Você está na página 1de 170
A OS EO Ieee) FO ee ee eS eee Oe Ce Oe meee ee eet ene ee er a eee ey pean a to eo eos paneer Coren art net eo Dene ete) Po Ee oe Leinart ay fetes: aboecy Baan pl ee Feandotiss Monet seine bales Peon Hotere i SE eae co Pr uoaod Petes Parone matey Ao Pesce a neers Pemratee c Priel Ee | ace ee el a ea in Fes tatrslr tein a ha uP 2 = Sy) J FS (eee | ome hcria ra a a) ma) Fs Pen CL TEN ites Serer ein’ een A obra divide-se em trés parte freee ee nee eet eee eee Ae eee es Luiz Olavo Baptista CONTRATOS INTERNACIONAIS OABSP comssRO BRETOE MINDILDACHO [S8MAGISTER So Paulo - 2011 oprah 92010 ‘an els Gro et a flat Aves Dean 4 Femands Napolitano ‘Huber Rott Bape (Graphic Cress ERT nine A ortografia desta obra esta atualizada confortne 0 Acordo Ortogréfico aprovado em 1990, promulgado pelo Decreto nf 6.583, de 30/09/2008, vigente a partir de 01/01/2009. LEX EDITORA S.A. EDITORA MAGISTER Rua da Consolagio, 77 ~ CEP 01301-000 Alameda Coelho Neto, 20 CEP 91340340 Sio Paulo-SP Porto Alegre-RS Tel: 11 2126 6000 ~ Fax: 11.2126 6020 Tel: 51 3027 1100 comercial@lex com br www.lex.combr wwweditoramagistercom.br 2011 Proibida a reproducdo total ou parcial. Os infatores serdo processados na forma dale Para Marta, e a meus pais (in memoriam), “amor quia crescit non peri". Sumario Prefacio...... Agradecimentos ‘Apresentagao Introdugio PARTE CONTRATOS INTERNACIONAIS. Capitulo 1 Especificidade dos Contratos Internacionai A Critérios da Internacionalidade. B~ Conceito Eclético ou Realisa CC Consequéncias Diretas da Intemacionalidade.. Capitulo It (0 Direito Aplicavel aos Contratos Internacionais. ‘A~ Elementos de Conexio B ~ Elerentos de Conexao Apliciveis 20s ContratosIntemnacionais. Capitulo It Principios Gerais do Direito, Usos e Costumes. A~ A lex Mercatoria é B — Principios do Direito Internacional Publico C~ Principios Unidroit Relativos 20s Contratos do Comércio Inter- nacional Capitulo v Aplicacao das Regras de Conflito de Leis a Criacio do Contrato, ‘A~ Capacidade das Parts... 3 15 19 2 21 26 30 33 33 34 61 62 70 82 89 89 6 Contratos Internacionais B— Capacidade das Pessoas Naturais. 90 C- Capacidade da Pessoa Juridica, a1 Capitulo V ‘Causas de Afastamento da Regra de Contfito de Leis. 95 A= A Ordem Pablica 95 B~ Leis de Aplicagao Imediata 101 C—A Fraude 8 Lei 104 Capitulo VI Contetido do Contrato, Lei Aplicavel 107 Capitulo Vit Forma e Prova dos Contratos Internacionais ea lal ‘A~ A Forma e 0 Conflito de Leis 123 B— Forma e Lingua do Contrato, 125 Capitulo VIN ‘A Fase Pré-Contratual 129 ‘A= Tematica da Oferta e da Aceitagio 131 B— A Negociacio.. 135 C= As Cartas de Intengao, Memorandos de Entendimento e Pré- Contratos.. 153 Capitulo 1x Interpretagao dos Contratos Internacionais. 172 AA Especificidade dos ContratosInternacionais e seus Efeitos....._ 173 B — Interpretagao Especial das Normas de Direito Nacional nos Contratos Internacionais... 173 C= Influgncia da Diversidade Cultural na Elaboragao do Texto... 174 PARTE II ‘AS CLAUSULAS TIPICAS 77 Capitulo x Cléusulas Relativas ao Foro e & Competén a 179 A~ Cléusula de Eleicao de Foro. : 179 B— A Cléusula Arbitral 184 Capitulo x Cléusulas de Eleigao de Lei Aplicavel 193 Sumario PARTE IIL OTEMPO E OS CONTRATOS INTERNACIONAIS os ‘A~Cléusula de Estabilizagao B~ A Prescri¢ao Capitulo Xin ‘Cléusulas com Implicagdes Financeiras. ‘A~ AMoeda no Direito Internacional . B~ Cléusulas de Indexacao C= Cldusula-OU10 sree Capitulo xiv iscos Imprevisivels... ‘A= Forga Maior B ~ Cliusulas de Hardship. Conclusio Bibliografia Indice Rer Glossario de Termos Estrangeiros Lista das AbreviagGes {indice das Matérias ‘A= Direito Internacional Privado © Comércio Internacional — mas Vigentes no Brasil B ~ Direto internacional Privado e Comércio Internacional ~ mas Aplicdveis Indiretamente ou Eventualmente. C- Textos de Regras nao Estatais.. D—Avbitragem... 199 199 203 . 209 Nor Nor- 210 217 223 229 229 239 247 253 311 315, 317 319 319 323 324 324 Prefacio Em 1993, publiquei um livro sobre contratos que teve como base minha tese de concurso & cadeira de Direito do Comércio Internacional na Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo. O livro apresentava um caréter mais académico do que este, 20 qual dei um enfoque mais prético ainda. A matéria que havia sido abordada entdo foi revista e refundida numa estrutura nova que me pareceu mais adequada e melhor ordenada. Também estou incorporando nesta obra as importantes modificages ‘ocorridas no direito brasileiro, principalmente em raz3o da le da arbitragem e do ‘advento do novo Cédigo Civil, e do processo de mundializacéo. De 1993 até agora apareceram varios livros abordando 0 tema contratos internacionais, como 0 de Maristela Basso," os de José Maria Garcez’ e de Nadia de Aradjo,? além da importante coleténea, que teve duas edigGes, coordenada pelo meu velho amigo e colega de departamento, professor Jo30 Grandino Rodas,* 0s quais muito contribufram para a evolugao da matéria. Esta 6, provavelmente, a diltima vez que refundo e atualizo esta obra, porque a sua antecessora ja era de maturidade, e sempre trabalho de maneira Tenta, pois acredito que so necessérias a reflexao € andlise do peso de cada palavra quando se escreve, assim como assegurar clareza e concisao. Tal como tudo que se escreve, este liv teréfalhas decorrentes das de- ficiéncias do autor e pelo fato de que foi escrito ao longo do tempo. Por iltimo e no menos importante, nada disso seria possivel se eu nio fosse cercado pela afei¢go da minha familia, Humbert, filho e amigo perfeto, Mei, Simone, dos meus irméos, cunhados, sobrinhos e sobrinhos-netos, ¢ dos amigos, que Sao pessoas fundamentais na minha vida e sem as quais eu nao seria (0 que sou. Luiz Olavo Baptista 'M, BASSO, Contratos Inernacionais do Comércio: negociago, conclusio, pica. 3. ed Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. PNO TINE, GARCIZ, ContatosInteacionais Comercias: planejamento, negociagdo,solucso de confitos,eldusuls especiais, convengdes interpacionals, $30 Paulo: Saraiva, 1994, se eeiide ARALJO. Contatos Internacional: autonomia da vanlade, Mercosul e ConvengBes Ioteracionas. 3, ed. Rio de Janeiro: Renova, 2004 MING, RODAS. (Coord). Conratos ntemacionais. 3. ed. So Paulo: Revista dos Tibunais, 2002, Agradecimentos Nao posso deixar de registrar a gratidao para com todos meus colegas de trabalho que aturaram com paciéncia as minhas conversas sobre Direito In- temacional, as pesquisas e tudo mais, assim como nao posso deixar de recordar (0s amigos que leram a primeira e segunda edicdes e que me enriqueceram com (0 seus conhecimentos. Por ciltimo, registro o auxilio que prestaram os varios estagiérios, hoje advogados, que passaram por meu Escrit6rio e que fizeram uma parte do seu aprendizado comigo (Cristina S. Jabardo, Denise Kobashi Silva, Adriane Naka- ‘gawa, Maria Beatriz G. Vieira, Larissa de Santis Basso e Julia Vita de Almeida). Este livro nao teria sido possivel se nao fosse o estimulo e 0 apoio que recebi da Ordem dos Advogados do Brasil, Seco de Sdo Paulo, seu presidente Luiz Flivio Borges D’Urso, que vem fazendo uma brilhante gestio a frente da entidade e de Eduardo Carvalho Tess Filho, que vem se dedicando ha anos & Comissao Direito e Mundializacéo. - Apresentacao INASCE UM CLASSICO DO DIREITO INTERNACIONAL Em Direito, algumas obras jé nascem “cléssicos", ou seja, so estudos Ginicos, de conhecimento obrigatério e indispenséveis para quem deseja domi- nar determinada matéria juridica. € 0 caso, certamente, de Contratos Internacio ris, de Luiz Olavo Baptista, por unir urn tema cujo interesse vem crescendo em tum mundo cada vez mais globalizado e pelas credenciais e conhecimentos do autor na érea. advogado Luiz Olavo Baptista é uma referéncia nacional e interna~ ional em contratos internacionais, tendo atuado como presidente doTribunal de Apelagdes da Organizacao Mundial do Comércio (OMC), onde participou das decis6es do organismo internacional nos contenciosos entre a empresa brasileira Embraer e a canadense Bombardier, bem como das disputas en- volvendo exportadores brasileiros com produtores de acticar, na Europa, € de algodio, nos Estados Unidos, que recebiam subsidios irregulares de seus governos. Fstelivto, segundo o autor, tem um caréter mais prético do que acadé- mico, 0 que torna esta obra uma espécie de “Vade Mecum” do Direito Interna- cional, por analisar e desvendar, com competéncia, os meandros dos contratos internacionais , que superam legislacdes, fronteiras e culturas diferentes. Como o autor bem definiu: “tudo que possa ser objeto