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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Instituto de Letras

Damiana Maria de Carvalho

Leitura e reescritura de microcontos: a relevância na sala de aula

Rio de Janeiro
2017
Damiana Maria de Carvalho

Leitura e reescritura de microcontos: a relevância na sala de aula

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutora, ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Língua Portuguesa.

Orientadora: Prof.ª Dra. Maria Teresa Gonçalves Pereira

Rio de Janeiro
2017
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/BIBLIOTECA CEH/B

C331 Carvalho, Damiana Maria de.


Leitura e reescritura de microcontos: a relevância na sala de aula /
Damiana Maria de Carvalho. - 2017.
178 f.

Orientadora: Maria Teresa Gonçalves Pereira.


Tese (doutorado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de
Letras.

1. Língua portuguesa – Estudo e ensino - Teses 2. Língua portuguesa –


Escrita – Teses. 3. Leitura – Estudo e ensino – Teses. 4. Incentivo à leitura –
Teses. I. Pereira, Maria Teresa Gonçalves, 1948-. II. Universidade do Estado
do Rio de Janeiro. Instituto de Letras. III. Título.

CDU 806.90(07)

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese,
desde que citada a fonte.

________________________________________ _________________
Assinatura Data
Damiana Maria de Carvalho

Leitura e reescritura de microcontos: a relevância na sala de aula

Tese apresentada, como requisito parcial para


obtenção do título de Doutora, ao Programa de
Pós-Graduação em Letras da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Língua Portuguesa.

Aprovada em 25 de abril de 2017

Banca Examinadora:

_________________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria Teresa Gonçalves Pereira (Orientadora)
Instituto de Letras – UERJ
_________________________________________________________
Prof.ª Dra. Denise Salim Santos
Instituto de Letras – UERJ
_________________________________________________________
Prof. Dr. Flávio Martins Carneiro
Instituto de Letras – UERJ
_________________________________________________________
Prof.ª Dra. Ana Maria Pires Novaes
Universidade Estácio de Sá
_________________________________________________________
Prof.ª Dra. Maria Lilia Simões de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2017
AGRADECIMENTOS

À professora Maria Teresa Gonçalves Pereira pela orientação valiosa, pela confiança e
pela viagem em torno dos microcontos.
À professora Tânia Maria Nunes de Lima Câmara pelo carinho e pela contribuição ao
aceitar fazer parte da banca de qualificação.
Às professoras Ana Maria Pires Novaes, Denise Salim Santos e Maria Lília Simões de
Oliveira por aceitarem fazer parte da banca de defesa de minha tese.
Ao querido professor Flávio Carneiro que muito contribuiu para a mudança de rumo
de minha tese. Aceitei o desafio, agora vamos olhar as paisagens por trás dos microcontos?
Aos amigos e familiares que entenderam a minha ausência.
Especialmente, à minha filha Flor de Liz que me deu tanta força, escrevendo comigo
em silêncio.
DEDICATÓRIA

Dedico esta tese à minha filha Paloma, que me ensinou o verdadeiro amor.
RESUMO

CARVALHO, Damiana Maria de. Leitura e reescritura de microcontos: a relevância na sala


de aula. 2017. 178 f. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) - Instituto de Letras,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

O objetivo geral desta tese é mostrar a relevância do microconto (micronarrativa ou


micro-história) para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa. As dificuldades dos alunos
diante das práticas de leitura e de escrita são reais, consequentemente, cabe ao professor criar
propostas pedagógicas atraentes. Em 2011, elaborei um projeto “piloto” de leitura de
microcontos, contos e reescritura destes em microcontos, a fim de instigar os alunos do 9º
ano, do Ensino Fundamental, a ler e reescrever Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima
Barreto. A partir desse trabalho, nasceu o desejo de pesquisar mais sobre tais microcontos
tanto em livros quanto na internet, a nível acadêmico. Para tanto, fez-se necessário refletir
sobre o momento pós-moderno, no qual se insere uma nova forma de reescritura que dialoga
com diversas linguagens. O microconto se encontra neste contexto, daí a importância de
tratarmos também da reescritura de romance. Em países hispano-americanos e hispânicos, as
narrativas hiperbreves são constantes desde meados do século XX; no cenário brasileiro, este
tipo de micronarrativa ganha força no final do século, com o avanço tecnológico da
informação e da comunicação. A partir do século XXI, houve um crescente interesse de
escritores e leitores brasileiros pelo microconto digital e impresso, configurando-se como
“novo” gênero literário. Conciso, mas com a liberdade da prosa, encanta o leitor e o convida
para coautor, mais que contar, o microconto sugere diversas histórias, proporcionando uma
brincadeira divertida à medida que abre diversas possibilidades para cada um expandir as
alternativas de desenvolvimento ao seu modo, usando seus conhecimentos prévios e sua
inventividade. Por outro lado, desafia o escritor a contar uma história em poucas palavras, o
essencial – o menor número de palavras e o maior número de significados -, lançando mão de
todo seu poder de síntese. Como se adequa à necessidade de acompanhar a velocidade
tecnológica do mundo moderno, é uma forma de estimular os alunos a escreverem micro-
histórias de fácil publicação nas redes sociais, como também à leitura. Uma narrativa
extremamente concisa não significa falta de conteúdo e escritura fácil. Por isso, é capaz de
estimular a reflexão, a criatividade e atrair, instigando, inclusive, a textos mais extensos,
como aconteceu com o projeto mencionado.

Palavras-chave: Microconto. Conto. Romance. Leitura. Reescritura. Pós-modernidade.


Ensino de língua portuguesa.
ABSTRACT

CARVALHO, Damiana Maria de. Reading and rewriting of Flasch Fiction: the relevance in
the classroom. 2017. 178f. Tese (Doutorado em Língua Portuguesa) –Instituto de Letras,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017.

The main objective of this thesis is to present the relevance of the Flash
fiction (micro story or micro narrative) for the learning and teaching of the Portuguese
language. The students’ troubles in the face of the reading and writing skills are real.
Consequently, it is the educator’s duty to create attractive pedagogical approaches. In 2011, I
have developed a pilot project for the reading of very short stories, tales and the rewriting of
these tales into short tales, with the intention of estimulating middleschoolers of the 9th grade
to read and rewrite “Triste Fim de Policarpo Quaresma” [Policarpo Quaresma’s Unfortunate
End ], by Lima Barreto. From this project, the desire to research more about such short tales
in books as much as in the internet at an academic level has emerged. For that, it is necessary
to contemplate the postmodern momentum, in which a new fashion of rewriting that
converses with diverse languages is inserted. The micro tale is found in that context, hence the
importance of also dealing with the novel rewriting. In Hispanic American and Hispanic
countries, extremely brief narratives are constant since the middle of the 20th century. In the
Brazilian scene, this type of micro narrative gains power towards the end of the century, with
the technological advance of information and communication. Starting from the 21st century,
there has been an increasing interest by the Brazilian writers and readers for the micro story
both on digital and printed media, becoming a “new” literary genre. Concise, yet with prosaic
freedom, it enchants the reader and invites him to be a coauthor, more than just telling a story,
the very short tale suggests diverse stories, providing a pleasant game as it allows variate
possibilities for each one to expand the alternatives of development in their own fashion using
his previous knowledge and inventiveness. On the other hand, it defies the writer to tell a
story in only a few words, the essencial – the smaller amount of words and the bigger amount
of meanings – accessing all of his power of synthesis. As it adapts to the necessity of keeping
up with the technological speed of the modern world, it is a way of stimulating the students to
write micro stories that can easily be published on the social networks, as well as reading. An
extremely concise narrative does not mean a lack of content and easy writing. Therefore it is
capable of stimulating the reflection, the creativeness and attracting, also fomenting longer
texts, as it has happened with the presented project.

Keywords: Flash fiction. Tale. Novel. Reading. Rewriting. Postmodernity. Portuguese


language teaching.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - ........................................................................................................ 36
Figura 2 - ........................................................................................................ 37
Figura 3 - ........................................................................................................ 38
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................... 10
1 REFLEXÕES SOBRE O PÓS-MODERNO................................................. 15
1.1 Obras de ficção pós-modernas........................................................................ 25
1.2 Exemplos de reescrituras................................................................................ 29
1.2.1 A reescritura de Gustavo Bernardo.................................................................... 30
1.2.2 A reescritura de Luiz Arraes.............................................................................. 43
2 MICROCONTOS EM PAÍSES HISPANO-AMERICANOS E
HISPÂNICOS................................................................................................... 50
2.1 Antecedentes do microconto........................................................................... 54
2.2 Nomenclaturas usadas por escritores e teóricos........................................... 60
3 MICROCONTOS NO BRASIL..................................................................... 63
3.1 Microcontos um novo gênero textual............................................................. 74
3.2 Análises de microcontos da antologia de Marcelino Freire......................... 81
3.3 Outros autores de microcontos....................................................................... 86
3.4 Microcontos na internet.................................................................................. 98
4 LEITURA E A RELEVÂNCIA PARA O ENSINO DA LÍNGUA
PORTUGUESA................................................................................................ 104
5 UM PROJETO DE LEITURA E REESCRITURA EM
MICROCONTOS............................................................................................ 110
5.1 Leitura de microcontos em sala de aula......................................................... 110
5.2 Leitura de contos em sala de aula................................................................... 119
5.2.1 Reescritura de microcontos a partir do conto Zap, de Moacyr Scliar................ 120
5.3 Leitura do conto A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian
Andersen........................................................................................................... 121
5.3.1 Reescritura de microcontos a partir de A pequena vendedora de fósforos........ 121
5.3.2 Reescritura em conto A pequena vendedora de balas....................................... 122
5.3.3 Reescritura de microcontos a parir da reescritura em conto.............................. 123
5.4 Reescritura de Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto........... 124
5.4.1 Lima Barreto: vida e obra em microcontos....................................................... 125
5.4.2 Professor Policarpo: amor em microcontos....................................................... 125
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 128
REFERÊNCIAS............................................................................................... 133
ANEXO A – Zap, de Moacyr Scliar................................................................. 156
ANEXO B - A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen 158
ANEXO C – A pequena vendedora de balas, reescritura de Damiana Maria
de Carvalho ....................................................................................................... 160
ANEXO D - Etapas de reescritura de Triste fim de Policarpo Quaresma, de
Lima Barreto ..................................................................................................... 164
ANEXO E - Lima Barreto: vida e obra em microcontos ................................. 165
ANEXO F - Professor Policarpo: amor em microcontos ................................. 173
10

INTRODUÇÃO

O ensino de qualquer língua pressupõe a seleção e a ordenação do conteúdo a se


ensinar de maneira a estabelecer uma gradação que facilite a aprendizagem. Deve-se
considerar também a importância de fatores externos que, aliados aos objetivos do ensino e às
características dos alunos, determinarão situações específicas. Uma questão essencial: quem é
o sujeito destinatário do ensino do texto? Para saber os métodos e os conteúdos a ser
ensinados, necessita-se antes conhecer o grau de familiaridade do aluno com a língua,
situações singulares, características, objetivos e motivações. O aprendizado a respeito da
adequada forma de interagir verbalmente é parte integrante da construção pessoal como ser
humano em interação com outros. É dever de o professor ampliar o campo do saber a partir do
patrimônio cultural construído e em construção, considerando legítimo direito do povo não
somente acesso a ele, mas também estabelecer uma relação pessoal com os textos
considerados significativos. Depois de a quem ensinar, tem-se: O que devo ensinar? Por quê?
Com essas respostas, podemos escolher o método e os conteúdos mais adequados
principalmente no que diz respeito ao ensino da leitura e da escrita, sem negligenciar a
gramática, parte integrante do ensino da língua portuguesa, de modo que se desenvolva no
aluno um pensamento produtivo e reflexivo e não apenas a transmissão de um produto pronto.
Pressupõe-se que um indivíduo que vai aprender a língua materna já passou pelo
processo de aquisição natural da língua, de maneira que ela se desenvolveu informal e
espontaneamente por meio de situações reais de interações com o meio ambiente (familiar e
social), sem esforço consciente. Quando a criança começa a aprender formalmente, já possui
uma linguagem oral que a torna capaz de se comunicar, entretanto, o repertório linguístico e
as estruturas das frases da língua oral são bem diferentes dos que se encontram na língua
escrita. Essas diferenças “constituem umas das dificuldades principais que enfrentamos na
escola, ao tentar produzir textos escritos” (PERINE, 1996, p. 35).
Observando as diferenças entre a língua informal e a formal, entendemos porque
parece o português uma língua difícil: decorarmos conceitos e fixamos regras que nem sempre
corresponde ao que usamos informalmente, daí a importância de o professor levar em conta
todas as diversidades. Na escola, o indivíduo adquire novos comportamentos adaptativos cada
vez mais eficientes do ponto de vista formal, assimilando e acomodando conhecimentos.
Na tese mostraremos a relevância dos microcontos para o ensino, envolvendo a tríade
leitura, escrita e reescritura. Para tanto, precisamos refletir sobre a atualidade, o que se produz
em termos de reescrita literária no Brasil; o que alguns teóricos, principalmente, hispano-
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americanos e hispânicos discorrem sobre os microcontos; o desenvolvimento, a teorização e a


análises de microcontos brasileiros; bem como, a leitura, a escrita e a proposta de reescritura
de microcontos em sala de aula.
No primeiro capítulo, faremos considerações sobre o pós-moderno, no qual
observamos, no final do século XX, por parte de um número significativo de autores de
ficção, interesse crescente pelo diálogo da literatura com outras linguagens e com a própria
tradição literária. Retomadas da linguagem do ensaio, da televisão, das histórias em
quadrinhos, da publicidade, da mídia em geral, da novela, do mundo ficcional e do real, tudo
convive com reescrituras de toda espécie (CARNEIRO, 2003).
No século XXI, além da intensificação dos romances dialógicos, observam-se adesões
de escritores brasileiros pelo microconto, que se destaca como novo gênero textual com
intensa divulgação e milhares de publicações em blogs, em outras plataformas e em redes
sociais da internet, havendo também manifestações de autores de obras impressas. No
microconto, o alto grau de polissemia, a fragmentação, a impossibilidade de totalização do
sujeito e a exigência da cooperação leitora estão associados, como as reescrituras de
romances, a estética pós-moderna e, portanto, intertextual.
Assim, comentaremos o polêmico conceito do termo ‘pós-moderno’, além da paródia,
do pastiche e mais detalhadamente da intertextualidade do texto literário, espaço no qual se
cruzam diversas linguagens, variadas vozes, diferentes discursos em épocas distintas; algumas
obras de ficção pós-modernas que são, antes de mais nada, um gesto de leitura, como O
campeonato (2002), A confissão (2006), A ilha (2011), O livro roubado (2013) – de Carneiro;
Um beijo de Colombina (2003) e Rakushisha (2014), ambos de Lisboa; Entrelinhas:
antologia de contos e microcontos (2008), organizado por Rossatto, etc; a reescritura de
Bernardo (Lúcia, publicado em 1999, que dialoga com Lucíola, de Alencar, publicado em
1862); e a reescritura de Arraes (Tentando entender Monterroso, de 2005, no qual constam
quarenta variações do microconto “O dinossauro”, de Monterroso, publicado em 1959).
No segundo capítulo, trataremos dos microcontos (ou microrrelatos, nomenclatura
bastante usada) hipano-americanos e hispânicos, com intensa produção desde o século XX.
Recorremos, inicialmente, a Denevi (1996), Noguerol (1996), Koch (2000), Martínez
Fernádez (2001), Epple (2004), Zavala (2005) Lagmanovich (2006), Roas (2008) e Pujante
Cascales (2013) para entendermos as características dos microcontos na pós-modernidade,
tendo em vista não haver no Brasil trabalhos significativos a respeito. Em seguida,
procuramos relacionar o microconto com outros gêneros da tradição de feitio reduzido, com o
intuito de buscar neles antecedentes, algum grau de parentesco além da brevidade. Assim,
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recorremos à fábula, ao bestiário, ao apólogo, à anedota, ao aforismo, ao provérbio, à


parábola, ao haicai, à epigrama, ao poema em prosa e ao conto. Na sequência, discorremos
sobre as nomenclaturas usadas por escritores e teóricos, que ainda não chegaram a um
consenso. Propõem chamá-los de minificção, miniconto, microrrelato, microficção,
microconto, conto relâmpago, relato hiperbreve, cápsula ficcional, dentre outros. Tem em
comum a ideia de concisão, instantaneidade, rapidez, hiperbrevidade, narratividade,
ficcionalidade etc.
No terceiro capítulo, direcionaremos nossos estudos aos microcontos produzidos no
Brasil. Iniciamos pelo grau de parentesco com o conto, porém, o microconto é antropofágico,
bebe em todos os gêneros e formas de expressão artística, enriquecendo-se; tratamos das
nomenclaturas mais usadas pelos escritores brasileiros e dos poucos estudos teóricos sobre as
narrativas brevíssimas, principalmente, no que diz respeito ao microconto. Scholhammer
(2009) se dedica aos estudos críticos em torno da produção literária brasileira produzida nas
últimas três décadas, na qual inclui o miniconto e, sem se aprofundar, o microconto. Para o
autor, o lançamento do livro Geração 90: manuscritos de computador (2001), organizado por
Oliveira, sugere que a nova geração literária, com o advento da tecnologia de computação e
de informação via internet, provocaram preferência pelo miniconto e outras formas de escrita
instantâneas, apontando o microconto como nova tendência.
No início do século XXI, o microconto ganha força no cenário brasileiro. A velocidade
do nosso tempo abriu espaço para uma nova forma de criação acelerada. Não afirmamos que a
literatura se limite a essa representação, mas que a narrativa extremamente breve, aquela que
não excede meia página (a exemplo da obra Curta metragem: 67 microcontos, 2006, de
Rossatto), é uma realidade praticada por bons escritores e recebida com entusiasmo pelos
leitores nos dias de hoje.
Apontamos nesse capítulo que tanto a leitura quanto a escritura de um microconto é
um exercício que exigirá do leitor criatividade, poder de síntese e de reflexão sobre o dito ou
apenas sugerido, além de proporcionar uma brincadeira divertida (mas não fácil) à medida
que abre diversas possibilidades para cada um suplementar o microconto com seus
conhecimentos prévios.
Recorremos ao artigo de Rodrigues (2011), um dos trabalhos mais significativos no
Brasil, no qual ele se dedica a detalhar a existência e as características do microconto, na
atualidade, por meio de vinte e nove aforismos; ao Concurso Cultural de Microcontos do
ABLetras, promovido em 2010; a Calvino (1988); as obras de Colasanti que, a partir de
Zoilógico (1975), expõe sua preferência pelos contos breves e brevíssimos; as obras de
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Trevisan, marcadas pela concisão, pelas narrativas curtíssimas com o intuito da interação
entre o leitor e seus textos, a exemplo de Abismo de Rosas (1979); recorremos também a
vários teóricos, principalmente Bakhtin, a fim de sustentar nossa tese de que o microconto é
um gênero textual; analisamos dez microcontos da antologia Os cem menores contos
brasileiros do século (2004), organizada por Freire, da qual participam escritores brasileiros,
desafiados a escreverem histórias inéditas de até cinquenta letras, sem contar o título.
Selecionamos também microcontos de obras impressas de diversos autores para análise; bem
como de escritores que postam seus microcontos na internet.
Dedicamos o quarto capítulo ao tema leitura, visto que o ensino de língua portuguesa
objetiva conduzir o educando ao domínio do idioma para ler, escrever e falar com adequação
dentro das normas da língua como instrumento de comunicação nas diversas esferas sociais.
Nesse sentido, a leitura de microcontos desenvolverá hábitos de leitura apreciativa,
interpretativa, reflexiva, interativa e, paulatinamente, o cultivo do gosto por outros gêneros
textuais mais extensos (literários e não literários), como também o aprimoramento da escrita.
Recorremos a Machado (2002) e, mais uma vez, a Calvino (2007), a fim de tratarmos
da relevância da leitura para formação crítica de jovens leitores; a Koch e Elias (2008), que
discorrem sobre a interação autor-leitor-texto, a produção de sentidos da leitura, as
informações explícitas e as implícitas e os conhecimentos prévios do leitor etc.
A leitura pressupõe a participação do leitor na constituição dos sentidos linguísticos.
Embora o aluno lance mão do dicionário para saber o significado de uma palavra, ele nunca
exprime o real sentido contextualizado, consequentemente, trabalhar a leitura, como também
a escrita a partir de microcontos, pode ser bastante proveitoso, estendendo sua compreensão,
inclusive conotativa, em conjunto mais amplo de ideias.
Nosso objetivo é mostrar que o ensino a partir de microcontos é capaz de produzir o
gosto pela leitura, inclusive de livros clássicos, e pela produção textual. Não entregamos em
mãos ‘inocentes’ obras de Machado de Assis, por exemplo, antes de prepararmos o terreno
para que tal gosto germine. O aluno, incentivado a ler e a produzir microcontos, conforme
detalharemos em nosso projeto de leitura e reescritura em microcontos, poderá aprender a
apreciar autores da literatura brasileira.
O último capítulo dedicou ao projeto de leitura e reescritura em microcontos, realizado
em 2011 com os alunos do nono ano, turno da manhã, da Escola Municipal Pereira Passos.
Partimos da leitura e da reflexão de microcontos em sala de aula e do artigo de Gil Neto
(2010). Na sequência, lemos alguns contos da antologia Os cem melhores contos brasileiros
do século (2001), organizada por Moriconi, com a finalidade de selecionar um para reescrevê-
14

lo em microconto. Os alunos escolheram “Zap”, de Scliar. Da antologia Contos de Fadas: de


Perrault, Grimm, Andersen & outros (2010), tradução de A. Borges, saiu “A pequena
vendedora de fósforos”, de Andersen, para leitura, reescritura em conto e em microcontos –
tanto o conto de origem quanto o reescrito. A partir dos conhecimentos adquiridos, partimos
para reescritura da vida e da obra de Lima Barreto em microcontos, como também para a
leitura de Triste fim de Policarpo Quaresma (1998) e a respectiva reescritura em microcontos,
com um diferencial: o envolvimento amoroso entre o Major Policarpo e sua afilhada Olga.
A recepção dos alunos diante do mencionado projeto foi recebida com curiosidade,
seguida de entusiasmo pela leitura e escrita não só de microcontos, como também de textos
mais extensos. Eles compreenderam a importância da concisão, da elipse, do implícito, do
dito ou apenas sugerido, da intertextualidade, da escolha da palavra mais significativa para
contar aquilo que se quer narrar e da pesquisa – quando necessária – para entender o jogo
intertextual ou o significado de palavras não conhecidas. À medida que avançamos no projeto,
percebemos o crescimento dos alunos como ser pensante, reflexivo e com o desejo de se
aventurar pelos possíveis mundos de outros livros.
Acreditamos que os microcontos, por suas características - como rapidez, concisão,
narratividade, sugestão, totalidade, subtexto, ausência de descrição, retrato de ‘pedaços da
vida’, final impactante etc -, contribuirão para o trabalho com a leitura, a compreensão e a
escrita. Daí a importância de o professor lançar mão desse gênero textual a fim de que os
alunos construam o sentido da micronarrativa a partir do dito e/ou apenas sugerido,
reconheçam os recursos linguísticos utilizados, esclareçam possíveis dúvidas em relação ao
vocabulário ou ao contexto, discutam questões como: o que o microconto sugere? O que
conseguimos inferir? Que paisagem há por trás narrado? etc
15

1 REFLEXÕES SOBRE O PÓS-MODERNO

... não raro os livros falam de livros, ou seja, é como se


falassem entre si. À luz dessa reflexão, a biblioteca
pareceu-me ainda mais inquietante. Era então o lugar de
um longo e secular sussurro, de um diálogo
imperceptível entre pergaminho e pergaminho, uma
coisa viva, um receptáculo de forças não domáveis por
uma mente humana, tesouro de segredos emanados de
muitas mentes, e sobrevividos à morte daqueles que os
produziram, ou os tinham utilizados.

Umberto Eco

No final do século XX, observamos, por parte de um número significativo de autores


de ficção, um interesse crescente pelo diálogo da literatura com outras linguagens e com a
própria tradição literária. Retomadas da linguagem do ensaio, da televisão, das histórias em
quadrinhos, da publicidade, da mídia em geral, da novela, da história do mundo ficcional e do
real, tudo isso convive com reescrituras de toda espécie. “Trata-se, porém, de um momento
em que a diversidade se mostra com tamanha intensidade que chega a se configurar como
traço diferencial, definidor de uma época” (CARNEIRO, 2003, p. 61). Hoje vários estilos
convivem entre si democraticamente. A respeito, Carneiro afirma (2005, p. 33):

É certo que não se pode pensar em nenhum período literário em termos de


homogeneidade absoluta – sabemos que não há, por exemplo, apenas um mas vários
modernismos –, porém o que se vê hoje, ao contrário de períodos históricos
anteriores, é a ausência de embate entre forças conflitantes. Parece haver lugar para
todas as experimentações, não só aquelas que marcaram os últimos vinte anos de
nossa ficção como também as anteriores, de feição vanguardista ou mesmo pré-
modernas.

Essa diversidade de estilos “aponta para um período de transição, como aconteceu no


final do século passado” (MORICONI, 2001, p. 523).
É por esse campo plural, por exemplo, que Lúcia (BERNARDO, 1999), transita. O
que, possivelmente, move o autor é a liberdade de se debruçar sobre o passado com os olhos
livres das amarras conceituais criadas a partir do romantismo, trazendo para o princípio de sua
composição reflexões sobre uma das vertentes do fazer literário na pós-modernidade: a
reescritura em tom de pastiche.
No século XXI, observamos um crescente interesse de escritores brasileiros pelo
microconto, que se destaca como um gênero em construção com intensa divulgação e
milhares de publicações nas mídias sociais e também por parte de autores de obras impressas.
Trata-se de uma modalidade de expressão textual já cultivada por autores hispano-
16

americanos, desde meados do século XX. A produção de microcontos em blogs, em outras


plataformas e mídias da internet não tem correspondente interesse de avaliação teórica por
parte das universidades brasileiras, segundo Rodrigues, em seu artigo “Apontamentos sobre o
microconto” (2011).
No microconto, o alto grau de polissemia, a fragmentação, a impossibilidade de
totalização do sujeito e a exigência da cooperação leitora estão associados à estética pós-
moderna e, portanto, intertextual e híbrida. A problematização mais visível é a
hiperbrevidade. Na atualidade, a velocidade diminuiu o tempo de ócio do sujeito, a internet
acelerou a comunicação e comprimiu o espaço, levando diversos autores também a enveredar
por este caminho, o que não deve limitar a criação literária. O microconto contém
ingredientes do nosso tempo, como a velocidade e a extrema concisão, entretanto, não se
podem pensar apenas em um reflexo da relação entre o tempo empírico, o da narrativa e o da
leitura, com a liberdade e a criatividade da prosa.
Diversas obras ficcionais brasileiras recentes representam um exercício de
intertextualidade habilmente planejada. Textos do nosso passado literário e histórico são
revistos e reescritos. A literatura pós-moderna não deseja mais caminhar pela perspectiva
engajada nacionalista, nem construir um modelo de identidade nacional como nos moldes
românticos, mas também não o nega, porque relê tais aspectos. Esse entrecruzamento de um
texto escrito na atualidade com outros, que, por sua vez, dialogam com anteriores, em
processo de interligação contínua, tem relação com a ideia de conferir uma nova vida ao
modelo pelo ato de seguir criando e recriando constantemente o mundo literário de
determinada obra. A obra resultante é outra, em outro ambiente, em outra época, com outro
discurso e com sentimento novo, a exemplos de Lúcia (BERNARDO, 1999) e de Tentando
entender Monterroso (ARRAES, 2005).
Antes de apresentar alguns aspectos do microconto, necessitam-se tecer algumas
considerações sobre a produção literária na atualidade. Pensar as incursões da literatura por
outras formas discursivas, principalmente a partir do modo como retoma antigos modelos, em
adição, sem a negatividade modernista, ao contrário, uma ficção guiada pelo diálogo, implica
necessariamente refletir sobre o pós-moderno – Campos (1997, p. 265) prefere o termo pós-
utópico. Ao refletir sobre o pós-moderno, torna-se relevante também repensar outros
conceitos como os de moderno, modernidade, paródia, pastiche e intertextualidade. Ao lado
destes ─ sem absolutamente pretendermos fazer um estudo comparativo com diversos
autores, mas uma síntese do que se cria em termos de ficção brasileira ─ comentaremos o ato
da reescritura na ficção brasileira recente.
17

Chama-se de pós-modernidade a condição sócio cultural e estética de um período


histórico que rompe com as antigas verdades absolutas na segunda metade do século XX,
como o marxismo e o liberalismo, típicas da modernidade. Ao lado da aceleração vertiginosa
das tecnologias de comunicação, de artes e de genética, ocorreram mudanças paradigmáticas
no modo de pensar a sociedade e suas instituições. A modernidade é agora criticada em seus
pilares fundamentais, como a crença na verdade, alcançável pela razão, e na linearidade
histórica rumo ao progresso. Para substituir esses dogmas, são propostos novos valores,
menos fechados e categorizantes.
Simbolicamente (Santos, 2000, p. 20-21),

O pós-modernismo nasceu às 8 horas e 15 minutos do dia 6 de agosto de 1945,


quando a bomba atômica fez boooom sobre Hiroxima. Ali a modernidade –
equivalente à civilização industrial – encerrou seu capítulo no livro da História, ao
superar seu poder criador pela sua força destruidora.
Historicamente o pós-modernismo foi gerado por volta de 1955, para vir à luz lá
pelos anos 60. Nesse período, realizações decisivas irromperam na arte, na ciência e
na sociedade. Perplexos, sociólogos americanos batizaram a época de pós-moderna,
usando termo empregado pelo historiador Toynbee em 1947.

A pós-modernidade, o aspecto cultural da sociedade pós-industrial, em literatura


inscreve-se em contexto amplo e policultural, com a aceitação de todos os estilos e as
estéticas. A busca da originalidade, a valorização da diferença, da inovação, da ruptura com o
passado, é substituída pelo diálogo, pelo pastiche ─ a exemplo de Lúcia (BERNARDO, 1999)
que se constitui em leitura e reescrita do romance urbano e de costumes do romantismo,
Lucíola (ALENCAR, 1998).
Segundo Campos (1997, p. 265), o momento em que vivemos não é propriamente pós-
moderno, mas pós-utópico. A expressão “pós-moderno” causa várias interpretações, por
exemplo, pressupor que se trata de um período instaurador de uma ruptura radical em relação
à modernidade. Como se não fossem possíveis textos anteriores, contemporâneos ou
posteriores do ideário romântico, serem verdadeiramente modernos.
O conceito de modernidade ─ no século V, moderno derivando de modo e
significando ‘novo’ e ‘atual’─, é um conceito variável que

evolui e se deixa determinar de modo efetivamente histórico e concreto, cada vez


que reaparece, ‘através das mudanças de horizonte da experiência estética’. O
conceito adquire, assim, uma ‘função de delimitação histórica’. Esta ‘função’ ou
‘potência’ (Potenz) se deixa reconhecer toda vez que a ‘oposição dominante’, isto é,
‘a eliminação (Abscheidung) de um passado pela tomada de consciência histórica
que um novo presente faz de si mesmo’, se manifesta enquanto nova consciência da
modernidade. Ao invés de um esquema situado fora do tempo, temos uma ‘oposição
dominante’ (antigo/moderno), que não se substancializa numa entidade, mas
representa uma ‘função variável’ e especificável segundo o contexto histórico que
lhe dá pertinência (CAMPOS, 1997, p. 244).
18

Campos (1997, p. 246) diz que, “no século XVIII (o ‘Século das Luzes’ ou
‘Filosófico’), o elemento novo da concepção do que seja moderno está, para Jauss, na
introdução da dimensão do futuro, na perspectiva utópica. ” No século XIX, já no
romantismo, moderno tem “a ‘imagem da espiral’, enquanto ‘pluralidade de círculos
concêntricos que se alongam até ao infinito’, se substitui à ideia da repetição cíclica,
apontando para a diferença radical, irrepetível, entre sociedade antiga e sociedade
moderna...”.
A expressão ‘imagem da espiral’ usada para definir modernidade em sentido novo ─
como um círculo de várias voltas em torno de um ponto, do qual se afasta paulatinamente ─ é
de suma importância para se entender o conceito de moderno e, consequentemente, a ideia de
pós-moderno já não mais definido pela oposição ao moderno.
Barbosa (1982, p. 21-23) define “moderno” como um termo que “indica um
fenômeno de bases universais, apontando para tudo o que significou problematização de
valores literários no amplo movimento das ideias pós-românticas...”. A noção de moderno na
literatura, ainda segundo o teórico, tem seu conceito ampliado na medida em que serve para
caracterizar textos e autores que levam para o “princípio de composição e não apenas de
expressão, um descompasso entre a realidade e a sua representação, exigindo, assim,
reformulação e rupturas dos modelos ‘realistas’...”. São, portanto, modernos aqueles autores,
independentemente da época de suas composições, que criaram as circunstâncias
indispensáveis para uma reflexão entre realidade e representação, deixando entrever em seus
textos uma espécie de “desconfiança em relação ao ajuste entre representação e realidade”.
Essa noção revela-se útil para compreendermos porque Campos (1997, p. 268) define
a modernidade ou, mais exatamente, os movimentos poéticos de vanguarda ─ ocorridos entre
as décadas de 20 e 60 ─ em perspectiva utópica, significando que havia um sonho, uma
esperança voltada para o futuro, como também um grupo, um esforço coletivo, um projeto
ideológico e um adversário a combater:
Nessa acepção, a poesia viável do presente é uma poesia de pós-vanguarda, não
porque seja pós-moderna ou antimoderna, mas porque é pós-utópica. Ao projeto
totalizador da vanguarda, que, no limite, só a utopia redentora pode sustentar, sucede
a pluralização das poéticas possíveis. Ao princípio-esperança, voltado para o futuro,
sucede o princípio-realidade, fundamento ancorado no presente.

Na visão de Campos, o movimento de vanguarda, sem perspectiva utópica, perde o seu


sentido. Se não há esperança em um futuro melhor, resta-nos a realidade concreta do presente.
Recorramos às considerações de Eco (1985, p. 56-57), para quem há um momento em
que a vanguarda, o moderno, não tem como ir além, porque já destruiu o fluxo do discurso,
19

chegou ao silêncio ou à página em branco e elaborou textos que falam metalinguisticamente


de seus textos impossíveis.
Assim, para Eco, um ponto essencial para entendermos o pós-moderno:

consiste em reconhecer que o passado, já que não pode ser destruído porque sua
destruição leva ao silêncio, deve ser revisitado: com ironia, de maneira não inocente.
Penso na atitude pós-moderna como a de um homem que ama uma mulher muito
culta e sabe que não pode dizer-lhe “eu te amo desesperadamente”, porque sabe que
ela sabe e ela sabe que ele sabe) que esta frase já foi escrita por Liala. Entretanto,
existe uma solução. Ele poderá dizer: “Como diria Liala, eu te amo,
desesperadamente.” A essa altura, tendo evitado a falsa inocência, tendo dito
claramente que não se pode mais falar de maneira inocente, ele terá dito à mulher o
que queria dizer: que a ama, mas que a ama em uma época de inocência perdida. Se
a mulher entrar no jogo, terá igualmente recebido uma declaração de amor. Nenhum
dos dois interlocutores se sentirá inocente ambos terão aceitado o desafio do
passado, do já dito que não se podem eliminar ambos jogarão conscientemente e
com prazer o jogo da ironia... Mas ambos terão conseguido mais uma vez falar de
amor.

O pós-moderno respeita aos modos como a produção e a recepção de um texto


dependem do conhecimento de outros textos com os quais, de alguma forma, se relaciona.
Trata-se do olhar lançado ao passado com a proposta de uma convivência não destrutiva,
propondo uma convivência pacífica.
A ciência, a filosofia, o aperfeiçoamento gradativo do homem, o progresso
tecnológico, tudo se contesta. A razão é vista como símbolo do poder. A grande verdade do
conhecimento que o homem alcançaria não se concretizou – criou a bomba atômica e a de
nêutrons, por exemplo. As grandes verdades autoritárias são questionadas: verdades para
quem? sob qual ponto de vista? As vanguardas chegaram ao seu limite. Não há mais utopia,
morrem as vanguardas. O que resta, então, ao escritor que não quer negar o passado? Qual o
sentido ainda do gesto voltado para o passado? Ele vai olhar para trás de outra forma, não
mais como no modernismo, com a paródia como estilo usado até o esgotamento; agora o
diálogo com a tradição exibe um sinal a mais, é positivo. Referimo-nos à estética do pastiche.
Santiago (1989, p. 114-115) acha que não falamos de tradição, hoje, gratuitamente,
mas tentando compreender a diferença básica entre paródia e pastiche. Pergunta-se “por que
uma arte deixa de ser paródia? Ela deixa de ser paródia porque a paródia se tornou um ritual,
se tornou uma cerimônia, se tornou alguma coisa de esclerosada.” A paródia, então, tornou-se
“um mero recurso técnico usado pelo poeta” para o seu fazer poético.
Para Sant’Anna (2002, p. 13):

[...] os autores que antecederam os dois formalistas (Tynianov, 1919, e Bakhtin,


1928) definiam a paródia dentro de certa sinonímia. Aproximavam-na do burlesco,
considerando-a como um subgênero. Nesta linha, mesmo autores mais
20

contemporâneos definem a paródia também por contiguidade, considerando-a um


mero sinônimo de pastiche, ou seja, um trabalho de ajuntar pedaços de diferentes
partes de obra de um ou de vários artistas.

O conceito de pastiche, na concepção atual, é bem mais amplo do que o tomado aqui
por Sant’anna, como veremos mais adiante. Agora nos importa o entendimento da paródia ao
lado da estilização. Sant’Anna transcreve um texto de Tynianov (apud SANT’ANNA, 2002,
p. 13-14) para melhor familiarizar o leitor com esta palavra:

... a estilização está próxima da paródia. Uma e outra vivem de uma vida dupla: além
da obra há um segundo plano estilizado ou parodiado. Mas, na paródia, os dois
planos devem ser necessariamente discordantes, deslocados: a paródia de uma
tragédia será uma comédia (não importa se exagerando o trágico ou substituindo
cada um de seus elementos pelo cômico); a paródia de uma comédia pode ser uma
tragédia. Mas, quando há a estilização, não há mais discordância, e, sim ao contrário,
concordância dos dois planos: o do estilizando e o do estilizado, que aparece através
deste. Finalmente, da estilização à paródia não há mais que um passo; quando a
estilização tem uma motivação cômica ou é fortemente marcada, se converte em
paródia.

No trecho fica claro, por um lado, a aproximação entre paródia e estilização, se


tomarmos como ponto de contato a questão da “vida dupla”; por outro, a paródia afasta-se da
estilização ao observarmos a relação do texto parodiado com a paródia e do texto estilizado
com a estilização. No primeiro caso, há uma discordância entre os textos, no segundo, há uma
concordância. Ainda segundo Sant’Anna (2002, p. 27-31), “... a paródia, por estar do lado do
novo e do diferente, sempre inaugura um novo paradigma. De avanço em avanço, ela constrói
a evolução de um discurso, de uma linguagem, sintagmaticamente.” Para o autor citado, falar
de paródia é falar de “intertextualidade das diferenças”, do discurso em progresso, do efeito
de “deslocamento”, da “deformação”, do caráter contestador, da busca da fala recalcada do
“outro”. Para o autor, “[...] o que o texto parodístico faz é exatamente uma reapresentação
daquilo que havia sido recalcado. Uma nova e diferente maneira de ler o convencional. É um
processo de liberação do discurso. É uma tomada de consciência crítica”.
Sant’Anna (2007, p. 32) compara a paródia a um espelho invertido ou mais
especificamente a uma lente, pois “exagera os detalhes de tal modo que pode converter uma
parte do elemento focado num elemento dominante, invertendo, portanto, a parte pelo todo,
como se faz na charge e na caricatura”. E complementa: a paródia mata o texto-pai em busca
da diferença, da quebra da norma, e assim instaura o conflito.
Para Soares (2007, p. 73), “o humor, a sátira, a ironia, a fragmentação deliberada do
texto, a alegorização da realidade são elementos da paródia”. A autora faz referências ao
humor paródico, ao riso carnavalizante que foge ao controle do poder vigente, ideológico e
21

literário e adquire um vigor denunciatório e anti-ilusionista, questionando valores tradicionais


e evidenciando a literalidade da literatura, ou seja, o humor paródico ora se liga à sátira,
atacando, denunciando, ridicularizando as normas vigentes, os vícios e a sociedade, ora se
transmite sutilmente pela ironia.
A definição de Sant’Anna toma como base o dicionário de literatura de Brewer, que
oferece uma definição curta e funcional: “paródia significa uma ode que perverte o sentido de
outra ode (greco: para- ode)” (apud SANT’ANNA, 2002, p.12). Tal explicação implica o
conhecimento de que a ode, em sua origem, era um poema para se cantar. O termo grego
“paródia” carrega em si a ideia de uma música cantada ao lado de outra, como uma espécie de
melodia secundária, elaborada polifonicamente em relação à principal.
A paródia não é uma invenção recente, já existia na Grécia, em Roma e na Idade
Média, porém a intensificação do uso ocorreu na modernidade, tornando-se uma das marcas
mais fortes dos nossos modernistas de 22. Em Memórias sentimentais de João Miramar
(1990), publicado inicialmente em 1924, Oswald de Andrade nos transmite uma realidade
carnavalesca; o discurso religioso adquire a configuração cômico-crítica, mostra-se o ridículo
da educação burguesa e o questionamento dos valores tradicionais. Mário de Andrade, com
Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (2013) - a primeira publicação data de 1928 -
constrói nova escrita, desestruturadora e transformadora.
Modernamente, em literatura, a paródia se define por um jogo intertextual. Como
exemplo, Sant’Anna transcreve a primeira estrofe do poema “A canção do exílio”, de
Gonçalves Dias, parodiado por Oswald de Andrade em “Canto de regresso à pátria”:

Texto original

Minha terra tem palmeiras


Onde canta o sabiá,
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá.

Texto parodiado

Minha terra tem Palmares


Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá (apud SANT’ANNA, 2002, p. 23-24).

O autor observa que, no texto parodiado, o “distanciamento” é absoluto. Ocorre um


processo de “inversão do sentido”, com um deslocamento completo. Substitui-se “palmeiras”
por “Palmares”, mas com letra maiúscula. Introduz-se logo uma crítica histórica, social e
racial. A palavra “palmeiras” é substituída por “palmares”, o quilombo onde os negros
22

liderados por Zumbi foram dizimados, causando efeito irônico e crítico, introduzindo um
comentário social.
Preservando semelhança sonora e rítmica, Oswald desarranja o sentido do texto
original. Contrasta a alienação social com a denúncia histórica e transforma o discurso do
branco na afirmação do negro.
Sendo a paródia um jogo intertextual, para entendê-la se faz necessário
compreendermos a relação de um texto com os anteriores. A partir dos conhecimentos
adquiridos, a lembrança de um tema já lido, é possível a aproximação entre o leitor e o texto
em mãos no presente.
Vigner (1997, p. 32) afirma que “só é legível o já lido, o que pode inscrever-se numa
estrutura de entendimento elaborada a partir de uma prática e de um reconhecimento de
funcionamentos textuais adquiridos pelo contato com longas séries de textos”.
Passando do moderno ao pós-moderno, o artista deixa de orientar-se pelo conceito de
paródia para substituí-lo pelo termo francês pastiche ─ uma das formas de reescritura que não
nega o passado, ao contrário, traz a tradição para o centro da cena e dialoga com ela. O termo
é definido por Santiago (1989, p. 115) ao desenvolver a questão paródia-pastiche. Para tanto,
marca primeiramente a diferença entre ambas:

Nesse sentido, então, é que Jameson vai dizer que uma das características do pós-
moderno seria o abandono da estética da paródia e a aproximação da estética do
pastiche. A meu ver, pastiche se encontra exatamente nesse exemplo que você me dá
dos novos pintores alemães, chamados de neoexpressionistas. (...) Os chamados
neoexpressionistas estariam fazendo pastiche do primeiro expressionismo. (...) O
pastiche não rechaça o passado, num gesto de escárnio, de desprezo, de ironia. O
pastiche aceita o passado como tal, e a obra de arte nada mais é do que um
suplemento. (...) Reparem a lógica da palavra “suplemento” é muito curiosa, porque
o complemento dá a impressão de ter em mãos alguma coisa incompleta que você
estaria completando. Suplemento é alguma coisa que você acrescenta a algo que já é
um todo. Dessa forma, eu não diria que o pastiche reverencia o passado, mas diria
que o pastiche endossa o passado, ao contrário da paródia, que sempre ridiculariza o
passado.

