) Dilthey, W. Gesammelte Schriften, Tomo IV. p. 136. Rosenzweig, F, Loc.


cit. Tomo I, p. 125 (retornar ao texto)

(6) Rosenzweig, F. Loc. cit., p. 87. (retornar ao texto)

(7) Ibid., p. 31, 91, 93. Como se sabe, a atitude de Hegel em relação à
Prússia é mantida nele até a queda de Napoleão. Isso é evidente em suas
cartas dos períodos de Bamberg e Nuremberg. Em ligação com a mudança
que levou Hegel à reconciliação com a Restauração após a queda de
Napoleão, a mudança que ocorreu não sem crise e levou a um estado de
decepção no futuro também modifica a atitude de Hegel em relação à
Prússia. No entanto, o estudo de seu desenvolvimento nesse sentido está
além do escopo deste trabalho. (retornar ao texto)

(8) Ibid., p. 127. (retornar ao texto)

(9) Rosenkranz, F. loc. cit., p. 141. (retornar ao texto)

(10) Hegel, Trabalhos Políticos, p. 132. O lugar referente às “florestas da


Alemanha” é um ajuste polêmico (príncipe IX, cap. IV). Hegel aqui historia o
conceito de Montesquieu, sem se manifestar contra seu conceito como um
todo. (retornar ao texto)

(11) Loc. Cit., p 146. (retornar ao texto)

(12) Loc. Cit. p. 147. (retornar ao texto)

(13) Loc. Cit. 148. (retornar ao texto)

344
(14) Loc. cit. p. 154. (retornar ao texto)

(15) Loc. cit. p. 144. (retornar ao texto)

(16) Loc. cit. p.168. (retornar ao texto)

(17) Rosenzweig, F, Op, cit, Tomo II, p. 3-4. (retornar ao texto)

(18) Ibid, p. 493-494; Realphilosophie, Tomo II, p. 233. (retornar ao texto)

(19) Hegel, Trabalhos políticos, p. 176. (retornar ao texto)

(20) Hegel, Obras de diferentes anos, Tomo I, p. 357-358. (retornar ao


texto)

(21) Loc. Cit., p. 359. (retornar ao texto)

(22) Loc. Cit., p. 372, nota. (retornar ao texto)

(23) Loc. cit, p. 362. (retornar ao texto)

(24) Hegel. Trabalhos políticos, p. 367. (retornar ao texto)

(25) Hegel. Obras de diferentes anos, T. I, p. 363. (retornar ao texto)

(26) Heine, Werke, Tomo VII, p. 35. (retornar ao texto)

(27) Rosenkranz, K. Op. cit, p. 136. (retornar ao texto)

(28) Hegel. Obras de diferentes anos. Tomo I, p. 362-363. (retornar ao


texto)

(29) Rosenkranz, K. Op. Cit., p 136. (retornar ao texto)

(30) Hegel. Obras de diferentes anos, Tomo I, p. 361-362. (retornar ao


texto)

(31) Loc. Cit., p. 363-364.

345
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo III – Fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Iena, 1801-


1804)
5 — A economia política no período de Iena

Nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, criticando fortemente a


Fenomenologia do Espírito, Marx caracteriza adequadamente a grandeza e
as limitações da atitude de Hegel em relação à economia política. Ele diz:
"Hegel permanece no ponto de vista da economia política moderna. Ele
considera o trabalho como uma entidade, como a essência do homem que
se afirma; ele vê apenas o lado positivo do trabalho, mas não o negativo. O
trabalho é por si só - a formação do homem dentro da estrutura da
alienação, ou como pessoa alienada”(1).

A análise a seguir das visões econômicas de Hegel mostrará como Marx


estava certo ao considerar os lados positivo e negativo da compreensão
hegeliana da economia. Hegel nunca descreveu a economia política como
uma parte completa de seu sistema; suas visões econômicas constituem
apenas parte de sua filosofia social. E veremos que, em termos filosóficos,
essa é precisamente a vantagem de seu método, pois Hegel não está falando
dos estudos originais que ele poderia ter feito no campo da economia
política (não havia condições para isso na Alemanha), mas que ele aplica as
conquistas da ciência econômica mais desenvolvida ao conhecimento de
problemas sociais e, no decorrer disso, começa a identificar, afirmar no nível
das categorias dialéticas da generalização filosófica que estão ocultas nas
relações sociais.

A ideia de uma ligação entre economia política, ciências sociais, história e


filosofia não se origina com Hegel. A separação da economia política de
outras áreas das ciências sociais ocorre durante o desenvolvimento
descendente da burguesia. Pensadores proeminentes dos séculos XVII-XVIII.
cobriram todas as áreas da ciência social. Os trabalhos de economistas
famosos, como Petty, Stuart, Smith e outros, vão muito além da economia
política no sentido estrito da palavra. Portanto, é possível entender o grau de
genuína originalidade de Hegel na compreensão filosófica dos resultados da
ciência econômica somente se a história da interação da economia política e
da filosofia nos tempos modernos (e mesmo entre Platão e Aristóteles) for
investigada. Infelizmente, a ciência histórico-filosófica marxista não fez nada
nesta área, então aqui não temos nenhum desenvolvimento preliminar. As

346
observações dos clássicos do marxismo-leninismo relacionadas a esse
assunto não foram usadas.

E, no entanto, em que direção essa originalidade do pensamento hegeliano


se desenvolveu, é possível estabelecer com relativa precisão. Para a filosofia
do Renascimento e do Iluminismo, a matemática, a geometria e as ciências
naturais (físicas) eram cruciais no aspecto metodológico. Os pensadores
proeminentes da época conscientemente se concentraram nas ciências
naturais em seu método, mesmo quando o assunto da pesquisa era o campo
das ciências sociais (e é por isso que seria importante e útil saber até que
ponto a orientação para o método das ciências naturais influenciou a
economia política).

Pela primeira vez, vemos uma orientação diferente na metodologia apenas


no idealismo clássico alemão. Claro, ele também tem seus antecessores, mas
esse cenário não foi estudado; para não entrar em detalhes, posso destacar
um excelente exemplo de Vico.

A ênfase no “lado ativo” da filosofia dá origem a essa nova orientação


metodológica, que já é visível para Fichte com muito mais clareza do que
para Kant. No entanto, o idealismo subjetivo tem um conceito muito mais
restrito e abstrato da prática humana. No idealismo subjetivo, todos os
interesses estão concentrados naquele lado da prática humana, que no total
poderia ser chamado de moralidade no sentido estrito. Por essas razões, o
conhecimento econômico de Kant e Fichte não teve um efeito frutífero em
sua metodologia. Com Fichte, como já poderíamos estar convencidos disso,
via na sociedade, como na natureza, apenas uma esfera abstrata de
atividade de uma pessoa moral, o homo noumenon, uma esfera na qual
para ele invariavelmente reside na negatividade abstrata em relação à
moralidade e que é dura e completamente oposta atividades de uma pessoa
moral, - na medida em que Fichte nem sequer entrou no espírito para
investigar mais de perto essa esfera, que tem suas próprias leis específicas.
Seu "estado comercial fechado" diz, por exemplo, que ele estudou os
fisiocratas. No entanto, as principais ideias deste ensaio não refletiram a
influência desse tipo de conhecimento: somos confrontados com uma
aplicação rigorosa dos princípios morais de Fichte em todas as esferas da
vida pública, e isso é outra coisa, como um tipo de ditadura de moralidade
de cor jacobina sobre toda a vida social de uma pessoa.

Kant, que em certa medida pensa de maneira mais ampla e flexível que
Fichte, em sua aplicação de princípios abstratos não vai além da sociedade e
da história. Kant estava familiarizado com os escritos de Smith e, graças a
eles, tinha certa ideia da sociedade burguesa moderna. No entanto, quando
ele aplica esse conhecimento no campo da filosofia social, ele chega apenas
a contrastes completamente abstratos. Vemos isso em seu interessante

347
trabalho "A ideia da história do mundo no plano civil mundial", no qual ele
filosoficamente explora os princípios do progresso no desenvolvimento
social. Aqui ele chega à conclusão de que a natureza forneceu ao homem o
antagonismo da "sociabilidade hostil", que age de tal maneira que, vencendo
e passando por várias paixões, a humanidade luta pelo progresso. "O
homem quer concordar, mas a natureza sabe melhor o que é bom para sua
espécie; e ela quer contenda"(2). A influência dos pensadores ingleses em
Kant é claramente traçada aqui; mas isso apenas levou a uma afirmação
mais abstrata dos problemas sem enriquecer seu conteúdo filosófico. Toda a
sua conclusão nada mais é do que o "mau infinito" do progresso sem fim.

Ao examinar as críticas de Hegel à ética do idealismo subjetivo, vimos que o


mais ferozmente ele ataca precisamente essa estreiteza moral, a oposição
estrita dos lados subjetivo e objetivo da atividade sócio-histórica do homem.
Consequentemente, para ele, economia política significa algo diferente do
que para Kant e Fichte. É a maneira mais primitiva, direta e óbvia de
manifestar a atividade social humana. Consequentemente, as categorias
fundamentais dessa atividade podem se desenvolver fácil e claramente na
economia política. Ao analisar o período de Frankfurt da vida de Hegel, em
outra conexão já apontamos que o conceito de Adam Smith, no qual o
trabalho é considerado como a categoria central da economia política,
causou nele uma impressão decisiva. Os princípios da filosofia hegeliana da
história que decorrem disso, sistematicamente estabelecidos em A
Fenomenologia do Espirito, foram de todo significado descritos por Marx
nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844: “A Grandeza da
Fenomenologia Hegeliana e seu resultado final - a dialética da negatividade
como impulsionadora e princípio gerador - portanto, consiste no fato de que
Hegel considera a autogeração de uma pessoa como um processo, considera
objetivação como objetivação, como alienação e remoção dessa alienação,
na medida em que, portanto, captura a essência do trabalho e entende a
pessoa objetiva, a verdadeira, porque a real, como resultado de seu próprio
trabalho”(3).

Considerando as visões históricas de Hegel, podemos concluir que, quando


Hegel analisa a sociedade, ele tem em mente a sociedade moderna, mas
essa não é uma cópia mental do estado deplorável da Alemanha de sua
época, embora às vezes - contra sua vontade - isso afete sua apresentação,
mas sociedade burguesa em sua forma mais desenvolvida - como resultado
da revolução francesa e da revolução industrial na Inglaterra. Com base no
conhecimento dessa sociedade e no papel da atividade humana nela, Hegel
busca superar o dualismo kantiano-fichteano de subjetividade e
objetividade, interno e externo, moral e direito, buscando compreender uma
pessoa real, total e socializada na integridade concreta de sua atividade
social.

348
Essa aspiração diz respeito aos princípios definidores e finais da
sistematização filosófica. Kant, por um lado, deu um passo significativo na
compreensão do "lado ativo" da filosofia; por outro, foi por essa razão que
ele dividiu a filosofia em duas partes, dividindo-a em teórica e prática, muito
fracamente ligadas.

A sublimação idealista kantiana da moralidade não deixa oportunidade


filosófica de revelar a interação concreta entre o conhecimento humano e a
prática humana. O radicalismo de Fichte aprofundou ainda mais essa
lacuna. O desejo de Schelling por objetividade vai na direção de restaurar a
relação dialética nesse assunto. No entanto, Schelling não tinha interesse
suficiente em problemas sociais, nem conhecimento suficiente nessa área,
nem a necessária posição crítica consciente em relação às premissas das
filosofias de Kant e Fichte; portanto, ele não poderia dar uma virada decisiva
aqui.

Foi Hegel quem fez essa mudança durante esse período. O ponto de partida
foi o desenvolvimento econômico, social e filosófico do conceito de trabalho
de A. Smith. A seguir, mostramos com mais detalhes que Hegel não teve
sucesso e, de acordo com suas suposições filosóficas iniciais, esse turno não
pôde ser realizado sequencialmente e até o fim. Aqui observamos que ele
começou a resolver esse problema com plena consciência de seu significado
para todo o sistema.

Para explicar dialeticamente a interação entre a prática humana e o


conhecimento, é necessário, antes de tudo, entender a prática da maneira
mais ampla do que ela realmente é, e isso significa ir além da estreita
estrutura subjetiva da moralidade de Kant e Fichte. Já consideramos o lado
polêmico da superação dessa estrutura. Ao analisar as visões econômicas de
Hegel durante o período de Iena, notamos antes que ele considera a esfera
do trabalho humano, a atividade econômica como base, como o ponto de
partida da filosofia prática. No "Sistema de Moralidade", ele inicia a análise
das categorias econômicas da seguinte forma: "Nesta potência agregada (...)
a idealidade onipresente ainda se origina, assim como as verdadeiras
potências do intelecto prático"(4). Nas palestras de 1805-1806. esse
pensamento assume formas mais maduras. Hegel diz aqui sobre o
instrumento: "Um homem, portanto, cria ferramentas porque é inteligente e
esta é a primeira expressão de sua vontade, essa vontade [ainda é] uma
vontade abstrata. Os povos têm orgulho de suas ferramentas"(5). A Vontade
Pura, como se sabe, é a categoria central da ética de Kantiana-Fichteana.
Hegel, considerando a ferramenta como a primeira manifestação da vontade
humana, contrasta Kant e Fichte com o conceito fundamentalmente oposto
de vontade e sua relação com a realidade - o conceito de uma atividade
humana holística específica em uma sociedade real. E se ele aqui chama
essa expressão de vontade abstrata, significa apenas que, a partir desse

349
conceito, ele pretende enfrentar os problemas mais complexos e amplos da
sociedade, a divisão social do trabalho etc., e que ele, na totalidade de
atividades desses seres humanos vê sua especificidade.

Como já sabemos, Hegel no campo da economia política é um defensor de


Adam Smith. Isso não significa que ele, ao discutir todos os problemas,
esteja ao nível de Adam Smith: ele não conseguiu entender a dialética
complexa dos problemas "esotéricos" da economia política de Smith, que
Marx revelou em suas teorias de mais-valor. A natureza contraditória das
categorias fundamentais da economia capitalista revelada por Marx
permaneceu incompreensível para Hegel. Mas as contradições que estão
objetivamente contidas no conceito econômico de Smith, ele eleva a tal nível
de consciência dialética, que é muito maior do que o de Smith.

Hegel inicialmente expõe suas visões econômicas no "Sistema de


Moralidade". Este trabalho é o culminar de sua experimentação com o
sistema de conceitos de Schelling. Portanto, o raciocínio de Hegel neste
ensaio não é apenas extremamente complexo, muito mal construído,
saturado, mas a maneira estática de apresentação muitas vezes impede a
divulgação da dialética embutida no próprio pensamento. Em um nível mais
alto, seus artigos sobre direito natural e seu raciocínio nas palestras de
1803/04 e especialmente de 1805/06 sobre o assunto discutido aqui eram
muito mais maduros e peculiares. As palestras 1805/06 representam a forma
mais profunda de expressar o pensamento econômico de Hegel em Iena
antes de criar a "Fenomenologia", uma tentativa baseada nas categorias mais
simples de trabalho, avançando dialeticamente e sistematicamente para
questões de religião e filosofia. Portanto, sempre que possível, explicaremos
e criticaremos essa forma mais madura das visões de Hegel. Naturalmente, a
Fenomenologia do Espírito está em um nível ainda mais alto de maturidade
e clareza. No entanto, a peculiaridade da pergunta neste trabalho influenciou
profundamente o método, o agrupamento de problemas etc., que
discutiremos em mais detalhes abaixo e que cria certas dificuldades em atrair
material para o assunto discutido aqui.

Na literatura sobre Hegel, com raras exceções, o lado econômico de sua


filosofia social é completamente ignorado, e mesmo os autores burgueses
que, sabendo muito bem que Hegel lidava com os problemas da economia
política, no entanto, como se fossem cegos, não percebiam o significado dos
julgamentos de Hegel nessa área, nós é completamente necessário começar
nosso raciocínio com uma declaração das visões econômicas de Hegel. Nas
declarações que já citamos, Marx mostrou de maneira clara e precisa a
importância do conceito econômico hegeliano. No entanto, as afirmações de
Marx sugerem conhecimento das opiniões de Hegel. Portanto, uma
percepção correta da crítica de Marx ao conceito econômico de Hegel exige

350
que comecemos com uma apresentação desse conceito e só então
procedamos à sua crítica.

Já nas primeiras tentativas mais tímidas de Hegel de sistematizar categorias


econômicas, é surpreendente que o agrupamento dessas categorias tome a
forma de uma tríade dialética, que a conexão de categorias econômicas
combinadas em um grupo se assemelhe à forma de inferência hegeliana.
Assim, no "Sistema de Moralidade", ele começa sua exposição com uma
tríade - necessidade, trabalho e prazer, a fim de avançar para outro - posse
de uma ferramenta, o próprio processo de trabalho, posse dos produtos do
trabalho(6). Já falamos sobre outra definição hegeliana de trabalho, que um
objeto na forma em que aparece antes de uma pessoa ser destruída, em
outra conexão, citando detalhadamente as definições hegelianas.

Nas palestras de 1805/06, ambos os lados dessa questão são expressos com
muito mais clareza: tanto o substantivo (a relação de uma pessoa com o
sujeito do trabalho no processo de trabalho) quanto o formal (dialética das
formas de inferência como a dialética da própria realidade), Hegel diz aqui:
"Definição de um objeto. Um objeto é, portanto, um conteúdo, a diferença,
a saber, o conteúdo (uno) da conclusão, unidade e universalidade e seu
meio (termo médio), mas: a) [o sujeito é] um sujeito real e imediato; seu
meio (termo médio) é coisa, universalidade morta, não-ser e b) sua extremo
(pressupostos) são uma característica, certeza e individualidade. Por ser
diferente, sua atividade é a atividade do Eu; não possui uma; esse extremo
(termo) fica fora dela. Como materialidade, é passividade, a mensagem
dessa atividade, mas como algo fluido tem em si, mas como estranhado. Seu
outro extremo (termo) é o oposto (característica) de seu ser e atividade. Ele é
passivo; é para outro, afeta (isto) diferente, geralmente há (ácido) algo que
se decompõe. Este é o seu ser, mas ao mesmo tempo uma imagem ativa
(Gestalt) em relação a ele, uma mensagem de outro. Atitude invertida: por
um lado, a atividade é apenas algo comunicado, mas (por outro) é uma
mensagem que percebe puramente (o começo); por outro, é ativa em
relação ao outro. mensagem de outro. Atitude invertida: por um lado, a
atividade é apenas algo comunicado, mas (por outro) é uma mensagem que
percebe puramente (o começo); por outro, é ativa em relação ao outro.

(Motivação satisfeita é trabalho auto-superado; é o assunto que trabalha


para isso. O trabalho é uma ação versátil para as coisas-coisas. A bifurcação
do Eu, existindo como motivação, é a própria criação de objetos-objeto. - A
luxúria deve começar de novo, não chega à separação do trabalho de si
mesma, mas o estímulo é a unidade do Eu; como eu fiz a coisa).

Simplesmente atividade é puro movimento mediado; simplesmente


Satisfação de luxúria é a pura destruição do objeto“(7).

351
O movimento dialético que Hegel procura mostrar aqui é duplo: o objeto do
trabalho, que de fato se torna um objeto real para o homem apenas no
processo de trabalho e através do trabalho, preserva, por um lado, o caráter
que ele possuía. Um dos pontos mais importantes da dialética no conceito
hegeliano de trabalho é que é aqui que o princípio ativo (no idealismo
alemão - pensamento, conceito) deve aprender a levar em conta a realidade
do que é. Leis naturais imutáveis operam no trabalho, e somente com base
em seu conhecimento e reconhecimento, o trabalho pode ocorrer e ser
proveitoso. Por outro lado, através do trabalho, o objeto se torna; para os
outros. Segundo a terminologia hegeliana, a forma de sua objetividade é
destruída e, graças ao trabalho, adquire uma nova. Essa mudança de forma
é o resultado do trabalho em materiais estranhos a ele e de ter suas próprias
leis. Ao mesmo tempo, essa mudança de forma só pode ocorrer quando
corresponder às leis imanentes do próprio sujeito.

Essa dialética no objeto corresponde à dialética no sujeito. No trabalho, o


homem é alienado de si mesmo; ele, como Hegel coloca, "se transforma em
algo". Isso expressa a legitimidade objetiva do trabalho, que é independente
dos desejos e inclinações do indivíduo e os opõe como alheios e objetivos.
Através do trabalho no homem, surge algo universal. Ao mesmo tempo,
trabalho significa ir além do domínio da espontaneidade, rompendo com o
natural, com a vida instintiva do homem. A satisfação imediata das
necessidades significa, por um lado, a simples destruição de um objeto, mas
não uma mudança de forma; por outro lado, devido à sua imediatidade,
produz efeitos para sempre no mesmo local: não há desenvolvimento nele.
Só porque essa formação do homem pelo homem é amplamente
considerada em detalhes nas partes introdutórias das palestras de 1805/06.
Aqui, os preconceitos idealistas de Hegel se manifestam no fato de que ele
desperta os potenciais puramente espirituais do homem, a passagem do
estado dos sonhos, da "noite" naturalmente definida para os primeiros atos
da formação de conceitos, para a designação de objetos e a linguagem -
tudo isso é considerado por si só, independentemente do trabalho. e uma
consideração genuína das transferências de mão-de-obra para um nível
superior, no qual as habilidades humanas já foram formadas. No entanto,
alguns comentários individuais de Hegel mostram que ele, pelo menos, está
ciente da interação existente aqui. Em um dos comentários nas margens, ele
escreve como um adendo: "Como essa necessidade deles se torna ou seu
fortalecimento agora, para que eu me torne seu ser, ou eu, qual é a essência
deles, se torna o ser deles? Pois o ser é sólido, objetivo; Sou uma forma de
pura ansiedade, movimento ou uma noite de extinção. Ou: estou no nome
de um direto (universal) existente; agora, através da mediação, deve tornar-
se em si, graças a si mesma. Sua ansiedade deve se tornar o próprio auto-
fortalecimento, deve se tornar um movimento que se remove como
ansiedade, como um movimento puro. Isto é trabalho. Sua preocupação se

352
torna um objeto como uma pluralidade reforçada, como uma ordem. A
ansiedade se torna ordem precisamente porque se torna um objeto"(8).

A importância decisiva do trabalho no desenvolvimento da humanidade


vem à tona em Hegel, onde ele descreve sua "robinsonada", precisamente
quando analisa a transição para uma sociedade verdadeiramente civilizada.
A atitude de Hegel em relação ao chamado estado natural da humanidade é
completamente livre daqueles julgamentos morais positivos ou negativos
pelos quais esse estado natural foi considerado na literatura do Iluminismo.
Mais próximo de seu conceito é Hobbes. Em sua dissertação, ele expressa
seus pensamentos com precisão e ao mesmo tempo contraditoriamente: "...
o estado natural não é injusto, e é por isso que deve sair dele"(9).

Da realização desse pensamento no "Sistema da Moralidade" surge o


"Robinsonada" hegeliana de "dominação e escravidão". Então aparece como
o momento mais importante da "Fenomenologia do Espírito" e, desde então,
faz parte integrante do sistema hegeliano.

Vamos considerar como a transição do estado natural para a sociedade é


interpretada da forma mais madura na "Fenomenologia do Espírito". O
ponto de partida aqui é o Hobbes bellum omnium contra omnes - destruição
mútua de pessoas em estado natural. Como o próprio Hegel diz, superação
sem conservação. Devido à subordinação de uma dominação a outra, surge
um estado de dominação e escravidão. Mas ainda não contém nada de
novo ou interessante. O importante é como Hegel considera a atitude do
senhor e do escravo um para o outro e para as coisas. Aqui ele apresenta a
seguinte análise interessante: "... o mestre domina esse ser, pois provou na
luta que isso importa para ele apenas como algo negativo; já que ele domina
esse ser, e esse ser domina outro [sobre o escravo] e, como resultado, ele
subjuga esse outro. Do mesmo modo, o mestre está relacionado à coisa
através do meio de um escravo; o escravo como autoconsciência geralmente
se relaciona com a coisa também negativamente e a supera; mas, ao mesmo
tempo, é independente para ele e, portanto, com sua atitude negativa, ele
não pode lidar com isso até a destruição; em outras palavras, ele apenas o
processa. Pelo contrário, para o mestre, um relacionamento direto se torna,
graças a essa mediação, a pura negação de uma coisa ou consumo, o que
ele não conseguiu ansiando, ele conseguiu - lidar com isso e encontrar sua
satisfação no consumo. Esse desejo não teve sucesso por causa da
independência da coisa, mas o senhor, que colocou um escravo entre a
coisa e ele próprio, devido a isso, só encontra a não independência da coisa
e a consome completamente; ele dá o lado da independência [coisas] ao
escravo”(10).

É essa dominação ilimitada, uma atitude completamente unilateral e


desigual que gera uma interessante inversão de relações, transforma o

353
mestre em um episódio sem esperança no desenvolvimento do espírito,
enquanto os momentos frutíferos do desenvolvimento da humanidade estão
associados à consciência de um escravo. "... A verdade da consciência
independente é a consciência servil ... Graças ao trabalho, ela vem a si
mesma. No momento correspondente à luxúria na mente do senhor,
servindo à consciência, parecia-lhe que ele tinha, no entanto, o lado de um
relacionamento insignificante com a coisa, pois uma coisa preserva (behalt)
nisto a sua independência a luxúria conservou para si (hat sich vorbehalten)
a pura negação do objeto e, como resultado, um sentimento de eu sem
paralelo. Mas, portanto, essa satisfação em si é apenas um desaparecimento,
pois ele não tem o lado objetivo ou a existência sustentável. Por outro lado,
o trabalho de parto é inibição da luxúria, desaparecimento tardio
(aufgehalte-nes), ou seja, se forma. Uma atitude negativa em relação a um
objeto se torna sua forma e algo permanente, porque é para a pessoa que
trabalha que o objeto tem independência. Esse termo médio negativo ou
ação formativa é ao mesmo tempo uma singularidade ou um puro-ser-por-si
da consciência, que agora no trabalho direcionado para o exterior entra no
elemento de constância; a consciência ativa, portanto, vem para a
contemplação do ser independente como si mesmo”(11).

Sabemos pela filosofia da história de Hegel que a individualidade é um


princípio mais elevado dos tempos modernos em comparação com a
antiguidade. Hegel, que em sua juventude não percebeu completamente a
escravidão na sociedade antiga e considerava apenas pessoas dotadas de
direitos políticos, isto é, pessoas livres que não trabalhavam nas cidades das
repúblicas, aqui através da dialética do trabalho chega à conclusão de que a
principal via de desenvolvimento humano, a formação do homem pelo
homem, a socialização do estado natural passam apenas pelo trabalho,
apenas pela atitude em relação às coisas, na qual a independência e a
legitimidade das coisas são preservadas, graças às quais, ameaçando a
existência de homem, faça com que ele os conheça, isto é, forme seus
órgãos de conhecimento. Somente através do trabalho o homem se torna
homem. Senhor, que põe a obra de um escravo entre ele e as coisas, está
condenado à esterilidade e, na dialética da história do mundo, a consciência
de um escravo se eleva acima de sua consciência. Na Fenomenologia, Hegel
já vê claramente que o trabalho humano é trabalho escravo, com todas as
deficiências que a escravidão traz para o desenvolvimento da consciência.
No entanto, apesar de tudo, o caminho pilar do desenvolvimento da
consciência passa pela consciência do escravo na Fenomenologia, mas não
pela consciência do mestre. É nessa dialética do trabalho que, segundo os
pontos de vista de Hegel, surge a verdadeira autoconsciência, uma forma
fenomenológica da queda da antiguidade. As "imagens da consciência" nas
quais esta queda está incorporada são as seguintes: estoicismo, ceticismo e
"consciência infeliz" (cristianismo emergente), elas surgem à imagem de

354
Hegel exclusivamente a partir da dialética fenomenológica da consciência
escrava.

A imagem hegeliana do trabalho já mostra que o fato do trabalho em si é


uma entrada no universal em comparação com o imediatismo do natural.
No curso do estudo das definições de trabalho, Hegel revela certo tipo de
desenvolvimento dialético no qual a melhoria técnica e social do trabalho
interage, estimulando-se mutuamente. Por um lado, Hegel deduz o
surgimento de ferramentas da dialética do trabalho; ele desenvolve,
afirmando o uso pelo homem que possui ferramentas, das leis da natureza
no processo de trabalho, as passagens que ele reconstrói em um dos pontos
de virada dialéticos no conceito de máquina. Por outro lado, no entanto, em
estreita ligação com o primeiro, Hegel mostra como as definições gerais, ou
seja, sociais, do trabalho levam a uma divisão social do trabalho cada vez
mais complexa, a uma crescente especialização de certos tipos de trabalho, a
uma separação cada vez maior de certos tipos de trabalho da satisfação
direta das necessidades humanas. Ambas as linhas de pensamento, como já
enfatizamos, estão intimamente relacionadas. Como discípulo de Adam
Smith, Hegel sabe com bastante precisão que o aprimoramento técnico do
trabalho envolve uma divisão social do trabalho altamente desenvolvida; ao
mesmo tempo, ele percebe claramente que o aprimoramento das
ferramentas, o surgimento de máquinas, por sua vez, contribuem para o
desenvolvimento da divisão social do trabalho, que o aprimoramento
técnico do trabalho envolve uma divisão social do trabalho altamente
desenvolvida; ao mesmo tempo, ele está claramente ciente de que o
aprimoramento das ferramentas, o surgimento de máquinas, por sua vez,
contribuem para o desenvolvimento da divisão social do trabalho.

Uma análise dessa transição é encontrada em todas as obras de Hegel nas


quais são consideradas questões econômicas. Aqui damos um trecho de seus
argumentos mais maduros, das palestras de 1805/06. "Ser presente, a
totalidade das necessidades naturais nos elementos do ser são geralmente
muitas necessidades; as coisas que atendem à sua satisfação são
processadas, sua possibilidade interior universal é considerada algo externo,
como uma forma. Mas esse processamento é múltiplo; por parte da
consciência, é faça você mesmo" Mas, no elemento da universalidade, é tal
que se torna um trabalho abstrato. Há muitas necessidades: perceber essa
multidão no Eu, trabalhar é uma abstração de imagens universais, mas uma
educação auto-móvel. Eu sou abstrato: realmente funciona, mas o trabalho
dele também é algo abstrato. A necessidade é geralmente decomposta em
muitos aspectos; o abstrato em seu movimento é por si mesmo, fazendo,
trabalho. Como eles trabalham apenas para satisfazer necessidades como
abstratos por si mesmos, eles também funcionam apenas abstratamente. Este
conceito, a verdade da luxúria, existe aqui. Qual é o conceito, esse é o
trabalho. O que o "indivíduo" produz, objetivando-se em seu ser atual, não
355
pode servir à satisfação de todas as suas necessidades. O trabalho universal
[é, portanto] uma divisão do trabalho, economia; dez pessoas podem fazer
tantos pinos quanto cem. Cada (indivíduo) separado, portanto, uma vez que
é separado, trabalha para satisfazer qualquer necessidade. O conteúdo de
seu trabalho vai além de suas necessidades; ele trabalha para atender às
necessidades de muitos [indivíduos], e o mesmo acontece com todos. Cada
um, portanto, satisfaz as necessidades de muitos, e a satisfação de suas
muitas necessidades especiais envolve o trabalho de muitos outros”(12).

Hegel também deduz o progresso técnico da dialética da universalização do


trabalho. Sua discussão sobre ferramentas e máquinas nesse sentido é
levada aos detalhes por Adam Smith. A realidade então alemã,
especialmente naquelas partes da Alemanha que Hegel conhecia por sua
própria experiência, não deu nenhuma razão para esse conhecimento
econômico. Nesses assuntos, ele se baseou quase inteiramente em seu
conhecimento de literatura sobre a Inglaterra e a economia política inglesa.
Sua contribuição pessoal aqui é que ele eleva a dialética revelada por ele em
assuntos econômicos a um nível filosófico consciente.

O movimento de mão dupla, de acordo com Hegel, no homem, na questão


do trabalho e na ferramenta do trabalho, é expresso, por um lado, na
crescente divisão do trabalho, na formação desse trabalho cada vez mais
abstrato, por outro, em um conhecimento cada vez mais profundo das leis.
natureza, no desejo do homem de fazer a natureza funcionar para si. Hegel
sempre enfatiza com muita energia a conexão entre a divisão do trabalho
usada nessa divisão do trabalho humano e o progresso técnico. Ele, por
exemplo, a seguir mostra a necessidade de máquinas: "(...) ele (ou seja,
homem. - G. L.) o trabalho se torna completamente mecânico ou pertence a
alguma certeza simples; mas quanto mais abstrato o último se torna, mais ele
(o indivíduo) é apenas atividade abstrata e, graças a isso, ele é capaz de se
retirar do trabalho (processo) e colocar a atividade de natureza externa no
lugar de sua atividade. Ele precisa apenas de movimento, e o encontra na
natureza externa, ou o movimento puro é precisamente a relação de formas
abstratas de espaço e tempo - atividade externa abstrata, máquina”(13).

Hegel, no entanto, é discípulo de Adam Smith e do professor Smith


Ferguson, não apenas como economista, mas também como humanista. Isso
significa que ele, por um lado, descreve objetivamente o desenvolvimento,
procura revelar plenamente a dialética subjetiva e objetiva desse
desenvolvimento, vendo nesse movimento não apenas uma necessidade
abstrata, mas também um momento necessário no progresso da
humanidade. Por outro lado, ele não fecha os olhos para a influência
destrutiva que cria a divisão capitalista do trabalho, a produção de
máquinas. No entanto, ele não descreve essas características da divisão
capitalista do trabalho como os "lados ruins" do capitalismo, como os

356
economistas românticos, como algo que pode ser melhorado ou eliminado
pela conquista de um capitalismo "ausente". Pelo contrário, Hegel vê
claramente nas palestras de 1805/06. Hegel também fala de um movimento
em direção à universalidade, resultante da divisão do trabalho, da
introdução de ferramentas e máquinas. Ele primeiro mostra o processo
dialético: como na sociedade a ingenuidade de um indivíduo leva a um
aumento no nível geral, a um maior grau de desenvolvimento da
universalidade do trabalho: "Comparado à mestria universal, o indivíduo se
considera especial, separado do universal e mais qualificado do que outros,
inventa ferramentas mais adequadas; no entanto, o que é verdadeiramente
universal em sua habilidade é encontrar o Erfindung do universal; e outros o
estudam, removem sua peculiaridade e tornam-se universais Tatus". Assim,
em um instrumento, a atividade de uma pessoa se torna algo universal e
formal, no entanto, "sua atividade permanece". Uma mudança qualitativa
ocorre apenas com o advento das máquinas. Agora Hegel descreve o efeito
da máquina no trabalho humano: "Na máquina, uma pessoa remove sua
atividade formal e dá-lhe completamente a oportunidade de trabalhar por
conta própria. No entanto, esse engano em relação à natureza, contra o qual
se opõe, se volta contra si mesmo. Quanto mais ganha subjugando a
natureza a si mesmo, mais insignificante ele se torna: forçando a natureza a
trabalhar através de várias máquinas, ele não elimina a necessidade de seu
próprio trabalho, mas apenas como se adiasse seu trabalho, o alienasse da
natureza mais sobre ele como uma vida selvagem ao vivo, e evita a vida
negativa, e trabalho, que continua a sua quota, é uma máquina, ele reduz o
trabalho apenas para o todo, mas não para o indivíduo, pelo contrário,
aumenta-lo, como”(14).

Para o período em análise, e especialmente para o alemão, esses


argumentos de Hegel constituem um nível extremamente alto de intuição da
essência do movimento capitalista. É impossível culpar Hegel pelo fato de
ele considerar o capitalismo como a única forma possível de existência da
sociedade e, portanto, ele identificou a função da máquina dentro da
estrutura da divisão capitalista do trabalho com a função do trabalho em
geral. Pelo contrário, deve-se enfatizar que Hegel encontrou aqui uma visão
ampla e abrangente que vemos entre os clássicos da economia política,
Smith e Ricardo: Hegel vê progresso no desenvolvimento de forças
produtivas, que traz consigo o capitalismo, a divisão capitalista do trabalho,
mas ao mesmo tempo ele vê e a desumanização inevitavelmente associada
da vida do trabalhador. Ele entende a inevitabilidade disso e, como um
grande pensador, não cai em lamentações românticas sobre isso. Por outro
lado, ele é um pensador sério e sincero o suficiente para ficar calado sobre
qualquer lado dessa contradição, para menosprezar seu papel em sua
apresentação.

357
Isso fica especialmente claro quando Hegel deduz a inevitabilidade do
empobrecimento das massas trabalhadoras da divisão social do trabalho sob
o capitalismo. Hegel expôs a base econômica desse processo na parte final
da citação que já citamos. Nas palestras de 1805/06 ele mostra o processo
de trabalho mais claramente. "Mas devido à abstração do trabalho [ele] ao
mesmo tempo [se torna] mais mecânico, sem graça, sem espírito. Espiritual,
essa vida autoconsciente realizada se torna vazia. O poder do eu repousa na
amplitude da cobertura, e o último está perdido. Pode passar alguns tipos de
trabalho para a máquina". “Quanto mais formal seu próprio trabalho se
torna, seu trabalho estúpido o limita a um ponto, e o trabalho é ainda mais
perfeito, pois ele é unilateral (...) Igualmente imutável é a luta para
simplificar o trabalho, inventar novas máquinas, etc. - a habilidade de um
[indivíduo] separado é a possibilidade de preservar sua existência. Este
último está inteiramente sujeito ao jogo do acaso como um todo.
Consequentemente, muitas pessoas são sentenciadas ao trabalho
absolutamente estúpido, insalubre e desprotegida - trabalha em fábricas,
fábricas, minas, o que limita a habilidade e as indústrias que mantinham
uma grande classe de pessoas de repente secam devido à moda ou
barateamento, graças a invenções de outras pessoas. etc., para que toda
essa multidão caia na pobreza, não podendo evitá-la”(15). Em outro lugar,
Hegel brevemente, quase como um epigrama, formula claramente sua
observação: "Fábricas, fábricas baseiam sua existência precisamente na
pobreza de uma classe”(16).

Ele descreve aqui as relações sociais com sinceridade e destemor,


características dos grandes clássicos da economia política. O alto nível de
uma visão tão profunda, que na Alemanha parecia simplesmente
inacreditável, não sofre com o fato de Hegel frequentemente ter a ilusão de
que o governo e o estado podem intervir nesse curso inevitável de eventos.
Afinal, essas ilusões idealistas nele são sempre acompanhadas de uma
compreensão muito sóbria das fronteiras e possibilidades da intervenção do
Estado. Além disso, como já vimos, Hegel se opõe à excessiva
regulamentação estatal da vida econômica e social. E, no entanto, ele ainda
tem a ilusão de que as atividades do estado e do governo possam amenizar,
em alguns casos, o oposto de riqueza e pobreza e, acima de tudo, que, ao
contrário desses opostos, são capazes de manter um estado "saudável" da
sociedade burguesa como um todo. Teremos uma ideia mais clara disso se
citarmos uma passagem do Sistema de Moralidade, onde Hegel escreve:
"Essa destruição da moralidade própria e de outras pessoas deve ser
supremamente oposta pelo governo. Externamente, isso pode ser feito
diretamente, impedindo altos lucros, e se coagir parte dessa classe ao
trabalho de máquinas e fábricas e expô-la à crueldade, deve apoiar o todo
simplesmente na possível totalidade da vida para isso, diretamente através
da constituição do patrimônio em si”(17).

358
Essa mistura de compreensão profunda e verdadeira da natureza
contraditória do desenvolvimento capitalista e a ilusão ingênua da
possibilidade de oposição estatal e pública a partir de agora caracterizarão
todo o desenvolvimento de Hegel. Em A Filosofia do Direito, Hegel formula
as disposições que já citamos em um nível de abstração ainda mais alto. E
aqui suas ilusões mantêm o mesmo caráter, só agora, com base nos fatos da
emigração e da colonização, ele procura encontrar uma maneira possível de
preservar o desenvolvimento saudável da sociedade capitalista. Aqui ele
escreve: “Com a riqueza excessiva, a sociedade civil não é rica o suficiente,
ou seja, não possui riqueza suficiente para lidar com o excesso de pobreza e
o surgimento de uma multidão”(18).

Assim, a sociedade capitalista se torna aos olhos de Hegel um todo objetivo,


movendo-se de acordo com suas próprias leis. No "Sistema de Moralidade",
Hegel fala da estrutura econômica da sociedade (em seu linguajar - o
sistema de necessidades): "Nesse sistema, o governo aparece como um todo
inconsciente, cego de necessidades e tipos de satisfação ... Esse todo não se
encontra na esfera do incognoscível, e em extensas relações consideradas
em massa. A possibilidade de cognição existe porque o valor, universal,
deve ser resumido completamente a partir de átomos, em relação a espécies
individuais que, desse modo, formam componentes que distinguem apenas
um grau ... Devido à natureza, é claro, com ligeiras flutuações, o equilíbrio
exato é mantido; se, no entanto, for violado sob a pressão de circunstâncias
externas(19). Hegel, portanto, considera a economia capitalista como um
sistema que se move em sua própria dinâmica, que remove os seus próprios
"obstáculos". Escusado será dizer que Hegel considera (1801) esses
obstáculos como causados por "circunstâncias externas", mas não como
crises decorrentes da dialética do desenvolvimento capitalista.

Nesse auto-movimento, o sistema de atividades humanas, os objetos que


dirigem essa atividade e, por sua vez, são movidos por ela, o novo conceito
hegeliano de alienação que já observamos assume uma forma concreta. Em
suas palestras dos anos de 1803/04 Hegel descreve o auto-movimento desse
sistema de pessoas e coisas da seguinte forma: "Esse trabalho diversificado
de necessidades, pois as coisas devem realizar seu conceito, sua abstração;
seu conceito universal deve ser uma coisa que é ela mesma, mas que
representa universal. O dinheiro é esse material , o conceito existente, a
forma de unidade ou capacidade de todas as coisas relacionadas às
necessidades. A necessidade e o trabalho, incorporados a essa
universalidade, formam um sistema monstruoso de comunidade e interação
entre um grande número de pessoas meu vício, que por si só move a vida
das coisas mortas, a vida apressando-se cegamente e espontaneamente de
um lado para o outro e, como um animal selvagem que precisa de domador
constante e rigoroso e refrear”(20).

359
Essa vida auto-móvel em Hegel aparece como uma nova forma de
positividade, alienação (Entäußerung). O trabalho não apenas torna uma
pessoa uma pessoa, não é apenas a causa do surgimento de uma sociedade
com sua diversidade ilimitada e um sistema único, mas também transforma
o mundo do homem que se tornou "externo" para ele, em um mundo
"alienado". É aqui que, quando temos a oportunidade de considerar o
conceito hegeliano de alienação no material original, nas relações
econômicas, a natureza dupla da alienação (Entäußerung) é especialmente
visível. Enquanto o antigo conceito de positividade enfatizava unilateral e
rigidamente o lado morto e alienígena dessas relações, na convicção de
Alienação (Entäußerung) Hegel se expressa que o mundo da economia, que
domina o homem, no poder do qual um indivíduo é abandonado, em
essência é ao mesmo tempo um produto da própria pessoa. Nesta dupla
face reside o pensamento profundo e fecundo da alienação (Entäußerung).
Graças a essa dualidade, o conceito hegeliano poderia se tornar a base e o
foco da forma mais alta de dialética no desenvolvimento do pensamento
burguês.

Nessa dupla face, porém, reside o perigo idealista e as limitações da filosofia


hegeliana. O grande realismo e sobriedade de Hegel tornam possível aderir
a esse conceito na análise da sociedade burguesa e seu desenvolvimento e
aumentar a consciência de suas contradições ao nível da dialética
consciente. Apesar de certos pontos ilusórios, ele interpreta esse
desenvolvimento de maneira muito realista, para que não haja dúvida de
remover a alienação (Entäußerung) dentro da estrutura da sociedade
capitalista. No entanto, como mostramos com mais detalhes ao considerar a
"Fenomenologia do Espírito", o conceito de alienação de Hegel
(Entäußerung) passa por uma universalização adicional, para que possa ser
removido novamente e transferido para o sujeito. Do ponto de vista social, o
pensamento de Hegel não penetra nos limites do capitalismo de uma
sociedade verdadeira. Portanto, sua doutrina social não conhece,
respectivamente, nenhuma utopia. Contudo, a dialética idealista transforma
todo o desenvolvimento da humanidade em uma enorme utopia filosófica: o
sonho filosófico do retorno da alienação (Entäußerung) ao sujeito, a
transformação da substância no sujeito.

Hegel descreve esse processo de alienação de maneira muito simples e


vívida em suas palestras de 1805/06. “A) No trabalho de parto, faço-me
diretamente uma coisa, uma forma que está sendo; b) também alieno o meu
ser existente, faço-o algo estranho para mim e me mantenho nele”(21). O
raciocínio de Hegel diz respeito à troca. E na citação anterior, o dinheiro
desempenha um papel crucial. Assim, no estudo das visões de Hegel sobre a
essência da sociedade capitalista e as leis de seu movimento, chegamos às
categorias de economia política de um nível superior: troca e bens, valor,
preço e também dinheiro.
360
E nessas questões, Hegel se mantém fundamentalmente no ponto de vista
da doutrina econômica de Smith. Contudo, pelas críticas de Marx a Smith,
sabemos que é aqui que as contradições internas do famoso economista
aparecem de uma forma mais óbvia do que em sua análise do trabalho e da
divisão do trabalho. Não é preciso dizer que, ao mesmo tempo, a
dependência de Hegel de Smith na economia política não lhe dá vantagens
como quando considera o trabalho e a divisão do trabalho. Na Alemanha
então não havia capitalismo economicamente real que daria a Hegel a
oportunidade - com observação e estudo independentes desse capitalismo -
de assumir uma posição crítica em relação a Adam Smith na análise dessas
categorias. Portanto, a grandeza de Hegel reside precisamente em que, do
ponto de vista da ciência econômica, ele não se conecta à realidade da
Alemanha atrasada e que a linha principal de sua análise de categorias
econômicas não reflete as condições econômicas da Alemanha, mas é uma
tentativa de generalizar filosoficamente o mentalmente adquirido por ele
durante a leitura das condições em inglês. Hegel às vezes segue servilmente
essas categorias mais desenvolvidas, mais complexas e cheias de
contradições da ciência econômica burguesa, não sendo capaz de
reconhecer substantiva e concretamente suas contradições, penetrar em sua
natureza e subir ao nível da dialética; em parte, ele é forçado a recorrer a
observações e, de acordo com isso, e na esfera do pensamento, avançar no
nível do desenvolvimento econômico da Alemanha atrasada na época. mas
é uma tentativa de generalização filosófica do mentalmente adquirido por ele
durante a leitura das condições em inglês. Hegel às vezes segue servilmente
essas categorias mais desenvolvidas, mais complexas e cheias de
contradições da ciência econômica burguesa, não sendo capaz de
reconhecer substantiva e concretamente suas contradições, penetrar em sua
natureza e subir ao nível da dialética; em parte, ele é forçado a recorrer a
observações e, de acordo com isso, e na esfera do pensamento, avançar no
nível do desenvolvimento econômico da Alemanha atrasada na época. mas
é uma tentativa de generalização filosófica do mentalmente adquirido por ele
no decurso da leitura das condições inglesas. Hegel às vezes segue
servilmente essas categorias mais desenvolvidas, mais complexas e cheias de
contradições da ciência econômica burguesa, não sendo capaz de
reconhecer substantiva e concretamente suas contradições, penetrar em sua
natureza e subir ao nível da dialética; em parte, ele é forçado a recorrer a
observações e, de acordo com isso, e na esfera do pensamento, avançar no
nível do desenvolvimento econômico da Alemanha atrasada na época,
penetrar em sua natureza e subir ao nível da dialética.

Essa posição se manifesta claramente nas mais diversas considerações


econômicas de Hegel. E o mais claro é que ele, o pensador que entendeu
tão corretamente e dialeticamente o significado da revolução industrial na
Inglaterra - e tivemos a oportunidade de vê-lo - ao expor realisticamente as

361
condições econômicas, toma o comércio e o comerciante como figuras
centrais do desenvolvimento capitalista. Mesmo onde Hegel fala muito
corretamente sobre a concentração de capital, onde entende sua
necessidade absoluta de um sistema capitalista, ainda lhe parece ser uma
concentração de capital comercial. "A riqueza, como qualquer massa, torna-
se poder. O acúmulo de riqueza ocorre em parte por acaso, em parte de
maneira universal, por distribuição. [Riqueza] é um ponto de atração que
reúne em torno de si tudo o que cai em seu campo de ação”(22). Este lugar é
dado por quase todos. Contudo, dos outros julgamentos de Hegel,
especialmente daqueles examinados abaixo, de suas declarações sobre a
estrutura de classes sociais da sociedade, segue-se claramente que, quando
ele fala sobre concentração e grande capital, Hegel constantemente significa
negociar capital. Assim, por exemplo, no "Sistema de Moralidade", ele
chama o estado comercial de "o momento mais alto da universalidade"(23) na
vida econômica. Esses julgamentos dificilmente surpreenderão ninguém se
lembrarmos que, na Alemanha, na época, o maior ramo da indústria, a
indústria de tecelagem, era organizado principalmente de acordo com o
sistema de hipotecas.

Por esses motivos, Hegel frequentemente encontra muitas flutuações e


ambiguidades na definição de categorias econômicas fundamentais,
especialmente a categoria de valor. Hegel nunca entendeu o momento
decisivo na teoria clássica do valor, a saber, a exploração do trabalhador na
produção industrial. Isso inclui as críticas já citadas por Marx de que Hegel
considera na ciência econômica clássica os aspectos positivos, mas não
negativos, do trabalho. Ele deixa claro o fato social da antítese entre riqueza
e pobreza. No entanto, esse oposto foi observado por muitos publicitários
ingleses e franceses progressistas mesmo antes dele, e eles também não
tinham ideia da teoria do valor do trabalho.

Essa ambiguidade é observada na definição de Hegel do próprio conceito de


valor. Ele flutua em uma direção ou outra entre sua subjetividade e
objetividade, sem tomar nenhuma decisão final. Assim, em suas palestras
posteriores, encontramos afirmações subjetivistas: "Custo é minha opinião
sobre uma coisa"(24). E isso é escrito por Hegel, que no mesmo trabalho,
como nos escritos anteriores, deu definições, das quais se segue claramente
que ele busca entender o valor como uma categoria econômica objetiva.
Então, ele já diz no Sistema de Moralidade que a essência do valor consiste
na igualdade de uma coisa para outra: "... a abstração dessa igualdade de
uma coisa com outra, unidade e lei concretas é valor; além disso, o valor em
si é a igualdade como abstração, medida ideal; a medida empírica
encontrada na realidade é o preço”(25).

Essas ambiguidades e flutuações, bem como a confusão de categorias


econômicas e jurídicas, que pudemos ver na citação acima e que

362
examinaremos com mais detalhes abaixo, não impedem Hegel de seguir
seriamente todos os dialetos da dialética objetiva e subjetiva, universal e
especial. Com isso, ele confere às categorias econômicas uma mobilidade
dialética, que entre os clássicos da ciência econômica estava presente apenas
objetivamente ou, usando a terminologia de Hegel, apenas "em si", mas não
"para nós". Somente no engenhoso artigo dos jovens Engels nos “Anuários
Alemão-Francês” a construção dialética e a conexão dialética das categorias
econômicas reaparecem - após 40 anos; é claro, agora economicamente e
filosoficamente em um nível de entendimento completamente diferente.

Hegel, por exemplo, analisa a troca e diz o seguinte: “Um conceito como
auto-móvel, destruindo-se pelo seu oposto, aceitando outro, oposto ao invés
do anterior, e além disso, determina que o anterior seja ideal, e o que chega
agora é real ... aqueles ideais que, de acordo com sua natureza, são os
primeiros e ideais na prática antes do uso, a mistura entre si é dupla ou até
uma simples repetição de si mesmos. Para um objeto universal, excesso e,
em seguida, também especial no consumo são pelo lado material do objeto,
mas as duas formas são, inevitavelmente, a sua repetição, no entanto, o
conceito é a própria essência da transformação ... e sua absoluta -. a
identidade do contrário ...”

A dialética das categorias econômicas é muito mais claramente expressa


quando se considera dinheiro, e o leitor pode se convencer de outro
exemplo de quão forte a estrutura econômica de Hegel da sociedade
capitalista encontra sua expressão mais alta no comércio. Hegel escreve
sobre o papel do dinheiro: "Todas as necessidades são combinadas nesta. A
coisa da necessidade tornou-se apenas imaginada, não para consumo. A
coisa aqui, portanto, é algo que é significativo apenas de acordo com o seu
valor, não está mais em si mesma, ou seja, [não] Isso é algo exclusivamente
interno. A mentalidade da propriedade mercantil é, portanto, um
entendimento racional da unidade da essência e da coisa: uma pessoa tem
tanta realidade quanto dinheiro. uma coisa, custo - moeda. Existe um
princípio formal da razão. (Mas o dinheiro, que tem o significado de todas as
necessidades, é por si só uma coisa imediata) - eles são uma abstração de
qualquer particularidade, caráter ou habilidade de um indivíduo
<indivíduo>. O humor [do comerciante] é a insensibilidade do espírito, pela
qual o direito exato é significativo [apenas] e tudo que é especial, sendo
alienado, não importa. Deixe tudo morrer: família, bem-estar, vida, etc., mas
a conta deve ser paga - perfeita falta de coração. Fábricas, fábricas baseiam
sua existência precisamente na pobreza de uma classe. O espírito, portanto,
tornou-se um objeto para si mesmo em sua abstração como um auto-
privado interno do eu. Mas esse interno é o próprio eu e essa é a própria
existência do interior, não como morto Eu: dinheiro, ele mesmo modo sou
eu” (Mas o dinheiro, que tem o significado de todas as necessidades, é por si
só uma coisa imediata) - eles são uma abstração de qualquer
363
particularidade, caráter ou habilidade de um indivíduo. O humor [do
comerciante] é a insensibilidade do espírito, pela qual a lei [única] exata é
significativa e tudo o que é especial, sendo alienado, não importa. O espírito,
portanto, tornou-se um objeto para si mesmo em sua abstração como um
auto-privado interno do eu. Mas esse eu interior é o Eu, e esse Eu é a
própria existência mesma. A aparência do interior não é uma coisa morta:
dinheiro; ele também é eu"(26). Apesar da obscuridade de alguns lugares
nesta exposição, Hegel expressou aqui dois pensamentos que têm um
significado profundo e progressista. Primeiro, Hegel está em um nível
significativamente mais alto de penetração na essência do dinheiro do que
muitos economistas ingleses do século XVIII. (por exemplo, Hume), que não
viam a objetividade do dinheiro, sua realidade como “coisas”, como Hegel
disse, mas via nelas apenas uma atitude. Em segundo lugar, aqui, como em
muitos outros lugares, fica claro que Hegel pelo menos adivinha um
problema que Marx chamará mais tarde de fetichismo. Ele enfatiza
claramente a objetividade, a materialidade do dinheiro, mas ao mesmo
tempo vê claramente que a essência última deles é, no entanto, uma relação
pública das pessoas. O fato de essas relações sociais aparecerem em uma
mistificação idealista (o Eu), em nada diminui a genialidade desta
adivinhação, das conexões verdadeiras, o que nos mostra a plena luz, o
modo como se relacionam, em Hegel, inseparavelmente grandeza e
limitações.

(1) Marx, K, Engels, F. Obras 2ª ed. Tomo 42, p. 159. (retornar ao texto)

(2) Kant, I. Tomo 6, p. 12 (retornar ao texto)

(3) Marx, K, Engels, F. Obras 2ª ed. Tomo 42, p. 158-159. (retornar ao


texto)

(4) Hegel, Trabalhos políticos, p. 299. (retornar ao texto)

(5) Hegel, Obras de diferentes anos. Tomo 1 p. 306 (nota de rodapé).


(retornar ao texto)

(6) Hegel, Trabalhos políticos, p. 278. (retornar ao texto)

(7) Hegel, Obras de diferentes anos. Tomo 1 p. 305-306. (retornar ao texto)

(8) Loc cit, p. 294 (nota de rodapé). (retornar ao texto)

(9) Hegel, Erste Druckschriften, p. 405. (retornar ao texto)

364
(10) Hegel, Composições, Tomo IV, p. 103. (retornar ao texto)

(11) Loc cit, p 104-105. (retornar ao texto)

(12) Hegel, Obras de diferentes anos. Tomo 1 p. 323-324. (retornar ao


texto)

(13) Loc cit, Tomo 1, p. 325. (retornar ao texto)

(14) Hegel, Jenenser Realphilosophie, Tomo 1 p. 237. (retornar ao texto)

(15) Hegel, Obras de diferentes anos. Tomo 1 p. 343-344. (retornar ao


texto)

(16) Loc cit, p. 369. (retornar ao texto)

(17) Hegel, Trabalhos políticos, p. 360. (retornar ao texto)

(18) Hegel, Obras, Tomo VII p. 255. (retornar ao texto)

(19) Hegel, Trabalhos políticos. p. 356 - 357. (retornar ao texto)

(20) Hegel, Jenenser Realphilosophie, p. 239. (retornar ao texto)

(21) Hegel, Obras de diferentes anos. Tomo 1 p. 327. (retornar ao texto)

(22) Hegel, Obras de diferentes anos. Tomo 1 p. 344. (retornar ao texto)

(23) Hegel, Trabalhos políticos. p. 340. (retornar ao texto)

(24) Hegel, Obras de diferentes anos. Tomo 1 p. 328. (retornar ao texto)

(25) Hegel, Trabalhos políticos. p. 299-300. (retornar ao texto)

(26) Hegel, Obras de diferentes anos. Tomo 1 p. 368-369.

365
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo III – Fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Iena, 1801-


1804)
6 — O trabalho e o problema da teleologia

Antes de prosseguir com uma análise mais detalhada das visões econômicas
de Hegel, devemos considerar um problema de significado especial que
desempenhou não apenas um papel decisivo na filosofia clássica alemã, mas
também relacionado àqueles momentos em que, como Lenin mostrou,
Hegel se tornou o precursor materialismo histórico. Observamos também
que, ao considerar esta questão para a história da filosofia, é especialmente
importante que a formulação nova e proveitosa da questão de Hegel não
tenha surgido acidentalmente de seus estudos sobre os problemas da
economia moderna.

Aqui queremos dizer o problema da teleologia, a definição correta da


categoria de finalidade exatamente como a categoria de prática, atividade
humana. E nesse assunto a decisão final foi dada por Marx. Ele define a
essência do trabalho humano da seguinte maneira: "Assumimos o trabalho
de uma forma em que é propriedade exclusiva do homem. Uma aranha
realiza operações semelhantes às operações de um tecelão, e uma abelha
pela construção de suas células de cera envergonha alguns arquitetos. Mas o
pior arquiteto é melhor que a melhor abelha desde o início é diferente: antes
de construir a célula a partir da cera, ele já a construiu em sua cabeça. No
final do processo de trabalho, obtemos o resultado que já estava presente
(...). A pressão humana, ou seja, o homem ideal não só muda a forma que é
dada pela natureza, na verdade essa ideia, no entanto, não diz respeito
apenas ao processo de trabalho”(1).

Marx não o limita à estrutura do metabolismo entre o homem e a natureza,


mas a aplica a toda a esfera da prática humana, especialmente a toda a
esfera da atividade econômica humana. Vamos dar aqui apenas mais um
exemplo, mais característico. Sobre a relação entre produção e consumo,
Marx diz o seguinte: "O consumo cria atração pela produção; também cria
aquele objeto que, como objetivo, atua decisivamente no processo
produtivo. E se é claro que a produção entrega o objeto ao consumo na sua
forma atual, então é claro que o consumo considera o sujeito da produção
idealmente como uma imagem interna, como uma necessidade, como uma
atração e como uma meta"(2).

366
Na filosofia dos tempos modernos, o problema do propósito permaneceu
completamente inexplicável. O idealismo filosófico, que era desconhecido da
natureza humana da definição de objetivos, projetou o objetivo na natureza
e procurou o "portador" do estabelecimento de metas - e o encontrou em
Deus. Foi Deus quem criou o mundo, e era aconselhável, direto ou indireto,
cuidar de que os objetivos estabelecidos por ele fossem realizados tanto na
natureza como na sociedade. Engels zombou justificadamente de tais
afirmações da pergunta: "O pensamento generalista mais alto, para o qual
surgiram as ciências naturais do período em questão (até o século XVIII - G.
L.), esta é a ideia da conveniência das ordens estabelecidas na natureza, a
teleologia vulgar de Wolf, segundo a qual os gatos foram criados para
devorar ratos, os ratos a serem devorados por gatos e toda a natureza para
provar a sabedoria do criador. Deve ser reconhecido como o maior mérito
da filosofia da época, que, apesar das limitações do conhecimento moderno
em ciências naturais, não se confundiu que, de Spinoza aos grandes
materialistas franceses, tentou persistentemente explicar o mundo por si
mesmo, fornecendo uma justificativa detalhada para essa ciência natural do
futuro"(3).

De fato, pensadores proeminentes da nova época travaram uma luta feroz


contra esse conceito de teleologia. No entanto, essa controvérsia de maneira
muito direta e consistente levou à rejeição incondicional e completa de
qualquer conceito de objetivo em geral. Eles acreditavam corretamente que
qualquer posicionamento da finalidade é algo subjetivo, algo humano, mas
os pensadores da Idade Moderna implicavam na subjetividade de uma
forma ruim, não aceitável de nenhum ponto de vista. A completa
incompatibilidade dos princípios de causalidade e teleologia para o
pensamento metafísico, mesmo para o primeiro, que ainda estava à beira de
tentativas de pensamento dialético, deveria ter levado ao fato de que,
juntamente com a negação geralmente justificada das alegações de falsa
teleologia objetivísta, eles rejeitaram toda a teleologia em geral. Assim, por
exemplo, Hobbes escreve: "O motivo da finalidade só pode ser discutido,
quando eles significam aquelas coisas que têm sentimentos e vontade. No
entanto, como mostraremos mais adiante, a causa final não passa de uma
causa válida”(4).

Hobbes reduz muito corretamente a relações causais tudo o que acontece,


todo evento humano. Ele ignora apenas que o estabelecimento de
finalidades ocupa um lugar especial nessa ligação. A posição de Spinoza
sobre esse assunto está muito próxima de Hobbes: “Também exige um
pouco de mostrar que a natureza não pretende objetivos para si mesma e
que todas as causas finais são apenas invenções humanas (...). Vou
acrescentar apenas a isso que a doutrina do objetivo acima mencionada
perverte completamente a natureza. Ela olha o que realmente constitui a

367
causa como uma ação e vice-versa; além disso, o que precede por natureza,
torna subsequente (...)"(5).

Claro, Spinoza vê claramente que os objetivos desempenham um papel


importante na atividade humana. No entanto, assim como Hobbes, ele vê
isso apenas como uma aparência subjetiva, e uma afirmação correta sobre o
domínio da causalidade também leva à abolição dessa dialética especial da
atividade humana, que mais tarde foi descoberta e formulada corretamente
por Marx. Spinoza diz o seguinte sobre as pessoas: "Portanto, como a
natureza não existe para nenhum propósito, ela não age para nenhum
propósito; mas por sua existência e por sua ação, não tem princípio ou
propósito. A razão, chamada final, não há nada além da própria atração
humana, uma vez que é considerada o princípio ou a causa inicial de uma
coisa, por exemplo, quando dizemos que a habitação era a causa final de
uma ou outra casa, então, é claro, com isso queremos dizer apenas que uma
pessoa, como resultado de imaginar o conforto da vida em uma habitação,
teve o desejo de construir uma casa. Portanto, a habitação, uma vez que é
considerada a causa última, nada mais é do que uma atração separada, que
de fato constitui a causa produtora, que é vista como a última porque as
pessoas geralmente não sabem as razões de suas pulsões”(6). É fácil ver que
a fraqueza dessas magníficas explicações reside no fato de Spinoza,
insistindo na necessidade causal da atração humana, esquecer a dialética
específica da definição de objetivos no trabalho, vendo isso também em uma
atração causalmente provocada pelo trabalho.

Na filosofia clássica alemã, os problemas da teleologia, como várias outras


questões importantes da filosofia, são colocados de uma nova maneira e há
certo novo movimento de pensamento na direção da dialética e em um nível
relativamente superior. Esse movimento remonta a Kant. De várias formas,
coloca um novo problema para a teleologia. No entanto, como tentaremos
mostrar em breve, essas formulações kantianas da questão não estão
diretamente relacionadas à virada que Hegel fez no problema da teleologia.
No entanto, nos voltamos para essa afirmação kantiana da questão, pelo
menos historicamente. Em parte, devemos fazer isso porque, com novos
materiais, poderíamos refutar essas novas construções históricas e filosóficas
cujos autores veem nos ensinamentos de Hegel nada mais que uma
implementação consistente do que Kant já havia começado ao mesmo
tempo; em parte porque voltar a essa questão nos mostrará novamente tudo
o que no problema da teleologia poderia influenciar direta ou indiretamente
a virada que Hegel fez. Pois somente quando abandonamos decisivamente a
essência não científica e obscurecedora do problema, o método de
considerar toda a filosofia alemã clássica como um todo indiferenciado,
apenas nesse caso é garantido que não vamos ao outro extremo, alegando
que Hegel trabalhou filosoficamente no espaço sem ar e ele resolveu todos
os problemas sozinho e resolveu-os da melhor maneira possível que pode.
368
Em Kant, em ligação com o problema da teleologia, encontramos três
afirmações diferentes do problema e, antes de prosseguir com sua
caracterização, notamos primeiro que Kant se opõe à antiga teleologia da
mesma maneira que todos os outros filósofos significativos de seu tempo. E
embora seu mundo objetivo se transforme em um mundo de fenômenos
sozinho, de acordo com seus pontos de vista, esse mundo de fenômenos é
completamente controlado pela causalidade e não há lugar para a teleologia.

O primeiro campo de conhecimento em que Kant reintroduz na filosofia o


conceito de objetivo é a esfera da atividade humana, a moralidade. A
aplicação do conceito de objetivo sofre dos mesmos erros de subjetividade e
abstração, sobre os quais já tínhamos uma ideia das críticas de Hegel. Kant,
ao considerar um objetivo, chega à ideia básica de que uma pessoa é, claro,
um fim em si mesma e que, sob nenhuma circunstância, deve ser
considerada um meio para qualquer outro propósito. Essa doutrina, e
posteriormente desenvolvida por Fichte de forma mais radical, é sem dúvida
um levante ideológico contra a atitude em relação ao homem que existia sob
o absolutismo feudal. Essa é a moralidade em que o clima do período da
Revolução Francesa se reflete da maneira idealista alemã. Objetivamente, no
entanto, essa teoria recria novamente o abismo intransponível entre o
homem e a natureza, entre adequação e início causal. Quando Kant e Fichte
são forçados a estabelecer, de alguma maneira, uma ligação entre o mundo
da pura moralidade e a realidade objetiva, eles obtêm, como Hegel apontou,
a mesma imagem da antiga teleologia, apesar do oposto de suas intenções
filosóficas. Hegel escreveu: "A velha teleologia, de fato, correlacionou a
natureza que existe na unidade, com os objetivos que estavam no tronco
desta unidade, de modo que cada unidade foi confiada em benefício de
outra (...). A teleologia de Fichte descreve o que nos parece como natureza,
como algo, existindo em benefício de outro, ou seja, a fim de liberar a esfera
e a arena para os seres livres para sua atividade, a fim de transformar essa
natureza em ruínas, acima da qual esses seres livres se elevariam para
cumprir seu propósito”(7). Pode valer a pena notar, a esse respeito, que
Hegel enfatiza os méritos de Voltaire em sua polêmica satírica contra a
teleologia antiga, reconhece a fecundidade da natureza empírica dessa crítica
como crítica ad hominem, que ridicularizou a mistura não filosófica de ideia
e fenômeno e teleologia antiga. Ele contrasta satiricamente essa imagem
antiga da teleologia com outra imagem semelhante.

Muito mais proveitosa para o desenvolvimento da filosofia foi a segunda


tentativa de Kant de encontrar a aplicação correta, baseada na prática
humana, do conceito de objetivo. Todas as visões estéticas de Kant deste
período são caracterizadas por sua justificação estética, a definição de uma
obra de arte como "finalidade sem propósito". Schiller desenvolve essa ideia
em direção ao idealismo objetivo. Essa ideia era um centro metodológico da
estética de Schelling e também teve forte influência na estética de Hegel,
369
reconhecida pelo próprio Hegel. Uma análise mais detalhada dessa questão
está além do escopo deste trabalho (nos livros Goethe e Sua Época,
Contribuição à história da estética, eu já considerei esse lado da estética de
Schiller, embora apenas na forma de breves julgamentos).

Finalmente, Kant, em sua Crítica da faculdade de julgar, na qual delineou


sua estética, tentou expandir o problema da teleologia em toda a sua
extensão. Aqui, seus principais esforços visam dar uma definição filosófica
de vida orgânica. Kant enfrentou a seguinte antinomia: por um lado, ele
adere firmemente ao ponto de vista do domínio absoluto na natureza da
causalidade. E como a causalidade e a teleologia são mutuamente
excludentes, estas devem ser superadas dos meios pelos quais explicamos a
natureza. Por outro lado, a nova ciência emergente da vida orgânica levanta
questões em cuja solução o velho aparato conceitual do mecanismo acaba
se tornando inaplicável. É claro que Kant não conseguia ver uma saída da
crise da ciência da vida orgânica. Além disso, ele absolutizou e avaliou a
incapacidade de encontrar essa saída e a classificou como as habilidades do
conhecimento limitadas de uma pessoa. Ele diz: "(...) seria ridículo as
pessoas pensarem nisso ou esperar que algum dia um novo Newton
apareça, que seja capaz de deixar claro a aparência de até uma folha de
grama, procedendo apenas das leis da natureza que não estão sujeitas a
nenhum propósito (...)”(8). Kant nem sequer percebeu que em apenas meio
século um "Newton" apareceria na pessoa de Darwin. Essa foi uma rejeição
teórica e epistemológica da capacidade de resolver filosoficamente o
problema da vida orgânica, de acordo com o fato de que Kant, em todas as
suas tentativas de esclarecer todas as novas formações conceituais das leis
internas das formações orgânicas, não se atreva a ir além da forma de uso
"regulatório" da capacidade de julgamento. Em relação ao que Kant chama
de realidade objetiva, ele aplica categorias de causalidade mecânica, que
considera "constitutivas" (isto é, segundo Kant, que determinam o sujeito).

Apesar dessa decisão agnóstica, apesar da absolutização das habilidades


epistemológicas humanas em geral, a Crítica da Faculdade de Julgar mostra
claramente como a passagem para a dialética está sendo preparada, como
os problemas centrais da dialética são posicionados, embora não de forma
adequada. E se Kant diz que esses problemas são inatingíveis para a
epistemologia humana, ele observa as limitações do pensamento metafísico
e, em parte, também da dialética idealista. Kant justifica a provisão apenas
na aplicação "regulatória" da categoria de finalidade da seguinte forma: "(...)
entre o mecanismo da natureza e a técnica da natureza, isto é, a ligação-alvo
nele, não encontraríamos diferença se nossa razão não estivesse assim, que
do geral ele deve ir ao particular e que, portanto, o poder do julgamento não
pode conhecer nenhuma conveniência em relação ao particular - portanto,
ele não pode emitir julgamentos definitivos sem uma lei geral sob a qual
possa trazer o especial. E como o especial, como tal, com relação ao geral,
370
contém algo aleatório, e o espírito, estabelecendo uma ligação entre as leis
particulares da natureza, requer, contudo, unidade, portanto, a lei da
[medida] (e a lei [medida] do aleatório é chamada adequação), e como é
impossível derivar leis particulares de leis gerais com relação ao que é
aleatório nelas, a priori através da definição do conceito de um objeto, o
conceito de conveniência da natureza em seus produtos será necessário para
a capacidade humana de fazer julgamentos sobre a natureza, mas não com
relação à definição dos próprios objetos pelo conceito, portanto, Kant
contrasta essa capacidade de conhecer humana, essa razão discursiva, pela
qual o especial, resumido no geral, preserva o caráter de aleatoriedade
irremovível, a ideia de outra razão possível.”(9).

Essa razão possui "espontaneidade completa da contemplação", é "razão


intuitiva (...) que não vai do geral ao particular e vai além do indivíduo
(através de conceitos) e para a qual não há chance dessa coincidência da
natureza em seus produtos com a razão de acordo com as leis privadas"(10).
Consequentemente, Kant formula aqui a ideia de uma forma especial de
razão, certo arquétipo de intellectus, com uma restrição categórica de que
isso é apenas uma "ideia" e que esse modo de conhecimento é inatingível
pela razão humana.

É claro que um programa já foi dado aqui para ir além do pensamento


metafísico. E os destacados pensadores da Alemanha, sobretudo Goethe e
Schelling, aceitaram entusiasticamente esse programa, não prestando muita
atenção ao que Kant disse sobre a inatingibilidade desse método de
conhecimento, sobre as fronteiras do conhecimento humano.

Uma declaração de como esse novo método influenciou as ciências naturais


alemãs, Goethe e Schelling, novamente vai além do escopo deste trabalho.
Sem dúvida, essa questão está intimamente ligada ao movimento filosófico,
inspirado por Goethe e Schelling e que surgiu claramente sob a influência da
“Crítica da faculdade de julgar” kantiana. A solução da questão da
originalidade de Hegel nessa área exigiria um estudo especial. No entanto,
não há dúvida de que Engels, que em outros aspectos distingue nitidamente
os ensinamentos de Kant e Hegel, os considera juntos na questão do
objetivo interno. Polemizando contra Ernst Haeckel contrastando
rigidamente com mecanismo e teleologia, Engels escreveu: “Já em Kant e
Hegel, o objetivo interno significa um protesto contra o dualismo. O
mecanismo aplicado à vida é uma categoria desamparada; na melhor das
hipóteses, podemos falar sobre química se não queremos nos separar
completamente do significado das palavras (...). O objetivo interno do corpo
se abre, de acordo com Hegel, um caminho através da atração. Forte de pas
trop. A atração deve, segundo Hegel, trazer um ser vivo separado, mais ou
menos em harmonia com seu conceito. A partir disso, fica claro o quanto

371
esse objetivo interno é uma definição ideológica. E o mesmo é a essência de
Lamarck. "(11).

A partir deste resumo, deve ficar claro para o leitor que as ideias antigas e
bem estabelecidas sobre o oposto de causalidade e teleologia entraram em
movimento já no estágio pré-hegeliano de desenvolvimento do idealismo
clássico alemão. Agora, quando começamos a considerar a formulação
especificamente hegeliana da questão, não devemos perder de vista a
atmosfera geral do desenvolvimento do pensamento dialético e levá-la em
consideração. A nova formulação de teleologia de Hegel surge em relação
com o problema do trabalho. E é precisamente aí que Hegel começa a falar
sobre o uso de ferramentas pelo homem. Declaremos os pensamentos
hegelianos em sua forma mais madura a partir das palestras de 1805/06.

"[A consciência externa] também é o conteúdo, na medida em que é


desejável, e um meio de (satisfazer) a luxúria, certa possibilidade de tal
(satisfação). Na ferramenta ou na terra fértil e cultivada processada, possuo a
possibilidade, o conteúdo como conteúdo universal. Portanto, a ferramenta,
os meios são superiores ao objetivo da luxúria, o objetivo do indivíduo; a
ferramenta abrange toda a individualidade. Mas a ferramenta ainda não
possui atividade em si. É uma coisa inerte, não volta a si mesma. Eu
também preciso trabalhar com isso. Coloquei um truque entre mim e a coisa
exterior para me poupar, cobrir minha certeza e usá-la (uma ferramenta). Eu
permaneço a alma dessa conclusão, em relação ao instrumento, ela
permanece uma atividade. Mas economizo ao mesmo tempo apenas
quantitativamente, ainda esfregando meus calos. Fazer de mim uma coisa
ainda é um momento necessário; própria atividade, a motivação ainda não
está nas coisas. É necessário investir na ferramenta e na sua própria
atividade para torná-la amadora. Isso acontece de maneira que: a) a
ferramenta está tão entrelaçada com linhas, fios, que sua dupla face é usada
para fazê-la entrar nesse sentido. Passividade se transforma em atividade no
reforço da compatibilidade (atividade), b) Em geral, a própria atividade da
natureza - a elasticidade da mola do relógio, a força da água, o vento - é
usada de tal maneira que, em seu presente sensual, eles fazem algo
completamente diferente do que gostariam, [então] seus cegos fazendo
torna-se apropriado, em oposição a si mesmos: o comportamento racional
da natureza, leis - em sua existência externa. Nada acontece com a própria
natureza; os objetivos individuais do ser natural [se tornam] uma espécie de
universal. Aqui, o impulso está completamente sem trabalho. Permite que a
natureza sofra, observa com calma e com pouco esforço controla o todo - a
astúcia. O lado mais amplo do poder é atacado pelo final agudo do truque.
Para astúcia, é uma questão de honra aproveitar a força cega, por um lado,
para virar a última contra si mesma, atacá-la“(12). Aqui, nos campos, Hegel
atribuiu: "O vento, a poderosa corrente, os poderosos oceanos - subjugados,

372
arados. Não faça reverência diante dele (essa) é uma sensibilidade miserável
que se apega a uma única“(13).

Não é difícil ver a importância crucial desses argumentos de Hegel para a


filosofia. Uma análise concreta da dialética do trabalho humano remove de
Hegel a antítese antinômica da causalidade e da teleologia, mostrando que
lugar concreto o estabelecimento consciente de objetivos humanos leva
dentro de um relacionamento causal comum, sem destruí-lo e não
ultrapassá-lo, sem apelar a qualquer princípio transcendental - que, como já
dissemos vimos que era muito característico dos pensadores anteriores
conhecidos - sem perder no trabalho as definições específicas de
estabelecimento de metas.

O fato de que o estabelecimento de objetivos em si é determinado


causalmente - Espinosa prestou muita atenção a isso - é correto e auto-
evidente; no entanto, isso não supere, como pensava Spinoza, o caráter
específico da relação teleológica. Pelo contrário, o conhecimento disso nos
dá a oportunidade de identificar mais claramente a unidade dialética da
causalidade e o princípio do objetivo do trabalho. Além disso, o
conhecimento disso não escapou à atenção de Hegel, uma vez que seu
processo de trabalho começa com necessidades imediatas, e ele reduz todas
as melhorias no processo de trabalho, invariavelmente, por razões sociais e,
finalmente, por esforços humanos para satisfazer as necessidades
necessárias. A partir dessa conexão, segue-se claramente que o escopo e a
profundidade do conhecimento de uma pessoa sobre relacionamentos
causais na natureza são determinados pelos objetivos que uma pessoa define
a si mesma no processo de trabalho. O homem aprende cada vez mais
relações causais na natureza, a fim de forçar a natureza a trabalhar cada vez
mais por ele. Através da definição de objetivos, os objetos recebem uma
forma diferente e outras funções, forças da natureza - outras direções e
outras formas de manifestação de sua ação, em uma palavra, além das que
teriam sido sem intervenção humana em sua implantação espontânea e
espontânea. No entanto, essas novas funções de objetos e forças naturais
são, segundo Hegel, novas e ao mesmo tempo não-novas. O homem pode
usar para seus próprios propósitos "sua própria atividade da natureza", ele
não pode acrescentar nada à essência, às leis da natureza. No entanto, sua
intervenção também é lógica, extratos de definição de objetivos
determinados causalmente a partir desses padrões desconhecidos até agora
ou apenas por acaso, manifestando as possibilidades de ação. Assim, a
análise concreta de Hegel do processo de trabalho humano mostra que a
antinomia entre causalidade e teleologia é de fato uma contradição dialética,
na qual a regularidade da conexão real da própria realidade objetiva em seu
movimento, em sua constante reprodução.

373
É bastante óbvio que Hegel, filosoficamente, foi muito à frente em
comparação com seus antecessores. Ele deu o primeiro passo em direção a
um entendimento filosófico do real relacionamento e interação entre homem
e natureza. Kant e Fichte têm o dualismo abstrato nesta questão:
consideravam a natureza um campo passivo de atividade ou simplesmente
algo limitante da atividade humana. Por esse motivo, a própria atividade -
como Hegel falou uma vez de Fichte - se transforma nas "alturas puras e
nojentas" da moralidade abstrata. Nada poderia sair disso senão o "mau
infinito", o progresso sem fim.

Schelling, no entanto, fez uma tentativa de transformar as disposições


subjetivas da "Crítica do Juízo" em objetivas, mas ele faz isso apenas de
maneira direta, abstrata e declarativa, e ao mesmo tempo está parcialmente
envolvido nas redes de misticismo e permanece parcialmente dentro da
estrutura dos ensinamentos de Kant. Ele tenta apreender a unidade da
natureza e do homem através do pensamento de que ele próprio não é
desprovido de interesse nem profundidade filosófica: ele vê no Universo um
único processo de atividade no qual entre o homem e a natureza há apenas
uma diferença, a saber: a atividade da natureza é inconsciente, mas a
atividade humana é consciente. No entanto, a profundidade real (e a
limitação real) desse pensamento só pode ser revelada ao concretizar esses
dois tipos de atividade. Para Schelling, não havia possibilidade de
conhecimento científico da "produção inconsciente" da natureza. O que ele
não sabia, ele geralmente substituía por desenhos mais ou menos
espirituosos. Schelling nunca fez nenhuma tentativa de concretizar sua
compreensão da atividade consciente humana. O único tipo de atividade
humana que ele explorou verdadeira e compreensivamente foi a atividade
artística. Mas mesmo filosoficamente o serve apenas para encontrar uma
analogia mais ou menos aceitável para o misticismo da intuição intelectual.
Além disso, nesse assunto, ele nem vai além da estrutura do progresso sem
fim de Kant-Fichte. "A oposição entre atividades conscientes e inconscientes
é necessariamente infinita, pois”. Se fosse abolida,(14) nesse ponto da
teleologia de Schelling, Hegel poderia ter aplicado com muita calma suas
críticas contra os pontos de vista de Kant e Fichte.

Como costuma acontecer durante grandes reviravoltas na filosofia, essa


descoberta hegeliana também é bastante simples: toda pessoa que trabalha
instintivamente sabe que, tendo os meios e o objeto do trabalho, não pode
fazer nada além do que as leis objetivas desses objetos e suas combinações
lhe permitem; e que o processo de trabalho, portanto, nunca pode ir além
das relações causais das coisas. E cada descoberta humana pode consistir
apenas na divulgação de relações causais objetivas e na atração delas para o
processo de trabalho. E, como Marx e Hegel afirmam corretamente, a
natureza específica do estabelecimento de metas é que a ideia da meta esteja
presente antes que o próprio processo de trabalho seja acionado e que o
374
processo de trabalho exista para graças a uma análise mais precisa do
processo de trabalho, Hegel tem uma concretização real da prática humana
e da relação do homem com a natureza.

Enquanto os românticos com grande espírito lírico glorificavam a unidade do


homem com a natureza, Hegel, rejeitando incondicionalmente qualquer
"sentimentalismo miserável", explora a relação real. Nesta ocasião, Marx e
Engels escrevem em "A Ideologia alemã": a "notória" unidade do homem
com a natureza "sempre ocorreu na indústria, mudando em todas as épocas,
dependendo do maior ou menor desenvolvimento da indústria (...)"(15). Não
há dúvida de que os pontos de vista hegelianos examinados por nós
representam um avanço significativo no entendimento correto da atitude do
homem em relação à natureza.

A concretização dialética da atividade humana, expressa na teleologia


hegeliana do trabalho, mostra ao mesmo tempo os elos mediadores que
ligam a prática humana ao pensamento de progresso social. Em qualquer
conceito antigo de teleologia, surgem inevitavelmente hierarquias entre o
objetivo e os meios. A formulação metafísica da questão leva à sua oposição
brutal, e como o objetivo inevitavelmente tem um caráter "ideal", uma vez
que é inevitavelmente uma representação de alguma consciência, é
colocado acima dos meios em qualquer sistema idealista. A velha teleologia
era guiada abertamente por considerações teológicas, uma vez que Deus
sempre agia como portador de pensamentos sobre o objetivo. No entanto, o
idealismo subjetivo de Kant e Fichte não é capaz de contornar essa
armadilha.

Hegel, é claro, não argumenta contra o fato de que, para essa consciência
direta, o objetivo realmente está acima dos meios. Do ponto de vista da
espontaneidade, cada pessoa naturalmente quer satisfazer suas necessidades
e, portanto, cada tipo de trabalho, cada ferramenta parece, para a
consciência direta do homem, apenas um meio de atingir seu objetivo.
Hegel, no entanto, revela uma dialética objetiva específica do processo de
trabalho, que necessariamente vai além do ponto de vista da consciência
direta. E é exatamente isso que vai além que significa progresso. Já citamos
a afirmação de Hegel em outra conexão: "A atração sempre tem que
começar tudo de novo", e pudemos ver em sua filosofia da história que a
principal estrada do desenvolvimento humano (Hegel tem a história da
emergência do espírito) passa pelo trabalho de um "escravo", enquanto que
a dialética hegeliana do trabalho também mostra qual é a necessidade de
um princípio social mais geral e mais geral ser incorporado no trabalho e nas
ferramentas do trabalho.

Aqui um novo campo está sendo conquistado para um conhecimento mais


amplo e profundo da natureza e, além disso, não apenas para uma única

375
pessoa, mas também para o desenvolvimento de toda a humanidade. Como
esse processo se reproduz continuamente, isso não é um tipo de tédio,
progresso sem fim, mas a auto-reprodução contínua da sociedade humana,
embora desigual, mas em uma escala cada vez maior. Portanto, Hegel pode
justificadamente dizer que um instrumento, meios é superior ao objetivo
para o qual eles são usados, maior que luxúria do que atração, visando
satisfazer necessidades.

Hegel tirou todas as conclusões filosóficas desse novo entendimento da


teleologia um pouco mais tarde, em sua "Lógica". Não podemos saber em
detalhes até que ponto Hegel usou seus julgamentos formulados no período
Iena nessas partes da lógica, no entanto, nos momentos nodais da lógica,
ainda vemos que seus pensamentos principais remontam ao modo de
pensar, que nós trouxemos aqui. Agora, apresentamos alguns dos
argumentos mais importantes e sistemáticos de Hegel sobre o problema da
teleologia, em parte porque nos parece importante mostrar que a análise
dialética do processo de trabalho é a base para uma apresentação
sistemática futura da relação entre teleologia e causalidade, teoria e prática
em lógica, em parte porque Lenin em seu resumo da Lógica Hegeliana; foi
nesses lugares que ele fez observações extremamente importantes que
lançaram uma nova luz sobre a conexão da dialética hegeliana com o
materialismo histórico. É de interesse indiscutível ver que aquelas visões de
Hegel que o unem - de acordo com Lenin - com o materialismo histórico,
surgiram de uma análise correta e abrangente das relações econômicas e
que, portanto, os momentos da abordagem de Hegel ao materialismo
histórico não são de modo algum aleatórios ou apenas algum tipo de
misteriosa intuição brilhante e o resultado de Hegel lutando para resolver
problemas reais que mais tarde foram resolvidos com sucesso pelos
fundadores do materialismo histórico. Lenin escreve a seguinte passagem da
Ciência da Logica de Hegel: "Como o objetivo é finito, ele ainda possui
algum conteúdo finito; portanto, não é algo absoluto ou incondicional, mas
razoável. O remédio é o termo médio externo da conclusão, que representa
o cumprimento da meta; no meio, portanto, a razão aparece como tal, que
se retém nesse outro externo e precisamente através dessa aparência. Na
medida em que o meio é algo maior do que os objetivos finais da
conveniência externa; o arado é mais respeitoso do que os prazeres
imediatos que são preparados por ele e servem a seu propósito. O
instrumento é preservado, enquanto os prazeres imediatos passam e são
esquecidos. EM SUAS PRÓPRIAS PESSOAS, A PESSOA POSSUI
AUTORIDADE SOBRE A NATUREZA EXTERNA, QUANDO, EM SEUS
OBJETIVOS, É SUBMETIDO A MAIS” no meio, portanto, a razão aparece
como tal, que se retém nesse outro externo e precisamente através dessa
aparência(16).

376
Lenin faz as seguintes observações marginais sobre esses argumentos de
Hegel: "O começo do materialismo histórico de Hegel". "Hegel e
materialismo histórico." E diretamente a esse lugar que citamos, ele
acrescenta a seguinte observação: "O MATERIALISMO HISTÓRICO COMO
UMA DAS APLICAÇÕES E DESENVOLVIMENTO DE IDEIAS GÊNIAIS -
GRÃOS NO IDEALISMO ALEMÃO, DISPONÍVEIS EM HEGEL"(17).

Para o leitor que acompanha toda a nossa apresentação, não é necessário


comentar para deixar claro que o raciocínio de Hegel na Logica apenas
sistematiza seus pensamentos sobre o período Iena, tão abundantemente
citados por nós, mas que não os ultrapassam de maneira substantiva e
significativa. Até a ideia hegeliana de que o trabalho do homem realizado
por ele com a ajuda de ferramentas, em essência é uma inferência, está
contida em vários lugares dos pensamentos econômicos de Hegel durante
sua permanência em Iena.

