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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

FACULDADE DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS NEOLATINAS
CURSO DE MESTRADO

CONFLITOS DISCURSIVOS EM TORNO DO PROGRAMA RIO


CRIANÇA GLOBAL E O ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA NO MUNÍCIPIO DO RIO DE JANEIRO

CRISTINA FERNANDES LOPES

Rio de Janeiro
2017
2

CONFLITOS DISCURSIVOS EM TORNO DO PROGRAMA RIO


CRIANÇA GLOBAL E O ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA NO MUNÍCIPIO DO RIO DE JANEIRO

CRISTINA FERNANDES LOPES

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da Universidade Federal do Rio de
Janeiro como quesito para a obtenção do Título
de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos - Opção: Língua
Espanhola).

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de


Andrade Júnior.

Rio de Janeiro
2017
3

CONFLITOS DISCURSIVOS EM TORNO DO PROGRAMA RIO CRIANÇA


GLOBAL E O ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO
MUNÍCIPIO DO RIO DE JANEIRO

Cristina Fernandes Lopes

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas


da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de
Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos - Opção: Língua
Espanhola).

Examinada por:

_________________________________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior (PPGLEN/ UFRJ)

_________________________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Danielle de Almeida Menezes (UFRJ)

_________________________________________________________________________
Prof. Dr. Leandro da Silva Gomes Cristovao (CEFET/RJ)

_________________________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold (PPGLEN/ UFRJ) - Suplente

________________________________________________________________________

Prof. Dr. Antonio Ferreira da Silva Júnior (PPRER - CEFET/RJ) - Suplente

Rio de Janeiro
2017
4

CIP- Catalogação na Publicação


5

A minha família, que me ensinou

o que é o amor incondicional.


6

IN MEMORIAM
A minha avó Véra, por sempre
acreditar na minha capacidade e
demonstrar seu orgulho por mim.
AGRADECIMENTOS
7

A Deus por iluminar o meu caminho, proteger minha família, atender às minhas
orações e me sustentar sempre.
A Antonio Andrade pela paciência, confiança e apoio. Obrigada, de coração, pelos
ensinamentos e por mostrar-me que as dificuldades podem ser a todo momento superadas.
A meu marido Fabio, aos meus filhos Bernardo, Luísa e Helena, aos meus pais
Domingos e Vera, ao meu irmão Ricardo, às minhas cunhadas Ângela e Ane e a minha
prima Pia pelo carinho, força, afago nos momentos difíceis e compreensão pela minha
ausência. Obrigada por aturarem meu mau-humor, minhas inquietações e impaciência.
Às minhas amigas do coração Ana Paula, Vivian, Renata e Edjane e aos meus
famliares pelo incentivo e pelo respeito aos meus momentos de estudo.
Aos professores Miguel Ángel Zamorano Heras, Maria Aurora Consuelo Alfaro
Lagorio e Leticia Rebollo Couto pelas provocações e motivações. Em especial, agradeço à
professora Ana Paula Beato-Canato pela ajuda, pelo tempo disponibilizado e,
principalmente, pelo carinho.
Aos meus amigos de mestrado Danielle Olivieri, Elíria Fugazza, Carol Gandra,
Carol Luques, Carol Ecard, Victor Gomes, Jefferson Evaristo, Larissa Arruda, Priscila
Marinho, Júlia Pelajo pelo apoio e colaboração. A minha amiga Patrícia Araújo Fernandes
pelo ombro amigo nas horas complicadas, pelas broncas, pelos elogios, por estar sempre ao
meu lado ofereço a minha eterna gratidão.
A todos os meus alunos e ex-alunos, que me são fonte de energia, inspiração e
estímulo para a pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da UFRJ, pelo apoio,
infraestrutura e qualidade, deixo meu muito obrigada.

RESUMO
8

CONFLITOS DISCURSIVOS EM TORNO DO PROGRAMA RIO CRIANÇA


GLOBAL E O ENSINO DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA NO
MUNÍCIPIO DO RIO DE JANEIRO

Cristina Fernandes Lopes

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Resumo da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em


Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos - Opção: Língua Espanhola).

Esta dissertação dedica-se à discussão das tensões e conflitos discursivos que


emergiram nas instâncias política e educacional quando da implementação do Decreto
Municipal nº 31.187, de 06/10/2009, o qual dispõe sobre o Programa Rio Criança Global,
destinado a ampliar o ensino da língua inglesa e, por consequência, reduzir o espaço do
idioma espanhol, prescrito como obrigatório pela Lei 2.939, de 24/11/1999, no âmbito da
educação municipal do Rio de Janeiro. Para tanto, utilizamos, principalmente, os estudos
realizados por Foucault (1984, 1999, 2003, 2008, 2013) e Bakhtin (2003, 2010) como
referencial teórico advindo da Análise do Discurso, assim como os estudos de
argumentação desenvolvidos por Fiorin (2016), Koch (2009, 2011), Koch e Elias (2016) e
Charaudeau (2008) para a análise dos enunciados dos seguintes corpora: (a) Decreto
Municipal nº 31.187, de 06/10/2009; (b) Circular E/SUBE/ n°17 da Secretaria Municipal
do Rio de Janeiro (SME-RJ); (c) carta da Associação de Professores do Estado do Rio de
Janeiro (APEERJ) à SME-RJ; e (d) entrevistas semiestruturadas com docentes de Espanhol
da SME-RJ. Os resultados das análises apontam, de um lado, para frequente mobilização
de estratégias argumentativas que revelam o posicionamento crítico marcado pela
consciência do processo de apagamento da pluralidade linguística nos enunciados da
APEERJ e, por outro lado, posicionamentos docentes que, embora tenham um caráter
crítico também, não conseguem construir argumentos que problematizem o dizer
naturalizado pelas formações ideológicas que legitimam o lugar do inglês como única
língua a ser ensinada na escola.

Palavras-chave: Discurso; Políticas Linguísticas; Políticas Públicas Educacionais; Ensino


de Línguas Estrangeiras.

RESUMEN
9

CONFLICTOS DISCURSIVOS EN TORNO DEL PROGRAMA RIO CRIANÇA


GLOBAL Y LA ENSEÑANZA DE ESPAÑOL COMO LENGUA EXTRANJERA EN
EL MUNICIPIO DE RÍO DE JANEIRO

Cristina Fernandes Lopes

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Resumen da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em


Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos - Opção: Língua Espanhola).

Esta investigación se dedica a la discusión de las tensiones y conflictos que


surgieron en las instancias política y educacional a la época de la implementación del
Decreto n° 31.187, de 06/10/2009, que dispone sobre el Programa Rio Criança Global,
que amplia la enseñanza de la lengua inglesa y, por consecuencia, reduce el espacio del
idioma español, prescrito como obligatorio por la Ley 2.939, de 24/11/1999, en el ámbito
de la educación municipal de Rio de Janeiro. Para tanto, utilizamos, principalmente, los
estudios realizados por Foucault (1984, 1999, 2003, 2008, 2013) y Bajtín (2003, 2010)
como referencial teórico proveniente del Análisis del Discurso, como también los estudios
de argumentación desarrollados por Fiorin (2016), Koch (2009, 2011), Koch e Elias (2016)
y Charaudeau (2008) para el análisis de los enunciados de los siguientes corpora: (a)
Decreto n° 31.187, de 06/10/2009; (b) Circular E/SUBE/ n°17 de la Secretaría Municipal
de Rio de Janeiro; (c) carta de la Asociación de Profesores de Español del Estado de Rio
de Janeiro (APEERJ) a la SME-RJ; y (d) entrevistas semiestruturadas con docentes de
Español de la SME-RJ. Los resultados de los análisis señalan, de un lado, para la frecuente
mobilización de estrategias argumentativas que revelan el posicionamiento crítico marcado
por la conciencia del proceso de silenciamiento de la pluralidad linguística en los
enunciados de APEERJ y, por otro lado, posicionamientos docentes que, aunque tengan un
carácter crítico también, no consiguen construir argumentos que problematicen el decir
naturalizado por las formaciones ideológicas que legitiman el lugar del inglés como única
lengua extranjera a ser enseñada en la escuela.

Palavras-chave: Discurso; Políticas Linguísticas; Políticas Públicas Educacionales;

Enseñanza de Lenguas Extranjeras.

ABSTRACT
10

DISCOURSE CONFLICTS ABOUT THE PROGRAM RIO GLOBAL CHILD AND


THE TEACHING OF SPANISH AS FOREIGN LANGUAGE IN THE CITY OF
RIO DE JANEIRO

Cristina Fernandes Lopes

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Abstract da dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em


Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos
requisitos necessários à obtenção título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos
Linguísticos Neolatinos - Opção: Língua Espanhola).

This dissertation concerns the discussion about the stress and discourse conflicts
that emerged on the political and educational levels after the implementation of the
Municipal Decree Nº 31,187 from 10/06/2009 that sets the Program Rio de Janeiro Global
Child (Programa Rio Criança Global), that aims to increase the teaching of the English
language, consequently reducing the teaching of the Spanish language, prescribed as
mandatory by the Law 2,939, of 11/24/1999, in the field of the municipal system of public
education.For the purposes of this research we use, mainly, the studies of Foucault (1984,
1999, 2003, 2008, 2013) and Bakhtin (2003, 2010) as theoretical references from the
Discourse Analysis as well as the studies about argumentation developed by Fiorin (2016),
Kock (2009, 2011), Koch and Elias (2016) and Charaudeau (2008), for the study of the
statements taken from the corpora: (a) Municipal Decree Nº 31,187 from 10/06/2009; (b)
Newsletter E/SUBE/ n°17; (c) letter from the APEERJ to the Municipal Department of
Education of Rio de Janeiro; and (d) semi-structured interviews with Spanish teachers at SME-
RJ.The results of the analyses point out, on one hand, to the frequent mobilization of
argumentative strategies that reveal the critical positioning marked by the awareness of the
fading of linguistic plurality in the APEERJ utterances and on the other hand, positions
that, although they also have a critical nature, they are not able to build arguments that
question the voice acclaimed by the ideological forces that legitimate the place of the
English as the only language to be taught at school and frequently use narrative resources
on the elaboration of their utterances.

Keywords: discourse, linguistic policies, public educational policies, foreign language


teaching.

SUMÁRIO
11

INTRODUÇÃO................................................................................................................. 13

CAPÍTULO I - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ..................................................... 19

1. Linguagem e Discurso ................................................................................................... 19


2. Controle Discursivo ....................................................................................................... 22
3. Poder Discursivo e Argumentação ................................................................................ 24

CAPÍTULO II - CONTEXTUALIZANDO A QUESTÃO ........................................ 29

1. O Programa Rio Criança Global ................................................................................... 29


2. O PRCG e suas Implicações Político-Linguísticas ....................................................... 32
2.1. O PRCG e as Políticas Educacionais Contemporâneas ......................................... 33
2.2. Política e Planejamento Linguísticos ..................................................................... 39
2.3. A Glotopolítica ...................................................................................................... 41
2.3.1. Ideologias Linguísticas ............................................................................... 43
2.3.1.1. A Hipercentralidade da Língua Inglesa ....................................... 45
2.3.1.2. Inglês: Língua Mundial ................................................................ 48
2.3.1.3. A Ideologia Pan-hispânica ............................................................ 49
3. A Memória do Ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil ........................................... 52
3.1. O Ensino da Língua Espanhola ..................................................................... 56

CAPÍTULO III - METODOLOGIA .......................................................................... 59

1. Monumentos e Arquivo ............................................................................................... 59


2. A Constituição do Arquivo ......................................................................................... 64

CAPÍTULO IV - ANÁLISE ........................................................................................ 67

1. O Decreto Municipal n° 31.187 .................................................................................... 69


2. A Circular E/SUBE/ n° 17 ............................................................................................ 77
3. A Carta da APEERJ ...................................................................................................... 81
12

4. As Entrevistas ............................................................................................................... 92

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 101

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 105

APÊNDICE ..................................................................................................................... 118

ANEXO I ......................................................................................................................... 120

ANEXO II ...................................................................................................................... 121

ANEXO III ...................................................................................................................... 129

ANEXO IV ...................................................................................................................... 130

ANEXO V ...................................................................................................................... 131

ANEXO VI ..................................................................................................................... 133

ANEXO VII .................................................................................................................... 135

ANEXO VIII .................................................................................................................. 138

ANEXO IX ..................................................................................................................... 149

ANEXO X ...................................................................................................................... 150

ANEXO XI ..................................................................................................................... 152

INTRODUÇÃO
13

A aprendizagem de uma língua estrangeira se configura como uma importante


ferramenta para a comunicação interpessoal, pois favorece, entre outros aspectos, as
relações culturais e econômicas em um mundo globalizado. Além disso, se trata de uma
oportunidade de confronto com a alteridade que contribui para uma melhor entendimento
de si, da própria língua e da própria cultura. A obrigatoriedade de seu ensino, decorrente
do seu valor na atualidade, é estabelecida pelo conjunto de ações políticas e de valores
socioculturais advindos da esfera governamental e de outros domínios sociais.
As ações políticas determinadas pelo poder público a respeito das línguas a serem
fomentadas, ensinadas ou eventualmente reprimidas e eliminadas constituem a área de
Políticas Linguísticas (LAGARES; SAVEDRA, 2012, p.15), campo de estudos que, dentre
outras coisas, se dedica à análise e discussão sobre o modo como o poder do Estado enceta
enunciados normativos que se materializam em documentos, leis, decretos e orientações
pedagógicas, próprios das esferas política, educacional e jurídica.
As questões referentes ao exercício do poder na produção de enunciados foi
amplamente discutida pelo francês Michel Foucault, filósofo que afirmou que todo sistema
educacional apresenta uma maneira de "governo" mantenedora e/ou modificadora da
apropriação dos discursos, com os saberes e poderes que lhe são intrínsecos (FOUCAULT,
2013a, p. 41), edificada através do processo de governamentalidade1. Em seu sentido
estrito, a governamentalidade designa os procedimentos e as táticas de poder que exercem
os governantes na condução da população para alcançar fins específicos e benefício
próprio. Vale destacar, contudo, que o poder não é exercido somente de cima para baixo,
visto que existem diversificadas práticas de governo, isto é, poder que não advém somente
de uma instituição que ocupa uma posição central, mas também de ações que estão

1
Segundo Foucault (2008) o conceito de governamentalidade caracteriza "o conjunto constituído pelas
instituições, procedimentos, análises e reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma
bastante específica, embora muito complexa de poder que tem por alvo principal a população, por principal
forma de saber a economia e por instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. Em segundo
lugar, por ‘governamentalidade’ entendo a tendência, a linha de força que, em todo Ocidente, não parou de
conduzir, e desde há muito, para a preeminência desse tipo de poder que podemos chamar ‘governo’ sobre
todos os outros –  soberania, disciplina  –  e que trouxe, por um lado, [e, por outro lado], o desenvolvimento
de toda uma série de saberes. Enfim, por ‘governamentalidade’, creio que se deveria entender o processo, ou
antes, o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade Média, que nos séculos XV e XVI se
tornou o Estado administrativo, viu-se pouco a pouco 'governamentalizado' " (FOUCAULT, 2008a, p. 143-
144).
14

distribuídas no tecido social (VEIGA-NETO, 2002), questão a ser desenvolvida ao longo


da investigação.
As decisões políticas referentes à promoção e ao ensino de uma língua estrangeira
documentoo Brasil, a ascensão do idioma espanhol se insere, principalmente, no promissor
contexto econômico e político da expansão das empresas espanholas em nosso país e da
criação do MERCOSUL a partir dos anos 1990. A nova relação estabelecida com os
hispanofalantes possibilitou a criação de um projeto de lei que tornasse o ensino de
espanhol obrigatório. Este projeto, elaborado em 1993, sofreu algumas modificações e
culminou na Lei nº 11.1612 de 05/08/2005, que foi revogada pela Medida Provisória n°
746/20163. A Lei obrigava a oferta do idioma espanhol e sua matrícula opcional no Ensino
Médio e facultava sua inclusão no ensino fundamental de 6° a 9° anos.
O incentivo ao ensino e aprendizagem da língua espanhola não se restringiu ao
âmbito federal. Em 1995, no contexto fluminense, surge a Lei Estadual nº 2.4474 e, em
1999, a Lei Ordinária Municipal nº 2.939 5. Ambas instituem a obrigatoriedade do idioma
espanhol na grade curricular e estão em vigor. No entanto, dez anos após a Lei nº 2.939 e
com base em um novo contexto econômico, político e social, é promulgado o Decreto nº
31.187, de 06/10/20096, o qual dispõe sobre o Programa Rio Criança Global (PRCG), que
amplia o ensino de inglês para todas as séries do ensino fundamental e que, por
consequência, reduz drasticamente o espaço dado ao ensino da língua espanhola.
Essas políticas de planejamento linguístico implementadas de maneira autoritária,
produziram distintos impactos sobre os setores por elas afetados diretamente. A Lei nº
2.939 obriga o ensino de espanhol, porém, na prática se pôde observar, de 1999 a 2009, a
coexistência na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro das línguas espanhola, francesa
e inglesa. Entretanto, após a implementação do Decreto nº 31.187, verificou-se a retirada
do espanhol e do francês da matriz curricular acarretando a subutilização dos docentes das
línguas mencionadas e o surgimento de discursos de reação à atual política de ensino de
línguas municipal.

2
O texto completo da Lei 11.161 está no Anexo 01.

3
O texto completo da Medida Provisória 746 se encontra no Anexo 02.

4
Vide texto completo da Lei Estadual 2.447 no Anexo 03.

5
A íntegra do texto da Lei Ordinária Municipal nº 2.939 está no Anexo 04.

6
Vide texto completo do Decreto 31.187 no Anexo 05.
15

Diante do exposto, realizaremos uma análise discursiva dos enunciados do Decreto


nº 31.187/09, assim como da Circular E/SUBE/ n°17 7, que "ratifica" suas prescrições, e
dos enunciados dos professores de espanhol da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro
e da Associação de Professores de Espanhol do Rio de Janeiro (APEERJ) - por serem o
órgão máximo de representação da categoria no Estado do Rio de Janeiro - que emergiram
nas instâncias política e educacional em relação à vigente política linguística estabelecida
pela atual gestão do Município do Rio de Janeiro. Nesse sentido, considerando que os
documentos jurídicos regulamentam as práticas educacionais através de enunciados que
manifestam as ideologias linguísticas8 da instância governamental, nos perguntamos: como
se posicionam os professores de espanhol do município do Rio de Janeiro e a APEERJ
acerca do apagamento dado ao ensino desse idioma nas escolas da Secretaria Municipal do
Rio de Janeiro (SME-RJ) como consequência da implementação do PRCG?
O objetivo central desta investigação, inserida na linha de pesquisa Identidade,
cognição e ensino nas línguas neolatinas do Programa de Pós-Graduação em Letras
Neolatinas da UFRJ, é entender quais mecanismos sociodiscursivos conduzem à escolha
das línguas a serem ensinadas nas escolas públicas da educação básica, através da análise
dos enunciados político-educacionais de promoção, defesa ou de apagamento das línguas
estrangeiras, em especial da língua espanhola, com a finalidade de compreender as
ideologias linguísticas que subjazem tanto aos discursos governamentais como aos dos
professores de espanhol em atuação neste contexto.
Os objetivos específicos da pesquisa proposta, realizada sob a ótica da análise do
discurso, são: (a) examinar a relação do Decreto nº 31.187/99 com outros documentos
oficiais dirigidos aos anos finais do ensino fundamental sobre a língua estrangeira como
componente curricular, em especial a Circular E/SUBE/ n°17; (b) investigar a relação
existente entre o contexto socioeconômico e as políticas linguísticas adotadas na atual
gestão municipal do Rio de Janeiro; (c) identificar as causas e consequências, diretas e
indiretas, do cumprimento do PRCG no Município do Rio de Janeiro; e (d) analisar os

7
Vide texto completo da Circular E/SUBE/n°17 no Anexo 06.

8
Ideologias linguísticas são sistemas de ideias que articulam noções da linguagem, as línguas, a fala e/ou a
comunicação com formações culturais, políticas e/ou sociais específicas. As ideologias se associam às
práticas e às ideias naturalizadoras e normalizadoras de uma ordem extralinguística que legitimam um tipo
determinado de saber que serve de suporte para o exercício do poder e autoridade (DEL VALLE, 2007, p.20-
22)
16

enunciados dos docentes de espanhol, tanto da SME-RJ quanto os da diretoria da APEERJ,


sobre a atual política linguística municipal.
Percorreremos, também, ainda que, de maneira breve, a história política e
econômica mundial para explicar os status linguísticos, em especial, das línguas inglesa e
espanhola no cenário internacional (DEL VALLE, 2007; HARDT e NEGRI, 2005, 2010;
MOITA LOPES, 2008) e os discursos neoliberais que envolvem o processo de ensino e
promoção de uma língua estrangeira (GARCIA, 2010). No âmbito nacional, dialogaremos
com os estudos acadêmicos que fazem referência à memória discursiva sobre o ensino da
língua espanhola. Vale destacar que grande parte dos trabalhos recentes analisam a Lei
11.161 de 05 de agosto de 2005, a qual dispunha sobre a oferta obrigatória do ensino de
espanhol, porém, de matrícula facultativa para o aluno, no currículo do ensino médio. Tais
estudos focalizam as polêmicas e os desafios que envolviam a implementação dessa lei.
(DAHER, 2006; FANJUL, 2011; FREITAS, 2010, 2011; GONZÁLEZ, 2008, 2011;
PARAQUETT, 2009; RODRIGUES, 2010; VARGENS, 2012). Ressalte-se que a pesquisa
de Rodrigues (2010) não apenas retoma a questão da memória discursiva acerca do ensino
de línguas no Brasil, mas realiza a análise da Lei 11.161 sob uma nova ótica. Segundo ela,
as leis seriam acontecimentos discursivos, pois interrompem uma regularização, deslocam
os sentidos da memória discursiva constituída e provocam a produção de novos/outros
discursos, diferentes dos anteriores - ponto de vista essencial para esta pesquisa ancorada
na análise do discurso de linha francesa.
Para a realização da análise, partimos do pressuposto de que o discurso deve ser
compreendido através da associação íntima entre a organização textual e a situação de
comunicação (MAINGUENEAU, 2008, p.12), sendo assim, primeiramente, aplicaremos os
princípios teóricos e procedimentos de análise advindos dos estudos do discurso da
corrente francesa (BAKHTIN, 2003, 2010; FOUCAULT, 1984, 1999, 2003, 2008, 2013;
MAINGUENEAU, 2008; ORLANDI, 1990, 1998, 2013) na análise dos corpora
constituídos pelo Decreto nº 31.187, pela Circular E/SUBE/ n°17, pela carta9 redigida e
protocolada à SME-RJ pela APEERJ e pelas entrevistas10 semiestruturadas que servirão
como instrumento de geração e coleta de dados sobre o posicionamento dos professores de
espanhol da SME-RJ frente à atual política linguística adotada no Município do Rio de
Janeiro. Em segundo lugar, considerando que a interação social se caracteriza pela
9
O texto completo da carta da APEERJ se encontra no Anexo 07.

10
A íntegra das entrevistas está no Anexo 08.
17

argumentatividade, verificaremos os mecanismos argumentativos presentes nos corpora


que foram utilizados como recursos linguísticos que buscam a adesão dos sujeitos
(CHARAUDEAU, 2008, FIORIN, 2016; KOCH, 2011; KOCH e ELIAS, 2016).
Outra questão relevante para nossa investigação são os estudos referentes às
ideologias linguísticas em tempos de globalização11 e de sua estreita relação com a
concepção da língua como produto mercadológico (COX e ASSIS-PETERSON, 2007;
FANJUL, 2011; LAGARES, 2009, 2010, 2013; LAGARES E SAVEDRA, 2012, MAR-
MOLINERO, 2013; MORENO CABRERA, 2008, 2015; PENNYCOOK, 1994; ORTIZ,
2004).
Na construção de nossa hipótese de pesquisa partimos da seguinte constatação: nos
últimos anos a política linguística adotada pela SME-RJ tem valorizado um único idioma e
descartado a pluralidade linguística e cultural. Prevemos, desse modo, que os discursos
governamentais refletirão uma normatização das práticas sociais, fruto da ideologia
consensual12 contemporânea que legitima a soberania da Língua Inglesa em termos globais,
capitaneada por razões econômicas. Supomos, da mesma forma, que nos discursos dos
professores de espanhol se materializará a crença de um legítimo movimento de resistência
às prescrições do Decreto nº 31.187/09, o qual se dará simultaneamente à reprodução dos
discursos mercadológicos de defesa de uma língua já naturalizados pelo senso comum em
nossa sociedade. Sendo assim, acreditamos que não encontraremos, nos enunciados dos
docentes de língua espanhola, posicionamentos que refutem a implementação da Lei
2.939/99, a qual obriga o ensino de espanhol, mas apenas o Decreto nº 31.187, revelando,
assim, a ausência de uma consciência político-linguística que valorize o ensino plural de
línguas estrangeiras e não se restrinja às línguas "internacionais", mais especificamente ao
par hegemônico inglês /espanhol. Ou seja, é provável que a maioria dos docentes de língua
espanhola argumentem sobre a arbitrariedade do Decreto nº 31.187 em promover o ensino
da língua inglesa em detrimento do espanhol, não identificando que a Lei 2.939 possui,
exatamente, o mesmo caráter excludente.

11
Segundo Delors, a globalização pode ser entendida como “um movimento em que todas as economias do
mundo se tornaram dependentes dos movimentos de um conjunto mais ou menos importante de capitais,
transitando rapidamente de um lugar para outro” (DELORS, 2000, p. 37).
12
Segundo Spolsky e Shohamy, as crenças levam à constiuição de uma “ideologia consensual”, o que pode
levar à atribuição de valor positvo e prestígio a uma língua e a determinados usos linguísticos (Apud SILVA,
2014, p. 04).
18

Acreditamos que ao analisarmos academicamente as formações discursivas13


relativas ao ensino de línguas estrangeiras, em nosso contexto, ajudamos a refletir e a
construir um novo ponto de vista sobre a questão, auxiliando no processo de desconstrução
do regime de verdades14, conceito proposto por Foucault no livro A ordem do discurso
(2013a), instaurado e naturalizado no imaginário social contemporâneo no que tange à
seleção de línguas e à organização curricular 15 da disciplina de língua estrangeira no
cenário da educação pública.

I FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa,

13
De acordo com Foucault (2008b, p 43), "No caso em que se puder descrever, entre um certo número de
enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os objetos, os tipos de enunciação, os
conceitos, as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata de uma formação discursiva"
(FOUCAULT, 2008b , p. 43).
14
Segundo Foucault, a verdade, ou melhor, a vontade de verdade, é um regime instituído por um processo
coercitivo, mas também produtivo, existente na relação saber e poder. Portanto, há em todo enunciado uma
“vontade de verdade”, fato que, pela oposição verdadeiro e falso, legitima uma única como verdadeira
(FOUCAULT, 2013).
15
Segundo Lopes e Macedo, as disciplinas que organizam um currículo "são construções sociais que
atendem a determinadas finalidades da educação e, por isso, reúnem sujeitos em determinados territórios,
sustentam e são sustentadas por relações de poder que produzem saberes” (LOPES e MACEDO, 2011, p.
121).
19

e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou refletir.


(FOUCAULT, 1984b, p.13)

Neste primeiro capítulo serão apresentados alguns conceitos do dispositivo teórico


que norteia toda esta investigação, tal como concebe a Análise do Discurso, doravante AD,
com a finalidade de compreender os mecanismos de produção de sentidos que envolvem os
discursos a serem analisados sobre a seleção das línguas estrangeiras (LE) a serem
ensinadas no ensino fundamental da rede municipal do Rio de Janeiro.
Cabe ressaltar que as teorias que fundamentam esta investigação não foram
limitadas a um único capítulo. Com a finalidade de contribuir para a compreensão de tais
noções, optamos por mobilizá-las de acordo com as necessidades que forem surgindo no
decorrer da análise. Deste modo, neste capítulo, serão apresentadas as concepções de
linguagem, discurso e formação discursiva. Ademais, refletiremos sobre a correlação
existente entre as formações discursivas e as relações de saber e poder que envolvem sua
produção.

1. Linguagem e Discurso

A interação é uma característica constitutiva do ser humano e para vivermos em


uma sociedade utilizamos a linguagem para comunicar, expressar, formar e redefinir
identidades, expressar posicionamentos, afetos, agir no mundo, dialogar e reagir à
alteridade. Portanto, a linguagem é considerada o "fenômeno social da interação verbal,
realizada através da enunciação ou das enunciações" (BAKHTIN, 2010, p. 127), produto
da interação entre indivíduos socialmente organizados (BAKHTIN, 2010, p. 116).
A enunciação é um acontecimento marcado verbalmente por enunciados
(MAINGUENEAU, 2008, p. 56) que são formados a partir de práticas discursivas e não
discursivas determinadas no tempo e no espaço que possibilitam as condições de seu
aparecimento (FOUCAULT, 2008a, p. 133). Para Foucault, enunciado é:

[...] sempre um acontecimento que nem a língua nem o sentido podem


esgotar inteiramente. Trata-se de um acontecimento estranho, por certo:
inicialmente porque está ligado, de um lado, a um gesto de escrita ou à
articulação de uma palavra, mas por outro, abre para si mesmo uma
20

existência remanescente no campo da memória, ou na materialidade dos


manuscritos, dos livros e de qualquer forma de registro; em seguida,
porque é único como todo acontecimento, mas está aberto à repetição, à
transformação, à reativação; finalmente, porque está ligado não apenas a
situações que o provocam, e a consequências por ele ocasionadas, mas,
ao mesmo tempo, e segundo uma modalidade inteiramente diferente, a
enunciados que o precedem e o seguem. (FOUCAULT, 2008a, p. 31- 32).

Em outras palavras, enunciado "é uma proposição ou uma frase considerada desde
o ponto de vista de suas condições de existência" (CASTRO, 2009, p.136), ou seja, é uma
prática social, um acontecimento que não se resume à estreita relação entre significante e
significado, senão ao modo como os signos se articulam em seu meio em um determinado
momento histórico, político, econômico e social.
O conjunto de enunciados, desde que apoiados em uma mesma formação
discursiva, é denominado por Foucault como discurso16. A expressão formação discursiva
(FD) foi utilizada pelo filósofo para referir-se ao conjunto de elementos que não possuem
uma origem comum, um a priori histórico, mas que estão conectados, apesar da dispersão,
por regras de formação, por condições que possibilitam seu aparecimento em uma
determinada época. Nas palavras de Foucault:

No caso em que se puder descrever, entre um certo número de


enunciados, semelhante sistema de dispersão, e no caso em que entre os
objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, se
puder definir uma regularidade (uma ordem, correlações, posições e
funcionamentos, transformações), diremos, por convenção, que se trata
de uma formação discursiva (FOUCAULT, 2008a , p. 43).
A noção de formação discursiva é igualmente importante na obra de Michel
Pêcheux, que afirma que:

O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma preposição, etc.,


não existe em si mesmo, isto é, em sua relação transparente com a
literalidade do significante, mas ao contrário é determinada pelas
posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no
qual as palavras, expressões e proposições são produzidas. Poderíamos
resumir esta tese dizendo: as palavras, expressões, proposições, etc.,
mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as
empregam, o que quer dizer que elas adquirem sentido em referência a

16
Segundo Foucault, discurso é "um conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma
formação discursiva; ele não forma uma unidade retórica ou formal, indefinidamente repetível e cujo
aparecimento ou utilização poderíamos assinalar (e explicar, se for o caso) na história; é constituído de um
número limitado de enunciados para os quais podemos definir um conjunto de condições de existência"
(FOUCAULT, 2008a, p. 132-133).
21

essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas (...) nas


quais essas posições se inscrevem. Chamaremos, então, formações
discursivas aquilo que, em uma formação ideológica dada, isto é, a partir
de uma posição dada em uma conjuntura dada, determinada pelo estado
de luta de classes, determina o que pode e deve ser dito (articulado sob a
forma de uma alocução, de um sermão, de um panfleto, de uma
exposição, de um programa, etc.) (PÊCHEUX, 1988, p. 160).

Adotamos, contudo, a perspectiva foucaultiana por compreendermos as FDs não em


termos ideológicos, senão em termos de saberes, poderes e regularidades que não estão
ligadas por um a priori histórico. A preocupação de Foucault não é descobrir se o discurso
é verdadeiro ou não, senão observar num dado momento histórico como se produzem os
efeitos de verdade dentro do discurso (FOUCAULT, 1984a, p. 07), os quais configuram
determinadas formas de subjetividade e modos de entender o mundo (GARCIA, 2010b, p.
233). Dessa forma, o discurso reflete uma história de práticas, e não de ideologias
(CASTRO, 2009, p. 223).
De acordo com o filósofo, uma prática discursiva é:

Um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no


tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma
determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as
condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 2008b, p.
133).