Assumindo o estilo, o Eu do outro, Santiago suplementa Memórias do cárcere


(RAMOS, 1987). Ao escrever o romance Em liberdade (1994), Santiago fez um suplemento a
algo que, segundo o próprio, já é um todo. Para o escritor, é a melhor definição de pastiche.
Acrescenta:
Esse seria, a meu ver, um dos traços no pós-moderno, esta capacidade que você tem
não de enfrentar Graciliano Ramos através da paródia, mas de definir qual é o autor,
qual é o estilo que você deseja suplementar. (...) A paródia é mais e mais ruptura, o
pastiche mais e mais imitação, mas gerando formas de transgressão que não são as
canônicas da paródia. E uma das formas de transgressão, que eu utilizei e que mais
incomoda, é você assumir o estilo de outro (SANTIAGO, 1989, p. 116-117).
23

O discurso de Santiago é de suma importância para se entender essa espécie de diálogo


entre o passado e o presente que acontece no pós-moderno.
O gesto da reescritura é um jogo instigante, no qual o mundo literário de momentos
históricos distintos se (re)cria. A reescritura como uma constante na práxis literária de várias
épocas apresenta-se com características diversificadas, porém na pós-modernidade, esse gesto
de releitura, de reelaboração de textos alheios ganha característica singular. Não se nega o
passado, hoje, o diálogo é a ferramenta do fazer literário.
Valendo-se do fato de que os livros sempre falam sobre outros, e toda história conta
uma já contada, Eco (1989) reconta histórias da literatura e da história, exigindo do leitor
certa competência para o reconhecimento de vestígios dos textos de Doyle, Borges, Joyce,
Mann, Eliot, entre outros, e de crônicas medievais e de testemunhos religiosos. “Esse é o
discurso parodicamente duplicado da intertextualidade pós-modernista” (HUTCHEON, 1991,
p. 167).
O texto literário, então, realiza-se como espaço no qual se cruza diversas linguagens,
variadas vozes, diferentes discursos em épocas distintas. O procedimento pelo qual se
estabelece esse múltiplo diálogo é a intertextualidade — recurso tão legítimo quanto
enriquecedor, consistindo em uma consciência, hoje mais extensa que em outras épocas, de
que somos atravessados por textos. Kristeva utilizou o termo “intertextualidade” pela primeira
vez: “todo texto se constrói como um mosaico de citações, todo texto é absorção e
transformação de outro texto. Tal apropriação pode-se dar desde a simples vinculação a um
gênero, até a retomada explícita de um determinado texto” (apud PAULINO; WALTY;
CURY, 1995, p. 21-22). Já para Genette, “a intertextualidade se caracteriza pela presença
efetiva de um texto no interior de outro texto. Na sua forma mais explícita e mais literal seria
a citação; numa forma literal, menos explícita e menos canônica, o plágio. Sob uma forma
ainda menos explícita e não literal, a alusão” (apud PASSINI, 1999, p.06).
Tomando como base as definições de Barthes (1977, p. 160) e Riffaterre (1984, p.
142-143), Hutcheon (apud HUTCHEON, 1991, p. 166) considera que nenhuma obra literária
é completamente original. Um texto só tem sentido para o leitor se, de alguma maneira,
participar de outros discursos. Aponta-se aqui para a importância da intertextualidade como
fator essencial da legibilidade do texto literário, pois só é legível o já lido, o que pode
inscrever-se numa estrutura de entendimento elaborada a partir de uma prática e do
conhecimento de um conjunto de regras preexistentes que nos permite remeter ao já dito, a
fragmentos de sentido conhecidos, desde a simples citação até a mais elaborada reescritura.
24

Segundo Koch e Elias (2008, p. 75-81), “a intertextualidade é um dos grandes temas a


que se tem dedicado a Linguística Textual”. Levantaram duas questões: “Quantas vezes, no
processo de escrita, constituímos um texto recorrendo a outro(s) texto(s); E quantas vezes, no
processo de leitura de um texto, necessário se fazem, para a produção de sentido, o
(re)conhecimento de outro(s) texto(s) – ou do modo de constituí-los?”.
Em um texto, facilmente percebermos a intertextualidade, quando o escritor recorre a
outras obras, com explicação da fonte, entretanto, nem todo texto a explicita, porque o autor
pressupõe o conhecimento do leitor. Há casos também de textos em que seus autores
reproduzem o estilo de outros. Assim, identificar a presença de outros em uma produção
escrita depende de bagagem cultural do leitor. Para a compreensão e a produção de sentido de
um texto, esse conhecimento é fundamental.
Depreendemos que a intertextualidade é um processo de construção textual que se dá
pela incorporação de um elemento discursivo (intertexto), parte da tradição literária, cultural
ou histórica, ao novo texto. Desta forma, entendemos que um discurso nunca é criação
isolada, mas sempre composto por vozes que se cruzam. Há, a todo o momento, um encontro
de discursos que se valem uns dos outros para se constituírem o que, apesar disso, não os
destitui de singularidade e de particularidade. Para escrever, o autor utiliza seu conhecimento
cultural a favor de sua obra. Segundo Hutcheon (1991, p. 166), um texto literário não se pode
considerar original. Caso o fosse, não teria sentido para seu leitor. “É apenas como parte de
discursos anteriores que qualquer texto obtém sentido e importância”. Na maioria das vezes,
ao se utilizar de um elemento de outros livros, o autor lhe dá novo sentido, visão nova e
inesperada, tornando seu texto singular, original.
Um dos recursos literários que mais se relaciona com o microrrelato (microconto,
micro-história, micronarrativa etc), segundo Pujante Cascales (2013), é a intertextualidade.
Muitos teóricos defendem que essa é uma das características essenciais do gênero. O diálogo
com outras obras literárias está presente em grande parte dos livros de minicontos e
microcontos hispano-americanos e hispânicos.
De enorme eficácia na análise da literatura contemporânea, a intertextualidade se
incorporou há algumas décadas à linguagem da crítica, não só da literatura. Martínez
Fernández (2001, p.45) define a intertextualidade como “a relação que um texto literário
mantém desde seu interior com outros textos, sejam estes literários ou não”. O diálogo que um
texto mantém com outro é assunto tratado há muito tempo pela Teoria Literária mediante
conceitos como o de influência e empréstimo, considerados hoje um pouco obsoletos. A
introdução do conceito de intertextualidade renova o interesse pelo tema e muitos teóricos
25

procuram defini-lo. Para Martínez Fernández (2001, p.11-59) se estabeleceram duas grandes
tendências: a dos teóricos Genette e Guillén. Para eles, a intertextualidade seria a presença
palpável de um texto em outro, mediante alusões, citações etc, enquanto que Barthes expõe
uma noção com maior amplitude, como uma qualidade presente em todos os textos, tendo em
vista que um texto remete a outro. Outra classificação apresentada por Martínez Fernández (p.
114) é a de Pavlicio, para quem, a melhor maneira de entendermos a presença de um texto em
outro é observando a intertextualidade em duas épocas. A primeira delas seria a moderna,
aproximadamente até 1968, na qual o antigo é visto como adversário que se deve eliminar; na
segunda, a partir de 1968, o antigo se estabelece como interlocutor.
Um dos teóricos que a estudou com mais profundidade, segundo Pujante Cascales
(2013, p. 284-285) foi Genette. Este trata o fenômeno dos textos literários derivados de outros
e de suas relações com eles; denominando de transtextualidade. O crítico estabelece cinco
tipos de relações transtextuais, com diferentes graus de abstração. A primeira é a
intertextualidade, definida como “uma relação de copresência entre dois ou mais textos”
(apud PUJANTES CASCALES, p. 284-285). Pode ser mais explícita, como a citação, ou
menos explícita, como a alusão. As outras relações transtextuais seriam: a paratextualidade
(relação do texto com seu paratexto), a metatextualidade (relação com outro texto que fala
dele sem citá-lo), a hipertextualidade (a que se estabelece entre um hipertexto que se insere
em um hipotexto anterior) e a arquitextualidade (categorias gerais que um texto depende).
A pós-modernidade valoriza o diálogo de obras atuais com os clássicos da literatura e
também com outros gêneros e linguagens, consequentemente, a intertextualidade é uma das
ferramentas mais eficazes de que dispõem os escritores de narrativas hiperbreves para melhor
concisão. É um dos elementos singular ao gênero, pois ao colocar em jogo o diálogo com
outros textos, os autores delegam maior parte da decodificação aos leitores, detentores de
bagagem cultural ampla, o que provoca certa cumplicidade, ambos participando de uma
tradição comum mediante o conhecimento compartilhado.

1.1 Obras de ficção pós-modernas

A título de exemplificação, levantamos pequena mostra de obras recentes de ficção


brasileira que se nutrem de outros textos para tentar mostrar que a ideia de reescritura está
26

fortemente ligada à de literatura como um sistema de forças, no qual modelos e derivados se


unem, em relação de semelhanças e dessemelhanças.
O diálogo entre obras contemporâneas e clássicas ─ ou culturalmente estabelecidas ─
se consolida como uma das principais vertentes da literatura contemporânea, o que não
significa afirmar que vivemos uma crise de criatividade, a exemplo de diversas obras de
Flávio Carneiro.
Carneiro, na atualidade, é um dos mestres da reescritura. Seus livros são verdadeiras
bibliotecas, que convidam o leitor a enveredar pela leitura literária de outras épocas e, ao
mesmo tempo, deliciar-se com a obra em suas mãos. Dialoga com o romance policial em O
campeonato (2002), viaja pelo mundo fantástico dos vampiros com A confissão (2006), se
transporta para o futuro da ficção científica em A ilha (2011), se aventura em outra história
policial (com os mesmos detetives de O campeonato) para resolver o caso de O livro roubado
(2013). O cenário é o Rio de Janeiro.
A capa de O campeonato (2002) aponta para dois tipos de leitores: o que gosta de
romance policial ─ lê-se: “O campeonato / romance policial” ─ e aquele leitor de Rubem
Fonseca, que certamente leu o conto que inspirou o livro: “O campeonato”, de Feliz Ano Novo
(1989), publicado pela primeira vez em 1975. A história é ao mesmo tempo uma reescritura
do conto e um diálogo com a tradição do gênero policial. No romance, além de Fonseca ─ o
grande homenageado ─, há inúmeras referências a outros autores, como Poe e Borges.
Em A confissão (2006), a história se inicia antes de abrirmos o livro. Algo será
confessado a partir do título e da capa. A ausência de personagens no confessionário e as
cores sugerem um envolvimento amoroso perigoso, instigando à leitura. A obra dialoga com
as histórias de vampiros, com De l’amour (1822) de Stendhal, e La morte amoureuse (1836),
de Gautier, dentre outras. A narrativa se desdobra em várias histórias, atraindo o leitor a entrar
nesse labirinto pela expectativa de história, atravessada por leituras e pela cidade do Rio de
Janeiro.
A ilha (2011) é ambientada em um futuro indeterminado, dialogando com o Gênesis (o
primeiro livro da Bíblia), com a Utopia (2004), publicado inicialmente em 1516, de Morus,
com O Caçador de Androides (1983), publicado em 1968 nos Estados Unidos, de Dick, e,
mais especificamente, com a ficção científica. O romance assume uma condição híbrida no
século XXI, com a expansão vertiginosa da ciência e da tecnologia imagética. Em tal
contexto, a literatura, por exemplo, imprime essas características aos textos nomeados de
ficção científica, como o fez Carneiro em A ilha. Com base na história, na geografia, nas
descobertas científicas e nos pensamentos associados aos conhecimentos tecnológicos da
27

atualidade, antecipa possibilidades de futuro. A ilha, na verdade, é um pedaço do Rio de


Janeiro, que ainda mantém paisagens características do Leme, da Urca, da Lagoa e do morro
de Santa Teresa, ou uma réplica habitada por clones humanos?
Não por acaso, o Rio de Janeiro, os livros e os detetives André e seu amigo o Gordo
fazem parte do novo romance policial de Carneiro: O livro roubado (2013) que dialoga com
O campeonato (2002) do autor. Os detetives investigarão o roubo de um livro raro, a primeira
edição de Histoires extraordinaires, de Poe, organizada e traduzida por Baudelaire, em 1856.
A criatividade pós-moderna também permeia Um Beijo de Colombina (2003), de
Adriana Lisboa, uma espécie de diário, no qual o narrador-personagem atormentado pela
incompreensão da perda de Teresa ─ uma jovem e talentosa escritora, que supostamente se
afogara em Mangaratiba, Rio de Janeiro ─ registra suas dores, saudades e descobertas a partir
do mundo da amada. Conta como a conheceu, como passaram a viver e a bissexualidade dela,
intercalando seu passado com o desespero por entender o acidente e seus sentimentos a partir
de então, permeado pelo lirismo de Bandeira (1980).
Brincando com a intertextualidade, Lisboa tomou como ponto de partida poemas de
Bandeira. O diálogo começa com os nomes dos capítulos com poemas do poeta. Trechos do
“Teresa” estão presentes desde o primeiro capítulo; “Maçã”, outro poema de Bandeira: “A
primeira vez que vi Teresa, reparei nas pernas. Achei estúpidas. Mais curioso ainda, achei que
a cara parecia uma perna” (2003, p. 16). Esse fragmento em clara alusão ao Bandeira
modernista, ─ que, por sua vez, dialoga com o poema “O adeus de Teresa”, de Alves, que
consta em Espumas flutuantes (1870) ─, apresenta o encontro entre duas épocas: moderno e
pós-moderno em diálogo aberto.
O diálogo com o passado levou Lisboa ao Japão para escrever Rakushisha (2014), um
romance que carrega em si o diário de viagem Saga Nikki, o Diário de Saga, de Bashõ, escrito
em 1691, durante uma de suas visitas ao discípulo Mukai Kyorai, e o da personagem Celina,
que conhece o desenhista carioca Haruki, descendente de japoneses, em um vagão de metrô
do Rio. Curiosa sobre o livro que o rapaz lia, desce na mesma estação, a fim de saber se a
obra estava escrita em japonês ou em chinês. Haruki explica que é japonês, mas que apenas
folheava, não sabe a língua e fará a ilustração da tradução. Tornam-se amigos e Haruki, que
decidira ir ao Japão com o pretexto de realizar uma pesquisa sobre o mestre do haikai, Bashõ,
convida Celina para ir junto. Em Kyoto, ela decide escrever um diário, no qual as histórias
dos personagens e do poeta se cruzam e se completam um diário dentro do outro, o Japão de
Bashõ e o dos personagens que se revelam distintos pelas inovações deste século.
28

A relação intertextual como procedimento recorrente na pós-modernidade está


presente também em diversos microcontos. A função estrutural especial que tal recurso
assume nas micronarrativas, utilizando elementos conhecidos do leitor, produz uma economia
de espaço textual fundamental para a obtenção da hiperbrevidade. Elipse e intertextualidade
se misturam em vários microcontos, nos quais o silêncio pesa mais do que o contado e o leitor
se investe do desafio de criar universos a partir do murmúrio, da essência sugestiva.
Arraes (2005, p. 09) se apropria do jogo intertextual para escrever microcontos,
variações de “Quando acordou o dinossauro ainda estava lá”, considerado o mais famoso do
mundo. Arraes reescreve quarenta variações do microconto do escritor guatemalteco. Em cada
micronarrativa, há referência, nem sempre explícita, ao microconto base. O leitor, mesmo
conhecendo a micronarrativa de Monterroso, só compreenderá o jogo intertextual de muitos
microcontos, caso os leia na obra. Separadamente, não reconhecerá o diálogo e, como
consequência, o microconto ganhará outra leitura. Como na “Variação 2”: “Quando acordou,
viu a mulher com um sorriso aberto e a bandeja do café-da-manhã, como era de costume” (p.
16). Há outros que o leitor perceberá claramente a intenção do autor, a exemplo do
microconto “Variação 6”: “Quando o dinossauro acordou, ele ainda estava lá” (p, 20).
Rossatto organizou a antologia: Entrelinhas: antologia de contos e microcontos
(2008), com 43 microcontos. Alguns lançam mão da intertextualidade explícita. A exemplo de
Veneranda Pedroza (p. 35):
Dom Quixote

Nunca tinha visto tantos livros num só lugar e, boquiaberto, imaginava a infinidade
de batalhas que eles abrigavam. Instalou-se numa poltrona, folheou um após outro...
Desposou princesas, habitou castelos e derrotou dragões.
Distraído, ouviu a voz de Sancho Pança insistindo em trazê-lo de volta à realidade.
Abriu os olhos e sorriu sem jeito para a atendente da livraria...

Não faz diferença ler este microconto diretamente na obra ou separado. O diálogo pós-
moderno está claro desde o título, confirmando-se no decorrer da micro-história.
Depois do breve passeio pela produção ficcional brasileira dos últimos anos, é possível
situar melhor a vertente de o nosso pensar a respeito do diálogo dessas ficções com o passado
e avançar. No espaço do jogo ficcional pós-moderno, reescrever não significa copiar, é antes
um aproveitamento do dito e escrito com um novo olhar, o olhar de um leitor personagem de
seu tempo. Inserido no contexto cultural da época, o leitor do século XXI, por exemplo, fará
uma leitura diferente daquela do leitor do século XIX quando leu Lucíola (ALENCAR, 1862),
como também do leitor do século XX que leu o microconto “O dinossauro”,
(MONTERROSO, 1959).
29

1.2 Exemplos de reescrituras

O gesto de reescritura é um gesto de leitura. Antes do escritor vem o leitor e todo o seu
passado. Não seria possível excluir o leitor do escritor, tampouco o escritor do leitor. Para
falar desse entrelaçamento, Souza (1993, p. 101) recorre a:

Borges, leitor incansável da Biblioteca, atividade que o acompanha desde a infância,


encarna a figura do escritor em que a leitura ocupa um espaço privilegiado,
tornando-se o simulacro do ato de escrever e de viver. A Biblioteca confunde-se
com o universo, a escrita com a leitura, proporcionando ao escritor o hábito de
‘folhear’ os mil e um livros que povoam sua mente. Este labirinto de galerias que
forma a biblioteca é composto de imagens que saltam dos textos escritos em línguas
diversas. Quixotes e Xerazades transitam entre um volume e outro, contos
inacabados que convidam o leitor a continuar essas ficções e histórias que estancam
a morte.

Deter a morte das ficções e das histórias, eis o papel do leitor, mais ainda do leitor-
escritor que traz para compor o seu texto obras alheias.
Reescrita, leitura e tempo são os temas do conto “Pierre Menard, autor do Quixote”
(BORGES, 1994), no qual o narrador nos apresenta os métodos usados por Menard para
compor o Quixote em pleno século XX. Na verdade, não quer reescrevê-lo, afirma Carneiro
(2001, 105), não quer “retomar, mas ser novamente Cervantes e de novo compor, ipsis litteris,
sua obra mais conhecida”: Dom Quixote. A respeito, afirma o narrador do conto:

... é indiscutível que meu problema é bastante mais difícil que o de Cervantes. (...)
Compor o Quixote no início do século dezessete era uma empresa razoável,
necessária, quem sabe fatal; nos princípios do vinte, é quase impossível. Não
transcorreram em vão trezentos anos, carregados de complexíssimos fatos. Entre
eles, para citar um apenas: o próprio Quixote (BORGES, 1994, p. 35).

Entre as duas escritas o tempo, que segundo o próprio narrador são ‘verbalmente
iguais’, o olhar do leitor, sujeito de seu tempo, demarcando as diferenças entre as obras:

A história, mãe da verdade; a ideia é espantosa. Menard, contemporâneo de William


James, não define a história como uma indagação da realidade, mas como sua
origem. A verdade histórica, para ele, não é o que sucedeu; é o que pensamos que
sucedeu. As cláusulas finais exemplo e aviso do presente, advertência do futuro ─
são descaradamente pragmáticas (apud CARNEIRO, 2001, p. 105).
30

O que o leitor pensa que aconteceu é aquilo que leu como verdade. A verdade
histórica, para o leitor de ficção, ganha estatuto de verdade por parecer tão real ou até mais
real que o real. Para Carneiro (2001, p. 105-106),

esse trecho exemplifica com precisão a ideia de que não há leitura desvinculada do
contexto histórico. Todo leitor tem seus olhos voltados para o texto mas
simultaneamente olha também para o tempo que o cerca, para sua época e para sua
formação – intelectual, existencial, afetiva – enquanto indivíduo participante e
criador de uma cultura localizada historicamente. Não é à toa, aliás, que a passagem
citada trata justamente do tema histórias.
As frases de Menard adquirem um sentido diferente das de Cervantes apenas porque
o narrador do conto as interpreta sob a ótica de um leitor moderno, do século XX,
ele sim contemporâneo de William James.

É esse tipo de leitor, como define Carneiro, de “ olhos voltados para o texto” e
também para “o tempo que o cerca, para sua época e para sua formação”, que devemos tomar
como base para reflexão a respeito dos leitores de Lucíola que, por sua vez escreveu Lúcia, e
de “O dinossauro”, que escreveu Tentando entender Monterroso.

1.2.1 A reescritura de Gustavo Bernardo

Como companheiro de passeio, situado em outro tempo ─ portanto em outra cidade ─,


Bernardo dialoga com Alencar. Por essa via, o escritor contemporâneo retoma a tradição da
narrativa urbana em que a cidade carioca se inscreve e transforma o Rio de Janeiro do século
XIX em lugar marcado pela modernização excludente do século XX, mais especificamente da
década de 50. Ruas são revividas graças ao poder de rememoração de quem, utilizando-se do
processo de redesenhar a escrita do espaço urbano, recorta outros textos que leem a cidade e a
sociedade carioca e, como uma espécie de jogo, retrata outra sociedade, uma nova cidade,
agora republicana. Por meio desse diálogo com o passado ficcional e histórico, Bernardo vai
substituindo elementos e ingredientes, deslocando e invertendo outros, de maneira que o
desenho pós-moderno se deixe decifrar.
Com o intuito de facilitar a identificação dos personagens homônimos que permeiam o
romance de Alencar e o de Bernardo, usaremos nomenclaturas diferenciadas para Lúcia e
Paulo. Os personagens Lúcia e Paulo, de Lucíola, continuarão chamados assim, e os
personagens Lúcia e Paulo, de Lúcia, passarão a “Lúcia2” e “Paulo2”.
31

Em Lúcia, a história narrada é a de Lúcia2 e Paulo2, Paulo da Silva Rocha,


licenciando em Letras Clássicas, cujo orientador é o professor José de Alencar, e ensina
‘Introdução à teoria’. A história se passa em 1955, portanto, 100 anos depois da história de
Alencar. O local é o mesmo, o Rio de Janeiro, no adro da Igreja da Glória. Um Rio
completamente modificado. A sociedade, a cidade carioca do Segundo Império, agora é
constituída por traços pertinentes ao novo desenho urbano, de uma sociedade republicana, que
se move pelo modernismo no Brasil.
Paulo2 encontra Lúcia2, pela primeira vez, no adro da Igreja da Glória, e apaixona-se
pela moça de pele negra e olhos verdes. Mais adiante, Lúcia surge igual e diferente: agora,
como sua aluna na faculdade de Letras, ela tem a pele clara e os olhos negros:

Ela não podia pintar os cabelos e depois retirar a tintura – até porque não podia
também clarear e escurecer a sua pele a seu bel prazer. O meu problema, o que me
perturbava é que, fora os cabelos (de cor diferente, mas do mesmo tamanho e
cortados do mesmo jeito), os olhos e a pele, elas eram exatamente iguais uma a
outra, vestiam-se da mesma maneira (vestidos apertados e decotados, obrigando-me
a baixar os olhos e, ato contínuo, constranger-me por ter baixado os olhos), e faziam
com a boca o mesmo quase-sorriso (BERNARDO, 1999, p. 56).

Paulo2 ficou realmente perturbado. Vê-se dentro de um labirinto, lugar onde vive o
Minotauro e, como Teseu, busca uma saída, ou melhor, uma explicação. O tema de sua
primeira aula de gramática, tendo Lúcia2 como aluna, é, portanto, labirinto:

...O labirinto está presente na sintaxe de todas as línguas vivas, mas o fio que pode
nos guiar por dentro do labirinto, até a sua saída, até o seu significado, encontra-se
em algum lugar, no seio das chamadas línguas mortas. Precisaremos, portanto,
encontrar a Senhora do Labirinto, a doce Ariadne, a esposa de Dionísio, para
recebermos de suas mãos o novelo de lã que marcará o caminho e nos devolverá à
saída, ou melhor: nos devolverá à entrada. Entretanto, todo cuidado é pouco. (...) ...é
perigoso pensar, porque pensar implica sempre se perder dentro do mais intricado de
todos os labirintos. Sim, é perigoso pensar (BERNARDO, 1999, p.58).

É perigoso pensar, mas Paulo2 pensa. Perde-se no labirinto sem o fio de Ariadne para
guiá-lo. Recorda-se de que já havia visto Lúcia2 há muitos anos atrás, mas qual das duas, a
loura ou a morena? A romântica ou a ‘moderna’? Não sabe responder. Recorre, então, ao seu
orientador e amigo, o enigmático professor José de Alencar, o mesmo que lhe apresentou
Lúcia2 no adro da Igreja da Glória. O perigo é iminente, como no labirinto construído por
Dédalo a pedido do rei Minos, mas, sem o fio de Ariadne para ajudá-lo a escapar, se vê sem
saída.
A narrativa de Lúcia se volta sobre si mesma problematizando o caráter de
representação. Inscrito em uma época marcada pelo pastiche, pela convivência proposital e
harmônica com diferentes estilos, o romance dialoga entre a tradição e o novo. É uma
32

releitura do passado e do presente. Com esse recurso literário, o autor, conscientemente, entra
na discussão do aproveitamento de textos alheios para compor um novo texto. Nessa inserção
de elementos, constrói-se a rede dialógica da leitura-escritura de Bernardo.
Começa sua escrita alertando sutilmente o leitor sobre seu trabalho de apropriação do
texto alencariano. Opera um significativo deslocamento temporal ao datar o encontro entre os
personagens principais do enredo, Paulo2 e Lúcia2 ─ não por acaso personagens também
principais do romance de Alencar ─ de 1955. O encontro entre Lúcia e Paulo, por ocasião da
festa da Glória, aconteceu em 1855. Em Lucíola, o narrador-personagem Paulo, jovem
advogado provinciano recém-chegado à Corte e alheio às suas maledicências, está
acompanhado de um amigo e companheiro de infância, o Dr. Sá, que o leva à festa. Já em
Lúcia, esse mesmo personagem, agora um jovem professor de gramática da Faculdade de
Letras e Filosofia, está acompanhado de seu professor e mestre José de Alencar, gramático e
filólogo, defensor intransigente da língua portuguesa, que antes se formara em Direito,
inclusive membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e chegando, no
início da década, a advogar.
Essa cena do encontro, que praticamente abre a narrativa de Lúcia ─ o romance
inicia-se na capa, conforme veremos mais adiante ─ sinaliza para o trabalho de manipulação,
por parte de Bernardo, do texto primeiro, que percorrerá toda a narrativa. O autor retoma
diversas cenas de Alencar para fazê-las se reduplicarem e se multiplicarem, num jogo de
semelhanças e dessemelhanças, de modo que, para o leitor mais atento, dotado de memória
cultural, não faltarão pistas capazes de relatar as relações e conexões com Lucíola, com o
romantismo e também com outros textos.
São vários os índices que aproximam o professor-mestre José de Alencar, personagem
idealizado por Bernardo, do escritor de Lucíola, o que demonstra, por parte do autor de Lúcia,
uma clara homenagem, por um lado, e também uma forma de combate, por outro lado (basta
observar a caracterização do escritor Alencar na reescritura: um personagem canalha). O
Alencar escritor, como o personagem, é formado em Direito e, como escritor, não deixou de
se interessar por questões gramaticais da língua portuguesa, e seu pai é o ex-padre José
Martiniano de Alencar. O pai do escritor foi governador do Ceará, como também o pai do
personagem Alencar, o Dr. Martiniano.
O trabalho de apropriação de Bernardo demonstra uma leitura profunda do texto
alencariano, como também uma pesquisa rigorosa para a reconstituição da época em que se
desenvolve a ação da reescritura, o texto segundo, no qual frases inteiras são recortadas do
33

romance Lucíola e submetidas a um novo sentido. Tomemos como exemplos os trechos


abaixo, do segundo capítulo de ambos:
Em Lúcia,

.. Para um homem de meia-idade (meus vinte e sete anos até então, um tanto ou
quanto amarrotados), que melhor festa do que ver passar pelos olhos, à doce luz da
tarde moribunda, uma parte da população, com os seus vários matizes de miséria e
pressa, da gloriosa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro (aliás, bem próximo à
estátua do dito cujo, furado por três flechas consagradas).
Via, aos volantes dos automóveis, pendurados do lado de fora dos lotações,
acotovelando-se sob os sinais de trânsito, dirigindo bicicletas ou deslocando-se
apenas com os seus próprios pés, todas as raças, desde o caucasiano sem mescla até
o africano puro; encontrava todas as posições sociais, desde as figuras ilustradas da
política, da fortuna ou do talento (que na verdade não apareciam na rua, muito
menos naquela hora, mas podíamos enxergá-las nas primeiras páginas dos
vespertinos pendurados na distante banca de jornal) até o proletário humilde e
desconhecido (que, este sim, se encontrava nas calçadas, mas em tal quantidade que
se multiplicavam geometricamente, por mil e muito, tanto o desconhecimento
quanto a humildade); esbarrava com todas as profissões, desde o banqueiro falido
até o mendigo bem sucedido, sublocando os melhores pontos de venda de caridade e
boa vontade; e, finalmente, se me apresentavam todos os tipos grotescos da
sociedade brasileira, desde a arrogante nulidade até a vil lisonja.
Todos desfilavam à minha frente, sem o ver vendo-os, roçando a seda e a casimira
com o algodão barato, misturando o perfume delicado do sabonete Lifebuoy às mais
impuras exalações. Mesmo não me encontrando nos áureos tempos de Dom Pedro
II, quando os senadores do Império passeavam pelos mesmos locais em que
estávamos, me sentia aprendendo mais, naquela meia hora de observação silenciosa,
do que nos cinco anos que desperdiçara na Faculdade de Filosofia (BERNARDO,
1999, p.20-21).

Em Lucíola,

... Para um provinciano recém-chegado à corte, que melhor festa do que ver passar-
lhe pelos olhos, à doce luz da tarde, uma parte da população desta grande cidade,
com os seus vários matizes e infinitas gradações?
Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla até o africano puro; todas as
posições, desde as ilustrações da política, da fortuna ou do talento, até o proletário
humilde e desconhecido; todas as profissões, desde o banqueiro até o mendigo;
finalmente, todos os tipos grotescos da sociedade brasileira, desde a arrogante
nulidade até a vil lisonja, desfilaram em face de mim, roçando a seda e a casimira
pela baeta ou pelo algodão, misturando os perfumes delicados às impuras exalações,
o fumo aromático do havana às acres baforadas do cigarro de palha.
- É uma festa filosófica essa festa da Glória! Aprendi mais naquela meia hora de
observação do que nos cinco anos que acabava de esperdiçar em Olinda com uma
prodigalidade verdadeiramente brasileira (ALENCAR, 1998, p.14).

A reconstituição da cidade no século XX, por Bernardo, o diálogo da cidade com a do


Alencar, já aparece nos trechos acima, que, posicionando-se entre o velho e o novo, entre a
história e a estória, entre o original e o pastiche, oferece um esboço da sociedade e revela,
além de modificações estruturais significativas do espaço urbano, uma das faces da metrópole
que não se modificou com o passar dos anos - as desigualdades sociais. A ação romanesca se
desloca da cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, século XIX, para outra cidade, apesar
da mesma localização territorial. Não se passaram 100 anos em vão, a cidade agora se situa
34

em outro tempo, a história é outra, é capital da República, sob o impacto das transformações
urbanas da década de 50.
As vertiginosas mudanças sociais ocorridas a partir da segunda metade do século XX
alteraram a fisionomia cultural do país. O surgimento de uma expressiva classe média urbana
propiciou um esforço sem precedentes pela escolarização, pela valorização do título
universitário, pela busca de informação e por uma ênfase no saber como forma de escalada
econômica individual. Novos padrões culturais e de comportamento começavam a pôr abaixo
o autoritarismo conservador da família patriarcal.
Lúcia é ambientado nos anos cinquenta, época marcada por várias manifestações
culturais e artísticas. Entre elas destacamos a explosão da Era do Rádio, sobretudo pela Rádio
Nacional, do Rio de Janeiro, cuja programação alcançava todo o País; o nascimento da tevê,
com a TV Tupi; o surgimento do Teatro Brasileiro de Comédia; a inauguração da Bienal de
Arte Moderna, ambos em São Paulo, esta com a participação de 21 países e a exposição de
1.800 obras dos artistas mais importantes do século XX; a criação da Companhia
Cinematográfica Vera Cruz, em São Paulo; o sucesso dos filmes produzidos pela Atlântida
Cinematográfica, surgida no Rio de Janeiro no início dos anos 40; o triunfo da Bossa Nova,
no Rio de Janeiro; a emergência do Cinema Novo, prenunciado pelas obras de Nelson Pereira
dos Santos e cristalizado nas polêmicas obras-primas de Glauber Rocha; não esquecendo as
revistas em quadrinhos com seus super-heróis, as revistas eróticas, a fotografia e os grandes
magazines. É nesse espaço urbano, onde se entrecruzam e se superpõem as diversas formas de
manifestações culturais, que a narrativa de Lúcia caminha.
Os anos cinquenta foram pontuados também por um agitado clima político. Vivendo a
euforia da época, com João Café Filho no poder, depois do suicídio do presidente Getúlio
Vargas, como também da campanha presidencialista de Juscelino Kubitschek para as eleições
de outubro de 1955, o narrador Paulo2, em passeio com o professor Alencar pela Lapa e o
Cais do Porto, é surpreendido pela evocação de uma cidade da época das festas imperiais,
como a da Glória, em oposição com a cidade do presente do narrador:
À medida que chegávamos ao plano horizontal, à rua da Lapa e, logo em seguida, à
rua da Glória, ele se sentia à vontade para contar sobre as grandes festas populares
da corte de Dom Pedro II, especialmente a mais popular delas, a festa da Glória.
Fazendo muitos gestos com os braços, apontava ali, aqui, acolá, quase desenhando
no ar a grande romaria que desfilava pela rua da Lapa e ao longo do cais.
Que cais, eu perguntava, sem entender. O cais do Porto, que eu soubesse, então,
localizava-se na Praça Mauá, razoavelmente longe dali. Alencar deu um sorriso algo
impactante e mostrou, com gesto largo, as estruturas preservadas de um antigo cais,
as escadas que desciam para o mar há algum tempo aterrado.
Ele me mostrava que, na época do antigo cais e das grandes festas do Império (e eu
já ia ficando com medo de que o meu amigo fosse despencar de novo no tempo, cem
anos para trás), quem demandava o outeiro da Glória tinha de atravessar uma faixa
35

de areia pequena e estreita, chamada Praia das Areias de Espanha, encaixada entre a
lagoa do Boqueirão e o outeiro das Mangueiras. O outeiro nada mais era do que um
prolongamento do morro do Desterro, que terminava na praia, onde começava o
caminho do Catete, ou da Glória, que hoje conhecemos como rua da Lapa
(BERNARDO, p.17-18).

Assim, pelo viés da rememoração do professor Alencar, o narrador procede a uma


releitura de uma cidade situada num Rio antigo e a uma leitura da cidade de seu tempo.
Entrecruzam-se duas vertentes: uma endossa o velho e outra o novo, numa espécie de
encontro-confronto. Se as cidades modernas redesenham radicalmente o seu mapa, apagando
o passado, deseja, o autor fixar pelos signos de sua escrita os traços de uma memória sempre
ameaçada pelo esquecimento.
As cidades representadas em ambos os romances não são iguais, mas diferenciadas
pelas relações específicas de cada uma com a história e a cultura de seu tempo. O narrador as
vai apresentando ao leitor de forma que o esboço de uma cidade é usado como estratégia que
ajuda a ler a outra. Preserva-se, por conseguinte, a memória, afastando-a do esquecimento
pela rememoração do enigmático personagem José de Alencar.
Esse diálogo aberto entre as duas obras aparece logo no primeiro capítulo ─ na
primeira linha do romance ─ e funciona como um aviso ao leitor, como a continuação do
contrato que se estabelece desde a capa. O nome do romance não é outro senão o do
personagem principal de Alencar: Lúcia. Lúcia é também Maria da Glória em Lucíola. Então
são dois personagens? Não no romance de Alencar, mas no de Bernardo. O resgate do
principal personagem de Alencar, Lúcia, está indicado não só no nome, mas também na
imagem duplicada, da cisão do personagem. Assim, Bernardo, logo no início, já provoca o
leitor ao pôr em movimento uma das formas de recuperação do já-dito, a reescritura em tom
de pastiche, com particularidades da escrita de Alencar. O jogo de esconde-mostra, que a voz
narrativa conduz de forma a inserir procedimentos e temas que, para identificação, conta com
a recepção ativa do leitor, convocado como homenagem ao discurso recuperado e também
como funcionamento próprio da linguagem literária.
O diálogo com outras linguagens e o jogo intertextual empregado no romance Lúcia aparece
antes do primeiro capítulo. Na capa, em primeiro e inocente olhar, nos deparamos com a foto
de dois homens de costas ─ um projetando-se mais à frente do outro. Se quem olha a capa é
um conhecedor de arte, de obras de surrealistas, diria se tratar da figura de um homem que, ao
se olhar no espelho, se vê de costas. Como um dos quadros mais famosos do pintor belga
Magritte (2000, p, 15), intitulado Reprodução Proibida (retrato de Edward James), de 1937,
a imagem do homem refletida no espelho é a mesma de quem o olha por trás, ou seja, no
36

espelho, a figura também está de costas, contrariando a lógica natural das coisas.
Consequentemente, o que o nosso olhar registra é a figura de um duplo.
Essa figura, com terno e penteado impecáveis, sinaliza para algumas questões
importantes, como os limites da reprodução e do reflexo, para o poder de representação da
literatura e para seu caráter ilusionista, e desencadeia um processo de reflexão sobre o próprio
fazer literário, uma espécie de metalinguagem, numa construção que denuncia a ilusão de
realidade fabricada pela literatura. A imagem da capa nega ao receptor o reflexo do rosto do
homem, olhando para o espelho da maneira como a lógica social dos homens determina,
brincando seriamente com os conceitos de realidade e de cópia, colocando o leitor no meio de
um jogo marcado pelo processo de estranhamento, além de apontar para as particularidades da
presença de outros discursos no romance.
Na obra de Magritte são recorrentes temas como o contraste e inversão dos valores. O
espelho que não reflete todas as imagens e invertem outras, o interior que mostra o exterior,
tudo feito pelas tintas mágicas desse surrealista, a exemplo do quadro a seguir ─ que
certamente serviu de motivo para ilustração da capa de Lúcia ─, no qual o artista valoriza a
criação de uma realidade a partir de outra, de suas observações do real, como o caso do
espelho que reflete as costas do observador de frente para ele. A forma de observação de
Magritte vai além da própria observação do objeto. O artista vê além da forma.
Figura 1 - Reprodução Proibida

Legenda: Reprodução Proibida (retrato de Edward James, 1937


Fonte: PAQUET, 2000, p. 15.
37

Figura 2 - Capa do romance Lúcia

Fonte: Capa do romance Lúcia (1999), de Gustavo Bernardo

A capa parece um recorte do quadro de Magritte, Reprodução Proibida. O que parece,


confirma-se na parte “final” de Lúcia. Em busca de explicações a respeito do trágico destino
de sua amada, Paulo2 encontra-se com Alencar. É durante esse encontro que Paulo2 faz uma
leitura do quadro Reprodução Proibida (ou seria melhor chamá-lo de Reprodução Interdita?):

De repente, Alencar se levantou, tomou do revólver e ficou olhando por cima da


minha cabeça para o quadro na parede: um homem, de costas, via-se num espelho,
mais também de costas. Enquanto isso, eu via, em silêncio, um homem, de costas
para mim, vendo um quadro onde um homem via a si mesmo num espelho, mas
sempre de costas.
Numa espécie de console, um livro (o livro se refletia corretamente no espelho).
Abaixo do quadro, outro console verdadeiro. Sobre ele, uma reluzente Rolleiflex
(BERNARDO, 1999, p. 164).

O narrador faz uma leitura não só do quadro de Magritte, como também do


personagem Alencar que olha para o quadro na parede. Não por acaso, Paulo2, que está de
costas para o quadro, vê um homem de costas para ele olhando um quadro que, pela
descrição, trata-se do quadro Reprodução Proibida. Essa cena descrita pelo narrador não será
uma representação do real além do que se vê? Que, seguida de outra, um homem com um
revólver, gerou uma imagem de terror obtida a partir da sensação de medo que o objeto na sua
38

mão provoca? O narrador, inevitavelmente, ao ver o quadro sentira-se atraído pela aventura de
tornar o pensamento visível, demonstrando-nos que aquilo que vemos ou lemos é formado por
uma rede de “encobrimentos”.
A alusão ao artista, evidente a partir da capa do romance Lúcia, ultrapassa os limites
do discurso visual e confirma-se por meio da escrita, bem antes da parte “final” do romance,
quando o narrador faz uma menção direta:

... Sentei-me à janela, para contemplar a paisagem – que se resumia às janelas do


prédio da frente, recordando-me Alfred e sua recente Rear window (embora a minha
própria janela fosse, na verdade, front window) -, enquanto acendia o cachimbo
(nunca havia fumado cigarro, mas cachimbo achei bonito, inspirado em René
Magritte, que a professora Dirce me apresentara: ceci n’est pás une pipe...).
(BERNARDO, 1999, p. 40).

Essas citações confirmam a relação existente entre o discurso de Lúcia e as pinturas


surrealistas de Magritte, que materializam o universo de imagens com colagens, nas quais o
artista e o espectador se inserem num mundo sem fronteiras entre o real e o imaginado. Suas
pinturas, a exemplo da capa de Lúcia, podem causar estranhamento pela associação de
elementos contraditórios.
O cachimbo, ao qual o narrador se refere, consta do quadro A Traição das Imagens
(1928-1929), obra conceitual, desenho com legenda, jogando com a noção de representação:
Figura 3 - A Traição das Imagens

Legenda: A Traição das Imagens, 1928-1929.


Fonte: PAQUET, 2000. p. 9.
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A respeito desse famoso cachimbo, Magritte afirma que “já foi suficientemente
censurado por causa dele! E afinal...”, pergunta o artista, “conseguem enchê-lo? Não, é apenas
um desenho, não é? Se tivesse escrito por baixo do meu quadro ‘isto é um cachimbo’ estaria a
mentir!” (PAQUET, 2000, p.09). Para o artista, a realidade pode ser mudada, como também
pode o artista “dar às coisas uma lógica tal, que contradiga as leis da percepção comum”. Foi
o que fez ao criar o quadro A Traição das Imagens. Jogando “com esta possibilidade de
divergir da realidade, com esta irrealidade dentro da arte” (PAQUET, 2000, p. 16), criou outra
realidade, tão real ou até mais que a própria realidade: não se fuma o desenho de um
cachimbo.
Compagnon (1999, p.77) faz uma significativa referência ao surrealista Magritte e à
questão da representação na arte:

... os dois artistas que parecem melhor representar a contradição estética do


surrealismo, com seu culto do estranho chegando ao academismo na representação
do imaginário, são os pintores belgas Magritte e Delvaux... A obra de Magritte é
inicialmente conceptual: são desenhos com legendas, jogando com a noção de
representação. Em seu quadro mais célebre, La Trabison des Images (1928-1929) (A
Traição das Imagens), um cachimbo é reproduzido acima da inscrição: ‘Isto não é
um cachimbo.’ A distinção do objeto real e do objeto representado, introduzida na
pintura, muito excitou os filósofos, como Michel Foucault, mas essa pintura acaba
sendo, finalmente, apenas a ilustração de problemas linguísticos e filosóficos, e, por
seu lado acabado e limpo, ela anuncia os quadrinhos e a arte pop. A fascinação que a
obra de Magritte exerce está ligada à reprodução de objetos ordinários, com efeito
de estranhamento através da linguagem. ..., como Breton a definiu ─ ‘Quanto mais
as relações entre duas realidades aproximadas forem longínquas e justas, tanto mais
forte será a imagem’ ─...

Essa fascinação que Magritte exerceu sobre filósofos, como Foucault, e inspirou o
narrador de Lúcia emerge das profundezas da percepção do pintor, do olhar que revela o
mistério das coisas descoberto com a intervenção da arte e do intelecto. Considerando que as
coisas têm um lado reverso, um lado negro, ainda mais fascinante do que a sua forma
evidente, e consciente desse conflito entre visível e oculto, consciente também de que um
objeto sempre esconde outro, Bernardo captou e tornou visível, desafiando a lógica das
coisas, os rostos escondidos de Lúcia, a personagem romântica idealizada por Alencar. Assim,
trouxe à cena duas Lúcias, uma de pele clara como as musas românticas, outra de pele negra e
comportamento libidinoso, numa fusão de raças, marca representativa de brasilidade.
Confirma-nos o narrador que:

...Lúcia e Lúcia eram uma só, desenhos sobrepostos na folha de papel fino. Uma
mulher para amar e outra para abandonar, mas as duas iguais, idênticas! Uma
menina para salvar e outra para machucar, mas as duas iguais. Idênticas. Um
bichinho para cuidar e outro para caçar, uma história para contar e outra para viver,
mas, tudo igual – tão absurdo.
40

Morenas (negras) e louras. Olhos tão verdes quanto pretos (abissais). Cor de furta-
cor: brasileiras (BERNARDO, 1999, p. 132).