Na "Lógica", Hegel, desenvolvendo essa ideia, diz que teleologia, trabalho


humano, prática humana significam a verdade do mecanismo e da química.
Essa formulação vai além das reflexões de Iena de Hegel em sua clareza
sistemática, e ainda assim seus fundamentos substantivos já podem ser
encontrados nos julgamentos de Iena. Deve-se enfatizar que Hegel, falando
aqui sobre a relação da teleologia com o mecanismo e a química, explica
como a mecânica e a técnica química se relacionam com a natureza
objetiva, portanto, no processo econômico de produção, ele vê o momento
devido à eficácia da qual a teleologia se torna a verdade do mecanismo e da
química. Lenin acompanhou esses comentários de Hegel com comentários
indicando o caminho para sua “virada” materialista-dialética.

Dialética materialista

Existem duas formas do processo objetivo: a natureza (mecânica e química)


e a atividade intencional do homem. A proporção dessas formas. Os
objetivos do homem a princípio parecem estranhos ("outros") à natureza. A
consciência humana, a ciência ("der Begriff") reflete a essência, a substância
da natureza, mas, ao mesmo tempo, essa consciência é externa à natureza
(não imediatamente, não apenas coincidindo com ela). A TÉCNICA
MECÂNICA E QUÍMICA, portanto, serve a propósitos humanos, porque seu
caráter (essência) consiste em determinar suas condições externas (leis da
natureza).

Hegel

(...) "Isso explica a natureza da subordinação das duas formas anteriores do


processo objetivo; a outra, que apareceu nelas na forma de progresso sem
fim, é o conceito que foi inicialmente definido como externo a elas, que é o
objetivo; não apenas o conceito é sua substância, mas sua aparência. um
377
momento essencial para eles, que constitui sua certeza. Assim, a técnica
mecânica ou química, por sua natureza, consistindo no fato de ser definida a
partir do exterior, dedica-se ao serviço da relação da meta, que agora deve
ser considerada mais próxima”

Para toda esta seção da “Lógica” hegeliana, Lenin atribui a seguinte


observação final: “De fato, os objetivos humanos são gerados pelo mundo
objetivo e assumem que eles são dados como reais. Mas parece ao homem
que seus objetivos fora do mundo são alcançados, independentemente do
mundo (" liberdade”) (NB Isso é tudo em § sobre o "objetivo subjetivo"
NB)"(18).

Como resultado, Hegel tem uma formulação completamente nova da


questão sobre o lugar da prática humana no sistema de filosofia. E agora
não são mais necessárias novas explicações detalhadas para demonstrar que
o novo conceito de prática se baseia na proposição de que, para Hegel, a
atividade econômica do trabalho é, em certa medida, a forma inicial da
prática humana. Como Marx observa em Teses sobre Feuerbach, uma
conquista importante do idealismo alemão clássico foi que ele desenvolveu o
"lado ativo" da filosofia. Esse desenvolvimento remonta à filosofia de Kant e
Fichte. No entanto, para esses pensadores, o conceito de prática é
hipertrofiado e de natureza moral, como se estivesse sobrecarregado de
moralidade, e é precisamente por essa razão que a forte oposição entre
teoria e prática surge em seus sistemas, esse isolamento abstrato da "razão
prática", cuja crítica de Hegel já é conhecida por nós. No entanto, nos
familiarizamos não apenas com a crítica hegeliana da filosofia prática do
idealismo subjetivo, mas também com sua própria e concreta ideia de como
essa ou aquela teoria da prática humana pode ser substanciada. Referimos o
leitor à discussão de trabalho, ferramentas, etc. de Hegel, à sua análise de
"Senhor e escravo" na "Fenomenologia do Espírito". Essas tendências da
filosofia hegeliana adquirem na lógica uma forma abrangente e sistemática,
que, por sua vez, foi submetida a uma análise crítica completa por Lenin em
seus comentários sobre Hegel. Familiarizamos-nos não apenas com a crítica
hegeliana da filosofia prática do idealismo subjetivo, mas também com sua
própria e concreta ideia de como essa ou aquela teoria da prática humana
pode ser substanciada.

Hegel compara aqui a ideia de prática com o conhecimento puramente


teórico e chega ao seguinte resultado: “Em uma ideia prática (no campo da
prática) esse conceito como real (atuando?) Opõe-se ao real (...) Essa ideia é
superior à ideia do conhecimento acima, porque o primeiro tem mérito não
apenas universal, mas também simplesmente agir"(19). Em seus estudos
posteriores, Hegel fornece uma justificativa mais detalhada da superioridade
concreta de uma ideia prática sobre uma puramente teórica - uma ideia que
em breve se tornará, esperamos, bastante clara e que nada tem a ver com a

378
"primazia da razão prática" de Kant-Fichte, seu oposto. Hegel escreve que
essa falha também pode ser explicada de tal maneira que a ideia prática
carece de um momento de uma ideia teórica."(20) (...) A epistemologia
conhece a si mesma apenas como percepção, como uma identidade
indefinida de um conceito consigo mesma; preencher, isto é, certa
objetividade em si e por si mesma, é algo dado a uma ideia teórica, e o
dinheiro é reconhecido como verdadeiro existente, independentemente de
crenças subjetivas, a realidade. Pelo contrário, para uma ideia prática, essa
realidade, que ao mesmo tempo o confronta como um limite intransponível,
tem o valor de algo em si insignificante, que deve receber sua verdadeira
definição e valor único através dos objetivos do bem. A vontade, portanto,
se opõe à consecução de seu objetivo pelo fato de que a vontade se separa
do conhecimento e que a realidade externa não preserva para ele a forma
do verdadeiro existente], portanto, a ideia do bem pode encontrar seu
complemento apenas na ideia da verdade"(21).

Lenin escreve completamente essa passagem e atribui a ela o seguinte


comentário: “A epistemologia (...) encontra diante de si um verdadeiro ser
independente das opiniões subjetivas (Setzen [suposições - ed .]) Realidade
presente. (Isso é puro materialismo!) A vontade do homem, sua a própria
prática impede a realização de seu objetivo (...) separando-se da
epistemologia e não reconhecendo a realidade externa como
verdadeiramente existente (como verdade objetiva). É necessária uma
combinação de conhecimento e prática”(22).

As observações de Lenin, direta ou quase diretamente adjacentes aos lugares


em Logica que "cresceram organicamente" das atividades econômicas de
Hegel no período de Iena, são de grande importância para a ligação que
forma o núcleo do nosso estudo e para confirmar que Hegel se tornou o
predecessor do materialismo histórico, precisamente graças a suas tentativas
de dominar o assunto e o método da ciência econômica e descobrir a
dialética que espreita neles. Na página adjacente ao local que citamos, Lenin
em detalhes e com aprovação - é claro, com correções materialisticamente
críticas - fala dos ensinamentos de Hegel, de que o princípio prático de
Hegel em sua relação com a realidade objetiva é essencialmente uma
inferência. "Conclusão da ação" ... Para Hegel, ação, prática é uma
"conclusão" lógica, uma figura da lógica. E é verdade! Certamente, não no
sentido de que a figura da lógica por seu próprio ser tenha prática humana
(= idealismo absoluto), mas vice-versa: a prática humana, repetindo bilhões
de vezes, é fixada na mente humana pelas figuras da lógica. Esses números
têm força de preconceito, o caráter axiomático é precisamente (e único) em
virtude dessa bilionésima repetição"(23).

Algumas páginas antes, também comentando criticamente o raciocínio de


Hegel sobre a prática e a epistemologia, Lenin deu a caracterização final da

379
relação entre Hegel e Marx aqui considerada. Ele disse: “Tudo isso está no
capítulo“ A ideia do conhecimento ”(capítulo II) - na passagem para a “ideia
absoluta” (capítulo III) - isto é, Hegel, sem dúvida, enxerga a prática como
um elo na análise do processo epistemológico e como uma passagem para a
verdade objetiva "absoluta", segundo Hegel). Marx, portanto, se une
diretamente a Hegel, introduzindo o critério da prática na teoria do
conhecimento: ver teses sobre Feuerbach”(24).

Vemos que, para o sistema filosófico de Hegel, a nova formulação da


questão com respeito à teleologia, a conexão entre estabelecimento de metas
e atividade econômica humana, é crucial, com base nisso, com a prática
humana em geral. Isso remove a lacuna mecânica entre teoria e prática,
característica do idealismo subjetivo de Kant e Fichte, e estabelece uma
conexão objetiva entre a prática humana e a realidade objetiva. Esse retorno
à objetividade, sem dúvida, significa aproximação com pensadores do
passado, digamos com Hobbes e Spinoza. No entanto, a objetividade de
Hegel é filosoficamente maior do que a de seus grandes antecessores, pois
Hegel introduz no conceito de realidade objetiva a dialética do "lado ativo"
do homem, e é essa que desempenha o papel decisivo de conhecer a
realidade objetiva .

Esse conhecimento mais profundo da relação entre teoria e prática tem


consequências de longo alcance para o desenvolvimento da dialética das
principais categorias do sistema filosófico. Mais detalhados aqui, trataremos
apenas de alguns desses problemas (liberdade e necessidade, acaso e
necessidade). E, ao mesmo tempo, veremos que Hegel extraiu o
conhecimento dialético correto dessas categorias da mesma fonte que o
novo conhecimento filosófico que foi analisado até agora. Ao mesmo tempo,
o limite da verdadeira dialética, o ponto em que a profunda dialética da
realidade se transforma em mistificação idealista, é encontrado exatamente
onde, por várias razões, o conhecimento econômico de Hegel é insuficiente
e onde ele está envolvido na mistificação de problemas relacionados ao
conhecimento da sociedade.

Hegel, com plena consciência, começa a analisar os aspectos filosóficos dos


problemas econômicos. Já vimos como ele conecta conscientemente o
problema da prática com o trabalho, com a atividade econômica. No
entanto, essa clareza metodológica em Hegel não se limita à consideração de
problemas individuais. Ele está bem ciente de que é na esfera econômica
que as categorias de atividade são mais claramente refletidas. Nas
observações iniciais de seu artigo sobre direito natural, Hegel fala sobre essa
questão metodológica. E o fato de neste artigo ele falar de direito natural,
mas não de economia, não muda nada na essência da questão, pois já
sabemos que as categorias econômicas de Hegel desempenham um papel
decisivo em toda a estrutura da sociedade e em sua pesquisa científica.

380
Falando sobre a questão de como o mundo se reflete no espelho da
ciência(25).

O problema da liberdade e da necessidade adquire concretude de Hegel


principalmente porque ele o considera constantemente em certa conexão
sócio-histórica. A luta contra o idealismo subjetivo é empreendida
principalmente por ele - como já vimos - ao longo das linhas da polêmica
contra a separação abstrata do conceito de liberdade da realidade sócio-
histórica. Como Hegel se baseia na individualidade de um indivíduo
enquanto explica sua atividade direta usando as categorias da economia
política clássica, a totalidade do movimento próprio da sociedade como um
todo é o resultado da atividade individual e, portanto, arbitrária dos
indivíduos. Até agora, citamos os argumentos de Hegel de natureza muito
diferente, dos quais se segue claramente que esse entendimento é bastante
consonante com Adam Smith. No entanto, para ter uma imagem
completamente clara, devemos considerar suas opiniões posteriores sobre
economia política como uma ciência. Neles, ele considera genericamente o
problema do acaso e da necessidade como a questão principal dessa ciência.
Essa visão é totalmente consistente com os julgamentos de Hegel do período
Iena, com a única diferença de que os objetivos que ele estabeleceu para si
mesmo durante esse período não estavam relacionados à necessidade de
uma apresentação abrangente de seus pontos de vista sobre a economia
política como ciência. Seu raciocínio na Filosofia do Direito é o seguinte:
“Mas essa arbitrariedade fervilhante dá origem a definições universais, e os
fatos que parecem distraídos e desprovidos de qualquer pensamento são
governados pela necessidade, que se destaca por si mesma. Encontrar
necessidade é a tarefa da economia política, da ciência, que faz a honra do
pensamento porque, tendo muitos acidentes na frente dele, procura suas
leis. É interessante ver como todas essas dependências têm o efeito oposto
aqui, como esferas especiais são agrupadas, afetam outras esferas e
experimentam assistência com elas mesmas ou com interferência. Essa
conexão mútua, cuja existência não se acredita a princípio, porque parece
que tudo aqui é apresentado à arbitrariedade de um indivíduo, é notável
principalmente nisso - e é semelhante nisso ao sistema planetário - que
sempre mostra aos olhos apenas movimentos irregulares, e ainda é possível
conhecer suas leis"(26).

No âmbito da integridade concreta e móvel da vida social e histórica das


pessoas, Hegel levanta a questão da relação de liberdade e necessidade, e
ele será o primeiro a dar uma resposta concreta e correta a ela. Engels fala
dessa decisão de Hegel da seguinte maneira: "Hegel foi o primeiro a
representar corretamente a relação entre liberdade e necessidade. Para ele, a
liberdade é o conhecimento da necessidade." Cego é uma necessidade
apenas porque não é entendida. "A liberdade não está na independência
imaginária das leis da natureza, mas em conhecê-las, leis e na possibilidade
381
baseada neste conhecimento de forçar sistematicamente as leis da natureza a
agir para determinados fins"(27). O conceito da conexão entre liberdade e
necessidade, como já vimos, está no cerne dos julgamentos de Hegel sobre
teleologia e - nesse sentido - e na análise da atividade humana em geral.
Estamos familiarizados com o lado puramente econômico desse problema,
bem como, em estreita conexão com ele, a dialética do desenvolvimento
progressivo do conhecimento humano sobre as leis da natureza como base
dessa atividade. Também nos lembramos do quão apaixonadamente Hegel
discutiu com Kant e Fichte com a pomposamente pretensiosa elevação do
conceito abstrato de liberdade. Agora, nossa tarefa é mostrar como esses
pensamentos de Hegel influenciaram sua pesquisa sobre integridade
concreta, sociedade e sua história. De fato, a partir do raciocínio de Hegel,
segue-se que a vida histórica é a arena real da manifestação da liberdade,
em um campo.

É sabido que no centro da filosofia da história hegeliana posterior está a


provisão dos "astúcias da razão". Se essa expressão é traduzida para uma
linguagem mais prosaica, significa nada mais que o fato de que, embora as
próprias pessoas façam sua própria história, que o verdadeiro mecanismo
dos eventos históricos deva ser buscado nas paixões humanas, nas
aspirações individuais e egoístas de uma pessoa, mas na totalidade delas. As
paixões individuais revelam algo mais em termos da linha principal de
desenvolvimento, que é isso que as pessoas queriam e o que aspiravam.
Esse outro de modo algum representa algo acidental, e é nisso que a
regularidade da história, "razão na história", "espírito" na terminologia de
Hegel se manifesta.

O termo "astúcia" tem uma longa história com Hegel, o que nos leva aos
anos que passou em Iena. Lembremos, pelo menos, que Hegel, ao analisar
um conceito metodologicamente importante como "instrumento", já usava
essa expressão para expressar em um conceito filosófico a atitude de uma
pessoa que trabalha com a natureza. Agora, Hegel aplica o mesmo conceito
de "astúcia" ao estado e ao governo, ao indivíduo e, especialmente, à
totalidade das relações econômicas das pessoas. No próximo capítulo,
veremos como este parágrafo revela as limitações do conceito hegeliano de
economia, suas ilusões idealistas sobre o estado, ilusões que - como veremos
em breve - estão intimamente ligadas às ilusões napoleônicas gerais

Obviamente, as opiniões de Hegel não vêm exclusivamente dessas fontes. O


período em consideração, é claro, deu a seus pontos de vista um caráter
específico. As fontes históricas dessas visões remontam aos conceitos sociais
de Hobbes e Mandeville, segundo os quais o equilíbrio da sociedade
capitalista surge das paixões egoístas e até más e cruéis do homem e sua
interação e, graças a essa interação, o progresso na história é garantido.
Essas visões no futuro, na forma de uma filosofia de utilidade (utilitarismo),

382
são desenvolvidas e generalizadas por representantes proeminentes do
Iluminismo francês (é claro, como Marx já demonstrou, em uma direção
idealista e ilusória). A economia política de Adam Smith estabelece as bases
de todas essas teorias e mostra sobriamente os fatos reais e suas conexões
reais, demonstrando assim que o conceito hegeliano de história atua como
herdeiro de toda essa linha de desenvolvimento.

O quão perto Hegel está de nós mostra, por exemplo, a seguinte passagem
das palestras de 1805/06: "A realidade, é claro, parece muito longe do ideal,
pois o observador adere ao imediato - necessário. O estado deve poder
sofrer deboches, uma queda (...), deboche, depravação de "indivíduos"
singulares, o estado é uma astúcia". Em outros lugares, falando de maneira
mais geral sobre o mesmo assunto, ele escreve: "O truque do governo é
permitir que outras pessoas ajam em seu próprio benefício - certo, a mente
do comerciante sabe que a principal coisa neste mundo é o benefício -
transformar esse benefício [em seu próprio país] e fazê-lo, para que ela volte
aqui"(28).

Aqui, junto com a teoria geral de Hegel da relação entre o estado burguês e
a sociedade, também é digno de nota que ele compara essa atividade com
as atividades do comerciante na própria sociedade e tenta comparar e
equiparar o "truque" do governo à compreensão econômica geral do truque.
Essa direção do pensamento de Hegel é ainda mais claramente expressa em
outra observação à margem do mesmo trabalho: “Não é a artificialidade da
violência legislativa etc., a pessoa que é a mais alta.

A violência é concedida livremente ao destino, necessidade.

O truque é permitir que o indivíduo singular aja, se cuide, flua para a


espiritualidade [superior] universal, que se reflete em si mesma.

Garantia contra arbitrariedade; a constituição geral das propriedades não é


apenas uma assembléia imobiliária; mente universal - fluidez de seu
indivíduo. A razão do povo é tão inteligente quanto suas instituições são
"razoáveis"(29). De tudo isso, fica claro que duas tendências se opõem ao
pensamento de Hegel, e para ambas a sua teoria da astúcia e a dialética da
liberdade e da necessidade são decisivas. Por outro lado, o truque do
governo em relação ao auto-movimento da economia na sociedade
burguesa moderna, por outro lado, o truque da mente, expresso nesse auto-
movimento, regulando ilegalmente a produção, a reprodução e o
movimento progressivo das sociedades capitalistas.

As opiniões de Hegel sobre como essa dialética de liberdade e necessidade


age no curso da história mundial, discutimos várias vezes. Portanto,
remetemos os leitores aos julgamentos de Hegel nos quais ele toca no papel

383
de um tirano na história, na questão da necessidade de sua aparência e do
desaparecimento igualmente necessário.

Também foi observado que Hegel vê uma dialética semelhante no papel de


grandes pessoas, “personalidades históricas do mundo” (compare em nosso
livro com um exemplo do papel de Richelieu). Gostaríamos de apresentar
aqui alguns julgamentos adicionais de Hegel de suas palestras durante sua
estada em Iena, nos quais a ideia de quão estreitamente o problema da
conexão de liberdade e necessidade se une à questão da conexão de acaso
e necessidade na dialética hegeliana da história é particularmente vívida. Em
uma de suas palestras, Hegel fala de gênio artístico. E aqui, em uma
polêmica aberta com uma deificação romântica e mistificação de um gênio,
ele faz uma análise muito sóbria da interação entre as atividades individuais
de um gênio e o movimento próprio da sociedade ou a vida de um povo.
"Aqueles que são chamados de gênios adquiriram alguma habilidade
especial, dando-lhes a oportunidade de criar uma imagem generalizada das
pessoas, como aqueles que fazem o mesmo em outra. O que eles criam não
é sua invenção, mas a invenção de tudo, das pessoas ou da descoberta de
que as pessoas já encontraram sua essência. O que pertence ao artista como
determinado artista é sua atividade formal, seu domínio especial nesse
método de representação, e foi por isso que ele foi criado em um domínio
abrangente. Isso pode ser comparado com o que está acontecendo entre os
trabalhadores que constroem um arco de pedra, cujo andaime não dá
nenhuma ideia, mas uma ideia simples. Cada um dos trabalhadores coloca
uma pedra. O mesmo acontece com o artista. Ele é o último dos que
colocam a pedra; e assim que ele coloca a última pedra, o arco está pronto e
permanece por si próprio. Ele vê(30).

Essa circunstância encontra sua expressão mais clara em outra conferência,


na qual Hegel fala inequivocamente sobre o papel de personalidades
destacadas na história, especialmente em épocas de transição. Ele diz: "Essas
naturezas pensativas não fazem nada além de expressar a palavra certa, e
então as nações se juntam a elas. Grandes pessoas que são capazes de fazer
isso, para poder fazer isso, devem ser limpas de todas as características da
imagem anterior. Se eles querem fazer seu trabalho em sua integridade,
devem ser entendidos na integridade dos povos, pois compreendem isso,
talvez apenas no final, e avançam, mas como a natureza ama o todo, afasta
as pessoas da vanguarda para a qual se esforce venda si mesmos, e para
outros lugares, mas se estes eram unilaterais, isso levanta uma série de
outros, até que o caso em si seja concluído. No entanto, se esse é o assunto
de uma pessoa, ele deve conhecer o todo e ser capaz de se libertar de todas
as limitações”(31).

Desses argumentos de Hegel, é claro, há também a limitação de seu


pensamento, que discutiremos em mais detalhes em breve e que consiste no

384
fato de ele mistificar o processo histórico como um todo, deixando-o
portador consciente, "espírito". Contudo, dentro desses limites do
pensamento hegeliano, Hegel considera sóbria e dialeticamente a conexão
entre a personalidade histórica mundial e o curso da própria história; por
outro lado, quão energicamente ele subordina o papel de uma
personalidade marcante na história à realização dessa tarefa objetiva que é
apresentada à sociedade pelas condições objetivas de seu próprio
desenvolvimento. Da mesma forma, é claramente visto que Hegel reconhece
claramente o papel do acaso na escolha daquelas pessoas capazes de
resolver importantes problemas políticos e artísticos históricos do mundo.

Graças à clareza na compreensão desses problemas, Hegel nessa área é o


precursor do materialismo histórico. É claro que Marx e Engels especificaram
materialisticamente a dialética do acaso e da necessidade, foram muito além
da estrutura do conceito de Hegel, removendo a interpretação mística do
processo histórico e geralmente usando a linguagem clara e verdadeiramente
científica do materialismo histórico. Somente entre os vulgarizadores do
marxismo da Segunda Internacional surgiu o conceito mecanicista
hipertrofiado de necessidade na história, como resultado do qual o papel do
indivíduo, a atividade humana de indivíduos individuais foi completamente
expulsa da história e a necessidade foi transformada em algo automático
(por uma questão de oportunismo), funcionando fora da atividade humana.

Engels, já envelhecido, foi forçado a lutar contra essa forma de interpretação


mecanicista e vulgarização da história. Citamos aqui apenas uma passagem
de sua carta a V. Borgius, na qual ele não apenas exige a correção dessa
teoria falsa, mas também mostra claramente quão próximo Hegel estava do
entendimento e solução corretos dessa questão e quão valioso Hegel fazia
com o materialismo histórico. trabalhar nesta área.

Engels, em seus julgamentos a partir da dialética da necessidade e do acaso,


escreve: "Aqui chegamos à questão das chamadas grandes pessoas. O fato
de que essa e essa grande pessoa aparece em um determinado momento do
país é, é claro, puro acaso Mas se esse homem é eliminado, há uma
demanda por sua substituição, e essa substituição é encontrada, mais ou
menos bem-sucedida, mas é encontrada ao longo do tempo. O que
Napoleão, esse corso, era esse ditador militar que se tornou necessário para
os franceses? foi um acidente para o público, exausto pela guerra, mas se
Napoleão não estivesse, o papel teria sido desempenhado por outro. Isso é
comprovado pelo fato de que sempre que uma pessoa era necessária, ele
era: César, Augusto, Cromwell etc. Se um entendimento materialista da
história foi descoberto por Marx, Thierry, Mignier, Guizot(32).

A ignorância da luta de classes como força motriz da sociedade e da história


foi o limite decisivo que impediu Hegel de, especificamente e de acordo com

385
a verdade, estender suas visões filosóficas geralmente corretas sobre a
relação entre necessidade e oportunidade em todo o curso da história. Hegel
possuía conhecimento universal suficiente e um olhar sóbrio e imparcial o
suficiente para ver os opostos de classe na sociedade em casos individuais
(podemos lembrar seu raciocínio sobre o surgimento de (fábricas e pobreza).
No entanto, sua concepção geral de sociedade e história é adaptada para
que ele não conseguia ver o papel determinante dos opostos de classe, sem
mencionar o fato de que ele, é claro, não era capaz de tirar conclusões
metodológicas das leis de movimento desses opostos.

Assim, na filosofia hegeliana da história, estados individuais aparecem como


indivíduos solteiros e fechados. Hegel, é claro, vê que por trás desses
indivíduos há condições históricas ocultas. Você pode se lembrar, por
exemplo, como ele conecta a unidade estatal da França e a fragmentação da
Alemanha com várias maneiras de eliminar o feudalismo. No entanto, essas
suposições corretas não levam a conclusões metodológicas. A história do
mundo lhe parece essencialmente uma luta pelo domínio entre nações e
estados que estão "unidos" por si mesmos.

Hegel considera essa luta tão sobriamente quanto a luta econômica


empreendida pelos indivíduos na sociedade burguesa. Essa luta aparece na
"Fenomenologia do Espírito", sob o nome "reino animal espiritual". Ele o
retrata como um retorno a um estado natural, ou simplesmente como uma
imagem de um estado natural, a guerra de todos contra todos (de acordo
com Hobbes). Veremos abaixo que, na filosofia social de Hegel, a
regulamentação legal das relações econômicas, que, em sua opinião, ainda
constitui bellum omnium contra omnes, desempenha um papel
extremamente importante, muitas vezes até excessivo, embora sua visão
sobre a possibilidade e a necessidade de uma solução legal seja
fundamentalmente certamente diferente dos pontos de vista de Kant e
Fichte. No entanto, com um povo constituído, sociedade no estado deixa de
existir a possibilidade de qualquer regulamentação desse tipo entre
indivíduos do estado, segundo Hegel. Em suas palestras 1805/06 anos. ele
diz: "O todo é um indivíduo, um povo oposto a outras nações. A restauração
da classe indiferente de indivíduos em relação um ao outro, o estado natural
- somente aqui é real. Essa atitude é em parte uma estadia tranquila de
indivíduos independentes, soberania, em parte comunicação através de Mas
os contratos não têm um contrato válido, não há poder real e o indivíduo é
universal como poder real. dialetos; eles não são vinculativos assim que um
lado os viola. É um engano eterno para concluir tratados(33).

Mais tarde, veremos quão grande é o papel da guerra na filosofia de Hegel


do período Iena. Claro. Hegel também interpreta a guerra sóbria e
historicamente, apesar de alguma reavaliação napoleônica de seu papel.
Como podemos ver no julgamento final da citação acima, Hegel, por um

386
lado, polemiza com a utopia kantiana sobre a paz eterna. Por outro lado, ele
está longe de abordar apenas a descrição de partes em guerra individuais.
Ele entende claramente a relatividade da guerra ofensiva e defensiva em um
sentido pragmático. Cada lado afirma que está apenas se defendendo e que
o outro lado o atacou. Portanto, nesse nível, o problema não pode ser
resolvido de forma alguma. Em um ensaio sobre a constituição, Hegel
escreve: "Cada lado se refere ao seu direito e acusa o outro de violá-lo (...).
A sociedade é dividida em partidários disso e partidários do outro, cada
partido insiste que o direito está do seu lado; e ambas as partes estão certas,
pois os próprios direitos estão se enfrentando"(34).

Hegel faz uma conclusão lógica de que as guerras entre estados são
diretamente uma luta pelo domínio e, ao mesmo tempo, Deus, o espírito do
mundo, está à frente de exércitos mais poderosos. Esse realismo sóbrio de
Hegel, no entendimento de fatos históricos, está sendo usado atualmente
pelos ideólogos do imperialismo para transformar Hegel em um advogado
sem princípios de uma "política de poder" como Treychke (Mineke, Heller,
etc.). Esses senhores não percebem, no entanto, duas "pequenas coisas". Em
primeiro lugar, que Hegel, apesar de ainda não conhecer o fator da luta de
classes, o poder de um estado não aparece repentinamente, como o trovão
de um céu claro, não é obra das mãos de algum "gênio". Basta recordar a
comparação da França e da Alemanha já mencionada por nós para ver
claramente: para Hegel, a superioridade política-estatal diretamente
emergente era apenas algo mediado; também apontamos como Hegel se
esforçou para revelar essas mediações, aquelas condições sociais objetivas
que estão ocultas por trás desse imediatismo. E quando ele, após a derrota
esmagadora da Prússia na batalha de Jena-Auerstadt (1806), simpatizou
com Napoleão em oposição à Prússia, isso não significava que ele era
admirado pelas forças superiores do imperador francês, mas apenas
significava sua simpatia pela herança social da revolução francesa e desprezo
pela Prússia feudal e podre.

Este exemplo nos leva ao segundo ponto de vista, que devemos enfatizar,
direcionando-o contra a distorção da história de Mineke, Heller e outros.
Esses senhores esqueceram completamente o fato de Hegel ser um ideólogo
de certo período revolucionário - o período de constituição revolucionária
das grandes nações modernas. Hegel corretamente retratou esse processo
como progressivo. Na dialética histórica desse processo, repetidamente
representada sob a forma de grandes guerras, Hegel também viu aquele
estado natural em que o espírito chega ao estágio mais alto de seu
desenvolvimento a partir da dialética direta da correlação de forças. Hegel
viu esse passo mais alto no avanço de um ou outro grande número de
pessoas em direção à constituição na sociedade burguesa moderna. Se
pode, portanto, dizer que a limitação de sua compreensão da história está
no fato de que, por um lado, o horizonte filosófico e histórico de Hegel foi
387
fechado por essa perspectiva, por outro, ele, como veremos abaixo, não
poderia superar as contradições reais da formação da unidade nacional da
Alemanha, e seu sistema de pensamento reflete (segundo Lenin) apenas um
dos extremos das contradições então não resolvidas nesta questão central da
revolução democrática na Alemanha.

Tudo isso, tanto do ponto de vista histórico quanto filosófico, nada tem a ver
com Bismarck, e mais ainda com a "política de poder" do imperialismo
alemão. Mineke, Heller e outros recorrem à mesma falsificação da história
que os vários oportunistas social-imperialistas durante a Primeira Guerra
Mundial. Usando as declarações de Marx e Engels sobre a progressividade
real da luta de libertação nacional dos alemães no início do século XIX. eles
os aplicaram anti-historicamente às condições da primeira guerra imperialista
mundial, a fim de protegê-la como supostamente "justa", "nacional" e apoiá-
la. É claro que Hegel tem ambiguidades, lugares escuros e contradições, e
com uma técnica bem desenvolvida e sofisticada, ela pode ser usada como
desculpa para distorcer a história; Marx e Engels não deram nenhuma razão
para tais distorções. Quanto aos falsificadores da própria história, a própria
maneira pela qual eles invertem os pontos de vista de Marx e Engels mostra
que, para esses falsificadores, eles não precisam de desculpa e precisam
apenas de sua própria intenção de defender o imperialismo.

A direção principal do conceito hegeliano de história deve, portanto, levar-


nos a uma área específica da prática humana, a um clímax - a uma
compreensão filosófica do processo de desenvolvimento histórico real, que
inevitavelmente leva ao surgimento da sociedade burguesa moderna. Como
já vimos, essa necessidade surge das atividades das pessoas, de suas
aspirações e paixões, das quais a dialética da necessidade e da liberdade
obtém outros resultados mais gerais e mais elevados do que aqueles que as
pessoas estabelecem para si mesmas em suas atividades. Portanto, a
dialética concreta de liberdade e necessidade, segundo Hegel, consiste no
fato de que essas paixões individuais, essas aspirações egoístas das pessoas
também são necessárias para a implementação do processo de
desenvolvimento histórico, bem como o fato de que seus resultados são
diferentes e representam algo mais do que poderia ser encontrado nessas
forças motrizes imediatas, as intenções de figuras individuais. Assim, esse
conceito superou muito a moralidade e o conceito histórico de idealismo
subjetivo. O movimento histórico de Hegel não parece um progresso sem
fim, mas um curso concreto de desenvolvimento: sociedade e história não
são aspirações abstratas de uma "vontade pura" ainda mais abstrata.

Podemos dizer que Schelling, em certo sentido, é o antecessor de Hegel no


desejo de superar o conceito subjetivo-idealista nas esferas práticas e
históricas. Ao mudar os princípios teleológicos da Crítica do poder do
julgamento, Schelling procurou construir um conceito unificado e concreto

388
do desenvolvimento da natureza e da história. Nesta tentativa, Schelling, em
um ponto, aborda o entendimento dialético, especulando que algo mais está
acontecendo no processo histórico e mais do que aquilo que as pessoas na
história pretendiam fazer. Schelling fala da "alegada relação de liberdade
com alguma necessidade oculta (...) em virtude da qual, por meio de sua
livre atividade e ao mesmo tempo contra sua própria vontade, elas se
tornam a causa daquilo que não queriam de todo ou por causa do qual,
pelo contrário(35). No entanto, essas verdadeiras conjecturas não poderiam se
transformar em Schelling em um entendimento real. A necessidade de que
Schelling fala aqui se opõe fortemente a eles como liberdade "inconsciente",
como algo consciente. Por outro lado, essa rigidez vai tão longe quanto
Schelling, partindo do pressuposto de que o "inconsciente" é o princípio da
objetividade histórica, conclui: "Portanto, é completamente impossível
produzir algo objetivo conscientemente ...”(36). Por essa justaposição de
liberdade e necessidade, consciente e inconsciente, todas as possibilidades
de qualquer dialética particular da prática são removidas; manobrando entre
os princípios abstratos do consciente e do inconsciente, só se pode chegar a
uma dialética mística e aparente.

Schelling, por um lado, trata do irracionalismo místico na compreensão da


história; por outro lado, ele não vai além da compreensão de teleologia de
Kant, embora tente superar a subjetividade de Kant através da objetividade
mística. De fato, ele sente que a história não pode ser entendida como uma
regularidade, baseada na antiga metafísica. Sobre o conceito de história, ele
diz, "que uma série de eventos merece o nome de história tão pouco
absolutamente desprovido de leis quanto absolutamente lógico". No entanto,
as suposições relativamente corretas contidas no raciocínio de Schelling são
imediatamente destruídas por ele: "Teoria e história são os opostos mais
completos. O homem possui história apenas porque o que ele realiza não
pode ser calculado antecipadamente por nenhuma teoria"(37).

Aqui vemos claramente que o raciocínio de Schelling não contém


exatamente o que constitui a grandeza filosófica e o significado do golpe
hegeliano que espera o futuro em ideias sobre teleologia, como aplicado à
história da dialética da ação expedita. Portanto, consideramos
historicamente incorreto derivar a filosofia social e a filosofia da história
hegeliana da filosofia de Schelling, para identificar o conceito de "liberdade e
necessidade" de Schelling e Hegel. É bem possível e até provável que o
conceito de Schelling do processo histórico como uma prática inconsciente
do absoluto tenha dado ímpeto ao surgimento da filosofia da história
hegeliana. nada mais que um empurrão Os momentos essenciais da filosofia
da história de Hegel são os momentos da unidade dialética da teoria e da
prática, isto é, precisamente isso. não é em conceito de Schelling.

389
Pelo contrário, encontramos a conexão real entre a filosofia da história de
Hegel e a de Schelling exatamente onde as limitações do pensamento
hegeliano se manifestam. Schelling vê na arte a unidade da liberdade e da
necessidade, a unidade da criatividade consciente e inconsciente e, por
analogia, constrói, usando a intuição intelectual, a unidade do processo de
desenvolvimento da natureza e da sociedade. A fraqueza de sua construção
está associada ao seu caráter abstrato e místico e, sobretudo, ao fato de que
esse conceito de unidade dialética não pode capturar e concretizar os
momentos compostos do processo histórico. Mas é precisamente na solução
dessa questão que reside a maior força da filosofia hegeliana da história. No
entanto, o ponto culminante do desenvolvimento histórico de Hegel se perde
no crepúsculo místico, e este é um momento essencial de sua filosofia,

Trata-se de entender o processo histórico como um todo. Como para o


idealista objetivo Hegel, assim como para Schelling, todo o desenvolvimento
histórico da natureza e da sociedade é obra do "espírito", o velho
pensamento teleológico, já superado por Hegel em todos os seus detalhes
sociais e históricos, deve reaparecer aqui. Pois, se o portador do processo
histórico é uma entidade única, se esse processo é o resultado da atividade
desse sujeito, para o idealista objetivo Hegel, é bastante consistente e lógico
ver no processo histórico a realização da meta que esse "espírito" se
estabeleceu no início desse processo. Assim, todo esse processo de
desenvolvimento é transformado por Hegel, como Schelling, na aparência
de movimento: esse é apenas um retorno ao começo.

Em "Fenomenologia do Espírito", Hegel diz o seguinte: "O mencionado


acima também pode ser expresso de tal maneira que a razão é uma ação
racional. A elevação da natureza ficcional sobre o pensamento não
reconhecido e, acima de tudo, a expulsão da conveniência externa minaram
a confiança na forma do objetivo em geral. No entanto, seguindo uma
definição que já é Aristóteles dá à natureza como uma atividade intencional,
o objetivo é [algo] imediato, repousante, imóvel, que se move, portanto, é o
sujeito, sua capacidade de pôr em movimento, entendida pela abstração
compreendida, é para-si, ou pura negatividade. O resultado é idêntico ao
início porque esse é o objetivo do início, ou realmente apenas porque o seu
conceito de identidade que dirigir em que tem como meta a si mesmo ou a
realidade pura”

Hegel nem percebe que, ao seguir abstratamente em sequência seu princípio


teleológico, cai na velha teleologia teológica. Seu grande feito filosófico
reside precisamente no fato de ele ter baixado o princípio do propósito do
céu para a realidade terrena da atividade humana. Portanto, o conceito
hegeliano de teleologia permaneceu grande, novo e frutífero enquanto
permaneceu terrestre. Movendo-se por esse caminho até o fim como um
idealista consistente, Hegel destrói o que ele construiu antes disso como um

390
dialético. Nessa transformação teológica do princípio teleológico, há um
parentesco significativo na compreensão da história entre Hegel e Schelling,
que permaneceu após o intervalo.

No entanto, não se deve esquecer que esse parentesco também se manifesta


nas limitações idealistas de sua filosofia. A diferença entre eles é que Hegel
está fazendo uma enorme rotunda, na qual abre muitas conexões dialéticas
antes que seu pensamento se dissolva no nevoeiro idealista da "atividade" de
um demiurgo mistificado. Hegel se depara com a fronteira que permanece
insuperável para qualquer idealismo. Schelling expressou essa oposição
entre o sistema e o método em uma medida muito insignificante e sempre
decrescente. Portanto, a história da filosofia deve enfatizar como esses dois
conceitos de desenvolvimento histórico diferem um do outro.

(1) Marx, K., Engels, F. Obras 2ª ed. Tomo 23, p. 189. (retornar ao texto)

(2) Loc cit, Tomo 46, parte 1, p. 28. (retornar ao texto)

(3) Loc cit, Tomo 20, p. 350. (retornar ao texto)

(4) Hobbes, T., Obras escolhidas em 2 vols., Moscou 1964, Tomo 1, p. 160.
(retornar ao texto)

(5) Spinoza, B., Obras escolhidas, Moscou 1957, Tomo 1, p. 397. (retornar
ao texto)

(6) Loc cit, p. 522-523. (retornar ao texto)

(7) Hegel Erste Druckschriften, p. 334. (retornar ao texto)

(8) Kant, I., Obras, Tomo 5, p. 428. (retornar ao texto)

(9) Loc cit, p. 433-434. (retornar ao texto)

(10) Loc cit, p. 435-436. (retornar ao texto)

(11) Marx, K., Engels, F. Obras 2ª ed. Tomo 20, p. 523,524. (retornar ao
texto)

(12) Hegel, Obras de diferentes anos, Tomo 1, p. 306-308. (retornar ao


texto)

(13) Loc cit, p. 308 (nota de rodapé). (retornar ao texto)

(14) Schelling, Obras.Tomo III, p. 602. (retornar ao texto)

391
(15) Marx, K., Engels, F. Obras 2ª ed. Tomo 3, p. 43. (retornar ao texto)

(16) V. I. Lenine, Obras, Tomo 29, p 171-172. (retornar ao texto)

(17) Loc cit. (retornar ao texto)

(18) Loc cit., p. 170-171. (retornar ao texto)

(19) V. I. Lenine, Obras, Tomo 29, p 194, 195. (retornar ao texto)

(20) Loc cit., p. 197. (retornar ao texto)

(21) Loc cit., p. 197-198. (retornar ao texto)

(22) Loc cit., p. 198. (retornar ao texto)

(23) Loc cit., p. 193. (retornar ao texto)

(24) Hegel, Trabalhos políticos, p. 188. (retornar ao texto)

(25) Hegel, Obras, Tomo VII, p. 218. (retornar ao texto)

(26) Marx, K., Engels, F. Obras 2ª ed. Tomo 20, p.116. (retornar ao texto)

(27) Hegel, Obras de diferentes anos, Tomo 1, p. 363 (nota de rodapé).


(retornar ao texto)

(28) Loc cit, p. 374 (nota de rodapé). (retornar ao texto)

(29) Loc cit, p. 364 (nota de rodapé). (retornar ao texto)

(30) Rosenkranz, K, Ob. cit, p. 180. (retornar ao texto)

(31) Ibid., p. 189. (retornar ao texto)

(32) Marx, K., Engels, F. Obras 2ª ed. Tomo 39, p.175-176. (retornar ao
texto)

(33) Hegel, Obras de diferentes anos, Tomo 1, p. 372-373. (retornar ao


texto)

(34) Hegel, Trabalhos políticos, p. 138-139. (retornar ao texto)

(35) Schelling, Obras, III, p. 594. (retornar ao texto)

(36) Ibid., p. 613. (retornar ao texto)

(37) Ibid, p. 589. (retornar ao texto)

392
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo III – Fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Iena, 1801-


1804)
7 — Os limites da Economia política hegeliana

A tendência filosófica e histórica do pensamento de Hegel é deduzir todas as


categorias econômicas e sociais do relacionamento de uma pessoa com a
sociedade burguesa moderna, para mostrar como as leis objetivas do
movimento surgem dessas relações e relações que governam as relações
mútuas e relações que tomam forma entre o homem, a natureza e a
sociedade, e como as contradições estão ligadas nessa base, cuja superação
e conservação em um nível superior tornam possível entender em última
instância toda a estrutura da sociedade e da história.

A formulação de novas questões na interpretação filosófica da prática


humana tem uma tendência antifetichista pronunciada em Hegel. A
compreensão dialética do mundo como um todo, como um sistema de
mover e transformar opostos, no conhecimento da sociedade, é expresso no
desejo de Hegel de compreender todas as categorias objetivas de natureza
econômica e social, como móveis, cheias de contradições das atitudes das
pessoas. Assim, as categorias perdem sua imobilidade metafísica e fetichista,
sem perder sua objetividade. Afinal, já sabemos que o entendimento
hegeliano da prática sempre envolve interação com a realidade objetiva.
Através de uma atividade humana cada vez mais intensa, as realizações de
um nível cada vez mais alto dessa atividade se abrem e registram cada vez
mais novas definições de um objeto que entram em interação com essa
atividade. Quanto mais complexo o sistema de atividade humana na
sociedade se torna e quanto mais desenvolvido, mais necessária é a luta
dialética contra a estagnação metafísica do pensamento, contra a
fetichização das categorias em que essas relações são para nós formas de
sujeito social autogeradas pela atividade humana, maior o mundo das
definições objetivos com as quais a atividade humana interage e, portanto, a
tendência filosófica deve fazer-se sentir objetividade.

Já estamos familiarizados - em suas características básicas - com esses


princípios da metodologia hegeliana de conhecimento da sociedade. A
questão que agora nos ocupa é a seguinte: para onde vai a fronteira para a
aplicação desse método por Hegel? E mais: como essa limitação está
relacionada ao idealismo filosófico de Hegel? Por outro lado, até que ponto
o idealismo de Hegel influencia sua compreensão da sociedade burguesa
moderna, sua origem e sua avaliação. E aqui nos deparamos com um
393
conjunto complexo de problemas relacionados, entre os quais não existe um
relacionamento simples. Por um lado, devemos explorar as maneiras pelas
quais o idealismo filosófico afeta o entendimento hegeliano limitado da
economia política, por outro lado, e ao mesmo tempo, que devemos
estabelecer até que ponto este idealismo entranha na situação social de
Hegel.

O primeiro ponto significativo, que provavelmente já se tornou óbvio para o


leitor atento, é que Hegel trata a sociedade burguesa como algo unitário.
Isso, é claro, é uma consequência do atraso econômico e social da
Alemanha. As grandes batalhas de classe da época, que se desenrolaram na
Inglaterra e na França, levaram, por um lado, ao fato de que a base
econômica cientificamente sólida das contradições de classe se refletiu na
teoria do valor, embora os clássicos da economia política não tenham sido
capazes de concluir a partir dessa descoberta, a natureza contraditória da
sociedade de classes. Por outro lado, a experiência direta dessas grandes
batalhas de classe leva vários pensadores, publicistas e políticos, tanto na
Inglaterra quanto na França, a uma compreensão mais ou menos clara do
objetivo, a existência real da luta de classes. Além disso, na época da
formação da filosofia hegeliana, surgiram pontos de vista em que pelo
menos especulações foram encontradas de que as contradições de classe
que estavam na base da sociedade burguesa o levariam além de seus
próprios limites.

Com Hegel, não encontramos tais confissões em nenhuma direção. De


qualquer forma, já tivemos a oportunidade de garantir que Hegel não
apenas se limite a comprovar como simples o fato do oposto da pobreza e
da riqueza na sociedade moderna, mas também reconheça que esse oposto
decorre do próprio desenvolvimento dessa sociedade (fábricas e
disseminação da pobreza). Ao mesmo tempo, é interessante e importante
afirmar que tal fato registrado corretamente, reconhecido pelo próprio Hegel
como necessário, não exerce influência decisiva em suas visões econômicas
ou públicas. A afirmação desse fato não está teoricamente ligada por Hegel à
teoria do valor de Adam Smith, ele não vê nesse fato a força motriz da
sociedade burguesa. A oposição entre ricos e pobres permanece em parte
para ele apenas um fato, com o qual a sociedade - e sua pesquisa científica -
devem agir, em parte atua como um obstáculo ao funcionamento normal
dessa sociedade; no entanto, a tarefa do estado e do governo é equilibrar e
de alguma forma igualar as consequências excessivas desse fato que podem
desestabilizar a sociedade. Uma declaração magnífica desses fatos e a
fixação das ligações necessárias entre eles não levam Hegel a nenhuma
consequência e conclusões adequadas em sua concepção de construção de
uma sociedade, sem mencionar o fato de que o próprio conhecimento
desses fatos não afetou as generalizações filosóficas adicionais de Hegel,
para equilibrar e de alguma forma igualar as excessivas consequências desse
394
fato que poderiam desestabilizar a sociedade. Uma declaração magnífica
desses fatos e a fixação das conexões necessárias entre eles não levam Hegel
a nenhuma consequência e conclusões adequadas em sua concepção de
construção de uma sociedade, sem mencionar o fato de que o próprio
conhecimento desses fatos não afetou as generalizações filosóficas adicionais
de Hegel.

Pelas razões acima expostas, as críticas de Hegel que Marx deu em sua
Introdução à crítica da economia política se referem a toda a metodologia
hegeliana da filosofia social. Marx escreve: "(...) considerar a sociedade
como o único sujeito significa considerá-la incorretamente,
(1)
especulativamente" . Com Hegel, o povo e o Estado constituem uma
entidade unitária com a qual o "sistema de necessidades" econômico,
subjacente a eles, está correlacionado. Já vimos que as contradições
fundamentais que determinam o curso da história do mundo são as
contradições para Hegel entre os povos, mas não dentro dos próprios povos.
Também testemunhamos que Hegel, com a maior inteligência e perspicácia,
observa e descrevem mudanças na estrutura social dos povos individuais, ele
leva isso em consideração quando se trata de contradições históricas
mundiais que surgem entre os povos. No entanto, nessas mudanças e em
sua dialética interna, ele nunca viu a força motriz do desenvolvimento
dialético da história do mundo.

Esse idealismo surgiu na base econômica de opostos de classe não


desenvolvidos na Alemanha. Certamente, seria uma simplificação inaceitável
se começássemos a derivar diretamente dessa posição de Hegel todas as
formas de manifestação de seu “idealismo” na ciência econômica. Já
tínhamos a oportunidade de garantir que o horizonte social e histórico de
Hegel se estendesse muito além da Alemanha; sua filosofia social se tivermos
em mente as principais características dessa filosofia, a situação na
Alemanha recebe muito menos atenção do que os problemas econômicos e
sociais europeus que surgiram durante os franceses e a revolução francesa e
a revolução industrial na Inglaterra, e ainda o idealismo na ciência
econômica, a compreensão da sociedade como um assunto unitário, sem
dúvida, também recebem seu reforço nas visões hegelianas da história
mundial. Estamos nos referindo ao reconhecimento por Hegel do
desenvolvimento pós-revolucionário ideologicamente extremamente intenso
da França, e especialmente de suas ilusões políticas e sociais associadas ao
governo de Napoleão. Isso apenas fortaleceu e reforçou o idealismo de
Hegel na economia política, alimentada por fontes alemãs. Sem dúvida, o
idealismo, graças a isso, adquire um pathos otimista pronunciado, o pathos
da renovação do mundo, a aparência do espírito do mundo, o pathos que
encontrou sua manifestação na “Fenomenologia do Espírito”. Sem essas
ilusões hipertrofiadas, sem essas esperanças utópicas, o próprio
subdesenvolvimento das relações econômicas na Alemanha teria tido um
395
tipo completamente diferente de impacto na filosofia de Hegel, e não há
dúvida sobre isso. Estamos nos referindo ao reconhecimento por Hegel do
desenvolvimento pós-revolucionário ideologicamente extremamente intenso
da França, e especialmente de suas ilusões políticas e sociais associadas ao
governo de Napoleão. Isso apenas fortaleceu e reforçou o idealismo de
Hegel na economia política, alimentada por fontes alemãs. Sem dúvida, o
idealismo, graças a isso, adquire um pathos otimista pronunciado, o pathos
da renovação do mundo, a aparência do espírito do mundo, o pathos que
encontrou sua manifestação na “Fenomenologia do Espírito”. Isso apenas
fortaleceu e reforçou o idealismo de Hegel na economia política, alimentada
por fontes alemãs. E não há dúvidas sobre isso.

De qualquer forma, deve-se ter em mente que, na tendência de


desenvolvimento da Alemanha, outro momento social exerceu seu efeito,
que nessa direção deveria ter influenciado a filosofia hegeliana. Lenin
repetidamente assinalou que o problema central da revolução burguesa na
Alemanha era a formação da unidade nacional. Vimos que essa questão
teve um papel muito importante na evolução política e intelectual de Hegel.
E se Hegel mais tarde, como veremos mais adiante, acreditava que o
desenvolvimento do tipo napoleônico poderia levar à formação da unidade
nacional da Alemanha, que ele associou à superação de remanescentes
absolutistas feudais, à fragmentação da Alemanha em muitos pequenos
estados, isso não significa nada.

Somente nessa base o conceito hegeliano de Estado poderia emergir como


algum tipo de realização da “razão”: de acordo com Hegel, é nessa base que
o Estado surge como algo que está do outro lado de todos os opostos da
sociedade burguesa (em breve veremos também como essa visão tem o
efeito oposto), sobre o conceito hegeliano da relação entre sociedade
burguesa e Estado. O estado, segundo Hegel, pode desempenhar esse papel
apenas porque as pessoas, entendidas como algo unitário, tornam-se a
personificação de imagens específicas, uma procissão histórica concreta do
espírito. Com esse entendimento, o desenvolvimento histórico de Hegel
contém contradições dialéticas: a dialética do desenvolvimento histórico
surge das batalhas que ocorrem aqui. O conceito hegeliano de história do
mundo é o conceito de uma série contínua de grandes batalhas, durante as
quais o papel principal do espírito mundial em progresso, sua personificação
a qualquer momento, em cada estágio de desenvolvimento, passa de um
povo para outro. Diante de nós existe uma espécie de "migração da alma"
do espírito do mundo: nações individuais, cada uma em uma determinada
época, dão a imagem única na qual o espírito do mundo aparece em certo
estádio de seu desenvolvimento.

Não devemos perder de vista dois pontos de vista: primeiro, até certo ponto,
é justificável falar de uma única imagem de uma nação ou de um único

396
desenvolvimento nacional. Somente os rudes vulgarizadores do marxismo
ignoram esse momento e tentam dissolver os traços nacionais em certa
doutrina de sucessivas "formações". Quando o marxismo revela as causas
sociais das diferenças no desenvolvimento da, digamos, França e Inglaterra,
quando ele acredita que, com base nessas diferenças, as classes e suas lutas
inevitavelmente assumem diferentes formas, o marxismo revela uma
especificidade nacional mais profunda do que pensadores e historiadores
burgueses (incluindo Hegel), que não vêem essas verdadeiras forças motrizes
dos caminhos nacionais de desenvolvimento e interpretam a unidade
nacional mais ou menos metafisicamente.

Não devemos perder de vista o fato de que o resumo da filosofia hegeliana


da história que apresentamos aqui em breve é um resultado inevitável, mas
aquele em que não se pode ver toda a riqueza de tendências opostas
efetivas. A presença dessas tendências opostas, de uma maneira ou de outra,
já observamos com Hegel. E quando nós, na "Fenomenologia do Espírito",
vemos como o espírito da face do mundo grego adquire, superando-o, a
face do mundo romano, então o processo de contradições dialéticas
mostradas aqui por Hegel aparecem como essencialmente internas.
Especialmente na "Fenomenologia do espírito", na qual - em plena
conformidade com a metodologia geral - os eventos externos da história
mundial desempenham um papel muito menor, sobre a destruição da vida
estatal das repúblicas da cidade gregas por guerras externas, conquistas
(Macedônia, Roma) não é mencionado. A abolição do espírito grego é
apresentada aqui como um processo puramente interno. Do mesmo modo,
a Fenomenologia do Espírito trata da grandeza e queda de Roma, a abolição
do antigo regime na França. Observamos que a filosofia da história posterior
em Hegel tem materiais e fatos mais ricos da vida social e cultural, de modo
que esses opostos se manifestam com muito mais clareza e força do que na
"Fenomenologia do Espírito".

No entanto, há uma tendência oposta no pensamento de Hegel, que, apesar


de toda a sua força e riqueza de conteúdo, nunca poderia prevalecer em sua
metodologia. Afinal, não há dúvida de que a unidade metafísica do espírito
nacional é certamente necessária para o idealismo objetivo de Hegel do
ponto de vista da metodologia. Se a unidade do povo se dividisse no oposto
das forças que se opunham, o que, talvez, teria tido alguma orientação
definida e mais ou menos claramente expresso a fisionomia nacional, mas
ainda não teria um "portador" único, isso nos levaria a certamente além da
estrutura do idealismo objetivo.

Obviamente, as tendências opostas de Hegel estão sempre presentes e às


vezes são extremamente fortes. No entanto, eles são eficazes apenas dentro
da estrutura do idealismo objetivo. É característico da evolução de Hegel
que essas tendências opostas e a especificidade da pesquisa histórica de

397
Hegel se manifestam mais onde os problemas do estado não são abordados
ou podem ser deixados de lado, como, por exemplo, na segunda parte da
"Fenomenologia do Espírito" e, especialmente, na "Estética" .

O fato de que nenhuma dessas tendências opostas pode prevalecer na


filosofia hegeliana está ligado ao outro lado, também muito controverso do
trabalho de Hegel, isto é, com sua posição negativa em relação às formas
radicais da implementação da democracia, ignorando as forças criativas do
estado plebeu. Já nos familiarizamos com o conceito de Hegel no curso de
sua análise da revolução francesa e sabemos que sua posição não é uma
rejeição dos ideais republicanos da juventude, mas que essa atitude desde o
início se tornou uma característica essencial de sua "face intelectual". Esse
conceito, no entanto, tem o efeito e as consequências opostas para todo o
conceito de história do mundo como um todo, para a apresentação e
descrição de todo o processo de desenvolvimento histórico na Antiguidade e
na Idade Média. Claro Hegel já reconhece - em contraste com os princípios
de sua filosofia da história do período de Berna - a existência da escravidão
na antiguidade, ele não subestima a importância do trabalho escravo para as
repúblicas gregas da cidade, para a vida política dos "livres"; vimos até que
papel importante ele atribui à "escravidão" e ao trabalho escravo no
desenvolvimento da cultura humana. Mas isso não significa que as oposições
entre proprietários de escravos e escravos, entre nobres e servos feudais
tenham realmente desempenhado um papel importante no conceito
hegeliano de desenvolvimento dialético da história do mundo. Como Hegel
vê o poder criativo da "multidão" na cultura, na melhor das hipóteses,
apenas no campo econômico, fica muito mais fácil para ele mistificar o
espírito corporificado no povo e no estado.

Certamente, de um ponto de vista posterior, não é difícil identificar essa


crítica do pensamento hegeliano e criticá-lo. É muito mais difícil perceber
que, nas condições da então da Alemanha, um sistema filosófico tão amplo
e abrangente como o de Hegel não poderia ter surgido numa base
democrática radical. A própria linha de defesa não democrática hegeliana do
progresso - apesar da natureza contraditória de seu desenvolvimento -
contém certos elementos utópicos em relação à realidade alemã, certa auto-
elevação nessas circunstâncias alemãs. No entanto, essa elevação não é um
voo para o céu azul: ela procede dos fatos históricos mundiais do
desenvolvimento econômico e social da França e da Inglaterra. Portanto,
após o discurso malsucedido de Babeuf no silêncio idílico da vida social da
Alemanha, não havia base real para a democracia radical. Ela
inevitavelmente degeneraria em um utopismo subjetivo. O exemplo de
Holderlin e Fichte mostra com convicção suficiente onde esse caminho
levaria na Alemanha. Portanto, não é por acaso que as visões sociopolíticas
de Hegel se desenvolveram em uma direção antidemocrática. Este não é um
lado sombrio de seu desenvolvimento individual. Tendências semelhantes
398
podem ser observadas em todas as pessoas destacadas da Alemanha dessa
época, e especialmente em Goethe. Uma completa contradição no
desenvolvimento do pensamento no âmbito da dialética idealista, que, por
um lado, superou a inércia metafísica do materialismo antigo, e, por outro
lado, embora inconscientemente, não intencionalmente, contrariamente ao
seu programa idealista, ele incorporou elementos de uma compreensão
verdadeiramente materialista do mundo objetivo - só poderia ser realizado
na Alemanha combinando certa dose mínima de utopismo com uma defesa
concreta, ousada e não apologética do progresso no desenvolvimento da
humanidade. Nas condições da Alemanha desse período, a democracia
radical não poderia se tornar um elemento construtivo frutífero de uma
compreensão realista e dialética da realidade, enquanto na Alemanha após a
Revolução de Julho e na Rússia nas décadas de 1850 e 1860, esse
radicalismo se tornou um pré-requisito indispensável para uma percepção
abrangente e correta da sociedade e de sua história, defesa não apologética
do progresso no desenvolvimento humano.

Começando agora um exame mais aprofundado da filosofia social de Hegel


do período Iena, podemos encontrar imediatamente nela duas tendências
que estão intimamente ligadas ao idealismo econômico de Hegel. Primeiro,
Hegel não deriva a estrutura interna da sociedade, sua divisão em classes da
própria economia. Em segundo lugar, o estado e o governo, por sua vez,
não são o resultado da dialética econômica e social interna dos opostos
dessas classes. Por esse motivo, na filosofia social hegeliana, existem dois
saltos que podem ser superados metodologicamente e incluídos no sistema
apenas de maneira que Hegel seja forçado a mudar o método extremamente
proveitoso que descobriu.

Nos dois casos, é impossível não ver a intensa luta interna de Hegel, a luta
de várias tendências opostas em seu pensamento. Sempre encontramos
especulações de Hegel sobre as conexões corretas das coisas, ele
constantemente se esforça para reconhecer as relações orgânicas e corretas
entre elas. Teríamos o direito de afirmar que a retirada dialética de
propriedades em Hegel está se tornando cada vez mais "econômica". O
ponto culminante de sua construção idealista é, como veremos em breve,
sua primeira tentativa de criar um sistema em Iena.

E essa evolução de Hegel na direção de uma justificativa cada vez mais


concreta e cada vez mais econômica da estrutura social não desapareceu no
final do período Iena. Além disso, pode-se argumentar, pelo contrário, que a
tendência de Hegel está em constante crescimento. Já tivemos a
oportunidade de ver que a formulação da necessidade de pobreza e riqueza
encontra sua expressão mais alta, mais completa e aguda na Filosofia do
Direito. E isso não é de forma alguma acidental, porque na Filosofia do
Direito, junto com Adam Smith, Ricardo também é adicionado aos mentores

399
de Hegel. E essa evolução continua após a Filosofia do Direito. A esse
respeito, é muito característico do pensamento de Hegel com sua destemida
busca pela verdade e por seu constante avanço, que em seu último escrito,
redigido depois da Revolução de Julho e que tem por tema o bill inglês de
reforma (1831), o filósofo chegue à afirmação da tripartição da sociedade
em estamentos da nobreza, os burgueses e os camponeses já não
correspondam à situação da maioria dos Estados(2). É verdade que, a partir
dessa afirmação de fatos econômicos, Hegel, novamente em sua maneira
característica, não faz generalizações e conclusões do ponto de vista de seu
conceito geral. Pelo contrário, ele acredita que, apesar de tudo, essa
estrutura, com as medidas efetivas tomadas pelo governo, pode se mostrar
justa. No entanto, o próprio fato de Hegel seguir de perto um conceito tão
contrário ao seu e descrever seus resultados, por mais que contradigam suas
próprias opiniões, mostra quão profundas e contrárias eram essas tendências
de Hegel. Este exemplo, no entanto, também mostra que eles não poderiam
se tornar dominantes nele.

Nos escritos de Hegel do período Iena, pode-se traçar com muita precisão
como seu entendimento da divisão de classes da sociedade burguesa se
tornou mais realista e econômico. A primeira apresentação de seus pontos
de vista sobre a sociedade - o "Sistema de moralidade" - é o culminar de
suas construções idealistas. Não é de forma alguma acidental que esse
método de pesquisa de sujeitos coincida com o ponto mais alto da
experimentação hegeliana com a terminologia de Schelling. O fortalecimento
de Hegel da tendência realista em um entendimento concreto dos processos
sociais é paralelo à rejeição da maneira de Schelling de formar conceitos.

Como sempre, também aqui, Hegel parte do fato de que um povo é um


conceito unitário, que se divide em classes para que, com base nessa
diferenciação, volte à unidade. Nesse ponto de partida metodológico, a
natureza idealista da doutrina da sociedade de Hegel é claramente visível.
Aqui também se pode ver isso, que Hegel não permaneceu completamente
no nível das alturas da dialética que ele próprio alcançou. Quando ele
considera a prática em seus termos gerais, seu ponto de partida é uma
contradição móvel e comovente ao mesmo tempo, cuja remoção leva à
unidade - especificamente a unidade hegeliana de contradições, portanto,
leva à superação da contradição, que, com base na própria dialética das
coisas, leva a formas cada vez mais elevadas, de posição e superação da
contradição. Aqui, pelo contrário, o movimento segue na direção oposta - da
unidade pela diferença novamente para a unidade. Aqui é impossível
impedir o fato de que essa unidade adquire certo sabor de casca, expressa
no fato de que as contradições nela desaparecem completamente. Essa
metodologia não pode ser simplesmente atribuída à influência de Schelling.
Além disso, essa é uma necessidade metodológica, resultado de contradições
no entendimento hegeliano da própria sociedade. Já vimos e, no futuro,
400
ficará ainda mais claro para nós que, no pensamento de Hegel, há
tendências ativamente opostas. No entanto, também vimos que nenhuma
dessas tendências poderia prevalecer, e nossa análise do significado
sistemático de "Entäußerung" na "Fenomenologia do Espírito" mostrará que
estamos falando de uma contradição fundamental de todo o conceito
filosófico de Hegel, que ele só poderia superar superando a estrutura do
idealismo objetivo. E isso, por sua vez, por razões já conhecidas por nós, era
impossível. A grandeza de Hegel, em particular, reside no fato de que,
dentro da estrutura desse idealismo, ele cria uma extensão tão vasta na qual
as tendências opostas de sua dialética, que refletem corretamente a
realidade, estão em um estado - relativamente desimpedido - para
manifestar todas as suas forças vitais.

A evolução dos pontos de vista de Hegel em Iena consiste essencialmente no


fato de que, dentro do próprio conceito do todo de moralidade, momentos
econômicos e históricos objetivos são cada vez mais enfatizados em
oposição à moralidade sozinha. No "Sistema de moralidade", essa proporção
se manifesta ainda da maneira mais desfavorável. Da unidade do povo, a
distinção de propriedades é derivada como a diferença de diferentes níveis
de virtudes sociais. Hegel tira a seguinte conclusão: "O povo como totalidade
orgânica é a indiferença absoluta de todas as determinações da prática e da
moral. Seus momentos, como tais, são a forma de identidade, indiferença,
depois a forma de diferença e, finalmente, a forma de indiferença viva
absoluta; e nenhum desses momentos é abstração, mas todo mundo é uma
realidade ... Potências de moralidade, representar-se nessa realidade dentro
da totalidade perfeita, a essência da lógica e o princípio de cada uma delas é
certa forma de moralidade que descrevemos. Consequentemente, essa classe
de moral absolutamente livre da realidade"(3). Aqui o curso geral do
desenvolvimento dialético da unidade através da diferença novamente para
a unidade é claramente visível. Também se vê que a divisão em
propriedades está associada à divisão de uma única moralidade do povo, a
uma hierarquia de virtudes. As diferenças econômicas e sociais nas
propriedades, neste caso, são apenas um campo de atividade adequado
para as virtudes.

E o fato de que, neste trabalho, as propriedades são vistas de cima para


baixo, isto é, que Hegel desce do estado geral para apenas a moralidade
natural, não pode ser considerado como algo simplesmente externo, isto é,
uma questão apenas de forma, porque nas palestras de Iena 1805-1806,
onde foi dado um desenvolvimento maduro da estrutura da sociedade,
Hegel segue na direção oposta, no caminho da ascensão do "trabalho
concreto" dos camponeses a níveis mais altos de abstração - para os
habitantes da cidade e para a comunidade mais alta da classe alta. De fato, é
precisamente quando se move de baixo para cima que uma das duas, a
tendência mais realista de Hegel, se manifesta, ou seja, a pronunciada
401
"economização" da essência e caráter das propriedades individuais é muito
mais forte. E, novamente, não é coincidência que este seja mais realista, o
conceito mais dialético da estrutura de classes não pode ser expresso na
terminologia de Schelling, enquanto no design que encontramos no Sistema
de Moralidade, a terminologia de Schelling é a espinha dorsal do aparato
conceitual hegeliano. A retirada das classes de baixo para cima é, de fato,
uma forma mental preliminar, uma preparação sócio filosófica do método
fenomenológico: uma descrição verdadeiramente hegeliana da essência do
espírito é mais claramente expressa no fato de representar o espírito como
um processo dialético de autocriação e de se encontrar no criado. O espírito
como resultado de um processo dialético só pode ser desenvolvido ao longo
desse caminho de movimento de baixo para cima,

Quando falamos sobre o fato de que a sistematização das propriedades no


"Sistema de Moralidade" é essencialmente uma hierarquia de virtudes,
esperávamos que ninguém argumentasse que Hegel estava abordando a
ética de kant-fichte aqui, porque essas virtudes não são de forma alguma
pensadas de maneira abstrata e formal por Hegel, não são uma obrigação
simples para ele, dirigida à subjetividade moral, mas, pelo contrário, são
totais concretos de definições sociais, dentro da estrutura da totalidade
concreta da sociedade como um todo.

Se falarmos sobre o fato de Hegel ter predecessores na interpretação da


virtude, nesse sentido, devemos lembrar não de Kant ou Fichte, mas de
filósofos sociais do Iluminismo, como, por exemplo, Montesquieu. A
doutrina do estado de Montesquieu já contém, como se sabe, uma distinção
histórica social entre virtudes e vícios, quando ele diz que, sob a monarquia,
funções sociais positivas desempenham e inevitavelmente podem executar
virtudes completamente diferentes daquelas da república. Hegel sabia muito
bem sobre a proximidade de seu desejo de integridade concreta com as
ideias de Montesquieu. Ele mesmo fala sobre isso em um artigo posterior
sobre direito natural: “É preciso perceber como todas as partes do estado e
da legislação, todas as definições de relações morais são diretamente
determinadas pelo todo e formam uma estrutura, nos quais não havia a
priori laços, decorações, mas todos eles devem sua formação ao todo e estão
subordinados a ele. É nesse sentido que Montesquieu lançou as bases de seu
trabalho imortal de estudar a individualidade e o caráter dos povos"(4). É
claro, é claro, que estamos falando apenas de proximidade metodológica.
No entanto, essa proximidade é bastante profunda, e aqui, como em muitos
outros casos, Hegel, em sua luta contra a natureza abstrata do idealismo
subjetivo, também se baseia na herança metodológica dos grandes
empiristas e realistas do Iluminismo.

É claro que, ao mesmo tempo, Hegel tem um novo problema, uma nova
inconsistência em sua concepção de prática. A diferenciação social de

402
moralidade de Montesquieu era um fato sócio histórico para ele, que ele
simplesmente descreveu e analisou. Em contraste, Hegel tem o seguinte
dilema filosófico: por um lado, para ele, a totalidade específica de definições
sócio históricas (na esfera objetiva da atividade moral, bem como em sua
certeza subjetiva) é precisamente a maneira pela qual a subjetividade
abstrata da moralidade kantiana-fichtiana pode ser superada. Hegel
contrasta a pretensiosa elevação da obrigação abstrata, o imperativo vazio
categórico de Kant e Fichte com precisamente essa especificidade sócio
histórica, essa unidade sócio histórica de princípios subjetivos e objetivos de
moralidade. Por outro lado, Hegel não pode insistir na simples diferenciação
da moralidade em classes. E aqui é precisamente o caminho que ele
escolheu que o leva a um emaranhado intransponível de contradições.
Afinal, é sabido que, se a filosofia social está focada na ideia de que a mais
alta virtude, o mais alto nível que a consciência pode alcançar, pois cada
pessoa pode ser apenas a virtude de sua própria classe, então isso equivale a
reconhecer que os opostos da classe são a base da sociedade, que Hegel
não pôde encontrar pelas razões já discutidas.

Se você abordar a questão de maneira bastante estrita, apenas declarar as


diferenças desse ponto de vista seria uma ideia bastante simples. Afinal,
sabe-se que a sociedade sempre representa objetivamente a unidade,
embora comovente e cheia de contradições, mas, no entanto, a unidade e as
consequências dessa unidade para o desenvolvimento da consciência eram
constantemente enfatizadas com grande determinação por Marx, Engels e
Lenine. Somente para a sociologia vulgar certas classes representam
"mônadas sem janelas". Por várias razões, Hegel teve, portanto, que ver
numa distinção de classe concreta entre virtudes certo princípio essencial da
realidade, que, no entanto, deve ser novamente removido em unidade. A
seguir, apontaremos as contradições específicas que surgiram antes de Hegel
devido a esse dilema.

A característica de Hegel de propriedades individuais permanece constante


em suas características básicas, tornando-a ainda mais concreta,
especialmente em termos econômicos. Portanto, consideraremos essa
característica quando abordarmos a forma mais madura de apresentação
(palestras 1805/06). A história da maneira como Hegel descreve a estrutura
da sociedade é de algum interesse em termos da evolução de seus pontos de
vista. Hegel nunca mais volta ao método de derivação de cima, sobre o qual
já falamos. A experimentação com a terminologia de Schelling claramente
não o satisfez.

O artigo sobre direito natural, publicado imediatamente após o "Sistema de


Moralidade", contém um método de apresentação radicalmente diferente - o
histórico. Aqui, Hegel procede de uma descrição do mundo antigo e de sua
decomposição e, com base em uma análise do processo de

403
desenvolvimento, chega à conclusão de que são necessárias as três classes
da sociedade moderna sobre as quais ele falou no trabalho anterior. Essas
considerações históricas são, em alguns aspectos, adjacentes à sua filosofia
da história da juventude, mas é aqui que se pode ver claramente como suas
visões mudaram drasticamente ao longo dos anos.

A dialética histórica desses achados diz respeito principalmente às duas


primeiras classes. É verdade que aqui Hegel também fala de escravidão na
antiguidade. De vez em quando, em seu artigo, estamos falando sobre a
propriedade camponesa, mas a última é provavelmente uma aplicação do
que um assunto essencial de sua dialética. Para Hegel, a antítese entre os
livres e os não-livres é importante, e na antiguidade, entre os cidadãos da
política e aqueles cuja tarefa é apoiar financeiramente as pessoas livres que
vivem pelo bem da política e travam guerras. A imagem da antiguidade, em
suas características básicas, corresponde à imagem que ele criou nos
primeiros anos de sua juventude, a única diferença é que ela retrata
adicionalmente a base material e econômica na qual reside a liberdade, a
atividade política livre dos cidadãos da política.

A imagem da decomposição da antiguidade também é semelhante à


aparência da antiguidade que Hegel desenvolveu em sua juventude. É
interessante, por exemplo, que a fonte para a imagem desse período de
decomposição da antiguidade permaneça a mesma - Gibbon. Hegel resume
aqui os resultados desse processo de decomposição, assim como ele fez em
sua juventude, ou seja, como o processo de privatização de toda a sua vida.
Mas se em suas primeiras tentativas, Hegel viu neste processo apenas algo
negativo, apenas decomposição, agora ele formula esse processo de uma
maneira diferente: "Com a perda da moralidade absoluta e a humilhação do
estado nobre, ambas as propriedades anteriormente separadas se tornaram
iguais (...). O princípio estabelecido da formalidade, unidade e igualdade
geralmente removiam a distinção genuína interna de propriedades (...). O
princípio da universalidade e da igualdade deveria primeiro subjugar o todo
a si mesmo, de modo a substituir o isolamento de ambas as propriedades
por sua mistura. Nessa confusão, de acordo com a lei da unidade formal, o
primeiro estado foi essencialmente completamente retirado e apenas o
segundo se tornou um povo"(5).

A filosofia da história já está sendo preparada aqui, como aparece na


"Fenomenologia do Espírito", na qual a decomposição da democracia antiga
no Império Romano se torna a justificativa para o "status legal", o
nascimento da "entidade legal" abstrata. Mais tarde, a partir deste estado,
sob a influência do cristianismo que surgiu sobre essa base, ocorre a
formação de uma sociedade burguesa moderna, baseada na unidade como
princípio - a sociedade burguesa -. Hegel considera essa linha de

404
desenvolvimento como absolutamente inevitável. Esse desenvolvimento
deve ser reconhecido em sua totalidade, se não conduzir à autocracia.

“Este sistema de propriedade e lei, que por uma questão de força e


individualidade negligenciou o absoluto e o eterno e fechou no finito e no
formal, deveria, realmente se separar do estado nobre e ter perdido contato
com ele, ser constituído em seu próprio estado e espalhado em toda a sua
amplitude e plenitude.(...) Para que esse sistema se desenvolva, se torne um
estado geral e destrua inevitavelmente a moralidade livre, onde essa
moralidade se mistura com essas condições e não é separada desde o início
delas e de suas consequências, é necessário que este sistema (...) seja
excluído do estado nobre e lhe seja dado como seu reino a esfera da vida de
outro estado, onde ele possa se estabelecer em sua confusão e, ao remover
essa confusão por outro, ele possa desenvolver seu próprio atividade"(6).

Essa construção da filosofia da história, que encontrou sua mais alta


expressão na proclamação da dominação econômica e, ao mesmo tempo, a
"insignificância política" da burguesia, é a apresentação mais clara e franca
da filosofia da história de Hegel no período Iena. Hegel considera as
profundas contradições que surgem dessa compreensão da sociedade
moderna na seção do artigo diretamente adjacente à final, ou seja, na seção
"A tragédia e a comédia do ético".

Os problemas que Hegel considera nesta secção serão abordados no


próximo capítulo. Aqui nos restringimos a caracterizar as principais
características do conceito hegeliano de sociedade. Em resumo, essa é a
filosofia da história do período napoleônico, a sistematização sócio filosófica
das ilusões que Hegel associou a esse período. O significado social do
conceito é aproximadamente o seguinte: na vida econômica - tudo é do
interesse da burguesia, mas na vida política do estado - tudo fica sem a
burguesia e, acima de tudo, diz respeito ao papel histórico mundial da
nação, que se manifesta principalmente na guerra.

É extremamente característico do período Iena que a guerra desempenha


um papel decisivo em toda a filosofia social de Hegel. Essa formulação das
perguntas já estava preparada em seu ensaio sobre a constituição alemã, em
que a análise do colapso interno da Alemanha tem como principal objetivo
mostrar por que a Alemanha era incapaz de defesa militar, enquanto outra
maneira de superar o feudalismo fez da França uma potência militar
(lembre-se essa conexão e o esboço do jovem Hegel sobre a diferença entre
os exércitos do antigo regime e a revolução). Em todos os discursos
filosóficos e históricos de Hegel do período Iena, a atitude em relação à
guerra está em primeiro plano.

405
Somente nessa base podemos entender geralmente o que Hegel quer dizer
com "estado nobre" e "estado geral". Ele observa dessa maneira aquele novo
estrato militar, que havia avançado na França após a revolução e
consolidado sob Napoleão como uma nova nobreza. Rosenzweig e outros
intérpretes modernos de Hegel distorcem os fatos, alegando que estamos
falando sobre a antiga nobreza. Dominância em uma sociedade moderna da
individualidade, a própria formação de personalidade nessa sociedade
através da alienação (Entäußerung) não pode ser baseada em nenhuma
nobreza hereditária. Verdade, em suas palestras em 1805/06. Hegel fala de
uma monarquia hereditária, considera a personalidade e a família do
monarca como algo "natural", mas apenas abre uma exceção para o
monarca"(7). Observamos que essa visão de Hegel em todos os seus escritos
do período Iena corresponde à convicção de que coragem, determinação e,
finalmente, sacrificar-se ao povo não são apenas a mais alta de todas as
virtudes, mas também a única virtude na qual praticamente não somente
teoricamente a característica é removida e, na maioria das pessoas, é a
universalidade da vida das pessoas realizada.

Essa compreensão do primeiro estado é reforçada durante o período Iena


pela filosofia hegeliana da história, segundo a qual uma paz permanente e
duradoura levaria à degeneração, vulgarização e decomposição da
sociedade burguesa. Na Fenomenologia do Espírito, Hegel formula essa
ideia em sua expressão mais aguda: “Para que este último não se enraíza
nesse isolamento, para que o todo possa se desintegrar e o espírito
desaparecer, o governo deve ocasionalmente sacudi-lo de tempos em
tempos durante guerras, violar isso. e perturbar a ordem estabelecida e o
direito à independência; para indivíduos que, se aprofundando nela, se
desapegam do todo e se esforçam constantemente por intocável por si
próprio e por segurança pessoal, que se sintam neste trabalho e atribuído a
eles, seu senhor é a morte”(8).

Se quisermos imaginar claramente as origens históricas da filosofia da


história de Hegel, basta recordar a caracterização do regime napoleônico
dada por Marx e mostrar claramente que Hegel fez apenas o que ele (é
claro, de forma ilusória, como convém ao idealista alemão) as principais
características deste período (com todo o seu autoengano heroico). Marx diz:
"Napoleão foi a personificação do último ato da luta do terrorismo
revolucionário contra a sociedade burguesa e sua política proclamada pela
mesma revolução. Napoleão já entendia a verdadeira essência do estado
moderno; ele já entendia que esse estado tinha como base o
desenvolvimento sem impedimentos da sociedade burguesa, o livre
movimento, interesses privados etc. Ele decidiu reconhecer essa base e
tomá-la sob sua proteção. Ele não era um terrorista sonhador. Mas, ao
mesmo tempo, Napoleão ainda considerava o estado como um fim em si
mesmo, e a vida civil apenas como um tesoureiro e seu subordinado, que
406
não tinham o direito de ter sua própria vontade. Ele acabou com o
terrorismo, substituindo a revolução permanente por uma guerra
permanente. Ele satisfez ao máximo o egoísmo da nação francesa, mas
também exigiu que os assuntos da burguesia, prazer, riqueza etc. fossem
sacrificados sempre que isso fosse ditado pelo objetivo político da
conquista"(9).

Nessa base, nas palestras de 1805/06. A última e mais madura formulação


de Hegel surge em relação à estrutura da sociedade burguesa. Como já
enfatizamos, o desenvolvimento prossegue aqui de baixo para cima, do
especial ao universal. Aqui, Hegel tenta retratar o espírito em seu
movimento, em termos de sua estrutura, como resultado de seu movimento
próprio. A estrutura das propriedades é talvez o caminho fenomenológico no
qual o espírito retorna a si mesmo. No âmbito da metodologia hegeliana do
período Iena, essa forma de desenvolvimento da estratificação social da
sociedade é a mais específica e economicamente viável. Portanto, saltos e
rachaduras em seu conceito são mais claramente visíveis aqui. Ao mesmo
tempo, veremos aqui com total clareza por que o conceito hegeliano de
moralidade, sua concretização na estratificação de classe não pode significar
o retorno final do espírito a si próprio, mas significa que o auto movimento
dialético do espírito deve levá-lo além das fronteiras do estado e da
sociedade. Não é por acaso que foi nessas palestras de Hegel que arte,
filosofia e religião apareceram pela primeira vez como uma esfera única e
superior de espírito, o que Hegel mais tarde chamaria de espírito absoluto. A
essência da questão, seus problemas são evidentes aqui, embora o termo
exato ainda não tenha sido encontrado.

O desenvolvimento teórico da estratificação social e do espírito que vai além


desse estádio é descrito por Hegel da seguinte forma: “Precisamos
desenvolver três pontos: primeiro, considere as partes do todo, a
organização sólida externa e seu interior, as forças que elas são em si
mesmas e depois a mentalidade. de cada estado, sua autoconsciência, seu
ser como conhecendo a si mesmo: uma separação direta da existência
existente, conhecimento do espírito sobre sua parte, como é, e elevação
sobre ela; a primeira é a moralidade, a segunda é a moralidade. tem seu a
natureza espiritual que foi oferecida a si mesma; a segunda é o seu
conhecimento de si mesma como conhecimento; a terceira é um espírito que
se conhece como um espírito absoluto, a religião.

É a propriedade e o espírito da propriedade, esse espírito em particular que


faz sua educação desde a confiança e o trabalho primitivos até o
conhecimento do espírito absoluto sobre si mesmo. A princípio, ele é a vida
das pessoas em geral. A partir disso, ele deve se libertar ...

407
O espírito, conhecendo toda a realidade e essência como ele mesmo, se
contempla, é um objeto para si; em outras palavras, ele é para si um
organismo vivo. Ele forma sua consciência. Somente agora ele é o
verdadeiro espírito em si mesmo. Em cada aula, ele tem seu próprio trabalho
específico, conhecimento de seu ser existente, fazendo na esfera desse ser e
um conceito especial, conhecimento de essência. Ambos os pontos devem
aparecer parcialmente divididos, parcialmente unidos"(10).

Aqui vemos mais claramente o problema de que falamos anteriormente, a


saber, a necessidade de Hegel se elevar mentalmente acima da sociedade,
de constituir a esfera do espírito absoluto, na qual a autodeterminação do
espírito é plenamente realizada. Hegel está realmente ciente da dialética
complexa desse movimento. Que ele vê claramente a dialética polissilábica
do relacionamento de um indivíduo com a sociedade burguesa moderna fica
claro do fato de que ele inclui na estrutura da sociedade a esfera de um
modo de pensar moral individual, a esfera da "moralidade", cujo movimento
corre além do social e, ao mesmo tempo, dá moralidade dupla. papel: em
parte se eleva acima da sociedade, em parte por sua abstração se submeter à
sociedade. (Essa dialética assume sua forma final pela primeira vez na
Filosofia do Direito).

Mas mesmo o desenvolvimento mais completo dessa dialética não significa


para Hegel uma solução para esse problema. E em seu sistema posterior, a
esfera da arte, religião e filosofia se eleva acima da esfera da sociedade, do
espírito objetivo e até mesmo da esfera do espírito absoluto. Nas palestras
discutidas acima, Hegel expressa claramente a ideia da necessidade de tal
avanço do espírito e, ao mesmo tempo, formula o principal motivo que
torna necessário esse avanço. Como acabamos de aprender com as palavras
do próprio Hegel, em uma sociedade perfeita, o espírito é apenas espírito
em si. Isso significa: ele se separou em seus vários momentos (propriedades).
As propriedades em si mesmas constituem integridade orgânica, unidade.
No entanto, essa unidade ainda não se tornou um ser para si mesma; ainda
não foi incorporada na consciência de um indivíduo. A dialética da
moralidade e da moralidade leva Hegel imperiosamente à conclusão que
uma consciência moral individual, que deve ser abstrata da necessidade, só
pode se manifestar na moralidade concreta (na consciência do estado ao
qual o indivíduo pertence por sua própria escolha e ocupação). Portanto,
qualquer elevação acima da consciência de classe, retirada para manter a
consciência de classe é possível, segundo Hegel, apenas na forma de
religião. Nas palestras que mencionamos, Hegel fala disso: "... na religião,
todos se levantam para essa contemplação de si mesmos como um eu
universal. Sua natureza, sua propriedade, está se afogando como um sonho,
como uma ilha distante aparecendo na borda do horizonte na forma de uma
nuvem de luz. Ele igual ao príncipe. Esse conhecimento de si mesmo como
espírito; ele é tão significativo para Deus quanto qualquer outro. É a
408
alienação de toda a sua esfera, de todo o seu mundo existente, não uma
alienação como essa, que é apenas uma forma, cuja educação e conteúdo
são, novamente, seres sensuais e a [alienação] universal de toda a realidade;
essa alienação devolve a ela como perfeita"(11).

Aqui vemos com total clareza um dos motivos essenciais que determinaram
inevitavelmente o lugar da religião, o cristianismo no sistema hegeliano.
Também é fácil perceber que esse motivo não é de todo religioso. A
conquista do espírito para o ser, sua ascensão acima da divisão da sociedade
em propriedades e a nítida separação de atitudes morais na sociedade
podem, segundo Hegel, ser removidas, sendo preservadas se for possível
encontrar esse conceito de completa igualdade, reconhecendo que o espírito
realmente volta a si mesmo. Como a desigualdade de propriedade na
sociedade capitalista é inabalável para Hegel, além disso, é a base
econômica para o desenvolvimento daquela unidade individual em que
Hegel vê um princípio mais alto de nosso tempo em comparação à
antiguidade, uma vez que Hegel não tinha ideia de nenhum estado de
genuína igualdade de pessoas, porque, por causa de seus sentimentos
antidemocráticos, não compartilhava as ilusões dos democratas radicais da
Revolução Francesa sobre a igualdade que teria surgido como resultado da
implementação da revolução democrático-burguesa, mas de todo o
conjunto, sua plenitude e, finalmente, como considerava a burguesia
portadora do desenvolvimento econômico moderno, sempre evitava ver a
classe na burguesia, vem no seu ser e da consciência de certa conclusão de
toda a humanidade - na medida em que pode ser dito sobre a base de tudo
isso, que a igualdade necessária em seu sistema poderia ser, por Hegel,
somente a igualdade religiosa das pessoas diante de Deus, porque, por
causa de seus sentimentos antidemocráticos, ele não compartilhou as ilusões
dos democratas radicais da Revolução Francesa em relação à igualdade que
teria resultado da implementação da revolução democrático-burguesa em
sua totalidade e, finalmente, já que considerava a burguesia portadora da
economia moderna sempre evitou poder ver a classe na burguesia, ver em
seu ser e consciência certa conclusão do desenvolvimento de toda a
humanidade, tanto quanto se pode dizer, que a igualdade necessária em seu
sistema poderia ser, por Hegel, somente a igualdade religiosa das pessoas
diante de Deus.

A atitude contraditória e ambivalente interna de Hegel em relação à religião


será discutida em mais detalhes na análise de A Fenomenologia do Espírito.
Aqui, para nós, foi necessário apontar um motivo social significativo que
atraiu Hegel ao cristianismo. Talvez não esteja fora do lugar citar, a esse
respeito, algumas das declarações de Napoleão sobre o cristianismo, nas
quais o "parentesco" das situações é claramente visível. Claro, apenas em um
sentido abstrato. Napoleão é uma figura ativa e líder no drama de seu
tempo: em suas ações, em realizações políticas, ele realiza o que Hegel tenta
409
compreender em pensamentos. Portanto, em Napoleão, essa atitude em
relação ao cristianismo é expressa de formas mais francas e cínicas; porque
para ele estava na ordem das coisas abrir igrejas, concluir uma concordata
com o papa, para buscar a coroação de seu papa no trono imperial, etc.
Junto com isso, Napoleão poderia com grande cinismo expressar sua
opinião particular sobre religião. Hegel, compreendendo esse movimento
histórico e as ilusões inevitavelmente geradas apenas no pensamento, com a
mesma necessidade, deve ter uma atitude positiva em relação à religião. No
entanto, em relação à religião, ele também traça alguns elementos de
cinismo semelhantes ao napoleônico; podemos notar isso não apenas em
suas declarações particulares, às quais ainda nos referimos ao mesmo
tempo, mas em toda a sua representação dialética da religião.