Esta investigação está centrada nas formações discursivas referentes ao ensino e


aprendizagem de línguas estrangeiras e o objetivo é analisar, estabelecer e descrever as
relações que os discursos políticos mantêm com outros discursos que pertencem aos
campos econômico, pedagógico e institucional. Para tanto, precisamos ir além dos escritos,
devemos considerar as práticas não discursivas na análise, isto é, faz-se necessário refletir
sobre as relações de poder que silenciam ou promovem o surgimento dos discursos. Em
outras palavras, o objeto de análise passa a ser o dispositivo, isto é, as práticas discursivas
e não discursivas instauradas pelas relações de poder e pelas condições de possibilidade
para a formação dos saberes (CASTRO, 2009, p. 337).
De acordo com Foucault, um saber pode ser definido como um:

[...] conjunto de elementos, formados de maneira regular por uma prática


discursiva e indispensáveis à constituição de uma ciência, apesar de não
se destinarem necessariamente a lhe dar lugar, pode-se chamar saber. Um
saber é aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva que se
encontra assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes
22

objetos que irão adquirir ou não um status científico; [...] um saber é,


também, o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos
objetos de que se ocupa em seu discurso; [...] um saber é também o
campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os
conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam; [...]
finalmente, um saber se define por possibilidades de utilização e de
apropriação oferecidas pelo discurso (FOUCAULT, 2008b, p.204)

Cabe ressaltar que os saberes são, concomitantemente, frutos das relações de poder,
"como as necessidades de governo da população ou da natureza da Modernidade e
instituem relações de poder na medida em que autorizam determinados grupos e seus
saberes e excluem outros" (GARCIA, 2010b, p. 233).
Dito isto, nas palavras de Foucault, o objetivo de analisar o discurso como
dispositivo é:

[...] mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou


de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um
léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos
precisos, que, analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os
laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se
um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. [...] não mais tratar
os discursos como conjunto de signos (elementos significantes que
remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que
formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os
discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses
signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua
e ao ato da fala. É esse "mais" que é preciso fazer aparecer e que é
preciso descrever. (FOUCAULT, 2008a, p. 54 -55)

2. Controle Discursivo

As reflexões foucaultianas a respeito do discurso são muito complexas e analisá-lo


sob outra forma que não seja pela perspectiva do dispositivo seria um tanto simplista para
esta investigação. Na conferência A Ordem do Discurso (2013a), o filósofo afirma que o
discurso é revestido de poderes e perigos e as condições de seu aparecimento estão
submetidas às relações de poder entre os indivíduos. Na obra Microfísica do Poder (1984),
Foucault estabelece que o poder se exerce através de dispositivos que podem ser
compreendidos, segundo o autor, como um conjunto heterogêneo que abarca discursos,
instituições, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos,
proposições filosóficas, morais, etc., isto é, uma série de práticas discursivas e não
23

discursivas que normatizam, controlam, estabelecem verdades e buscam assujeitar os


indivíduos.
Segundo Foucault (2013a), os procedimentos de assujeitamento ocorrem através do
controle discursivo, uma vez que os discursos são governados e delimitados por formas
internas e externas de poder e repressão que não nos dão o direito de dizer tudo, tampouco
falar de tudo em qualquer circunstância e muito menos que qualquer um possa falar de
qualquer coisa, pois os discursos, em nossa sociedade, são controlados, selecionados,
organizados e redistribuídos por procedimentos que, através da dicotomia do verdadeiro e
falso, estabelecem um regime de verdade, que está subjacente às práticas de uma sociedade
em um determinado tempo e espaço. Portanto, a verdade é assim entendida como uma
configuração histórica: "não há uma verdade, mas vontades de verdade que se transformam
de acordo com as contingências históricas" (GREGOLIN, 2016, p. 3217). Nas palavras de
Foucault:

A verdade é deste mundo; ela é produzida nele graças a coerções


múltiplas. E ela possui no mundo efeitos regrados de poder. Cada
sociedade tem seu regime de verdade , sua "política geral" de verdade:
isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz funcionar como
verdadeiros; os mecanismos e as instâncias que permitem distinguir os
enunciados verdadeiros dos falsos, a maneira como se sanciona uns e
outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para a
obtenção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de dizer o
que funciona como verdadeiro (FOUCAULT, 1984, p.12).

Para o autor, o discurso estabelecido como verdadeiro manifesta um saber - fruto de


uma prática discursiva regular -, bem como relações de poder, pois além de ser submetido
a mecanismos, instâncias, técnicas e procedimentos de controle, também confere ao sujeito
da enunciação a legitimação de sua vontade de verdade através da exclusão de todos os
outros discursos que buscam contornar e recolocar os saberes já ratificados como verdades
pela sociedade. É por isso que Foucault chega a afirmar que "o discurso não é
simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo porque,
pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar" (FOUCAULT, 2013a, p.10).
No que tange às formas de controle internas do discurso, destacamos o comentário
como um dos procedimentos que se autodelimitam. Segundo Foucault, os discursos não
são acontecimentos oriundos do acaso, senão comentários, ou seja, são a reaparição,
palavra por palavra, do que eles comentam (FOUCAULT, 2013a), isto é, são a repetição
dos discursos já ditos. Segundo Orlandi (2013), esse processo, denominado como
24

parafrástico, representa o retorno aos mesmos espaços do dizer, ainda que produzidos com
diferentes formulações. O comentário estaria na ordem da estabilização dos dizeres, ou
seja, na reprodução e manutenção das "verdades" já antes estabelecidas pelo grupo social.
Estas considerações são de grande relevância para esta investigação, uma vez que
analisaremos enunciados referentes à seleção das línguas estrangeiras que devem ser
promovidas e ensinadas nas escolas da rede municipal do Rio de Janeiro, em especial a
Língua Espanhola. Entendemos que tais enunciados se produzem parafrasticamente e
materializam um conjunto de pensamentos provenientes das relações de poder entre
sujeitos constituídos historicamente que defendem a legitimação de suas ideias, de suas
vontades de verdade de acordo com seus interesses.

3. Poder Discursivo e Argumentação

Segundo Orlandi, as relações hierarquizadas que constituem a nossa sociedade


estabelecem as relações de força entre os discursos, isto é, "o lugar a partir do qual fala o
sujeito é constitutivo do que ele diz" (ORLANDI, 2013, p. 39). Ao refletirmos sobre isso,
compreendemos que, no que diz respeito ao ensino de línguas estrangeiras, o agir docente
está submetido às prescrições advindas de uma instância superior que lhe confere
legitimidade e "garantia de obediência". Entendemos que ordens superiores devem ser
cumpridas, caso contrário penas previstas em lei podem ser aplicadas. Entretanto, isso não
significa que todos os sujeitos envolvidos no processo concordem com as imposições que
lhes são feitas, e o ato de refutar lhes é lícito, pois, de acordo com Fiorin, baseado nos
ensinamentos de Córax, considerado um dos criadores da retórica 17, "todo discurso pode
ser invertido por outro discurso, tudo o que é feito por palavras pode ser desfeito por elas, a
um discurso opõe-se um contradiscurso" (FIORIN, 2016, p. 22). Dessa forma, o poder do
discurso não está centrado somente em quem fala e para quem fala, mas como se fala,
como as palavras estão sendo utilizadas para persuadir, isto é, para convencer ou comover
alguém a fazer alguma coisa através de argumentos que legitimem uma determinada tese
(FIORIN, 2016). Tese que simboliza uma determinada "verdade", um saber que se
encontra na ordem "do verdadeiro", isto é, um saber que não manifesta uma verdade
absoluta, senão a "verdade" da época em que foi enunciado e que está apoiado sobre um
17
Segundo Fiorin, "a retórica é, sem dúvida nenhuma, a disciplina que, na história do Ocidente, deu início
aos estudos do discurso. Tira ela seu nome do grego rhéseis, que quer dizer 'ação de falar', donde 'discurso'.
Rhetoriké é a arte da oratória, de convencer pelo discurso" (FIORIN, 2016, p. 22).
25

suporte institucional que o valoriza, o distribui, o reparte e o aplica em uma sociedade


exercendo sobre os outros discursos "uma espécie de pressão e como que um poder de
coerção" (FOUCAULT, 2013a, p.17).
Baseando-nos nessas ideias relacionadas à tensão entre poder e discurso, é
importante iniciarmos uma discussão sobre a argumentação como uma atividade discursiva
fundamental para que, de acordo com Fiorin (2016), as questões da vida cotidiana não
sejam resolvidas pela força bruta, mas pela força das palavras utilizadas para persuadir os
outros a fazer algo, ou seja, pela força argumentativa.
Segundo Koch, a argumentatividade é a característica de uma interação social
intermediada pela língua - atributo exclusivo do ser humano que a utiliza sempre com
intenções que buscam "influir sobre o comportamento do outro ou fazer com que
compartilhe determinadas de suas opiniões" (KOCH, 2011, p. 17).
De acordo com Charaudeau (2008), para influenciar o interlocutor por meio de
argumentos faz-se necessária uma apresentação e organização de ideias e estruturação do
raciocínio para que o locutor possa defender sua tese ou ponto de vista. Para tanto, um
discurso argumentativo precisa de uma proposta que provoque em alguém um
questionamento quanto a sua legitimidade; um sujeito que desenvolva um raciocínio na
tentativa de estabelecer uma verdade a tal proposta; e um outro sujeito que se constitua no
alvo da argumentação, ou seja, "trata-se da pessoa a que se dirige o sujeito que argumenta,
na esperança de conduzi-la a compartilhar da mesma verdade (persuasão), sabendo que ela
pode aceitar (ficar a favor) ou refutar (ficar contra) a argumentação" (CHARADEUAU,
2008, p. 205).
Fiorin afirma que a argumentatividade é intrínseca à linguagem humana e, por esta
razão, todos os discursos são argumentativos (FIORIN, 2016, p.15). Esta asserção se
fundamenta na teoria bakhtiniana do dialogismo e no desejo que um enunciador possui de
aceitação de seus enunciados.
O dialogismo, segundo Bakhtin, é uma propriedade da língua, "em sua totalidade
concreta, viva, em seu uso real" (BAKHTIN, 2010, p. 129). Todos os enunciados são
considerados dialógicos porque estão sempre atravessados pela voz do outro. Sendo assim,
"toda palavra dialoga com outras palavras, constitui-se a partir de outras palavras, está
rodeada de outras palavras" (FIORIN, 2008, p.19). De acordo com Authier-Revuz, os
discursos são "habitados", "ocupados" pelo discurso do outro (AUTHIER-REVUZ, 1990,
25-27), isto é, se constituem pelos fragmentos dispersos de outros discursos que o
26

atravessam e lhe atribuem um caráter heterogêneo. Cabe ressaltar que sendo o discurso
heterogêneo, podemos dizer que o sujeito também o é, uma vez que "atrás da linearidade
'da emissão de uma única voz', se faz ouvir uma 'polifonia' [...] o discurso é
constitutivamente atravessado pelo discurso do Outro" (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 69).
Como dito no parágrafo anterior, todo discurso é dialógico, pois é direcionado pela
memória discursiva, também chamada interdiscurso18 (ORLANDI, 2013, p. 31), pelos
vestígios do "já dito", pela articulação de múltiplas vozes sociais. Além disso, todo
discurso é orientado para a resposta. Em um ato comunicativo, os enunciados estabelecem
relações de sentido entre sujeitos que igualmente desempenham um papel ativo em uma
interação, pois a atividade de enunciação permite que o enunciador ressignifique o sentido
do dito e coenunciador assuma sobre o discurso uma postura ativa de resposta. A
assimilação dos discursos alheios ocorre de diferentes maneiras, pois sempre haverá
posicionamentos em concordância ou discordância, complementação e adaptação em
relação ao já-dito, pois, a palavra se constitui em um espaço de discussão, uma arena de
luta onde os valores sociais e ideológicos, materializados nas vozes dos sujeitos, se
entrecruzam e se confrontam para a produção de sentidos em um lugar e momento
determinados historicamente. De acordo com Bakthin:

O enunciado está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais
está vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal. O
enunciado deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados
anteriores dentro de uma dada esfera: refuta-os, confirma-os, completa-os,
baseia-se neles, supõe-nos conhecidos e, de um modo ou de outro, conta com
eles (BAKHTIN, 2003, p. 316).

Sendo assim, podemos concluir que o conceito de dialogismo pressupõe a ideia de


que todo discurso é argumentativo, uma vez que o discurso se caracteriza pela "tomada de
posição contra outra posição" (FIORIN, 2016, p. 29). Nas palavras de Fiorin:

Na medida em que um discurso é sempre um discurso sobre outro discurso,


todos os discursos são argumentativos, pois todos eles fazem parte de uma
controvérsia, refutando, apoiando, contestando, sustentando, contradizendo um
dado posicionamento. Todos os discursos são argumentativos, pois são uma
ação responsiva a outro discurso (FIORIN, 2016, p. 29).

18
Retomaremos o conceito de interdiscurso em outro momento mais específico.
27

De maneira análoga ao modo como Bakhtin entende a noção de discurso -


confronto de respostas, de ação e reação, de tensões -, Foucault focaliza no discurso suas
relações de poder, que refletem os movimentos de dominação e esquiva, de luta, de disputa
discursiva, como poderemos observar nos enunciados do Decreto Municipal n° 31.187/09
e da Circular E/SUBE/n°17, os quais promovem a língua inglesa, bem como nos
enunciados de defesa da língua espanhola materializados na Carta da APEERJ e nas
entrevistas com as professoras de espanhol da SME-RJ.
Dessa forma, os estudos do discurso devem considerar as práticas discursivas de
modo a compreender que as relações entre discurso, argumentação, saber e poder
contribuem para a produção de sentidos e das subjetividades (GREGOLIN, 2016).

No fundo a grande oposição entre o retórico e o filosófico – o desprezo que o


filósofo, o homem da verdade, o homem do saber sempre teve por aquele que
não passava de orador, o retórico, o homem de discurso, de opinião, aquele que
procura efeitos, aquele que procura conseguir vitória – esta ruptura entre
filosofia e retórica parece caracterizar o tempo de Platão. E o problema é o de
reintroduzir a retórica, o orador, a luta do discurso no interior da análise, não
para fazer como os linguistas uma análise sistemática de procedimentos
retóricos, mas para estudar o discurso como procedimentos retóricos, maneiras
de vencer, de produzir acontecimentos, de produzir decisões, de produzir
batalhas, de produzir vitórias. Para retorizar a filosofia (FOUCAULT, 2003b, p.
142).

As reflexões realizadas são de grande relevância para a compreensão das estratégias


argumentativas usadas nos discursos referentes à escolha de línguas estrangeiras para
educação básica, bem como ao lugar do espanhol no dessas escolhas. Analisaremos "as
principais organizações discursivas utilizadas na persuasão, isto é, os principais tipos de
argumentos" (FIORIN, 2016, p. 10) inscritos em uma dada formação discursiva que afirma
as verdades coercitivas de um tempo-espaço determinado, configurando uma política de
ensino de línguas estrangeiras.
Para tanto, antes da análise propriamente dita, será necessário, percorrer, ainda que
de maneira breve, a história política e econômica mundial para explicar a supremacia
linguística, em especial, da língua inglesa e os discursos neoliberais 19 que envolvem o
processo de ensino de uma língua estrangeira.

19
Segundo Chauí (1997), o neoliberalismo é um projeto econômico e político que ataca o chamado Estado-
Providência ou Estado de Bem-Estar social-democrata ao afirmar que esse tipo de Estado destrói a liberdade
dos cidadãos e a competição sem as quais não há prosperidade. Em outras palavras, o neoliberalismo pode
ser entendido como uma ideologia política e econômica capitalista que defende a liberdade de mercado e a
não intervenção estatal sobre a economia.
28

II CONTEXTUALIZANDO A QUESTÃO

Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar

a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.

(FOUCAULT, 2013a, p. 41)


29

Neste capítulo, refletiremos sobre o projeto educacional neoliberal denominado


Programa Rio Criança Global (PRCG), que busca justificar-se pelo contexto da
globalização, promovendo o ensino de uma única língua estrangeira na nova ordem da
sociedade atual, designada por Hardt e Negri (2005) como Império.

1. O Programa Rio Criança Global

O Programa Rio Criança Global (PRCG)20 foi criado com a finalidade de tornar
"fluentes" em língua inglesa os alunos da rede municipal do Rio de Janeiro. As
justificativas dadas para a implementação do PRCG foram as necessidades da atual
sociedade globalizada e os eventos mundiais que ocorreram no Rio de Janeiro: a Copa do
Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Momentos considerados
ímpares para o desenvolvimento econômico deste município. De acordo com o site
Rioeduca da prefeitura desta cidade:

Em uma sociedade globalizada, a fluência em língua estrangeira, especialmente


em Inglês, é cada vez mais importante. Atualmente, o ensino de Língua Inglesa
nas escolas do Município é limitado a alguns anos do Ensino Fundamental, o
que restringe a fluência dos alunos na Língua. É necessário capacitar os alunos
da Rede Pública Municipal, com ênfase na comunicação verbal do idioma
Inglês, para que possam, também, trabalhar com turismo ou interagir com
atletas durante a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos de
2016 (RIOEDUCA, 2010, grifo nosso).

O PRCG, implementado através do Decreto Municipal n.° 31.187/09 de


06/10/2009, estabelece ações pedagógicas gerais e específicas, tais como: qualificação
profissional dos professores de inglês, aquisição de material didático, contratação de novos
professores, atividades de reforço no contraturno orientadas pela parceria feita com
instituições privadas, dentre outras.
O programa foi criado, segundo informações em site oficial21, durante o primeiro
mandato do Prefeito Eduardo Paes, após a realização de um "diagnóstico” sobre o ensino
da língua estrangeira no segundo segmento do Ensino Fundamental. Concluiu-se que o
ensino era limitado, restringia a fluência dos alunos, e as três opções de língua estrangeira

20
Vide anexo 05.

21
Advertimos aos leitores que a página web <cidadeolimpica.com.br>, que explicava o porquê da criação
do PRCG, foi retirada de circulação no ano de 2014:
30

oferecidas (Espanhol, Francês e Inglês) eram um agravante adicional, pois não permitiam
uma concentração no estudo de uma única língua do sexto ao nono ano. A solução para
este problema foi a escolha de uma única língua estrangeira: o inglês. Como consequência,
as línguas espanhola e francesa foram retiradas da grade curricular do Ensino Fundamental
II22. De acordo com a página oficial da Prefeitura desta cidade, "o Programa Rio Criança
Global define como prioridade o ensino do inglês como língua estrangeira e tem como
objetivo a universalização desta língua nas escolas municipais até 2016" (RIO DE
JANEIRO, 2010). O PRCG atende a alunos do primeiro ao nono ano e seu objetivo, de
acordo com o discurso governamental, é permitir "maior acesso às informações globais via
web e também maior interação com o público esperado para os Jogos Rio 2016: turistas e
delegações" (Rio de Janeiro, 2010).
Este Programa foi implementado no Ensino Fundamental I e, gradativamente,
ampliado para todo os anos do Ensino Fundamental II:

Art. 1.º

Fica criado, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, o Programa


Rio Criança Global, que tem por objetivo ampliar, para todos os anos do
Ensino Fundamental, o ensino da Língua Inglesa nas unidades escolares
da Rede Pública Municipal de Ensino, com enfoque na conversação.

http://www.cidadeolimpica.com.br/wp-content/themes/cidadeolimpica_v3/projetos/EOM/pt/projeto-
riocriancaglobal.php

22
O texto com a grade curricular oficial se encontra no Anexo 09.
31

Art. 2.º

O Programa a que se reporta o artigo 1º será implementado gradualmente,


a partir do ano de 2010, da seguinte forma: I – em 2010: 1º ao 3º ano; II –
2011: inclui-se o 4º ano; III – 2012: inclui-se o 5º ano; V – 2013: inclui-
se o 6º ano; VI – 2014: inclui-se o 7º ano; VII – 2015: inclui-se o 8º ano;
VIII – 2016: inclui-se o 9º ano. (Rio de Janeiro, 2009).

Inicialmente, o cumprimento do Programa ocorreu de forma tranquila. Os


professores de inglês ocuparam o Ensino Fundamental I, que até então não dispunha de
aulas de língua estrangeira. Os primeiros discursos contrários a esta política linguística
governamental surgiram durante sua implementação no Ensino Fundamental II, pois este
segmento já havia sido ocupado anteriormente por outros idiomas, além do inglês, visto
que a Lei Federal nº 9.394 de 20/12/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBEN), tornou obrigatório o ensino de pelo menos uma língua estrangeira a partir do
6°ano, sem determinar que língua(s) deveria(m) ser ensinada(s).
Nesse contexto, dando lugar aos professores de inglês recém-concursados da rede
municipal, vários professores de espanhol foram "convidados" a se retirarem de suas
unidades escolares de origem e buscar escolas que ainda não houvessem sido
"contempladas" com a chegada do PRCG. Alguns assumiram cargos administrativos na
direção ou nas Corregedorias Regionais de Educação (CRE), outros foram designados para
as salas de informática, leitura ou se tornaram professores generalistas em turmas de
aceleração. Cabe ressaltar que as novas funções assumidas em nada se relacionam com a
prática docente que deveriam desempenhar e para a qual prestaram concurso: ministrar
aulas de língua espanhola23.

2. O PRCG e suas Implicações Político-Linguísticas

O PRCG é considerado uma política pública, segundo Hofling (2001), por ser de
responsabilidade do Estado sua formulação, implementação e manutenção. É também
considerado uma política social por visar a diminuição das desigualdades sociais advindas
dos processos socioeconômicos. E, finalmente, de política educacional, por se constituir,
23
O artigo 190 da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro proíbe o desvio de função dos servidores
municipais:
"Art. 190 - É vedado o desvio de função, assim entendido o exercício de cargo ou emprego estranho àquele
ocupado pelo servidor.
Parágrafo único - Constitui falta grave do servidor responsável por órgão de qualquer hierarquia a permissão
do desvio de função por servidor sob sua subordinação, ou sua tolerância" (RIO DE JANEIRO, 2010b).
32

segundo Garcia (2010) por um conjunto de direções, princípios e políticas que devem guiar
o trabalho docente com o objetivo de capacitar os alunos em língua inglesa para a ação e
participação no mundo. Em conjunto, todas as políticas mencionadas, produzem "efeitos
variados sobre a realidade, os sujeitos, as relações, os comportamentos e as línguas"
(SEVERO, 2013, p. 458).
De acordo com os estudos de Collares; Moysés; Geraldi (1999), podemos considerar
o PRCG como uma política pública que faz parte de um plano de governo que não costuma
ser divulgado no processo eleitoral. Dessa forma, entendemos que apenas alguns sujeitos
se responsabilizam pelas definições das necessidades sociais e, baseados nisso, "elegem
prioridades e elaboram programas" (COLLARES; MOYSÉS; GERALDI, p. 214, 1999)
com os quais pretendem submeter à população, que nem sempre assume como suas tais
definições.
Além disso, segundo os autores supracitados, os programas educacionais refletem
uma política de descontinuidade que se caracteriza-se pelo eterno recomeçar, pois a cada
mudança de gestão, projetos são interrompidos sem consulta, escuta e avaliação prévia
entre os sujeitos envolvidos. Cabe ressaltar que a descontinuidade:

com seus constantes retornos ao ponto zero, ao tempo zero, é condição


essencial para que possa haver o continuismo, pelas mudanças que se
destinam a manter inalteradas as relações de saber e de poder
(COLLARES; MOYSÉS; GERALDI, p. 216, 1999).

Nesse sentido, podemos afirmar que o PRCG ao ampliar o ensino da língua inglesa
para todos os anos do ensino fundamental rompe com as diretrizes que regulavam o ensino
de línguas estrangeiras até o momento de sua implementação. No entanto, essa ruptura e
descontinuidade das diretrizes adotadas pela gestão anterior podem ser entendidas como
uma prática comum que, apesar de um aparente paradoxo, se revela contínua no que diz
respeito à manutenção do poder baseada no saber.

2.1. O PRCG e as Políticas Educacionais Contemporâneas

Iniciaremos esta seção explicando alguns conceitos propostos por Foucault e


desenvolvidos por Deleuze sobre a sociedade contemporânea para melhor entendermos os
propósitos da implementação do PRCG.
33

De acordo com Foucault, "os mecanismos de poder nunca foram estudados na


história. Estudaram-se as pessoas que detiveram o poder" (FOUCAULT, 1984, p. 80). Na
obra Vigiar e Punir (2013b), o filósofo discorre sobre as práticas disciplinares exercidas
pela sociedade moderna para controle e submissão dos corpos a fim de torná-los dóceis e
úteis à sociedade.
No livro A História da Sexualidade I - A vontade de Saber, Foucault (1999a)
introduz um novo conceito: o biopoder, isto é, o poder não apenas sobre os corpos, senão
sobre a vida . Segundo Hardt e Negri (2005), teóricos que se apropriam do conceito
foucaultiano,

Biopoder é a forma de poder que regula a vida social por dentro,


acompanhando-a, interpretando-a, absorvendo-a e a rearticulando-a. O
poder só pode adquirir comando efetivo sobre a vida total da população
quando se torna função integral, vital, que todos os indivíduos abraçam e
reativam por sua própria vontade. Como disse Foucault, "a vida agora se
tornou objeto de poder". A função mais elevada desse poder é envolver a
vida totalmente, e sua tarefa primordial é administrá-la. O biopoder,
portanto, se refere a uma situação na qual o que está diretamente em jogo
no poder é a produção e a reprodução da própria vida. (HARDT e
NEGRI, 2005, p. 43)

O biopoder, segundo Foucault, age sobre a espécie humana, “no corpo-espécie, no


corpo transpassado pela mecânica do ser vivo e como suporte dos processos biológicos”
(FOUCAULT, 1999, p. 131). Essa concepção de poder marca a transição da sociedade
disciplinar, de homens vigiados, adestrados e punidos, para a sociedade de controle, ou
seja, uma nova ordem social de um mundo capitalista conectado e guiado, principalmente,
pelas inovações tecnológicas, responsáveis pelo exercício do poder na sociedade
contemporânea. Tais denominações foram dadas por Deleuze (1992), baseadas nos estudos
foucaultianos.
Após a Segunda Guerra Mundial, as mudanças e inovações tecnológicas do mundo
capitalista permitiram o desenvolvimento de novas formas de controle social no Estado
Moderno. Segundo Hardt e Negri, a sociedade de controle surge pela "intensificação dos
aparelhos de normalização e disciplinaridade que animam internamente nossas práticas
diárias e comuns" (HARDT e NEGRI, 2005, p. 42-43, grifos nossos), pois o controle se
exerce sobre o nascimento, a morte, a produção e as enfermidades, ou seja, sobre o corpo
biológico. Segundo Foucault:
34

Devemos compreender as coisas não em termos de substituição de uma


sociedade de soberania por uma sociedade disciplinar e desta por uma
sociedade de governo. Trata-se de um triângulo:
soberania−disciplina−gestão governamental, que tem na população seu
alvo principal e nos dispositivos de segurança seus mecanismos
essenciais (FOUCAULT, 1984, p. 171)

O conceito de biopoder trouxe a reflexão sobre as formas em que o Estado exerce o


poder na modernidade: a biopolítica. Forma de governo reguladora sobre a vida dos
indivíduos visando maior rentabilidade econômica.
De acordo com Foucault, a disciplina sobre os corpos individuais e a biopolítica
sobre as populações, ambos controlados e vigiados pelo Estado foi posteriormente
denominado de governamentalidade (FOUCAULT, 1984, p. 171), que pode ser definida
como:

[...] o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e


reflexões, os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma
bastante específica, embora muito complexa de poder que tem por alvo
principal a população, por principal forma de saber a economia e por
instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. Em segundo
lugar, por ‘governamentalidade’ entendo a tendência, a linha de força
que, em todo Ocidente, não parou de conduzir, e desde há muito, para a
preeminência desse tipo de poder que podemos chamar ‘governo’ sobre
todos os outros –  soberania, disciplina  –  e que trouxe, por um lado, [e,
por outro lado], o desenvolvimento de toda uma série de saberes. Enfim,
por ‘governamentalidade’, creio que se deveria entender o processo, ou
antes, o resultado do processo pelo qual o Estado de justiça da Idade
Média, que nos séculos XV e XVI se tornou o Estado administrativo, viu-
se pouco a pouco “governamentalizado” (FOUCAULT, 2008b, p. 143-
144)

A governamentalidade está presente na educação através das políticas educacionais


que são criadas e recriadas visando à inclusão dos indivíduos como cidadãos participativos
e atuantes na sociedade produtiva. Nesta perspectiva, a educação se desloca da esfera
político-social e ingressa na econômica, pois passa a ser pensada como um instrumento de
poder que através de táticas, procedimentos de controle viabiliza mão de obra
especializada para o desenvolvimento econômico e social e manutenção do sistema
capitalista. As instituições supranacionais, como o Banco Mundial 24, por exemplo,

24
"O Banco Mundial é uma organização internacional que surgiu da Conferência de Bretton
Woods (1944) para atender às necessidades de financiamento da reconstrução dos países
devastados pela Segunda Guerra Mundial. O nome oficial da instituição criada em Bretton
Woods era 'Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento' (BIRD). A instituição,
35

promovem os fluxos globais através de discursos educacionais que prometem "inclusão,


progresso e desenvolvimento, riqueza, democracia, igualdade e qualidade de vida para
todos que se inserirem no mercado e na cultura globais" (GARCIA, 2010, p. 447), ou seja,
são discursos homogeneizantes que buscam controlar e regular a vida dos indivíduos,
promovendo o entroncamento das esferas pública e privada e a competitividade para que
necessidades mercadológicas sejam atendidas. Para isso, faz-se necessário produzir um
aluno com uma habilitação específica visando a sua inclusão no mercado de trabalho.
Nesse caso, um aluno que domine a língua inglesa e possa "trabalhar com turismo ou
interagir com atletas durante a Copa do Mundo de Futebol de 2014 e os Jogos Olímpicos
de 2016" (RIOEDUCA, 2010).
Nesse sentido, podemos afirmar que "a qualidade da educação resumiu-se ao
rendimento escolar, ou à performatividade, estimulando ansiedades e a competição entre as
escolas e os professores" (GARCIA, 2010, p.453). Embora o discurso seja inclusivo, as
políticas educacionais criam formas de exclusão que atribuem aos indivíduos "a
responsabilidade por seus fracassos e sucessos que são considerados como (falta de)
empenho e esforços individuais" (GARCIA, 2010, p. 453).
Esse contexto sócio-histórico justifica, de certa forma, a implantação e aplicação
efetuadas pela Prefeitura do Rio de Janeiro, a partir do ano de 2009, do Programa Rio
Criança Global, que se apresenta como um documento de caráter salvacionista ao colocar a
"educação, a equidade e a elevação da qualidade da aprendizagem, como a condição do
desenvolvimento, da redução da pobreza, da empregabilidade, da inserção na sociedade do
conhecimento e na economia global, da paz e da estabilidade, de melhor qualidade de vida"
(GARCIA, 2010; p.451).
Pode-se considerar o PRCG um tipo de proposta educacional que afirma
empreender uma espécie de inserção dos "excluídos", mas na verdade, não os inclui, não os
envolve socialmente, pois apenas conduzem à crença de que conhecimentos, como o da
língua inglesa, são suficientes para a entrada na sociedade globalizada e a integração
social, "que se traduz por emprego, sucesso profissional, melhoria de vida material, bem-
estar pelo sentimento de pertencimento" (BRASIL, 2006, p. 96). Sendo assim, podemos
afirmar que o PRCG não tem como objetivo educacional principal o desenvolvimento da
"consciência crítica da heterogeneidade e da diversidade sociocultural e linguística"
que se capitalizou a partir da venda de títulos ao mercado garantidos pelos países membros,
mudou gradualmente seu foco para os países em desenvolvimento, muitos dos quais se
tornaram nações independentes no pós-Guerra" (BRASIL, 2015).
36

(BRASIL, 2006, p. 96), fato que evidencia a contradição existente entre os discursos
provenientes das esferas políticas e educacionais.
Segundo Lopes (2008), as reformas educacionais são marcadas por mudanças na
organização curricular através de documentos que prescrevem não somente as maneiras de
abordar os conteúdos, como também as disciplinas que são entendidas como válidas e
legítimas para serem ensinadas. O objetivo seria a formação de "trabalhadores com as altas
habilidades e a capacidade de inovação entendidas como essenciais para sustentar os
modelos tecnológicos de produção vigentes" (LOPES, 2008, p. 20).
A explicação para as reformas, de acordo com Lopes (2008), estaria na:

crescente subordinação dos Estados nacionais às exigências das agências


multilaterais, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (Unesco), o Banco Mundial (BIRD) e o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) (LOPES, 2008, p. 22).

O Programa, considerado uma reforma educativa, materializado no Decreto


Municipal nº 31.187, se apresenta como uma "solução" para reverter a "ineficiente"
situação do ensino de línguas estrangeiras na rede municipal do Rio de Janeiro. Este
documento jurídico consiste em um ato administrativo impositivo da competência do
Prefeito da cidade do Rio de Janeiro com a finalidade de estabelecer, nessa cidade,
diretrizes sobre o ensino da língua estrangeira no ensino fundamental através de
prescrições sobre as condutas dos profissionais municipais de educação fundamentado em
verdades que se apresentam como incontestáveis. As determinações do Decreto conduzem
os professores de inglês a seguirem todas as instruções aprendidas nas capacitações
pedagógicas a fim de produzirem o aluno "ideal": fluente oralmente em Língua Inglesa
para que pudesse comunicar-se com os turistas de todo o mundo durante os Jogos
Olímpicos e Paralímpicos de 201625. Entendemos que o exercício do Decreto nº 31.187
como base de controle e regulação biopolítica sobre os alunos envolvidos no Programa Rio
Criança Global, não se faz somente nas práticas em sala de aula, mas também na formação
de indivíduos habilitados e qualificados para atender às demandas do mercado profissional
formal e informal gerado, nessa cidade, em torno das Olimpíadas, momento considerado
“ímpar” pelo Estado, por ser economicamente rentável para toda a sociedade carioca.
25
A realização da Copa do Mundo de 2014 foi uma das razões dadas pela SME-RJ, em seu sítio na web
oficial, para a ampliação do ensino da língua inglesa (vide citação da página 29). Entretanto, não foi
mencionada neste parágrafo, pois não consta no texto do Decreto n° 31.187, uma vez que o documento é de
abrangência municipal e não nacional.
37

Devemos considerar, além da necessidade de formação de capital humano, a


inclusão dos alunos em um "espaço privilegiado" de formação em Inglês/Língua
Estrangeira. Lembremos que os livros didáticos, não licitados e não avaliados por
especialistas (APEERJ, 2014b), a metodologia e as capacitações dadas aos professores de
inglês são de responsabilidade do curso Cultura Inglesa, instituição privada, conveniada 26 à
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e financeiramente inacessível à maior parte dos
discentes fora do Programa Rio Criança Global. Este fato abre-nos ainda a reflexão sobre o
modo como essa ação educacional se relaciona à conjuntura discursiva e política de um
tipo de projeto de inclusão socioeconômica, o que ao fim e ao cabo, resulta em maior
adesão das classes populares que frequentam a escola pública municipal à ideologia que
orienta os interesses não só governamentais, mas das elites que estão à frente das
iniciativas do mercado. Segundo Lopes (2008), a inclusão se caracteriza por ser uma tática
de controle e manutenção do poder na contemporaneidade. Nas palavras da autora, a
inclusão:

passou a ser uma das formas que os Estados, em um mundo globalizado,


encontraram para manter o controle da informação e da economia.
Garantir para cada indivíduo uma condição econômica, escolar e de saúde
pressupõe estar fazendo investimentos para que a situação presente de
pobreza, de falta de educação básica e de ampla miserabilidade humana
talvez se modifiquem em curto e médio prazo. A promessa da mudança
de status dentro de relações de consumo – uma promessa que chega até
aqueles que vivem em condição de pobreza absoluta –, articulada ao
desejo de mudança de condição de vida, são fontes que mantêm a
inclusão como um imperativo do próprio neoliberalismo. (LOPES, 2008,
p. 167).