Lucíola, publicado inicialmente em 1862, tem o seu significado alterado ao mudar de


mão e de século, visto que o novo escritor se torna também possuído por leituras próprias de
sua época. O que na mão de Alencar é uma proposta de originalidade, de criação do romance
nacional com características brasileiras, torna-se de Bernardo uma proposta de diálogo com o
passado e com outras linguagens. O novo não é, pois, um espelho passivo do passado. Em vez
de copiá-lo, o escritor pós-moderno muda e o transforma de modo que o novo objeto
ficcionado esteja totalmente consciente do contributo da obra anterior; contudo, ao mesmo
tempo, o escritor reflete sobre o sentido de tal modificação.
O escritor pós-moderno reinterpreta o passado com os olhos livres das amarras
conceituais de originalidade absoluta, como também do discurso parodístico. A tradição
buscada pelo autor para compor o seu texto localiza-se em espaços, momentos e estilos
diversificados, pontuando marcas precisas dos discursos artísticos e culturais que assumiram,
nas últimas décadas do século XX, de diferentes maneiras, um papel de soma. Daí a
prevalência do pastiche sobre a paródia. Bernardo coloca em questão a forma de se fazer
literatura em um momento cujo fator gerador é um sinal positivo. Assim, a literatura pós-
moderna usa o pastiche pelo discurso identificado totalmente com o outro que fala atrás de si.
Pelo meio de uma rede intertextual, Bernardo põe em movimento o estilo romântico.
A ideia de originalidade absoluta é uma questão proposta pelos românticos, ou seja, a noção
de quebra radical com o passado e, consequentemente, de originalidade como algo que nunca
se realizou antes. É, principalmente, com essa primeira modernidade que a narrativa de
Bernardo dialoga diretamente, em assumida homenagem. A época focalizada, não por acaso,
é o momento em que a modernidade atinge o estágio mais avançado. Nos anos 50, a atração é
a própria tecnologia. Os filmes da época, a erupção do chamado Cinema Novo, são uma
celebração do moderno ─ o segundo modernismo ─, das possibilidades abertas pelo futuro.
Assim, há três momentos na escritura de Bernardo: o primeiro seria o romantismo, 1ª
modernidade, século XIX; o segundo, o modernismo, 2ª modernidade, século XX, anos 50; e
o terceiro, o pós-moderno, a própria escrita do romance.
Tomando-se, além das referências explícitas ao romance de Alencar, que aparecem ao
longo do romance, as referências aos gregos, a Sófocles ─ mais exatamente, Antígone
(c1958) ─, é possível observar como Bernardo (1999, p. 93) focaliza a dimensão dialógica,
privilegiando reflexões sobre a maneira de uma escritura relacionar-se com outras: “não existe
41

mais a Antígone dos gregos, não existe mais a Antígone de Sófocles, só pode existir a
Antígone que lemos. Só pode existir a Antígone moderna.”
O narrador-personagem Paulo2 discursa sobre a Antígone moderna, com o auxílio de
um filósofo dinamarquês. Uma provável homenagem a Kierkegaard (1813-1855), pelo
centenário de sua morte no ano em que se desenvolve a narrativa de Lúcia. Kierkegaard
editou, em 1843, La repetición (1975), com o pseudônimo de Constantin Constantius. Expõe
sua concepção de repetição no sentido espiritual e existencial como um segundo começo, uma
vida nova. Mostra, em sua história, a impossibilidade da repetição do mesmo; repete-se,
porém com diferenças marcantes pelo advento do novo: o mesmo será sempre outro, a cada
instante.
Assim, conta-nos o narrador:

O irmão da Antígone dos nossos dias não morreu em guerra fratricida, ao contrário,
estuda engenharia mecânica e faz psicanálise, para aprender a conviver com o seu
complexo de édipo. Antígone, portanto, não precisa mais enterrá-lo, desobedecendo
às ordens do titio. Na Tebas moderna, que podemos fotografar do alto do Pão de
Açúcar, o pai de Antígone decifrou o enigma atômico da Esfinge, matou o seu
próprio pai homossexual e casou com a sua própria mãe, ex-miss Distrito Federal,
tendo com ela quatro filhos, dois rapazes ligeiramente gagos e duas meninas
ligeiramente gêmeas. Ele vive agora um casamento feliz com Jocasta, no seu
palacete à beira da Praia de Copacabana, e não sabe o que fez. A infância oculta não
é conhecida por ninguém. Só Antígone sabe de tudo (BERNARDO, p. 93-94).

Bernardo dimensiona aí o problema de que, no momento em que um discurso se


apropria de outro, o atualiza de maneira particular, exigindo do receptor competência
interpretativa, compreensão, e não simplesmente a identificação. O diálogo de uma obra com
outras é algo que Terêncio já tinha claro. É curioso comprovar que não sentiu o menor receio
de reescrever argumentos já postos em cena, como também em reconhecer que suas obras se
originaram da comédia grega, a exemplo do prólogo de sua peça Os Adelfos (s.d.), conforme
se lê no trecho abaixo:

O poeta, depois que percebeu que aquilo que ele escrevia era censurado por pessoas
injustas e que os adversários davam má interpretação à peça que vamos representar,
vem ele próprio dizer de sua justiça. Vós sereis os juízes e vereis se se deve louvar ou
criticar o que ele fez.
Existe uma comédia de Dífilo que se chama Synapothnescontes e dela fez Plauto a sua
peça Commorientes. Na peça grega, e logo no princípio, há um moço que rouba uma
rapariga a um mercador de moças. Plauto deixou este passo sem lhe tocar, mas o
nosso poeta para si o tomou nos Adelfos e transladou-o palavra por palavra.
É esta nova peça que nós vamos representar. Examinai-a e vede se houve algum roubo
ou se apenas se aproveitou um ponto que, por negligência, fora posto de parte. (p.
243)
42

Terêncio confessa aos espectadores que verão uma peça grega, mas que se trata de
uma nova peça. Inaugura outro modo de entender o que é derivar de, o que é criar sem ignorar
o já dito e feito por outros. Essa derivação não impediu Terêncio de considerar que o novo ou
o criativo são possíveis, na medida em que a reescritura transforme o já dito ou escrito, que
torne possível o que parece impossível pela inventividade do escritor.
Recuemos um pouco mais e alcancemos os gregos. Lá encontramos a Antígona de
Sófocles, da qual fala o narrador de Lúcia. Antígona, a filha de Édipo e Jocasta, é
transformada por Sófocles em personagem principal de Antígona (c1958, p. 07-08). Essa peça
vem, ao longo dos séculos, servindo de inspiração a inúmeros escritores e dramaturgos. A
respeito, na introdução da versão de Antígona, Muniz (c1958, p. 07-08) afirma que “Eurípides
escreveu também uma ‘Antígona’... Ela passa — invicta e sublime — na obra de Ésquilo, de
Sêneca, de Racine, de Rotrou. Atravessa os séculos rediviva e entra no teatro moderno com
Cocteau, Anouilh e vários outros”.
A reescritura, como se percebe, é sempre motivada pela riqueza da obra original, pela
capacidade de sugerir ao escritor outras possibilidades de contar a história, de recriá-la ao seu
modo, em outra época, com um sentimento novo e ampliado por outras leituras. O modelo
pode ser, inclusive, já uma reescritura. As tragédias Édipo Rei, Édipo em Colona e Antígona,
de Sófocles, confirmam a nossa reflexão, todas poderiam derivar de um trecho da Odisseia
(HOMERO, 2002, p. 148), que por sua vez se nutriu das histórias e lendas passadas de uma
geração para outra oralmente, e serviram, e servem até os dias de hoje, de fonte de inspiração
a inúmeros escritores, por deixar em aberto uma série de reinterpretações e de sugestões a
todas as mentes e a todas as épocas.
Em Lúcia, Bernardo, aceitando os riscos e as incertezas da liberdade ficcional, costura
retalhos de textos do passado. No romance, a literatura amorosa, as vivências e os reflexos das
experiências alheias, como também dados da experiência do próprio escritor, se cruzam e se
completam formando um todo.
Como em Lucíola, o principal procedimento estruturador da narrativa de Lúcia é o
registro de uma confissão: “Acabo de escrever estas mal traçadas, completando setenta anos
de idade” (1999, p. 179), uma das formas de se apresentar ao leitor. Tudo é verdadeiro, é o
próprio personagem quem conta sua história. Bernardo o revestiu com uma elaboração
diferenciada, obedecendo a determinados critérios de construção da época em que o romance
foi escrito.
Em todas as épocas há sempre algo com aparência de extraordinário que seduz e
fascina os indivíduos, que satisfaz as suas vontades de potência, de manifestação e de criação.
43

Há também elementos plenos de significação que animam o cotidiano de determinados


sujeitos. Nesse mundo plural, dos livros e da realidade, o leitor Bernardo buscou material para
compor Lúcia, ordenado a partir de procedimentos característicos da intertextualidade e da
metalinguagem, mantendo diálogo entre memória e escritura, história e literatura, ficção e
história, ficção e ficção, possibilitando-nos uma reflexão a respeito do papel do já dito, do
redito, do leitor e da leitura, da liberdade criativa e da originalidade.
Partindo de textos alheios, Bernardo (1999, p.178) cria uma pluralização de discursos
que desafia qualquer ponto de vista único e rejeita a noção de produtos artísticos como pura
originalidade. Textos de outras épocas são revistos e reescritos. O próprio narrador confessa:

... o mundo é redondo. Os livros são redondos. Nós mesmos somos feitos de matéria
curva, ou seja, de memória e de invenção. Os livros, como este, reescrevem outros
livros ─ primeiro como tragédia, depois como farsa, e adiante como tragédia
novamente.
É o avesso do avesso do avesso das páginas amareladas da literatura brasileira.

Lúcia não é, portanto, produto exclusivo do trabalho de escritura de Bernardo, nasceu


de seu relacionamento com outros textos, do entrelaçamento intertextual, do que pode
inscrever-se numa estrutura de entendimento elaborada a partir de uma prática e de um
reconhecimento de funcionamentos textuais adquiridos com muita leitura. Para tanto, supõe-
se um leitor competente, capaz de perceber esse trabalho de manipulação do autor com os
textos alheios e, consequentemente, de interpretá-los. O leitor é sugestionado a olhar para o
passado que lhe chega sob a forma de texto literário em completa sintonia com o novo.
Evocando Lucíola, Bernardo não apenas mobiliza a memória de seus leitores para enriquecer
seu personagem com obras oferecidas pela modernidade romântica. Com tal recurso literário,
discute-se o aproveitamento dos modelos clássicos, como também se desenvolve uma
reflexão sobre o exercício da leitura e sobre o fazer ficcional na atualidade, na qual se inclui
os microcontos intertextuais.

1.2.2 A reescritura de Luiz Arraes

O microconto “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”, publicado em 1959


pela primeira vez (MONTERROSO, 1998, p. 77), considerado o mais famoso de todos tem
menos de cinquenta letras. Serviu de inspiração a diversos escritores de microcontos –
44

microrrelatos, nomenclatura mais usada por hispano-americanos e hispânicos. A partir do “O


dinossauro”, do escritor hondurenho, Arraes, em Tentando entender Monterroso (2005),
escreveu quarenta variações do microconto.
Em Arraes, a reescritura é ocasionada por um diálogo pós-moderno, visto que seus
microcontos são marcadamente intertextuais com estilo pertencente ao passado e à
contemporaneidade.
VARIAÇÃO 1

Quando acordou, os olhos pregados, a vista turva, a boca seca; ela ainda estava lá, ao
pé da cama, segurando com as duas mãos a camisa dele com a marca de batom na
lapela (ARRAES, p. 15).

O microconto dialoga diretamente com a micronarrativa de Monterroso, “Quando


acordou” e “ainda estava lá”, mas a micro-história é outra. Trata-se de um homem (indicado
pelo processo de combinação da preposição ‘de’ mais o pronome pessoal reto ‘ele’ = “dele”)
que, ao acordar, deparou-se com a mulher ou a namorada, pois o pronome pessoal “ela” não
esclarece o grau do relacionamento entre ambos, “ao pé da cama, segurando com as duas
mãos a camisa” do personagem “com a marca de batom na lapela.” O retrato da cena lembra
uma traição amorosa por parte do homem, deixando a parceira paralisada. O fato de ela
segurar a camisa com as duas mãos pode sugerir um sentimento de dor profunda, mas também
de indignação, de raiva pronta a explodir tão logo o traidor acorde. Não sabemos o que houve,
tampouco o que acontecerá depois. A cena é micro, mas a paisagem por trás ganhará o
tamanho da imaginação criativa do leitor.

VARIAÇÃO 3

Quando acordou, pensou que havia se transformado em uma barata; mas


rapidamente percebeu que era só uma impressão. Não precisava escrever um livro.
Vestiu-se e foi ao trabalho (ARRAES, p. 17).

O diálogo se inicia com Monterroso, “Quando acordou”, e envereda pela A


metamorfose (KAFKA,1997, p. 06). O primeiro capítulo confirma o jogo intertextual:
“Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua
cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Ambos os personagens se deparam
metamorfoseados ao acordar, com algumas diferenças: do personagem de Arraes, não
sabemos o nome nem o sexo, mas logo no início, o inseto: uma barata; o de Kafka é um
homem, o inseto monstruoso é descrito como algo parecido com uma barata gigante. No
microconto, o fato de o personagem pensar “que havia se transformado em uma barata”, não
45

torna o inseto menos monstruoso do que o de Gregor. Outra leitura pode-nos levar à
monstruosidade, em tamanho e aspecto, do dinossauro, ou seja, a “barata” representa,
principalmente, para as mulheres algo ‘asqueroso’, provocando um medo ‘gigantesco’, apesar
do tamanho micro se comparado ao dinossauro. O leitor de A metamorfose, provavelmente,
entenderá o microconto com mais propriedade. Lembrará, por exemplo, que Gregor não
sonhava, que diante da metamorfose não poderia trabalhar (ao contrário do personagem do
microconto), que o inseto, no qual se transformou é tão monstruoso quanto asqueroso,
enquanto, no microconto, o personagem apenas sonhava, consequentemente, não precisará
escrever um livro porque não é Kafka, bem como não sofreu a metamorfose de seu
personagem. Assim, “Vestiu-se e foi trabalhar”. Não sabemos sua profissão, mas o leitor é
livre para preencher as elipses, o sugerido e, como detetive, descobrir as pistas por trás da
cena.
VARIAÇÃO 11

Augusto Monterroso sonhava repetidamente com um dinossauro, que o espreitava ao


pé da cama. Um dia, decidiu que aquilo era um conto e escreveu-o (ARRAES, p.
25).

Arraes criou um jogo intertextual duplo, recorrendo tanto ao autor homenageado


quanto o seu microconto para contar como nasceu a micro-história. O leitor de Monterroso
não terá dificuldade em construir parte da paisagem por trás do escrito, é o próprio
microconto, mas não poderá endossar a versão fictícia de Arraes de que Monterroso “sonhava
repetidamente com um dinossauro, que o espreitava ao pé da cama”. O fato que deu origem à
escritura do microconto se pauta na imaginação de Arraes, consequentemente, o leitor
desconfiado também não a endossará. Assim, cada um criará a sua visão dos fatos.

VARIAÇÃO 12

Os dinossauros, como se sabe, foram extintos há séculos. Não se sabe por que um
espécime vive escondido na mesa do escritor A. Monterroso. O escritor gosta de, ao
acordar, ver que ele ainda está lá (ARRAES, p. 26).

Arraes agora foi mais longe. Dialogou com a história, com Monterroso e com o seu
microconto. A afirmação da extinção dos dinossauros “há séculos” leva o leitor a rememorar,
por exemplo, a teoria de que os dinossauros poderiam ter sobrevivido ao asteroide que os
dizimou, caso o evento tivesse ocorrido milhões de anos mais cedo ou mais tarde, segundo a
teoria de Steve Brusatte. Em seu estudo, reconstrói o cenário vivido pelos grandes répteis 66
46

milhões de anos atrás, no fim do período cretáceo. Afirma que tais seres foram vítimas de
uma combinação mortal: as mudanças ambientais devastadoras e a baixa diversidade de
herbívoros, que serviam como base da cadeia alimentar. No segundo período do microconto,
o leitor é surpreendido com o fato de “um espécime”, um indivíduo dessa espécie, viver
“escondido na mesa do escritor A. Monterroso”. Se os dinossauros “foram extintos há
séculos”, como é possível a existência de um deles? Tratando-se de um escritor de ficção,
tudo é possível. O dinossauro ganha vida por meio do microconto de Monterroso que,
provavelmente, o deixou em sua mesa entre outros escritos durante a fase de criação. O
escondido, há muito tempo, se tornou público, visível aos olhos de leitores em todo mundo.
Por outro lado, o autor, ao acordar, gosta de “ver que ele ainda está lá”, confirmando, ao
mesmo tempo, o diálogo com o autor e com o seu microconto: quem acorda é o criador, quem
ainda está lá é a criatura, ou seja, Monterroso e seu microconto mais famoso. Enfim, há um
emaranhado de paisagens no microconto de Arraes à disposição de cada leitor que queira
aventurar-se.
Variação do microconto de Monterroso:

VARIAÇÃO 13

O dinossauro não sobreviveu mais que poucos dias à morte do escritor Augusto
Monterroso. Dessa forma, descobriu-se o que as ossadas existentes não revelaram:
os dinossauros eram dotados de sentimentos (ARRAES, p. 27).

Ao ler o primeiro período, o leitor se pergunta: que dinossauro sobreviveu poucos dias
após a morte do escritor Monterroso? Sabe-se que o microconto “O dinossauro” faz parte do
primeiro livro do hondurenho (MONTERROSO, 1959) e que o escritor faleceu em 2003,
tempo em que o criador acompanhou a vida de sua ‘criatura’. Por outro lado, “O dinossauro”
como obra literária está mais vivo do que nunca. Vive em cada leitura, em cada página a que
ele se refere, como o fez Arraes; como também vive o escritor, pois não se pode separá-lo de
sua obra. Assim, a questão é outra. Talvez o dinossauro fosse uma réplica em miniatura, usada
como enfeite, pertencente ao escritor. Poucos dias depois de sua morte, os familiares se
encarregaram de exterminá-lo ou será que o dinossauro se quebrou acidentalmente durante a
reorganização dos objetos do falecido? O último período é tão enigmático quanto o primeiro.
Retoma-o por meio da expressão coesiva “dessa forma”, introduzindo uma confirmação do
dito, exigindo do leitor uma participação mais ativa, visto que o fato anterior levou à
descoberta de que “os dinossauros eram dotados de sentimentos”. Se o leitor considerar a
hipótese de que o dinossauro era um objeto de estimação de Monterroso, dotado de
47

sentimento a ponto de não sobreviver sem ele, tal peça ganha personificação, como humana.
O leitor se encontra em um labirinto de paisagens, por trás do sugerido. O que se passou na
mente criativa de Arraes? Talvez tenha assistido ao filme Jurassic Park, O parque dos
dinossauros (1993) no Brasil, baseado no livro homônimo de Crichton (1990). No final do
filme, um Tiranossauro Rex salva os personagens principais da fúria dos Velociraptores, com
indícios de que são dotados de sentimentos. Isso “as ossadas existentes não revelaram”. Há
muito no microconto de Arraes, dependendo de quem o lê.

VARIAÇÃO 19

Como Asterix, Obelix e todos os outros gauleses, ele só temia uma coisa: que o céu
desabasse sobre sua cabeça.
Sonhava de maneira recorrente, com meteoritos gigantes caindo sobre a terra; como
os que exterminaram os dinossauros (ARRAES, p. 33).

O jogo intertextual alcança as histórias em quadrinhos francesas e a antiguidade. Antes


de cada aventura de Asterix, o gaulês, o famoso herói, lê-se a introdução: “Estamos no ano 50
antes de Cristo. Toda a Gália foi ocupada pelos romanos... Toda? Não! Uma aldeia povoada
por irredutíveis gauleses ainda resiste ao invasor”, segundo o professor Vilela (2005). Nas
aventuras de Asterix, os gauleses, especialmente Obelix, o melhor amigo de Asterix,
aparecem quase sempre juntos. Lutaram com romanos, feiticeiros, piratas etc; não havia
ameaça humana para o grupo de valentes mudar a boa vida que levava em sua aldeia ao norte
da Gália, último reduto que o Império Romano não conquistou. O único temor do grupo era
“que o céu desabasse sobre sua cabeça”. Segundo Vilela, o personagem principal aparece pela
primeira vez em 1959, na revista francesa Pilote, criado por René Goscinny e Albert Uderzo.
Não por acaso, o mesmo ano que Monterroso publicou o microconto “O dinossauro”. Nesse
diálogo com a História, por meio das histórias de Asterix e os gauleses, Arraes recorre ao
microconto de Monterroso para reescrever o temor de Obelix, que sonhava de maneira
recorrente, com meteoritos gigantes caindo sobre a terra. Mais uma vez recorre à história dos
dinossauros extintos depois de um meteoro colidir com a terra, formando uma imensa cratera
no México. Outra coincidência ou uma parte do plano sugestivo do microconto de Arraes?
Afinal, Monterroso (1921-2003) residia no México desde 1944. Será que o temor de Obelix,
como também de Asterix e os gauleses, não era outro? Talvez temesse ser vendido para a
Disney, transformado em desenho animado e até em filme? Melhor deixar o leitor criar,
seguindo as pistas dadas pelo microconto.
48

VARIAÇÃO 27

Quando eu acordei uma versão do dinossauro ainda estava lá (ARRAES, p. 41).

Não sabemos o sexo de quem acordou, visto que o pronome pessoal reto “eu” indica
apenas que o narrador é também personagem. O advérbio “quando” expressa circunstância de
tempo, quando o fato ocorreu. No microconto, tudo aconteceu no momento em que o
narrador-personagem acordou. A intertextualidade com “O dinossauro” de Monterroso é
clara, começando pelo advérbio, passando pelo verbo acordar e pelo final do período
“dinossauro ainda estava lá”. Arraes, com poucas modificações, muda significativamente o
microconto. Diferente do microconto de origem, que se encontra na terceira pessoa do
singular, o narrador conta a micro-história como observador sem participar dos
acontecimentos (“Quando acordou”); a reescritura é narrada na primeira pessoa do singular,
consequentemente, o narrador participa diretamente, tem uma relação íntima com os
elementos da micronarrativa (“Quando eu acordei”). Outro questionamento diz respeito ao
fato que sucedeu quando o narrador acordou. No microconto de Monterroso, “o dinossauro
ainda estava lá” (a que lugar o narrador se refere?); no de Arraes, “uma versão do dinossauro
ainda estava lá”. O acréscimo das palavras “uma” e “versão” leva o leitor a se questionar
sobre o que há por trás delas. Antes de o personagem dormir, existia mais de uma “versão do
dinossauro”? No caso, considerando “uma” como numeral. Em caso afirmativo, o que
aconteceu com as outras, será que alguém as roubou? E a palavra “versão”, se refere à
tradução do microconto “O dinossauro” ou à reinterpretação, “variação”, por Arraes? Se “uma
versão do dinossauro ainda estava lá”, a que lugar o narrador-personagem se refere? Como no
microconto de Monterroso, Arraes não dá pistas seguras ao leitor, o que não o impede de usar
sua criatividade, supondo, por exemplo, que a tal “versão” estava sobre uma mesa no quarto
do escritor, considerando que o fato ocorreu quando o personagem acordou. Outras leituras
possíveis ficarão a cargo de cada leitor.

VARIAÇÃO 40

Nada mais chato do que acordar com um dinossauro ao seu lado; no lugar de sempre
a espreitá-lo. Quando toco no assunto, a desculpa dele é a de sempre e tem
pertinência: não ter para onde ir (ARRAES, p. 54).

O diálogo com o escritor hondurenho passa pelas palavras “acordar”, “dinossauro” e


“quando”, mas em ordem diferente do microconto de origem (quando, acordou – o verbo na
terceira pessoa do singular - e dinossauro). No início do microconto, o narrador discorre como
49

o personagem se sente ao acordar e se deparar com “um dinossauro seu lado; no lugar de
sempre a espreitá-lo”. Para ele não há “nada mais chato”. A partir desse desabafo, o leitor é
levado a considerar algumas hipóteses, tais como, o dinossauro é um imenso réptil pré-
histórico que, provavelmente, se abrigou na casa do personagem para se proteger do impacto
do meteoro que caiu. No caso, a história se passa há milhões de anos. No presente, a história
seria outra: o personagem tem um parente idoso ao seu lado, chamado pejorativamente de
dinossauro. Talvez, pela impossibilidade de se locomover sozinho, fica no mesmo lugar,
olhando-o atentamente. No período seguinte, o leitor descobre que o narrador também é
personagem por meio do verbo “toco”, em primeira pessoa do singular. O narrador-
personagem diz “Quando toco no assunto...”. Que assunto? Será o fato de não suportar mais a
presença do “dinossauro”, réptil ou pessoa idosa, no mesmo ambiente? Ao continuar a leitura,
se supõe o assunto a partir do trecho “a desculpa dele é a de sempre e tem pertinência: não ter
para onde ir”. Mesmo considerando que o dinossauro dá sempre a mesma desculpa, o
narrador-personagem dá razão ao dinossauro na oração seguinte “e tem pertinência...”. Por
que o dinossauro ainda continua lá? O leitor poderá ir mais além do dito ou sugerido. Os
conhecimentos prévios e o poder de criatividade de cada um ditarão o caminho, ou caminhos,
por trás da superfície do microconto.
Percebemos que a leitura desses microcontos de Arraes, como o de Monterroso,
aparentemente simples, esconde diversas referências, capazes de provocar profundas reflexões
no leitor. Em poucas palavras, o essencial, o poder da concisão narrativa, o jogo da linguagem
pós-moderna – um diálogo com outras linguagens, com outros gêneros e, por trás do dito, um
mar de histórias instigantes, exigindo a cumplicidade do leitor.
50

2 MICROCONTOS EM PAÍSES HISPANO-AMERICANOS E HISPÂNICOS

Para entendermos melhor os microcontos, recorremos aos teóricos hispano-americanos


e hispânicos, visto que no Brasil há pouquíssimos estudos direcionados, especificamente, ao
tema.
Se falarmos em reescritura, é singular citar um autor que cultivou o método até a
exaustão, Denevi (1966) reescreveu a mitologia, a história, a literatura etc, porque para ele a
versão que conhecemos é só uma possibilidade entre muitas. É uma recopilação de textos
muito breves. Tais textos têm em comum ambientação histórico-literária. Todos os
microcontos são protagonizados por personagens históricos, como Napoleão, ou da literatura
universal, a exemplo de Dulcineia. O microconto joga com o leitor, pega-o pela mão para que
o acompanhe em viagens sedutoras, confiando que aquele que o lê esteja à altura do que se
exige, pois as referências culturais são constantes.
Noguerol (1996), entre as características do microrrelato, também se refere à
virtuosidade da intertextualidade, reflexo da bagagem cultural do escritor, por isso, recupera a
tradição literária em homenagem ao passado (pastiche) e à revisão satírica desta (paródia). Tal
característica faz alusão à importância da tradição para compreendermos os microcontos,
porém, em duas direções: por um lado, os textos se qualificam como conservadores no sentido
de que renovam obras do passado mediante sua reescritura; por outro, subversivos, ao
analisarmos o componente da paródia e de reinterpretação que lhe é inerente.
Berma, Castilho y Picasso diferenciam entre a intertextualidade estrutural, a que
estrutura toda uma obra, e a pontual, uma mera alusão (apud MARTÍNEZ FERNÁDEZ, 2001,
p. 64-65). Na maioria dos microcontos, devido a sua hiperbrevidade, a intertextualidade
costuma ser estrutural, já que a mera referência a outro texto literário pode interferir em toda
narração. Os livros de microrrelatos ou microcontos (o uso de uma ou outra nomenclatura
depende do autor) hispano-americanos e hispânicos costumam observar uma unidade interna
que induz o autor a criar uma série de textos similares ou ao menos relacionados entre si por
algum elemento. Há volumes nos quais os microcontos intertextuais são poucos, ocorrendo na
maioria dos casos; em outras ocasiões, a intertextualidade aparece em muitos relatos
hiperbreves de uma secção ou em todo o livro. Como exemplo, podemos citar El jardín de las
delicias: mitos eroticos (DENEVI, 1992).
A presença da intertextualidade na narrativa hiperbreve não é homogênea, pois aparece
de formas diferentes. Trata-se de um recurso de grande utilidade para os autores de
51

microconto, cujo componente transgressor e lúdico favorece os escritores a criarem tipos


distintos de reelaboração de temas da tradição literária.
Uma figura imprescindível para o funcionamento da obra literária é o leitor. A teoria
sobre o conceito estudado até aqui foi paralela ao surgimento da Estética da Recepção e outras
correntes que enfatizavam a importância do leitor. Este fato define a intertextualidade em
relação ao receptor e ao autor. Martínez Fernández (2001, p,142) afirma que alguns
especialistas consideram a intertextualidade como operação da recepção do texto, inclusive
fala-se do intertexto do leitor.
Em qualquer caso, devemos reconhecer a importância do leitor para o correto
funcionamento dos mecanismos de relação que o autor dispõe nas obras intertextuais. Só o
receptor é capaz de reconhecer o subtexto a que se remete, a mensagem literária terá correta
descodificação. Produz-se uma vinculação mais direta entre o autor e o leitor que capta a
referência, já que compartilham do conhecimento do subtexto. Contrariamente, o leitor pode
realizar ou uma leitura plana ou uma frustrada, reconhecendo a existência de um subtexto,
mas não sabendo qual. Em um gênero destinado a receptores de todos os tipos como o
microconto, é possível que a leitura deste tipo de narração produza dificuldades. Em muitos
casos de microcontos intertextuais, a referência a outra obra capta-se com dificuldade para
grande número de leitores pela falta de conhecimentos prévios.
Especialistas defendem que a intertextualidade é uma característica essencial do
microrrelato. Lagmanovich (2006), por exemplo, estudou cinco autores clássicos (Arreola,
Borges, Cortázar, Monterroso e Denevi) que compartilham uma série de características, entre
as quais cita a intertextualidade. Roas (2008) define o fenômeno como um aspecto temático
mais recorrente na minificção (miniconto, microrrelato, microconto etc – teóricos e escritores
ainda não chegaram a um consenso), porém, defende a tese de que a intertextualidade não é
um elemento essencial, mas de grande incidência na minificção; entretanto, não devemos
considerá-lo como característica básica do gênero como a narratividade e a hiperbrevidade.
Uma das razões que explicam a importância da intertextualidade no microconto é
determinada pelo contexto cultural do surgimento do gênero. O microrrelato hispano-
americanos e hispânico é uma forma literária da segunda metade do século XX, época em que
uma das tendências artísticas e literárias mais importantes é o pós-modernismo. Muitos
autores defenderam a perfeita adequação da narrativa hiperbreve ao que postula o pós-
moderno, o diálogo com o já dito. Noguerol (1996) foi uma das primeiras especialistas a
analisar a relação entre pós-modernidade e minificção – nomenclatura que prefere usar por ser
mais abrangente. Confirma a presença neste tipo de narrativa dos elementos básicos pós-
52

modernos, entre eles o papel fundamental da alusão a outros textos. Há diversos especialistas
que também consideram a intertextualidade como uma das características da pós-
modernidade, presente na minificção, como Epple (2004), Zavala (2005) e Garrido
Domínguez (2009).
A hiperbrevidade e a intertextualidade são relacionadas entre si por Koch (2000, p. 04-
10). Em um dos artigos desta pioneira da análise teórica do microrrelato são citados dez
recursos utilizados pelos autores do gênero para conseguir a tão ansiada brevidade. Dentre tais
mecanismos, três remetem ao tema de que tratamos: o primeiro é utilizar personagens já
conhecidos; o segundo é parodiar textos ou contextos familiares; enquanto que o terceiro
remete diretamente ao uso da intertextualidade literária. Concordamos com Koch, pois ao
lançar mão da intertextualidade, o escritor conseguirá o mais importante e difícil: a concisão.
Para Roas (2008a, p. 55), a utilidade da intertextualidade para a minificção é que o
mecanismo tem dupla função: de um lado economiza espaço textual e, de outro, supõe uma
dessacralização paródica do passado. Nem uma nem outra função são exclusivas do miniconto
e do microconto, também participam do jogo intertextual outros tipos de gêneros literários,
como o romance, o conto, o poema etc.
Um aspecto relacionado com o tema e que os especialistas enfatizam em relação à
ficção hiperbreve é a importância do leitor de microcontos intertextuais. A figura do receptor
possui significativa importância, pois se trata de uma forma que requer atenção especial do
leitor e com experiência suficiente na decodificação de textos literários. Por outro lado, as
referências intertextuais que se estabelecem nas obras exigem um alto grau de conhecimento
do leitor para que seja capaz de perceber o subtexto e sua função no intertexto. Assim, é
possível comprovar como os teóricos do gênero sinalizam a relevância suprema do leitor.
As referências textuais devem ser conhecidas pela maioria dos receptores, que
precisam lembrar a frase ou o verso a que o autor alude de maneira íntegra. Assim,
reconhecerão mais facilmente a reprodução ou a modificação que o autor pôs em jogo ao
elaborar o microconto. Nem todas as obras literárias funcionam bem como subtexto.
A poesia cumpre perfeitamente o requisito, gênero que tradicionalmente possui menos
personagens e tramas que a narrativa extensa. Tal tipo de intertextualidade é muito útil nos
títulos dos microcontos, que oferecem uma referência conhecida antes de começar a
micronarrativa. Esse tipo de texto deve cumprir, em primeiro lugar, o critério básico de textos
reconhecíveis pelos leitores, elemento sem o qual a intertextualidade temática ou textual perde
sua razão de ser.
53

Segundo Pujante Cascales (2013, p. 291-296), na história dos microrrelatos hispano-


americanos e hispânicos, por exemplo, encontramos textos hiperbreves que dialogam com
fontes distintas, tais como a Bíblia; a tradição mitológica; os contos, as fábulas e as lendas
populares; a Ilíada e a Odisseia, de Homero; Dom Quixote de la Mancha, de Cervantes;
Hamlet e outros clássicos, de Shakespeare; A metamorfose, de Kafka; “O dinossauro”, de
Monterroso; etc.
Em outros microrrelatos existem personagens que saltam de uma obra literária clássica
a um texto atual, mantendo as mesmas características e nomes. As características não são tão
reconhecíveis, por isso as designações dos personagens adquirem um papel fundamental para
que o leitor capte a intertextualidade. Apesar de que muitos leitores não os percebam, os
nomes dos personagens na literatura assumem fundamental importância, pois, muitas vezes,
remetem a textos anteriores. No caso do microrrelato, o fato é bastante habitual porque a
hiperbrevidade obriga que todos os elementos do texto sejam essenciais.
A intertextualidade literária é um recurso eficaz com qualquer tipo de texto, porém
funciona melhor com os clássicos, mais conhecidos pelos leitores. A literatura popular oral
também é útil para escritura de textos hiperbreves, cumprindo a mesma função de uma obra
literária concreta, ambas jogando com os conhecimentos dos leitores.
Há ainda a pseudointertextualidade. Plett a define como o mecanismo que se coloca
em jogo quando um texto se refere a outro que não existe (apud MARTÍNEZ FERNÁNDEZ,
2001, p. 114). No caso, estamos diante de um tipo de intertextualidade que nos remete a
Borges, autor do conto “Pierre Menard, autor do Quixote” (1994, p. 51-52), onde o autor
argentino engendrou uma trama de um escritor imaginário:

Aqueles que insinuaram que Menard dedicou sua vida a escrever um Quixote
contemporâneo, caluniam sua límpida memória. Não queria compor outro Quixote –
o que é fácil – mas o Quixote. Inútil acrescer que nunca visionou qualquer
transcrição mecânica do original; não se propunha copiá-lo. Sua admirável ambição
era produzir páginas que coincidissem – palavra por palavra e linha por linha – com
as de Miguel de Cervantes.

Percebemos que a função da pseudointertextualidade difere bastante do que vimos até


o momento. Não se trata de um autor que faça uma paródia de uma obra clássica ou que
dialogue com ela, nem de que o leitor mostre seus conhecimentos sobre o subtexto. Por um
lado, joga-se com o frequente uso da intertextualidade, criando uma referência falsa que
perturbe o receptor acostumado a se deparar com dados reais. A alusão ao subtexto inexistente
é mais explícita que as referências a textos reais. Este mecanismo permite grandes
54

possibilidades para os autores de microcontos, pois semeia dúvida no leitor sobre a veracidade
da referência e encaminha o texto, na maioria das vezes, à metaficção.

2.1 Antecedentes do microconto

Ao estudar um gênero textual tão novo, é imprescindível relacioná-lo a outros gêneros


de tradição histórica, por isso, comentaremos agora algumas dessas formas, cuja natureza as
torna parente da narrativa hiperbreve. Recorreremos, principalmente, aos especialistas
hispano-americanos (onde se desenvolve com mais força tal tipo de narrativa), como também
aos espanhóis; ambos se ocuparam nas últimas décadas do microrrelato e o confrontaram com
diversos gêneros literários de maior tradição, buscando antecedentes do microrrelato.
As relações existentes entre os gêneros, em alguns casos, se baseiam tão somente na
extrema brevidade que compartilham com o microconto. Devemos levar em conta que a
importância do estudo não é só diacrônica, para situar o microconto na história dos gêneros
literários, mas também é decisivo para sabermos se o novo gênero atualiza formas do passado,
se podemos considerá-lo um gênero independente etc.
Começaremos com a fábula. Segundo Van Dijk, os três componentes básicos seriam
“o caráter narrativo, fictício e metafórico” (2003, p, 263-264). Para o especialista holandês
nos dois últimos aspectos, a fábula difere das anedotas e dos mitos. Alcançou sucesso com
Esopo e Fedro, os dois disseminadores do gênero na Grécia e em Roma, respectivamente.
Continuou cultivada na Idade Média e chegou até nossos dias graças ao desenvolvimento nos
séculos XVII e XVIII com nomes tão importantes como Fontaine, Iriarte e Samaniego.
Os estudiosos do microrrelato (ou microconto, conforme uma das denominações de
Lagmanovich) que se ocuparam de uma possível genealogia do gênero sinalizaram a fábula
como seu possível antecedente. A frequente brevidade e o caráter narrativo criam vínculos
estreitos entre eles. Apesar de ter como protagonista os animais humanizados, não é uma
característica intrínseca do microconto, só aparecendo em alguns casos. Lagmanovich (2006,
p. 98), aponta outras duas características que entram em conflito com o microconto: a fábula
não tem que ser breve e também se pode escrever em versos, enquanto o microconto se
escreve em prosa e tem como principal característica a hiperbrevidade. A fábula se
consideraria como a antecedente direto de um tipo de microrrelato: aquele em que os
personagens são animais com características humanas, entretanto, o grupo de narrativas
55

hiperbreves, com certa importância na história do gênero, não se pensa como fábulas puras,
porque necessitam de outras características inerentes a tal gênero: a moral da história
(ensinamento direcionado ao leitor). Há uma série de microrrelatos, tendo as fábulas clássicas
como modelo, para realizar uma atualização em que desaparece o caráter didático.
O bestiário, segundo Pujante Cascales (2013, p. 54), estabelece com o microrrelato
uma relação bastante similar à fábula. Origina-se na Idade Média, com autores como Isidoro,
Clero e Fournival, dentre outros. Os escritores de fábulas dos séculos XVII e XVIII também
escreveram coleções de bestiários que, em datas mais recentes, foram cultivados por
Apollinaire, Borges e Arreola. Os dois últimos são grandes escritores de microrrelatos.
Como ocorre com a fábula, o bestiário não se considera, por sua criação temática,
como único antecedente do microconto, mas como fonte direta de todos aqueles textos
brevíssimos protagonizados por animais inventados.
Deter-nos-emos em outros tipos de narrativas breves que se podem entender como
variantes do conto tradicional, mas com características diferenciadoras, estudando a possível
relação com o microconto: o apólogo, a anedota, o aforismo, o provérbio, a parábola, o haicai,
o epigrama, o poema em prosa e o conto.
Segundo Pujante Cascales (2013, p. 55-56), Merino e Díez concordam ao dizer que o
apólogo é um possível antecedente do microrrelato. A proximidade se deve, principalmente,
pela preponderância da prosa breve, o tom sério e reflexivo, bem como a narratividade do
gênero; entretanto, o caráter didático-moral, próprio dos contistas medievais e dos
renascentistas, é o que mais o diferencia da maioria das narrativas hiperbreves. O espanhol
Martín-Santos (1970) atualiza o apólogo tradicional ao trocar sua carga didática pela ironia,
segundo Ródenas de Moya (2007, p. 85). A obra serve de exemplo de como os autores de
microrrelato dialogam com estes gêneros em suas narrações hiperbreves.
A anedota também é um tipo brevíssimo. A sua origem é oral e clássica. Durante o
Século de Ouro foram recolhidas em coleções e inseridas em novelas e obras de teatro. O
caráter biográfico das anedotas, com pessoas reais, em textos maiores, adquire especial
utilidade na caracterização dos personagens.
Os especialistas em microrrelatos citam a anedota como um dos antecedentes mais
claros da narrativa hiperbreve. Lagmanovich (Apud PUJANTE CASCALES, 2013, p. 56-67)
a inclui em seu estudo sobre os gêneros próximos ao microrrelato. Existem dois tipos: aquela
que se baseia em um acontecimento real e a fictícia, a mais próxima. Segundo Pujante
Cascales (2013, p.56-57), Tejero defende que a origem do microrrelato estaria na anedota e
que ambos compartilham o efeito surpresa. Acredita que os autores de narrativas hiperbreves
56

são herdeiros dos escritores que buscavam a anedota como meio de transmissão de saber
enciclopédico.
O aforismo, gênero cuja extensão o assemelha às narrativas hiperbreves, não tem
narração. Esta característica diferencia claramente os dois gêneros, entretanto, há alguns
elementos que os aproximam: a extrema brevidade, a escritura em prosa e a semelhança na
leitura que ambas as formas exigem. Valls (2008, p. 313), sinaliza que os livros de minificção
não devem ser lidos de uma vez, pois sua recepção exige uma leitura em pequenas doses, de
maneira similar aos poemas.
Os provérbios são ditos populares (frases e expressões), a maioria de criação anônima,
que transmitem conhecimentos comuns sobre a vida. Muitos foram criados na antiguidade,
porém relacionados a aspectos universais, utilizados até hoje. As principais características
são: oralidade, sentença breve, caráter didático e moralizador. Pela oralidade se distanciam
mais do microconto que o aforismo. A ausência do componente ficcional ainda os diferencia
mais.
Pela característica narrativa, a parábola pode-se relacionar com o miniconto e o
microconto. A sua origem é ocidental e se associa à figura de Jesus Cristo, cujas parábolas
bíblicas são arquétipo do gênero. Sua influência nos microrrelatos, para Pujante Cascales
(2013), é mais palpável que a maioria dos gêneros, precisamente porque estabelece relações
de intertextualidade com a Bíblia. Lagmonovich (2005, p. 133) define uma das possíveis
variantes do microrrelato como “escritura emblemática”. Dá este nome às narrativas
hiperbreves com uma visão transcendental da experiência humana e compara tais tipos de
microficções à parábola. Existem autores de microficção que, de forma mais ou menos fiel ao
original, utilizaram o gênero, como a de Borges: “Parábola de Cervantes y Quijote” (1974, p.
799).
Uma forma literária recente, porém muito cultivada no Oriente, é o haicai. Trata-se de
um breve poema formado por dezessete sílabas, distribuídas em três versos, que constitui uma
expressão poética popular e característica da literatura japonesa. Consolidou-se no século XII
graças aos escritos de Bashõ. No século XVIII, segundo Pujante Cascales (2013, p. 62),
destacam-se em sua escritura autores como Buson e Kobayashi. Entre o século XIX e XX o
haicai chega à Europa. Na literatura escrita em espanhol, encontramos escritores de haicai
como Paz e Benedetti; na brasileira, Leminski, Fernandes e Trevisan, dentre outros.
A ausência de narratividade seria um argumento definitivo para diferenciar o
microconto do haicai, porém existem alguns paralelismos, entretanto, há uma série de
57

características que compartilham: o poder de sugerir, a detenção em um instante, o impacto


final, a concentração extrema etc.
De origem clássica, o epigrama é outra das formas poéticas que se pode vincular ao
microconto. Nasceu na Grécia, onde inicialmente se escrevia em pedra ou metal.
Posteriormente, é cultivado em Roma, sua temática se amplia do satírico ao obsceno. Na
literatura em espanhol apareceu desde os grandes autores do Século de Ouro, como Góngora,
Quevedo, Vega; passando pelos modernistas, como Martí, Darío e Ramón (Apud PUJANTE
CASCALES, 2013, p. 62-63).
A extrema brevidade e o fato de que autores recentes o cultivam, como Cardenal
(PUJANTE CASCALES, 2013, p. 63), aproxima o epigrama do microconto. Gomes (2004)
estudou a relação entre ambas as formas literárias, concluindo que o fato de ser escrito em
verso, o separa do microrrelato, ainda sem uma importância decisiva. A proximidade das
formas literárias é inegável, porém, somente entre o epigrama e aqueles microcontos de
extensão mínima, no limite do narrativo.
Provavelmente o gênero que mais se vincula ao microconto, depois do conto, seja o
poema em prosa. Ao buscar a genealogia da microficção contemporânea, muitos teóricos
hispano-americanos encontraram nele suas raízes, nascido no século XIX. Segundo Pujante
Cascales (2013, p. 63-64), o microrrelato relaciona-se diretamente com a obra Petits poémes
en prose (1869), do francês Baudelaire, e também com a obra de outro escritor francês,
anterior a Baudelaire: Gaspard de la nuit (1842), de Bertrand. Para Pujante Cascales (2013, p.
63), Baudelaire foi quem mais contribuiu para o desenvolvimento do poema em prosa. O
gênero tem a particularidade de, apesar de uma forma lírica, utilizar o caminho expressivo da
prosa e ser breve, assemelhando-se ao microconto de tal forma que teóricos afirmam que é o
antecedente deste gênero literário.
Lagmanovich (2006a, p. 92) inclui o poema em prosa entre os gêneros próximos ao
microconto. Para o especialista, o que diferencia ambos os gêneros é a lentidão do poema em
prosa, a possibilidade de que o texto seja extenso e seu caráter descritivo, diante do narrativo
do microconto. Andres-Suárez (1995) sinaliza para o fato de que o objetivo do poema em
prosa é cantar e do microrrelato é contar. Gómez Trueba (2008), na introdução de sua
antologia de relatos hiperbreves de Jiménez, afirma que os microrrelatos do autor nasceram a
partir do aumento de narratividade dos poemas em prosa, não pela concisão dos contos.
A modalidade do microrrelato para muitos se deve incluir no conto literário. Segundo
Baquero Goyanes (1993) é o gênero mais antigo do mundo e o que mais demorou a adquirir
forma literária. No século XIX, ganha força graças ao trabalho de escritores da Europa e da
58

América que escreveram contos que pela primeira vez eram originais. Ressaltamos como
elementos imprescindíveis para o surgimento do gênero a influência do Romantismo em suas
origens, especialmente pelo trabalho da imprensa em sua difusão. Pujante Cascales (2013,
p.72) afirma que entre os nomes que se estabeleceram como os clássicos temos: Quiroga, Poe,
Maupassant, Kipling, Chejov, Wilde, Daudet, Echevarría, Gutiérrez Nájara, Alarcón, Pardo
Bazán, Clarín e Valera.
No Brasil, as origens do conto moderno estão ligadas ao tipo de produção vinculada
no jornal em meados do século XIX. Textos de cunho ficcional delimitaram seus modos e
estilo. Segundo Lima Sobrinho (1960, p.16) a

...estreita vinculação existente entre as duas atividades, a do jornalista e a do


conteur, vinculação com que se documenta a poderosa influência do periódico na
expansão e multiplicação do conto moderno, aquele que se dirige, não mais aos
círculos palacianos ou uma nobreza restrita, mas ao grande público, que se vai
acumulando nas cidades de nosso tempo e, sobretudo, a essa burguesia numerosa,
que as indústrias e as atividades urbanas despertam para uma missão política.