Com todas essas reservas, as declarações de Napoleão tornam a atitude de


Hegel em relação à religião mais clara e concreta. Napoleão diz: “Quanto a
mim, vejo na religião não o sacramento da personificação, mas o
sacramento da ordem social; a religião conecta o pensamento de igualdade
do indivíduo com o céu e impede que os pobres acabem com os ricos (...). A
sociedade não pode existir sem desigualdade de propriedade, mas
desigualdade de propriedade em si - sem religião"(12).

A estrutura do patrimônio aparece nas palestras de Hegel em 1805/06. de


certa forma "fenomenológica". As propriedades representam certa divisão do
trabalho do espírito objetivo e são etapas pelas quais o espírito retorna a si
mesmo. Portanto, a apresentação hegeliana desta vez começa com a
propriedade camponesa como a camada social mais próxima do estado
natural. E isso novamente atesta o alto nível das visões econômicas de
Hegel, quando ele busca uma diferença substancial entre as classes
camponesa e burguesa na natureza diversa de seu trabalho. Ele contrasta o
trabalho concreto do camponês com o trabalho abstrato do comércio e da
indústria e vê que a diferença entre eles se baseia no fato de o camponês
trabalhar para satisfazer suas próprias necessidades, mas não para o
mercado (aqui novamente é claramente visto como Hegel traduz as visões
econômicas inglesas para o alemão. Afinal, Hegel conhece agricultores que
trabalham no mercado e pagam aluguel apenas de livros, mas não da
própria realidade e, portanto, não os retratam em seu sistema de nenhuma
direção). "A propriedade camponesa é, portanto, uma confiança que falta na
individualidade, que tem sua própria individualidade no indivíduo
inconsciente, na terra. Como trabalhador, ele (o camponês) não é um
trabalhador de forma abstrata, mas cuida da maioria ou da totalidade de
suas necessidades; a conexão de seu produto seu objetivo também é apenas
interno. Seu objetivo e realização estão conectados na natureza inconsciente,
ele ara, semeia, mas a sorte depende de Deus, das estações do ano, e ele
espera com confiança que o que plantou amadurecerá por si mesmo. algo
subterrâneo”(13).
410
Assim, a propriedade camponesa representa, segundo Hegel, a base natural
bruta e inconsciente da sociedade burguesa. E como ele ignora
completamente o caminho de desenvolvimento inglês nessa questão,
aparentemente, ele não ficou impressionado com a maneira como a questão
camponesa foi resolvida durante a Revolução Francesa. Diante de seu olhar
mental, apenas retardavam os camponeses alemães.

E essa circunstância é ainda mais marcante em relação ao fato de que,


segundo o conceito hegeliano, o campesinato deveria constituir a maior
parte do exército; Já vimos o quanto Hegel ponderou sobre o esclarecimento
do que consiste o espírito do exército e, invariavelmente, procurávamos
identificar e substanciar as raízes sociais da superioridade dos exércitos
revolucionários e napoleônicos. No entanto, a desconfiança de qualquer
movimento de massa vindo de baixo o cega a esse respeito. Hegel, como
vimos, poderia negar totalmente todas as tentativas de justificar os
remanescentes do feudalismo na Alemanha, reconhecer decisivamente a
superioridade da França revolucionária, mas, em sua opinião, as pessoas
são dotadas de algumas características do filisteismo alemão. E o exército,
cujo significado para a filosofia hegeliana da sociedade e da história
conhecemos bem, não é um "povo armado"; a burguesia faz sacrifícios
materiais na guerra, os camponeses são apenas bucha de canhão, assim
como nas guerras na era do absolutismo feudal. E esse reflexo da "pobreza
alemã" leva as utopias napoleônicas de Hegel ao pântano do filisteismo
alemão.

De acordo com essa visão, Hegel vê na possível revolta e movimento dos


camponeses apenas "um elemento cego e insano, como uma inundação que
apenas destrói, na melhor das hipóteses, adiando o lodo fertilizante, mas se
espalha sem criar nenhum negócio"(14).

A propriedade do trabalho abstrato agora se eleva acima dessa propriedade,


a propriedade representando o trabalho industrial e a lei - a burguesia. Pela
descrição hegeliana, já conhecemos a esfera econômica desse estado - essa é
a esfera do acaso, elevando-se, por meio de sua auto legitimidade, à esfera
da necessidade. O caráter alemão da filosofia hegeliana da história se
manifesta no ponto central da consciência desse estado - na decência. É
claro que aqui, diante do olhar de Hegel, aparece um filisteu alemão e não
um capitalista inglês. E a partir da interpretação hegeliana da vida
econômica da sociedade, sabemos que os comerciantes estão concluindo
toda essa construção.

É característico da tendência fenomenológica que prevalece aqui derivar o


mais alto do mais baixo, o mais geral do especial. Com Hegel, o ponto mais
alto da classe burguesa são os comerciantes. Isso lhe dá a oportunidade de
começar a consideração da classe geral alta com a análise de um homem de

411
negócios e depois - através de um cientista - seguir em frente, para o pico
real de seu sistema - para um soldado. O caminho fenomenológico
estabelecido aqui por Hegel é o caminho do especial para o geral. E Hegel
diz isso claramente: "... as propriedades inferiores, ou propriedades, tendo
seu próprio sujeito e sua própria consciência em um especial"(15) (...) e está
tentando, com base nessa posição, caracterizar os camponeses e os
habitantes da cidade. Ele descreve a transição da seguinte forma: "O estado
público trabalha para o estado. O espírito subiu para um sujeito universal
[na] classe dos empresários. Mas o trabalho em si é muito fragmentado,
abstrato, é trabalho de máquina. Embora seja direto para o universal, é
apenas por um lado limitado e ao mesmo tempo fixo, no qual nada pode ser
mudado ... Ele eleva certo universal ao conhecimento do universal ... O
espírito se eleva acima do caráter; ele faz algo universal. Um homem de
trabalho genuíno é em parte um cientista”(16).

Não importa quão artificial essa transição possa parecer, o progresso ainda é
claramente visível em comparação com as construções do Sistema de
Moralidade. E se levarmos em conta os pré-requisitos mentais de Hegel,
enfrentaremos um desdobramento realmente gradual do universal do
especial, e o papel decisivo é desempenhado aqui pelo conceito hegeliano
de trabalho abstrato, o conceito de autotransformação inconsciente de todo
e qualquer trabalho individual, toda e qualquer atividade econômica do
capitalismo em algo social em geral; como resultado, temos um
conhecimento real da estrutura da sociedade burguesa moderna.

No entanto, essas considerações atingem o comerciante, na melhor das


hipóteses. E a transição dele para o cientista já é essencialmente puramente
construtiva, artificial. E o próprio Hegel se opõe a ver na classe dos cientistas
a personificação social da verdadeira universalidade do pensamento, o
autoconhecimento do espírito objetivo. Seu pensamento é expresso aqui
com humor rude: "Para o cientista, o mais essencial é a vaidade de si
mesmo"(17). E já de um cientista para um soldado, não existe uma transição
real: o estado militar constitui o ponto culminante da estrutura do estado
reconhecida por Hegel por razões pelas quais já estamos familiarizados. No
entanto, agora essas razões nada têm a ver com o avanço econômico e
fenomenológico do especial para o universal.

Vemos, portanto, que, apesar dos maiores esforços empreendidos por Hegel
para justificar economicamente o sistema imobiliário, uma parte substancial
dessa justificativa acaba sendo uma aparência simples. Hegel não pode fazer
uma derivação dialética, e as razões para isso devem ser buscadas não
apenas nos elementos de seu conceito social que repetidamente apontamos,
mas também em um dos pontos importantes de suas visões econômicas, que
devemos formular aqui brevemente.

412
A questão é que o princípio da lei, o princípio do "reconhecimento",
desempenha um papel decisivo na construção da economia política para o
próprio Hegel. Em sua concepção, certas categorias adquirem a verdadeira
dignidade das categorias apenas por causa desse “reconhecimento”, graças
a esse elemento jurídico. Em outros casos, surgem gradações que, por sua
natureza econômica, não têm significado, mas às quais Hegel atribui um
papel decisivo apenas porque esse "reconhecimento" é expresso nelas de
maneira especialmente flexível. Assim, por exemplo, uma característica
distintiva importante é traçada entre propriedade e propriedade: "Existe uma
contradição na propriedade, a saber: uma coisa é universal como uma coisa
e, no entanto, a propriedade deve ser única. Essa contradição é removida
pela consciência, quando uma coisa em si depende como seu próprio
oposto. E como algo reconhecido, é uma propriedade separada e universal
ao mesmo tempo, devido ao fato de que nessa propriedade separada todos
são os proprietários (...). Minha propriedade reteve uma forma de
consciência; é definitivamente minha propriedade; no entanto, como
propriedade, está correlacionada não apenas comigo, mas também é
universal”(18).

Aqui, Hegel deve aplicar uma maneira de pensar muito casuística, quase
escolástica, para que a divisão jurídica da vida econômica, a formulação
legal de categorias econômicas sejam descritas não apenas como algo mais
elevado apenas na hierarquia de conceitos em comparação com as
categorias de economia política, mas também para criar algo novo delas.
conteúdo. Hegel segue exatamente o mesmo caminho quando tenta ver
uma forma mais alta de troca no contrato. Nesse caso, sua linha de
pensamento é: "Esse conhecimento é expresso no contrato. O contrato é o
mesmo que troca, mas a troca é perfeita: a) eu não dou nada, não alieno
nada, não estou fazendo nada além da minha palavra, fala - que eu gostaria
de fazer uma alienação de mim mesmo, o outro faz a mesma coisa. Esta é a
minha alienação também é a vontade dele, ele está satisfeito por eu lhe dar
isso. É também sua alienação, é uma vontade comum; meu afastamento é
mediado por seu "afastamento". Eu só quero fazer uma alienação de mim
mesma, porque, por sua vez, ele quer fazer o mesmo, e porque sua negação
se torna minha afirmação. Isso não é uma troca de coisas, mas uma troca de
declarações, mas é significativa, assim como a própria coisa. Para cada um,
a vontade do outro, como tal, é significativa. A vontade voltou ao seu
conceito"(19).

Essa reavaliação dos princípios legais da vida econômica não significa a


aproximação de Hegel com a reavaliação kantiana-fichtiana, embora para
eles essa tendência esteja intimamente ligada ao idealismo filosófico. No
entanto, especialmente em Fichte, essa reavaliação está ligada à ilusão de
que a vida social de uma pessoa, até que um reino de pura moralidade
chegue, pode ser direcionada para a corrente principal da moralidade por
413
meio de leis e definições legais. Sabemos com que sarcasmo Hegel rejeitou
essa tendência de Fichte. Viu nos fatos econômicos e sociais apenas o poder
da própria vida e não teve intenções de violência contra ele com a ajuda de
qualquer conceito, porque, segundo ele, a força e a dignidade do conceito
encontram sua expressão mais vívida nesses mesmos fatos da vida gerados
sozinha.

Existem duas motivações inerentes ao idealismo filosófico que empurram


Hegel nessa direção. Antes de tudo, uma das tendências gerais de toda a
época se manifesta aqui. Em suas notas sobre a sociedade burguesa feitas
por Marx quando ele escreveu suas Teses sobre Feuerbach, ele fala sobre a
história do surgimento do estado moderno em conexão com a Revolução
Francesa: “Auto exaltação da esfera política ... Duplicação de todos os
elementos civis e estatais Interpolação"(20). A duplicação de Hegel assume a
forma de uma divisão de categorias econômicas em econômicas e jurídicas.
No entanto, o fato de essa duplicação desempenhar um papel tão grande
em Hegel, que o “reconhecimento” às vezes se torna a categoria central de
sua doutrina social, está relacionado à natureza específica de sua filosofia
como um todo.

Já falamos sobre a categoria de "alienação" (Entäußerung) em conexão com


a análise dos problemas econômicos de Hegel. Um exame crítico detalhado
dessa categoria será possível ao analisar a "Fenomenologia do Espírito".
Aqui podemos traçar brevemente apenas a natureza universal desse
"reconhecimento" em relação à "alienação" puramente econômica
(Entäußerung) como sua forma mais elevada. Durante sua estada em Iena,
Hegel já falou claramente sobre esse assunto. Em uma das palestras de
1805/06. ele analisa filosoficamente a questão da transição de um estado
natural para um jurídico: "O direito é a relação de uma pessoa em suas
ações com outras pessoas, o elemento universal de seu livre ser, ou a
definição, restrição de sua liberdade vazia. Essa atitude ou restrição, não
devo me deixar de fora. ou emprestar mas o objeto em si é um produto da
lei em geral, isto é, um relacionamento de reconhecimento. Em
reconhecimento, o eu deixa de ser separado (individual), é legal em
reconhecimento, ou seja, não mais em seu ser imediato. O reconhecido é
reconhecido como diretamente significativo devido ao seu ser, mas é esse ser
que é gerado a partir do conceito; é um ser reconhecido. Uma pessoa deve
ser reconhecida por [outros] e necessária reconhecida por [outras pessoas].
Essa necessidade é dele, e não a necessidade de nosso pensamento em
oposição ao conteúdo. Como reconhecimento, ele próprio é um movimento,
e é esse movimento que remove seu estado natural: ele é um
reconhecimento; natural existe apenas, não é espiritual” é legal em
reconhecimento, isto é, não mais em seu ser imediato"(21).

414
Essas observações de Hegel são notáveis em todos os aspectos, pois
mostram como tendências opostas colidem em seu pensamento. Se
abordarmos formalmente, essas observações indicam um nível
extremamente alto de objetividade, e Hegel deduz a definição de lei do
movimento do próprio sujeito, mas não do pensamento. Para Hegel, o
pensamento é apenas uma reprodução mental do movimento das definições
reais de um objeto objetivo. No entanto, do ponto de vista do conteúdo, no
mesmo raciocínio de Hegel, uma tendência aparece, levando em uma
direção completamente oposta. Em primeiro lugar, a análise de Hegel de
"Entäußerung" é muito significativa e repleta de consequências importantes,
porque nesta análise pela primeira vez na história da filosofia, ele tenta
compreender mentalmente o que Marx chama mais tarde de fetichismo de
mercadorias, e, com a ajuda disso, alcançar uma compreensão correta da
sociedade na medida em que ela perceba as formas de sujeito fetichizadas
da sociedade como um movimento de relações públicas das pessoas.
Segundo, porque Hegel adivinha: as várias formas de fetichização da
subjetividade social não estão no mesmo nível, mas formam os níveis mais
alto e mais baixo da hierarquia em relação uma à outra, dependendo do
maior ou menor grau de fetichização.

Pudemos observar essa tendência em Hegel, onde ele traça formas cada vez
mais altas da hierarquia de “alienação” (Entäußerung) no trabalho, no
produto do trabalho, nas trocas e trocas e, finalmente, no dinheiro. E já lá
nos deparamos com uma tendência idealista de colocar relacionamentos
reais em nossas cabeças. Hegel vê com razão que o comércio e,
especialmente, o "dinheiro são formas mais altas de" alienação "do que,
digamos, a produção simples. Até esse ponto em seu raciocínio, ele
acompanha Marx. No entanto, enquanto Marx está na forma mais simples
de fetichismo (no produto) vê a chave para a divulgação e solução de
formas complexas e ainda mais fetichizadas da sociedade, Hegel segue na
direção oposta (ao analisar as críticas de Marx à "Fenomenologia do
Espírito", mostraremos em detalhes que as fontes econômicas desse falso
método hegeliano residem na compreensão unilateral do trabalho, a
atividade econômica do próprio homem). Para Hegel, a "alienação"
(Entäußerung) do espírito e a rejeição dessa "alienação" (Entäußerung) são
uma maneira necessária para criar realidade através do espírito e, como
resultado, criar uma reprodução mental desse processo através do
pensamento. Portanto, as formas mais elevadas de fetichização de Hegel
acabam sendo mais elevadas, não no sentido de que estão se afastando do
sujeito real, de mostrar formas cada vez mais vazias e vazias de fetichização
(Marx sobre dinheiro). Muito pelo contrário: é precisamente graças a esse
vazio que elas são para Hegel formas realmente mais elevadas de
“alienação” (Entäußerung), ou seja, formas puras de pensamento, formas de
retorno ao espírito,

415
Com base nesse conceito, fica claro que para Hegel era simplesmente uma
necessidade metodológica colocar a lei acima da economia. Enquanto o
materialismo histórico vê no "nível superior" a fetichização da lei forma
apenas uma natureza derivada e secundária dessa forma, para Hegel, a
transformação de categorias econômicas em legais significa um nível
superior, uma forma superior e mais espiritualmente alienada
(Entäußerung). Segundo Hegel, o ser reconhecido de direito é de fato
derivado de um conceito, enquanto em um sujeito puramente econômico o
conceito se manifesta apenas no estágio de seu ser inconsciente em si, no
estágio de sua proximidade com a natureza. Essa visão de Hegel está em
constante interação com o conceito já citado por nós sobre a unidade do
povo e do estado. Ambas as tendências se reforçam e, em sua interação,
vemos a razão pela qual as tendências opostas mencionadas por nós no
pensamento de Hegel não podem levar a uma compreensão bem-sucedida
da fetichização da subjetividade social sob o capitalismo. Embora em alguns
lugares Hegel se aproxime o suficiente do entendimento correto das
conexões individuais (lembremos-nos de sua indicação perspicaz de que o
dinheiro é ao mesmo tempo uma coisa real e um eu, portanto, a proporção
de pessoas entre si).

Essa complexa luta de tendências opostas no pensamento de Hegel, que


termina constantemente com a vitória da mistificação objetivo-idealista da
realidade, tem duas consequências para o ensino social de Hegel. Marx
revelou claramente essa dupla face: “... portanto, já na Fenomenologia -
apesar de sua aparência decididamente negativa e crítica e apesar das
críticas realmente contidas nela, muitas vezes antecipando muito o
desenvolvimento posterior, ela já foi escondida. como embrião, potência,
mistério, positivismo acrítico e idealismo igualmente acrítico (em todos os
lugares que enfatizei - G. L.) de obras hegelianas posteriores, essa é uma
decomposição filosófica e restauração de evidências empíricas"(22).
Metodologicamente, a vitória de uma tendência realista era impossível, e isso
teve dois tipos de consequências. Com uma das partes, o idealismo acrítico,
já nos encontramos repetidamente e, pela última vez em nossa análise
recente, colocamos na cabeça a relação entre economia e direito. O outro
lado é que Hegel também introduz em seu sistema certo empirismo bruto, e
ele não é capaz de encontrar uma certeza social real, uma universalidade
social e filosófica real, para "derivar" tudo isso como algum tipo de
necessidade com a ajuda da aparência abstrata-mental do movimento.

Não pode ser chamado de coincidência que essas categorias adquiram em


Hegel, na maioria dos casos, a natureza de um caráter "naturalmente
definido". Hegel sente que não os tirou do movimento social real (afinal,
Hegel frequentemente notou uma profunda compreensão da atitude da
sociedade em relação à sua base natural); portanto, em situações tão
duvidosas, ele busca a salvação nessa base natural, e que não poderia
416
derivar como social, é mistificado por ele como ocorrendo naturalmente. Em
suas críticas à filosofia hegeliana do direito, Marx fala repetidamente dessa
"transformação inevitável do empirismo em especulação e especulação em
empirismo". Vamos citar o local onde o monarca é mencionado, porque,
como já sabemos, essa remoção da monarquia hereditária da "natureza"
desempenha um grande papel já em suas palestras de 1805/06. Marx fala
disso da seguinte maneira: "Dessa forma, a impressão também é mística e
profunda. Parece muito vulgar quando dizem que uma pessoa deve nascer e
que essa criatura, devido ao nascimento físico, se torna uma pessoa social
etc. até o cidadão do estado; tudo o que uma pessoa se torna, ela se torna
graças ao seu nascimento, mas parece pensativo, surpreendente, quando
eles dizem que a ideia de estado nasce diretamente, que no nascimento de
um soberano ela nasce da existência empírica. Dessa forma, não adquirimos
nenhum conteúdo novo, mas apenas alteramos a forma do conteúdo antigo.
Esse conteúdo agora adquiriu uma forma filosófica, evidência filosófica”
Parece muito vulgar quando dizem que uma pessoa deve nascer e que essa
criatura, devido ao nascimento físico, se torna uma pessoa social etc. até o
cidadão do estado; tudo o que uma pessoa se torna, ela se torna devido ao
seu nascimento. Mas parece pensativo, surpreendente, quando dizem que a
ideia do estado nasce diretamente, que no nascimento do soberano, ela se
gera e recebe uma existência empírica. Dessa forma, não adquirimos
nenhum conteúdo novo, mas apenas alteramos a forma do conteúdo antigo.
Este conteúdo agora adquiriu uma forma filosófica, uma evidência filosófica
“Parece muito vulgar quando dizem que uma pessoa deve nascer e que essa
criatura, devido ao nascimento físico, se torna uma pessoa social etc. até o
cidadão do estado; tudo o que uma pessoa se torna, ela se torna devido ao
seu nascimento. Mas parece pensativo, surpreendente, quando dizem que a
ideia do estado nasce diretamente, que no nascimento do soberano, ela se
gera e recebe uma existência empírica. Dessa forma, não adquirimos
nenhum conteúdo novo, mas apenas alteramos a forma do conteúdo antigo.
Este conteúdo agora adquiriu uma forma filosófica, uma evidência filosófica”
até o cidadão do estado; tudo o que uma pessoa se torna, ela se torna
devido ao seu nascimento. Mas parece pensativo, surpreendente, quando
dizem que a ideia do estado nasce diretamente, que no nascimento do
soberano, ela se gera e recebe uma existência empírica. Dessa forma, não
adquirimos nenhum conteúdo novo, mas apenas alteramos a forma do
conteúdo antigo. Este conteúdo agora adquiriu uma forma filosófica, uma
evidência filosófica “até o cidadão do estado; tudo o que uma pessoa se
torna, ela se torna devido ao seu nascimento. Mas parece pensativo,
surpreendente, quando dizem que a ideia do estado nasce diretamente, que
no nascimento do soberano, ela se gera e recebe uma existência empírica.
Dessa forma, não adquirimos nenhum conteúdo novo, mas apenas
alteramos a forma do conteúdo antigo. Este conteúdo agora adquiriu uma
forma filosófica, uma evidência filosófica”(23).

417
Se lemos o texto referente à “remoção” da monarquia hereditária, nas
palestras de 1805/06. à luz dessa crítica, veremos como Marx estava certo,
expondo a falsa profundidade do "positivismo acrítico" de Hegel. Hegel diz
sobre o monarca: "O universal livre é o ponto da individualidade; estando
livre do conhecimento de todos, a individualidade não é constituída por
todos como um extremo <termo> como um governo; é, portanto, imediato,
natural: um monarca hereditário. Ele firmemente une diretamente o todo. ...
muitos indivíduos, a massa de pessoas ... age como uma multidão,
movimento, fluidez, o último - como imediato, natural. Somente aqui é
natural, isto é, a natureza oculta aqui”(24).

Tais conclusões são encontradas em várias partes do sistema hegeliano, e


ainda teremos a oportunidade de analisar os lados verdadeiro e falso desse
entendimento do "natural" em Hegel. Aqui nos limitamos ao exemplo acima,
porque, além do valor geral acabado de identificar, possui outro, que é de
particular interesse para nós em conexão com a metodologia social de
Hegel.

Até agora, traçamos apenas o primeiro “crack” na constituição hegeliana da


sociedade, a saber, a estrutura de bens da sociedade não é dialeticamente
determinada por sua estrutura econômica. Agora estamos diante de um
abismo formado entre a estrutura imobiliária da sociedade e o governo.

O desenvolvimento filosófico das classes individuais nas visões de Hegel é


reduzido a um movimento do especial para o universal. E assim que a classe
alta atinge a universalidade, Hegel imediatamente tem uma dificuldade:
como distinguir o governo dessa classe alta? É claro que isso não é de todo
uma questão cognitiva ou puramente filosófica. Além disso, estamos falando
sobre a natureza de classe da sociedade. E a luta interna de várias
tendências no pensamento de Hegel aqui reflete claramente a precariedade
de sua posição sobre esse assunto. Hegel, é claro, não conseguiu entender a
natureza genuinamente de classe do estado. Seu conceito de unidade da
sociedade já torna isso impossível.

Certamente, nesse contexto, Hegel manifesta uma dupla tendência, que


reflete as contradições objetivas geradas pela solução napoleônica para os
problemas da sociedade moderna colocados pela revolução francesa, é
claro, de forma modificada. Isso também reflete a posição específica de
Hegel, de que ele é alemão e, ao mesmo tempo, filosoficamente "elogia"
precisamente essa decisão. Por um lado, encontramos nele a tendência de
identificar a classe alta (nobreza militar napoleônica) com o estado e o
governo. Essa tendência expressa objetivamente o caráter da ditadura militar
de Napoleão e a aprovação entusiástica de Hegel da grandeza heroica da
França. Por outro lado, a ditadura napoleônica não é apenas uma ditadura
militar abstrata, mas uma ditadura, surgindo sob certas condições específicas

418
da França pós-revolucionária. A ditadura militar, chamada a preservar e
proteger o conteúdo burguês do patrimônio social da Revolução Francesa,
tanto contra tentativas de restauração feudal-absolutista quanto contra o
desenvolvimento democrático da revolução.

No "Sistema da moralidade", Hegel expressa essa contradição interna de


maneira bastante aberta. Ele diz sobre o governo: “É, por assim dizer,
representando diretamente o primeiro estado, uma vez que esse estado
representa potência absoluta para os outros, a realidade da moralidade
absoluta e o espírito realmente contemplado pelos outros, enquanto outros
existem de uma maneira especial. No entanto, é um estado em relação a
outro. imobiliário, e deve haver algo mais alto do que é, e sua diferença em
relação ao outro ... O movimento do primeiro estado em relação ao outro é
incluído no conceito devido ao fato de que ambos têm realidade, sobre e
limitada, e empiricamente a liberdade de tanto um como o outro, é
eliminado, o apoio absoluto de todas as classes deve ser o governo, e, no
seu conceito, é, de fato, não pode pertencer a nenhuma classe, pois é a
indiferença de todos. Portanto, deve consistir naqueles que têm um ser real,
por assim dizer, dado na propriedade, que, por assim dizer, vivem em uma
propriedade ideal, esses são os anciãos e sacerdotes, que são essencialmente
um”(25).

Mas aqui, a natureza deve se manifestar como deus ex machina. Os anciãos


e clérigos mencionados neste trabalho (uma cópia confusa do Conselho de
Anciãos sob o Diretório) devem se destacar em contraste com o mundo
especial simplesmente por causa de sua idade; eles devem alcançar o estágio
de universalidade que nem mesmo o primeiro estado é capaz de alcançar,
como um estado que se opõe a todos os outros. É bem claro aqui que
Hegel, ao resolver esta questão, é confrontado com uma dificuldade que
surge em seus esboços posteriores. Ele está tentando combatê-lo justificando
a monarquia hereditária. E mesmo o método é o mesmo, dado que Hegel
aqui também santifica com a ajuda do misticismo profundo apenas um fato
natural de uma maneira completamente inaceitável.

Repetimos repetidamente que, no "Sistema da Moralidade", Hegel usava a


terminologia shellingiana. Agora está se tornando bastante compreensível a
que se relaciona a possibilidade de tal influência, porque, na medida em que
o conceito hegeliano de resolver a contradição, a expressão "unidade de
unidade e diferença" se afastou da indiferença de Schelling (Indifferenz), na
mesma medida em que esse conceito não se aplica a Hegel aqui . Seu
próprio método, que ele consistentemente trouxe ao fim, o levaria ao
entendimento correto e verdadeiramente dialético das classes e à atitude
dialética do estado em relação à luta dessas classes. Hegel não foi capaz
disso pelas razões que já declaramos. E para aquelas relações sociais que,

419
segundo Hegel, deveriam ser estabelecidas entre o estado e o governo, por
um lado,

E apesar do fato de que Hegel mais tarde eliminou completamente a


terminologia de Schelling, a exposição real dessa relação sempre tem um
caráter de Schelling em certa medida. Portanto, temos o direito de afirmar
que os elementos do pensamento schellingiano permanecem por muito
tempo componentes do sistema hegeliano. Essa atitude, no entanto, deve ser
especificada; depois de Engels, é necessário apontar as contradições entre o
método e o sistema de Hegel e, em seguida, será possível ver que o
elemento Schelling ganha força e eficácia onde o sistema prevalece sobre o
método, portanto, onde o próprio Hegel fica atrás das conclusões de seu
próprio método em atitude socialmente significativa.

Certamente, essa característica não cobre inteiramente o conceito hegeliano


da atitude do estado em relação às propriedades. Já apontamos que, por
exemplo, o monarca hereditário no sistema de estado hegeliano é
frequentemente uma figura puramente decorativa e que Hegel, em termos
de significado, reconheceu completamente o auto movimento da sociedade
burguesa e procurou minimizar a interferência do estado nesse movimento.
Tudo isso não remove a natureza contraditória geral do próprio conceito
hegeliano, testemunhando apenas o fato de que Hegel, em seu pensamento,
destaca esse ou aquele lado do desenvolvimento contemporâneo da França.
O reconhecimento das condições econômicas necessárias para o
desenvolvimento da sociedade burguesa também pertence ao quadro de
Hegel do sistema napoleônico, que defendia e protegia o legado da
Revolução Francesa no interesse da burguesia,

E, em geral, ao considerar os conceitos sócio filosóficos de Hegel dessa


época, é necessário retornar sistematicamente aos modelos franceses reais,
uma vez que os conceitos de Hegel costumam estar de forma mistificada,
são sua reflexão mental. E não apenas os anciãos e o clero podem ser
reduzidos a esses modelos franceses, mas também toda a estrutura de
propriedade da filosofia social hegeliana, especialmente o estado geral,
como propriedade militar do tipo napoleônico. O quão profundamente
impressionadas essas constituições ficaram por Hegel, pode ser visto pelo
fato de que em seu último artigo sobre o projeto de lei em inglês sobre
reformas, ou seja, exatamente aonde ele - como já vimos - escreve sobre os
problemas dessa estrutura imobiliária em conexão com o desenvolvimento
da sociedade capitalista, também estamos falando da constituição que
Napoleão deu ao reino italiano(26).

Podemos afirmar que, na doutrina econômica e social de Hegel, duas


tendências diametralmente opostas e mutuamente exclusivas são
simultaneamente ativas. Por um lado, a tendência de desenvolvimento do

420
universal a partir da dialética interna é especial. Tivemos a oportunidade de
observar essa tendência no que se refere ao trabalho, à divisão do trabalho,
às ferramentas etc. É manifestado sistematicamente onde as visões sócio
filosóficas de Hegel se desenvolvem relativamente independentemente dos
problemas do estado ou de onde ele vem desse conhecimento. tira
conclusões filosóficas gerais, não as correlacionando diretamente com o
estado. Assim, por exemplo, na Logica de Iena, há uma apresentação muito
interessante e espirituosa da visão sobre o desenvolvimento do gênero a
partir da dialética do indivíduo, enquanto Hegel se baseia no fato de o
indivíduo ser formado(27).

As tendências de Hegel não são episódicas, porque o problema do


capitalismo moderno, o papel econômico da burguesia, o individualismo
moderno decorrente desse tipo de desenvolvimento econômico, em uma
palavra, os princípios do desenvolvimento econômico do capitalismo, como
Hegel o entende, são fundamentais distingue modernidade da antiguidade.
É tudo o que é descrito que compõe o estágio mais alto do desenvolvimento,
graças ao qual a antiguidade é realmente superada, tornando-se apenas o
passado e a memória. Esses mesmos princípios formam o núcleo da filosofia
hegeliana da história no período Iena - o núcleo das visões que
permanecerão fundamentais em sua filosofia da história dos períodos
posteriores.

Esse conceito de filosofia da história está intimamente associado aos


problemas filosóficos gerais de Hegel, como é o caso de grandes e
consistentes pensadores. Sabemos bem que o principal problema filosófico
da "Fenomenologia do Espírito", o princípio pelo qual Hegel finalmente
supera a dialética de Schelling e apresenta a sua ao leitor, é precisamente o
princípio da "alienação" (Entäußerung). Ao mesmo tempo, pelo raciocínio
de Hegel que citamos até agora, é bastante claro que, nos tempos
modernos, a sociedade burguesa moderna deve representar um estágio
histórico mais alto de desenvolvimento justamente porque a "alienação"
(Entäußerung) aparece nela em um nível mais alto do que na socialidade
imediata da democracia antiga. Segundo Hegel, o período de maior
"estranhamento"

Como já vimos, a filosofia da história de Hegel tem outro lado - a


independência do estado e suas funções históricas mundiais em relação à
base econômica. Desnecessário dizer que ainda existe algum tipo de
conexão, mesmo econômica, mas em contraste com um conhecimento
genuíno de verdadeiras relações econômicas (embora esse conhecimento
possa ser imperfeito), Hegel aqui confunde suas próprias ideias ilusórias
sobre a atitude do Estado em relação à sociedade burguesa sob o regime
napoleônico. De acordo com esse conceito, o Estado deve usar a sociedade
burguesa para atingir seus próprios objetivos, completamente independentes

421
dessa sociedade. Segundo Hegel, a sociedade burguesa existe para servir o
estado (espírito) a sacrificá-lo, e, com base nisso, o Estado garante e protege
o funcionamento desimpedido da sociedade burguesa. De acordo com esse
conceito, as características da sociedade burguesa e da vida econômica estão
subordinadas à universalidade do estado. Essas características representam
em parte a base escura e vaga da vida, sobre a qual a imagem luminosa do
espírito se eleva, em parte os momentos em que o próprio espírito é
dialeticamente quebrado na medida em que supera o empirismo e volta
para si; como ele se torna externo, e essa "alienação" (Entäußerung) se
remove novamente dentro de si momentos parcialmente desintegrados nos
quais o próprio espírito é dialeticamente desintegrado na medida em que
supera o empirismo e retorna a si mesmo; como ele se torna externo, e essa
"alienação" (Entäußerung) decola novamente em si mesmo.

Nessas duas tendências da filosofia hegeliana, os dois motivos mentais são


revelados, levando-nos ao conceito de "alienação" (Entäußerung) - real e
mistificado. Ao analisar a "Fenomenologia do Espírito", examinaremos
detalhadamente sua luta inconciliável pelo método hegeliano.

O fato de essas duas tendências entrarem - no pensamento de Hegel - na


luta não é um acidente, já vimos isso. Também mostramos as fontes reais
dessas contradições na própria realidade, nomeadamente na realidade do
estado napoleônico. No entanto, as tendências idealistas da compreensão e
explicação de Hegel dessa realidade são reforçadas pelas condições
específicas da vida social na Alemanha. Marx, em suas críticas à filosofia
kantiana, na qual ele também vê um reflexo mental da era da revolução
francesa, fala de formas especificamente alemãs de distorção ao refletir a
situação real na França, encontrada no filósofo alemão. Marx vê na razão
prática de Kant um reflexo dos reais interesses materiais da burguesia liberal.
“Kant separou essa expressão teórica dos interesses expressos nela,
transformou definições materialmente motivadas da vontade da burguesia
francesa em autodeterminações puras de "livre arbítrio", vontade própria e
autodeterminação”. Ao mesmo tempo em que interpreta e critica a filosofia
kantiana, Marx fala dessas ilusões específicas. sobre o estado, que
inevitavelmente deveria ter surgido nas condições da Alemanha. "Essa
posição do estado também explica a maneira burocrática decente de pensar
em nenhum lugar e tudo mais ilusões sobre o estado tendo a circulação na
Alemanha até agora; isso também explica a alegada independência dos
teóricos alemães dos burgueses - a aparente contradição entre a forma pela
qual esses teóricos expressam os interesses dos burgueses e esses próprios
interesses” ele transformou definições materialmente motivadas da vontade
da burguesia francesa em pura autodeterminação do “livre arbítrio”, uma
vontade em si e por si mesmo. ”Dando uma interpretação social e ao
mesmo tempo crítica à filosofia kantiana, Marx fala das ilusões específicas
sobre o estado que inevitavelmente surgiria na Alemanha. "Esta disposição
422
do estado também explica a maneira burocrática de pensar em nenhum
lugar respeitável e todas as ilusões sobre o estado que ainda estão em uso na
Alemanha; isso também explica a alegada independência dos teóricos
alemães dos burgueses - a aparente contradição entre a forma pela qual
esses teóricos expressam os interesses dos burgueses e esses próprios
interesses” ele transformou definições materialmente motivadas da vontade
da burguesia francesa em pura autodeterminação do “livre arbítrio”, uma
vontade em si e por si mesmo. ”Dando uma interpretação social e ao
mesmo tempo crítica à filosofia kantiana, Marx fala das ilusões específicas
sobre o estado que inevitavelmente surgiria na Alemanha. "Esta disposição
do estado também explica a maneira burocrática de pensar em nenhum
lugar respeitável e todas as ilusões sobre o estado que ainda estão em uso na
Alemanha; isso também explica a alegada independência dos teóricos
alemães dos burgueses - a aparente contradição entre a forma pela qual
esses teóricos expressam os interesses dos burgueses e esses próprios
interesses” vontade própria e vontade própria. "Dando uma interpretação e
crítica social da filosofia kantiana ao mesmo tempo, Marx fala daquelas
ilusões específicas sobre o estado que devem inevitavelmente surgir nas
condições da Alemanha". Essa posição do estado também explica o modo
de pensar decente e burocrático. e todas as ilusões sobre o estado,
circulando na Alemanha até agora; isso também explica a alegada
independência dos teóricos alemães dos burgueses - a aparente contradição
entre a forma pela qual esses teóricos expressam os interesses dos burgueses
e esses próprios interesses “vontade própria e vontade própria. "Dando uma
interpretação e crítica social da filosofia kantiana, Marx fala dessas ilusões
específicas sobre o estado que inevitavelmente deveriam ter surgido na
Alemanha". Essa boa posição do estado também explica a maneira
burocrática e decente de pensar. e todas as ilusões sobre o estado,
circulando na Alemanha até agora; isso também explica a alegada
independência dos teóricos alemães dos burgueses - a aparente contradição
entre a forma pela qual esses teóricos expressam os interesses dos burgueses
e esses próprios interesses” Essa posição do estado também explica a
maneira burocrática de pensar em lugar nenhum, respeitável, e todas as
ilusões sobre o estado que ainda estão em uso na Alemanha; isso também
explica a alegada independência dos teóricos alemães dos burgueses - a
aparente contradição entre a forma pela qual esses teóricos expressam os
interesses dos burgueses e esses próprios interesses” Essa disposição do
estado também explica o modo de pensar burocrático, respeitável e em
nenhum lugar encontrado, e todas as ilusões sobre o estado que ainda estão
em uso na Alemanha; isso também explica a alegada independência dos
teóricos alemães dos burgueses - a aparente contradição entre a forma pela
qual esses teóricos expressam os interesses dos burgueses e esses próprios
interesses"(28).

423
Marx nunca uniu Kant e Hegel sem uma razão substancial. Portanto, as
críticas citadas são aplicáveis a Hegel apenas na medida em que possamos
detectar a influência das mesmas relações sociais em Hegel. Marx, mais uma
vez, capta essas características em suas críticas profundas à filosofia
hegeliana do direito. Ele enfatiza especialmente o caráter especificamente
alemão do atraso, que encontra sua expressão no entendimento hegeliano
do papel da burocracia na sociedade e no Estado. Filosoficamente, é muito
importante que Marx fale aqui de "universalidade imaginária", que, de
acordo com o conceito de Hegel, seja expressa na burocracia em seu sentido
hegeliano e forneça uma avaliação geral de Hegel, segundo a qual o estado
e o governo não são representantes da sociedade burguesa, mas uma
representação contra a burguesia sociedade(29).

Em notas críticas sobre a filosofia do direito hegeliano, Marx enfatiza


novamente que as contradições que surgem no pensamento hegeliano são
reflexos de relações sociais reais. Embora critique profundamente as fraudes
hegelianas, Marx não acredita que o conceito hegeliano de sociedade e
estado pertença apenas a Hegel. Ele luta contra Hegel apenas porque Hegel,
possuindo em muitos aspectos a ideia correta das condições reais do
presente, não revela, no entanto, tendências progressivas reais que
conduzem ao futuro; portanto, inevitavelmente chega à mistificação do
estado de coisas existente. Marx, por exemplo, diz: "Hegel não deve ser
condenado porque descreve a essência do estado moderno como ele é, mas
porque trai o que é, pela essência do estado. O fato de o racional ser
realmente provado é apenas a contradição da realidade irracional, que a
cada passo é o oposto do que diz sobre si mesmo e o oposto do que diz
sobre si mesmo"(30).

Essa crítica é, portanto, uma concretização da crítica ao "positivismo acrítico"


de Hegel. Como Hegel é incapaz de entender algumas tendências decisivas
no desenvolvimento da sociedade moderna, ele é forçado a ter visibilidade
da realidade e justificar essa pseudo-realidade através de uma falsa
profundidade filosófica de pensamento, através de aparentes dialéticas.
(Observamos que o positivismo acrítico de Hegel na Filosofia do Direito é
muito mais pronunciado do que no período de Iena. No entanto, pelas
críticas marxistas, sabemos que ele já influenciou Hegel até então. Portanto,
podemos dizer que essa crítica de Marx a respeito de um período posterior A
evolução de Hegel com as conhecidas reservas feitas pelo próprio Marx
pode ser atribuída às visões de Hegel em Iena sobre a sociedade e o estado).

Em suas discussões críticas, Marx também aborda o ponto central da


fraqueza política e ideológica dos pontos de vista de Hegel, que é a principal
fraqueza filosófica de todo o seu sistema - o problema da democracia. É
extremamente característico da profundidade filosófica da crítica de Hegel
pelo jovem Marx que Marx associa estreitamente sua crítica ao problema do

424
especial e universal de Hegel. "Democracia é a verdade da monarquia,
monarquia não é a verdade da democracia. A monarquia é necessariamente
democracia como inconsistência em relação a si mesma, o momento
monárquico não existe como inconsistência na democracia. A monarquia
não pode ser entendida a partir dela, e a democracia pode ser entendida a
partir de Na democracia, nenhum de seus momentos assume outro
significado além do que lhe pertence: cada momento é um momento real
das demos como um todo. Na monarquia, no entanto, uma parte determina
o caráter do todo. Todo o sistema estadual é forçado a se adaptar a um
ponto fixo. Democracia é um sistema político como conceito de clã. A
monarquia, por outro lado, é apenas um tipo de sistema de estados e, além
disso, uma visão ruim. Democracia é conteúdo e forma. A monarquia como
se fosse apenas uma forma, mas na realidade falsifica o conteúdo.

Na monarquia, o todo, o povo, é submetido a um dos modos de sua


existência, sob seu sistema político. Na democracia, no entanto, o próprio
sistema político aparece como uma das definições e, a saber, como a
autodeterminação do povo. Em uma monarquia, temos um povo de um
sistema estatal, na democracia - um sistema estatal de pessoas. A
democracia é um mistério permitido de todas as formas de governo. Aqui, o
sistema político, não apenas em si mesmo, em sua essência, mas em sua
existência, na realidade, é repetidamente reduzido à sua fundação real, à
pessoa real, às pessoas reais e é afirmado como seu próprio negócio. O
sistema político aqui aparece como o que é - como um produto livre do
homem. Alguém poderia argumentar que isso é, de certo modo, verdadeiro
em relação à monarquia constitucional(31).

Quando Marx aqui descreve a democracia como uma espécie e a monarquia


como uma espécie ruim, ele não segue o caminho da criação de abstração e
reproduz mentalmente apenas o processo de abstração da própria história,
que gerou democracia em muitas revoluções como a forma mais completa
da sociedade burguesa. E se em alguns anos Marx retrata a mesma
democracia que a verdadeira arena da luta pelo socialismo, se ele fala da
transformação da revolução democrático-burguesa na proletária, então ele
apenas reflete corretamente as formas mais altas de generalizações feitas
pela própria história, a direção do estudo da sociedade permanece a mesma.
Portanto, as críticas realmente encontram o lado mais fraco da filosofia
hegeliana da história.

Como Hegel não foi capaz de entender o movimento em direção à


democratização, gerado de formas tão magníficas pela Revolução Francesa,
ele foi forçado a abandonar não apenas historicamente, mas também sócio
filosoficamente, uma genuína generalização correspondente ao movimento
histórico real conectado ao curso real da democracia. movimento sócio
histórico, com uma interconexão dialética de seus momentos especiais. Ele

425
foi forçado, por um lado, a envolver esses momentos específicos com a falsa
glória de certa pseudo-comunidade, por outro, a dar aos universos assim
obtidos uma existência independente, a retirá-los da dialética do
desenvolvimento da sociedade e da história, a privá-los do movimento nesse
isolamento deles e a falhar. sob esses universos e subordinado a eles todos
os fenômenos específicos da sociedade e da história, tudo especial.

A luta entre as duas tendências, que traçamos na filosofia social de Hegel,


também se manifesta por seu lado filosófico. Uma tendência, o
conhecimento real e correto das conexões dialéticas, torna-se a base de uma
nova lógica dialética, na qual o universal é extraído do auto movimento de
contradições especiais, da remoção e suposição dessas contradições
novamente em um novo nível superior. Outra tendência que leva ao
isolamento idealista de universos obtidos fictícios obriga Hegel a subordinar
o especial ao universal da maneira antiga da lógica metafísica. A luta dessas
duas tendências, que traçamos na filosofia da história de Hegel, é
reproduzida na lógica como uma luta do desenvolvimento dialético real e da
construção especulativa.

Assim, voltamos ao ponto de partida mais importante da filosofia clássica


alemã, àquele famoso parágrafo da Crítica do poder do julgamento, no qual
é formulada a exigência do intellectus archetypus. Lembre-se, a esse
respeito, que Kant apresenta essa posição como a fronteira eterna da mente
humana e que o especial deve ser colocado sob o universal. E o próprio
arquétipo do intellectus aparece nos ensinamentos de Kant como uma "ideia
reguladora" deliberadamente impraticável, apenas como uma demanda por
razão que pode subir do especial para o universal. Como já sabemos, o
significado desse programa kantiano reside no fato de expressar quase clara
e fundamentalmente a ideia das limitações do pensamento metafísico,
embora na forma das limitações da mente humana em geral.

Os caminhos do idealismo subjetivo e objetivo divergem precisamente onde


há um debate sobre a viabilidade ou impraticabilidade desse requisito. Para
qualquer idealismo subjetivo, esse limite é insuperável. No idealismo
subjetivo, o especial em comparação com o universal deve sempre parecer
acidental. Independentemente de isso ocorrer na forma de uma sobrecarga
racional fichtiana de um sujeito, diante da universalidade moral abstrata da
qual toda vida empírica especial afoga a má sorte, ou se estamos falando
sobre a exaltação das singularidades para o céu em uma base sensual
irracionalista, as consequências permanecem as mesmas: os limites
avançados por Kant são insuperável. Somente Schelling, em sua "intuição
intelectual", dá um passo adiante aqui. No entanto, a superação de Schelling
da fronteira estabelecida por Kant é bastante declarativa, do que real. Ele
proclama o intellectus archetypus como uma capacidade humana real de
conhecer o mundo, mas, é claro, a habilidade, que é dotada apenas de um

426
gênio artístico ou filosófico. No entanto, com tal declaração, pouco pode ser
alcançado em filosofia, e o aparato pensador da dialética schellingiana não
nos dá (com exceção da esfera da estética) qualquer evidência de como o
acidente do especial é removido, como o general pode ser alcançado a partir
do especial. E não importa como pareça a Schelling que ele superou o
caráter do intellectus archetypus, proclamado apenas como um requisito, a
verdadeira dialética, a superação real dos limites do pensamento metafísico
aparece e ele apenas como um dever. Ele proclama o intellectus archetypus
como uma capacidade humana real de conhecer o mundo, mas, é claro,
uma habilidade dotada apenas de gênio artístico ou filosófico. No entanto,
com tal declaração, pouco pode ser alcançado em filosofia, e o aparato
pensador da dialética schellingiana não nos dá (com exceção da esfera da
estética) qualquer evidência de como o acidente do especial é removido,
como o general pode ser alcançado a partir do especial. E não importa como
pareça a Schelling que ele superou o caráter de intellectus archetypus,
proclamado apenas como um requisito, a verdadeira dialética, a superação
real dos limites do pensamento metafísico aparece e ele apenas como um
dever. Ele proclama o intellectus archetypus como uma capacidade humana
real de conhecer o mundo, mas, é claro, a habilidade, que é dotada apenas
de um gênio artístico ou filosófico. No entanto, com tal declaração, pouco
pode ser alcançado em filosofia, e o aparato pensador da dialética
schellingiana não nos dá (com exceção da esfera da estética) nenhuma
evidência de como o acidente do especial é removido, como o general pode
ser alcançado a partir do especial. E não importa como pareça a Schelling
que ele superou o caráter do intellectus archetypus, proclamado apenas
como um requisito, a verdadeira dialética, a superação real dos limites do
pensamento metafísico aparece e ele apenas como um dever. No entanto,
com tal declaração, pouco pode ser alcançado em filosofia, e o aparato
pensador da dialética schellingiana não nos dá (com exceção da esfera da
estética) qualquer evidência de como o acidente do especial é removido,
como o general pode ser alcançado a partir do especial. E não importa como
pareça a Schelling que ele superou o caráter de intellectus archetypus,
proclamado apenas como um requisito, a verdadeira dialética, a superação
real dos limites do pensamento metafísico aparece e ele apenas como um
dever. No entanto, com tal declaração, pouco pode ser alcançado em
filosofia, e o aparato pensador da dialética schellingiana não nos dá (com
exceção da esfera da estética) qualquer evidência de como o acidente do
especial é removido, como o general pode ser alcançado a partir do especial.
E não importa como pareça a Schelling que ele superou o caráter do
intellectus archetypus, proclamado apenas como um requisito, a verdadeira
dialética, a superação real dos limites do pensamento metafísico aparece e
ele apenas como um dever.

427
Hegel, mesmo quando ainda estava experimentando a terminologia de
Schelling, não apenas muito raramente e economicamente usou a expressão
"intuição intelectual", mas também construiu seu raciocínio de tal maneira
que, na verdade, ele se recusou a usar esse novo "órgão" da filosofia. Já
vimos quão grandes foram os esforços de Hegel para superar a fronteira
entre o especial e o universal, e quão verdadeiramente filosóficas foram suas
aspirações de compreender a vida real e fazer generalizações baseadas nela.
Hegel viu claramente que o momento do acaso, que se opõe ao universal,
não pode ser eliminado por decreto; não pode, como Schelling, ser
eliminado por várias construções baseadas em analogias.

A superação de Hegel da natureza aleatória do especial é baseada no


reconhecimento de sua inevitabilidade. Vamos relembrar seu conceito de
economia capitalista. Aparece como um movimento de momentos especiais
em que todos os momentos subjetivos e objetivos, a originalidade e as
habilidades de uma pessoa, sua propriedade etc., em princípio, são de
natureza aleatória. A regularidade universal, econômica, surge
necessariamente do movimento desses elementos fatalmente aleatórios.

Do mesmo modo, na relação teleológica do trabalho com os meios de


trabalho e com o sujeito, é apresentado um complexo de elementos
fundamentalmente aleatórios e relacionados aleatoriamente. No entanto, o
processo de trabalho cria algo que eleva esses momentos aleatórios em sua
conexão real com o nível de universalidade, algo que pode dialeticamente
subir para níveis cada vez mais altos de universalidade, etc.

Nestes e outros julgamentos hegelianos semelhantes, o requisito do


intellectus archetypus é realmente cumprido. O limite estabelecido por Kant
é o limite do pensamento metafísico. Trazendo a extrema expressão das
contradições do pensamento metafísico, eliminando sua imobilidade,
revelando as contradições motivadoras e móveis da realidade oculta por trás
deles, Hegel mostra não apenas o caminho para o pensamento dialético,
mas também que este último não é um privilégio de certos gênios, mas uma
capacidade imanente de qualquer pensamento humano, congelado na
quietude apenas graças ao modo de pensar metafísico.

Seguindo esse caminho sequencialmente, chegaremos apenas à dialética


materialista. Somente nela, como no reflexo mental do movimento dialético
da realidade, a fronteira estabelecida por Kant desmorona completamente.
No entanto, a dialética materialista e o materialismo histórico formam a
necessária unidade monolítica. Vimos que as condições sociais deram
deliberadamente ao pensamento filosófico de Hegel, por um lado, um
caráter idealista, por outro, essas mesmas condições levantaram limites tão
intransponíveis para sua penetração nas leis da sociedade e da história que

428
isso inevitavelmente levou ao fortalecimento das tendências idealistas em seu
pensamento. .

Portanto, Hegel poderia dar um passo na direção da dialética apenas


seguindo o caminho do idealismo. Essa complexidade inevitável da
formação da dialética hegeliana também deu ao seu objetivismo uma
espécie de dupla face. Por um lado, esse objetivismo cria uma arena em um
nível sem precedentes para o pleno desenvolvimento da dialética genuína e
para sua realização. Por outro lado, esse mesmo objetivismo direciona cada
vez mais o pensamento para o canal de perversão idealista e mistificação da
própria dialética.

O idealismo objetivo precisa de uma "transportadora" na qual essa


objetividade possa ser incorporada. O “espírito” hegeliano, precisamente
como a imagem do objetivismo da dialética hegeliana, reforça, como já
vimos, aquelas tendências idealistas que significam o isolamento do
universal em relação ao especial, e, portanto, a dialética retorna
constantemente à corrente principal do pensamento metafísico. Essa dupla
face da dialética hegeliana não é uma consequência imanente simples do
método do idealismo objetivo. De qualquer forma, acima, tentamos mostrar
que essa tendência no pensamento de Hegel é objetivamente gerada pela
própria realidade sócio histórica e é fortalecida ainda mais pela posição
social de Hegel. Certamente, como o idealismo objetivo como método
dialético surgiu nesta base, então suas inevitáveis conclusões metodológicas
devem ter um efeito inverso sobre as tendências de pensamento geradas
diretamente pelo ser. No entanto, o principal aqui, como em outros lugares,
é ser social. E tentamos mostrar como esse ser e seu entendimento
socialmente necessário se refletem clara e claramente nas categorias mais
complicadas, aparentemente abstratas e distantes das filosofias da vida
social.

Engels observa essa contradição como uma contradição entre método e


sistema. E quando, em seus últimos anos de vida, convocou jovens
marxistas a estudarem Hegel, constantemente advertia para não se demorar
muito e criticamente nas várias manifestações da arbitrariedade das
construções hegelianas, mas para prestar atenção a onde e como Hegel
revela corretamente o movimento dialético real. O primeiro, como Engels
disse, seria um trabalho fácil que qualquer professor da escola poderia fazer;
o segundo seria uma escola válida de conhecimento para qualquer marxista.
Marx sempre teve essa distinção em mente, mesmo durante sua luta política
mais violenta e altamente relevante contra a filosofia hegeliana. Na "Sagrada
Família", nos grandes "acertos de contas" com a ala esquerda do
hegelianismo, Marx expõe sem piedade o "segredo da construção
especulativa", o principal caminho falso pelo qual Hegel passa do geral para
o especial, a falsidade de todo o isolamento hegeliano do universal em

429
relação ao especial. Com uma sequência lógica inexorável, Marx mostra
todas as limitações e distorções da realidade nessa variedade de idealismo.
No entanto, Marx aqui distingue nitidamente entre Hegel e Hegelianos, que
tiraram apenas isso de sua dialética. Ele mostra a diferença fundamental
entre a dialética de Hegel e a dialética de seus seguidores: "(...) Hegel,
muitas vezes, dentro de uma exposição especulativa, dá uma exposição real
que captura o próprio sujeito. Esse desenvolvimento real dentro de um
desenvolvimento especulativo de conceitos encoraja o leitor a aceitar o
desenvolvimento especulativo como real”(32).

Essa perversão idealista repetida de Hegel foi realizada não apenas por seus
alunos imediatos. Mais tarde, o neo-hegelianismo o reproduz de uma forma
ainda mais explícita. Para extrair a verdadeira dialética de Hegel de todo
esse lixo, a fim de torná-la frutífera para o nosso tempo, foi necessário
mostrar a inconsistência interna de suas principais tendências no campo em
que o surgimento e o caráter social dessa dialética são mais claramente
revelados - no campo da economia política.

(1) Marx, K., Engels, F., Obras 2ª ed, Tomo 46, parte I, p. 30. (retornar ao
texto)

(2) Hegel, Trabalhos políticos, p. 373. (retornar ao texto)

(3) Ibid, p.329,337. Na literatura de Hegel, é geralmente aceito que o


“Sistema da Moralidade” foi escrito em 1801-1802, e representa o primeiro
relato escrito da filosofia social de Hegel. Somente Lasson acredita que a
primeira apresentação deste sistema é dada no artigo de Hegel sobre o
direito natural, portanto, em 1802-03. Para provar isso, ele não cita um
único argumento convincente. No entanto, a influência da terminologia
schellengiana e da maneira característica de Schelling de formar conceitos
em um artigo sobre direito natural é muito mais fraca do que no Sistema de
Moralidade. (retornar ao texto)

(4) Loc cit, p 269. (retornar ao texto)

(5) Loc cit, p 238. (retornar ao texto)

(6) Loc cit, p 239-241. (retornar ao texto)

(7) Hegel Obras de diferentes anos, Tomo I, p. 363. (retornar ao texto)

(8) Hegel Obras, Tomo IV, p. 241-242. (retornar ao texto)

430
(9) Marx, K., Engels, F., Obras, Tomo II, p. 137. (retornar ao texto)

(10) Hegel Obras de diferentes anos, Tomo I, p. 364-365. (retornar ao texto)

(11) Loc cit, p 379. (retornar ao texto)

(12) Cit. por: Aulord, A : Politische Geschichte der frazosischen Revolution,


Tomo II, p. 614. (retornar ao texto)

(13) Hegel Obras de diferentes anos, Tomo I, p. 366. (retornar ao texto)

(14) Loc cit, p 367. (retornar ao texto)

(15) Loc cit, p 365 (nota de rodapé). (retornar ao texto)

(16) Loc cit, p 371-372. (retornar ao texto)

(17) Loc cit, p 365. (retornar ao texto)

(18) Hegel, Jenauer Realphilosophie, Tomo I, p. 240. (retornar ao texto)

(19) Hegel Obras de diferentes anos, Tomo I, p. 328. (retornar ao texto)

(20) Marx, K., Engels, F., Obras,Tomo 42, p. 227. (retornar ao texto)

(21) Hegel Obras de diferentes anos, Tomo I, p. 315-316. (retornar ao texto)

(22) Marx, K., Engels, F., Obras, 2ª ed.Tomo 42, p. 157. (retornar ao texto)

(23) Loc cit, Tomo 1, p. 263. (retornar ao texto)

(24) Hegel Obras de diferentes anos, Tomo I, p. 362-363. (retornar ao texto)

(25) Hegel, trabalhos políticos, p. 344-346. (retornar ao texto)

(26) Napoleão fornece a seguinte divisão de propriedades: Possident. Dotti,


Mercanti (proprietários, centistas, comerciantes). (retornar ao texto)

(27) Hegel Jenauer Logik, p. 151. (retornar ao texto)

(28) Marx, K., Engels, F., Obras, 2ª ed.Tomo 3, p. 183. (retornar ao texto)

(29) Cf. Ibid, Tomo 1, p.270; 272-273. (retornar ao texto)

(30) Loc cit, p. 291. (retornar ao texto)

(31) Loc cit, p 251-252. Marx aqui critica Hegel do ponto de vista de um
democrata revolucionário consistente, e não do socialista, o que torna suas
observações interessantes à luz de nossos problemas. (retornar ao texto)

431
(32) Ibid, Tomo 2, p 66.

432
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo III – Fundamentação e defesa do idealismo objetivo (Iena, 1801-


1804)
8 — "A tragédia na ética"

Não importa quais problemas concretos nosso raciocínio anterior possa ter
procedido, eles constantemente nos levam ao oposto da dialética idealista e
materialista. Mas foi justamente por isso que foi revelado que essa oposição
se revela apenas em seu resultado final, na oposição teórico-cognitiva do
idealismo e do materialismo de forma pura. Esse resultado coroou o grande
processo histórico - o processo de organização da classe revolucionária - o
proletariado - na classe "por si" (Marx) durante a crise revolucionária geral na
Europa. Mas, ao mesmo tempo, em alguns estados que teve um papel
importante (Alemanha, Itália etc.), a implementação da revolução
democrático-burguesa se torna um objetivo central. A luta do jovem Marx
com os ensinamentos de Hegel,

Essa luta está superando as contradições da ideologia burguesa em um


duplo sentido. Por um lado, todas as limitações da ideologia burguesa são
criticadas, e essa crítica revela que o materialismo dialético é capaz de
resolver uma série de questões fundamentais que nem mesmo os ideólogos
mais proeminentes do estágio anterior de desenvolvimento puderam
formular pelo menos de forma mais ou menos clara. Por outro lado, o novo
humanismo proletário percebe todos os momentos do pensamento anterior
no processo de desenvolvimento da humanidade, no qual o verdadeiro
conhecimento da realidade objetiva, com todas as suas contradições
específicas, se refletia correta ou pelo menos corretamente em sua tendência.
Como em qualquer retirada verdadeiramente dialética, esses dois pontos
agem em conexão um com o outro: o momento da aniquilação crítica e o
momento da conservação.

Recentemente citamos a afirmação de Lenine de que Marx se une


diretamente a Hegel. Se prosseguirmos da perspectiva do surgimento do
materialismo dialético, essa afirmação significa que o humanismo proletário
também surge da última crise ideológica aguda do pensamento burguês,
assim como a luta de classes do próprio proletariado cresce gradualmente
fora da luta de libertação dos oprimidos e explorados; assim como, segundo
Lenine, não há muralha chinesa entre a revolução democrático-burguesa e
proletária, a revolução proletária cresce muito lentamente, gradualmente e

433
contraditoriamente, a partir dos movimentos de libertação dos estratos
oprimidos que participam da luta de classes. Consequentemente, a
característica específica das contradições, característica desta última.

O idealismo objetivo de Hegel é a forma mais alta de expressão filosófica do


pensamento burguês desse período. Este é o ponto de maior
desenvolvimento em um duplo sentido: em parte porque nesta filosofia, no
mais alto nível, em comparação com o nível de pensamento filosófico
alcançado, os resultados mentais e metodológicos do desenvolvimento de
mil anos da humanidade são generalizados, em parte porque em uma
conexão inextricável com esse processo na filosofia hegeliana, no mais alto
nível, o de inconsistência desse desenvolvimento é revelado, todas as
contradições não resolvidas e insolúveis contidas nele são reveladas.

A posição única de Hegel nesse período baseia-se no fato de que, pela


primeira vez na história da humanidade, em sua filosofia, a natureza
contraditória da própria existência humana é reconhecida como o problema
central da filosofia.

Objetivo, tornando-se contradições cada vez mais insolúveis da vida pública,


manifestam-se em todos os ideólogos significativos da época. Além disso,
várias contradições específicas encontram em seus conceitos de outros
pensadores sua reflexão mais real e mais comparável à verdade. Para esses
pensadores, no entanto, a inconsistência existe apenas objetivamente,
apenas por si só. Todos eles buscam a verdade - como Marx diz - "no
estrume das contradições"; eles falam sobre as contradições que descobriram
com franqueza destemida, mas não percebem essa natureza contraditória
como base do ser objetivo (junto com Hegel, Fourier é o único pensador
significativo desse período em que a contradição se manifesta de forma mais
ou menos consciente). Ao mesmo tempo, a consciência da inconsistência
insolúvel do desenvolvimento social; Ricardo, o último e mais consistente
sistematizador da ciência econômica, coloca o desenvolvimento de forças
produtivas materiais, como base do progresso humano, no centro de sua
pesquisa com tanta determinação que ninguém havia feito antes.

No entanto, embora o sistema de Ricardo pareça muito harmonioso na


aparência, embora ele próprio, em contraste com o sentimentalismo
romântico, defenda as consequências terríveis e desumanas do caminho
capitalista de desenvolvimento das forças produtivas, conforme necessário,
ele manifesta essa contradição interna da cultura burguesa, cuja emergência
não apenas indica a aproximação da última hora da liderança papel da
burguesia no desenvolvimento da sociedade, mas também aponta para o
papel de dupla face e problemático da burguesia no mesmo
desenvolvimento social inspirado por ela, sobre desde que aumentasse sua
condição material.

434
Aqui não analisaremos os ensinamentos de Ricardo sobre valor, dos quais,
durante o período de colapso de sua escola, os primeiros ideólogos do
proletariado puderam tirar conclusões socialistas diretamente. Apenas
apontamos a atitude contraditória de Ricardo em relação ao papel da
burguesia no progresso das forças produtivas materiais, que Marx deu uma
caracterização profunda e precisa: "Ele quer produção para produção, e ele
está certo. Objetar isso, como fizeram os oponentes sentimentais de Ricardo,
indicando que a produção como tal não é um fim em si mesmo, significa
esquecer que a produção por causa da produção não passa de um
desenvolvimento das forças produtivas da humanidade, isto é, o
desenvolvimento da riqueza da natureza humana como um fim em si
mesmo, desenvolvimento das habilidades do gênero "humano", embora seja
inicialmente realizado à custa da maioria dos indivíduos humanos e mesmo
de classes humanas inteiras, acabará destruindo esse antagonismo e
coincidindo com o desenvolvimento de cada indivíduo; que, portanto, um
maior desenvolvimento da individualidade é comprado apenas à custa de
um processo histórico e durante o qual os indivíduos são sacrificados (...). A
franqueza de Ricardo era, portanto, não apenas cientificamente honesta,
mas também cientificamente obrigatória para sua posição. Mas, portanto, é
completamente indiferente a Ricardo se o desenvolvimento das forças
produtivas atinge a propriedade da terra ou os trabalhadores até a morte
(...). Se o ponto de vista de Ricardo é geralmente consistente com os
interesses da burguesia industrial, é apenas porque seus interesses coincidem
- e somente na medida em que o que eles combinam com os interesses da
produção ou com o interesse em desenvolver a produtividade do trabalho
humano. Onde a burguesia contradiz esse desenvolvimento, Ricardo se opõe
sem piedade à burguesia, como em outros casos - contra o proletariado e a
aristocracia”(1).

O grande escritor realista deste período, Balzac na Comédia Humana,


fornece, por assim dizer, um compêndio de todas as contradições trágicas,
tragicômicas e cômicas que surgem com base na sociedade burguesa e são
expressas com muita vivacidade nas relações das pessoas. A imagem
colossal e abrangente da sociedade pintada por Balzac se assemelha a um
imenso afresco que descreve o "reino espiritual animal" do capitalismo com
todo o seu desgosto, com todas as suas contradições, com todas as suas
vítimas, com toda a sua luta heroica e condenada contra a sua
desumanidade. Ricardo e Balzac não são socialistas, subjetivamente, eram
até oponentes ao socialismo. No entanto, da análise objetiva do capitalismo
por Ricardo, Goethe e Hegel estão no começo deste último, cheios de
contradições e do florescimento trágico do estágio ideológico no
desenvolvimento da sociedade burguesa. "Wilhelm Meister" e "Fausto",
"Fenomenologia do Espírito" e "Enciclopédia" fazem parte daquelas imagens

435
monumentais nas quais as últimas forças desse desenvolvimento são
reunidas para expressar artística ou mentalmente sua trágica inconsistência.

Em Goethe e Hegel, essa reflexão do período heroico do desenvolvimento


burguês é mais claramente visível do que em Balzac, em quem esse tempo é
uma brilhante pré-história da era da prosa sinistra do capitalismo que passou
a dominar.

Em particular, o jovem Hegel, até o final deste período heroico, antes da


queda de Napoleão, foi diretamente influenciado pelo heroísmo e pelas
ilusões heroicas desse período de passagem. “No entanto, não importa quão
heroicamente seja a sociedade burguesa, heroísmo, auto sacrifício, terror,
guerra civil e as batalhas dos povos foram necessários para o seu
nascimento”(2). O jovem Hegel não era de todo inclinado, compreendendo o
desenvolvimento e o fim de sua sociedade burguesa em desenvolvimento, a
não notar o heroísmo do período de sua formação. Mais precisamente, ele
não quer reconhecer o fato de que todo esse heroísmo consiste em tornar os
governantes capitalistas do mundo.

A profunda contradição idealista do jovem Hegel reside precisamente no


fato de ele ter descoberto uma nova teleologia real da atividade humana e
não entender e não querer entender a trágica teleologia de sua época. Ele
vira de cabeça para baixo a relação de objetivo e meios. Enquanto, na
realidade, todas as aspirações heroicas do povo francês, feitos realizados por
grandes pessoas de Marat a Napoleão, levaram diretamente ao
estabelecimento do domínio do capitalismo nas ruínas da sociedade feudal,
o jovem Hegel - como já vimos - impulsiona a filosofia da história, na qual a
libertação das forças produtivas capitalismo das algemas, o surgimento de
uma sociedade capitalista desenvolvida deve tornar-se a base de um novo
período heroico, uma nova ascensão cultural da humanidade.

Contudo, nesse erro idealista de Hegel, nessa reversão dos laços sócio
históricos reais, há uma verdade humanista profunda, uma crítica profunda,
embora contraditória, da sociedade capitalista. Se Hegel não é capaz de
entender que todo o processo de desenvolvimento da humanidade com
todas as suas vítimas apenas levou à imposição final da humanidade aos
interesses de Nüssingen, Tyfer e Keller, se ele vê nessa dominação uma
profunda humilhação de toda a humanidade e apresenta uma utopia
heroica para indicar uma saída de tal caminho para completar o
desenvolvimento da humanidade, aí reside um profundo protesto contra o
capitalismo, um protesto que objetiva e inconscientemente contra sua
vontade direciona nosso olhar para além do horizonte do capitalismo.

Hegel seria um pensador menor, seria um utópico sentimental e romântico


se mantivesse consistentemente esse protesto contra a cultura capitalista,

436
contra o papel político e cultural de liderança da burguesia na sociedade
burguesa. Sua grandeza como pensador, a fecundidade de seus
pensamentos, a direção de sua filosofia para o futuro baseiam-se
precisamente em sua inconsistência, na natureza contraditória de sua
posição, no fato de que, como Ricardo, busca a verdade "no estrume das
contradições" e a encontra parcialmente. Ao considerar a crítica hegeliana da
cultura capitalista, nunca devemos esquecer que o ponto de partida e o
centro de sua filosofia da história formam a inevitabilidade e progressividade
do desenvolvimento capitalista.

Além disso, não é de forma alguma em um sentido estreito "econômico".


Além disso, a filosofia da cultura de Hegel baseia-se no fato de que apenas
um novo tempo, a sociedade burguesa moderna formou essa
individualidade do homem, graças à qual descobrimos a superioridade do
estádio moderno de desenvolvimento em qualquer área da cultura humana
sobre a antiguidade, com seu esplendor da vida política e cultural. E essa
nova individualidade no conceito de Hegel não é o resultado do
desenvolvimento natural, não é algo "orgânico", como acreditavam os
românticos, contrastando rigidamente essa personalidade "orgânica" com a
influência destrutiva e decadente do desenvolvimento capitalista. Muito pelo
contrário: para Hegel, essa individualidade é o resultado inevitável e
necessário desse desenvolvimento - filosoficamente falando.

Portanto, a contradição na filosofia da cultura de Hegel não tem nada a ver


com o anticapitalismo do romantismo. A contradição no conceito de Hegel é
muito mais profunda, consiste em afirmar a necessidade e a progressividade
do desenvolvimento econômico que leva ao capitalismo com todas as suas
terríveis consequências, às quais Hegel nunca fechou os olhos (exposição de
Hegel do fenômeno da pobreza e da riqueza no capitalismo) e, ao mesmo
tempo, está conectado com uma luta apaixonada contra a humilhação,
degradação e corrupção do homem, que esse caminho de desenvolvimento
inevitavelmente traz consigo.

A identificação dessas contradições nas obras de Hegel é ao mesmo tempo


uma continuação e desenvolvimento dialético das críticas à divisão
capitalista do trabalho e suas consequências na cultura que encontramos
entre os grandes economistas ingleses do Iluminismo, em particular
Fergusson e Adam Smith. O culto à antiguidade, que reinou desde o
Renascimento até os tempos napoleônicos, sua elevação ao nível do ideal,
repousa essencialmente na insolubilidade das contradições do
desenvolvimento capitalista. Todas as aspirações utópicas de reviver a
antiguidade na esfera da política, arte e cultura estão conectadas com a
esperança de superar essa contradição da vida moderna, de parar a
destruição do homem como resultado do desenvolvimento das forças
produtivas humanas.

437
A grandeza de Ricardo como economista repousa precisamente no fato de
que ele ignorou essa contradição com uma sequência de ferro. Ele declarou
todos os fatos em que essa contradição se refletia, mas sustentava
firmemente que o desenvolvimento progressivo das forças produtivas
materiais deveria passar por todas essas contradições. E eles realmente
fazem o seu caminho, neste Ricardo estava certo, mas a progressividade é
realizada no socialismo, e não no capitalismo, e esse é o erro histórico de
Ricardo. Ao mesmo tempo, é evidente que Ricardo, se não tivesse se
apegado tão firmemente ao seu erro, nunca teria alcançado a força de seu
pensamento que indica o caminho para o futuro, que ele nunca imaginou.

Hegel aborda essa contradição do lado oposto, cultural e filosófico. Isso, é


claro, não muda nada no fato de que, em seu pensamento, assim como em
Ricardo, verdade e erro estão entrelaçados. Devem-se buscar diferenças no
entendimento da antiguidade, que ultrapassa a modernidade. Fergusson
expressou essa posição com bastante clareza: "Se as reivindicações pelo
mesmo direito e a mesma liberdade para todos consistirem no fato de que
todos devem ser reduzidos ao estado de escravos ou mercenários,
permaneceremos a nação de Helots e não haverá um único cidadão livre
entre nós"(3). Tal é o conceito filosófico e histórico do jovem Hegel. E seu
significado como pensador reside precisamente no fato de que, como já
vimos, apesar de tal avaliação da antiguidade, apesar do reconhecimento de
que a sociedade capitalista é como realmente é, no entanto, desde a crise de
Frankfurt, ela tem firmemente a opinião de que a antiguidade passou
irrevogavelmente, que deixou de ser um modelo do desenvolvimento da
humanidade e que o desenvolvimento da humanidade atingiu seu clímax
devido ao desenvolvimento de suas forças produtivas, graças ao capitalismo.
Ora, esse apogeu se expressa, segundo Hegel, em suas trágicas contradições
dialéticas, na insignificância da figura central desse desenvolvimento - os
burgueses.

Hegel chamou de "a tragédia na ética" uma seção em seu trabalho sobre
direito natural, e a seção é bastante sombria. Este último une diretamente os
julgamentos de Hegel que já examinamos em relação à necessidade do
surgimento da sociedade capitalista e sua progressividade histórica em
comparação com a antiguidade. Nos poucos comentários desta seção, Hegel
tenta resumir a contradição que já delineamos na cultura do capitalismo, e o
faz de tal maneira que esta questão é apresentada como o eterno oposto no
desenvolvimento da humanidade, privando em certa medida a contradição
de sua historicidade, embora seja claramente distinguida a solução desse
problema na antiguidade e nos tempos modernos.

A apresentação desses pensamentos é a mais sombria das obras do jovem


Hegel. Aqui, excessivamente idealista em uma ampla variedade de maneiras
é impressionante. Antes de tudo, como já foi observado, um conflito

438
especificamente moderno é declarado eterno. A “bifurcação” do homem em
uma burguesia e em um cidadão acaba sendo um eterno conflito de espírito
consigo mesmo, posicionado e posto em tragédia. Para realizar a
perpetuação desse conflito, Hegel mistificou a vida da burguesia, definindo-a
como "natural", "subterrânea". O lado civil do homem, pelo contrário, triunfa
sobre esse "subterrâneo", mas, no entanto, parece estar conectado a ele por
um "raio de luz". A "natureza bifurcada" do espírito é uma posição eterna e a
remoção da contradição constitui uma "tragédia na ética". "Não é nada além
de como representação de uma tragédia na esfera da ética, uma tragédia
que o absoluto brinca consigo mesmo, sempre gera a si próprio e a
objetividade, transmitindo-se dessa imagem ao sofrimento e à morte e
depois ascende do pó à esfera da beleza. O próprio Divino tem uma
natureza dupla em sua imagem e objetividade, e sua vida é a unidade
absoluta dessas naturezas"(4).

Segundo Hegel, deve haver uma solução, apesar da tragédia, e talvez graças
à tragédia. Para sempre não apenas uma contradição, mas também sua
superação. O culminar necessário do idealismo objetivo na identidade
sujeito-objeto é, por um lado, a forma mental mistificada da superação das
contradições (também reais, mas possíveis de serem removidas); por outro
lado, a construção filosófica, que é impossível sem um clímax nessa
identidade sujeito-objeto, nos obriga a tomar essa decisão: no espírito, todas
as contradições devem ser resolvidas, embora saibamos que a remoção de
Hegel é mais voltada para o próprio processo de "superação" do que o
estado de retirada.

Já conhecemos o conteúdo social de resolver a contradição - essa é uma


natureza historicamente diferente que "restringe" a economia pelo Estado,
sua subordinação aos interesses de uma pessoa que revelou totalmente suas
habilidades e é verdadeiramente uma pessoa social. Segundo Hegel, "a
tragédia na ética" tem sido historicamente representada de várias formas. A
solução antiga baseada em beleza era falhar. Por seu tempo, Hegel acredita
que "um grande especialista em estado... [fica] em Paris"(5), ele encontrará
uma nova solução: o capitalismo lhe parece uma base material, um servo de
um novo período heroico. Aqui, as ilusões napoleônicas se fundem com a
dialética idealista, formando uma espécie de unidade orgânica. Essa forma
de resolver contradições termina o período de evolução do jovem Hegel. Já
vimos como o colapso de suas esperanças de um renascimento da
antiguidade o levou à crise do período de Frankfurt. Essas novas esperanças,
que encontraram sua expressão patética na "Fenomenologia do Espírito",
após a derrota de Napoleão, sofrerão, por sua vez, um novo colapso e farão
com que Hegel seja satisfeito após profunda decepção com a prosa
finalmente estabelecida do capitalismo.

439
Em seu ensaio sobre direito natural, Hegel complementa a exposição da
tragédia com uma solução cômica para o problema. E aqui, a antiguidade e
a modernidade dão soluções diferentes, a antiguidade e, neste caso, brilha
com incríveis tons de beleza, embora tenha irrevogavelmente afundado no
passado, a tarefa urgente de nosso tempo é identificar crenças prosaicas e
resolver conflitos contemporâneos na comédia. Essa "comédia ética" se
expressa na mesquinharia e no ridículo da vida cotidiana da burguesia
diante do cenário majestoso dos atos reais do espírito do mundo, em
contraste com a seriedade subjetiva, a importância subjetiva desses conflitos
na própria vida. "Do outro lado, há outra comédia - suas vicissitudes são
desprovidas de destino e luta verdadeira, porque a própria natureza moral é
cativada pelo destino. A trama aqui é baseada não em opostos humorísticos,
mas em opostos sérios para uma determinada aspiração moral, embora
engraçados para o espectador; encontre uma saída na afetação dos
personagens e no absoluto, que constantemente acaba sendo enganado e
rejeitado"(6).

Obviamente, não é difícil perceber e criticar a pretensão e a mistificação de


tal linha de pensamento. No entanto, o que é real por trás dessa pretensão?
Antes de tudo, uma crítica à insignificância política da burguesia alemã, que
pode ser estendida à burguesia em geral. Já sabemos que tal visão surge em
Hegel a partir de suas ilusões napoleônicas e observações realistas da
realidade alemã. Também sabemos como o mal-entendido de Hegel sobre
os problemas da democracia, a fecundidade política e cultural dos
movimentos de massa vindos de baixo estabelece uma fronteira, um limite
para seus próprios pontos de vista.

No entanto, com todas essas ilusões e limitações, Hegel, no entanto,


compreendeu um lado do desenvolvimento da sociedade burguesa, que
ocorreu apenas no período posterior do século XIX, manifesta-se, a saber, a
incapacidade da burguesia, e especialmente a alemã, de usar seu poder
econômico, seu papel de liderança na economia para alcançar o mesmo
poder político que possui na economia. Engels escreveu sobre esse traço
característico da burguesia em 1870: "O traço característico da burguesia em
comparação com todas as outras classes dominantes é precisamente que há
um ponto de virada em seu desenvolvimento, após o qual qualquer
aumento adicional nos meios de seu poder, portanto, em primeiro lugar, seu
capital, leva apenas ao fato de que está se tornando cada vez mais incapaz
de dominação política". Essas observações de Engels, diretamente
relacionadas à burguesia alemã, já contêm uma generalização relativa à
burguesia em geral. Em um de seus escritos sobre o materialismo histórico,
ele faz uma generalização ainda mais decisiva: "Aparentemente, pode ser
considerada uma lei do desenvolvimento histórico que em nenhum país
europeu a burguesia consiga - pelo menos por muito tempo - tomar o poder

440
político da mesma maneira. como a aristocracia feudal a possuía durante a
Idade Média"(7).

É claro que Hegel não poderia ter uma compreensão clara dessa
circunstância: afinal, todas as declarações de Engels estão intimamente
ligadas à força cada vez maior do proletariado; Hegel ainda não sabia nada
sobre a luta de classes entre a burguesia e o proletariado e as consequências
dessa luta em relação ao poder e à cultura do Estado. E, no entanto, se
conectarmos a afirmação hegeliana sobre a "insignificância política" da
burguesia com sua própria afirmação sobre a força econômica cada vez
maior e a progressividade de seus próprios alicerces, pode-se adivinhar e
antecipar: Hegel, por assim dizer, alerta para muito do que acontecerá
posteriormente o desenvolvimento da história, em particular sobre o papel
especificamente contraditório desempenhado pela burguesia no
desenvolvimento da sociedade capitalista.

Observamos anteriormente como uma característica idealista pronunciada


na exposição hegeliana de A Tragédia na Ética que Hegel leva esse conflito
especificamente moderno à categoria do eterno oposto, o absoluto.
Contudo, mesmo nesse exagero, há um palpite sobre a contradição
realmente existente entre o verdadeiro desdobramento das habilidades
humanas e a atividade econômica do homem em todas as sociedades de
classe. Na medida em que estamos falando sobre a raça humana como um
todo, o trabalho é sem dúvida a base do desenvolvimento humano; do
ponto de vista da universalidade do desenvolvimento patrimonial, Hegel
também não vê nenhuma contradição aqui. A contradição aparece quando
consideramos o desenvolvimento das habilidades humanas do indivíduo em
várias sociedades de classe. E então, de fato, acontece a divisão estrita entre
o "subterrâneo" que existia durante o auge da antiguidade, no termo de
Hegel, a base econômica que repousava sobre o trabalho dos não-livres e a
alta cultura dos livres, apenas usando essa base, pertence àqueles
fenômenos que nos apresentam uma cultura antiga sob uma luz falsa. É
claro que, para pensadores honestos, essa falácia poderia ocorrer desde que
abrigassem ilusões a respeito de uma separação estrita da natureza social e
econômica. Citamos acima a declaração do iluminista Ferguson, que não vê
a libertação universal do homem no nível contemporâneo de
desenvolvimento da sociedade como resultado da abolição da nítida
separação entre livres e escravos, mas vê, pelo contrário, a transformação de
todas as pessoas em helots, ou seja, Hegel, que, como já vimos mais de uma
vez, estava muito longe do sentimentalismo romântico e nunca menosprezou
a progressividade do desenvolvimento capitalista, polemiza fortemente com
a avaliação cultural da atividade econômica das pessoas, que foi dada pela
economia política mais clássica e por seus epígonos e críticos.

441
Em uma análise histórica da doutrina econômica de Adam Smith, Marx dá
uma ampla visão da extensa controvérsia que se desenvolveu em toda a
literatura econômica europeia em torno do conceito de trabalho produtivo e
improdutivo de Smith, uma polêmica na qual os ideólogos econômicos do
Diretório e Consulado (Garnier) e do império (Ferrier) tiveram um papel de
liderança. Como a burguesia em seu período revolucionário, o próprio
Smith considerava todos os tipos de atividades não econômicas das pessoas
na sociedade como fatos da produção, que certamente devem ser reduzidos
ao mínimo necessário, no interesse do desenvolvimento de forças
produtivas. (A proximidade dessas visões às considerações acima de Ricardo
é óbvia.)

De acordo com isso, todos os grandes economistas políticos consideram


várias formas de trabalho improdutivo através do prisma da equalização
revolucionária cínica. Marx cita, por exemplo, as seguintes declarações de
Adam Smith, que se refere a representantes do trabalho improdutivo: "Eles
são servidores da sociedade e fazem parte do produto anual do trabalho de
outras pessoas (...). Sacerdotes, advogados, médicos devem ser incluídos
nesta classe (...) escritores de todos os tipos; atores, soldadores, músicos,
cantores de ópera, dançarinos etc." Marx comenta essas afirmações de Smith
da seguinte maneira: “Essa é a linguagem da burguesia revolucionária, que
ainda não subjugou toda a sociedade, estado, etc. Todas essas ocupações
transcendentais, tradicionalmente consideradas em grande estima, são
Estado, juízes, oficiais, padres, etc. a totalidade das antigas propriedades
ideológicas geradas por elas, todos os estudiosos, mestres e padres
pertencentes a essas propriedades (...) são economicamente equiparados à
multidão de seus próprios lacaios e palhaços da burguesia que são mantidos
por ela e representantes da riqueza ociosa - a nobreza da terra e os
capitalistas ociosos. Eles são simplesmente servos da sociedade, assim como
outros são seus servos. Eles vivem do produto do trabalho de outras
pessoas. Portanto, seu número deve ser reduzido a um mínimo inevitável"(8).

Esse ponto de vista revolucionário, que continha a exigência declarada por


Ricardo de desenvolver forças produtivas a todo custo, passa por uma
mudança entre os ideólogos da burguesia, depois que a burguesia -
geralmente com base em vários compromissos - já alcançou o poder no
estado ou, pelo menos, uma influência decisiva no poder do estado. Como
resultado dessa mudança, surge o conceito “educado”, segundo o qual se
justifica todos os tipos de atividades na sociedade capitalista que são úteis
para a burguesia ou, pelo menos, simplesmente agradáveis a ela. Esse
conceito estende o conceito de produtividade também a esses tipos de
atividades e reconhece seu trabalho no sentido econômico como produtivo.
Marx zomba desse conceito, em que os princípios da economia política
clássica, protegendo-os em um pedido de desculpas da sociedade burguesa.
Ele cita a seguinte declaração de Nassau Senior: "Segundo Smith, o
442
legislador judeu era um trabalhador improdutivo" - e acrescenta: "Quem é
Moisés do Egito ou Moses Mendelssohn? Moisés agradeceria muito ao Sr.
Senior por reconhecê-lo como trabalhador produtivo de Smith. Essas
pessoas são tão escravizadas por suas obsessões burguesas que, em sua
opinião, Aristóteles ou Júlio César ficariam ofendidos se fossem chamados
de "trabalhadores improdutivos". Enquanto isso, Aristóteles e César teriam
considerado o nome "trabalhadores" o insulto o legislador judeu era um
trabalhador improdutivo "- e acrescenta: Essas pessoas são tão escravizadas
por suas obsessões burguesas que, em sua opinião, Aristóteles ou Júlio
César ficariam ofendidos se fossem chamados de "trabalhadores
improdutivos". Enquanto isso, Aristóteles e César teriam considerado o
nome "trabalhadores" o insulto“(9).

A posição de Hegel é direcionada contra Smith e contra seus críticos. No


entanto, o verdadeiro oposto deve ser buscado apenas entre ele e esses
apologistas "instruídos" da burguesia. Em Hegel, nunca encontramos um
desejo de justificar a posição do “estado geral” de forma a considerar ampla
ou figurativamente os membros desse estado como trabalhadores
economicamente produtivos. Muito pelo contrário: em todos os seus escritos,
nos quais ele examina a questão das propriedades, ele enfatiza fortemente
que o “estado geral” não está envolvido em atividade econômica e vive do
trabalho da segunda e terceira propriedades. Esse estado geral justamente
por causa de Hegel aparece como geral, porque é improdutivo no sentido de
Smith.