De acordo com a Ex-Secretária de Educação Municipal Cláudia Costin, o Programa


irá "igualar" oportunidades para as crianças da rede Municipal do Rio de Janeiro, discurso
que ratifica o deslocamento da educação para a esfera econômica ao relacionar a
aprendizagem da língua inglesa à solução dos problemas causados pela exclusão social,
isto é, aprender inglês é sinônimo de "melhores condições de vida". Conforme as palavras
de Costin:

Para igualarmos as oportunidades das crianças de uma escola pública


com as de uma escola particular, temos que pensar em projetos como
este. Sem Inglês, que hoje é a língua universal, as crianças têm menos
chances de futuro [...] Estamos de olho na preparação dessas crianças
26
Vide anexo 10.
38

para que possam participar ativamente das oportunidades abertas com a


Olimpíada. Também queremos que estejam preparadas para receber
atletas e turistas do mundo inteiro nos jogos olímpicos (COSTIN apud
RIO DE JANEIRO, 2010; grifos nossos).

Cabe ressaltar que acreditamos no plurilinguismo 27, em sua importância na


formação crítica e reflexiva e de sua contribuição no letramento dos alunos, conforme o
exposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Estrangeira Moderna (Brasil,
1998). Dessa forma, parece-nos um retrocesso linguístico grave a vontade de verdade
estabelecida em torno da hegemonia de uma língua, por ser um movimento contrário ao
pressuposto teórico plurilíngue instaurado pelos estudos linguísticos contemporâneos
acerca da aprendizagem de línguas estrangeiras. Esta é a concepção da atual sociedade
globalizada, que legitimou esse discurso como verdadeiro, ratificando a primazia do Inglês
sobre os outros idiomas. Dessa forma, podemos entender a vontade de verdade como um
mecanismo de exclusão, e não de inclusão. Nas palavras de Foucault:

Assim, só aparece aos nossos olhos uma verdade que seria de riqueza,
fecundidade, força doce e insidiosamente universal. E ignoramos, em
contrapartida, a vontade de verdade, como prodigiosa maquinaria destinada a
excluir todos aqueles que ponto por ponto, em nossa história procuraram
contornar essa vontade de verdade e recolocá-la em questão contra a verdade, lá
justamente onde a verdade assume a tarefa de justificar a interdição
(FOUCAULT, 2013a, p 19-20).

Em outras palavras, os enunciados de promoção e defesa da aprendizagem da


língua inglesa se fundamentam em uma vontade de verdade que estabelece esse idioma
como imprescindível na atualidade e excluem, assim, discursos que dela diferem, pois
sobre eles exercem continuamente uma espécie de pressão e coerção, responsáveis pela
manutenção de sua validade.

2.2. Política e Planejamento Linguísticos

O PRCG, como dito anteriormente, é considerado uma política educacional. No


entanto, há necessidade de sermos mais específicos a respeito do objeto deste programa: o
ensino da língua inglesa. Dessa forma, não podemos ignorar a inter-relação existente entre

27
Segundo Altenhofen e Broch (2011) e Broch (2014), o plurilinguismo designa as competências que um
sujeito possui em mais de uma língua, ou seja, uma "postura linguística plural" (ALTENHOFEN e BROCH,
2011, p. 17), definição que vai além da ideia de diversidade linguística, isto é, a coexistência de diferentes
línguas na sociedade.
39

a política educacional neoliberal e a política e planejamento linguísticos realizados pela


SME-RJ.
A área de Políticas Linguísticas se caracteriza por ser um campo de estudos
polivalente e, por esta razão, complexo. Sendo assim, optamos, nesta investigação, por
conceituar política linguística, com base nos estudos de Calvet (2007) e Lagares e Savedra
(2012)28, como sendo um conjunto de escolhas conscientes tomadas por diferentes grupos
que ocupam posições hegemônicas e direcionadas pelo poder público no que diz respeito
as funções e espaços sociais que ocuparão as línguas que deverão ser fomentadas e
ensinadas em um lugar e tempo determinados - noção que, segundo Calvet (2007), se
relaciona ao conceito de planejamento do status de uma língua.
O planejamento do status é considerado um dos níveis do planejamento linguístico
que, de acordo com Calvet, é compreendido como a “implementação prática de uma
política linguística, em suma, a passagem ao ato” (Calvet, 2002, p.145) o ato de autoridade,
desempenhado pelo Estado, o único que possui poder para a legitimação e
desenvolvimento de mecanismos e estratégias para o controle das práticas.
A concepção de planejamento de status foi proposta por Kloss (1967) e incorporada
por Haugen (1983). Segundo estes autores, o controle de uma língua é feito através do
planejamento do corpus e do status. O primeiro diz respeito às intervenções na forma da
língua (criação de uma escrita, neologismos, estandardização...), enquanto o segundo se
refere às intervenções nas funções da língua, seu status social e sua relação com outras
línguas (CALVET, 2007).
A SME-RJ, enquanto instância governamental responsável pela política
educacional e pelo currículo da rede municipal, estabeleceu ações de política linguística, ao
identificar um "problema" no ensino / aprendizagem das línguas estrangeiras oferecidas
pela rede e ao elaborar possíveis soluções para que os alunos pudessem alcançar a
proficiência em uma determinada LE. Em relação às ações pertinentes ao planejamento
linguístico, temos a escolha, feita pela SME-RJ, da língua inglesa como único idioma
estrangeiro para compor a grade curricular de toda a educação básica e a criação do
Decreto Municipal nº 31.187/09, sancionado pelo poder executivo, representado pelo
prefeito da cidade. Todas as ações descritas, em concordância com Calvet, ratificam a ideia

28
Nas palavras de Lagares e Savedra, com base nos estudos de Calvet, uma política linguística pode ser
entendida como "um conjunto de decisões tomadas pelo poder público a respeito de quais línguas serão
fomentadas, ensinadas ou eventualmente reprimidas e eliminadas; de quais funções as línguas terão ou
deveriam ter, de que espaços sociais ocuparão" (LAGARES; SAVEDRA, 2012, p.15).
40

de que a elaboração de uma política linguística pode ser feita por qualquer grupo, porém,
“apenas o Estado tem o poder e os meios de passar ao estágio do planejamento, de pôr em
prática suas escolhas políticas” (CALVET, 2007, p. 20-21).
Apesar de esta investigação estar centrada no planejamento linguístico do ensino
fundamental realizado pela SME-RJ entre os anos de 2010 e 2016, não poderíamos deixar
de destacar que o Governo Federal, através da Medida Provisória 746/2016 está, de igual
maneira, retirando a língua espanhola do ensino médio. O documento propõe a
obrigatoriedade do ensino da língua inglesa no ensino médio e, para tanto, revoga a "Lei
Do Espanhol" , Lei 11.161, de 5 de agosto de 2005, que obriga a oferta da língua
espanhola no Ensino Médio. 
Em suma, entendemos o PRCG - e também a Medida Provisória 746/2016 - como
exemplos de decisões tomadas e implementadas no sentido de modo hierarquizante e
vertical, no qual os agentes, representados pelas instâncias governamentais, fazem valer a
sua escolha, confirmando um gesto de cunho político hegemônico, e demonstram sua
vontade de se autoafirmarem e marcarem seus posicionamentos, independentemente do
grau de sucesso que tenham na realização de seus atos (RAJAGOPALAN, 2013, p.34-35).
Embora estejamos destacando o poder governamental como repressor e
controlador, faz-se imprescindível recordar as reflexões foucaultianas que revelam que o
exercício do poder não possui um único sentido: o de cima para baixo, o macro. De acordo
com o filósofo (1984), o poder não pertence a um único grupo, instituição ou ao Estado. O
poder se irradia, se exerce em forma de micropoderes que agem também nas relações mais
horizontalizadas (governo dos outros e/ou governo de si mesmo) e que podem sustentar e
confirmar o poder advindo das instâncias de autoridade, caso o saber compartilhado seja
considerado verdadeiro pela sociedade. Dessa forma, os macro e micropoderes são
indissociáveis, uma vez que nos governam e nos fazem governar de acordo com as práticas
sociais e vontades de verdade.

O poder se exerce em rede e, nessa rede, não só os indivíduos circulam,


mas estão sempre em posição de ser submetidos a esse poder e também
de exercê-lo. Jamais eles são o alvo inerte ou consentidor de poder, são
sempre seus intermediários. Em outras palavras, o poder transita pelos
indivíduos, não se aplica a eles (FOUCAULT, 1999b, p.35).

Sendo assim, a garantia do êxito do PRCG não pode estar relacionada apenas ao
poder exercido pelas instâncias governamentais, uma vez que os agentes responsáveis pela
41

prática deste programa, os professores e alunos, trazem consigo diferentes "verdades" e


posicionamentos que ora permitem a confirmação do status quo, ora possibilitam o
nascimento de conflitos, resistências e enfrentamentos que caracterizam as formas de
"contraconduta", sintoma de uma "crise de governamentalidade" (FOUCAULT, 2008a, p.
93).
Essa questão é relevante para este trabalho, pois os embates resultantes da estreita
relação entre poder e saber no âmbito político-educacional podem manter ou provocar
rupturas / deslocamentos nos paradigmas pré-estabelecidos. Em outras palavras, podem
"contribuir para a preservação de subjetividades modeladas pelo sistema dominante ou
para fazer emergir 'novas sensibilidades', formas singulares de ver o mundo" (VARGENS,
2012, p.86)

2.3. A Glotopolítica

Os termos Política e Planejamento Linguísticos e Glotopolítica, de acordo com


Lagares (2010), são utilizados com diversos sentidos na literatura especializada sobre as
reflexões em torno das línguas.
Cooper, após examinar várias definições sobre a noção de planejamento linguístico,
propõe que o mesmo compreenda "os esforços deliberados para influir no comportamento
de outras pessoas a respeito da aquisição, da estrutura ou da correspondência funcional dos
seus códigos linguísticos" (COOPER, 1997, p. 60). Sendo assim, um planejamento
linguístico deve considerar não apenas "quem" ou o "quê" se planeja, mas sobretudo o "por
quê", para "quem", "como" e "quando", ou seja, os aspectos da realidade social não podem
ser ignorados. Dessa forma, a indissolubilidade entre as relações sociais e políticas que
envolvem as questões referentes ao funcionamento das línguas pode ser compreendido
através do conceito de glotopolítica, termo que engloba "todos os fatos de linguagem em
que a ação da sociedade toma a forma do político" (GUESPIN & MARCELLESI apud
LAGARES, 2012, p. 14). Nas palavras de Arnoux, a pesquisa sobre a glotopolítica pode
ser definida como:

O estudo das intervenções no espaço público da linguagem, e das


ideologias linguísticas que elas ativam e sobre as quais incidem,
associando-as a posições sociais e indagando os modos como participam
no questionamento, instauração, reprodução ou transformação de
entidades políticas, relações sociais e estruturas de poder, tanto no âmbito
42

local ou nacional quanto no regional ou planetário (ARNOUX, 2011, p.


43)

De acordo com esta definição, a glotopolítica abarcaria tanto as intervenções como


as ideologias linguísticas, expressão compreendida por Arnoux e Del Valle como sendo
um sistema de ideias, crenças que articulam noções entre a linguagem, as línguas, a fala
e/ou a comunicação com formações culturais, políticas e/ou sociais (ARNOUX e DEL
VALLE, 2010, p. 06).
No que tange a esta investigação, nos centraremos na perspectiva glotopolítica, sob
uma ótica discursiva, para compreender as regras de designação, controle e normatização
metodológica das línguas estrangeiras oferecidas pela Secretaria Municipal de Educação
do Rio de Janeiro (SME-RJ). Entendemos que a natureza de tais regras não são neutras e
tampouco científicas, senão políticas, pois os processos de escolha e de circulação de tais
línguas estrangeiras obedecem a ideologias linguísticas, estabelecem e conservam
hierarquias, refletem e/ou constroem desigualdades linguísticas e sociais, embora
preconizem o contrário, aproximam ou distanciam grupos, instituem práticas legitimadoras
(SEVERO, 2013) para o ensino da língua inglesa em detrimento das demais línguas.

2.3.1. Ideologias Linguísticas

Nesta investigação, dada a amplitude do tema que nos cerca, nos concentraremos
nos estudos glotopolíticos que se dedicam a refletir sobre as línguas inglesa e espanhola
como par hegemônico no contexto educacional na atualidade.
Tendo este trabalho um viés foucaultiano, cabe-nos esclarecer que Foucault era
cauteloso ao usar o termo ideologia para explicar a história do saber e o exercício do poder.
Nas palavras do autor, a noção de ideologia é dificilmente utilizável pelas seguintes razões:

A primeira é que, queira-se ou não, ela está sempre em oposição virtual a


alguma coisa que seria a verdade. Ora, creio que o problema ... [é] ver
historicamente como se produzem efeitos de verdade no interior de
discursos que não são em si nem verdadeiros nem falsos. Segundo
inconveniente: refere-se necessariamente a alguma coisa como o sujeito.
Enfim, a ideologia está em posição secundária com relação a alguma
coisa que deve funcionar para ela como infra-estrutura ou determinação
econômica, material, etc. (FOUCAULT, 1984, p. 7).
43

Para o filósofo, a noção de ideologia se pauta na dicotomia do verdadeiro/ falso e


de um sujeito que estaria subjugado às ideias que encobrem uma realidade. Nesse sentido,
o sujeito seria produtor das relações de poder e não seu produto. Na obra Microfísica do
Poder (1984), Foucault afirma que as formas de poder não podem pertencer a nenhum
sujeito. Dessa forma, não haverá grupos ou classes detentores do poder. O poder, como
dito anteriormente, se exerce tanto vertical como horizontalmente, constituindo-se em uma
prática, uma vez que não se concentra somente nas instâncias superiores, mas que penetra
de maneira profunda e sutil em toda a trama da sociedade (FOUCAULT, 1984, p. 42).
Dessa forma, considerando a ideologia não como uma realidade, mas como uma
performance discursiva que constrói a noção de realidade, passemos às definições de
ideologia linguística. Segundo Woolard, ideologias linguísticas "são as representações,
sejam explícitas ou implícitas, que interpretam a relação entre a língua e os seres humanos
no mundo social (WOOLARD, 2012, p.19.). De acordo com Del Valle (2007), uma
ideologia linguística, no contexto glotopolítico, se constitui em um conjunto de ideias
sobre a linguagem por estar vinculada a uma ordem cultural, política e/ou social, por sua
associação com as práticas e ideias naturalizadoras extralinguísticas apoiadas no senso
comum e por sua institucionalidade, isto é, sua produção e reprodução através de práticas
que legitimam um tipo de saber que serve de suporte para o exercício do poder e da
autoridade institucionais.
A promoção das línguas na contemporaneidade e a disputa por espaços de destaque
está fundamentada, a nosso ver e em concordância com Moreno Cabrera, "na conquista e
ampliação de novos mercados" (MORENO CABRERA, 2015, p. 199) necessários no
processo de expansão capitalista. Sendo assim, "o valor de uso de um idioma se acrescenta
na medida que esse uso se expande" (GARCIA DELGADO, ALONSO Y JIMÉNEZ apud
MORENO CABRERA, 2015, p. 199).
Atualmente, as línguas de maior valor no mercado de ensino e aprendizagem de
línguas estrangeiras são a inglesa e a espanhola, denominadas por Calvet (1999),como
hipercentral e supercentral, respectivamente.
Calvet (1999) utiliza a expressão "ecologia das línguas" para destacar a importância
do estudo linguístico nas esferas política, econômica, social e cultural. Segundo o
sociolinguista "as línguas equivalem às espécies, se organizam em populações que estão
44

em relação constante com seu meio e evoluem em reação aos estímulos provenientes deste
meio29” (CALVET, 1999, p. 102. Tradução livre).
O sistema ecolinguístico “está constituído pela organização social, pela dimensão
dos grupos de falantes, pelas funções ocupadas pelas línguas, pelo papel social de seus
falantes, pelo grau de plurilinguismo deles30”, etc. (CALVET, 1999, p. 102.Tradução
livre), fatores que influenciam a forma e o status quo das línguas. Segundo este modelo,
cerca de 6.700 línguas31 se organizariam através de uma distribuição hierárquica
determinada por relações de força. O inglês ocuparia o primeiro nível, sendo a língua
hipercentral, e o espanhol ocuparia o segundo nível, por este motivo seria a língua
supercentral, juntamente com o português, francês, alemão, entre outras.
Segundo Calvet (1999), o inglês é uma língua hipercentral, pois seus falantes têm
forte tendência monolíngue. Ao redor da língua inglesa gravitam dezenas de línguas - as
supercentrais - , cujos falantes, quando bilíngues, falam uma língua também supercentral
ou inglês. Em torno das supercentrais gravitam as línguas centrais em torno das quais as
línguas periféricas também se movimentam.
Este modelo nos permite compreender os mecanismos adotados para a
implementação de políticas e planejamentos linguísticos neste país. No sistema
educacional nacional o inglês desempenha o papel de língua hipercentral. A promulgação
das Leis Federal nº 11.161/05, Estadual nº 2.447/95 e Municipal nº 2.939/99, que obrigam
o ensino de espanhol, se constituem em um ato de intervenção linguística que por um lado
opera no sentido de reafirmação das matrizes ibéricas e das relações interamericanas que
aproximam as relações linguisticas e culturais do português e do espanhol e, por outro,
ratificam o cunho mercadológico do ensino do par hegemônico inglês/espanhol como
línguas estrangeiras na atualidade.
No entanto, a grande questão é: por quê? Por que as línguas inglesa e espanhola são
as únicas que parecem justificar-se como essenciais no currículo escolar? Quais práticas
discursivas sustentam e legitimam as posições destas línguas como hiper e supercentral?

29
Do original: "les langues, equivalentes aux espèces, s’organisent en populations qui sont en relations
constantes avec leur milieu, et evoluent en réaction aux stimulli parvenant de ce milieu”.
30
Do original: "est constitué par l’organisation sociale, la taille des groupes de locuteurs, les fonctions des
langues, le rôle social de leurs locuteurs, leur degré de plurilinguisme, etc."
31
Segundo o sociolinguista Louis-Jean Calvet existem por volta de 6700 línguas faladas hoje em todo o
mundo (CALVET, 1999)
45

2.3.1.1. A Hipercentralidade da Língua Inglesa

Atualmente, encontramos inúmeros discursos sobre o lugar da língua inglesa na


sociedade. Na tentativa de compreender melhor o status quo deste idioma, faremos uma
breve reflexão a respeito da história política e econômica mundial e dos posicionamentos
de alguns estudiosos sobre o assunto.
Inicialmente, a expansão da língua inglesa se justifica na abrangência territorial do
Império Britânico, que estabeleceu o uso do inglês em seus domínios. As perdas territoriais
e a dívida externa contraída na Segunda Guerra Mundial consolidam o fim de seu
imperialismo. Esta dívida deveria ser paga aos Estados Unidos, que surgem nesse contexto
como o novo poder imperial. Sendo assim, a língua inglesa permanece como o idioma de
um Estado-nação que, além da força militar e econômica, passa a dominar o campo dos
saberes (GRADDOL, 2006)
Segundo Antonio Nebrija, "a língua sempre foi companheira do império"
(NEBRIJA, 1492), frase que se refere aos diversos impérios da Antiguidade e à
consciência do papel que a língua exerce nesse processo constitutivo. Está escrita no
prólogo da Gramática Castellana, presenteada a Isabel de Castela, em 1492, ano de
consolidações territoriais e da chegada dos europeus à América. Podemos concluir que, em
um regime imperialista, a língua única e padronizada consolida e preserva o poder político.
Entretanto, vivemos hoje uma nova ordem mundial distinta do imperialismo
clássico. Segundo Hardt e Negri (2010), nenhum Estado-nação pode ser o centro de um
projeto imperialista. De acordo com esta concepção, a língua inglesa não pode ser
entendida como uma imposição estadunidense a outros povos para garantir a dominação
geográfica e política pelo fato de o imperialismo não ser mais mecanismo utilizado para
obter e/ou manter o poder. O poder não tem limites, não possui fronteiras. É exercido de
maneira desterritorializada e descentralizada. A legitimação política, segundo Garcia
(2010), advém de uma dispersa rede de poder que se sustenta através das máquinas
midiáticas e dos grupos de interesse que se apresentam no não-lugar (nações ricas e
organismos supranacionais, tais como a UNESCO e o Banco Mundial), encarregados da
integração econômica mundial, ajuda e cooperação internacional. Suas ações são em nome
da democracia e da paz, ainda que a paz, em algumas ocasiões, seja conseguida através da
guerra e a democracia seja relativa. Este é o contexto da sociedade contemporânea
denominada por Hardt e Negri (2010) como Império, pois "[...] apaga as fronteiras,
46

nacionais, étnicas, culturais, ideológicas, privadas [...], é inclusivo" e domina o planeta


inteiro (PELBART, 2000, p.30). Em outras palavras, "o objeto do seu governo é a vida
social como um todo" (HARDT e NEGRI, 2010, p. 15).
Este processo de globalização legitimado pelo desenvolvimento das tecnologias
comunicacionais e constituído pela vigilância e pelo biopoder, isto é, o monitoramento não
considera apenas o corpo em seu espaço geográfico, mas a vida, a mente, a consciência das
pessoas em suas práticas diárias e comuns provocando um estado de alienação, suprimindo
a criatividade, impedindo a consciência crítica e ratificando o "pensamento único" -
expressão utilizada por Ignacio Ramonet que designa a ideologia que subordina os direitos
sociais dos cidadãos à razão competitiva dos mercados financeiros (RAMONET, 2002).
E a linguagem no Império? Segundo Hardt e Negri, “a linguagem, à medida que
comunica, produz mercadorias, mas, além disso, cria subjetividades, põe umas em relação
às outras, e ordena-as” (HARDT e NEGRI, 2010, p.52), e por meio das indústrias de
comunicação, dá legitimidade ao Império ao produzir narrativas em benefício de seu poder
imperial de universalizar e de globalizar. Este é um contexto propício para uma língua
mundial que facilite as relações que sustentam o capitalismo e promovam a ideologia
neoliberalista.
Ora, mas se a língua não é mais imposta, como podemos explicar a hegemonia da
língua inglesa no mundo contemporâneo? No Império, os discursos, viabilizados pelas
redes comunicacionais, que assumem posição central na ratificação e exaltação do poder,
transitam representando uma ideologia globalizada. As indústrias de informação
produzem, reproduzem, potencializam, organizam, delimitam, classificam, supervisionam
e controlam o sentido de direção do imaginário social, produzindo nos sujeitos uma
aparente homogeneidade discursiva. A força ideológica do discurso que assegura a
hipercentralidade da Língua Inglesa se sustenta através da mídia e da indústria cultural, que
propagam, e ao mesmo tempo valorizam, hábitos de vida e modelos sociais e políticos de
grupos dominantes, em especial, dos Estados Unidos da América.
Cabe ressaltar que, embora Hardt e Negri (2005) admitam que os "Estados Unidos
não são, e nenhum outro Estado-nação poderia ser, o centro de um novo projeto
imperialista" (HARD e NEGRI, 2010, p. 13), os autores também afirmam que os EUA são
a "única superpotência restante" (HARD e NEGRI, 2005, p. 27), "que detém a hegemonia
sobre o uso global da força - uma superpotência que pode agir sozinha, mas prefere fazê-lo
em colaboração com os outros, debaixo do guarda-chuva das Nações Unidas" (HARDT e
47

NEGRI, 2010, p. 330). Esta exclusividade é qualificada pelos estudiosos como tirânica "ao
não se submeterem às leis internacionais, dominando a ordem global", em uma referência à
intervenção militar feita ao Iraque, o que ecoa os modos de atuação do imperialismo
clássico (HARDT e NEGRI, 2005, p. 92).
Tal fato caracteriza um "neoimperialismo", expressão usada pelo linguista Robert
Phillipson (2008; 2013), ou seja, uma política de domínio que inclui não apenas o
territorial, o militar, o econômico, mas também o cultural, baseados na cooperação ou no
silenciamento de outras nações que legitimam muitas vezes o uso da força em nome da
paz. Neste contexto, o exercício do bipoder está fundamentado no domínio dos saberes, e
na vontade de verdade dos grupos dominantes (nações ricas, instituições financeiras
internacionais e supranacionais), mas a força bélica não é descartada e, se necessário, é
usada para manter a ordem e os interesses globais.
Recordemos a frase de Nebrija, "a língua sempre foi companheira do império"
(NEBRIJA, 1492), não só no sentido imperialista, mas também como companheira do
"neoimperialismo", isto é, como a língua do capitalismo contemporâneo que serve aos
interesses do mundo corporativo e dos governos por ele influenciados ( SKUTNABB e
PHILLIPSON, 2013).

2.3.1.2.Inglês: Língua Mundial

O inglês mundial "pertence a todas as pessoas (do mundo) que falam inglês, mas
ele não é a língua nativa de ninguém” (RAJAGOPALAN, 2006, p. 99), pois o idioma não
está vinculado a nenhum Estado-nação. Não é o inglês britânico ou o americano que é o
falado aqui ou acolá. Segundo Ortiz, o preço pago pela hipercentralidade da língua inglesa
é a sua deformação. Mundializado, se desprende de suas raízes, passa a desterritorializado
e passível de ser camaleonicamente apropriado, re-significado e re-entoado, ratificando
que a homogeneidade linguística é uma ilusão ideológica (ORTIZ, 2004).
Em concordância com Ortiz, adotaremos o termo "inglês mundial". Acreditamos
que o termo "inglês global" deve ficar reservado para designar processos econômicos e
tecnológicos que ocorrem devido à globalização. Tampouco faremos uso da expressão
"inglês internacional", pois essa concepção nos remete a um idioma íntegro que circula
entre as nações e não é o caso, como explicitado no primeiro parágrafo (ORTIZ, 2004,
p.09)
48

Segundo Pennycook (1994), a hegemonia do inglês mundial se sustenta por várias


representações positivas sobre sua importância no mundo contemporâneo. Dentre elas, a
naturalidade, a neutralidade e a posição benéfica. Contudo, considerar o idioma somente
desta forma seria assumir uma posição inocente no contexto global. Ou seja, não podemos
ignorar a história de sua propagação (não foi de maneira natural), as questões políticas e
forças globais que promoveram seu status (não houve neutralidade) e vislumbrar somente
seu lado positivo de cooperação e equidade entre os povos (sempre há um lado negativo).
Recordemos que uma língua mundial sustenta o poder do neoimperialismo através dos
discursos homogeneizantes divulgados pelas indústrias de comunicação e informação.
Além disso, o domínio dessa língua é atravessado por discursos de prestígio, inclusão e
exclusão social, competitividade, mercado. Sendo assim, o inglês não é natural, neutro e
apenas benéfico. Segundo Siqueira, o ensino do inglês:

longe de ser apenas uma combinação de siglas e palavras, move uma


indústria multimilionária, altamente competitiva e que se orienta a partir
das decisões de adoção de um modelo de ‘inglês padrão’ a ser difundido
e ensinado para um público de alguns bilhões de pessoas em quase todas
as partes do planeta (SIQUEIRA, 2008, p. 79)

A Inglaterra ganha quase 1 bilhão e 300 milhões de libras com o ensino de inglês e
10 bilhões de libras por ano com exportações de itens a ele relacionados (KINOCK, 2006).
Este exemplo legitima o caráter mercadológico que permeia o ensino, não somente do
inglês, mas das línguas estrangeiras na contemporaneidade. É importante destacar que a
disseminação da língua inglesa promove a busca por outras mercadorias linguísticas
(GRADDOL, 2006), uma vez que a aprendizagem de outros idiomas reflete a crença de
inserção no mercado de trabalho e de ascensão social e, por consequência, gera lucros para
as indústrias de ensino de línguas, o que caracteriza o processo de comoditização do
ensino de línguas e o status neoliberal da educação, temática que discutiremos mais
adiante.
Embora o inglês esteja desterritorializado e não seja imposto por nenhum Estado-
nação, ainda se faz presente como imperialista no imaginário dos sujeitos. Segundo Cox e
Assis-Peterson é do conhecimento de todos “que o alcance de nossa voz terá a amplitude
da língua que falamos. Isso nos coloca diante de um imperativo: ‘Aprenda inglês’!” (COX
e ASSIS-PETERSON, 2007, p. 09-10) em uma referência à expansão do inglês em escala
planetária e à globalização. Sendo assim, aprender inglês, atualmente, é ter acesso aos
49

discursos do poder e dos saberes que oportunizam, principalmente, as ascensões


econômica e social.

2.3.1.3. A Ideologia Pan-hispânica

O Pan-hispanismo, segundo Del Valle (2007), se refere aos esforços feitos pela
Espanha na promoção internacional da língua espanhola através da expansão de uma
consciência comunitária, uma ideologia linguística que reforça o sentimento de lealdade à
língua e às visões de identidade coletiva entre todos os países hispanofalantes.
Segundo o linguista, o mundo globalizado e as perspectivas econômicas positivas,
advindas de laços e investimentos empresariais em outros países, propiciaram o surgimento
da Espanha como controladora e divulgadora do idioma e da cultura hispânicos. Para tanto,
não mede esforços para desenvolver uma consciência comunitária que possa ser
compartilhada com as antigas colônias, fundamentando-se na hispanofonia, uma ideologia
linguística que concebe o idioma como a materialização de uma ordem coletiva: ordem
que deve ser conseguida através da afinidade cultural, psicológica, afetiva e do sentimento
de lealdade à "língua". Em outras palavras, um sistema de ideias formados por noções
linguísticas e visões da identidade coletiva que deve ser entendido no contexto do
desenvolvimento político e econômico da Espanha. Essa ideologia faz parecer a presença
do capital espanhol natural e legítimo ao progresso mascarando a versão pós-moderna da
velha relação colonial.
É importante ressaltar que o controle e a promoção da língua espanhola foram
autolegitimados pela Real Academia Española - RAE - e pelo Instituto Cervantes e para
que a língua se internacionalizasse foi necessário separá-la dos vínculos culturais e
nacionais, torná-la pan-hispânica. Esta desassociação entre língua e cultura concede,
segundo as instituições espanholas, um caráter neutro ao idioma. Contudo, acrescentamos
que por trás dessa aparente unidade e neutralidade, as instituições espanholas apresentam a
variedade central peninsular em suas produções (dicionários, aulas virtuais) e justificam a
escolha por não estar em interação com outras línguas, ter menos elementos
diferenciadores a respeito da "língua comum", ter suficiente importância demográfica e
apresentar grande projeção cultural através dos meios de comunicação a toda comunidade
hispanofalante (MAR-MOLINERO, 2013, p.171).
50

Segundo Del Valle, a defesa da unidade e da promoção da língua espanhola estão


fundamentadas em três propriedades que caracterizam a ideologia pan-hispânica:
"concórdia", "universalismo" e "rentabilidade".
A concórdia qualificaria, no discurso de internacionalização da língua espanhola, o
idioma como lengua de encuentro, ou seja, instrumento de comunicação que possibilita o
diálogo e a convivência harmônica baseada na crença de uma lealdade à comunidade
imaginada32 pan-hispânica desterritolizada. O ápice da defesa desta propriedade foi a
declaração de Juan Carlos I, ao afirmar que a língua espanhola nunca foi imposta e que os
diversos povos que habitavam a América desejaram aprendê-la. Entendemos que o
governo espanhol busca uma imagem positiva para a língua espanhola através da
dissimulação de fatos históricos que comprovam os reais conflitos existentes entre
América Hispânica e Espanha em todos os âmbitos, inclusive no linguístico.
Ainda segundo Del Valle, o universalismo seria determinado não pelos 21 países
em que o espanhol é a língua oficial, mas por sua capacidade de expansão demonstrada no
interesse em aprendê-la objetivando a ascensão social e econômica e sua importância e
presença no sistema educativo de vários países.
A rentabilidade se referiria ao valor econômico da etiqueta "Espanhol". Esta
propriedade, ao nosso ver, é a que está por trás das duas primeiras. A movimentação do
mercado cultural e linguístico e as possibilidades econômicas diretas e indiretas da
exploração das línguas promovem sua transfiguração como se fossem marcas comerciais
no imaginário comum. Esta propriedade se torna legítima quando pensamos que o mundo
em que vivemos, concebido numa certa ótica como globalizado, tem como engrenagem e
sustentáculo o mercado capitalista neoliberal e sua forma contemporânea de organização.
O Pan-hispanismo promovido pelas ideias de unidade, universalidade,
expansionismo está, segundo Moreno Cabrera (2008), fundamentado em argumentos
políticos e não linguísticos. Segundo o linguista, as justificativas para a superioridade do
espanhol são falsas, pois todas as línguas possuem as mesmas características: flexibilidade,
aceitabilidade, facilidade, riqueza, aplicabilidade. Segundo o linguista, estes atributos, nada
linguísticos, estão baseados na ideologia nacionalista espanhola. Ideologia negada no

32
A expressão comunidade imaginada foi cunhada pelo cientista político e historiador Benedict Anderson.
Segundo o autor, uma comunidade imaginada é independente das explorações e desigualdades que existem
dentro de seus limites territoriais, dessa forma, é interpretada como uma grande fraternidade constituída por
pessoas que se percebem como integrantes de um determinado grupo que defende os mesmos interesses e
possuem o mesmo objetivo (ANDERSON, 2005)
51

processo de ascensão do espanhol, pois a noção de neutralidade do idioma é necessária


para o estabelecimento da nova imagem da língua. No entanto, a promoção de línguas
diferentes do espanhol estândar33 ou de um estândar que não seja baseado no dialeto
castelhano é rechaçada pela Real Academia Española que apoia e dá justificativa científica
a esse nacionalismo. Dessa forma, as demais línguas e suas variedades são desvalorizadas
e marginalizadas.
Outra questão relevante, referente à ideologia pan-hispânica, é sua característica de
subordinação em relação ao inglês. Segundo Moreno Cabrera (2015), o objetivo da política
linguística espanhola não é competir com o inglês. Inclusive o autor afirma que, como não
é provável que o espanhol ocupe o primeiro posto, deve se conformar com o segundo;
posição que não é reconhecida na Europa, uma vez que os países vizinhos são "muito
poderosos tanto econômica, política e culturalmente" (MORENO CABRERA, 2015, p.
248). Sendo assim, ser subordinado ao inglês não garante o apaziguamento dos conflitos
linguísticos, pois os diversos imperialismos culturais e econômicos europeus são rivais
pelo desejo de ocupar o "segundo lugar".
Em suma, tanto a promoção da língua espanhola como a da língua inglesa estão
vinculadas a interesses políticos e econômicos que atendem a uma demanda produzida pelo
sistema capitalista no Império. A diferença efetiva entre elas no âmbito nacional é a
existência de leis que obrigam o ensino da primeira. A língua inglesa "vende-se" por si
própria e a espanhola ainda precisa de subterfúgios que assegurem - pelo menos na teoria -
o seu espaço. Independentemente do caminho percorrido, ambas não devem sua ascensão a
fatores linguísticos, senão à rentabilidade econômica que oferecem.