A aproximação entre o jornalismo e a literatura se apresenta, não só em termos


estilísticos, mas quanto ao público, ao leitor implícito, à circulação e à circunscrição social.
Para Lima Sobrinho (1960, p. 10), “se exigirmos um mínimo de qualidades literárias”, o conto
“começa mesmo com Machado de Assis”, em cinco de janeiro de 1858, com a publicação em
jornais de “Três tesouros perdidos”.
Como historiador, em seu ensaio “Instituto de Nacionalidade” (1873, p. 04), Assis
(1873, p. 04) se refere aos contos que publicara em 1870, Os contos Fluminenses (1999): “é
gênero difícil a despeito de sua aparente facilidade e creio que essa mesma aparência lhe faz
mal, afastando-se dele os escritores, e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de
que ele é muitas vezes credor”. Tal afirmação se aplica ao microconto atual.
Entre os contistas, embora a opinião de Assis seja sempre concisa, em vários prefácios
a seus livros de contos, expressa admiravelmente a sua concepção, como em Histórias da
Meia-Noite, publicado em 1873: “não digo com isto que o gênero seja menos digno da
atenção dele, nem que deixe de exigir predicados de observação e de estilo.” No prefácio de
Papéis Avulsos, publicado em 1882, escreve, em tom de humor:

Quanto ao gênero deles não sei que diga que não seja inútil. O livro está nas mãos
do leitor. Direi simplesmente que, se há aqui páginas que parecem contos e outras
que não o são, defendo-me das segundas com o dizer que os leitores das outras
podem achar nelas algum interesse, e das primeiras defendo-me com S. João e
Diderot. O evangelista, descrevendo a famosa besta apocalíptica, acrescentava
(XVII, 9): “E aqui há sentido, que tem sabedoria”. Quanto a Diderot ninguém ignora
59

que ele não só escrevia contos, e alguns deliciosos, mas até aconselhava a um amigo
que os escrevesse também. E eis a razão do enciclopedista: é que quando se faz um
conto, o espírito fica alegre, o tempo escoa-se, e o conto da vida acaba, sem a gente
dar por isso (ASSIS, 1959).

Em Várias histórias (1959), publicada pela primeira vez em 1896, manifesta no


prefácio o seu conhecimento: “o tamanho não é o que faz o mal a este gênero de histórias, é
naturalmente a qualidade; mas há sempre uma qualidade nos contos, que os tornam superiores
aos grandes romances...”.
Em consonância com Pujante Cascales (p. 72), no século XX, o conto literário
amadurece e, com o passar das décadas, torna-se objeto de estudo tanto por parte de críticos
como dos próprios autores, tais como o uruguaio Quiroga, o argentino Lugones e o espanhol
Miró. Adiante, os principais narradores do mundo hispânico e hispano-americanos levam o
gênero a uma autêntica Idade de Ouro, graças a nomes como Carpentier, Cortázar, Borges,
Rulfo, Ayala e Aldecoa. Entre os contistas das últimas décadas do século XX, cita Merino,
Mateo Díez, Fernández Cubas, Ramón Ribeyro, Bryce Echenique, Bolaños etc.
No Brasil, a antologia Os cem melhores contos brasileiros do século (2001, p. 12),
organizada por Moriconi, mostra-nos a qualidade do conto moderno no século XX.
Aperfeiçoando-se com o passar do tempo, a partir dos anos sessenta o conto explodiu em
nosso país, “uma autêntica revolução de qualidade” e quantidade. Desde a primeira metade do
século temos obras primas da ficção curta. Para Moriconi, “a velocidade narrativa, a
capacidade de nocautear o leitor..., lembrando aqui a definição de conto dada pelo mestre
Julio Cortázar, fizeram do gênero o espaço literário mais adequado à tradição dos sentimentos
profundos e das contradições que agitaram nossa alma basicamente urbana...”
Há certo desentendimento entre escritores, críticos e teóricos quando se pretende
definir conto. Poe (Apud KIEFER, 2009, p. 11-15), afirma que sua eficácia depende da
intensidade dos acontecimentos, desprezando-se comentários e descrições acessórias, diálogos
marginais e considerações posteriores, que destroem a estrutura da narrativa curta. A
brevidade é essencial, o autor deve conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeito.
Cortázar teorizou extensamente sobre o gênero em uma conferência em Cuba, em
1962, com o título de “Algunos aspectos del cuento” (In: ZAVALA, 1993, p. 303-324).
Assinala que os escritores de conto demarcam em um fragmento reduzido a realidade como os
fotógrafos. Outros elementos que caracterizam o conto são a condensação de tempo e de
espaço, a intensidade e a tensão ao tratar de determinado tema.
60

Quanto à dependência ou não do microconto com respeito ao conto, as posturas são


variadas. Roas (2008, p. 52) afirma que estas características não são exclusivas do
microrrelato, aparecem também no conto e com a mesma função. Lagmanovich (2006a, p. 34)
tem opinião contrária. Acredita que o microconto deriva do conto, porém não é um subtipo
nem o substitui. Devemos reconhecer tanto a inegável relação do microconto com o conto,
como a presença de características próprias e diferenciadoras.
A nossa intenção é esclarecer as semelhanças e as diferenças existentes entre a
narrativa hiperbreve e outros gêneros de origem mais antiga. A indefinição que acompanha
nosso objeto de estudo é significativa. Apesar disso, assinalamos que, mesmo acreditando que
o microconto é uma realidade diferente dos citados gêneros, muitos influíram, em maior ou
menor grau, na sua formação. O microconto, por seu caráter híbrido, se utiliza de outros
gêneros literários e com eles se reinventa constantemente. É uma de suas características mais
acentuadas, principalmente em relação ao conto moderno. Lagmanovich (2006a) conclui que
o microconto é outro gênero, consolidando-se porque há livros só deles. Concordamos com
Lagmanovich.

2.2 Nomenclaturas usadas por escritores e teóricos

Autores, críticos e teóricos hispano-americanos e hispânicos ainda não chegaram a


um consenso, propõem chamá-las de minificção, miniconto, microrrelato, microconto, conto
brevíssimo, relato hiperbreve, dentre outros. Eles têm em comum a ideia de concisão,
instantaneidade, hibridez e, em consonância com Calvino (1990), leveza, rapidez, exatidão,
visibilidade e multiplicidade; trata-se de textos narrativos ficcionais, cuja hiperbrevidade é sua
característica chave.
Koch (1981) propõe o nome de microrrelato, pela vantagem de oferecer um
significado mais amplo que o microconto. Epple, organizador de antologias, no prólogo de
sua Brevísima relación del cuento breve de Chile (1989), menciona as dificuldades de
definição do conto, sinalizando, consequentemente, a dificuldade ainda maior em delimitar o
microconto (nomenclatura que usou no título de duas antologias, 1990 e 2002). O crítico
chileno aponta que o conto brevíssimo é tributário de uma ampla gama de expressões
narrativas, tanto da tradição oral quanto da escrita. Esta modalidade do discurso fictício já
consolidou um amplo corpus na narrativa hispano-americanas, e não como expressão criativa
61

meramente auxiliar (EPPLE, 1989, p, 07). Apesar de incluir nos títulos de alguns livros a
palavra ‘microconto’, Epple (2010) declarou em uma entrevista que prefere a denominação
‘minificção’, porque engloba outras categorias usadas. Afirma também que para uma
minificção eficaz, é necessário possuir astúcia e precisão.
Valls (2001) chama de microrrelato o texto que ocupa no máximo uma página para
que o leitor possa abarcá-lo de uma só vez. Caso o texto se estenda, devemos classificá-lo
como conto. Sua hiperbrevidade nasce de uma necessidade narrativa, não da imposição de não
superar uma página impressa.
Lagmanovich (2006a), por sua vez, usa tanto a denominação microrrelato quanto
microconto. Ele define o microconto como brevíssima construção narrativa, muitas vezes de
um só parágrafo; conto concentrado ao máximo; relato essencial, exigente para com o leitor;
sua extensão é variável, pode constar poucas palavras até um ou dois parágrafos, menos de
uma página até uma página e meia ou duas – nestes exemplos mais extensos, segundo nosso
ponto de vista, não retrata o microconto brasileiro. A forma compacta de um parágrafo de
extensão ou pequenos parágrafos com menos de meia página é a escolha favorita dos
escritores de narrativas hiperbreves.
Rojo (2009) não fala em microrrelato, mas de miniconto, a narrativa com as seguintes
características: brevidade extrema, economia de linguagem e jogos de palavras, representação
de situações que exigem a participação do leitor e caráter híbrido. Zavala (1996) se baseia
nos livros constituídos exclusivamente por minificção, como os chama, ou que se encontram
agrupados sob epígrafes e utiliza o termo fractal. Uma série fractal, em termos de minificção e
microconto, é aquela em que cada texto é literalmente autônomo, não exige a leitura de outro
fragmento da série para se apreciar, porém, conserva características formais comuns com o
resto. Para Zavala, está em jogo nesta estrutura literária a sua extensão muito breve,
geralmente de duas linhas a uma página impressa. Cada texto pressupõe um conjunto de
elementos temáticos e formais que o definem como indissociavelmente ligado à série a qual
pertence. Observou que existem ao menos três características em comum: uma proposta
temática e formal aos textos da série (incluindo extensão específica); a presença constante de
humor e ironia, os quais fazem parte da característica geral do miniconto pós-moderno, e um
alto grau de intertextualidade, geralmente explícito.
Percebemos que tanto as nomenclaturas quanto a extensão dos microcontos são
variáveis. Teóricos e escritores hispano-americanos e hispânicos têm opiniões divergentes.
Lagmanovich (2006a) se aproxima mais de nosso objeto de estudo ao considerar que a forma
62

compacta de um parágrafo de extensão ou de pequenos parágrafos com menos de meia página


é a preferida dos escritores de narrativas brevíssimas.
63

3 MICROCONTOS NO BRASIL

Quando nos propomos a estudar teoricamente o microconto, entramos na discussão de


aspectos constitutivos de variados gêneros de ficção reduzidas, com o intuito de buscar uma
terminologia e, na comparação dos mecanismos discursivos dos textos, uma aproximação ou
um distanciamento, de modo a legitimar tanto a nomenclatura quanto a teoria que se reporta a
ele. Essas formas encontram-se na base discursiva do microconto em maior ou menor grau,
entretanto, o conto se aproxima mais, inclusive, a palavra ‘microconto’ carrega em si essa
ligação, o diferenciador é o prefixo ‘micro’, o que faz toda diferença. Apesar da proximidade
com o conto, o microconto é antropofágico, bebe em todos os gêneros e formas de expressão
artística, assim, enriquecendo-se.
No Brasil, usa-se com mais frequência as terminologias miniconto, minificção,
microconto (micro-história e micronarrativa, nomenclaturas também usadas na tese) e
microficção para nomear as narrativas hiperbreves. Percebemos que os elementos vocabulares
fundamentais oscilam entre ‘conto’ e ‘ficção’; os prefixos, entre ‘mini’ e ‘micro’. Há certa
diferenciação de carga semântica nos prefixos, a saber: ‘mínimo’ e ‘microscópico’,
respectivamente.
O emprego dessas nomenclaturas se intensificou há pouco tempo, com a força da
difusão em livros, blogs, twitters e outras redes sociais, entretanto, são raros os debates e
estudos teóricos, principalmente, sobre microconto. Os poucos estudos acadêmicos, teses e
dissertações preferem usar nomenclaturas mais abrangentes, como minificção e miniconto,
como também centralizam suas pesquisas, muitas das vezes, nas obras: Contos de Amor
Rasgados (1986), de Colasanti; Ah, é? (1994), de Trevisan; Mínimos, múltiplos, comuns
(2003), de Noll; e Os cem menores contos brasileiros do século (2004), antologia organizada
por Freire. Assim, necessitamos entender o que os teóricos e os escritores brasileiros
entendem por narrativas micros, bem como recorremos a obras de escritores contemporâneos
a fim de buscar aporte para mostrar que o microconto é uma realidade dentro da literatura
brasileira atual, impressa e digital.
O hábito de ouvir e contar histórias acompanha a humanidade no tempo e no espaço.
Pode-se afirmar que todos os povos, em todas as épocas, cultivaram seus contos. Inicialmente
anônimos, preservados pela tradição, mantiveram costumes e valores, contribuíram para
explicar a história e a cultura das sociedades.
64

Da compilação dos contos mais conhecidos de As Mil e uma Noites (GALLAND,


2000), no final da Idade Média, aos contistas contemporâneos, a narrativa curta é recebida
com especial interesse pelos leitores. De acordo com os movimentos artísticos que cada época
produziu e os estilos dos autores, novos contos surgiram, diferenciando-se dos populares e
infantis, como os de terror, os de mistério, os sombrios, os fantásticos, os de humor, os
cômicos, os religiosos, os realistas, os regionalistas, os psicológicos, os minimalistas etc.
São poucos os estudos específicos acerca da produção brasileira dos contos
brevíssimos. Schollhammer (2009), dedica-se aos estudos críticos em torno da literatura
produzida no Brasil nas últimas três décadas, até a produção recente, na qual inclui o
miniconto e, sem se aprofundar, o microconto. Para o autor, o lançamento do livro Geração
90: manuscritos de computador (OLIVEIRA, 2001), sugere, apesar de não haver nenhuma
tendência clara que unifique os contistas (a não ser pela heterogeneidade e pela temática
voltada para a sociedade e a cultura da geração a qual pertencem), duas hipóteses sobre a nova
geração literária: no subtítulo da coletânea de contos há indicação de

que a nova tecnologia de computação e as novas formas de comunicação via Internet


provocaram nessa geração uma preferência pela prosa curta, pelo miniconto e pelas
formas de escrita instantâneas, os flashes e stills fotográficos e outras experiências
de miniaturização do conto. Este traço remete a segunda hipótese sustentada pela
antologia, sugerindo que a geração da década de 1990 retoma o exemplo da geração
de 1970, que teria produzido o primeiro grande boom do conto brasileiro com
autores que hoje podemos chamar de clássicos contemporâneos: Dalton Trevisan,
Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Sérgio Sant’Anna, Roberto Drummond,
João Antônio, José J. Veiga, Murilo Rubião (OLIVEIRA, 2001, p. 36).

Concordamos com as hipóteses de Schollhammer, entretanto, no que diz respeito à


prosa curtíssima, entre os escritores participantes da coletânea (Marçal Aquino, Almicar
Bettega Barbosa, João Carrascoza, Sérgio Fantini, Rubens Figueiredo, Marcelino Freire,
Altair Martins, João Batista Melo, Marcelo Mirisola, Cíntia Moscovich, Jorge Pieiro, Mauro
Pinheiro, Carlos Ribeiro, Luiz Ruffato, Pedro Salgueiro e Cadão Volpato), Fernando Bonassi
foi quem mais lançou mão da concisão extrema, um dos traços caracterizadores do
microconto. As narrativas, num total de vinte e uma, possuem de nove a dez linhas.
Schollhammer afirma que, para a nova tendência do microconto, os autores mais
novos como Bonassi, Freire e Volpato são as referências, entretanto, não descarta clássicos
como Tavares, Trevisan e Arêas, que enveredaram pela narrativa brevíssima, com O mandril
(1988), Ah, e? (1994), Trouxa frouxa (2000), respectivamente.
No final do século XX, este tipo de texto narrativo brevíssimo ganha força no cenário
brasileiro. A velocidade do nosso tempo, com o advento da tecnologia da informação e da
65

comunicação, abriu espaço para uma nova forma de criação textual acelerada. Não afirmamos
com isso que a literatura se limite a essa representação do nosso tempo, mas que a narrativa
extremamente breve, aquela que não excede meia página (a exemplo da obra Curta
metragem: 67 microcontos, 2006, de Rossatto), é uma realidade praticada por bons escritores
e recebida com entusiasmo pelos leitores.
Seabra (2010, p. 01) afirma que a “micronarrativa tem ingredientes do nosso tempo,
como a velocidade e a condensação...”. Há o poder da concisão, mas a liberdade da prosa. O
desafio é contar uma história em poucas palavras. Existem autores que estipulam o limite de
até cento e cinquenta toques para os microcontos (contando letras, espaços e pontuação) e
trezentas palavras para os minicontos; e outros, seiscentos caracteres. Nada é rigoroso,
depende do escritor ou dos critérios editoriais. O limite de cento e cinquenta caracteres, a
princípio, foi estabelecido porque cabe no formato de texto do celular. Hoje se usa mais o
limite de cento e quarenta toques, possibilitando o envio pelo twitter – grande difusor dos
microcontos.
Para Seabra (2010, p. 01), os microcontos são, antes de tudo, uma brincadeira,
entretanto, ao nos debruçarmos sobre as micronarrativas de bons autores, percebemos pura
literatura, aquela que encanta o leitor e o convida para coautor. Escritores consagrados “já
brincaram nessa seara, como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Millôr Fernandes, Dalton
Trevisan, ainda sem pensar no conceito de ‘microcontos’”. Carlos Drummond de Andrade
dizia que “escrever é cortar palavras”, o norte-americano Ernest Hemingway aconselhou
“corte todo o resto e fique no essencial” e João Cabral de Melo Neto, que devemos “enxugar
até a morte”. Em seu blog, Bertocchi (s.d, p.01) escreve:

Seguindo à risca a lição dos mestres, chegamos aos microcontos: ‘miniaturas


literárias’ que cabem em panfletos, filipetas, camisetas, adesivos, postes, muros,
tatuagens, cartão postal, hologramas, desenhos animados, arquitetura, instalação,
música... e que podem ser lidos no ônibus, no metrô e... nas telas do computador (cá
entre nós, um prato cheio para propostas de ensino de literatura e integração com as
novas tecnologias).

Concordamos com Bertocchi, o ensino de literatura a partir de microcontos é capaz de


produzir no estudante o gosto pela leitura, inclusive dos livros clássicos, e pela produção
textual. Não entregamos em mãos “inocentes” obras de Machado de Assis, por exemplo, antes
de prepararmos o terreno para que o gosto pela leitura germine. O aluno incentivado a ler e
produzir microcontos, com um projeto adequado, poderá aprender a gostar de Machado e/ou
de outros. O microconto, explica Seabra (2010, p.01),
66

é como uma ligação muito forte através de um furinho de agulha no universo, algo
que permite projetar uma imagem de uma realidade situada em outra dimensão.
Como se por meio desse furo, dois cones se tocassem nas pontas, um menor, que é o
que está escrito no microconto, e outro maior, que é a imaginação a partir da leitura
– pois, mais do que contar uma história, um microconto sugere diversas, abrindo
possibilidades para cada um completar as imagens, o roteiro, as alternativas de
desdobramento.

Tanto a leitura quanto a escrita de um microconto é um exercício que exigirá do


estudante criatividade e poder de síntese, além de proporcionar uma brincadeira divertida
(mas não fácil) à medida que abre diversas possibilidades para cada um suplementá-lo de
acordo com conhecimentos prévios e criatividade.
Quando avaliamos um microconto, com qualquer tamanho, procuramos personagens,
conflito, narratividade, humor, dramaticidade ou pelo menos um final enigmático, tudo de
forma muito concisa. Tais características, não necessariamente estão escritas, mas sugeridas.
Entre o escrito e o sugerido, nasce o microconto de impacto. Não que obrigatoriamente um
microconto com até cento e cinquenta caracteres será melhor do que um de meia página. A
maestria está na relação entre o menor número de palavras e o maior número de significados
possíveis.
Segundo Blasina (s/d, p. 01), a narrativa brevíssima se adequa à necessidade de
acompanhar a velocidade tecnológica do mundo moderno, utilizando-se das ferramentas
disponíveis e compatíveis com sites e microblogging com grande popularidade, alcançando,
consequentemente, milhares de leitores. Assim,

[...], o microconto funciona como uma espécie de intervenção literária minimalista,


pois invade a vida digital e impõe-se, causando surpresa desde o primeiro momento.
É também uma forma de estimular a leitura com cápsulas literárias de fácil
publicação, rápida leitura, mas não necessariamente rápida compreensão, pelo
contrário: a microliteratura é muito mais complexa do que pode julgar um olhar
superficial – os textos sucintos têm como objetivo trazer um instante de reflexão em
meio a toda a massa de informações (...) dos meios digitais. É como um estalo de
consciência, um breve despertar da percepção e do imaginário do leitor[...]

O recorte do artigo de Blasina retrata, com propriedade, o valor do microconto dentro


da sociedade atual. Uma narrativa extremamente concisa não significa falta de conteúdo,
leitura e escritura fácil. É capaz de estimular a reflexão, a criatividade e fascinar tanto leitores
quanto escritores.
Nem toda narrativa brevíssima é um microconto. A maioria dos autores defendem que,
para considerar-se um microconto, um texto deve conter: concisão, narratividade, totalidade
(um todo significativo), subtexto (implícito), ausência de descrição (exceto se extremamente
essencial), retrato do cotidiano e final impactante.
67

Rodrigues escreveu o artigo Apontamentos sobre o microconto (2011), no qual reflete


sobre o microconto brasileiro contemporâneo. O texto é o que temos de mais significativo
sobre o microconto na atualidade: primeiro porque escrito por um professor doutor em
estudos literários, que leciona literatura brasileira da Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, ou seja, do meio acadêmico; e segundo, dedica-se exclusivamente a detalhar a existência
e as características do microconto no Brasil, diferente de algumas dissertações e teses de
doutorado que usam nomenclaturas com o prefixo mini, portanto, mais abrangente, para tratar
das narrativas brevíssimas.
Segundo Rodrigues, o microconto destaca-se na atualidade “como subgênero da prosa
ficcional com imensa divulgação, centenas de cultores e milhares de publicações nas mídias
sociais.” (p. 565). Por meio de vinte e nove aforismos, o autor faz um levantamento das
principais características do microconto no Brasil:

1. O microconto é uma casca de ovo, com alguma clara e um pingo de gema


que escorreu, boiando na enxurrada escura sob a luz noturna da lua minguante.
2. O microconto já existia em sociedades ágrafas; na sequência, podemos vê-lo
em Tales e em Heráclito, assim como em Hesíodo e em Safo.
3. O microconto foi praticado em todos os períodos da humanidade, oculto nas
dobras de outros gêneros e formas.
4. O microconto marca a ascensão do mundo digital, eletrônico, computacional,
internético, que sepulta – sem ultrapassar – o universo das máquinas mecânicas.
5. O microconto é alexandrino por essência, e se vale da ambiguidade do ocaso
que é aurora.
6. É desse microconto, que sepulta o albatroz baudelairiano erigindo bytes
virtuais, de que falamos.
7. O microconto só se faz – de modo intenso e completo – com o espírito da
virtualidade, mas se presentifica independente do suporte e do media.
8. O microconto é a fronteira da expressão literária, no limes entre poesia e
prosa, entre épica e elipse, entre a rigidez do amor e a sinfonia atonal.
9. O microconto, mesmo aquele que se aproxima do humor mais escrachado,
tem algo de soturno.
10. O microconto absorve todas as formas, fôrmas, gêneros e modos de
expressão de todas as artes: é antropofágico e onívoro.
11. O efeito único do microconto é como um raio de sol que se refrata em todas
as cores do arco-íris.
12. O microconto apresenta tantas menções intertextuais quantas são as palavras
que o compõe. Onde se lê intertexto, leia-se hipertexto.
13. O microconto é o nó da rede: cada nó nunca é mais que uma fração mínima
de um possível narrativo: o microconto é fóton que contém o universo.
14. No microconto, os hipertextos intertextuais que suplementam em acréscimo,
debate ou derrogação presentificam-se como a sombra de um eclipse.
15. O microconto é silêncio, alma, morte e ressurreição.
16. O microconto transpõe barreiras, sendo o próprio limes.
17. A história submersa do microconto é um mergulho em desvãos pressentidos,
porém insondáveis.
18. O microconto realiza todos os gêneros literários, todas as formas poéticas,
todas as estratégias narrativas; o microconto é um fractal que convida o leitor para a
contradança.
19. Não existe microconto de atmosfera ou de enredo: todo microconto persegue
um enredo forjando uma atmosfera.
68

20. O microconto é o encontro da poesia com a prosa no balbucio do recém-


nascido.
21. No microconto não há uma história evidente e uma segunda história, secreta
– jamais fragmento, há no microconto o encontro de diversas histórias, ou
microconto não há.
22. Se a narrativa tem mais que a epifania após o clímax, não é um microconto.
23. Se a epifania do microconto fulge, o microconto vira um falso fogo-de-
artifício.
24. O microconto pode ser um haiku, mas ao contrário do haiku, que morre se
recebe um título, o microconto sem título fica manco das duas pernas.
25. O microconto pode ser lido em uma única risada.
26. O microconto, ainda que encene um dia radioso, de sol escaldante, no meio
da tarde, é um gênero noturno.
27. O microconto é inapreensível. Toda arte é. A arte, em seu recorte, representa
uma totalidade fechada, autônoma – e oxímora, referencial. O microconto também é
totalidade.
28. O microconto coalesce nos limites da poesia e da narrativa, incorporando e
transformando formas simples e subgêneros literários, formatando-se como um novo
gênero.
29. O microconto é a poalha em réstia de luz nos escombros de uma casa em
ruínas (RODRIGUES, 2011, p. 566-569).

Citamos todos os aforismos pela singularidade de cada um. Para fazer o levantamento
das características do microconto brasileiro, Rodrigues (2011, p. 569) estudou obras de
autores que já alcançaram reconhecimento pelas realizações literárias. Por meio dos
aforismos, percebemos a relevância dessa forma de micronarrativa. Não falamos de algo
vazio de significado, mas de uma maneira de expressão textual que carrega em si um mundo
de ressignificação de outros gêneros, “formatando-se como um novo gênero”.
Rodrigues (p.569) afirma, inicialmente, que “o microconto tem-se destacado nos
últimos tempos, no Brasil, como subgênero da prosa ficcional...”, entretanto, à medida que
suas reflexões avançam, nos deparamos, no final do vigésimo oitavo aforismo, com a
informação de que o microconto está “..., formatando-se como um novo gênero”. A partir da
constatação, como também dos estudos de Bakhtin e pelo fato de a Academia Brasileira de
Letras (ABL) ter aberto as portas para essa nova forma literária ao realizar o concurso
ABLetras em 2010, trataremos o microconto como gênero textual.
O Concurso Cultural de Microcontos do ABLetras objetivava que os participantes
escrevessem microcontos, com tema livre, com até cento e quarenta caracteres. No total,
foram recebidos dois mil, duzentos e noventa e três microcontos. Vilaça (2010, s.d), então
presidente da ABL, afirmou que “o sucesso do concurso de microcontos justifica plenamente
a iniciativa da Casa em se abrir para novas tecnologias em favor da literatura brasileira. (...) A
qualidade dos trabalhos foi ótima...”. O discurso do Acadêmico reconhece que a produção de
microcontos em blogs e em outras plataformas e mídias da internet é uma realidade e, pelo
69

resultado do concurso, há muitos bons autores, consequentemente, não podem ser ignorados
pela Academia. Quem ganha é a literatura brasileira.
No concurso não se exigiu título, como em muitos microcontos impressos e digitais.
Entendemos que o título acrescenta mais totalidade ao microconto, entretanto, sem ele, mais
esmero o escritor deve dedicar à escrita para que obtenha o efeito estético da micronarrativa.
Calvino (1988) reúne cinco conferências nas quais propõe determinados valores
literários: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. A última não
foi escrita porque o autor faleceu. No segundo capítulo, o autor discorre sobre a importância
da rapidez na literatura. Destacamos o seguinte trecho, pela sua singularidade em relação ao
microconto:
Borges e Bioy Casares organizaram uma antologia de Histórias breves e
extraordinárias. De minha parte, gostaria de organizar uma coleção de histórias de
uma só frase, ou de uma só linha apenas, se possível. Mas até agora não encontrei
nenhuma que supere a do escritor guatemalteco Augusto Monterroso: ...[Quando
acordou, o dinossauro ainda estava lá] (CALVINO, 1988, p. 64).

A rapidez almejada por Calvino se realiza intensamente nas produções literárias dos
microcontistas pelo mundo afora, inclusive no Brasil, tanto impressas quanto digitais,
poupando o leitor de determinados detalhes em favor do ritmo, da essência narrativa, levando-
o a transitar num campo de forças: um liame verbal (uma palavra que dê a ideia de
continuidade) e um narrativo (elemento capaz de sustentar a narrativa criando uma relação
lógica entre causa e efeito). Há também uma preocupação com a estrutura e o estilo para
alcançar a força sugestiva, a relação entre velocidade física e velocidade mental em que o
leitor imagina a história ou as histórias. Outra questão é a relatividade do tempo, ora dilatado,
ora contraído, ora linear, ora descontínuo. A rapidez é vista por Calvino (1988, p. 47) como
“um nó de uma rede de correlações invisíveis”.
Não só a rapidez, a concisão do estilo do microconto agrada porque apresenta ao leitor
um turbilhão de ideias simultâneas, ou então a sucessão é tão veloz que parece simultânea,
ondeando em abundantes pensamentos, reflexões, imagens e sensações. Por isso, quase
sempre, não consegue abarcá-los de uma só vez, porque não a tempo de isentar sensações.
Para Calvino (1988, p. 55), “a excitação das ideias simultâneas pode ser provocada tanto por
uma palavra isolada, no sentido próprio ou metafórico, quanto por sua colocação na frase, ou
pela sua elaboração, bem como pela simples supressão de outras palavras ou frases etc”.
O êxito do escritor de microconto está na expressão verbal que, em geral, implica uma
paciente procura da frase com elementos insubstituíveis, do encontro de sons e conceitos mais
eficazes e plenas de significados. Trata-se da busca de uma palavra ou expressão necessária,
70

única, densa, concisa, memorável. É verdade que a extensão ou brevidade de um texto são
critérios exteriores, mas a densidade do microconto é singular. Há o máximo de invenção e de
pensamento concentrados em poucas linhas.
O microconto representa uma forma de “fazer” literatura consonante com a realidade
contemporânea das novas tecnologias de comunicação e de informação, considerando o seu
caráter de narrativa brevíssima, entretanto, como disse Rodrigues (2011, p. 566), o
microconto já existia em sociedades ágrafas, em Tales, em Heráclito, em Hesíodo e em Safo.
Decidimos voltar para a década de setenta, para Colasanti e Trevisan, porque, em diversos
momentos e obras, escreveram contos extremamente condensados, nos quais as palavras
sugerem mais do que dizem, conduzindo o leitor a diferentes labirintos a fim de construir as
significações e preencher os vazios.
Procuramos, inicialmente, buscar referências em livros impressos de autores que
privilegiaram o emprego mínimo de formas e o uso do essencial para a composição de suas
narrativas. Começaremos com Colasanti, uma das autoras mais lidas no Brasil. A partir da
publicação de Zooilógico (1975), a autora expõe sua preferência pelos contos breves e
brevíssimos. A extensão das narrativas varia entre doze palavras, sem contar o título,
(denominados hoje de microcontos) e quatrocentos e quarenta palavras, aproximadamente
(minicontos), porém, sem indicação do gênero. Em 1981, o livro foi relançado com o título
Zooilógico Mini Contos Fantásticos (1985), ou seja, sinalizando ao leitor que se trata de
contos breves e fantásticos. Abaixo, o mais breve, o qual se consideraria hoje microconto:

41. história só com princípio e fim

Bastou vê-lo a primeira vez para saber que havia chegado seu fim (1975, p.82).

No título está implícito que, na história, não há meio, sinalizando que se trata de uma
narrativa breve. Ao olharmos a extensão do texto, percebemos quão brevíssimo é. Em
consonância com um dos aforismos de Rodrigues, lemos essa micro-história “em uma única
risada”. Indo mais além, o “microconto é silêncio, alma, morte e ressurreição”
(RODRIGUES, 2011, p. 567-568). Afinal, quem viu? Sobre quem foi visto, sabemos apenas o
sexo, tanto pode ser homem ou animal. O uso do pronome possessivo na terceira pessoa do
singular antes da palavra “fim” cria ambiguidade. Não sabemos se chegou o “fim” do
personagem que viu ou do visto, nem também o que provocou a conclusão final de quem viu.
Será um encontro entre o predador e sua presa? Enfim, o implícito gera interrogativas diversas
71

que, por sua vez, criam inúmeras possibilidades de leituras, consequentemente, encontros de
várias histórias.
Características como brevidade, concisão extrema, narratividade, ficcionalidade,
implicitude, intertextualidade, final surpreendente, participação ativa do leitor etc, se tornaram
marca registrada em outras obras de Colasanti, a exemplo de Contos de Amor Rasgados
(1986), composto por contos curtos, minicontos, segundo consta no prefácio. Ao lermos a
obra, deparamo-nos com diversas narrativas que dizem muito em poucas palavras,
provocando e pedindo a cumplicidade do leitor para além do ponto final. Como em
Zooilógico, há não só minicontos, mas também microcontos. O próprio título do livro dá tal
liberdade, pois se os contos são rasgados, trata-se de algo que ganhou uma extensão menor ou
muito menor. Quanto ao conteúdo narrativo, coisas não foram ditas, apenas sugeridas. É um
convite para a contradança, para preencher os vazios deixados propositalmente. Tomamos
como exemplo a narrativa “A paixão da sua vida” (COLASANTI, 1985, p. 87):

Amava a morte. Mas não era correspondido.


Tomou veneno. Atirou-se de pontes. Aspirou gás. Sempre ela o rejeitava, recusando-
lhe o abraço.
Quando finalmente desistiu da paixão entregando-se à vida, a morte, enciumada,
estourou-lhe o coração.

Não há título, consequentemente, a micronarrativa contém toda a essência. Em apenas


trinta e cinco palavras, Colasanti conta a micro-história dramática de um personagem que
amava a morte. A brevidade do microconto determina outras características além da
narratividade: concisão, depuração, intensidade e potencialização. O tempo e o espaço são
reduzidos drasticamente por meio das elipses, elevando o grau de concentração e de
densidade. A radicalização em sua estrutura, própria da literatura microcontista, determina um
final surpreendente, revelador ou desconcertante.
Não sabemos seu nome. Tal informação é dispensável, ao contrário do sexo. Trata-se
de um homem, como percebemos pelo verbo “correspondido” e do pronome oblíquo “o”.
Qual a importância da informação para o leitor? É essencial para o entendimento? O tema é
universal, qualquer pessoa que, por algum motivo, não vê sentido na vida, poderá desejar a
morte, entretanto, a história narrada é direcionada ao sexo masculino para que o leitor perceba
que os sentimentos extravasam as aparências de realidade do senso comum de que a mulher é
a maior detentora de atos depressivos, trágicos etc. O narrador só contou o essencial, há outras
histórias implícitas, cabendo ao leitor escrevê-las a partir do sugerido.
72

Entre outros livros de minicontos lançados, Colasanti volta a gênero ao lançar Hora de
alimentar serpentes (2013, p. 341), com narrativas breves e brevíssimas, a exemplo do
microconto:

O pianista cego

Não enxergava as teclas. Via os sons.

Com sete palavras, sem contar o título, a escritora conta a história de um homem que,
mesmo não enxergando as teclas, se tornou pianista por possuir a capacidade de “ver”, em
sentido figurado, os sons. Trata-se de um pianista cego pela indicação no título,
consequentemente, faz parte da micronarrativa. Ao leitor fica as interrogações: como alguém
que não enxerga pode ver o som, se nós, que enxergamos, não temos essa capacidade? O
verbo “ver” está empregado com o sentido de ouvir ou de sentir pelo tato, do som que cada
tecla emite? No microconto, Colasanti, intencionalmente ou não, induz o leitor a buscar em
sua bagagem cultural pessoas possuidoras de tais dons, como o pianista e cantor norte-
americano Ray Charles e o pianista e compositor japonês Nobuyuki Tsujii.
As obras do aclamado escritor curitibano Trevisan também são marcadas pela
concisão, pelas narrativas curtíssimas com o intuito da interação entre o leitor e sua obra, na
medida em que tudo o que não é dito ou silenciado cria vazios que convidam o leitor a
preencher criativamente, a dialogar com o texto. Mesmo que a intenção do autor não tenha
sido a escritura do microconto tal qual o conhecemos hoje, não se pode negar a sua existência.
A partir de Cemitério de elefantes (1964), notamos na linguagem e no estilo do
escritor o jeito de podar suas narrativas até chegar ao estritamente essencial. Com Abismo de
Rosas (1976), inaugura uma fase nova que marcará definitivamente a sua obra, a síntese. Tal
tendência formal acentua-se em Ah, é? (1994), composto por 187 “ministórias” (p. 03) -
subtítulo dado pelo autor -, com narrativas fragmentadas, minúsculas sequências, algumas em
forma de trocadilhos, imagens inusitadas etc.
Para nosso objeto de estudo, selecionamos, de Ah é? (p. 122), o texto de número 166:

O velho em agonia, no último gemido para a filha:


- Lá no caixão...
- Sim, paizinho.
- ...não deixe essa aí me beijar.

Há extrema rapidez que permite poupar o leitor de determinados detalhes em favor do


ritmo, da concisão extrema. A história é contada com vinte e uma palavras; uma rede de
implicitudes, permitindo que o leitor transite entre as ideias contidas na micronarrativa: o
73

velho em agonia, o último pedido à filha, já dentro do caixão, para não deixar determinada
mulher beijá-lo. A escolha das palavras essenciais, representa o necessário para compreensão,
o resto cabe à imaginação do leitor, possibilitando múltiplas interpretações. Valorizam-se os
sinais gráficos e de pontuação; a narratividade, o final surpreendente, as várias histórias no
rastro, ou seja, o homem está “em agonia” por que sente a dor da morte ou por que não quer
ser beijado pela mulher presente? Qual acontecimento levara este homem, já velho, a fazer tal
pedido? Enfim, poderíamos levantar uma infinidade de perguntas e outras tantas respostas.
E a história explícita, que fatos são narrados? A frase “Lá no caixão...” significa
realmente que o homem se encontra dentro do caixão ou que está prestes a morrer,
agonizando? Tomando a micronarrativa como um todo, o leitor pode perfeitamente
depreender que, em seus últimos momentos de vida, um homem velho, ao sentir a agonia da
morte, pede à filha que, quando estiver “Lá no caixão...” (morto), não deixe uma pessoa do
sexo feminino, identificada como “essa aí”, portanto, próxima, como também presente no
momento do “último gemido”, beijá-lo. Como se percebe, é uma narrativa ultrabreve com as
características essenciais do microconto. Não afirmamos que Trevisan tenha escrito esse
texto, dentre outros de características semelhantes, com tal intenção. Ele, como mencionamos,
usou a terminologia “ministórias” em Ah, é?.
O objetivo, ao iniciar os estudos sobre microconto com livros de Colasanti e Trevisan,
foi mostrar que o microconto está presente em obras de autores renomados desde a década de
1970, apesar de usarem terminologias abrangentes como miniconto, minificção, dentre outras,
provavelmente porque as obras contêm narrativas de extensão e características formais
variadas.
Escreve Freire, antes do prefácio do livro Os cem menores contos brasileiros do século
(2004), sobre o microconto de Monterroso “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá.”:

O mais famoso microconto do mundo... tem só 37 letrinhas. Inspirado nele, resolvi


desafiar cem escritores brasileiros, deste século, a me enviar histórias inéditas de até
cinquenta letras (sem contar título, pontuação). Eles toparam. O resultado aqui está.
Se “conto vence por nocaute”, como dizia Cortázar, então toma lá.

No título do livro organizado por Freire não consta a nomenclatura microconto,


entretanto, na abertura, se refere assim à narrativa brevíssima de Monterroso, que lhe serviu
de inspiração para propor a cem autores brasileiros a escritura de microcontos. Moriconi
(2000), convidado para prefaciar a antologia, não deixou por menos. Com exatas cinquenta
palavras, caracteriza com maestria o microconto na atualidade: “É no lance do estalo que a
cena toda se cria”, ou seja, a história completa é narrada em um instante, com a rapidez de
74

uma cena fisgada pelas lentes de uma máquina fotográfica. Comparando à poesia, acrescenta:
“...é uma frase ou duas e uma paisagem inteira por trás.” Narra-se o essencial, mas há toda
uma história, ou várias, por trás do dito ou apenas sugerido, a “paisagem”, da qual fala
Moriconi. Sem ela, o microconto não existe. Afirma o autor sobre o livro de Freire: “São
pílulas ficcionais, e das melhores.” Refere-se à rapidez das micronarrativas, que poupa o leitor
de detalhes a favor do ritmo e da concentração, ao denominá-las “pílulas ficcionais”,
remetendo também a algo que se realiza em um só gole. Não são quaisquer pílulas, são “das
melhores”, capazes de divertir e pedir cumplicidade.

3.1 Microconto: um novo gênero textual

A fim de sustentar a tese de que o microconto é um gênero textual, recorreremos aos


gêneros como modalidade de expressão, agrupada em função das diferentes maneiras de o
escritor ver e sentir o mundo. A escolha de um gênero permite ao autor passar sua visão de
mundo (trágica, cômica, exaltativa, romântica, satírica etc) a partir de uma forma específica
(tragédia, comédia, epopeia, romance, conto, poema etc), servindo, inclusive, para direcionar
o leitor na escolha da forma de sua preferência.
Cada época histórica, conforme as características socioculturais predominantes,
representa e interpreta o mundo, possibilitando uma maneira de expressão artística específica
e, às vezes, a hegemonia de certo gênero literário. Por exemplo, no período clássico houve
predomínio do poema épico e da tragédia, tendo em vista que, nesses gêneros, os heróis
pertenciam à classe social elevada, representavam no plano literário a aristocracia detentora
do poder. No século XIX, com a ascensão da burguesia, ocorre o predomínio do romance, à
medida que representa tal universo, e a criação do drama burguês, fundindo a tragédia e a
comédia.
As manifestações culturais e, entre elas, a literária remontam há séculos na história do
homem. Dentro do vasto campo de produção artística, a literatura e sua formalização por meio
dos gêneros direcionará nosso estudo a respeito do microconto tal como o conhecemos hoje.
Assim, faremos uma breve reflexão a partir de Platão e Aristóteles, passando pelo
Romantismo até Bakhtin.
Platão (1965) deixou-nos a primeira referência a respeito dos gêneros literários,
distinguindo, segundo Silva (1973, p. 203-204), “três grandes divisões dentro da poesia: a
75

poesia mimética ou dramática, a poesia não mimética ou lírica e a poesia mista ou épica”.
Observa que tal distinção foi modificada no livro X, no qual o poeta considera “toda a poesia
como mimética”, abolindo, consequentemente, os gêneros literários, visto que capta a
universalidade e a unicidade artística, “desprezando a arte como poikilia, isto é, como
multiplicidade e diversidade.”
Para Aristóteles (1979) a base de todos os gêneros fundamenta-se na imitação.
Segundo Silva (1973, p. 204), a Poética “constitui a primeira reflexão profunda acerca da
existência e da caracterização dos gêneros literários e ainda hoje permanece como um dos
textos fundamentais sobre a matéria”. No início, podemos ler o seguinte: “Falaremos da Arte
Poética em si e das suas modalidades, do efeito de cada uma delas, do processo de
composição a adotar, se se quiser produzir uma obra bela, e ainda do número e qualidade das
suas partes. ” (apud, SILVA, 1973, p. 204).
As manifestações artísticas imitam as ações, os caracteres e as paixões humanas.
Diferente de Platão, Aristóteles classifica os gêneros de acordo com a forma; os diversos
meios em que cada obra realiza a mimese; os vários objetos da mimese, “incidindo a mimese
sobre pessoas que atuam, e podendo ser pessoas nobres ou ignóbeis, virtuosas ou não
virtuosas, melhores ou piores ..., é óbvio que as composições poéticas diversificar-se-ão
conforme os objetos imitados”; os diversos modos da mimese.
Se a literatura, como as demais artes, é forma, “os gêneros literários são as formas
pelas quais o fenômeno literário toma corpo, existe, comunica-se, tem a sua ordem interna.
Possui unidade e unicidade, e, ao mesmo tempo, totalidade, pluralidade e variedade. É sua
característica também a universalidade” (COUTINHO, 1984, p. 23). Assim, não podemos
negar que, graças à criatividade do escritor, a linguagem se concretiza em formas,
denominadas gêneros literários.
A criação literária, então, não é estática, à medida que se criam novas obras com uma
forma diferente das existentes, cria-se também um novo gênero para classificá-las.
Para Silva (1973, p. 208), “cada um destes grandes gêneros literários se subdividia em
outros gêneros menores, e todos estes gêneros maiores e menores se distinguiam uns dos
outros com rigor e com nitidez, obedecendo cada um deles a um conjunto de regras
particulares”: formais, estilísticas, conteudísticas e obediência às normas do gênero em que a
obra integrava. Assim, os gêneros híbridos, resultantes da mistura de gêneros, como a
tragicomédia, são desvalorizados. Por outro lado, é no classicismo que surgem novos gêneros
literários, rebeldes às normas prescritas nas poéticas, como também pelas novas
características assumidas, algumas vezes, por gêneros tradicionais, a exemplo do poema
76

épico. A tendência para a historicidade do gênero literário contribuiu para a negação do


caráter estático, imutável, como também para a negação dos modelos e das regras
considerados como valores absolutos, os quais os escritores deveriam esforçar-se por respeitar
em toda a sua pureza.
É importante observar que “a doutrina dos gêneros literários criada pela estética da
Renascença e do classicismo francês não se impôs de modo unânime e, tanto no século XVI
como no século XVII, multiplicaram-se as polêmicas em torno dos problemas e do valor dos
gêneros” (SILVA, 1973, p. 210-211). Diferente do classicismo francês, o barroco,
principalmente na Itália, almejava maior liberdade artística, entendendo o gênero literário
como entidade histórica, capaz de evoluir, criar novos gêneros, defendendo, inclusive, o
hibridismo de gêneros como a tragicomédia, o romance, a pastoral dramática etc.
Um aspecto singular da teoria romântica dos gêneros literários é o hibridismo. O texto
mais conhecido sobre este tema é o prefácio, publicado em 1827, do Cromwell (1842), de
Hugo, no qual defende que a arte deve expressar a vida. Isso significa que em uma obra
literária cabe o belo e o feio, o riso e a dor, o sublime e o grotesco, ou seja, a totalidade da
vida e do homem, a exemplo do drama, capaz de conter em si a tragédia, a comédia, a ode e a
epopeia, pintando o homem nas grandezas e nas misérias da sua humanidade. O hibridismo e
a indiferenciação dos gêneros literários se revelaram no teatro romântico em que se misturam
a tragédia e a comédia, o lirismo e a tragédia, como também se estenderam a outros gêneros
literários, a exemplo do romance. Essa teoria, concebida pelo romantismo, vê o poeta, o
dramaturgo e o ficcionista como criadores e não como imitadores. Com a mistura dos gêneros
nasceu a liberdade; emergiu o indivíduo; afirmou-se a ideia de que os gêneros tradicionais
pudessem misturar-se, nascendo novos gêneros (SILVA, 1973, p. 214-215). Partindo da
concepção do romantismo, entendemos que o microconto pode ser um novo gênero, mas
buscaremos outras contribuições para confirmá-lo.
O século XIX, além do apogeu do romantismo, viu nascer e firmar-se teorias como o
marxismo, o positivismo, o naturalismo, o evolucionismo e o determinismo. Em 1890,
Brunetière, influenciado pelo dogmatismo da doutrina clássica e, seduzido pelas teorias
evolucionistas aplicadas por Darwin ao biológico, aproxima os gêneros literários das espécies
biológicas, que nasce, se desenvolve, envelhece e morre ou se transforma. “A tragédia
clássica, por exemplo, teria nascido com Jodelle, atingiria a maturidade com Corneille,
entraria em declínio com Voltaire e morreria antes de Victor Hugo (...). Outros gêneros...
através de mais ou menos longo processo evolutivo, transformar-se-iam em gêneros novos”.
Na última década do século XIX, desenvolveu-se na cultura europeia uma forte crítica ao
77

positivismo e ao determinismo, contrárias, consequentemente, à teoria de Brunetière. Entre os


grandes nomes desta renovação europeia se encontra o crítico italiano Croce, para quem a
questão dos gêneros literários ganha nova reflexão. Nega o caráter substantivo dos gêneros
literários, mas admite o seu caráter adjetivo como instrumento útil na história literária,
cultural e social (SILVA, 1973, p. 215-219).
Não significa afirmar que os gêneros sejam entidades incomunicáveis entre si. A
realidade literária comprova que em uma mesma obra podem conviver harmonicamente
diversos gêneros, embora haja a predominância de um deles. Outra questão diz respeito aos
elementos que os fundamentam, que tanto acontece na forma interna (visão do mundo, tom,
finalidade etc) quanto na externa (caracteres estruturais e estilísticos, por exemplo).
No século XX, surgem diversas teorias sobre os gêneros. As correntes mais
formalistas entendem que todo texto literário articula determinados elementos formais que o
inserem em determinado gênero; os gêneros são marcoestruturas e os textos realizam alguns
elementos dessas estruturas. Na realidade, o autor não cria algo completamente novo, mas os
combina, organizando-os formalmente em um texto que, dependendo de suas características,
pertence a um gênero específico. Segundo Lima (1983, p. 252),

A experiência ou reconhecimento do gênero se impõe previamente tanto ao produtor


quanto ao receptor, pois está entranhada na própria expectativa histórica do fato
literário. Como tal, é necessariamente mutável e em consonância quer com os outros
elementos constitutivos do fato literário, quer com os elementos de ordem geral.