de negécio poderia ser contem- plado num contrato”. Em 14 Capitulos, Luiz Olavo Baptista consegue transformar uma ma- téria érida e complexa em conhecimento acessivel aos operadores do Direito, ‘mesmo aqueles que nao tenham familiaridade com o Direito Internacional, mas se interessem pelo assunto diante das perspectivas de crescimento da economia brasileira e do irreversivel processo de internacionalizacao. ; A obra ainda contempla uma das maiores necessidades dos profissio- nais do Direito: estar sempre atualizados. Apresenta as mudancas introduzidas pelo novo Cédigo de Direito Civil e, também, nao deixa de registrar o dado ist6rico, tanto que discorre sobre etapas vencidas na legislacio de contratos internacionais, como a resistencia no Brasil cléusula comppromisséria e de arbi- a 14 Contratos Internacionais, tragem, sob 0 argumento de que o recurso ao Judiciério era obrigat6rio, posicao atualmente superada, Luiz Olavo Baptista explica que determinados elementos constituem a internacionalidade do contrato no Direito Brasileiro e de paises economicamen- te importantes, como os Estados Unidos, que levam em conta a nacionalidade das partes, centro de interesse, lugar das negociagées, assinatura, celebracao objetivo. Em suma, cada etapa revela a importincia da presenca de um profis- sional do Direito qualificado e com dominio dessa matéria, que envolve muitos elementos subjetivos. ‘A queda das barreiras internacionais interligou os agentes do comércio estreitamente e, a crescente complexidade desse cendrio mundial, requer tato ¢ preparo do profissional do Direito para compreender essa realidade e nela atuar com desenvoltura. € importante erigir fortes bases teéricas, porém, ao mesmo tempo, estar em fina sintonia com as questdes praticas que envolvem os contra- tos internacionais e seus aspectos multiculturais. © Livro, dividido em duas partes - “Contratos Internacionais” ¢ “As Cléusulas Tipicas", busca subsidiar os advogados com elementos tedricos praticos necessdrios & compreensio da jurisprudéncia que cerca 0 contrato in- ternacional, abrangendo as questdes do foro e competéncia, riscos, cléusulas com implicacdes financeiras, conflito de leis, presenca do Estado, entre outros t6picos. A somatéria dessa rica reflexio nos faz reafirmar que esta obra esta destinada a ser um cléssico, pela sua qualidade juridica, por ser diferenciada, pela abrangéncia de sua andlise e pela sua atemporalidade, 0 que toma ainda mais importante o empenho da Comissio Direto e Mundilizacio da OAB SP na sua publicacao. Luiz Flavio Borges D’Urso Presidente da OAB SP Eduardo Carvalho Tess Filho Presidente da Comisséo Diteito e Mundializagio Introducao “Les si les cas, les contrats sont la porte Par of [a noise entra dans I'universe Nrespérons que jamais elle en sorte.” (Moliére, Recueil de 1682, Belphégor) (Os versos de Moliére mostram que, ainda que incémodos, os contratos esto no mundo para dele nao mais sair. Sendo a forma pela qual se concretizam ‘os negécios e se cria a maioria das obrigaces, pela obrigatoriedade e amplitude de sua presenca, os contratos tém um lugar importante no universo humano, © ‘como diz 0 poeta dramaturgo, ndo esperemos que dele saiam. Sua presenca é tio ampla quanto a dos negécios entre os humanos, a ponto de nio se poder dizer que ha negécios sem contratos. E, com efeito, 0 contrato é resultante de uma necessidade no relacionamento social Necessidade no sentido que a economia dé & palavra, de indispensabili- dade. Porém a indispensabilidade econdmica ¢ fruto nao s6 das leis da natureza, mas também do desejo humano. Dai por que, para alguns, é indispensével um (ou mais automéveis, como o pode sera televiséo, ou tomar café, ou fumar. Desse ‘modo, 0 contrato serve também para realizar desejos humanos, sendo meio de se obter algo que 0 sujeito deseja, para uma finalidade que pode ser 56 sua. Na prética comercial 0 contrato serve para alcangar os objetivos das ‘empresas, ¢, como instrumento das suas estratégias, 0 elemento subjetivo fican- do em segundo plano. O objeto do contrato, como sabernos, nao se limita aos bens materiais, mas inclui condutas humanas ou bens imateriais. Enfim, tudo 0 que possa ser objeto de negécio poderia ser contemplado num contrato. (Os Estados tém suas politicas piiblicas, estabelecem regras que cer celam a liberdade das pessoas de celebrar certos contratos: 0 negécio sobre heranga de pessoa viva, por exemplo, € proibido no Brasil; nos Estados Unidos, ‘no se permitem contratos com pessoas de paises que estio sob bloqueio eco- ‘némico por causas politicas. Nos paises mugulmanos, profbe-se contratar juros. E assim por diante. Sio proibidos, por toda parte, os contratos para objetivos que a | defina como ilicitos: para obter os servigos de um sicério; para comercializar eiininieas 16 Contratos internacionais estupefacientes; para 0 comércio de pessoas, etc. Assim, o que chamamos de ordem publica limita o campo da contratualidade. A ordem pablica opera num tuniverso em que os elementos e consideracdes econémicos acotovelam-se com 108 psicol6gicos, os culturais ou sociolégicos. Ora, 0 contrato surge numa determinada conjuncdo de interesse e va- lores, que move a vontade das partes, levando-as a assumir, uma para com a ‘outra, obrigagoes e deveres, (0s contratantes celebram suas convengdes para obterem certos resulta- dos. As causas € 0s objetos dos contratos, como as pessoas que neles se envol- ‘vem, s30 incontaveis e vamos encontré-los em todos os paises e locais. A distancia, as fronteiras, muitas vezes as linguas faladas pelas partes no so obstaculos para o encontro de vontades— mas podem ser, e muitas vezes 80, fontes de problemas juridicos. Como as pessoas, as mercadorias ou servicos atravessam as fronteiras, e negécios sao feitos envolvendo uns e outros. Ai surgem os contratos que se convencionou chamar de internacionais, quando determinadas caracteristicas fazem com que possam estar sujeitos as normas de mais de um sistema juridico. Sua importéncia numérica cresce com ‘© aumento do comércio intemacional, e, nas épocas de crise e depressio, sto 65 litigios que aumentam, pois como 0s “se” e 05 casos, 05 contratos sa0 a porta por onde as complicagdes entraram no universo, s contratos em geral poderiam ser comparados com o vestido que 0 direito fomece a uma relagao econémica — um negécio entre duas ou mais pes- soas. © negécio surge da necessidade (no sentido econémico) de determinadas pessoas e do acordo de vontades que estabelecem para, mediante concessbes reciprocas, poderem satisfazé-la. € 0 contrato que transforma essa situago em que elementos de comportamento pessoal, social e econémico se unem, para servir a um propésito, em uma estrutura juridica. Esta é composta por obrigagdes e direitos entre as pessoas que fizeram aquele determinado negécio, Sendo criaturas do direito ~ e este, no sentido de regra positiva, é ema- ‘nagio da soberania de algum Estado — seré, com base ém regras de direito posi vas que se cobrard e se obteré a execucdo dos contratos. Com eleito, as partes te- Fo que recorter a algum Estado soberano para garantirlhes os direitos, oriundos do contrato, asim como para forgar a execugo das obrigagdes no caso de mora. Arelacio que se pretende regular, o objetivo dos contratantes, os paises lem que essa relagao teve seu inicio ou que a afetam, podem caracterizar um tipo de contrato que, pelo fato de mais de uma esfera de soberania estar envolvida, tem a caracteristica que se convencionou chamar de internacionalidade.