3. Memória do Ensino de Línguas Estrangeiras no Brasil

Com a finalidade de compreender os processos ideológicos relativos à promoção de


determinadas línguas, suas formas de acúmulo e encadeamento (FOUCAULT, 2008b) e as
regularidades que fazem com que um determinado enunciado político-linguístico apareça e
não outro em seu lugar (FOUCAULT, 2008a), recorreremos à história do ensino das
línguas estrangeiras no Brasil, uma genealogia "que dê conta da constituição dos saberes,

33
As Orientações Curriculares para o Ensino Médio criticam a adoção da ideia de espanhol estândar, que
seria um idioma estrangeiro a ser ensinado sem favorecer os "sotaques locais, as construções e o léxico
peculiares de sua região e cultura, em nome de privilegiar esse Espanhol que poderia, em tese, ser entendido
onde quer que seja" (BRASIL, 2006, p. 134).
52

dos discursos, dos domínios de objeto, etc." (FOUCAULT, 1984, p. 07). Cabe ressaltar que
nosso foco não é a ordem cronológica dos fatos, mas as práticas instituídas pelas relações
de poder. Nas palavras de Orlandi:

A história está ligada a práticas e não ao tempo em si. Ela se organiza tendo
como parâmetro as relações de poder e de sentidos, e não a cronologia: não é o
tempo cronológico que organiza a história, mas a relação com o poder (a
política). (ORLANDI, 1990, p.42)

Os enunciados são efeitos de sentido produzidos em condições determinadas,


denominadas como condições de produção dos discursos. Segundo Orlandi (2013), as
condições de produção compreendem os sujeitos e a situação. Em seu sentido estrito,
temos as circunstâncias da enunciação, ou seja, o contexto imediato, o intradiscurso34 e, no
sentido mais amplo, as condições de produção englobam os contextos sócio-histórico,
ideológico e a memória discursiva.
Nas palavras de Orlandi, a memória discursiva, também chamada interdiscurso, é
"o saber discursivo que torna possível todo o dizer e que retorna sob a forma do pré-
construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da palavra"
(ORLANDI, 2013, p. 31), ou seja, um conjunto de formulações feitas e já esquecidas que
determinam o que dizemos, e ainda, fragmentos dispersos de várias discursividades que
atravessam, constituem e atribuem ao discurso um caráter heterogêneo.
Dito isto, apresentaremos um breve panorama sobre o ensino de línguas
estrangeiras em nosso país, mais especificamente no Rio de Janeiro, pois acreditamos que
os enunciados que preconizam ou determinam as intervenções linguísticas são
materializações de práticas discursivas que refletem e refratam 35 a memória discursiva
"responsável pela manutenção da tradição, dos aspectos culturais, dos conhecimentos que
herdamos" (CORACINI, 2013, p.16).
Segundo Leffa (1999), as línguas estrangeiras são ensinadas desde as primeiras
escolas fundadas pelos jesuítas em solo brasileiro. No período colonial, ensinavam-se as
línguas clássicas: o grego e o latim. Após a chegada da Família Real, em 1808, as línguas
modernas começaram a ser ensinadas. De acordo com Celani (2006), as primeiras cadeiras
34
Segundo Orlandi, o intradiscurso "seria o eixo da formulação, isto é, aquilo que estamos dizendo naquele
momento dado, em condições dadas" (ORLANDI, 2013, p. 33).
35
Para Bakhtin (2010), os signos refletem e refratam o mundo, isto é, não apenas descrevem nossa visão
sobre o mesmo, mas também as construções que realizamos na dinâmica da história, nossas interpretações
sobre a realidade social.
53

de língua inglesa e língua francesa são criadas por meio da "Resolução de Consulta da
Mesa do Desembargo do Paço de 14 de julho de 1809" 36, dando início ao processo de
institucionalização de tais línguas.
Esta decisão política marca a primeira de uma série de rupturas que constituem a
memória discursiva sobre o ensino de línguas no Brasil, ao passar o status das línguas
inglesa e francesa de recomendadas a regulamentadas institucionalmente. Dessa forma,
novos dizeres são instaurados tanto no âmbito pedagógico (metodologias de ensino,
material didático, etc.) quanto no social, político e econômico. De acordo com a lei, ambas
as línguas eram de grande utilidade e, por esta razão, suas escolhas podem ser atribuídas a
uma política de Estado, uma vez que o contexto de produção desse discurso governamental
está inserido na época da invasão francesa a Portugal, a vinda e o estabelecimento da
Família Real Portuguesa no Brasil, com o apoio da Inglaterra.
A criação do Colégio Pedro II, em 1837, e a reforma de 1855, que dividia o ensino
em dois ciclos37, impulsionaram a ampliação do ensino das línguas estrangeiras modernas.
E, assim, o alemão e o italiano, juntamente com o inglês e o francês foram incluídos no
currículo da escola secundária. Embora a língua espanhola não apareça na grade curricular,
seu ensino passa a ser oferecido como optativo em 1919, após a aprovação do professor
Antenor Nascentes, através de concurso público com defesa de tese, para a cátedra de
espanhol (FREITAS, 2011). Em 1925, o professor foi transferido para a cadeira de
português (ESCRAGNOLLE DÓRIA apud FREITAS, 2011) e a língua espanhola
enfrentou um período de esquecimento até o ano de 1942.
Em 1942, a Reforma de Capanema desempenhou um importante papel no ensino de
línguas estrangeiras no Brasil. Apesar de polêmica por ser autoritária, por minimizar a
diversidade linguística ao promover apenas o francês, o inglês e o espanhol e silenciar as
demais línguas, não se pode negar que foi "a reforma que mais deu importância ao ensino
36
O texto completo com a Resolução de Consulta da Mesa do Desembargo do Paço de 14 de julho de 1809
está disponível no site: http://www.camara.leg.br/Internet/InfDoc/conteudo/Colecoes/Legislacao/Legimp-
A4_8.pdf
37
O regulamento para o Colégio Pedro II, aprovado pelo Decreto n. o  1.556, de 17 de fevereiro de 1855
(disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1556-17-fevereiro-1855-
558426-publicacaooriginal-79672-pe.html), estabelecia um ciclo de ensino com duração de quatro anos e o
outro com duração de três anos. As línguas estrangeiras ensinadas durante os sete anos de estudos eram:
latim, francês, inglês, grego, alemão e italiano. Os alunos que cumprissem os dois ciclos recebiam o título de
Bacharel em Letras e, assim, adquiriam o direito de fazer matrícula em qualquer instituição de ensino
superior.
54

de línguas estrangeiras" no Brasil" (LEFFA, 1999, p.11). De acordo com o Decreto-Lei n°


4.244, de 9 de abril de 1942 (BRASIL, 1942), que dispunha sobre a Lei Orgânica do
Ensino Secundário, as línguas estrangeiras modernas seriam ensinadas da seguinte forma:
no Ginásio, o francês seria obrigatório nos quatro anos e o inglês nos dois últimos. No
Clássico, os alunos estudariam francês ou inglês e espanhol nos dois primeiros anos.
Finalmente, no Científico, francês e inglês nos dois primeiros anos e espanhol apenas no
primeiro.
A reforma de Capanema aconteceu no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939-
1945), fato que justifica a obrigatoriedade das línguas inglesa e espanhola. O inglês
simboliza a imagem do Estados Unidos como país aliado; nação capitalista que
influenciou a sociedade brasileira e "alterou hábitos, costumes, padrões de comportamento
e de linguagem" (SOUZA, 2005, p. 148). A língua espanhola foi incluída no lugar da
língua alemã, idioma que simbolizava o inimigo de guerra (FREITAS, 2011).
Quase 20 anos depois, em 1961, surge a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN) n° 4.024 (BRASIL, 1961), que reduziu o ensino de línguas estrangeiras
para menos de 2/3, ao sugerir a oferta de apenas uma língua estrangeira. Segundo Leffa
(1999), o latim foi retirado do currículo e o francês teve sua carga horária semanal
diminuída, dando início ao "fim dos anos dourados das línguas estrangeiras" (LEFFA,
1999, p. 22). Em 1971, surge uma nova LDBEN, Lei n° 5.692, que ao enfatizar a formação
profissional reduziu ainda mais o espaço das línguas estrangeiras no âmbito da educação
básica. Ainda de acordo com Leffa (1999), muitas escolas deixaram de ofertar línguas
estrangeiras no 1° grau - antigo ginásio e, atualmente, ensino fundamental II. De acordo
com essas leis, apenas as disciplinas de português, matemática, geografia, história e
ciências eram obrigatórias e o ensino de línguas estrangeiras ficou a cargo dos Conselhos
Estaduais. De acordo com o texto38 publicado na linha do tempo da revista eletrônica
História do Ensino de Línguas no Brasil - HELB do Programa de Pós-Graduação em
Linguística Aplicada da Universidade de Brasília, a partir das LDBEN de 1961 e 1971 a
opção pelo estudo da língua inglesa aumentou consideravelmente e houve uma explosão de
cursos particulares deste idioma, uma vez que língua estrangeira não se aprenderia na
escola.
Em 1976, a resolução n° 58, novamente, inclui uma língua estrangeira moderna no
núcleo comum do ensino de 1º e 2° graus. Após essa determinação a língua espanhola

38
Texto disponível em: http://www.helb.org.br/index.php/linha-do-tempo/1035-1961/32-ldb-de-1961
55

"praticamente desaparece das escolas brasileiras e permanecem hegemônicos durante


quase três décadas o francês e o inglês, em especial" (FREITAS, 2011, p.05).
Em 1996, é publicada a LDBEN nº 9.394, que versa sobre o ensino de línguas
estrangeiras, no quinto parágrafo do artigo 26, dessa forma:

§5º Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir


da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja
escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da
instituição (BRASIL, 1996).

Embora a LDBEN de 1996 não determinasse a LE que deveria ser ensinada, as


políticas linguísticas de promoção do idioma espanhol se intensificaram nos anos 1990
devido aos acordos políticos entre os países de língua espanhola e o Brasil, década de
maior prestígio do espanhol em nosso país.
Cabe ressaltar que a língua inglesa nunca deixou de ser hipercentral e que todos os
esforços e conquistas em defesa de um ensino de línguas estrangeiras com orientação
plural sofreram, mais uma vez, uma ruptura com a aprovação da Medida Provisória n°746
de 2016, que foi convertida na Lei Federal n° 13.415 de 16 de fevereiro de 2017. Esta lei
altera o texto da LDBEN de 1996, ratificando a hegemonia do inglês na atualidade. Dessa
forma, o parágrafo quinto do artigo 26° passa a ter a seguinte redação: "No currículo do
ensino fundamental, a partir do sexto ano, será ofertada a língua inglesa" (BRASIL, 2017).
Além disso, a Lei n° 13.415/ 17 revoga a Lei no11.161, de 5 de agosto de 2005, conhecida
como a "Lei do Espanhol".
Nesse sentido, podemos afirmar que a recente política linguística implementada no
âmbito federal ratifica a já adotada pela gestão municipal anterior desta cidade. Sendo
assim, podemos refletir que gestos enunciativos de políticas públicas educacionais, como o
PRCG, funcionaram como instrumentos propiciadores de efeitos discursivos e de políticas
linguísticas ainda mais amplas e danosas. No entanto, é importante destacar que, embora as
reflexões englobem, no momento, a implementação de políticas linguísticas no contexto
nacional, nossa pesquisa se concentrará apenas no que tange às questões ocorridas no
município do Rio de Janeiro.

3.1. O Ensino da Língua Espanhola


56

A história da Língua Espanhola, no contexto educacional de nosso país, é marcada


por questões políticas que refletiam no ensino da língua suas ideologias sobre as ordens
mundiais que se instalavam em cada período. Entre idas e vindas, a língua espanhola se
estabeleceu na grade curricular do ensino médio do Rio de Janeiro duas décadas antes da
Lei Federal 11.161/2005 (BRASIL, 2005), que torna obrigatória a oferta da disciplina
nesse segmento. A Lei de número 2.447/1995 (ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 1995),
tornava obrigatória a presença do espanhol em todas as escolas públicas de ensino de 1º e
2º Graus do Estado do Rio de Janeiro. Em 1998, houve o primeiro concurso para a rede
municipal do Rio de Janeiro, gesto seguido por outros municípios (FREITAS, 2011). No
ano seguinte, foi aprovada a Lei n°. 2.939/1999, que dispõe sobre a obrigatoriedade do
ensino da língua espanhola em toda a Educação Básica na rede municipal de ensino
(APEERJ, 2013). Além disso, os cursos livres, que até então ofereciam apenas inglês,
passaram a ofertar a língua espanhola. Esta década ficou marcada pelo boom do espanhol.
As justificativas para sua regulamentação estão fundamentadas em decisões
políticas, como a substituição do alemão, por ser a língua do inimigo da Segunda Guerra
Mundial; o discurso de Brizola, ex-governador do Estado do Rio de Janeiro, que defendia
uma união Latino-Americana contra o imperialismo americano (FREITAS, 2011); a
"expansão das relações comerciais entre Brasil e países latino-americanos falantes de
espanhol e a chegada de diversas empresas e instituições espanholas ao Brasil
impulsionaram o mercado de ensino dessa língua" (LISBOA, 2009, p. 208). Segundo
Freitas:

Atribui-se a fatores da conjuntura internacional esse boom, como o


advento do Mercosul em 1991, o estabelecimento de diversas empresas
espanholas no Brasil e o fato de o espanhol ser considerado atualmente a
segunda língua internacional, com uma demanda cada vez maior em
muitos países, especialmente nos EUA. (FREITAS, 2011, p.13)

Segundo Del Valle, a ascensão da língua espanhola está fundamentada em uma


ideologia linguística mercantil, uma vez que, o idioma espanhol, de acordo com a Real
Academia Española e o Instituto Cervantes, que buscam sua afirmação como língua global,
"é uma língua útil e rentável e seu conhecimento pode constituir um valioso recurso
econômico para quem o possua" (DEL VALLE, 2007, p. 99). No entanto, apesar de todos
os esforços advindos dessas instituições, o ensino da língua espanhola na última década
decresceu. Embora as leis federal, estadual e municipal estivessem em vigor, vimos na
57

prática a diminuição de sua oferta, sobretudo no ensino fundamental do município do Rio


de Janeiro, fato que se explica não só pela implementação do Programa Rio Criança
Global, mas também pela interpretação do Decreto Municipal n.° 31.187/09 adotada pela
SME-RJ. Interpretação esta que tenta fixar um sentido vinculado à ideologia linguística
dominante, aproveitando-se dos não-ditos por ele configurados.
E, mais recentemente, pela Medida Provisória n° 746/ 2016, convertida na Lei Federal n°
13.415 de 16 de fevereiro de 2017, que diminuiu a importância da língua espanhola ao
revogar a Lei Federal 11.161 e tornar obrigatório o ensino da língua inglesa no Ensino
Médio e no Ensino Fundamental.
Finalmente, concluímos, após todo o exposto sobre as memórias discursivas a
respeito das línguas que foram e que são fomentadas e ensinadas no Brasil, em especial as
línguas espanhola e inglesa, que as políticas linguísticas adotadas não obedecem nenhum
critério linguístico, senão aos de cunho econômico que transformam o ensino de línguas
estrangeiras em uma habilidade indispensável para as relações mercantis. Em outras
palavras, o ensino de línguas estrangeiras tornou-se um produto, uma commodity, pois
podem ser compradas e vendidas como forma de acesso às condições e posições mais
destacadas na sociedade (MAY, 2001). Segundo Holliday, a língua como commodity é
algo poderoso e perigoso, atrelado à ideia de "colonização ideológica" (HOLLIDAY, 1990,
p. 15). Embora o linguista tenha se referido à língua inglesa, entendemos que a mesma
ideologia pode ser aplicada ao ensino da língua espanhola.
58

III METODOLOGIA

A finalidade desta investigação, como dito anteriormente, é compreender nos


enunciados das esferas política e educacional quais mecanismos sociodiscursivos
conduzem à escolha das línguas estrangeiras a serem ensinadas e as ideologias linguísticas
que subjazem tanto aos discursos governamentais como aos docentes no contexto da
educação básica do município do Rio de Janeiro. Para tanto, utilizaremos a abordagem
qualitativa por ser o tipo de pesquisa que, segundo Godoy (1995), se ocupa dos fenômenos
que envolvem as intrincadas relações entre linguagem, sujeitos e sociedade. Dentre os
métodos utilizados nos trabalhos de cunho qualitativo, adotamos a pesquisa documental e a
entrevista semiestruturada para a geração de dados.
Desse modo, neste capítulo, explicaremos o processo de construção do arquivo
(FOUCAULT, 2008a) e apresentaremos os gêneros discursivos (BAKHTIN, 2003) que
constituem os objetos de estudo desta pesquisa.

1. Monumentos e Arquivo
59

Os discursos pertencentes à FD sobre o ensino e aprendizagem de línguas


estrangeiras que serão investigados neste trabalho se referem à implementação do
Programa Rio Criança Global (PRCG), que amplia o ensino de inglês para todas as séries
do ensino fundamental no âmbito da educação municipal do Rio de Janeiro. Entretanto,
antes de apresentar a metodologia utilizada para a constituição e o recorte dos corpora,
faz-se necessário definir os conceitos de "monumento" e "arquivo", advindos da
perspectiva foucaultiana da análise do discurso, para auxiliar tanto na compreensão das
especificidades de ambas as noções, como nas condutas adotadas para a organização dos
discursos a serem analisados.
Foucault (2008a) propõe que a análise dos discursos seja feita pelo viés
arqueológico, contrapondo-se à história tradicional, factual. Esta investiga nos documentos
a "verdade", obtida através da ciência, dos experimentos, estabelece uma ordem temporal,
linear da história. A arqueologia critica o enfoque dado ao documento e transforma-o em
monumento para que a análise não obedeça a uma linearidade histórica ou tenha como
tarefa primordial a interpretação ou a verificação das verdades. Nas palavras de Foucault:

[...] a história, em sua forma tradicional, se dispunha a “memorizar” os


monumentos do passado, transformá-los em documentos e fazer falarem estes
rastros que, por si mesmos, raramente são verbais, ou que dizem em silêncio
coisa diversa do que dizem; em nossos dias, a história é o que transforma os
documentos em monumentos e que desdobra, onde se decifravam rastros
deixados pelos homens, onde se tentava reconhecer em profundidade o que
tinham sido, uma massa de elementos que devem ser isolados, agrupados,
tornados pertinentes, inter-relacionados, organizados em conjuntos. Havia um
tempo em que a arqueologia, como disciplina dos monumentos mudos, dos
rastros inertes, dos objetos sem contexto e das coisas deixadas pelo passado, se
voltava para a história e só tomava sentido pelo restabelecimento de um
discurso histórico; poderíamos dizer, jogando um pouco com as palavras, que a
história, em nossos dias, se volta para a arqueologia para a descrição intrínseca
do monumento (FOUCAULT, 2008b, p.8).

Sob esta ótica, os documentos devem ser analisados em suas condições de


produção, ou seja, a análise deve compreender as condições políticas, econômicas, sociais
de emergência dos discursos do saber e a articulação entre eles em uma determinada época.
Dessa forma, os documentos deixam de abrigar verdades únicas e tornam-se flexíveis, pois
a análise é feita de forma não linear, isto é, a análise é realizada a partir das relações
existentes entre os vários textos atravessados pela mesma formação discursiva com a
60

finalidade de não mais detectar a origem, o progresso, a continuidade histórica das ideias,
mas a existência das interrupções que transformam os sentidos antes instaurados. Para
tanto, faz-se necessária uma investigação minuciosa do documento para que se transforme
em monumento. Nas palavras de Foucault:

[...] a história mudou sua posição acerca do documento: ela considera como sua
tarefa primordial, não interpretá-lo, não determinar se diz a verdade, nem qual
seu valor expressivo, mas sim trabalhá-lo no seu interior e elaborá-lo: ela o
organiza, recorta, distribui, ordena e reparte em níveis, estabelece séries,
distingue o que é pertinente e não é, identifica elementos, define unidades,
descreve relações (FOUCAULT, 2008a , p. 07).

Isto implica dizer que a análise aqui proposta possui o objetivo de desvelar o
documento, quer dizer, de ultrapassar a superficialidade dos discursos na busca de
unidades, séries, contradições que possam provocar descontinuidades, rupturas dos
paradigmas até então estabelecidos e transmitidos historicamente sobre o ensino de línguas
estrangeiras para, assim, transformá-los em monumentos.
De acordo com Foucault, ao convertermos os documentos em monumentos os
discursos passam a ser descritos "como práticas específicas no elemento do arquivo"
(FOUCAULT, 2008a, p.174). O signo arquivo, em seu sentido denotativo, é compreendido
como termo que se refere ao:

conjunto de documentos (recortes de jornais, revistas, fotos, cartas,


anotações pessoais etc.) nos quais se acha registrada a história, ou parte
da história, de um país, cidade, família, instituição etc., e que podem ser
usados como material de pesquisa ou fonte de consulta (MICHAELIS
ONLINE, 2017)

Entretanto, para Foucault (2008a), o arquivo não é apenas uma totalidade de textos
que refletem a memória social coletiva, não é um somatório de textos inertes acumulados
por uma sociedade que aguarda o "milagre eventual da sua ressurreição" (FOUCAULT,
2008a , p. 147). O arquivo é um jogo de regras que permite o surgimento, a transformação
ou o desaparecimento de enunciados. "É a lei do que pode ser dito", não no sentido da
interdição, mas da possibilidade da "multiplicidade dos enunciados" (FOUCAULT, 2008a,
p.147). Operar com a noção de arquivo é considerar que os enunciados são mutáveis de
significação, é compreender que as condições históricas que viabilizam tanto a formação
como a permanência, a transformação e o desaparecimento desses enunciados permitem
61

que os monumentos não tenham uma única interpretação, senão várias leituras. Segundo
Foucault:
São todos esses sistemas de enunciados (acontecimentos de um lado, coisas de
outro) que proponho chamar de arquivo [...] o arquivo define um nível
particular: o de uma prática que faz surgir uma multiplicidade de enunciados
[...] ele faz aparecerem as regras de uma prática subsistirem e, ao mesmo tempo,
se modificarem regularmente. É o sistema geral da formação e da transformação
dos enunciados (FOUCAULT, 2008a, p. 146-147).

Estas considerações explicam o movimento de constituição dos corpora, uma vez


que os textos selecionados para o estudo materializam discursos sobre a concepção do
ensino de uma língua estrangeira e estão inscritos em determinadas condições de produção
que possibilitam significações e ressignificações constantes. Dessa forma, os corpora se
apresentam instáveis e em processo contínuo de construção e reconstrução. Cabe-nos,
como analistas, identificar, descrever as regularidades das práticas discursivas, as relações
de repetição e deslocamento existentes em diversos textos que pertencem a diferentes
gêneros, e são atravessados - ainda que de forma heterogênea - por certas formações
discursivas e circulam em suportes distintos.
De acordo com Foucault (2008a), a análise enunciativa deve considerar três efeitos
característicos dos enunciados: a raridade, a exterioridade e o acúmulo. A lei da raridade se
refere à possibilidade de formulação possível dos enunciados, ao limite entre o dito e o
não-dito, ao porquê de um enunciado ter aparecido e não outro em seu lugar. Sendo assim,
"por serem raros os enunciados, recolhemo-los em totalidades que os unificam e
multiplicamos os sentidos que habitam em cada um deles" (FOUCAULT, 2008a, p. 136).
A lei de exterioridade diz respeito às condições de emergência dos enunciados, suas
possibilidades de existência. Para tanto, é necessário considerar a especificidade dos
campos dos enunciados e a não existência de "um sujeito individual, nem alguma coisa
semelhante a uma consciência coletiva, nem uma subjetividade transcendental”
(FOUCAULT, 2008a, p. 138), que seriam tomados de modo essencialista como fontes
originárias do dizer. Na verdade, dentro dessa concepção os enunciados se constituem em
um campo autônomo que define as diferentes posições dos sujeitos falantes.
A lei do acúmulo se relaciona à memória, a um conjunto de já-ditos que devem ser
considerados na remanescência que lhes é própria graças a um certo número de suportes,
técnicas materiais e instituições que os conservam no tempo. Nesse sentido, a análise dos
62

enunciados pela perspectiva arqueológica não busca a origem dos enunciados, senão seus
acúmulos.
Nesse contexto, Foucault, ao ampliar o campo de investigação e incluir o estudo
das práticas não discursivas na análise dos enunciados, propõe uma análise do "saber em
termos de estratégia e táticas do poder" (CASTRO, 2009, p. 185). Dessa forma, o método
arqueológico passa a englobar o genealógico, ou seja, a análise deve considerar a

antologia histórica de nós mesmos em nossas relações com a verdade,


que permite nos constituirmos como sujeitos de conhecimento; nas
nossas relações com um campo de poder, que permite nos constituirmos
como sujeitos que agem sobre os outros; e em nossas relações com a
moral, que permite nos constituirmos como agente éticos (REVEL, 2005,
p. 53)

Nesse sentido, a passagem dentro dos estudos foucaultianos de arqueologia para


genealogia implica uma maior consideração das relações entre saber, discurso e poder, bem
como dos processos de subjetivação que tais relações engendram.
Como já mencionado no capítulo 1, Foucault no livro A ordem do discurso (2013a)
descreve diversas formas de poder que atravessam os discursos. Denomina como sistemas
de exclusão as formas de controle, limitação ou impedimento à criação dos enunciados,
indiciando o papel performativo da interdição e do comentário.
De acordo com o filósofo, o dito sofre interdições, pois não temos o direito de dizer
tudo, tampouco falar de tudo em qualquer circunstância, enfim, não podemos falar
qualquer coisa (FOUCAULT, 2013). Além disso, para ser aceito, o dito precisa de um
autor, não o signatário, mas um sujeito que "garanta" a veracidade, a legitimidade de um
discurso. Tendo em vista o efeito de acúmulo que a dinâmica do arquivo gera, é importante
se pensar no comentário como forma de controle que através da memória reproduz
parafrasticamente os discursos de um texto primeiro.
Dito isto, para que possamos fazer uma análise discursiva embasada nos princípios
foucaultianos, adotaremos o percurso metodológico proposto por Orlandi (2013).
Primeiramente, constituiremos o corpora para que façamos a análise da superfície
linguística, isto é uma análise superficial do texto. Nesta estapa, observaremos sua
construção composicional, seu conteúdo temático e seu estilo (BAKTHIN, 2003).
Posteriormente, iniciaremos o processo de de-superficialização, de materialidade
linguística. Nesta etapa consideraremos "o como se diz, o quem diz, em que
circunstâncias" (ORLANDI, 2013, p. 65) com o objetivo de perceber as marcas do sujeito
63

enunciador no discurso. Tais marcas podem ser observadas em função das formações
imaginárias que temos, ou seja, a imagem que se tem de um aluno, um docente, etc. A
partir desse momento, construiremos um objeto discursivo, ou seja, analisaremos o que é
dito no discurso presente no corpus e "o que é dito em outros, em outras condições,
afetados por diferentes memórias discursivas" (ORLANDI, 2013, p. 65). Por último, nos
aprofundaremos um pouco mais e atingiremos o processo discursivo, isto é, observaremos
o modo como a história faz parte dos discursos, uma vez que estes refletem sentidos "já
realizados, imaginados e possíveis" (ORLANDI, 2013, p. 67) através de processos como
paráfrase, polissemia, o (não) dito. Dessa forma, encontraremos gestos de interpretação
construídos na historicidade (trama de sentidos no texto) e poderemos "explicitar o modo
de constituição dos sujeitos e de produção dos sentidos (ORLANDI, 2013, p. 68) nas
relações de poder.
É pensando no processo discursivo que envolve as formas de inscrição do histórico,
do político e do ideológico nos discursos que perfazem as políticas de ensino de línguas
estrangeiras que sentimos a necessidade de empreender a análise linguístico-enunciativa
dos corpora, centrando-nos na discussão sobre a presença e produtividade, no interior
desse arquivo dos principais tipos de argumentos categorizados por Fiorin (2016, p. 112), a
saber: a) os quase lógicos; b) os que se fundamentam na estrutura do real; c) os que
fundam a estrutura do real. Em seguida, analisaremos os mecanismos argumentativos -
elementos linguísticos que mostram a força argumentativa dos enunciados - (KOCH, 2011,
2016; CHARAUDEAU, 2016), utilizados para a produção do efeito de persuasão.
É necessário destacar que, embora toda a análise esteja sendo pensada sob o viés
discursivo, cada objeto de estudo merecerá uma forma singular de abordagem, uma vez
que nosso corpora é constituído por distintos gêneros.
\
2. A Constituição do Arquivo

Para geração de corpora nesta investigação, foram coletados, inicialmente, via


Internet, textos cujo conteúdo temático fosse a implementação de línguas estrangeiras no
âmbito municipal do Rio de Janeiro. Todos os selecionados pertencem, segundo Bakhtin
(2003), a determinadas esferas de atividades humanas "que implicam na utilização da
linguagem na forma de enunciados" (FIORIN, 2008, p.61). De acordo com Marcuschi
(2003), essas esferas correspondem ao que se denomina domínios discursivos, expressão
64

que designa instâncias de produção discursiva dentro das quais se pode identificar um
conjunto de gêneros caracterizados por "práticas ou rotinas comunicativas
institucionalizadas" (MARCUSCHI, 2003. p. 24).
Os domínios discursivos a serem analisados neste trabalho se referem, segundo a
classificação adotada por Marcuschi (2008), aos discursos: jurídico, interpessoal e
instrucional. Tais domínios discursivos englobam “tipos relativamente estáveis de
enunciados” (BAKHTIN, 2003, p. 262), denominados por Bakhtin como gêneros
discursivos, que são mobilizados de acordo com cada situação de interação verbal, que
deve considerar os objetivos visados, o lugar social e o papel dos participantes. Para
Maingueneau (2008), os gêneros discursivos são dispositivos de comunicação
determinados pela condição sócio-histórica que torna possível seu aparecimento, ou seja,
estão em um contínuo processo de transformação, assim como as atividades humanas e por
esta razão podemos dizer que são relativamente estáveis.
Os textos selecionados para análise referentes ao domínio jurídico pertencem aos
âmbitos federal e municipal. Inicialmente, o Decreto Municipal n.° 31.187/09, que dispõe
sobre a implementação do Programa Rio Criança Global na cidade do Rio de Janeiro, será
o centro da análise. Entretanto, faz-se imprescindível a compreensão, ainda que en passant,
das Leis Federal n.° 9.394/96 e Municipal n.° 2.939/99, que deliberam sobre o ensino de
língua estrangeira, devido às relações de poder estabelecidas hierarquicamente entre estes
discursos. A constituição do recorte excluiu os textos referentes à educação estadual pois,
apesar do dever de atuarem em regime de colaboração, os Municípios - assim como os
Estados - possuem autonomia na elaboração e execução de políticas e planos educacionais
desde que estejam em consonância com as diretrizes e planos nacionais de educação
(BRASIL, 1996, art. 10).
À instância interpessoal de produção discursiva pertencem os seguintes textos: a
Circular E/SUBE/ n° 17, destinada às corregedorias de educação e aos diretores das
unidades escolares, e a Carta da APEERJ, endereçada à ex-secretária municipal de
educação. A análise de ambos os discursos terá como objetivo principal verificar as ações
referentes à implementação, à compreensão e aos posicionamentos assumidos diante dos
dizeres do Decreto.
Finalmente, analisaremos os discursos das entrevistas semiestruturadas, que são
próprias do domínio discursivo instrucional, pois, segundo Marcuschi (2003), transmitem
saberes relacionados aos campos educacional, científico e acadêmico. Serão realizadas
65

com três professores de espanhol da SME-RJ. A seleção desses docentes privilegia os


considerados regentes e não os que estão exercendo funções administrativas, pois
entendemos que estes o fazem por escolha própria e não por imposições ou falta de
alternativas. Sendo assim, escolhemos três áreas de regência possíveis, na atualidade, para
a acomodação dos professores de espanhol: regente de sala de leitura, de turmas regulares
de 8° e 9° anos, em caso de carência de professor de língua inglesa na unidade escolar e,
finalmente, de turma de projeto de aceleração como professor generalista 39. Nesse sentido,
os sujeitos das entrevistas podem ser assim descritos, respectivamente: (a) Ana40, mestre
em linguística, lotada na sala de leitura, 41 anos de idade, exerce a profissão há 22 anos e é
funcionária da SME-RJ há 16 anos; (b) Maria, mestre em literatura hispânica, 43 anos,
atua no magistério há 18 anos como professora de espanhol e há 04 na rede municipal do
RJ; (c) Rosa, especialista em tradução, 44 anos, atua há 18 anos como professora de
espanhol, sendo 17 no município do RJ;
Cabe ressaltar que as entrevistas, segundo Bastos e Santos (2013) como geração e
coleta de informação para pesquisas acadêmicas é vista como um acontecimento social
entre entrevistador e entrevistado, na qual o conteúdo é construído na interação entre
ambos. Segundo os autores, "...o entrevistado não é visto como fonte de informações a
serem objetivamente coletadas e analisadas, mas, antes, como alguém que constrói, com o
entrevistador, o discurso produzido na situação de entrevista..." (BASTOS & SANTOS,
2013). Nessa perspectiva, a entrevista não é vista como uma ferramenta facilitadora da
apreensão de informações que revelam o que o entrevistado sabe e o que o entrevistador
precisa saber, uma vez que a linguagem não é "homogênea, monológica, transparente, de
sentido monossêmico, segundo o qual o dito por um sujeito uno corresponde à
representação de uma verdade" (ROCHA, DAHER & SANT'ANNA, 2004, p 164).
Sendo assim, compreendemos que as entrevistas se constituem em um lugar no qual
as variadas versões da realidade podem ser construídas, pois o processo de construção dos
sentidos deve considerar as práticas discursivas, o contexto sócio-histórico e as vozes que
atravessam os sujeitos na dinâmica do processo, isto é:
39
São chamados professores generalistas aqueles que ministram aulas de português, matemática, ciências,
história e geografia para as turmas de projeto de aceleração, ainda que não possuam habilitação específica
para lecioná-las.
40
Com o objetivo de proteger a identidade dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa, foram modificados não
somente os nomes dos professores, mas também os de outras pessoas mencionadas por eles nas entrevistas,
conforme as determinações explicitadas no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido disponível no
Apêndice desta dissertação.
66

a entrevista não é mera ferramenta de apropriação de saberes, representando


antes, um dispositivo de produção/captação de textos, isto é, um dispositivo que
permite retomar/ condensar várias situações de enunciação ocorridas em
momentos anteriores (ROCHA, DAHER & SANT'ANNA, 2004, p 174).