Quando, em todas as suas avaliações da cultura humana, Hegel relaciona


tudo o que é leve a atividades economicamente improdutivas e tudo o que é
sombra da burguesia, ele coloca um problema que Smith e Ricardo não
colocaram, porque para eles, especialmente para Ricardo, ele estava
principalmente interessado o desenvolvimento de forças produtivas materiais
e o desenvolvimento da raça humana causada por elas. (Isso, é claro, não
significa que Smith e Ricardo estavam cegos para as consequências
humanas e culturais de tal desenvolvimento, por exemplo, as consequências
da divisão capitalista do trabalho). Pelo contrário, eles viram claramente os
problemas decorrentes disso, e especialmente Smith, um estudante de
Ferguson, lidou com essa questão em detalhes suficientes. No entanto, tudo
isso lhes foi incondicionalmente subordinado à questão central - o
desenvolvimento de forças produtivas materiais.

Agora já podemos dizer que o verdadeiro núcleo da "tragédia na ética" está


com Hegel, pois ele concorda plenamente com o conceito smithiano de
desenvolvimento de forças produtivas materiais como um conceito
necessário e progressista, mesmo no aspecto cultural. Hegel - como
enfatizamos repetidamente - coloca a forma espiritual moderna, superior e
mais desenvolvida da personalidade em estreita conexão com o

443
desenvolvimento de forças produtivas materiais no sentido em que Smith e
Ricardo investiram nela. Ele rejeita todas as lamentações românticas sobre
um desenvolvimento como sentimentalismo patético, que pode direcionar
seu olhar apenas para o singular, mas não para ver o todo, lançando-os de
maneira tão decisiva quanto Smith e Ricardo. No entanto, ele vê ao mesmo
tempo - e aqui ele está perto do círculo de interesses, às perguntas colocadas
por Balzac e Fourier, que o tipo de pessoa que foi formada como resultado
do desenvolvimento de forças produtivas no capitalismo e graças ao próprio
capitalismo é uma negação prática de tudo o que é grande, sublime e
significativo que foi trabalhado pelo desenvolvimento da humanidade até
agora. A contradição desses dois opostos necessários, a conexão
inextricavelmente contraditória do progresso com a humilhação da
dignidade humana, a conquista do progresso à custa da humilhação - é aqui
que se deve buscar o verdadeiro núcleo da "tragédia na ética", o que foi
trabalhado pelo desenvolvimento da humanidade até agora. A contradição
desses dois opostos necessários, a conexão inextricavelmente contraditória
do progresso com a humilhação da dignidade humana, a conquista do
progresso à custa da humilhação - é aqui que o verdadeiro núcleo da
"tragédia na ética" deve ser buscado, o que foi trabalhado pelo
desenvolvimento da humanidade até agora. A contradição desses dois
opostos necessários, a conexão inextricavelmente contraditória do progresso
com a humilhação da dignidade humana, a conquista do progresso à custa
da humilhação - é aqui que o verdadeiro núcleo da "tragédia na ética" deve
ser buscado.

Assim, Hegel formula uma contradição profunda e real da sociedade


capitalista (com reservas bem conhecidas e de qualquer sociedade de
classes). A forma sombria e mística em que essa contradição é expressa e a
decisão ilusória dada por Hegel durante o período de Iena não devem
ofuscar o fato de que aqui é formulada uma contradição profunda e real da
sociedade capitalista - uma contradição que os grandes fundadores e
representantes do marxismo sempre reconheceram e que constantemente
ignoravam o oportunismo menchevique e sociologia vulgar devido ao culto
lacaio da burguesia.

O grande escritor Máximo Gorki, em seu discurso no congresso de escritores


soviéticos em Moscou (1934), expressou essa opinião sobre esta questão:
“Há toda razão para esperar que, quando a história da cultura for escrita
pelos marxistas, estaremos convencidos de que o papel da burguesia nos
processos de criatividade cultural é muito exagerado (...). A burguesia não
tinha em si mesma e não tem uma tendência para a criatividade da cultura,
se essa criatividade for entendida de forma mais ampla do que apenas o
desenvolvimento contínuo de material externo, comodidades domésticas e o
desenvolvimento do luxo. A cultura do capitalismo - mas o que mais isto é,
como um sistema de técnicas físicas e mentais para expandir e fortalecer o
444
domínio da burguesia sobre o mundo, sobre as pessoas, os tesouros da terra,
a energia da natureza"(10).

Gorki aqui expressa o que Marx disse repetidamente sobre o papel da


burguesia no desenvolvimento cultural contemporâneo. É interessante notar
que Marx frequentemente dá exemplos da antiguidade nessas declarações, a
fim de expor à verdadeira luz a desumanidade gananciosa e a hipocrisia
miserável dos ideólogos da burguesia. Então, ele fala sobre as ilusões de
antigos poetas e pensadores que esperavam que o desenvolvimento de
invenções técnicas, a mecanização do trabalho levasse à libertação da
humanidade. E, em contraste, ele acrescenta: " Ó gentios! Ó, esses pagãos!
Eles, como descobriu o astuto Bastia, e antes dele o ainda mais sábio
McCulloch, não entendiam nada na economia política e no cristianismo. A
propósito, eles não entendiam que a máquina é a maneira mais segura de
prolongar o dia de trabalho. E se eles justificassem a escravidão sozinha,
então, como um meio para o pleno desenvolvimento humano dos outros.
Mas, a fim de pregar a escravidão das massas, a fim de transformar algumas
pessoas iniciantes grosseiras e semi-educadas em "excelentes espiões",
"grandes salsichas" e "influentes comerciantes de cera", por isso eles careciam
de sentimentos cristãos específicos"(11).

Essa crítica destrutiva da desumanidade e da falta de cultura teve seus


antecessores - destacados ideólogos do pensamento burguês, cujo trabalho
recai nesta última grande crise, sobre a qual já falamos. Com relação a
Fourier, escusado será dizer que a clareza e a determinação das críticas à
cultura capitalista pressupunham uma transição para o socialismo. Naquele
exato momento, assim que a perspectiva de uma solução real das
contradições econômicas e culturais do capitalismo se tornou visível à luz da
sociedade socialista, o próprio movimento de contradições à luz dessa
perspectiva começou a ser entendido de maneira diferente e muito mais
clara do que sem essa perspectiva. No entanto, quem comparar
imparcialmente a crítica social apresentada nos romances de Balzac com a
crítica de Fourier, com espanto, estabelecerá como fatos semelhantes, tipos
sociais, Goethe e Hegel pertencem não apenas a um estádio anterior, menos
desenvolvido, no desenvolvimento de contradições capitalistas, como Balzac
(e Fourier, mas também vivem na Alemanha, onde essas contradições
parecem, na realidade, um alívio muito menor). As grandes criações poéticas
de Goethe refletem invariavelmente essas contradições e, diretamente ou
através de personagens humanos opostos e positivos (às vezes um tanto
utópicos), criticam as tendências de desenvolvimento das culturas
capitalistas.

Hegel, como pensador abstrato, está em uma posição mais difícil e menos
favorável que Goethe, assim como Balzac. Para Hegel, seria completamente
insuficiente experimentar e retratar a essência da cultura capitalista, que está

445
rompendo com a progressividade econômica e a falta de cultura burguesa e
sua anti-cultura em imagens humanas concretas. Pelo contrário, Hegel foi
forçado a elevar essas contradições ao nível de generalização mental e
formulá-las e expressá-las filosoficamente como contradições do ser. Por
causa das relações sociais das quais falamos repetidamente, Hegel só
conseguiu chegar à descrição da natureza contraditória em si mesma. Além
disso, impulsionado por seu próprio método, ele é forçado a procurar e
encontrar um caminho de superação ilusória e confusa de inconsistência
insolúvel. E ainda, portanto, não esgotamos o conteúdo da "tragédia na
ética".

Até agora, em nossa análise, aderimos ao lado substantivo da contradição


de Hegel, embora ainda não afete a maneira como ela é apresentada, as
formas especiais de mistificação do problema por ele. Voltando a este lado
da formulação hegeliana da questão, devemos deixar claro que os aspectos
formais da maneira hegeliana de expor, tanto no bom quanto no mau senso,
não são de todo puramente formais, mas estão ligados a importantes
problemas substantivos de sua concepção histórica e política, sua filosofia
em geral. Nós já poderíamos estar convencidos de que as brincadeiras de
posar e resolver os problemas de Hegel nem sempre eram simples
distorções. Frequentemente, elas se mostram como uma maneira idealista
das dificuldades em colocar um problema social e filosoficamente insolúvel
para Hegel. Em muitos casos, nessas fraudes, essas soluções ilusórias ou
falsas afirmações da pergunta estão frequentemente em formas difíceis ou
nem todas decifráveis estão intimamente relacionadas a problemas
profundos, que Hegel não conseguiu alcançar a solução correta, mas achou
que a solução era rica em pensamentos e forma estimulante
desenvolvimento adicional. Portanto, em todos os casos, devemos ser
capazes de distinguir rigorosamente, além disso, de maneira concreta e clara,
a profundidade falsa da profundidade real, pois em Hegel elas são
frequentemente interligadas. Em muitos casos, nessas fraudes, essas soluções
ilusórias ou declarações falsas da pergunta geralmente estão em formas
difíceis ou nem totalmente decifráveis estão intimamente relacionadas a
problemas profundos, que Hegel não conseguiu alcançar a solução correta,
mas ele imaginou que a solução era muito rica em pensamentos, e forma
estimulante desenvolvimento adicional. Portanto, em todos os casos,
devemos ser capazes de distinguir rigorosamente, além disso, de maneira
concreta e clara, a profundidade falsa da profundidade real, pois em Hegel
elas são frequentemente interligadas. Em muitos casos, nessas fraudes, essas
soluções ilusórias ou falsas afirmações da pergunta estão frequentemente em
formas difíceis ou nem todas decifráveis estão intimamente relacionadas a
problemas profundos, que Hegel não conseguiu alcançar a solução correta,
mas achou que a solução era rica em pensamentos e forma estimulante
desenvolvimento adicional. Portanto, em todos os casos, devemos ser

446
capazes de distinguir rigorosamente, além disso, de maneira concreta e clara,
a profundidade falsa da profundidade real, pois em Hegel elas são
frequentemente interligadas.

Uma forma especial de mistificação na "tragédia na ética" é o entendimento


da tragédia como uma luta entre os lados brilhantes e brilhantes do ser
humano, social e as forças das trevas "subterrâneas". O próprio Hegel, como
ilustração, cita Oresteia, de Ésquilo, em que a luta de Apolo com os
Eumenes é retratada como uma luta entre forças leves e "subterrâneas", e o
fim da antiga tragédia que não é permitida com clareza suficiente deve
esclarecer a reconciliação dos Eumenes com a situação real e mostrar que
no curso do desenvolvimento social nenhum dos princípios alcança uma
vitória decisiva sobre o outro e não é destruído, mas que a luta sempre
renovada expressa a "tragédia da moralidade. O próprio Hegel diz que "a
tragédia é”,(12) esse "submundo" que aparece em Hegel de várias formas.
Para ele, pertence principalmente a uma família que, segundo Hegel, é uma
"integridade natural"(13). Escusado será dizer que ele não nega a natureza
social do amor, casamento, família etc. Mas ele rejeita a teoria bárbara do
casamento de Kant, que exclui completamente todos os destinos naturais da
vida conjugal e os valores culturais e espirituais que surgiram nessa base, e o
lado físico do amor, de acordo com isso, é reduzido ao nível de certo acordo
sobre o uso de um ou outro objeto. Em Hegel, pelo contrário, surge aqui
uma dialética complexa do natural e social, que apenas demonstra a
superioridade do idealismo objetivo sobre o subjetivo. O problema da
família tem outro lado para Hegel, mostrando que profundas especulações
sobre laços históricos reais estão intimamente entrelaçadas com as
inevitáveis limitações de seu horizonte histórico e filosófico.

Hegel, como qualquer outro cientista de sua época, não fazia ideia de uma
sociedade de clãs. No entanto, ele acreditava, e não sem razão, que o estado
deveria ser precedido por certo estado pré-estado do homem. Em Hegel, a
família em sua essência natural "subterrânea" atua como a imagem do
espírito neste estado pré-estatal da sociedade. Hegel apresenta uma
descrição abrangente e bonita do conflito dessas duas épocas do
desenvolvimento social em A Fenomenologia do Espírito, quando analisa a
trágica colisão em Antígona de Sófocles.

Essa análise, em certa medida, precedeu a análise de Ésquilo, em О Oresteia


dada por Bachofen e Engels.

É claro que Bachofen, que viveu muito mais tarde, a seu modo, dentro da
estrutura de sua compreensão da história, enfrentou o problema do direito
materno. Engels, com a ajuda das descobertas de Morgan, compreendeu
materialmente as fraudes de Bachofen. Repetimos: Hegel não tinha a menor
ideia de sociedade de clãs e do direito materno. Portanto, seu conceito de

447
estado pré-estatal nesse aspecto não é histórico, pois ele considera a família
que apareceu historicamente muito mais tarde como a base e a forma inicial
dessa sociedade pré-estatal - uma característica ilusória dos contemporâneos
de Hegel.

No entanto, seu entendimento é de grande importância devido ao fato de


ele determinar de maneira extremamente justa e brilhante a verdade
histórica e a inverdade dessa colisão, realizando a ideia da verdade dialética
igual de ambas as partes. Ele também vê bem a necessidade histórica com a
qual o ponto de vista da legalidade do estado apresentado por Creonte deve
inevitavelmente comemorar seu triunfo, pois reconhece a superioridade
moral de Antígona e o estado social representado nesse ponto de vista. Essa
ponderação dialética da feira e da injusta dos dois lados do debate resulta
não apenas em uma análise brilhante do drama imortal, mas também
expressa a natureza contraditória do progresso, que Engels observou
repetidamente em sua análise da decomposição do sistema tribal. É essa
unidade em reconhecer a necessidade que o sistema tribal é em grande
parte puramente humano - superior às sociedades de classe que o
sucederam - o reconhecimento de que a decadência da sociedade tribal se
devia à libertação dos instintos maus e básicos do homem dos vínculos
tribais, bem como o reconhecimento de que a decomposição de uma
sociedade tribal é claro, progresso histórico necessário e significado real - a
verdade dessa necessidade histórica profundamente contraditória está
pairando, como um palpite, diante de nossos olhos, quando se compreende
a profundidade da análise hegeliana de Antígona. E reconhecendo a enorme
diferença de clareza, concretude histórica e cientificidade entre a
interpretação hegeliana e a que foi dada por Engels, que seguiram Bachofen
e Morgan por esse caminho, não se pode, contudo, fechar os olhos ao fato
de que o reconhecimento da necessidade e da inconsistência inevitável do
progresso, que Hegel já conhece outra manifestação socialmente significativa
da "elevadora": estamos falando do "poder imprevisível" da vida econômica,
que forma um sistema único e imanente.

Já sabemos que Hegel nutria constantemente a ilusão de restringir o poder


da economia por meio das atividades do estado. No entanto, como Hegel
entendeu corretamente a existência de certas tendências opostas na
economia do capitalismo, ele claramente entende o perigo constante de
perder a unidade da sociedade nessa imanência da economia, nessa auto
implantação livre e sem obstáculos de forças opostas que atuam na
economia. "Além disso - uma riqueza enorme, que está igualmente ligada à
pobreza mais profunda, porque na divisão do trabalho se torna universal,
objetiva de ambos os lados - por um lado, em perfeita universalidade, por
outro lado, em real; e esse é um momento puramente quantitativo, até o
conceito de um único inorgânico em trabalho de parto, diretamente, é a
mais alta crueldade. A principal característica da propriedade artesanal, que
448
consiste em ser capaz de contemplação e atenção absolutas orgânicas,
embora fora do ser divino, desapareça e surge uma animalidade de desprezo
por tudo o que é sublime. Privado de sabedoria é puramente universal, uma
massa de riqueza é o que é "em si"; a conexão absoluta do povo, a moral
desapareceu e o povo se desfez” e existe uma animalidade de desprezo por
tudo que é alto. Privado de sabedoria é puramente universal, uma massa de
riqueza é o que é "em si"; a conexão absoluta do povo, a moral desapareceu
e o povo se desfez” e existe uma animalidade de desprezo por tudo que é
alto. Privado de sabedoria é puramente universal, uma massa de riqueza é o
que é "em si"; a conexão absoluta do povo, a moral desapareceu e o povo se
desfez”(14). Aqui você pode ver por que Hegel considera o sistema
imanentemente fechado da economia como uma força "subterrânea" com a
qual o portador de Deus da civilização deve travar uma luta contínua.

Nesta e em outras formas de manifestação do "subterrâneo" natural na


sociedade, o "positivismo acrítico" de Hegel muitas vezes encontra seu
reflexo claro. Já criticamos esse positivismo onde parecia apropriado. No
entanto, neste conceito de "subterrâneo" estamos falando de outra coisa e
mais importante. Lembremos o raciocínio de Hegel sobre trabalho e
ferramentas. Acontece que o espírito, a atividade humana consciente está
acima da natureza, que o espírito coloca essa natureza sob o domínio da
atividade humana consciente; no entanto, a objetividade, a existência
continuada da natureza ao superá-la não é removida, é sempre visível nas
atividades da sociedade, está em um estado de interação contínua com ele.
Este é um momento muito significativo na superação de Hegel do idealismo
subjetivo.

Isso leva aos mais diversos conflitos da filosofia hegeliana, e é preciso


reconhecer a vida independente e a legitimidade dessas forças
"subterrâneas". Hegel é o primeiro pensador na Alemanha a reconhecer a
existência de suas próprias leis da vida econômica e, embora tenha ilusões
de que as atividades do Estado possam mitigar e regular as contradições
sociais decorrentes da economia, ele nunca apresenta essa função do Estado
como um regulamento abstrato, interferência forçada na vida econômica, o
levantamento das leis econômicas do capitalismo com a ajuda de decretos,
como é claramente expresso em demandas utópicas de Fichte. É
precisamente porque Hegel aqui, embora muitas vezes de formas ilusórias,
apresenta a exigência de interação concreta, é por isso que existe uma base
social para a "tragédia na ética". E é exatamente por isso que Hegel vê
claramente a natureza cega e espontânea da economia capitalista.

Assim, é precisamente na “tragédia da moralidade” que surge uma luta


trágica contínua entre a “alienação” (Entäußerung) (civilização, o estado é
luz) e a natureza (direta e espontânea é “subterrânea”), e a característica
mais importante de Hegel é a passagem contínua dessas momentos um no

449
outro. De fato, para ele, por um lado, a essência do progresso social é a
vitória da civilização sobre a natureza, embora essa não seja, de modo
algum, a vitória final, um "progresso sem fim" uniforme e direto, mas uma
vitória decorrente da renovação constante, tornando-se cada vez mais feroz
luta. Por outro lado, a civilização não pode obter uma vitória completamente
de cem por cento sobre a natureza: esse é o conceito de Hegel. O
humanismo de Hegel requer uma abordagem holística, homem inquebrável.
O mais alto desenvolvimento da "alienação" (Entäußerung) é para Hegel um
ponto de transição, uma transformação na qual ele retorna ao sujeito e,
assim, é removido. Consequentemente, sem essa luta continuamente
renovada com as forças do homem "subterrâneo", segundo Hegel, perderia
toda a conexão com a natureza, com as forças elementares da existência
humana e, assim, se tornaria um circuito abstrato, uma máquina.

Essa travessia entre si de momentos individuais também deve ser


considerada, por outro lado, do lado da civilização, do estado, dos deuses
portadores de luz. Já vimos que, para Hegel, era o lado do estado, a
independência do estado da sociedade civil, seu domínio sobre ele, que era
encarnado no estado militar como o ponto culminante necessário do estado
geral. No entanto, é aqui, quando já parece que, como resultado do projeto
esquemático e direto do sistema, tudo o que é finalmente "subterrâneo",
espontâneo, finalmente será finalmente superado, é aqui que uma força
repentinamente sobe de cabeça, que até agora não havia se sentido.

Examinamos em detalhes o lado da filosofia social de Hegel e da filosofia da


história, segundo a qual as relações dos estados entre si representam um
retorno real ao estado natural. Vimos também que, de acordo com Hegel, na
presença desse estado, qualquer regulamentação legal deve ser considerada
uma medida temporária, válida apenas até que entre em conflito com
interesses reais, com um equilíbrio de forças real e uma mudança nesse
equilíbrio de forças no estado. Aqui, Hegel considera muito realisticamente a
relação entre regulamentação legal e realidade social, em oposição às ilusões
que ele nutriu sobre o papel da lei e seu poder dentro do estado (o fato de
essas ilusões não serem ilimitadas, mostra a ele - já familiar a nós - a visão
sobre decadência e decadência do feudalismo).

O estado, portanto, de acordo com o conceito hegeliano, é um deus


portador de luz somente de baixo, apenas em relação à sociedade civil. De
fato, ao perceber sua existência, o estado como um todo entra na esfera
subterrânea, cai imediatamente sob a influência espontânea da necessidade.
Certamente, em Hegel, o significado real da história decorre desse confronto
espontâneo de estados, da renovação irresistível do estado natural. A
afirmação de Schiller: "A história mundial é o juiz da paz" é a epígrafe de
toda essa luta retratada por Hegel. É dentro desses limites que a esfera da
história, no entanto, significa a vitória do deus da luz. No entanto, também

450
vimos que a “tragédia da moralidade” “no andar de cima” retratada como
se estivesse “embaixo” deveria ser repetida em um processo holístico da
história mundial.

Essa reprodução repetida da contradição fundamental em um nível superior


tem um histórico muito interessante em Hegel na derivação de seu "estado
geral", agindo sob o disfarce dos militares; somos novamente forçados a
voltar a essas conclusões, pois são importantes para o nosso problema. Uma
forma de tal derivação já nos é familiar dos ensinamentos de Hegel sobre as
propriedades. Aqui, os militares são o ponto mais alto do estado, o lado
positivo do homem.

No entanto, existe outra forma de derivação completamente oposta, que é


mais claramente formulada no "Sistema de moralidade". Há um grande
capítulo neste ensaio intitulado "Negativo, ou liberdade, ou crime". Neste
capítulo, Hegel desenvolve uma série de princípios que posteriormente
desempenharão o papel sócio histórico do mal. Uma série específica de
imagens de negação começa com os artistas históricos do papel da
"destruição do natural", Genghis Khan e Tamerlão. "O fanatismo da
devastação, por ser um elemento absoluto e assumir a forma da natureza, é
insuperável na aparência; pois a indiferença e a incerteza se baseiam na
distinção e no definido; mas, como a negação em geral, contém sua própria
negação"(15).

Seria muito interessante e digno de nota se Hegel desenvolvesse seu


conceito de classe militar moderna, procedendo dessa mesma posição
apresentada por ele. No entanto, o curso real do desenvolvimento de seus
pensamentos é ainda mais notável. Em sua análise posterior, ele aborda a
questão de crimes individuais em uma sociedade já estabelecida. Ele fala
sobre roubos e furtos, sobre crimes contra a honra, considerando que ele
chama atenção especialmente para o fato de que eles estão renascendo
como se estivessem em um estado natural. A partir disso, Hegel discute
assassinato, vingança, um duelo e termina seus julgamentos com a guerra
como o clímax de seu estado natural.

Essa retirada do estado militar recebe uma justificativa característica que é


bastante consoante com a que ele foi dada em suas palestras posteriores. "O
estado militar e a guerra são a) um verdadeiro sacrifício de si, eles colocam o
indivíduo em perigo de morte, e este contempla sua negatividade direta
abstrata, assim como ele é seu eu imediato positivo. Crime é necessário
(concluído) no conceito de direito e poder" da lei, de modo que todos como
esse indivíduo, se tornem um poder absoluto, se considerem absolutamente
livres, e para si e em relação ao outro como uma negatividade universal. Isso
é permitido a ele na guerra: é um crime para o general, por uma questão de
preservar o todo do inimigo que procura destruí-lo"(16).

451
Aqui temos um resumo colorido e abstrato da conclusão anterior - a guerra
como um crime cometido em nome do universal. Hegel considera necessário
enfatizar fortemente o general ao qual a guerra está subordinada. E essa
necessidade moral e filosófica anda de mãos dadas com uma concepção
realista da história. Na mesma seção, ele examina a natureza moderna da
guerra, isto é, mostra como a socialização e a alienação (Entäußerung)
permeiam a guerra também. E isso mais uma vez mostra claramente que o
estado militar de Hegel não tem nada a ver com o culto da nobreza, com a
glorificação romântica da cavalaria. De acordo com isso, Hegel continua as
declarações citadas: "Essa alienação deve ter uma forma tão abstrata, deve
ser desprovida de personalidade, eles matam e encontram a morte a sangue
frio, não em batalha aberta(17).

Aqui parece que Hegel, ao incorporar a alienação (Entäußerung) em sua


forma moderna, procurou superar a natureza espontânea da guerra,
"subterrânea" e naturalmente dada, e com a ajuda disso - ao contrário de
todas as suas declarações anteriores - para resgatar os militares da esfera
dessas forças e retratá-lo como realmente o mais alto nível de estado, o lado
civil do homem, como um lutador de portadores de luz. Esse lado do
problema está indubitavelmente presente em Hegel, mas seu conceito é
ainda mais complexo e contraditório, pois Hegel está longe de ver nessa
linha de desenvolvimento o negativo, o crime é apenas algo direto e
espontâneo, algo apenas o público natural, duro e exclusivo da oposição.
sem qualquer interação com ele. Pelo contrário. O caminho de Tamerlão
para os líderes militares modernos passa pela socialização, pela "alienação"
(Entäußerung). O mesmo se aplica aos estágios intermediários dos crimes
cometidos pelo indivíduo. Eles também passam por todos os estágios de
alienação (Entäußerung). Além disso, Hegel avalia o mal como o estágio
mais alto da “alienação” (Entäußerung) - é claro, na forma em que passa
para o seu oposto. Não é à toa que Hegel chamou o capítulo que
mencionamos no "Sistema de Moralidade", também o capítulo sobre
liberdade. Resumindo, ele diz o seguinte: "... o mal que entrou em si mesmo
e é por isso que é completamente alienado [singularidade] - [eu],
renunciando ao seu ser atual, conhece um mundo diferente, não o seu. Na
realidade, somente ele mesmo é revelado alienação” (Entäußerung). O
mesmo se aplica aos estágios intermediários dos crimes cometidos pelo
indivíduo. Eles também passam por todos os estágios de alienação
(Entäußerung). Além disso, Hegel avalia o mal como o estágio mais alto da
"alienação" (Entäußerung) - é claro, na forma em que passa para o seu
oposto. Na realidade, apenas esse estranhamento é revelado"(18).

Assim, vemos que essas contradições obscuras que Hegel considera em A


tragédia da moralidade formam a base mental de sua compreensão do papel
do mal na sociedade e na história. Em sua posição crítica em relação ao
conceito de moralidade de Feuerbach, Engels enfatiza precisamente esse
452
lado da filosofia hegeliana, acreditando que excede em muito o conceito de
Feuerbach em termos de reflexão. Ele escreve: "O mal de Hegel é uma
forma na qual a força motriz do desenvolvimento histórico se manifesta. E
isso tem um duplo significado. Por um lado, cada novo passo adiante é
necessariamente um insulto a algum santuário, uma rebelião contra um
hábito antigo, obsoleto, mas santificado. Por outro lado, desde que surgiu a
antítese das classes, as más paixões das pessoas tornaram-se alavancas do
desenvolvimento histórico: ganância e desejo de poder. A prova contínua
disso é, por exemplo, a história do feudalismo e da burguesia"(19).

Os intérpretes burgueses de Hegel estão sempre entre dois extremos falsos.


Antes de se tornar moda elogiar Hegel como o "maior irracionalista" da
história da filosofia, sua filosofia foi condenada como "pan-lógica", como
excessivamente harmoniosa. Também se tornou moda desde o pessimismo
apologético de Schopenhauer e Edward von Hartmann em censurar Hegel
por evitar o lado sombrio da vida humana sem prestar a menor atenção a
eles. No entanto, o conhecimento da filosofia real de Hegel mostra que ele
não tem nenhuma relação direta ou indireta com a apologética da sociedade
burguesa, seja em termos de otimismo plano ou em termos de pessimismo
igualmente superficial.

Além disso, sua filosofia surge como uma continuação das ideias daqueles
pensadores que, desde o surgimento da sociedade burguesa, indicaram
incansavelmente que o progresso da sociedade humana está
inextricavelmente ligado às mais más inclinações da natureza humana, à
"ganância e amor ao poder". Nesse aspecto, a filosofia social de Hegel é uma
continuação direta de Hobbes e Mandeville, é claro, levando em conta o fato
de que Hegel deu um passo significativo no sentido de que os rudimentos da
dialética encontrados em suas obras, a exposição descritiva da natureza
contraditória do progresso humano, se tornaram em Hegel uma filosofia de
inconsistência, uma dialética consciente. Marx sempre considerou a filosofia
hegeliana nessa conexão histórica. Ao ler uma das obras de Darwin, ele
escreve para Engels o seguinte: que Darwin, no mundo dos animais e das
plantas, reconhece sua sociedade inglesa com sua divisão de trabalho,
competição, abertura de novos mercados, "invenções" e a "luta pela
existência" malthusiana. Este é o "bellum omnium contra omnes" hobbesiano
["guerra de todos contra todos"] e se assemelha a Hegel em
"Fenomenologia", onde a sociedade civil aparece como um "reino animal
espiritual", enquanto em Darwin o reino animal aparece como uma
sociedade civil"(20).

E aqui está a dupla face da doutrina hegeliana das contradições, que


consideramos repetidamente. Por um lado - e este é o grande que
encontramos em seus ensinamentos - ele retrata essas contradições em sua
implacabilidade sem piedade e sem medo. A "tragédia da moralidade",

453
como já vimos, não é senão a tragédia da natureza contraditória do
progresso humano na história das sociedades de classes - uma tragédia real
e grande, pois os dois extremos de momentos opostos são verdadeiros e
mentirosos ao mesmo tempo.

Portanto, para Hegel, a forma adequada desse confronto sócio histórico é


trágica, embora ele descreva e analise a “comédia da moralidade”. "A
comédia divide as duas esferas da moral de tal maneira que cada uma delas
existe completamente por si mesma; em uma delas os opostos e os finitos
são apenas pântanos sem a essência, no outro há uma ilusão. Mas a relação
verdadeira e absoluta é aquela esfera ilumina o outro com sua luz, ambos
estão em um relacionamento vivo e são para si um destino sério. Portanto, a
atitude absoluta aparece na tragédia"(21). Como Hegel não conseguiu ver
nada além do horizonte da sociedade burguesa, a sociedade de classes, esse
reconhecimento da tragédia mostra sua honestidade impecável como
pensador: ele reconhece as contradições do progresso como intransponíveis
nas condições das sociedades de classe.

No entanto, não abordamos todo o círculo da filosofia hegeliana sobre esse


assunto. Desde o momento em que Hegel surgiu com a ideia de
contradições na época da crise de Frankfurt, a partir desse momento
também surge a tendência de reconciliar opostos. Desde o período de
Frankfurt até o período posterior de Berlim, essa tendência não apenas
existe e não apenas existe, mas também cresce e se intensifica
constantemente. Estaríamos perto da verdade se Hegel visse nessa tendência
algo puramente negativo, simples adaptação à sociedade burguesa de seu
tempo. E, sem dúvida, esses elementos negativos estão contidos no conceito
hegeliano de "reconciliação".

Nós apontamos repetidamente neste capítulo como a influência


deformadora em sua filosofia social é que essa tendência prevalece sobre a
insolubilidade das contradições.

O próprio Hegel aparentemente tinha um forte pressentimento de que o


conhecimento da insolubilidade das contradições era superior à sua
"reconciliação". Se olharmos mais de perto para a passagem citada em A
tragédia da moralidade, veremos que Hegel, antes da comédia, define a
tarefa de revelar exatamente o que ele mesmo vê como uma saída da
natureza contraditória da sociedade burguesa, a saber, uma clara separação
das esferas da burguesia e do cidadão. domínio da esfera pública sobre a
sociedade burguesa. E se ele chega à conclusão de que a atitude absoluta é
retratada precisamente em uma tragédia na qual não há separação e em que
ambos os lados, como oponentes iguais, lutam para a destruição mútua,
então, neste ponto, não podemos ver nada além da autocrítica de todo o seu
conceito de reconciliação.

454
E, no entanto, seria superficial afirmar que Hegel seria maior como pensador
se não levasse em conta o conceito de reconciliação, pois uma
representação dialética real do progresso humano só é possível do ponto de
vista da fé mais profunda nesse progresso em si, vitória final, apesar de todas
as contradições. Somente a perspectiva de uma sociedade sem classes pode
fornecer imagens da inconsistência trágica desse caminho, sem medo de cair
em um romance pessimista. É por isso que a crítica social de Fourier é maior
que a hegeliana.

Se essa perspectiva estiver fechada para o pensador que entende


profundamente toda a profundidade da natureza contraditória desse
progresso - e vimos claramente que Hegel não poderia ter essa perspectiva -,
duas possibilidades surgem. Ou o pensador adere firmemente ao ponto de
vista da irreconciliabilidade das contradições, e então deve cair no
romantismo pessimista. Ou, apesar de tudo, ele acredita que o progresso
humano tragicamente contraditório é irresistível - e então ele deve
inevitavelmente traduzir sua fé em alguma forma de mistificação da falsa
consciência.

A grandeza da era filosófica em que a atividade de Hegel prosseguiu, seu


nível extremamente elevado de pensamento se manifesta, além de tudo o
mais, também nisso. que durante esse período dificilmente é possível
imaginar uma afirmação dessa questão ou uma solução para um problema
em particular que não teria encontrado sua expressão filosófica em um
pensador mais ou menos significativo. É o caso do princípio da
inconciliabilidade da contradição que caracterizamos como uma
possibilidade abstrata; seu representante era uma figura proeminente no
romance filosófico na Alemanha, Solger, a quem o próprio Hegel valorizava
extremamente como um pensador honesto e consistente.

Em Zolger, o oposto considerado aqui é expresso de uma forma muito mais


mistificada do que em Hegel. Solger descreve isso como uma contradição
entre o absoluto e sua incorporação na vida empírica. Se formos. no
entanto, lembremos as palavras introdutórias de Hegel para A tragédia da
moralidade, veremos que estamos falando sobre o mesmo problema,
embora Solger o analise de uma forma muito mais abstrata que Hegel e lhe
pareça diretamente como um problema da filosofia da arte. Em seu trabalho
principal sobre a filosofia da arte, Zolger na parte final fala sobre a atitude do
absoluto em relação à sua personificação no mundo final: “... e devemos ser
tomados por profunda tristeza quando vemos como todo esse esplendor se
dissipa em nada através de suas necessidades terrenas necessárias. E, no
entanto, não devemos culpar nada disso, como a própria perfeição,
revelando-nos a tempo de conhecê-la; pois apenas o terreno, quando o
percebemos sozinho, não se desfaz devido à penetração de suas partes umas
nas outras e ao processo interminável de emergência e desaparecimento.

455
Este é o momento da transição, no qual a própria ideia se transforma em
nada e é o verdadeiro local de permanência da arte"(22).

A que erros filosóficos concretos essa interpretação da natureza contraditória


do pensador honesto e talentoso a que Zolger levou não é o assunto de
nossa apresentação. Basta dizer que, desse ponto de vista, ele desenvolveu
uma fundamentação dialética filosoficamente profunda do conceito absurdo
e falso mencionado de ironia e, apesar de sua profundidade filosófica
significativamente maior, ele seguiu o caminho do romantismo ao longo do
qual Schlegel e Schelling seguiram. E isso não é acidental, mas não é
acidental que a inconsistência trágica do progresso humano em sua forma
"conciliatória" hegeliana se mostre uma descrição rica e concreta das
contradições reais da vida sócio histórica, enquanto a lealdade ao princípio
da inconsistência tragicamente irreconciliável retira de Zolger uma mistura
completamente abstrata e mistificada de Zolger.

Neste último oposto, a natureza intrinsecamente contraditória da


"reconciliação" hegeliana é expressa. Por um lado, essa reconciliação é uma
mistificação idealística de contradições irreconciliáveis; por outro, e é ao
mesmo tempo em que se expressa o significado realista do conceito de
Hegel, sua conexão com a realidade social de seu tempo, seu profundo
conhecimento da vida real da sociedade humana, seu desejo de reconhecer
as contradições do progresso. onde a verdadeira luta ocorre é na vida
econômica das pessoas. A especificidade da dialética de Hegel poderia surgir
apenas de seu amor à realidade, desse profundo apego a ela. E o fato de o
ponto culminante de seu sistema ser "reconciliação", mostra apenas que
alcançar progresso, enquanto a sociedade de classes não fecha o horizonte.

(1) Marx, K., Engels, F. Obras, 2ª ed. Tomo 26, parte I, p. 123-124. (retornar
ao texto)

(2) Loc cit, Tomo 8, p. 120. (retornar ao texto)

(3) Fergusons Abhandlung über die Geschichte der bürgelichen Gesellschaft


Jena, 1904, p. 261. (retornar ao texto)

(4) Hegel, Trabalhos politicos, p. 242. (retornar ao texto)

(5) Hegel, um Niethammer, 29 VIII 1807 – Briefe von und an Hegel. Leipzig,
1887, p. 130. (retornar ao texto)

(6) Hegel, Trabalhos politicos, p. 245. (retornar ao texto)

456
(7) Marx, K., Engels, F. Obras, 2ª ed. Tomo 16, parte I, p. 416. (retornar ao
texto)

(8) Loc cit, Tomo 22, p 315. (retornar ao texto)

(9) Loc cit, Tomo 26, parte I, p 296-297 (retornar ao texto)

(10) Loc cit, p. 282. (retornar ao texto)

(11) Gorki, Máximo – Sobre a literatura Moscou, 1937, p. 448. (retornar ao


texto)

(12) Marx, K., Engels, F. Obras, 2ª ed. Tomo 23, p. 419-420. (retornar ao
texto)

(13) Hegel, Trabalhos politicos, p. 243. (retornar ao texto)

(14) Loc cit, p 341. (retornar ao texto)

(15) Loc cit, p 359-360. (retornar ao texto)

(16) Loc cit, p 315. (retornar ao texto)

(17) Hegel – Obras de diferentes anos, Tomo 1, p. 373. (retornar ao texto)

(18) Loc cit, p. 373 – 374. (retornar ao texto)

(19) Loc cit, p. 361 – 362 (nota de rodapé). (retornar ao texto)

(20) Marx, K., Engels, F. Obras, 2ª ed. Tomo 21, p. 296. Aqui, tocamos
diretamente no segundo lado dos julgamentos de Engels. Portanto,
lembramos ao leitor que a análise hegeliana de Antígona e o surgimento do
estado, seu discurso sobre a revolução e “tirania”, etc. também se aplicam a
esse – claramente mostrado por Engels – do mal na História. (retornar ao
texto)

(21) Hegel Trabalhos políticos, p 246. (retornar ao texto)

(22) Solger K., Erwin , B., 1815, Tomo I, p 277. Hegel frequentemente
apontava a importância da filosofia de Solger. Cf: Estética Tomo I, p. 105
(Glocknersche Ausgabe) Cf Também seu longo artigo sobre a publicação do
legado de Solger: Glockners Hegelausgabe Tomo XX, p. 132 f.

457
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo IV – O rompimento com Schelling e a fenomenologia do espírito


(Iena, 1803-1807)
1 – Da exacerbação das divergências entre Schelling e Hegel até a ruptura

Em nossa apresentação anterior, foi demonstrado que Hegel e Schelling,


embora lutassem em conjunto contra o idealismo subjetivo, não eram
unânimes em todos os problemas filosóficos. Não houve diferença entre eles
no período de trabalho conjunto até 1803, ano em que Schelling se mudou
para Würzburg; essa diferença pode ser revelada apenas a partir dos
assuntos opostos de seus artigos. No período de sua amizade pessoal, Hegel
experimentou o aparato conceitual de Schelling. E apenas nas palestras de
1805/06, Hegel está completamente isento da terminologia de Schelling.

Juntamente com o desenvolvimento final de uma linha hegeliana específica


de filosofar, uma polêmica aguda começa no campo linguístico e
terminológico, principalmente com os estudantes e adeptos de Schelling, e
depois com o próprio Schelling. Para estudar esse estádio de transitoriedade
no desenvolvimento de Hegel, encontramos material, por um lado, no
caderno de Iena de Hegel, sobre o namoro de que já falamos; por outro
lado, o fragmento das palestras de Hegel dos últimos anos de Iena, que
Rosencrantz publicou sob o título "Modificação didática do sistema"(1), é de
grande importância.

Se quisermos entender e apreciar corretamente a lacuna entre Schelling e


Hegel, não devemos ficar tentados pela visibilidade do modo de
apresentação em que seguimos passo a passo o desenvolvimento de Hegel,
enquanto a filosofia de Schelling nos interessa apenas como algo
diretamente oposto a ele ou como objeto Críticas hegelianas. Com essa
abordagem, pode surgir a ilusão de que as opiniões de Schelling não foram
totalmente divididas durante esse período, que as críticas finais de Hegel,
sua rejeição decisiva da filosofia de Schelling em 1807 foram direcionadas
contra o próprio Schelling, com quem em 1801 ele se uniu na luta contra o
idealismo subjetivo. .

Não podemos descrever aqui o processo de desenvolvimento interno de


Schelling, mas devemos caracterizar brevemente os estágios mais
importantes no desenvolvimento de seus pensamentos durante o período
considerado. O ponto de partida para a colaboração filosófica de ambos os

458
filósofos foi o trabalho de Schelling, "O Sistema do Idealismo
Transcendental" (1800). Seu próximo trabalho – "A exposição do meu
sistema de filosofia" (1801) – é observado pela grande proximidade de
Schelling ao pensamento hegeliano e por uma tentativa de dominar os
princípios da dialética hegeliana. Logo, no entanto, as visões de Schelling
revelaram tendências diretamente opostas, em parte na constante exaltação
do método puramente construtivo na filosofia natural, em parte na crescente
exaltação do ponto de vista estético devido à substanciação da
contemplação intelectual pelos fatos da estética.

A aproximação com os românticos foi descoberta pela primeira vez no


diálogo de Iena "Bruno" (1802), no entanto, de uma forma mística platônica.

Depois de se mudar para Würzburg, Schelling publicou uma nova obra,


Filosofia e Religião (1804), na qual seu misticismo religioso foi claramente
revelado. Este trabalho é de grande importância para o estudo do
desenvolvimento de Schelling, pois mostra claramente o núcleo de sua
filosofia reacionária posterior.

Schelling se afastou da linha geral, da construção de uma dialética objetivo-


idealista como uma filosofia de progresso, mesmo antes de Hegel começar a
criticar sua filosofia, e a publicação deste trabalho por Schelling significava
que os caminhos de ambos os pensadores divergiam objetiva e finalmente.

Outras obras generalizadas de Schelling nos últimos anos do período Iena –


"Palestras sobre o método de estudo acadêmico" (1802) e "Filosofia da arte"
(1802-1803) – testemunham sua transição para o misticismo religioso, e
deve-se notar que "Filosofia da arte", graças ao desenvolvimento grande
material histórico, pertence às alturas de Schelling.

No entanto, se quisermos acompanhar a polêmica cada vez mais agravante


de Hegel com Schelling, não devemos esquecer que isso se deve não apenas
ao desenvolvimento de Hegel, mas também ao desenvolvimento de
Schelling, indo exatamente na direção oposta.

Ao discutir controvérsias filosóficas entre Hegel e Schelling, não se deve


perder de vista o fato de que, para vários pontos em que o oposto de suas
opiniões é encontrado, nem documentos nem as declarações do próprio
Hegel foram preservados. Não se trata de lacunas aleatórias em nossos
materiais, mas de uma diferença metodológica fundamental entre a maneira
como Hegel polemiza com o idealismo subjetivo de Kant, Jacobi e Fichte, e
a maneira como mais tarde critica a filosofia de Schelling. Como já vimos, a
luta contra o idealismo subjetivo era universal, dirigida pelos problemas
gerais da construção de uma filosofia e abrangia questões bastante
específicas e específicas da filosofia da moralidade, da filosofia social e da
filosofia do direito. Ao criticar Schelling, Hegel, pelo contrário, mesmo em
459
suas notas particulares, trata apenas dos problemas centrais da metodologia
filosófica.

Se considerarmos as publicações de Hegel e Schelling apenas do período de


Iena – mais adiante daremos as declarações mais características -, fica claro
que, em muitas questões, divergem entre si mesmo então. No entanto, não
há documentos sobre essas divergências objetivamente emergentes. Não
sabemos ao certo se as disputas orais entre Schelling e Hegel levaram ao
desenvolvimento de uma linguagem comum, como a desenvolveram, uma
vez que Hegel nem sequer deixou uma pista disso em suas anotações
pessoais.

Em várias metodologias polêmicas, ao limitar as críticas de Schelling às


questões filosóficas metodológicas centrais, a grande independência e
maturidade filosófica de Hegel se manifestam em comparação com sua
polêmica com a filosofia de Fichte. Então ele estava apenas começando o
desenvolvimento sistemático de sua metodologia, sua aplicação sistemática a
todas as áreas do conhecimento (sociedade, história, natureza). O
desenvolvimento do método no decurso da aplicação a vários campos do
conhecimento ocorre na luta contra o idealismo subjetivo. Agora, o processo
de compreensão dos problemas metodológicos da filosofia terminou. Hegel
não está mais interessado em expor as vantagens de seu método, provando
a inaceitabilidade das posições dos oponentes e a exatidão de seu ponto de
vista na solução de problemas específicos e particulares. Precisa ser
lembrado que a filosofia da moralidade e do estado era parte integrante dos
sistemas filosóficos não apenas de representantes destacados do idealismo
subjetivo, mas também de Hegel, enquanto no sistema de Schelling esses
problemas desempenhavam um papel puramente secundário. Agora
estamos falando do problema metodológico mais importante do idealismo
objetivo – a dialética objetiva. Mas, para a expressão de Hegel, se essas
questões forem resolvidas, todas as outras questões serão resolvidas para a
filosofia.

No entanto, devemos citar algumas das afirmações de Schelling sobre


problemas sociais e históricos, embora elas não tenham desempenhado
nenhum papel nas críticas de Hegel à filosofia de Schelling: isso é exigido
pela declaração de problemas neste livro. Já mostramos em detalhes que as
visões de Hegel sobre história, economia e sociedade e sua declaração
filosófica de problemas estavam intimamente ligadas: a formulação de
problemas filosóficos surgiu de suas visões sobre história, economia e
sociedade e, graças a elas, receberam uma forma hegeliana específica.
Schelling, como qualquer outro pensador, deve ter objetivamente conexões
semelhantes, é claro, de uma forma concreta e altamente modificada. Uma
apresentação detalhada dessas relações específicas, escusado será dizer, não
é a tarefa deste estudo, mas de especialistas que analisam a filosofia de

460
Schelling. Vamos nos limitar apenas a que damos algumas das afirmações
mais características de Schelling para mostrar que a oposição entre Hegel e
Schelling não se limitou à questão central da metodologia filosófica, à qual
Hegel reduz todo o argumento entre eles, mas tocou todos na questão da
filosofia da história e da filosofia social. Isso deve ser enfatizado, porque a
característica da literatura burguesa moderna sobre o desejo de Hegel de
obscurecer a diferença fundamental entre a metodologia dialética de
Schelling e Hegel é facilitada pelo fato de que sua diferença fundamental nas
visões sócio filosóficas é completamente ignorada (o que é notável
principalmente nas obras de G. Heller, mas é característica para toda a
literatura moderna de Hegel). a oposição entre Hegel e Schelling não se
limitou à questão central da metodologia filosófica, à qual Hegel reduz todo
o debate entre eles, mas tocou a todos na questão da filosofia da história e
da filosofia social. Isso deve ser enfatizado, porque a característica da
literatura burguesa moderna sobre o desejo de Hegel de obscurecer a
diferença fundamental entre a metodologia dialética de Schelling e Hegel é
facilitada pelo fato de que sua diferença fundamental nas visões sócio
filosóficas é completamente ignorada (o que é notável principalmente nas
obras de G. Heller, mas é característica para toda a literatura moderna de
Hegel). a oposição entre Hegel e Schelling não se limitou à questão central
da metodologia filosófica, à qual Hegel reduz todo o debate entre eles, mas
tocou tudo na questão da filosofia da história e da filosofia social. Isso deve
ser enfatizado, porque a característica da literatura burguesa moderna sobre
o desejo de Hegel de obscurecer a diferença fundamental entre a
metodologia dialética de Schelling e Hegel é facilitada pelo fato de que sua
diferença fundamental nas visões sócio filosóficas é completamente ignorada
(o que é notável principalmente nas obras de G. Heller, mas é característica
para toda a literatura moderna de Hegel).

Considere a filosofia social de Schelling do período Iena. Nas palestras sobre


o método de estudo acadêmico, ele também se concentra nos problemas da
sociedade e da história, cria uma construção puramente formalista,
transformando a harmonia da necessidade e da liberdade na "potência" do
real e do ideal. Em essência, só fica claro a partir disso que a unidade de
liberdade e necessidade é realizada realisticamente em um estado perfeito e
idealmente em uma igreja. Consequentemente, essa contradição inerente às
eras antiga e moderna, ele considera puramente formal. A incapacidade de
Schelling com esse esquema em entender a natureza específica da sociedade
burguesa moderna é claramente revelada na seguinte declaração: "A
chamada liberdade civil apenas levou a uma mistura pouco clara de
escravidão e liberdade”(2).

Aqui, é revelado o completo mal-entendido de Schelling sobre esses


problemas da sociedade burguesa, cuja importância para a construção da
dialética hegeliana mencionamos em detalhes acima. Por trás desse mal-
461
entendido existe uma tendência claramente reacionária, claramente expressa
nas visões de Schelling sobre o Iluminismo, a Revolução Francesa e as
tarefas da filosofia. Schelling estima o Iluminismo extremamente baixo, para
ele o Iluminismo testemunha o "vazio de ideias" e a afirmação de uma mente
comum, que ele define como "uma mente formada por uma cultura falsa e
superficial e que se tornou uma ressonância vazia e sem sentido". Segundo
Schelling, "a transformação da mente comum em um árbitro em questões da
razão necessariamente leva à oclocracia no domínio das ciências e, ao
mesmo tempo, mais cedo ou mais tarde ao domínio universal da multidão".
Um entendimento superficial da filosofia no Iluminismo, segundo Schelling,
está associado à sua orientação para o utilitarismo. A filosofia deve se opor
fortemente a todas essas tendências: “Se essa é uma tendência repentina, na
qual o alto e o baixo são constantemente misturados e em que o negro
começa a prescrever, e cada plebeu é elevado ao nível de um juiz, alguém
será capaz de parar, então isso é apenas uma filosofia. cujo lema será: 'odi
profanum vulgus et arceo'“(3). Há muitas afirmações semelhantes de
Schelling, mas acreditamos que já está claro a partir da citação acima: por
um lado, Hegel nunca polemizou explicitamente as opiniões de Schelling;
por outro lado, todos que nos seguiram para seguir as opiniões de Hegel no
período Iena, percebeu que existe um oposto diametral entre eles em todos
os problemas da filosofia social.

Durante a preparação de A Fenomenologia do Espírito, Hegel fez uma


ampla crítica satírica das tendências romântico-reacionárias da escola de
Schelling e características reacionárias na filosofia de Schelling, em particular
seu flerte com conceitos místicos e religiosos, desprezo pela razão na
filosofia, formalismo, sua mistura bárbara de sentimento e razão em filosofia.
Aqui estão algumas das observações mais importantes de Hegel relacionadas
a essa crítica: "Assim como houve um período de gênios na poesia, o
período moderno da filosofia parece ser um período de gênios filosóficos. Ao
misturar carbono, oxigênio, nitrogênio, hidrogênio no papel e vincular um
ao outro com a ajuda de polaridade, etc., com a ajuda de uma trança de
madeira da vaidade, etc., lançam foguetes no ar e esperam dar uma
exposição de empirismo, como Gerres e Wagner(4). Nas palestras do mesmo
período, Hegel luta contra o misticismo, expresso principalmente na
característica de moda dos românticos pela filosofia de J. Boehme. Ele
compara sua filosofia ao misticismo oriental, que considera mais profundo:
“Embora se presuma que exista um vago mediador entre sentimento e
ciência, é um sentimento especulativo, ou uma ideia que não pode ser
libertada da fantasia e do sentimento, e, no entanto, é mais do que apenas
fantasia e sentimento”(5). Quanto Hegel despreza sarcasticamente a
profundidade imaginária, mostra o seguinte aforismo de seu caderno:
"Aquilo que tem um significado profundo, e é por isso que não é adequado
para nada”(6).

462
No entanto, Hegel, especialmente em suas palestras, faz uma distinção clara
entre os adeptos de Schelling e o próprio Schelling. Sabemos que Hegel
sempre reconheceu o mérito histórico de Schelling ao dar o primeiro passo
em direção ao idealismo objetivo. Durante esse período, ele ainda está
convencido de que Schelling pode encontrar o caminho certo, que pode ser
persuadido e direcionado para a maneira correta de filosofar. Mesmo em
uma carta a Schelling, que lhe foi enviada juntamente com a
"Fenomenologia do Espírito", ele critica seus seguidores, mas não o próprio
Schelling, embora, como um leitor se lembre, Schelling já estivesse
realizando seus experimentos "mágicos" com uma varinha mágica, para a
qual Hegel e nesta carta muito educada e contida, escusado será dizer que
ele é mais do que cético.

De maneira ainda mais vívida e sarcástica, ele critica a escola de Schelling


em suas palestras e alerta o público a não cair na grandeza e pompa
imaginárias da terminologia dos adeptos de Schelling. "O segredo se torna
aparente à luz do dia; por trás dessas expressões assustadoras, existem
pensamentos muito banais. Nas profundezas dessa filosofia (...) não posso
trazê-lo porque não há profundidade nela, e com isso quero dizer que você
não se acalma, supostamente há algum significado oculto por trás dessas
expressões elaboradas e pesadas. De fato, o formalismo dessa filosofia é
facilmente compreendido. Por exemplo, em vez de dizer que algo tem um
comprimento, você diz que algo existe em comprimento e esse comprimento
é supostamente magnetismo; para falar sobre largura de um objeto, você diz
que algo existe em largura e é eletricidade; em vez de dizer que um objeto
tem certa espessura e fisicalidade, você diz que ele existe em três dimensões;
em vez da palavra "apontado", você diz que é um poste da Kontraktion, em
vez de dizer "um peixe de tamanho", você diz que ele obedece ao padrão de
magnetismo etc. etc.”(7).

Mas tudo isso é apenas o começo das críticas. Em questões decisivas e


essenciais da filosofia, Hegel também não poupa Schelling, embora
reconheça seus méritos e seu talento e ainda não o considere
irremediavelmente equivocado. Hegel dirige sua crítica contra os pontos
centrais do entendimento de Schelling sobre o método da filosofia.

Antes de tudo, estamos falando sobre a possibilidade de conhecer o absoluto


e as formas de conhecê-lo. A suposição da possibilidade de conhecer o
absoluto é um pré-requisito geral do idealismo objetivo de Schelling e Hegel
e, para reconhecer essa possibilidade, eles anteriormente lutavam em
conjunto com o idealismo subjetivo. A possibilidade de conhecer o absoluto,
portanto, não é mais objeto de discussão. O ponto controverso é mais o
método do conhecimento, como alcançar o conhecimento do absoluto.
Sabe-se que, para Schelling, a maneira de conhecer o absoluto era "intuição
intelectual". E quanto mais tendências estéticas e religiosas foram reveladas

463
em sua obra, mais diretamente ele apresentou essa maneira de conhecer o
absoluto. No trabalho "Filosofia e Religião", falando desse método de
conhecimento, ele observa que:(8) “O imediatismo da "intuição intelectual"
tem duas importantes consequências metodológicas”.

Em primeiro lugar, está no antagonismo mais agudo com a maneira


conceitual "comum" de saber. Tanto a arte quanto a religião, interpretadas
como "órgãos" excepcionais do conhecimento do absoluto, enfatizam o
desejo de Schelling de cavar uma lacuna entre o conhecimento do
pensamento absoluto e normal. O desejo de afastar a filosofia do
pensamento, razão causa apenas ridículo incessante por parte de Hegel, e
não é difícil ver a profunda indignação filosófica de Hegel pela diminuição
da razão, gabando-se místico-irracional. Hegel observa em um caderno: “Se
o absoluto escorregar de suas mãos e cair do chão, onde entra na água,
torna-se um peixe, um ser orgânico e vivo. Se o absoluto escapa e cai no
reino do pensamento puro – e mesmo o pensamento puro não deve ser o
seu solo -, deve se tornar algo desagradável, finito, que é embaraçoso para
se falar mesmo em um ambiente semioficial, pois não se pode negar que
existe uma lógica. A água é um elemento muito frio e desagradável, mas é
bom para a vida. O pensamento deve ser o elemento mais desagradável? É
realmente tão ruim dentro do elemento do pensamento e se comporta
inadequadamente nele?”(9) Hegel provoca uma atitude arrogante e
desdenhosa em relação à mente, na qual o medo da mente se manifesta,
avaliando uma atitude como a barbárie. Ele coloca o irracionalismo
arrogante em pé de igualdade com a ignorância comum. "Um bárbaro fica
surpreso quando ouve que o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos
quadrados dos catetos. Ele acha que poderia ser diferente, temendo antes de
tudo a mente e mantendo intuição. Não há razão sem razão. Não se pode
apressar na razão"(10). E Hegel não deixa de repetir que o verdadeiro
conhecimento do mundo pode ser encontrado (desde que seja
conhecimento real, conhecimento do absoluto) apenas no caminho da
ascensão da contemplação direta à razão. A abstração imaginária, a secura e
a miséria dos conceitos, em comparação com a vitalidade direta da
contemplação, não devem assustar aqueles que realmente lutam pelo
conhecimento, não devem desviá-los do caminho correto da cognição, pois
aqui só é alcançado o conhecimento de que um conceito corretamente
entendido sai da vida e retorna na própria vida. "O indivíduo aprende a
verdade de sua personalidade, que apenas mostra o caminho de seu
pensamento, mas espera a consciência da vida universal da filosofia. Aqui,
por assim dizer, ocorre uma mudança de expectativas – em vez da plenitude
da vida, aparecem conceitos, e as abstrações mais escassas são realizadas
em oposição à riqueza do mundo imediato. Mas o conceito em si é um
mediador entre si e a vida, uma vez que busca adaptar a vida a si mesmo, o
conceito se torna vital. Somente a ciência pode convencer disso"(11).

464
Nestas declarações, uma polêmica com o conceito geral de Schelling é
bastante óbvia. Há várias declarações de Hegel relacionadas ao período de
preparação da "Fenomenologia do Espírito", em que ele polemiza com a
interpretação de Schelling da maneira de conhecer o absoluto e, embora
alegoricamente, formula seus pensamentos de tal maneira que a crítica às
premissas da filosofia de Schelling é claramente expressa nelas. Isso é
revelado principalmente quando Hegel – mais tarde ele o faz de maneira
mais decisiva e energética – submete a arte e a religião à filosofia como
formas de conhecer o absoluto, nas quais cada vez mais vê maneiras
inadequadas de entender o absoluto. Como para Schelling, como você sabe,
era a arte que era o ponto em que a identidade completa do sujeito e do
objeto recebia a expressão mais direta e adequada,

Para Hegel, a arte sempre permanece a maneira imediata e, portanto, a


maneira mais baixa de compreender o absoluto. Mas em seus trabalhos
posteriores, em particular já em A Fenomenologia do Espírito, Hegel enfatiza
que, apesar de inadequada, a arte expressa verdade absoluta em seu
conteúdo.

E nas palestras dos anos de 1805/06, o debate com Schelling chega ao


ponto de enfatizar com força particular a inadequação da arte em
compreender o absoluto. Ele chama a arte de "Baco indiano, que não é um
espírito claro e autoconhecedor (...) O espírito, portanto, não corresponde a
esse elemento. Portanto, a arte pode dar a suas imagens apenas uma
espiritualidade limitada (...) Esse meio de membro, contemplação, não pode
compreender o infinito. Ele pode compreender apenas o infinito vulgar (...)
Essa é uma ideia banal, não verdadeira. Não há necessidade, não há rosto
para pensar. É mais provável que a beleza cubra a verdade que oculta do
que sua imagem”(12).

Repetimos que já na "Fenomenologia do Espírito" Hegel superou esses


exageros inerentes às suas palestras e encontrou a proporção dialética
correta na apresentação. Nós nos referimos às suas palestras para mostrar
quão profunda é a posição polêmica de Hegel contra a “intuição intelectual”
de Schelling, mesmo durante esse período de transição.

A paixão da polêmica de Hegel é explicada pelo fato de que a “intuição


intelectual” deve não apenas ser uma forma específica de conhecimento do
absoluto, mas também ter consequências de longo alcance para todo o
sistema da filosofia, para entender a relação do homem com a verdade. Aqui
chegamos à segunda consequência mais importante da interpretação de
Schelling dos métodos de conhecer o absoluto. A "intuição intelectual" leva à
aristocracia na teoria do conhecimento. Schelling disse repetidamente que a
verdade filosófica real, o conhecimento do absoluto, é atingível apenas para
a elite, apenas para o gênio. Em sua opinião, supostamente há uma parte da

465
filosofia, apenas a mais importante, que não pode ser aprendida. "Mas é
precisamente esse princípio da antinomia das formas finitas e absolutas e
simples, além de que(13) a conexão entre a teoria do conhecimento de
Schelling e seus pontos de vista sobre a sociedade, sobre o Iluminismo e a
revolução, da qual falamos anteriormente, é óbvia.

A aristocracia na teoria do conhecimento também está tentando, nesta área,


traçar uma linha clara entre os "eleitos" e a "multidão", para realizar a
restauração no campo político. A paixão da controvérsia de Hegel com a
teoria da "intuição intelectual" é baseada, por um lado, em sua determinação
em manter a filosofia da ciência pura de qualquer névoa irracional, em se
gabar e, por outro lado, tem suas raízes políticas. A sociedade moderna,
como Hegel entende, surgiu da Revolução Francesa e existe não apenas
objetivamente, mas também subjetivamente, não apenas em si mesma, mas
também em si mesma, sendo a personificação do espírito do mundo. Isso
significa, em suas palestras, Hegel conduz essa ideia com muita clareza: "É
necessário dizer brevemente que a filosofia como ciência da razão, por sua
natureza universal, existe por natureza. Nem todo mundo compreende a
filosofia, mas não se pode dizer que essas são poucas das pessoas que é
compreensível, deve ser de príncipes. É ultrajante que algumas pessoas se
elevem acima de outras, justificando isso pelo fato de parecerem de natureza
diferente, serem criaturas de um tipo diferente”(14).

A relação entre a afirmação hegeliana das questões teóricas e cognitivas com


suas visões políticas gerais é óbvia, e também é óbvio quão falsa é a opinião
de que Hegel vê no estado geral uma aristocracia feudal tribal. Em vez disso,
é claro que, à primeira vista, a antítese puramente filosófica entre Schelling e
Hegel está enraizada na profunda diferença em suas visões políticas e sócio
históricas.

A negação hegeliana do papel que Schelling atribuiu a gênios selecionados


no conhecimento do absoluto significa, é claro, que a possibilidade desse
conhecimento está aberta a todas as pessoas, que todos possam desenvolvê-
lo em si mesmos. É realmente adquirido e, para isso, segundo Hegel, é
necessário um trabalho mental considerável. Aqui, a tarefa mais importante
da filosofia está enraizada, pois esse trabalho pode ser facilitado
precisamente graças à metodologia filosófica. Em suas notas filosóficas
particulares, Hegel formula esse programa da seguinte maneira: "É
necessário romper a barreira entre a terminologia da filosofia e a consciência
comum"(15).

O programa aqui formulado foi concluído pela Fenomenologia, no prefácio


ao qual Hegel diz: “A ciência, por outro lado, exige que a autoconsciência
suba nesse éter para que possa viver e conviver com a ciência. O indivíduo,
ao contrário, tem o direito de exigir que a ciência lhe dê uma escada ao

466
longo da qual ele possa pelo menos chegar a esse ponto de vista, de modo
que a ciência lhe mostre esse ponto de vista em si mesmo, pode ter em tudo
na forma (Gestalt) do conhecimento de alguém, porque, em qualquer forma
– se a ciência o reconhece ou não, e com qualquer conteúdo – o indivíduo
tem uma forma absoluta, ou seja, a autenticidade direta de si mesmo e, se a
preferência foi desenterrada”(16).

Toda a Fenomenologia é dedicada à realização desta tarefa. Mas o


programa já expresso aqui é uma negação completa e impiedosa da relação
direta com a filosofia característica de Schelling. Em relação direta com as
declarações programáticas citadas por nós, Hegel faz uma crítica que é breve
e ao mesmo tempo aniquila o conceito de Schelling de "intuição intelectual":
essa intuição "não será, além disso, a inspiração que começa imediatamente,
como um tiro de uma pistola com conhecimento absoluto, e se livra de
outros pontos de vista que já os declaram fora do escopo de sua atenção”(17).

Nesta crítica, a primeira, já sabemos que a diferença entre a dialética de


Schelling e Hegel na interpretação da contradição e sua superação atinge
um contraste consciente. Nós falamos repetidamente sobre essa diferença.

Schelling fala de uma unidade direta de contradições, e nessa unidade a


contradição desaparece, enquanto a identidade de opostos para Hegel era o
oposto do idêntico e do não idêntico. Consequentemente, as contradições
não desaparecem na unidade, nos momentos e partes do absoluto – no
absoluto, mas são removidas no sentido triplo hegeliano, a saber, são
superadas, preservadas e ascendem a um nível superior.

No prefácio de A Fenomenologia, Hegel também censura Schelling por


dissolver todos os momentos no absoluto. Ele critica Schelling pelo fato de
que tudo desaparece no abismo vazio do absoluto. "Isso é apenas
conhecimento, que tudo é igual no conhecimento ou cognição absoluta,
contrastante e realizada, buscando e exigindo implementação – ou traindo o
seu absoluto por uma noite em que, como dizem, todos os gatos são pardos,
é a ingenuidade do vazio no conhecimento"(18).

E Hegel se liga com essa crítica polêmica de grande alcance do imediatismo.


Ele critica a filosofia do imediatismo, partindo da ideia fundamental de seu
conceito de que uma pessoa é um produto de sua atividade e, portanto,
atinge sua existência real apenas como resultado, e não como ponto de
partida. A transformação de ser em atividade supera o nítido contraste de
positivo e negativo, característico de Schelling: "(...) somente essa é uma
igualdade restaurada ou reflexo em si mesmo em outro ser, e não uma
unidade inicial como tal ou unidade direta como tal, é o que é verdade. É a
formação de si mesmo, um círculo que assume como objetivo e tem um
começo no fim e é válido apenas através de sua realização e seu fim”(20).

467
Do alto desta discussão entre Fichte e Schelling, que ocorreu há vários anos,
não deixa de interessar. Então Fichte censurou Schelling por introduzir
diferenças no absoluto, a saber, diferenças quantitativas. Ele escreveu a
Schelling: "Posso expressar brevemente a diferença entre nossos pontos de
vista da seguinte maneira: o absoluto existe apenas na forma de diferenças
quantitativas, digo, como você diz, em minha apresentação. Isso, no
entanto, você diz, e é por isso que considero seu sistema falso. (...) Da
mesma forma, acho o sistema de Spinoza falso e qualquer dogmatismo em
geral (...) O Absoluto não seria absoluto se existir de alguma forma"(19). Essa
observação revela claramente a ligação entre Kant e Fichte. Embora o ponto
de partida da filosofia de Fichte – o Eu – deva ser a superação da coisa
kantiana em si mesma, no entanto, aqui e ali, a ausência de propriedades é
revelada. Fichte acredita que, graças à "intuição intelectual", o Eu alcança o
autoconhecimento, no entanto, uma vez que todas as propriedades, todas as
definições, todas as mudanças, a natureza cognitiva desse autoconhecimento
são fundamentalmente excluídas do absoluto. Formalmente, é claro, fala de
cognição em oposição ao desconhecimento fundamental das coisas de Kant
em si, mas o conteúdo desse conhecimento é o mesmo vazio vago que é
inerente à renúncia de Kant ao conhecimento do absoluto.

Em comparação com esse ponto de vista, o idealismo objetivo de Schelling


representa um grande passo adiante, pois seu absoluto deve ter definições e
propriedades concretas e conhecíveis. Já existe uma tendência a apresentar
o conhecimento do absoluto como o conhecimento da realidade objetiva e
real. (Apenas lembramos as críticas posteriores de Hegel à coisa kantiana em
si mesma. É a relação de coisa e propriedade que compõe o aspecto
epistemológico decisivo, testemunhando a fecundidade e a correção dessa
crítica.) O significado histórico e filosófico da luta entre Schelling e Hegel nos
primeiros anos do período Iena é que o conhecimento do absoluto não é
identificado com aquela abstração inefável e auto aniquiladora que é
característica de Fichte, mas é compreendida em toda a riqueza de
definições.

Portanto, nesses anos, a principal questão era se o absoluto conhecível


possui definições específicas acessíveis ou não à cognição. E, em uma
solução positiva para essa questão, Schelling e Hegel se uniram. As
contradições que já existiam entre eles relacionavam-se, por um lado, ao
método e caminho desse conhecimento do absoluto e, por outro, ao seu
conteúdo. Não é preciso dizer que, nesta primeira etapa da luta contra o
idealismo subjetivo, as diferenças no método e na sua implementação
deveriam ter retrocedido antes da polêmica sobre a essência da questão.

Consequentemente, as críticas de Hegel a Schelling sugerem que a luta


contra o idealismo subjetivo já terminou; as críticas aumentam para um nível
superior ao de vários anos atrás. É interessante que Hegel agora aceite o

468
argumento de Fichte que citamos sobre definições quantitativas do absoluto,
no entanto, em um aspecto completamente oposto: o que Fichte era um
exagero do poder do conhecimento, Hegel parece ser abstrato, concreto
insuficiente no conhecimento do absoluto(21). Rosencrantz lidera as palestras
de Hegel sobre a história da filosofia em 1805/06, o seguinte trecho: Fichte
critica abertamente Schelling, reconhecendo seus grandes méritos, no
entanto, "censurando-o apenas quantificando as contradições internas do
absoluto como uma indiferença vazia, na qual tudo é apenas a
predominância de um ou outro fator, mas não a verdadeira diferença"(22).

Essa limitação das diferenças absolutas é uma das razões do formalismo da


filosofia de Schelling, como resultado da qual a filosofia de Schelling não
pode incluir toda a riqueza da vida, a realidade objetiva em seu conceito de
absoluto e passa a construir uma construção vazia, por exemplo, que a
natureza é a predominância de momentos reais sobre os ideais, história – a
predominância de momentos ideais sobre os reais, etc. Como resultado
desse tipo de distinção formalista, o movimento real do objetivo. Não é por
acaso que, em suas palestras, Hegel, juntando-se a essa crítica de Schelling,
o censura pela ausência de dialética.

Se considerarmos as críticas de Hegel Schelling que foram realizadas antes


desse período, vemos que todas as censuras metodológicas se resumem a
mostrar que o novo método de conhecer o absoluto, que eles estabeleceram
conjuntamente, ao contrário de Schelling, revela a riqueza e a variabilidade
do mundo real. A crítica de Hegel à natureza esquemática e formalista da
filosofia de Schelling é concretizada na Fenomenologia nos seguintes
requisitos para o método filosófico: "... ele (o esquematismo.- G. L.) fornece
apenas um índice ao conteúdo, mas não fornece o conteúdo em si. Se a
certeza (mesmo como, por exemplo, o magnetismo) é certa em si mesma
concreta e real, é reduzida a algo morto, porque é apenas um predicado de
algum outro ser pessoal, e não é conhecida. como a vida imanente deste ser
presente, ou na forma em que encontra neste último sua autogeração e
manifestação habituais e únicas. Acrescentar isso é a principal coisa que a
razão formal fornece aos outros. Em vez de investigar o conteúdo imanente
do caso, esse motivo sempre examina (ubersieht) o todo e fica acima do
dinheiro que ele está falando, ou seja, ele não o vê (sieht es gar nicht). A
cognição científica, pelo contrário, requer render-se à vida de um objeto”(23).

Aqui temos uma conexão filosófica entre a forma especificamente hegeliana


da dialética e a simpatia pelos representantes proeminentes do empirismo,
observados por Hegel já no período Neva. Hegel vê no acordo da filosofia
com a realidade empírica o critério decisivo para determinar se o sistema
filosófico é verdadeiro ou falso.

469
Em uma das notas do período Iena, ele fornece um breve resumo da rápida
mudança de vários sistemas filosóficos e seu colapso: a atitude em relação à
cognição da realidade empírica acaba sendo sua característica decisiva. Esta
nota diz: "Ciência. Se um indivíduo a domina, ele ganha autoconfiança e
confiança na existência de outro indivíduo. É realmente assim que decide o
ambiente imediato – moderno e subsequente, mesmo que o indivíduo já
tenha expressado sua aprovação. No entanto, a consciência através da
educação desenvolve-se de tal maneira que a teimosia bárbara da
compreensão é substituída por uma compreensão dinâmica e intensa, de
modo que os descendentes o procuram alguns anos depois. A filosofia de
Kant é aceita há muito tempo com hostilidade, enquanto a filosofia de Vol.
Se durou cinquenta anos ou mais. Fichte formulou a definição do ponto de
partida de sua filosofia muito mais rapidamente. O que a filosofia de
Schelling está prestes a vir à tona muito em breve. Seu julgamento parece
estar ocorrendo em breve, como já é entendido por muitos. No entanto,
esses sistemas filosóficos não recorrem à prova ou à experiência empírica,
não importa quão amplamente interpretada. Os apoiadores desses sistemas
aprendem cegamente. Esses sistemas formam partidários impensados. No
entanto, à medida que a teia de filosofar se torna cada vez mais sutil, esses
sistemas atingem a sutileza da teia. Seus apoiadores não entendem como
isso acontece, semelhante a como eles não entendem por que o gelo em
minhas mãos derrete tão rapidamente e o mercúrio é móvel. Eles não
podem oferecer nada, e quem vê uma mão com sabedoria estendida, não
vê nada além de uma palma vazia e passa com um sorriso.”(24)

Comum a Schelling e Hegel é o idealismo objetivo. Portanto, a categoria do


todo, integridade (totalidade . – ed. .) Desempenha um papel decisivo neles.
Hoje, quando a filosofia reacionária apresenta a categoria de integridade em
oposição à categoria de causalidade e a transforma em um bastião do
obscurantismo (O. Spann), é necessário analisar com mais detalhes a
especificidade do conceito de integridade em Hegel, a fim de mostrar que
não tem nada a ver com essas direções reacionárias, que é precisamente em
contraste com a compreensão hegeliana da integridade de Schelling que os
momentos reacionários na interpretação de Schelling são superados.

Já dissemos que Hegel atribui grande importância ao momento de


preservação da contradição na remoção dialética. Isso também é revelado
onde ele explora o problema do todo e das partes. Aqui é novamente
revelado que Hegel entende com a compreensão do papel da pesquisa no
campo das ciências especiais. A dialética hegeliana não procura destruí-los,
elevar-se acima deles como uma filosofia completamente divorciada deles.
Pelo contrário, retém seu significado real para incluí-lo na conexão universal
do conhecimento. Hegel deixa a seguinte entrada: "A má reflexão é uma
manifestação de medo de mergulhar na essência da questão, sair dela e
retornar a si mesma. O analista, como Laplace disse, se entrega a cálculos e,
470
para ele, toda a tarefa desaparece, ou seja, um olhar e consciência holísticos
a dependência de momentos individuais de cálculo no todo. É essencial não
apenas a consciência da dependência das partes do todo, mas também o
fato de que qualquer momento, independentemente do todo, é o todo. Esta
é a intuição”(25).

Somente entendendo essa tendência na filosofia de Hegel podemos


corretamente, sem distorções reacionárias, interpretar o conceito de
integridade na Fenomenologia. O próprio Hegel diz isso de forma
inequívoca: "O verdadeiro é o todo. Mas o todo é apenas uma entidade que
é concluída através de seu desenvolvimento. Deve-se dizer sobre o absoluto
de que é essencialmente o resultado, que é apenas no final que é
verdadeiramente; e em essa é precisamente a sua natureza, que é real, o
sujeito ou se torna um para si mesmo, por mais inconsistente que seja [a
disposição], que o absoluto deva ser entendido em essência como resultado,
mas é necessário um pouco de reflexão para dissipar essa aparência de
contradição. O começo em princípio, ou absoluto, é proclamado
inicialmente e diretamente, há apenas um general”.

Esse abstratamente universal é o conhecimento direto, característico da


intuição intelectual de Schelling. Referindo-se diretamente aos lugares
citados, Hegel ilustra o vazio desse conhecimento pelo exemplo da
expressão "todos os animais", que não pode ser uma definição de zoologia.
Vemos aqui evidências de que Hegel considera necessário que a filosofia
estude independentemente áreas específicas da realidade objetiva. Mas,
ainda assim, a filosofia não é um simples acúmulo de fatos empíricos. Ela
deve trazê-los para uma conexão interior e viva com o conceito.

Portanto, se Hegel, como já sabemos pela análise de seu período de ienes,


enfatiza a importância da filosofia da mediação, ele chama a atenção
principalmente para a conexão filosófica e metodológica do todo e das
partes, consideradas do lado da forma, enquanto antes prestava atenção
antes apenas no lado do conteúdo. Portanto, Hegel complementa a
definição acima de verdade como um todo, como resultado e conclusão do
processo de cognição pela definição de mediação e reflexão: “Pois mediação
nada mais é do que igualdade para si mesmo, em movimento, ou é reflexo
em si mesmo, um momento para si mesmo. -o eu existente, pura
negatividade ou reduzida à pura abstração, é uma formação simples ...
Portanto, é negado à mente o reconhecimento, quando a reflexão é excluída
do verdadeiro e o momento positivo do absoluto não é capturado nele. É ela
quem produz o verdadeiro resultado, mas também remove essa oposição em
relação à sua formação; pois essa formação é igualmente simples e,
portanto, não difere da forma verdadeira, que consiste na [verdadeira] se
mostrando como resultado, tão simples; além disso, consiste em voltar à
simplicidade”(26).

471
Ao examinar as visões de Hegel sobre o período Iena, já falamos em
detalhes sobre a atitude positiva de Hegel em relação à reflexão filosófica,
como ele a chama, e apontamos que a rejeição desse princípio de filosofia
por Schelling ainda expressava uma compreensão completamente diferente
do conhecimento filosófico. Portanto, Hegel, voltando a esse período, diz
que a superação de Schelling ao idealismo subjetivo foi realizada sem a
consciência filosófica desse passo, de sua essência e importância. Schelling,
diz Hegel em conclusão, "propõe uma ideia especulativa sem qualquer
desenvolvimento para si mesmo e passa imediatamente para a imagem que
possui na filosofia natural"(27).

As visões diametralmente opostas de Hegel e Schelling sobre o


conhecimento do absoluto expressam a compreensão diametralmente
oposta do processo histórico. Já citamos as declarações de Schelling sobre a
filosofia do Iluminismo, sobre a Revolução Francesa e a moderna sociedade
burguesa; As opiniões de Hegel sobre essas questões são conhecidas em
todos os detalhes. Agora não é mais necessário provar em detalhes que a
atitude negativa de Schelling em relação à filosofia do Iluminismo e sua
avaliação negativa do papel da reflexão no conhecimento do absoluto
representam dois lados da mesma moeda. A situação é exatamente a mesma
em todas as outras áreas da sociedade e da história, por um lado, e na
formação de conceitos filosóficos, por outro. Enquanto o pensamento de
Hegel como a formação consciente de uma forma específica de dialética se
torna cada vez mais histórico, a visão de mundo de Schelling,

Esse oposto deve ser enfatizado hoje. De fato, na ciência burguesa, a noção
de que o historicismo era supostamente o resultado de uma filosofia de
restauração e romance está se tornando cada vez mais estabelecida. E se
Hegel também graciosamente admite o historicismo e, portanto, o
julgamento categórico de L. Ranke é enfraquecido, isso só pode ser
explicado pelo fato de o historicismo de Hegel estar cada vez mais
aproximado do chamado historicismo dos românticos.

Mas qual é a essência do exaltado historicismo de Schelling? O fato de ele,


modelado sobre os oponentes ideológicos da revolução francesa, enfatizar
unilateral e exageradamente o momento de continuidade na história, tão
unilateral que para ele todas as interrupções dessa continuidade (não apenas
a Revolução Francesa, mas também a Reforma) são precisamente
interrupções de continuidade, portanto, o que algo negativo, apenas um
momento destrutivo. Nesta base, apenas o pseudo-historicismo reacionário
pode surgir; não é de surpreender que fascistas, como G. Melis, fossem
grandes admiradores da filosofia da história de Schelling.

O conceito histórico de Hegel, pelo contrário, mostra que o progresso


humano é desigual, através de contradições e opostos devido à atividade

472
humana; a unidade desse processo é a unidade de descontinuidade e
continuidade, ou seja, as revoluções de Hegel formam um componente
constituinte da continuidade desigual do desenvolvimento progressivo da
sociedade humana. Em sua concepção histórica e na prática da descrição
histórica, Hegel elevou a um nível superior – o estágio de compreender
conscientemente as contradições do desenvolvimento histórico – as tradições
que ele aprendeu dos iluminadores (Gibbon, Montesquieu, Voltaire, Russo,
Forster, etc.). Assim, marca o início do último grande período no
desenvolvimento da ideologia burguesa, período que, continuando nos
escritos dos grandes historiadores franceses,

Assim, delineamos um círculo de contradições significativas no método


filosófico de Hegel e Schelling, que já aparecera no momento do intervalo
entre elas. É necessário observar mais um problema importante, no qual a
especificidade das aspirações filosóficas de Hegel foi claramente expressa,
em oposição não apenas a Schelling, mas a todos os pensadores do período
clássico, e nesse problema todas as contradições entre eles são expressas de
forma concentrada. Temos em mente o desejo de Hegel de criar lógica
dialética.

Uma análise de como Hegel realiza esse desejo está, obviamente, além do
escopo deste estudo. Ele começa a preparar a lógica em Nuremberg vários
anos após a conclusão da Fenomenologia. Contudo, mesmo nesse período –
o período da elaboração da Fenomenologia – a criação da lógica dialética
foi apresentada apenas como uma tarefa metodológica, como uma questão
decisiva, e entendida como uma conclusão conceitual de todo o sistema.

Sabe-se que a Fenomenologia foi publicada como a primeira parte do


sistema filosófico, enquanto a segunda parte se tornou lógica. Essa unidade
de lógica e fenomenologia encontrou expressão nas palestras de Iena.
Rosencrantz fala dessas palestras: "Além disso, havia um extrato do todo que
Hegel fez na preparação das palestras. Ele procurou conectar a
fenomenologia à lógica, de modo que a fenomenologia acabasse sendo um
guia para a lógica e, do conceito de conhecimento absoluto, uma transição
para o conceito de 'ser'"(28).

Agora é costume considerar o método dialético como a maior conquista do


idealismo alemão, e a “Lógica” de Hegel como o ponto mais alto no
desenvolvimento do idealismo alemão. Portanto, pode parecer estranho que
a própria formulação da questão da lógica dialética, a conversão da dialética
em lógica, seja considerada por nós como a conquista de Hegel, que estava
em oposição a todos os seus antecessores.

Obviamente, objetivamente, havia tendências, e até muito fortes, de criação


da dialética. Todos os chamados "filosofia transcendental" de Kant, Fichte,

473
Schelling, profundamente permeado tendências dialéticas. No entanto, nas
mentes de Kant, Fichte e Schelling, a "filosofia transcendental" coexistia junto
com a lógica, os problemas dialéticos nela foram abolidos, e a lógica formal
anterior continuou a existir junto com a nova ciência emergente de forma
inalterada e continuou a causar respeito ou desprezo mais profundo.

Obviamente, não há como apresentar a relação de Kant, Fichte e Schelling


com a lógica. Deveria limitar-se a ilustrar sua atitude em relação à lógica
durante o período do aparecimento da Fenomenologia, apresentando
apenas algumas de suas afirmações, a fim de mostrar que eles nem sequer
viram um problema solucionável no problema da lógica dialética.

Kant, no prefácio da segunda edição da Crítica da razão pura, fala sobre os


problemas da lógica formal. Ele acredita que a lógica formal desde a época
de Aristóteles não deu um único passo, nem para frente nem para trás, se
ignorarmos as adições superficiais e secundárias.

Na "Lógica", Kant procede do fato de que as fronteiras entre as ciências


individuais, entre as partes individuais do sistema filosófico devem ser
traçadas de maneira nítida e estrita. Consequentemente, o problema da
lógica formal, lógica no sentido estrito da palavra, é formulado por ele da
seguinte maneira: "Os limites da lógica são determinados com precisão pelo
fato de ser uma ciência que soletra e prova rigorosamente apenas as regras
formais de todo pensamento (não faz diferença se é a priori ou empírica,
não importa qual a sua origem e assunto e se encontra obstáculos aleatórios
ou naturais em nossa alma [Gemüt]). A lógica deve seu sucesso à certeza de
suas fronteiras, devido à qual tem o direito e até deve ser distraída de todos
os objetos de conhecimento e das diferenças entre eles; portanto, a razão
nela lida apenas consigo mesma e com sua forma"(29).

A filosofia transcendental, que, segundo Kant, lida com objetos do mundo


dos fenômenos, deve perder esse terreno confiável. Kant formula uma série
de ideias que, em muitos aspectos, contribuíram para a construção da lógica
dialética, embora ele não tenha visto o problema em sua criação, ele não viu
que a lógica formal deveria se transformar em dialética, desde que os
problemas lógicos de objetividade, objetividade e relações objetivas fossem
resolvidos de maneira satisfatória.

Devido à ambiguidade da própria formulação da questão da natureza da


"filosofia transcendental" de Kant, a ambiguidade não superada por Fichte
ou Schelling, a filosofia transcendental acabou sendo uma mistura estranha e
muito vaga. Por um lado, é algo completamente diferente da lógica, pois lida
com objetos e relações de objetos, mas, por outro lado, difere de todas as
ciências particulares que estão relacionadas à realidade objetiva, diferente
porque lida exclusivamente com objetos. e correlações de objetos em geral,

474
pré-requisitos universais para sua "posição". Assim, a filosofia transcendental
é algo completamente amorfo e extensível. Fichte vai além de Kant, e
Schelling vai além de Fichte, cada um deles oferece uma compreensão mais
ampla da essência e do método da filosofia transcendental e, de alguma
forma, é passado como o único significado correto dessa ciência. Kant,
comparado a Fichte e Fichte, comparado a Schelling, esforça-se por
preservar o significado original do conceito de filosofia transcendental, e
cada um deles polemiza com seus predecessores e seguidores do ponto de
vista da ciência, cujos princípios e limites reais não foram estabelecidos
desde o início, desde a definição desses princípios. Em geral, isso pode ser
alcançado esclarecendo a relação entre lógica e dialética.

A ambiguidade nos últimos princípios da filosofia torna difícil para o leitor


moderno entender a essência dessas discussões. A partir dessa ambiguidade,
segue-se um apelo constante e inesperado à lógica, anteriormente não
permitido. Característica a esse respeito é a polêmica de Fichte com a
transferência de Schelling da filosofia transcendental para a filosofia da
natureza. Fichte escreveu em uma carta a Schelling: "A filosofia natural, é
claro, pode vir de um conceito de natureza já estabelecido e pronto, mas
esse mesmo conceito e filosofia da natureza devem ser deduzidos do sistema
de conhecimento universal, do X absoluto, que se torna completamente
determinado devido à existência de" leis de razão finita . “O idealismo,
tolerando o realismo consigo mesmo, não seria assim: se ainda quer ser
alguma coisa, deve ser uma lógica formal universal"(30). Portanto, Fichte
considera a dialética emergente da natureza apenas do ângulo do seguinte
dilema: a dialética permanece uma "ciência da ciência" e a natureza precisa
ser analisada como uma "área subordinada à consciência", ou a lógica
formal como base filosófica deve ser anexada à ciência natural puramente
empírica.

Se considerarmos a atitude de Schelling em relação a esses problemas, é


surpreendente que ele não tenha entendido completamente as aspirações
decisivas de Hegel durante o período de sua cooperação mais próxima. Nas
Palestras sobre o Método do Estudo Acadêmico, Schelling fala de problemas
de lógica e dialética, sugerindo claramente o surgimento da lógica dialética
de um conceito de Hegel. Mas quão pouco ele entendeu seu conteúdo pode
ser visto em sua próxima declaração. Anteriormente, citamos a definição de
dialética de Schelling, segundo a qual a dialética não pode ser aprendida, ou
seja, está disponível apenas para os "iniciados" na filosofia, apenas para o
gênio. Agora ele escreve que a dialética "ainda não existe. Se deveria ser
uma expressão pura de formas finitas em sua relação com o absoluto, então
deveria se tornar ceticismo científico:

Esta citação mostra como Schelling imaginou o papel e o significado da


lógica que Hegel concebeu na época: a lógica concorda com essa ideia deve

475
ser a decomposição dialética de todos os conceitos finitos, como resultado
do qual o conhecimento racional se destrói e justifica a necessidade de pular
para o conhecimento direto, para "intelectual". intuição”. O lembrete da
dialética transcendental de Kant nessa conexão não é de todo acidental. De
fato, a dialética transcendental de Kant em suas antinomias destrói qualquer
forma de conhecimento absoluto dos princípios do mundo dos fenômenos,
justificando filosoficamente o desconhecimento das coisas em si mesmas, a
fim de abrir caminho para que o absoluto seja compreendido pela "razão
prática" pela "fé". Schelling rejeita a solução proposta por Kant como
indiferente e imperfeita.