* As partes escolherdo o tipo de contrato tendo em vista diversos fatores de seu interesse direto, mas mesmo que nao lever em conta os elementos de 5 CARBONE e LUZZATO. | Contatti del Commercio Intemazionale, in Trattato of Dintto Prk vato, Torino, P Rescigno, 1984. ee Introdugao 7 estraneidade decorrentes do contato da relacdo contratual com mais de um sis- tema juridico, estes elementos ainda assim afetam o referido contrato. ‘So elementos como o tipo de sistema juridico de determinado Estado, seu contetido positivo e as regras de ordem piiblica que o contém, a natureza ju- ridica das partes ~ Estados ou particulares, 0 tipo de bens envolvidos (e 0 estarem ‘ou nao submetidos a regras especiais), € outros, que merecerao nossa atengao ‘mais adiante. fato € que o elemento internacional gera uma diferenca entre os contratos que se submetem a um sé sistema juridico - e que s80 08 de direito interno - ou que, pelo menos potencialmente, estao sujeitos a mais de um di to, que sao 0s contratos intermacionais. A caracterizagao destes ser 0 objeto da primeira parte deste livro. Os contratos internacionais, por causa desta caracterstica, desenvol- veram uma especificidade, que os distingue dos que produzem efeitos to sé no interior de um Estado ou de um mesmo sistema juridico. Esta especificidade resultou em certas clausulas ~ que atendem a situagdes tipicas de uma relacao econémica ou comercial através de fronteiras, que se tornaram tipicas dos con- tratos internacionais. Elas serdo objeto da segunda parte desta obra. Parte | Contratos Internacionais ‘Ao examinar 0s contratos internacionais de natureza comercial come- ‘caremos, cartesianamente, indagando se existem, Depois, 0 que os caracteriza. Sabemos que ha contratos onde hé negécios. Alguns tém a caracteris- tica de terem as partes que os celebraram, os bens, seu objeto, 0 local da pres- tacdo do servigo ou da entrega das mercadorias situados sobre a esfera de uma 6 soberania. Outros apresentam um ou mais desses elementos — nacionalidade, domicilio, residéncia, local da entrega ou prestacio, etc, situados sob a esfera de algum outro Estado, Estes iltimos produzem, no Ambito do direito e da economia, efeitos que podem ser chamados de internacionais, inclusive no sentido seméntico da expresso, E a determinagdo do cardter, intemacional ou no, desses contratos para o direito, 0 primeiro tema a examinar. Cabe cuidado, pois a resposta nao é& evidente. Os contratos serdo internacionais por caracteristicas especificas que, além das apontadas, incluem sua estrutura, as cléusulas que contém, o modo co- ‘mo so negociados, ¢ 0 fato de que & necessério localizé-os, isto 6, determinar o sistema juridico a que se vinculam. Capitulo | Especificidade dos Contratos Internacionais A especificidade dos contratos internacionais apresenta-se sob os n- gulos econémico e jurfdico. Da sua internacionalidade surge a forma que a praxis desenvolveu e que traz consequéncias para sua interpretagao e efeitos. Para determinagao do caréter internacional dos contratos, recorre-se a diversos, critérios, como veremos. ‘A~ CRITERIOS DA INTERNACIONALIDADE A internacionalidade dos contratos é aferida, em geral, sob algum n- gulo que chame a atengio dos comentadores. Pode-se sistematizar as diversas escolhas classificando-as em trés grandes categorias, segundo o elemento pre- dominante na forma de classificagao utilizada. Assim, os que classificam os con- tratos enfatizando o Angulo econémico ou o juridico procedem & classificacdo baseados nestes aspectos. Uma terceira categoria retine os autores que buscaram evitar as criticas ou deficiéncias apontadas nas classificagdes anteriores, propon- do uma resposta eclética 1 Com Angulo Econémico ‘A movimentagao de bens e servicos através de fronteiras é 0 indicador ‘econémico da internacionalidade do contrato. Adotado como critério juridico na Franga, onde sio tidos como internacionais os contratos em que ocorrem os chama~ dos fluxos reciprocos de bens e valores entre dois sistemas. Esse indice de interna- Cionalidade 6 adotado também no direito brasileiro, para certos tos de contratos. O critério econémico foi estabelecido a partir das razbes formuladas pelo procurador Matter em 1927, na Corte de Cassacao Francesa, para 0 hoje Célebre affaire Péllissier du Besset* Interessante notar que 0 indicador adotado — 0 fluxo ¢ refluxo de bens através das fronteiras ~ 6 predominantemente econémico, enquanto o dito dou- trinério é preponderantemente juridico. Com efeito, foi a propésito de pagamen- to em moeda estrangeira que 0 Procurador-Geral Matter formulou, em 1927, 0 critério do fluxo e refluxo através das fronteiras. Cass. Civ, 1 1927, DP, 1928, 1,25, nota Capitan, raxdes finals Matter. 2 Contratos Internacionais A pattir da lei do 24 Germinal do ano 11 (14 de abril de 1803), 0 Banco de Franca emitia notas (billets) que nao eram tecnicamente moeda, pois era ‘ouro que tinha curso legal em razao de lei anterior, do 7 Germinal do ano 11 (28 cde marco de 1803). Por esta razo, podia-se recusar 0 curso ao papel moeda, os billets de la Banque de France. Os portadores dessas notas podiam reclamar 0 reembolso em ouro, a qualquer momento, nos cofres do banco. ‘Ao ser adotado 0 curso forcado da moeda, no entre-guerras, a juris- prudéncia francesa passou a distinguir entre os pagamentos efetuados na Franga por franceses e pagamentos internacionais, e viu sua orientacdo ser consagrada pela lei de 25 de junho de 1925 (art. 2, §2). O critério, entretanto, era limitado, nao respondia de modo adequado a todos 0s casos, gerando contradigées da jurisprudéncia; mas, de qualquer maneira, 0 conceito foi se refinando e veio a desaguar na enunciagao do Procurador Matter, no caso Péllssier du Besse. Vale a pena recordar os acontecimentos. Um inglés havia locado a. um francés (Péllissier du Besset) um imével situado em Alger, eo contrato estipulava que o aluguel seria pago em libras esterlinas em Londres ou em Alger, & escolha do locador.Litigaram. Surgiu a questio da lei aplicével (a inglesa ou a francesa), a propésito da validade da cléusula relativa 3 moeda de pagamento. Matter argu- ‘mentou nas suas razées finais? que a locacao desse imével nao havia “produzido na Franca nem a entrada de mercadorias, nem de moeda. A operacio foi toda local, e 0 tomador deve submeter-se as leis de ordem publica da Franca’: A defesa alegava que se tratava de um contrato internacional, por ter sido celebrado entre pessoas de diferentes nacionalidades (inglesa e francesa). Matter contra-argumentou, impugnando o critério da jurisprudéncia até entdo adotado, e que nao era pacifico, de considerar um contrato internacional em razao da nacionalidade das partes, porque segundo ele: “esta noco, muito simplista, evidentemente errénea, esté hoje abando- nada, e liga-se mais para a natureza da convencao, as consequéncias ‘que ela produz sobre dois patses diferentes. Para ser assim classiticado & preciso que o contrato produza como um movimento de fluxo e refluxo sobre as fronteiras, © consequéncias reciprocas em um pals e outro’? (grifos meus) Essa f6rmula predominou, incontrastada, por muitos anos. Entretanto, ‘como se observou, 0 critério era demasiado rigoroso para conter a realidade. ¥ Cass, Cu, 17-5-1927, DP, 1928, 1,25, nota Capitan, razbes finals Matter 2 Idem. «Nota de ECk, sobre as decisis de 04/05/1964 e 27/04/1964 (a 59-12.202), in Revue Crk tique De Droit international Privé, Paris, 1965, p. 346: °O crtério do duplo Muxo de valores reali: ‘do por um contato hava aparecido como uma nogo demasiado precisa, deixando fora de seu ‘campo de aplicacio os pagamentos que apresentavam caractersicas econdmicas de operacdes internacionais" (radio livre) Especificidade dos Contratos Internacionais 23 {A jurisprudéncia acabou por alargé-lo, comecando por um acérdao da mesma Corte de Cassacao, poucos anos depois daquele em que triunfara a doutrina Matter. Diziam os juizes: “(...) 0 caréter internacional de uma operacao ndo depend necessa- riamente do domictio das partes e do lugar estipulado para sua exe- cugo, mas de todos os elementos que entram em linha de conta para imprimir aos movimentos de fundos que ela comporta um carater que ultrapassa 0 quadro da economia interna’ (grfos meus) O caréter doutrindrio da solucao é apenas aparente. Ele resulta numa formula t6pica ou empirica ~ todos os elementos que entram em linha de conta para imprimir 20s movimentos de fundos que ela comporta um carater que ul- trapassa 0 quadro da economia interna. Caberé ao intérprete escolher quais dentre os elementos de conexao possiveis serdo titeis ou relevantes para determinar a internacionalidade do con- trato. Por isso, diversas convengGes internacionais tentaram criar outros crtérios, que se esperava, fossem mais precisos e seguros, para a determinacao da inter- nnacionalidade dos contratos. Para isto, buscou-se um enquadramento juridico, endo factual 2. Com Foco Juridico 5 critérios baseados em elementos juridicos mais usados so o do interesse do comércio internacional e o juridico, cujo grande formulador foi Batiffol. Para o mestre, “um contrato tem cardter internacional quando, pelos atos concernen- tes & sua celebragao ou sua execugao, ou a sitvacdo das partes quanto 2 sua nacionalidade ou seu domicilio, ou a localizacao de seu objeto, ele tem liame com mais de um sistema juridico”* ‘A nogao de liame com mais de um sistema juridico 6 vaga. Mas 6 a nica possivel, porque ela repousa sobre a constatacao de um fato, o de que o contrato foi modelado ou criado como um contrato internacional (por sua con- clusao, sua execucao, ou a