Por essa perspectiva, o conceito de gênero leva em consideração os elementos que


compõem a obra literária: a forma, o conteúdo, o autor e o leitor.
Jakobson (1969, p. 118-162) ressalta que os gêneros estão associados às funções da
linguagem. O ato comunicativo, oral ou escrito, se constitui a partir de uma inter-relação entre
emissor e destinatário. Em um ato comunicativo, podem estar presentes simultaneamente
todas, mas há predomínio de uma delas de acordo com as intenções do emissor.
Para Brait e Pistore (2012, p. 372),

a concepção de gênero implica dimensões teóricas e metodológicas diferenciadas,


cujas consequências para a compreensão de textos e discursos não podem ser
ignoradas. Dentre as inúmeras e produtivas reflexões existentes, encontra-se a que foi
desenvolvida ao longo de várias décadas pelos trabalhos de Mikhail Bakhtin (1895-
1975) e de outros membros do Círculo, caso de Pavel N. Nikolaevich Medvedev
(1892-1938) e Valentin Niklaevic Volochinov (1895-1936).

Concordando com Brait e Pistore, o conceito de gênero circula intensamente no Brasil


e no mundo, tanto no que se refere a textos literários quanto a não literários. Ignorar sua
78

existência e sua importância para a sociedade atual seria negar toda produtividade ao longo
dos séculos, implantando a teoria do caos. Não saberíamos, metodologicamente falando,
como direcionar o ensino-aprendizagem, por exemplo. Por outro lado, reconhecer a amplitude
alcançada pelo conceito teórico, prático e construtivo de gênero implica enfrentar essa
realidade com a responsabilidade de considerar as dimensões históricas, sociais, estilísticas,
autorais, leitoras, educacionais, etc. Assim, recorreremos principalmente às reflexões de
Bakhtin.
Na introdução de Problemas da poética de Dostoiévski (2002, p. 01), o leitor se depara
com a questão de inovação da forma artística praticada pelo russo. “Estamos convencidos de
que ele criou um tipo inteiramente novo de pensamento artístico, a que chamamos
convencionalmente de tipo polifônico. [...] criou uma espécie de novo modelo artístico do
mundo, no qual muitos momentos basilares da velha forma artística sofreram transformação
radical”. Aqui o autor acena com um novo gênero, confirmado no primeiro capítulo de modo
claro e direto: “Dostoiévski é o criador do romance polifônico. Criou um gênero romanesco
essencialmente novo” (BAKHTIN, 2002, p. 05). Novo, mas não surgido do nada. Para Brait e
Pistore (2012, p. 275), liga-se a uma tradição que “permite estudar qualquer gênero do ponto
de vista diacrônico (os gêneros que o antecederam, aos quais se ligam e ao mesmo tempo
modificam) e sincrônico (características pertencentes aos gêneros antecedentes e, ao mesmo
tempo, as novas características que o definem e diferenciam dos antecessores)”. Bakhtin
(2002, p. 273-274) conclui:

Qualquer gênero novo nada mais faz que complete os velhos, apenas amplia o
círculo de gêneros já existentes. Ora, cada gênero tem seu campo predominante de
existência em relação ao qual é insubstituível. Por isto o surgimento do romance
polifônico não suprime nem limita em absolutamente nada a evolução subsequente e
produtiva das formas monológicas do romance (do romance biográfico, histórico, de
costumes, romance-epopeia etc), pois sempre haverão de perdurar e ampliar-se
campos da existência humana e da natureza que requerem precisamente formas
objetivadas e concludentes... Assim, pois, nenhum gênero artístico novo suprime ou
substitui os velhos. Ao mesmo tempo, porém, cada novo gênero essencial e
importante, uma vez surgido, influencia todo o círculo de gêneros velhos: o novo
gênero torna os velhos..., mais conscientes, fá-los melhor conscientizar os seus
recursos e limitações, ou seja, superar a sua ingenuidade.

As afirmações sobre o gênero respondem a alguns de nossos questionamentos sobre as


novas formas de comunicação e de criação literária, com o advento da tecnologia, como
também por novos valores assumidos pela sociedade contemporânea, principalmente em
relação ao tempo e ao espaço. Sem negar a contribuição de outros teóricos, especificamente o
trecho da conclusão bakhtiniana serve de aporte para confirmar que o microconto é um novo
79

gênero textual. Suas características intrínsecas o diferenciam dos existentes, mas a distinção
não o impede de beber em fontes da tradição literária, recriando o já dito com olhar do seu
tempo.
Um aspecto singular considerado por Bakhtin (2002, p. 19) para criação do romance
polifônico é a época.

De fato, o romance polifônico só pode realizar-se na época capitalista”. ..., ele


encontrou o terreno mais propício justamente na Rússia, onde o capitalismo
avançara de maneira quase desastrosa e deixara incólume a diversidade de mundos e
grupos sociais, que não afrouxaram, como no Ocidente, seu isolamento individual
no processo de avanço gradual do capitalismo. Aqui, a essência contraditória da vida
social em formação, essência essa que não cabe nos limites da consciência
monológica segura e calmamente contemplativa, devia manifestar-se de modo
sobremaneira marcante, enquanto deveria ser especialmente plena e patente a
individualidade dos mundos que havia rompido o equilíbrio ideológico e se
chocavam entre si. Criavam-se, com isto, as premissas objetivas da multiplanaridade
essencial e da multiplicidade de vozes do romance polifônico.

A época capitalista na Rússia, envolvendo todo um contexto social, cultural,


econômico e ideológico, influenciou Dostoiévski na escritura do novo gênero, o que é
significativo para nossas reflexões sobre o microconto como gênero que germina em meio ao
avanço tecnológico. A época não determina necessariamente a criação deste ou daquele
gênero, mas o escritor lança mão de sua criatividade de acordo com sua visão de mundo e seu
gosto pessoal por este e/ou aquele gênero literário para retomar antigos gêneros,
reescrevendo-os à sua maneira, ou para criar um diverso. A contemporaneidade, como novo
ponto de partida da orientação literária, não exclui a representação do passado, nem nega o
presente, porque o escritor, também leitor, é sujeito de seu tempo.
Para Bakhtin (2011, p.264), a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são
inesgotáveis, como as atividades humanas. Na extrema heterogeneidade dos gêneros,
devemos incluir o diálogo cotidiano, a carta, os documentos oficiais, as manifestações
publicísticas, as manifestações científicas e “todos os gêneros literários (do provérbio ao
romance de muitos volumes)”.
Todo estilo está ligado ao enunciado e aos gêneros do discurso, expressando a
individualidade do falante ou do escritor, entretanto, para Bakhtin (2011, p. 265),

nem todos os gêneros são igualmente propícios a tal reflexão da individualidade do


falante na linguagem do enunciado, ou seja, o estilo individual. Os gêneros mais
favoráveis da literatura de ficção: aqui o estilo individual integra diretamente o
próprio edifício do enunciado, é um de seus objetos principais (contudo, no âmbito
da literatura de ficção os diferentes gêneros são diferentes possibilidades para a
expressão da individualidade da linguagem através de diferentes aspectos da
individualidade).
80

O domínio dos gêneros literários e não literários organiza e enriquece nosso discurso
escrito e oral, pois o empregamos de forma segura e habilidosa, usando a composição
vocabular e a estrutura gramatical da língua com mais propriedade, liberdade e criatividade.
Segundo Bakhtin (2011, p.285),

Quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente os empregamos, tanto


mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade (onde é possível
e necessário), refletimos de modo mais flexível e sutil a situação singular da
comunicação; em suma, realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de
discurso.
Esse domínio dos gêneros discursivos direciona a comunicação, deixando-nos mais
livres para expressarmos nossa individualidade, propiciando-nos a escolha das palavras mais
significativas para nos expressarmos e sermos compreendidos pelo destinatário (leitor ou
ouvinte). Quando as escolhemos, partimos tanto de um determinado esquema de gênero
quanto de um projeto individual de discurso, visamos à totalidade – uma palavra irradia sua
expressão a outra, que se torna singular em seu significado, contagiando expressivamente
outra e outras etc, levando-nos a atingir nosso objetivo expressivo, literário ou não literário.
Desde o início, construímos nosso discurso considerando o papel do outro, a quem
direcionamos o enunciado. Assim, ao escrever ou falar, refletimos sobre o que é perceptível
no discurso pelo destinatário: até que ponto ele dispõe de conhecimentos essenciais do tema;
quais suas concepções e valores, os seus preconceitos e antipatias etc. Essa consideração
determinará a escolha do gênero do discurso, como também a escolha dos procedimentos de
composição. O romance, por exemplo, é direcionado a um círculo de leitores dotados de
fundo apreciativo específico deste gênero, selecionando, inclusive, por tema: aventura, drama,
ficção científica, policial etc; o conto, a outros que preferem narrativas de ficção menos
extensas; o microconto, a aqueles que apreciam a rapidez, a extrema concisão narrativa.
O breve estudo teórico dos gêneros literários, de Platão a Bakhtin, confirma o
entendimento de que o microconto é um gênero novo que se apropria de outros gêneros,
mantendo sua singularidade. Reconhecemos que os gêneros existem, que é uma realidade
essencial do discurso, representando um sistema de convenções estéticas, tradicionalmente
respeitadas, que o autor usa ou renova e o leitor compreende e aceita, graças à forma exterior
(estrutura, padrão métrico, etc), e à forma interior (tema, tipo narrativo etc). Assim, sem negar
as peculiaridades de cada teoria, de cada época, entendemos que é possível estender o
conceito de gêneros literários como categorias que se relacionam de modo particular com a
realidade. Apresentam características estruturais distintas, com formas pelas quais a arte
literária pós-moderna ganha corpo, existe, tem a sua ordem interna, comunica-se, possui
81

unidade e unicidade e, ao mesmo tempo, totalidade, pluralidade, variedade, hibridismo,


universalidade e dinamicidade.

3.2 Análises de microcontos da antologia de Marcelino Freire

Pela importância da coletânea de textos que compõe Os cem menores contos


brasileiros do século (2004), selecionamos subjetivamente dez microcontos para comentá-los,
segundo gosto pessoal. Iniciaremos com o de Bernardo Ajzenberg (p. 13):
PAIXÃO

Ela, 46. Ele, 21. Uau!


Só se reviram – fula, lívido -,
fúnebres, no aborto.

O título nos adverte, trata-se de uma paixão. O leitor é surpreendido pela diferença de
idade entre os apaixonados, ela tem 46 anos, ele, apenas 21. Inicialmente, o fato de a mulher
ser mais velha que o homem sinaliza o preconceito existente na sociedade ainda bastante
machista; ao homem muitas coisas são permitidas e endossadas. Dentro das convenções ditas
normais, o homem se relaciona e pode casar com uma mulher bem mais jovem, mas se a
situação se inverte, a mulher muitas vezes é crucificada, como pedófila. Para o leitor mais
atento, a leitura será outra. Perceberá a importância da exclamação “Uau!” dentro da
micronarrativa. Há uma intenção ao usá-la, que serve para exprimir de modo enérgico e
conciso um sentimento de espanto positivo, intensificado. Está implícito, dependendo do
olhar: como ela conseguiu esse rapaz tão jovem ou como ele conseguiu essa mulher tão
experiente? Que poder de sedução é esse? Ensina-me a receita? Na sequência narrativa,
novamente o leitor se surpreende pelas palavras “reviram”, “fula”, “lívido”, significando,
respectivamente, “ver pela segunda vez”, “multidão de gente”, “extremamente pálido”; ou
seja, encontraram-se apaixonadamente apenas uma vez. Entre o primeiro encontro e o
segundo, o tempo. Que histórias viveram neste tempo? Que paisagens, tomando por
empréstimo algumas palavras de Moriconi, estão por trás do microconto? Afinal, “Só se
reviram – fula, lívido -, fúnebres, no aborto.” A razão de se reverem em meio à multidão,
pálido ou seria pálidos, com sentimentos fúnebres, como diante de uma criança morta – fruto
da paixão relâmpago entre ambos -, talvez um aborto espontâneo sofrido pelo personagem
feminino. Outra leitura, menos dramática: quando se viram pela segunda vez, estavam em um
local com muitas pessoas, o fator surpresa os deixaram pálidos, confirmaram que a paixão
82

morreu após o primeiro encontro, sofreram uma espécie de aborto, gerando o sentimento
fúnebre.
O segundo microconto é de Cíntia Moscovich (p. 16), sem título:

Uma vida inteira pela frente.


O tiro veio por trás.

É composto por apenas dez palavras, mas choca o leitor de tal maneira a ponto de
tirar-lhe o fôlego. O final é impactante, violência sem explicação. Leva-o a pensar na
brevidade da vida. O personagem, de quem não sabemos o sexo, tem “uma vida inteira pela
frente”, provavelmente, trata-se de alguém jovem. O surpreendente acontece: “O tiro veio por
trás.” As perguntas inevitáveis: quem atirou? Por quê? As possibilidades: uma bala (não
perdida) atingiu fatalmente o personagem por trás; alguém sofreu um assalto, não sabemos se
o personagem reagiu ou não, mas ao dar as costas recebeu o tiro; o tiro traiçoeiro que recebeu
foi um acerto de contas por dívidas; ao beber em um bar, ou outro local do tipo, se
desentendeu com um dos companheiros de copo, armado, ou foi buscar sua arma em casa,
atirou no desafeto; o personagem levou o tiro de alguém traído por ele; em uma briga de
casal, um deles estava armado, acidentalmente, a arma disparou quando estava de costas; etc.
Fernando Bonassi (p. 30) é o autor do próximo:

Se eu soubesse o que procuro


com esse controle remoto...

O título “Só” sugere ao leitor solidão, o que se confirma ao se ler; um dos grandes
temas característicos da sociedade atual é colocado em primeiro plano. A vivência da solidão
é um fenômeno universal, mas que influências esse personagem sofre, interna e externamente,
ao perceber o sentimento de sentir-se só, com um “controle remoto”, sem saber o que procura.
Não está claro no microconto se a sua solidão se associa à dificuldade de relacionamento, ou
se ele se encontra só, sem saber o que quer. A solidão que beira o isolamento pode interferir
nas amorosas. Será o caso? O aspecto mais significativo do sentir-se só está no seu
correspondente psicológico, isto é, na repercussão dentro da pessoa que é acometida pelo
sentimento de estar sozinha? O que caracteriza a solidão é a consciência do personagem,
acompanhado de um sentimento penoso de carência, de alguém ou de algo? Algumas pessoas
se sentem menos solitárias quando assistem aos seus programas preferidos da tevê, entretanto,
83

não é o caso. Cabe, então, a pergunta: quais histórias estão por trás desse personagem só, cujo
companheiro é um controle remoto?
O quarto microconto é de Flávio Carneiro (p. 31):

DUELOS

“E agora, eu e você”, disse,


sacando o punhal,
na sala de espelhos.

Sabemos que “duelos” é um confronto entre duas pessoas. É isso que anuncia o
microconto. Na primeira linha, o confronto se inicia entre dois personagens nomeados pelos
pronomes “eu” e “você”. Normalmente os duelos acontecem entre homens, mas o narrador
omite a informação. O fator surpresa acontece quando o leitor descobre onde o personagem
está “sacando o punhal”: “na sala de espelhos.” A partir desse impacto, o leitor sente uma
espécie de soco no estômago. Temos a revelação, sugerida, de que o personagem fala com a
imagem dele refletida. O pronome “eu” se refere ao personagem que quer um acerto de contas
por meio de um duelo; “você”, ao personagem refletido – a imagem dele mesmo. Uma
possibilidade é que o personagem está louco, incapaz de distinguir entre o real e o imaginário.
Se for o caso, o que levou o personagem a enveredar pelos caminhos obscuros da loucura?
Este microconto pode remeter também a brincadeiras de crianças, quase sempre
meninos com armas de brinquedo, que duelam conscientemente com seres imaginários, com
sombras ou com imagens em espelhos. Pode estar por trás da narrativa a criatividade de
determinadas crianças a partir do seu universo, tais como revistas em quadrinhos, desenhos
animados e filmes compostos por personagens clássicos.
O quinto é de Henrique Schneider (p. 35):

HEROÍSMO INÚTIL

Quando soltou os pulsos,


o trem já estava em cima.

Deparamo-nos com um microconto com título “heroísmo inútil”. Se alguém praticou


um ato heroico, por que inútil? Na sequência narrativa, tudo se explica: o personagem
conseguiu soltar os pulsos, provavelmente sem ajuda, entretanto, “o trem já estava em cima”,
ou seja, seu ato de heroísmo foi inútil porque não houve tempo para sair dos trilhos antes do
trem passar por cima. Não sabemos exatamente de onde o personagem soltou os pulsos. A
hipótese mais provável é que estavam amarrados nos trilhos, do contrário, ele sairia
84

facilmente, bastando usar as pernas. Os questionamentos são muitos. Quem poderia praticar
um ato tão cruel? Por quê? Ninguém presenciou tal fato ou a lei do silêncio predomina?
João Gilberto Noll (p. 40) assina o sexto microconto:

AEROPORTO

Banheiro na chamada do voo.


Cálculo renal salta. Ele guarda.

O título anuncia o lugar onde se passa a micro-história. Na primeira frase do


microconto, o narrador conta o local e o tempo em que os acontecimentos ocorrem: no
banheiro, um homem (o pronome reto ‘ele’ dá o indicativo) expele, provavelmente pelas vias
urinárias, um cálculo renal, guardado por ele. A partir do narrado, o leitor entenderá que o
homem viajará e está acometido de dores, doença que atinge mais homens que mulheres,
segundo estudos científicos – talvez a razão que levou Noll a escolher para seu microconto
um personagem masculino. Enquanto esperava a hora do voo, foi ao banheiro. Quem tem
pedras nos rins, sente necessidade constante de urinar. O simples ato causa muita dor,
principalmente, quando são expelidas. É interessante notar que o homem guarda a pedra.
Quais os motivos? Provavelmente sabia da importância para exame posterior. Assim, poder-
se-ia verificar no cálculo eliminado características como peso, tamanho, cor, aspecto e demais
condições, além da composição química: se o material é oxalato de cálcio, ácido úrico, para o
médico orientar o paciente de forma direcionada, buscando restringir alimentos ou
medicamentos, que contribuam para a formação do cálculo, como também tratar desajustes
orgânicos que colaborarem para o aparecimento de outras. Ou será que o personagem é leigo
no assunto, só a guardou para exibir a familiares e amigos?
O sétimo é de autoria de Joca Reiners Terron (p. 42):

O PESADELO DE HOUAISS

Quando acordou,
o dicionário ainda estava lá.

Há no microconto, desde o título, um jogo intertextual. De uma tacada só, o escritor


conseguiu dialogar com Houaiss e Monterroso. Inicialmente, o leitor se depara com o
professor, filólogo, crítico literário, tradutor, diplomata e enciclopedista Antonio Houaiss
(1915-1999). Ao lermos o microconto, sem contar o título, percebemos a intertextualidade
explícita com a micronarrativa de Augusto Monterroso. Terron fez apenas uma alteração,
substituiu a palavra dinossauro por dicionário, mudando completamente a micro-história. É
significativa, ligando diretamente Houaiss a dicionário. A questão é: qual o significado da
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palavra pesadelo no título? Refere-se ao tempo que Houaiss despendeu em sua empreitada de
escrever um dicionário? Ou será por que não conseguiu concluí-lo? Em 1986, Houaiss
iniciou, com Mauro de Salles Villar, aquele que seria o projeto mais ambicioso de sua vida –
o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa -, assumindo o desafio de publicá-lo, concluído
em 2001, dois anos após sua morte. O microconto exige conhecimentos prévios do leitor.
Luiz Roberto Guedes (p. 51) escreveu o oitavo microconto:

BOLETIM DE CARNAVAL

- Fui estuprada, vó. Três animais!


- E tu esperava o que? Um noivo?

O título indica que algo ocorreu durante as festividades carnavalescas, gerando um


“boletim”, provavelmente, de ocorrência policial, entretanto, não se assinala sequer o ano,
pois não é relevante. Na sequência, uma mulher, possivelmente, jovem, conta à avó que foi
estuprada. Levando em conta o título, fica claro que durante o carnaval tais violências
ocorrem mais. Grande excesso de álcool e de drogas pode gerar ou acentuar características
negativas, pela concentração de pessoas de diferentes níveis socioculturais, como também por
muitas acharem que no carnaval tudo é permitido. A crítica fica por conta da resposta da avó
quando a neta diz a quantidade de gente que praticou tal atrocidade e os caracteriza: “Três
animais!”. O final do microconto é explosivo, choca o leitor. Repreendendo veementemente a
neta, sem expressar compaixão, a avó, em resposta ao relato dramático, pergunta: “E tu
esperava o quê?” Não satisfeita, acrescenta: “Um noivo?” Pelas perguntas, percebemos uma
visão negativa do personagem a respeito da festa; quem se atreve a participar se sujeita a
encontrar “animais”, jamais um “noivo”. Por trás da micronarrativa, há o desencontro de
gerações, a provável negativa da avó à participação da neta no carnaval.
É de Luiz Ruffato (p. 52) o nono microconto da seleção:

ASSIM:

Ele jurou amor eterno.


E me encheu de filhos.
E sumiu por aí.

O advérbio “assim”, título do microconto, é usado para indicar que a seguir se narrará
a micro-história. Um homem “jurou amor eterno” a uma mulher. O amor entre ambos durou
tempo suficiente para que se enchessem de filhos. A eternidade do amor possuía significados
diferentes: possivelmente, para ele é até o amor acabar, para ela, até o fim da vida.
Acreditando nesse amor até a morte, ela tem muitos filhos, entretanto, o inesperado acontece:
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ele some por aí. O leitor, segundo seu conhecimento de mundo, entenderá que a narrativa trata
de um tema corriqueiro. Em nossa sociedade, tais casos acontecem frequentemente. Estamos,
então, diante de um microconto carregado de realismo, de crítica tanto aos homens que
abandonam os filhos quanto às mulheres que engravidam sem medir consequências.
Millôr Fernandes (p. 69) é o autor do décimo microconto que, diferentemente dos
outros, usou o título para detalhar o local e os acontecimentos que culminaram na essência de
sua micronarrativa:

EMOCIONANTE RELATO DO ENCONTRO DE TEODORO RAMIREZ,


COMANDANTE DE UM NAVIO MISTO, DE CARGA, PASSAGEIROS E
PESCA DO CARIBE, NO MOMENTO EM QUE DESCOBRIU QUE A BELA
TURISTA INGLESA ERA, NA VERDADE, UMA PERIGOSA TERRORISTA
CUBANA, QUE TENTAVA PENETRAR NUM PORTO DO SUL DA FLÓRIDA,
PARA DINAMITAR A ALFÂNDEGA LOCAL, E PROCUROU FORÇÁ-LA A
FAVORES SEXUAIS.

- Capitão, tem que me estuprar em 1/2 minuto; às 8, seu navio explode.


A proposta de Freire aos cem escritores era que escrevessem histórias inéditas de até
cinquenta letras, sem contar título e pontuação. Millôr, seguindo as regras, ousou no título.
Por meio dele, o leitor toma conhecimento dos personagens principais, do local e dos
acontecimentos por trás dos atos prestes a acontecer: o estupro e a explosão do navio. Apesar
do relato, o narrador não explica as causas que levaram a bela terrorista cubana a praticar tal
ato. Afinal, o que aconteceu em trinta segundos? Como o comandante teve tempo de relatar
seu encontro com a terrorista? O que aconteceu antes e depois do narrado?

3.3 Outros autores de microcontos

O escritor cearense João Soares Neto, membro da Academia Cearense de Letras,


também enveredou pelos caminhos das micronarrativas com Microcontos (2004). Segundo a
“microexplicação” do autor, a ideia de escrever o livro era um desafio, no qual tenta
sintetizar, em poucas sentenças, narrativas ficcionais com início, meio e fim, com o intuito de
despertar no leitor risos, indignações ou perplexidades (p. 05). Eis um dos cem que compõem
a obra:

A Surpresa

No meio do filme, sentiu a mão sobre sua perna. Continuou olhando para a tela.
Gostara da surpresa. Ao final do filme, outra surpresa. Era seu marido (p. 40).
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O título é retomado no microconto duas vezes, no caso, o leitor se depara não com “A
Surpresa”, mas com as surpresas. Olhando mais atentamente para o título, percebe-se que o
substantivo é escrito com letra maiúscula. Não afirmamos que a intenção do autor era reunir
em uma única palavra as surpresas dos personagens, entretanto, é uma leitura possível. Por
trás da micronarrativa, há a história de um casal que foi ao cinema separadamente. O que os
levou a tamanho distanciamento? Por que sozinhos? Provavelmente, estão fugindo dos
problemas conjugais, buscando algum tipo de prazer. No escuro, por coincidência, sentaram-
se lado a lado. No meio da sessão, o homem se atreve a colocar sua mão sobre a perna da
mulher ao lado que, talvez movida pela carência tanto quanto ele, continuou olhando para a
tela, concordando implicitamente com o carinho. Fim do filme, as luzes se acendem, a
surpresa é maior: o dono daquela mão era seu marido. Surpreendidos igualmente, como
reagiram após a descoberta?
Na antologia Contos de bolso (2005) nos deparamos com microcontos de diversos
autores, em sua maioria do Rio Grande do Sul, iniciando por Luis Fernando Verissimo,
passando por Laís Chaffe, Marcelo Spalding, Marô Barbieri, Valesca de Assis, dentre outros.
Como exemplo, um de Spalding (p. 104):

Vítima

Helena é virgem desde que o pai sumiu de casa.

O título direciona o leitor ao tema do microconto, além de peça-chave do implícito na


micronarrativa. O início da micro-história nomeia a vítima de “Helena”, ou seja, uma mulher.
Continuando a leitura, deparamo-nos com a situação de uma jovem que passou a “virgem”
depois “que o pai sumiu de casa”. Se após o sumiço do pai, recobrou a virgindade, conclui-se
que o pai abusava sexualmente da própria filha. Não se sabe a idade da vítima, mas o leitor é
sugestionado a concluir, pelo seu conhecimento de mundo, que se trata de alguém bem jovem,
uma criança talvez, consequentemente um caso delicado, porque o abuso foi praticado por um
membro da família, por quem deveria proteger. Casos assim, sugeridos no microconto, são
mais delicados e difíceis de serem descobertos, pelo fato de o abusador ser uma pessoa
‘querida’, o que torna mais confuso, na cabeça da criança ou do adolescente, perceber que
‘aquilo’ que acontece foge à normalidade, é uma violência familiar.
Em pouquíssimas palavras, Spalding tratou do tema, convidando o leitor a refletir
criticamente; mais recorrente nas classes menos favorecidas, mas não se limitando a elas, e
construindo a dolorosa paisagem que compõe o discurso por trás do sugerido.
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Do mesmo livro, o microconto de Eduardo Nasi (2005, p. 55) não é menos


surpreendente e dramático:

Por telefone

- Você acredita em duendes?


- Atropelei um na semana passada.
- Era meu filho.

O título aponta para uma conversa por telefone que se confirma ao ler o microtexto.
No primeiro parágrafo, o personagem, que fez a ligação, pergunta a quem está do outro lado
da linha se acredita em duendes, iniciando o jogo intertextual com criaturas mitológicas,
semelhantes a anõezinhos da cor verde, que aparecem em histórias do folclore. Esses
pequenos seres povoam o imaginário de muitas crianças por meio de histórias contadas ou
lidas, vestindo-se, inclusive, como eles. Inicialmente, o leitor é levado a pensar que se trata de
uma conversa entre crianças, reforçado pelo parágrafo seguinte quando a pessoa que ligou
afirma que atropelou um na semana passada. Não sabemos como o duende foi atropelado: por
um carro, uma bicicleta, um triciclo, um velotrol etc. O terceiro e último parágrafo detona
como uma carga de dinamite o que o leitor imaginou. Pela fala da pessoa do outro lado da
linha, “- Era meu filho.”, o impacto é inevitável e revelador: não se trata da imaginação de
uma criança, mas de uma conversa entre adultos, que mantêm alto grau de amizade, a ponto
de quem telefonou, confidenciar sua crença em duendes e o atropelamento de um deles. Para
sua surpresa, o duende era o filho de quem ouvia o segredo. Que danos o personagem sofreu
ao ser atropelado? Depois da conversa telefônica, qual a atitude do pai?
Leonardo Brasiliense ganhou o prêmio Jabuti, melhor livro juvenil 2007, com Adeus
conto de fadas: minicontos juvenis (2006). Apesar da nomenclatura “minicontos”, há também
microcontos, como:

Genética?

Na separação, meu pai dizia à minha mãe que ela não prestava; minha mãe dizia ao
meu pai que ele não prestava. E eu ficava ouvindo e pensando: “puxei” a quem?
(BRASILIENSE, p. 78)

O título é uma interrogação ao leitor, que só poderá concluir ao ler o microconto. É um


tema recorrente em nossa sociedade, o impacto acontece quando o filho ou a filha (o sexo não
faz diferença), ao ouvir tanto o pai quanto a mãe trocarem o mesmo tipo de ofensa: “ela não
prestava”, “ele não prestava”, se questiona a quem puxou. Geneticamente não faz diferença,
já que os pais duelam entre si, valendo-se das mesmas expressões. O recorte de ‘pedaços da
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vida’, conduz o leitor a um questionamento maior: a guerra que muitos casais travam depois
da separação, esquecendo-se de que há entre eles os filhos, inocentes das causas que
culminaram na separação.
Laís Chaffe organizou a antologia Contos de bolsa (2006), composta por quarenta
escritores gaúchos (natos ou adotivos), convidados a exercitarem a arte dos minicontos,
entretanto, muitos escreveram histórias tão concisas que as chamamos de microcontos, como
o de Ivette Brandalise (p. 54):

Solidariedade

A menina esfarrapada avançou vendendo canetas. A mulher assustada trancou as


portas do carro. No vidro, o adesivo: Salvem as baleias.

Ao ler o título, provavelmente, o leitor o tomará como pena das dificuldades ou dos
sofrimentos de outras pessoas, na identificação com as misérias alheias. A demonstração ou a
manifestação desse sentimento com o propósito de ajudar, amparar, apoiar, cuidar etc. O
narrador apresenta, logo no início, as características do personagem, não se trata de uma
menina qualquer, mas de “a menina esfarrapada”, o artigo definido faz toda diferença,
significando que é conhecida, não sabemos se pela vestimenta “esfarrapada” ou por ser vista
sempre no mesmo local. Na sequência, pratica a ação de avançar, tanto no sentido de ‘ir para
diante, caminhar em direção a’ ou pejorativamente ‘avançar em alguém’. O valor do verbo é
descartado pelo fato de que estava “vendendo canetas”, no caso, conclui-se que o sentido é de
apressar, andar rápido. No segundo período, o leitor se depara coma “a mulher assustada”,
mais uma vez o artigo aparece. Se, no primeiro período, o narrador afirma que “a menina
esfarrapada avançou vendendo canetas (“A pequena vendedora de fósforos”), o leitor
concluirá que a menina avançou em direção “a mulher assustada”, logo o artigo determina a
mulher que, na visão da menina é uma provável cliente. A ação da mulher mostrou medo,
repulsa, repugnância, nojo etc, pois “trancou as portas do carro”. Inicialmente, o leitor aceita o
sentimento de medo, afinal ela estava assustada. Assim, a atitude de trancar as portas foi uma
precaução, considerando os assaltos praticados por menores no trânsito. Por outro lado, a
aparência da menina é de quem necessita de solidariedade, o que não encontrou. O impacto
acontece no fim da microconto: “No vidro, o adesivo: Salvem as baleias.” O leitor não ficará
imune a questionamentos: que tipo de solidariedade há na mulher? As baleias valem mais que
o ser humano, que uma criança roubada de sua infância, escravizada? A mulher já sofreu para
agir assim? O leitor ainda poderá questionar: por que o autor preferiu para seu microconto
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dois personagens femininos? Se se propuser a descortinar as histórias por trás desse


microconto, chegará a talvez extenso romance dramático.
Além de escrever Curta metragem: 67 microcontos (2006), obra de micronarrativas de
extensão variada, Edson Rossatto organizou Expresso 600: 61 microcontos, vários autores
(2006). O autor compara “a produção de um microconto com a feitura de café, em que o pó é
a essência da história e a água são as palavras utilizadas para contá-la. Se a água é pouca, o pó
não se dilui...; se a água é muita, o pó se perde em meio do líquido...” A medida certa,
segundo o organizador, foi o que fizeram os autores convidados, não significando engessar o
microconto com determinados caracteres, mas “deixar no texto o que realmente não puder
faltar à compreensão da história [...]” (p. 16).
Entre os escritores, Carlos Seabra (p, 67):

Falsário

Que injustiça!, pensava o falsário, preso com vários documentos de identidade.


Fernando Pessoa também tinha heterônimos e nunca fora em cana!

O microconto exige do leitor participação ativa, conhecimento literário. Inicialmente,


o título direciona o leitor a algo fácil, pois faz parte do conhecimento cotidiano: falsário que
falsifica algo, como documentos, assinaturas, dinheiro, objetos etc. Essa primeira leitura se
confirma pelo início do pensamento do personagem que se sente injustiçado ao ser “preso
com vários documentos de identidade”, segundo o narrador. Não sabemos seu nome, mas o
artigo definido ‘o’ antes do substantivo ‘falsário” e o adjetivo “preso” no masculino indica
que se trata de um homem. O impacto acontece no último período a partir do jogo intertextual
com Fernando Pessoa e seus heterônimos, escrito em itálico para diferenciar o que nos conta o
narrador do pensamento do personagem, iniciado com a exclamação “Que injustiça!”. Ironia
do personagem ao se comparar com Fernando Pessoa, diante de quem o prendeu? Afinal, o
falsário parece leitor do português e de seus autores fictícios como Alberto Caeiro, Álvaro de
Campos e Ricardo Reis, com personalidade, características próprias, senso de humor, visões
de mundo, opiniões, sentimentos etc, como pessoas vivas e reais, com biografias próprias, que
o escritor atribuiu parte de sua obra, o que nos soa como outra ironia, se levarmos em conta
que ele pode não ter sido compreendido pela autoridade que o prendeu. O falsário não é uma
pessoa ignorante, ao contrário, exibe conhecimento literário refinado, entretanto, não sabemos
se sua leitura atingiu o grau de compreensão e de interpretação adequados. Para o
personagem, criar heterônimo é o mesmo que criar identidade falsa? Ou de tanto ler, pensa ser
como o poeta: um fingidor? Finge tão completamente que chega a fingir que é injustiça a
91

injustiça que deveras sente (parodiando Pessoa)? Que verdade há no pensamento do


personagem? O que realmente o levou a ser falsário?
Histórias concisas (2007), microcontos de Jaime Leitão, surgiram a partir de um
desafio do autor: escrever microcontos utilizando no máximo cinquenta letras, fora o título,
abordando múltiplos temas. Admirador das pessoas diretas, quando leu a antologia de Freire
(2004), se sentiu instigado.

O homem delicado

Era um homem delicado. Ela exigiu:


- Me bate logo ou apanha (p.100).

O adjetivo “delicado” precedido do substantivo “homem” cria uma imagem de alguém


cheio de delicadeza, característica, às vezes, frágil, sensível etc. O primeiro período do
microconto retoma o título, provavelmente, com o intuito de enfatizar. Na sequência, o
narrador apresenta outro personagem, uma mulher – identificada pelo pronome ela - exigente,
marcando bem a diferença entre o casal. O inesperado acontece quando o leitor se depara com
a sua fala que “exigiu: - Me bate logo ou apanha.” Para muitos leitores, o estranhamento é
inevitável. É mais recorrente o homem se valer da força física como sinal de virilidade. Ser
másculo implica, inclusive, agredir fisicamente a parceira. A Lei Maria da Penha cria
mecanismos para coibir a violência contra a mulher, mas no microconto de Leitão a violência
é uma exigência da mulher que, se o homem não cumprir, inverterá a situação. O leitor de
Nelson Rodrigues desconfia, recorre ao último livro lido, A vida como ela é... Em 100 inéditos
(2012) – contos garimpados nos dez anos de publicação da coluna no periódico Última Hora,
iniciada na década de cinquenta. No verso da capa um trecho do conto “Pancada” (p. 347-
350): “... Eu preciso, entende? Preciso! Eu gosto!... Gosto de apanhar! Ou você bate ou não há
primeira noite...”. Intertextualidade ou recorte de pedaços da vida? Ou as duas? Outra questão
é o que levou a mulher a sentir prazer com o próprio sofrimento? O sadomasoquismo existe.
A questão é: o que levou a mulher a tal exigência masoquista e, se o parceiro não cumprir, ao
sadismo? Há por trás toda uma história de vida, como também do modo de ser do homem. O
leitor poderá adentrar a psicologia humana para compreender tais comportamentos e seus
processos mentais, o que lhe valerá diversas teses, como também desenhar a paisagem a partir
do sugerido no microconto.
A antologia Contos de algibeira (2007), organizado também por Chaffe, é composta
por textos de brasileiros e de portugueses. No prefácio, Chaffe comenta que os autores se
unem “na tarefa de criar icebergs de proporções mais radicais do que as da já clássica teoria
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de Hemingway sobre o conto. Em vez de um oitavo, no miniconto um centésimo, quando


muito, fica de fora”. A nomenclatura “miniconto” é válida por sua abrangência, entretanto, a
obra é composta também por microcontos, como o de Jeová Santana (p. 87):

Nelson Rodrigues revisitado

Há uma semana capa de revista da Playboy, hoje na mesa do legista.


- Como?

A intertextualidade com Nelson Rodrigues se faz clara no título. Se se revisitar o


autor, acredita-se que o microconto reescreverá um dos temas: ciúme, obsessão, dilemas
morais e sociais, inveja, desejos descontrolados, abusos sexuais, adultério, mortes etc. A
leitura do microconto confere ao título veracidade, pois tem como tema a morte, sugerida no
trecho “hoje na mesa do legista”. A pessoa que se encontra na mesa do legista foi capa da
revista “Playboy” há uma semana, é alguém famoso. Mais uma vez o jogo intertextual entra
em cena, agora com a Playboy. O nome leva o leitor a crer que o personagem é uma mulher,
pois estampa a nudez de belas e famosas mulheres. Diversas beldades enfeitaram o cenário
com homens que sensualizaram na “Playboy”, mas o foco da capa e das páginas da revista é a
exuberância feminina, descartando a possibilidade de personagem masculino. Essa conclusão
não esgota o microconto. Há um mundo a desenredar. Que vida o personagem levava para ser
capa da Playboy? Como morreu? Se mulher, foi assassinada por um namorado ou marido
ciumento? Ou talvez um fã obcecado não suportou vê-la como Eva, exposta, e a matou?
Teria sido assaltada e morta? Ou quem sabe se envolveu em um acidente fatal? Como chegou
à mesa do legista?
Rossatto, mais uma vez, se lança na empreitada de organizador de antologia, Retalhos:
contos e microcontos (2007), de diversos autores, a exemplo de Edweine Loureiro da Silva (p.
15):

Cinema mudo

Quase no final do filme, surge aquele homem, ensandecido, atirando contra a


multidão. Em meio a gritos e tumulto, uma das balas atinge a criança ao meu lado,
matando-a no mesmo instante. Enquanto isso, na tela, Chaplin discursa pela paz...

O jogo intertextual se inicia no título “Cinema mudo”, fazendo o leitor rememorar a


época em que os filmes não possuíam falas correspondentes às imagens exibidas. A lacuna era
preenchida por gestos, mímica, letreiros explicativos, músicas ou efeito sonoros rudimentares.
No contexto, a lembrança de Charles Chaplin é inevitável. A leitura do primeiro período do
microconto torna-se impactante, parece a dramática cena criada pelo “atirador do shopping”,
93

como ficou conhecido o estudante de medicina Mateus da Costa Meira, que em novembro de
1999, no meio de uma sessão de Clube da Luta (1999), num cinema do Morumbi Shopping,
em São Paulo, levantou uma submetralhadora e começou a atirar na direção da tela e depois
na da plateia, matando e ferindo pessoas. O significado de “Cinema mudo” soa como ironia,
diante dos disparos sucessivos e ensurdecedores do homem contra a multidão. O período
seguinte não é menos impactante; em meio aos gritos e ao tumulto causados pelos tiros, “uma
das balas atinge a criança ao meu lado, matando-o no mesmo instante.” O “mudo” às avessas
grita de medo, pavor, temor, dor; mas também se cala e faz calar a criança nos braços da
morte. O nocaute acontece no último período: no momento em que toda a tragédia acontece,
na tela, “Chaplin discursa pela paz...”. Um diálogo intertextual com o ator do “Cinema mudo”
e com O Grande Ditador (1940), o primeiro falado de Chaplin, no qual faz um coquetel dos
gêneros comédia, tragédia e drama, desmascarando e denunciando o nazismo (aparentemente
um filme cômico, uma paródia de Hitler), como também criticando duramente a Primeira
Guerra Mundial. No final, o barbeiro faz um discurso de forte carga moral pela paz, ao
defender a democracia, a liberdade e os valores humanos de solidariedade e igualdade. O
discurso, aos olhos do telespectador, não é nem do barbeiro judeu, nem do ditador Hynkel,
mas do próprio Chaplin, de acordo com o narrado no microconto. O leitor, atônito com a
leitura do microconto, perceberá que as histórias por trás das histórias contadas e sugeridas
ganham infinitude, ou seja, exige-se um leitor ativo, com vasto conhecimento de mundo, de
história, de cultura e de literatura para alcançar a riqueza da microtrama. Além do
mencionado, há encobrimentos capazes de suscitar diversas interrogações: o que levou aquele
homem a cometer tamanha atrocidade? Seria ele um esquizofrênico ou um monstro? Como
planejou tudo? Por que escolheu um cinema, onde passa O Grande Ditador, para descarregar
sua crueldade? Por que esperou o momento em que Chaplin discursava pela paz para atirar? O
que as reticências no final do microconto indicam: interrupção do pensamento devido à carga
emocional tratada, ideia que ficou por terminar porque o narrador não quis ou não teve tempo
por ser uma das vítimas ou omissão de algo retratado por conta do leitor?
Dois palitos (2007, s.p.), de Samir Mesquita, é um microlivro, com cinquenta
microcontos de até cinquenta caracteres, sem contar o título. Semelhante a uma caixa de
fósforo, inclusive graficamente. No blog do autor, há uma versão digital. Podemos clicar na
caixa de microcontos que se abre contendo diversos palitos; ao clicarmos duas vezes em um
deles, o palito salta, localizando-se ao lado da caixa; no lugar dos “fósforos” aparece um
microconto; enquanto o palito queima, temos que ler o microconto e, assim, sucessivamente:
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Elvis não morreu

- Então, me vê mais dez gramas.