Outra questão relevante para esta investigação é o fato de as entrevistas não serem
tomadas em sua integralidade para a análise, mas como um campo no qual circulam
determinados discursos. Sendo assim, haverá necessidade do recorte para a exclusão do
"material excedente", como nos propõem Rocha, Daher e Sant'Anna (2004), de acordo
com os objetivos da pesquisa. Em outras palavras, daremos preferência a fragmentos mais
relevantes às questões levantadas por esta investigação, isto é, aos enunciados de defesa e
manutenção da língua espanhola na grade curricular do Município do Rio de Janeiro. No
entanto, lembramos que todas as entrevistas poderão ser lidas integralmente nos anexos.
As entrevistas são consideradas semiestruturadas por combinarem perguntas abertas
e fechadas possibilitando que o entrevistador e o entrevistado possam discorrer sobre o
assunto. Em relação às questões previamente definidas, apresentamos sua estruturação:

1) O espanhol é ensinado na sua escola? Em caso afirmativo, de que maneira? Em caso


negativo, como se deu a retirada dessa disciplina?
Esta questão tem o objetivo de verificar o espaço da língua espanhola na escola do
entrevistado, assim como entender, caso seja necessário, como foi realizado processo de
retirada dessa disciplina através de ações advindas de instâncias hierarquicamente
superiores: SME-RJ - Corregedoria Regional de Educação (CRE) - Direção Escolar.

2) Em sua opinião, quais os motivos que levaram a atual gestão do município do Rio de
Janeiro a retirar a língua espanhola das escolas?
Esta pergunta tem por finalidade averiguar o conhecimento dos entrevistados acerca
das motivações que impulsionaram a implementação do PRCG.

3) Você defende a manutenção do ensino de espanhol na SME? Por quê?


Também de cunho pessoal, esta questão possui o propósito de compreender quais
as representações sobre o ensino de línguas estrangeiras na educação básica apresentam os
entrevistados e os mecanismos argumentativos que utilizam para a defesa e legitimação de
suas vontades de verdade.
67

4) Você conhece a Lei Municipal n.° 2.939/99 e o Decreto Municipal n.° 31.187/09? Que
implicações esses documentos trazem para o ensino de LE na rede municipal?
Com esta pergunta buscaremos a resposta para a nossa hipótese de pesquisa.
Supomos que no discurso dos professores entrevistados encontraremos a materialização de
ideologias linguísticas que argumentam a favor da importância da língua espanhola através
da reprodução de discursos neoliberais. Além disso, acreditamos que não haverá
enunciados que refutem a implementação da Lei 2.939/99, mas apenas a do Decreto nº
31.187, revelando, assim, a falta de uma consciência político-linguística que reconheça a
importância do ensino plural de línguas estrangeiras e não se limite às línguas
"internacionais", mais especificamente ao par hegemônico inglês e espanhol.
68

IV ANÁLISE

Neste capítulo, apresentaremos as discussões dos resultados das análises realizadas


no Decreto Municipal n° 31.187, na Circular E/SUBE/ n° 17, na Carta da APEERJ e nas
entrevistas semiestruturadas com os professores de espanhol na rede municipal do Rio de
Janeiro. Considerando que estes gêneros, por meio das modalidades escrita e oral, almejam
a realização de determinadas ações, buscaremos compreender os mecanismos
sociodiscursivos utilizados para a promoção e defesa das línguas estrangeiras que
atualmente compõem o currículo da educação básica.

1. O Decreto Municipal nº 31.187

O gênero decreto se caracteriza por ser um ato administrativo e prescritivo de


competência exclusiva do Poder Executivo - que na esfera municipal é assumida pelo
prefeito -, ou seja, sua aprovação não depende de discussão legislativa. Sendo assim, o
decreto não possui a mesma força normativa da lei e, por sua vez, não pode contrariá-la,
"sob a pena de ser ilegal e não ter validade" (SOUZA, 2014). Segundo Souza (2014), uma
lei é impositiva, ou seja, obriga o que se deve fazer ou deixar de fazer e o decreto, baseado
no princípio genérico da legalidade 41, não tem o direito de criar, modificar ou abolir
41
O princípio genérico da legalidade está previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que
estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar alguma coisa senão em virtude de lei” (BRASIL,
1988).
69

direitos e obrigações senão em virtude de lei. Sendo assim, um Decreto terá "ordenação
com força de Lei" ((MICHAELIS ONLINE, 2009) quando obedecer as hierarquias
institucionais pré-estabelecidas.
Um decreto, assim como qualquer gênero, se caracteriza por seus enunciados
relativamente estáveis, por uma construção composicional, por um conteúdo temático
relacionado ao contexto de produção, e por um estilo (BAKHTIN, 2003). O conteúdo
temático não versa somente pelo assunto específico do texto, mas também pelo "domínio
de sentido que se ocupa o gênero" (FIORIN, 2008, p. 62), isto é, todo e qualquer gênero
pertencerá a uma determinada esfera e será constituído por um conteúdo que o torna único
numa interação. Os decretos pertencem ao domínio jurídico e seu conteúdo temático será
sempre uma ordem ou resolução emitida por uma autoridade. O estilo diz respeito "à
seleção de meios linguísticos" (FIORIN, 2008, p. 62), isto é, a escolha do vocabulário,
adequação da linguagem, seleção de estruturas frasais e gramaticais que caracterizam um
determinado gênero.
A construção composicional se refere à estrutura, à organização textual, às marcas
mais explícitas que nos permitem categorizar cada gênero. O Decreto Municipal nº
31.18742, nosso objeto de análise, possui caráter prescritivo e pertence à tipologia injuntiva,
ou seja, tem o objetivo de fazer com que o interlocutor realize a ação requerida. O
documento possui uma superestrutura que o determina por suas regularidades formais. A
seguir, elencaremos as partes que constituem a construção composicional do Decreto e
aproveitaremos suas passagens mais produtivas para desenvolvermos nossa análise a
respeito de suas estratégias enunciativas e do modo como ele mobiliza sentidos em torno
dos discurso sobre a língua.

a) Epígrafe: é o termo inicial do texto legal, no qual podemos identificar o tipo de ato, sua
numeração e data.

DECRETO nº 31.187 DE 6 DE OUTUBRO DE 200943

42
Remetemos novamente ao Anexo 05.

43
Informamos que todas as citações de corpora serão feitas em itálico e sem adentramento.
70

b) Ementa: tem a finalidade de apresentar de forma sintética, precisa e concisa o conteúdo


do texto. Dessa forma, a ementa funciona como uma proposição que controla e regula o
que pode e deve ser dito no texto legal (RODRIGUES, 2010).

Institui o programa “Rio Criança Global 2016” para promover o ensino das línguas estrangeiras
nas escolas da rede municipal de ensino.

c) Preâmbulo: é o enunciado prévio que indica a instituição competente para a prática do


ato e sua base legal.

Cria o Programa Rio Criança Global no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.

É importante ressaltar que a expressão Rio Criança Global, presente na ementa e no


preâmbulo do Decreto, revela o desejo de produzir representações dos alunos da rede
municipal do Rio de Janeiro como cidadãos globais. A estratégia central para a construção
de tal representação é a regulação educacional que legisla sobre a expansão da carga
curricular de língua inglesa nos segmentos que são de responsabilidade da rede municipal,
ou seja, falar inglês é concebido como caminho possível para uma atuação de sucesso,
dentro de uma lógica globalizada.

d) Autoria: a "autoria" do texto é atribuída ao Prefeito desta cidade por ser a autoridade que
se encontra investida legalmente para a promulgação do ato.

O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso das atribuições que lhe são conferidas
pela legislação em vigor [...]

Em relação à autoria do Decreto em análise, cabe ressaltar que a enunciação é um


produto da interação entre coenunciadores socialmente organizados (BAKHTIN, 2010) e
no caso em questão, esses coenunciadores podem não ser configurados como instâncias do
dizer, mas como representantes de um grupo social ou de uma instituição. Sendo assim,
entendemos que o Decreto Municipal nº 31.187 é produzido por uma instância superior e
está direcionado a todos os docentes de língua estrangeira da rede municipal do Rio de
Janeiro. Cabe observar que os enunciados produzidos e reduzidos à figura do Prefeito, por
71

ser o sujeito social que detém o poder de fazer valer o documento através de sua assinatura,
não lhe pertencem exclusivamente, tampouco ao grupo que desenvolveu o PRCG e o
Decreto. Em outras palavras, os enunciados não pertencem totalmente aos seus autores /
enunciadores. Segundo Bakhtin, o locutor é dono da palavra no instante do ato fisiológico,
de materialização do som (BAKHTIN, 2010). No entanto, ao considerarmos a palavra
como signo ideológico, a categoria da propriedade não pode ser aplicada, uma vez que o
signo é atravessado dialogicamente por diversas vozes sociais.
e) Fundamento: são argumentos utilizados para justificar o decreto.
CONSIDERANDO que a Cidade do Rio de Janeiro sediará os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos
no ano de 2016;
CONSIDERANDO que no ano de 2016, com a realização das Olimpíadas, a Cidade do Rio de
Janeiro receberá turistas de todo o mundo, o que propiciará a convivência com diversas culturas;
CONSIDERANDO que uma das características do mundo contemporâneo é o estreitamento de
culturas, por intermédio da disseminação do saber, da arte, da tecnologia, da comunicação e dos
esportes;
CONSIDERANDO que a aprendizagem da Língua Estrangeira não se resume, apenas, no domínio
de habilidades a partir de um inventário de estruturas lingüísticas, mas envolve, também, a
apropriação de novos olhares sobre o mundo que nos cerca, envolvendo diferentes culturas e
dizeres;
CONSIDERANDO que o enfoque adotado pela Secretaria Municipal de Educação, compreende a
linguagem como uma forma de apropriar-se de práticas discursivas na Língua Estrangeira,
especialmente, o idioma inglês;

Em um momento anterior, afirmamos, de acordo com Fiorin, que "todo discurso


tem uma dimensão argumentativa" (FIORIN, 2016, p. 09). Consequentemente, o discurso
jurídico também a possui, pois é o espaço para persuadir e elevar a adesão dos sujeitos às
proposições apresentadas.
Segundo Zoppi-Fontana, os "considerandos" presentes na textualidade do arquivo
jurídico são "enunciados contextualizadores", ou seja, são um "vestígio, no texto legal, dos
limites movediços que relacionam o texto jurídico com seu exterior" (ZOPPI-FONTANA,
2005, p. 109). Dessa forma, os "considerandos" são argumentos que manifestam fatos,
acontecimentos sociais, políticos, econômicos e culturais, isto é, acontecimentos exteriores,
cuja relevância social embasa a implementação do Decreto.
72

Os argumentos descritos estão, segundo Fiorin (2008), fundamentados na estrutura


da realidade. Se constituem em fatos tomados como "objetivos, neutros, incontestes e
verdadeiros", o que explica a linguagem clara, objetiva e precisa, não abrindo espaço para
resistências ou contra-argumentos.
Os dois primeiros argumentos são realmente incontestáveis, pois os Jogos
Olímpicos eram uma realidade factual no momento da promulgação do Decreto. No
entanto, os demais argumentos estão sujeitos à interpretação e, dessa forma, tornam-se
contestáveis.
As justificativas para o ensino de inglês se concentram nos eventos esportivos e nas
relações interpessoais com indivíduos que virão de todas as partes do mundo para esta
cidade. Acreditamos ser um discurso incoerente, uma vez que o Decreto versa a favor de
uma política linguística monolíngue e, ao mesmo tempo, se refere aos turistas de distintos
países, de diferentes línguas e culturas. A língua inglesa é tomada como língua mundial e
como única possibilidade de comunicação e estreitamento cultural. Dessa maneira, é
imprescindível tornar fluentes os jovens para que se relacionem com os visitantes,
considerados fluentes em inglês: outro regime de verdade altamente contestável.
Esta política monolíngue está baseada em uma ideologia que busca argumentar de
forma que sua vontade de verdade prevaleça, que seja legitimada através de um processo
coercitivo existente na relação saber/poder e que seja tomada como inquestionável.
No entanto, devemos considerar que os interlocutores não são passivos, mas ativos
na interação verbal, pois o locutor está sempre à espera de compreensão /resposta da parte
do ouvinte. Nas palavras de Bakhtin:

[...] a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre


acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa
atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e,
de uma forma ou de outra, forçosamente a produz: [...] o ouvinte que
recebe e compreende a significação de um discurso adota
simultaneamente, para com esse discurso, uma atitude responsiva ativa:
ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta,
apronta-se para executar. (grifos nossos) BAKHTIN (2003, p. 290).

Como antecipamos, todos os enunciados são dialógicos e por este motivo


heterogêneos. Considerando todas as reflexões realizadas no segundo capítulo desta
pesquisa, compreendemos que os enunciados do Decreto Municipal nº 31.187 são
atravessados por todos os já ditos (memória discursiva) que circularam na sociedade sobre
73

a temática do ensino de línguas estrangeiras e se constituem como resposta à questão


levantada pela própria SME-RJ sobre a "ineficiência" do ensino de línguas estrangeiras até
então.
Os já ditos, embora esquecidos, sempre retornam ao espaço do dizer através dos
processos parafrásticos e polissêmicos (ORLANDI, 2013), isto é, os sentidos dos
enunciados poderão estar na ordem da repetição ou da ruptura, ambos determinados não
pelo que é dito, mas pelo contexto, pelo "acontecimento de sua volta" (FOUCAULT, 2013,
p. 25). O Decreto se constitui como um documento que, como vários outros na história do
ensino de línguas estrangeiras, determina a língua a ser promovida, fundamentando-se em
questões extralinguísticas, e ao mesmo tempo, tem um caráter polissêmico, ao romper com
a memória discursiva acerca da obrigatoriedade do espanhol, bem como da tradição do
ensino do francês na rede pública do município do Rio de Janeiro.
Destacamos que o texto do Decreto não obriga o ensino da língua inglesa, apenas o
amplia para todos os anos da educação básica municipal, sendo assim, podemos concluir
que se trata de um texto legal, pois não fere a Lei Municipal nº 2.939, em vigor, que
institui a obrigatoriedade do idioma espanhol na grade curricular. A ilegalidade estaria na
publicação da nova grade curricular no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro
n°157, de 29 de outubro de 201444. A língua inglesa aparece na grade curricular publicada
como a única língua a ser ensinada, ocorrendo, assim, o descumprimento da Lei Ordinária
Municipal nº 2.939.
Vale destacar que tanto a Lei nº 2.939 como o Decreto nº 31.187 se constituem em
atos de poder político institucional impostos sem consulta, ou seja, atos que ignoram, o
comando que a Lei nº 9.394, de 20/12/1996, (LDBEN), possuía até os momentos de suas
respectivas promulgações (1999, 2009), qual seja: o de incluir, obrigatoriamente, o ensino
de pelo menos uma língua estrangeira moderna a ser escolhida pela comunidade escolar.
Entretanto, a LDBEN abria uma brecha que permitia a inviabilização da referida consulta,
ao condicionar a ação político-linguística às possibilidades da instituição. É importante
ressaltar que, no escopo desta análise, estamos levando em consideração o modo como a
LDBEN estava configurada nos momentos em que os referidos dispositivos jurídicos
entraram em vigor; por isso, não vamos nos deter aqui a respeito das modificações sofridas
pela LDBEN nas recentes reformas educacionais aprovadas pelo Congresso Nacional em
2017.

44
Vide anexo 06.
74

f) Ordem de Execução: são as medidas necessárias para a efetivação e operacionalização


das prescrições. A ordem de execução do Decreto Municipal nº 31.187 está composta por
quatro parágrafos e oito incisos.

DECRETA:
Art. 1.° Fica criado, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, o Programa Rio Criança
Global, que tem por objetivo ampliar, para todos os anos do Ensino Fundamental, o ensino da
Língua Inglesa nas unidades escolares da Rede Pública Municipal de Ensino, com enfoque na
conversação.
Art. 2.° O Programa a que se reporta o artigo 1.° será implementado gradualmente, a partir do
ano de 2010, da seguinte forma:
I – em 2010: 1.° ao 3.° ano;
II – 2011: inclui-se o 4.° ano;
III – 2012: inclui-se o 5.° ano;
V– 2013: inclui-se o 6.° ano;
VI – 2014: inclui-se o 7.° ano;
VII – 2015: inclui-se o 8.° ano;
VIII – 2016: inclui-se o 9.° ano.
Art. 3.° Nas unidades escolares do Programa Escolas do Amanhã, além das atividades
desenvolvidas no horário normal, deverá haver reforço do ensino da Língua Inglesa, no
contraturno, duas vezes por semana, em diferentes níveis de complexidade (Básico, Intermediário
e Avançado).

A ordem de execução se refere somente à implementação gradual da língua inglesa


em todo o ensino fundamental, ignorando as outras duas línguas existentes na grade
curricular: o francês e o espanhol, este "protegido" pela Lei nº 2.939, que tornou seu ensino
obrigatório.
Dito isto, nos remetemos ao princípio foucaultiano de que nem tudo é passível de se
dizer e que a formação discursiva é uma distribuição de lacunas, vazios, ausências, limites
e recortes. Entretanto, não devemos considerar essas "exclusões" uma repressão, e
tampouco focar na tentativa de reconhecer o não-dito. É necessário pesar o "valor" dos
enunciados na formação discursiva. Valor que não é avaliado por sua verdade ou por
ocultar algo, mas por caracterizar o lugar deles, sua capacidade de circulação e
75

transformação. Nessa concepção, o discurso aparece como um bem finito, limitado,


desejável e útil, com suas regras de aparecimento, condições de apropriação e de
utilização; um bem que é um objeto de luta política e traduz o poder (Foucault, 2008a, p.
135-137); poder que, segundo Coracini (1995), oportuniza conflitos quando os sujeitos
questionam suas posições no discurso e as relações desiguais. São as "resistências" ou as
"pequenas revoluções quotidianas" responsáveis pelas mudanças, pelas transformações.
Sendo o lugar do não-dito no discurso caracterizado como um espaço pleno de significação
na luta pelo poder (Coracini, 1995), entendemos o silenciamento como um desejo de
anulação de conflitos, de mudanças e de manutenção do poder. Dessa forma, o Decreto
Municipal nº 31.187, de 06/10/2009, ao dispor sobre a ampliação do ensino da Língua
Inglesa, remete-nos, não somente ao dito, mas a esses desejos que impediram a realização
de outros enunciados.
É de conhecimento público o fato de que três línguas - o francês, o inglês e o
espanhol - faziam parte da grade curricular municipal do Rio de Janeiro e que apenas uma
foi incluída no Programa Rio Criança Global. Não há menção às outras duas línguas no
decreto. Acreditamos que o silenciamento, nesse caso, é uma forma de controle de
discursos. A interdição foi utilizada como estratégia de repressão à proliferação de
discursos contrários ao poder do Estado, pré-estabelecido pelas ideologias da sociedade
atual. Porém, ao recordarmos o questionamento levantado por Foucault (1999a) sobre a
hipótese repressiva45, percebemos a ineficiência da estratégia utilizada devido aos vários
enunciados pertencentes a diversos domínios e gêneros discursivos que emergiram contra
esta política governamental de exclusão das Línguas Espanhola e Francesa. Dentre eles, o
Manifesto46 e a Carta à SME, ambos elaborados pela APEERJ, em 2012, sobre a situação
do ensino de Língua Espanhola no Rio de Janeiro, postagens em redes sociais de docentes
de espanhol contrários às mudanças da organização do currículo de línguas estrangeiras
nas escolas e trabalhos acadêmicos, como esta dissertação, que têm como norte a reflexão
em torno da dinâmica sociodiscursiva e das políticas linguísticas que resultaram na
subutilização de professores e no não cumprimento de leis como a Lei nº.2.939/1999, que
determina a obrigatoriedade do ensino da língua espanhola na educação municipal.
45
Segundo Castro, "a noção de repressão não dá conta do funcionamento real, histórico, do poder"
(CASTRO, 2009, p. 384), pois a história nos mostra, no nível do discurso, de acordo com os estudos
foucaultianos (1999a), que todas as formas de repressão provocaram grande proliferação discursiva.
46
O Manifesto da APEERJ está disponível na página: http://apeerj.blogspot.com.br/2013/03/manifesto-da-
apeerj-sobre-situacao-do.html
76

g) Cláusula de Vigência: a vigência indica o prazo para a realização da ação.

Art. 4.º Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

h) Fecho: o fecho contém o local, a data e a assinatura do representante.


Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2009
EDUARDO PAES
D.O.RIO de 07.10.2009

O Decreto, para que seja considerado válido, precisa da assinatura do representante


legal para ter credibilidade. Nesse caso, o ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro se torna
responsável pelos ditos do Decreto, embora entendamos que no discurso jurídico-
legislativo a voz que fala é a voz do poder governamental produzido por representantes da
SME-RJ, como já explicitado, mais especificamente no item d.

2. A Circular E/SUBE/ n° 17

A Circular E/SUBE/ n° 17 47 foi escrita em março de 2016, seis anos após a


promulgação do Decreto Municipal nº 31.187. A autoria do texto é atribuída à
subsecretária de ensino da SME-RJ, Jurema Holperin, e o conteúdo temático é a
regulamentação do ensino da língua inglesa. O gênero circular pertence ao domínio
discursivo interpessoal que se caracteriza pela exposição de uma situação a um grupo,
nesse caso, ao grupo de gestores das Coordenadorias Regionais de Educação e aos
Diretores das unidades escolares do município do Rio de Janeiro. Sua função é transmitir
normas e ordens para delimitar comportamentos e homogeneizar a conduta dos
funcionários municipais envolvidos no processo pedagógico. Assim como o gênero
decreto, o gênero circular se apresenta ritualizado, com sinais demarcatórios visíveis que
caracterizam seu estilo. Nesse sentido, a superestrutura que determina uma circular por
suas regularidades formais são: o timbre, o título e sua numeração, data, ementa, vocativo,
texto e assinatura.
O texto da Circular se inicia da seguinte maneira:

47
Remetemos novamente ao Anexo 06.
77

Temos observado algumas situações em desacordo com a regulamentação de ensino de Língua


Inglesa no Decreto Municipal nº 31.187 de 6 de outubro de 2009, que criou o Programa Rio
Criança Global e tornou obrigatório o ensino da Língua Inglesa do 1° ao 9° ano do Ensino
Fundamental nas escolas públicas municipais da cidade do Rio de Janeiro.

Com o objetivo de ratificar as deliberações anteriores e eliminar dúvidas e equívocos relacionados


a este assunto, reafirmam-se abaixo algumas das principais determinações [...]

O primeiro e o segundo parágrafos do texto da Circular E/SUBE/ n° 17 revelam a


preocupação sobre as "situações" em desacordo com o Decreto Municipal nº 31.187 que
estão ocorrendo nas unidades escolares. Tais "situações" se referem ao ensino de língua
espanhola ou francesa em detrimento da língua inglesa, fato que estaria, de acordo com a
Circular, contrariando o texto do Decreto Municipal nº 31.187. Dessa forma, os objetivos
da Circular seriam "ratificar as deliberações anteriores e eliminar dúvidas e equívocos
relacionados à "obrigatoriedade" do ensino da língua inglesa e "reafirmar" as principais
determinações do Decreto Municipal nº 31.187: objetivos fundamentados na vontade de
verdade que manifesta um saber que é fruto de uma prática discursiva regular sobre a
importância da língua inglesa no mundo contemporâneo.
Como dito anteriormente, os enunciados são efeitos de sentido produzidos em
condições determinadas que englobam o processo de acúmulo, a memória discursiva, isto
é, o interdiscurso (ORLANDI, 2013). Nesse sentido, devemos considerar que o gesto de
interpretação do Decreto Municipal nº 31.187 está baseado em uma memória discursiva a
respeito da primazia do inglês sobre as demais línguas, memória que possibilita ao leitor
do Decreto e ao redator da Circular compreenderem o que acreditam estar no texto, e não
o que de fato está, provocando deslocamentos de sentido.
Nossa afirmação está baseada, segundo Orlandi, na "relação contraditória entre a
paráfrase e a polissemia [...] o mesmo e o diferente, a produtividade e a criatividade na
linguagem" (ORLANDI, 1998, p. 14). A paráfrase é a reiteração do mesmo, do dizível e da
memória. A polissemia é o deslocamento do sentido, a ruptura de processos de
significação.
O texto do Decreto Municipal nº 31.187 não fala em nenhum momento na
obrigatoriedade do ensino da língua inglesa, tampouco na exclusão das demais línguas
oferecidas pela rede, dentre elas destacamos a língua espanhola. O artigo primeiro do
decreto é claro e objetivo ao enunciar que o PRCG tem como objetivo ampliar o ensino da
78

língua inglesa para todos os anos do ensino fundamental. Nesse sentido, a Circular
E/SUBE/ n° 17 tem paradoxalmente como objetivo "reafirmar" ditos que não foram ditos
no Decreto.
Sendo assim, encontramos um processo polissêmico na compreensão do enunciado
do Decreto exposto na Circular, pois ao tentar replicar parafrasticamente os ditos do
Decreto, a Circular acaba abrindo brecha para o equívoco e o deslocamento de sentido,
imbricando um processo polissêmico em meio a uma tentativa de paráfrase. Isso mostra
que, no movimento de retorno ao mesmo espaço do dizer, à memória discursiva
(ORLANDI, 2013), ocorrem deslizamentos, de tal modo que se reconhece um sentido no
Decreto que, na verdade, é o preenchimento de um lugar de lacuna no texto.
Os demais parágrafos da Circular se constituem em prescrições, em normas e
medidas a serem adotadas pelas unidades escolares, ignorando os ditos no Decreto
Municipal nº 31.187, a Lei Ordinária Municipal nº 2.939 - que institui a obrigatoriedade do
idioma espanhol na grade curricular e está em vigor - e os direitos dos professores de
espanhol e francês determinados tanto no edital do concurso para o qual se submeteram
como no estatuto dos servidores48.
Cabe ressaltar que o único argumento dado para o cumprimento das prescrições
está fundamentado no argumento de autoridade que se caracteriza por ser um argumento de
coexistência, ao relacionar "um atributo com a essência ou [...] um ato com a pessoa"
(FIORIN, 2016, p. 170). De acordo com Fiorin (2016), podemos recorrer a dois tipos de
autoridade: a da ordem do saber (um perito ou especialista) e a do domínio do poder
(aquele que sobre os outros exerce um certo comando). No caso da Circular E/SUBE/ n°
17, temos o argumento de autoridade do domínio do poder, uma vez que é exercido por
uma instância superior que apela para o respeito, para a reverência. Este tipo de argumento
é plausível, mas não necessariamente é verdadeiro e, por este motivo, pode ser alvo de
ironias, desconfianças (FIORIN, 2016) e questionamentos.
As estratégias argumentativas mais utilizadas para sustentar o argumento de
autoridade foram as modalizações deônticas de obrigatoriedade e de proibição. Segundo
Nascimento (2010), o fenômeno da modalização ou modalidade é um artifício
argumentativo que permite ao locutor responsável pelo discurso imprimir uma avaliação
ou ponto de vista sobre o conteúdo da enunciação. Dessa forma, o locutor deixa pistas do
48
O Estatuto dos Professores da Rede Municipal de Ensino do Rio de Janeiro está disponível na página:
https://www.superprofessores.com.br/public/uploads/material/20131202132653_58c35ad525f3670a9a1ab09
95a94d8a6.pdf.
79

que deseja ou de como quer que seu discurso seja lido através de três tipos de modalização:
a epistêmica, a avaliativa e a deôntica.
A modalização epistêmica ocorre quando o locutor expressa uma avaliação sobre o
valor da verdade da proposição. A modalização avaliativa apresenta "uma avaliação ou
juízo de valor a respeito de uma conteúdo proposicional" (NASCIMENTO, 2010, p. 33).
Finalmente, a modalização deôntica que indica que o locutor considera o conteúdo dos
enunciados como algo que deve ou precisa ocorrer de maneira obrigatória. Ainda de
acordo com Nascimento (2010), a modalização deôntica possui nuances que podem ser
classificadas da seguinte maneira: (a) de possibilidade - indica que o conteúdo da
proposição é algo facultativo e o interlocutor poderá ou não exercê-lo; (b) de
obrigatoriedade - expressa a obrigatoriedade de que algo deve ocorrer e o interlocutor deve
obedecê-lo; (c) de proibição - expressa que o conteúdo da proposição é algo proibido e
deve ser considerado como tal pelo interlocutor.
Dito isto, passemos aos enunciados que revelam as modalizações deônticas de
obrigatoriedade (DO) e de proibição (DP) na Circular E/SUBE/ n° 17:

a. Todas as turmas regulares de 1° ao 9° ano, incluindo as turmas de 6° ano experimental, devem


ter (DO) oferta de ensino de inglês.

b. Não será permitida (DP) a oferta de ensino de Espanhol ou Francês em detrimento da oferta de
ensino de inglês, para as turmas de 1° ao 9° ano ou de 6° ano experimental.

c. Caso a escola tenha, também, professores de espanhol ou Francês, estes devem assumir (DO)
as turmas de Projetos ou, em caso de escolas de Turno Único, trabalhar em disciplinas eletivas.

[...]

e. Será admitida a oferta de Espanhol ou Francês em turmas de 8° e 9° anos apenas no caso de a


escola não possuir professores de inglês em seu quadro de profissionais para suprir todas as suas
turmas. As coordenadorias Regionais de Educação devem estar (DO) atentas a esses casos e
buscar alternativas de solução para garantir o atendimento de inglês para todas as turmas da
escola.
80

As locuções verbais que aparecem nos fragmentos acima foram utilizadas como
modalizadores deônticos com a finalidade de obrigar a todos que estão vinculados às
instituições escolares a cumprirem as prescrições descritas. Consideramos que os
argumentos do domínio do poder elencados a priori não são apresentados - dentro do
gênero Circular - como passíveis de questionamento. Pelo contrário, eles são expostos
como regras pautadas no lugar da legitimidade e autoridade da Secretaria de Educação,
enquanto instância reguladora e controladora dos profissionais da escola, e no Decreto,
enquanto dispositivo normativo.
Note-se que, ao dizer que "ratifica" algo já pré-existente num decreto, o gênero em
questão não solicita uma atitude de um leitor que compare ambos os textos. Entretanto,
percebemos, ao abordarmos uma posição crítica diante desses enunciados, que eles estão
sujeitos a questionamentos, pois todas as normas e ordens dadas estão baseadas numa
compreensão dos ditos do Decreto Municipal nº 31.187, marcada por um posicionamento
atravessado pelos valores ideológicos que perpetuam parafrasticamente as representações
sobre o status do inglês como língua estrangeira na contemporaneidade. É por esta razão
que a Circular se autoriza a dizer que "ratifica" algo que, na verdade, está na ordem do não
dito no Decreto.
O outro aspecto a ser apontado é que a Circular afirma que seu gesto enunciativo
tem o propósito de "também eliminar dúvidas e equívocos" relacionados à implementação
do Decreto. Tal ato se revela contraditório, uma vez que se deseja eliminar o "equívoco",
porém se opera com o equívoco de leitura do texto-base, dentro da rede intertextual. Além
disso, busca-se silenciar dizeres antagônicos e conflitantes em relação ao poder
governamental, que se caracteriza como prescritivo, autoritário e ratificador da ideologia
linguística dominante.