localizagao de seu objeto, etc.) Em outras palavras, ©.contrato é internacional nao em virtude de alguma regra, porém tem essa con- dicdo de fato, que se constata a partir de um feixe de elementos que ndo cabem ‘numa enumeracao rigida.” Este critério também é seguido nos Estados Unidos pela Corte Suprema, que 0 adotou nos que hoje sio seus leading cases: Unterweser v. Zapata (407 (Cass Cu, 17-5-1927, DP, 1926, 1,25, nota Capitan, azdes finals Mater. Verbete Contratos ¢ Convencdes, in Repertoire Dalloz de Droit International Privé, 9, Ya propésito, J. M. JACQUET, Verbete Contrats, in Enciclopedi Dalloz Intemational, | na6e%, 24 Contratos nternacionais USS. 1, 92S. Ct. 1907, 32 L. Ed. 2 d 513 ~ 1972) e Scherk v. Alberto-Culver Co. (417 US, 506, 94S. Ct. 2449, 41 L. Ed. 2d 270 - 1974), Neste Giltimo acérdio, a Corte estabeleceu que 0 contrato que analisava ra truly international, pois tinha as seguintes caractersticas: diferentes nacio- nalidades das partes, com seu principal local de negécios e a maior parte de suas atividades sendo realizada em seus respectivos pafses; as negociages em diferentes paises; e destacadamente, 0 objeto do contrato centrado na venda de empresas constituldas sob as leis (e situadas) em paises europeus e cujas ativida- des eram voltadas para 0 mercado europeu. No Reino Unido, duas leis, o Unfair Contract Terms Act, de 1977, € 0 Arbitration and Conciliation Act, de 1996, impSem ao intérprete o dever de fa- er um exame caso a caso para distinguir 0s contratos que serio submetidos a0 direito interno ou ao internacional. Um autor, comentando a primeira dessas leis,° disse que o legislador britanico resolveu excluir do campo de incidéncia dessa norma alguns tipos de contratos, referidos nos arts. 26(3), “a” e “b", 26(4) e27(1). O objeto do contrato, © domicilio das partes e um terceiro elemento de estraneidade nao especificado sao utilizados no teste @ que os tribunais britinicos submetem 0 contrato para determinar se ele estd ou nao enquadrado na definigio legal. © Arbitration Act adota como critérios da internacionalidade do con- trato a nacionalidade ou o domicilio das partes, cumulativamente com a escolha de uma lei ou local situados fora do ambito da soberania inglesa, definindo, de forma negativa, a arbitragem interna, para distingui-la daquela dos contratos in- termacionais, sujeita a um regime especial ‘Mas, como vimos, nos exemplos apresentados, néo se pode dizer com certeza se 6 a presenga de um elemento de conexio que dard carter internacio- ral ao contrato: isso dependerd da situagao em que est para produzit, ou no, © efeito intemacionalizante, ‘Van Hecke coloca bem a dificuldade da questio: “(.u.) 3¢ a determinagao da esfera de eficécia dos diferentes sistemas juridicos € relativamente fécil quando 0 elemento de conexdo é 0 ter- rit6rio ou a nacionalidade, as dificuldades surgem quando se trata de estabelecer a conexo com uma relagao juridica’? No Brasil, um autor, baseado em Elk e Rabinovitch, sugeriu critérios para a distingio entre contratos internos e internacionais, a partir de uma clas- sificagao destes dltimos. Propés que os contratos internacionais, por natureza, © GRIFFITHS-PARKER. The Unfaie Contract Terms Act 1977, DPCI. Pais: 1982. p.29. °_Tradugiolive de G, VAN HECKE, Problems lriiques des Emprunts Internationa, 2. ed, Leyden, E.) Brill, 1964, p.1 Especificidade dos Contratas Internacionais 25 sejam divididos em duas categorias: objetivamente internacionais subjetiva- mente internacionais. A primeira categoria, segundo esse autor, englobaria “ope- ragdes intrinsecamente internacionais como a exportaco, 0 financiamento da exportagio e a compra e venda de cambio” Prosseguiu falando dos contratos ‘que denomina “subjetivamente internacionais*, porque: “tem por objeto qualquer operagao, derivando a sua internacionalida- de do fato de uma das partes ser residente no exterior. Por sua vez, (5 contratos internacionals por acessoriedade so contratos que ~ sen do subjetivamente internos - tém por objeto a modiicacio (cessao, transferéncia, delegacdo ou modificacao) de contratos subjetivamente internacionais’" Mas, indaga-se, quais operagies sero consideradas “intrinsecamente internacionais"? Quem as definira? Os mais diversos critérios foram usados para esse efeito, 0s quais, segundo esse autor, “podem variar segundo significado que se pretende dar a distincao”.”” inegével, porém, que se pode detectar a presenga de uma certa sub- jetividade, pois € 0 juiz ou intézprete que determinard, segundo critérios que Ihe so préprios, a importancia relativa do elemento estrangeiro do contrato, como, alis, apontava com propriedade P. Lalive."” Pierre Mayer" sustenta que hé, paralelamente & nogio subjetiva, outra, objetiva, pois haveré uma situacdo internacional “quando a conexéo a dois ou ‘mais pafses existe em si mesma, antes de qualquer recurso a justga (...) ese dei- 1a flagrar mesmo por um observador exterior a qualquer ordem jurfdica”, Entretanto, poder-se-ia ponderar que toda situagio “objetivamente in- teracional” também é internacional, subjetivamente. Mas, na realidade, vai se verificar que a diferenga entre as situagoes consideradas ~ subjetiva ou objeti- vamente — intemnacionais reside unicamente em sua intensidade, e nao em sua esséncia, Na Sufca, a definigio do contrato intemacional ndo & dada por nenhu- ma regra juridica ou deciséo jurisprudencial, e 0 cardter internacional deve ser determinado caso a caso; sendo que é em funcao da ‘ex fori que o juiz dira se ‘A. XAVIER. Validade das Cldusulas em Moeds Esrangeira nos Contato Inlernose Interna conas, in A. XAVIER e |. GANDRA MARTINS DA SILVA (Coord), Estudos Juridcos sobre 0 Inves {mento internacional, Sio Paulo, RT, 1980, p. 1-21; também RF 265:33, A nosto vero contrato de limbic é, sob qualquer dngulo, de dirito inter. ‘A. XAVIER, Validade cit, p. 33-34 2 dem, BL LALIVE. Cours Général de Droit International Privé in Recueil des Cours de Académie Internationa, Leyden, 1977, n®2,p. 20. P.MAYER. Droit international Privé. 2. ed, Pars: Montchestien, 1977. p. 4 e 26 Contratos Internacionais Especifcidade dos Contratos Internacionais 27 a relagéo juridica merece 0 qualificativo de intemacional.”” € uma formula que retine, ao mesmo tempo, empirismo e subjetivismo. B - CONCEITO ECLETICO OU REALISTA A diferenca quanto aos critérios adotados, quer pela doutrina, quer pela jurisprudéncia internacional, quer pelos tratados, muitas vezes decorte da natu- reza do contrato, pois os elementos que permitem caracterizar determinada ope- ragio econémica como internacional nem sempre so significativos em outra. E a importincia do elemento de estraneidade que determina o caréter internacional do contrat, no fim das contas Por isso mesmo, alguns so aceitos por internacionais prima facie;"* ‘outros classificados desde logo como de direito interno, enquanto os restantes ficam na zona cinzenta, em que seus elementos que tém contacto com determi- rnado sistema juridico estrangeiro devem ser apreciados por um juiz (0 brasileiro, por exemplo), ¢ este terd que resolver se o seu sistema juridico deve ou ndo ver © seu Ambito de aplicacao ampliado até atingir essa situagio. Essa € a opinifio de rineu Strenger,” que define os contratos internacio- nais do comércio como: “todas as manifestacées bi ou plurilaterais da vontade livre das partes, objetivando relagées patrimoniais ou de servicos, cujos elementos se- jam vinculantes de dois ou mais sistemas juridicos extraterritorais, pela orca do domictio, nacionalidade, sede principal dos negdcios, lugar do contrato, lugar da execuco, ou qualquer circunstancia que exprima um liame indicativo de Direito aplicavel” As insuficiéncia das solugdes doutrinérias, em certos casos, ea estreite- za das f6rmulas convencionais fizeram com que esses critérios ecléticos passas- sem a predominar, tanto no exterior como no Brasil. * 1. Os Critérios Ecléticos no Exterior Pelas razBes expostas, na Franca, a doutrina Matter, a que ja nos refe- rimos, foi afastada em certos casos, como o do arrét Hecht,"® onde o tribunal adotava uma posicao eclética, que Batiffol expe no seu Tratado: 15 Repertoire Suisse de Droit International Privé, Zurich, Staerpli, 1982, v. 1 p. 17. '' ReeSILVA. Vocabuléro Juric. Volume It -. Rio eSdo Paulo Forense, 1993, 1, STRENGER. Contratos Intenacionais do Comércio. So Paulo: RT, 1986. p65. "Cour dAppel de Paris, 19/06/1970, Cunet, 1971, p. 833, nota Oppetit JCP, 19711-16927, rota Goldman. Em contréria: Cass. 1° Civ, 47-1972, nt 70-1416, in Revue Timmesvielle de Droit Comercial, 