O título é um clichê conhecido. O inusitado acontece quando se lê o microconto. O


receptor ao ouvir do emissor a informação de que “Elvis não morreu”, anima-se, acreditando
que o cantor está vivo, e pede “mais dez gramas” de algo não revelado. Para entender a
micro-história, é necessário conhecer um pouco da história do cantor, falecido em 1977.
Acredita-se que o uso de drogas causou a morte do cantor. Para os fãs, Elvis não morreu, está
vivo em suas lembranças, nas canções que ouvem e nos filmes de sucesso que estrelou. Se
tomarmos como parâmetro a história do rei do rock e o numeral “mais”, o personagem do
microconto, de quem não sabemos o sexo, está drogado, talvez por isso não distinga o
significado de “Elvis não morreu”. Se o cantor, mesmo usando drogas, vive, então o
personagem acredita poder usar “mais”, sem consequência para sua saúde. A crítica ao uso de
drogas alcança toda sociedade. Por trás do dito ou apenas sugerido, há histórias trágicas como
a de Elvis, a do personagem, a da família e a de outros famosos e anônimos. Um microconto
capaz de instigar a criatividade do leitor, levando-o a refletir sobre uma questão dramática da
sociedade.
No livro Minicontos e muito menos (2009), um lado contém micronarrativas de Lais
Chaffe e o outro, de Marcelo Spalding. O de Chaffe (p. 29):

Quase Ulisses

Havia um quê de vingança no olhar que ele dirigiu a Maria antes de fechar a porta:
- Não me espere para o jantar, Penélope.

O título deixa o leitor curioso. Ulisses, também Odisseu, é o herói grego da Odisseia,
de Homero, que narra as suas aventuras, em sua volta para Ítaca, após a guerra de Troia.
Telêmaco, filho de Ulisses e Penélope, era ainda criança quando o pai partiu para Troia. A fiel
esposa de Ulisses esperou vinte longos anos, resistindo às investidas dos que pretendiam
conquistá-la e se apossarem do trono. Todos o consideravam morto, menos ela e seu filho.
Para despistá-los, Penélope disse que só se casaria de novo quando o manto que tecia para o
sogro ficasse pronto, mas o que tecia de dia desmanchava à noite, de modo que o trabalho
nunca terminava. O “quase Ulisses” tinha, provavelmente, como esposa Maria, a quem dirigiu
um olhar vingativo, antes de fechar a porta lhe disse: “- Não me espere para o jantar,
Penélope”. Há um emaranhado de histórias. Não se sabe o que Maria fez para deixar o
personagem masculino com “um quê de vingança no olhar”. Ao chamá-la de Penélope, sua
95

intenção é irônica, é o avesso da esposa de Ulisses? Qual o drama do casal? Qual a guerra
interna do personagem? Quanto tempo durará? Tenciona voltar?
Joanna Ester Bonorino, em Canoas cult: poemas e microcontos (2009, p. 73), abre a
segunda parte do livro com microcontos:

Contrastes

Quando se livrou dos fariseus, pode ver a Luz do mundo.

Ao ler na íntegra, o leitor entenderá o significado do título: trevas e luz que dialoga
com a Bíblia, especificamente com a fala de Jesus ao povo: “… Eu sou a luz do mundo; quem
me segue não andará nas trevas; pelo contrário, terá a luz da vida” (João 8.12.). O microconto
é, a princípio, um jogo intertextual, mostrando a necessidade da “Luz” para a verdade, a fim
de sairmos das trevas, ou seja, do erro e da ignorância. Do mesmo modo como os olhos
precisam do sol para enxergar, assim também a nossa inteligência só vê a verdade se
iluminada que advém tanto da razão quanto da fé. Qual a “Luz” do personagem, do qual não
sabemos sequer o sexo? “Fariseu” deriva de um vocábulo hebraico que significa ‘separado’.
Denomina um grupo de judeus apegados à Torá, o livro sagrado dos judeus (Jo 3.1; Mt 22.34-
40). Jesus os considerava condutores cegos e falsos guias (Lc 11.37-44). Insultaram-no
repetidas vezes, pois não toleravam vê-lo realizando milagres no sábado (Lc 6.7; Mt 12.1-8;
Jo 9.13-16). Instigavam, agiam com hipocrisia e ostentação. A piedade de muitos não passava
de orgulho e fingimento (Mt 23.1-12). Considerando tais versículos bíblicos, o leitor do
microconto, entenderá que o personagem “se livrou” do que pregavam os “fariseus” e passou
a seguir os ensinamentos de Jesus, assim, “pode ver a Luz do mundo”. Em sentido mais
amplo, libertou-se. Modernamente, fariseu também significa pessoa hipócrita, que vive de
aparências, fingida, que gosta de aparecer, prega uma coisa e faz outra. Então, de quais
“fariseus” o personagem “se livrou” para “ver a Luz do mundo”? O que significa “ver a Luz
do mundo”? Que histórias há por trás o narrado?
Batendo ponto: uma colherada de humor na hora do cafezinho (2013), organizado por
Nanete Neves, é um livro composto de narrativas muito curtas e curtíssimas. Nelson de
Oliveira e Nanete Neves chamaram as suas narrativas de minicontos; Marcelino Freire, de
microcontos, caracterizando bem a hiperbrevidade de todos. Ficamos com Freire (p.101):

Tem 400 amigos no Face.


No trabalho nenhum.
96

Os amigos do personagem no Facebook podem, realmente, ser chamados de amigos?


Se “tem 400 amigos no Face” e “No trabalho nenhum”, conclui-se que as amizades são
fictícias, distantes da realidade. Não há interação verdadeira, face a face, com pessoas de seu
dia a dia, como no trabalho. A saída para essa pessoa, de quem não sabemos o sexo (afinal a
dificuldade de relacionamento atinge ambos os sexos), foi criar uma falsa ilusão de ‘ter’
amigos no “Face”, diante da impossibilidade de tê-los na vida real. As vantagens da
comunicação nas mídias sociais não podem superar o fato de que os relacionamentos de
verdade precisam de interações face a face para manterem. Amigos no “Face” não significa
que o personagem possa contar com eles. O que, afinal, está por trás da história do
personagem? A questão da falta de amigos se restringe ao ambiente em que trabalha ou
estende-se a sua vida? Sofre de algum tipo de aversão ao convívio social, como fobia social,
introversão, timidez ou é reservado?
Gelo e brasa, microcontos (2014, p. 25), de Antonio Roberto de Paula:

Procurava desesperadamente seus discos de vinil como se estivesse em busca da


porta do passado. Quando os encontrou, assoviou feliz e vigorosamente: “Porta
Aberta”.

Não sabemos quem procurava os “discos de vinil” e quem esperava para entrar. Talvez
seja um homem que “assoviou feliz e vigorosamente”. Considerando tal hipótese, a pessoa
que espera é uma mulher. O Long Play (LP), como também se chamava o vinil, foi difundido
no início da década de cinquenta para reprodução. As informações registradas só podiam ser
lidas e transformadas em sons por meio do toca disco. A partir das sugestões do microconto,
conclui-se que os personagens são da terceira idade. A oração “como se estivesse em busca da
porta do passado” sugere retorno ao vivido em tempo remoto. A “porta do passado” possui
sentido dúbio, referindo-se tanto aos “discos de vinil” quanto ao sentimento compartilhado,
inclusive musical, como quem espera a porta abrir. O diálogo com o passado também se dá
por “porta do passado” e “Porta aberta” - é o momento em que os personagens se encontrarão
para reviver momentos marcantes embalados pelo som de um “disco de vinil”.
O livro de Paulo Lima, Abre alas, microcontos carnavalescos (2014, p.43), faz jus ao
título:

49

- Abre alas que quero passar. Ia falando a morena, toda zombeteira. Não faltaram
mãos.
97

Ó abre alas é o nome e um dos refrãos da música composta em 1899 por Chiquinha
Gonzaga (1847-1935), considerada a primeira marchinha do carnaval brasileiro. O início do
microconto dialoga diretamente com a composição, feita para o cordão Rosa de Ouro, o que
se confirma na letra: Ó abre alas / Que eu quero passar / Ó abre alas / Que eu quero passar /
Eu sou da lira / Não posso negar / Eu sou da lira / Não posso negar / Ó abre alas / Que eu
quero passar / Ó abre alas / Que eu quero passar / Rosa de Ouro /É que vai ganhar / Rosa de
Ouro / É que vai ganhar... Só em 1939, quando a jornalista Mariza Lira preparava a primeira
biografia da compositora, Ó abre alas foi publicada na íntegra. Por décadas, a marchinha foi
gravada, ora arranjada ou enxertada, por diversos cantores, tornando-se símbolo do carnaval
carioca. “A morena”, afrodescendente, símbolo do carnaval brasileiro, “ia falando” a
marchinha “toda zombeteira”, ou seja, em tom de brincadeira, divertindo-se e usando os
primeiros versos para pedir passagem. O carnaval transforma pobres em ricos, donas de casa
em prostitutas, machões em travestis, ateus em padres, trabalhadores em preguiçosos etc. Nos
quatro dias de folia, o que vale é a diversão. O prefeito entrega a chave da cidade para o Rei
Momo. A folia desmedida gera, muitas vezes, falta de respeito, como no caso da “morena”,
que “não faltaram mãos”. Como o personagem estava vestida quando puseram as mãos em
seu corpo? Que parte do corpo recebeu tais toques? Como a “morena” reagiu? O narrador
critica tais comportamentos ou constata o que acontece durante o carnaval?
Segundo Luiz Ruffato, escritor do prefácio de Afagos (2015, p. 203), de José Rufino, o
livro reúne cento e dois textos chamados de microcontos. Ruffato compara as micro-histórias
a “um pássaro flagrado em pleno voo: desconhecemos de onde ele partiu e não conheceremos
jamais sua destinação, mas, sabemos, houve um antes e haverá um depois...”. Como exemplo:

Arrependimento

Não esperava aquela recepção tão fria. É certo que, depois de tudo, não esperava
beijos e abraços fraternos, mas queria pelo menos a ternura dos filhos.

Desconhece-se o que levou ao “arrependimento”, mas sabemos, como explica Ruffato,


que o personagem praticou algo antes. A palavra “fraternos” indica um homem que,
provavelmente, largou a família. Não se sabe o motivo e por quanto tempo. Arrependido,
volta na esperança de ser bem recebido, o que não aconteceu. Decepciona-se pois “não
esperava aquela recepção tão fria”. Por que seria diferente? A expressão “depois de tudo”
sugere que o pai praticou algo grave. Ao voltar, “queria pelo menos a ternura dos filhos”! É
exigir demais daqueles que sofreram a dor do abandono, do desprezo e, provavelmente, de
maus-tratos. Afinal, quanto tempo o personagem levou para se arrepender? Como ficaram os
98

filhos durante esse período, passaram por problemas psicológicos e privação de alimentos? E
a mãe, sequer mencionada, o que sofreu, qual sua participação nesta micro-história? O que há
por trás de tudo? Depois do retorno, como se desenrolará a história? O microconto de Rufino
dialoga com o drama cotidiano, caminho seguido por diversos microcontistas.

3.4 Microcontos na internet

A partir do aprimoramento da tecnologia da informação e da comunicação pela


internet, surgem as redes sociais online, uma estrutura que inter-relaciona empresas e pessoas,
conectadas por diversos tipos de relações. Atualmente há diferentes redes sociais, como
LinkedIn (2002), MySpace (2003), Facebook (2004), Orkut (2004), Twitter (2006), Instagram
(2010), dentre outras. Há também os blogs, pessoais ou escritos por um número variável de
pessoas, que permitem postagens de arte, vídeos, músicas, áudios, fotografias, livros,
resenhas, artigos, poemas, contos, microcontos etc; e os microblogs, uma forma de blog, em
que os usuários postam textos curtos para visualização por meio de uma rede social, como o
Twitter. Um blog é considerado ‘micro’ quando permite a inserção de até duzentos caracteres
ou menos – o Twitter, um disseminador da escritura de microcontos, usa até cento e quarenta
caracteres. A sua limitação está diretamente proporcional à capacidade de criação, concisão e
persuasão do escritor, a fim de tornar o leitor seu cúmplice. No caso, o microconto ganhou
mais uma nomenclatura: twitteratura.
Selecionamos da internet alguns microcontos para comentários.
A Casa das Mil Portas é um projeto direcionado a centenas de escritores brasileiros e
portugueses de microcontos. Definem o microconto como uma história em prosa contada em
cinquenta letras ou menos, um desafio literário, uma tentativa extremamente econômica de
contar ou sugerir uma história inteira, a exemplo do microconto de Augusto Monterroso: “O
dinossauro”. Neste blog, cada microconto tem seu próprio blog, aparecendo o microconto e o
nome do autor, com um link direcionando o leitor. Há ainda um link para outro microconto
escolhido aleatoriamente, consequentemente, cada visita os mostrará em nova sequência.
Eis o microconto de Maray Furnari:

Caim, cadê teu irmão? Não tenho irmão, responde sorrindo.


99

A primeira palavra é um nome próprio que remete o leitor à Bíblia, mais


especificamente ao Gênesis, capítulo quatro, em que Eva e Adão, depois de expulsos do
Jardim de Éden, tiveram dois filhos: Caim e Abel. Na primeira oração, o narrador pergunta a
Caim pelo irmão, sugerindo que é Abel. Essa interrogação gera uma desconfiança no leitor,
intensificando-se no período final: “Não tenho irmão, responde sorrindo”. Afinal, o que há
por trás do dito? Se o leitor conhece a narrativa bíblica, saberá que, de acordo com as
escrituras, naquele tempo, praticavam-se atos de adoração ao Senhor, sacrificando parte de
suas produções. Sempre que os gêmeos faziam uma oferta ao Senhor, este se agradava da de
Abel, os primeiros e melhores frutos, e não da de Caim, que oferecia o restante da colheita.
Caim, por invejar seu irmão, praticou o primeiro homicídio: matou Abel. Depois, o Senhor
interroga Caim: “Onde está Abel, teu irmão?”, responde: “Não sei, acaso, sou eu o tutor de
meu irmão?”, “E disse Deus: Que fizeste?...” (Gênesis, 4.9-10). Percebe-se a
intertextualidade clara com o Gênesis, mas, no microconto, o que há ainda por trás da resposta
cínica de Caim? Um diálogo com a tragédia de “A vida como ela é...”, em Nelson Rodrigues?
Ou talvez Caim não morreu, vive em outros criminosos?
Em O Muro e outras páginas há prateleiras de livros, notícias sobre o mundo da
microliteratura, microcontos de Wilson Gorj e indicações de links de microcontos, dentre
outros. Então, temos.
UNIVERSO CINEMATOGRÁFICO

Ele, um astro. Ela, uma estrela. Filmavam uma cena romântica, quando rolou um
beijo. Entraram em órbita.
O profissionalismo foi para o espaço.

O título indica ao leitor o jogo intertextual com o “universo cinematográfico”,


confirmando-se a partir da leitura do microconto. Há também um diálogo com o universo,
iniciado no título, pelas palavras “astro”, “estrela”, “órbita” e “espaço”. Os personagens são
um homem e uma mulher. Ele é um astro, protagonista do filme e brilhante em sua profissão;
ela, com os mesmos predicados, é uma estrela. Durante a filmagem de uma cena romântica,
na qual havia um beijo, o inesperado acontece: “Entraram em órbita”, ou seja, o caminho
percorrido pelo artista em torno do outro sob a influência de uma força, como acontece com
os astros planetários, ganhou nova dimensão. A ficção entrou na realidade, o casal ultrapassou
o profissional, o faz de conta, e se deixou levar pelo sentimento amoroso. O último período
afirma que “o profissionalismo foi para o espaço”, mas o que realmente significa “espaço”
nesse contexto? O fato de agirem sem o profissionalismo exigido pelos produtores
100

compromete suas carreiras? Foi para o “espaço” apenas a cena que filmavam, visto que não
valeu? O que realmente aconteceu com o “astro” e a “estrela” durante e depois das filmagens?
No Microcontos da Zezé, Zezé Pina escreve microcontos de até cento e cinquenta
caracteres e indica links de outros autores. Da autora:

ARCO-ÍRIS

O velho duende não achou seu pote de ouro. Percebeu que fora enganado, não lhe
restou alternativa: roubou as cores do arco-íris.

O microconto dialoga com o arco-íris - desde o título -, um fenômeno visual e


meteorológico que origina um arco com sete cores do espectro solar, formado graças à
refração e reflexão da luz solar nas gotas de chuva suspensas na atmosfera. No primeiro
período, o jogo intertextual é com seres mitológicos, os duendes. Se o leitor conhece a
história, perceberá que as palavras “arco-íris”, “ouro” e “duende” se interligam. Na cultura
popular, acredita-se que os duendes vivem nas florestas, poços e nascentes além de tomarem
conta de um pote de ouro ao final do arco-íris. Caso um deles fosse capturado, compraria a
liberdade com o ouro. “O velho duende”, talvez por ser velho, fraco e distraído, fora
enganado mas por quem? Se o foi, provavelmente era um conhecido, merecedor de sua
confiança. Sem saída, “roubou as cores do arco-íris”. O que aconteceu depois do roubo? E o
que fizeram os outros duendes? O que há por trás do dito? Quem sabe a resposta esteja na
pérola O Duende (1993), escrito e dirigido por Mark Jones. No filme, um cruel duende
irlandês tem seu ouro roubado (o pote ao final do arco-íris) por um espertalhão. Em busca de
vingança, sai atrás do sujeito, mata sua mulher, mas é aprisionado por um trevo de quatro
folhas.
Em Microcontos do Carlos, de Carlos Seabra, há mais de trezentos e cinquenta
microcontos com o limite de até cento e cinquenta caracteres, para permitir envio por celular
– sem uso do título.

Escorregando pelo corrimão das escadas ou arrastando-se por baixo dos móveis da
sala, aquele moleque era mesmo um zero zero sete!

O microconto dialoga com o espião mais famoso da história: 007. Estreou nos cinemas
em 1962, em adaptação de um personagem do escritor Ian Fleming. Charmoso, inteligente,
corajoso e conquistador, Bond se tornou um personagem clássico dos filmes de ação. No
microconto, Seabra descreve ações praticadas por um “moleque” que se assemelha ao
personagem. O leitor, provavelmente, se pergunta: o que há por trás do dito? Trata-se de uma
criança hiperativa? O que imagina ao praticar essas ações? Imita algum personagem de
histórias lidas, como o Recruta Zero ou de filmes e desenhos, a que assistira? E os pais, como
lidam com as brincadeiras do “moleque”: reprimem ou não? Na escola, ele encarna o “zero
101

zero sete”? É possível que exista um leque de microhistórias a partir do sugerido sobre esse
“moleque”.
Em Penates, encontramos microcontos e outros escritos de Tiago Fidelis Moralles,
além de links de temas diversos. Escolhemos o microconto # 22:

INCERTEZAS

Descobriu que poder é informação. Buscou na internet por inquisição.

Incertezas fazem parte da vida humana. Quais as do personagem que nem sabemos o
sexo e a idade? Na pré-adolescência e na adolescência, os jovens passam por um turbilhão de
modificações: físicas, emocionais, comportamentais etc, gerando incertezas. Na fase adulta,
são de outra ordem, mas não nos deixam. Afinal, qual a graça em tudo certo e acabado, sem o
prazer da descoberta? O personagem “descobriu que poder é informação”. Na era tecnológica
da informação e da comunicação, tem razão. Onde buscá-la? A internet é um dos caminhos,
mas deixa o leitor impactado: buscou por “inquisição”. Por que o interesse pelo tema? Por que
o jogo intertextual com a “inquisição”? Será o personagem judeu? Provavelmente, o
microconto busca levar o leitor à reflexão sobre o “poder” da Igreja Católica, que criou uma
espécie de tribunal para condená-los. O ‘Santo Ofício da Inquisição’ mandou para a fogueira
milhares de pessoas, consideradas hereges.
Em os Primeiros Mil Microcontos há mais de mil microcontos de diversos autores,
com o limite de até cento e cinquenta caracteres, com a curadoria de Jarbas Novelino Barato,
que também posta os seus, além de links para acessar microcontos de outros autores.
Selecionamos o de número setecentos e setenta e um, de Zé Kuller:

Findou a tradução do velho texto em aramaico. Viu imagens ancestrais e o fim dos
séculos. Extasiado, perto da compreensão de tudo, enlouqueceu.

O personagem do microconto é homem, sabido por “extasiado”. Conhece “aramaico”,


língua falada pelos arameus. Em aramaico foram redigidos trechos de livros protocanônicos
do Antigo Testamento e também o original de São Mateus, hoje perdido. Depois que terminou
“a tradução do velho texto em aramaico”, “viu imagens ancestrais e o fim dos séculos”. O
leitor, provavelmente, se perguntará: as imagens vistas de ancestrais são dos personagens ou
de outros povos? Por que viu o fim dos séculos e não o fim do mundo? O fim dos séculos
significa que quando Jesus voltar, se iniciará um novo século? O velho texto é o bíblico
original perdido? O personagem viu o produto de suas alucinações, influenciado pela leitura?
O impacto maior acontece quando o tradutor “extasiado, perto da compreensão de tudo,
enlouquece”. O leitor atento perceberá que, no período anterior, o estado visionário do
102

personagem o prepara para o desfecho dramático. Enfim, o que o deixou em estado de êxtase?
Estava prestes a compreender tudo o quê?
Em Pedaços de mim, Eugênia Tabosa diz que tomou conhecimento do gênero
minimalista recentemente, por Carlos Seabra, que a incentivou a explorar essa forma de ‘um
caso’ com começo, meio e fim em apenas cento e cinquenta caracteres, limite de uma
mensagem de texto via celular. Foi um desafio interessante, segundo a autora. Além dos
microcontos postados, há indicações de links para outros sites e blogs de Tabosa e de vários
escritores em que navega. Dentre os microcontos de Tabosa, selecionamos:

Abriu as janelas, retirou os panos que cobriam o espelho, sentou-se ao piano jogando
o cabelo para trás e tocou um alegro ma nom tropo.

A oração “sentou-se ao piano jogando o cabelo para trás” intensifica o que vem
sugerido antes pelas ações do personagem, provavelmente, feminino. Um ser misterioso.
Ignora-se a razão desse movimento. Chegou de viagem, de mudança ou acordou para a vida?
A intertextualidade é com Allegro ma non troppo (rápido/alegre, mas não muito), nome de um
andamento para indicar ao músico a execução. O movimento “allegro” apresenta pulsação
rápida e expressão leve e alegre. Diversas sonatas, sinfonias e concertos mostram esses
movimentos. No caso, o personagem tem um gosto musical refinado, provavelmente, gosta da
nona sinfonia de Beethoven: Allegro ma non troppo, un poco maestoso. Os movimentos do
personagem em sintonia com a música sugerem que é contido em sua alegria. Por que o
sentimento controlado? Quem é o personagem misterioso? Será descendente de italiano ou
brasileiro – visto que no microconto o andamento musical está escrito errado “alegro ma nom
tropo”? O que há ainda por trás do dito? Talvez tenha lido o livro Allegro ma non troppo
(1988), de Cipolla, composto de dois ensaios humorísticos, que parodiam as técnicas
metodológicas da análise humanística e da historiografia. Há outra possibilidade: o
personagem assistiu à peça cômica, de Labaki (1996), de nome igual ao andamento musical,
que conta a história de uma prostituta que sonha em ser cantora? Os mistérios do personagem
são muitos, as histórias também.
Na página “Micro Contos” no Facebook, de Fernando Guerreiro, encontramos um
leque de microcontos, do qual selecionamos:

Passeavam os dois sempre de mãos dadas. Como de costume, compraram o jornal,


dividiram-no e sentaram-se num banco de jardim. Ele sentiu-se adormecer. Ela, a
partir daquele instante, vestiu-se de preto todos os dias.
103

O diálogo do microconto é com a vida de um casal, provavelmente, de idosos, que


compra cotidianamente “o jornal”. O artigo definido “o” indica ao leitor que os personagens
compravam sempre o mesmo. As cenas iniciais são românticas. Depois de dividirem e de se
sentarem no banco de jardim - não indicado -, o senhor adormeceu. Então, o leitor se
pergunta: por que o uso da palavra “sentiu”? Talvez tenha lido algo impactante, desesperador?
Ao continuar a leitura, depara-se com a senhora, “a partir daquele instante”, vestida “de preto
todos os dias”, ou seja, tornara-se viúva. A palavra sentir, agora, pode significar que sentiu a
morte chegar, calma e tranquila como em sono profundo ou a dor do infarto fulminante, uma
das causas da morte súbita. Há outras probabilidades. E, depois da morte, como a senhora
percebeu, como reagiu, quais as providências tomadas, como segue sua rotina com o luto,
compra “o jornal”? Tem filhos ou vive sua viuvez solitária?
No Twitter, Seabra publica microcontos de até cento e quarenta caracteres desde 2007,
como:
Que saudades da clandestinidade! – pensava o velho militante ao ver seus
companheiros no poder.

O início do microconto, “Que saudades”, lembra o poema “Meus oito anos”,


publicado em As primaveras (1859), de Casimiro de Abreu. Entre 1853 e 1857, quando viveu
em Portugal, desenvolveu o sentimento nostálgico dos românticos. Inspirado em “Canção do
exílio”, publicado em “Primeiros cantos (1846), de Gonçalves Dias, escreveu uma série de
poemas impregnados de nostalgia da terra natal, como “Canção do exílio”. A
intertextualidade entre os poemas, mais especificamente a palavra “exílio”, dialoga também
com a “clandestinidade” vivida pelo “velho militante” do microconto de Seabra, que se sente
nostálgico “ao ver seus companheiros no poder”. Os que durante a ditadura viviam exilados,
na clandestinidade, lutando por um ideal, agora, ditam as normas, são outros em sentimentos e
ações – sem ideologias. O que distanciou o “velho militante” dos que estão no poder?
Quando se iniciou o processo de transformação? O que há por trás do microconto?
Pelo que podemos perceber, os microcontos instigam a reflexão e a criatividade do
leitor, levando-o muito além do dito ou apenas sugerido. É instigante preencher as elipses, os
implícitos, decifrando os enigmas, aventurando-se por histórias não contadas, mas que podem
ser escritas ao seu modo; pesquisar o sugerido no jogo intertextual e se divertir com as
descobertas, acrescentando outras leituras a sua bagagem cultural e, assim, estendendo sua
visão de mundo.
104

4 LEITURA E A RELEVÂNCIA PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Na escola atual, cada vez mais necessita-se de um trabalho criativo com a leitura.
Interpretar textos é uma exigência da sociedade e do mercado. Os alunos estão chegando e
saindo do 9º ano do Ensino Fundamental com imensas dificuldades de leitura e de
interpretação, o que se torna mais evidente quando se constata que as aulas de língua
portuguesa ainda privilegiam o ensino da gramática. A abordagem do texto literário em sala
de aula, geralmente, dá-se somente com o modelo proposto pelo material de referência
utilizado (livro didático ou cadernos pedagógicos elaborados pela Secretaria Municipal de
Educação do Estado do Rio de Janeiro – SME/RJ). Em nosso trabalho, tratamos
especificamente das escolas do Município do Rio de Janeiro, entretanto, é uma realidade da
maioria das instituições públicas do Brasil.
Apesar de a SME/RJ ter elaborado um projeto pedagógico para que o aluno leia um
livro por bimestre, com a finalidade de produzir um texto, segundo os critérios e gêneros
indicados, cremos que tal projeto não é suficiente para o aluno interagir com o texto e
perceber as possibilidades de (re)conhecimento do mundo que propõe. Segundo Machado
(2002, p. 14), Monteiro Lobato “dizia que obrigar alguém a ler um livro, mesmo que seja
pelas melhores razões do mundo, só serve para vacinar o sujeito para sempre contra a leitura”.
Assim, trabalhar com microconto torna-se uma opção interessante e adequada ao aluno de
hoje, imerso no mundo tecnológico da comunicação e da informação. O ensino da leitura e da
escrita, evidentemente, não se limita ao microconto, mas com certeza contribuirá para a
apropriação das práticas da linguagem e não só aprendizagem do gênero por ele mesmo, com
as reflexões e as produções que surgirão. É mais um estímulo, como também da gramática no
texto. O estudante compreenderá porque usar esta ou aquela palavra para expressar muito em
poucos caracteres, escolhendo-a e organizando-a com o poder da concisão, da brevidade, da
rapidez, mas considerando o todo.
O ensino de língua portuguesa objetiva o domínio do idioma para ler, escrever e falar
adequadamente. A tríade leitura-escritura-fala desenvolverá a capacidade de uso da língua
como instrumento de comunicação nas diversas esferas sociais. A leitura de microcontos
estimulará a leitura apreciativa, a reflexiva e, paulatinamente, o cultivo do gosto pelo gênero.
O texto literário tem uma linguagem específica, mas, devido ao pouco contato, os
alunos apresentam dificuldades de compreensão. Tal fato simplesmente reflete a falta de
conhecimento das especificidades do texto literário e revela a abordagem tradicional e
105

autoritária da literatura e da leitura. As atividades realizadas na escola os afastam dos livros.


Ressalta-se a falta de interação entre o aluno e o texto, principalmente, por não compreender o
caráter estético da literatura e o seu vocabulário, deixando a cargo do professor.
A falta de familiaridade se pauta na ausência de reflexão sobre a natureza da literatura
e seus aspectos. Deve-se repensar o ensino da literatura, tanto no viés histórico quanto
ideológico, desvinculado de práticas pedagógicas com receitas e modelos que desconsideram
a especificidade da linguagem. Segundo Filipouski e Marchi (2005, p. 10),

O texto literário tem... lugar privilegiado, pois possibilita a fruição que habilita o
leitor para exercer o direito de escolha do que lerá, lendo como uma experiência
individual, subjetiva e mesmo afetiva. É também capaz de aproximar pessoas,
formando comunidades de sentidos que compartilhem preferências e interesses
comuns. Sua leitura consolida a cidadania, pois a linguagem literária é forma de
expressar consciência de si e do outro, ao mesmo tempo limite, espelho e aliado.

O livro ganha vida quando alguém o lê. Não adiantam estantes recheadas, mas
inacessíveis. Uma escola com vistosa biblioteca ou sala de leitura repleta de volumes se os
professores não promoverem o incentivo à leitura, o acesso a eles. É imprescindível que sejam
leitores, contem histórias e criem projetos capazes de contribuir para a formação crítica.
Machado (2002, p. 09), com linguagem simples, discorre sobre seu trajeto de leitora,
mostrando-se, desde cedo, curiosa e disposta a aventurar-se por novos mundos de narrativas
instigantes, principalmente dos clássicos pelo seu caráter atemporal. Narra como foi seu
primeiro encontro com Dom Quixote: “[...] Não sei, há coisas que a memória da gente não
guarda. Mas nunca vou esquecer as aventuras de Dom Quixote que meu pai foi me contando
aos poucos, com suas próprias palavras, enquanto me mostrava as ilustrações”. Não
pretendemos que se iniciem as leituras por obras densas. Há na literatura brasileira escritores
geniais, como Monteiro Lobato, mas no mundo tecnológico da informação e da comunicação,
os microcontos se apresentam como campo fértil e atraente de leitura, principalmente os
intertextuais, por provocar no aluno a curiosidade a respeito da obra ou do autor citado.
Hoje a realidade das crianças e adolescentes é outra, a rapidez da informação e da
comunicação impõe as regras, entretanto, é possível manter um diálogo entre as histórias orais
contadas de pais para filhos, os gêneros textuais e literários, incluindo o microconto.
Oferecidos às crianças desde, cedo os microcontos se mostram capazes de marcá-las. Dessa
forma, o prazer pela leitura, inclusive de textos maiores, poderá germinar e frutificar.
Quando lemos, viajamos por lugares distantes, no tempo e no espaço; é o gosto pelo
desconhecido, pelo conhecimento do outro, pela exploração da diversidade humana. Pela
106

leitura nos transportamos, vivemos outras vidas com experiências diferentes. Ao lermos,
descobrimos personagens e sentimentos que, muitas vezes, são tão próximos, que nos
refletimos. Entendemos melhor o sentido das próprias experiências e do mundo que nos cerca.
Outro prazer que encontramos, inclusive nos microcontos, é a decifração, a exploração
daquilo tão novo e complicado que, com obstáculos, atrai, tentando ao mesmo tempo
conquistar, vencer as dificuldades da leitura, preencher as elipses e compreender o jogo
instigante proposto, ou seja, instala-se, a interação autor-texto-leitor com propósitos
constituídos sócio-cognitivo-interacionalmente.
Para Koch e Elias (2008, p. 11),

o sentido de um texto é construído na interação texto-sujeitos e não algo que


preexista a essa interação. A leitura é pois, uma atividade interativa altamente
complexa de produção de sentidos, que se realiza evidentemente com base nos
elementos linguísticos presentes na superfície textual e na sua forma de organização,
mas requer a mobilização de um vasto conjunto de saberes no interior do evento
comunicativo.

O leitor, ao interagir com um texto, constrói-lhe o sentido, considerando as


informações explícitas e as implícitas. A leitura é uma atividade na qual se leva em conta as
experiências e os conhecimentos do leitor, exigindo-lhe mais que o domínio do código
linguístico, uma vez que a compreensão do texto necessita de recepção ativa.
A contextualização se relaciona à possibilidade de o leitor contemporâneo incorporar à
sua leitura a lembrança de outras leituras e a consciência da rede que compõe a literatura.
Assim, desenvolverá consideravelmente o gosto pela leitura, bem como estimulará a
inteligência e a criatividade. Lerá em profundidade, “exercendo plenamente essa
extraordinária característica cerebral da espécie humana que nos fez desenvolver a capacidade
da leitura e da escrita. Ler com disposição de encontrar o outro, de encarar mudanças e
diferenças...” (MACHADO, 2002, p.100). Não se pressupõe o abandono do prazer da leitura,
que nos impulsiona, que nos faz avançar, que cria o envolvimento.
A literatura canônica e a atual são uma extensão da alfabetização. É outra razão para
direcionarmos os alunos à “leitura”. Iniciamos por microcontos, poemas, contos, crônicas,
memórias literárias e reescrituras pós-modernas. Segundo Calvino (2007, p. 15), “ler os
clássicos parece estar em contradição com nosso ritmo de vida, que não conhece os tempos
longos, o respiro do otium humanista; e também em contradição com o ecletismo da nossa
cultura, que jamais saberia redigir um catálogo do classicismo que nos interessa.”
O ritmo de vida na atualidade, com a internet, se tornou mais acelerado,
consequentemente, o leitor também. Então, o caminho para uma leitura instigante e,
107

provavelmente, aceita é pensar em novos modelos, como o microconto, o digital e em livro. A


partir deles, o leitor se servirá da concisão, da escolha de cada palavra, da elipse etc. Micro
em estrutura, mas não em conteúdo significativo, capaz de estimular o leitor a querer saber o
que existe por trás do dito ou apenas sugerido. É um gênero exigente, com leitor ativo, pois a
micro-história não termina com uma decisão autoritária do escritor, permitindo a continuidade
dela em várias leituras.
O trabalho do professor se funda na prática, bem como o seu posicionamento nas aulas
de literatura. A fim de direcionar o ensino no Brasil, o Ministério da Educação e Cultura
(MEC), por meio da Secretaria de Educação, desenvolveu os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN). Para o nosso caso, o segundo segmento do Ensino Fundamental, o terceiro
e quarto ciclos do Ensino Fundamental de Língua Portuguesa. Esse documento orienta o
trabalho do docente no planejamento de suas aulas, na análise do material utilizado, de modo
a contribuir para reflexão e para formação do profissional da educação, entretanto, o professor
precisa ir além, olhar para o que se produz na atualidade tanto no meio digital quanto no
impresso, ser dono de seus atos, acrescentando sua marca pessoal.
A concepção de leitura como atividade de produção de sentidos é explicitada nos PCN
(1998, p. 69-70):

A leitura é o processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de compreensão e


interpretação do texto, a partir de seus objetivos, de seu conhecimento sobre o
assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a linguagem etc. Não se trata de
extrair informação, descodificando letra por letra, palavra por palavra. Trata-se de
uma atividade que implica estratégias de seleção, antecipação, inferência e
verificação, sem as quais não é possível proficiência. É o uso desses procedimentos
que possibilita controlar o que vai sendo lido, permitindo tomar decisões diante de
dificuldades de compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no texto
suposições feitas.

Não só os PCN, como também as Leis de Diretrizes e Bases (LDB) vigentes apontam
para uma concepção de leitura e ensino de literatura para o Ensino Fundamental pautada na
formação do cidadão leitor. Espera-se que o professor crie propostas que cativem seus alunos,
capazes de envolvê-los para que se deliciem com uma boa história sem compromisso com
provas e testes.
Segundo Koch e Elias (2008, p. 48-54), para o processamento textual, o leitor recorre
a três sistemas: o linguístico, que abrange o conhecimento gramatical e lexical, ou seja, a
partir desse sistema compreendemos a organização do material linguístico na superfície
textual, o uso dos meios coesivos para efetuar a remissão ou sequenciação textual, a seleção
lexical adequada ao tema ou aos modelos cognitivos ativados; o enciclopédico ou
108

conhecimento de mundo, que se refere a conhecimentos gerais e vivências pessoais,


permitindo a produção de sentidos; e interacional, que se refere às formas de interação por
meio da linguagem, englobando os conhecimentos ilocucional, comunicacional,
metacomunicativo e superestrutural.
O conhecimento ilocucional “permite-nos reconhecer os objetivos ou propósitos
pretendidos pelo produtor do texto, em uma dada situação interacional”, segundo Koch e Elias
(2008, p.49). Já o conhecimento comunicacional (p. 50) diz respeito à:

● quantidade de informação necessária, numa situação comunicativa concreta, para


que o parceiro seja capaz de reconstruir o objetivo da produção do texto;
● seleção da variante linguística adequada a cada situação de interação;
● adequação do gênero textual à situação comunicativa.

O conhecimento metacomunicativo (KOCH e ELIAS, p. 52) é aquele que permite ao


locutor assegurar a compreensão do texto e conseguir a aceitação pelo outro dos objetivos
com o produzido. O conhecimento superestrutural

permite a identificação de textos como exemplares adequados aos diversos eventos


da vida social. Envolve também conhecimentos sobre as macrocategorias ou
unidades globais que distinguem vários tipos de textos, bem como sobre a ordenação
ou sequenciação textual em conexão com os objetivos pretendidos (KOCH e ELIAS,
2008, p. 54).

Quem lê, desenvolve o senso crítico e melhora a escrita, como também a capacidade
de argumentação e comunicação. É imprescindível que o convívio com os livros extrapole o
desenvolvimento sistemático da escolarização e que, no caso, o microconto ocupe seu lugar.
Ao longo dos últimos anos, a escola se preocupou em formar o indivíduo crítico,
responsável e atuante na sociedade, entretanto, é uma meta que ainda não atingiu. A prova é,
segundo Abreu (2011, p. 257),

que os índices brasileiros de repetência estão diretamente ligados à questão do


desenvolvimento da proficiência dos estudantes nos diferentes anos de escolaridades
do ensino básico. (...) a escola brasileira não tem cumprido sua função de ensinar a
ler, no sentido lato do termo e, também, não tem ensinado a escrever.

Vivemos em uma sociedade onde as trocas sociais acontecem rapidamente, por meio
da leitura impressa e digital, da escrita, da linguagem oral ou visual. No contexto, trabalhar o
gênero microconto é uma opção capaz de colaborar para a prática da leitura e da escrita. Este
gênero convida o leitor a refletir sobre o escrito e/ou apenas sugerido; ensina-lhe o poder da
concisão que se obtém na escolha de cada palavra, dispensando-se, por exemplo, adjetivos e
advérbios desnecessários.
109

No trabalho com a leitura, apresentam-se novas possibilidades e perspectivas para os


alunos, levando em consideração aspectos linguísticos, significativos na tessitura do texto.
Segundo Guimarães e Batista (2012, p.21),

o texto literário é uma obra de natureza complexa, resultante de intenções, operações


linguísticas e produção de sentidos que colocam em jogo o uso da linguagem além
da referencialidade. A literatura implica reconhecer, entender e fruir elementos de
natureza expressiva, conativa e poética que destacam o espaço da manifestação
literária como aquele que exige do seu leitor muito mais participação do que aquela
requerida em processos de interação verbal que destacam sobremaneira a função
referencial da linguagem.

Cabe ao professor facilitar este tipo de leitura, requerendo participação mais ativa do
leitor. O aluno deve perceber a funcionalidade e a arte do texto literário, e entrar no universo
da verossimilhança.
A literatura se situa num complexo histórico-social, reatualizando continuamente, no
momento de criação do texto pelo autor ou nas diferentes recriações estabelecidas pelos
leitores, situados em diferentes momentos no tempo. Como consequência da interação, o
espaço da literatura se torna o diálogo entre os sujeitos.
Lajolo (2004) ressalta a importância de lermos romances brasileiros, inclusive pelos
aspectos culturais e para nos divertirmos com as histórias narradas, compartilhá-los com os
amigos e recomendá-los, mas sobretudo discutir, refletir. Apropriamo-nos destas sugestões e
repetimos com os microcontos.
Hoje já não são somente os recursos da natureza e financeiros fontes de poder.
Informação e conhecimento aparecem como peças fundamentais na organização das
sociedades. Dessa forma, devemos considerar o impacto das tecnologias da informação e da
comunicação no planejamento pedagógico. A internet, com sua expansão rápida, marcou
definitivamente a humanidade, com consequências, a proficiência leitora e escritora do aluno.
110

5 UM PROJETO DE LEITURA E REESCRITURA EM MICROCONTOS

A nossa proposta de trabalho parte da leitura de microcontos, passa pela leitura de


contos, retorna aos microcontos em forma de (re)escritura; na sequência, parte da leitura de
outro conto, (re)escrevendo-o em microcontos pelos alunos e a professora em conto; segue
com a reescrita de microcontos a partir do conto reescrito; na sequência, pesquisam a vida e a
obra de Lima Barreto, reescritas em microcontos pela professora; finaliza com a leitura e a
reescritura pelos alunos de Triste fim de Policarpo Quaresma (1993), publicado em livro em
1915, em microcontos. Lembramos que o primeiro momento é o mais significativo – foco
primordial -, por isso deve ser trabalhado pelo professor em profundidade, com variedade de
textos e por um período satisfatório, a fim de levar o estudante ao prazer pela leitura e pela
(re)escritura de textos mais extensos. De acordo com o ano escolar e os avanços dos alunos, o
professor saberá até onde ir.

5.1 Leitura de microcontos em sala de aula

Inicialmente, identificaremos os envolvidos diretamente no projeto: professora de


Língua Portuguesa – Damiana Maria de Carvalho; Escola Municipal Pereira Passos, do
Município do Rio de Janeiro; alunos do 9º ano, turno da manhã, do Ensino Fundamental, em
2011; livros selecionados: Os cem menores contos brasileiros do século (2004), organizado
por Marcelino Freire; Expresso 600: 61 microcontos, vários autores (2006), organizado por
Edson Rossatto; Dois palitos (2007), de Samir Mesquita; Os cem melhores contos brasileiros
do século (2001), organizados por Ítalo Moriconi; Contos de fadas: de Perrault, Grimm,
Anderson e outros (2010), tradução de Maria Luiza Xavier de Almeida Borges; e Triste fim de
Policarpo Quaresma (1993), de Lima Barreto.
O objetivo geral do projeto é inserir o aluno no mundo da leitura, da escrita e da
reescrita, por meio dos microcontos. Pretendemos despertar o prazer pela leitura para além
dos microcontos.
A fim de familiarizar os alunos com as características do gênero: concisão extrema,
narratividade, totalidade, subtexto, elipse, ausência de descrição, intertextualidade, retrato de
111

“pedaços da vida”, impacto etc, fiz uma roda de leitura com duas aulas de cinquenta minutos
para cada obra.
Apresentei aos alunos a obra organizada por Marcelino Freire (2004). Pedi para
observarem o tamanho do livro, a cor predominante, o título - a disposição gráfica, e tudo que
se encontrasse na capa. Houve questionamentos sobre a importância de esse olhar, mas
acataram, em tom de brincadeira. Alguns afirmaram que ele era pequeno porque,
provavelmente, as histórias também seriam. Sobre a cor, a maioria, disse que o vermelho
chama atenção para comprar. Para nossa surpresa, um dos alunos questionou: “professora, o
vermelho se refere ao pau-brasil, não é?” Realmente, é uma possibilidade. A madeira dessa
árvore apresenta, no seu interior, uma intensa cor vermelha, devido à presença da bazilina,
uma substância que servia aos portugueses de luxuoso material para tingimento de tecidos, a
primeira atividade econômica empreendida pelos colonizadores. Não sabemos o que levou o
organizador ou o editor a escolher tal cor, mas a referência ao pau-brasil, sem descartar a
outra hipótese, é significativa. Cria-se, a partir dessa referência, um diálogo entre o passado, a
colonização portuguesa e o presente, Os cem menores contos brasileiros do século,
acrescentaríamos, XXI. No título, observaram que se assemelha a um quebra-cabeça. Apesar
da ordem em que se encontram os pedaços das palavras, exceto o artigo “os”, é possível
depreender uma referência ao microconto, mais especificamente ao que alguns autores
consideram “pedaços da vida”. Observaram também que na capa há os nomes dos
participantes, do organizador, da editora, da coleção, o número da edição etc. Não consta do
título a palavra microcontos, mas ao olharmos o verso da capa, a encontramos na parte final.
Enfim, perceberam que a capa explica o conteúdo.
Na sequência, solicitei que observassem os dados catalográficos, sua organização e se
constava do mesmo a palavra “microcontos”. Localizaram em “Índices para catálogo
sistemático: 1. Microcontos: Literatura brasileira”. Confirma-se, então, que a antologia de
Freire é composta por microcontos e, mais, que são Literatura (brasileira, com inicial
minúscula). A cada passo, o interesse dos alunos pela leitura dos microcontos aumentava.
Como compartilho do fato de que o professor deve mostrar aos alunos que também é
leitor, li o texto de Freire sobre a antologia:

QUANDO ACORDOU, O DINOSSAURO AINDA ESTAVA LÁ


Augusto Monterroso

O mais famoso microconto do mundo, acima, tem só 37 letrinhas. Inspirado nele,


resolvi desafiar cem* escritores brasileiros, deste século, a me enviar histórias
inéditas de até cinquenta letras (sem contar título, pontuação). Eles toparam. O
112

resultado aqui está. Se “conto vence por nocaute”, como dizia Cortázar, então toma
lá.
MARCELINO FREIRE

A leitura proporcionou-lhes o primeiro contato com um microconto, como também o


detalhamento do projeto de Freire. Abri espaço para reflexão do microconto: quem acordou?,
quando? Onde? Há histórias não contadas pelo narrador? etc. Os comentários foram
entusiasmados. Desde a observação do verbo “acordar” na terceira pessoa do singular
(apontando para um sujeito determinado pela desinência verbal, sem a identificação do sexo),
da indeterminação do tempo e do lugar, até a percepção de que há histórias não narradas: uma
anterior, uma por trás do dito e outra depois. Cada um queria dar sugestão para desenvolver o
microconto. Os alunos desejaram não apenas ler, mas escrever. Quanto ao texto de Freire (o
microconto de Monterroso é o título), o questionamento ficou por conta do período “Se ‘conto
vence por nocaute’, como dizia Cortázar, então toma lá”. Segundo um dos alunos, o
“nocaute” no microconto é de primeira, sem dar ao adversário chance de lutar. É justamente
isso, confirmarão ou não posteriormente.
Li o prefácio diante de uma turma ansiosa, querendo ir direto aos microcontos.
Solicitei a atenção de todos para essa parte, pois há informações valiosas sobre o conteúdo.