No entanto, vale ressaltar que o esquema dessa solução está à sua frente.
Afinal, ele vê a tarefa da lógica dialética em substanciar o ceticismo científico
e, portanto, em reproduzir as antinomias kantianas em um nível
filosoficamente superior. Uma nova compreensão do conteúdo da filosofia
como “ceticismo científico” não deve preparar uma fé subjetiva, mas uma
contemplação objetiva do absoluto. Mas a destruição cética do mundo
cognoscível, e com ele o método da cognição, preserva o esquema do
dualismo kantiano, no entanto, de uma forma modificada: em Kant essa
dualidade foi expressa no conhecimento do mundo dos fenômenos e na
crença subjetiva no absoluto, em Schelling – na auto decomposição do
conhecimento racional e na identidade do sujeito – objeto dada na
contemplação suprarracional. A esfera da contemplação, segundo Schelling,
está acima de qualquer categoria de razão; como a lógica é possível para ele,
o que torna seu assunto os últimos fundamentos do conhecimento humano?
Consequentemente, a remoção das contradições, a nova doutrina das
contradições, não é para Schelling o núcleo da nova filosofia, mas serve
apenas como uma introdução "propedêutica" a ela. (As consequências de
longo alcance da atitude negativa de Schelling em relação à categoria de
reflexão são óbvias aqui.) Intrinsecamente segue da intuição de Schelling
que, juntamente com a dialética cética que existe para gênios filosóficos,
existe apenas a lógica formal anterior. A lógica formal é uma ciência
puramente empírica, e a dialética cética é apenas parte da "filosofia
transcendental" geral, que também é inerente aos pontos de vista de Fichte.
mas serve apenas como uma introdução "propedêutica" a ele. (As
consequências de longo alcance da atitude negativa de Schelling em relação
à categoria de reflexão são óbvias aqui.) Intrinsecamente segue da intuição
de Schelling que, juntamente com a dialética cética que existe para gênios
filosóficos, existe apenas a lógica formal anterior. A lógica formal é uma
ciência puramente empírica, e a dialética cética é apenas parte da "filosofia
transcendental" geral, que também é inerente aos pontos de vista de Fichte.
mas serve apenas como uma introdução "propedêutica" a ele. (As
consequências de longo alcance da atitude negativa de Schelling em relação
à categoria de reflexão são óbvias aqui.) Intrinsecamente segue da intuição

476
de Schelling que, juntamente com a dialética cética que existe para gênios
filosóficos, existe apenas a lógica formal anterior. A lógica formal é uma
ciência puramente empírica, e a dialética cética é apenas parte da "filosofia
transcendental" geral, que também é inerente aos pontos de vista de Fichte.

Pequenas citações das obras dos notáveis predecessores de Hegel indicam


claramente que eles não consideraram e entenderam os problemas
específicos reais da lógica dialética. Eles não conseguiam entender que era a
substantividade das categorias mais abstratas que torna possível apresentá-
las em movimento, em uma conexão dinâmica, que a ociosidade
correspondente da lógica formal forma um caso extremo de
substancialidade, assim como a paz em processos reais é um caso extremo
de movimento, e é por isso que os problemas gerais do objetivo A realidade
e o processo subjetivo de cognição dela pelo homem constituem o sujeito da
lógica dialética, que apenas a lógica dialética e dá uma visão científica,
filosófica alguma solução para os problemas colocados pelo idealismo
alemão clássico, esforçando-se para superar o pensamento metafísico – uma
análise de todas essas questões é o mérito excepcional de Hegel. Antes dele,
todos esses problemas não eram reconhecidos e nem colocados.

Seria interessante acompanhar o desenvolvimento do pensamento


hegeliano, sua formação gradual, a concentração de seus esforços na criação
de um programa que resolva todas as questões filosóficas. Sem dúvida, já no
primeiro período de Iena, houve uma tentativa explícita desse tipo,
principalmente nas teses de sua dissertação e em algumas partes da lógica
de Iena.

Mas a natureza polêmica dos primeiros trabalhos em ienes de Hegel, seu


interesse apaixonado em dominar todas as áreas do conhecimento humano
(nos primeiros anos do período dos ienes, Hegel recebeu profundo
conhecimento das ciências naturais) acabou sendo um obstáculo para
apresentar o programa de forma sistemática. A preparação para a
apresentação do sistema filosófico exigiu que Hegel esclarecesse
completamente a tarefa central da filosofia. Este programa é claramente
expresso na Fenomenologia, e o significado da Fenomenologia em sua
relação com a lógica dialética é que é uma introdução à filosofia.

Limitamo-nos aqui a uma breve descrição da apresentação de Hegel do


programa de lógica no texto da Fenomenologia. E o prefácio de
"Fenomenologia" Hegel identifica lógica com filosofia especulativa(31). Esse
entendimento encontra uma concretização muito distinta e importante.
“Filosofia”, escreve Hegel, “ao contrário, não considera uma definição não
essencial, mas considera uma definição, pois é essencial; não abstrata ou
inválida – seu elemento e conteúdo, mas um ser existente real, presumido e
vivo em seu conceito. Este processo, que cria seus próprios momentos e os

477
atravessa, e todo esse movimento como um todo é ... sua verdade ... Pode
parecer necessário dar instruções mais detalhadas com antecedência sobre o
método desse movimento ou ciência. conceito de o método já está no que é
dito, e sua apresentação no sentido apropriado refere-se à lógica, ou melhor,
é a própria lógica. Pois o método não é senão toda a estrutura como um
todo, erigida em sua essência pura”(32).

Aqui a essência da lógica como uma verdadeira filosofia já está claramente


revelada, na qual são dados o método de sua construção holística e a
proporção de todas as suas categorias substantivas em seu constante
movimento. A lógica, como uma verdadeira filosofia, é um pré-requisito e
uma continuação e conclusão necessárias da "Fenomenologia do espírito". O
último é uma introdução à lógica. Mas Hegel, no prefácio, revela ainda mais
especificamente esse aspecto da lógica, seu método e a atitude em relação
ao conteúdo de seus objetos. Ele diz: "Portanto, a racionalidade é certa
formação, e, como essa formação, é racionalidade. Nessa natureza do que é:
estar em alguém sendo o próprio conceito – a necessidade lógica em geral
consiste; ela é racional e ritmo. todo orgânico, é na mesma medida o
conhecimento do conteúdo”(33). A "Fenomenologia do Espírito" é uma
introdução à filosofia especulativa, cuja essência, como já vimos, é idêntica à
lógica dialética. É claro que "a fenomenologia é uma introdução no sentido
específico da palavra. Falaremos mais sobre seu caráter metodológico no
futuro, no entanto, a ideia principal dessa metodologia já está clara na
exposição anterior – ela deve revelar o caminho que a consciência comum
percorre se esforçar-se. tornar-se uma consciência filosófica.

Portanto, se a abordagem de Schelling à filosofia real é "aberta apenas aos


escolhidos" e o ato de "intuição intelectual" é interpretado por ele como o
centro do conhecimento do absoluto, então Hegel, pelo contrário, não
apenas possui um processo absoluto e seu resultado, portanto, existe
objetivamente, mas a conquista pela mente humana subjetiva do ponto de
vista com base no qual o absoluto pode ser adequadamente conhecido é
também um processo e seu resultado.

Como essa introdução é qualitativamente diferente de todas as introduções


anteriores à filosofia, sua atitude substantiva em relação à própria filosofia é
tão radicalmente diferente das formas anteriores de atitude em relação à
filosofia. As introduções anteriores à filosofia eram puramente formais e o
conteúdo, no sentido adequado, era dado apenas na filosofia, ou, como em
Schelling, a própria filosofia tinha algo radicalmente diferente em conteúdo e
assunto em comparação com o conhecimento final "popular" da filosofia
anterior.

Pelo contrário, para Hegel, a filosofia é sempre e em toda parte a mesma


coisa: é sempre uma expressão essencialmente – a do conteúdo da realidade

478
em seu auto movimento dialético. Portanto, uma introdução à filosofia deve
incluir exatamente o mesmo conteúdo que a própria filosofia. A ascensão à
filosofia ao longo da escada, que, segundo Hegel, é fornecida ao homem na
Fenomenologia, significa que a consciência humana cada vez mais alta
domina o conteúdo da realidade em diferentes níveis de seu pensamento.
Mas o conteúdo, embora apareça em diferentes níveis de consciência e seja
modificado de acordo com as formas objetivas de sua manifestação, é o que
constitui o sujeito da filosofia, a lógica dialética. Além disso, os vários
estágios da consciência que levam ao ponto de vista da filosofia estão
incorporados em “As fenomenologias do espírito "como" formas de
consciência "e nem em sua essência, nem em sua sequência são aleatórias,
mantendo-se em uma relação aleatória com as conexões objetivas da lógica
dialética, sendo generalizações do mesmo conteúdo que a filosofia, têm suas
próprias sequência, seu relacionamento um com o outro etc., exceto na
lógica dialética, mas, como a realidade é uma fonte comum da
fenomenologia e da lógica, elas devem corresponder de maneira complexa,
não linear e não esquemática manifestado em diferentes conteúdos,
portanto, o caminho para a filosofia é traçado por Hegel dentro da estrutura
da própria filosofia. numa relação aleatória com as conexões objetivas da
lógica dialética. Sendo generalizações do mesmo conteúdo que a filosofia,
têm sua própria sequência, sua conexão entre si, etc., além da lógica
dialética. Mas, como a realidade é uma fonte comum da fenomenologia e da
lógica, elas são uma e a mesma coisa, devem corresponder de maneira
complexa, indireta e não esquemática com conteúdo diferentemente
manifestado. Consequentemente, o caminho para a filosofia é traçado por
Hegel no próprio contexto da filosofia. numa relação aleatória com as
conexões objetivas da lógica dialética. Sendo generalizações do mesmo
conteúdo que a filosofia, têm sua própria sequência, sua conexão entre si,
etc., além da lógica dialética. Mas, como a realidade é uma fonte comum da
fenomenologia e da lógica, elas são uma e a mesma coisa, devem
corresponder de maneira complexa, indireta e não esquemática com
conteúdo diferentemente manifestado. Consequentemente, o caminho para
a filosofia é traçado por Hegel no próprio contexto da filosofia. de maneira
não linear, não esquemática, em conteúdos manifestamente diferentes.
Consequentemente, o caminho para a filosofia é traçado por Hegel no
próprio contexto da filosofia. de maneira direta e não esquemática, de
maneiras diferentes, manifesta o conteúdo. Consequentemente, o caminho
para a filosofia é traçado por Hegel no próprio contexto da filosofia.

Hegel expressa essa ideia nas páginas finais de "Fenomenologia" da seguinte


forma: "Se na fenomenologia do espírito, a cada momento, há uma
diferença entre conhecimento e verdade e cantando um movimento em que
essa diferença é removida, a ciência, pelo contrário, não contém essa
diferença e sua retirada, mas uma vez que o momento tem a forma de um

479
conceito, combina em unidade direta a forma objetiva da verdade e o eu
conhecedor. O momento não aparece como um movimento de transição –
da consciência ou representação para a autoconsciência e vice-versa, mas
sua forma pura, liberada o fenômeno da consciência, o conceito puro e
quanto mais movimento deste último depende unicamente de sua pura
certeza. Pelo contrário, a cada momento abstrato da ciência corresponde a
uma formação que é o espírito de todos. (Em outras palavras,
fenomenologia.- GL) Assim como o espírito atual não é mais rico que a
ciência, não é mais pobre que em seu conteúdo. A cognição dos conceitos
puros da ciência nessa forma de formações da consciência constitui esse
aspecto deles, a realidade, em que sua essência, o conceito nele estabelecido
em sua simples mediação como pensamento, revela os momentos dessa
mediação e aparece, seguindo o oposto interior”(34).

Já mostramos como o método "Fenomenologia" surge da controvérsia de


Hegel com a filosofia de Schelling, indo além, é claro, de seu significado
metodológico e substantivo muito além do escopo dessa controvérsia e
ganhando um significado completamente independente. Pode-se chamar a
parte polêmica da "Fenomenologia" – o último trabalho de Hegel do período
Neva – o antípoda desse artigo, que abre o período de Iena, e chamá-la de
"Diferença entre os sistemas de filosofia Schelling e Hegel". "Fenomenologia"
completa o processo de diferenciação do idealismo alemão, que é cheio de
drama, e abre o período para o desenvolvimento da própria filosofia
hegeliana.

Nossa apresentação anterior mostrou a profunda originalidade metodológica


de A Fenomenologia do Espírito. Com a prova da originalidade
metodológica da Fenomenologia, todos os estudos filológicos e pedantes de
estudiosos burgueses que buscam freneticamente os "predecessores" da
Fenomenologia do Espírito falham. Se falássemos apenas dos estudos
filológicos de ajudantes ociosos, hoje não haveria absolutamente nenhum
sentido de abordar essas questões. No entanto, esses estudos filológicos são
apenas uma das tentativas de enfatizar a unidade completa da filosofia
clássica alemã ou de ocultar a originalidade da dialética hegeliana – tudo
isso graças ao qual ele se tornou o precursor do materialismo dialético.
Assim, eles querem reduzir a filosofia de Hegel ao nível do agnosticismo de
Kant ou ao irracionalismo romântico.

Abaixo, em uma das digressões para os leitores interessados nos detalhes


desta edição, apresentamos brevemente os dados mais importantes obtidos
pelos "antecessores" da Fenomenologia. Tocando nesta questão, deve-se
dizer que a ideia principal de "Fenomenologia", em certo sentido, já estava
no ar. As considerações mais diversas, cuja união metodológica foi dada
posteriormente em A Fenomenologia do Espírito, não foram, é claro,
inventadas por Hegel, eram problemas do seu tempo.

480
Mas uma coisa é que os pensadores estão interessados nos mesmos
problemas, e outra é se o pensador é influenciado por outros na própria
formulação de problemas e em sua solução. A ideia de uma conexão
dialética entre categorias está no ar desde Kant, mas já vimos que Hegel
colocou o problema da lógica dialética em uma base científica e concreta.

O mesmo se aplica aos problemas da "Fenomenologia do Espírito". Eles


representam a interconexão de dois conjuntos de problemas. Por um lado, a
dialética das categorias de razão, sua remoção mútua, leva necessariamente
Kant a colocar a questão de qual é o caminho para essa dialética e, a partir
dela, para o conhecimento do absoluto. E, por outro lado, o constante
crescimento da consciência histórica, o conhecimento histórico forma a
necessidade de compreender a história como o único caminho que leva ao
conhecimento da modernidade; antes de tudo, ao compreender o único e
necessário caminho de desenvolvimento do pensamento e da filosofia
humanos (Winkelman, Herder e Schiller na história da arte e na história da
literatura profeticamente prediziam o caminho do desenvolvimento e a
história da filosofia). Essa era uma tendência geral da época, que por si só
deveria ter tido um impacto diferente na formação do conceito de
"Fenomenologia do espírito". No entanto, isso não significa que as tentativas
extremamente episódicas e extremamente fragmentadas de resolver as que
existiam antes de Hegel tenham tido alguma influência significativa na
formulação específica de problemas em Fenomenologia, tanto mais que não
se pode dizer que, a partir de uma afirmação – muito imprecisa – a
existência desse tipo de conexões e parentesco ideológico tira as conclusões
que os pesquisadores modernos desse período na história da filosofia tiram.

Uma das últimas tentativas, indo exatamente nessa direção, foi feita por I.
Hoffmeister, que procura construir pontes entre as "eras da mente" no
"Sistema de Idealismo Transcendental" e a "Fenomenologia do Espírito". Seu
argumento é extremamente pouco convincente. E do lado formal, já que
Schelling constantemente mistura os lados subjetivo (fenomenológico) e
objetivo (lógico) do problema, enquanto a essência da fenomenologia reside
precisamente no desenvolvimento consistente e metodológico desse lado
subjetivo, e porque Schelling conduz esses pensamentos de maneira
completamente inconsistente porque é exatamente onde o problema para
Hegel começa, na filosofia da prática, para Schelling com suas "épocas da
razão" que ele termina.

Escusado será dizer que Kant tem lugares que indicam que ele está se
movendo nessa direção. No final de A crítica da razão pura, há um pequeno
capítulo chamado A história da razão pura(35). Mas este capítulo faz apenas
alguns comentários sobre um determinado esquema da história da filosofia,
e Kant, sobretudo, desenvolve uma abordagem histórica, concentrando-se

481
mais no desenvolvimento de certas possibilidades típicas para lidar com
questões cruciais da filosofia.

Kroner tentou encontrar em Fichte o precursor do "Fenomenologia"(36).


Fichte, no entanto, fala em certos lugares sobre a "história pragmática" do
espírito(37). Mas se você ler cuidadosamente esses lugares, poderá ver que
aqui, em uma extensão ainda maior do que na citação acima de Schelling,
estamos falando de uma ideia, da qual absolutamente nenhuma
consequência metodológica importante se segue. Não há dúvida de que
essas ideias têm sua origem nas mesmas correntes e problemas de seu
tempo que a Fenomenologia, mas tudo isso não tem nada a ver com
afinidade ideológica.

Deveríamos levar mais a sério os pensamentos expressos por Goethe e


Schiller. Goethe, em uma de suas cartas a Schiller (em uma carta de 24 de
janeiro de 1798), diz que seus estudos na história da doutrina da cor
levaram a novas e importantes ideias: “Se diante de seus olhos houver uma
série de eventos na vida espiritual que compõem , a história da ciência, a
ideia de escrever a priori a história não parece ridícula: afinal, tudo se
desdobra das propriedades progressivas e regressivas do espírito humano,
da natureza voltada para o exterior e voltada para o futuro". [O texto da
carta termina aqui].

(1) Rosenkranz, K. Op. cit. p. 178. O fragmento publicado aqui está datado
incorretamente. Como as partes individuais do manuscrito coincidem quase
completamente com as palestras publicadas por Hoffmeister em 1803/04 e
1805/06, pode-se presumir que todo esse complexo de fragmentos data
exatamente desses anos. Uma cronologia mais precisa de fragmentos
individuais, é claro, é importante para entender o processo de “libertação”
de Schelling por Hegel, mas, para nossa apresentação, é de interesse
secundário. (retornar ao texto)

(2) Schelling, F. Werke, Estugarda, Augsburg, 1859, Tomo V, p. 314.


(retornar ao texto)

(3) Ibid, p. 258. (retornar ao texto)

(4) Rosenkranz, K., Op. cit, p. 539 (retornar ao texto)

(5) Ibid, p. 182. (retornar ao texto)

(6) Ibid, p. 544. (retornar ao texto)

482
(7) Ibid, p. 184. (retornar ao texto)

(8) Schelling, F. samtliche Werke, Estugarda, Augsburg, 1860, Tomo 1, 6


dezembro, p. 23. (retornar ao texto)

(9) Rosenkranz, K., op. cit, p. 540. (retornar ao texto)

(10) Ibid., p. 546. (retornar ao texto)

(11) Ibid, p. 182. (retornar ao texto)

(12) Hegel, Jenenser Realphilosophie, Tomo II, p. 265. (retornar ao texto)

(13) Schelling, F. Werke, Tomo V, p. 267. (retornar ao texto)

(14) Rosenkranz, K., op. cit, p. 186. (retornar ao texto)

(15) Ibid., p. 552. (retornar ao texto)

(16) Hegel, op. Tomo IV, p. 13. (retornar ao texto)

(17) Loc cit, p. 14. (retornar ao texto)

(18) Loc cit, p. 8. (retornar ao texto)

(19) Loc cit, p. 9. (retornar ao texto)

(20) Fichtes Briefwechsel, 1925, p. 341. (retornar ao texto)

(21) Aqui não temos oportunidade de expor todas essas construções sem
sentido que a história burguesa da filosofia cria sobre esse processo. Vamos
apontar apenas um que se tornou muito popular nos últimos anos, segundo
o qual a superação hegeliana da forma do idealismo objetivo representa um
retorno às posições de Fichte e até de Kant. Onde Hegel retorna aos
argumentos mais importantes de disputas anteriores entre Fichte e Schelling,
deve ficar claro para qualquer leitor que Hegel realmente considera o
mesmo problema que Fichte, mas critica Schelling pelo exato oposto.
(retornar ao texto)

(22) Rosenkranz, K., op. cit, p. 201. (retornar ao texto)

(23) Hegel, op. Tomo IV, p. 28-29. (retornar ao texto)

(24) Rosenkranz, K., op. cit, p. 544. (retornar ao texto)

(25) Ibid., p. 548. (retornar ao texto)

(26) Hegel, op. Tomo IV, p. 10. (retornar ao texto)

483
(27) Rosenkranz, K., op. cit, p. 188. (retornar ao texto)

(28) Ibid., p. 214. E este manuscrito, Hegel, usado por Rosenkranz, está
perdido. (retornar ao texto)

(29) Kant, I. Op. Tomo 3, p. 82. (retornar ao texto)

(30) Fichtes Briefwechsel, Tomo II, p. 327. (retornar ao texto)

(31) Cf: Hegel Op. Tomo IV, p. 20. (retornar ao texto)

(32) Loc cit, p. 24-25. (retornar ao texto)

(33) Loc cit, p. 30-31. (retornar ao texto)

(34) Loc cit, p. 432-433. (retornar ao texto)

(35) Cf: Kant, I. Op., p 692-697. (retornar ao texto)

(36) Kroner, R. von, Kant por Hegel, Tubinga, Tomo I, p. 147, 372. (retornar
ao texto)

(37) Fichte, J G, Werke, Tomo III, p. 415. (retornar ao texto)

484
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo IV – O rompimento com Schelling e a fenomenologia do


espírito (Iena, 1803-1807)
2 - A opinião pública e o entendimento da história por Hegel na
época de "A fenomenologia do espírito"

Mostramos que a questão filosófica central de toda a filosofia hegeliana


subsequente em "Fenomenologia" aparece diante de nós como um
programa completamente preparado e claramente expresso, que é
consistentemente implementado no trabalho de Hegel. Juntamente com a
Fenomenologia, terminou o período preparatório do sistema hegeliano, a
personalidade de Hegel neste trabalho aparece diante de nós em todo o seu
significado histórico mundial. Apesar disso, seria errado identificar a
“Fenomenologia” de Hegel com seu sistema posterior sem reservas. O
mundo estava passando por profundas mudanças, às quais Hegel
apaixonadamente e com todo o seu ser reagia, e que, se necessário, deveria
ter deixado as marcas mais profundas em sua filosofia. Estudo dessas
mudanças, especialmente aquelas que dizem respeito à estrutura da filosofia
hegeliana e implicam a reestruturação de todas as categorias mais
importantes, não é tarefa deste trabalho. A seguir, abordaremos alguns
desses problemas apenas para revelar as características essenciais da
Fenomenologia o mais claramente possível.

Por outro lado, deve-se dizer que seria errado supor que existe uma
lacuna entre a Fenomenologia de Hegel e seu subsequente
desenvolvimento. O fato de o carro-chefe da Enciclopédia de Filosofia,
também chamado Fenomenologia, ter um significado muito mais restrito
para o sistema de filosofia concebido em Iena do que o trabalho discutido
aqui, não significa nada. Além disso, como se sabe, nos últimos anos de sua
vida, Hegel estava preparando uma nova edição de A Fenomenologia do
Espírito. Certamente, poderíamos ter um entendimento preciso e completo
de sua atitude em relação a este trabalho se essa nova publicação realmente
acontecesse, e pudemos ver as mudanças que Hegel fez na primeira edição.
Infelizmente, isso não ocorreu. Nosso entendimento do desenvolvimento de
Hegel chegou a um ponto em que podemos ver que, para o
desenvolvimento das visões de Hegel, a unidade dialética como "a
identidade da identidade e da não identidade" é muito essencial. A maneira
485
como esse desenvolvimento é realizado, como seus estádios individuais
estão conectados com as grandes realizações de seu tempo, deve mostrar a
pesquisa marxista ao processar todo o material existente relacionado a esse
processo.

Para os estudos burgueses de Hegel, a "Fenomenologia do Espírito" é


algo muito desagradável e até assustador. Seu caráter específico, em sua
opinião, deve ser eliminado com a ajuda de várias hipóteses espirituosas.
Não querendo incomodar o leitor com uma disputa com todas essas teorias
sugadas de um dedo, gostaríamos de citar, como um exemplo muito
expressivo e assustador de tais "teorias", uma nova interpretação do famoso
pesquisador de Hegel, T. Herring da gênese da "Fenomenologia". Segundo a
interpretação de Hering, Fenomenologia é simplesmente improvisação.
"Essa conjectura" escreve Hering, "sugere a si mesma, apenas porque Hegel
teve a ideia de transformar a Fenomenologia em uma introdução detalhada
depois de concluir um contrato de publicação e, possivelmente, mesmo
depois de enviar a primeira parte do manuscrito". E como Hering pode
realmente se referir ao fato de que houve atrasos na preparação do
manuscrito para publicação, ele propõe uma hipótese "espirituosa" de que a
segunda metade da Fenomenologia foi rápida e improvisada, feita de
pedaços. Hering conclui que "Fenomenologia" é supostamente algo
"passageiro" no desenvolvimento das visões de Hegel. Sua essência é ser
uma "contemplação da essência do espírito (...) quase sem sentido"(1).

É fácil descobrir as razões pelas quais Hering desmerece o significado da


Fenomenologia. Eles já foram claramente revelados, embora sem perceber o
problema que existe aqui, um biógrafo hegeliano como Haym, um liberal
por suas convicções. Sua avaliação da Fenomenologia termina com insultos
ao abuso do comportamento antipatriótico de Hegel durante a queda da
Prússia feudal, durante a batalha de Iena (1806), após a qual Hegel saudou
a vitória de Napoleão sobre o exército da Prússia antiga como uma vitória
da civilização sobre a barbária feudal. Obviamente, as consequências que
Haym faz disso não se limitam à "Fenomenologia", mas dizem respeito a
todo o pensamento de Hegel.

Encontramos em Hegel o desejo estético de se distrair da realidade, que


domina toda a sua vida, e contrasta isso com o patriotismo de Fichte, que
"empurra a metafísica empoeirada para o lado e, em seus corajosos
discursos à nação alemã, apelou em voz alta ao sentimento nacional
adormecido"(2). O fato de que essa "decolagem" de Fichte foi o fim de sua
carreira como filósofo de significado pan-europeu, sua trágica morte como
filósofo, que se viu em contradição insolúvel com a então Alemanha, tudo
isso não interessava a Haym. No entanto, sua biografia de Hegel foi escrita
durante esse período passageiro, quando a burguesia alemã estava cada vez
mais inclinada a eliminar completamente as velhas tradições de liberdade,

486
subordinando completamente a ideia de "liberdade" à ideia de "unidade", ou
seja, capitulando a "monarquia bonapartista" (Engels) do Hohenzollern
liderado por Bismarck.

O mais conhecido socialista alemão Franz Mehring descobriu os


verdadeiros fundamentos sociais da situação muito difícil da Alemanha
durante a batalha de Iena. Ele compara astutamente a batalha de Iena com
o ataque à Bastilha e acrescenta corretamente que essas várias formas de
destruição da monarquia feudal-absolutista na Alemanha e na França
acarretam consequências muito significativas(3). Em particular, essas
contradições do período considerado aqui, sobre as quais já falamos em
detalhes, decorrem disso, a saber, que a liquidação dos remanescentes do
feudalismo na Alemanha e o movimento pela unificação nacional, pela
libertação da Alemanha da dominação francesa, foram de maneiras
diferentes, rasgadas uma pela outra. Nessa encruzilhada histórica, os
românticos representavam um lado, a luta pela libertação nacional sob a
liderança prussiano-austríaca, e desde que essa linha, especialmente após a
vitória sobre Napoleão e sua derrubada, tornou-se cada vez mais
reacionária, até agora a maioria deles assumiu posições o obscurantismo
mais sombrio. (Não sendo capaz de resolver as contradições que surgiram
aqui, Fichte morre como filósofo.) Os alemães mais importantes desse
período - Goethe e Hegel foram os defensores de Napoleão.

A admiração de Goethe e Hegel por Napoleão é um fato muito


conhecido e comprovado para ser completamente negado pela historiografia
nacionalista alemã. Apesar de tudo isso, mesmo aqui eles tentam apagar os
traços desse culto, já que o culto a Napoleão se transforma em um culto
abstrato à genialidade. (Essa é, por exemplo, a literatura da época do
imperialismo, de Nietzsche a F. Gundolf, falsificando Goethe). Aqui estamos
interessados no conteúdo político específico do relacionamento de Hegel
com Napoleão. Encontra expressão não em suas obras, mas em suas cartas,
o que é facilmente explicado pelas relações políticas que prevaleciam na
Alemanha na época. Pode-se até notar que Hegel fala mais francamente
sobre essas questões em cartas ao seu amigo experiente, o filósofo I.
Nithammer.

Nessas cartas, as visões políticas de Hegel são reveladas sem


ambiguidade. No futuro, apresentaremos algumas de suas declarações, das
quais ficará completamente claro para o leitor que Hegel não admira
Napoleão como um gênio abstrato - isso geralmente é completamente
incomum para ele, como sabemos por sua interpretação do papel das
grandes pessoas na história. Ele admira Napoleão como um expoente do
legado da Revolução Francesa na Alemanha, em suma, Hegel, e durante
esse período, até a derrubada de Napoleão e, mais tarde, ele foi um firme
defensor da política da União do Reno.

487
Uma carta a Nithammer, na qual ele descreve suas impressões imediatas
após a batalha de Iena, é conhecida por todos. Vamos citar um trecho dele
apenas porque outras cartas deste período foram escritas após a conclusão
da Fenomenologia, e para mostrar que o desenvolvimento das visões
políticas de Hegel é uma linha reta - desde o reconhecimento do golpe de
estado de 18 de Brumário no artigo sobre direito natural até a derrubada de
Napoleão. Consequentemente, as visões políticas de Hegel e sua
interpretação da modernidade na Fenomenologia formam um todo
orgânico. Ele escreveu em 13 de outubro de 1806: "O próprio imperador -
esta alma do mundo - vi quando ele montou um cavalo em um
reconhecimento. Realmente se experimenta uma sensação incrível ao
contemplar uma pessoa que, estando aqui, neste lugar, montando um
cavalo”(4).

Em cartas posteriores, conteúdo político específico é expresso com


clareza ainda maior; em 29 de agosto de 1807, Hegel escreveu a
Nithammer: "Os teóricos alemães do direito estatal não escreveram um único
artigo sobre o conceito de soberania e o significado do ato de criação da
união. Todos os grandes teóricos do direito estatal vivem em Paris". Hegel
então fala sobre conflitos entre príncipes e propriedades em terras separadas
da União do Reno e acrescenta: "Tendo superado esses conflitos em
Württemberg, Napoleão disse furiosamente ao ministro de Württemberg: ‘Eu
tornei seus príncipes soberanos, não déspotas’. Se os príncipes alemães não
tinham a menor ideia de uma monarquia livre e não tentavam realizá-la,
Napoleão procurava organizar tudo. Afinal, às vezes algo completamente
diferente do que se pretendia". No mesmo espírito, ele escreve em 13 de
outubro de 1807: “Parece que instruções decisivas de Paris ainda não foram
enviadas; a julgar por alguns sinais, elas não apenas tocarão na divisão
externa das regiões, mas também afetarão a estrutura interna em benefício
dos povos"(5). De maneira semelhante, ele fala sobre a introdução do
“Código de Napoleão” na Alemanha em uma carta datada de 1º de
fevereiro de 1808: “No entanto, a importância do Código não pode ser
comparada com a importância da esperança de que pelo menos algumas
partes menores dos franceses ou constituições da Vestefália.
Voluntariamente, é improvável que isso ocorra pelos próprios motivos e
considerações, porque de onde eles virão? Isso acontecerá apenas se houver
a vontade do céu, ou seja, o imperador francês, e se as antigas variedades
características desaparecerem centralização e organização em que não há
justiça, nem garantia, nem popularidade, mas apenas a arbitrariedade e o
filosofismo de um indivíduo"(6).

Já é óbvio, pelos lugares citados, que Hegel nesses anos não era apenas
um defensor da política da União do Reno, mas também esperava que
Napoleão - por sua pressão energética sobre os príncipes alemães -
resolvesse qualquer problema em particular. Somente na questão da
488
completa centralização da administração ele, como vemos, não foi unânime
com Napoleão. Mas, por suas cartas, é muito claro que ele também viu nesse
assunto o que poderia ser melhorado durante o desenvolvimento do sistema
napoleônico. Portanto, ao criticar alguns dos detalhes desta questão, é
impossível construir qualquer oposição de Hegel ao regime napoleônico.

Hegel era muito cético em relação à luta de libertação dos alemães


contra Napoleão, e até o último momento ele esperava e esperava a vitória
do imperador. Hegel vê a queda de Napoleão como um evento trágico na
história do mundo, e seus escritos estão cheios de críticas duras à
mediocridade, que celebra seu triunfo. Muito tempo depois, Hegel não
conseguia lidar com essa situação e sempre esperava que o espírito do
mundo se esforçasse e enviasse ao inferno "pulgas e insetos triunfantes".
Somente mais tarde e muito gradualmente sua “reconciliação” vem com a
situação existente na Alemanha - uma declaração dos estádios individuais
desse desenvolvimento está fora do escopo de nosso estudo(7).

Apresentamos as visões políticas de Hegel em detalhes, porque elas


estão diretamente relacionadas aos problemas mais importantes da
Fenomenologia, em primeiro lugar, à avaliação histórica da modernidade e
à definição da essência da filosofia que compreende a modernidade que
segue essa definição. Em resumo, a posição inicial de Hegel é o ponto de
vista segundo o qual, após a crise global da revolução francesa no regime
estatal napoleônico, surge uma nova era mundial. E a filosofia de Hegel
deve se tornar uma expressão mental da revolução francesa. A definição
específica de Hegel de seu próprio sistema é que ele deve expressar
filosoficamente o nascimento de um novo período na história do mundo.

Rosencrantz publicou as palavras finais de Hegel, que ele disse no


outono de 1806 em palestras sobre a Fenomenologia: "Então, senhores,
abordei a formação da filosofia especulativa. Vamos considerá-lo como o
começo da filosofia que nos levará mais longe. Vivemos o período mais
importante da história - o período da fermentação, onde o espírito recebeu
um novo impulso para ir além de suas formas anteriores e encontrar uma
nova forma. Toda a massa de ideias, conceitos e relações anteriores se
decompôs e desapareceu como um sonho. Uma nova aparência do espírito
está sendo preparada. a filosofia deve acolher sua aparência e reconhecê-la,
enquanto o que não é filosofia, que não é capaz de resistir a ela, é atraído
para o passado, e a maioria inconscientemente aparece como um material
passivo de sua aparência. Filosofia, conhecendo o espírito como eterno”(8).

Esse entendimento é ainda mais claramente expresso nessa


apresentação programática, que é dada no prefácio da Fenomenologia. Aqui
Hegel enfatiza a necessidade de que a filosofia que expressa essa nova forma
de espírito no pensamento deva primeiro ter uma aparência abstrata, porque

489
a nova ainda não foi revelada na realidade, na vida histórica, ainda não se
dividiu em muitos pontos diferentes. Essa conexão entre filosofia e tempo
histórico é à base de toda a compreensão hegeliana do desenvolvimento do
pensamento humano. Mas é por isso que é necessário mostrar que, já na
época em que escrevia a Fenomenologia, ele entende sua filosofia como a
forma espiritual de uma nova etapa na história do mundo. Enquanto isso,
sua interpretação posterior da relação entre filosofia e o desenvolvimento da
história do mundo, como veremos, tornou-se completamente diferente -
mantendo alguns princípios gerais da relação entre história e filosofia do
mundo. Como essa pergunta é essencial para a compreensão do
desenvolvimento filosófico de Hegel, é necessário citar suas declarações com
mais detalhes:

"No entanto, não é difícil ver que nosso tempo é o momento do


nascimento e da passagem para um novo período. O espírito rompeu com o
mundo antigo de seu ser atual e sua ideia, está pronto para mergulhá-lo no
passado e está trabalhando em sua transformação. É verdade que nunca
permanece em repouso, mas está envolvida em um movimento contínuo
para frente, mas, assim como em um bebê ao nascer, após uma nutrição
longa e calma, o primeiro sopro de ar interrompe a gradual progressividade
de apenas crescimento quantitativo, um salto qualitativo é feito e o bebê
nasce, formando assim espírito. O Eu lentamente e silenciosamente maduro
para a nova forma, destrói uma partícula do prédio de seu antigo mundo
após o outro, a instabilidade da durar apenas alguns sintomas indicam
frivolidade, como o tédio, propagando no existente, o vago pressentimento
de algo desconhecido é todo um prenúncio da abordagem de algo mais.
Essa trituração gradual, que não mudou a face do todo, é interrompida por
um nascer do sol que imediatamente, como um relâmpago, ilumina a
imagem de um novo mundo.

No entanto, a realidade perfeita neste novo é tão pequena quanto em


um bebê recém-nascido; e essencialmente não se perca de vista isso. O
primeiro discurso é apenas seu imediatismo ou seu conceito. Assim como
um edifício não está pronto quando sua fundação é lançada, o conceito de
todo alcançado não é o todo em si. Onde queremos ver um carvalho com
seu tronco poderoso, com seus galhos crescidos, com uma massa de
folhagem, expressamos descontentamento quando uma semente nos é
mostrada. Portanto, a ciência, a coroa de certo mundo espiritual, não
termina no começo. O início de um novo espírito é o produto de uma
convulsão abrangente de diversas formas de educação, alcançada de
maneira extremamente tortuosa e ao custo de tanta tensão e esforço. Esse
começo é um todo que retornou a si mesmo a partir de uma sequência de
tempo, a partir de sua extensão espacial, é o conceito simples formado desse
todo. A realidade desse todo simples é que as formações mencionadas, que

490
se transformaram em momentos, novamente, mas em seu novo elemento, se
desenvolvem em um sentido e forma recém-adquiridos.

Enquanto a primeira manifestação do novo mundo, por um lado, é


apenas um todo envolto em sua simplicidade ou fundamento comum, pois a
consciência, pelo contrário, ainda não está perdida a memória da riqueza da
existência anterior. Em uma educação reemergente, ela não encontra
divulgação e distinção de conteúdo; mas, em menor grau, descobre que a
forma desenvolvida, devido à qual as diferenças são indubitavelmente
determinadas, e a ordem é introduzida em suas fortes relações. Sem esse
desenvolvimento, a ciência é privada de entendimento geral e parece estar
na posse esotérica de vários indivíduos: - na posse esotérica: pois está
disponível apenas em seu conceito ou apenas em seu ‘interno’; - vários
indivíduos: por sua falta de desenvolvimento torna o presente único.
Somente aquilo que está bem definido”(9).

É necessário repetir mais uma vez - aqui é impossível afirmar, mesmo


brevemente, todo o desenvolvimento subsequente da filosofia hegeliana.
Para nossos propósitos, basta trazer suas palavras claras e expressivas do
prefácio para a Filosofia do Direito (1820) sobre a relação da filosofia com
seu tempo, o que contradiz sua própria interpretação dada no prefácio da
Fenomenologia.

Enquanto na filosofia da “Fenomenologia” é entendida como um guia


para um mundo completamente novo, mais tarde, fornece uma
interpretação completamente oposta da relação de sua filosofia com a
modernidade, procedendo dos mesmos fundamentos metodológicos gerais:
“Vamos fazer mais uma observação sobre o ensino de como o mundo
deveria ser; acrescentamos ao exposto que, entre outras coisas, a filosofia
sempre chega tarde demais para esse ensino, como um pensamento sobre o
mundo, que só aparece quando a realidade completa sua imagem de
processo e completou-se. Ela ensina o conceito e a história também precisa
mostrar-nos que só maturidade atos realmente ideal, juntamente com o real
e constrói para si mesmo na imagem da esfera intelectual do mesmo mundo,
só para compreender em sua substância. Quando a filosofia começa a pintar
com sua tinta cinza sobre cinza, mostra que certa forma de vida envelheceu,
e com sua filosofia cinza sobre cinza pode não rejuvenescer, mas apenas
entendê-la; a coruja de Minerva começa seu voo apenas ao entardecer”(10).

A linguagem extremamente expressiva pela qual Hegel expõe seus


pensamentos nos dois casos revela com grande agudeza o contraste entre
eles: amanhecer ali, crepúsculo aqui; o início de uma nova era da história
mundial lá, o fim de certo período no desenvolvimento da humanidade
aqui. Como a filosofia de Hegel não é apenas uma expressão de uma
mudança de humor, então, como veremos, estamos falando nos dois casos

491
de uma diferença fundamental nas visões filosóficas e históricas sobre o
desenvolvimento dos tempos modernos, sobre o lugar histórico da
modernidade.

Essa nova periodização da era moderna é simplesmente explicada e


comprovada. O conceito filosófico e histórico geral não muda a partir do
período Iena. A característica da antiguidade, Grécia e Roma, permanece a
mesma do período Iena. O fato da descrição da antiguidade se expandir e se
enriquecer com grandes capítulos no mundo oriental não significa a
implementação de nenhuma mudança metodológica. O início deste
movimento já podemos observar em Frankfurt, e vemos que na
Fenomenologia um grande capítulo é dedicado às religiões orientais. Do
mesmo modo, Hegel considera a história medieval extremamente fluente
para permanecer inalterada. É dada maior importância apenas na estética e
na filosofia da religião, no entanto, uma forte tendência à periodização da
estética, que enfatiza a existência de uma era "romântica" na arte, não
significa de forma alguma concessão à glorificação da Idade Média, típica
dos românticos.

A mudança realmente significativa que podemos observar na filosofia da


história do final de Hegel em relação ao período de Iena diz respeito a um
novo tempo: durante o período de Iena, a Revolução Francesa e sua
superação (no sentido triplo hegeliano) de Napoleão são consideradas um
ponto de virada decisivo na história moderna. Essa virada, de acordo com
os pontos de vista de Hegel do período Iena, forma a base histórica para a
descrição acima da situação na filosofia moderna, para determinar a
essência e as tarefas reais do sistema científico na interpretação da
modernidade. Em palestras posteriores sobre a filosofia da história, pelo
contrário, a Reforma ocupa um lugar central na história da Idade Moderna,
que no período de Iena, Hegel atribuiu à Revolução Francesa e Napoleão.

Consideramos brevemente as declarações mais importantes de Hegel


sobre essa nova periodização da era moderna. Ele chama o renascimento
das ciências, o florescimento das artes plásticas, a descoberta da América e a
jornada para as Índias Orientais "o amanhecer da manhã, que após longas
tempestades pela primeira vez prenuncia um belo dia novamente". Mas o
resultado todo transformador deste período é a Reforma: "Primeiro devemos
considerar a reforma como tal, todo o sol transformador que surgiu após o
mencionado amanhecer e o fim da Idade Média (...)"(11).

O fato de que esta imagem, como sempre com Hegel, não é apenas
uma imagem, mas uma expressão sensivelmente vívida de pensamentos
essenciais, mostra sua descrição detalhada da mudança histórica que ocorre
na Reforma, ou seja, na sua forma Luterana: "Para os luteranos, a verdade
não está pronta um objeto, mas o próprio sujeito deve tornar-se verdadeiro

492
renunciando seu conteúdo privado por uma verdade substancial e
assimilando essa verdade a si mesmo (...). Graças a isso, a última bandeira
se desdobra em torno da qual os povos se reúnem, a bandeira do espírito
livre, que é em si mesmo, ou seja, na verdade, e somente nele, é em si
mesmo. Esta é a bandeira sob a qual servimos e que carregamos. A era que
começou desde então e continua agora, não teve e não tem outra tarefa
senão a implementação deste princípio no mundo”(12).

Já enfatizamos que o entendimento metodológico geral de Hegel da


maneira de instituir, o autoposicionamento de ideias na realidade histórica
não mudou. A avaliação específica de Hegel maduro sobre onde e quando a
reviravolta decisiva na história da Idade Moderna realmente ocorreu
mudança. Do ponto de vista metodológico, sua interpretação do surgimento
do Novo Tempo, seu caráter como "conceito simples", que se concretiza
gradualmente, se fragmenta em momentos e permeia toda a realidade,
permaneceu inalterado. Apenas uma coisa mudou - o falecido Hegel conecta
a realização desse momento não com sua era contemporânea, mas com a
era da Reforma. "Essa reconciliação do estado e da igreja veio diretamente
para si. Ainda não há transformação do estado, o sistema de direitos, porque
o que é justo por si só deve primeiro ser encontrado pelo pensamento. As
leis da liberdade ainda precisam se transformar em um sistema do que é
justo em si e por si mesmo. O espírito não é imediatamente após a reforma
emergir nesta perfeição, porque se limita a mudanças imediatas, por
exemplo, a destruição de mosteiros, bispados, etc. A reconciliação de Deus
com o mundo foi primeiramente expressa de forma abstrata, mas ainda não
no sistema do mundo moral”(13).

Pensamos que a identidade metodológica dessas descrições da essência


da nova ideia emergente, seu caráter abstrato e pouco desenvolvido, cuja
unilateralidade leva à decadência, com os argumentos da "Fenomenologia
do Espírito", é óbvia para todos. Mas para um pensador historicamente
específico e metodologicamente consistente como Hegel, é
significativamente diferente se a ideia acaba por ser de natureza simples no
momento do surgimento da própria filosofia, ou se a filosofia assume esse
tipo de caráter três séculos após a revolução histórica mundial, depois a ideia
permeia todas as áreas da vida e do pensamento humano. Uma
comparação da filosofia com a "coruja de Minerva", voando apenas à noite,
é uma consequência necessária de uma compreensão filosófica e histórica
concreta dos tempos modernos.

Naturalmente, e mais tarde, na Filosofia da História de Hegel, a


Revolução Francesa também é avaliada extremamente positivamente.
Embora essa avaliação seja bem conhecida e frequentemente citada, ainda
queremos dar, e a análise dessa avaliação e de outras declarações de Hegel,
complementando e concretizando, mostra direta e claramente que a alta

493
avaliação da Revolução Francesa permaneceu inalterada e é fundamental
para a periodização da filosofia a história do final de Hegel, segundo a qual
a era moderna começa com a Reforma, e todo desenvolvimento
subsequente implica apenas sua concretização e implantação, mas não pode
criar nada fundamentalmente novo. Hegel fala da Revolução Francesa:
“Como o sol está no céu e os planetas giram em torno dele, não se vê que
uma pessoa fique de cabeça para baixo, ou seja, confiou em seus
pensamentos e construiu a realidade de acordo com eles. Anaxágoras disse
primeiro que (a mente) governa o mundo, mas só agora o homem
reconheceu que o pensamento deveria governar a realidade espiritual. Então
foi um nascer do sol magnífico. Todos os seres pensantes celebraram esta
época. Naquela época, um sentimento elevado e tocante reinou supremo, o
mundo foi tomado de entusiasmo, como se só agora a verdadeira
reconciliação do divino com o mundo"(14).

Enfatizando essas palavras, queremos chamar a atenção do leitor para o


fato de Hegel fazer aqui algumas reservas estilísticas. Ele sugere que as
pessoas foram abraçadas pela fé subjetiva, entusiasmo por uma virada
completamente nova no processo histórico, mas essa virada já foi
objetivamente já realizada na era da Reforma. Mas se examinarmos mais
detalhadamente o conteúdo dessa revolução, encontraremos nela o mesmo
conteúdo que Hegel revelou ao caracterizar a Reforma. Ao avaliar citações
das palestras de Hegel, encontramos uma dificuldade - não sabemos
exatamente quando essas declarações foram feitas. Esses livros foram
compilados por seus alunos, a partir dos resumos de Hegel ou das notas dos
ouvintes de suas aulas. Neste último caso, a hora de suas preleções era
exatamente conhecida, no primeiro caso, ninguém investigou a época em
que Hegel escreveu seus resumos. Seus alunos criaram um único texto a
partir de materiais completamente diferentes no tempo, sem pensar que
havia um intervalo de tempo entre dez e vinte anos entre as declarações
individuais de Hegel. Como não conhecemos as várias "camadas do tempo"
nessas palestras, devemos ter muito cuidado ao tentar tirar certas conclusões
delas a respeito do desenvolvimento das visões de Hegel.

Entretanto, nossa tarefa não é distinguir entre os estádios individuais no


desenvolvimento das visões do falecido Hegel. Com base na análise dos
textos posteriores de Hegel, cuja data não resta dúvida, procuramos
identificar certa linha de desenvolvimento de seus pontos de vista e
substanciar nossa compreensão deles. Portanto, acreditamos que basta
apontar o oposto geral entre a periodização filosófica e histórica de Hegel no
período Iena e no período após a queda de Napoleão. Para esse fim, parece
bastante convincente para nós citar uma série de lugares dessas aulas,
embora não saibamos exatamente a que período as declarações de Hegel se
referem.

494
A ideia principal das palestras sobre a filosofia da história é que um
golpe de estado social como a Revolução Francesa foi possível e necessário
apenas em países onde a Reforma não venceu. Hegel expressa
repetidamente essa ideia com total clareza. Ele toma como ponto de partida
o fato de que o movimento que começou com a Revolução Francesa nos
países romanos dominados pelo catolicismo não leva à estagnação, que
reação e revolução são inseparáveis entre si com o ritmo acelerado
correspondente do desenvolvimento histórico. Hegel vê a razão desse
movimento conturbado no fato de esses países permanecerem católicos.
"Assim, a abstração do liberalismo da França percorreu todo o mundo
românico, mas devido à escravidão religiosa, este mundo permaneceu uma
opressão política restrita. O fato é o princípio”(15).

Essa visão decorre do fato de Hegel, listando as razões que levaram à


Revolução Francesa, considerar a principal e decisiva razão pela qual "ela (o
governo - G.L.) era católica e, portanto, o conceito de liberdade, a mente
das leis não foram reconhecidas por último, uma obrigação absoluta, uma
vez que uma consciência santa e religiosa foi separada deles"(16).

Por outro lado, Hegel explica porque uma revolução semelhante à


francesa não foi realizada na Alemanha, por que uma revolução não era
absolutamente necessária aqui. "Na Alemanha, tudo nos assuntos seculares
já foi aprimorado graças à Reforma (...). Consequentemente, o princípio do
pensamento já estava amplamente satisfeito, e o mundo protestante sabia
que a reconciliação acima consiste no princípio a partir do qual se segue o
desenvolvimento do direito"(17).

Uma revolução como a francesa, portanto, é considerada na filosofia


posterior da história de Hegel como uma tentativa fútil dos povos de
alcançar de maneira mundana a reconciliação da razão com a realidade que
foi realizada na Alemanha pela Reforma. No entanto, formas específicas de
religião positiva na filosofia da história de Hegel recebem um papel e
significado que não tiveram no período Iena. Qual é a função metodológica,
filosófica e histórica da religião na "Fenomenologia", revelaremos mais
detalhadamente mais adiante. Aqui devemos primeiro enfatizar que em
"Fenomenologia" estamos falando sobre religião em geral e,
consequentemente, sobre a religião cristã como um todo.

No período ienense, Hegel não se concentrou na diferença entre


catolicismo e protestantismo (e nem mesmo na diferença entre luteranismo e
calvinismo, que desempenha um papel importante na filosofia tardia da
história). Escusado será dizer que ele nega o problema relacionado a isso,
não desempenha o papel que adquiriu na filosofia da história posterior(18).

495
Na filosofia da história do Hegel maduro, não se trata mais do
cristianismo em geral, mas das diferenças específicas entre o catolicismo e as
várias formas de protestantismo.

É impossível descrever em detalhes o desenvolvimento posterior de


Hegel, e tentaremos mostrar que esse entendimento - que descrevemos
acima em termos gerais e segundo o qual a Reforma representa uma virada
decisiva nos tempos modernos, e a diferenciação dos países europeus mais
importantes em católicos e protestantes é uma base decisiva para a
instituição de seus destinos estatais e sociais - fortalecidos por Hegel
posteriormente, especialmente no período de Berlim, e estão ficando cada
vez mais claros e claramente expressos. Na primeira edição da Enciclopédia
(1817, Heidelberg), não encontramos sequer vestígios desse entendimento.
No primeiro grande trabalho do período de Berlim - Filosofia do Direito
(1820), essa ideia já está claramente expressa. Aqui Hegel fala da atitude da
Reforma em relação ao desenvolvimento do Estado no sentido moderno da
palavra. "Portanto, é tão errôneo considerar que seria lamentável para o
Estado separar a igreja, que só pode se tornar o que é por definição, a saber,
racionalidade e moralidade autoconscientes"(19).

Esse entendimento é encontrado ainda mais distintamente na segunda


edição da Enciclopédia (1827). Em polêmica com os filósofos católicos do
período da Restauração, Hegel diz: “A religião católica tem sido tão
aclamada e frequentemente elogiada, e agora ainda é elogiada como tal, na
qual a única coisa é garantir a força dos governos - de fato, esses governos
que estão associados a instituições baseadas na falta de liberdade de espírito,
que deve ser legal e moralmente livre, isto é, em instituições de ilegalidade e
em um estado de corrupção moral e barbária". Na terceira edição (1830), ele
faz a seguinte inserção neste parágrafo: "Esses governos não sabem, no
entanto, que no fanatismo eles lidam com força terrível, que somente até
então e somente sob essa condição não os opõe hostilmente, enquanto eles
mesmos permanecem cativos à ilegalidade e à imoralidade. Mas no espírito
há outro poder (...) conhecimento sábio do que é realmente justo e razoável
em si e por si mesmo"(20). Já está claro a partir dessas citações que Hegel
constantemente desenvolvia a ideia, que, com toda a probabilidade, já era
aceita por ele como ponto de partida no período de Berlim.

A avaliação deste período está além do escopo de nosso estudo. Como


existem materiais extremamente insignificantes, ele não pode deixar de ser
superficial. A análise e avaliação reais da forma de "reconciliação" com a
realidade, característica do período de Berlim no desenvolvimento das visões
de Hegel, devem ser tarefas dos estudos marxistas subsequentes sobre o
desenvolvimento da filosofia hegeliana tardia. Observaremos brevemente os
pontos de vista aos quais prestamos atenção, a saber, que o Hegel maduro
está muito mais próximo da realidade histórica concreta da então Alemanha

496
do que na época em que esperava uma transformação radical da Alemanha
com a ajuda da política da União do Reno de Napoleão. É necessário
analisar todo o material disponível para mostrar onde e no que é o realismo
de Hegel um passo à frente no conhecimento da realidade objetiva e onde
ele se transforma na afirmação de "positivismo acrítico". Essas tendências
coexistem nos trabalhos do Hegel maduro. Também é necessário descrever
especificamente o confronto dessas tendências e revelar o preço da forma
madura de sistematização de seus pontos de vista que Hegel realiza em
trabalhos posteriores.

Mas, sem iniciar uma descrição detalhada do desenvolvimento posterior


das visões de Hegel ou avaliar a linha geral de seu desenvolvimento,
devemos, no entanto, fazer uma observação para evitar qualquer tipo de
mal-entendido: se uma mudança na compreensão da história de Hegel em
comparação com a filosofia da história do período de Iena pode ser
interpretada como um movimento à direita, como uma adaptação às
relações sociais existentes na Alemanha, a "coruja de Minerva" hegeliana
nunca foi um corvo que come carniça - um símbolo de reação durante o
período da Restauração. Longe vão os dias em que os críticos liberais
repreenderam Hegel pela reconciliação com a realidade, agora ele é
glorificado pelos fascistas e semifascistas justamente por esse tipo de falsa
simpatia. O fato é que Hegel, mesmo nesse período, constantemente lutou
contra o liberalismo alemão. Mas em primeiro lugar é necessário examinar
essa luta ideológica em detalhes e apenas com base no conhecimento real se
pode julgar se certas tendências da época são progressistas ou reacionárias,
em todos os casos se foi à luta reacionária de Hegel contra o liberalismo.
Assim, por exemplo, a crise da constituição em Württemberg (1815 - 1816)
levou Hegel a uma forte luta ideológica com os defensores dos direitos das
antigas propriedades e a apoiar a emenda da constituição "de cima". Mas se
lermos atentamente sua justificativa, poderá ver que ele está apenas
combatendo os defensores conservadores da "antiga lei" e ironicamente
contrastando-os com o grande exemplo do povo francês, que destruiu os
"velhos direitos" do feudalismo. Em segundo lugar, não devemos perder de
vista o fato de que, na "Filosofia do Direito", há nítidas, declarações
polêmicas contra os ideólogos da Restauração, contra Savigny e Galler.
Consequentemente, uma definição concreta das tendências políticas do
Hegel maduro em qualquer caso não pode ser uma tarefa fácil; qualquer
frivolidade aqui significa uma aproximação com as variantes reacionárias da
falsificação de Hegel.

Da mesma forma, do significado exagerado que as religiões positivas


recebem na filosofia da história do Hegel maduro, é impossível tirar uma
conclusão precipitada sobre a crescente religiosidade de Hegel, embora a
religião tenha um papel muito maior nas obras do Hegel maduro do que nas
obras do jovem Hegel. A atitude de Hegel em relação à religião era muito
497
controversa e ambígua. Um caráter semelhante de sua atitude em relação à
religião foi reconhecido por ambos os oponentes da direita e seus defensores
- os hegelianos de esquerda. Não estabelecemos o objetivo de descrever em
todos os detalhes os ataques a Hegel por reacionários religiosos. Apenas
para que o leitor possa entender quão ferozes foram os ataques à filosofia
hegeliana, citemos a declaração de Friedrich Schlegel sobre o período de sua
reaproximação com a Igreja Católica sobre a "filosofia de negação" de
Hegel:” A atitude positiva de Hegel em relação à religião por parte dos
hegelianos de esquerda não foi muito apreciada”(21).

O notável poeta Heinrich Heine, que, segundo Engels, foi um dos


poucos que entendeu a essência revolucionária da dialética hegeliana, foi ao
mesmo tempo um dos primeiros a traçar uma linha de demarcação
acentuada entre a visão exotérica de Hegel da religião como uma forma de
espírito absoluto e seu ateísmo como esotérico, ensino. Ao mesmo tempo,
Heine parece certo que a filosofia exotérica está ligada à adaptação externa
de Hegel às relações políticas da então Alemanha. Ainda o aluno de Hegel,
Heine também disse em sua resenha do ateísmo: "(...) eu estava atrás do
maestro quando ele compôs música (música do ateísmo. - G. L.), é claro,
com sinais muito obscuros e pretensiosos para que nem todos pudessem
decifrá-lo - às vezes eu via como ele olhava com medo ao redor, com medo
de que ele fosse entendido (...) Quando certa vez expressei insatisfação com
suas palavras - " Tudo o que existe é racional ", ele riu estranhamente e
observou que eles também poderiam significar o seguinte: ‘Tudo o que é
racional deve ser real’ (...) Foi assim que eu entendi por que ele afirmou na
Filosofia da História: o cristianismo já portanto, é de progresso que ele
ensina sobre um deus que morreu, enquanto os deuses pagãos não Se eles
são propensos à morte. Então, que progresso é esse quando Deus nem
sequer existia!"(22).

Os estudiosos burgueses frequentemente duvidam da autenticidade


dessa conversa entre Hegel e Heine. Para os propósitos de nosso livro, não
faz diferença se essa conversa realmente ocorreu entre Hegel e Heine dessa
forma ou não. É importante para nós que os intelectuais radicais das
décadas de 30 e 40 do século passado compreendam e interpretem a atitude
de Hegel em relação à religião dessa maneira. Isso é característico não
apenas para Heine, mas também para toda a ala radical dos jovens
hegelianos. A voz da trombeta do juízo final de Hegel é um livro de
declarações hegelianas composto de forma inteligente que mostra seu
movimento político em direção à revolução e a evolução de suas visões
religiosas em relação ao ateísmo.

É característico do período ienense no desenvolvimento de Hegel que


essa linha "esotérica" na atitude hegeliana em relação à religião tenha sido
expressa abertamente. Em um dos fragmentos das palestras de Hegel,

498
publicadas por Rosencrantz, encontramos, por exemplo, o seguinte ditado:
“É claro que o verdadeiro deve ser apresentado a nós na religião, mas para
nossa educação a fé é algo transitório; a mente é fortalecida e com ela
enrijecida e fortalecida, o requisito de que não devemos acreditar na
verdade, mas devemos saber que não apenas a contemplamos, mas também
a compreendemos. O indivíduo conhece bem a verdade de sua
personalidade, que descreve o caminho de sua existência, mas espera
realizar a vida universal, filosofia"(23).

Mais ainda, essa linha "esotérica" na atitude hegeliana em relação à


religião é expressa em suas anotações manuscritas. Existem várias
expressões humorísticas sobre o caráter passageiro e a irrelevância da
religião. Vamos citar como exemplo apenas uma afirmação: "Na Suábia, diz-
se que existe algo que existe há tanto tempo que não é verdade há muito
tempo. Então, Cristo morreu há tanto tempo pelos nossos pecados que não
é mais a verdade"(24). Ainda mais acentuadamente são aqueles lugares em
que Hegel, pela primeira vez, fornece uma formulação bem conhecida e
frequentemente citada de que a vitalidade das partes é revelada em seus
cismas. Se lembrarmos que Hegel usa esse aforismo nos cadernos de
anotações ao analisar a religião, e em "Fenomenologia" ao analisar o
Iluminismo, a linha geral de desenvolvimento das visões de Hegel ficará
clara. Nos cadernos de anotações, Hegel escreve: "Um partido existe quando
se desintegra internamente. Tal é o protestantismo, cujas diferenças devem
agora ser superadas através da criação de vários sindicatos; isso é prova de
que o protestantismo não existe mais. Afinal, as diferenças internas são
constituídas como a realidade, juntamente com a ascensão do
protestantismo, todas as divisões do catolicismo cessaram, e agora a verdade
da religião cristã está para sempre provada, no entanto, desconhecido para
ninguém. Afinal, não lidamos com os turcos"(25). Na Fenomenologia, essa
ideia é usada para compreender as diferenças dentro do Iluminismo.
Embora essa ideia deva provar que a religião cristã já perdeu sua vida real
nos tempos modernos, a Fenomenologia comprova com sua ajuda a
vitalidade do Iluminismo: “Uma parte acaba sendo a vencedora apenas
porque se divide em duas partes, porque com isso, ela mostra que ela
própria é inerente a possuir o princípio que contestou e que, ao fazê-lo,
superou a unilateralidade com que falou antes (...) Assim, a discórdia que
surgiu em uma das partes, que parece ser infeliz, nociva, acaba por ser sua
felicidade”(26).

Já falamos sobre a verdadeira natureza do entendimento hegeliano da


religião ao discutir os lugares correspondentes da Fenomenologia. Aqui é
necessário apenas enfatizar que a natureza ambígua da atitude de Hegel em
relação à religião, por um lado, não era uma característica do período
exclusivamente ienense, com as modificações correspondentes que passam
por todo o desenvolvimento das visões de Hegel, mas, por outro lado, no
499
período iene parece muito mais clara e mais francamente. do que nos
trabalhos subsequentes de Hegel, uma vez que, na filosofia da história de
Hegel, as religiões positivas individuais estão se tornando cada vez mais
importantes. O dualismo entre a atitude esotérica e exotérica de Hegel em
relação à religião, revelada por nós em suas obras de Iena, parece muito
mais justificado se compararmos a filosofia da religião do período Iena com
as visões francamente cínicas de Napoleão sobre religião, que já citamos.
Esse paralelo, é claro, não esgota a complexidade da atitude de Hegel em
relação à religião, mas contribui muito para uma melhor compreensão de
alguns dos componentes de sua atitude em relação à religião.

(1) Hering, T. Die Entehungsgescchichte der Phanomenologie des Gesteis //


Verhandunglen des dritten Hegelkongresses, 1933. Haarlem. Tubinga, 1934,
p. 126, 130, 137. (retornar ao texto)

(2) Haym, R. Hegel und Sein Zeit, 1887, 2, Aufl. Leipzig, 1927, p. 258.
(retornar ao texto)

(3) Fiz um relato detalhado do desenvolvimento da burguesia alemã e suas


consequências ideológicas no artigo “Karl Marx e F. T. Fischer”. Cf.:
Contribuição à História da Estética, 1954. (retornar ao texto)

(4) Hegel, obras de diferentes anos, Tomo 2, p 255. (retornar ao texto)

(5) Hegel, obras de diferentes anos, Tomo 2, p 281. (retornar ao texto)

(6) Loc. cit., p. 291. (retornar ao texto)

(7) Para os pontos de vista de Hegel após a derrubada de Napoleão, veja a


carta de Nithammer, de 29 de abril de 1814. A indignação de Hegel pela
mediocridade daqueles estratos que se tornaram dominantes durante o
período de restauração não pode ser interpretada em um sentido romântico
como um contraste entre gênios solitários e a mediocridade humana
universal. Uma crítica semelhante pode ser encontrada entre os
proeminentes escritores realistas franceses – Balzac, e especialmente
Stendhal. Além disso, o significado desse desprezo pela mediocridade está
claramente expresso nas cartas de Hegel. Então, na carta que citamos, ele
zomba daqueles que esperam retornar os “bons velhos tempos” e se refere
ao clima que prevalecia em Nuremberg, onde ele morava na época e onde
muitos esperavam da Restauração a volta da antiga “independência”.
(retornar ao texto)

(8) Rosenkranz, K, op cit, p 214. (retornar ao texto)


500
(9) Hegel, op. Tomo IV, p. 6-7. É fácil ver quais Hegel concentra os
problemas da “Fenomenologia” em torno de fatos históricos, que ela fala do
significado filosófico de uma era completamente nova na história do mundo.
Até a natureza esotérica da filosofia, que ele busca superar em suas críticas a
Schelling na Fenomenologia, aparece como resultado desse estado de
mundo. A explicação histórica da filosofia de Schelling, é claro, não suaviza
a severidade da luta de Hegel contra ela. (retornar ao texto)

(10) Hegel Op Tomo VII, p. 17-18. (retornar ao texto)

(11) Hegel Op Tomo VIII, p. 385. (retornar ao texto)

(12) Loc cit, p 388-389. (retornar ao texto)

(13) Loc cit, p 394-395. (retornar ao texto)

(14) Loc cit, p 413-414. (retornar ao texto)

(15) Loc cit, p 418-419. (retornar ao texto)

(16) Loc cit, p 413. (retornar ao texto)

(17) Loc cit, p 411-412. (retornar ao texto)

(18) O anti-abandono do catolicismo e o protesto anti-romantismo


frequentemente encontrado no período de Iena é a oposição ao abandono
do catolicismo como religião estética, como uma “religião artística” de
oposição contra o protestantismo como religião de prosa vitoriosa. A partir
desse fato, alguns intérpretes modernos de Hegel concluem a existência de
simpatias de Hegel pelo Romantismo no período de Iena. Mas mesmo aqui
os pensamentos de Hegel não são entendidos e distorcidos. Afinal Hegel fala
mais detalhadamente sobre essa oposição, como por exemplo, no fragmento
publicado por Rosenkrantz, o catolicismo é claro se caracteriza como uma
“religião da beleza”, e o anti-abandono, como uma manifestação de
crescente estranheza, como sintoma dessa crise, a partir da qual, segundo
Hegel, surge a necessidade de o espírito retornar a si mesmo de seu
“estranhamento” (EntäuBerung). Como já conhecemos as ideias hegelianas
do período ienense sobre uma maneira específica de manifestar a religião,
sobre as razões históricas e as consequências filosóficas disso, fica claro que
Hegel coloca o protestantismo no mais sentido filosófico e histórico do que o
catolicismo e, portanto, como em outros lugares, fortemente contra os
românticos. O fragmento, que provavelmente foi escrito nos primeiros anos
antes do período de Iena, busca uma solução para esse problema na
formação de uma nova terceira religião, portanto reflete um nível mais baixo
no desenvolvimento das visões filosóficas e históricas de Hegel do que na
Fenomenologia, mas ainda assim seu conteúdo é diretamente o oposto ao

501
retorno romântico ao catolicismo, que encontrou expressão muito cedo, por
exemplo, em Novalis. (retornar ao texto)

(19) Rechtsphilosophie, p 219,270. (retornar ao texto)

(20) Hegel, op Tomo III, p. 337. (retornar ao texto)

(21) Schelegel F., Philosophie Vorlesungen. Bonn, 1837, p 497. (retornar ao


texto)

(22) Heine, Werke. Elster, Tomo IV, p 148. (retornar ao texto)

(23) Rosenkranz, K., op cit., p. 182. Este é consoante com a ideia no artigo
“A diferença entre os sistema de Filosofia de Fichte e Schelling”, onde Hegel
diz que em religião moderna existe o lado da educação. Cf.: Esrte
Druckschriften. O mesmo entendimento ocorre na Fenomenologia. (retornar
ao texto)

(24) Rosenkranz, K, op cit., p 541. (retornar ao texto)

(25) Ibid., p 537. (retornar ao texto)

(26) Hegel Op Tomo IV, p. 309-310. (retornar ao texto)

502
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo IV – O rompimento com Schelling e a fenomenologia do


espírito (Iena, 1803-1807)
3 – Ensaio sobre a estrutura da "Fenomenologia do Espírito"

O método da "Fenomenologia do espírito" baseia-se na unidade de


métodos de consideração históricos e sistemáticos, na convicção de que
existe uma profunda ligação interna entre a sequência lógica e metodológica
das categorias, sua ordem dialética e o desenvolvimento histórico da
humanidade. Se quisermos entender corretamente a natureza do
historicismo de Hegel, essa radicalização histórica da filosofia, não devemos
perder de vista dois pontos metodologicamente importantes, segundo os
quais Hegel aqui também é, em certa medida, o predecessor do
materialismo histórico e graças ao qual ele defende posições que são
fortemente opostas às posições da burguesia moderna tardia. Esses
momentos são completamente mal interpretados e, na maioria dos casos,
geralmente são ignorados pelos intérpretes burgueses de Hegel.

O primeiro ponto é que, para Hegel, apenas o espírito como um todo


tem uma história real. Ideias modernas sobre certas áreas da ideologia – por
exemplo, a história do direito, arte, literatura etc. – como áreas
especializadas da história são completamente estranhas a Hegel. Mesmo
quando, em períodos posteriores, ele desenvolveu um campo privado de
ideologia, por exemplo, estética, e então ele conta a história do
desenvolvimento de todo o espírito – embora com referência especial a um
local específico da arte.

Essa ideia é expressa na Fenomenologia com grande clareza: "Somente


o espírito como um todo está no tempo, e as formas que são as formas do
espírito como um todo se manifestam em uma sequência [cronológica]; pois
somente o todo tem realidade no sentido apropriado e, portanto, – aquela
forma de pura liberdade em relação à outra, que é expressa como o tempo.
Os momentos do todo, consciência, autoconsciência, mente e espírito, por
serem momentos, não têm um ser diferente entre si"(1).

Se considerarmos essa ideia metodologicamente importante expressa


por Hegel, seu verdadeiro conteúdo e as reais consequências dela no
conceito histórico de desenvolvimento humano, sem tirar esse pensamento
do conceito sem dúvida idealista como um todo, podemos ver claramente a
conexão entre a linha principal da metodologia de Hegel e essa
compreensão da história, que é expresso por Marx na “ideologia alemã” nas
503
seguintes palavras: “... moralidade, religião, metafísica e outros tipos de
ideologia e as formas correspondentes de consciência perdem sua aparência
de independência, sem história, não têm desenvolvimento, as pessoas,
desenvolvem a sua produção material e suas relações material, alteram,
junto com esta sua realidade e seu pensamento e os produtos do seu
pensamento”(2).

Certamente, também é muito óbvio aqui, quão grande é a oposição


entre Marx e Hegel nessas declarações metodologicamente próximas, como
a "virada materialista" da dialética idealista de Hegel é necessária nesses
casos. “A virada do espírito da cabeça aos pés”, realizada pela compreensão
da primazia do método de produção e da natureza secundária da ideologia,
não é apenas uma mudança de signo, mas uma profunda transformação de
todos os aspectos substantivos e ideológicos da história. No entanto, para
todos esses opostos, não se pode deixar de ver quão grande é o movimento
de Hegel na interpretação da história em direção ao materialismo histórico.

O segundo ponto importante é a ideia de que o que foi criado pelo


desenvolvimento da humanidade é um produto do desenvolvimento
histórico e deve ser compreendido em sua gênese durante esse
desenvolvimento; No entanto, esse entendimento histórico das tendências e
resultados do processo histórico não contém nenhum relativismo histórico.
No curso do desenvolvimento histórico em vários campos, são alcançadas
verdades absolutas, cuja ocorrência é sempre determinada historicamente,
mas cuja essência nunca pode ser esgotada, mesmo com o conhecimento
mais preciso de sua gênese histórica. O historicismo de Hegel não tem nada
a ver com o relativismo histórico que desliza para o misticismo e que é
característico da filosofia reacionária da história alemã, de L. Ranke a O.
Spengler. No futuro, consideraremos esse problema com mais detalhes,

O método e a estrutura da "Fenomenologia do Espírito" são


determinados pelo historicismo de Hegel. Essa é uma forma específica de
constante unificação e separação da história e comunicação sistêmica. Os
intérpretes burgueses da Fenomenologia nunca entenderam as
especificidades dessa forma. A incapacidade de reverter o método hegeliano
na Fenomenologia foi expressa de maneira mais explícita e nítida por Haym.
Resumindo suas impressões – caso contrário, é impossível avaliar seu
raciocínio – Haym escreveu: "A história da fenomenologia é uma história
completamente livre da lei da cronologia. Às vezes, a ordem cronológica da
história do mundo serve como um fio condutor através do qual a dialética se
move de um fenômeno psicológico para outro. Em outro lugar, o motivo do
movimento dialético é a natureza de propriedades puramente psicológicas
ou lógicas, e longe um do outro, os fatos históricos distantes se aproximam,
obedecendo a essa distribuição, em um todo e condicionada temporária e
historicamente – eles são separados um do outro. Ao tentar manter um ou

504
outro segmento, se sente algum tipo de estado excruciante. Em poucas
palavras: fenomenologia nada mais é do que psicologia, na qual a
intervenção da história provocou desordem e confusão; ao mesmo tempo,
esta é uma história chocada em seu curso interno pela intervenção da
psicologia"(3). Esse reconhecimento abertamente expresso de seu desamparo,
em nossa opinião, é muito mais bonito devido à sua honestidade subjetiva
do que as explicações "pensativas" e "abstrusas" dos intérpretes modernos.

F. Engels deixou um esboço metodológico claro para entender a


"Fenomenologia do espírito". Ele disse que ela poderia ser "chamada de
paralelo da embriologia e paleontologia do espírito, um reflexo da
consciência individual em vários estágios de seu desenvolvimento,
considerada uma reprodução abreviada dos passos historicamente passados
pela consciência humana"(4).

Não é por acaso que Engels formulou de maneira tão clara e expressiva
a principal ideia metodológica da “Fenomenologia”, enfatizando a conexão,
desconhecida pelo próprio Hegel e seu método inconsciente, com os
resultados posteriores da aplicação da doutrina evolutiva à natureza e à
história. O mal-entendido dos intérpretes burgueses de Hegel se deve ao fato
de que, sendo hostis à doutrina geral do desenvolvimento na natureza e na
sociedade, lutando contra ele e tentando difama-lo, eles não querem e não
podem entender as grandes ideias que estão se movendo nessa direção.

Hegel descreveu claramente o problema metodológico fundamental de


seu trabalho.

Da controvérsia de Hegel com Schelling, sabemos que a tarefa da


Fenomenologia é dar à consciência comum uma escada com a qual ela
possa subir a um ponto de vista filosófico. Mas Hegel considera esse
problema não abstrata e metodologicamente, mas em sua profunda
concretude histórica: o caminho pelo qual cada indivíduo deve passar da
consciência comum para o filosófico é o caminho do desenvolvimento da
humanidade, resultado abreviado de toda a experiência da raça humana e,
como tal, representa – deste ponto de vista – o próprio processo histórico.

A chamada arbitrariedade na seleção de momentos históricos, que


ilumina esse caminho e determina a escolha da direção, resume-se ao fato
de que o domínio consciente do indivíduo da experiência genérica é
necessariamente um processo abreviado, cobrindo os pontos nodais mais
importantes dessa linha de desenvolvimento. Certamente, esse
encurtamento do caminho também é puramente relativo: um domínio
simples e abstrato dos resultados simples não pode levar a um resultado real,
a um verdadeiro domínio da experiência genérica do desenvolvimento
humano.

505
Se Aristóteles formulou uma grande verdade, definindo uma pessoa
como um "animal público", Hegel especificou essa grande verdade, vendo
no homem um "animal histórico". O próprio Hegel formula essa relação de
experiência genérica individual no prefácio da Fenomenologia e,
percebendo o profundo significado desse pensamento para entender todo o
trabalho, é necessário dar a afirmação correspondente de Hegel o mais
plenamente possível:

"A tarefa de tirar um indivíduo de seu ponto de vista não educado e


levá-lo ao conhecimento deve ser entendida em seu sentido geral, e o
indivíduo universal, isto é, um espírito com autoconsciência, deve ser
considerado em sua educação... Um indivíduo cuja substância é um espírito
superior percorre é o passado como alguém que, embarcando em uma
ciência superior, observa as informações preparatórias que ele aprendeu há
muito tempo para atualizar seu conteúdo, ele as lembra sem interesse e sem
demorá-las. conteúdo sobre percorrem os estágios de formação do espírito
universal, mas como formas já abandonadas pelo espírito, como estágios de
um caminho já desenvolvido e alinhado... Este ser do passado já é a posse
Adquirida desse espírito universal, que é a substância do indivíduo e,
portanto, lhe aparece externamente, – sua natureza inorgânica – Nesse
aspecto, a educação, se a considerarmos do lado do indivíduo, é que ele
obtém para si mesmo o que está à sua frente, absorve sua natureza
inorgânica e se apodera dela. Por parte do espírito universal como
substância, educação significa apenas que essa substância se comunica sua
autoconsciência, ou seja, gera sua formação e seu reflexo em si mesma".

A ciência reproduz esse movimento educacional em sua plenitude e


necessidade, bem como o que já foi reduzido ao momento e posse do
espírito no processo de formação deste último. O objetivo é penetrar o
espírito no que é conhecimento. A impaciência requer o impossível, ou seja,
atingir a meta sem recorrer a fundos. Por um lado, é necessário manter o
comprimento desse caminho, pois cada momento é necessário; – por outro
lado, é necessário permanecer em cada um deles, pois cada momento em si
é certa forma individual e integral e é considerado apenas na medida em
que sua definição é considerada como um todo ou concreto, ou seja, uma
vez que o todo é considerado na originalidade dessa definição. Desde a
substância do indivíduo, já que até o espírito do mundo teve a paciência de
passar por essas formas por um longo período de tempo e assumir o enorme
trabalho da história mundial, durante o qual ele expressou em todas as
formas todo o seu conteúdo, que pode acomodar, e, com menos trabalho,
conseguiu consciência de si mesmo, então, se tivermos em mente a essência
da questão, o indivíduo não pode, é claro, cobrir sua substância com menos
trabalho; mas, ao mesmo tempo, ele tem menos dificuldades, porque isso é
realizado em si mesmo – o conteúdo já é apagado na realidade, na medida
do possível, na iminência imediata, e a modelagem é reduzida à sua
506
abreviação, a uma simples definição de pensamento “se tivermos em mente
a essência da questão, o indivíduo não pode, é claro, abraçar sua substância
com menos trabalho; mas, ao mesmo tempo, ele tem menos dificuldades,
porque isso é realizado em si mesmo – o conteúdo já é realidade apagada
na medida do possível, a espontaneidade contida e a modelagem são
reduzidas à sua abreviação, a uma simples definição de pensamento” se
tivermos em mente a essência da questão, o indivíduo não pode, é claro,
cobrir sua substância com menos trabalho; mas, ao mesmo tempo, ele tem
menos dificuldades, porque isso é realizado em si mesmo – o conteúdo já é
realidade apagada na medida do possível, a espontaneidade contida e a
modelagem são reduzidas à sua abreviação, a uma simples definição de
pensamento"(5).

Se considerarmos a "Fenomenologia do espírito" deste ponto de vista, se


entendermos que sua tarefa é dominar a experiência genérica de um
indivíduo, entender sua estrutura não é tão difícil quanto parece à primeira
vista. A história e o sistema aqui não divergem, mas estão em uma conexão
metodológica estritamente necessária entre si.

Agora precisamos entender por que, na "Fenomenologia", todo o


caminho da história com necessidade metodológica deve ser concluído três
vezes. Os momentos históricos são apresentados na "Fenomenologia" não
arbitrariamente, mas em uma sequência histórica real, que reproduz o curso
de todo o processo histórico três vezes. O fato é que – e isso deve ser
enfatizado – tal repetição não é a vontade de Hegel e nem seu capricho, mas
uma consequência necessária de sua tarefa metodológica.

Antes de tudo, consideraremos de forma breve e abstrata os momentos


mais gerais dessa divisão tripla, a fim de apresentar em mais detalhes seções
separadas. Uma tripla repetição do curso da história significa apenas o fato
de que o processo de dominar por um indivíduo a experiência patrimonial
histórica da humanidade é dividida por Hegel em vários níveis.

O ponto de partida, é claro, é a consciência natural e comum do


indivíduo. Para ele, a sociedade em todas as suas formas é diretamente algo
completamente dado, algo que existe independentemente dela. O indivíduo,
desenvolvendo-se como indivíduo e passando da percepção direta da
realidade objetiva à racionalidade, passa por todas as etapas da história
humana. No entanto, ele ainda não passa por todas as etapas da história
como uma história conhecida, mas apenas como uma sequência de
diferentes destinos humanos. A conquista pela consciência individual da
racionalidade agora consiste no fato de que o indivíduo aprende
gradualmente a natureza real da sociedade e da história, percebendo-a
como algo criado pelas pessoas.

507
Assim, a consciência individual entra na segunda rodada de dominar a
experiência genérica. Agora, ela conhece a história como história real, e a
sociedade e seu desenvolvimento não são mais uma coisa morta ou um
destino terrível, mas um produto da atividade, prática das próprias pessoas.
Saber disso, porém, sendo apenas um resultado simples da primeira rodada,
ainda estava vazio e abstrato. A consciência individual, que dessa maneira
alcançou um conhecimento real da essência da sociedade e da história,
deve, portanto, mais uma vez passar por todo o processo de
desenvolvimento tribal. No segundo estágio, que também abrange toda a
história, do início ao presente, temos diante de nós uma história real em sua
integridade social concreta.

Do ponto de vista de dominar toda a experiência tribal através do


conhecimento da história real, a consciência individual agora atinge o
estágio do conhecimento absoluto. Tendo atingido esse estágio mais alto, a
consciência lança um olhar para toda a história passada. Como a
consciência reconhece, organiza e reúne nela aqueles momentos de verdade
absoluta, pelos quais o espírito chega a um conhecimento adequado de si
mesmo, até agora a consciência chega, segundo Hegel, a um conhecimento
adequado das leis do movimento da história, ao conhecimento da dialética
da realidade.

A dialética que domina objetivamente os dois primeiros passos ao longo


de todo o curso da história, no terceiro passo, parece que se tornou
propriedade da consciência, como a dialética do conhecimento. No entanto,
esse conhecimento ainda não é o resultado final; não há uma formulação
abstrata dos resultados finais fora do caminho que os levou. Portanto, é
necessário, e no terceiro estágio, cobrir com um olhar histórico toda a
história anterior. Aqui todo o processo histórico é repetido pela terceira vez.
No entanto, não é mais uma história mais válida, mas uma generalização de
todos os esforços humanos para compreender adequadamente a realidade.
Arte, religião e filosofia constituem, segundo Hegel, os principais estágios no
caminho para uma compreensão cognitiva adequada do mundo, o
conhecimento da dialética como força motriz de todos os momentos de
consciência e realidade objetiva.

Essa (muito esquematicamente) a estrutura básica da "Fenomenologia


do espírito". Pela nossa apresentação, não é difícil entender que os
estudiosos burgueses de Hegel não prestaram atenção à originalidade de sua
estrutura. Hoje, é claro, eles não defendem a posição de Haym de que
"Fenomenologia" é simplesmente caos, mas todas as opções para explicar a
estrutura da "Fenomenologia" não estão muito longe desse caos que reinou
na cabeça de Haym. Portanto, argumentar com várias hipóteses dos
estudiosos burgueses de Hegel não faz sentido.

508
Pelo contrário, deve-se enfatizar que a estrutura da Fenomenologia que
apresentamos em suas características mais essenciais corresponde à estrutura
de Marx nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, na forma de um índice.
É verdade que ele não fundamentou essa reconstrução da estrutura, uma
vez que isso não se relacionava com o conteúdo e o objetivo de sua análise
crítica(6).

Hegel falará sobre um círculo de problemas relacionados aos momentos


mais importantes da realização dessa ideia em conexão com uma análise
mais detalhada de seções individuais. Aqui só deve ser enfatizado que nos
restringimos à apresentação dos pontos mais importantes, ou seja, aqueles
que estão direta ou indiretamente relacionados ao principal problema de
nosso trabalho. É óbvio que o leitor não deve esperar deste trabalho um
comentário detalhado sobre a "Fenomenologia do espírito".

Para fazer uma distinção nítida entre as partes individuais da


Fenomenologia, denotamos os estágios individuais do caminho usando a
terminologia posterior de Hegel, que emprestamos da Enciclopédia – um
espírito subjetivo, objetivo e absoluto. Além disso, o leitor não deve, é claro,
esquecer que os nomes dessas etapas não coincidem com os que Hegel usa
na Enciclopédia.

Nos trabalhos de Hegel do período Iena, esses nomes geralmente


aparecem, embora seu uso final no sistema seja o resultado de um estágio
posterior de desenvolvimento. No entanto, acreditamos que, com a ajuda
dessas anotações, por toda a sua imprecisão, podemos compreender e
entender mais facilmente a estrutura interna da Fenomenologia, embora o
próprio Hegel não tenha usado a divisão da Fenomenologia que adotamos
em triplos como andaimes de toda a estrutura. Para entender melhor nossa
visão, daremos uma breve indicação de quanto nossa divisão da
composição da Fenomenologia coincide com a de Hegel:

A. "Espírito subjetivo" – capítulos I-V: consciência, autoconsciência,


mente;

B. "Espírito Objetivo" – Capítulo VI: Espírito;

C. "Espírito Absoluto" – capítulos VII-VIII: religião, conhecimento


absoluto.

A. "Espírito subjetivo"

Aqui estamos falando de representar a consciência individual em seu


desenvolvimento, desde o nível mais baixo de percepção direta e simples do
mundo até as categorias mais altas de mente, na forma em que elas
aparecem na consciência individual. A natureza geral de todo esse

509
movimento reside no fato de que a consciência individual em todos os
lugares, isto é, no nível mais baixo e no mais alto, se encontra diante de si
um mundo externo alienígena, já preparado (natureza e sociedade).

Em confronto e interação com ele, a consciência individual sobe para


níveis cada vez mais altos.

Antes e em outra conexão, já citamos as críticas materialistas de


Feuerbach à relação desse indivíduo com a realidade objetiva,
especialmente com a natureza. Essa crítica forneceu uma descrição precisa
das limitações idealísticas da formulação hegeliana da questão e mostrou,
em particular, que Hegel volta a cabeça a atitude da consciência individual
para a natureza.

Muito mais difícil é a relação da consciência individual com a sociedade.


Na próxima seção deste capítulo, daremos uma crítica detalhada ao
entendimento hegeliano da alienação (Entäußerung), mostraremos a
distorção contida nas visões de Hegel devido à natureza idealista de suas
perguntas. Como na exposição anterior, já destacamos os aspectos
essenciais do entendimento hegeliano de alienação (Entäußerung), na
medida em que pode ser dito aqui que as visões de Hegel sobre a atitude do
homem em relação à sociedade e à prática pública contêm vários aspectos
essenciais da realidade e seu desenvolvimento, corretamente entendidos.

A consciência individual confronta, segundo Hegel, uma realidade


objetiva desconhecida. Parece-lhe já pronto e estranho, porque aquelas
definições e mediações, devido às quais a realidade objetiva da sociedade e
a atividade e o papel da consciência individual nela se tornam, tornam-se o
que são – elas ainda não foram reveladas para a consciência com toda a
clareza. No entanto, dentro de si, segundo Hegel, eles existem e agem. O
trabalho teórico e prático da consciência individual consiste precisamente em
dominar essas conexões e, assim – em um processo longo e difícil – elevar-se
em seu desenvolvimento da consciência para a autoconsciência e da
autoconsciência para a mente, para transformar a substância em sujeito. Na
parte final da Fenomenologia, Hegel faz um relato de todo o processo,
explicando-o como que o sujeito constantemente e na luta arranca o
conteúdo da substância e a transforma em seu próprio. Essa formulação
idealista contém um conteúdo materialista, a saber, que a riqueza e o
desenvolvimento da consciência dependem da extensão em que são capazes
de refletir a realidade social.