1973-419, nola Loussouarn; Revue Craique de Droit Intemational Privé, 1974 £82, nota Oppett. “0 contratoIitigioso (..) tem esse caréter ao mesmo tempo pelo local de sua celebragao, na Holanda, a nacionalidade diferente das partes e ‘mesmo seu objeto, que era de dar poder a Hecht, stidito francés, para executar na Franca atos juridicos em nome de uma sociedade licta, de direito holandes, tendo em vista aumentar as exportagées para a Franca desta ultima’ Depois dessa, outra decisio, de 26/10/1982, abandonando a rigidez da doutrina Matter, procura fixar um critério que abrange elementos econémicos jurfdicos e envereda, novamente, pela via do ecletismo: “se a nogio de contrato internacional é dificil de ixar, a jurisprudéncia reteve um certo niimero de elementos que permitem caracterizé-la, um de caréter juridico, notadamente o fato de que o dito contrato se liga a rnormas juridicas emanadas de diferentes Estados; os outros, de cardter econémico, no que ele (0 contrato) tem por efeito afetar os interesses do comércio internacional’ [Nos Estados Unidos, aps contornar 0 problema por vérios anos, a Cor- te Suprema, no caso Scherk v. Alberto Culver,” fixou as caracteristicas para que se considerasse um contrato internacional: a nacionalidade das partes e 0 centro de seus interesses, o lugar das negociacées, da assinatura e o da celebracio (closing), e, por iltimo, 0 objeto do contrato. Com efeito, a diversidade dos critérios apontados mostra que persiste a dificuldade em determinar se umn contrato é internacional, e nos impée recorrer a virios outros, econémicos e juridicos. No fundo, trata-se de uma questdo de sensibilidade e de politica legis- lativa, portanto, subjetiva e mutavel Uma conclusio a que se pode chegar & que uma relagio juridica, como jd se viu, pode estar em contato com mais de um sistema juridico ~ através de qualquer um dos seus elementos: os sujeitos ou 0 objeto ~ ou apenas com um sistema juridico. Se ocorrer a éltima hip6tese, estaremos diante de um contrato uramente nacional; se nos defrontamos com a primeira, estaremos em face de tum contrato (ou situagio) internacional E por isso que o cardter intemacional do contrato € apurado perante © caso concreto, segundo critérios flexiveis. Esse exame determinaré a in- tensidade ou importancia relativa do elemento estrangeiro naquela relacao juridica, do ponto de vista econémico e juridico, afastando o empirismo da verificagao. "Toulouse, 26 octobre 1982, Béhar Monoceran, Clunet, 1984, p. 603, nota Synvet 417 US. 506, 94 S.Ct 2489, 47 L.Ed. 2d. 270 ieee 28 Contratos nternacionais Por titimo, lembre-se que hd um elemento formal que, muitas vezes, in- flui na identficagio do contrato como internacional: sua redaca0 ¢ estilo, ¢ cer tas cldusulas tipicas, podem servir como elementos objetivos dessa qualidade. 2 A Internacionalidade do Contrato no Brasil No Direito Brasileiro, ha varios modos de determinar a internaciona- lidade do contrato. Por exemplo, as regras em matéria de moeda estrangeira, encontradas no Decreto-Lei n® 857, de 1969, estabelecem que nos negécios celebrados entre residentes e nao residentes pode-se utilizar moeda estrangeira Isso porque esse contrato possui cardter intemacional, dada a importancia que tém o lugar e a moeda do pagamento. (O art. 28 daquele Decreto-Lei, cujafinalidade é vedar 0 uso das moedas estrangeiras no Brasil, estabelece excegdes nos contratos internacionais (ainda {que nao Ihes dé essa denominaco). Com efeito, a proibicio legal ndo se aplica: “1 ~ Aos contratos e titulos referentes 2 exportacao ou importacio de mercadorias; “11aos contratos de financiamento ou de prestacao de garantias rela- tivos as operagées de exportacio de bens de producao nacional, ven- didos a crédito para o exterior; Mod “V ~ aos empréstimos e quaisquer outras obrigagdes cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, exceto 0s con: tratos de locacdo de iméveis situados no territério nacional; “V-~ aos contratos que tenham por objeto a cessio, transferéncia, dele- gacio, assuncao ou modificacao das obrigacées referidas no item an- terior, ainda que ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou domiciliadas no pats” : 5 dois primeiros incisos recorrem ao critério econdmico do fluxo © do refluxo através das fronteiras, a que nos referimos atrés, enquanto os incisos quarto e quinto da norma recorrem aos critérios juridicos do domicilio ou da residéncia, bem conhecidos, e da acessoriedade do objeto do contrato, menos utilizado. Em texto distribuido em Semindrio da AIA slo elencadas cléusulas tpicas de contratos Imernacionais: qualificadorae para as geranis,limtacBes de obrigacao igrau de culpabilidade, texclusio de algumas bases para as obrigacSes, montantes méximos, minimos e tempo limit, indenizacées, conabilidade, seguranca para pagamentos (por exemplo,garantias bncaia), con fidencialidade, extingSo de aeordes, forca maior, previsdes geraisnolificacio, cess, alteracB0, ‘separabilidade, idioma) e check lit. in: Typical Clauss in International Agreements, AJA Seminar, Baftng and Enforcing Intemational Agreements, May 4-5, Hamburgo, 2001 Especificidade dos Contratos Intemacionais 29 O ecletismo da solucdo é evidente, e bem pode servi de guia para de- terminar a internacionalidade dos contratos em dircito brasil. Desse modo, poderiamos dizer que, para o direito brasileiro, é in- ternacional o contrato que, contendo elementos que permitam vinculé-lo a mais de um sistema juridico, tem por objeto operagao que implica no duplo fluxo de bens pela fronteira,”” ou que decorre diretamente de contrato dessa natureza. Neste ponto, observamos que, em caso de operacio econémica com- plexa, que envolve mais de um contrato em relacio de coligacio, dependéncia fou grupo de contratos, a intemacionalidade deverd ser analisada em relacio 2 operagio econdmica vista como um todo unitério e auténomo, e n’o em relagdo a cada contrato visto isoladamente. Isso porque as diferentes causas de cada um dos contratos celebrados se fundem na vontade das partes de rea- lizar um escopo econémico unitério. Nesse contexto, cada um dos contratos celebrados isoladamente considerados é uma fra¢3o deste intento unitério, in- dividualizado, que leva a uma apreciagao global daqueles, uns em relacio aos outros. Donde se conclui que se plurais sao os negécios juridicos e as causas {que 0s justificam, tnica é a opera¢ao econémica & qual tais contratos esto, de certa forma, subordinados. Como resultado, os diferentes contratos celebrados no &mbito da operacio econdmica complexa estio, de tal maneira, relacio- nados, que a validade e a eficécia de um influencia diretamente a validade € a eficécia dos dem: Deve-se, portanto, aler-se & opera¢o como um todo, ¢ rio a cada um dos contratos isoladamente, para definir a sorte dos contratos coligados,”* 0 que inclui, evidentemente, a definigdo da internacionalidade do contrato considerado. Essa f6rmula, realista, permite levar em conta aspectos de teoria ge- ral do diteito que ndo podem ser ignorados: primeiro, o fato de que, sendo 0 Ccontrato um instituto juridico, € no direito que deve encontrar sua definicao € classificagio; segundo, que existe também em outras dimensées, refletindo uma realidade exterior, de interesses, situagdes econdmico-sociais em relacio as quais cumpre fungao instrumental. Ora, uma definigao adequada do contrato internacional tem que levar em conta essas facetas do fendmeno contratual ~ a juridica e a econémico-social, que sio a reproducao da realidade e esta mesma. Em suma, 0 contrato internacional, sendo uma operagao econémica interna- ional (e, logo, meio de promover a circulagao de riquezas entre as nace), ® tentese, porém, que certos ato jridicos, como a deacio, no poderiam, por sua prépria. natureza, enquacrarse nesta cegra do duplofluxo de bers. 2° E.GABRIELLI II Contrattoe FOperazione Economica, in Rivista di Dirtto Chile, n®2, ado va, Mar/Abr. 2003, p. 104-105, 30 Contratos Internacionais Especificidade dos Contratos internacionais u do deixa de ser um conceito jurfdico. Por isso, ao levar em conta todos esses aspectos, a definicao proposta parece mais adequada.