UM PREFÁCIO EM CINQUENTA PALAVRAS

É no lance do estalo que a cena toda se cria.


Na narrativa e na poesia.
Alguém já disse, poesia é uma frase
ou duas e uma paisagem inteira por trás.
Nesse volume, a prova:
conto também, em número de cem.
São pílulas ficcionais, e das melhores.
Você aí, divirta-se!
ITALO MORICONI
Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século

A primeira relação foi entre o nome da antologia de Freire e o da de Moriconi,


percebendo que os diferenciadores são as palavras “menores” e “melhores”, respectivamente.
Há, portanto, um jogo intertextual entre ambos. Lembrei-os de que, diferente de Freire,
Moriconi selecionou, no século XX, contos já publicados pelos autores que compõem a
antologia.
Observaram que o título afirma que o prefácio contém cinquenta palavras,
diferenciando-se dos microcontos, compostos por até cinquenta letras. Comentaram o
primeiro período, tomando a expressão “lance do estalo” como algo extremamente rápido,
mas suficiente para criar a “cena” narrativa. Lembraram-se do microconto de Monterroso, em
113

que há “uma paisagem inteira por trás”. Compararam “pílulas ficcionais” ao tempo de engolir
um comprimido. Entenderam que a qualidade de uma história não se relaciona a sua extensão.
Moriconi afirma: “São pílulas ficcionais, e das melhores”.
Iniciei a leitura com o microconto de Antônio Carlos Secchin (p. 08), a fim de que
percebessem a intertextualidade:
FIM DE PAPO

Na milésima segunda noite, Sherazade degolou o sultão.

A maioria conhecia alguma versão de As Mil e Uma Noites, portanto, entenderam que
Secchin deu outro rumo à narrativa. A partir do título, o narrador, valendo-se de linguagem
informal, afirma “Fim de papo”. Confirmando o que anunciou, dá ao microconto um final
impactante: “Sherazade degolou o sultão”.
Com essa leitura, lembrei-lhes que a intertextualidade acontece quando, em um texto,
há referência a outro ou outros, dialogando. Não me aprofundei, pois já o fizera
anteriormente. No momento, minha intenção era perceberem que também poderiam lançar
mão desse recurso para escreverem microcontos etc.
Os microcontos seguintes foram lidos pelos alunos.
Prosseguimos com Arthur Nestrovski (p. 11):

OUTRA VIAGEM

A mala é bem grande, mas não sei se cabem as pernas.

A violência apresentada pelo narrador foi facilmente identificada pelos alunos.


Questionaram o título “Outra viagem”: para onde? Se as pernas não couberem na mala, terão
(os assassinos) que voltar para levá-las não se sabe para onde: matagal, valão etc. Disse-me
um estudante tristemente: “nesse microconto, há diversas paisagens, professora”. Respondi-
lhe: “sim, mas temos o poder de escrever a nossa história!”. Pelo silêncio, não sei se
compreenderam a minha mensagem.
Passamos ao microconto de José Mucinho (p. 46):

PACIÊNCIA

Após 3 atropelados, surge 1 passarela. Jó ainda tem 5 filhos.

Um dos alunos comenta, com razão, que “Jó” é um nome que consta na Bíblia. A
intertextualidade permitiu saber que o personagem principal é masculino. Ganhou destaque a
questão sobre a demora (do governo, implícito) na construção de “ 1 passarela”: “professora,
114

o texto não conta, mas os três atropelados eram filhos de Jó, ainda bem que ele tem mais
cinco. Imagine quantos pais perderam todos os filhos atropelados! O narrador esconde muita
coisa, né professora? É aquilo que a senhora sempre fala, está implícito. Precisa morrer um
monte de gente para o governo fazer uma passarela? Absurdo, haja paciência!”. A indignação
era geral. Cada um criava por trás do microconto uma paisagem mais dramática. Para mim, o
debate do microconto foi ótimo. Os alunos se posicionaram, defenderam seus pontos de vista,
refletiram criticamente, perceberam o apenas sugerido, a intertextualidade, os implícitos, as
histórias por trás do microconto.
Com a curiosidade bastante aguçada pelo prazer da leitura, disponibilizei o meu livro
para quem desejasse ler ou anotar a referência para comprar. Partimos para o segundo livro
Expresso 600: 61 microcontos, vários autores (2006), organizado por Edson Rossatto.
Escolhi essa antologia para que os alunos percebessem que não há uma extensão rígida para
as obras impressas.
Pedi aos alunos que observassem a capa e comentassem, mas não pontuei nenhum
aspecto. Questionaram, na frente da capa, a foto de uma xícara de café da cor branca, com
café, escrito nela “ExpressO / ♦ 600 ♦”. Queriam saber o porquê da palavra “expresso” estar
com a vogal inicial e final em maiúsculas, como também o sentido do numeral “600” e da
xícara com café. Não chegaram a nenhuma conclusão. No pires branco, escrito “Organização:
Edson Rossatto”. Embaixo do pires, guardanapos brancos com as seguintes informações,
aparentemente, com caneta azul: “61 Microcontos / Vários Autores, e o nome e símbolo da
editora da cor do café. Notaram que os outros escritos também eram cor de café.
No verso da capa, há uma foto de um saco de algodão, bem trabalhado, sobre a
“mesa”, do qual jorram grãos de café que se espalham.

Expresso 600 é o efeito de um desafio, lançado a diversos autores brasileiros, de


contar uma história com, no máximo, 600 caracteres.
Nesta obra, o leitor poderá se deleitar com 61 microcontos produzidos com a
maestria de quem sabe, com a palavra certa, no lugar exato, tecer a envolvente trama
de sua história.

O mistério continua em relação ao café, enquanto o numeral se refere ao número


máximo de caracteres dos textos dos autores participantes do projeto de Rossatto. Além de
confirmar que o livro é composto por 61 microcontos, o autor fala da maestria de quem
escolhe a palavra certa, a colocar no lugar adequado, a fim de tecer uma trama envolvente.
Ainda no verso da capa, os alunos observaram o seguinte “Área de Interesse:
Literatura”, e também os dados catalográficos da obra de Rossatto, semelhante à de Freire.
115

Em “Índices para catálogo sistemático”, consta: “1. Antologia: Microcontos: Literatura


brasileira”.
Na página seguinte, leram duas citações que vão ao encontro da escritura de
microcontos:

“Corte todo o resto e fique no essencial.”


Ernest Hemingway – escritor americano (1899 – 1961).

“Enxugar até a morte.”


João Cabral de Melo Neto – escritor brasileiro (1920 – 1999)

A leitura da “apresentação” da antologia de Rossatto (2006, p. 15-17) é de suma


importância para entendermos a escritura de microcontos, por isso fiz questão de lê-la para os
alunos. Reli lentamente a fim de que anotassem e falassem os temas mais significativos.
“Conceber um microconto é uma tarefa complexa, uma vez que escrever a palavra adequada,
no lugar exato, na situação certa e no contexto apropriado requer atenção, equilíbrio, sensatez,
criatividade e, sobretudo, conhecimento de mundo do autor”, ou seja, escolhe-se as palavras
essenciais para o microconto. No parágrafo seguinte, o autor cita pessoas que defenderam essa
ideia: a escritora chilena Isabel Allende procura usar o substantivo certo para evitar dois ou
mais adjetivos; o ex-presidente dos Estados Unidos Thomas Jefferson lembrou que “o mais
valioso de todos os talentos é aquele de nunca usar duas palavras quando uma basta”. No
terceiro parágrafo, comenta que “devido ao tamanho do texto, muitos acreditam que um
microconto é rápido de ser produzido. Ledo engano. É preciso haver um retrabalho constante,
procurando sempre deixar o que realmente não pode faltar à compreensão da história...”.
Recorre ao filósofo francês Blaise Pascal: “Se escrevi esta carta tão longa, foi porque não tive
tempo para fazê-la mais curta.” Finalmente, no último parágrafo, o enigma do café é
esclarecido por Rossatto para felicidade dos alunos. Compara “a produção de um microconto
com a feitura de café, em que o pó é a essência da história e a água são as palavras utilizadas
para contá-la.” Assim, deve-se usar a medida certa de água, como fizeram os cinquenta e
quatro autores do “café chamado Expresso 600, rápido de ler e gostoso de apreciar”.
O primeiro microconto lido foi o de Lenildo José da Silva (p. 39):

ÍCARO

Fazia voltas no céu, a sensação de voar era incrível! Tocava as nuvens, as aves, o
Sol... Sobrevoava as montanhas verdes e o mar azul. Podia ver tudo: a praia e os
banhistas, os edifícios e suas janelas, a rodovia e o carro destruído com o seu
cadáver preso às ferragens.
116

Pelo título, os alunos se lembraram da história de Ícaro, o filho de Dédalo, um dos


homens mais criativos e habilidosos de Atenas. Um deles se prontificou a buscar na sala de
leitura a tal história, pois queriam mais detalhes e comparar. Enquanto isso, distribuí a letra da
música Sonho de Ícaro, de Biafra (1984), com a intenção de mostrar que a intertextualidade
acontece também na música etc. Com uma das versões em mãos, o aluno a resumiu para a
turma.
Entenderam a intertextualidade entre as histórias. Desejava que olhassem para o
microconto e fizessem novas descobertas. Pedi que relessem o microconto. Um aluno disse:
“professora, sei que há várias histórias por trás desse microconto, mas o que está mais visível
é que o personagem está morto. Tudo que ele fazia e via era depois de sua morte. O último
período confirma isso: “Podia ver tudo: a praia e os banhistas, os edifícios e suas janelas, a
rodovia e o carro destruído com o seu cadáver preso às ferragens”. Espantados, concordamos.
Outro completou: “o personagem sofreu um acidente na rodovia. O carro em que estava ficou
destruído e ele, lá dentro, preso nas ferragens, morreu na hora”. Depois desse comentário,
todos queriam ser detetives. Especulavam como aconteceu, qual a rodovia, para onde estava
indo, a velocidade do carro, os culpados, se homem ou mulher, se tinha filhos, se a família já
sabia, se... etc Os comentários foram tantos que a partir do microconto poderiam escrever um
livro.
Selecionei o microconto de Carlos Seabra com a finalidade de trabalhar não só a
intertextualidade como também os significados de “heterônimos” e “pseudônimos”:

FALSÁRIO

Que injustiça!, pensava o falsário, preso com vários documentos de identidade.


Fernando Pessoa também tinha heterônimos e nunca fora em cana! (ROSSATTO,
2006, p. 67).

A primeira pergunta foi: “professora, heterônimo é quem tem documento de


identidade falso?” Antes que respondesse, outro afirmou: “que eu saiba Fernando Pessoa é um
escritor português das antigas, não acredito nessa história de falsário”. E mais um: “o falsário
tem cultura, deve ler muito, conhece até Fernando Pessoa! Sabe mais do que a gente”. Para
acalmar os ânimos, apresentei-lhes o dicionário “Saraiva Jovem”, para que procurassem o
significado de “heterônimo” e também de “pseudônimo”.

Heterônimo (he.te.rô.ni.mo) sm 1. Nome de um autor imaginário a quem o escritor


atribui parte(s) de sua obra (O poeta português Fernando Pessoa assinava textos
com o próprio nome e sob os heterônimos Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e
Ricardo Reis).
117

Pseudônimo (pseu.dô.ni.mo) sm Nome falso, em geral usado por um escritor ou


artista, para ocultar seu nome verdadeiro.

Demoraram um pouco para entender a diferença. Observaram que no caso do


“heterônimo” o escritor cria o nome de um autor imaginário, enquanto que o “pseudônimo” é
um nome falso, usado pelo escritor e pelo artista para esconder seu verdadeiro nome. Para
esclarecer mais, apresentei a definição de Fernando Pessoa em seu artigo Tábua
Bibliográfica, publicado na revista Presença, de Portugal (nº 17. Coimbra: Dez. 1928) :
A obra pseudônima é do autor em sua pessoa, salvo no nome que assina; a
heterônima é do autor fora da sua pessoa; é duma individualidade completa
fabricada por ele, como seriam os dizeres de qualquer personagem de qualquer
drama seu.

Os “heterônimos”, isto é, os autores fictícios possuem personalidades, características


próprias, senso de humor, visões de mundo, opiniões sobre tudo, sentimentos etc, como
pessoas vivas e reais, com biografias, criados por escritores, o mais famoso deles é Fernando
Pessoa. Depois da breve explicação, pelos comentários, acredito que compreenderam. Deixei
como sugestão que criassem um heterônimo. Não o fizeram, mas foram à sala de leitura
procurar livros de Pessoa.
Paula Ferreira Tura contribuiu com o microconto:

FUTURO

Seu casamento era perfeito. O marido era presente e atencioso. Diziam que era um
verdadeiro gentleman. Os filhos, ahhhhhh!, os filhos, tão desejados e planejados,
eram estudiosos, carinhosos, inteligentes. A casa era um brinco. O jantar? Nossa!
Sempre em família. O que mais poderia desejar essa mulher tão afortunada que,
além de ter tido o casamento arranjado pelos pais na infância, é monitorada, via
satélite, por um chip instalado em sua medula desde o nascimento? (ROSSATTO,
2006, p. 93).

A resposta veio rápida: “liberdade!”. Os alunos perceberam imediatamente o diálogo


entre o passado e o futuro, algumas alunas afirmaram: “isso é um retrocesso, professora”. Na
semana anterior, falei a respeito da situação da mulher no século XIX e nos anos cinquenta, a
partir do texto A mulher dentro da organização familiar (CARVALHO, 2001, p. 45-51),
visando preparar o terreno para a leitura desse microconto.
Depararam com um microconto que prevê a mulher do futuro encarcerada desde o
nascimento, em nome do casamento arranjado, criada do pai, do marido e dos filhos. As
meninas se enfureceram como se de fato já estivesse acontecendo, enquanto os meninos,
apesar das risadas e brincadeiras, não compartilharam da ideia de escolherem a mulher com
quem se casariam. Ainda agitados, comentaram que há por trás do microconto histórias de
ficção científica.
118

Encerramos os debates e, na semana seguinte, passamos à leitura de microcontos de


Samir Mesquita: Dois palitos (2007):

Adolescência

Voltou a brincar de boneca.


Só que esta chorava de fome.

Escolhi esse microconto para chamar a atenção dos alunos, especialmente das alunas,
para a importância da prevenção na relação sexual. A primeira impressão foi de impacto.
Compreenderam facilmente a essência da micronarrativa. Comentaram sobre colegas que
engravidaram muito cedo, deixando de estudar para cuidar da(do) “boneca(o) que chora de
fome”. Citaram o caso de uma colega que optou pelo aborto. Por medo dos pais e também por
vergonha, decidiu usar chás e outras substância abortivas, com resultados desastrosos.
Como não se pronunciaram diretamente a respeito da história ou histórias por trás da
narrativa, questionei-os. “Professora, há uma infinidade de histórias escondidas aí. Na minha
comunidade isso é normal, até as mães fazem...”, disse-me com propriedade. Outra, “mas nem
pensar! Sou evangélica, minha religião não permite, nem minha mãe.” Sugeri pesquisas na
internet sobre casos de gravidez na adolescência, focalizando os casos dramáticos e os de
superação.
O próximo microconto não tem título:

Nem o cirurgião plástico deu jeito.


Era feio por dentro (MESQUITA, 2007, s.p.).

Selecionei o microconto com o intuito de levar os alunos à reflexão sobre o interior do


ser humano. Na adolescência, valorizam muito o físico. É bom cuidar-se, realçando o que, aos
seus olhos, é belo, valorizando-se, às vezes, a fim de chamar atenção, mas não se limitando ao
exterior. Por isso, lancei tal provocação. Inicialmente, riram do personagem que não adiantou
fazer plástica, percebendo que o feio não se tratava de aparência externa. Um deles falou:
“essa pessoa deve ser muito ruim, por isso o narrador disse que ‘era feio por dentro’.” Outro
completou: “não deve ter coração! Se acha o tal, mas só discrimina os outros.” Comentaram
mais sobre discriminação – não pensei na questão ao planejar a aula. Falaram de tudo, desde a
aparência até a cor da pele, sem esquecer do rótulo por viverem em comunidades.
Para fechar:

Sujeito na condicional

E se eu fizesse...
119

E se eu fosse...
E se eu...
E se...
Viveu na hipótese (MESQUITA, 2007, s.p.).

A leitura suscitou diversos questionamentos. Alguns comentaram que o personagem,


ao sair da prisão, tentou ganhar a vida honestamente, mas ele não sabia fazer nada. Outros
observaram o uso do pretérito imperfeito do subjuntivo, representando a vida hipotética do
personagem. Levantaram hipóteses sobre o que o levou a ser preso. Questionaram sobre a sua
possível culpa, a reação da família, a vida na prisão, o tempo que ficou lá, quem o acolheu ao
sair, dentre outras. Para concluir, comentei que, em pouco tempo, criaram muitos cenários por
trás do microconto. Parabenizei-os por reconhecerem o modo e o tempo verbal usados.

5.2 Leitura de contos em sala de aula

Encerrei as rodas de leituras de microcontos com o artigo No microconto, a essência.


E um mar de histórias (2010, p. 01), de Antonio Gil Neto, que conta um pouco como produzir
microcontos e a visão a respeito de “um gênero novinho em folha”. Durante o processo, Gil
Neto relata que pensou em:

...: microconto, microcirurgia, micróbio, microscópio, microfibra, microfilme,


microcosmo, micro-onda... Tantos “micros” inundando o nosso macro enigma de
compreensão. Micro. Não apenas de reduzido, ínfimo, a milésima parte do
milímetro. Mas também de rápido, ligeiro, simultâneo, veloz... Síntese da síntese.
Pronto. Tinha uma estratégia fundamental da produção. A da economia. Da essência
de um acontecimento fisgado em poucas palavras. E na escolha, a possibilidade de
guardar tantas sutilezas (2010, p. 01).

Essa leitura proporcionou uma visão mais objetiva do gênero, confirmando a riqueza
literária, percebida em rodas de leitura, com o acréscimo das informações contidas no texto de
Gil Neto, como: pensar no leitor a quem direcionamos a escrita é muito importante, “sem ele,
seu repertório, e gana o microconto não terá vida”. O escritor se pergunta: “quantos contos,
novelas, romances estarão guardados num simples microconto?” Em seguida, afirma que “no
fio da meada criadora, um microconto se transformaria em conto (e vice-versa). É só
alinhavar personagens às tramas, deixar vir à tona os desfechos que (re)pousariam nas
palavras” (GIL NETO, 2010, p.02).
Escolhi o gênero conto para a reescritura em microcontos porque ambos mantêm entre
si um grau de proximidade narrativa, bem como por sua brevidade, facilitando a leitura
120

reflexiva e aguçando o interesse dos estudantes pela proposta de trabalho. Assim,


selecionamos da antologia Os cem melhores contos brasileiros do século (2001), organizada
por Moriconi, cinco contos para leitura em sala, a fim de que os alunos escolhessem um para
reescrevê-lo: O afogado (p. 156-158), de Rubem Braga; O homem nu (p. 249-251), de
Fernando Sabino; Felicidade Clandestina (p. 312-314), de Clarice Lispector; Idolatria (p.
423-425), de Sérgio Faraco; e Zap (p. 555-556), de Moacyr Scliar.
Distribuí uma cópia de cada conto à turma. Iniciamos a leitura pela ordem dos
selecionados. Li o primeiro conto; os outros, os estudantes que se disponibilizaram. Ao
término da aula, pedi que relessem em casa, com atenção, para na próxima aula escolhermos
qual se reescreveria.
Não me causou surpresa o vencedor: Zap, por sua ligação direta com a realidade
familiar e comportamental de muitos estudantes. A escolha desse conto por suas
características pós-modernas, como agilidade, dinamicidade, mudanças súbitas, cenas
cotidianas da sociedade contemporânea e que tem o controle remoto como símbolo
tecnológico, foi bem pensada. O título “Zap” carrega em si o significado dos instrumentos
modernos. A partir de um clique se acessa a imagem, a informação, a comunicação e o
entretenimento, mas há uma história dramática bem contada pelo narrador (ver anexo A).

5.2.1 Reescritura de microcontos a partir do conto Zap, de Moacyr Scliar

Cada aluno escreveu um microconto capaz de abarcar a essência da narrativa de Scliar.


As dificuldades foram imensas, depois de várias reescritas, com as orientações, selecionei o
microconto “Adolescente”, no qual um aluno-autor, como a maioria, aceitou o jogo proposto:
disse muito, valendo-se de extrema concisão.

Adolescente

Trocou-me pelo rock; eu, zap, pelo canal com uma jovem nua.

Ao ler o microconto, o leitor reconhecerá a intertextualidade e, consequentemente, a


essência da trama. O não leitor compreenderá a micronarrativa a partir de seu conhecimento
de mundo, do dito e sugerido. O título aponta o personagem principal, um(a) adolescente. A
micro-história dá diversas pistas: o verbo ‘trocar’, com o sentido de ‘abandonar’, o
substantivo ‘rock’ sugere que se trata de um homem, a palavra ‘zap’ significa mover/trocar
121

rapidamente, ‘canal’ se refere à televisão, ‘uma’ e ‘nua’ ao sexo feminino. A partir desses
dados, o leitor compreenderá a essência narrativa do microconto, possibilitando criar outras
histórias.

5.3 Leitura do conto A Pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen

Sugeri a leitura do conto de Andersen (2010, p. 204-208) porque traz, em seu


enredo, a história de um personagem sem o nome conhecido, evidenciando o drama social
de uma criança explorada e espancada pelo pai. Embora escrito em 1845, revela uma
temática atual de nossa sociedade, lido e relido pelos estudantes do Ensino Fundamental,
independente do ano, pois, ao contrário dos contos de fadas comuns, com final feliz, A
pequena vendedora de fósforos termina com a morte da protagonista e sem que o conflito
se resolva. O leitor reflete sobre questões como a exploração do trabalho infantil, a
agressão familiar, a exclusão e o descaso social e político.
Alguns estudantes conheciam o conto, entretanto, ao relê-lo, perceberam claramente as
denúncias, sobretudo o descaso e a crueldade com a infância praticados por quem deveria
cuidar e pela sociedade que fecha os olhos diante da pobreza, da miséria e da indiferença.
O texto foi provocador, as reflexões surpreendentes. Observava-se as angústias nos
rostos de diversos alunos, como se já tivessem sentido a dor do abandono, da exploração
infantil e das agressões; em outros, a indignação explícita por meios das palavras de quem
conhece o drama dos excluídos da ‘elite civilizada’ e do ‘bom gosto’. “É essa tal de elite que
financia o tráfico, do qual somos vítimas. Seus filhinhos nem precisam subir o morro”,
sussurravam alguns. Aparentando medo de externarem o pensamento, o silêncio se fez. Não
identifiquei as vozes do discurso, não era o momento, mas as sementes foram lançadas. (ver
anexo B).

5.3.1 Reescritura de microcontos a partir de A pequena vendedora de fósforos


122

Como sugerido no início das atividades, cada estudante escreverá um microconto


capaz de abarcar a totalidade do conto. Depois de várias revisões, sugestões e reescritas,
selecionei:

A pequena vendedora

Véspera de Ano Novo, ruas, frio, fome, solidão, cheiro de peru.


Se voltasse levaria uma surra do pai.
Riscou um fósforo e, na chama, encontrou-se com sua avozinha no céu.

O título é um jogo intertextual direto com o conto de Andersen, mas também o


microconto precisa dele para identificar o sexo do personagem que vive tragicamente. Não
sabemos o nome, evidenciando-se que a exclusão social é um tema universal. O sexo torna a
cena mais dramática, a menina se apresenta como um ser que abarca a totalidade – a criança, a
inocência. Uma menina pequena explorada pelo trabalho infantil, constatamos no título: é
pequena e vendedora. O primeiro parágrafo unido ao título causa angústia, ao se imaginar a
cena de uma criança forçada a vender algo nas ruas na “véspera de Ano Novo”, sentindo
“frio, fome, solidão” e “cheiro de peru assado” - imaginário ou exalado de alguma residência.
O tempo faz toda diferença, ele recorta um pedaço da vida de uma criança à deriva, sem
direito à comida, a um lar. Para intensificar a crueldade humana, a personagem não pode
voltar para casa, porque não vendeu nada, pois se o fizesse, o pai espancaria, quem deveria
protegê-la é o seu algoz. O final não é menos impactante, sabemos o que tentava vender a
partir da ação de riscar um fósforo. A palavra “chama” tem dois significados: pequena
labareda acesa e o chamado da morte, pois “na chama” a pequena vendedora viu seu encontro
com a “avozinha no céu”. A palavra “avozinha”, no diminutivo, assume sentido carinhoso,
significando que um dia essa criança recebeu carinho de alguém, mas deixou-a sozinha. Há
muita história por trás desse microconto, por trás do conto.

5.3.2 Reescritura em conto: A pequena vendedora de balas

Reescrevi o conto de Andersen para que os alunos me vissem também como escritora.
Compartilhei a escrita produzida dentro de um curto espaço de tempo, tal como lhes solicito.
Ao ler e (re)escrever para os alunos, o professor os incentiva a fazer o mesmo.
Ultrapassa o orientador, tornando-se também participante ativo do processo de leitura e de
123

escrita. Não fugi à essência narrativa, inserindo alguns componentes da realidade urbana.
Assim, reconheceram a ligação do novo texto com o anterior, com severa crítica social. A
intenção não foi uma reescritura elaborada tal como as dos escritores pós-modernos,
comentadas em nossa tese, mas um diálogo direto, simples, com o texto de origem, a fim de
incentivar a leitura e a produção textual. (ver anexo C).

5.3.3 Reescritura em microcontos a partir da reescrita em conto

Seguindo os percursos da reescritura do conto de Andersen, solicitei aos alunos que


escrevessem microcontos a partir da reescritura em conto que escrevi. Selecionei:

A dor da pequena vendedora

Calor de 40ºC na véspera de Natal. Desprotegida das pedras portuguesas. Se


voltasse para casa sem um real, seria espancada por sua mãe. Sentiu um cheiro de
peru no ar, aproximou-se. Não resistiu à luz, foi ao encontro de sua avozinha no
Céu.

O título adianta ao leitor algumas questões sobre o personagem. A expressão “pequena


vendedora” indica que é uma menina explorada, visto seu trabalho. Anteposto a tal expressão,
encontra-se o substantivo “dor”, denunciando o sofrimento da protagonista. Ao ler o
microconto, confirma-se o narrado no título mais detalhadamente. Não é difícil imaginar o
que a criança passa nas ruas, com “calor de 40ºC, em plena “véspera de Natal”, para vender
algo (é indiferente o produto). Na sequência, a oração “Desprotegida das pedras portuguesas”
sugere que a menina está descalça, recebendo em seus pés o calor de tais pedras.
“Desprotegida” significa também falta de amparo familiar e social, vivendo à margem da
sociedade. A expressão “pedras portuguesas” pode indicar também que se encontra em um
bairro da Zona Sul, como Copacabana, com suas calçadas e o calçadão decorados por tais
pedras. “Sem um real”, o personagem não poderá voltar para casa por medo do castigo. Além
de todo o desamparo, sede e fome em plena véspera de Natal, “sentiu um cheiro de peru no ar,
aproximou-se”, como um cachorrinho abandonado seguindo o faro. Na oração “não resistiu à
luz”, a palavra “luz” tem dois sentidos: luz solar e luz divina. A solar aumentou seu drama, a
divina a livrou da dor e proporcionou o encontro com um ente amado - expresso na palavra
“avozinha”. A micro-história não termina no ponto, há muitas histórias por trás do dito, tanto
antes quanto durante e depois.
124

5.4 Reescritura de Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto

Em 2010, fui finalista da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro,


organizada pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária -
CENPEC; convidaram-me, em 2011, a enviar um projeto sobre leitura e escrita. Poderia ser
um trabalho que eu já houvesse desenvolvido com meus alunos ou que pretendesse fazê-lo.
Um ponto singular no projeto deveria ser a possibilidade de abrangência nacional, ou seja, a
sua aplicabilidade não se poderia restringir a uma escola, Município ou Região, mas a
qualquer escola do Brasil. Assim, resgatei os conhecimentos adquiridos ao estudar algumas
obras de Lima Barreto na Especialização em Literatura Brasileira, bem como o tema da
dissertação de Mestrado, também em Literatura Brasileira, reescritura, para escrever o projeto.
A escolha do romance não foi aleatória. Além de apreciá-lo, havia na sala de leitura,
da Escola Municipal Pereira Passos, onde leciono língua portuguesa, exemplares suficientes
para todos os alunos do nono ano do Ensino Fundamental, destinatários do projeto.
Objetivava também prepará-los para o Ensino Médio. A partir daí, elaborei um projeto de
leitura e reescritura do romance. O projeto foi um dos selecionados pela CENPEC. Assim,
juntamente com outros professores, participei, em Brasília, de um encontro nacional, a fim de
discutirmos os respectivos projetos. No encontro, um dos professores orientadores sugeriu a
reescritura do romance de Lima Barreto em microcontos. A ideia de dialogar com o novo,
com o mundo da tecnologia da informação e da comunicação, veio ao encontro de minhas
leituras da antologia de Freire e de microcontos da internet. Eu já planejava compartilhar as
microhistórias com os alunos.
Na volta, reformulei o projeto, conforme o capítulo cinco, e coloquei em prática. Com
a intenção de que os alunos me vissem também como escritora de microcontos – um gênero
novo para nós - escrevi a biografia de Lima Barreto. A partir de minha escrita, eles
compreenderam que poderiam fazer o mesmo com o romance.
A leitura e a reescritura em microcontos do Triste fim de Policarpo Quaresma (1993),
seguiram os passos do anexo D, os quais não comentaremos porque o foco é o microconto,
bem como pela extensão de cada passo que por si só explica a trajetória até a reescritura.
125

5.4.1 Lima Barreto: vida e obra em microcontos

Escrevi os microcontos sobre a vida e a obra de Lima Barreto com bastante clareza, a
fim de que os alunos se apropriassem facilmente da história, como também compreendessem
que poderiam seguir os mesmos critérios com o romance. (ver anexo E).

SEXTA-FEIRA TREZE

Meu primeiro filho viveu 8 dias. Em uma sexta-feira, 13 do mês de maio de


1881, em Laranjeiras, nasceu meu segundo filho: Afonso Henriques.

VIRAR DOUTOR

Eu não consegui ser médico, mas quero meu filho doutor. De anel no dedo e
tudo, com título de superior. Dr. Afonso Henriques Lima Barreto!

NOME DE REI

Narram que um dia um colega da Politécnica disse: “Olhem só! O tamanho


da audácia do mulato Afonso! Usar o nome do rei de Portugal!”

A GENTE SONHA

No Ministério, estava condenado a copiar e redigir documentos. Mas, dentro


de mim gritava a literatura. Sonhava com a glória que ela me daria.

O TRISTE FIM

Em três meses eu me escrevi em Policarpo. O Jornal do Comércio começou


a publicá-lo em folhetim no dia 11 de agosto de 1911.

5.4.2 Professor Policarpo: amor em microcontos

Ao ler os microcontos dos alunos – autoria coletiva -, o leitor descobrirá estar diante
de micronarrativas que dialogam com Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto,
porém com linguagem atual. Falamos da linguagem da internet, do desafio do escritor de
microconto, de um texto que poderá ser postado no Twitter, por exemplo.
A história tomou um rumo um pouco diferente da original, principalmente, no que diz
respeito ao envolvimento de Olga com Policarpo. Nos microcontos, os personagens são mais
que afilhada e padrinho, são apaixonados. Esse envolvimento amoroso partiu do sentimento
de admiração e carinho mútuo no romance.
126

Cabe uma observação: a qualidade dos microcontos escritos a partir dos contos é
superior à do romance pela facilidade do estudante em abarcar um texto de menor extensão.
Não afirmamos que o projeto de reescritura de um romance não deva ser posto em prática
pelos professores de língua portuguesa, ao contrário. Afinal, o objetivo do projeto foi
atingido, os alunos leram o livro com interesse. À medida que os alunos avançavam na leitura,
comentavam entre eles sobre o que leram, mas não viram no filme Policarpo Quaresma, o
herói do Brasil (1998), de Alcione Araújo, ou sobre o que viram no filme, mas não estava no
livro, criticavam determinadas atitudes dos personagens, davam sugestões e, algumas vezes,
se solidarizavam com o protagonista. Escreveram e reescreveram microcontos a partir do
romance, trocaram entre si, por diversas vezes, os microcontos, formando uma rede de escrita
coletiva. A tríade autor-texto-leitor ganhou vida de fato, no plural. Se quisermos tornar as
aulas de língua portuguesa prazerosas e incentivar o estudante a ler e a escrever com
proficiência, podemos iniciar pelos microcontos, incentivando a pesquisa na internet, a
escritura de livro, a postagem em blogs, redes sociais, youtube etc (ver anexo F).
Eis alguns microcontos:

Antes de ser professor, era subsecretário do Arsenal de Guerra. Pegava o bonde às


15h40 e às 16h15 já estava em casa. Conhecia-me por major.

Nunca mais esqueci os olhos daquela menina: vivos, fixos em mim, da cor do céu
azul em dia de sol. “Batizo-te Olga Coleoni”, disse o padre.

Eu, um cidadão brasileiro e professor, com o sonho de tornar o tupi-guarani, que é


nosso, a língua oficial, sou motivo de chacota! (in)Letrados?

No Pinel, meditei sobre a loucura. Fiquei angustiado diante do grande mistério que é
a mente humana. Onde termina o sonho e começa a loucura?

Todos se foram! Ela encontrou meu corpo imóvel e deteriorado. Abraçou-me com
cuidado. Beijou-me os lábios e levou-me para o sítio Sossego.

Os donos do poder calaram a minha voz em 1911. Hoje, 100 anos depois, escreveria
que o crescimento do Brasil passa pela valorização do professor.

Os alunos participantes do projeto não tiveram seus nomes relacionados diretamente


aos microcontos, visto que, depois da primeira (re)escrita, as micronarrativas ganharam a
parceria de todos os envolvidos, ou seja, a autoria inicial se perdeu a favor da autoria coletiva,
da troca entre eles, como também do envolvimento da professora orientadora. Queríamos que
os alunos aprendessem a dar e receber ajuda, a compartilhar ideias, a questionar e a refletir
sobre o texto dele e do outro, que compreendessem a singularidade de cada um no projeto,
127

objetivando uma unidade. Enfim, todos foram protagonistas e, provavelmente, saberão o


caminho a seguir para escrever suas histórias ‘micro’ e/ou ‘macro’.
Participaram do projeto: Alessandra Silveira Félix da Silva, Alexander dos Santos
Moreira, Andreza Regina da Silva Cruz, Danielle da Silva Alves, Davi Albano dos Santos,
Gabriel Souza Oliveira, Gabrielle Crystine Santos Batista, Graciele Martins Oliveira, Hanna
Thayane Silva Figueiredo, Henrique Nepomuceno Neves, Jacyara Pereira da Costa, Jean
Carlos Silva Brandão, João Emanuel Alves Gomes, João Vitor dos Santos Xavier, Johann
Santos Meisterhofer, Jorge Luis Trindade da Silva, José Carlos Alves de Carvalho Filho,
Joyce Ferreira da Silva Santos, Juliana Porfir Pereira, Juliane Silva Ramos, Ketlyn Ribeiro
Nogueira, Larissa Ruivaco Coutinho, Loslene Oliveira de Matos, Marcele Cristina da Silva
Assis, Marília Reis Castellani, Maximilian Wolfsbauer, Pablo Matheus Catonho Belo da
Silva, Patrícia Moura de Souza, Raiane Cristina de Oliveira, Raphael Barcelos de Oliveira,
Raquel Pimentel Barbosa, Roberto Alencar de Souza, Silas Santos de Jesus, Thamires Cristine
Santos Ferreira, Thamires Marques dos Santos, Weverton de Araújo Martins, Willian da Silva
Santos e Zulene Neves de Miranda Ferreira.
128

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No final do século XX, observamos, por parte de significativo número de autores de


ficção, um interesse crescente pelo diálogo da literatura com outras linguagens e com a
própria tradição literária. No século seguinte, soma-se a tal tendência o microconto, que se
destaca como novo gênero com intensa divulgação e milhares de publicações nas mídias
sociais e também com autores de obras impressas. Trata-se de uma modalidade de expressão
textual já cultivada por hispano-americanos e hispânicos, desde meados do século XX. A
produção de microcontos em livros, blogs, em outras plataformas e mídias da internet não tem
correspondente atenção de avaliação teórica pelas universidades brasileiras, segundo
Rodrigues (2011), com o qual concordamos. Assim, decidimos enveredar por esse campo com
o objetivo de mostrar quão produtivo é o novo gênero para o ensino de língua portuguesa.
A pós-modernidade valoriza o diálogo de obras atuais com os clássicos e também com
outros gêneros e linguagens, consequentemente, a intertextualidade é uma das ferramentas
mais eficazes de que dispõem os escritores de microcontos para melhor concisão. É um dos
elementos singulares ao gênero, pois ao colocar em jogo o diálogo com outros textos, os
autores delegam maior parte da decodificação aos leitores, detentores de bagagem cultural
ampla. Isso provoca maior cumplicidade, ambos participando de uma tradição comum
mediante o conhecimento compartilhado.
Para entendermos melhor o microconto, recorremos aos teóricos hispano-americanos e
hispânicos, como também aos brasileiros. Noguerol (1996) se refere aos efeitos da
intertextualidade para lograr maior brevidade ao microrrelato (nomenclatura usada por muitos
escritores e teóricos hispano-americanos e hispânicos), reflexo da bagagem cultural do
escritor, por isso, recupera a tradição literária em homenagem ao passado (pastiche) e à
revisão satírica desta (paródia). Roas (2008) defende a tese de que a intertextualidade não é
um elemento essencial. Estamos diante de um elemento de grande incidência no microconto,
entretanto, não devemos considerá-lo como característica básica do gênero como a
narratividade e a hiperbrevidade.
Uma das razões que explicam a importância da intertextualidade é determinada pelo
contexto cultural do gênero. O microrrelato hispano-americanos e o hispânico são formas
literárias da segunda metade do século XX, em que uma das tendências artísticas e literárias
mais marcantes é a pós-modernidade. Muitos autores defenderam a perfeita adequação da
narrativa hiperbreve ao que postula o pós-moderno, o diálogo com o já dito. Noguerol (1996)
129

foi uma das primeiras especialistas a analisar a relação entre pós-modernidade e minificção –
outra nomenclatura usada, mais abrangente. Segundo nosso ponto de vista, nomenclaturas
abrangentes – minificção e miniconto - geram dúvidas no leitor, que não sabe a que tipo de
texto exatamente elas se referem. A teórica confirma a presença dos elementos básicos pós-
modernos nos textos hiperbreves, entre eles o papel fundamental da alusão a outros textos. Há
especialistas que consideram a intertextualidade como uma das características da pós-
modernidade, presente na minificção, como Epple (2004), Zavala (2005) e Garrido
Domínguez (2009). Em nosso estudo, comprovamos que também participam do jogo
intertextual outros gêneros, como o romance e o microconto.
O entendimento de que o microconto é um novo gênero textual se origina,
principalmente, nos estudos de Bakhtin (2002), que parece convencido de que Dostoiévski
criou um novo gênero literário, o romance polifônico; novo, mas que não surge do nada. Liga-
se a uma tradição que estuda qualquer gênero do ponto de vista diacrônico e sincrônico.
Seguindo esse pensamento, o microconto apresenta características pertencentes a gêneros
breves anteriores e, ao mesmo tempo, a novas características que o definem e o diferenciam
dos antecessores. Suas características intrínsecas o distinguem dos gêneros breves existentes.
Não o impedindo de beber em fontes da tradição literária, recriando o já dito com o olhar do
seu tempo.
Olhar para a época de criação de determinado gênero literário, é significativo para as
reflexões sobre o microconto como gênero que germina em meio ao avanço tecnológico, não
significando que a época determina a criação de qualquer gênero. O escritor lança mão de sua
criatividade de acordo com sua visão de mundo e seu gosto pessoal, usando sua inventividade
para retomar antigos gêneros, reescrevendo-os à sua maneira, ou para criar um diverso dos
existentes. A contemporaneidade, como novo ponto de partida da orientação literária, não
exclui a representação do passado, nem nega o presente, porque o escritor, também leitor, é
sujeito de seu tempo e, como tal, (leitor-autor) impregnado dos valores, comportamentos e
avanços da sociedade.
O microconto atual se caracteriza pela brevidade extrema, pela economia de
linguagem, pelo uso de palavras essenciais para que o leitor o abarque de uma só vez, pela
representação de situações que exigem a participação do leitor e pelo caráter híbrido. Sua
hiperbrevidade nasce da necessidade da criatividade narrativa do autor e não da imposição de
não superar um determinado número de caracteres, exceto quando se trata de um espaço que o
limita, como o Twitter, com, no máximo, cento e quarenta caracteres.
130

Quanto à nomenclatura e à extensão, recorremos, inicialmente, a Lagmanovich, que


usa também a denominação microconto, definindo-o como brevíssima construção narrativa,
muitas vezes de um só parágrafo; conto concentrado ao máximo; relato essencial, exigente
para o leitor, com extensão variável: pode usar poucas palavras, até um ou dois parágrafos,
menos de uma página ou pouco mais. A forma compacta de um parágrafo de extensão ou
pequenos parágrafos que contêm apenas a essência da narração, sugerindo outras histórias por
trás do dito, é a escolha favorita de muitos escritores brasileiros.
Quando nos propomos a estudar teoricamente o microconto, discutimos aspectos
constitutivos de variados gêneros de ficção reduzidas, com o intuito de buscar uma
terminologia e, na comparação dos mecanismos discursivos dos textos, uma aproximação ou
um distanciamento, de modo a legitimar tanto a nomenclatura quanto a teoria que se reporta a
ele. Essas formas, como vimos, encontram-se na base discursiva do microconto, em maior ou
menor grau, entretanto, o conto se aproxima mais, inclusive, a palavra ‘microconto’ carrega
essa ligação, o diferenciador é o prefixo ‘micro’, o que faz toda diferença. Apesar da
proximidade com o conto, o microconto é antropofágico, bebe em todos os gêneros e formas
de expressão artística, enriquecendo-se. Há ingredientes de nosso tempo como a velocidade e
a condensação, o poder da concisão e a liberdade da prosa.
Uma das principais preocupações dos teóricos é esclarecer se a narrativa hiperbreve é
um subgênero do conto ou nova forma narrativa. Lagmanovich conclui que é outro gênero,
consolidando-se porque existem livros só de microcontos, com o qual concordamos, visto que
em nosso estudo há diversas obras com tal denominação. Rodrigues (2011) afirma que o
microconto carrega em si um mundo de ressignificação de outros gêneros, formatando-se
como um gênero novo. Tomando como aporte os dois teóricos, além das contribuições de
Bakhtin, entendemos que o microconto é um novo gênero textual.
O principal objetivo ao estudar o microconto vai além da teoria. Com a análise de
micronarrativas impressas e digitais, comprovamos a sua riqueza para o ensino-aprendizagem
da leitura e da escrita, capaz de incentivar o estudante a voo mais altos, a fazer germinar o
prazer de ler e refletir sobre o lido. A leitura é rápida, mas não necessariamente de rápida
compreensão; pelo contrário, é mais complexa do que se julga com um olhar superficial.
Exige percepção, cumplicidade e imaginação. Uma narrativa extremamente concisa não
significa falta de conteúdo, leitura e escritura fácil. Por isso, é capaz de estimular a reflexão, a
criatividade e fascinar tanto leitores quanto escritores.
A rapidez almejada por Calvino (1990) se realiza intensamente nas produções
literárias dos microcontistas pelo mundo afora, inclusive no Brasil, poupando o leitor de
131

detalhes em favor do ritmo, da essência narrativa. Há também preocupação com a estrutura e


o estilo para alcançar a força sugestiva, a relação entre velocidade física e velocidade mental
em que o leitor imagina as histórias.
A rapidez e a concisão do estilo do microconto agradam pelo turbilhão de ideias
simultâneas, mas a sucessão é tão veloz que parece simultânea, alternando pensamentos,
reflexões, imagens e sensações. Na maioria das vezes, não consegue abarcá-las porque não há
tempo para se isentar de sensações.
O êxito do escritor de microconto está na expressão verbal que, em geral, implica uma
paciente procura da frase em que todos os elementos são insubstituíveis, do encontro de sons
e conceitos mais eficazes e cheios de significados. Trata-se da busca de uma palavra ou
expressão necessária, única, densa, concisa, memorável. A extensão e/ou a brevidade são
critérios exteriores, mas a densidade é singular. Há o máximo de invenção e de pensamento
concentrados em poucas linhas.
Objetivou-se, ao se iniciarem os estudos sobre microconto com Colasanti e Trevisan,
mostrar que o microconto está presente em autores renomados desde a década de 1970, apesar
de usarem terminologias abrangentes como miniconto, minificção, mini-história,
provavelmente porque as obras contêm narrativas de extensão e de características formais
variadas.
Um prazer que encontramos nos microcontos é a decifração, a exploração daquilo tão
novo que parece difícil e que, por isso mesmo, oferece obstáculos e atrai. É irresistível a
fascinação, tentando ao mesmo tempo conquistar, vencer as dificuldades da leitura, preencher
as elipses e, conforme o caso, compreender o jogo intertextual. Então, instala-se a interação
autor-texto-leitor com propósitos constituídos sócio-cognitivo-interacionalmente, um jogo
sedutor, a três.
O leitor, ao interagir com um microconto, constrói-lhe o sentido, considerando as
informações explícitas e as implícitas. A leitura é uma atividade na qual se levam em conta as
experiências e os conhecimentos, exigindo mais que saber o código linguístico: o microconto,
para ser compreendido, pede um receptor ativo.
Nada exclui a leitura dos clássicos brasileiros e estrangeiros. Cabe ao professor
desenvolver mecanismos capazes de proporcionar ao estudante leituras atraentes para formar
leitores autônomos, envolvendo uma série de habilidades e competências desde a infância,
passando pela adolescência e na fase adulta. É a partir da leitura que o aluno saberá apreciar,
inferir, antecipar, concluir, concordar, discordar, perceber as diferentes possibilidades e
estabelecer relações entre experiências.
132

Trabalhar o gênero microconto é uma opção capaz de colaborar para a prática da


leitura e da escrita. O leitor-autor reflete sobre o escrito e/ou apenas sugerido; aprende o poder
da concisão ao escolher cada palavra, aquela com maior poder significativo, dispensando-se,
por exemplo, adjetivos e advérbios.
A leitura pressupõe a participação do leitor na constituição dos sentidos linguísticos.
Embora o aluno lance mão do dicionário, ele nunca devolverá o real sentido contextualizado,
consequentemente, trabalhar a leitura, como também a (re)escrita de microcontos a partir de
outros gêneros literários, pode revelar-se bastante proveitoso, ampliando os conhecimentos
linguísticos. Como sugestão, apresentamos ‘um projeto de leitura e reescritura em
microcontos’.
A perspectiva pluralista de sentido é o diferencial no processo de leitura,
possibilitando perceber essa multiplicidade. O leitor acionará registros de leituras anteriores,
correlacionará o antigo com o novo para concordar ou não, além de se posicionar
criticamente. Permite, também, a transposição do imaginário para o ficcional, porém real e
cotidiano de sociedades culturalmente diferentes, desconfigurando pressupostos de que a
leitura literária é divagação, ilusão, alheia ao social e ao cultural.
Hoje já não são somente os recursos da natureza e financeiros fontes de poder.
Informação e conhecimento aparecem como elementos fundamentais na organização das
sociedades. Dessa forma, devemos considerá-los no planejamento pedagógico. A internet,
pela expansão rápida, marcou definitivamente a humanidade, então, a proficiência leitora e
escritora do aluno são necessidades básicas.
Se o microconto não termina na decisão do autor com o ponto que não é final, esta tese
também não. Ainda há muito a se pesquisar, debater, teorizar e estudar na Academia.
Esperamos que nossa contribuição abra caminho para outros se aventurarem, se expandirem,
se enriquecerem com novas paisagens, ampliando visões microscópicas ou aprofundando
críticas. O campo é vasto e ainda carente de reflexões, inclusive, sobre o termo ‘pós-
moderno’.
133

REFERÊNCIAS

ABREU, Casimiro. As primaveras. Porto Alegre: Typographia de Paula Brito, 1859.