No contexto da apresentação, Hegel faz uma distinção entre a conexão


de categorias na lógica objetiva e na fenomenologia que descreve a relação
entre consciência e realidade. Na lógica objetiva, momentos individuais se
desenvolvem e, a partir de seu desenvolvimento holístico, surge uma

510
integridade concreta do sistema. Aqui, pelo contrário, a consciência
confronta toda a realidade, a princípio incompreensível e abstrata, cujos
momentos – seu conteúdo e riqueza estrutural – aparecem apenas
gradualmente no curso de um longo desenvolvimento. Assim, a consciência
individual, sendo inicialmente abstrata, torna-se concreta. Hegel caracteriza a
linha principal deste processo da seguinte forma: "Portanto, no início apenas
os momentos abstratos pertencem à autoconsciência da substância, mas,
uma vez que estes últimos, como movimentos puros, se atraem ainda mais,
essa autoconsciência é enriquecida até que se afaste da consciência de toda
a substância, até envolver toda a estrutura de seus elementos essenciais e
(uma vez que essa atitude negativa em relação à objetividade é igual e
positiva, isto é, é uma proposição) até que deu à luz a si mesma e, ao
mesmo tempo, não a restaurou para a consciência. Num conceito que se
conhece como conceito, os momentos aparecem, portanto, mais cedo do
que o todo realizado, cuja formação é o movimento desses momentos. Na
consciência, pelo contrário, o todo, mas não compreendido no conceito,
antes dos momentos”. (É uma crença) até que ela lhe deu origem e, ao
mesmo tempo, não a restaurou para a consciência. Num conceito que se
conhece como conceito, os momentos aparecem, portanto, mais cedo do
que o todo realizado, cuja formação é o movimento desses momentos. Na
consciência, pelo contrário, o todo, mas não compreendido no conceito,
antes dos momentos”. (É uma crença) até que ela lhe deu origem e, ao
mesmo tempo, não a restaurou para a consciência. Num conceito que se
conhece como conceito, os momentos aparecem, portanto, mais cedo do
que o todo realizado, cuja formação é o movimento desses momentos. Na
consciência, pelo contrário, o todo, mas não compreendido no conceito,
antes dos momentos“(7).

Daqui resulta que o desenvolvimento da consciência de um passo para


o outro não representa um movimento real, em si e para si mesmo, do
espírito, mas apenas uma forma de manifestação, uma aparência que é
objetivamente necessária e justificada pela essência do espírito.

Já observamos que as definições objetivas da realidade em si existem e


são eficazes por si mesmas, mas ainda não são conhecidas por uma
consciência ativa e auto-desenvolvente e, portanto, aparecem como algo
estranho, dado e previsível. Assim, surge um movimento diretamente dentro
da "falsa consciência", a decomposição de uma forma dessa falsa
consciência para outra. Como movimentos objetivos de desenvolvimento
social são expressos nesse movimento, que representam objetivamente uma
expressão generalizada das atividades dos próprios indivíduos, embora os
atores não saibam disso, na medida em que esse processo tem uma
tendência clara – a tendência de transformar a "falsa consciência" na correta,
quando os indivíduos compreendem a natureza social de suas atividades. e
sociedade, como produto agregado de suas atividades.
511
Uma maneira peculiar de expressar "Fenomenologia" é que Hegel
esclarece ao leitor a conexão entre categorias objetivas e subjetivas, que a
"forma de consciência" individual não é capaz de captar. Para explicar a
conexão que prevalece aqui, Hegel se refere a um exemplo desse tipo: “Para
nós (para o leitor, G. L.), o movimento anterior se opõe à nova forma
porque a última surgiu em si mesma – o momento em que flui, portanto,
necessário para ele; mas para ele (até o momento – G.L.) parece que ele
encontra esse momento em dinheiro, uma vez que não reconhece sua
origem e vê sua essência na medida em que, pelo contrário, é para si ou é
"negativo" em relação a esse positivo [ser] em si"(8).

A dificuldade de compreensão é explicada na primeira parte por esse


modo duplo de apresentação. Por um lado, Hegel expõe apenas "formas de
consciência", ou seja, ele mostra constantemente como, do ponto de vista
dos vários níveis da consciência individual, a estrutura objetiva do mundo,
seu movimento em forma de lei, é revelado. O ponto de partida direto é
novamente a consciência individual, sua compreensão da realidade, sua
atividade com base nessa compreensão, o movimento imanentemente
inerente a essa compreensão em um dado nível de consciência –
desenvolvimento individual. Imediatamente, parece – e esse imediatismo,
segundo Hegel, é um momento importante da conexão geral – como se esse
movimento realizado aqui fosse uma decomposição dialética de uma "forma
de consciência" e sua substituição por outra, superior, subjetivamente mais
profunda em si mesma, como se segue da dialética do desenvolvimento da
consciência. Os principais estágios desse caminho, o desenvolvimento da
consciência para a autoconsciência e dele para a mente, se desdobram
diretamente na consciência individual.

Por outro lado, essa dialética é apenas uma parte, apenas um momento
de um movimento dialético holístico, que ocorre por trás das "formas de
consciência" existentes. Hegel não é um kantiano que identifica as formas de
consciência subjetiva com as formas e leis da realidade objetiva (para Kant,
o único mundo conhecível é o mundo dos fenômenos).

O fato de Hegel em A Fenomenologia, e em particular em sua primeira


parte, considerar todas as categorias objetivas em sua correlação orgânica
com a consciência e estabelecer essas conexões, de modo que as categorias
apareçam diante de nós nessa sequência e na conexão em que elas
elaborado pela consciência e compreendido de maneira mais ou menos
adequada, – forma a estrutura metodológica necessária deste trabalho,
chamada para ser uma introdução à filosofia, um guia para a consciência,
com a ajuda da qual atinge um ponto de vista filosófico.

Categorias objetivas nunca deixam de existir e agem objetivamente. No


entanto, nesse estágio, eles formam um fundo estrangeiro ou hostil, em

512
constante movimento, nunca compreendido por "formas de consciência".
Eles existem e agem em si mesmos e somente em si mesmos, e não pela
consciência dos sujeitos imediatos desse estágio de desenvolvimento do
espírito. O espírito ainda não se dirigiu ao homem como espírito.

Esse dualismo, que para Hegel, é claro, não significa uma compreensão
dualista do mundo como um todo, é uma consequência metodológica da
abstração da qual a Fenomenologia procede. O dualismo existe apenas para
"formas de consciência", mas não para filósofos e, portanto, não para o
leitor. Se Hegel, no lugar citado anteriormente, diz que as conexões decisivas
entre objetividade e subjetividade são opacas às "formas de consciência",
mas são compreensíveis para nós, então ele se refere ao leitor filosófico que
considera o caminho do desenvolvimento da raça humana de um ponto de
vista superior.

Como resultado disso, a exposição é caracterizada por uma transição


contínua da subjetividade direta das "formas de consciência" para a
objetividade existente das leis, que não são compreendidas pelas "formas de
consciência", por um deslizamento constante de um lado para outro. A
dificuldade de compreensão é explicada principalmente pelo método da
"Fenomenologia" e não é uma história objetiva do desenvolvimento da
própria realidade (isso será discutido na Enciclopédia e em trabalhos
individuais, por exemplo, na Filosofia da História), mas apenas pelo
desenvolvimento da experiência tribal humana, refletida em espelho da
consciência individual. Assim, embora as categorias objetivas atuem de
acordo com suas próprias leis, sua forma metodológica de manifestação é
determinada pela correlação com essa consciência.

Por trás da abstração metodológica da “Fenomenologia” está a


importante e frutífera ideia fundamental de Hegel, que abrange definições
essenciais da vida, a ideia de que a relação entre um indivíduo e um gênero
é um processo dialético complexo, que o papel ativo do indivíduo na gênese
do próprio gênero, no desenvolvimento da experiência genérica, é
imensurável e indestrutível. Embora a restrição à consciência individual seja
uma abstração metodológica da "Fenomenologia", embora a imaginação
realmente existente de uma consciência individual, que acredita que ela
possa construir sua própria realidade em sua pura atividade, não seja senão
auto-engano, o colapso trágico que Hegel descreve na primeira parte de
"Fenomenologia”, o papel da consciência individual em um processo
genérico objetivo holístico não é uma aparência vazia,

Devido ao fato de Hegel aderir à visão da objetividade, que está


constantemente atuando por si só, ele supera o idealismo subjetivo, como
Kant e Fichte, e pelo fato de capturar o papel decisivo do indivíduo, a
consciência individual, supera a compreensão mecanicista do gênero,

513
característica do antigo materialismo. , inclusive para Feuerbach. Lembre-se
das críticas que Marx deu na sexta tese sobre Feuerbach para entender a
importância desse pensamento hegeliano. Criticando Feuerbach, Marx disse:
"Para ele, a essência humana só pode ser considerada uma 'raça', uma
universalidade interna e burra, conectando muitos indivíduos apenas por
laços naturais"(9). A verdade da exposição hegeliana está justamente no fato
de ele entender essa conexão não apenas como natural, mas como uma
etapa do processo geral de “alienação” (Entäußerung).

As dificuldades que discutimos nesta parte da Fenomenologia podem


ser resumidas da seguinte forma: a consciência individual se move na
realidade alienada pela própria atividade humana, mas ainda não chegou à
conclusão de que a objetividade dessa realidade é um produto da
"alienação" criada por ela mesma (Entäußerung). O caminho da primeira
parte consiste precisamente em trazer a consciência individual para essa
compreensão, para a transição para a cognição.

O caminho da ascensão contínua da consciência individual (consciência


– autoconsciência – mente) leva a conflitos cada vez mais difíceis e trágicos
com a realidade "alienada" à medida que a consciência individual se
desenvolve, a fim de sair desses conflitos e transformar o espírito que existe
até agora apenas em si mesmo, no espírito para si mesmo – existindo e
conhecendo a si mesmo como tal (a unidade da objetividade e subjetividade
na prática e na experiência da raça humana).

Desse ponto de vista, o caminho histórico, expresso no desenvolvimento


progressivo dos níveis de consciência, é necessário em um novo – diferente
respeito. Se Hegel vê em sua época aquele passo no desenvolvimento do
espírito, onde o espírito pode retomar a “alienação” (Entäußerung), que já
recebeu sua plenitude, então essa construção idealista, cuja crítica iremos
apresentar mais adiante, oculta o pensamento historicamente correto que a
sociedade capitalista moderna – comparada com todas as anteriores – criou
objetivamente o máximo de "alienação" (Entäußerung). E a forma trágica,
que ao final desta parte assume o choque entre a consciência individual e a
sociedade objetivamente existente, expressa novamente a tendência real
existente para o desenvolvimento da sociedade:

Todas as discussões hegelianas sobre o desenvolvimento da consciência


individual nesse estágio devem ser entendidas do ponto de vista dessa
dialética específica. Somente assim a aparência objetivamente necessária se
dissolve, que na consciência individual direta assume uma forma
independente e se torna a forma necessária de manifestação de todo o
desenvolvimento da experiência genérica da humanidade. Hegel explica a
dialética das formas de manifestação da consciência individual da seguinte
maneira: "O conceito dessa individualidade, uma vez que é para si mesma

514
toda a realidade, é principalmente um resultado; ainda não mostrou seu
movimento e realidade e é identificado aqui diretamente como um simples
em si mesmo". sendo... Essa limitação do ser não pode, no entanto, limitar
as ações da consciência, pois a última ortografia aqui é uma correlação
completa de si mesmo; a correlação com o "outro" foi removida, e essa
correlação seria sua restrição... Essa natureza inicial específica da consciência
que permanece livre e completamente nela aparece como o conteúdo real
imediato e único daquilo que constitui a meta do indivíduo; embora seja um
determinado conteúdo, mas geralmente é apenas na medida em que
consideramos isoladamente o isolamento; de fato, é realidade, imbuída de
individualidade – realidade na forma em que está contida na própria
consciência como uma consciência única... “embora seja um determinado
conteúdo, mas geralmente é apenas na medida em que consideramos
isoladamente o isolamento; de fato, é realidade, imbuída de individualidade
– realidade na forma em que está contida na própria consciência como uma
consciência única...” embora seja um determinado conteúdo, mas
geralmente é apenas na medida em que consideramos isoladamente o
isolamento; de fato, é realidade, imbuída de individualidade – realidade na
forma em que está contida na própria consciência como uma consciência
única... “(10).

Uma apresentação detalhada dos estágios individuais desse caminho é


tarefa do comentarista sobre "Fenomenologia do Espírito". Esta tarefa não
enfrenta este trabalho. Limitamo-nos à análise de certos pontos essenciais,
principalmente aqueles que estão diretamente relacionados ao problema que
estamos estudando – a atitude de Hegel em relação à sociedade burguesa. O
ponto mais importante da primeira parte – o papel do trabalho na gênese da
autoconsciência humana – foi analisado por nós, onde examinamos o
capítulo "Dominação e escravidão".

Ali enfatizamos a importante ideia para Hegel de que o desenvolvimento


da autoconsciência se dá no trabalho, isto é, na consciência de um escravo
que trabalha, e não na consciência de um mestre ocioso. No entanto, na
sociedade escravista e sua decomposição, que culmina com o colapso do
Império Romano, o trabalho aparece de forma abstrata. Hegel,
caracterizando estoicismo, ceticismo e emergente cristianismo ("consciência
infeliz"), descreve várias formas de desenvolver a consciência e chama a
atenção para o caráter abstrato de todos esses estágios da consciência, que
não compreende a realidade ou a atividade humana.

Ele caracteriza a cosmovisão da "consciência infeliz" desta maneira: "A


consciência da vida, a consciência do ser e ação existentes, é apenas tristeza
por esse ser e ação, porque neles tem apenas uma consciência de seu oposto
como entidade e uma consciência de sua própria insignificância... Seu
pensamento como reverência, continua sendo um sininho dissonante de

515
sinos ou sopros quentes de nevoeiro, pensamento musical que não atinge o
conceito que seria o único modo de objeto imanente, estes sentimentos
internos de seu assunto, mas apenas sobre (assim eintretend), ele entra
(Eintritt) não gostam de compreender a noção de sujeito, mas porque –
como algo estranho... Portanto, a consciência pode encontrar na presença
de uma sepultura de sua vida... Como não possui essa confiabilidade para
si, seu “interno”, pelo contrário, continua sendo minado pela confiabilidade
em si; a confirmação que poderia receber em trabalho e consumo é,
portanto, precisamente uma confirmação tão desgastada; ou melhor, ele
próprio deve destruir essa confirmação em relação a si próprio, de modo
que, é claro, encontra nele confirmação, mas apenas confirmação de que é
para si mesmo, ou seja, confirmação de sua divisão.

Realidade... pois essa consciência não é mais algo insignificante em si


mesma (como no estoicismo e no ceticismo. – G. L.)... mas há algo como ela
mesma – realidade rasgada...“(11).

A dificuldade de entender o processo de desenvolvimento histórico


nesta seção da “Fenomenologia” consiste, como já ficou claro, no fato de
que eventos e épocas históricas aparecem em uma determinada sequência,
que é prescrita por eles mesmos estarem na realidade histórica, mas as
formas de sua manifestação são determinadas por como eles se refletem no
desenvolvimento da consciência individual. Portanto, nesta seção, com
grande clareza, são descritas duas profundas crises da humanidade. O
primeiro – a decomposição da sociedade antiga e o surgimento do
cristianismo – é brevemente descrito em seu significado para o
desenvolvimento da consciência. A dificuldade de entender aqui é que tudo
o que é obscuro é esclarecido – de acordo com a estrutura metodológica da
"Fenomenologia" somente na segunda e terceira seções, ou seja, quando
eventos históricos, sociais objetivos, subjacentes ao desenvolvimento da
consciência são revelados com toda clareza; então, quando esta etapa do
desenvolvimento do auto movimento dialético da raça humana é
compreendida objetivamente, em todas as suas leis, como etapa do
desenvolvimento do espírito. Aqui, como você sabe, o cristianismo é
apresentado por Hegel como uma base ideológica

Nova hora. Um breve resumo da essência da "consciência infeliz" mostra


que o cristianismo – aos olhos de Hegel – é capaz de desempenhar seu papel
porque nele "alienação" (Entäußerung), a separação do indivíduo dos laços
naturais da sociedade primitiva é encontrada em um nível mais alto e mais
desenvolvido do que o nível expressa em conceitos filosóficos antigos que
ideologicamente acompanharam o processo objetivo de decomposição, mas
para o qual, segundo Hegel, a atitude da consciência era puramente
negativa, abstrata e, pelo menos, levou em conta a singularidade emergente
e crescente alienada (Entäußerung).

516
A segunda crise da consciência individual é característica da era da
formação da sociedade burguesa moderna e está sendo realizada nela. Não
temos a oportunidade de considerar todo o caminho do desenvolvimento da
consciência entre essas duas crises descritas por Hegel e, além disso, prestar
atenção ao desenvolvimento do desenvolvimento da natureza externa, que
corresponde ao desenvolvimento da consciência. Na segunda grande crise,
todos os problemas sócio morais surgem, cuja interpretação por Hegel já é
conhecida por seu próprio relato, por sua polêmica com um entendimento
subjetivo-idealista da sociedade e da moralidade. Sem expandir nossa
exposição, lembramos ao leitor o conteúdo da exposição anterior e
consideramos apenas o aspecto especificamente fenomenológico dessa
questão. Aqui estamos falando de dialética no confronto entre a realidade
individual e social, enquanto é conhecida que este último aparece como
incognoscível, misterioso para o indivíduo, como algo alheio às atividades
do indivíduo e, em casos extremos, trágicos, quando o indivíduo atinge o
limite, ele e a sociedade se opõem. “Portanto, a consciência, através de sua
experiência na qual sua verdade lhe deveria ser revelada, tornou-se um
mistério para si mesmo: as consequências de suas ações para ela não são
suas próprias ações; o que acontece com ela não é para ele a experiência
que ela é em si mesma; uma transição não é simplesmente uma mudança na
forma de um e o mesmo conteúdo e uma e a mesma essência, apresentada
em um caso como o conteúdo e a essência da consciência, no outro – como
um objeto ou essência contemplada de si mesmo, a única felicidade não
compreender a noção do poder da universalidade”(12).

Hegel descreve várias formas de uma relação puramente individual com


a realidade, vários estágios da consciência individual – "prazer", que entra
em conflito com a "necessidade" e é destruído por ele, depois "a lei do
coração", onde uma crença subjetiva individual nos bons valores da
humanidade procura prescrever a sua própria. a lei também leva ao fato de
que indivíduos diferentes vivem de acordo com diferentes "leis do coração",
que no conteúdo apenas se opõem e são frequentemente diretamente hostis;
finalmente, um nível mais alto é a “virtude”, onde um indivíduo com um alto
senso subjetivo de pureza moral quer melhorar o mundo e depois aprende
que a necessidade objetiva de um “curso geral das coisas” não se ocupa dos
postulados subjetivos da moralidade individual.

Formas separadas de consciência em todas essas batalhas e conflitos


veem apenas a morte de suas aspirações individuais, o colapso do caminho
que foi necessariamente prescrito para a consciência por forças
desconhecidas de uma realidade alienígena.

Somente para um observador externo é claro que forças estão agindo


nessa tragédia filosófica individual imediata. "As ações e o comportamento
puramente unitários de um indivíduo estão conectados às necessidades que

517
ele tem como ser natural, ou seja, como uma individualidade real. O fato de
que mesmo essas funções muito comuns não são destruídas, mas têm
realidade, é universal. meio ambiente, graças ao poder de todo o povo”(13).

Não há lugar para uma descrição detalhada desse processo, que deve
fornecer um comentário detalhado. Primeiro de tudo, o princípio do
desenvolvimento é importante, segundo o qual o indivíduo, a consciência
individual, embora extremamente lenta e muito desigual, em crises trágicas
graves, revela a conexão dialética da própria subjetividade com o
desconhecido "ser em si" da realidade social objetiva. O princípio desta
história de educar a consciência individual é óbvio a partir da citação acima
– este é o princípio da conexão real do indivíduo com a sociedade, realizada
através das necessidades, da sua satisfação, criando condições para
satisfazer as necessidades no próprio trabalho.

E, novamente, é muito característico para toda a estrutura da filosofia


hegeliana que as mais sublimes tragédias da subjetividade que fracassam
sejam realizadas com mais frequência nas altas esferas ideológicas, que elas
formam a força motriz dos problemas morais mais profundos, mas o
problema em si, que nessa altura moral nunca pode superar a esfera os
trágicos confrontos de princípios hostis e mutuamente exclusivos, encontra
sua solução – filosoficamente e na consciência individual da fenomenologia
– na atividade econômica do homem em geral TBE. (É o homem que
trabalha – usando a terminologia de Goethe, perto da dialética hegeliana –
que é) o "fenômeno" do sujeito-objeto idêntico, a substância que se torna o
sujeito, o processo de "alienação" (Entäußerung) e seu retorno ao sujeito. A
socialidade de toda a prática humana,

Esse movimento de categorias de princípios corresponde a um


movimento histórico – o fato de Hegel superar as limitações de sua visão de
mundo, superar a subjetividade vazia da consciência individual na sociedade
capitalista através da atividade econômica.

O colapso trágico da consciência individual que descrevemos é o


desenvolvimento da consciência, do ponto de vista da sequência
fenomenológica – "a realização da autoconsciência pela autoconsciência
racional". À medida que o poder do "ser em si" social está se tornando cada
vez mais concreto, torna-se cada vez mais claro que estamos nos
aproximando de uma sociedade capitalista. "Um reino animal espiritual",
como Hegel o chama nesta seção. Assim, a consciência individual atinge o
nível mais alto possível para ele sem se retirar e representa "a
individualidade, que é real em si e por si mesma".

Essa realidade surge, segundo Hegel, devido à natureza social do


trabalho. "O trabalho de um indivíduo que visa satisfazer suas necessidades

518
é, na mesma medida, satisfazer as necessidades dos outros e as suas
próprias, e ele só pode satisfazer suas necessidades graças ao trabalho de
outras pessoas." Como indivíduo, em seu trabalho individual, ele
inconscientemente realiza algum trabalho comum, desse modo, ele também
faz o trabalho geral como seu objeto consciente; o todo se torna como um
todo seu trabalho, pelo qual ela se sacrifica, e é por isso que ela se afasta
dele”(14).

Se recordarmos os pontos de vista de Hegel no período de Iena e na


segunda metade do período de Frankfurt, então nesta citação é difícil
encontrar algo novo e surpreendente. A remoção filosófica da existência da
consciência individual, enraizada em si mesma, a remoção de sua
subjetividade, fechada em um mundo estreito, é realizada através do
conhecimento da atividade econômica do homem na sociedade burguesa
moderna, devido ao fato de que Hegel tira todas as conclusões
filosoficamente possíveis da doutrina econômica de Smith. O ponto para o
qual a consciência individual deve ser trazida é a unidade do indivíduo e do
público, tanto no sentido objetivo quanto no subjetivo. Essa unidade em si
mesma está contida na própria prática econômica de uma pessoa, no que
ela faz diariamente. O desafio é apenas

É característico das fontes sociais e filosóficas do pensamento hegeliano


e da tendência fundamental da "Fenomenologia" que "interesse próprio" seja
a "forma de consciência" na qual e graças à qual é feita a mudança decisiva.
Aqui Hegel continua a filosofia social do Iluminismo – de Hobbes a
Helvetius, e especialmente a doutrina econômica de Smith. O domínio
próprio e o poder da individualidade, nos quais Hegel vê o princípio da
sociedade moderna, superior ao princípio da sociedade antiga, são
expressos no fato de que o interesse próprio, por um lado, é a realidade
imediata e a justificativa subjetiva da consciência individual e, por outro
lado, não estar consciente e, contrariamente à vontade, constitui a força
motriz social mais importante da sociedade burguesa.

Mais tarde, Hegel expressará a antítese entre a sociedade antiga e a


moderna de uma forma tão ideológica: "O desenvolvimento independente
de uma particularidade é um momento que se manifesta nos estados antigos
como a corrupção moral iminente e a última razão para a morte desses
estados"(15).

Hegel cita o cristianismo como um exemplo em que esse princípio é


instaurado, que é significativamente diferente dos princípios da sociedade
antiga e moderna. Na fenomenologia, o desenvolvimento desse pensamento
é muito mais tangível e visível. Hegel revela a dialética do interesse próprio,
ou seja, a dialética dessa falsa consciência, segundo a qual o indivíduo só é
capaz de programar consistentemente os princípios do interesse próprio,

519
mas, na realidade, pelo contrário, sua própria atividade de interesse próprio
deve e inevitavelmente se tornar social, socialmente útil, associada às
atividades de outras pessoas, se transformar em uma atividade tribal da
humanidade. "Quando ela (individualidade. – D. L.) age com interesse
próprio, então ela simplesmente não sabe o que está fazendo; e quando ela
garante que todas as pessoas agem em benefício próprio, ela apenas afirma
que nem uma única pessoa está ciente de que ação é essa superação
objetiva do autoengano da consciência egoísta, no entanto, não significa que
seu interesse próprio, o papel e o significado da prática individual na
sociedade sejam superados ou pelo menos enfraquecidos”(16).

É aqui, onde o desenvolvimento da "Fenomenologia" atinge a


superação do estágio da subjetividade, Hegel com grande poder enfatiza em
si a socialidade essencial de toda prática como a verdade que está oculta por
trás do autoengano da consciência individual; é aqui que ele enfatiza com
força particular o significado social indestrutível da individualidade humana,
entendida não no sentido da elevação moral inerente a Kant e Fichte, mas
naquele imediatismo egoísta em que se encontra na prática cotidiana do
capitalismo. Vitalidade

"Portanto, as ações do indivíduo são o objetivo em si; é o uso de forças,


o jogo de suas manifestações externas que lhes dá vida; caso contrário, eles
estariam mortos" em si mesmos”; em si mesmos [o ser] não são realizados,
desprovido de existência e universal abstrato. pelo contrário, ela própria é
diretamente a presença e a realidade do processo de individualidade”(17).

Um ponto essencial dessa dialética é a remoção constante e crescente


do imediatismo da atividade subjetiva e, ao mesmo tempo, graças a ele, o
imediatismo da consciência individual: sua “alienação” (Entäußerung) e a
consciência da realidade “alienada” não apenas como um campo de
atividade alienado do indivíduo, mas também inseparável. dele como base,
conteúdo e certeza da própria individualidade, da própria consciência
individual. Essa “alienação” (Entäußerung) é realizada devido à transição da
atividade humana em uma coisa, através da personificação e alienação
(Entäußerung) do trabalho em uma coisa, e esse não é um objeto simples da
realidade externa e objetiva, alterada pelo trabalho, mas um ponto central
de interesse público, um ponto central de interesse público, um ponto de
cruzamento de aspirações individuais,

Nesse complexo entrelaçamento de várias esferas da atividade humana


e nas coisas em que elas estão incorporadas, surge uma dinâmica e com
suas próprias leis, a unidade do todo social. Evidentemente, sua totalidade e
unidade ainda não são percebidas pelos indivíduos em ação. "Eles já fizeram
a coisa antes de começarem a raciocinar", disse Marx(18). Graças a essa
atividade, não apenas a objetividade dessas conexões aparece com mais

520
clareza, mas também seu reflexo no subjetivo, embora Hegel, nesse estágio,
apenas fixe os pré-requisitos e condições para a transição para a
objetividade consciente da prática social. Ele descreve a relação da
consciência individual com o todo social da seguinte forma: “O todo é a
interpenetração em movimento do indivíduo e do universal; mas, como esse
todo está disponível para essa consciência apenas como uma entidade
simples e, portanto, como uma abstração da essência da matéria, os
momentos desse todo eles se desintegram como desconectados por fora e
por fora, e como um todo se esgota e se manifesta apenas por uma
alternância separada de trazer à tona e proteger-se”(19).

Em uma afirmação dificilmente entendida e obscura da relação de "ação


e aspiração" de um indivíduo com uma "essência da matéria", deve-se ter em
mente que nessa "essência da matéria" dois lados do produto coincidem –
sua certeza natural como uma coisa e sua objetividade social como um
produto e do ponto de vista da essência. visão da consciência individual,
que vê nela, por um lado, o produto de sua atividade e sua finalidade, e, por
outro, apenas um meio de satisfazer suas necessidades, que através desses
dois pontos entra em uma relação diversa com a outra e indivíduos e,
portanto, com o movimento e a vida de toda a sociedade.

É assim que a dialética se manifesta, por meio da qual uma pessoa em


seu trabalho individual, em sua atividade econômica de troca, se eleva
acima da subjetividade à universalidade social – essa implantação nos é bem
conhecida pelas obras de Iena, de Hegel. Esse processo é descrito por Hegel
da seguinte forma: “Não é importante para ele fazer negócios como“ esse ”é
o seu negócio unitário, mas é como um negócio universal, que é para
todos... E aqueles que se consideram enganados por essa intervenção ou os
personificam. antes, eles mesmos queriam enganar da mesma maneira:
transmitem seus atos e ações por algo que é apenas para si e no qual eles
significam apenas eles mesmos e sua própria essência. No entanto, fazer
alguma coisa e, assim, mostrar e exibir publicamente, por sua ação,
contradizem diretamente sua afirmação, como se quisessem excluir a própria
publicidade, consciência universal e participação de todos; transformá-lo em
realidade, pelo contrário, é a transferência de "um" para o elemento
universal, devido ao qual ele se torna e deve se tornar o negócio de
todos"(20).

Assim, a dialética do trabalho, atividade humana, prática social é


incluída na dialética das relações de mercadorias e a obedece. Afinal, Hegel
entende claramente que apenas atividade e trabalho não podem
compreender a natureza complexa da subjetividade social. O simples
processo de “alienação” (Entäußerung), contido na atividade e no trabalho,
deve assumir uma forma complexa e fetichista do capital para expressar as
relações humanas como a base da objetividade social na sociedade

521
burguesa moderna. (No último capítulo, dedicado à crítica de Marx da teoria
hegeliana da alienação, examinaremos em detalhes como Hegel se engana
em sua apresentação da forma capitalista de "alienação do trabalho" e quais
são as consequências específicas de seus erros.).

Aqui nos limitamos a mostrar para onde a dialética dessas formas


alienadas de objetividade, as contradições em desenvolvimento entre a
atividade de uma pessoa, sua atitude em relação a outras pessoas e sua
atitude em relação a seus assuntos de atividade e satisfação de necessidades
levam. Hegel resume este resultado: “A consciência aprende com a
experiência que ambos os lados são pontos igualmente significativos e,
assim, aprende a natureza do caso em si, a saber, que não é apenas um caso
que se oporia à ação em ação geral e única, e não é ação que seria contrária
a uma existência estável e seria um gênero livre desses momentos como sua
espécie, e é uma entidade cujo ser é a ação de um único indivíduo e de
todos os indivíduos cuja ação é diretamente para os outros ou é a essência
do assunto, e somente a essência da questão é a ação de cada um; essência,
que é a essência de toda essência, é uma essência espiritual. A consciência
aprende com a experiência que nenhum dos momentos indicados é um
sujeito, mas, pelo contrário, se dissolve na própria essência da matéria,
momentos de individualidade que, pela falta de consideração dessa
consciência, eram alternadamente considerados como sujeito, são
combinados em uma individualidade simples, que, sendo "isso"
[individualidade] é igualmente diretamente universal. A essência da matéria,
como resultado disso, perde a posição de predicado e a certeza de uma
universalidade abstrata sem vida; pelo contrário, é um sujeito de substância
penetrado pela individualidade, na qual o indivíduo é tanto quanto a si
mesmo ou "isso" [individualidade], bem como todos os indivíduos, e
universal”(21).

O esclarecimento dessa conexão possibilitou a remoção da consciência


individual na objetividade social. Aqui, "espírito subjetivo" se torna "espírito
objetivo". Hegel termina a primeira seção com dois capítulos sobre as leis
que prescrevem a mente, e as leis para testar a mente. Esses capítulos
criticam agudamente as filosofias de Kant e Fichte como a mais alta
expressão filosófica desse estágio no desenvolvimento da consciência
humana, onde a relação geral da consciência subjetiva com a realidade
objetiva não se eleva acima do imediatismo pelo qual o mundo social oposto
dos objetos deve permanecer algo estranho e até hostil. O conteúdo dessa
crítica a Kant e Fichte é conhecido por uma análise dos trabalhos de Hein
em Iena, portanto não abordaremos essa questão.

Igualmente metodologicamente nova à primeira vista é a impressionante


sequência com a qual Hegel, depois de ter substantiva e objetivamente na
análise das relações de trabalho e mercadoria, fez a transição da consciência

522
individual para a objetividade social, ainda assim argumenta com a filosofia
característica do estágio já superado. Por um lado, sabemos desde os
primeiros trabalhos de Hegel que ele considera Kant e Fichte como a mais
alta expressão filosófica da crise geral no desenvolvimento da humanidade,
que encontrou sua expressão sócio histórica na Revolução Francesa. Por
outro lado, conhecemos o lado idealista da "alienação" (EntauBerung) no
sistema hegeliano, como resultado do qual ele vê nas formas "superiores"
"espirituais" dessa "alienação" que estão longe da relação direta de
mercadorias.

Em lugares decisivos da Fenomenologia, a metodologia idealista de


Hegel é repetida, o que já encontramos ao expor suas visões econômicas e
que leva ao fato de que o reconhecimento legal é classificado como superior
às categorias econômicas.

O fato de Hegel ver na filosofia de Kant e Fichte, e não na dialética da


própria sociedade capitalista, é um verdadeiro ponto de virada para um
espírito objetivo, é uma expressão do mesmo idealismo filosófico que vimos
na distorção da relação entre categorias econômicas e jurídicas na doutrina
econômica. Certamente, é necessário ter em mente e criticar esse momento
idealista ao caracterizar a implantação de categorias em Hegel. No entanto,
embora esse momento seja nublado, ele ainda não pode distorcer
completamente e completamente a essência do próprio desenvolvimento – a
conquista pela consciência individual da dialética de sua própria atividade
econômica.

B. "Espírito objetivo"

Assim, Hegel levou a consciência individual a um estágio em que é


capaz de entender sua própria história, a história da raça humana em sua
realidade. É metodologicamente compreensível, além disso, é absolutamente
necessário que, deste ponto de vista, neste estágio de desenvolvimento da
consciência, tão difícil de alcançar, o curso real da história seja novamente
restaurado.

É verdade que, nesta fase, de uma maneira completamente diferente. O


fato de que, no primeiro exame da história, era a base escura e até
misteriosa do desenvolvimento fenomenológico, manifesta-se aqui em uma
conexão histórica ordenada e razoável. Objetivamente, isso é desnecessário
dizer sobre o mesmo processo histórico; objetivamente, a lei desse processo
histórico é a mesma; objetivamente, nem a relação do indivíduo com a
integridade sócio histórica, nem o papel das "ações e aspirações" subjetivas
nele mudaram. Mas já sabemos que, de acordo com a metodologia da
"Fenomenologia", todas as categorias aparecem em correlação com o sujeito
e são ordenadas de acordo com os estágios de desenvolvimento do sujeito.

523
Portanto, o mais alto nível de subjetividade significa ao mesmo tempo uma
nova forma da objetividade original do trabalho:

Assim, chegamos agora ao solo da história real, enquanto no primeiro


estágio da consideração do desenvolvimento histórico, embora fosse
histórico em si, no entanto, devido ao tipo especial de relação
fenomenológica da consciência com a realidade, a categoria do historicismo
em seu verdadeiro sentido hegeliano ainda não conseguia falar. Hegel
enfatiza fortemente a diferença qualitativa entre esta etapa e a anterior. Ele
diz nas observações introdutórias desta seção sobre as "formas de
consciência" que surgiram aqui: "Mas essas morfologias diferem das
anteriores, pois são espíritos reais, realidades no sentido próprio, formas de
algum mundo, e não formas de consciência"(22).

Ao analisar o mundo antigo, Hegel realiza esse pensamento


metodológico de maneira ainda mais concreta e acentuada, apontando a
diferença em relação ao estágio anterior de desenvolvimento, e não se deve
perder de vista o fato de que a característica específica que Hegel dá às
"formações do mundo" se refere ao mundo antigo e não a todo este estágio
da consciência. No entanto, acreditamos que essas afirmações de Hegel
sobre a diferença quantitativa entre o primeiro e o segundo estágio podem
ser muito melhor compreendidas nessa forma específica. "Assim, entidades
morais universais são uma substância como uma consciência universal e
uma substância como uma consciência única; sua realidade universal é um
povo e uma família... Vemos que, neste conteúdo do mundo moral, foram
alcançados objetivos que foram estabelecidos pelas antigas formas de
existência da consciência que não tinham substância.

E Hegel faz aqui uma crítica detalhada de várias "formações de


consciência" retratadas, considerando o nível alcançado aqui, se usarmos a
terminologia de sua lógica, a verdade do estágio anterior.
Consequentemente, estamos falando de história humana real, de acordo
com as tarefas específicas da "Fenomenologia", e aqui toda a história não
pode ser apresentada em sua forma original em extenso, mas as grandes
crises e pontos de viragem na história que se formam. épocas reais no
desenvolvimento da experiência tribal humana e da consciência da raça
humana.

Por conseguinte, esta seção está dividida da seguinte maneira:

A. "verdadeiro espírito, moralidade" (sociedade antiga e sua


decomposição);

B. "Espírito alienado, educação" (o surgimento da sociedade burguesa, a


crise ideológica na iluminação e a crise global na Revolução Francesa);

524
C. "Espírito que possui autoconfiança, moralidade". (A utopia de Hegel
sobre a Alemanha sob o reinado de Napoleão. Poesia e filosofia dos
clássicos alemães como a mais alta forma ideológica do período
napoleônico, resolução da crise global).

Assim, somos confrontados com a necessidade de fazer um breve


resumo do problema que ocupou um lugar central no pensamento hegeliano
desde a crise de Frankfurt – o problema do surgimento da sociedade
burguesa. A tarefa é mostrar, do lado judicial, como a sociedade antiga deve
necessariamente sofrer decadência e, por outro lado, como essa forma de
sociedade burguesa é o passo mais alto no desenvolvimento da humanidade
e, finalmente, como Hegel tenta emergir dessa decomposição”. reconciliar
"as contradições da sociedade burguesa. Aqui nos deparamos com uma série
de problemas, cuja formulação e solução de Hegel já estamos cientes de
seus primeiros trabalhos. Não vamos nos debruçar sobre esses pontos
conhecidos em detalhes aqui, enfatizamos apenas que

Este novo se aplica principalmente à dialética da "alienação"


(Entäußerung). Embora seja melhor se familiarizar com esse lado da filosofia
hegeliana, examinando suas atividades no período Iena, a Fenomenologia é
um trabalho em que o conceito de "alienação" (Entäußerung) se torna o
principal e principal conceito de toda dialética. Consequentemente, na
segunda seção – em um estágio mais alto de desenvolvimento e de forma
modificada – o processo de desenvolvimento, já apresentado na primeira
parte, é descrito novamente. Lá, o desenvolvimento passou da relação direta
da consciência para um mundo completamente estranho de objetos, para a
consciência emergente de que a objetividade social tem sua “alienação
objetiva” (Entäußerung), e aqui o movimento também vai do imediato à
completa alienação (Entäußerung).

Mas os dois passos nesta etapa significam algo completamente diferente


– algo objetivo. A imobilidade aqui é a atitude objetiva do homem antigo
perante a comunidade de uma república urbana democrática.

Assim, a decomposição dialética do imediatismo, o caminho para


completar a “alienação” (Entauberung) na sociedade capitalista não é um
processo inerente apenas à consciência. Pelo contrário, representa uma
decomposição social objetiva daquelas formas de sociedade que foram
constituídas nas repúblicas da cidade antiga; esse é um caminho complexo e
desigual – através de Roma, na Idade Média, até a gênese da sociedade
burguesa moderna. Hegel descreve este programa nas observações
introdutórias a esta seção.

Ele começa a descrever o mundo grego como o mundo da verdadeira


personificação da moralidade, mas, ao mesmo tempo, entende a

525
necessidade deste mundo se decompor para dar lugar a outro mundo, mais
elevado e alienado da sociedade burguesa moderna. "O espírito, uma vez
que é a verdade imediata, é a vida moral do povo; é um indivíduo que é
algum tipo de mundo. Ele deve ir à consciência do que é diretamente, tirar
uma bela vida moral e, depois de passar por uma série de formações,
alcançar o conhecimento de si mesmo.”(23).

A imagem da moralidade bonita e direta do mundo grego é aqui (e na


terceira seção) o pico da obra literária de Hegel. Como analisamos todos os
problemas básicos da compreensão hegeliana da sociedade antiga e seu
necessário pôr do sol, acreditamos que não há necessidade de abordar esses
problemas novamente. Só é necessário fazer comentários separados sobre o
declínio da antiguidade, sobre as formas de manifestação do espírito pelas
quais Hegel fornece uma descrição da gênese de um indivíduo alienado no
Império Romano. Isso não apenas nos traz claramente à ideia principal da
Fenomenologia, mas também pode ser usado, com base em exemplos
concretos, para esclarecer a diferença entre o primeiro estágio – o estágio do
espírito subjetivo – e o estágio de objetividade alcançado aqui.

Lembre-se de que, no primeiro estágio, de "dominação e escravidão"


surgiram "formas de consciência" representadas pela filosofia do estoicismo e
ceticismo e, mais tarde – "consciência infeliz" (cristianismo). Agora Hegel
descreve o mesmo processo do lado social objetivo.

A sociedade grega era, como sabemos, um estado de moralidade direta.


Sabemos que a relação entre o indivíduo e a sociedade resultou disso – o
desenvolvimento perfeito e harmonioso do homem como resultado da
harmonia direta entre o homem e a sociedade; no entanto, a pessoa
humana é inicialmente apresentada apenas em si mesma, diretamente, de
forma inalienável. Qualquer desenvolvimento da personalidade (lembre-se
do problema do egoísmo discutido anteriormente) deve ter um efeito
destrutivo e degradante nessa sociedade.

O resultado dessa decomposição é o surgimento, segundo o


entendimento de Hegel da história, do Império Romano – a moralidade
direta é substituída por um sistema abstrato de direito. A objetividade de
Hegel é revelada aqui no fato de que o momento decisivo é a lei, e isso não
pode nos surpreender, uma vez que conhecemos seus pontos de vista sobre
a sociedade. E, em particular, onde Hegel procura retratar a primeira e,
portanto, a mais simples e mais abstrata forma de “alienação”
(Entäußerung), segue-se naturalmente de seu conceito que o jurídico se
torna para ele “um simples conceito de“ alienação ”(Entäußerung) e apenas
graças ao desenvolvimento da economia. vida no sentido capitalista
moderno, esse "conceito simples" alcança um desenvolvimento real,
desmembramento na riqueza do sistema de momentos específicos.

526
Hegel descreve o estado social emergente e o sujeito alienado que
surgiu nele de uma maneira necessária: viram que as forças e formas do
mundo moral se afogavam na simples necessidade de um destino vazio. Esta
força do mundo moral é uma substância que se reflete em sua simplicidade;
mas a essência absoluta que se reflete, a saber, a necessidade indicada de
um destino vazio, não é por outro, como consciência "I". “Esse novo estado
é a sociedade romana, o estado do direito abstrato: ““... esse
reconhecimento é sua substância; mas essa substância" é uma universalidade
abstrata, porque seu conteúdo é "esse" eu frágil,

Então, a pessoa aqui emergiu da vida da substância moral; é realmente


uma independência significativa de consciência”(24).

É interessante aqui de que forma e em que conexão Hegel volta


novamente às "formas de consciência" correspondentes da primeira seção –
estoicismo e ceticismo. De particular interesse é que aqui "consciência infeliz"
não é mencionada. Hegel expressa sua opinião com muita clareza e não
exige comentários detalhados. Somente voltando-se para suas ideias básicas,
é possível mostrar que Hegel enfatiza energicamente a identidade substancial
entre o que essas formas ideológicas significam e o que significa o domínio
do direito romano (isto é, de acordo com Hegel, o estado da sociedade no
Império Romano), e ele acrescenta que o último forma a realidade,
enquanto as formas ideológicas são apenas uma opinião subjetiva dessa
realidade. "Que, para o estoicismo apenas na abstração, era" em si "“ ([-
sendo], G. L.) alcançou apenas o pensamento de independência; é
absolutamente para si mesmo, porque não conecta sua essência a nenhum
ser existente, mas, abandonando qualquer ser existente, acredita sua
essência exclusivamente na unidade do pensamento puro. Do mesmo
modo, o direito de uma pessoa não está conectado nem ao ser mais rico ou
poderoso do indivíduo como tal, nem a qualquer espírito vivo universal,
mas, pelo contrário, está conectado ao "único" puro de sua realidade
abstrata ou a ele como autoconsciência em geral”(25).

Essa conexão é ainda mais clara durante a transição de Hegel para a


descrição do ceticismo em sua comparação com o formalismo necessário do
estado legal. Aqui ele mostra que ambos estão por trás de uma força real
diferente – o poder do desenvolvimento social, que ambos são apenas uma
forma de expressão de um estado mundial em decomposição no qual os
elementos constituintes de uma sociedade burguesa emergente posterior
começaram a agir de maneira negativa. Eles ainda não formam esse vínculo,
que tem suas próprias leis e, de acordo com suas próprias leis, um sistema
móvel de relações "alienadas" das pessoas entre si em sua prática social;
portanto, eles aparecem como formas de manifestação de um poder social
desconhecido, aleatório e arbitrário: "Pois o que é considerado uma essência
absoluta é a autoconsciência como uma pessoa" vazia "pura. Em contraste

527
com essa universalidade vazia, a substância tem a forma de preenchimento e
conteúdo, e agora esse conteúdo recebe total liberdade e é desordenado,
porque não há mais espírito que a subordine e a mantenha em unidade.
Essa "pessoa" vazia (a Pessoa) em sua realidade é, portanto, uma existência
aleatória e desprovida de movimento e ação da essência, que não atinge
nenhuma constância. Assim como o ceticismo, o formalismo da lei, portanto,
em virtude de seu conceito é desprovido de um conteúdo específico,
encontra uma existência sustentável diversificada, posse e, como o ceticismo,
imprime nele a mesma universalidade abstrata, em virtude da qual a
propriedade é chamada propriedade. Mas se a realidade assim definida no
ceticismo é geralmente chamada de visibilidade e tem apenas valor negativo,
então, na lei, tem valor positivo... Nos dois [casos], existe um único e
abstrato universal; o conteúdo ou a certeza real da 'mina' – seja propriedade
externa ou riqueza interna ou pobreza de espírito e caráter – não está
contida nessa forma vazia e não tem nada a ver com isso. O conteúdo real,
portanto, pertence a algum poder próprio, que é algo diferente desse
formalmente universal, que é um acidente e arbitrariedade. A consciência da
lei, portanto, em seu significado real, experimenta a perda de sua realidade e
sua completa imaterialidade, e designar um indivíduo por uma pessoa é uma
expressão de desprezo então, na lei, tem um valor positivo... Nos dois
[casos] existe um único e abstrato universal; o conteúdo ou a certeza real da
'mina' – seja propriedade externa ou riqueza interna ou pobreza de espírito e
caráter – não está contida nessa forma vazia e não tem nada a ver com isso.
O conteúdo real, portanto, pertence a algum poder próprio, que é algo
diferente desse formalmente universal, que é um acidente e arbitrariedade. A
consciência da lei, portanto, em seu significado real, experimenta a perda de
sua realidade e sua completa imaterialidade, e designar um indivíduo por
uma pessoa é uma expressão de desprezo então, na lei, tem um valor
positivo... Nos dois [casos] existe um único e abstrato universal; o conteúdo
ou a certeza real da 'mina' – seja propriedade externa ou riqueza interna ou
pobreza de espírito e caráter – não está contida nessa forma vazia e não tem
nada a ver com isso. O conteúdo real, portanto, pertence a algum poder
próprio, que é algo diferente desse formalmente universal, que é um
acidente e arbitrariedade. A consciência da lei, portanto, em seu significado
real, experimenta a perda de sua realidade e sua completa imaterialidade, e
designar um indivíduo por uma pessoa é uma expressão de desprezo – se a
posse externa ou a riqueza interna ou a pobreza de espírito e caráter não
estão contidas nessa forma vazia e não têm nada a ver com isso. O conteúdo
real, portanto, pertence a algum poder próprio, que é algo diferente desse
formalmente universal, que é um acidente e arbitrariedade. A consciência da
lei, portanto, em seu significado real, experimenta a perda de sua realidade e
sua completa imaterialidade, e designar um indivíduo por uma pessoa é uma
expressão de desprezo – se a posse externa ou a riqueza interna ou a
pobreza de espírito e caráter não estão contidas nessa forma vazia e não têm

528
nada a ver com isso. O conteúdo real, portanto, pertence a algum poder
próprio, que é algo diferente desse formalmente universal, que é um
acidente e arbitrariedade. A consciência da lei, portanto, em seu significado
real, experimenta a perda de sua realidade e sua completa imaterialidade, e
designar um indivíduo por uma pessoa é uma expressão de desprezo“(26).

E Hegel observa ainda que a privatização da vida, a transformação de


todas as pessoas em entidades jurídicas abstratas, em burguesas econômicas
andam de mãos dadas com a queda completa de toda a vida pública, com o
crescente despotismo do imperador romano. Essa descrição, familiar para
nós em seu ensaio sobre direito natural, Hegel também termina com uma
breve descrição dos déspotas típicos – "senhores do mundo". Então, estamos
lidando aqui com a "alienação" (Entäußerung) em sua primeira forma
abstrata. A periodização de Hegel da filosofia da história reside no fato de
ele entender o Império Romano como um arauto abstrato do capitalismo
moderno, e a Idade Média como um episódio insignificante para o
desenvolvimento do espírito. A necessidade desse processo é que, segundo
Hegel, a essência social do homem não pode ser natural e direta. A bela
personificação dessa individualidade natural na democracia grega, portanto,
carrega a necessidade interna de colapso. O sujeito deve se incorporar cada
vez mais ao exterior e se alienar, entrando em laços sociais cada vez mais
ricos, graças a seu trabalho, graças a suas "ações e aspirações" individuais e
egoístas, o mesmo objeto-objeto dessas relações sociais e gradualmente
durante esse desenvolvimento. , no curso do desenvolvimento objetivo da
riqueza de definições sociais, da integridade e das leis do sistema econômico
moderno, conhecendo-se no topo de sua "alienação" (Entäußerung) como a
identidade do sujeito-objeto que a prática social. A bela personificação dessa
individualidade natural na democracia grega, portanto, carrega a
necessidade interna de colapso. O sujeito deve se incorporar cada vez mais
ao exterior e se alienar, entrando em laços sociais cada vez mais ricos, graças
a seu trabalho, graças a suas "ações e aspirações" individuais e egoístas, o
mesmo objeto-objeto dessas relações sociais e gradualmente durante esse
desenvolvimento. , no curso do desenvolvimento objetivo da riqueza de
definições sociais, da integridade e das leis do sistema econômico moderno,
conhecendo-se no topo de sua "alienação" (Entäußerung) como a
identidade do sujeito-objeto que a prática social. A bela personificação dessa
individualidade natural na democracia grega, portanto, carrega a
necessidade interna de colapso. O sujeito deve encarnar-se cada vez mais do
lado de fora e se alienar, entrando em laços sociais cada vez mais ricos,
agradecendo-se ao seu trabalho, graças às suas "ações e aspirações"
individuais e interessadas, o sujeito-objeto idêntico dessas relações sociais e
gradualmente durante esse desenvolvimento. , no curso do desenvolvimento
objetivo da riqueza de definições sociais, da integridade e das leis do sistema
econômico moderno, conhecendo-se no topo de sua "alienação"

529
(Entäußerung) como a identidade do sujeito-objeto que a prática social. O
sujeito deve encarnar-se cada vez mais do lado de fora e se alienar, entrando
em laços sociais cada vez mais ricos, agradecendo-se ao seu trabalho, graças
às suas "ações e aspirações" individuais e interessadas, o sujeito-objeto
idêntico dessas relações sociais e gradualmente durante esse
desenvolvimento. , no curso do desenvolvimento objetivo da riqueza de
definições sociais, da integridade e das leis do sistema econômico moderno,
conhecendo-se no topo de sua "alienação" (Entäußerung) como a
identidade do sujeito-objeto que a prática social. O sujeito deve encarnar-se
cada vez mais do lado de fora e se alienar, entrando em laços sociais cada
vez mais ricos, agradecendo-se ao seu trabalho, graças às suas "ações e
aspirações" individuais e interessadas, o sujeito-objeto idêntico dessas
relações sociais e gradualmente durante esse desenvolvimento. , no curso do
desenvolvimento objetivo da riqueza de definições sociais, da integridade e
das leis do sistema econômico moderno, conhecendo-se no topo de sua
"alienação" (Entäußerung) como a identidade do sujeito-objeto que a prática
social.

O processo filosófico universal, que forma a base da "Fenomenologia", o


domínio do sujeito sobre a riqueza da substância, ao retratar esse processo,
obtém sua forma mais pura e transparente. As definições essenciais também
aparecem aqui, em relação às quais Marx mostra repetidamente que elas
estão contidas na imagem mistificada de Hegel de "estranhamento"
(Entäußerung). De fato, a exposição de Hegel exclui tanto a imagem da
natureza, que ele interpreta apenas como a alienação (Entäußerung) do
espírito, como um processo puramente idealista de transformar laços em sua
cabeça, como Feuerbach corretamente apontou, – bem como o lado
religioso da sua teoria da alienação (EntauBerung). , ou seja, seu retorno ao
sujeito, à remoção da objetividade em geral como a remoção da "alienação"
(Entäußerung), encontrado nesta seção, não em detalhes, mas apenas no
final da exposição. Assim, aqui a alienação (Entäußerung) do sujeito
aparece como uma atividade social da raça humana, devido à qual a
objetividade autocriadora surge na sociedade, tirando sua vitalidade da
atividade social. sujeito, e no decorrer disso, torna-se cada vez mais rico,
bizarro, abrangente, substituindo o sujeito pela substância inanimada
anterior. Em uma palavra, alienando-se completamente, o sujeito se
reconhece teórica e praticamente como idêntico à substância. sujeito, e no
decorrer disso, torna-se cada vez mais rico, bizarro, abrangente, substituindo
o sujeito pela substância inanimada anterior. Em uma palavra, alienando-se
completamente, o sujeito se reconhece teórica e praticamente como idêntico
à substância. sujeito, e no decorrer disso, torna-se cada vez mais rico,
bizarro, abrangente, substituindo o sujeito pela substância inanimada
anterior. Em uma palavra, alienando-se completamente, o sujeito se
reconhece teórica e praticamente como idêntico à substância.

530
Somente do ponto de vista desse conceito filosófico se torna claro o real
significado da periodização hegeliana da história do mundo; somente dessa
posição é possível ver sua relativa justiça e concentrar o curso histórico dos
eventos para descrever a história do surgimento da sociedade burguesa
moderna. Já dissemos que Hegel presta pouca atenção à Idade Média. Em
alguns comentários, ele se refere à atitude dos senhores feudais em relação
ao monarca medieval. Ele está muito mais interessado na eliminação do
sistema feudal, e aqui para ele, assim como no artigo sobre a constituição, a
forma francesa de decomposição do feudalismo e o surgimento de uma
monarquia absoluta atua como uma forma clássica desse desenvolvimento.

Em geral, a orientação filosófica e histórica de Hegel para o


desenvolvimento da França na Fenomenologia é bastante óbvia.
Juntamente com a Grécia e Roma, a verdadeira essência filosófica e
histórica da qual ele claramente entendeu durante esse período, o
desenvolvimento da França é capaz, em sua opinião, de representar para a
filosofia todo o desenvolvimento moderno em sua forma pura. Assim, da
decomposição do feudalismo à Revolução Francesa, a "Fenomenologia" se
move exclusivamente em solo francês. E a França também é atraída para
representar a luta ideológica: a luta do Iluminismo com a religião também é
disputada em solo francês, na forma francesa, bem como na luta social e
política desse período. O único escritor que não é apenas mencionado em
todas essas declarações de Hegel, mas é citado, e literalmente, é Diderot.

A forma fenomenológica na qual a luta interna no absolutismo francês é


realizada é o oposto e a dialética do poder e da riqueza do Estado. Hegel
descreve como outrora vassalos independentes do reino descem ao nível de
bajuladores da corte, como apenas a obsequiosidade para com o monarca
cresce fora da "nobre consciência" da nobreza (novamente uma sugestão de
Montesquieu). Esse processo é ao mesmo tempo um processo de transição
do “poder estatal” para a “riqueza”, ao qual antes se opunha como algo
alheio e hostil.

De uma maneira peculiar de expor a Fenomenologia, é feita aqui uma


análise da burguesia gradual de uma monarquia absoluta. E, novamente, é
muito característico de Hegel que, antes, falando da transição do estado
natural para a civilização, ele considerasse o trabalho dos escravos como um
caminho do espírito para a autoconsciência, e agora ao descrever a "riqueza"
burguesa, ele não está no absoluto "poder do estado", Não é na "nobre
consciência" feudal que ele vê o caminho do sujeito para o ser-para-si, para
a transformação real da substância em sujeito, para um verdadeiro portador
da alienação historicamente progressiva. "A própria riqueza já representa um
momento para o ser-para-si"(27).

531
O conteúdo ideológico decisivo dessa transformação é a luta do
Iluminismo com a religião. Para compreender completamente o conceito
histórico de Hegel, é preciso primeiro dizer que seu Iluminismo surge no
quadro de uma monarquia absoluta burguesa, que a imagem da luta que o
Iluminismo travou ideologicamente contra a religião, Hegel se conecta
economicamente com a sociedade capitalista em desenvolvimento e sua
ideologia e politicamente com os franceses. revolução.

Quanto à luta do Iluminismo contra a religião, é impressionante como


sua descrição de "fé" é mal (a chamada religião aqui, como uma espécie de
"visão de mundo").

Somente no Iluminismo Hegel descobre uma verdadeira riqueza de


ideias. É verdade que ele faz, como em Frankfurt, uma crítica ao Iluminismo,
protestando que a religião deve ser entendida apenas como um engano
deliberado dos povos. Mas ele protesta contra essa visão, não em nome da
verdade substancial da religião, mas em nome do historicismo, a
necessidade histórica de formas ideológicas em certo estágio do
desenvolvimento da humanidade. "Se fizermos uma pergunta geral: é
possível enganar as pessoas, na verdade, seria apropriado responder que
essa pergunta é inadequada, porque é impossível enganar as pessoas. É
claro que, em alguns casos, você pode vender cobre em vez de ouro, uma
conta falsa em vez de real, pode tributar para muitos e travar uma batalha
perdida por uma vitória, é possível por algum tempo acreditar em qualquer
outra mentira sobre coisas sensíveis e eventos individuais; mas no
conhecimento da essência, onde a consciência tem autenticidade imediata, o
pensamento do engano desaparece completamente"(28).

Mas quão pouco a religião se beneficia dessa proteção é mostrado pelo


pensamento de Hegel a seguir, onde sua descrição da religião quase atinge o
ponto mais alto da crítica de Feuerbach: "... A iluminação caracteriza
corretamente a fé, dizendo sobre isso que é a essência absoluta para ela. de
sua própria consciência, seu próprio pensamento, algo gerado pela
consciência. Portanto, o Iluminismo a declara uma ilusão e uma ficção
relacionadas ao mesmo que o [próprio Iluminismo]”(29).

O desenvolvimento do Iluminismo é muito mais importante. Já sabemos


desde os primeiros trabalhos de Hegel do período Iena que ele entende a
filosofia do Iluminismo como um sintoma da grande crise que culminou na
Revolução Francesa. "Fenomenologia" nos dá uma imagem mais distinta e
detalhada dessa crise e sua compreensão por Hegel. A transformação
completa da sociedade, que, segundo Hegel, consistia na transformação do
feudalismo em uma monarquia absoluta e na burguesia da monarquia, é
descrita aqui como uma transição entre si de formas diferentes e, à primeira
vista, contraditórias, que expressam o choque de todos os fundamentos das

532
visões morais anteriores em desenvolvimento nesta época. formas de
moralidade pública; a relatividade dessas formas, sua transformação em seu
oposto, se torna aparente.

Já apontamos brevemente algumas dessas metamorfoses históricas, por


exemplo, a transformação da nobreza feudal em tribunal, a penetração do
poder do dinheiro, representado pela burguesia, em todos os órgãos e
instituições estatais.

Assim, a destruição da moralidade durante esse período de transição se


manifesta fenomenologicamente na transição mútua de "consciência nobre"
para "baixa" etc., e no fato de que para nós filósofos inevitavelmente se
torna aparente como esses tipos de relações morais se entrelaçam
dialeticamente.

A "consciência fragmentada", como o produto mais desenvolvido do


pensamento dessa crise de transição, compreende essa universal, tornando-
se a relatividade dominante. Para essa consciência, as "formas" e o que elas
expressam no plano sócio moral não aparecem como um processo em si, no
qual as "formas" passam uma para a outra; essa consciência alcança clareza
e compreensão do que realmente está acontecendo. Ele considera esse
processo como o desenrolar de sua própria fragmentação, afirmando-se
como o culminar desse processo, e percebe a consciência da dialética do
processo como a autoconsciência desse "processo". Mas a linguagem da
fragmentação é uma linguagem perfeita e o verdadeiro espírito existente
nesse mundo da educação como um todo. Essa autoconsciência,
caracterizada pela indignação, rejeitando sua rejeição, há diretamente
igualdade absoluta de si para si em perturbação absoluta, a pura mediação
da pura autoconsciência por si mesmo... Pois o ser-para-si tem seu próprio
objeto para si mesmo como algo simples, diferente "... não no sentido de
que isso este último tem um conteúdo diferente – não, o conteúdo é o
mesmo eu na forma de uma oposição absoluta e uma existência
completamente indiferente. Assim, existe um espírito desse mundo real da
educação, consciente de si mesmo na sua verdade e também do seu próprio
abraço” o conteúdo é o mesmo eu na forma de uma oposição absoluta e um
ser completamente indiferente. Assim, existe um espírito desse mundo real
da educação, consciente de si mesmo em sua verdade, bem como em seu
conceito “o conteúdo é o mesmo eu na forma de uma oposição absoluta e
um ser completamente indiferente. Assim, existe um espírito desse mundo
real da educação, consciente de si mesmo em sua verdade, bem como em
seu conceito”(30).

A ideia principal desta afirmação não é para nós algo completamente


novo. Já na “Diferença entre a Filosofia de Fichte e Schelling”, Hegel falou
da educação como um mundo de descontinuidade e ao mesmo tempo

533
considerava essa descontinuidade como uma crise e, no entanto, como uma
transição necessária para a verdadeira filosofia. Hegel também enfatiza mais
uma vez com grande força que o ceticismo real que surge da própria
essência da matéria tem um momento de verdade no conhecimento da
relatividade de vários objetos e conceitos entre si, um momento que pode
levar à conquista da penetração dialética na unidade dinâmica dos opostos.

Esse pensamento é incluído aqui por Hegel na estrutura social e


filosófica geral da "alienação" (Entäußerung). Devido à forma mais elevada
de “alienação” (Entäußerung), todas as conexões diretas na sociedade
humana se rompem, perdem sua identidade natural, sua auto-estabilidade
imediata e entram no ciclo dialético da emergente, nova e capitalista
sociedade, cuja essência é a alienação (Entäußerung). Mas a “alienação”
(Entäußerung) não é um processo externo que pode acontecer a um sujeito
sem transformar sua essência. Nos passos primitivos, a "alienação"
(Entäußerung) é feita inconscientemente. Suas consequências aparecem
diante da consciência como um destino externo incompreensível. No
entanto, em um nível superior, que em Hegel aparece como uma
fragmentação autoconsciente,

Alguns anos antes da escrita de "A Fenomenologia do Espírito", Goethe


abriu o manuscrito com o diálogo engenhoso do "Sobrinho de Rameau", de
Diderot, e o publicou em alemão em uma tradução de comentários. É
característico do parentesco interior de Goethe e Hegel que Hegel foi o
primeiro daqueles que entenderam o significado artístico, mental e social
desse trabalho extraordinário. E não é por acaso que o diálogo Diderot é o
único trabalho de escritores contemporâneos citados na Fenomenologia.

No entanto, Hegel, na sua interpretação deste trabalho, vai além de


Goethe. Para Hegel, o diálogo Diderot não é apenas uma obra-prima que
expressa seu tempo de maneira inigualável, mas um fenômeno do
Iluminismo, onde a dialética aparece de maneira consciente. De fato, o
significado filosófico de "alienação" (Entäußerung) para Hegel, como
sabemos, reside precisamente no fato de que, na alienação, aquela forma
particular de dialética que Hegel já descobriu no período de Frankfurt ganha
sua expressão. E, ao mesmo tempo, quando ele contrasta sua própria
dialética com a dialética de Fichte e Schelling, rejeitando-as, ele vê em
Diderot uma pessoa próxima e seu antecessor. (Observemos de passagem
que Marx e Engels concordam plenamente com Hegel na avaliação do
excelente trabalho de Diderot:

O que é especialmente importante para a Fenomenologia é que, em seu


diálogo, Diderot deriva da dialética não de considerações filosóficas
abstratas, mas de uma interpretação da vida dos problemas morais da
época. Portanto, o diálogo Diderot se torna para Hegel um objeto peculiar

534
de apresentação das principais ideias filosóficas e históricas, em particular a
que a dialética, sendo uma consciência subjetiva, também é um produto da
vida social, e não apenas o resultado de um pensamento filosófico abstrato.

Filosofia como o mais alto desenvolvimento do pensamento humano,


falaremos sobre isso a seguir, de maneira nenhuma, segundo Hegel, a tarefa
de compreender um novo conteúdo: sua função original e peculiar é apenas
organizar e explicar o curso do desenvolvimento social criado por tal de
modo que, de forma clara e não verificada, seja revelada a maior
regularidade – a dialética.

A compreensão de Hegel de como a autoconsciência do processo social


e moral surge necessariamente na consciência como uma dialética, embora
na forma de entender a própria vida e na forma consciente da filosofia, é
expressa por ele em sua interpretação do Iluminismo, ilustrada precisamente
pelo exemplo do diálogo Diderot. Hegel faz uma apresentação metodológica
do trabalho de Diderot, cita-o e acredita que estamos falando de um ponto
de virada tão importante no desenvolvimento fenomenológico da
consciência humana que é necessário mostrar isso com mais detalhes. A
natureza desse ponto de virada é clara na exposição anterior e nas palavras
de Hegel citadas anteriormente: até agora, as "formas" fenomenológicas dos
objetos eram dialéticas objetivas, agora a dialética se tornou subjetiva, o
sujeito "alienado" conhece toda a dialética da "alienação" (Entäußerung).

Hegel, falando do espírito do "mundo real da educação", escreve: "Ele é


essa perversão e alienação absoluta e universal da realidade e do
pensamento, educação pura. Neste mundo, é aprendido por experiência que
nem a verdadeira essência do poder e da riqueza, nem seus conceitos
específicos – o bem e o mal ou a consciência do bem e o mal, a consciência
nobre e básica – não possuem a verdade, e todos esses momentos são
pervertidos um no outro, e cada um é o oposto de si mesmo. Poder geral,
que é uma substância, alcançou o seu próprio valor. devido ao princípio da
individualidade, a audição recebe seu próprio eu somente na forma de seu
nome e, sendo poder real, há, pelo contrário, uma entidade impotente que
se sacrifica, mas esse eu sem essência ou eu que se tornou uma coisa, é,
pelo contrário, o retorno da essência para si mesma; é por si mesmo
existindo por si mesmo, a existência do espírito. Os pensamentos sobre essas
entidades, sobre o bem e o mal, se voltam exatamente nesse movimento: o
que é definido como bom é ruim; o que é definido como mal é bom. A
consciência de cada um desses momentos, considerada uma consciência
nobre e básica, em sua verdade exatamente o mesmo, é exatamente o
oposto do que essas definições deveriam ser – uma consciência nobre é tão
básica e rejeitada quanto uma rejeição se transforma na nobreza da
liberdade mais desenvolvida autoconsciência – Da mesma forma, de um
ponto de vista formal, tudo do lado de fora é o oposto do que é para si

535
mesmo e, por sua vez, o que é para si, não é verdade, mas há algo mais que
isso o que quer ser: por si mesmo Eu-ser é, pelo contrário, a perda de si
mesmo e a alienação de si mesmo é, pelo contrário, a autopreservação.
Portanto, existe o fato de que todos os momentos exercem justiça universal
em relação um ao outro, cada um em si mesmo se aliena na mesma medida
em que se apresenta no oposto de si mesmo e assim o perverte. O
verdadeiro espírito, no entanto, é precisamente essa unidade dos
[momentos] absolutamente separados um do outro e, ao mesmo tempo,
atinge a existência como um termo médio desses termos extremos
autoprovocados, precisamente graças à sua realidade livre... Esses
julgamentos e conversas são, portanto, verdadeiros e irresistíveis, até agora
eles superam tudo; eles são os únicos verdadeiramente importantes neste
mundo real. Toda parte deste mundo alcança aqui que seu espírito (sein
Geist) fala, ou que é espirituoso (mit Geist) fala (e fala, G. L.) considera cada
momento como uma materialidade constante, e é uma falta de educação
sem instrução quando não sabe que é assim que se trata de perversão. Mas
uma consciência dilacerada é uma consciência de perversão e, além disso,
perversão absoluta; o conceito é aquele que domina essa consciência e liga
pensamentos que estão distantes um do outro em relação à honestidade e,
portanto, sua linguagem é espirituosa (Geistreich)“(31).

Esse raciocínio é apresentado tão completamente, porque aqui está o


ponto principal no caminho do estudo de Hegel sobre o desenvolvimento da
experiência genérica da humanidade, onde a dialética é revelada com toda
clareza. E para a filosofia da história de Hegel, é de grande importância que
a descoberta da dialética não seja apenas um momento da própria vida, mas
também um produto da alienação capitalista (Entäußerung) da vida social e
pessoal e que, portanto, a autoconsciência possa chegar a um conhecimento
real de si mesmo, ao conhecimento como elemento e partes da realidade
objetiva apenas neste processo de alienação (Entfremdung).

Isso acrescenta outro ponto significativo, a saber, que Hegel vê na


filosofia e na poesia do Iluminismo uma expressão de consciência da
dialética. É claro que a dialética que é revelada aqui ainda não é a que
Hegel vê como perfeita. Se você ler atentamente a citação acima, poderá ver
que, embora a dialética descrita aqui inclua como um momento a transição
de definições opostas uma para a outra, ela não inclui o momento da síntese
dialética. Os opostos se transformam continuamente e, assim, revelam a
insignificância de todas as ideias metafísicas sobre a essência imóvel dos
objetos, sobre sua identidade abstrata consigo mesma. A transformação
contínua de um oposto em seu oposto não é direcionada a lugar algum, é
uma transição móvel perpétua de opostos um para o outro.

Isso explica por que a representação dialética da sociedade capitalista é


mais adequada no sentido de que, do ponto de vista da moralidade social, é

536
central para esta análise, em comparação com onde Hegel leva essas
contradições a uma síntese mais elevada, à "reconciliação".

Mas tal dialética, que não contém foco no progresso, não é capaz de
apresentar a história do desenvolvimento da humanidade em sua conexão,
na linha principal de seu desenvolvimento progressivo, como já vimos em
conexão com a análise da “tragédia da moralidade”. Isso leva a uma
contradição no pensamento hegeliano, à qual retornaremos mais uma vez.

Não se trata do fato de que a consciência dialética geralmente é


alcançável no pensamento humano, mas em que relações sociais específicas,
em que situação histórica, em relação às quais batalhas ideológicas, ocorre
uma transição para essa autoconsciência ideológica. E aqui novamente é
necessário repetir que Hegel, por um lado, interpreta e descreve todo esse
período como o período mais importante da história da humanidade,
mesmo como uma crise decisiva. Por outro lado, a dialética da "consciência
dilacerada" não é apenas uma expressão dessa crise, mas também uma
ferramenta decisiva do espírito humano em sua luta pela fé.

Nesse sentido, Hegel enfatiza a força irresistível desse pensamento. A


seção inteira é apresentada sob o signo da vitória do Iluminismo sobre a
religião. Ponto a ponto, ele é expulso de suas posições assumidas ao longo
de milênios, e todas as áreas da ideologia que anteriormente estavam cheias
de conteúdo religioso são permeadas pela dialética do movimento imanente
de objetos terrestres, pessoas e suas conexões sociais, consciência humana e
coisas nas quais a prática humana se desdobra. "Por causa disso, a fé perdeu
o conteúdo que preencheu seu elemento e, em si mesma, mergulha em
alguma vibração sem vida (Weben) do espírito. Ela é expulsa de seu reino,
ou: seu reino é devastado, porque a consciência desperta se apropriou de
qualquer distinção nele e na expansão". ele e todas as suas partes foram
sacrificadas e devolvidas à terra como propriedade“(32).

É verdade que Hegel faz algumas reservas aqui, mas elas se relacionam
a estágios posteriores de desenvolvimento – à esfera do "espírito absoluto",
onde, como veremos, a religião desempenha um papel completamente
diferente. As reservas que Hegel faz aqui em relação ao irresistível triunfo do
Iluminismo, portanto, provam ser uma preparação para a transição para a
próxima etapa. Aqui, na fase da crise do novo espírito emergente, no campo
da transição real do espírito em si devido à completa “alienação”
(EntauBerung), a insuperabilidade do Iluminismo é um fato
progressivamente necessário para Hegel.

O próximo capítulo desta seção é intitulado "A verdade da iluminação".


Essa verdade, ou de acordo com a terminologia geral hegeliana, um estágio
mais elevado do desenvolvimento dialético, é uma sociedade capitalista

537
desenvolvida. Já o encontramos na primeira seção de Fenomenologia. Ali
apareceu, visto do ponto de vista da consciência individual, como o "reino
espiritual dos animais", como um mundo de interesse próprio. É verdade
que, ao mesmo tempo, o movimento social em si – não reconhecido pelo
sujeito individual – alcançou o significado de universalidade e socialidade
das "ações e aspirações" individuais do sujeito interessado. Em um nível
mais alto da experiência patrimonial, uma conexão social já está expressa, é
claro, com relação ao desenvolvimento da consciência das pessoas, em
constante correlação com o desenvolvimento da consciência(33). O conceito
hegeliano de "alienação" (Entfremdung) obtém aqui uma expressão clara. A
afirmação disso é de grande importância para o correto entendimento da
terceira seção. Aqui veremos que a autoconsciência completa do espírito
absoluto no "conhecimento absoluto" não acrescenta nada significativo em
comparação com esse estágio.

O mais alto grau de alienação (Entfremdung) permite alcançar a mais


alta abstração – a essência da sociedade capitalista. Como o conceito
anterior de interesse próprio puramente subjetivo de Hegel eleva-se a um
nível mais alto de objetividade, ele sistematiza novamente as ideias básicas
da filosofia social do Iluminismo: ele renova, de uma forma que se tornou
dialética para o sujeito, a teoria da utilidade ou a teoria da exploração do
Iluminismo.

É interessante traçar como Hegel, por um lado, generaliza e objetiva a


dialética que já conhecemos no campo da filosofia moral e, por outro lado,
forma dela a lei dialética do movimento objetivo da sociedade capitalista e,
ao mesmo tempo, dela deriva a teoria da "utilidade". Além disso, ele procede
do conceito de perpetuum dialectic mobile, que acabamos de descrever.
"Esse simples movimento rotacional em torno do eixo deve ser disperso,
porque ele próprio é movimento apenas na medida em que distingue seus
momentos. Essa distinção de momentos descarta o que é imóvel, como uma
concha vazia de ser puro, que dentro de si não é mais real" pensar não é
vida, pois, sendo uma diferença, é todo o conteúdo, mas isso é uma
diferença. que se estabelece fora da unidade indicada, é, portanto, uma
mudança ininterrupta de momentos em si mesmo – no próprio ser, sendo
para o "outro" e para o próprio ser, é a realidade como é, um objeto para
uma verdadeira consciência de pura sanidade, – [isto é] utilidade.

Por pior que seja a utilidade da fé, do sentimentalismo ou da abstração,


que se chama especulação e que se assegura [sendo], na utilidade, a pura
sanidade completa sua realização e tem para si seu próprio objeto, que é
mais não nega mais e que também não lhe interessa o vazio ou o puro
sobrenatural. Pois pura sanidade, como vimos, é um conceito muito
existente ou mesmo uma personalidade pura e igual, distinguindo-se de
maneira que um diferente (Unterschiedenen) é um conceito puro, ou seja,

538
desprovido de distinção: (nicht unterschieden); é uma simples
autoconsciência pura, que está em alguma unidade imediata tanto para si
quanto para si mesma“(34).

Aqui, Hegel fornece uma descrição fenomenológica da relação das


pessoas sob o capitalismo como uma entidade altamente alienada
(Entäußerung) e, portanto, a forma mais progressiva de desenvolvimento
humano adequada ao espírito. A sociedade capitalista, de acordo com esta
descrição, é uma transição móvel perpétua de uma coisa e eu. Cada pessoa
em uma transição contínua simultânea e inextricavelmente tem as duas, a
unidade de dois pontos. E somente porque essa dialética é continuamente
reproduzida, uma vez que uma pessoa, buscando utilidade subjetiva dessa
maneira, cria utilidade objetiva, desde que o perpetuo móvel do capitalismo
seja preservado no real movimento próprio de seu processo – um protótipo
real desse estágio da dialética hegeliana.

Quão grande é o papel de traduzir os conceitos de sociedade capitalista


para a linguagem da dialética, já vimos quando consideramos as
consequências muito abstratas que Hegel deduz da ideia de utilidade.
Formalmente, estamos falando de uma relação completamente abstrata
entre o ser em si, o ser por outro e o ser por si mesmo, no entanto, se você
pensar mais profundamente no núcleo substantivo desta explicação, poderá
ver que estamos falando da dialética fenomenológica da relação de
mercadoria, que Hegel explora aqui objetivamente, em seu auto-movimento
e subjetivamente, em sua correlação com a consciência humana de uma
sociedade capitalista. "O seu ser não é, portanto, um ser permanente, mas
imediatamente deixa de haver algo na sua diferença; o ser, diretamente sem
apoio, não é por si só, mas essencialmente por algum 'outro', que é poder, é
absorvente. Mas esse segundo momento, o oposto do primeiro, no ser,
desaparece tão diretamente quanto o primeiro, ou: como sendo apenas para
o "outro", é melhor dizer, o próprio desaparecimento – e o retorno a si
mesmo é estabelecido, por si mesmo... Essa é a natureza da pura sanidade
mental na divulgação de seus momentos ou como um objeto se manifesta
útil. É algo em si mesmo estável ou coisa, ao mesmo tempo em que esse ser
em si é apenas um momento puro; é, portanto, absolutamente para alguns
"outros", mas da mesma maneira é apenas para alguns "outros" como é em
si; esses momentos opostos retornam à unidade inseparável do ser-para-si”
como sendo apenas para o “outro”, é melhor dizer que é a própria extinção
– e o retorno ao eu, pois o eu é estabelecido... Essa natureza de pura
sanidade ao revelar seus momentos ou como um objeto expressa é útil. É
algo em si mesmo estável ou coisa, ao mesmo tempo em que esse ser em si
é apenas um momento puro; é, portanto, absolutamente para alguns
"outros", mas da mesma maneira é apenas para alguns "outros" como é em
si; esses momentos opostos retornam à unidade inseparável do atou-se”
como sendo apenas para o “outro”, é melhor dizer que é a própria extinção
539
– e o retorno ao eu, pois o eu é estabelecido... Essa natureza de pura
sanidade ao revelar seus momentos ou como um objeto expressa é útil. É
algo em si mesmo estável ou coisa, ao mesmo tempo em que esse ser em si
é apenas um momento puro; é, portanto, absolutamente para alguns
"outros", mas da mesma maneira é apenas para alguns "outros" como é em
si; esses momentos opostos retornam à unidade inseparável do atou-se” É
algo em si mesmo estável ou coisa, ao mesmo tempo em que esse ser em si
é apenas um momento puro; é, portanto, absolutamente para alguns
"outros", mas da mesma maneira é apenas para alguns "outros" como é em
si; esses momentos opostos retornam à unidade inseparável do ser-para-si”
É algo em si mesmo estável ou coisa, ao mesmo tempo em que esse ser em
si é apenas um momento puro; é, portanto, absolutamente para alguns
"outros", mas da mesma maneira é apenas para alguns "outros" como é em
si; esses momentos opostos retornam à unidade inseparável do ser-para-
si”(35).

Portanto, a dialética das relações de mercadoria é uma revelação


concreta do que significa a unidade dialética de uma coisa e eu. O duplo
significado de objetividade e subjetividade de utilidade expressa em Hegel o
movimento da prática humana, no qual e devido à qual surge a objetificação
social de uma pessoa, é um retorno à subjetividade, à relação social. itens. A
teoria da utilidade emprestada do Iluminismo em Hegel significa a maior
realização do pensamento, possível neste estágio. A teoria da utilidade é
uma cognição adequada e, na medida em que, para Hegel, o estágio do
autoconhecimento do espírito. Mas ainda não é o último estágio da
cognição, pois é o autoconhecimento desse estado, mas não de todo o
desenvolvimento que o leva e ultrapassa suas fronteiras. "Em sanidade útil e
pura, portanto, O sujeito tem seu próprio conceito em seus momentos puros
é a consciência dessa metafísica, mas ainda não sua compreensão no
conceito; essa consciência ainda não atingiu a unidade do ser e o próprio
conceito”(36).

Nesta limitação do nível de cognição alcançado aqui, encontramos


novamente o problema fundamental geral da dialética hegeliana – uma
tentativa de superar incondicionalmente acima do simples
autoconhecimento da sociedade capitalista, que, no entanto, está
relacionado à inevitabilidade de realizar essa auto-exaltação na forma de
utopia ou na forma de "reconciliação" adaptativa, em outras palavras, somos
confrontados com a inevitabilidade do "positivismo acrítico" e, ao mesmo
tempo, com o "idealismo acrítico" da dialética hegeliana.

No entanto, devido à complexa polissemia existente aqui para a filosofia


hegeliana, certamente é necessário enfatizar qual nível de auto-compreensão
do espírito é o nível alcançado. Poderíamos ver e afirmar isso na dialética do
Iluminismo, do lado da dialética da consciência. Nas observações finais do

540
capítulo considerado aqui, Hegel aborda essa questão do lado da dialética
do ser. Ele afirma que nas etapas anteriores da "Fenomenologia" havia uma
falta de realidade mundial para a consciência humana. É precisamente nisso
que a sociedade capitalista realizada e desenvolvida traz consigo algo novo
na história. "Essa deficiência foi alcançada em utilidade, na medida em que
a pura sanidade ganhou nela objetividade positiva; em virtude disso, a pura
sanidade é uma consciência válida e satisfeita em si mesma. Essa
objetividade agora constitui seu mundo; tornou-se a verdade de todo o
mundo precedente, ideal e real... Útil é um objeto, porque a autoconsciência
penetra nele e, uma vez que a autenticidade única de si mesma encontra
nele prazer (seu próprio ser); dessa maneira, examina sensatamente o
sujeito, e esse olhar sensível também incorpora a verdadeira essência do
sujeito (consistindo no fato de que é algo permeável aos olhos ou para
alguns "outros"); portanto, essa própria sanidade é o verdadeiro
conhecimento e a autoconsciência, assim como possui diretamente a
autenticidade universal de si mesma, sua pura consciência a esse respeito,
na qual, portanto, estão unidos como verdade, assim é o ser real e a
realidade. Ambos os mundos são reconciliados, e o céu é transplantado para
a terra.”(37).

Segundo o entendimento de Hegel, a realidade capitalista corresponde


à visão dialética de que, como autoconhecimento de uma pessoa
socialmente desenvolvida, encontrou expressão no Iluminismo. A realidade e
a verdade de ambos os movimentos – realmente sociais e ideológicos – são
à base da irresistibilidade com que penetram no mundo da realidade e no
mundo do pensamento. Esse movimento irresistível do espírito humano para
um estágio mais alto de seu desenvolvimento – para o estágio mais alto de
alienação (Entauberung), levando a um retorno ao sujeito – na
Fenomenologia tem outra terceira, mais alta e extrema “imagem do
mundo”, a Revolução Francesa e o Terror de 1793 E aqui Hegel enfatiza a
irresistibilidade desse movimento. O capitalismo e o esclarecimento deviam
levar a uma forma superior – "alienação" (Entäußerung) – "liberdade
absoluta", seu movimento triunfante no mundo deveria começar. "Esta
substância inseparável da liberdade absoluta está sendo ascendida ao trono
do mundo, e nenhuma força é capaz de resistir a ele”(38).

As ideias de Hegel sobre a Revolução Francesa já são conhecidas por


nós. Portanto, não há necessidade de insistir neles com mais detalhes.
Mencionamos apenas como resumo alguns pontos. Hegel enfatiza, antes de
tudo, que a revolução francesa significa uma ruptura na história mundial,
que depois dela nenhuma das "imagens do mundo" anteriores pode retornar
em sua forma antiga. "Todas essas definições se perdem no dano que o eu
experimenta em absoluta liberdade..."(39).

541
O estado mundial que surgiu aqui surgiu sobre os escombros do antigo
e é uma verdadeira remoção no sentido hegeliano da palavra. Até a
“liberdade absoluta”, o “terror jacobino”, de acordo com o entendimento de
“Fenomenologia do espírito”, também é historicamente inevitável: eles
constituem o ponto mais alto absoluto da “alienação” (Entäußerung), o
ponto de virada no qual o retorno da “alienação” (Entäußerung) ao sujeito
pode ocorrer. . “Assim, a liberdade absoluta suavizou em si o próprio oposto
da vontade universal e individual; o espírito alienado, levado ao extremo de
seu oposto, no qual a pura manifestação da vontade e a que manifesta a
pura vontade reduz essa oposição a uma forma transparente e encontra-se
nele”

Mas o estádio de "reconciliação" com a realidade alcançada aqui – o


estágio do terror jacobino, que torna possível a Robespierre cumprir o papel
de Teseu na sociedade burguesa – acaba sendo uma "reconciliação" real
com essa sociedade burguesa. Em outras palavras, assim como nas primeiras
palestras do período iene sobre "liberdade absoluta", esses momentos foram
destruídos, nos quais, segundo Hegel, algo mais foi apresentado do que a
destruição das sobrevivências feudais e a liberação de todas as forças da
sociedade burguesa. Hegel chama a liberdade absoluta de "a perfeita
interpenetração da autoconsciência e da substância", no entanto, ele faz a
seguinte reserva: "... a interpenetração, na qual a autoconsciência, a
experiência reconheceu o poder negativo de sua essência universal em
relação a ela, gostaria de conhecer e não se achar tão isso é especial”(40).

Apesar da ambiguidade estilística deste lugar, segue-se com evidências


inegáveis que o especial deve ser entendido como a preservação, a liberação
da sociedade capitalista, enquanto a universalidade universal aqui significa a
transição da igualdade social formal, legal e legal para a igualdade social
genuína. Já sabemos pelas muitas citações anteriores de Hegel que ele vê
claramente a desigualdade real na sociedade burguesa precisamente com
base na igualdade de direitos criada pela Revolução Francesa, e é esse
estado da sociedade realisticamente entendido no capitalismo que é
concebido e afirmado como progressivo, enquanto tempo como qualquer
maneira de sair do estado de uma sociedade que eliminou privilégios
feudais, e cada passo no caminho para criar uma igualdade real lhes é
negado "como uma conversa fiada".

Junto com isso, surge o problema que já discutimos parcialmente na


análise da "tragédia da moralidade", no entanto, aparece de forma
modificada devido à mudança do estado político do mundo e à metodologia
específica deste trabalho. Vamos primeiro apontar a mudança do estado
político do mundo. Embora a “Fenomenologia” tenha sido essencialmente
concluída quando a batalha de Iena foi travada, Austerlitz e muitos outros
atos do império napoleônico já haviam ocorrido, de modo que a batalha de

542
Iena não poderia causar a Hegel uma mudança acentuada em suas visões
anteriormente defendidas, mas apenas sua aprovação adicional. E essa
posição geral refletiu-se apropriadamente na parte final do "espírito
objetivo", e especialmente na imagem da Alemanha.

As opiniões políticas de Hegel deste período são conhecidas por nós das
outras cartas a Nithammer. Em um deles, após a queda de Napoleão, Hegel
aponta para os aspectos decisivos da transição dialética da Revolução
Francesa para a descrição do estado da Alemanha como o ponto em que ele
antecipou mentalmente o desenvolvimento futuro. Este lugar é diretamente
adjacente ao que citamos acima, onde Hegel descreve os resultados
positivos e irreversíveis da "liberdade absoluta" para o desenvolvimento do
espírito. Hegel expande sua explicação da seguinte maneira: "Assim como o
reino do mundo real passa para o reino da fé e da sanidade, a liberdade
absoluta passa da realidade autodestrutiva de alguém para outro país com
um espírito autoconsciente, onde é considerado verdadeiro nessa invalidez,
no pensamento sobre o qual o espírito encontra prazer, porque é um
pensamento e permanece um pensamento, e sabe que isso está encerrado
na autoconsciência como uma entidade perfeita e completa. Uma nova
forma surgiu – moral"(41).