3. A Carta da APEERJ

A Carta da Associação de Professores do Estado do Rio de Janeiro 49 foi enviada por


e-mail às Secretária e Subsecretária Municipais de Educação no ano de 2012. Seu conteúdo
temático manifesta a indignação dos professores de espanhol à atual política linguística
adotada pela Prefeitura do Rio de Janeiro. Em outras palavras, o discurso da APEERJ se
ancora sobre um outro regime de verdade e abre espaço para o nascimento de conflitos

49
Vide Anexo 07.
81

através da resistência ao PRCG, causando uma "crise de governamentalidade"


(FOUCAULT, 2008a, p. 93), isto é, uma possível ruptura dos paradigmas estabelecidos
pela SME-RJ.
No gênero carta argumentativa, “o emissor se dirige a um receptor específico para
reclamar, solicitar algo ou emitir uma opinião” (KÖCHE et al., 2010, p. 45) com o objetivo
de defender, sustentar uma posição com a finalidade de persuadir, de convencer o
interlocutor. Segundo Köche (2010), uma carta argumentativa apresenta a seguinte
superestrutura: local e data, vocativo, corpo do texto, despedida e assinatura. No entanto, a
Carta da APEERJ não seguiu à risca esta estrutura ao não mencionar o local e tampouco a
data. Acreditamos que a ausência dessas informações tem a ver com o suporte utilizado
para a circulação / divulgação da Carta na comunidade acadêmica e profissional dos
professores de língua espanhola, pois tivemos acesso a ela através de meios virtuais como
a lista de e-mails, que dispensa a utilização do item data, mas não do local, uma vez que
este não é sinalizado nas plataformas de correio eletrônico. Entretanto, a informação sobre
local pode ser inferida pelas instituições que ocupam o lugar do remetente e do
destinatário, uma vez que ambas estão situadas no Estado do Rio de Janeiro e o conteúdo
da Carta versa sobre uma questão que ocorre no município do Rio. Cabe destacar que todos
os outros itens constam no corpo do texto.
O segundo item da superestrutura de uma carta argumentativa, o vocativo, tem a
função de chamar, invocar e interpelar o interlocutor. Os vocativos utilizados na Carta
possuem pronomes de tratamento formais que caracterizam e pré-anunciam a linguagem
formal adotada no texto:

À Ex.ª Senhora Secretária Cláudia Costin
À Ex.ª Senhora Subsecretária de Ensino Helena Bomeny

Quanto ao corpo textual, um texto argumentativo possui uma lógica composta pelos
seguintes componentes: a asserção de partida, a asserção de chegada e a asserção de
passagem (CHARAUDEAU, 2008). Optamos por esta classificação, embora feita de
maneira simplificada, para melhor analisar os argumentos que sustentam o ponto de vista
do texto.
A asserção de partida pode ser chamada de dado ou premissa, isto é, um fato do
qual decorre uma consequência.
82

A asserção de passagem pode ser chamada de prova, inferência ou argumento que


tem por finalidade justificar a relação entre a asserção de partida e a conclusão.
A asserção de chegada representa aquilo que deve ser aceito em decorrência da
asserção de partida. Pode ser chamada de conclusão e representa a legitimidade da
proposta.
Todas as asserções possuem uma conexão que tem a intenção de apresentar uma
verdade através de um raciocínio lógico e não contraditório (CHARAUDEAU, 2008). A
Carta possui um claro objetivo: influenciar a SME e provocar, através do poder da
persuasão, a aceitação de uma determinada vontade de verdade, isto é, uma mudança de
comportamento sobre o ensino de línguas estrangeiras na rede. Para tanto, foram utilizados
argumentos fundamentados na estrutura da realidade, isto é, argumentos baseados em
opiniões, em pontos de vista acerca da realidade e argumentos quase lógicos, ou seja,
aqueles relacionados a raciocínios lógico e matemático (FIORIN, 2016).
Vejamos os enunciados pertencentes a asserção de partida:

ASSERÇÃO DE PARTIDA

A APEERJ – Associação dos Professores de Espanhol do Rio de Janeiro – e


os professores de espanhol da rede municipal, após reunião com a subsecretária
de ensino Helena Bomeny, no dia 02 de março de 2012, demonstram, nesta
Descrição do carta, grande preocupação com o ensino de Espanhol, um dos componentes
contexto curriculares do Ensino Fundamental das Escolas Municipais do Rio de Janeiro.
Conforme declaração da subsecretária nessa reunião, a partir do
e presente ano, haverá redução de carga horária de Língua Espanhola na matriz
Ponto de vista curricular e, em 2014, restrição a possíveis oficinas, de caráter “eletivo”, no
turno da tarde, em unidades escolares chamadas “Ginásios Cariocas”. Cremos
que se trata de um grave e sério retrocesso. Em menos de dois anos, uma língua
que deveria ser ensinada em todas as séries do ensino fundamental, se limite ao
caráter “eletivo”, a uma oferta incerta, quiçá relegada ao esquecimento.

Neste trecho, percebemos a utilização de argumentos fundamentados na estrutura


da realidade. Dentre esses argumentos, destacamos os fundamentados nas relações de
83

sucessão, que se caracterizam por ligar um acontecimento às suas causas e/ou


consequências (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 1996) e podem ser subdivididos
em argumentos de desperdício e de ultrapassagem, entre outros (FIORIN, 2016, p. 167)
No fragmento "Cremos que se trata de um grave e sério retrocesso", percebemos
a utilização do argumento do desperdício, que é um argumento voltado para o passado. O
termo "retrocesso" revela uma descontinuidade, um desperdício nos esforços feitos até o
presente momento pela ruptura dos investimentos realizados desde a implementação da
língua espanhola na rede municipal do Rio de Janeiro.
O argumento da ultrapassagem, também da ordem dos argumentos de sucessão, é
voltado para o futuro, pois considera que o que se conseguiu até o presente momento é
uma etapa para que se possa alcançar um estágio superior. Embora este argumento não
esteja presente no texto de forma explícita - pois não há enunciados que descrevam cada
"conquista" da APEERJ -, entendemos que uma explicação breve sobre o tema é relevante
para esta pesquisa.
Os enunciados defensores das políticas de promoção de uma língua operam,
também, com argumentos de ultrapassagem. São enunciados que revelam as lutas vividas
para chegar onde estão e dos caminhos que ainda faltam percorrer para chegar a uma
"perfeição". Na Carta da APEERJ, não encontramos enunciados que descrevam tais
aspectos, no entanto, notamos enunciados que revelam a ruptura com os discursos
políticos anteriores de promoção da língua espanhola, isto é, com os argumentos de
ultrapassagem utilizados até então. O fragmento abaixo revela uma certa frustração sobre
o abrupto término da promoção do ensino da língua espanhola - que ainda estava em
processo de implementação - através da locução verbal flexionada no futuro do pretérito.

Em menos de dois anos, uma língua que deveria ser ensinada em todas as séries do ensino
fundamental, se limite ao caráter “eletivo”, a uma oferta incerta, quiçá relegada ao
esquecimento.

Cabe ressaltar que diferentemente do caráter aspectual construído pelas locuções


analisadas na Circular E/SUBE/ n° 17, esta formulação expressa uma incerteza futura
sobre o espaço do idioma espanhol na rede municipal do Rio de Janeiro.
Não poderíamos deixar de mencionar que não há no texto da Carta nenhuma
menção à Lei Ordinária Municipal nº 2.939, fato que nos causou certa estranheza por ser a
84

lei mais importante no que concerne o ensino da língua espanhola no âmbito municipal e,
talvez, o argumento de maior poder de persuasão sobre a SME-RJ. Contudo, o fragmento
"uma língua que deveria ser ensinada em todas as séries do ensino fundamental" pode ser
tomado como índice da lacuna do não-dizer (ORLANDI, 2013). Essa afirmação
pressupõe a seguinte ideia: se "deveria" é porque há alguma prescrição ou regulamentação
sobre a questão. Dessa forma, subentende-se que é do conhecimento da APEERJ a
obrigatoriedade do ensino de espanhol, para toda a educação básica, prescrita pela Lei
Ordinária Municipal nº 2.939, ainda que não possamos asseverar que esta tenha sido uma
das intenções discursivas do documento.
O silenciamento da APEERJ, de acordo com Orlandi (2013), pode ser entendido
como um lugar de recuo necessário, um silêncio fundador, ou seja, um silêncio que nos
indica um outro sentido. Em outras palavras, sendo o conteúdo da Carta uma crítica à
atual política linguística monolíngue adotada pela SME-RJ, seria uma incoerência utilizar
como argumento principal os enunciados da Lei Ordinária Municipal nº 2.939, que
reproduzem o mesmo tipo de discurso centrado na obrigatoriedade do ensino uma LE, o
espanhol. Por este motivo, acreditamos que o não-dito foi uma estratégia argumentativa
utilizada para uma defesa do status de democrático do pleito apresentado para a inscrição
da carta na formação discursiva prevalente nas políticas educacionais voltadas para o
ensino de LE na contemporaneidade, as quais advogam pela noção de plurilinguismo.
Passemos aos argumentos relativos à asserção de passagem. Neste trecho também
há o predomínio dos argumentos fundamentados na estrutura do real, mais
especificamente, aos pertencentes ao argumentum ad consequentiam. Segundo Fiorin,
estes argumentos são utilizados para defender uma determinada ação, "levando em conta
os efeitos que ela produz" (FIORIN, 2016, p. 165). Devido a sua natureza diversa, podem
ser classificados em descritivos, pois apresentam fatos; em avaliativos, uma vez que
opinam sobre um dado elemento e; em incitativos, visto que "convocam a realizar uma
ação ou a evitar que algo se produza" (FIORIN, 2016, p. 165), considerando os efeitos
positivos ou negativos do ato em questão.
Nos enunciados abaixo, observamos os três tipos de argumentos descritos no
parágrafo anterior:

ASSERÇÃO DE PASSAGEM
85

Ao longo de seus 30 anos, nossa associação luta para que o ensino de línguas estrangeiras
seja respeitado e valorizado em todos os âmbitos. Essa luta não é não 50 apenas pela expansão
da língua espanhola nas escolas, mas pela implementação de um ensino de línguas que
propicie ao estudante refletir sobre a sua participação na sociedade, sobre seus deveres,
anseios e conquistas futuras.

É também objetivo desta associação lutar em prol das causas dos seus professores, muitas
vezes, submetidos a políticas governamentais que não estão atentos às suas reais necessidades
e justas reivindicações.

Nesse sentido, cabe mencionar a enorme indignação desta associação ao tomar conhecimento,
por meio de relatos de seus membros e pela já mencionada subsecretária, que os professores
de espanhol da rede municipal de ensino do Rio de Janeiro estão em vias de trabalhar com
turmas de reforço de língua portuguesa. Possivelmente, fora de suas escolas de origem, onde
muitos possuem mais de 10 anos de vínculo,e prestes a ter seus horários pulverizados e
limitados a poucos tempos de aula com os estudantes.

A subutilização do trabalho dos professores que se dedicam ao ensino de língua espanhola


também é tema de debate neste documento. Embora os representantes da Secretaria Municipal
de Educação tenham ressaltado, mais de uma vez, que “a prioridade é o aluno e não o
professor”, sabemos que dificilmente se aprende/ensina algo diminuindo os partícipes da
mediação e da construção do conhecimento

Cabe ressaltar também que é no mínimo contraditória a realização de um concurso de 100


vagas para professor de espanhol quando os atuais professores da rede vivem essa situação
inaceitável. É difícil compreender que uma língua falada em mais de 20 países como língua
materna perca seu espaço em uma das maiores redes municipais de ensino da América Latina.

No que tange os argumentos descritivos, a APEERJ cita fatos considerados


verdadeiros como sua luta pela valorização dos professores e do ensino de línguas
estrangeiras, destaca que a língua espanhola é falada em mais de 20 países e menciona a
realização do concurso para a convocação de 100 professores de espanhol com a

50
Ressaltamos que o texto original foi mantido mesmo com os problemas relacionados à norma culta da
Língua Portuguesa.
86

finalidade de completar o quadro de servidores estatutários da SME-RJ. Curioso e


contraditório, mas o fato é que a SME-RJ realizou um concurso em 2012 oferecendo 100
vagas para professores de espanhol, mesmo ano em que reduziu o ensino da língua
espanhola para os anos finais do ensino fundamental 51. Entendemos que esta ação
respalda, juntamente com os ditos do Decreto Municipal n° 31.187, o governo contra
qualquer acusação de não cumprimento da Lei Ordinária Municipal nº 2.939 e procura
silenciar possíveis resistências ao PRCG. Vale destacar que após o concurso, os
professores convocados eram alocados nas unidades escolares, mas não assumiam turmas
regulares para o ensino de espanhol. Uma grande parte passou o ano de 2012 cumprindo
sua carga horária na sala dos professores ou auxiliando nos serviços administrativos 52.
Atualmente, a maioria dos professores de espanhol exerce a função de professores
generalistas em turmas de projeto, pois a nova gestão manteve a política linguística de
exclusão da línguas espanhola e francesa adotada pelo governo anterior, ou seja, a matriz
curricular em vigor não contempla o ensino de outra língua estrangeira que não seja a
inglesa53.
No tocante aos argumentos avaliativos, percebemos proposições a respeito da
importância de um ensino de línguas que ajude o aluno a refletir sobre sua participação,
seus direitos e deveres na sociedade e sobre as políticas governamentais implementadas
de maneira vertical, que submetem os professores a condições que não atendem suas reais
necessidades. Além disso, há enunciados que ressaltam a diminuição do trabalho dos
professores no processo ensino/ aprendizagem o que caracteriza uma situação
"inaceitável" para a APEERJ.
Finalmente, notamos proposições incitativas que revelam as consequências
negativas da implementação do PRCG, tais como: a subutilização da atividade docente,
uma vez que os professores estão sendo direcionados a lecionar língua portuguesa em

51
Para consultar Matriz Curricular de 2012, vide Diário Oficial do Rio de Janeiro n° 223 de 3 de fevereiro de
2012: http://doweb.rio.rj.gov.br/visualizar_pdf.php?edi_id=1651&page=1
52
Cabe destacar que estas informações retratam minha experiência profissional como professora de espanhol
no município do Rio de Janeiro de 2000 a 2014. No ano de 2012, devido a implementação do PRCG, fui
convidada a assumir a direção da escola em que lecionava e no ano de 2013, optei por trabalhar
administrativamente na 5ª Corregedoria Regional de Educação. Ambas as funções me foram apresentadas
como alternativas de trabalho, uma vez que não havia turmas disponíveis para a aprendizagem de língua
espanhola.
53
Para consultar a atual Matriz Curricular, vide Diário Oficial do Rio de Janeiro n° 160 de 11 de Novembro
de 2016: http://doweb.rio.rj.gov.br/visualizar_pdf.php?edi_id=3263&page=1
87

turmas de reforço, a transferência involuntária para outras escolas e a fragmentação de


seus horários em diferentes unidades escolares.
O fragmento "uma língua falada em mais de 20 países como língua materna"
pode ser inscrito, como explicamos anteriormente, nos argumentos descritivos, da ordem
do argumentum ad consequentiam, fundamentado na estrutura da realidade. No entanto,
também podemos classificá-lo como um argumento probabilístico e, por este motivo,
inscrevê-lo na ordem dos argumentos quase lógicos. Estes estão fundados numa lógica
argumentativa que faz apelo à maioria (FIORIN, 2016, p. 144) para sustentar uma
proposição.
Segundo a APEERJ, o número de países fundamenta a importância da
aprendizagem do idioma espanhol. Sabemos que a língua espanhola é de fato a língua
oficial de mais de 20 países. No entanto, é importante ressaltar que a quantidade de
nações ou de falantes que a tem como língua materna não é capaz de assegurar seu espaço
no ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira, pois a História mostra que as
demandas econômicas são o principal motivo pela procura de uma língua estrangeira, o
que faz com que as políticas linguísticas estejam em permanente movimento (SOUZA,
2005) como discutimos no capítulo 2.
Em relação aos mecanismos que mostram a força argumentativa dos enunciados,
podemos afirmar, em concordância com Koch e Elias (2016), que toda produção textual
requer cuidado na articulação das proposições para que o texto seja compreendido como
uma unidade de sentido. Para tanto, é necessária a utilização de elementos linguísticos
denominados "articuladores textuais", "operadores de discurso" ou "marcadores
discursivos", que são responsáveis pelo encadeamento do texto, ou seja, pelo
estabelecimento da coesão, da coerência e da orientação argumentativa, uma vez que
"permitem orientar nossos enunciados para determinadas conclusões" (KOCH e ELIAS,
2016, p.64), fato que comprova que a argumentatividade está inscrita na própria língua.
De acordo com a função que assumem no texto, os operadores discursivos podem
ser agrupados em articuladores de situação, de relações lógico-semânticas, de organização
textual, metadiscursivos e discursivo-argumentativos. Este último, nosso interesse nesta
análise, determina as relações entre dois ou mais enunciados distintos, em que o segundo
terá a finalidade de justificar, explicar, contrapor, generalizar, especificar ou concluir o
primeiro, chamado de tema, isto é, aquilo de que se fala. Nas palavras de Koch:
88

Estes operadores articulam dois atos de fala, em que o segundo toma o


primeiro como tema, com o fim de justificá-lo ou melhor explicá-lo;
contrapor-lhe ou adicionar-lhe argumentos; generalizar, especificar,
concluir a partir dele; comprovar-lhe a veracidade; convocar o
interlocutor à concordância etc., sendo, assim, responsáveis pela
orientação argumentativa dos enunciados que introduzem.(KOCH,
2009, p. 131)

Vejamos o enunciado abaixo:

Essa luta não é não apenas pela expansão da língua espanhola nas escolas, mas pela
implementação de um ensino de línguas que propicie ao estudante refletir sobre a sua
participação na sociedade, sobre seus deveres, anseios e conquistas futuras.

O operador argumentativo "mas" não surge, nesse trecho, com carga adversativa,
senão com sentido aditivo, principalmente por estar relacionado ao operador anterior "não
apenas", pois ambos ligam dois argumentos orientados no mesmo sentido, ou seja, somam
justificativas que defendem o mesmo posicionamento. Dessa forma, podem ser
classificados como operadores que acrescentam um argumento a favor de uma mesma
conclusão, caracterizando, assim, uma relação discursiva-argumentativa de conjunção
(KOCH, 2016).
Observemos o uso do articulador textual "embora" no fragmento que segue:

A subutilização do trabalho dos professores que se dedicam ao ensino de língua espanhola


também é tema de debate neste documento. Embora os representantes da Secretaria Municipal de
Educação tenham ressaltado, mais de uma vez, que “a prioridade é o aluno e não o professor”,
sabemos que dificilmente se aprende/ensina algo diminuindo os partícipes da mediação e da
construção do conhecimento.

O operador de oposição54 em destaque revela, dentre as principais relações


discursivo-argumentativas, uma relação de contraste de enunciados de orientações
diferentes que têm por finalidade a prevalência do enunciado opositivo, caracterizando,
assim, uma relação de contrajunção, de adversidade de argumentos (KOCH, 2016). No
entanto, do ponto de vista estratégico-argumentativo, o uso do "embora" é marcado pela
estratégia de antecipação, pois prenuncia que o argumento introduzido por ele não será
54
Os operadores "porém, todavia, contudo, entretanto, mas, no entanto, embora, ainda que, apesar de (que)"
são considerados por Koch e Elias como operadores de oposição, contraste, adversidade ou de contrajunção.
89

suficiente para modificar a conclusão, isto é, não possui peso suficiente para persuasão
(KOCH, 2016, p. 71).
Não encontramos outros argumentos relativos à importância da língua espanhola
no cenário mundial na asserção de passagem, apenas à relevância da aprendizagem de
uma LE para a formação de "alunos-cidadãos críticos e conscientes" na asserção de
chegada:

ASSERÇÃO DE CHEGADA

Conclusão Concluímos esta carta, reafirmando que a APEERJ sempre estará aberta ao
diálogo com o poder público para a viabilização de ações em prol do ensino de
espanhol no Rio de Janeiro, como a realização de cursos de capacitação ou
projetos similares. Essa parceria, no entanto, espera desse órgão o respeito
devido ao trabalho do professor de línguas estrangeiras e o lugar do espanhol
como um dos integrantes do componente curricular, de imprescindível
relevância à formação de alunos-cidadãos críticos e conscientes do valor da
aprendizagem de uma língua estrangeira.

Nestes termos, a APEERJ solicita a devida revisão da decisão de retirar da


Intervenção
grade uma disciplina tão importante com a Língua Espanhola, para que
possamos desenvolver novas parcerias com a Secretaria Municipal de
Educação. Desta maneira esperamos que, alunos, professores e comunidade
escolar sejam contemplados com um ensino público de línguas plural e de
qualidade.

O fragmento sublinhado se relaciona aos já-ditos, aos acumulados na memória que


se reproduzem de maneira parafrástica e estão conservados nos textos de natureza
pedagógica, dentre eles os Parâmetros Curriculares Nacionais:

A sociedade brasileira demanda uma educação de qualidade, que


garanta as aprendizagens essenciais para a formação de cidadãos
autônomos, críticos e participativos, capazes de atuar com competência,
dignidade e responsabilidade na sociedade em que vivem e na qual
esperam ver atendidas suas necessidades individuais, sociais, políticas e
90

econômicas (BRASIL, 1998, p. 21).

O argumento da APEERJ está baseado em um documento oficial elaborado pelo


governo federal em conjunto com docentes de universidades públicas e federais,
especialistas e educadores (BRASIL, 1998, p. 15). Dessa forma, se constitui em um
argumento de autoridade da ordem do saber, ou seja, uma proposição fundamentada em
estudos realizados por peritos em educação. Vale lembrar que os enunciados utilizados no
Decreto Municipal nº 31.187 estão pautados nas relações interpessoais e mercadológicas
propiciadas pelos Jogos Olímpicos de 2016 e que nenhum professor da rede foi
consultado sobre a implementação dessa política linguística que privilegia apenas uma
língua estrangeira. Dessa forma, consideramos que as proposições da carta da APEERJ
possuem mais força argumentativa que os enunciados do Decreto, pois estão em
consonância com as pesquisas e documentos contemporâneos realizados de forma
democrática.
No que diz respeito aos operadores discursivos-argumentativos, destacamos:

Essa parceria, no entanto, espera desse órgão o respeito devido ao trabalho do professor de
línguas estrangeiras e o lugar do espanhol como um dos integrantes do componente curricular
[...]

O uso de "no entanto", da ordem dos articuladores de contrajunção, nos conduz à


contraposição de argumentos, uma vez que seu emprego, além de enfraquecer o dizer que
o precede, também reformula esse dizer. Em outras palavras, a parceria da APEERJ com
a SME-RJ não pode se constituir em uma via de mão única, ou seja, o diálogo, as
capacitações e o desenvolvimento de projetos realizados e oferecidos pela APEERJ não
condizem com o tratamento dado aos professores, tampouco com a exclusão da língua
espanhola da grade curricular. Por este motivo, a APEERJ solicita a revisão das decisões
pautadas no PRCG para que novas parcerias possam ser feitas com a Secretaria de
Educação visando a um ensino de línguas estrangeiras "plural" e de "qualidade" nesta
cidade.

4. As Entrevistas
91

O gênero entrevista, de acordo com Marcuschi (2003), pode circular em mais de


uma esfera de atividade humana, isto é, pode pertencer a mais de um domínio discursivo.
No que tange a esta pesquisa, o gênero entrevista de pesquisa acadêmica é uma modalidade
oral do domínio instrucional, pois caracteriza-se por transmitir saberes relacionados às
esferas educacional e científica. A entrevista pode ser compreendida como “produção
situada sócio-historicamente, como prática linguageira que se define por uma dada
configuração enunciativa que a singulariza” (ROCHA, DAHER, SANT’ANNA, 2004, p.
02). Nesse sentido, o pesquisador deve estar atento aos enunciados materializados pelos
entrevistados, uma vez que são atravessados por outros dizeres e saberes que foram
constituídos por uma "massa de textos" construída em momento anterior à entrevista e ao
fato de não revelarem verdades e realidades que devem ser acatadas pelo pesquisador. Em
outras palavras, é no momento da entrevista que possíveis versões do real podem ser
construídas. Desse modo, o dito não corresponde a uma verdade universal, senão a uma
verdade que se completa na interação entre o sujeito que fala e o sujeito que a recolhe
(FOUCAULT, 1999a).
Em relação aos elementos responsáveis pela constituição do gênero entrevista de
pesquisa acadêmica, temos como conteúdo temático o ensino de espanhol na rede
municipal do Rio de Janeiro, estruturado por pares de perguntas preestabelecidas e
repostas. Por este motivo, podemos afirmar a falta de espontaneidade, típica da
conversação oral. Sendo assim, consideramos a entrevista um gênero padronizado e
ritualizado. Dito isto, passemos à análise.
As duas primeiras perguntas tinham como objetivo averiguar se o espanhol era
ensinado nas escolas de atuação das professoras entrevistadas, assim como verificar as
representações sobre os motivos que levaram à retirada desta língua da grade curricular. De
acordo com as respostas, verificamos que a língua espanhola era ministrada em apenas
duas escolas e em turmas regulares de 8° e 9° anos. De acordo com a professora Ana 55, o
espanhol foi retirado de sua escola gradativamente, ano após ano, até sua total exclusão da
grade curricular. Segundo a entrevistada, a retirada se deu por um decreto (não soube
especificá-lo) que foi "baixado" por interesses políticos e econômicos que incluem a
inserção em ambiente escolar público do curso Cultura Inglesa - instituição privada

55
Professora Ana, mestre em linguística, lotada na sala de leitura, 41 anos de idade, exerce a profissão há 22
anos e é funcionária da SME-RJ há 16 anos.
92

responsável pelo aperfeiçoamento dos professores de inglês da SME-RJ e pelos cursos de


inglês oferecidos no contraturno aos alunos da rede municipal:

Ana: Eu acho que (por um) interesse (.) 56 político e econômico... eu acho que (.) por causa dos
cursos de Inglês né que estavam pelo menos na minha escola que a minha escola é uma Escola do
Amanhã (.) então tinha um (.) tinha Cultura Inglesa tinha curso de Inglês da dentro da minha
escola (.) já não sei direito qual era o o curso não mas acho que era Cultura (.) a Cultura também
que fazia a seleção dos professores de Inglês (.) a Cultura que:: (.) dava:: aqueles cursos de
aperfeiçoamento também pra professores de Inglês (.) né e (.) até no quando eu tava estudando pro
mestrado (.) escrevendo a dissertação (.) eu lembro de ter ouvido até tenho essa (.) essa fala da da
(.) antiga secretária ela disse que (.) [dentro de] 57 (grifos nossos)

Segundo a professora Maria58, a retirada está ocorrendo por uma questão política,
mas não especificou qual seria:

Maria: Eu acredito que seja por (.) questão política (.) né (.) eu fiz o o concurso em dois mil e
do::ze (.) inicialmente eram destinadas pra minha CRE dez vagas (.) só que (.) anteriormente
houve um um concurso pra Inglês (.) que foram destinadas quinhentas vagas pra Inglês (.) então
(.) e:: infinitas né (.) vagas assim e foram chamados (.) professores extras da língua inglesa (.)
então eu acredito que o direcionamento do município do Rio seja pra (.) com para língua
estrangeira seja o Inglês e não (.) o Espanhol (grifos nossos)

A professora Rosa59 disse não entender, uma vez que a antiga Secretária de
Educação reconhecia a importância do idioma espanhol. Além disso, atribui a gradativa
exclusão da língua espanhola a uma ação individual da Ex-Secretária de Ensino:
Rosa: Na verdade:: ninguém entende nada... a respeito disso porque:: (.) inclusive a secretária (.)
a antiga secretária a Claudia Costin (.) ela dizia que o Espanhol era muito importante (.) mas ela
mesmo (.) ela (.) resolveu retirar (.) ela disse que não era:: (.) eh:: (.) segundo o que (.) chegou

56
As convenções de transcrição estão disponíveis no Anexo 11.
57
As transcrições podem ser lidas na íntegra no Anexo 08.
58
Professora Maria, mestre em literatura hispânica, 43 anos, atua no magistério há 18 anos como professora
de espanhol e há 04 na rede municipal do RJ.