* {A internacionalidade do contrato acarteta diversas consequéncias, das quais a menor nao é a possibilidade de se the aplicar mais de uma lei, o que afeta sua origem e efeitos, e que merecem ser vistas mais de perto C- CONSEQUENCIAS DIRETAS DA INTERNACIONALIDADE ‘As questées juridicas a serem examinadas pelo juiz na apreciagao de tum contrato internacional serdo: as circunstancias da formagao, o conteddo e os efeitos das obrigacées criadas. Esse exame se faz em um processo que impée a determinacio das leis que regerao esses aspectos. A escolha da lei aplicével a0 contrato opera mediante diferentes critérios ou elementos de conexao. ‘A aplicagao do direito estrangeiro nas convengées e contratos ¢ anti- quissima. Nasce com 0 comércio internacional, ¢ fenicios, gregos, persas, as- sitios j& a praticavam. Em Roma, o praetor peregrinus colocou as bases do jus sgentium, definindo-o nas suas decisGes e éditos. No mundo ocidental, herdeiro do Império Romano, essa tradicao foi guardada e evoluiu. (0s canonisias italianos do século XII, porém, parecer ter sido os pri- rmeiros a situar 0 problema nos termos modemnos, criando o adégio locus regit actum para reger 0s atos juridicos privados, aplicando-Ihes a regra costumeira ‘ou a norma em vigor no local da pratica. Justficavam o brocardo pelo raciocinio de que 0s contratantes teriam toda a possibilidade de conhecer ou informar.se sobre o direito do local em que agiam. Dumoulin, jurista francés do século XVI, entretanto, tirou uma outra consequéncia desse postulado: as partes, via de regra submetidas &s leis do lu- Neste sentido, ROPPO, apud GABRIELL {I Contato, ct, p. 98-89): Pode-se e deverse falar do “‘contrato~ conceitojuridico” como de coisa logicamente divesa dlstnta do ‘contrato~ ope ragdo econémica’e no identiicavel pura e simplesmente com este timo. Também é verdad, to- Gavia, que aquelaformalizaziojurilca contrat ~ concet jurdicol vem sempre constuda (com Suas coractrtcas especticas @ peculiar) ndo mais como um fim em si mesma, mas em vista teem funcio da operacto econémics, da qual representa, por assim dizer, 0 invdlucro ou a veste feiterior @ em a qual resulta varia, abstatae, poranto, incompreensWel, Mais precisamente, fem vista eem fungdo da estutura que se quer dar & aperagio econdmice, dos interesses que, nO Jmbito da operagio econdmica, querse tutelare perseguir com o resutado que, neste sentido, 0 Contratoconceitojuridico resulta instrumental 30 contrato operagao econémica”(Traducio live) Com efit, a definiglo do contrat internacional deve necessariamente levarem cont, paralela- mente idea de contrato como conceitojurldico, a ideia de contrato como operagso econdmica, 3 qual envolve uma pluralidade de interesees a serem ttelados e alcangados. Nest fterim, 0 ontrato como conceit jurdicoé instrumental 20 contrato no sentido da relidade econdmica por tle representa, viabilizando a concliagzo dos iteressesplurvocos naquela envovidos. Daf ser essential considerarse, para 2 identificagio ds internacionalidade do contrato, todos os aspectos leconémico-socais envalvidos na operagao (encarada como unidade formal autBnomal, 20 lado © ‘complementarmente aos aspectosjuridicosrelativas ao contato. gar da pratica do ato juridico, poderiam escolher, de comum acordo, outa lei a qual esse ato se submeteria. Ele é considerado historicamente como o primeiro jurista a ter ligado 0 contrato a lei da escolha das partes, dando nascimento 20 ‘uso modemo do critério da autonomia da vontade. Mais proximo de nés, Mancini, o grande vulto da unificagao italiana ¢ insigne jurista, no fim do século XIX, também recorreu & autonomia da vontade como solucéo para mitigar o rigor da aplicacao sistemtica da lei nacional, que preconizara para resolver os contlitos de leis. ‘A nacionalidade das partes ou seu domicilio jé eram reconhecidos, desde a era romana, como elementos de conexio, de modo que seu uso nao representou inovacao no curso da Idade Média e da Renascenca. Tendo se iniciado no século XIX, o grande impulso a internacionaliza- fo das relagdes econdmicas cresceu e afirma-se até nossos dias. Sofreu fases ‘em que ocorreu um regresso a uma autarcizacdo, ainda que relativa, das econo- mias nacionais Paralelamente a esse movimento interacionalizante, comegaram a aparecer, cada vez mais, os problemas ligados a pratica dos contratos interna- cionais. Evoluiu-se para um corpo de doutrina, aceito quase que universalmente, fem que se trata de modo especifico da capacidade das partes, do contetido do ato juridico e de sua forma, como elementos basilares que so, na teoria geral dos contratos, em qualquer dos sistemas juridicos conhecidos, Noexame dos diferentes critérios aplicaveis para estabelecer a conexio entre um contrato e @ lei que o regeré, um problema se colocou antes dos de- mais: 60 de saber se, ao determinar a conexo, esta se fard com um ou mais sis- temas juridicos. Em outras palavras: 0 Contrato seré regido por uma ou mais leis? Qual o papel que af desempenha a vontade das partes? Capitulo II O Direito Aplicavel aos Contratos Internacionais Falar em direito aplicdvel & pensar em conflito de leis, no espaco ou no tempo. No Ambito do direito internacional privado, como no direito do comér- cio internacional, hé conflitos de leis no espago e conflitos espacio-temporais Estes sio casos excepcionais, e ndo serdo focalizados aqui Para resolver os conflitos de leis, ha que se utilizar os chamados ele- mentos de conexio, que sio indicios adotados pela lei ou determinados pelo uso, historicamente, para 0 efeito de ligar © contrato a determinado universo juridico. No sistema juridico brasileiro ha uma regra geral que, por muito tempo, dominou 0 panorama, e foi, pouco a pouco, erodida pelas excecdes. Vejamos, entdo, em primeiro lugar, a regra, e, a seguir, as excecdes. Antes, porém, exa- minemos 0 que séo 0s elementos de conexdo, ¢ quais se aplicam aos contratos internacionais. ‘A ELEMENTOS DE CONEXAO. Elementos de conexdo s4o aspectos de fato de uma relacdo juridica {que estabelecem uma ligagdo com o foro. Hé varios elementos de conexio. Os mais conhecidos so a nacionalidade das partes de um contrato, seu domicilio, sede ou residéncia, 0 local onde o contrato foi celebrado, ou aquele onde se fez a oferta ou deu-se a aceitagao da proposta, ou, ainda, o local onde a obrigacio principal deve cumprir-se, ou onde se encontra o bem objeto do contrato. Por vezes combina-se mais de um elemento de conexio. 1. Conceito, Fungo e Objetivo © conceito de elemento de conexio & determinado pelo ordenamento jurdico do foro. Isto porque quem decide conflito de leis (e, por extensao, aplica as regras de direito internacional privado) esté decidindo também qual o elemento de conexao que usaré. £ que este é 0 meio mais usado para a solucao dos conflitos de leis. a 34 Contratos Internacional ‘As normas sobre conflitos de leis sao fruto de concepgées desenvolvi- das no curso da hist6ria de cada pais. Elas sofrem a influéncia das instituigBes politicas, sociais e econémicas de cada povo, e sf0 concebidas de maneira a, quando postas em operacao, nao gerar solugdes que se choquem com a ordem paiblica daquele Estado. Dat por que as regras de conflitos de leis sdo de dificil harmonizacao e nificagdo, salvo em alguns aspectos particulares. Como jé se disse, essas regras coperam através do estabelecimento ou reconhecimento de um liame entre urna relacao juridica e um ordenamento jurfdico. © objetivo das regras de conflitos de leis é permitit que se aplique @ certas situagdes um direito estrangeiro, Sua fungdo é vincular a prética de determinado fato a um sistema juri- dico, o que permits aplicar as regras deste a situagao. 2. Momento da Utilizacéo Os elementos de conexio vao ser examinados ¢ utilizados pelo in- {éxprete ou juiz a0 encarar a questio, no momento que vai determinar a lei aplicdvel Aquela situac3o ou relacdo. Pode acorrer de serem utilizados apés 2 qualificagio ou superadas questbes preliminares. Uma vez escolhido ou detectado 0 elemento de conexio, o juiz ou intéxprete pode determinar a lei aplicavel, pois o elemento de conexao a atrai como um magneto atrai o ferro. Logo, é no momento da determinagao da lei aplicavel a0 objeto do estudo que se usam os elementos de conexio. Mas o seu emprego também deve ocorter na mente do redator, para que este possa saber se 0 conteiido do ato que elabora é compativel com o direito aplicdvel que, entio, € necessério determinar. Hé, assim, racionalmente, uma repeticao do iter, na mente do redator ena do juiz ou intérprete B ~ ELEMENTOS DE CONEXAO APLICAVEIS AOS CONTRATOS INTERNACIONAIS Sio varios 0s elementos de conexdo que, utilizados para localizar um contrato, permitem vinculé-lo a um sistema juridico. No Brasil, a regra do art. 9° da LIC’ utiliza o lugar de celebracao do contrato ou aquele de onde parte a oferta. 