Assim, o capítulo sobre "moral" descreve a utopia de Hegel sobre a


Alemanha sob o domínio de Napoleão. É característico a falta de conteúdo
em comparação com os capítulos anteriores. Seu conteúdo mais importante
é uma repetição sistemática da crítica de Iena às teorias da moralidade de
Kant, Fichte e Jacobi. Não é preciso dizer que neste capítulo o fato de Hegel
sistematizar apenas suas ideias filosóficas, históricas e outras gerais
desaponta. O mesmo vale para as seções sobre antiguidade e a Revolução
Francesa, mas essas partes são significativas porque contêm uma
apresentação filosófica profunda e original dos estágios mais importantes do
desenvolvimento sócio-histórico. Aqui, no entanto, quando Hegel realmente
teve que dizer qual é a essência da nova era mundial, que ele anunciou nas
palestras de Iena.

Em suas avaliações críticas anteriores desses pensadores, Hegel sempre


apelou à moralidade pública em oposição às reivindicações abstratas de
várias formas de idealismo subjetivo. Assim, por exemplo, em contraste com
Jacobi, ele revela de maneira correta e convincente a correspondência entre
moralidade individual e moralidade pública entre os gregos. No entanto,
esse caminho, em virtude de certas condições e objetivos da Fenomenologia,
ainda não se torna aparente para ele. Afinal, ele tinha que provar que essa
correspondência estava conectada com um estado moral da sociedade que,
na realidade, não existia. Hegel acredita que na Alemanha, livre do
feudalismo dessa maneira, seria realizada uma nova forma superior de
capitalismo, a relação correta entre o estado, a moralidade e a vida

543
econômica, a relação que ele é antes disso, o caráter da obrigação que não
havia sido encontrado anteriormente por Hegel é mais claramente revelado
na seção final do capítulo, onde o "espírito absoluto" incorporado na religião
aparece como o verdadeiro conteúdo desse estado da sociedade.

Pela primeira vez, revela a afirmação da realidade que veio a si mesma


ou a "reconciliação" à qual toda a filosofia da história de Hegel foi
direcionada neste trabalho. O “sim” reconciliador, no qual ambos 'eu'
deixam seu ser oposto, é o presente sendo expandido para a dualidade do
'eu', que permanece igual a si mesmo e em seu completo desapego e no eu
oposto possui a autenticidade de si; ser um deus entre aqueles que se
conhecem como puro conhecimento”(42). Já conhecemos o conceito
filosófico geral de Hegel, segundo o qual seu "espírito objetivo" deve sempre
transcender-se ao "espírito absoluto".

Mas em todos os outros pontos da filosofia social, Hegel, antes de


começar a avançar em direção à "reconciliação", dá uma imagem real das
contradições sociais que podem encontrar nele a unificação e a remoção
finais somente nesta forma mais elevada. Aqui, essa parte positiva – o lado
social da "reconciliação" – permaneceu vazio e o pensamento do estágio
preparatório sócio-moral salta diretamente para a esfera do "espírito
absoluto".

Agora, de um lado um pouco diferente, podemos considerar a diferença


entre a filosofia da história de Hegel no período napoleônico e
posteriormente, que examinamos em detalhes. A “reconciliação” do final de
Hegel foi uma reconciliação com a situação atual da sociedade – embora,
em alguns casos, com tonalidade utópica – mas, em essência, com o estado
atual da Prússia das décadas de 1920 e 1930. Aqui, a reconciliação tem um
conteúdo puramente utópico. Por um lado, é característico da honestidade
de Hegel, como pensador, que ele preferiu deixar esses lugares ainda vazios
na realidade e teoricamente vazios, em vez de apresentar fantasias puras na
forma de realidade. Por outro lado, é objetivamente óbvio, no entanto, a
superioridade de uma forma superior de "reconciliação", superioridade no
sentido de seu conteúdo econômico e social real. (Graças a essa forma
particular de desenvolvimento da história alemã e ao lugar que Hegel ocupa
nela, o elemento mistificado do "espírito absoluto" é reforçado e fortalecido).

Por um tempo, o dualismo das tradições esotéricas e exotéricas, sobre as


quais falamos ao analisar sua filosofia religiosa, também se encontra aqui em
sua filosofia social e filosofia da história. Certamente, nos dois casos,
estamos falando de uma interação complexa e da transição dessas duas
tendências uma para a outra, no caso extremo de silenciar ou abafar
algumas crenças em obras publicadas, e não sobre o constante dualismo de
visões publicadas e ocultas.

544
O fato de que o "espírito absoluto" já vem à tona no desenvolvimento
substancial da doutrina da sociedade necessariamente decorre do fato de
que, sob as condições históricas dadas, que Hegel sempre se esforçou para
considerar realisticamente, não havia outra maneira de determinar o lugar
histórico da Alemanha. Na própria “Fenomenologia”, isso é revelado, como
já vimos, na utopia vazia do “espírito moral”. Somente após a queda de
Napoleão essa tendência se estabeleceu temporariamente com tanta força
que o povo alemão apareceu na história! como portador de "espírito
absoluto", como arauto da filosofia. Hegel fala sobre isso em seu discurso de
abertura em Heidelberg (1817): "Nós (ou seja, os alemães. – G. L.)
recebemos da natureza uma alta vocação para ser os guardiões deste fogo
sagrado, assim como... mesmo antes que o espírito do mundo tivesse
preservado para o povo judeu uma consciência mais elevada de que ele,
esse espírito, viria deste povo como um novo espírito”(43). É claro que em
Hegel esse desvio extremo da realidade histórica, do significado real da
filosofia não poderia demorar. No período de Berlim, a já conhecida forma
final de "reconciliação" substitui essa orientação extrema por "espírito
absoluto". No entanto, dentro da estrutura desse entendimento, existe certa
tendência esotérica. Para Hegel, neste período de transição, o conhecimento
absoluto não é apenas uma declaração vazia, em termos do que foi
alcançado na realidade histórica e quais são as leis desse movimento. O
entendimento hegeliano da filosofia neste período contém uma tendência
"esotérica" - a esperança de transformar a própria realidade pelo tema de
revolucionar o mundo do pensamento, ou pelo menos acelerar essa
transformação. Então, mesmo durante o reinado de Napoleão(44), nas cartas
imediatamente após a queda de Napoleão, essa tendência é revelada de
uma forma ainda mais explícita.

É verdade que em diferentes estágios ele tem um significado diferente.


No período da política da União do Reno para Hegel, isso poderia significar
simplesmente apoio interno à linha de desenvolvimento comum
representada por Hegel pela política de Napoleão. A transformação das
ideias alemãs poderia significar uma aceleração do processo de eliminar as
sobrevivências feudais por dentro. No período de transição entre a queda de
Napoleão e a criação de uma filosofia da história orientada para o
desenvolvimento da Prússia, essa tradição "esotérica" tinha um caráter
fortemente utópico – a esperança de que o espírito do mundo, apesar do
óbvio infortúnio da reação, decida novamente avançar, embora, segundo
Hegel, não havia forças reais que pudessem levar a isso. Um novo
entendimento da relação da filosofia com a história que surgiu em Berlim,
que encontrou sua expressão no aforismo sobre a "coruja de Minerva".
pouco consistente com essa "tendência esotérica. No entanto, a conversa
com Heine, que citamos anteriormente, sobre o real significado da
identidade de" racional "e" real "indica claramente a existência dessa

545
tendência, uma vez que em trabalhos posteriores de Hegel há lugares
semelhantes a esse Heine coloca a boca de Hegel nessa conversa, o vazio
que mostramos no capítulo final, no qual Hegel considera o
desenvolvimento social, indica claramente que para ele era objetivamente
impossível superar mentalmente e contradições da sociedade capitalista, a
interpretação de que temos considerado na análise de uma "tragédia da
moralidade." Ao dar uma descrição profunda e significativa do movimento
de contradições que são constantemente reproduzida como a controvérsia
Iluminismo

Essa forma positiva é uma necessidade para seu sistema, embora, ao


mesmo tempo, como mencionado acima, tanto do ponto de vista de sua
descrição filosófica e histórica da posição e papel da Alemanha, quanto de
acordo com o ponto de vista sociofilosófico geral, Hegel não pudesse parar e
não parasse. a forma de dialética que ele sugere ao descrever o diálogo
Diderot. A necessidade dupla e forçada ainda não podia trazer um novo
conteúdo social. Hegel apenas aponta para o lugar em que essa forma
deveria estar no sistema, mas essa forma em si permanece uma sombra
insignificante, uma transição simples para o "espírito absoluto". Já
observamos a honestidade científica de Hegel quando, em vez de conteúdo
fictício, ele se contenta com um vazio real. Assim, este capítulo geralmente
insignificante corresponde à realidade histórica:

C. O Espírito Absoluto.

Mostramos que já no capítulo final da seção anterior, o verdadeiro


movimento sócio-histórico chegou a certa estagnação. O terceiro nível, mais
alto, tendo atingido a consciência pela última vez que percorre todo o
caminho histórico do começo ao fim, em certo sentido, não é mais uma
história real. Em outras palavras, aqui não estamos mais falando sobre a
gênese das “imagens do mundo” em nossos dias, sobre sua realidade,
sequência e o surgimento dessas várias imagens. O espírito realizou-se
objetivamente e, ao mesmo tempo, fenomenologicamente, alcançou o
estágio que corresponde a esse desenvolvimento do espírito.

Nesse estágio, é possível uma visão retrospectiva de toda a história


anterior. Se na primeira seção a história real se refletia, até certo ponto, por
trás das "formas de consciência", de modo que se realizavam apenas como
resultado final de um processo inconsciente e experimentavam suas
inevitáveis colisões com o mundo exterior como uma contradição entre
subjetividade e objetividade abstratas em geral; se na segunda seção as
"imagens do mundo" atuam como atores de um drama histórico mundial em
que o espírito ascende de si à imagem de alguém e, portanto, experimentam
dramaticamente esse processo, lutando, ganhando ou enviando, mas

546
sempre experimentando sua modernidade histórica, agora chegamos ao
estágio

Goethe e Schiller atribuem o drama ao presente e o épico ao passado; A


distinção justifica nossa apresentação e tem um significado muito mais
profundo do que apenas uma comparação. Portanto, quando se trata da
diferença de pontos de vista, implementada na primeira e na terceira seção
de "Fenomenologia", estamos falando da diferença entre o presente e o
passado. A descrição fenomenológica de Hegel do espírito absoluto só pode
ser corretamente entendida quando entendemos que estamos falando de
uma olhada no desenvolvimento anterior, já concluído, do espírito, sobre a
compreensão retrospectiva das leis mais profundas desse desenvolvimento,
sobre a cognição que é possível apenas no final do desenvolvimento, apenas
após a publicação. factum.

O próprio Hegel menciona repetidamente esse ponto de vista da


fenomenologia. Falando sobre as obras de arte da antiguidade, ele enfatiza a
diferença entre o valor que essas criações artísticas tinham para os
contemporâneos e o que elas recebem quando examinamos o passado.
"Assim, com as obras desta arte, o destino não nos dá a paz, não dá à
primavera e ao verão a vida moral em que floresceram e amadureceram,
mas apenas uma vaga lembrança dessa realidade... o espírito do destino que
essas obras de arte nos fornecem, há algo mais do que a vida moral e a
realidade desse povo; pois esse espírito é [a introdução do espírito interior,
como] uma lembrança (Er-Innerung) do espírito que se manifesta neles
ainda externamente...”(45). Nas observações finais sobre o espírito absoluto,
essa ideia é reproduzida com uma clareza ainda maior: “Mas a memória (die
Er-Innerung) preservou essa experiência (as formas superadas deste
processo. – G. L.) e é interna (das Innere) e, na verdade, é uma forma
superior. Se, portanto, esse espírito recomeça sua formação, como se
procedesse apenas de si mesmo (em outras palavras, a Logica se une à
Fenomenologia, G.L.), então, no entanto, começa em um nível superior. . O
reino dos espíritos, formado desta maneira no presente ser, é uma série
sequencial em que um espírito foi substituído por outro e cada um adotou o
reino do mundo a partir do anterior"(46).

De acordo com o ponto de vista da "lembrança", Hegel enfatiza que


nada de novo substancial surge aqui. A história do mundo termina com o
processo de encontrar o espírito do eu na objetividade social. Todo o
conteúdo que o conhecimento e a filosofia absolutos podem ter não decorre
de si mesmos, mas da própria realidade, criada pelo processo histórico de
autodeterminação do espírito. O novo que surge nesta fase é que as
conexões e leis que guiaram e determinaram a luta histórica dos heróis do
drama histórico mundial permanecem desconhecidas para eles e somente à
luz do conhecimento absoluto elas são realizadas pela primeira vez aqui.

547
Ao considerar a religião, que é um dos processos decisivos desse
desenvolvimento, fala-se da metodologia específica desta seção. Sobre a
relação da religião com as “formas de consciência” anteriormente
consideradas e as “imagens do mundo”, ele diz o seguinte: “Se, portanto, o
espírito autoconhecimento geralmente inclui consciência, autoconsciência,
mente e espírito, então certas formas pertencem a certas formações do
espírito autoconhecimento. consciência interior, autoconsciência, razão e
espírito desenvolvidos em cada um deles individualmente. Para seu espírito
real, certa forma de religião extrai das formas de cada um de seus momentos
as que lhe correspondem”(47).

Daí resulta uma nova organização e um novo olhar para o material


histórico já existente e elaborado em espírito. “É assim que as formações que
ocorreram até agora são organizadas de maneira diferente do que
apareceram em sua sequência, sobre as quais faremos brevemente algumas
observações mais necessárias.” Na sequência considerada, cada momento,
aprofundando-se, formando um todo de acordo com seu princípio
característico; e a cognição era aquela profundidade ou espírito em que
esses momentos, que por si mesmos não tinham existência estável, recebiam
sua substância, mas agora essa substância saiu... Portanto, se o primeiro de
nós designado recorrentes em seu progresso dentro de si, mas deixá-los
continuou a se mover ao longo novamente, mas agora ele parece estar
fragmentado nestes nós, pontos gerais“(48). E Hegel observa: "... essas
diferenças na essência devem ser entendidas apenas como momentos de
formação, e não como partes"(49). É, portanto, uma nova organização de
material histórico já conhecido, a fim de identificar suas leis internas. A
exposição, que na segunda seção era predominantemente histórica, tornou-
se historicamente sistemática.

Até agora, enfatizamos apenas a diferença entre a segunda e a terceira


seção. Antes de analisar importantes consequências filosóficas decorrentes
dessa diferença, deve-se notar que elas não devem ser entendidas como
diferenças duras. Eles não devem ser entendidos como se, segundo o
conceito hegeliano, o espírito fosse investigado e ordenado como um
material morto previsível, pronto e morto, completamente independente do
processo histórico, a fim de revelar seus padrões abstratos.

Pelo contrário, a terceira seção contém duas direções de movimento.


Primeiro, a maneira de considerar, a nova organização do material, que,
como dissemos, não é abstratamente sistemática, mas histórico-sistemática.
Isso significa que as leis que devem ser identificadas são as leis do
movimento do próprio processo histórico, que revela sua essência específica
nesse processo, em sua sequência histórica. Portanto, não estamos falando
de uma maneira anti-histórica ou supra-histórica de considerar, mas de
reproduzir o processo como um todo, do ponto de vista mais alto alcançado

548
aqui. Em segundo lugar, esta terceira seção contém um movimento
fenomenológico subjetivo, que iremos abordar mais detalhadamente mais
adiante – o desenvolvimento da consciência para o estágio do conhecimento
absoluto, cujos estágios são arte e religião.

Deve-se lembrar de que Hegel, em sua polêmica com Schelling, falou


sobre o dever da filosofia como ciência, de fornecer à consciência comum
uma escada para alcançar um ponto de vista filosófico; aqui chegamos ao
último e mais alto degrau, esta escada.

Ao analisar e criticar a filosofia hegeliana é frequentemente apontado


que "espírito absoluto" é a esfera em que tendências idealistas e
mistificadoras encontram seu próprio elemento. Este lado do "espírito
absoluto" será discutido em mais detalhes abaixo. No entanto, seria
completamente errado enfatizar no "espírito absoluto" apenas o lado
mistificador. Essa abordagem estava muito na moda durante o reinado do
positivismo na visão de mundo burguesa, e o legado desse positivismo
superficial ganha vida novamente no sociologismo vulgar.

A revisão sociológica vulgar da história procede do fato de que cada


fenômeno histórico é considerado totalmente explicado se sua gênese social
é revelada. (Aqui não temos oportunidade de falar sobre como o
sociologismo vulgar interpreta a gênese social de maneira simplificada e
distorcida.) Não devemos esquecer que o materialismo histórico, cujos
advogados na luta contra o idealismo são representantes do sociologismo
vulgar, assume uma posição fundamentalmente diferente sobre esse assunto.
Marx, Engels, Lenin nunca acreditaram que o conteúdo objetivo, a verdade
objetiva de qualquer teoria possa ser revelada apenas esclarecendo sua
"gênese social". Se nós, com todos os detalhes e rigor, revelarmos todos os
fundamentos sociais da revolução que ocorreu na astronomia nos séculos
XV-XVI. graças ao trabalho de Copérnico, Galileu e Kepler.

Em relação à arte, Marx fez essa distinção com grande profundidade.


Depois de fazer uma análise detalhada e aprofundada das condições sociais
para o surgimento do épico de Homero, ele declarou: “No entanto, a
dificuldade é não entender que a arte e o épico grego estão associados a
formas conhecidas de desenvolvimento social. A dificuldade é que eles ainda
continuam para nos dar prazer artístico e, em certa medida, servir como
norma e modelo inatingível"(50). E V. I. Lenin, em Materialismo e
Empiriocriticismo e nos Cadernos Filosóficos, lançou os fundamentos
metodológicos de uma compreensão dialética da objetividade do
conhecimento.

É imperativo entender que o conceito de Hegel de "espírito absoluto" é


um passo filosófico em direção a esse entendimento de objetividade. A

549
filosofia dos séculos XVII-XVIII frequentemente se opunha à historicidade e à
objetividade e coloca a objetividade do conhecimento em um oposto nítido
e não dialético à gênese histórica de todas as formas da sociedade e do
pensamento humano. A virada mais importante que Hegel deu foi a virada
para o historicismo genuíno.

Hegel é dominado pelo desejo de entender todos os fenômenos da vida


social, incluindo a filosofia, como produto de um processo único e
historicamente progressivo, de entender qualquer instituição social, qualquer
obra de arte, todo pensamento como um produto da época em que eles
surgem.

Essa mudança no caminho da análise filosófica para o historicismo


abrangente, no entanto, poderia ter terminado em relativismo nu, se Hegel
se limitasse à afirmação acima descrita. Como a filosofia deve levar ao
conhecimento objetivo, especialmente à justificação da objetividade do
conhecimento, é necessário enfatizar o outro lado, discutido no conceito de
"espírito absoluto".

Os fenômenos em que o desenvolvimento da humanidade é revelado


pertencem à esfera de "espírito absoluto" de Hegel, precisamente por causa
de seu conteúdo objetivamente verdadeiro. As formas históricas do espírito
objetivo surgem e desaparecem juntamente com o surgimento e o
desaparecimento daquelas condições históricas que determinam sua
existência histórica. Mas esse processo produz continuamente o
desenvolvimento, pelo homem, da realidade objetiva, anteriormente não
realizada por ele. E os resultados desse processo não são apenas incluídos
na continuidade histórica do processo de desenvolvimento, mas desde que
deem passos reais em uma compreensão adequada por uma pessoa da
realidade e afirmem sua existência fora das condições históricas de sua
ocorrência e do outro lado do tempo histórico que necessariamente
produzem.

Deste ponto de vista, fica claro por que, na citação citada anteriormente,
Hegel diz que, no "espírito absoluto", não surgem novos momentos
significativos, mas apenas aqueles criados pelo processo histórico e que são
colocados apenas em uma nova conexão. De fato, a efetividade histórica
real, por exemplo, de uma teoria, não é idêntica ao seu verdadeiro
conteúdo. Hegel está claramente ciente de que esses dois lados devem ser
considerados metodologicamente distintos. O primeiro lado pertence ao
campo do "espírito objetivo", o segundo ao "espírito absoluto".

A distinção e, ao mesmo tempo, a unificação do objetivo e do absoluto


em Hegel representam um passo adiante em comparação com a
compreensão mecanicista do progresso histórico na maioria de seus

550
antecessores. Antes de Hegel, eles não apenas se contrastavam fortemente
com a história universal e a verdade objetiva, mas também viam um
progresso gradual e direto na história. A unidade dialética do espírito
objetivo e absoluto, que ao mesmo tempo inclui distinção e oposição
dialéticas, possibilita a Hegel descrever dialeticamente a desigualdade do
desenvolvimento histórico, ver, por exemplo, em andamento o momento do
movimento para trás e da regressão – preparação em certos aspectos para
um novo salto.

Escusado será dizer que muitos pensadores proeminentes viram a


desigualdade do desenvolvimento histórico e até escreveram sobre isso com
total clareza. (Pense no papel que a antiguidade desempenhou como escala
de comparação para criticar a divisão do trabalho capitalista por destacados
iluminadores.) No entanto, a dialética hegeliana é a primeira forma
desenvolvida de compreensão da história no pensamento, uma forma na
qual essas contradições de desenvolvimento não foram apenas declaradas
como fato, mas eles foram compreendidos filosoficamente e historicamente e
foram incluídos no método histórico de expor o processo de
desenvolvimento (pode-se considerar Vico como o antecessor mais
destacado de Hegel neste momento).

A maneira retrospectiva de consideração, característica da terceira seção


da Fenomenologia, tem outro aspecto importante e produtivo do ponto de
vista metodológico. Marx apontou que as formas mais baixas de
desenvolvimento só podem ser entendidas adequadamente com base no
estágio mais elevado e já surgido. As tendências no desenvolvimento da
história revelam sua verdadeira conexão, seu verdadeiro significado somente
quando essa forma superior se torna realidade histórica.

Na terceira seção de A Fenomenologia do Espírito, Hegel tenta


compreender retrospectivamente o desenvolvimento histórico de uma
compreensão adequada do mundo do ponto de vista de sua própria
dialética como a forma mais alta de todas as formas anteriormente existentes
dessa compreensão. A tendência para a dialética, que consciente ou
inconscientemente, principalmente inconscientemente, existia e era um
processo efetivo e histórico, deve ser entendida como um processo único
que leva à forma mais perfeita e adequada de dialética.

Ao mesmo tempo, Hegel faz uma distinção entre os três grandes estágios
do desenvolvimento da consciência – arte, religião e filosofia. Falaremos
mais detalhadamente sobre a distorção idealista do conceito hegeliano como
resultado dessa definição do lugar e do papel da religião. Aqui é necessário
pensar brevemente na essência das ideias profundas e engenhosas de Hegel.

551
Hegel não apenas previu que o racional e o correto frequentemente
aparecem de uma forma irracional e incorreta, ele vê a tarefa do historiador
filosofista em abrir e revelar em qualquer fenômeno, em qualquer tendência
de desenvolvimento, a "razão da história" inerente a eles. Além disso, Hegel
está longe da noção limitada predominante de que era necessário
reconhecer e estudar para derramar sobre essas novas conquistas teóricas
importantes e descobertas de novas conexões dialéticas que aparecem no
vestuário acadêmico oficial e na terminologia filosófica relevante.

Hegel, pelo contrário, defende a visão segundo a qual a humanidade,


no decorrer de seu desenvolvimento, alcança a assimilação da realidade em
seu pensamento de várias maneiras e métodos diferentes. Ele procura
descrever na apresentação do processo geral os estágios individuais de
desenvolvimento que correspondem à realidade, e não os preconceitos por
culpa limitada. Consequentemente, quando luta com qualquer forma não
estrita de apresentação filosófica que domina seus contemporâneos, com
qualquer forma de ficção filosófica, ele explica que as grandes obras de arte
criadas pela humanidade, por exemplo, o épico homérico, a tragédia e a
comédia gregas, as obras de Shakespeare, Diderot Goethe, juntamente com
seu valor estético e inextricavelmente ligado a ele, representa estágios
principais na subjugação e assimilação da realidade no pensamento
humano. Nós já vimos "Espírito absoluto" significa, deste ponto de vista,
uma expressão do desejo de Hegel de entender o domínio da realidade pela
raça humana como um processo grandioso, complexo e desigual, e o
filósofo é obrigado a entender e avaliar os passos individuais no caminho
desse domínio, de acordo com seu real significado histórico e dialético. O
conhecimento absoluto – o nível mais alto do conhecimento humano,
segundo Hegel – tem uma designação idealista específica para ele: o retorno
da "alienação" (Entäußerung) ao sujeito, ou seja, a remoção completa da
objetividade. A crítica final dessa teoria hegeliana pode ser dada apenas no
último capítulo de nosso trabalho.

A descrição do processo histórico real que realizamos neste capítulo leva


à conclusão absoluta do processo de alienação (Entäußerung). Já vimos que
o Iluminismo, o capitalismo e a Revolução Francesa são caracterizados por
ele como as alturas nesse caminho de "remover" qualquer imediatismo
natural, no caminho para completar a "alienação" (Entäußerung).

Mas também vimos que a tentativa de Hegel de determinar o início do


movimento de retorno na própria vida social falhou por causa da
honestidade de seus pensamentos. O estágio do "moral", de acordo com o
esquema hegeliano, era o estágio em que esse movimento aparece na
própria vida pública. No entanto, o esquema continua sendo o esquema,
isto é, deve caracterizar o local onde o desenvolvimento reverso do

552
“Entäußerung” pelo sujeito deveria ser realizado, mas esse local na
apresentação filosófica permanece vazio.

Mostramos que essa circunstância tem fundamentos sociais profundos,


além das condições históricas específicas da então Alemanha, que já
analisamos, a saber, que apenas a perspectiva concreta de criar uma
sociedade que realmente resolva as contradições do capitalismo pode indicar
uma maneira filosófica de resolver o problema da "alienação"
(Entäußerung), enquanto Hegel tem um problema falso ou imaginário,
devido ao qual ele não é capaz de resolver satisfatoriamente os problemas
da situação social da Alemanha e compreender as conexões, capturado
corretamente por ele.

Agora, afirmamos que a dialética hegeliana transforma o


desenvolvimento da "alienação" (Entäußerung) na forma de remoção da
objetividade. Quanto mais adequada, segundo Hegel, a compreensão do
mundo, mais claramente essa tendência deve aparecer nele. Essa orientação
específica da dialética hegeliana define outra função metodológica do
conceito de "espírito absoluto". A afirmação de elevar-se acima da história
verdadeira, que tem resultados importantes, proveitosos e positivos para o
método cognitivo, que já analisamos, transforma-se aqui em um desejo de
superar mais uma vez a natureza real da realidade, de transformar a
objetividade em uma posição pura pelo sujeito, na identidade do sujeito e
objeto, para completar a transformação da substância em sujeito. . Essa
necessidade não é determinada apenas por toda a esfera do espírito
absoluto, mas ao mesmo tempo determina sua estrutura e a sequência de
suas etapas. A série hegeliana – arte, religião, filosofia – é essencialmente
determinada pela força com que cada uma dessas etapas pode expressar
essa orientação específica e final da dialética hegeliana – a orientação para a
remoção da objetividade.

E aqui Hegel permanece fiel à metodologia que ele descreveu nas


observações introdutórias a esta seção. O espírito absoluto não deve levar a
algo completamente novo no desenvolvimento histórico real, deve apenas
filosoficamente esclarecer o que já produziu. Portanto, Hegel se une ao
resultado que sabemos de sua interpretação do Iluminismo e do capitalismo:
"A coisa é eu"; de fato, nessa proposição sem fim, a coisa é retirada; ela não
é nada em si mesma; importa apenas em relação, apenas graças ao "eu" e
sua relação com ele. Esse momento foi revelado à consciência em pura
sanidade e iluminação. As coisas são simplesmente úteis, e devem ser
consideradas apenas pelo lado de sua utilidade“(51).

Como recordamos, já na descrição da filosofia do Iluminismo uma


tendência correta e justa foi revelada na remoção hegeliana da “alienação”
(Entäußerung), a saber, a tendência de dissolver toda a realidade imóvel no

553
processo dialético, e Hegel, é claro, propõe a suposição idealista de que sem
o assunto é impossível sem objetividade na execução do processo. A
cognição das conexões essenciais nesse estágio de “alienação”
(Entäußerung) consiste no fato de que é usada exclusivamente para a
cognição do processo social e a interação entre o sujeito e o objeto, e mostra
que a superação da natureza fetichizada das formações sociais nas relações
dinâmicas e contraditórias das pessoas é um momento essencial no processo
social.

No entanto, sabemos que Hegel não estava satisfeito com essa descrição
da alienação (Entäußerung), dessa maneira de superá-la. Ele acreditava que
era necessário ir além, e essa saída tira dele uma forma confusa de
superação da objetividade. Hegel começa com a forma mais elevada do
espírito objetivo, com o estágio da moralidade, e diz: "Uma pessoa
autoconsciente que tem educação, que passou pelo mundo do espírito
alienado de si mesma, criou uma coisa como ele mesmo por seu desapego,
portanto, mantém-se nela e conhece a não-independência. ela, ou que uma
coisa é essencialmente apenas ser para outra, ou, para expressar
completamente a relação, isto é, aquilo que por si só compõe a natureza do
objeto, pois ela tem o valor de algo que é auto-existente; proclamação
certeza sensível com verdade absoluta(52).

Hegel claramente caracteriza a consciência moral como uma


morfogênese que passa para um espírito absoluto e cuja função essencial
consiste precisamente nessa transição. Assim, ele retroativamente justifica a
razão pela qual, como vimos anteriormente, nenhum novo conteúdo social
pode aparecer na consciência moral. Essa formação é, segundo Hegel, o
começo do processo de desenvolvimento reverso da "alienação"
(Entäußerung) – memória (Erinnerung).

Com a ajuda da divisão etimológica do significado da palavra, Hegel


procura dar outro significado a esse processo. Ele não está apenas falando
sobre uma memória simples, na qual o processo realizado é recriado
novamente na memória humana (ou na memória mistificada do espírito),
mas procura enfatizar o "interno" em oposição ao processo de "sair".
"Remembrance" (aprofundamento interno) é uma expressão que denota o
processo de domínio recíproco pelo sujeito de "alienação" (Entäußerung).
Assim, ele só aqui pela primeira vez confirma por que, em princípio, nenhum
conteúdo novo pode aparecer nesta seção. Afinal, o espírito, segundo Hegel,
criou objetos de sua realidade durante o processo de "alienação"
(EntauBerung). O processo inverso de "aprofundar para dentro"

No nível mais alto da Fenomenologia, o conhecimento absoluto é


caracterizado como o oposto da religião, porque essa tendência encontra
expressão nele de maneira mais precisa, clara e consistente, enquanto a

554
natureza da representação inerente à religião, como vimos, requer certa
preservação da objetividade e, portanto, inadequação de formas superiores
de realização da identidade do sujeito e do objeto. Hegel caracteriza assim a
relação desses dois passos: "Assim, qual religião era o conteúdo ou a forma
do processo de representar algum" outro”, aqui está o ato real do eu... O
que adicionamos aqui é, por um lado, apenas uma coleção de momentos
individuais, dos quais cada um em seu princípio manifesta a vida do espírito
como um todo e, por outro lado, a consolidação de um conceito na forma
de um conceito”(53).

Se começarmos a analisar os problemas individuais mais importantes


desta seção, primeiro devemos enfatizar os pontos em que a diferença entre
esta seção e as anteriores é expressa. É aqui que Hegel cai na ilusão quando
acredita que somente aqui existe um movimento bidirecional da recriação
do aprofundamento interno e da retrospectiva "lembrança" dos objetos
criados nesse processo. Afinal, este é um movimento retrospectivo, essa
remoção da “alienação” (Entäußerung), sendo a remoção da objetividade
em geral, não é um movimento interno dos próprios objetos revelados por
Hegel, mas apenas um movimento projetado por Hegel para completar sua
filosofia, resolver dificuldades idealistas e, portanto, insolúveis de sua
natureza. dialética, uma vez que deve haver novos problemas substanciais,
que em grande parte é o resultado de uma distorção substancial, tanto
histórica quanto sistemática, das realizações passadas. É claro que um
pensador de uma posição como Hegel é, e em circunstâncias tão difíceis,
expressa as verdades corretas, revela definições essenciais. Antes de tudo,
deve-se notar que o papel da religião nesta seção é completamente diferente
do que na segunda seção. Lá, ele desempenha um papel muito menor em
comparação com o Iluminismo. Aqui, o significado da Iluminação é
menosprezado, e a função da religião no desenvolvimento da consciência da
humanidade é enfatizada energicamente. Isso já é evidente no fato de que
toda a exposição de arte é realizada como subseções da religião. A arte
antiga, por exemplo, é considerada aqui como uma religião artística. Mas
especialmente impressionante é a mudança no centro de gravidade na
descrição da história da Nova Era. Devido ao fato de que a religião, e
especialmente o cristianismo, se torna o foco de toda consideração, surge
uma imagem completamente nova da história, o oposto do que era
característico da segunda seção.

Esse oposto da imagem da história nas segunda e terceira seções revela


o princípio antagônico e contraditório da dialética hegeliana, sobre o qual já
falamos várias vezes e sobre o qual iremos nos aprofundar no decorrer de
uma apresentação mais detalhada dos problemas do entendimento de
religião de Hegel. Aqui vamos indicar antes de tudo alguns de seus pontos.

555
Primeiro, é muito característico de Hegel que sua atitude "esotérica" em
relação à religião seja expressa onde ele apresenta o plano – retratar a
história real em seu curso real – portanto, na segunda seção. Em segundo
lugar, devido à natureza contraditória do conceito hegeliano de “alienação”
(Entäußerung), a questão da natureza não é discutida em absoluto e na
segunda seção em particular. Esta seção é quase inteiramente dedicada a
questões sócio-históricas. Os problemas da filosofia natural, especialmente os
problemas do relacionamento da consciência individual com as formas
substantivas e objetivas da natureza, desempenham um papel importante na
primeira seção. Quando reaparecem na terceira seção, sua subjetividade e
seu conteúdo social devem ser entendidos novamente pelo sujeito. Isso
revela claramente o lado duplo do conceito de alienação (EntauBerung):
tirado de seu lado real e frutífero, relaciona-se às atividades sociais reais das
pessoas; tomado do lado da especulação idealista, pelo contrário,
transforma-se no princípio da suposição de objetividade em geral.

No entanto, enquanto Hegel fala sobre o processo de alienação


(Entäußerung) na sociedade de maneira muito específica, consistente e
essencial, sobre a "alienação" (Entäußerung) na natureza, ele pode dizer, de
acordo com a situação real da filosofia, apenas algo puramente místico e
declarativo.

Além disso, deve-se salientar que Hegel aqui é inconsistente na


implementação de seu princípio, e é nessa inconsistência que ele se mostra
um notável historiador e filósofo. Falaremos mais sobre o papel do
Iluminismo no surgimento da dialética na forma em que é apresentado nesta
terceira seção. Aqui é necessário salientar que Hegel enfatiza as tendências
antirreligiosas e esclarecedoras da antiga tragédia e comédia ao expor a
antiguidade. Escusado será dizer que essas tendências, tanto na exposição
hegeliana quanto na realidade, são dirigidas contra a forma grega de
religião, contra a religiosidade antiga. Mas para toda a linha “esotérica” da
filosofia da história hegeliana, é característico que quase nunca admita
quaisquer formas superiores excepcionais de processos ideológicos,

As declarações de Hegel devem ser citadas pelo menos brevemente, nas


quais é expressa sua compreensão geral das funções da antiga tragédia e da
comédia. "Esse destino completa a expulsão da população do céu, uma
mistura sem sentido de individualidade e essência – uma mistura devido à
qual a ação da essência é uma ação inconsistente, aleatória e indigna... A
superação de ideias sem essência que os filósofos da antiguidade exigiam
começa, portanto, em tragédia...”(54). E da mesma forma, embora com mais
nitidez, ele fala de comédia: "Assim, um lado da comédia consiste
principalmente no fato de que a autoconsciência real se manifesta como o
destino dos deuses. Como momentos universais, essas entidades
elementares não representam o eu e não são válidas. Embora eles sejam

556
dotados de uma forma de individualidade, mas é apenas imaginário neles e
não é inerente a eles e a si mesmos: o eu real não tem sua substância e
conteúdo de um momento tão abstrato, de modo que o eu, sujeito, se eleva
acima desse momento como sobre uma única propriedade e, colocando essa
máscara, expressa a ironia dessa propriedade, que quer ser algo para si
mesma”(55).

Finalmente, devemos apontar outra característica da terceira seção.


Consiste no fato de que aqui Hegel, uma vez na "Fenomenologia", se refere
à história do Oriente. Embora na primeira seção já tenhamos encontrado o
chamado estado natural e sua transição para a civilização, mas esse caminho
descrito no capítulo "Dominação e escravidão" levou à antiga forma de
escravidão. Na segunda seção, a história real começa com a democracia
grega. Aqui, onde a história da religião aparece como o conteúdo mais alto
do processo histórico, como a forma mais profunda da luta da humanidade
para dominar a essência e as leis do mundo em pensamento, Hegel acredita
que tem o direito de retornar àquelas eras no desenvolvimento da
humanidade que ele omitiu em sua apresentação da história real. Esse pano
de fundo é importante para a terceira seção também porque
consequentemente, a forma mais alta da história do espírito de Hegel –
como Feuerbach mais tarde – é a história da religião.

No entanto, o entendimento hegeliano a esse respeito é fortemente


oposto ao entendimento de Feuerbach. Por um lado, Hegel não se limita à
história da religião, que é inerente aos maiores materialistas do passado,
porque nas seções anteriores ele pintou uma imagem ampla e vívida da
história secular da humanidade. Por outro lado, a história da religião em
Feuerbach leva a uma crítica materialista da religião, a uma exposição
materialista da religião, enquanto para Hegel essa descrição deve levar à
restauração no sistema da filosofia do papel da religião no desenvolvimento
da humanidade, que ele havia reduzido bastante na exposição anterior.

Esse duplo movimento da filosofia hegeliana – a remoção e a


restauração da religião – foi visto e criticado pela primeira vez por
Feuerbach. Embora suas críticas não estejam diretamente relacionadas à
"Fenomenologia do Espírito", mas a todo o sistema hegeliano, trata-se das
fraquezas essenciais do método e da parte da filosofia hegeliana que estamos
considerando agora.

O resultado da crítica de Feuerbach, que é que a filosofia hegeliana


supera e restaura a teologia cristã, diz respeito aos pontos essenciais da
terceira seção da Fenomenologia, especialmente se o leitor não esquecer as
características da segunda seção. Feuerbach diz: “Por um lado, a matéria
depende de Deus, ou seja, depende de um deus, e a suposição da matéria
como Deus equivale a negar a Deus, a abolir a teologia, a reconhecer a

557
verdade do materialismo. Mas, ao mesmo tempo, a verdade da essência da
teologia é assumida. Portanto, voltamos novamente à negação do ateísmo, à
negação da negação da teologia; assim, através da filosofia, a teologia é
restaurada a seus direitos. Deus é apenas porque Deus é que ele vence, nega
a matéria, nega isso de Deus. A afirmação verdadeira, de acordo com Hegel,
há uma negação da negação. Então, no final, nos encontramos novamente
de onde viemos originalmente – no seio da teologia cristã”(56).

Certamente, Hegel nessa esfera de "aprofundamento interno" e domínio


da "alienação" (Entäußerung) faz uma crítica à religião, porque essa crítica é
o conteúdo principal desta seção. Hegel procura passar do imperfeito,
correspondendo apenas à ideia de superar a objetividade em geral, para a
completa remoção da objetividade no mundo dos conceitos, na filosofia.
Mas, no conteúdo, essa crítica se opõe completamente à crítica materialista
da religião.

Por um lado, Hegel procede do fato de que na religião o conteúdo e o


momento do autoconhecimento dialético do espírito são essenciais, isto é,
do fato de a religião realizar o processo de dominar a “alienação”
(Entäußerung) de uma maneira significativamente correta; além disso, essa
religião foi a primeira os momentos positivos da síntese dialética são
realizados – os momentos da "reconciliação". Por outro lado, ele está
tentando mostrar que esses momentos de dialética real só podem obter sua
forma mais elevada na religião de uma maneira imperfeita.

Consequentemente, a filosofia, segundo Hegel, é crítica à religião, e ele


também representa uma crítica à religião. Mas essa crítica não deve, como o
materialista Feuerbach, depreciar, como algo falso internamente, todo o
mundo das ideias religiosas e retornar ao conteúdo distorcido na religião, ao
que realmente é. A crítica hegeliana da religião é, pelo contrário, a
preservação e perpetuação de todo o conteúdo da religião, enquanto critica
apenas a forma de sua manifestação, seu caráter inerente de representação.
Desnecessário dizer que essa crítica, como vimos, supera a crítica
direcionada ao conteúdo da religião e, ao mesmo tempo, expõe o conteúdo
religioso, no entanto, sua principal direção, como Feuerbach corretamente
enfatizou, é a restauração da religião e da teologia.

A ambiguidade da atitude de Hegel em relação à religião é claramente


revelada nesta seção da Fenomenologia. A religião, segundo Hegel, é
apenas um estágio intermediário no movimento real do espírito em direção a
si mesmo, mas – de acordo com a linha principal de apresentação nesta
seção – um estágio intermediário necessário. Como as "formações do
espírito" hegelianas, devido à natureza específica da dialética hegeliana,
estão se movendo em direção à "reconciliação", elas devem encontrá-la na
religião. O significado da religião para Hegel reside no fato de que ou ela

558
revela que a vida histórica, que é o conteúdo do conhecimento absoluto, em
virtude de sua forma religiosa, se move na direção de dominar
“Entäußerung” pelo sujeito, ou na religião. formas manifestas (como vimos,
imperfeitas).

A ambiguidade da compreensão de religião de Hegel é expressa no fato


de que, apesar dessa linha básica, necessária devido à essência de sua
interpretação idealista da dialética, há tendências reais e não religiosas da
dialética. Hegel descreve claramente os dois caminhos que levam à dialética
e, ao mesmo tempo, enfatiza que a forma dialética que já encontramos na
descrição do Iluminismo aparece, no sentido fenomenológico, anterior à
forma religiosa da dialética e, segundo Hegel, tem uma maior uma forma de
ser-para-si. Ele diz o seguinte: "Essa reconciliação da consciência com a
autoconsciência é, portanto, realizada de dois lados: primeiro, em espírito
religioso, e segundo, na própria consciência como tal. Ambos diferem um do
outro nesse sentido." que o primeiro lado é a reconciliação na forma de ser-
para-si, o segundo – na forma de ser-para-si. Como vimos, eles se desfazem
principalmente; na ordem e nas formas de formas de consciência que
apareceram para nós, estas alcançaram, por um lado, momentos individuais
dessa ordem e, por outro, sua combinação, muito antes de a religião
comunicar a seu sujeito uma forma de verdadeira autoconsciência”.(57) Essa
citação implica diretamente a inutilidade da religião. Se a consciência
humana, como Hegel mostrou na descrição do Iluminismo, alcança uma
compreensão subjetiva clara das contradições dialéticas do ser e do
pensamento (dialética na forma de si mesmo) e se a religião não chega a
esse estágio, parece que Hegel não precisava da religião como um
intermediário estágios no caminho para a perfeita dialética.

Temos enfatizado repetidamente que havia várias razões significativas


que dificultaram a Hegel seguir esse caminho. Primeiro, o conceito idealista
da identidade do sujeito e do objeto exige a remoção da objetividade em
geral, mas a dialética descrita aqui é capaz de transformar a objetividade de
uma coisa em um processo; ainda não há culminação confusa da dialética
idealista. Em segundo lugar, e isso é muito importante, se Hegel parar nesse
estágio da dialética, então, devido às limitações históricas do horizonte de
seu pensamento, ele enfrenta o dilema das condições sociais específicas de
sua atividade, mas, sendo um pensador consistente e honesto, nega ambos
os lados e tenta encontrar um terceiro, um ponto de vista superior, tertium
datum. Em uma análise sócio histórica desse dilema, já revelamos os dois
lados: a preservação da dialética sobre a qual estamos falando aqui seria
idêntica ao ceticismo romântico sobre desenvolvimento social, limitado
apenas à identificação da inconsistência do desenvolvimento; portanto, seria
idêntico a uma posição que, em muitos aspectos, estava próxima das visões
econômicas de Sismondi. Mas se tentarmos encontrar uma "reconciliação
imanente" dessas contradições, isso acabaria completamente alinhado com a
559
linha de Bentham; pois não é de forma alguma acidental que a realização
real dessa dialética, a conquista do "céu na terra", que Hegel apresenta como
resultado seja precisamente o mundo da "utilidade". (Os iluminadores da era
pré-revolucionária, por exemplo, Helvetia, evitaram essa conclusão devido
às condições históricas do período pré-revolucionário: eles têm um "princípio
de utilidade"

Assim, Hegel é confrontado com um dilema que Marx considerava


insolúvel para o pensamento burguês. Marx fala sobre a diferença entre
indivíduos, como eles são formados em formas subdesenvolvidas da
sociedade, por um lado, e capitalismo, por outro, e fornece uma solução
muito significativa para esse problema, próximo ao entendimento de Hegel:
É ridículo acreditar na necessidade de se debruçar sobre o vazio completo
atual. A visão burguesa nunca subiu acima do oposto a essa visão romântica
e, portanto, essa visão romântica, como um oposto legítimo coluna, será
acompanhado por uma visão burguesa até sua abençoada repouso“(58).

O verdadeiro tertium datum [termo médio- n.d.t], a perspectiva de uma


sociedade socialista, por razões bem conhecidas por nós, foi excluído por
Hegel. Ele sempre negou a visão romântica, e seus pontos de vista sobre a
sociedade e o estado eram, como sabemos, de tal forma que a decisão do
caminho que Bentham seguia não era discutida. Portanto, Hegel foi forçado
– não apenas devido às tendências idealistas gerais de seu pensamento – a ir
além dos limites desse tipo de dialética e procurar outras maneiras de
resolver o problema.

Para uma orientação idealista, o caminho religioso parece mais


apropriado. Mas já vimos pelas declarações acima de Hegel que ele está
procurando na filosofia uma síntese de dois caminhos, dois tipos de
dialética. Esse caminho não pode levar a um resultado único e satisfatório.
Mas é precisamente essa busca de síntese no "emaranhado de contradições",
que determina a dupla atitude de Hegel em relação à religião, que determina
tanto a grandeza quanto os limites de suas realizações na construção da
dialética. Uma atitude positiva em relação à religião leva à construção de
uma forma dialética especificamente hegeliana: superação do imediatismo –
alienação (Entäußerung) – desenvolvimento da alienação (Entäußerung)
pelo sujeito. Assim, em sua apresentação e crítica à religião, encontra-se uma
tendência diretamente oposta à crítica materialista de Feuerbach: o conteúdo
mistificado da religião não se reduz ao seu conteúdo real, “humano”, ou
seja, não é superado (Feuerbach). Pelo contrário, esse conteúdo, segundo
Hegel, deve ser preservado e, mais ainda, deve ficar ainda mais confuso: a
crítica é dirigida apenas contra a forma de manifestação desse conteúdo,
contra a representação que, segundo Hegel, expressa esse conteúdo correto
de maneira imperfeita.

560
Já descrevemos em detalhes as razões sociais pelas quais Hegel
gravitava ao idealismo. Agora vemos como esse idealismo se encontra nos
mitos religiosos e pode, pela primeira vez, tornar-se real graças à sua retirada
(preservação). A verdade da religião, segundo Hegel, é a dialética da
"alienação" (EntauBerung) e sua superação, "aprofundando-se". Somente
nele o que estava ausente, segundo o conceito hegeliano de dialética, na
"educação", no Iluminismo, a saber, o momento da unidade sintética, a
"reconciliação", a remoção da objetividade, podem ser expressas. Os mitos
da religião, especialmente os mitos do cristianismo, são, portanto,
mistificados por Hegel no sentido de que revelam as formas originais da
dialética hegeliana – a tríade dialética, a "alienação" (EntauBerung) e sua
remoção, etc. – como o conteúdo real da religião. A mesma religião
representa para a realidade histórica de Hegel, um movimento histórico no
qual as formas do movimento da realidade e do pensamento aparecem
como decorrentes da própria essência da questão.

A ambiguidade da atitude hegeliana em relação à religião é revelada


aqui em sua forma mais elevada. Por um lado, a forma histórica da religião
deve ser um movimento histórico real e, ao mesmo tempo, uma forma de
consciência na qual as formas superiores das relações das pessoas com o
mundo social e histórico criado por elas encontram sua expressão. Para
conseguir isso, é necessário reduzir a totalidade dos mitos religiosos às
categorias da dialética hegeliana. Hegel descreve consistentemente como no
processo de criação do mundo, em relação a Deus para o homem, na
trindade de Deus, na morte do Salvador etc., categorias específicas do
sistema hegeliano são manifestadas.

Por outro lado, a crítica é incluída nessa mistificação de duas maneiras:


em primeiro lugar, essas categorias religiosas aparecem com um disfarce
humano inadequado, isto é, conforme realizado pela religião e aprofundado
por Hegel, as projeções mitológicas absolutizadas do humano no divino
obscurecem a própria pessoa em quem e em cuja consciência Hegel
constantemente vê a chave para resolver todos os problemas e para o qual
ele procura reduzir todos os problemas. A religião deve expressar, segundo
Hegel, a identidade da natureza humana e divina. Mas ela faz isso de
maneira inadequada e, como Hegel critica essa inadequação, ele não
percebe que ele próprio foi um daqueles que leva ao extremo a mistificação
religiosa. Em segundo lugar, exatamente no oposto da posição considerada
acima, para Hegel, o que a religião ensina, o que é representado em uma
comunidade religiosa sempre acaba sendo secular, "alienado", objetivo. Na
religião, na fé religiosa de uma comunidade, o conceito ainda não se tornou
um conceito.

Em nossa opinião, não há necessidade de elaborar a interpretação


hegeliana do dogma cristão, a inclusão de categorias hegelianas na teologia

561
cristã e as críticas associadas ao cristianismo (no cristianismo, enfim, a forma
mitológica inadequada de expressão da expressão dialética de Hegel é
criticada.

Aqui nos restringimos a alguns exemplos que podem mostrar ao leitor


como Hegel interpreta a religião cristã e como ele se move da interpretação
para a crítica. Por exemplo, Hegel descreve a transição dialética do espírito
abstrato em realidade aproximadamente na forma em que ele mais tarde faz
a transição da lógica para a filosofia natural na Enciclopédia. Ele substancia
seu significado com mitos cristãos, interpreta e critica-o da seguinte forma:
"O espírito eterno, único ou abstrato, se torna para si um" diferente "ou entra
no ser e diretamente no ser existente. Cria, portanto, algum mundo, a
palavra pela qual a representação denota o próprio conceito do lado de seu
movimento absoluto, ou a palavra”(59).

Aqui está como Hegel fala da morte de Cristo: “Aquilo que pertence ao
elemento de representação, [isto é] que o espírito absoluto como um espírito
único, ou melhor, como um espírito especial, em seu ser atual representa a
natureza do espírito, portanto, portanto, é movido. na autoconsciência, no
conhecimento que é preservado em seu próprio ser; é por isso que esse
conhecimento realmente não morre – como uma pessoa especial está
realmente morta – e sua singularidade morre em sua universalidade, ou seja,
em seu conhecimento, que é essência reconciliando consigo mesma...
Compreendido pelo eu, veja A morte de um mediador é a remoção de sua
objetividade ou de seu ser especial para si mesmo; esse especial para si
próprio se tornou uma autoconsciência universal”(60).

Consequentemente, Hegel critica a religião porque nela essas relações


dialéticas, o "último segredo" da dialética hegeliana, que o próprio Hegel
introduziu secretamente na religião, recebem uma forma inadequada,
manifestada como representações. Vou dar apenas um exemplo: “Mas o
processo de representar a comunidade não é uma mentalidade
compreendida no conceito – não há necessidade de seu conteúdo e, em vez
da forma do conceito, traz para o reino da consciência pura as relações
naturais de pai e filho. o pensamento comporta-se como representando a
consciência, embora a essência lhe seja dada como revelação, mas seus
momentos devido a essa representação sintética, por um lado, divergem por
si... e, por outro, parte desse objeto puro, desgastada com ele apenas
superficialmente”(61).

A ambiguidade da compreensão hegeliana da religião é encontrada no


fato de que, embora ele enfatize a própria inadequação da apresentação do
conceito, ao mesmo tempo ele vê isso como apenas um aspecto formal do
modo de manifestação das últimas verdades finais e não procura nenhum
começo significativo no efeito distorcido da representação.

562
Nos estádios iniciais de sua exposição, quando a atitude do conceito em
relação à religião ainda não havia sido destacada por ele, ele falou sobre
essas questões substanciais com mais franqueza: "... quanto mais limpo o
próprio conceito, mais ridículo o conceito ao qual ele é reduzido se seu
conteúdo não é como um conceito, mas como uma representação... a
ignorância por essa consciência do que lhes está sendo expresso é a mesma
combinação do sublime e da base que a natureza ingenuamente expressa na
vida, combinando o órgão de sua maior realização. – o órgão fértil – com o
órgão de aceleração da urina”(62).

O espírito, portanto, deve ir além da religião. Em uma comunidade


religiosa, a identidade de sujeito e objeto ainda não foi alcançada. "A
comunidade também não tem consciência do que é; é uma autoconsciência
espiritual que ainda não é para si mesma na forma desse objeto, ou não é
revelada à consciência de si mesma; por ser uma consciência, tem ideias que
foram consideradas... Uma vez que essa unidade de essência e eu se realizou
em si mesma, a consciência também tem essa representação de sua
reconciliação, mas como uma representação. Ela é satisfeita porque
exteriormente acrescenta o significado positivo da unidade à sua pura
negatividade, eu com a essência, sua própria satisfação, portanto,
permanece um oposto a algo de outro mundo. Portanto, a reconciliação está
em seu coração, mas ainda está em desacordo com sua consciência, e sua
realidade ainda está quebrada”(63).

Conciliação real, retirada genuína, portanto, só pode ser alcançada com


conhecimento absoluto. É aqui que vemos a mais alta manifestação da
ambiguidade de Hegel em sua atitude em relação à religião. Por um lado,
ele transforma todo o conteúdo de sua dialética no segredo do cristianismo
e, assim, de maneira especulativa, salva o cristianismo. Mas, por outro lado,
é precisamente por causa dessa salvação especulativa que ela remove a
religião como tal e a destrói como religião.

Portanto, a forma de crítica apresentada por Feuerbach, que enfatiza a


mistura de tendências ateístas e teológicas na filosofia de Hegel, é
completamente justificada. A filosofia de Hegel não é capturada apenas por
pensadores ateístas que a criticam, como Feuerbach, por ter um coração
fraco ou, como Heine e Bruno Bauer, separam o "ateísmo esotérico" do
cristianismo exotérico ortodoxo, e não há dúvida de que o ponto de partida
A crítica de Feuerbach está correta. Não existe um pensador religioso-
reacionário que concorde com essa decisão hegeliana e a reconheça como
uma expressão filosófica da essência do cristianismo. Você pode se lembrar
da afirmação de Friedrich Schlegel de que a dialética hegeliana é algo pior
que o ateísmo, a saber, o satanismo. Um pensador tão reacionário dos anos
40, como o filósofo religioso dinamarquês Soren Kierkegaard, que deveria
ser levado mais a sério e que tinha certa influência no existencialismo

563
moderno, dedicou livros a refutar o entendimento hegeliano da religião.
Para nós, suas opiniões são interessantes como um sintoma do fato de que
mesmo os oponentes ideológicos de Hegel percebem o quão ambígua é a
atitude de Hegel em relação à religião.

É importante notar que a controvérsia de Kierkegaard é direcionada


contra o fato de que a religião deve ser um momento de espírito absoluto,
que, portanto, como a filosofia, atua como uma objetividade dialética,
contra a avaliação de Hegel deles como etapas imperfeitas. Essa
objetividade de Hegel – e vimos que a “salvação” hegeliana do cristianismo
consiste precisamente no fato de que seus mitos contêm objetivamente
formas de dialética absoluta – encontra um confronto por parte de
Kierkegaard, que se opõe à objetividade de Hegel, considerando-o
completamente contrário à essência da religião, a essência Cristianismo. "Se
o cristianismo é em essência algo objetivo, isso é revelado no fato de que o
observador é objetivo; mas se o cristianismo é inerentemente subjetivo,
torna-se uma ilusão se o observador é objetivo... Se o meditador é ao
mesmo tempo um crente (o que é afirmado), ele deve ter percebido há
muito tempo que a especulação nunca pode ter o mesmo significado para
ele que a fé. É como um crente que ele está interessado em sua salvação
eterna e a encontra na fé. (Afinal, existem crentes, ou seja, a fé, se não
sempre, está conectada com os interesses infinitos, pessoais e apaixonados
da consciência.) Nesse caso, a salvação não é obtida através da especulação;
isso justifica a atitude suspeita em relação à especulação, porque não leva à
salvação, distrai o crente da autenticidade da fé (que a qualquer momento
tem em si uma dialética interminável de falta de confiabilidade) em
conhecimento objetivo indiferente. Esse é simplesmente o caso da dialética.
Portanto, quando um crente diz que a salvação eterna é construída usando
especulação, então ele se contradiz da maneira mais cômica, já que a
salvação em sua objetividade é completamente indiferente à minha e à sua
salvação... enquanto está em um senso de dignidade concentrado, obtido
por esforços extraordinários. Ao mesmo tempo, ele está enganando, se
passando por crente... Mas para uma pessoa envolvida em pensamentos
especulativos, não pode haver sequer uma pergunta sobre sua salvação
pessoal e eterna, pois sua tarefa é deixar a si mesmo e tornar-se objetivo e
tal. fugindo de si mesmo e se tornando uma habilidade especulativa e
especulativa” enquanto está em um senso concentrado de auto-estima, que
é adquirida por esforços extraordinários. Ao mesmo tempo, ele está
enganando, se passando por um crente... Mas para uma pessoa envolvida
em pensamentos especulativos, não pode haver sequer uma pergunta sobre
sua salvação pessoal e eterna, pois sua tarefa é deixar a si mesmo e tornar-se
objetivo e tal. fugindo de si mesmo e se tornando uma habilidade
especulativa e especulativa “enquanto está em um senso concentrado de
auto-estima, que é adquirida por esforços extraordinários. Ao mesmo tempo,

564
ele está enganando, se passando por um crente... Mas para uma pessoa
envolvida em pensamentos especulativos, não pode haver sequer uma
pergunta sobre sua salvação pessoal e eterna, pois sua tarefa é deixar a si
mesmo e tornar-se objetivo e tal. fugindo de si mesmo e se tornando uma
habilidade especulativa"(64).

Citamos uma citação tão detalhada de Kierkegaard testemunhando a


rejeição de Hegel, não apenas porque sua própria atitude expõe os
intérpretes modernos de Hegel muito melhor do que uma polêmica com
eles, mas também porque isso revela claramente o completo oposto dos
dois. direções que surgiram durante a renovação da religião pelo idealismo
da Nova Era. Escusado será dizer que este é o oposto no idealismo;
escusado será dizer que essas duas tendências idealistas estão lutando entre
si. Mas seria falso simplesmente identificá-los um ao outro e não perceber as
diferenças sociais e filosóficas entre eles.

Kierkegaard representa a renovação da religião, característica da


filosofia irracional da vida, pela direção que apareceu na Alemanha no
período hegeliano já na Alemanha e foi apresentada pelo “Discurso sobre
religião” de Schleiermacher, que Hegel criticou fortemente no curso de sua
luta contra o idealismo subjetivo. Essa direção tinha uma base agnóstica-
idealista subjetiva; viu que as formas anteriores de religião não eram
compatíveis com o conteúdo e os métodos da ciência moderna e, portanto,
desejava limitar a religião à esfera da subjetividade e enraizá-la naquilo em
que pudesse ter a subjetividade como a forma inicial e indestrutível de
manifestação da subjetividade humana, ou seja, de acordo com os pontos
de vista Schleiermacher e Kierkegaard, vida humana em geral, vida
sustentável. Eles acreditavam que é possível combinar sua posição místico-
irracionalista com os elementos subjetivos da teologia protestante. Seus
seguidores modernos – de Simmel a Heidegger – recusam um
aprofundamento teológico tão significativo da questão e procuram salvar a
religião como uma forma subjetiva da vida humana em geral. No entanto, o
significado irracionalista-agnóstico dessa tendência foi preservado. Portanto,
o representante moderno e mais consistente dessa direção – Heidegger
chega ao completo desespero, a uma negação radical da possibilidade e do
valor de qualquer forma de conhecimento objetivo. (Tendências semelhantes
podem ser vistas na filosofia de L. Klages.) aprimoramento teológico da
questão e procurar salvar a religião como uma forma subjetiva da vida
humana em geral. No entanto, o significado irracionalista-agnóstico dessa
tendência foi preservado. Portanto, o representante moderno e mais
consistente dessa direção – Heidegger chega ao completo desespero, a uma
negação radical da possibilidade e do valor de qualquer forma de
conhecimento objetivo. (Tendências semelhantes podem ser vistas na
filosofia de L. Klages.) ponto teológico da questão e procurar salvar a religião
como uma forma subjetiva da vida humana em geral. No entanto, o
565
significado irracional-agnóstico dessa tendência foi preservado. Portanto, o
representante moderno e mais consistente dessa direção – Heidegger chega
ao completo desespero, a uma negação radical da possibilidade e do valor
de qualquer forma de conhecimento objetivo. (Tendências semelhantes
podem ser vistas na filosofia de L. Klages.)

A forma hegeliana da renovação idealista da religião, a transformação


da filosofia idealista em religião e teologia tem um caráter completamente
diferente e uma origem diferente. Ela é, como já vimos, objetivista; não se
opõe ao contrário do conhecimento da realidade objetiva, pelo contrário, o
valor da religião, segundo Hegel, reside precisamente no fato de que as
categorias mais altas e objetivas da dialética devem encontrar sua expressão,
no entanto, de forma inadequada, que representa o penúltimo estágio da
religião. conhecimento adequado da realidade objetiva.

Essa tendência oposta nos projetos filosóficos corresponde diretamente


à diferença em sua origem. A renovação da religião, baseada nos conceitos
de Schleiermacher e Kierkegaard, é essencialmente uma direção moderna,
embora assuma muitos elementos do pensamento tanto dos primeiros como
dos filósofos da vida e dos irracionalistas como, por exemplo, Jacobi. (Hegel
já apontou a relação entre Jacobi e Schleiermacher em seu trabalho "Faith
and Knowledge".) Torna-se o antecessor direto dessas tendências irracionais
que encontraram sua expressão final na "teoria dos mitos" fascista. A filosofia
da religião de Hegel, pelo contrário, é a última expressão filosófica do
Iluminismo alemão.

Nosso estudo mostrou que, onde Hegel era realmente um grande


pensador, abrindo novos caminhos, ele era independente da linha geral de
desenvolvimento alemão. Já vimos que, com todos os inevitáveis pontos de
contato com seus predecessores alemães, ele constantemente vai além dos
limites da formulação kantiana da questão e da solução cantonesa dos
problemas, e é exatamente isso que difere de Fichte e Schelling, que durante
toda a vida permaneceram dentro desses limites. No entanto, onde as
consequências ideológicas decorrentes da vida social da então Alemanha
foram reveladas como limitações do pensamento hegeliano, Hegel tornou-se
novamente um seguidor da filosofia kantiana. Isso às vezes tomava, como,
por exemplo, na filosofia da religião, até formas tragicômicas. Recordar
como os jovens e jovens Hegel reagiram negativa e sarcasticamente à
tentativa cantonesa de renovar a religião como uma esfera de
implementação dos postulados da "razão prática". Em sua filosofia da
religião, ele apenas reproduz metodologicamente – escusado será dizer, em
um nível superior, com base no idealismo objetivo – a forma kantiana da
salvação da religião.

566
A relação metodológica entre Hegel e Kant reside no fato de que, tanto
na filosofia idealista, não é capaz de dominar mentalmente a dialética da
realidade objetiva. Essa incapacidade, que surge das relações sociais na
Alemanha, e obtém sua expressão filosófica no idealismo, é apenas
suavizada e oculta pela construção do sistema. Em Kant, na medida em que
a negação agnóstica da capacidade de conhecer as coisas em si é
complementada pelo caráter absoluto dos preceitos morais da "razão
prática", e a religião da razão forma apenas um campo fictício pseudo-
objetivo e fictício desses postulados: Kant cria uma esfera de religião para
apoiar seus postulados morais. realidade. Hegel superou esse dualismo tanto
no campo epistemológico (conhecimento das coisas em si), e na relação de
teoria e prática (trabalho e teleologia). Mas, junto com isso, o problema da
mais alta forma de objetividade de suas categorias dialéticas ainda não foi
resolvido. Desnecessário dizer que ele não conseguiu encontrar o princípio
de sua "reconciliação", a verdadeira transformação da substância em sujeito,
o desenvolvimento da "alienação" (die EntauBerung), a remoção de toda
objetividade na identidade de sujeito e objeto. O desenvolvimento da
religião é novamente mistificado por Hegel e aparece como pseudo-
realidade e pseudo-objetividade, como a pseudo-objetividade de Kant, é
uma área de desenvolvimento histórico, o desenvolvimento da consciência
humana, em que as categorias da dialética hegeliana parecem existir como
momentos de movimento da própria realidade. Mas, junto com isso, o
problema da mais alta forma de objetividade de suas categorias dialéticas
ainda não foi resolvido. Desnecessário dizer que ele não conseguiu encontrar
o princípio de sua "reconciliação", a verdadeira transformação da substância
em sujeito, o desenvolvimento da "alienação" (die EntauBerung), a remoção
de toda objetividade na identidade de sujeito e objeto. O desenvolvimento
da religião é novamente mistificado por Hegel e aparece como pseudo-
realidade e pseudo-objetividade, como a pseudo-objetividade de Kant, é
uma área de desenvolvimento histórico, o desenvolvimento da consciência
humana, em que as categorias da dialética hegeliana parecem existir como
momentos de movimento da própria realidade. Mas, junto com isso, o
problema da mais alta forma de objetividade de suas categorias dialéticas
ainda não foi resolvido. Desnecessário dizer que ele não conseguiu encontrar
o princípio de sua "reconciliação", a verdadeira transformação da substância
em sujeito, o desenvolvimento da "alienação" (die EntauBerung), a remoção
de toda objetividade na identidade de sujeito e objeto. O desenvolvimento
da religião é novamente mistificado por Hegel e aparece como pseudo-
realidade e pseudo-objetividade, como a pseudo-objetividade de Kant, é
uma área de desenvolvimento histórico, o desenvolvimento da consciência
humana, em que as categorias da dialética hegeliana parecem existir como
momentos de movimento da própria realidade.

567
No Iluminismo alemão, a luta contra a religião nunca assumiu a forma
decisiva e radical característica do Iluminismo inglês e francês. Devido ao
atraso da Alemanha, o Iluminismo alemão sempre se concentrou em
reconciliar a religião com os princípios da razão, esforçando-se
constantemente para privar as propriedades naturais da religiosidade
cotidiana e cotidiana, interpretando-a de maneira educacional-alemã, para
que se tornasse consoante com os princípios da razão, mudando
constantemente. É nesse aspecto metodológico que a filosofia da religião de
Hegel é, portanto, a continuadora da filosofia da religião de Kant e, de fato,
das tendências inerentes ao Iluminismo alemão.

A bifurcação e a ambiguidade da filosofia hegeliana da religião é,


portanto, um fenômeno comum para todo o Iluminismo alemão. E,
portanto, não surpreende que possa ser a tendência dominante enquanto o
desenvolvimento econômico não levar ao aprofundamento de contradições
de classe reais e internas. Nos anos 40, quando a luta pela preparação da
revolução burguesa entrou em um estágio agudo, a filosofia hegeliana da
religião perdia seu papel de líder e mediador, que por um lado
desempenhava, por um lado, a luta contínua contra o materialismo e o
irracionalismo romântico, por outro. Não é por acaso que a decomposição
da escola hegeliana começou com a questão da religião e levou, por um
lado, à ossificação reacionária e, por outro, à crítica materialista da filosofia
hegeliana da religião por Feuerbach.

Foi a partir desse período que a filosofia hegeliana da religião não teve
nenhum papel ideológico significativo. Ela foi completamente descartada
pela história. É verdade que não apenas no sentido de que o
desenvolvimento de uma ideologia alemã progressista a ultrapassou, mas
também no fato de que os movimentos reacionários religiosos não podem
mais encontrar nenhum ponto de contato com a atual filosofia da religião de
Hegel. Naturalmente, o neo-hegelianismo está tentando se unir exatamente
à sua filosofia da religião. Mas pode lançar uma ponte para o presente,
apenas falsificando as visões de Hegel. Essas distorções são muito diferentes,
mas são realizadas em um nível tão filosófico que todo tipo de disputa com
elas não tem sentido. Já demos um exemplo muito vívido da interpretação
de Hegel no espírito do irracionalismo de Kierkegaard e Heidegger. A
interpretação de Kroner de Hegel como "o maior irracionalista" é apenas
uma versão eclética de uma interpretação tão extrema, a extrema falsificação
modernizadora de Hegel, sua adaptação à fascinação geral da filosofia
alemã. E não faz sentido discutir a "teoria" de Lasson da religiosidade
protestante de Hegel, que parece ser a suposta principal linha contínua de
desenvolvimento do pensamento hegeliano, desde seus fragmentos de
Berna até obras recentes. Essa "teoria" está em clara contradição com todos
os fatos da repercussão do pensamento hegeliano em qualquer período de
sua vida. servindo como supostamente a principal linha contínua de
568
desenvolvimento do pensamento hegeliano, desde seus fragmentos de
Berna até obras recentes. Essa "teoria" está em clara contradição com todos
os fatos da repercussão do pensamento hegeliano em qualquer período de
sua vida. servindo como supostamente a principal linha contínua de
desenvolvimento do pensamento hegeliano, desde seus fragmentos de
Berna até obras recentes. Essa "teoria" está em clara contradição com todos
os fatos da repercussão do pensamento hegeliano em qualquer período de
sua vida.

A relação metodológica observada acima entre a filosofia da religião de


Kant e Hegel, explicada pelas fraquezas e limitações do Iluminismo alemão,
é claro, não significa sua identidade. Já enfatizamos as diferenças entre eles
na comprovação do parentesco de sua orientação. Essas diferenças mostram
que Hegel tem muito mais ambiguidade nessa área do que Kant. A filosofia
da religião de Kant, sob todas as condições, é a filosofia do deísmo
iluminado.

A filosofia de Hegel – ao contrário de todos os seus protestos – contém


um momento panteísta significativo. A enorme influência de Spinoza no
pensamento dos iluministas alemães do século XVIII, em particular Lessing,
Herder e o jovem Goethe, trouxe à vida na Alemanha uma tendência
panteísta na qual vários pensadores têm vários elementos materialistas. O
panteísmo tornou possível para os idealistas alemães explicar cientificamente
a realidade objetiva, a natureza e a sociedade como realidade governada
por suas próprias leis imanentes, negar resolutamente a existência da
realidade sobrenatural e, ao mesmo tempo, construir conceitos abstratos
cujos princípios idealistas recebem sua necessária conclusão filosófica em
Deus. O próprio Hegel sempre se irritava contra ser considerado um
panteísta,

A ambiguidade em sua solução de questões religiosas também se


encontra no fato de que ele não deseja ver que esse outro mundo é a
essência da religião, que ele, portanto, procura superar e preservar a religião
ao mesmo tempo, que seu deus, na medida em que exerce. Os requisitos
hegelianos deixam de ser um deus no sentido teológico e religioso.

Schopenhauer espirituoso disse sobre o panteísmo que ele era uma


forma cortês de ateísmo, uma forma cortês de exclusão de Deus do mundo.
A ambiguidade irresistível do idealismo alemão clássico, e especialmente
com Hegel, reside no fato de que ele está tentando combinar o incompatível,
que, negando a criação do mundo por Deus e seu desenvolvimento graças a
Deus, ele está tentando salvar filosoficamente as ideias religiosas associadas
a isso.

569
Tudo isso não é a identidade individual da filosofia hegeliana. Mas,
como Hegel elevou a dialética ao nível mais alto durante esse período, as
contradições decorrentes dessa ambiguidade aparecem em sua forma
grosseira e irreconciliável. Seria errado ver nessa simples adaptação de
Hegel às relações políticas atrasadas da então Alemanha. É característico
que Marx, no início de sua atividade, já na dissertação de 1840, rejeitou
uma avaliação semelhante de Hegel e revelou a fonte da natureza
contraditória interna de seu pensamento. Já se pode ver aqui em que
medida as limitações do pensamento hegeliano estão relacionadas às
limitações gerais do idealismo alemão.

Ao mesmo tempo, Kant descreveu o ceticismo e o dogmatismo como


dois grandes perigos que espreitam o pensamento filosófico e, em sua
filosofia, ele tentou encontrar uma terceira maneira que deveria evitar esses
perigos. É claro para qualquer leitor moderno que esse caminho poderia ser
apenas o caminho da dialética, que pode evitar tanto a negação da verdade
objetiva (ceticismo) quanto ver o momento da relatividade em sua conexão
dialética correta com o absoluto e qualquer forma de decodificar verdades
objetivas cientificamente injustificadas, qualquer forma de pseudo-
objetividade , pseudo-absolutismo (dogmatismo). Já sabemos pelas críticas
hegelianas que a tentativa de Kant falhou. Também sabemos de nossa
exposição detalhada da dialética hegeliana até onde Hegel chegou para
superar essas antinomias, especialmente ao declarar a relação dialética
correta entre o absoluto e o relativo. Com tudo isso, ele foi forçado a
reproduzir o último fundamento desse dilema mais uma vez, em um nível
superior, sem encontrar uma solução perfeita.

O momento em que o ceticismo de Kant corresponde no nível mais alto


é a dialética de uma simples transição de opostos um para o outro,
desprovida de direção, de desenvolvimento para níveis mais altos. Em
"Fenomenologia", consideramos essa dialética como uma dialética "para si",
como uma dialética do Iluminismo. Ao analisar A tragédia da ética, já
mostramos que os limites dessa dialética estão conectados precisamente ao
fato de que Hegel não foi capaz de revelar na realidade a direção do
movimento e a resolução dessas contradições dialéticas, que ele revelou
muito penetrante no capitalismo. A fixação de apenas uma simples transição
mútua de contradições, levada ao fim, levou Solger ao niilismo dialético na
arte. Aceitar esta visão explica por que Schelling disse certa vez sobre a
estreita conexão da dialética com o ceticismo. Hegel, é claro, não tem
ceticismo; existe apenas o seguinte: "Delícia báquica, com todos os
participantes intoxicados; e uma vez que cada um deles, separadamente, se
dissolve da mesma maneira diretamente ..."(65).

Em outras palavras, há o auto-movimento não dirigido de contradições,


que se retraem continuamente e se reafirmam. A partir disso, fica

570
completamente claro por que Hegel acredita que essa dialética surge em
uma "consciência dilacerada", por que ele vê uma crise de espírito no
Iluminismo.

Essa dialética, é claro, não pode assumir uma forma romântica, como a
de Solger. Ela é a dialética defendida por Mefistófeles no Fausto de Goethe:

Fausto: Então, quem é você?

Mefistófeles: Parte do meu poder eterno,

Sempre querendo o mal, fazendo apenas o bem.

Fausto: Curly disse; mas mais fácil – o que é isso?

Mefistófeles: Eu nego tudo – e essa é a minha essência.

Então, só para cair de trovão,

Todo esse lixo que vive na terra é bom.

Não seria melhor se eles não tivessem nascido!(66).

O fato de que essa filosofia é uma característica muito próxima da


compreensão de Hegel do papel do mal na história é bastante óbvio. Mas o
importante é que Goethe não poderia ir além dos limites da contradição. É
claro que Fausto, e com ele Goethe, não compartilham essa posição do
ceticismo dialético de Mefistófeles; mas é igualmente claro que – embora isso
não possa ser discutido aqui em detalhes – e Goethe em Fausto podem
alcançar uma solução positiva para essa contradição apenas no caminho
mitológico.

Já podíamos ver claramente a solução mitológica na filosofia da religião


"Fenomenologia". E a luta heroica de Hegel pela verdade dialética em um
"emaranhado de contradições" mostra que sua luta filosófica com Kant,
Fichte e Schelling pode ser entendida como uma luta por expandir, na
medida do possível, os limites de sua decisão dogmática, pela verdade
dialética revelada ao máximo possível, do desenvolvimento interno das
contradições da realidade objetiva. No entanto, para perceber isso, Hegel
teve que ver aonde o movimento de contradições sob o capitalismo
realmente leva, o "deleite baquico" de sua contínua superação e nova
suposição. Mas ele não viu e não pôde ver. Ele considerava o capitalismo
como a forma mais alta do processo histórico; ao explicar seu movimento
adicional, ele recorreu a construções idealistas vazias. A esse respeito e para
ele, a avaliação que Marx deu aos conceitos de história na economia política
clássica é significativa: "... até agora havia história, e agora não existe
mais"(67).

571
Assim, o decreto de um sistema completo e positivamente verdadeiro
decorre do estado social em que e a partir do qual a dialética hegeliana
cresce. No entanto, o ser social se reflete na filosofia de uma maneira muito
complexa. Ele não apenas se reflete diretamente na filosofia social de Hegel
e na filosofia da história, mas também está associado a uma forma abstrata
de resolver questões filosóficas fundamentais como critério da verdade. O
materialismo pré-marxista viu com razão o critério da verdade no acordo do
conhecimento humano com a realidade objetiva, no verdadeiro reflexo do
mundo externo, independente da consciência. Sua limitação reside no fato
de que, como V. I. Lenin enfatizou, ele foi incapaz de descobrir a dialética
realmente existente da reflexão da realidade e compreendê-la
filosoficamente.

O idealismo alemão viu isso como o problema dialético. A dialética


idealista é confrontada, no entanto, com o problema insolúvel do critério da
verdade, questões como o porquê, de acordo com o qual a verdade de uma
ou outra afirmação é conhecida.

A inconsistência de Kant em questões de dialética se expressa


principalmente no fato de que, ao resolver o problema do critério da
verdade, ele é forçado a recorrer à lógica formal. A verdade é encontrada no
acordo lógico formal de julgamento consigo mesmo. Obviamente, Kant
também tem tentativas de derivar um critério de verdade. O fato de ele ser
compelido a apelar aponta para a aparente autenticidade e contrariedade da
lógica formal, como já mostramos quando enfatizamos que ele usa apenas
esse critério para o conteúdo do imperativo categórico. A crítica de Hegel a
todo o vazio e inconsistência dessa prova é conhecida por suas críticas ao
exemplo da contribuição em dinheiro dada por Kant.

O idealismo objetivo deve encontrar outros critérios. Schelling encontra


esse critério na doutrina das ideias de Platão: o acordo com as ideias deve
ser um critério da verdade, uma vez que afirmações filosóficas, obras de arte
etc. não passam de formas de reflexão dessas ideias na consciência humana.
Aqui estamos lidando com o materialismo místico colocado pela cabeça,
com o embuste nas ideias platônicas da essência da realidade objetiva, a fim
de encontrar neles o critério da verdade. Na filosofia da arte de Schelling,
apesar dessa mistificação, há claramente certos vestígios de uma tendência
inconsciente à teoria do conhecimento do materialismo, e é por isso que este
trabalho é um passo à frente na história da estética. Mas já no diálogo
"Bruno" os lados místicos dessa teoria vêm à tona e levam diretamente ao
misticismo religioso posterior de Schelling. A interpretação da "intuição
intelectual" como uma "habilidade brilhante" dada apenas a pessoas
selecionadas agrava essas tendências dogmáticas e místicas na filosofia de
Schelling.

572
Nesse sentido, a lógica dialética de Hegel vai muito além de toda a
filosofia anterior. Contudo, esse avanço, considerado do ponto de vista do
todo, apenas afasta o problema e, assim, empurra também a percepção da
possibilidade de resolver problemas particulares da teoria do conhecimento
por meio da aplicação aberta do princípio de reflexão da realidade objetiva;
portanto, na fase final, todas as dificuldades devem se manifestar com maior
força. A lógica hegeliana mostra que, por um lado, coisas que nos parecem
inalteradas se tornam processos e, por outro lado, trata a objetividade dos
objetos como resultado da "alienação" do sujeito (EntauBerung). Graças a
isso, o problema da coisa em si de Kant foi entendido como a relação entre
coisa e propriedade, como um problema, que Fichte se recusou a resolver e
cuja solução Schelling novamente tentou encontrar no caminho oposto. A
compreensão de objetos como o "Entäußerung" do espírito permite a Hegel,
no exame epistemológico da realidade empírica, sem perceber, aplicar a
teoria da reflexão. Ele pode comparar qualquer pensamento com a realidade
objetiva – e a validade desse critério, que está de acordo com a realidade
objetiva, não é negada em casos individuais, mas ele entende essa realidade
não como realmente existente, independente da consciência, mas como um
produto da "alienação" (Entäußerung) um assunto que é superior à
consciência individual. E como o processo de "alienação" (Enlauberung) é
dialético, essa dificuldade foi primeiramente entendida por ele como uma
característica de um processo da totalidade do conhecimento.

Hegel enfatiza a processualidade da cognição, o fato de que absoluto é


o resultado de todo o processo. Escusado será dizer que ele precisa de algum
critério para explicar o conhecimento correto de todo o processo. É aqui que
se percebe a necessidade com que os conceitos gerais da dialética fluem das
premissas hegelianas, que à primeira vista parecem sombrias e místicas. Se a
objetividade dos objetos é um produto da divisão anterior do sujeito-objeto
idêntico, segue-se inevitavelmente que o critério para a verdade superior de
todo o processo pode consistir apenas em revelar a identidade do sujeito e
do objeto, na conquista pelo sujeito-objeto idêntico de si mesmo. Mas se
esse caminho do espírito começa com a identidade original,

Portanto, a dialética hegeliana tem uma enorme vantagem sobre outras


formas de epistemologia desenvolvidas no idealismo alemão: ao explicar
grandes áreas inteiras do conhecimento humano, pode recorrer ao princípio
daquelas teorias do conhecimento que derivam do reflexo da realidade,
embora Hegel não derive corretamente esse princípio. Assim, a dialética
hegeliana oferece um amplo escopo para várias áreas da cognição humana,
grandes oportunidades para a correta compreensão do mundo externo, para
o desenvolvimento de características essenciais do processo cognitivo.

Mas isso é apenas uma oportunidade. A questão dos critérios teóricos e


cognitivos de todo o processo de cognição, a questão com a qual o sujeito

573
cognoscível deve ser consistente para se tornar reconhecido como
verdadeiro, Hegel pode resolver da mesma maneira que seus predecessores,
apenas de maneira mística e mistificada. Temos enfatizado repetidamente
que Hegel foi incapaz de superar Schelling em certos pontos. Isso é
confirmado nos níveis mais altos de sua filosofia. É precisamente essa
limitação teórica e cognitiva – cuja base social, esperamos, já está clara –
que agrava e fortalece as tendências religiosas e teológicas da filosofia
hegeliana, apesar da ambiguidade de sua atitude em relação à religião.
Afinal, as forças sociais devem finalmente prevalecer. "A reflexão religiosa do
mundo real", disse Marx, "pode até desaparecer completamente, quando as
relações da vida cotidiana prática das pessoas serão expressas em relações
transparentes e razoáveis entre elas e com a natureza. A estrutura do
processo da vida social, isto é, o processo material de produção, jogará fora
o cobertor místico e nebuloso apenas quando se tornar o produto de uma
união social livre de pessoas e estará sob seu controle consciente e
planejado"(68).

(1) Hegel. Op. Tomo IV, p. 364. (retornar ao texto)

(2) Marx, K, Engels F., Op. 2ª ed. Tomo 3, p. 25. (retornar ao texto)

(3) Haym, R. Hegel e seu Tempo. São Petersburgo, 1861, p, 202-203.


(retornar ao texto)

(4) Marx, K, Engels F., Op. 2ª ed. Tomo 21, p. 278. (retornar ao texto)

(5) Hegel. Op. Tomo IV, p. 14-16. De todo o contexto, é óbvio que estamos
falando sobre o relacionamento da experiência nacional individual e
histórica. Hegel chama um indivíduo de “um espírito imperfeito, de certa
maneira concreta, em todo ser que a certeza domina, e de outra existem
apenas características vagas” (Ibid., p. 14). Analisando a relação, entre o
indivíduo e o gênero, nos primeiros trabalhos, Hegel chama o gênero de “o
ser mais elevado” (Lógica de Iena, p. 158). Assim, é claro que o leitor
moderno pode ler em todos os lugares, em vez de espírito-gênero. (retornar
ao texto)

(6) Marx, K, Engels F., Op. 2ª ed. Tomo 42, p. 155. (retornar ao texto)

(7) Hegel. Op. cit. Tomo IV, p. 429. (retornar ao texto)

(8) Loc. cit., p 197. (retornar ao texto)

574
(9) Marx, K, Engels F., Op. cit. 2ª ed. Tomo 3, p. 3. (retornar ao texto)

(10) Hegel. Op. cit. Tomo IV, p. 210-211. (retornar ao texto)

(11) Loc. cit., p 113,116, 117-118. (retornar ao texto)

(12) Loc. cit., p 195-196. (retornar ao texto)

(13) Loc. cit., p 189. (retornar ao texto)

(14) Loc. cit., p 189. (retornar ao texto)

(15) Hegel. Op. cit. Tomo VII, p. 213. (retornar ao texto)

(16) Hegel. Op. cit. Tomo IV, p. 208. (retornar ao texto)

(17) Loc. cit., p 208-209. (retornar ao texto)

(18) Marx, K, Engels F., Op. cit. 2ª ed. Tomo 23, p. 96. (retornar ao texto)

(19) Hegel. Op. cit. Tomo IV, p. 221. (retornar ao texto)

(20) Loc. cit., p 222-223. (retornar ao texto)

(21) Loc. cit., p 223. (retornar ao texto)

(22) Loc. cit., p 244-245. (retornar ao texto)

(23) Loc. cit., p 235. (retornar ao texto)

(24) Loc. cit., p 256-257. (retornar ao texto)

(25) Loc. cit., p 257. (retornar ao texto)

(26) Loc. cit., p 258. (retornar ao texto)

(27) Loc. cit., p 276. Lembramos ao leitor a definição de dinheiro como Eu.
Cf.: Hegel, Jenenser Realphilosophie, Tomo II, p. 257. (retornar ao texto)

(28) Loc. cit., p 296. (retornar ao texto)

(29) Loc. cit., p 295. (retornar ao texto)

(30) Loc. cit., p 279. (retornar ao texto)

(31) Loc. cit., p 279-280. (retornar ao texto)

(32) Loc. cit., p 308. (retornar ao texto)

(33) Loc. cit., p. 311. (retornar ao texto)

575
(34) Loc. cit., p 311-312. (retornar ao texto)

(35) Loc. cit., p. 312. (retornar ao texto)

(36) Loc. cit., p 313. (retornar ao texto)

(37) Loc. cit., p 313-314. (retornar ao texto)

(38) Loc. cit., p. 315. (retornar ao texto)

(39) Loc. cit., p 320. Esse estado “pacificado do mundo social após a
Revolução Francesa não significa a restauração para Hegel e o retorno ao
regime anterior. Isso é importante para o entendimento de Hegel do estado
alemão. Ele sempre protestou que seu conceito era considerado um reflexo
da posição da Alemanha na época. Por exemplo, em uma nota marginal às
aulas de 1805/1806 escreveu: “Uma garantia contra a arbitrariedade. A
constituição geral das propriedades não é das propriedades rurais”, isto é,
não é a forma da estrutura fundiária que existia na Alemanha na época .
(retornar ao texto)

(40) Loc. cit., p 319. (retornar ao texto)

(41) Loc. cit., p. 321. (retornar ao texto)

(42) Hegel Op. cit. Tomo IV, p. 361. (retornar ao texto)

(43) Hegel Op. cit. Tomo IX, p. 4. (retornar ao texto)

(44) Hegel Obras de diferentes anos. Tomo 2, p. 301-302. (retornar ao


texto)

(45) Hegel Op. cit. Tomo IV, p. 401. (retornar ao texto)

(46) Loc. cit., p. 434. (retornar ao texto)

(47) Loc. cit., p. 365. (retornar ao texto)

(48) Loc. cit., p. 365-366. (retornar ao texto)

(49) Loc. cit., p. 366. (retornar ao texto)

(50) Marx, K, Engels F., Op. cit. 2ª ed. Tomo 12, p.737. (retornar ao texto)

(51) Hegel Op. cit. Tomo IV, p. 423-424. (retornar ao texto)

(52) Loc. cit., p. 424. (retornar ao texto)

(53) Loc. cit., p. 427. (retornar ao texto)

576
(54) Loc. cit., p. 395. (retornar ao texto)

(55) Loc. cit., p. 396-397. (retornar ao texto)

(56) Feuerbach, L. – Trabalhos filosóficos escolhidos, Tomo 1, 1955, p. 164.