59
Professora Rosa, especialista em tradução, 44 anos, atua há 18 anos como professora de espanhol, sendo 17
no município do RJ.
93

pra:: (.) pra nós professores ela disse que seria uma aberração... no município o ensino de língua
espanhola que o importante é o Inglês (grifos nossos)

Em relação aos articuladores textuais, as três entrevistadas fizeram uso de "mas" e


"então". As professoras Ana e Rosa utilizaram o operador argumentativo "mas" com valor
adversativo, pois contrapuseram enunciados orientados para uma conclusão contrária, isto
é, o enunciado de orientação argumentativa introduzido pelo operador "mas" deve
prevalecer sobre o enunciado anterior. Entretanto, nenhum dos enunciados iniciados pelo
articulador em questão advogavam pela permanência da língua espanhola no currículo do
ensino fundamental II.
As entrevistadas Ana e Maria utilizaram o articulador "então". Contudo, o valor
deste vocábulo é distinto em seus enunciados. Apenas o segundo "então" dito pela
professora Maria é da ordem dos articuladores discursivo-argumentativos de conclusão,
uma vez que introduz um enunciado de valor conclusivo em relação à fala anterior. Os
demais possuem o valor de marcadores discursivos continuadores, isto é, não funcionam
como discursivo-argumentativos, mas como articuladores da organização textual, pois
"operam no amarramento de porções textuais" (KOCH e ELIAS, 2016, p. 141), ou seja,
organizam o texto para completar e orientar a interpretação na sucessão de ações, típica do
modo de organização narrativo.
No que concerne à manutenção do espanhol na grade curricular, terceira pergunta
da entrevista, a três professoras se manifestaram favoráveis. A professora Maria destacou a
facilidade de aprender espanhol por sua proximidade com o português, uma vez que ambas
derivam do Latim. Tanto a professora Maria como a professora Rosa evidenciaram a
relevância de aprender espanhol em função do relacionamento com os países vizinhos de
fala hispânica, porém, a professora Rosa deixou claro que a língua inglesa seria mais
importante no mercado de trabalho, enquanto a espanhola seria mais importante para o
turismo fronteiriço. Dessa forma, Rosa ratifica a "verdade" estabelecida pela atual política
linguística implementada pela SME-RJ e contribui para a preservação das representações
acerca das línguas inglesa e espanhola. A professora Ana defendeu a manutenção do
espanhol no currículo, todavia com uma organização diferente para o ensino de LE.
Sugeriu que a aprendizagem das LE fossem contínuas, pois o aluno que estuda uma
determinada língua no sexto ano não tem garantias que estudará a mesma língua no
próximo, fato que prejudicaria a aquisição de um idioma estrangeiro.
94

Vejamos, a seguir, fragmentos da fala de cada uma das docentes entrevistadas:

Maria: Defendo por (.) pela língua ser uma língua mais próxima à língua portuguesa pelos nossos
(.) eh:: países vizinhos (.) e também (.) pela:: facilidade que o aluno tem (.) ao estudar uma língua
neolatina (.) já que (.) nós (.) ramificamos do Latim

A professora Maria, através do articulador discursivo-argumentativo de conjunção


"e também" afirma que os países vizinhos de fala hispânica, juntamente com a facilidade
de se aprender uma língua neolatina, são argumentos suficientes para concluir que o ensino
da língua espanhola deva permanecer na grade curricular obrigatória do ensino
fundamental.
A professora Rosa igualmente se mostra favorável ao ensino de espanhol pela
proximidade com os países vizinhos:

Rosa: Principalmente com co::m (.) nosso país cercado de países de língua espanhola (.) então a
proximidade é muito maior do que o contato com a língua inglesa a língua inglesa (.) é mais
comercial (.) ou (.) no traba::lho mas assim contato mesmo possibilidades de viagem até do (.) dos
brasileiros a a a fronteira mesmo a entrada deles aqui tá muito grande (.) então acredito que:: °é
mais importante° (grifos nossos)

Para tanto, utiliza o articulador discursivo-argumentativo de conclusão - "então" -


em dois momentos. No primeiro, conclui que o contato dos alunos com a língua espanhola
é maior do que com o inglês, fato que se constitui, segundo a entrevistada, em um
argumento para a inclusão do espanhol na grade curricular.
Na segunda vez em que utiliza o termo "então" é para concluir que argumentos
como viagens fronteiriças e relacionamentos interpessoais, nos quais a língua espanhola
seria utilizada, justificariam o ensino desta língua na rede municipal do Rio de Janeiro.
Entretanto, apesar de defender o ensino de espanhol, faz uso do articulador
discursivo-argumentativo de disjunção "ou", que introduz um argumento distinto que
conduz a conclusões diferentes ou opostas. Em outras palavras, a professora deixa claro
que a língua inglesa é mais importante que a língua espanhola nos âmbitos comercial e
laboral.
Passemos aos enunciados da professora Ana:
95

Ana: Eu defendo mas eu acho que tinha que existir (.) não sei eh eh (.) uma:: organização
diferente porque realmente não tem continuidade do ensino tanto do Inglês quanto do Espanhol
porque (.) o aluno faz Espanhol no sexto ano não quer dizer que ele vai fazer Espanhol no sétimo
ano (.) né e o aluno que faz Inglês no sexto também não quer dizer que ele vai continuar fazendo
Inglês no sex- no sétimo (.) então eles tinham que organizar de uma maneira em que o aluno talvez
pudesse escolher (grifos nossos)

A docente defende a permanência do espanhol no currículo do ensino fundamental,


porém, utiliza o operador discursivo-argumentativo de contrajunção "mas" para ressaltar a
importância de uma organização diferente para o ensino de línguas estrangeiras na rede
municipal do Rio de Janeiro. Também faz uso do articulador discursivo-argumentativo de
explicação "porque" para fundamentar sua opinião, pois, segundo a professora Ana, o
ensino de uma determinada língua estrangeira deveria ser contínuo, visto que a mudança
do idioma a cada progresso de ano escolar dificulta a aprendizagem de uma LE.
Além disso, emprega o articulador discursivo-argumentativo de conclusão "então"
para expor que a solução para o problema estaria na escolha, por parte do aluno, de uma
única língua estrangeira a ser cursada durante todo o ensino fundamental II.
De acordo com Fiorin (2016), os argumentos usados pelas professoras estão
baseados na estrutura da realidade, pois as mesmas apresentaram fatos considerados
verdadeiros e, dessa forma, incontestes para alguns. Entretanto, os fatos apresentados,
embora verídicos, não se apresentam suficientemente eloquentes como argumentos que
possam asssegurar o espaço da língua espanhola na grade curricular.
No que diz respeito ao conhecimento dos documentos jurídicos que regulamentam
o ensino de língua estrangeira na rede municipal do Rio de Janeiro - quarta e última
pergunta da entrevista -, as três professoras desconheciam o Decreto Municipal n.°
31.187/09, que regulamenta o Programa Rio Criança Global, e apenas a professora Ana
sabia o conteúdo da Lei Municipal n.° 2.939/99. Por esta razão, fornecemos os
documentos para a ciência das professoras e prosseguimos a entrevista. Esperávamos,
nesse momento, que argumentassem a favor da língua espanhola e refletissem sobre as
implicações de tais documentos no ensino de uma língua estrangeira.
Acreditávamos que a Lei Municipal n.° 2.939/99 seria usada como principal
argumento contra a implementação do Decreto Municipal n.° 31.187/09. Entretanto,
apenas a professora Maria fez menção à Lei e questionou a relação entre prática e teoria:
96

Maria: Bom... eu acredito que:: a rede não está (.) preparada para (.) este tipo de:: mudança...
primeiro pelo número de (.) profissionais que não (.) eh:: (.) completa o quadro mesmo tendo::
havido dois (.) concursos anteriores (.) né (.) e:: o ensino do Inglês como eu já havia falado que
existem mais (.) professores de Inglês (.) eles substituem (.) os de língua espanhola↓ (.) então eh
a:: secretaria ela (.) ela constrói uma lei (.) e na prática existe uma o::utra regulamentação (.) por
quê? (.) porque eu fui informada que eu só poderia entrar pela (.) diretora do RH da quinta CRE
que eu só poderia entrar nas turmas de projeto oitavo e (.) nono ano (.) e é o que a direção tem
feito comigo ao longo desses anos ao longo desses quatro anos (.) e essa lei existe mas está
engavetado (.) não está sendo posta em prática (.) e eu acredito que não será posta em prática
primeiro pelo desconhecimento dela por nós (.) profissionais da língua (.) espanhola (.) e segundo
pela prática da secretaria municipal que (.) estende o ensino da língua inglesa para quase todas
para quase toda a rede... eu não acredito na (.) que isso será posto em prática (.) e:: será uma lei
como está atualmente engavetado (grifos nossos)

As demais professoras se mostraram mais preocupadas não com a questão do


ensino de espanhol, mas com a acomodação dos professores nas unidades escolares e nas
funções que passariam a desempenhar:

Ana: Ah acaba que os professores de língua espanhola da da rede vão ficar não podem ser
demitidos né acabam fazendo outras coisas tem professor que tá trabalhando (.) co::m projeto (.)
eu conheço (.) tem gente como eu que tá na sala de leitura (.) e o projeto é pra você trabalhar com
todas as disciplinas (.) me ofereceram mas eu não quis (.) primeiro que era todo dia (.) ou todas as
manhãs ou todas as tardes e dando aula de todas as matérias e com alunos problemáticos (.) né
fora da idade escolar (.) eh aí eu não aceitei (.) porque eu também tinha outra matrícula e eu não
queria entrar nessa dando aula de Português tudo bem que Português dá agora Matemática
Ciências História Geografia Inglês (.) né (.) e na sala de leitura eu achei mais conveniente (.) mas
eu também já trabalhei dando (.) dupla (.) fazendo dupla de Português (.) não me ofereceram ficar
só com Português não nem me obrigaram... né assim não me obrigaram a nada (.) por enquanto (.)
me deram a sala de leitura porque tava disponível [na minha escola] (grifos nossos)

Rosa: Bom na prática o que:: pode-se observar por exemplo (.) a ideia (.) que foi passada pra nós
é que o aluno começaria o 6º ano com Inglês (.) e iria até o 9º ano então aos poucos o Espanhol
seri::a retirado (.) sendo que (.) como não tem onde colocar os professores de Espanhol (.) então
foi permitido (.) tá foi uma concessão (.) segundo o que chega pra gente que os professores
permanecessem no nono ano (.) oitavo nono (.) sexto ano e sétimo não poderiam dar mais aula de
97

Espanhol (.) e aí a criança vem com sexto e sétimo com o Inglês e ele passa pro Espanhol no
oitavo e nono (grifos nossos)

Nos fragmentos acima, notamos que as três entrevistadas utilizaram os


articuladores de organização textual "primeiro" e "segundo", que possuem a função de
"estruturar a linearidade do texto, organizá-lo em uma sucessão de fragmentos
complementares que facilitam o tratamento interpretativo" (MAINGUENEAU, 1996, p.
170). De acordo com Koch e Elias (2016), tais articuladores sinalizam abertura,
intermediação e fechamento na organização espacial do texto, isto é, expressam uma
sequencialidade de enunciados que fundamentam um ponto de vista. No entanto, não
introduzem enunciados que argumentam em defesa do idioma espanhol, senão relatam as
consequências de sua exclusão da grade curricular.
Sendo assim, embora concordemos com Fiorin (2016) que todo discurso tem uma
dimensão argumentativa, não significa que sua organização seja argumentativa. Segundo
Charaudeau (2016), os modos de organização de um discurso possuem uma função de base
que se refere à finalidade do discurso e um princípio de organização que o caracteriza em
descritivo, narrativo e/ou argumentativo. Seguindo esta lógica, no modo de organização do
Decreto Municipal n.° 31.187/09 e da Circular E/SUBE/ n° 17, há o predomínio do
discurso descritivo que tem como objetivo definir, explicar e incitar os destinatários. Na
Carta da APEERJ, o modo de discurso dominante é o argumentativo, cuja finalidade
principal é a persuasão. E, finalmente, nos enunciados das entrevistas notamos que, embora
tenham sido utilizados articuladores discursivo-argumentativos, a principal finalidade das
entrevistadas era informar, explicar e contar a situação que vivem na atualidade,
caracterizando, assim, a predominância dos modos descritivo e narrativo.
O modo descritivo é composto por três componentes: nomear, qualificar e localizar-
situar. A nomeação consiste em "fazer existir seres significantes no mundo"
(CHARAUDEAU, 2016, p. 112) e a qualificação atribui a esses seres um sentido
particular. A professora Ana identifica os prefeitos gestores à época do Decreto Municipal
n.° 31.187/09 e da Lei Municipal n.° 2.939/99 e qualifica a a Ex-Secretária de Educação .
A professora Maria nomeia o presidente que sancionou a Lei Federal 11.161/05 e a
professora Rosa identifica e qualifica a Ex-Secretária de Educação:

Ana: Porque o prefeito Eduardo Paes baixou um decre::to... tirando o Espanhol da grade
curricular
98

Ana: Ué pelo que eu vi aqui ele só valoriza o Inglês (.) né desconsiderou completamente a lei que o
que o (.) que o Conde sancionou

Ana: ...eu lembro de ter ouvido até tenho essa (.) essa fala da da (.) antiga secretária ela disse que
(.) [dentro de]

Maria: [Hmm não] só conheço aquele (.) decreto do Lula que institucionaliza a (.) língua
espanhola (.) para o ensino médio só

Maria: Como foi com a lei do Lula

Rosa: Na verdade:: ninguém entende nada... a respeito disso porque:: (.) inclusive a secretária (.)
a antiga secretária a Claudia Costin (grifos nossos)

Segundo Charaudeau, "localizar-situar é determinar o lugar que um ser ocupa no


espaço e no tempo" (CHARAUDEUAU, 2016, p. 113) A professora Ana localiza no
tempo a Lei Municipal n.° 2.939/99 e relaciona a época de implementação do Decreto
Municipal n.° 31.187/09 ao momento em que cursava seu mestrado, já a professora Maria
indica o tempo que está como professora regente da SME-RJ, como podemos observar nos
trechos abaixo:

Ana: ... até no quando eu tava estudando pro mestrado (.) escrevendo a dissertação (.) eu lembro
de ter ouvido até tenho essa (.) essa fala da da (.) antiga secretária ela disse que (.) [dentro de]

Ana: isso dentro de um certo período não me lembro agora exatamente (.) todos os alunos da rede
estudariam Inglês isso acho que já (.) me acendeu uma:: (.) uma:: (.) uma dúvida sei lá já já (.) já
deixou uma dúvida na minha cabeça eu falei caramba o que que vão fazer com o Espanhol isso
quando eu fazia o mestrado (.) já te::m o que (.) uns cinco anos aí

Ana: °Ãh-hã... sim... sim... isso em noventa e nove°

Maria: ... porque eu fui informada que eu só poderia entrar pela (.) diretora do RH da quinta CRE
que eu só poderia entrar nas turmas de projeto oitavo e (.) nono ano (.) e é o que a direção tem
feito comigo ao longo desses anos ao longo desses quatro anos ... (grifos nossos)

Há nos enunciados das professoras de espanhol uma grande preocupação em narrar


os fatos, de construir uma sucessão das ações de uma história no tempo para descrever as
condições às quais estão sendo submetidas. Ainda que percebamos um discurso de defesa
da língua espanhola, não se encontram argumentos inscritos dentro de um modo de
99

organização argumentativo, o que torna pouco consistentes seus discursos para a


manutenção deste idioma na grade curricular.
Os sujeitos das entrevistas se constituem em "contadores" investidos de uma
intencionalidade de transmitir suas experiências após a implementação do Decreto
Municipal n.° 31.187/09 na rede municipal do Rio de Janeiro. Dessa forma, percebemos
que há uma preocupação discursiva que obedece à lógica narrativa composta por actantes,
processos e sequências (CHARAUDEAU, 2016). Os actantes "desempenham papéis de
acordo com a ação que desenvolvem, são construídos pelo tipo de fazer e qualificados pelo
ser" (CEZARIO, 1997). No relato das professoras de espanhol, a Ex-Secretária Claudia
Costin e a Corregedoria Regional de Educação aparecem como actantes agressores que
agem de maneira voluntária e as professoras surgem como actantes vítimas das decisões
arbitrárias do Decreto Municipal n.° 31.187/09 e da Circular E/SUBE/ n° 17.
Os processos unem os actantes entre si e dão uma orientação funcional às suas
ações (CHARAUDEAU, 2016). Dessa forma, o discurso das professoras revela que as
ações que recaem sobre todos os professores de línguas estrangeiras, vítimas da nova
política linguística adotada, teria a finalidade de "melhorar" o ensino de LE na rede
municipal através da eliminação do "adversário" que "ameaça"o ensino de inglês com
qualidade.
Por fim, determinados princípios de organização como o princípio da
intencionalidade constituem a sequência da narrativa. São sucessões de ações que têm uma
razão de ser que reside na intenção do sujeito. Dessa forma, a intencionalidade pode ser
definida como "a tomada de consciência mais ou menos clara, por um sujeito, de uma
situação de falta na qual ele se acha" (CHARAUDEAU, 2016, p. 168). Dito isto,
compreendemos que a situação desconfortável na qual se encontram as professoras de
espanhol provocou-lhes um desejo de preencher essa "falta" através dos enunciados
descritivos-narrativos que, de acordo com nosso ponto de vista, não são suficientes para
convencer os integrantes da SME-RJ a modificarem a política linguística vigente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
100

Esta pesquisa buscou analisar, pelo viés da Análise do Discurso, o Decreto nº


31.187/2009, a Circular E/SUBE/n°17 de 2016, a Carta da APEERJ à SME-RJ redigida em
2012 e as entrevistas semiestruturadas feitas com os professores de espanhol da rede
municipal do Rio de Janeiro com o propósito de revelar as múltiplas perspectivas que estão
por trás de uma suposta homogeneidade discursiva materializada tanto no discurso
governamental como dos docentes de língua espanhola.
Para tanto, no primeiro capítulo, apresentamos e discutimos alguns conceitos que
fundamentam esta análise, tais como as noções de linguagem, discurso, enunciado,
formação discursiva, controle e poder discursivo (FOUCAULT, 1984, 1999, 2003, 2008,
2013) e argumentação (FIORIN, 2016; KOCH, 2011; KOCH e ELIAS, 2016;
CHARADEUAU, 2008).
No segundo capítulo, optamos por contextualizar as questões que seriam analisadas.
Explicamos os motivos que levaram a gestão municipal anterior a criar o Programa Rio
Criança Global, suas implicações político-linguísticas e sua relação com as políticas
educacionais contemporâneas e com o processo de governamentalidade (FOUCAULT,
1984). Definimos política e planejamento linguísticos (CALVET, 2002, 2007; LAGARES
e SAVEDRA, 2012; RAJAGOPALAN, 2013), glotopolítica (LAGARES, 2010, 2012;
ARNOUX e DEL VALLE, 2010), ideologias linguísticas (CALVET, 1999; DEL VALLE,
2007; MORENO CABRERA, 2015). Também discutimos sobre a hipercentralidade da
língua inglesa no mundo globalizado, a respeito da ideologia pan-hispânica, sobre a
história do ensino de línguas estrangeiras em nosso país, em especial, em relação ao ensino
da língua espanhola.
As considerações tecidas no decorrer do texto nos permitiu compreender que a
implementação do PRCG se sustenta pelo poder coercitivo do Estado, assim como pelos
micropoderes exercidos por grande parte da sociedade que compartilha a mesma formação
discursiva fundamentada na ideologia linguística que institui a hegemonia da língua
inglesa para a sociedade atual. Certamente, reconhecemos o valor do inglês, entretanto
criticamos sua unicidade no sistema educacional, uma vez que um ensino monolíngue
limita, de alguma forma, a aprendizagem e a formação dos sujeitos, visto que o objetivo
deste ensino transforma a educação em mero instrumento de capacitação e aprimoramento
de habilidades específicas, neste caso a oralidade fluente em língua inglesa, visando apenas
benefícios econômicos.
101

No capítulo metodológico, definimos os conceitos foucaultianos de "monumento" e


"arquivo" para esclarecer o processo de constituição dos corpora. Apresentamos as noções
de gênero discursivo (BAKHTIN, 2003) e de domínio discursivo (MARCUSCHI, 2003)
para melhor classificar os textos selecionados para análise. Além disso, relatamos as etapas
que seriam percorridas no processo analítico com base nos estudos de Orlandi (2013).
Através da análise, concluímos que o não-dito sobre a implementação do PRCG se
caracteriza não somente pelo esforço de preservação do poder, mas também pela tentativa
de supressão da multiplicidade de discursos opostos que seriam responsáveis pelos
conflitos e reflexões capazes de desconstruir o regime de verdades instaurado e
naturalizado no imaginário social contemporâneo no que tange à seleção de línguas e à
organização curricular da disciplina de língua estrangeira no cenário da educação pública.
O discurso materializado no Decreto nº 31.187, assim como na Circular
E/SUBE/n°17, contribuem para a manutenção dos discursos que privilegiam a
aprendizagem do inglês sobre as demais línguas. Além disso, percebemos que esta
máxima, ratificada pela memória discursiva, pelos processos de acúmulo, geraram na
Circular enunciados oriundos de uma interpretação equivocada do Decreto, fato que
provocou uma ruptura do discurso de promoção da língua espanhola implementado pela
Lei Municipal n° 2.939.
No que tange a pergunta desta pesquisa - como se posicionam os professores de
espanhol acerca do apagamento dado ao ensino de espanhol na SME-RJ? -, percebemos
que os discursos docentes se mostraram contrários à atual política linguística de
apagamento da língua espanhola no município do Rio de Janeiro. Entretanto, o
posicionamento adotado para a defesa do espanhol na grade curricular foi distinto. A
APEERJ revelou em seu discurso argumentos baseados em pontos de vista acerca da
realidade que mostravam o retrocesso na valorização do ensino de apenas uma língua
estrangeira no currículo da educação básica. Apesar de centrar a defesa na língua
espanhola, se intitularam como uma associação que luta pelo respeito e valorização do
ensino de línguas estrangeiras, ratificando seu papel como agente da política de línguas. As
professoras de espanhol entrevistadas, embora também tenham apresentado argumentos
também fundamentados na realidade, não mostraram um encadeamento de enunciados que
conduzissem a uma certa reflexão e que pudessem romper com os ditos do Decreto e da
Circular, ou seja, os raciocínios organizados pela descrição e narração de fatos não se
102

mostraram suficientes para persuadir, comover ou convencer alguém de suas vontades de


verdade.
Em relação à hipótese desta investigação, acreditávamos que nos discursos dos
professores de espanhol se materializaria a crença de um legítimo movimento de
resistência às prescrições do Decreto nº 31.187, o qual se daria simultaneamente à
reprodução dos discursos mercadológicos de defesa de uma língua já naturalizados pelo
senso comum em nossa sociedade. No entanto, nem no discurso da APEERJ e tampouco
nos das professoras entrevistadas foram utilizados argumentos baseados na relevância da
aprendizagem da língua espanhola para o mercado de trabalho, isto é, enunciados que
reproduzissem os discursos neoliberais para o ensino e aprendizagem de uma determinada
língua estrangeira. Constatamos que nos enunciados da APEERJ a defesa se baseou na
importância das questões relacionadas à cidadania e nos discursos das professoras
prevaleceu a proximidade de nosso país com os de fala hispânica.
Supúnhamos, da mesma forma, que não encontraríamos, nos enunciados dos
docentes de espanhol, posicionamentos que refutassem a implementação da Lei 2.939/99, a
qual obriga o ensino de espanhol, mas apenas o Decreto nº 31.187, revelando, assim, a
ausência de uma consciência político-linguística que valorizasse o ensino plural de línguas
estrangeiras e não se limitasse às línguas "internacionais", mais especificamente ao par
hegemônico inglês /espanhol. A conclusão foi, para nós, surpreendente. A Lei Municipal
n.° 2.939/99 não foi usada como argumento por nenhum docente de língua espanhola.
Dessa forma, o discurso da APEERJ não apenas revelou um pensamento plurilíngue, como
também a consciência do uso das estratégias de silenciamento e do não-dizer para que seu
discurso não se tornasse contraditório. Em relação ao discurso das professoras
entrevistadas, apenas uma estava informada sobre a Lei Municipal 2.939 e nenhuma
conhecia o PRCG e o Decreto nº 31.187. Sendo assim, por desconhecimento dos
documentos que regem o ensino de línguas estrangeiras no município do Rio de Janeiro,
seus enunciados se restringiram a consequências das ações governamentais que recaíram
sobre as mesmas.
Consideramos que esta pesquisa foi relevante para a desconstrução de paradigmas
preestabelecidos a respeito da escolha de uma língua estrangeira para o currículo escolar.
Da mesma maneira, esperamos haver colaborado para o processo de conscientização sobre
a importância de um ensino plural, como também em relação à necessidade de uma
formação docente que contemple o estudo das políticas linguísticas vigentes - sob uma
103

perspectiva discursiva -, mas sobretudo que auxilie o futuro professor na compreensão da


importância de uma formação continuada e no seu papel como um profissional atuante,
reflexivo e crítico, pois, dessa forma, será possível contribuir para a ruptura dos discursos
reproduzidos pelo sistema dominante.

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117

APÊNDICE

Universidade Federal do Rio de Janeiro


Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
Centro de Letras e Artes Faculdade de Letras

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado(a) estudante:

Eu, Cristina Fernandes Lopes, sou estudante de Mestrado do Programa de Pós-


Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Estou
realizando uma pesquisa sob supervisão do Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior,
cujo objetivo é refletir sobre os enunciados dos professores de espanhol que emergiram
após a implementação do Programa Rio Criança Global na rede municipal de ensino do
Rio de Janeiro. Sua participação envolve a análise de suas produções orais a serem
gravadas no momento de sua entrevista. A participação nesse estudo é voluntária e se você
decidir não participar, ou quiser desistir de continuar em qualquer momento, tem absoluta
liberdade de fazê-lo. Na publicação dos resultados desta pesquisa, sua identidade será
mantida no mais rigoroso sigilo. Serão omitidas todas as informações que permitam
identificá-lo(a). Mesmo não tendo benefícios diretos em participar, indiretamente você
estará contribuindo para a compreensão do fenômeno estudado e para a produção de
conhecimento científico. Quaisquer dúvidas relativas à pesquisa poderão ser esclarecidas
pela pesquisadora por meio do endereço eletrônico: crisflopes76@gmail.com.

Atenciosamente,

Cristina Fernandes Lopes (estudante/pesquisador);


118

Matrícula: _____________________________________________________
Assinatura:______________________________________________________

Local e data:_____________________________________________________

Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior (orientador acadêmico);

Matrícula: ______________________________________________________________
Assinatura:______________________________________________________________
Local e data:____________________________________________________________

Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE CONSENTIMENTO e


estou de acordo em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a
qualquer momento, sem sofrer qualquer punição ou constrangimento. Recebi uma
cópia assinada deste formulário de assentimento.

Nome do(a) estudante: _____________________________________________________


Assinatura:______________________________________________________________
CPF: ___________________________________________________________________
Local e data:_____________________________________________________________
119

ANEXO I

LEI Nº 11.161, DE 5 DE AGOSTO DE 2005.

       O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e


eu sanciono a seguinte Lei:

        Art. 1o O ensino da língua espanhola, de oferta obrigatória pela escola e de matrícula
facultativa para o aluno, será implantado, gradativamente, nos currículos plenos do ensino
médio.

        § 1o O processo de implantação deverá estar concluído no prazo de cinco anos, a partir
da implantação desta Lei.

        § 2o É facultada a inclusão da língua espanhola nos currículos plenos do ensino
fundamental de 5a a 8a séries.

        Art. 2o A oferta da língua espanhola pelas redes públicas de ensino deverá ser feita no
horário regular de aula dos alunos.

        Art. 3o Os sistemas públicos de ensino implantarão Centros de Ensino de Língua
Estrangeira, cuja programação incluirá, necessariamente, a oferta de língua espanhola.

        Art. 4o A rede privada poderá tornar disponível esta oferta por meio de diferentes
estratégias que incluam desde aulas convencionais no horário normal dos alunos até a
matrícula em cursos e Centro de Estudos de Língua Moderna.

        Art. 5o Os Conselhos Estaduais de Educação e do Distrito Federal emitirão as normas
necessárias à execução desta Lei, de acordo com as condições e peculiaridades de cada
unidade federada.

        Art. 6o A União, no âmbito da política nacional de educação, estimulará e apoiará os
sistemas estaduais e do Distrito Federal na execução desta Lei.

        Art. 7o Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

        Brasília, 5 de agosto de 2005; 184o da Independência e 117o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Fernando Haddad
120

ANEXO II

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 746, DE 22 DE SETEMBRO DE 2016

Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo


Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, e a Lei nº 11.494 de 20 de junho 2007, que regulamenta o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, e dá outras providências.
     
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da
Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei: 

     Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com as seguintes
alterações: 
"Art. 24. ................................................................................... 
.......................................................................................................... 

Parágrafo único. A carga horária mínima anual de que trata o inciso I


do caput deverá ser progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e
quatrocentas horas, observadas as normas do respectivo sistema de ensino e de
acordo com as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação
estabelecidos no Plano Nacional de Educação." (NR)
"Art. 26. ................................................................................... 

§ 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o


estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e
natural e da realidade social e política, especialmente da República Federativa do
Brasil, observado, na educação infantil, o disposto no art. 31, no ensino
fundamental, o disposto no art. 32, e no ensino médio, o disposto no art. 36. 

§ 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá


componente curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, de
forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. 

§ 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente


curricular obrigatório da educação infantil e do ensino fundamental, sendo sua
prática facultativa ao aluno: 
121

.......................................................................................................... 

§ 5º No currículo do ensino fundamental, será ofertada a língua inglesa a partir do


sexto ano. 60
.......................................................................................................... 

§ 7º A Base Nacional Comum Curricular disporá sobre os temas transversais que


poderão ser incluídos nos currículos de que trata o caput. 
.......................................................................................................... 

§ 10. A inclusão de novos componentes curriculares de caráter obrigatório na Base


Nacional Comum Curricular dependerá de aprovação do Conselho Nacional de
Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da Educação, ouvidos o
Conselho Nacional de Secretários de Educação - Consed e a União Nacional de
Dirigentes de Educação - Undime." (NR)
"Art. 36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum
Curricular e por itinerários formativos específicos, a serem definidos pelos sistemas
de ensino, com ênfase nas seguintes áreas de conhecimento ou de atuação
profissional: 

I - linguagens; 

II - matemática;

III - ciências da natureza;

IV - ciências humanas; e

V - formação técnica e profissional. 

§ 1º Os sistemas de ensino poderão compor os seus currículos com base em mais de


uma área prevista nos incisos I a V do caput. 

§ 3º A organização das áreas de que trata o caput e das respectivas competências,


habilidades e expectativas de aprendizagem, definidas na Base Nacional Comum
Curricular, será feita de acordo com critérios estabelecidos em cada sistema de
ensino. 

§ 5º Os currículos do ensino médio deverão considerar a formação integral do


60
Os grifos em amarelo foram feitos pela pesquisadora com a finalidade de enfatizar as partes importantes do
texto, auxiliando assim o leitor.
122

aluno, de maneira a adotar um trabalho voltado para a construção de seu projeto de


vida e para a sua formação nos aspectos cognitivos e socioemocionais, conforme
diretrizes definidas pelo Ministério da Educação. 

§ 6º A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum


Curricular não poderá ser superior a mil e duzentas horas da carga horária total do
ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino. 

§ 7º A parte diversificada dos currículos de que trata o caput do art. 26, definida em
cada sistema de ensino, deverá estar integrada à Base Nacional Comum Curricular
e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, social, ambiental e
cultural. 

§ 8º Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua


inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo,
preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e
horários definidos pelos sistemas de ensino. 

§ 9º O ensino de língua portuguesa e matemática será obrigatório nos três anos do


ensino médio. 

§ 10. Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de vagas na rede,


possibilitarão ao aluno concluinte do ensino médio cursar, no ano letivo
subsequente ao da conclusão, outro itinerário formativo de que trata o caput. 

§ 11. A critério dos sistemas de ensino, a oferta de formação a que se refere o


inciso V do caput considerará: 

I - a inclusão de experiência prática de trabalho no setor produtivo ou em ambientes


de simulação, estabelecendo parcerias e fazendo uso, quando aplicável, de
instrumentos estabelecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional; e 

II - a possibilidade de concessão de certificados intermediários de qualificação para


o trabalho, quando a formação for estruturada e organizada em etapas com
terminalidade. 

§ 12. A oferta de formações experimentais em áreas que não constem do Catálogo


Nacional dos Cursos Técnicos dependerá, para sua continuidade, do
reconhecimento pelo respectivo Conselho Estadual de Educação, no prazo de três
anos, e da inserção no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco
anos, contados da data de oferta inicial da formação. 

§ 13. Ao concluir o ensino médio, as instituições de ensino emitirão diploma com


123

validade nacional que habilitará o diplomado ao prosseguimento dos estudos em


nível superior e demais cursos ou formações para os quais a conclusão do ensino
médio seja obrigatória. 

§ 14. A União, em colaboração com os Estados e o Distrito Federal, estabelecerá os


padrões de desempenho esperados para o ensino médio, que serão referência nos
processos nacionais de avaliação, considerada a Base Nacional Comum Curricular. 

§ 15. Além das formas de organização previstas no art. 23, o ensino médio poderá
ser organizado em módulos e adotar o sistema de créditos ou disciplinas com
terminalidade específica, observada a Base Nacional Comum Curricular, a fim de
estimular o prosseguimento dos estudos. 

§ 16. Os conteúdos cursados durante o ensino médio poderão ser convalidados para
aproveitamento de créditos no ensino superior, após normatização do Conselho
Nacional de Educação e homologação pelo Ministro de Estado da Educação. 

§ 17. Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, os


sistemas de ensino poderão reconhecer, mediante regulamentação própria,
conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de
comprovação, como: 

I - demonstração prática; 

II - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do


ambiente escolar;

III - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino;

IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais;

V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e

VI - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias." (NR)


"Art. 44. ................................................................................... 
.......................................................................................................... 

§ 3º O processo seletivo referido no inciso II do caput considerará exclusivamente


as competências, as habilidades e as expectativas de aprendizagem das áreas de
conhecimento definidas na Base Nacional Comum Curricular, observado o disposto
nos incisos I a IV do caput do art. 36." (NR)
"Art. 61. ................................................................................... 
.......................................................................................................... 
124

III - trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou


superior em área pedagógica ou afim; e 

IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de


ensino para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação para atender o
disposto no inciso V do caput do art.
36. .............................................................................................." (NR)
"Art. 62. ................................................................................... 
.......................................................................................................... 

§ 8º Os currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência a Base


Nacional Comum Curricular." (NR)
     Art. 2º A Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, passa a vigorar com as seguintes
alterações: 
"Art. 10. ...................................................................................
.......................................................................................................... 

XIV - formação técnica e profissional prevista no inciso V do caput do art. 36 da


Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996;

XV - segunda opção formativa de ensino médio, nos termos do § 10 do caput do


art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996;

XVI - educação especial;

XVII - educação indígena e quilombola;

XVIII - educação de jovens e adultos com avaliação no processo; e

XIX - educação de jovens e adultos integrada à educação profissional de nível


médio, com avaliação no processo.
............................................................................................." (NR)
     Art. 3º O disposto no § 8º do art. 62 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, deverá
ser implementado no prazo de dois anos, contado da data de publicação desta Medida
Provisória. 

     Art. 4º O disposto no art. 26 e no art. 36 da Lei nº 9.394, de 1996, deverá ser
implementado no segundo ano letivo subsequente à data de publicação da Base Nacional
Comum Curricular. 
125

     Parágrafo único. O prazo de implementação previsto no caput será reduzido para o


primeiro ano letivo subsequente na hipótese de haver antecedência mínima de cento e
oitenta dias entre a publicação da Base Nacional Comum Curricular e o início do ano
letivo. 

     Art. 5º Fica instituída, no âmbito do Ministério da Educação, a Política de Fomento à


Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. 

     Parágrafo único. A Política de Fomento de que trata o caput prevê o repasse de


recursos do Ministério da Educação para os Estados e para o Distrito Federal pelo prazo
máximo de quatro anos por escola, contado da data do início de sua implementação. 

     Art. 6º São obrigatórias as transferências de recursos da União aos Estados e ao Distrito


Federal, desde que cumpridos os critérios de elegibilidade estabelecidos nesta Medida
Provisória e no regulamento, com a finalidade de prestar apoio financeiro para o
atendimento em escolas de ensino médio em tempo integral cadastradas no Censo Escolar
da Educação Básica, e que: 

     I - sejam escolas implantadas a partir da vigência desta Medida Provisória e atendam às
condições previstas em ato do Ministro de Educação; e

     II - tenham projeto político-pedagógico que obedeça ao disposto no art. 36 da Lei nº


9.394, de 1996. 

     § 1º A transferência de recursos de que trata o caput será realizada com base no número
de matrículas cadastradas pelos Estados e pelo Distrito Federal no Censo Escolar da
Educação Básica, desde que tenham sido atendidos, de forma cumulativa, os requisitos dos
incisos I e II do caput. 

     § 2º A transferência de recursos será realizada anualmente, a partir de valor único por
aluno, respeitada a disponibilidade orçamentária para atendimento, a ser definida por ato
do Ministro de Estado da Educação. 

     § 3º Os recursos transferidos nos termos do caput poderão ser aplicados nas despesas de
manutenção e desenvolvimento das escolas participantes da Política de Fomento, podendo
ser utilizados para suplementação das expensas de merenda escolar e para aquelas previstas
nos incisos I, II, III, VI e VIII do caput do art. 70 da Lei nº 9.394, de 1996. 
126

     § 4º Na hipótese de o Distrito Federal ou de o Estado ter, no momento do repasse do


apoio financeiro suplementar de que trata o caput, saldo em conta de recursos repassados
anteriormente, esse montante, a ser verificado no último dia do mês anterior ao do repasse,
será subtraído do valor a ser repassado como apoio financeiro suplementar do exercício
corrente. 

     § 5º Serão desconsiderados do desconto previsto no § 4º os recursos referentes ao apoio


financeiro suplementar, de que trata o caput, transferidos nos últimos doze meses. 