7 Decreto-Lel nt 4657/1942 — Lei de introdugao ao Céigo Civil © Direito Aplicével aos Contratos Internacionais 35 ‘QUADRO | ~ ELEMENTOS DE CONEXAO MAIS USUAIS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS. Hlementos de conexo mais usuais ‘A. Nacionalidade ou domiciio ‘Al) Nacionalidade das partes A2) Domictlio,residéncia (pessoa fsica), Sede ou Estabelacimento (pessoa juridica) Tocal | BI) Onde se encontra ou de onde se remeter o bem objeto do contrat, a eto do contato, ou se cumprié a 'B2) Fara onde se enviaréo bem, ou onde se cumprir a obrigngio principal 83) De onde sairé ou 6 origindrio o bem ou ted inf a i indo o be +8 infclo 0 cumprimento da obrigaglo prin- . Pagamento (Onde se faré © pagamento 'D.Moeda do pagamento | E Outros EY) Lingua do contrato £2) Foro escolhido peas partes £3) Le escolhida pelas pares (gra da autonomia da vontade) 1. Lugar de Celebragao de cones VBR 32 coneluséo do comtat ex foci contractus) é um dos trios fe conexdo mais antigos e teve grande popularidade. Foi ele o escolhido pela Lei de Introducéo a0 Gédigo Civil, que imp o seu uso como regra geral,sendo © lugar da execugdo a regra geral no que tange a forma das “ dendo de forma essencial.? ee eae ee eee ene venGao, O tema serd retomado mais adiante, me eects eeeeseeeeseeee 36 Contratos internacionais, Além do Brasil, onde prepondera sobre outros, a Austria e a Itslia ado~ taram este critério no passado, sempre que as partes nao tivessem feito a escolha ‘expressa de outta lei aplicdvel.? Batiffol, em sua tese,* jé fazia a critica a0 uso da lex loci contractus, lembrando, entre outrds aspectos, que cada pais pode impor o critério que qui ser para estabelecer qual serd 0 momento da concluséo do contrato. A conse- ‘quéncia ldgica dessa variedade € a necessidade de recorrer antes & lex fori para resolver a questio. [sso mantém o autor do contrato na dependéncia do tribunal competente para determinar a lei aplicavel ao contrato.? Lerebours-Pigeonniére,* visando a obviar os inconvenientes dessa si- tuac3o — pois mais de uma jurisdigo pode ser competente ~ props que, nos Contratos por correspondéncia, fosse aplicada a lei do pais da parte que estabe- lece as condigdes do contrato; mas a f6rmula s6 dé resposta a um niimero limi- tado de casos, sendo especialmente adequada aos contratos de adesdo. Hi duas premissas a levar em conta na aplicacio desse critério de co- nnexdo. A primeira € que a lei do lugar em que é firmado 0 contrato deve reco- inhecer o tipo de negécio objeto dele: assim, nao se podia celebrar contrato de ‘compra e venda com cliusula de reserva de dominio na Franca, antes que essa fosse admitida pela legislacgo daquele pats. Algumas convengGes também privilegiaram esse crtério de definigio da lei aplicdvel, aplicando-o a outros atos juridicos. A Convengao Interameri- cana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Cheques, de 1979,’ por exemplo, estabelece em seu art. 1® que a capacidade para obrigar-se por meio de cheque rege-se pela lei do lugar onde a obrigacao tiver sido contrafda. © Cédigo Bustamante" estabelece, no art. 164, que o conceito € classi- ficacdo das obrigagées subordinam-se a lei territorial. Além disso, a Convengo Interamericana sobre Regime Legal das Procuracdes para serem utilizadas no 3 WA, BASSO. Curso de Direito Internacional Prvad. So Faul6® Atlas, 2009; H. VALLADAO. Direta Internacional Privado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1973, v. 1; . BATIFFOL. Les Confit se Los en Matiére de Contrats. Paris Sitey, 1938. p. 93; & RABEL. The Confct of tas. 2. ed. Ann ‘arbor Uni of Michigan Law School, 1960, vp. 476. Na lili, o testo aque me refer era 0:60 fart 25 das Disposigdes Preliminares a0 Codice Civile; hoje, tanto alia como a Austria utiliza 2 Tei designada pela partes coma elemento de lcalizagdo do contrat SO HLBATIFFOL, Les confi, cit. p.3. 5 Determinagio ndo seja revesida de certeza absolut, © cis de Droit Internationa Priv. 9. ed, Pars: Dalloz, 1970, p. 655. ? ‘x Convenglo encontra-se em vigor no Basil, tendo sido aprovada pelo Decreto Legislaivo 1° 9, de 071021994 e promulgada pelo Decreto né 1240, de 15/09/1994 © "0 Cécigo Bustamante consiste na Convencio de Direito Internacional Privada dos Estados ‘Americanos de 1928, Foi promulgada no Brasil em 13/08/1928, pelo Decteton# 18.071. Na ver. dade, endo 0 Cédigo anterior 3 LICC brasileira, esta prevaleceré sobre aquele. No tocante & let fplicSvel para conceituar eclasificr as obrigagbes, contudo, © art. 164 do Cédigo Bustamante ‘do €confltante com 0 art. 9 da LICC brasil Q Direito Aplicivel aos Contratos Internacionais 37 exterior" de 1975, estabelece no seu art. 2 que, a nao ser que o outorgante opte pela lei do lugar de execugao, as formalidades e solenidades relativas 8 outorga de procuragdes que devam ser utlizadas no exterior ficardo sujeitas &s leis do Estado onde forem outorgadas. 1 NO passado, © melhor apoio a esta solucdo foi dado por Niboyet"® e Rabel." Eles ensinavam que a lex loci conclusionis remonta a Bartolo de Sasso- ferrato, e, a partir dele, foi usada pelos canonistas e glosadores do século XIlL ____ Otrajeto histérico desse elemento de conexao é importante para a ava- liagao de sua utilidade e de seu papel no direito modemno. © importante papel que as feiras desempenhavam na Idade Média é conhecido, Era af, que se celebravam os contratos de compra e venda, de cim- bio e outros, entre os mercadores de diversas origens (seria prematuro falar em nacionalidades) que af se reuniam, negécios que deram causa as aplicaces das regras de conilito de leis.” A solucao era correta nas condig&es da época, e serviu por muitos séculos. Porém, entre outros fatores de importancia, a tecnologia atual das co- municagées e a grande mobilidade dos negociantes trouxeram mudancas que invalidam, ao menos em parte, essas raz6es. Com efeito, desde o final do século XIX ou comego do século XX, os contratos intemacionais passaram a se fazer, cada vez mais, entre ausentes, por via postal, por telex, telefone, fax, e, depois, pela internet ou outro meio eletrénico, préticas essas cada vez mais difundidas que, se facilitam a vida dos homens de negécios, tornam mais dificil estabelecer ‘0 momento da celebragao e o local em que esta ocorreu. 2 Lugar de Execugio Eo critério de conexio adotado por outras legislacdes € n ee por gislagdes € no tratado de __ Seu corifeu na doutrina foi Savigny, que o introduziu no Reichsgericht, € cuja influéncia e presenca ainda hoje se fazem sentir na jurisprudéncia alem§, que adota a lex loci executionis como solucao para localizar 0 contrato, na au- séncia de manifestaco expressa das partes quanto & lei aplicivel AAlguns autores"* apontam para o fato de que lex loci conclusionis e lex loci executionis tém 0 mesmo peso na jurisprudéncia de diversos patses. Batiffol, ssa Convengo fol aprovada no Brasil pelo Decreta Legislative n® 4, de 0702/1994, pro- tun plo Det 1.21, de 07001954 © J.P. NIBOYET, Traité de Droit international Frivé Francais. 2. ed. t. V. Paris: Sirey 181.385; H. BATIFFOL. Les Confls, cit. p. 3, n? 48. ee ia RABEL The Conf ct 2.476 Aine eonta b ogem alex mera, desea one ra tec 2 par dos uss e costumes es mereatrum) dos comercates. Va propa, caso de |, STRENGER. Wt de ex Mercato in Or testa, RAD, 991 Ir. 27, p. 25 es BE RABEL The Confit ce pe a@375, RABEL The Conf ie, BATIFFOL Les Cons, ip. 75. Pease cece 38. Contratos Intemnacionais porém, era do parecer que a lex loci executionis deve preponderar, pois € stil em razio da maior importancia dada 8 execugdo do contrato, Mas 0 melhor argu- mento em favor da lex loci executionis € 0 de que o lugar da execugao de um contrato nunca é acidental ou fortuito e, como dizia Savigny, é para a execugio ‘que tende a vontade das partes. Hi, entretanto, abjegées & escolha do lugar da execuggo do contrato como elemento de conexao. A primeira € a de que, por vezes, ha mais de um lugar de execucao num contrato ~ 0 caso tipico € 0 do transporte: seré preciso, quando ha pluralidade de locais de execucao, estabelecer qual o principal de- les."* Outra objecdo contempla a hipétese dos contratos sinalagméticos, em que cada obrigaao se cumpre num pais diferente: compra e venda, em que a entre- ga da coisa e o pagamento do preco se dao nos pafses de cada uma das partes. Qual das prestagées é mais importante ou caracteriza a execucio? Em geral, a resposta varia, de pals para pats. A solugio alema foi o zwei Rechtsysteme: a aplicaclo de uma lei dife- rente para cada obrigacao e, consequenternente, submeter 0 contrato & dépeca- 4ge (esquartejamento), f6rmula esta prevista na Convencao de Roma, artigo 3.1; Convencio do México, art. 7.1; e Resolugao da Basiléia, do Institute of Interna- tional Law, at. 72. Essa fOrmula tem inconvenientes Sbvios e conduz a resultados ‘curiosos (0 que Nygh denomina de “balcanizagao""® do contrato), recordando a decisio de um tribunal alemao"” que submeteu 2 lei do comprador, € no & do vvendedor, a garantia pelo vicio oculto do bem objeto do contrato."