(retornar ao texto)

(57) Hegel Op. cit. Tomo IV, p. 425. (retornar ao texto)

(58) Marx, K, Engels F., Op. cit. 2ª ed. Tomo 46, parte I, p.105-106.
(retornar ao texto)

(59) Hegel Op. cit. Tomo IV, p. 411-412. (retornar ao texto)

(60) Loc. cit., p. 418.(retornar ao texto)

(61) Loc. cit., p. 410. (retornar ao texto)

(62) Loc. cit., p. 186-187. (retornar ao texto)

(63) Loc. cit., p. 420. (retornar ao texto)

(64) Kierkegaard, S. Gesammelte Werke, Iena, 1910, Tomo VI, p.146.


(retornar ao texto)

(65) Hegel, Op. cit. Tomo IV, p. 25. (retornar ao texto)

(66) Goethe, Fausto.Moscou, 1963, p 212. (retornar ao texto)

(67) Marx, K, Engels F., Op. cit. 2ª ed. Tomo 4, p.142. (retornar ao texto)

(68) Marx, K, Engels F., Op. cit. 2ª ed. Tomo 23, p.90. (retornar ao texto)

577
O Jovem Hegel e os Problemas da Sociedade Capitalista

Georg Lukács

Capítulo IV – O rompimento com Schelling e a fenomenologia do


espírito (Iena, 1803-1807)
4 - "Alienação" ("Entäußerung") como o conceito filosófico central
da "Fenomenologia do espírito"

Antes de prosseguir com uma análise detalhada do conceito de


"alienação" (EntauBerung), é útil reproduzir pelo menos brevemente o
desenvolvimento desse problema na filosofia anterior e o surgimento desse
conceito em Hegel. Lembre-se de que, no período de Berna do
desenvolvimento das visões republicanas do jovem Hegel, a “positividade”
denotou certo estabelecimento ou conjunto de pensamentos que, sendo uma
objetividade morta, se opunham à subjetividade da prática humana como
algo estranho. Já neste período, o conceito de positividade foi apresentado
para revelar o caráter específico da sociedade de então. Entretanto, o jovem
Hegel se opôs fortemente à era "não positiva" da democracia moderna
grega. Sua filosofia da história estava cheia de esperança.

O colapso dessas esperanças, que levou a uma crise no pensamento de


Hegel durante o período de Frankfurt, implicou, em suma, um entendimento
histórico e dialético da "positividade". Instituições modernas não são mais
para Hegel algo inicialmente ossificado e irremediavelmente positivo. Ele
constantemente se volta para um estudo concreto de como algo se tornou
positivo, como a ligação historicamente concreta da prática social e das
instituições sociais surgem e desaparecem. Essa grande concretude histórica
é alcançada, como sabemos, paralelamente ao processamento gradual de
Hegel dos resultados teóricos da economia política clássica britânica, com
um interesse crescente nos problemas econômicos do capitalismo, com uma
penetração mais profunda neles. Nós já conversamos sobre que durante essa
crise, Hegel percebeu o conceito específico de dialética. À medida que se
desenvolve, à medida que a visão de mundo de Hegel se desenrola, o
conceito de "positividade" é cada vez mais relegado ao segundo plano na
terminologia hegeliana. Mas isso nunca desaparece completamente. Esse
conceito, no entanto, é cada vez mais interpretado no sentido específico em
que jurisprudência e teologia falam de direito positivo e religião positiva. O
conceito filosófico, característico dos períodos de Frankfurt e Berna,
desaparece. Mas o termo "positivo" mantém uma conotação negativa em
Hegel. A filosofia de desenvolvimento de Hegel não permite que nenhuma
instituição justifique o fato da duração de sua existência como uma desculpa
para sua preservação. Esse tipo de "positividade" no desenvolvimento e

578
aprofundamento da filosofia hegeliana, apenas o termo "positividade" é
superado, mas não o problema que lhe foi associado durante o período de
Frankfurt, a saber, a atitude dialética da prática social humana em relação
aos objetos criados por ela mesma.

Dificilmente é necessário repetir aqui os resultados de nossa análise do


período de Iena no desenvolvimento das visões de Hegel, nem em relação
ao seu conteúdo social, nem em relação às especificidades da terminologia
filosófica.

Cada vez mais - com a contínua experimentação da terminologia - está


sendo afirmado que, na prática pública do homem, o imediatismo inicial, a
naturalidade deve ser superada; nesse processo, a natureza é substituída por
um sistema de obras criadas pelo homem na prática, no trabalho e pelo
trabalho. Os produtos do trabalho acabam sendo não apenas objetos
públicos, mas também a transformação por uma pessoa, uma vez que o
trabalho supera a imediação original e o sujeito se aliena do lado de fora.

No curso da luta contra o idealismo subjetivo, e depois contra o


idealismo objetivo de Schelling, Hegel cria terminologia filosófica para
expressar adequadamente novas ligações no pensamento, para
generalização filosófica das formas de objetividade social que ele
desenvolveu através do estudo da economia política e da história.
Categorias como "mediação", "reflexão" etc. adquirem um significado
puramente hegeliano. A teoria da unidade das contradições, formulada
abstratamente já em Frankfurt, se transforma em uma teoria detalhada do
movimento das contradições e sua remoção em um sentido especificamente
hegeliano. Durante esse desenvolvimento, os conceitos de EntauBerung e
Entfrem-dung tornam-se centrais no sistema hegeliano. É difícil reproduzir
todo o curso desse desenvolvimento. Vimos isso de volta nas aulas ditadas
de 1803/04. Hegel costuma usar a terminologia de Schelling. Nas palestras
de 1805/06, o termo Entäußerung ("alienação") aparece de vez em quando,
mas esse conceito não é dominante. É verdade que, nos ciclos de palestras
do período Iena, especialmente nas palestras de 1805/06, muitos problemas
sociais e filosóficos são considerados da mesma maneira que na
"Fenomenologia", a saber, como os problemas de objetividade externos, a
discussão desses problemas não coincide terminologicamente com a
essência desse conceito, que mais tarde se tornou fundamental. Somente na
Fenomenologia se desenvolve um novo sistema consistente de conceitos, ou
seja, como problemas de objetividade externos, a discussão desses
problemas não coincide terminologicamente com a essência desse conceito,
que mais tarde se tornou fundamental.

Sozinhos, esses termos não são novos. Eles são uma tradução alemã da
palavra alienação em inglês, usada tanto na economia política inglesa para

579
denotar a liberação de mercadorias no mercado (Verausserung), quanto em
quase muitas teorias legais-naturais do contrato social para denotar a perda
da liberdade inicial, para caracterizar a transferência, a transferência da
liberdade inicial, uma empresa resultante de um contrato. Em um sentido
filosófico, o termo “alienação” (Entäußerung), até onde eu sei, já foi usado
por Fichte, isto é, no sentido de que a posição de um objeto não é senão a
formação de um sujeito externo, e também no sentido de que o objeto deve
ser entendido como se tornando a mente externa(1).

O problema em si, apesar de uma terminologia diferente, surge em uma


das obras do jovem Schelling. Aqui citaremos suas observações sobre esse
assunto, uma vez que elas caracterizam muito bem o instinto de Schelling
por problemas e seu disposição espiritual ao lado de Hegel, tão propenso a
exageros e extremos, e muitas vezes levando à morte de suas próprias
posições dialéticas. O que Hegel mais tarde chamaria de "alienação"
(Entäußerung), Schelling chama aqui de "condicionamento" (Bedingen).
"Condição significa a ação pela qual algo se transforma em uma coisa
(Ding); condicional (bedingt) significa aquilo que se tornou uma coisa; assim
fica claro que nada pode ser colocado como uma coisa através de si mesmo,
ou seja, uma coisa incondicional (sem dingtes Ding) é uma contradição“(2).

Sem dúvida, o jovem Schelling trata aqui, de uma maneira muito


abstrata, o mesmo problema, cuja solução em muitos trabalhos foram
apresentados pelo jovem Hegel. Mas Schelling encontra uma solução
elegante e espirituosa, que, no entanto, tem a falha "pequena" de criar uma
lacuna insuperável entre a prática e o sujeito, e justamente por isso, o
problema colocado por Schelling se torna insolúvel para ele. Como esses
experimentos terminológicos em Fichte e Schelling ainda são episódicos e
não têm influência decisiva na formulação dos principais problemas de seus
sistemas filosóficos, o sistema de conceitos desenvolvidos na Fenomenologia
pode ser considerado completamente original, apesar dos predecessores de
Hegel mencionados o terem usado.

Na Fenomenologia, a “alienação” (Entäußerung) aparece como o nível


mais alto de generalização filosófica. Esse conceito vai muito além de sua
fonte e escopo originais, além dos limites da economia política e da filosofia
social. No entanto, no uso desse termo na filosofia de Hegel, podemos ver
vários de seus diferentes significados decorrentes da esfera social e filosófica
original de seu uso e da generalização filosófica posterior.

Em particular, o conceito hegeliano de "alienação" (Entäußerung)


distingue três estágios.

Primeiro, uma complexa relação sujeito-objeto associada a qualquer


tipo de trabalho, às atividades econômicas e sociais do homem. Isso levanta

580
o problema da objetividade da sociedade, seu desenvolvimento, as leis desse
desenvolvimento e o significado da ideia de que as pessoas fazem sua
própria história não diminui nem um pouco. Assim, a história é entendida
como o desenvolvimento dialético dos seres humanos, rica em interações e
contradições, realizada por indivíduos socializados através da prática. Assim,
Hegel deu um passo extremamente importante no entendimento dialético da
ligação entre subjetividade e objetividade. Por um lado, em comparação
com a teoria social do antigo materialismo, que não é capaz de conectar o
papel subjetivo da prática humana com a objetividade do direito social,
interpretada principalmente de maneira naturalista (clima, etc.), e não
conseguir sair das antinomias associadas ao exagero de uma delas, tendo
momentos imóveis. Por outro lado, Hegel deu um grande passo adiante em
comparação com Kant e Fichte, em que necessidade e objetividade formam,
em relação à liberdade e à prática, um mundo estranhado completamente
diferente, de origem diferente. Schelling, como é sabido, mesmo no estádio
objetivo-idealista de seu desenvolvimento, superou esse dilema apenas na
forma de um presságio sombrio, mais declarativo do que filosófico. Em
segundo lugar, estamos falando de uma forma especificamente capitalista de
"alienação" (Entäußerung), sobre o que Marx mais tarde chamará de
fetichismo. Hegel, é claro, não tem ideias claras sobre esse ponto, não é
porque ele só pode descobrir os fundamentos econômicos das contradições
de classe como fatos sociais (pobreza e riqueza), não ser capaz de passar do
conhecimento dos fatos para conclusões teóricas fundamentais. No entanto,
ele já tem algumas especulações sobre a fetichização de objetos sociais no
capitalismo, e pode-se argumentar que Hegel é o único pensador do
idealismo clássico alemão que pelo menos sente esses problemas. É verdade
que a imprecisão das ideias de Hegel no campo da doutrina econômica do
valor leva ao fato de que esse grupo de subjetividade social "alienada" se
funde constantemente com a primeira, e às vezes ele considera o que é uma
propriedade fetichizada e específica que expressa apenas à essência da
sociedade capitalista, como consequência inevitável da prática humana em
geral, pelo contrário. Apesar dessa falha, a crítica é um dos pontos centrais
da avaliação marxista.

O idealismo aqui leva Hegel a tais exageros que muitas vezes ele não
percebe o papel mediador das coisas no processo de dissolução de objetos
sociais nas relações humanas - frequentemente, mas nem sempre. Essa
forma particular de idealismo, inerente às primeiras tentativas de desfigurar a
subjetividade das formações sociais sob o capitalismo, surge primeiro "até
onde eu saiba”, com Hegel. Ela desempenha um papel muito grande na
decomposição da escola de Ricardo. Por exemplo, Marx diz sobre Hodskin:"
Todo o mundo objetivo: o mundo dos bens materiais retrocede para o
segundo plano aqui como apenas um momento, apenas uma manifestação
de desaparecimento, mais uma vez criada pela atividade de pessoas que

581
produzem socialmente. Compare esse "idealismo" com o fetichismo material
bruto no qual tudo é convertido na teoria de Ricardo por "esse incrível
escrevinhador" McCulloch, onde não apenas a diferença entre homem e
animal desaparece, mas também a diferença entre os vivos e as coisas. E
depois disso, vamos apenas tentar dizer que, diante do sublime
espiritualismo da economia política burguesa, sua antítese proletária pregava
o materialismo bruto, referindo-se exclusivamente às necessidades dos
animais"(3).

Certamente, não se pode deixar de notar a profunda diferença entre


Hegel e Hodskin. Este já dos ensinamentos de Ricardo sobre valor tira
conclusões socialistas, não importa quão imprecisas e contraditórias elas
sejam; Hegel, como vimos, enquanto trabalhava na Fenomenologia, nem
sequer entendia todos os problemas e contradições internas da teoria do
valor de Smith. Ele não podia falar de conclusões socialistas. É claro que
Hodskin poderia e deveria ter agido em todos esses assuntos de maneira
muito mais decisiva do que Hegel. Essas diferenças não anulam, no entanto,
o fato de Hegel ser caracterizado por uma orientação clara nessa direção e
ser o único pensador que busca tirar conclusões filosóficas dos fatos
econômicos.

Terceiro, existe um significado filosófico extremamente geral do conceito


de "alienação". Filosoficamente, “alienação” (Entäußerung) significa a
mesma coisa que “coisa” (Dingheit) ou “objetividade” (Gegenstandlichkeit):
é uma forma em que a história do surgimento da objetividade assume uma
expressão filosófica, objetividade como um momento dialético no caminho
de um sujeito-objeto idêntico através da "alienação" (Entäußerung) para si
mesmo. Hegel diz: "Na existência imediata do espírito, na consciência,
existem dois momentos: o momento do conhecimento e o momento
negativo em relação ao conhecimento da objetividade. Como o espírito se
desenvolve e revela seus momentos nesse elemento, esse oposto é
característico deles e todos agem como formas (Gestalten) de consciência. A
ciência que segue esse caminho é a ciência da experiência, cometido pela
consciência; uma substância é considerada na forma em que ela e seu
movimento constituem um objeto de consciência. A consciência conhece e
tem um conceito apenas sobre o que ela tem na experiência; pois na
experiência existe apenas substância espiritual e precisamente como um
objeto de si mesmo. Mas o espírito se torna um objeto, pois é esse
movimento, consistindo no fato de que se torna para si mesmo algo mais,
isto é, o objeto de si mesmo, e que supere esse outro ser"(4).

As tendências essenciais para a mistificação inerentes a essa superação


(Rücknahme) da objetividade já são conhecidas por nós. Mas também
sabemos que Hegel expandiu as possibilidades de desenvolver definições
dialéticas significativas da realidade e do pensamento objetivos,

582
precisamente devido à natureza processual da “alienação” (Entäußerung),
devido ao fato de que o sujeito-objeto absoluto e idêntico é entendido
apenas como resultado do movimento. “No sistema hegeliano, o assunto
finalmente chegou ao ponto de que, em termos de método e conteúdo, era
apenas o materialismo idealista invertido em sua cabeça”(5).

Mas seria errado entender essa posição de Engels no sentido de que a


virada materialista da filosofia hegeliana da cabeça aos pés consiste apenas
em virar termos filosóficos. Pelo contrário, como nosso estudo mostrou, por
causa do método idealista, os problemas mais fundamentais aparecem de
uma forma completamente distorcida e, ao discutir questões particulares,
suposições importantes são entrelaçadas com pilhas idealistas, às vezes
conectadas na mesma frase. Seria errado acreditar que o que foi destacado
em nosso estudo por uma questão de simplicidade e clareza, com o objetivo
de alcançar a concretude histórica, continuou tão suavemente durante o
estudo do próprio Hegel e que ele começou a recorrer à mistificação
idealista apenas construindo seu sistema. Nós esperamos que o exposto
tenha demonstrado convincentemente o fracasso de tal entendimento. Aqui
devemos colocar alguns problemas críticos e nos limitar a isso.

Identificando ilegalmente “alienação” (Entäußerung) com “coisa” ou


objetividade, Hegel, definindo a essência da natureza e da sociedade e
tentando enfatizar sua diferença, chega a um mal-entendido de suas
diferenças. Segundo Hegel, tanto a natureza quanto a história são a
"alienação" (Entäußerung) do espírito. Mas a natureza é uma espécie de
alienação eterna fora do espírito, cujo movimento é, portanto, apenas
aparente, apenas o movimento do sujeito; a natureza de Hegel não tem
história real. "Esta é a última formação do espírito, a natureza, é a sua
formação direta viva; um espírito desapegado, em seu ser atual, não passa
de um desapego eterno de sua existência estável e de um movimento que
restaura o sujeito"(6).

Pelo contrário, “alienação” (Entäußerung) na atividade social dos seres


humanos, na história é a “alienação” (Entäußerung) do espírito no tempo, o
que significa, de acordo com o conceito hegeliano, formação real, história
real. É verdade que veremos que a teoria hegeliana da "alienação"
(Entäußerung) até transforma uma formação histórica verdadeiramente
dirigida no final em um movimento aparente. Hegel fala dessa forma de
"alienação" (Entäußerung): "O outro lado de sua formação, a história, é um
devir auto-mediador - um espírito desapegado no tempo; mas essa renúncia
é exatamente o mesmo desapego de si mesmo; o negativo é o negativo de si
mesmo. Essa formação reproduz algum movimento lento e uma série de
espíritos. alguma galeria de imagens, dos quais cada um, sendo dotado de
toda a riqueza do espírito, justamente por isso se move tão lentamente que o
Eu deve romper toda essa riqueza de sua substância e digeri-la. Uma vez

583
que a realização do espírito consiste em conhecer perfeitamente o que é, sua
substância, esse conhecimento é a sua partida em si mesma, na qual deixa
seu ser atual e transfere sua morfogênese para a memória"(7).

A consequência metodológica direta dessa diferença entre as formas de


“alienação” (Entäußerung) na natureza e na história já observamos na
“Fenomenologia”. Na segunda seção, onde Hegel analisa a própria história,
todos os problemas da filosofia da natureza desaparecem quase
completamente. Eles são colocados apenas na primeira e terceira seções. A
compreensão da objetividade apresentada na terceira seção contribui muito
para a mistificação dos problemas dialéticos. Além disso, na metodologia
hegeliana da pesquisa histórica, não há interação real entre natureza e
sociedade, a história da natureza é removida da história do desenvolvimento
social. Como estudante do Iluminismo, Hegel, é claro, está ciente da relação
entre natureza e sociedade, sobre a determinação do desenvolvimento social
por condições naturais (clima, etc.).

Ainda mais importante é o fato de que a dialética do pensamento


histórico, como Hegel, nem sequer fala sobre a história do desenvolvimento
da natureza, e isso apesar da grande descoberta histórica de Kant sobre o
surgimento do sistema solar (que, aliás, não afetou o sistema filosófico
kantiano e não deu historicidade à sua compreensão da natureza), apesar
das aspirações sintomáticas de alguns contemporâneos de Hegel, em
particular Goethe, de aplicar a ideia de desenvolvimento ao mundo
orgânico.

Na filosofia da natureza de Hegel, é claro, existe uma linha de


desenvolvimento, mas, segundo ele, não é precisamente o desenvolvimento
histórico que não se desdobra no tempo. Tal desenvolvimento é reconhecido
por Hegel apenas na história da sociedade humana. Obviamente, isso não
se segue, como se a filosofia hegeliana não tivesse tendências opostas. Mas
nada mais são do que observações feitas de passagem e não relacionadas ao
contexto geral. Assim, por exemplo, na “Logica de Iena” é feita uma
tentativa de interpretar evolutivamente a história da Terra, desde os níveis
mais baixos até a consciência. No entanto, essa visão é constantemente
invadida pela visão de que existe uma e apenas uma história. A Terra,
segundo Hegel, quando o início da história humana já aparece em sua
forma final, sua história cessou completamente. Mas essa história em si é
algo contraditório.

Apresentamos as considerações resumidas de Hegel sobre esse assunto,


pois são muito características de seu ponto de vista. "Como o momento de
sua circulação, a Terra está congelada (Erstarrtes), que deixou o processo;
neste exato momento é realmente o todo, no qual o caráter da certeza é
capturado, mas sua certeza inerente é a certeza que não está sujeita ao

584
tempo (...). A Terra, portanto, a qualidade dessa integridade é apenas uma
imagem de um processo sem o próprio processo. O processo de vida da
Terra está presente como tal apenas em seus elementos, que não
representam sua própria integridade. O processo em si, portanto, tem um
passado para esse conteúdo (Vergangenheit); preservar sua vida no tempo e
descrevê-lo como uma sequência de momentos não está relacionado ao
conteúdo desse processo como tal"(8).

Como essas declarações de Hegel são internamente contraditórias e, em


saltos explícitos, identificamos repetidamente importantes posições dialéticas
e históricas, não ficaremos surpresos que essa separação acentuada de
"alienação", isto é, objetividade na natureza, da história também contenha o
ponto positivo é que Hegel também sentiu diferenças significativas aqui. Ele
procura compreender a especificidade da história humana, e essa
compreensão ocorre naquela época em que pensadores que desenvolveram,
como ele, a dialética do idealismo objetivo, eram muito unilaterais e
voltados para a natureza (Schelling e Goethe); quando depois deles floresceu
a construção romântico-mística de categorias natural-filosóficas, que criou o
perigo do desaparecimento completo da concretude real do processo
histórico.

Em vista dessas circunstâncias históricas, fica claro por que Hegel, em


sua metodologia, insiste na diferença entre natureza e história e, às vezes,
enfatizando a prioridade do espírito sobre a natureza, ele interpreta essa
diferença em um sentido humanista e moralista. Ele fala sobre isso nas
palestras de Iena: "De fato, um único espírito, sendo enérgico por natureza,
pode ter forte estabilidade em si e afirmar sua individualidade. Em sua
oposição negativa à natureza, é como se fosse algo diferente de si mesmo,
ele despreza o poder dela e, nesse desprezo, a aliena de si mesmo e se
liberta dela. E, de fato, o indivíduo é tão grande e livre, quão grande é sua
negligência pela natureza"(9).

Apesar da nitidez desta formulação, não se deve perder de vista o fato


de que Hegel aqui fala de um indivíduo ativo separado, e seu raciocínio não
contradiz de maneira alguma sua polêmica com a violência contra a
natureza inerente ao idealismo especulativo de Fichte, e não supera essa
controvérsia. Marx estava em solidariedade com essa posição de Hegel, que
foi preservada em seus trabalhos posteriores. Lafargue diz que Marx gostava
de citar um ditado hegeliano: "Até o pensamento criminoso de um vilão é
mais majestoso e sublime do que todas as maravilhas do céu"(10).

Em uma formulação tão dura, Hegel enfatiza o lado específico do


desenvolvimento social humano em contraste com o desenvolvimento da
natureza. E se Hegel nem percebe o desenvolvimento em relação à natureza,
então, graças a essa distinção, pelo menos afeta a essência do

585
desenvolvimento social, a saber, que as próprias pessoas fazem sua própria
história. Marx, levando em conta a objetividade e a unidade da história da
natureza e da história da sociedade no processo de conhecimento, enfatizou
sua diferença. Por exemplo, no local em que, em conexão com a ideia de
Darwin, ele fala sobre técnica natural e a necessidade de criar uma história
crítica da técnica. "E não seria mais fácil escrever, porque, de acordo com
Vico, a história humana é tão diferente da história da natureza que a
primeira é feita por nós, a segunda não é feita por nós?"(11).

Hegel, como Vico, sentiu a história da humanidade corretamente,


embora tenha subestimado e mistificado a história da natureza.
Compreender e reconhecer que o conceito hegeliano de história não apenas
fornece a possibilidade de uma representação significativa e verdadeira da
história, mas também contém muitas disposições metodológicas significativas
da ciência histórica, não significa que o lado mistificador da "alienação"
(Entäußerung) não a afetou. Devido ao desejo pela integridade do conceito,
o próprio Hegel supera o que conseguiu com rigor, meticulosidade e
discernimento ao reproduzir o processo histórico. Já dissemos que o
processo histórico como um todo tem um propósito, a saber, a superação de
si mesmo, seu retorno ao sujeito-objeto idêntico; de acordo com o
entendimento hegeliano da história como um todo (Gesamtgeschichte) já
conhecido por nós, representa uma "alienação" no tempo. Portanto, a
transformação da história em sujeito absoluto é a superação (Aufhebung) do
tempo, que é uma consequência natural da abolição da objetividade. Por
essa razão, no entanto, o processo dialético do desenvolvimento histórico
está preso em uma estrutura mística e as categorias religiosas da criação
emergem novamente - o início dos tempos e seu fim. Além disso, o início e o
fim do processo histórico em si devem coincidir, ou seja, o fim da história
deve ser estabelecido no início da história. Aqui estamos lidando com a
superação de um conceito brilhante de nós mesmos, causado por
generalizações imensamente amplas, já o declaramos uma vez, considerando
a teleologia hegeliana. Hegel fala de maneira inequívoca sobre a natureza
marcante da história: "Mas essa substância, que é espírito, está se tornando
ela pelo que é em si; e somente como a formação do espírito refletindo em si
mesma é verdadeiramente espírito. É movimento em si, que é
conhecimento, a transformação do indicado em si [ser] em si mesmo [ser],
substância - em um sujeito, um objeto de consciência - em um objeto de
autoconsciência, isto é, em um objeto igualmente superado ou em um
conceito, movimento é um círculo retornando a si mesmo, o que sugere
apenas seu começo sobre no final atinge a transformação do indicado em si
[ser] em si mesmo [ser], substância - no sujeito, o objeto da consciência - no
sujeito da autoconsciência, isto é, em um objeto igualmente removido ou em
um conceito. Esse movimento é um círculo retornando a si mesmo, o que
sugere seu começo e somente no final o alcança"(12).

586
Mas esse fim é o espírito absoluto, ou seja, o espírito, apresentado no
estádio mais alto de seu desenvolvimento como conhecimento absoluto,
como filosofia. Assim, a história se transforma em um movimento que,
embora se desenvolva na realidade como um processo, alcança sua
instauração real (e essa percepção, de acordo com o ponto de vista de
Hegel, desde o início é o objetivo imanente da história, sendo seu "em si")
apenas em filosofia, na compreensão do post-festum do caminho percorrido.
Essa ideia é extremamente importante para o conceito filosófico e histórico
de "Fenomenologia do espírito", pois expressa a essência e a chave do
projeto de todo o trabalho. "Mas a memória (die Er-Innerung) salvou essa
experiência e é uma forma interna (das Innere) e, na verdade, uma
substância mais elevada. Se, portanto, esse espírito recomeça sua formação,
como se procedesse apenas de si, então ele começa em um nível superior. O
reino dos espíritos, formado desta maneira no presente ser, é uma série
sequencial em que um espírito foi substituído por outro e cada um adotou o
reino do mundo em relação ao anterior. O objetivo da série é a revelação da
profundidade, e o último é um conceito absoluto; essa revelação é, portanto,
a remoção da profundidade de um conceito ou de sua extensão, a
negatividade desse Eu existente dentro de si mesmo, que é sua renúncia ou
substância - e seu tempo, em que essa renúncia em si mesma é um
desapego de si mesma e é para si mesma e por si mesma, extensão e em
suas profundezas. Uma meta, conhecimento absoluto ou espírito que se
conhece como espírito, deve seguir o caminho de lembrar os espíritos, como
eles existem nele e como organizam seu reino. Salvando-os [na memória], se
considerarmos do lado de sua livre existência, que está na forma do acaso,
há história, do lado de sua organização, compreendida no conceito, é a
ciência do conhecimento; os dois lados juntos - a história compreendida no
conceito - e constituem a memória do espírito absoluto e de seu Gólgota, a
realidade, a verdade e a confiabilidade de seu trono, sem as quais ele ficaria
sem vida e solitário; somente –

Do cálice deste reino de espíritos,


Sua infinidade é espumada por ele. (181)

Esta é essencialmente a auto-supressão da história. A história se torna


apenas o cumprimento de uma meta que existe desde o início em seu
sujeito, em seu espírito e, portanto, sua imanência é superada: não é a
própria história que incorpora sua própria lei real e seu próprio movimento.
Sua regularidade e seu movimento adquirem existência real apenas na
ciência, que compreende a história em conceitos e a remove em valor
absoluto. Mas a construção objetivo-idealista da história se supera assim. O

587
espírito, que, de acordo com o conceito hegeliano, cria a própria história e
cuja essência reside precisamente no fato de ser o mecanismo do movimento
da história, sua verdadeira força motriz, esse espírito transforma a história,
como mostra Marx na Sagrada Família, em aparência simples. "Hegel é
culpado de duas metades (...) o espírito absoluto, como espírito absoluto, ele
aparentemente apenas cria o criador da história. Uma vez que o espírito
absoluto apenas post-festum, no filósofo, chega à consciência de si mesmo
como um espírito criativo do mundo, sua fabricação da história existe
apenas na consciência, na opinião, na visão do filósofo, apenas na
imaginação especulativa”(14).

Tudo isso - e identificamos apenas os pontos mais significativos - as


consequências necessárias do conceito hegeliano de "alienação". Aqui
começa a grande demarcação de Marx e Hegel na solução dos principais
problemas filosóficos. Essa demarcação é um dos fatores mais importantes
na transformação da dialética idealista em materialista, crítica do idealismo
hegeliano e, ao mesmo tempo, na assimilação da tradição dialética por uma
nova ciência - o materialismo dialético.

Em seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de 1844, Marx faz uma


crítica completa e sistemática à dialética hegeliana(15). Concentra-se,
primeiramente, na "Fenomenologia do Espírito", e nela - no conceito de
"alienação" e sua superação. Essa concentração também tem bases
polêmicas definidas historicamente, uma vez que a subjetivação da filosofia
hegeliana por jovens hegelianos radicais, principalmente Bruno Bauer e
Stirner, baseia-se principalmente nesse trabalho de Hegel e a mistificação
inerente à sua metodologia se estende muito além da filosofia hegeliana.

A liquidação filosófica da ala esquerda da escola hegeliana decadente


era um pré-requisito importante não apenas para o desenvolvimento teórico
de uma nova ciência – o materialismo dialético, mas também para a
consolidação e consolidação da ideologia política da revolução, o programa
teórico e prático do grupo de trabalho que estava sendo criado. Essa
polêmica entre Marx e Hegel já era, em certo sentido, uma preparação para
o "Manifesto Comunista".

Por outro lado, as críticas ao conceito hegeliano de alienação são, como


veremos mais adiante, uma parte importante das críticas de Hegel por
Feuerbach e, portanto, da grande mudança do idealismo para o
materialismo que ocorreu na Alemanha na década de 1840. Nesta crítica,
são expostas a força e a fraqueza e limitações do materialismo de Feuerbach.
Portanto, a crítica de Marx à teoria hegeliana da alienação é tanto a
assimilação do legado de Feuerbach quanto sua superação, indo além da
estrutura do antigo materialismo.

588
A segunda e importante característica dessa crítica é que Marx, pela
primeira vez após Hegel na Alemanha, procede novamente da unidade de
abordagens econômicas e filosóficas ao considerar vários problemas sociais e
filosóficos. Certamente, essa unidade é realizada por Marx em um nível
incomparavelmente mais alto que Hegel, tanto em termos econômicos
quanto filosóficos. Em um sentido filosófico, a questão reside, como
sabemos, em superar do ponto de vista do materialismo a dialética idealista.
Mas a crítica de Marx ao idealismo é baseada em um nível de conhecimento
substancialmente mais alto do que o hegeliano, inerente à economia política.
As reflexões econômicas de Marx já contêm críticas socialistas das visões dos
clássicos da economia política. (Um artigo brilhante do jovem Engels em
"Anuários Franco-Alemães" análise antecipada de Marx). Somente uma
crítica socialista da economia capitalista e sua compreensão científica nas
obras dos clássicos nos permite revelar o verdadeiro movimento dialético na
própria vida econômica, na prática econômica do homem. Somente esse
conhecimento concreto dos jovens Marx e Engels, que melhoram
rapidamente o desenvolvimento real dialético da vida econômica, cria uma
base real para criticar as tentativas anteriores de refletir o ser social em uma
forma conceitual: os clássicos da economia política, por um lado, Hegel, por
outro.

Consequentemente, quando Marx criticou a alienação hegeliana


(Entäußerung) como o conceito central de "Fenomenologia" e dialética
idealista em geral, ele não escolheu um ponto tão central de crítica. Partindo
de uma compreensão muito imperfeita da economia política, Hegel
engenhosamente adivinhou o fato fundamental da vida em Entäußerung,
Entfremdung e, portanto, fez do conceito de "alienação" o conceito central
de sua filosofia. A crítica de Marx a Hegel procede de uma compreensão
mais profunda e verdadeira dos próprios fatos econômicos. Para fazer uma
crítica dialética exaustiva do verdadeiro e do falso, substancial e mistificado
no entendimento hegeliano desses fenômenos, é preciso primeiro,
baseando-se nas críticas socialistas da alienação capitalista do trabalho.

A crítica unilateral de Hegel por Feuerbach é devida ao fato de que esse


notável pensador investigou e superou criticamente a teoria hegeliana da
"alienação" apenas em suas conclusões filosóficas extremas. Feuerbach
desconhece o fato de que esse conceito é gerado pela própria realidade e, de
maneira contraditória, reflete a relação entre economia política e filosofia
contida na "alienação" hegeliana. Portanto, sua crítica permanece unilateral,
incompleta e abstrata, portanto, como veremos, ele não pode superar -
apesar de sua oposição filosófica a Hegel como materialista ao idealista - a
mente estreita de Hegel, que em última análise não é filosófica, mas de
natureza social e inextricavelmente ligada à sociedade burguesa.

589
A estreita conexão entre economia política e filosofia nos manuscritos
mencionados de Marx é, portanto, uma profunda necessidade metodológica,
um pré-requisito para realmente superar a dialética idealista de Hegel.
Portanto, seria extremamente superficial acreditar que a polêmica entre Marx
e Hegel começa apenas na última parte dos “Manuscritos Econômicos e
Filosóficos”, que contém críticas à “Fenomenologia”. As seções puramente
econômicas anteriores, nas quais Hegel não é mencionado, contêm a base
fundamental dessa controvérsia e crítica - uma explicação econômica do fato
real da alienação (Entfremung).

Damos aqui apenas algumas das explicações mais significativas de


Marx. Ele procede dos fatos reais da economia capitalista, descartando a
robinsonada econômica em todas as suas formas. De fato, com essa
abordagem, a Robinsonada deduz a divisão do trabalho, a troca etc., da
mesma forma que a teologia deduz a origem do mal da queda, ou seja, a
economia política burguesa se transforma em algo dado, o ponto de partida,
precisamente a ocorrência da qual ela deveria explicar. Com base na análise
dos fatos reais da economia capitalista, Marx fornece a seguinte descrição do
Entfremdung que surge no próprio processo de trabalho: "(...) o objeto
produzido pelo trabalho, seu produto, resiste ao trabalho como algum tipo
de criatura estranha, como uma força independente do produtor. Trabalho é
trabalho, fixo em um determinado objeto, incorporado nele, é a objetivação
do trabalho. A realização do trabalho é sua objetivação. Naquelas ordens
que deveriam ser economia política, essa é a implementação do trabalho,
sua atualização atua como exclusão do trabalhador da realidade,
objetivação atua como perda do sujeito e escravização pelo sujeito,
assimilação do sujeito como alienação (...). Todas essas consequências já
estão concluídas nessa definição, que o trabalhador trata o produto de seu
trabalho como um sujeito estranho”(16).

O nome de Hegel não é mencionado aqui e nenhuma conclusão


filosófica direta é extraída de fatos econômicos. Mas, mesmo à primeira
vista, fica claro que essas observações aparentemente descritivas já contêm
críticas resolutas ao conceito filosófico hegeliano. Afinal, a alienação
(Entfremdung) é mais decisivamente separada por Marx da objetividade
como tal, da objetivação no trabalho. A objetivação é uma característica do
trabalho em geral, a relação da prática humana com os objetos do mundo
exterior e a alienação é uma consequência da divisão social do trabalho no
capitalismo, o surgimento do chamado trabalhador livre que é forçado a
trabalhar com os meios de produção que não lhe pertencem e que, portanto,
esses meios de produção e seu próprio produto é confrontado como um
poder estranho e independente.

A principal característica da sociedade capitalista aparecerá diante de


nós com muita clareza e está concentrada na questão do trabalho, assim que

590
considerarmos o próprio processo de trabalho. Nesse sentido, Marx enfatiza,
antes de tudo, "que o trabalho é algo externo ao trabalhador, não
pertencente à sua essência; que em seu trabalho ele não se afirma, mas
nega, não se sente feliz, mas infeliz, não. desenvolve livremente sua energia
física e espiritual, esgota sua natureza física e destrói suas forças espirituais.
Portanto, o trabalhador só se sente fora do trabalho e, no processo de
trabalho, se sente divorciado de si mesmo"(17). Como resultado, uma
distorção de todos os valores humanos inerentes à sociedade capitalista. "O
que é inerente ao animal se torna o destino do homem, e o humano se torna
o destino do animal. É verdade que comida, bebida, relações sexuais etc.
também são funções verdadeiramente humanas. Mas em uma abstração que
os separa do resto da atividade humana e transformá-los nos últimos e
únicos objetivos finais, eles são de caráter animal"(18). Assim, a alienação
(Entfremdung) permeia subjetiva e objetivamente todas as manifestações da
vida humana. Objetivamente, o produto do trabalho atua como um objeto
alheio ao homem e domina sobre ele; subjetivamente, o processo de
trabalho é a auto-alienação, correspondendo à alienação acima descrita
(Entfrem-dung) das coisas.

A partir dessas premissas, que todas, sem exceção, foram tiradas por
Marx de uma observação e análise aprofundadas da vida econômica, ele tira
as seguintes conclusões gerais sobre a relação do indivíduo com o ser
humano característico do capitalismo. "O trabalho alienado de uma pessoa,
alienando dele 1) natureza, 2) ele mesmo, sua própria função ativa, sua
atividade vital, alienando assim o homem do homem (...). Primeiro, ele
aliena a vida tribal e a vida individual, e em segundo lugar , torna uma vida
individual, tomada em sua forma abstrata, a meta da vida tribal, também em
sua forma abstrata e alienada"(19).

É claro que tal afirmação da questão da alienação (Entfremdung) do


trabalho com todas as consequências que resultam para a sociedade e o
homem só poderia surgir com base nas críticas socialistas da sociedade
capitalista. A partir disso, torna-se claro o profundo significado das
observações de Marx de que Hegel está no topo da economia política
clássica e entende corretamente o trabalho como um processo de
autogeração de uma pessoa, mas não entende os aspectos negativos do
trabalho na sociedade capitalista, leva o trabalho apenas de seus lados
positivos. Toda a crítica filosófica de Marx aos conceitos fundamentais da
"Fenomenologia" baseia-se nesta posição: como Hegel não vê os aspectos
marcantes do trabalho, ele não pode filosoficamente deixar de surgir divisões
falsas e associações falsas de mistificações idealistas.

Já citamos as críticas de Marx de que a filosofia hegeliana tende ao


"idealismo acrítico". Esse "idealismo acrítico" é expresso, em particular, no
entendimento de Hegel da própria filosofia, e aqui nos encontramos no

591
centro da crítica filosófica da "Fenomenologia". Hegel fala de "alienação"
(Entäußerung) e sua remoção na filosofia, mas não sabe que a própria
filosofia projetada em seu sistema para remover a "alienação" (Entäußerung)
é ela própria uma forma característica de manifestação de "alienação"
(Entäußerung): "(...) e o espírito filosófico não é senão o espírito alienado do
mundo, mentalmente, que é, abstratamente, se compreendendo dentro de
sua alienação. Lógica é o dinheiro do espírito, o valor especulativo e mental
do homem e da natureza”(20).

Hegel não vê isso, e como ele entende esse pensamento alienado não
como alienado, pois vê nesse pensamento o mecanismo para remover a
“alienação” (Entäußerung), cai no “idealismo acrítico”, colocando conexões
reais e certezas da vida em sua filosofia.

Aderindo consistentemente a esses fundamentos, o idealismo hegeliano


chega à identificação da essência do homem com autoconsciência.
"Portanto, qualquer alienação da essência humana para ele nada mais é do
que uma alienação da autoconsciência. A alienação da autoconsciência não
é vista como uma expressão, como uma expressão da verdadeira alienação
da essência humana refletida no conhecimento e no pensamento. Pelo
contrário, o real, a alienação real é, em sua parte mais oculta - e revelada
apenas pela filosofia - nada mais é do que uma manifestação da alienação
do verdadeiro ser humano, a autoconsciência. Portanto, a ciência que
compreende isso é chamada fenomenologia. Portanto, qualquer apropriação
reversa de uma essência de objeto alienada aparece como sua inclusão na
autoconsciência: uma pessoa que possui sua essência é apenas a
autoconsciência que possui uma essência de objeto. Portanto, o retorno do
sujeito ao Eu é a apropriação reversa do sujeito à pessoa que possui sua
essência é apenas a autoconsciência que possui a essência objetiva.
Portanto, o retorno do sujeito ao Eu é a apropriação reversa do sujeito à
pessoa que possui sua essência é apenas a autoconsciência que possui a
essência objetiva. Portanto, o retorno do sujeito ao eu é a apropriação
reversa do sujeito"(21).

As observações críticas de Marx demonstram claramente como essa falsa


identificação de uma pessoa com autoconsciência surge necessariamente de
uma falsa compreensão de Entfremdung na vida pública. Marx revela e
critica o lado subjetivo, que consiste na identificação falsa de uma pessoa
com autoconsciência, e o lado objetivo - a identificação da alienação
(Entfremdung) com a objetividade em geral.

Em seus pensamentos econômicos, Marx, guiado pelos fatos da vida


real, traça uma linha clara entre objetivação no trabalho como tal e
alienação (Entfremdung) do sujeito e objeto na forma capitalista de trabalho.
É por isso que ele é capaz de revelar sua falsa identificação com Hegel. Marx

592
critica o fundamento metodológico da “Fenomenologia” desta maneira: “O
suposto e sujeito à remoção da essência da alienação aqui não é que a
essência humana seja objetivada desumanamente, em contraste com ela
mesma, mas que seja objetivada em contraste com o pensamento abstrato e
em contraste com a ele”(22). O falso culminar da filosofia hegeliana, que
consiste na remoção da objetividade, também decorre da falsa afirmação
hegeliana da questão, que já nos é familiar da Fenomenologia e de toda a
sua história. "Portanto, estamos falando de superar o objeto da consciência.
A objetividade é considerada uma atitude alienada de uma pessoa que não
corresponde à natureza humana (autoconsciência). Portanto, a apropriação
reversa da essência objetiva de uma pessoa gerada por algo estranho, na
categoria alienação, é importante não apenas para remover a alienação, mas
também a remoção da objetividade, isto é, o homem é considerado um ser
espiritual e discreto"(23).

Marx mostra claramente como a falsa formulação idealista da questão e


sua falsa solução de Hegel surgem inevitavelmente de sua compreensão
igualmente inevitável e imperfeita da sociedade capitalista, de que essa
forma mais alta de dialética idealista pode ser completamente removida
apenas quando, graças à perspectiva de uma remoção real da alienação
capitalista (Entfremdung), a crítica socialista da economia capitalista se torna
possível.

Marx contrasta a teoria idealista da remoção da objetividade com a


teoria materialista da objetividade. Nesse sentido, deve agora ser apontado o
que abordaremos mais adiante - que a teoria materialista marxista explica
tanto a alienação capitalista (Entfremdung) quanto sua superação, e,
portanto, Marx é capaz de fazer uma crítica mais completa e exata do
idealismo de Hegel, do que Feuerbach, que ignora esses problemas sociais,
devido aos quais, por um lado, não percebe os momentos corretos da teoria
hegeliana e, por outro, embora, partindo do ponto de vista oposto, ele
cometa os mesmos erros na compreensão do homem e da sociedade, esse
idealista Hegel. A quintessência da teoria materialista marxista da
objetividade é a seguinte: "Quando uma pessoa real, corporal, de pé em um
terreno sólido e bem arredondado, absorvendo e emanando de si todas as
forças naturais, devido à sua alienação considera suas forças essenciais
objetivas reais como objetos estranhos, então isso não é um sujeito: é a
subjetividade das forças objetivas da natureza, cuja ação deve, portanto,
também ser objetiva. O ser substantivo age de maneira objetiva e não agiria
de maneira objetiva se o objetivo não estivesse em sua definição essencial. É
apenas porque cria ou acredita nos objetos que se supõe serem objetos e
que é natureza desde o início. Assim, a situação não é que, no ato de
colocá-la, passe de sua atividade pura para a criação de um objeto, mas que
seu produto objetivo apenas confirme sua atividade objetiva”(24). "Ser
objetivo, natural, sensível é como ter um objeto, natureza, sentir-se fora ou
593
ser o próprio objeto, natureza, sentir-se por alguma terceira criatura (...) Um
ser discreto é um ser impossível e absurdo [Unwesen]"(25).

Portanto, a crítica materialista de Marx ao idealismo de Hegel baseia-se


na descrição das premissas reais do pensamento e da prática humana,
apresentadas como um contrapeso à falta de fundamento imaginária do
idealismo absoluto. Dessa maneira, as premissas reais do idealismo absoluto
são reveladas. Portanto, a dialética materialista representa, nesse sentido, a
verdade da dialética do idealismo objetivo, pois não apenas a descarta, mas
também mostra necessariamente as fontes de seus erros e indica o caminho
para sua real superação, isto é, para a preservação dos momentos essenciais
e verdadeiros que nela existem. Devido ao fato de que as premissas reais da
filosofia, os fatos reais da vida (natureza, economia, história) se opõem às
premissas mistificadas do idealismo objetivo, e a correta reflexão dialética
desses fatos leva a verdadeiras conclusões filosóficas, devido a isso, é
revelada a natureza tanto do "idealismo não crítico" quanto do "positivismo
não crítico" de Hegel, que são consequências necessárias da vida social
contemporânea. Como resultado dessa reprodução, fica claro porque e
como Hegel, apesar de tais saltos idealistas, foi capaz de identificar
definições significativas não apenas de economia política e história, mas
também das conexões dialéticas da realidade objetiva em geral e como a
dialética hegeliana poderia se tornar a predecessora direta da dialética
materialista. De importância decisiva é o fato de enfatizarmos que Hegel
entende o trabalho como autogeração do homem, do ser humano.

Com base nessa avaliação de Hegel, Marx sai com as críticas mais
severas, onde esse entendimento correto aparece de uma forma confusa e,
portanto, distorcida. Acima, citamos brevemente as declarações de Marx de
que a história de Hegel se transforma apenas em história aparente. Marx
falou sobre afirmar que a superação da objetividade no conhecimento
absoluto resulta no fato de que o portador da história hegeliana, o espírito
absoluto, não a cria real, como Hegel imagina, mas apenas de maneira
imaginária. Partindo das críticas à teoria da objetividade hegeliana, Marx
critica a mistificação de toda essa teoria sobre o "portador" da história, critica
a base da mistificação idealista da história de Hegel: "(...) esse processo deve
ter um portador, um sujeito; mas o sujeito surge apenas como resultado;
portanto, esse resultado - o sujeito que se conhece como absoluta
autoconsciência - é Deus, um espírito absoluto, uma ideia que se conhece e
se realiza. A pessoa real e a natureza real tornam-se simplesmente
predicados, símbolos dessa pessoa inválida oculta e dessa natureza inválida.
Portanto, a relação entre sujeito e predicado é absolutamente pervertida: é
um sujeito-objeto místico, ou subjetividade, que bloqueia o objeto, o sujeito
absoluto como um processo, alienando-se e retornando a si mesmo dessa
alienação e, ao mesmo tempo, absorvendo-o de volta para si, sujeito, como
é esse processo; é um turbilhão puro e ininterrupto em si. A pessoa real e a
594
natureza real tornam-se simplesmente predicados, símbolos dessa pessoa
inválida oculta e dessa natureza inválida. Portanto, a relação entre o sujeito
e o predicado é absolutamente pervertida: é um sujeito-objeto místico, ou
subjetividade que bloqueia o objeto, o sujeito absoluto como um processo,
alienando-se e retornando a si mesmo dessa alienação e, ao mesmo tempo,
absorvendo-o de volta para si, sujeito e como é esse processo; é pura, sem
parar, girando em si mesma”(26).

Portanto, a história verdadeira se desdobra em Hegel para que ela tenha


um "veículo" abstrato, mistificado e imaginário, que, é claro, pode "criar"
apenas uma história abstrata, mistificada e imaginária. O processo real, as
definições reais do processo, portanto, só podem, por assim dizer,
contrabandear para a própria estrutura. O fato de que na reprodução de
estádios específicos, as passagens específicas do processo se tornam
predominantes, demonstra a profunda natureza contraditória da dialética
hegeliana, que já conhecemos e de vários lados analisamos.

Mais de uma década depois, Marx voltou às mesmas questões da


filosofia de Hegel, desta vez, porém, não na forma de crítica direta à
"Fenomenologia do espírito", mas na forma de uma avaliação generalizada
dos fundamentos filosóficos de todo idealismo hegeliano. Na famosa
introdução à Crítica da Economia Política, Marx analisa várias maneiras
interligadas e complementares de refletir em verdade a realidade objetiva e o
domínio espiritual dela e, ao mesmo tempo, contrasta a abordagem
verdadeiramente materialista com as ilusões hegelianas sobre ela. "O
concreto é porque é a síntese de muitas definições, portanto, a unidade do
múltiplo. Ao pensar, atua como um processo de síntese, como resultado, e
não como ponto de partida, embora seja um ponto de partida válido e,
Hegel, portanto, caiu numa ilusão, percebendo o real como resultado de si
mesmo sintetizando, aprofundando e desenvolvendo a partir de si mesmo,
enquanto o método de ascensão do abstrato ao concreto é apenas a
maneira pela qual o pensamento assimila o concreto, o reproduz como
espiritualmente específico. No entanto, este não é de modo algum um
processo de emergência dos mais concretos”(27).

Aqui temos as críticas de Marx ao idealismo hegeliano em sua forma


mais madura e generalizada.

As críticas exaustivas ao conceito hegeliano de "alienação" permitiram


que Marx fizesse críticas materialistas a outra categoria fundamental da
dialética hegeliana, a categoria de "superação" (Aufhebung). Nesse sentido, é
importante ressaltar novamente que Marx, criticando a dialética idealista,
superando-a criticamente e percebendo seus elementos valiosos para a
dialética materialista, lida exclusivamente com a forma específica da dialética
hegeliana. Assim, por exemplo, no caso que estamos analisando aqui, nem a

595
variante de Schelling da superação é mencionada, a saber, a destruição das
definições superadas, sua extinção por superação na forma absoluta ou
kantiana da doutrina agnóstica das antinomias. Marx vê na dialética
hegeliana uma superação completa e final de suas formas anteriores.
Portanto, ele critica exclusivamente o hegelianismo, a forma mais alta de
superação dialética, na qual as definições superadas não são apenas
destruídas, mas também salvas e conservadas em um nível superior; a
superação, como existindo em absoluto ser-outro, não se transforma em
nada, mas é considerada existente, com seu relativo direito de existir. O
"afastamento" de Hegel, em contraste com Schelling, tem um significado
positivo, graças à objetividade; daí Marx proceder em suas críticas quando,
considerando as disputas de Hegel com seus antecessores, ele se põe
decisivamente ao lado hegeliano, mas conta com o existente, com seu
direito relativo de existir. O "distanciamento" de Hegel, em contraste com
Schelling, tem um significado positivo, graças à objetividade.

Marx explora as fraquezas idealistas da forma hegeliana de superação e


chega ao seguinte resultado: "Por outro lado, segundo Hegel, há ao mesmo
tempo outro ponto aqui, a saber, que a autoconsciência removeu e absorveu
essa alienação e essa objetividade e, portanto, em seu ser-outro como tal
ainda está posto. Neste raciocínio, reunimos todas as ilusões da especulação.
Em primeiro lugar: em nosso outro ser como tal, a consciência, a
autoconsciência está em casa (...) primeiro o que consciência, isto é,
conhecimento como conhecimento, pensamento como pensamento,
personifica-se diretamente como outro de si mesmo, como sensibilidade,
realidade, vida (...) Esse lado se conclui aqui na medida em que consciência,
interpretada apenas como consciência. Ele vê o obstáculo repreensível para
si mesmo não na objetividade alienada, mas na objetividade como tal. Em
segundo lugar, aqui se conclui que, uma vez que a pessoa autoconsciente
soube como auto-alienação e superou o mundo espiritual - ele era o ser
espiritual universal de seu mundo, ele mesmo assim a afirma novamente
nesta forma alienada, a transmite como seu verdadeiro ser, a restaura,
assegura, que ele está em seu próprio ser como tal; consequentemente, após
a superação, por exemplo, da religião, após o reconhecimento do produto
do auto-estranhamento na religião, ele ainda se considera confirmado na
religião como uma religião. Aqui reside a raiz do falso positivismo de Hegel,
ou sua única alegada crítica - o que Feuerbach chama de posição, negação e
restauração da religião ou teologia, mas o que deve ser considerado de uma
maneira mais geral. Desta maneira a mente está em si mesma em loucura
como loucura. Uma pessoa que entende que, em direito, política, etc., ele
leva uma vida alienada, leva nessa vida alienada, como tal, sua verdadeira
vida humana. Assim, o verdadeiro conhecimento e a verdadeira vida são
autodeterminação, auto-afirmação em contradição consigo mesma, em
contradição com o conhecimento e a essência do sujeito. Assim, agora já

596
não há dúvida de que Hegel simplesmente se adaptou à religião, ao estado
etc., pois essa mentira é uma mentira de seu princípio“(28).

Aqui temos as críticas mais profundas às limitações de Hegel nos


aspectos precisos e positivos de sua filosofia. Marx revela todas as
consequências filosóficas decorrentes da atitude de Hegel em relação à
sociedade capitalista, na medida em que se refletem nas construções
abstratas do quadro metodológico de sua filosofia dialética. De uma maneira
ou de outra, descobrimos essas contradições no próprio Hegel e
descobrimos suas raízes no ser social da época, bem como na atitude de
Hegel em relação a esse ser. Agora vemos que consequências de natureza
puramente filosófica levaram e deveriam ter levado a essas contradições do
ser social. Vemos agora que nenhuma crítica à ambiguidade da filosofia
hegeliana em questões de religião, estado, etc., se baseia na oposição dos
"esotéricos" e "o exotérico” de Hegel não pode abordar e superar os
problemas centrais da filosofia hegeliana, mas nada muda do fato de que o
próprio Hegel existia subjetivamente, como vimos, a separação dos
ensinamentos esotéricos e exotéricos, porque os problemas da contradição
penetram o próprio coração e seus ensinamentos esotéricos. Certamente, a
questão para o historiador da filosofia permanece onde, quando e como, em
problemas concretos individuais da filosofia hegeliana, podem ser
encontrados elementos de adaptação às condições sociais seu tempo. No
entanto, nossa reprodução histórica deve sempre estar ciente do fato de que
a questão principal diz respeito a toda a dialética de Hegel não pode ser
respondida por abordar estas questões, não importa o que está em cada
caso específico não pode abordar e superar os problemas centrais da
filosofia hegeliana.”(29).

A profundidade da crítica marxista se manifesta no fato dela subir dos


problemas da vida real para as questões mais abstratas da dialética
hegeliana, fornecer sua única solução correta no sentido dialético-
materialista e, a partir daqui, encontrar imediatamente uma ligação direta
dessas questões com os problemas reais da vida. Aqui estamos lidando com
a principal contradição de toda a filosofia de Hegel, com a contradição, mais
tarde chamada Engels, a contradição entre o método e o sistema(30).

Essa contradição, no entanto, é a natureza contraditória da filosofia


hegeliana sobre a questão do progresso humano, e especialmente sobre a
questão do lugar no processo histórico da sociedade capitalista, tanto em
geral quanto em sua forma particular alemã. Embora a questão da
superação esteja na filosofia hegeliana, por um lado, a forma abstrata da
própria dialética, por outro, é de grande importância para a filosofia social e
filosofia da história de Hegel. O choque de tendências progressistas e
reacionárias de Hegel está, portanto, concentrado no processo dialético
contraditório de superação, cujas críticas acabamos de traçar em Marx.

597
A crítica socialista da "alienação" descobriu na forma capitalista do
trabalho um método real e sujeito a superação real de ser a alienação. Uma
generalização filosófica dessa crítica mostra que o conceito hegeliano de
"alienação", segundo o qual a consciência em seu ser como tal, está "em si",
contém um momento reacionário significativo, a proteção do existente,
apesar de sua superação histórica. O fato de Hegel constantemente ter uma
tendência oposta em relação à história passada apenas confirma a correção
de suas críticas de Marx e Engels - a presença na filosofia hegeliana de uma
contradição insolúvel entre método e sistema. Essa contradição e suas
tendências desempenham um papel enorme nos grandes debates
ideológicos dos anos 40, que realizaram os preparativos ideológicos para
uma revolução democrática. Aqui estamos lidando com duas visões de
mundo diferentes, que, no entanto, levam igualmente à passividade política,
a um mal-entendido dos problemas específicos da revolução democrática e,
além disso, no sentido teórico, a um mal-entendido da revolução em geral.
O significado geral desses problemas vai muito além das controvérsias da
década de 40, uma vez que a falsidade das proposições teóricas avançadas
está enraizada na característica da vida social do capitalismo, e os debates
da década de 1840 sobre a forma hegeliana de superação dialética
determinaram apenas a forma na qual esses problemas foram postos. Uma
das formas dessas falsas visões é o desenvolvimento direto do idealismo
hegeliano, sua subjetivação adicional, a hipertrofia de seus erros idealistas
pelos jovens hegelianos.

Primeiro, consideramos a primeira linha de crítica a Hegel. Se, de


acordo com Hegel, "alienação" é, em última análise, a "alienação" da
consciência, ela é removida na consciência, apenas devido à consciência. No
próprio Hegel, a coincidência do conhecimento absoluto com o filósofo que
possui esse conhecimento permanece inexplicável. Em virtude de sua
objetividade, Hegel se opõe à interpretação dessa coincidência como
inerente apenas ao indivíduo. No entanto, essa tendência está
imanentemente presente na posição hegeliana. Heinrich Heine está certo,
mostrando na forma de ironia e auto-ironia as seguintes consequências: “Eu
nunca fui um pensador abstrato e sem verificação aceitei a síntese da
doutrina hegeliana, porque suas conclusões lisonjeavam minha vaidade. Eu
era jovem e arrogante, e minha arrogância ficou satisfeita quando aprendi
com Hegel que o Senhor Deus não é quem, como minha avó pensava”(31).

O que Heine expressou ironicamente aqui se transformou na "Filosofia


da autoconsciência", de Bruno Bauer, em uma doutrina filosófica e política
que teve um efeito perigoso e prejudicial tanto na intelligentsia alemã de
esquerda quanto, se transformando em "verdadeiro socialismo", no partido
proletário que surgiu.

598
Se considerarmos a crítica aguda de Marx na Sagrada Família dessa
teoria de Bauer, veremos que ela surge diretamente da crítica filosófica
acima da "superação" de Hegel e deve-se notar também que a arrogância
intelectual de Bauer, "soberano" desprezo pela atividade das massas na
história também representa uma direção especial que surgiu da filosofia
hegeliana e da compreensão hegeliana da história, mas perdeu importantes
tendências progressistas e realistas e um subjetivista contido neste último,
esquiar exagerando seu idealismo inerente. Marx fala desses pontos de vista
de Bauer da seguinte maneira:

"Os inimigos do progresso, fora das massas, são apenas os produtos da


auto-humilhação, abnegação e alienação das massas que adquiriram
existência independente, dotadas de suas próprias vidas. Portanto, as
massas, rebelando-se contra os produtos existentes de seu auto-humilhação,
se rebelam contra sua própria falta, assim como um homem falando. contra
a existência de Deus, opondo-se assim à sua própria religiosidade, mas
como esses resultados práticos da auto-alienação das massas existem na
realidade. No mundo exterior, a massa é forçada a lutar com eles também
externamente, e de maneira alguma esses produtos de seu auto-
estranhamento podem ser considerados apenas fantasmagoria ideal, simples
alienações da autoconsciência, e não pode desejar destruir a alienação
material através de uma ação espiritualista puramente interna. O jornal
Lustalo já em 1789 já tinha o lema:

"Os grandes parecem ótimos para nós apenas porque


nós mesmos estamos de joelhos.
Vamos nos levantar!"

Mas, para subir, não basta fazer isso em pensamento, deixando um jugo
real e sensível pairando sobre a cabeça real e sensual, da qual não pode se
livrar de ideias. Enquanto isso, a crítica absoluta (Bruno Bauer.- G. L.)
aprendeu com a Fenomenologia de Hegel pelo menos uma arte -
transformar correntes reais, objetivas e existentes fora de mim em correntes
exclusivamente ideais, exclusivamente subjetivas, existentes exclusivamente
em mim e portanto, transforme todas as batalhas externas e sensíveis em
batalhas de ideias puras"(32).

Dificilmente é necessário esclarecer que a ideologia de Bauer cresce


diretamente a partir do entendimento hegeliano de "alienação" e sua
superação. Nem seu perigo político precisa ser esclarecido, nem mesmo o
fato de que tal ideologia da arrogância passiva dos intelectuais na sociedade
capitalista ainda esteja viva e eficaz, embora hoje não busque apoio teórico
na filosofia hegeliana. Mas o fato de a filosofia de Hegel fornecer uma razão
significativa para essas visões é demonstrado não apenas pela história da

599
década de 1840, mas também - de uma forma particularmente aguda e
grotesca - pela história do neo-hegelianismo da era do imperialismo.

Passamos agora à segunda forma de crítica da dialética hegeliana, ou


seja, a crítica de Hegel por Feuerbach, e consideramos brevemente a atitude
de Marx em relação a ela. Marx considera positivamente essa crítica como
proveitosa porque Feuerbach apresentou a forma hegeliana de superação
como uma restauração dela. Já mencionamos por outras razões decisivas a
esse respeito às disposições das críticas de Feuerbach a Hegel. Marx
considera o grande mérito de Feuerbach como prova de que a filosofia de
Hegel é uma religião restaurada, além de um desejo de desenvolver o
verdadeiro materialismo e, finalmente, sua crítica à superação, negação da
negação. Nós nos restringimos ao último ponto aqui. Feuerbach está
absolutamente certo quando "a negação da negação, que afirma ser
absolutamente positiva”(33). Este positivo é o primado de estar acima da
consciência. Segundo Feuerbach, na dialética hegeliana, no processo de
superação, a relação entre ser e consciência é colocada na cabeça. E
Feuerbach traça como a restauração teórica da religião através da filosofia
segue essa transformação idealista de Hegel. Marx resume as observações de
Feuerbach: “Desse modo, Feuerbach considera a negação da negação
apenas uma contradição da filosofia consigo mesma, como uma filosofia que
afirma a teologia (transcendência etc.) depois de negá-la, ou seja, afirma a
teologia contrária para si mesma"(34).

Marx aceita esse lado materialista das críticas de Feuerbach, mas critica
sua unilateralidade. O último consiste, em primeiro lugar, no fato de
Feuerbach considerar a "alienação" como um problema exclusivamente
filosófico e, portanto, imerso na abstração (cf. críticas posteriores de Marx e
Engels à abstração do "homem" de Feuerbach); segundo, no fato de que a
atitude materialista de Feuerbach em relação à realidade não é dialética,
como resultado, ele não percebe tudo o que Hegel, embora de forma
transformada, tenha uma dialética e rejeite a dialética hegeliana como um
todo, tanto a falsa quanto a verdadeira. Portanto, Feuerbach vê na negação
da negação, como Marx enfatiza na passagem citada, apenas a posição
filosoficamente instável do idealista Hegel, que essa limitação por uma pura
teoria do conhecimento resulta na abstração da afirmação de Feuerbach da
questão”(35).

A franqueza, a eliminação consciente de todas as mediações,


juntamente com o idealismo hegeliano, também leva à eliminação da
dialética. Como resultado, Feuerbach desconsiderou as definições
extremamente importantes e significativas contidas na filosofia hegeliana.
Marx acrescenta: "E como Hegel considerou a negação da negação do
positivo, incorporada nele, as partes como verdadeira e única positiva, do
negativo, incorporadas nele, como o único ato verdadeiro e o ato de auto-

600
realização de todo ser, ele encontrou apenas o abstrato, uma expressão
lógica e especulativa para o movimento dessa história, que ainda não é a
história real de uma pessoa como um suposto sujeito, mas é apenas um ato
de geração”(36).

A crítica socialista do capitalismo, portanto, revela na Fenomenologia de


Hegel algumas definições verdadeiras e essenciais do processo que Marx
chamará de "pré-história do desenvolvimento humano", enquanto
Feuerbach, que permanece, ainda que de maneira diferente de Hegel, na
mesma medida ponto de vista burguês, é capaz apenas de um confronto
congelado com relação à dialética hegeliana. Ao expor a Fenomenologia,
Marx cita alguns pontos significativos nos quais certas características dessa
pré-história da humanidade são corretamente capturadas pelo pensamento
de Hegel. Ao mesmo tempo, Marx enfatiza que a ideia de alienação
(Entfremdung) e sua superação, embora idealisticamente distorcida e
transformada em um reacionário por Hegel, não é, como Feuerbach
acredita, completamente falsa desde o início, mas é um reflexo verdadeiro,
mas burguês, limitado e unilateral da realidade, cujas verdadeiras tendências
devem ser preservadas para o desenvolvimento futuro da teoria. "(...)
Fenomenologia é uma crítica que está oculta, ainda pouco clara para si
mesma e que tem uma aparência mística; mas, como captura a alienação de
uma pessoa - embora uma pessoa apareça nela apenas na forma de espírito
- até agora todos os elementos de crítica estão ocultos nela , preparados e
desenvolvidos muitas vezes de uma forma que se eleva muito acima do
ponto de vista hegeliano: os departamentos de "consciência infeliz",
"consciência honesta", luta de "consciência nobre e básica" etc. - embora
ainda de forma alienada - elementos críticos de regiões inteiras tais como,
por exemplo, religião, estado, vida civil, etc.”(37)

A crítica verdadeiramente abrangente de Marx à dialética hegeliana


cresce, assim, em uma crítica à avaliação unilateral e limitada de Feuerbach
de Hegel e, ao mesmo tempo, em uma crítica ao materialismo metafísico de
Feuerbach, uma crítica à sua rejeição à dialética. Um exame mais detalhado
dessas críticas está além do escopo de nosso trabalho. Para nós, é
importante apenas o fato de que a forma de crítica de Feuerbach ao
idealismo de Hegel na luta ideológica dos anos 40 levou a consequências
políticas muito perigosas. As críticas de Feuerbach à negação da negação
retornam corretamente ao ser material diretamente sensível, mas Feuerbach
é incapaz de expressar em conceitos o movimento dialético inerente à
própria vida material. Marx revela em suas teses sobre Feuerbach, que este
não soube mostrar seu lado prático sensível. "A principal desvantagem de
todo materialismo anterior - incluindo o de Feuerbach - é que o objeto, a
realidade, a sensibilidade são tomados apenas na forma de um objeto, ou na
forma de contemplação, e não como atividade sensível humana, prática e
não subjetivamente. Portanto, o lado ativo, em contraste com o
601
materialismo, desenvolvido pelo idealismo, mas apenas abstratamente, uma
vez que o idealismo, é claro, não conhece a atividade sensível real como tal.
Feuerbach quer lidar com objetos sensoriais que são realmente diferentes
dos objetos mentais, mas ele assume a atividade humana como uma
atividade objetiva. Portanto, na "Essência do Cristianismo" ele considera
verdadeiramente humano, apenas atividade teórica, considerando que a
prática é adotada e fixada apenas na forma suja mercantil de sua
manifestação. Portanto, ele não entende o significado de "atividade"
revolucionária, "praticamente crítica"”(38).

É óbvio que a preparação política e econômica da crítica filosófica de


Hegel e, acima de tudo, a estrita separação entre objetividade e alienação
(Entfremdung) na prática humana, prepara uma crítica não apenas ao
idealismo hegeliano, mas também ao materialismo mecanicista de
Feuerbach.

É aconselhável traçar, pelo menos brevemente, as consequências


decorrentes disso em relação à luta ideológica e política dos anos 40. Em
suas observações sobre Feuerbach, Engels esclareceu e criticou fortemente o
aspecto mais importante da atitude de Feuerbach em relação à realidade.
Engels cita a seguinte declaração: "O ser não é um conceito universal que é
separado das coisas (...). O ser é uma proposição de essência. Qual é a
minha essência, tal é o meu ser (...). A linguagem já identifica o ser e a
essência. Somente na vida humana, e somente isso em casos anormais e
infelizes, estando o ser separado da essência, acontece aqui que a essência
do homem não é encontrada onde ele existe, mas precisamente por causa
dessa separação, ele já no verdadeiro sentido não encontra onde seu corpo
está realmente localizado, lá onde e seu coração é”.(39)

Engels conclui essa ideia com uma avaliação sociopolítica aguda das
consequências políticas necessárias dessa posição filosófica - consequências
que, subjetivamente sinceras e convencidas de seu democratismo
revolucionário, é claro que Feuerbach não o fez, mas que, no entanto,
resultaram de sua rejeição da dialética hegeliana da rejeição por ele de todas
as ligações e definições mediadoras, de seu retorno ao imediatismo; essas
consequências refletem a cegueira de Feuerbach em relação à vida social e
econômica do capitalismo. Essa cegueira, no entanto, pode objetivamente
levar, como mostra Engels, a uma posição reacionária apologética. Engels
diz: "Um excelente pedido de desculpas pelo existente. Exceto em casos não
naturais, em alguns casos anormais, você voluntariamente se torna guardião
de uma mina de carvão no sétimo ano de sua vida”(40).

A crítica de Feuerbach por Engels mostra as razões pelas quais os


intelectuais sócio-políticos-radicais, que, na década de 1840, buscaram na
filosofia de Feuerbach a base ideológica de seu radicalismo político, não

602
conseguiram encontrar nele um guia de ação, como aquelas camadas de
intelligentsia que o procuravam em Hegel a dialética. Uma análise rigorosa
da posição de Feuerbach mostra que tais formas de defesa consciente ou
inconsciente do existente, baseadas no postulado da unidade direta do ser e
da essência - mutatis mutandis, existiram por muito tempo após Feuerbach e
independentemente dele, e ainda existem como defesa de ordens
reacionárias.

Deveríamos nos debruçar sobre essas consequências políticas da luta


pela visão de mundo da década de 1940, a fim de descobrir como a
superação crítica de Marx da dialética idealista de Hegel se forma com base
nas críticas socialistas do capitalismo e como ideologicamente prepara a
revolução de 1848 e, além disso, todo o futuro democrático e socialista. A
revolução proletária. O movimento interno da crítica marxista mostra
claramente como é inadmissivelmente "puramente” filosófico entender e
criticar os problemas colocados por Hegel. A fraqueza de Feuerbach nesse
assunto consiste, no mínimo, no fato dele abordar a dialética hegeliana
apenas do ponto de vista da filosofia, apenas do ponto de vista da teoria do
conhecimento, que para ele não há conexão dialética dos problemas mais
importantes da filosofia com a vida pública, com a prática econômica e
social do homem. Pelo fato de Hegel ter percebido essas ligações, que,
embora às vezes em vão, ele lutou para transformar essas conexões no
fundamento de sua dialética, e a vantagem (em certo sentido, em certas
áreas) de sua filosofia segue, apesar do idealismo, em comparação com a
filosofia de Feuerbach. Portanto, a forma de dialética desenvolvida por
Hegel representa um estágio decisivo na história mundial da filosofia - a
forma mais alta de dialética idealista e, ao mesmo tempo, filosofia burguesa
em geral, um elo intermediário com o qual o surgimento do materialismo
dialético está diretamente conectado. em certas áreas) de sua filosofia,
apesar do idealismo, comparado com a filosofia de Feuerbach. Portanto, a
forma de dialética desenvolvida por Hegel representa um estágio decisivo na
história mundial da filosofia - a forma mais alta de dialética idealista e, ao
mesmo tempo, filosofia burguesa em geral, um elo intermediário com o qual
o surgimento do materialismo dialético está diretamente conectado. em
certas áreas) de sua filosofia, apesar do idealismo, comparado com a
filosofia de Feuerbach. Portanto, a forma de dialética desenvolvida por
Hegel representa um estágio decisivo na história mundial da filosofia - a
forma mais alta de dialética idealista e, ao mesmo tempo, filosofia burguesa
em geral, um elo intermediário com o qual o surgimento do materialismo
dialético está diretamente conectado.

Lenin não estava ciente dos manuscritos de Marx, que analisamos em


detalhes e nos quais ele, dando uma avaliação crítica da filosofia de Hegel,
estabelece as interconexões mais importantes entre economia política e
dialética. Mas, apesar disso, Lenin claramente discerniu essas interconexões.
603
Já citamos sua afirmação de que Marx procede diretamente de Hegel. Ao
mesmo tempo, Lenin se concentra no fato de que o esquecimento foi na era
da Segunda Internacional, que Marx e Engels nunca perderam a chance de
indicar em seu prefácio, notas, cartas etc. o significado de Hegel e enfatizar a
necessidade de estudá-lo para entender a dialética materialista. No entanto,
mesmo os teóricos mais significativos e autoritários da Segunda Internacional
evitaram essas instruções em completo silêncio. Mesmo Plekhanov, muito
seriamente envolvido.

Depois de Marx, esse relacionamento foi restaurado apenas por Lenin.


As observações críticas de Lenin sobre a "Ciência da lógica" hegeliana seriam
superficialmente limitadas apenas à teoria do conhecimento em sentido
estrito. Mesmo quando Lenin fala de problemas epistemológicos, ele os
considera de um ponto de vista grande e abrangente, do ponto de vista do
verdadeiro marxismo. É por isso que, ao avaliar a filosofia de Hegel, Lenin
volta constantemente às questões mais importantes.

Confirmaremos o que foi dito apenas com algumas das declarações


mais significativas de Lenin. "Não se pode entender completamente O
Capital de Marx, e especialmente seu primeiro capítulo, sem ter estudado e
compreendido toda a lógica de Hegel. Portanto, nenhum dos marxistas
entendeu Marx ½ século depois!"(41).

E em outro lugar: "Se Marx não deixou "A Lógica"(com uma letra
maiúscula), ele deixou a lógica de "O Capital ", e isso deve ser estritamente
usado nessa questão. Na lógica de" O Capital", dialética e teoria são
aplicadas a uma ciência do conhecimento [não tem três palavras: esse é o
mesmo] do materialismo, que pegou tudo valioso de Hegel e levou esse
valioso adiante"(42).

Esses pensamentos expressos em conexão com o estudo do plano


dialético de Hegel são muito característicos, e é deles que derivam as
observações de Lenin sobre a aplicação dialética das categorias econômicas
de Marx em O Capital. Assim, Lenin, como Marx ao mesmo tempo, mostra
como os problemas filosóficos devem ser colocados e resolvidos pelo
materialismo dialético. A etapa leninista no desenvolvimento da filosofia está
ligada à instauração do método dialético-materialista em qualquer um de
seus campos, o que nos permite pôr um fim ao legado da Segunda
Internacional de uma vez por todas.

Essa originalidade do estágio leninista no desenvolvimento da filosofia


deve, é claro, estar ligada à sua história. O presente trabalho foi dedicado a
esse tipo de pesquisa. Buscamos mostrar em material histórico concreto
como as verdadeiras contradições da sociedade capitalista influenciaram a
filosofia burguesa em sua forma mais alta, na forma da dialética idealista de

604
Hegel. Mas essa conexão teve que ser demonstrada em toda a sua
complexidade social e filosófica; ao mesmo tempo, foi feita uma tentativa de
identificar como o surgimento e o desenvolvimento da dialética hegeliana foi
influenciado pelo reflexo teórico dessas contradições na economia política
clássica inglesa e pela explosão de contradições reais na revolução francesa,
e quão diferentes - positivas e negativas - as consequências foram do fato de
que esses processos ideológicos e reais .

Somente através dessa formulação da questão tornou-se possível,


analisando a conexão de Hegel com seus antecessores, superar o modo de
consideração da situação real, distorcida e distorcida, geralmente aceita na
história burguesa da filosofia e traços frequentemente encontrados quando
os marxistas consideram tais questões. Esperamos poder mostrar que a razão
da independência de Hegel de seus destacados predecessores e
contemporâneos e a coincidência involuntária de seus pontos de vista
devem ser buscadas na vida social.

Esta não é de forma alguma uma questão histórica, não é de modo


algum uma questão interna dos chamados estudos hegelianos. (Embora a
discussão dessas questões também seja importante na luta contra a
falsificação da história pelos ideólogos do fascismo.) A exposição das fontes
reais da grandeza e das limitações da dialética hegeliana significa, ao mesmo
tempo, o esclarecimento da conexão entre Hegel e Marx, a especificação da
herança histórica da dialética hegeliana, preservada e reformulada
criticamente pelo material dialético hegeliano. É claro que Marx está
polemizando com Hegel real. Em sua polêmica, ele sempre faz uma
distinção clara entre o que a filosofia de Hegel realmente é com suas
limitações inerentes e o que seus alunos e seguidores fizeram dela. Porém,
entre as épocas da crítica marxista e a nossa, no entanto, um século se
passou, a principal “conquista” que consistia mais em uma imagem
distorcida de Hegel genuíno, à qual os marxistas ainda não se opunham a
um estudo adequado da filosofia de Hegel, revelando a imagem de Hegel
real. As ideias de um público filosoficamente educado sobre Hegel foram
formadas sob a influência de uma distorção burguesa da filosofia hegeliana.
O significado duradouro das críticas de Marx, Engels e Lenin só pode ser
entendido e apreciado corretamente se tivermos um conhecimento preciso
do verdadeiro assunto dessa crítica, o verdadeiro Hegel.

Somente graças a essas interconexões se torna claro o significado


filosófico da pesquisa econômica e das visões econômicas de Hegel. Não
importa quão imperfeitas e contraditórias possam ser - e analisamos suas
contradições internas em detalhes em diferentes contextos - o fato de que o
pensador que completou a dialética idealista foi o único filósofo dessa época
que tentou seriamente entender a economia, a estrutura da sociedade
capitalista. Pode-se dizer que a forma específica de dialética desenvolvida

605
por Hegel surgiu dessas tentativas de resolver os problemas da sociedade
capitalista, os problemas políticos e econômicos.

Repetimos: a própria forma da doutrina da unidade dos opostos já


aparece nos tempos modernos entre Nicolau de Cusa e Giordano Bruno;
mas no que diz respeito às questões cruciais da dialética, mesmo o estádio
mais alto da dialética anterior a Hegel - a filosofia de Schelling - na verdade,
não avançou em comparação com essa dialética. Somente categorias
especificamente hegelianas, cuja ocorrência e inconsistência aqui analisadas,
deram à dialética essa altura epistemológica, a elaboração das definições
essenciais das quais ela poderia proceder diretamente, através de uma
transformação crítica e superação de seu antecessor, a dialética materialista
de Marx. O grande significado da crítica de Marx a Hegel reside
precisamente não somente então em que a grandeza histórica de Hegel se
torna verdadeiramente compreensível.

Cada pensador, como Hegel disse, é filho de seu tempo; como tal, está
naturalmente associado aos seus antecessores. No entanto, ao determinar a
posição e o significado do pensador, deve-se perguntar quanto ele depende
da bagagem substancial e metodológica emprestada inevitavelmente de seus
predecessores e quão capaz ele é comparar imparcialmente o conteúdo e a
forma de sua filosofia que ele emprestou com a própria realidade e, assim,
superá-los e desenvolvê-los criticamente mais; quanto ele procede da própria
realidade e quanto restringido pela tradição filosófica estabelecida pelos
antecessores.

Aqui, a diferença qualitativa está enraizada entre Fichte e Schelling, por


um lado, e Hegel, por outro (sem mencionar os pensadores menores
daquela época, que, no entanto, são verdadeiros colossos em comparação
com os "luminares" da filosofia burguesa de hoje). Certamente, os pontos de
partida e a direção do desenvolvimento da filosofia de Fichte e Schelling
também são determinados pela realidade social objetiva. Mas, em termos
filosóficos, ambos permanecem dentro da estrutura da filosofia kantiana e,
por exemplo, Schelling passa do idealismo subjetivo para o objetivo, então
ele não supera a formulação de problemas e suas soluções por Kant, mas
apenas fornece uma combinação diferente destes; ir além da filosofia de
Kant permanece com ele mais declarativo do que verdadeiramente filosófico.

Hegel é o único filósofo do período pós-Kant, que originalmente


abordou, no sentido mais profundo da palavra, os problemas da época.
Depois de analisar detalhadamente seus primeiros passos, vimos que, sem
exceção, os problemas da dialética, embora ainda não de forma
teoricamente madura, surgiram da reflexão sobre eventos históricos
mundiais da época, como a Grande Revolução Francesa e a revolução
industrial na Inglaterra. Somente durante o desenvolvimento de seu próprio

606
sistema Hegel formou uma ligação ideológica genuína com seus
antecessores. Mas essa conexão é crítica desde o início, indo além dos limites
teóricos do pensamento kantiano. Somente quando a vida social da
Alemanha na época empurrou a dialética hegeliana para estruturas estreitas,
às vezes filisteias, como vimos, a relação de Hegel com seus antecessores se
torna perceptível.

Entre os representantes daquela época histórica, apenas Goethe pode


ser comparado com Hegel. Não é por acaso que nos materiais preparatórios
para a "Fenomenologia do Espírito" é encontrada uma longa discussão sobre
o "Fausto" de Goethe. Nos dois trabalhos, foram expressas aspirações
semelhantes, foi feita uma tentativa de generalizar enciclopedicamente os
estádios de desenvolvimento dos seres humanos até o estádio atingido
naquele momento e apresentá-los em um movimento imanente, em sua
regularidade interna. Não foi à toa que Puchkin chamou Fausto de Ilíada da
Vida Moderna, e a caracterização espirituosa de Schelling de sua filosofia
como "devolver o lar espiritual", pois a "Odisseia do Espírito" é mais aplicável
à "Fenomenologia" do que a qualquer trabalho de Schelling.

Goethe e Hegel viveram no início do último período trágico do


desenvolvimento burguês. Ambos revelaram as contradições insolúveis da
sociedade capitalista, permeando todo o seu desenvolvimento, a brecha
entre o indivíduo e a Humanidade. A grandeza desses pensadores é, por um
lado, que eles não têm medo dessas contradições e estão tentando expressá-
las no mais alto nível filosófico ou poético; por outro lado, uma vez que
vivem no início desta era, os dois conseguem criar uma imagem abrangente,
profunda e sintética da experiência genérica da humanidade, o
desenvolvimento de sua consciência genérica. "Wilhelm Meister" e "Fausto",
a este respeito, na mesma medida que a "Fenomenologia do espírito",
"Ciência da lógica" e "Enciclopédia de ciências filosóficas", são monumentos
de valor inestimável do desenvolvimento cultural da humanidade. É
impossível, é claro, que o profundo parentesco entre as aspirações iniciais
desses pensadores perca de vista as diferenças ideológicas entre eles: Goethe
foi muito mais orientado do que a natureza para Hegel, ao longo de sua vida
esteve próximo do materialismo, mas, por outro lado, não o fez.
Compreendeu as descobertas dialéticas mais importantes de Hegel. Ao
escrever a história detalhada dessa grande era, atenção especial deve ser
dada a essas diferenças. E somente através de um estudo concreto dos
momentos de semelhança e diferença entre Goethe e Hegel é que a
contradição verdadeiramente interna do movimento progressista desta era se
torna aparente de uma forma verdadeiramente clara e sintética por trás do
profundo parentesco das aspirações iniciais desses pensadores, para perder
de vista as diferenças ideológicas entre eles: Goethe foi muito mais orientado
do que a natureza para Hegel, ao longo de sua vida esteve próximo do

607
materialismo, mas, por outro lado, não entendeu as descobertas dialéticas
mais importantes Hegel.

Para os propósitos de nosso trabalho, basta indicar as aspirações


comuns inerentes a seu trabalho. Dificilmente é necessário entrar em
detalhes dessas circunstâncias complexas, devido às quais o estudo de
Goethe sobre os problemas da sociedade capitalista acabou sendo
parcialmente mais realista, mais perspicaz, mas parcialmente menos
dialético, menos contraditório do que o estudo de Hegel. Basta salientar que
Goethe e Hegel tinham uma ideia fundamental comum: eles procediam do
trabalho de parto, entendido como autogeração de uma pessoa; ou o fato de
que essa ideia, embora não em uma forma econômica consciente, já
apareça no fragmento do jovem Goethe "Prometeu" e tenha - que
eloquentemente caracteriza a diferença entre Goethe e Hegel - soar anti-
religioso. Mas nas grandes obras de Goethe, o problema da autogeração do
homem pelo trabalho se transforma em um conflito de personalidade com a
sociedade capitalista, em uma crítica humanista aguda a esta: em críticas,
que não perdem de vista a ideia de progresso humano, que está pronto para
abrir seu caminho, atravessando "espinhos", mas não inferior a qualquer
romantismo reacionário. Traçar paralelos mecânicos e mesquinhos entre as
criações de Goethe e a filosofia de Hegel seria um pedantismo ridículo. Mas
o caminho traçado por Goethe em Wilhelm Meister e Fausto coincide em
uma grande perspectiva histórica com o caminho pelo qual o espírito da
Fenomenologia Hegeliana se move nunca por um momento negligenciando
a ideia do progresso humano, que está pronto para abrir seu caminho,
abrindo caminho entre os espinhos, mas não é inferior a nenhum tipo de
romantismo reacionário.(43)

(1) No primeiro significado, cf.: “Fundamentos da ciência universal”. No


segundo cf.: Darstellung der Wissenchaftlehre (1801). (retornar ao texto)

(2) Schelling Werke, tomo I, p. 166. (retornar ao texto)

(3) Marx, K., Engels, F. Composições, Tomo 26, parte III, p. 276. (retornar
ao texto)

(4) Hegel. Op. cit., Tomo IV, p. 19. (retornar ao texto)

(5) Marx, K., Engels, F. op. cit., 2ª ed. Tomo 21, p. 285. (retornar ao texto)

(6) Hegel. Op. cit., Tomo IV, p. 433. (retornar ao texto)


608
(7) Loc. cit. (retornar ao texto)

(8) Hegel. Jenenser Logik, p. 320 (retornar ao texto)

(9) Cf.: Rosenkranz, K., op. cit., p. 181. (retornar ao texto)

(10) Lafargue, P. Memórias de Marx, Moscou, 1967, p.12. (retornar ao


texto)

(11) Marx, K., Engels, F. op. cit., 2ª ed. Tomo 23, p. 383. (retornar ao texto)

(12) Hegel. Op. cit., Tomo IV, p. 429-430. (retornar ao texto)

(13) Loc. cit., p. 434. (retornar ao texto)

(14) Marx, K., Engels, F. op. cit., 2ª ed. Tomo 2, p. 94. (retornar ao texto)

(15) Ou com a apresentação subsequente do meu trabalho: Sobre o


desenvolvimento filosófico do jovem Marx. Deustsche Zeitschrift für
Philosophie, 1954. (retornar ao texto)

(16) Marx, K., Engels, F. op. cit., 2ª ed. Tomo 42, p. 94. (retornar ao texto)

(17) Loc. cit., p 90. (retornar ao texto)

(18) Loc. cit., p 91. (retornar ao texto)

(19) Loc. cit., p 92. (retornar ao texto)

(20) Loc. cit., p 156. (retornar ao texto)

(21) Loc. cit., p 160. (retornar ao texto)

(22) Loc. cit., p 157. (retornar ao texto)

(23) Loc. cit., p 159-160. (retornar ao texto)

(24) Loc. cit., p 162. (retornar ao texto)

(25) Loc. cit., p 163. (retornar ao texto)

(26) Loc. cit., p 170. (retornar ao texto)

(27) Loc. cit., Tomo 46, parte I, p. 37-38. (retornar ao texto)

(28) Loc. cit., Tomo 42, p165-166. (retornar ao texto)

609
(29) Marx distinguiu a distinção entre os lados esotéricos e exotéricos da
doutrina hegeliano, característica dos jovens hegelianos, que Marx
considerou superficial. (retornar ao texto)

(30) Cf.: Marx, K., Engels, Correspondência, 2ª ed. Tomo 21, p 277.
(retornar ao texto)

(31) Heine, H., Obras. Moscou 1959. (retornar ao texto)

(32) Marx, K., Engels, F. op. cit., 2ª ed. Tomo 2, p. 90. (retornar ao texto)

(33) Loc. cit., Tomo 42, p. 154. (retornar ao texto)

(34) Loc. cit. (retornar ao texto)

(35) Loc. cit., p.155. (retornar ao texto)

(36) Loc. cit. (retornar ao texto)

(37) Loc. cit., p.158. (retornar ao texto)

(38) Loc. cit., Tomo 3, p.1. (retornar ao texto)

(39) Loc. cit., Tomo 42, p. 344. (retornar ao texto)

(40) Loc. cit. (retornar ao texto)

(41) Lenine, V. I., Tomo 29, p.162. (retornar ao texto)

(42) Loc. cit., p.301. (retornar ao texto)

(43) A ligação entre O Fausto e a fenomenologia é analisada em detalhes


em meu livro: Goethe und seine Zeit (Goethe e sua época), 1954. (retornar
ao texto)

610

Você também pode gostar