     Art. 7º Os recursos de que trata o parágrafo único do art. 5º serão transferidos pelo
Ministério da Educação ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE,
independentemente de celebração de termo específico. 

     Art. 8º Ato do Ministro de Estado da Educação disporá sobre o acompanhamento da


implementação do apoio financeiro suplementar de que trata o parágrafo único do art. 5º. 

     Art. 9º A transferência de recursos financeiros prevista no parágrafo único do art. 5º


será efetivada automaticamente pelo FNDE, dispensada a celebração de convênio, acordo,
contrato ou instrumento congênere, mediante depósitos em conta corrente específica. 

     Parágrafo único. O Conselho Deliberativo do FNDE disporá, em ato próprio, sobre


condições, critérios operacionais de distribuição, repasse, execução e prestação de contas
simplificada do apoio financeiro. 

     Art. 10. Os Estados e o Distrito Federal deverão fornecer, sempre que solicitados, a
documentação relativa à execução dos recursos recebidos com base no parágrafo único do
art. 5º ao Tribunal de Contas da União, ao FNDE, aos órgãos de controle interno do Poder
Executivo federal e aos conselhos de acompanhamento e controle social. 

     Art. 11. O acompanhamento e o controle social sobre a transferência e a aplicação dos


recursos repassados com base no parágrafo único do art. 5º serão exercidos no âmbito dos
Estados e do Distrito Federal pelos respectivos conselhos previstos no art. 24 da Lei nº
11.494, de 20 de junho de 2007. 

     Parágrafo único. Os conselhos a que se refere o caput analisarão as prestações de


contas dos recursos repassados no âmbito desta Medida Provisória, formularão parecer
conclusivo acerca da aplicação desses recursos e o encaminharão ao FNDE. 
127

     Art. 12. Os recursos financeiros correspondentes ao apoio financeiro de que trata o


parágrafo único do art. 5º correrão à conta de dotação consignada nos orçamentos do
FNDE e do Ministério da Educação, observados os limites de movimentação, de empenho
e de pagamento da programação orçamentária e financeira anual. 

     Art. 13. Fica revogada a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005


     Art. 14. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.


     Brasília, 22 de setembro de 2016; 195º da Independência e 128º da República.
MICHEL TEMER 
José Mendonça Bezerra Filho

Publicação:

 Diário Oficial da União - Seção 1 - Edição Extra - 23/9/2016, Página 1 (Publicação


Original)
128

ANEXO III

LEI Nº 2447, DE 16 DE OUTUBRO DE 1995.

TORNA OBRIGATÓRIO A INCLUSÃO NO CURRÍCULO ESCOLAR DO


ESTADO, O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA MODERNA - IDIOMA
ESPANHOL.

O Governador do Estado do Rio de Janeiro,


Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º - Torna-se obrigatório a inclusão no Currículo Escolar das Escolas Públicas do
Estado do Rio de Janeiro o ensino da língua estrangeira moderna, idioma espanhol.

Art. 2º - O ensino de espanhol estará incluído como componente curricular do primeiro e
segundo graus, na área de comunicação e expressão.

Art. 3º - Ao Poder Executivo caberá a elaboração dos atos de regulamentação referentes às
normas estabelecidas nesta Lei.

Art. 4º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.

Rio de Janeiro, 16 de outubro de 1995.

MARCELLO ALENCAR
Governador

Tipo de
Revogação Em Vigor
129

ANEXO IV

LEI Nº 2939 DE 24 DE NOVEMBRO DE 1999

DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DO IDIOMA ESPANHOL


NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

Autora: Vereadora Leila do Flamengo

O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, faço saber que a Câmara Municipal


decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1º - Torna-se obrigatório o ensino do idioma espanhol nas escolas que integram a
Rede Municipal de Ensino.
Parágrafo Único - O ensino do idioma espanhol definido no caput deste

, será ministrado em todas as séries do ensino básico.

Art. 2º - Fica o Poder Executivo autorizado a instituir concurso público com vista à seleção
de professores para atender o disposto nesta Lei.

Art. 3º - Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, o Poder Executivo poderá instituir
convênios com entidades públicas e privadas, para atender ao disposto nesta Lei.

Art. 4º - As despesas decorrentes da execução do disposto nesta Lei correrão à conta de
dotações orçamentárias próprias, a serem incluídas na Lei Orçamentária Anual, ficando o
Poder Executivo autorizado a abrir créditos adicionais, suplementares ou especiais.

Art. 5º - O Poder Executivo editará a regulamentação complementar necessária à


aplicabilidade desta Lei, no prazo de cento e vinte dias, a contar da data de sua publicação.
130

Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em
contrário.

LUIZ PAULO FERNANDEZ CONDE

ANEXO V

DECRETO n.° 31.187, de 06 de outubro de 2009.

Institui o programa “Rio Criança Global 2016” para promover o ensino das línguas
estrangeiras nas escolas da rede municipal de ensino.

Cria o Programa Rio Criança Global no âmbito da Secretaria Municipal de


Educação.
O PREFEITODACIDADEDORIODEJANEIRO, no uso das atribuições que lhe são
conferidas pela legislação em vigor e
CONSIDERANDO que a Cidade do Rio de Janeiro sediará os Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos no ano de 2016;
CONSIDERANDO que no ano de 2016, com a realização das Olimpíadas, a Cidade
do Rio de Janeiro receberá turistas de todo o mundo, o que propiciará a convivência com
diversas culturas;
CONSIDERANDO que uma das características do mundo contemporâneo é o
estreitamento de culturas, por intermédio da disseminação do saber, da arte, da tecnologia,
da comunicação e dos esportes;
CONSIDERANDO que a aprendizagem da Língua Estrangeira não se resume,
apenas, no domínio de habilidades a partir de um inventário de estruturas linguísticas, mas
envolve, também, a apropriação de novos olhares sobre o mundo que nos cerca,
envolvendo diferentes culturas e dizeres;
CONSIDERANDO que o enfoque adotado pela Secretaria Municipal de Educação,
compreende a linguagem como uma forma de apropriar-se de práticas discursivas na
Língua Estrangeira, especialmente, o idioma inglês;
131

DECRETA:
Art. 1.° Fica criado, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação, o Programa
Rio Criança Global, que tem por objetivo ampliar, para todos os anos do Ensino
Fundamental, o ensino da Língua Inglesa nas unidades escolares da Rede Pública
Municipal de Ensino, com enfoque na conversação.
Art. 2.° O Programa a que se reporta o artigo 1.° será implementado gradualmente,
a partir do ano de 2010, da seguinte forma:
I – em 2010: 1.° ao 3.° ano;
II – 2011: inclui-se o 4.° ano;
III – 2012: inclui-se o 5.° ano;
V– 2013: inclui-se o 6.° ano;
VI – 2014: inclui-se o 7.° ano;
VII – 2015: inclui-se o 8.° ano;
VIII – 2016: inclui-se o 9.° ano.
Art. 3.° Nas unidades escolares do Programa Escolas doAmanhã, além das
atividades desenvolvidas no horário normal, deverá haver reforço do ensino da Língua
Inglesa, no contraturno, duas vezes por semana, em diferentes níveis de complexidade
(Básico, Intermediário e Avançado).
Art. 4.° Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Rio de Janeiro, 06 de outubro de 2009


EDUARDO PAES
D.O.RIO de 07.10.2009
132

ANEXO VI
133
134

ANEXO VII
135

À SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

ASSUNTO: Carta oficial da APEERJ referente ao ensino de Espanhol na rede municipal

À Ex.ª Senhora Secretária Cláudia Costin

À Ex.ª Senhora Subsecretária de Ensino Helena Bomeny

“A APEERJ – Associação dos Professores de Espanhol do Rio de Janeiro – e os


professores de espanhol da rede municipal, após reunião com a subsecretária de ensino
Helena Bomeny, no dia 02 de março de 2012, demonstram, nesta carta, grande
preocupação com o ensino de Espanhol, um dos componentes curriculares do Ensino
Fundamental das Escolas Municipais do Rio de Janeiro.
Conforme declaração da subsecretária nessa reunião, a partir do presente ano,
haverá redução de carga horária de Língua Espanhola na matriz curricular e, em 2014,
restrição a possíveis oficinas, de caráter “eletivo”, no turno da tarde, em unidades escolares
chamadas “Ginásios Cariocas”. Cremos que se trata de um grave e sério retrocesso. Em
menos de dois anos, uma língua que deveria ser ensinada em todas as séries do ensino
fundamental, se limite ao caráter “eletivo”, a uma oferta incerta, quiçá relegada ao
esquecimento.
Ao longo de seus 30 anos, nossa associação luta para que o ensino de línguas
estrangeiras seja respeitado e valorizado em todos os âmbitos.Essa luta não é não apenas
pela expansão da língua espanhola nas escolas, mas pela implementação de um ensino de
línguas que propicie ao estudante refletir sobre a sua participação na sociedade, sobre seus
deveres, anseios e conquistas futuras.
É também objetivo desta associação lutar em prol das causas dos seus professores,
muitas vezes, submetidos a políticas governamentais que não estão atentos às suas reais
necessidades e justas reivindicações. Nesse sentido, cabe mencionar a enorme indignação
desta associação ao tomar conhecimento, por meio de relatos de seus membros e pela já
mencionada subsecretária, que os professores de espanhol da rede municipal de ensino do
Rio de Janeiro estão em vias de trabalhar com turmas de reforço de língua portuguesa.
Possivelmente, fora de suas escolas de origem, onde muitos possuem mais de 10 anos de
136

vínculo,e prestes a ter seus horários pulverizados e limitados a poucos tempos de aula com
os estudantes.
A subutilização do trabalho dos professores que se dedicam ao ensino de língua
espanhola também é tema de debate neste documento. Embora os representantes da
Secretaria Municipal de Educação tenham ressaltado, mais de uma vez, que “a prioridade é
o aluno e não o professor”, sabemos que dificilmente se aprende/ensina algo diminuindo os
partícipes da mediação e da construção do conhecimento.
Cabe ressaltar também que é no mínimo contraditória a realização de um concurso
de 100 vagas para professor de espanhol quando os atuais professores da rede vivem essa
situação inaceitável. É difícil compreender que uma língua falada em mais de 20 países
como língua materna perca seu espaço em uma das maiores redes municipais de ensino da
América Latina.
Concluímos esta carta, reafirmando que a APEERJ sempre estará aberta ao diálogo
com o poder público para a viabilização de ações em prol do ensino de espanhol no Rio de
Janeiro, como a realização de cursos de capacitação ou projetos similares. Essa parceria, no
entanto, espera desse órgão o respeito devido o trabalho do professor de línguas
estrangeiras e o lugar do espanhol como um dos integrantes do componente curricular, de
imprescindível relevância à formação de alunos-cidadãos críticos e conscientes do valor da
aprendizagem de uma língua estrangeira.
Nestes termos, a APEERJ solicita a devida revisão da decisão de retirar da grade
uma disciplina tão importante com a Língua Espanhola, para que possamos desenvolver
novas parcerias com a Secretaria Municipal de Educação. Desta maneira esperamos que,
alunos, professores e comunidade escolar sejam contemplados com um ensino público de
línguas plural e de qualidade.”

APEERJ Diretoria (2010-2012):


Dayala Vargens (UFF)
Luciana Freitas (UFF)
Maria Cristina Giorgi (CEFET-RJ)
Renato Pazos Vázquez (Colégio Técnico da UFRRJ)
Rita de Cássia Rodrigues Oliveira (UERJ)
Viviane C. Antunes Lima (UFRRJ)
Viviane S. Fialho de Araujo (SEE)
137

Assessoria política (2010-2012):


Fábio Sampaio de Almeida (CEFET-RJ)

ANEXO VIII
138

Entrevista com Ana

Cristina: Ana (.) eh o Espanhol é ensinado na sua escola?

Ana: Não (.) não tem aula de Espanhol

Cristina: E:: (.) por quê? (.) por que que não tem aula de Espanhol?

Ana: Porque o prefeito Eduardo Paes baixou um decre::to... tirando o Espanhol da grade
curricular

Cristina: E como se deu a retirada do Espanhol lá na (.) na [tua escola]?

Ana: [Foi] gradativamente primeiro saiu do:: se::xto a::no do sétimo a::no (.) aí eu ainda
dei aula no oitavo e no nono (.) aí no ano seguinte só no na- no nono e depois (.) parou

Cristina: E:: (.) na sua opinião (.) quais são os motivos que levaram a atual gestão do
município (.) a retirar a língua espanhola das escolas?

Ana: Eu acho que (por um) interesse (.) político e econômico... eu acho que (.) por causa
dos cursos de Inglês né que estavam pelo menos na minha escola que a minha escola é uma
Escola do Amanhã (.) então tinha um (.) tinha Cultura Inglesa tinha curso de Inglês da
dentro da minha escola (.) já não sei direito qual era o o curso não mas acho que era
Cultura (.) a Cultura também que fazia a seleção dos professores de Inglês (.) a Cultura
que:: (.) dava:: aqueles cursos de aperfeiçoamento também pra professores de Inglês (.) né
e (.) até no quando eu tava estudando pro mestrado (.) escrevendo a dissertação (.) eu
lembro de ter ouvido até tenho essa (.) essa fala da da (.) antiga secretária ela disse que (.)
[dentro de]

Cristina: [da Claudia] Costin?

Ana: isso dentro de um certo período não me lembro agora exatamente (.) todos os alunos
da rede estudariam Inglês isso acho que já (.) me acendeu uma:: (.) uma:: (.) uma dúvida
sei lá já já (.) já deixou uma dúvida na minha cabeça eu falei caramba o que que vão fazer
com o Espanhol isso quando eu fazia o mestrado (.) já te::m o que (.) uns cinco anos aí

Cristina: E você defende a manutenção do ensino de Espanhol na SME?

Ana: Eu defendo mas eu acho que tinha que existir (.) não sei eh eh (.) uma:: organização
diferente porque realmente não tem continuidade do ensino tanto do Inglês quanto do
Espanhol porque (.) o aluno faz Espanhol no sexto ano não quer dizer que ele vai fazer
Espanhol no sétimo ano (.) né e o aluno que faz Inglês no sexto também não quer dizer que
ele vai continuar fazendo Inglês no sex- no sétimo (.) então eles tinham que organizar de
uma maneira em que o aluno talvez pudesse escolher (.) eu acho (.) né porque tem fran-
>tem escola que ainda tem Francês< (.) o Francês também tá saindo (.) mas tem Francês
139

Espanhol e Inglês (.) então era tudo muito bagunçado (.) eu acho que eles tinham que
arrumar de uma maneira que pudesse haver uma continuidade no ensino

Cristina: E você conhece (.) a lei 2939?

Ana: É a lei que:: deixa eu ver se eu me lembro dela (.) que fala do ensino do Espanhol no
ensino fundamental?

Cristina: E o decreto Rio Criança Global você conhece?

Ana: Não esse eu não conheço

Cristina: Vou te dar pra ler (.) você lê só o (.) esse essa lei aqui é a lei que fala do Espanhol
e aqui na última folha (.) tem o decreto (.) aí depois que você ler só esse iniciozinho aqui

Ana: Eu leio esse esse [início aqui]

Cristina: [É] pode ler esses parágrafos aqui [a partir]

Ana: [eh o prefeito] da cidade do Rio de Janeiro

Cristina: não não precisa ler em voz alta não

Ana: ah tá

Cristina: só pra você só pra eu te perguntar depois

((Silêncio))

Ana: °Ãh-hã... sim... sim... isso em noventa e nove°

Cristina: I::sso

Ana: [aí]

Cristina: [agora] na última [folha]

Ana: [Criança] Global?

Cristina: é esse decreto

Ana: Do Eduardo Paes também?

Cristina: Esse é esse aqui primeiro é do Conde né

Ana: Sim esse

Cristina: [Esse]

Ana: [ah tá]

Cristina: é do Eduardo Paes


140

Ana: tá certo

Cristina: de dois mil e nove

((Silêncio))

Ana: É só fala da língua inglesa aqui né

Cristina: Ãh-hã

((Silêncio))

Ana: °Sim... é minha escola é Escola do Amanhã°

Cristina: Foi?

Ana: °Ãh-hã°

Cristina: Agora (.) comparando esses dois (.) que implicações (.) esses documentos (.) eh
trazem pro ensino de língua estrangeira na rede (.) na rede municipal?

Ana: °Hmm implicações como assim [eh°]

Cristina: [Eh] o que que você acha após ler (.) esses documentos (.) como é que fica a
língua estrangeira quais são (.) as consequências ou as orientações (.) o que:: acarreta (.)
pro ensino de língua estrangeira?

Ana: Ué pelo que eu vi aqui ele só valoriza o Inglês (.) né desconsiderou completamente a
lei que o que o (.) que o Conde sancionou

Cristina: Ãh-hã

Ana: Né mas (.) eh::...

Cristina: E o que isso gera (.) como é que fica né quais ( )

Ana: Ah acaba que os professores de língua espanhola da da rede vão ficar não podem ser
demitidos né acabam fazendo outras coisas tem professor que tá trabalhando (.) co::m
projeto (.) eu conheço (.) tem gente como eu que tá na sala de leitura (.) e o projeto é pra
você trabalhar com todas as disciplinas (.) me ofereceram mas eu não quis (.) primeiro que
era todo dia (.) ou todas as manhãs ou todas as tardes e dando aula de todas as matérias e
com alunos problemáticos (.) né fora da idade escolar (.) eh aí eu não aceitei (.) porque eu
também tinha outra matrícula e eu não queria entrar nessa dando aula de Português tudo
bem que Português dá agora Matemática Ciências História Geografia Inglês (.) né (.) e na
sala de leitura eu achei mais conveniente (.) mas eu também já trabalhei dando (.) dupla (.)
fazendo dupla de Português (.) não me ofereceram ficar só com Português não nem me
obrigaram... né assim não me obrigaram a nada (.) por enquanto (.) me deram a sala de
leitura porque tava disponível [na minha escola]
141

Cristina: [mas por que] que te deram a sala de leitura?

Ana: Porque não tinha °vaga pra mim° (.) não tinham vaga pra mim (.) e eu sou muito
antiga na escola eu tô lá desde dois mil e sete

Cristina: Ãh-hã

Ana: Entendeu (.) e assim (.) eh esse ano (.) uma novidade (.) esse ano (.) eles (.) surgiu a
possibilidade de eu voltar (.) com o nono ano (.) pra dar Espanhol acredita?

Cristina: Ué por quê?

Ana: Pois é porque (.) a sala de leitura (.) a da minha escola ela tem uma professora que
está afastada (.) primeiro que ela foi pra uma o::utra escola pra ficar perto de casa pra tratar
pra cuidar da mãe dela que tava com câncer (.) a mãe faleceu... e ela ficou cedida lá
naquela escola (.) agora o marido em menos em pouco tempo o marido faleceu (.) então ela
está de licença sem venci- eh de licença médica

Cristina: Ãh-hã

Ana: Podendo voltar a qualquer momento e eh o meu futuro é incerto (.) aí cogitou-se a
possibilidade de dela voltar (.) e eu ter que pegar o nono ano porque eles não tinham lugar
pra me colocar

Cristina: Ah entendi (.) então você voltaria pro nono ano e ela entraria pra sala de [leitura]

Ana: [Isso] só que [aceitaram]

Cristina: [Mas aí não] é um problema de Espanhol é outro tipo de [problema]

Ana: [É] aí:: eu falei mas como assim se não tem mais Espanhol na rede ou seja uma
bagunça né (.) eh:: (.) mas aí eu fui à CRE conversei com a moça ela falou não (.) você é
de Espanhol (.) você fica na sala de leitura (.) foi assim que ela falou (.) Rosângela
responsável lá da sétima CRE

Entrevista com Maria

Cristina: Maria (.) o ensino de Espanhol (.) é feito na sua escola?


142

Maria: Sim

Cristina: E:: como é feito (.) como é ensinado o Espanhol na sua escola?

Maria: Como é feito a minha entrada (.) nas turmas ou como eu (.) ministro a aula↓

Cristina: Como o ensino de Espanhol é feito na sua escola (.) ele exi::ste (.) tá em que quais
[tu::rmas]

Maria: [Isso] (.) ele existe (.) ele é destinado a turmas de:: (.) projeto que são aqueles
alunos que (.) passaram da (.) faixa etá::ria (.) e:: eu tenho atualmente quatro turmas de
projeto (.) duas pela manhã e (.) duas à tarde (.) e eu tenho duas turmas regulares né de
oitavo e (.) nono anos (.) à tarde

Cristina: E quantas turmas regulares tem na escola? (.) você sabe? (.) de oitavo e de nono?

Maria: Eu acredito que::... oitavo e nono? Quatro turmas

Cristina: São todas suas?

Maria: Não (.) eu trabalho só duas turmas né (.) dois anos regulares à tarde uma turma é
uma de oitavo e outra de nono como eu havia:: dito (.) °antes°

Cristina: E:: na sua opinião (.) quais os motivos que levaram a atual gestão do município
do Rio de Janeiro a retirar a língua espanhola das escolas?

Maria: Eu acredito que seja por (.) questão política (.) né (.) eu fiz o o concurso em dois
mil e do::ze (.) inicialmente eram destinadas pra minha CRE dez vagas (.) só que (.)
anteriormente houve um um concurso pra Inglês (.) que foram destinadas quinhentas vagas
pra Inglês (.) então (.) e:: infinitas né (.) vagas assim e foram chamados (.) professores
extras da língua inglesa (.) então eu acredito que o direcionamento do município do Rio
seja pra (.) com para língua estrangeira seja o Inglês e não (.) o Espanhol

Cristina: E por que você acha isso?

Maria: Primeiro por causa do concurso pelo número de vagas (.) e segu::ndo que a CRE só
me permite entrar em turmas de projeto (.) e oitavo e nono anos

Cristina: E você acha que o Espanhol (.) eh você defende a manutenção do Espanhol

Maria: [Defe::ndo]

Cristina: [na grade curricular]

Maria: [Defe::ndo]

Cristina: [E quais] são os motivos?


143

Maria: Defendo por (.) pela língua ser uma língua mais próxima à língua portuguesa pelos
nossos (.) eh:: países vizinhos (.) e também (.) pela:: facilidade que o aluno tem (.) ao
estudar uma língua neolatina (.) já que (.) nós (.) ramificamos do Latim

Cristina: E você conhece a lei (.) 2939?

Maria: Não desconheço

Cristina: E o decreto (.) [trinta e um mil cento e oitenta e sete]?

Maria: [Hmm não] só conheço aquele (.) decreto do Lula que institucionaliza a (.) língua
espanhola (.) para o ensino médio só

Cristina: Esse é (.) de nível federal

Maria: [Tá]

Cristina: [Aí] eu vou te dar (.) essa aqui (.) é a lei 2939 só pra você ler

Maria: [Ãh-hã]

Cristina: [o que] que tá falando né (.) e esse é o decreto (.) aí você lê e depois eu te
pergunto

Maria: Tá

Cristina: Ma- não precisa ler em voz alta não só pra você saber

Maria: OK

Cristina: né tomar ciência e aí eu te faço a última pergunta

Maria: Tá

((Silêncio))

Maria: ( )

Cristina: Isso aqui é só é

Maria: (tá)

Cristina: esse aqui é o decreto

((Silêncio))

Maria: Hmm... aqui eu (.) fiquei na dúvida::

Cristina: O quê?

Maria: no decreto
144

Cristina: Ãh

Maria: No decre::to (.) institui-se o programa Rio Criança Global para promover o ensino
das línguas estrangeiras nas escolas da rede municipal de ensino

Cristina: Ãh-hã

Maria: Aí↑ (.) fala sobre a importâ::ncia né de uma língua estrangeira (.) só que no artigo
um (.) fica cria::do (.) esse progra::ma (.) e institucionaliza o ensino da língua inglesa nas
unidades escolares da rede pública ni- municipal com enfoque na conversação (.) e no
segundo artigo (.) tá:: (.) eh explica como será a implementação (.) e diz (.) nas unidades
escolares do programa Escolas do Amanhã além das atividades (.) desenvolvidas no
horário normal (.) deverá haver reforço no ensino da língua inglesa no contratu::rno

Cristina: É (.) do Inglês mas nas Escolas do Amanhã

Maria: Nas Escolas do Amanhã e no programa Rio Criança [Global]

Cristina: [O programa] Rio Criança Global (.) é essa implementação do Inglês que tá sendo
feita nas escolas

Maria: Que aí está-se criando escolas bilíngues da (.) [língua inglesa]

Cristina: [É não sei se] não é o termo não é bilíngue né mas eles tão querendo padroniza::r
o ensino de Inglês né

Maria: É

Cristina: Padronizar o ensino de Inglês (.) só ↑ que aquilo ali é um decreto onde amplia o
ensino de Inglês e aqui é uma lei (.) que obriga o ensino de Espanhol

Maria: Como foi com a lei do Lula

Cristina: I::sso (.) só que essa tem eh é de nível municipal

Maria: [Municipal é]

Cristina: [Aí] agora que você leu isso

Maria: Hmm

Cristina: a lei o decreto (.) eu queria que você me falasse quais são as implicações que
esses documentos (.) trazem pro ensino de língua espanhola aqui na no ensino de língua
espanhola não no ensino de língua estrangeira na rede... o que que você acha desses
documentos

Maria: [Ãh]

Cristina: [em] relação ao ensino da rede?


145

Maria: Bom... eu acredito que:: a rede não está (.) preparada para (.) este tipo de::
mudança... primeiro pelo número de (.) profissionais que não (.) eh:: (.) completa o quadro
mesmo tendo:: havido dois (.) concursos anteriores (.) né (.) e:: o ensino do Inglês como eu
já havia falado que existem mais (.) professores de Inglês (.) eles substituem (.) os de
língua espanhola↓ (.) então eh a:: secretaria ela (.) ela constrói uma lei (.) e na prática existe
uma o::utra regulamentação (.) por quê? (.) porque eu fui informada que eu só poderia
entrar pela (.) diretora do RH da quinta CRE que eu só poderia entrar nas turmas de projeto
oitavo e (.) nono ano (.) e é o que a direção tem feito comigo ao longo desses anos ao longo
desses quatro anos (.) e essa lei existe mas está engavetado (.) não está sendo posta em
prática (.) e eu acredito que não será posta em prática primeiro pelo desconhecimento dela
por nós (.) profissionais da língua (.) espanhola (.) e segundo pela prática da secretaria
municipal que (.) estende o ensino da língua inglesa para quase todas para quase toda a
rede... eu não acredito na (.) que isso será posto em prática (.) e:: será uma lei como está
atualmente engavetado

Cristina: Mas ela tá em vigor sabia?

Maria: Mas não uma uma eu eu eu penso assim (.) um é a teoria outra é a prática

Cristina: Então tá bom Maria brigada

Maria: De nada espero que as minhas palavras (.) sejam úteis pra você::

Entrevista com Rosa

Cristina: Entrevista com Rosa... Rosa (.) o Espanhol é ensinado na sua escola?
146

Rosa: É

Cristina: E:: de que maneira?

Rosa: Ma::is a parte instrumental do que:: (.) oralida::de mesmo

Cristina: E você dá aula pra:: que turmas?

Rosa: Oitavo e nono

Cristina: Você dá aula pra proje::tos?

Rosa: Dou aula pra projeto

Cristina: Também?

Rosa: Também

Cristina: Só tem você de professora de Espanhol na

Rosa: Tem uma professora cedida (.) na nossa escola mas de matrícula eu (.) e uma outra
professora que agora tá saindo porque:: (.) Espanhol não pode ficar na escola de turno
único↓

Cristina: Entendi (.) e você vai ficar dando aula de Espanhol pro ano que vem?

Rosa: Não vou ficar em projeto

Cristina: Então não vai ter mais Espanhol

Rosa: Não

Cristina: [na tua escola]

Rosa: [só Inglês] (.) turno único na prefeitura agora só Inglês

Cristina: Entendi... então a retirada vai ser no ano que vem porque é uma escola de turno
único (.) então só vai ter Inglês

Rosa: [Isso]

Cristina: [Entendi] °tá°... e vem cá (.) qua::is na sua opinião quais são os motivos que
levaram a atual gestão do município do Rio de Janeiro a retirar a língua espanhola das
escolas?

Rosa: Na verdade:: ninguém entende nada... a respeito disso porque:: (.) inclusive a
secretária (.) a antiga secretária a Claudia Costin (.) ela dizia que o Espanhol era muito
importante (.) mas ela mesmo (.) ela (.) resolveu retirar (.) ela disse que não era:: (.) eh:: (.)
segundo o que (.) chegou pra:: (.) pra nós professores ela disse que seria uma aberração...
no município o ensino de língua espanhola que o importante é o Inglês
147

Cristina: E você defende (.) a manutenção do ensino de Espanhol na SME?

Rosa: Com certeza

Cristina: Por quê?

Rosa: Principalmente com co::m (.) nosso país cercado de países de língua espanhola (.)
então a proximidade é muito maior do que o contato com a língua inglesa a língua inglesa
(.) é mais comercial (.) ou (.) no traba::lho mas assim contato mesmo possibilidades de
viagem até do (.) dos brasileiros a a a fronteira mesmo a entrada deles aqui tá muito grande
(.) então acredito que:: °é mais importante°

Cristina: Você sabe por que (.) que o Espanhol tá sendo retirado?

Rosa: Não

Cristina: Você conhece o decreto municipal 31.187?

Rosa: Não

Cristina: Que fala sobre o Rio Criança Global↓

Rosa: Não

Cristina: E você conhece a lei municipal 2939?

Rosa: Não

Cristina: Ela fala sobre a obrigatoriedade da língua espanhola↓

Rosa: Não

Cristina: Não conhece nenhuma [delas]?

Rosa: [Não]

Cristina: Existe uma lei municipal (.) que é essa 2939 (.) que obriga o ensino do Espanhol

Rosa: Ãh-hã

Cristina: E logo depois em 2009 lo-logo depois não dez anos depois em 2009 vem um
decreto (.) que (.) pede a ampliação do ensino do Inglês

Rosa: Ãh-hã

Cristina: Ele não é um decreto que fere (.) a lei municipal porque ele é um decreto

Rosa: Ãh-hã

Cristina: De qualquer↑ maneira na prática o decreto está ferindo a lei


148

Rosa: Isso

Cristina: Né (.) e aí o que que você acha disso que que implicações esses documentos
trazem pro ensino de língua es- de língua estrangeira na rede municipal né (.) a gente tem
uma lei municipal que obriga uma determinada língua um decreto que (.) na prática obriga
outra língua (.) que:: implicações esses documentos trazem pro ensino da língua
estrangeira?

Rosa: Bom na prática o que:: pode-se observar por exemplo (.) a ideia (.) que foi passada
pra nós é que o aluno começaria o 6º ano com Inglês (.) e iria até o 9º ano então aos poucos
o Espanhol seri::a retirado (.) sendo que (.) como não tem onde colocar os professores de
Espanhol (.) então foi permitido (.) tá foi uma concessão (.) segundo o que chega pra gente
que os professores permanecessem no nono ano (.) oitavo nono (.) sexto ano e sétimo não
poderiam dar mais aula de Espanhol (.) e aí a criança vem com sexto e sétimo com o Inglês
e ele passa pro Espanhol no oitavo e nono

Cristina: °Ãh-hã°

Rosa: Então isso já (.) complica bastante o ensino (.) no que se- poderia ser uma
continuidade (.) né poderia ter o Inglês poderia ter o Espanhol (.) começa no sexto ano
aquela turma com o Inglês essa com o Espanhol (.) e vai até o final mas não eles têm essa
mudança (.) e:: (.) geralmente o material oferecido não é um material (.) bom (.) não é um
material bom (.) então pro oitavo no- e nono ano o livro que chega é um livro que o aluno
deveria ter tido (.) eh:: (.) aula no sexto e no sétimo ter vindo já com (.) a didática daquele
livro pra chegar (.) naquele conteúdo (.) não, é o conteúdo que (.) tem que ser colocado pra
ele daquela forma sem ele antes conhecer o livro (.) então na verdade a gente nem trabalha
o conteúdo do oitavo e nono (.) que é imposto pelo:: pelo livro que chega (.) então (.)
acarreta bastante problema

Cristina: E o ensino de Inglês (.) exclusivo né

Rosa: É (.) aí eu eu não tô muito a par do ensino de Inglês não

Cristina: Tá só [isso]

Rosa: [Eles] têm livros próprios (.) eh dependendo da escola tem o:: (.) eu não sei se é o
Brasas ou Cultura Inglesa um dos dois (.) tá inserido em algumas escolas (.) na minha
escola tem então tem um grupinho de alu::nos que (.) fazem aquele (.) aquele cursinho ali
(.) paralelo (.) e tem o:: o Inglês é dado um livro (.) eh tem todo um suporte pra eles
também

Cristina: °Só isso°

ANEXO IX
149

DIÁRIO OFICIAL DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

Ato da Secretária Resolução SME n.º 1317, de 28 de outubro de 2014.

N. 157 • Rio de Janeiro Quarta-feira, 29 de Outubro de 2014

ANEXO X
150
151
152

ANEXO XI

Convenções de transcrição

Símbolos Especificações
... pausa não medida
(.) micropausa
- corte abrupo da fala
? entonação ascendente
:: duração mais longa do alongamento da vogal
↑ subida de entonação

↓ descida de entonação

Sublinhado acento ou ênfase de volume


MAIÚSCULA fala alta ou ênfase acentuada
>palavra< fala acelerada
<palavra> fala desacelerada
ºpalavraº trecho falado mais baixo
() palavra/fala não compreendida – transcrição impossível
(palavra) transcrição duvidosa
(( )) comentário do analista, descrição de atividade não verbal
hh aspirações audíveis ou riso
[ ] fala sobreposta

Adaptadas de Gail Jefferson apud Bastos & Santos (2013).


153

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