* © meio de fugir a essas dificuldades seria procurar o lugar da obrigacao principal, ou da prestacio mais tipica do contrato. Restaria saber qual sera a obrigacao que sera considerada tipica, em cada contrato, pelo juiz que for competente.”” 3H. BATIFFOL. Les Confit, ct, p. 81-82 85. 1 RLNYGH, Reasonable Expectations ofPates in Choise of Law, Tome 251, The Hague/Boston! London, Martinus Nijhif Publishers, 1995, p. 323. "’BHG, 14/2/1958, in Rev. Critique, 1959, p. 542 . "= *Como regra ger 0 julz eve manter a unidede do contrato. Césmembra-lo- apenas excep Dallor, 1931, M36 1 G.VANHECKE. Problémes, cit, p. 45-46, » Segundo M. REIMANN, o conceto de proper aw of contrac fo formulado por DICEY em seu A Digest ofthe law of England with Reference to the Conflict flaw, com as primeiasifluén- Clas de SAVIGNY no sistema da common lav. M. REIMANN, Savigny’ Teumph? Choice of Law in Contac Cases atthe Close of the Twentieth Century, in Virgina Journal of International tw, n®3, 1999, v.39, p. 598, 2)" A FERRER CORREA. Novos Rumos para o iret interacional, in Revista de Direto Eco ‘oma, n® 2, Coimbra, jl/dez.-1978,p. 295-6 ated conttato que nfo for um contrato entre Estados como sujeitos de dieito internacional ‘em seu fundamen em uma lei nacional” (wadugio live} (CP, Série An 20/21, p. 41, e tame bhém DP, 1930, 245, Nota DecensiéreFerrendire ]. 1929, 97. 3° JF LALIVE. Contracts Between a State or State Agency and a Foreign Company ~ Theory and Practice: choice a aw ina new arbitation case, in International and Comparative Law Quarterly, 1966, v.13. p. 987-1.021 e p. 989-990. (OBireito Aplicdvel aos Contratos Internacionais 3 No entanto, parece que essas criticas eram infundadas, como afirmou Rigaux, concordando com a decisio transcrita,e dizendo que “a natureza prépria do direto internacional privado administrado pela jurisdicao estatal implica que ‘a Iei’escolhida pelas partes seja a lei de um Estado”, acrescentando mais que "todo ‘contrato internacional é necessariamente ligado & lei de um Estado". A liberdade de contratar, conforme Mann, € conferida, definida ¢ limi- tada pela lei.” Isso porque nos parece incontestavel, o que é jus dispositivum em determinado sistema juridico pode ser vetado em outro, porque a prépria nocéo de jus dispositivum decorre da existéncia de uma lei.” € esta que assegura (e li- rita) liberdade de contratar - garantindo a execucao do pactuado, embora néo se possa dizer que confira essa ou outra liberdade. Nao é por oultra razdo que, s0b diversas denominagGes, a doutrina da proper law, & qual adiante se retorna, tende a preponderar sobre outras.. € preciso, portanto, a esta altura, conceituar a autonomia da vontade, para que se compreenda o real alcance da expressao que aqui empregamos. ‘Além de conceitué-la, cumpre ver seus limites, onde é admitida como elemento de conexao. ‘A expressio “autonomia da vontade" apresenta-se com significados diferentes no direito interno e no internacional. Esta é uma liberdade relativa. Seus limites so os estabelecidos pelas normas imperativas. Afetam o conteddo do contrato. No direito interno, podemos recorrer & descricio que faz 0 Cédigo Civil portugués, art. 405: “7. Dentro dos limites da le, as partes tém a faculdade de fixarlivremente 0 conteddo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste cédligo ou incluir nestes as claisulas que thes aprouver’ 14 no direito internacional, o significado da expresso & outro. Contém, também, a liberdade para escolher a lei aplicével a0 contrato, ou seja, de loca- lizd-lo em determinado sistema juridico, dentro do qual terd lugar, novamente, Co recurso & autonomia da vontade - esta jé de direito intemo — para estabelecer © conteido do contrato.” 3% “Tradugio live de FRIGAUX. Cours General de Droit international Privé. Bruxelles: Larces, 1977-1979, p. 180 2 E-A.MANN. The Theoretical Approach Towards the Law Governing Contacts between States a Pate Persons, n Revue Belge ce Droit ineratonal, raves, v.11 (6), 9 564565 5" Evetdae, conto, que a prtca da épegage conduz existncia de um convatovincula- do a tants sistemas juriccos nacionais que chega ase asemelhado a um contato sem Ie, vez ‘ue se cra uma nova lel, com dspostves exridos de ordenamentos variados, especialmente gara agelecontato BS VERT 55:52, ©. STRENGER. Os Autonomia da Vontade em Dirt Internacional Privado Slo Paul: 7, 1968. Nio € 0 caso de examinar aqui a celeuma levantada pelos antiautono- Iistas no fim do séculopassado, a partir das obras de SROCHER (Cours de Droit International Privé, 1881) e VON BAR {Theorie und Praxis des InernaonalenPrivatecht 1868) de que fram seguidores, entre outos MACHADO VILLELLA e CUNHA GONGALVES, em Portugal BARTIN, NIBOYET, PILETe VALERY na Franga; FRANKENSTEIN, ITELLMAN e NEUMAYER na Aleman; ITA, 9a Holands; ANZILOTN, BETTI PACHIONNA na hi. Seameaaseneereeea “4 Contratos Internacionais Jean-Flavien Lalive examinou'® cinco possibilidades que se abrem, teo- ricamente, em relagao a lei que regerd a substancia de certo tipo de contratos intemnacionais: 1A)uma ou mais leis nacionais, seja a de uma das partes, seja a de um terceiro Estado (por exemplo, o do local da arbitragem); 2#)um sistema juridico sui generis, criado pelo contrato, o qual, segun- do esta teoria sera se-containing; 34}0 Direito Internacional Pablico; 490 diteito transnacional, ou a nova lex mercatoria, ou um outro nove sistema juridico qualquer; e 5%)uma combinagao de vérios desses métodos."* ‘A segunda hipétese" pode, desde logo, ser afastada, por uma razio irrefutavel de ordem l6gica: serd preciso que algum sistema juridico admita a possibilidade da existéncia de contratos sel/contained para que a hip6tese ocor- ra, Nesse caso, serd este o direito que regular a existéncia do contrato. A terceira hipétese aventada, discutida, entre outros, pelo prof. Mann, representa em tltima andlise uma escotha conflitual. Como ele mesmo afirma, “nada profbe que um contrato entre o Estado Alemao e uma firma holandesa seja submetido & le francesa. Similarmente,o fato de que uma parte nao seja um Estado nao previne a submissio do contrato ao direto internacional piblico’. E continua: “ols especialistas do Direito Internacional Pablico inclinam-se a negli- genciar 0 fato de que, sob as regras do Direito Internacional Privado, tum contrato contendo um elemento estrangeiro é governado pelo siste- ma juridico da ‘lex fori; e que & esta que torna a ‘proper law’ aplicdvel. A internacionaliza¢ao dos contratos passados pelos Estados 6, assim, fundamentada numa norma de Direito Internactonal Privado”” Ficam afastadas as hip6teses ~ salvo pela escolha expressa das partes, € se a lex fori o admitir — de aplicacao automatica do Direito Intemacional Pébli- 0, sob invocacao da autonomia da vontade. Quanto ao direito transnacional,trata-se de uma bela construcao te6ri- a, mas desaba, como as demais, pelas razSes atrés apontadas, na lex for. Eesta © Tratando de contratos em que uma parte & um Estado, V. LALIVE, Contracts Between a State, cit, p. 990. 21" EA. MANN. The Theoretical, cit, p. 564-565, (Que foi também proposta por A. VERDROSS, Quas-internatonal Agreements and Intrna- tional Economic Transactions in Yearbook of World Affairs, 1964, p, 230, que lmaginava um siste- sma juridico autocontdo, 9° EA MANN, The Theoretical cl, p. 564-56. 0 Direito Aplicdvel aos ContratosInternacionais 45 ue iria determinar se ha ou nao autonomia da vontade e qual o alcance desta, bem como admitiria, ou ndo, a aplicagao das normas que se convencionou cha- ‘mar transnacionais.“* Finalmente, a quinta hipétese descrita por Lalive fica reduzida & primei- 12: a escolha entre um dos direitos nacionais aplicdveis ao contrato. Se transpusermos esse raciocinio para os contratos em que nenhum Es- tado € parte, ou seja, contratos puramente de direito privado, vemos que a forca dos argumentos como que redobra, especialmente pelo fato de que, na érbita intemacional, 0 Estado tem uma liberdade, decorrente da soberania, de que as pessoas de direito privado nao dispdem, j4 que aquele pode (ao menos em tese) criar excegées & lei que aplica aos seus siditos, e que representariam situacdo privilegiada, Retornamos, assim, & férmula aventada pela Corte Permanente de Justi-

Você também pode gostar