ABREU, Maria Teresa Tedesco Vilardo. A questão do gênero na escola: um enquadramento


do olhar. In: VALENTE, André C.; PEREIRA, Maria Teresa G. (Org.). Língua
Portuguesa: descrição e ensino. São Paulo: Parábola, 2011.

ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Concurso Cultural de Microcontos do ABLetras


em 2010. Disponível em: <http://www2.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.
htm?infoid=10369&sid=62>. Acesso em: 30 maio 2011.

ALENCAR, José. Lucíola. São Paulo: Ática, 1998.

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ZILBERMAN, Regina. Como e por que ler a literatura infantil brasileira. Rio de Janeiro:
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156

ANEXO A – Zap, de Moacyr Scliar

Não faz muito que temos esta nova TV com controle remoto, mas devo dizer que se
trata agora de um instrumento sem o qual eu não saberia viver. Passo os dias sentado na velha
poltrona, mudando de um canal para outro – uma tarefa que antes exigia certa movimentação,
mas que agora ficou muito fácil. Estou num canal, não gosto – zap, mudo para outro. Não
gosto de novo – zap, mudo de novo. Eu gostaria de ganhar em dólar num mês o número de
vezes que você troca de canal em uma hora, diz minha mãe. Trata-se de uma pretensão
fantasiosa, mas pelo menos indica disposição para o humor, admirável nessa mulher.
Sofre, minha mãe. Sempre sofreu: infância carente, pai cruel etc. Mas o seu sofrimento
aumentou muito quando meu pai a deixou. Já faz tempo; foi logo depois que nasci, e estou
agora com treze anos. Uma idade em que se vê muita televisão, e em que se muda de canal
constantemente, ainda que minha mãe ache isso um absurdo. Da tela, uma moça sorridente
pergunta se o caro telespectador já conhece certo novo sabão em pó. Não conheço nem quero
conhecer, de modo que – zap – mudo de canal. “Não me abandone, Mariana, não me
abandone!” Abandono, sim. Não tenho o menor remorso, em se tratando de novelas: zap, e
agora é um desenho, que eu já vi duzentas vezes, e – zap – um homem falando. Um homem,
abraçado à guitarra elétrica, fala a uma entrevistadora. É um roqueiro. Aliás, é o que está
dizendo, que é um roqueiro, que sempre foi e sempre será um roqueiro. Tal veemência se
justifica, porque ele não parece um roqueiro. É meio velho, tem cabelos grisalhos, rugas,
falta-lhe um dente. É o meu pai.
É sobre mim que ele fala. Você tem um filho, não tem?, pergunta a apresentadora, e
ele, meio constrangido – situação pouco admissível para um roqueiro de verdade –, diz que
sim, que tem um filho, só que não o vê há muito tempo. Hesita um pouco e acrescenta: você
sabe, eu tinha de fazer uma opção, era a família ou o rock. A entrevistadora, porém insiste (é
chata, ela): mas o seu filho gosta de rock? Que você saiba, seu filho gosta de rock?
Ele se mexe na cadeira; o microfone, preso à desbotada camisa, roça-lhe o peito,
produzindo um desagradável e bem audível rascar. Sua angústia é compreensível; aí está, num
programa local e de baixíssima audiência – e ainda tem de passar pelo vexame de uma
pergunta que o embaraça e à qual não sabe responder. E então ele me olha. Vocês dirão que
não, que é para a câmara que ele olha; aparentemente é isso, aparentemente ele está olhando
para a câmara, como lhe disseram para fazer; mas na realidade é a mim que ele olha, sabe que
em algum lugar, diante de uma tevê, estou a fitar seu rosto atormentado, as lágrimas me
157

correndo pelo rosto; e no meu olhar ele procura a resposta à pergunta da apresentadora: você
gosta de rock? Você gosta de mim? Você me perdoa? – mas aí comete um erro, um engano
mortal: insensivelmente, automaticamente, seus dedos começam a dedilhar as cordas da
guitarra, é o vício do velho roqueiro, do qual ele não pode se livrar nunca, nunca. Seu rosto se
ilumina – refletores que se acendem? – e ele vai dizer que sim, que seu filho ama o rock tanto
quanto ele, mas nesse momento – zap – aciono o controle remoto e ele some. Em seu lugar,
uma bela e sorridente jovem que está – à exceção do pequeno relógio que usa no pulso – nua,
completamente nua.
158

ANEXO B - A pequena vendedora de fósforos, de Hans Christian Andersen

Fazia um frio terrível. A neve caía e dali a pouco ficaria escuro. Era o último dia do
ano: véspera de ano novo. Nas ruas frias, escuras, você poderia ver uma pobre menininha sem
nada para lhe cobrir a cabeça, e descalça. Bem, é verdade que estava usando chinelos quando
saiu de casa. Mas de que adiantavam? Eram chinelos enormes, que pertenciam à sua mãe, o
que lhe dá uma ideia de como eram grandes. A menina os perdera ao atravessar correndo uma
estrada no instante em que duas carruagens avançavam ruidosamente e numa velocidade
apavorante. Não conseguiu achar um pé dos chinelos em lugar nenhum, e um menino fugiu
com o outro, dizendo que um dia, quando tivesse filhos, poderia usá-lo como berço.
A menina caminhava com seus pezinhos descalços, que estavam rachados e ficando
azuis de frio. Levava um molho de fósforos na mão e mais no avental. Não vendera nada o dia
inteiro e ninguém lhe dera um níquel sequer. Pobre criaturinha, parecia a imagem da miséria a
se arrastar, faminta e tiritando de frio. Flocos de neve se aninhavam em seu cabelo claro,
comprido, que ondulava suavemente em volta do pescoço. Mas você pode ter certeza de que
ela não estava pensando em sua aparência. Em cada janela, luzes reluziam e um delicioso
cheiro de ganso assado se espalhava pelas ruas. Veja bem, era véspera de ano-novo. Era nisso
que ela pensava.
Num canto entre duas casas, uma das quais se projetava sobre a rua, ela se agachou e
se encolheu no frio, as pernas dobradas sob si. Mas isso só a fez sentir mais e mais frio. Não
tinha coragem de voltar para casa, pois não vendera fósforo nenhum e não tinha um níquel
para levar. Seu pai com certeza iria surrá-la, e depois era quase tão frio em casa quanto aqui.
Só tinham o telhado para protege-los, e o vento sibilava através dele, embora as fendas
maiores tivessem sido vedadas com palha e trapos. O frio era tanto que as mãos da menina
estavam quase dormentes. Ah! Talvez acender um fósforo ajudasse um pouco. Se pelo menos
se atrevesse a tirar um do pacote e riscá-lo na parede, só para aquecer os dedos. Puxou um –
rrrec! -, como ele espirrava enquanto queimava! Surgiu uma luz clara e tépida, como uma
vela, quando pôs a mão sobre ele. Sim, que luz estranha era aquela! A menina imaginou que
estava sentada junto de uma grande estufa de ferro, com lustrosos puxadores de cobre e pés de
latão. Que calor o fogo desprendia! No instante em que ia esticando os dedos dos pés para
aquecê-los também – a chama apagou e a estufa desapareceu. Lá ficou ela, com o toco de um
fósforo queimado na mão.
159

Riscou outro fósforo contra a parede. Ele explodiu em chamas, e a parede que
iluminava ficou transparente como um véu. Ela pôde ver direitinho dentro da sala, onde, sobre
uma mesa coberta com uma toalha branca como a neve, estava posta uma porcelana delicada.
Bem ali, podia-se ver um ganso assado fumegante, recheado com maçãs e ameixas. E, o que
foi ainda mais espantoso, o ganso saltou do prato e saiu gingando pelo piso, com uma faca de
trinchar e um garfo ainda espetados nas costas. Rumou diretamente para a pobre menininha.
Mas naquele instante o fósforo apagou e só sobrou a parede úmida e fria diante dela. S
Acendeu um outro fósforo. Agora estava sentada sob uma árvore de Natal. Era ainda
maior e mais bonita do que uma que vira no Natal passado através da porta de vidro da casa
de um comerciante rico. Milhares de velas ardiam nos ramos verdes, e figuras coloridas, como
as que já vira em vitrines, contemplavam aquilo tudo. A menina esticou ambas as mãos no
ar... e o fósforo se apagou. As velas de Natal foram subindo, subindo, até que ela viu que
eram estrelas cintilantes. Uma delas se transformou numa estrela cadente, deixando atrás de si
uma risca de fogo coruscante.
“Alguém está morrendo”, pensou a menina, pois sua avó, a única pessoa que fora boa
para ela e que agora estava morta, lhe contara que, quando a gente vê uma estrela cadente, é
um sinal de que uma alma está subindo para Deus.
Riscou mais um fósforo contra a parede. Fez-se um clarão à sua volta, e bem ali, no
centro dele, estava sua velha avó, parecendo radiante, e suave e amorosa. “Oh, vovó!”, a
menina exclamou. “Leve-me com você! Sei que vai desaparecer quando o fósforo apagar –
como aconteceu com a estufa quentinha, com o delicioso ganso assado e com a alta e bela
árvore de Natal.” Mais que depressa ela acendeu todo o molho de fósforos, tal era o desejo de
conservar sua avó exatamente ali onde estava. Os fósforos chamejaram com tanto vigor que
de repente ficou mais claro que a clara luz do dia. Nunca sua avó parecera tão alta e bonita.
Ela tomou a menina nos braços e juntas as duas voaram em esplendor e alegria, cada vez mais
alto, acima da terra, para onde não há frio, nem fome, nem dor. Estavam com Deus.
Na madrugada seguinte, a menina jazia enroscada entre as duas casas, com as faces
rosadas e um sorriso nos lábios. Morrera congelada na última noite do ano velho. O ano-novo
despontou sobre o corpo congelado da menina, que ainda segurava fósforos na mão, um
molho já usado. “Ela estava tentando se aquecer”, disseram as pessoas. Ninguém podia
imaginar que coisas lindas ela vira e em que glória partira com sua velha avó para a felicidade
do ano-novo.
160

ANEXO C – A pequena vendedora de balas, reescritura de Damiana Maria de Carvalho

Fazia um terrível calor. O asfalto era aquecido pelo sol escaldante. O vento, se
soprava, soprava do outro lado do mundo.
Em frente ao semáforo da principal rua da cidade havia um relógio. Nele, lia-se a
temperatura de 40º C. Em segundos, ele mudava seu olhar e mostrava exatamente o meio do
dia.
Era véspera de Natal. As pessoas passavam apressadas de um lado para o outro. As
mãos carregavam sacolas de presentes e compras para a ceia à noite. Em meio a esse vai-e-
vem uma pobre menininha, de pés no chão, vestido esfarrapado, tremula, suplicando um
olhar.
Quando ela saiu de casa calçava um par de velhos chinelos herdados de sua avozinha.
Pobrezinhos! Eles não suportaram o peso dos anos: arrebentou um, logo depois o outro. A
esquelética criança foi obrigada a seguir sozinha e ainda mais triste. Em suas pequenas mãos
alguns saquinhos de balas.
Nas calçadas, as pedras portuguesas acumulavam o mormaço do verão. Nos pés da
pequena vendedora de balas brotavam bolhas e mais bolhas. Tudo, dentro e fora desse ser
minúsculo, ia crescendo e crescendo até explodir em lágrimas. Naquele dia, ninguém
comprara nenhuma balinha. Não ganhara sequer um real.
Tremendo de dor e fome, a pobre menininha continuava lá. Parecia uma indiazinha
perdida em uma selva de pedra. Os seus cabelos negros e lisos cobriam os ombros franzinos.
Todo o seu corpo era assim: esquelético. Seus pés estavam inchados e sangrando.
Se alguém tivesse a coragem de olhar aquela triste figura, com certeza, iria doer-se
todo por dentro. “A indiferença era o caminho mais seguro”, pensavam, provavelmente, todos
que por ali passaram e passavam. Ninguém queria enxergar a verdadeira imagem da miséria.
Enxergar seria o mesmo que se sentir responsável.
A noite se aproximava lentamente. Luzes brilhavam em diversas janelas dos
grandiosos edifícios. O vento veio amenizar o calor e encher o ar com um cheiro de peru
assado. Ela nunca o havia provado, mas conhecia de longe o cheiro. Sentia em sua boquinha o
gosto imaginário da comida dos ricos.
Ela se muniu da pouca força que ainda lhe restara. Seguiu cambaleando em direção ao
cheiro trazido pelo vento.
161

Sentou-se próximo à janela do primeiro andar do prédio que exalava aquele cheiro
divino.
Arriscou ficar na ponta dos pés a fim de comer com os olhos a ceia de Natal daquela
família feliz. Não conseguiu ver. Seu tamanho e seus pés não a ajudaram.
O tempo seguia o seu percurso. A indiazinha, ao contrário, não ousava tentar voltar
para casa sem vender sequer uma bala.
Não ousava chegar em casa sem um mísero real. Sua mãe certamente a espancaria e,
como tantas vezes o fez, a culparia por ter sido abandonada pelo marido. Além disso, em sua
casa não havia nada para comer. Nenhum presente para receber.
Aliás, ela só ganhou presente de Natal uma vez. A sua avozinha fez uma bonequinha
de pano e, na noite de natal, colocou-a no chinelinho da neta. Quando ela acordou na manhã
do dia 25, a grande surpresa!
Seus pés se avolumavam mais e mais. Já não os movimentava. Era inútil tentar. O
cheiro do peru fez sua fome aumentar. Ah! Bem que uma bala lhe faria bem, se ela
conseguisse tirar só uma do embrulho, talvez ninguém notasse e amenizaria a dor de seu
estômago. Assim o fez. Mastigou gulosamente a bala como se fosse um pedacinho daquele
peru.
Lembrou da sopa que sua avozinha, quando era viva, preparava para ela. Sem
perceber, comeu mais uma balinha e sentiu o gosto da sopa. Sentiu não apenas o gosto da
sopa, mas viu claramente a sua avozinha sentada a mesa com ela.
Toda vez que terminava de comer a bala, o prato de sopa sumia, a mesa e a avozinha
desapareciam. Ficavam apenas os papéis de balas na concha de uma de suas mãos.
Comeu rapidamente mais outra bala e mais outra e mais outras. A presença de sua
avozinha se tornou mais real.
Agora, via também uma mesa farta. Na mesa, uma toalha azul com sinos dourados,
anjos tocando e, sobre ela, havia um enorme peru assado. Recheado com maçãs e ameixas.
Ele exalava um cheiro mais gostoso do que o de antes. Havia também biscoitos feitos e
desenhados por sua avozinha, além de uma infinidade de comidas e frutas.
Os olhinhos da menininha ganharam um brilho intenso e o seu corpinho sentiu a
proteção do abraço acolhedor da avozinha. Envolvida nesse sonho, descuidou-se e a bala em
sua boca se foi.
A realidade cruel tornou a mostrar seu véu. Lá estava ela sentadinha na calçada, o
vento a esvoaçar seus cabelos e provocar-lhe um frio interno de dor e medo.
162

Comeu outra bala. Agora se viu sentada debaixo de uma linda árvore de Natal.
Milhares de luzes coloridas enfeitavam os verdes ramos. Cartões de todos os modelos, iguais
aos que se veem nas papelarias, estavam voltados para ela.
Ergueu a mão em direção aos cartões, mas nesse instante a bala desmanchou em sua
boca. A árvore sumiu no ar.
As luzes do Natal subiam e subiam e subiam até alcançar o céu. Ela as via como se
fossem estrelas no céu. Uma delas caiu, formando um rastro luminoso. Parecia com a história
da estrela cadente contada por sua adorada avozinha.
“Alguém está morrendo”, pensou a pequenina. Sua falecida avozinha, a única pessoa
do mundo que lhe deu amor, lhe disse que quando uma estrela caia, uma alma de criança
subia ao céu e juntava-se aos anjos da paz.
Ela comeu mais uma bala. O sabor já não era o mesmo. Era ainda melhor. A avozinha
da pequena vendedora apareceu morena e luminosa, muito linda e terna. Sentou-se em sua
frente. Pegou carinhosamente as pequenas mãozinhas de sua amada netinha.
Olhou-a nos olhos e, como fazia quando era viva, contou a história do Uirapuru. É
uma lenda triste de um pássaro que foi flechado no coração por uma moça.
As duas, neste exato momento, ouviram o som do poema sinfônico de Heitor Villa-
Lobos – Uirapuru.
- Vovó, exclamou a pobre inocente, por favor, leva-me contigo! Sei que sumirás
quando a bala acabar. Desaparecerás, como tudo que vi de belo nestes minutos maravilhosos
de Natal. E rapidamente colocou várias balas na boca. Sua intenção era congelar diante de si a
visão de sua querida avozinha.
E o sabor das balas se tornou tão visualmente maravilhoso que a fez ver sua avó
grandiosa e bela, como nunca lhe parecera.
A avozinha tomou-a nos braços e ambas voaram em luminosidade e alegria para um
lugar bem acima do azul do céu. Lá não havia fome nem dor, o espírito era de paz, muita paz.
O dia amanheceu. Os primeiros raios de sol apontaram para a menininha cadáver. Ela
estava no mesmo lugar. Sentadinha na calçada, encostada na parede, faces pálidas e lábios
sorridentes. Não parecia que a morte a paralisara na noite de Natal. Em sua volta, papéis de
balas coloridos enfeitavam seu frágil corpinho como se fossem flores.
- Queria alimentar-se, dizia os que por ali passavam.
Em meio aos passantes, uma menina clara como a luz do sol, dona de lindos cabelos
dourados que caiam sobre o pescoço em belos cachos, avança em direção à menininha e num
terno abraço, exclama: “Feliz Natal!”
163

Os pais, horrorizados com a atitude da filha, a puxam pelos braços bruscamente.


Ninguém enxergava como era belo o gesto da inocência, nem o esplendor do lugar
para onde a indiazinha se fora com a avozinha, na noite de Natal.
164

ANEXO D - Etapas de reescritura de Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto

1º passo: assistir vídeos sobre a vida e a obra de Lima Barreto, com Ancelmo Goes: De Lá Pra
Cá (usamos quatro tempos de aula para assistir e comentar).

2º passo: pesquisar na internet a vida e a obra de Lima Barreto (pesquisa para casa,
apresentação oral e escrita. A turma foi dividida em oito grupos, com aproximadamente cinco
alunos. Usamos dois tempos para apresentação. A partir dos trabalhos escritos, escrevi os
microcontos sobre a vida e a obra do autor).

3º passo: assistir ao filme Policarpo Quaresma: o herói do Brasil (inverti a ordem


propositalmente para instigar a leitura do livro, marcando diferenças e semelhanças. Usamos
quatro aulas).

4º passo: ler Triste fim de Policarpo Quaresma (leitura em casa, em quinze dias).

5º passo: rodas de debates sobre Triste fim de Policarpo Quaresma (usamos quatro aulas para
debate, roteiro da história e divisão do livro entre os alunos para escritura individual dos
microcontos).

6º passo: traçar a trajetória de reescrita de Triste fim de Policarpo Quaresma (usamos duas
aulas para debate sobre a trajetória dos personagens Policarpo Quaresma e sua afilhada Olga.
Decidimos que os personagens teriam um envolvimento amoroso).

7º passo: reescritura de Triste fim de Policarpo Quaresma em microcontos. (a primeira versão


dos microcontos foi produzida em casa, em uma semana. Li os microcontos e orientei os
alunos durante quatro aulas).

8º passo: troca entre os alunos dos microcontos para ajuda mútua, revisando, dando sugestões,
reescrevendo. Uma espécie de compartilhamento de ideias, a favor da coerência entre os
microcontos (Usamos quatro aulas para que todos recebessem orientação).

9º passo: revisão geral pela professora orientadora (apresentei aos alunos para que lessem e,
se desejassem, fizessem alterações. Usamos duas aulas).

10º passo: formatação em livro e/ou postagem em redes sociais (com poucos alunos com
internet, fizemos um livro em espiral. Digitação da versão final dos microcontos).
165

ANEXO E - Lima Barreto: vida e obra em microcontos

O CASAL DE MULATOS

Eu sou o tipógrafo da Imprensa Nacional João Henriques Lima Barreto. Casei-me com
a professora Amália Augusta, que me deu 5 filhos.

SEXTA-FEIRA TREZE

Meu primeiro filho viveu 8 dias. Em uma sexta-feira, 13 do mês de maio de 1881, em
Laranjeiras, nasceu meu segundo filho: Afonso Henriques.

O MÉDICO

Eu era um homem culto, mulato e pobre que queria ser grande. Um grande médico!
Amália morreu. Enterrei o médico. Deixei apenas o pai viver.

LEMBRANÇA

Eu não me lembro de Amália morta. Lembro-me das crianças. O mais novo tinha 2
anos, chorava muito. Afonso, menos de 7 anos, abraçou-me forte.

A LEI ÁUREA

13 de maio de 1888. Afonso Henriques Lima Barreto completou 7 anos. A Lei Áurea
foi assinada. E o preconceito manteve-se cruelmente vivo.

REPÚBLICA

Era 15 de novembro de 1889, quando proclamaram a República. Começou a


perseguição. Eu era monarquista. Pedi exoneração com desespero no coração.

ALIENADOS

De tipógrafo a administrador da colônia de alienados da Ilha do Governador. Foi o que


o meu ilustre compadre Afonso Celso me arrumou.

CASA NA ILHA DO GOVERNADOR

Levei minha família para morar comigo na Ilha do Governador. Afonso Henriques
ficou no Rio de Janeiro para continuar os estudos.

A LOUCURA

Na colônia de alienados mentais, o contato diário com a loucura, com os porões


escuros e confusos da mente humana. Enlouquecia-me a cada dia.
VIRAR DOUTOR
166

Eu não consegui ser médico, mas quero meu filho doutor. De anel no dedo e tudo, com
título de superior. Dr. Afonso Henriques Lima Barreto!

A COR

Afonso Henriques escolheu o curso de engenharia civil da Escola Politécnica do Rio,


onde sentiu na pele o preconceito de cor e de classe social.

O NINHO

Na Politécnica, lugar de jovens ricos, elegantes, brancos e de sobrenomes famosos, o


mulato Afonso Henrique s sentia-se um estranho no ninho.

NOME DE REI

Narram que um dia um colega da Politécnica disse: “Olhem só! O tamanho da audácia
do mulato Afonso! Usar o nome do rei de Portugal!”

O FUTURO

Eu havia traçado um destino para meu filho Afonso. Este ainda não sabia que a voz do
escritor iria gritar mais alto do que a do pai.

O COMEÇO

Em A Lanterna e A Quinzena Alegre, meu filho publicou seus primeiros textos, sob os
pseudônimos de “Alfa Z” e “Momento de Inércia”.

A HOSTILIDADE

Ele não nasceu assim tão irônico e sarcástico. Foi a hostilidade do meio. Foi a pedra
no meio do caminho. Era uma vez os poderosos...

ESTILHAÇOS

Era uma vez uma pedra no meio do caminho. O poder. Afonso pegou papel e caneta e
a detonou em milhões de fragmentos verbais e não-verbais.

O DELÍRIO DO JOÃO

Uma noite de 1902, não me lembro o dia e o mês, meu pai foi dormir sadio e acordou
louco. Deixando-me uma pesada herança e nenhum futuro.

OS ESTUDOS

Eu era o responsável pelo sustento da família. Abandonei a Politécnica. Prestei


concurso para amanuense e comecei a trabalhar em 1903, no Ministério da Guerra.

A CASA DO LOUCO
167

Mudamos para a rua Boa Vista, no subúrbio de Todos os Santos. Meu pai gritava dia e
noite. Era enlouquecedor! Nossa casa, a casa do louco.

A GENTE SONHA

No Ministério, estava condenado a copiar e redigir documentos. Mas, dentro de mim


gritava a literatura. Sonhava com a glória que ela me daria.

O COLEGA DE REPARTIÇÃO

Conheci Domingos Ribeiro Filho no Ministério. Ele era escritor e frequentador dos
cafés do Centro. Com ele passei a frequentar o Café Java.

O MEIO JORNALÍSTICO

Nos cafés, conheci de perto gente do meio jornalístico. Comecei a escrever para o
Correio da Manhã sobre as escavações no Morro do Castelo.

A MEDIOCRIDADE

Sentia crescer em mim a vocação de romancista. Tornava-se cada vez mais difícil
suportar a mediocridade do Ministério e do meio familiar.

NO TRABALHO

Era obrigado a ouvir ironias e gozações em torno de meus sonhos literários. Por eu ser
mulato, julgavam-me incapaz de virar intelectual famoso.

NO SUBURBIO

Em Todos os Santos, onde morava, a minha paixão era reduzida a mania de literatura,
a coisa sem futuro. Reduziam-me a incapacidade total.

COMPULSIVO

Eu escrevia sem ordem nenhuma e de forma compulsiva. Em minha cabeça


desfilavam diversas obras e personagens ao mesmo tempo.

O QUARTO

Em meu quarto a velha cama, a biblioteca, a escrivaninha, a paixão à literatura, o


sonho de glória das letras e os gritos delirantes de meu pai.

O ÁLCOOL

Eu não queria beber em excesso, mas os problemas multiplicavam-se em milhares.


Vocês sabem que digo a verdade. Escrevi em meu Diário íntimo!

EDITOR
168

No Brasil, não bajulei ninguém e não publicaram Recordações do escrivão Isaías


Caminha. Em Portugal, concordei em nada receber pela publicação.

AUTOBIOGRÁFICOS

Muitos de meus livros, vocês já perceberam, possuem traços nitidamente


autobiográficos. Neles, escrevo com sangue a dor do preconceito.

REBELDIA

Eu não aceitava aquela sociedade impiedosa. Esse inconformismo fez de mim um


homem de escrita feroz. Inaugurei o cenário da rebeldia antes 22.

IMPRENSA

Em 1909, eu era jornalista do Correio da Manhã, meu livro Recordações do escrivão


Isaías Caminha foi publicado, mas o escândalo não aconteceu.

O SILÊNCIO

Querido leitor, o silêncio da imprensa em relação ao meu livro me feriu fundo. Os


gritos de meu infeliz pai silenciei com uma garrafa de Parati.

BEM COMPORTADO

Os donos da cultura não queriam as minhas críticas. Não queriam uma literatura fora
do tom e dos padrões de linguagem. Não havia liberdade!

LIBERDADE

Meu jeito de ser livre me custou caro: decepção, falta de dinheiro, de reconhecimento
e de esperança. Só o álcool me deu prazer. Delírio!

ESTRAGO

Dentro de um copo ou de uma garrafa, só ela era capaz de me entender. Apaixonei-me


por ti Parati! Por que me destruíste assim?

PRESSENTIMENTO

Não sei explicar o porquê, mas quando algo ruim estava para acontecer eu pressentia:
a morte de minha mãe, a catástrofe com meu pai. Um medo...

O TRISTE FIM

Em três meses eu me escrevi em Policarpo. O Jornal do Comércio começou a


publicá-lo em folhetim no dia 11 de agosto de 1911.

LITERATURA
169

Era uma vez um homem apaixonado pela literatura brasileira que o álcool não
conseguia deteriorá-la. Por ele, virei figura acabada.

NAQUELA NOITE

Expediente no Ministério, crônica para o Correio da Noite, andanças pelos bares,


retorno à rua Major Mascarenhas, abril de 1914: alucinações.

GUARATIBA

Levaram-me para descansar na casa de um tio. Os fantasmas e os inimigos foram


comigo. Tornei-me agressivo. Chamaram a polícia.

HOSPÍCIO

Em 1914, fiquei hospedado no Hospício da Praia Vermelha. Era a minha primeira


estada no inferno. No Cemitério dos vivos.

TEMPO

No hospício o tempo passa lentamente. Dois meses transformam-se em 4 anos


facilmente: “Como o homem chegou” ao Rio, trazido de Manaus.

A VOLTA

Voltei com vontade de escrever. Em 25 dias o romance Numa e a Ninfa ficou pronto.
Em 1915, o jornal A Noite o publicou em folhetins.

POLICARPO

Eu tinha uma ideia fixa, publicar o romance Triste fim de Policarpo Quaresma em
livro. Fiz empréstimo. Banquei a publicação em 1915.

REALIZAÇÃO

Enfim, alcancei a glória. Falaram bem do romance e de mim, o autor Lima Barreto.
Jornais de grande porte dedicaram-nos enormes espaços.

A GUERRA

Na época da 1ª Guerra, em meus artigos jornalísticos, eu distribuía críticas, inclusive


contra a ideia de patriotismo de Olavo Bilac.

NOVAS PUBLICAÇÕES

Por minha conta e risco, em 1917, paguei para editar em livro a obra Numa e a Ninfa.
Nessa época eu já devia 20 contos de réis a diversos.

SAÚDE
170

Fui internado no hospital para tratamento de saúde. Lembro-me do ano 1918. Ano em
que fui aposentado no Ministério da Guerra por invalidez.

MONTEIRO LOBATO

Em 1918, do hospital, enviei a Monteiro Lobato os originais de M. J. Gonzaga de Sá.


Surpreso, recebi a proposta de edição e de direitos autorais.

O EDITOR ESCRITOR

Monteiro Lobato foi quem mais levou a sério as minhas obras. Compreendeu-as em
suas devidas proporções e guardou-me respeito.

REFLEXOS

Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá é a obra melhor trabalhada. Nela, reflexos de


minha vida, do orgulho de descender do povão.

APLAUSOS

Publicada em 1919, Gonzaga de Sá, recebeu aplausos da crítica. Aproveitei para


candidatar-me à ABL. De novo não fui aceito.

NATAL

Era noite de natal de 1919, eu perambulava pelas ruas: sujo, com a roupa rasgada, o
corpo exalava puro álcool e em delírio igual ao meu infeliz pai.

O IRMÃO

Meu irmão Carlindo internou-me. Era a segunda hospedagem naquele inferno. Lá,
fiquei por 2 meses e iniciei a escritura do Diário do Hospício.

MALTRAPILHO

Aos 40 anos eu era um velho. Cheirava mal, aspecto maltrapilho. Nesse estado
lastimável, era visto por todos. Faltava-me algo essencial.

A VISITA

Monteiro Lobato veio de São Paulo ao Rio para me conhecer pessoalmente. Eu estava
muito bêbado. Ele decidiu não se identificar.

MIRASSOL

Ranulfo Prata era médico e escritor. Morava em Mirassol, interior de São Paulo. Ele
admirava minha obra e convenceu-me a ir até Mirassol.

ABSTINÊNCIA
171

Com os cuidados de Ranulfo, uma dieta controlada, a abstinência do álcool e o afeto


de novos conhecidos ganhei um aspecto menos deplorável.

CONHECI MONTEIRO

Durante minha passagem por São Paulo, conheci pessoalmente Monteiro Lobato. Um
sábio escritor de temas brasileiros – do real ao mítico-.

O DESAFIO

Eu fui convidado a dar uma palestra em Rio Preto sobre a função da literatura. Escrevi
o ensaio. Na hora, fugi! Bebi! Encontraram-me na sarjeta.

O ATO DE ESCREVER

Escrever, para mim, é uma forma de denúncia. Para isso, lanço mão de uma linguagem
clara, simples e coloquial, sem erudição e adornos.

CRÍTICAS

Recebo pesadas críticas. Acusam-me de desleixado, de não saber gramática.


Enganam-se! Eles sim! Não conhecem as variações de nossa língua!

TRAFEGO

Não gosto da literatura passatempo. Trafego pelos grandes acontecimentos: Floriano


Peixoto, febre amarela, feministas, economia, 1ª Guerra etc.

DESEQUILÍBRIO

Meu amigo Enéas Ferraz foi quem me viu pela última vez. Naquele 7 de setembro,
andei o dia todo e por todos os lugares que gostava no Centro.

ALMA

Faltava-me ânimo, as coisas andavam mal em minha alma, em minha casa, em minha
cidade, em meu país... Eu pressentia o fim.

EVANGELINA

Era 1º de novembro de 1922, Evangelina me trouxe uma refeição no quarto. Não havia
ninguém comigo. O colapso cardíaco foi inevitável.

NINGUÉM

No meu velório, havia muitos amigos de andanças e de Parati. Um amigo leitor “não
sou Ninguém” descobriu o meu rosto e beijou-me a testa.

MINHA AMADA
172

Escrevi muito. Sofri e amei mais ainda. Deixo para a eternidade os 17 filhos que tive
com a figura feminina mais amada: a Literatura.

O ENCONTRO

Meu pai teve um momento de lucidez: “Afonso morreu, Evangelina?” Ela emudeceu.
48 horas depois de minha morte, o velho veio ao meu encontro.
173

ANEXO F - Professor Policarpo: amor em microcontos

Eu me chamo Policarpo. Saio às 22h do Pedro II, onde sou professor de literatura, e
caminho até minha casa. E lá, a minha espera, Olga.

Olga, como se fosse a aparição de uma estrela, visitava-me repentinamente. Com


muito respeito e afeto, dava-me beijos de boa noite.

Eu vivia num isolamento bibliotecal, embora fosse gentil com as pessoas, preferia a
companhia dos livros. Exceto quando se tratava de Olga.

Com os alunos, eu me transformava. Virava poeta, cronista, contista, violinista e até


cantor de modinhas e contador de lendas e mitos do Brasil.

O mito das Amazonas, mulheres guerreiras, é um dos quais eu gosto. Entretanto, são
os mitos genuinamente brasileiros que me cativam.

Antes de ser professor, eu era subsecretário do Arsenal de Guerra. Pegava o bonde às


15h40 e às 16h15 já estava em casa. Conhecia-me por major.

Morava com minha irmã Adelaide em uma rua afastada de São Januário - São
Cristovão. Embora fosse cortês, os vizinhos me julgavam esquisito.

Eu tinha e ainda tenho uma biblioteca riquíssima. Não a mostrava a ninguém, mas
quando abria as janelas da sala, da rua poder-se-iam vê-la.

Na época do Arsenal, eu era um homem musculoso, forte, olhava sempre baixo, mas
quando fixava os olhos em alguém eles ganhavam um forte brilho.

De tanto ler, ganhei gosto pela literatura e resolvi, aos 26 anos, entrar para o Centro de
Filosofia Brasileira – CEFIB.

Em termos de leitura meu gosto era variado. Na ficção, gostava de autores nacionais,
tais como José de Alencar, Gonçalves Dias e o Macedo.

Desde moço, o amor pela pátria tomou-me por inteiro. Devorava crônicas sobre a
História do Brasil e livros sobre viagens e exploração do pais.

Erra quem quiser encontrar em mim qualquer regionalismo literário. Gosto dos
clássicos, das narrativas populares e das lendas do folclore brasileiro.

Não tenho predileção por esta ou aquela parte do Brasil, exceto pela Amazônia, com
suas virgens florestas e a superioridade do rio Amazonas.

Sentei-me na cadeira de balanço e retomei a leitura da História da América


Portuguesa, de Rocha Pita. Bateram na porta. Era Ricardo e Paganini.
174

Ela ainda não sabia, mas eu era um homem apaixonado. Pensava seriamente na
expressão poético-musical característica da alma nacional e nela.

Li historiadores, cronistas e filósofos. Confirmado: a modinha e o violão têm alma


nacional. Em breve, irá de São Cristovão a Botafogo.

Eu e o Ricardo gostamos do que é nosso. Por isso, resolvemos mergulhar em nosso


folclore e transformar lendas e mitos em letras de modinhas.

Baseada na lenda da índia Jaci que engravidou de um boto e deu à luz a um casal de
cobras - Honorato e Maria - nasceu a nossa primeira modinha.

Lembrei-me da época de faculdade. Em uma roda de leitura, ouvi um poema


maravilhoso chamado Cobra Norato, escrito por Raul Bopp em 1931.

Pensei no rio Negro e no Curupira para escrever outra modinha. Curupira, em tupi,
significa corpo de menino. Ele é o ágil protetor da floresta.

O mito da mulher ingênua e perigosa me fascina. Gosto da senhora das águas (Iara em
tupi). Escrevi mais uma modinha: o Amazonas se liga ao Negro.

Ouvia Heitor Villa-Lobos e seu poema sinfônico Uirapuru. É uma lenda triste e viva:
o pássaro foi flechado no coração por uma moça.

Há dias que não saia de casa. Preferia embriagar-me com viagens literárias a fim de
conhecer todo o Brasil e ter aulas de violão com Ricardo.

Depois do almoço, eu gostava de passear pela chácara. Eram passeios filosóficos em


companhia daquele que nos servia há anos, Anastácio.

Em minha chácara, predominavam as frutas nacionais, tais como pitanga e o Cambuí.


Eu e Anastácio cuidávamos delas como se fossem únicas.

Fui à biblioteca ler e tomar notas de temas sobre o Brasil. E tivera a certeza de que a
nossa pátria poderia ser superior à Inglaterra.

Havia despertado em mim o gosto pelas festanças. Fiquei encantado quando o general
Albernaz falou em organizar uma chegança, à moda do Norte.

O general Albernaz lembrou da tia Maria Rita, antiga lavadeira da família. Ela morava
em Benfica e conhecia versos e músicas à moda do Norte.
Albernaz era medíocre e bonachão. Sua preocupação era casar as 5 filhas e arranjar
“pistolões” para seu filho passar nos exames do Colégio Militar.

Eu e Albernaz pegamos o bonde para visitarmos a velha Maria Rita. Ficamos


observando um dos trechos histórico da cidade: o Pedregulho.

A Srª Maria Rita morava próximo à estação da estrada de ferro Leopoldina. Perto
havia um depósito de locomotivas e uma vasta região de mangues.
175

Maria Rita foi uma bela mulata. Eu e Albernaz a encontramos sentada na sala. Olhar
sonhador, a espera de seu grande amor Vítor Emmanuel II.

Queríamos da tia Maria Rita as cantigas de Bumba-meu-boi, Bicho Tutu etc.


Impossível conseguir tal proeza! Ela vivia no mundo da imaginação.

Comprei livros para estudar as tradições e canções do nosso povo. Surpreso, descobri
que até o Tangolomango era adaptação do estrangeiro.

A ideia de estudar os costumes tupinambás foi excelente. Organizei um código de


relações, de cumprimentos, de cerimônias e festas tupis.

Todas as minhas pesquisas, trabalhos e participação das festanças populares não me


faziam esquecer os olhos daquela criança, agora bela moça.

Andava pelo Largo do Paço, distraidamente, a admirar as maravilhas arquitetônicas do


chafariz do Mestre Valentin, quando encontrei um conhecido.

Vicente Coleoni era um quitandeiro que perdera o crédito por culpa de um colega.
Disposto a matá-lo, usei de persuasão para fazê-lo desistir.

Emprestei-lhe dinheiro. Vicente abriu uma quitanda. Enriqueceu. Casou com


Adelaide. Tiveram uma filha. Convidaram-me para levá-la à pia.

Nunca mais esqueci os olhos daquela menina: vivos, fixos em mim, da cor do céu azul
em dia de sol. “Batizo-te Olga Coleoni”, disse o padre.

Eu era um rapaz de 21 anos, quando me tornei padrinho de Olga. Ela cresceu rápido
demais. Havia entre nós uma grande afeição e o desconhecido.

Sempre fui uma pessoa reservada. Não me sentia à vontade para demonstrar meus
sentimentos. Quando o fazia, era com timidez. Diferente de Olga.

Adivinhava que a moça não ocupava no meu coração somente o lugar dos filhos que
eu ainda não tivera. Sentia o proibido silenciosamente doer.

Olga era uma menina calorosa. Falava desembaraçadamente. Não me escondia sua
afeição e que sentia em mim alguma coisa de superior, um ideal.

Ela via em mim uma ânsia de seguir um sonho, uma ideia, um voo para altas regiões
do espírito que ela não estava acostumada a ver em ninguém.
Fascinava-me o quanto ela me conhecia. Por outro lado, sentia muito medo que ela
descobrisse o que vivia dentro das profundezas do meu ser.

Um dia Olga me perguntou: “Então, padrinho, lê-se muito?” Respondi: “Muito, minha
filha.” A reforma para emancipação do nosso povo.

Percebi nos olhos de minha afilhada que havia um ar de preocupação. Disse-me


brincando: “Não vá se meter em alguma conspiração”.
176

Ricardo Coração dos Outros chegou. Eu o apresentei à Olga. A fisionomia dele


iluminou-se com a presença de minha rica e bela afilhada.

Meu amigo Ricardo sempre ficava atrapalhado diante das moças. Com Olga, animou-
se, soltou a língua e conversou com eloquência.

Eu, que me mantinha calado, entrei na conversa entre Ricardo e Olga. Ela pareceu-me
surpresa com a minha interrupção intempestiva e calorosa.

Finalmente Cavalcânti concluiu o curso de dentista. Agora, ele não era mais um rapaz
simples. Era um homem de essência superior.

Os pais de Ismênia deram um baile para festejar a formatura do noivo da filha e


formalizar o pedido da pragmática. Casavam-se em três meses.

Casar para Ismênia era uma espécie de dever. Nela, não se encontrava qualquer direito
à felicidade, nenhuma capacidade para sentir paixão.

Dona Maricota não compreendia como uma mulher poderia ser feliz sem casar. E a
filha, Ismênia, incapaz de vibração alguma com o casamento.

Além das moças, rapazes e famílias, estavam presentes no baile: Caldas, Florêncio e
Bustamante. Não convidaram o Ricardo. Era festa séria.

O contra-almirante Caldas foi nomeado para comandar o navio Lima Barros.


Procurou-o em Mato Grosso, no Alto Uruguai e no Amazonas foi preso.

Inocêncio Bustamante, outro amigo, possuía honras de major por ter sido voluntário da
Pátria. Todo dia ia ao quartel-general ver seus requerimentos.

Era festa, Dona Maricota aproximou-se dos amigos do marido e disse: “Senhores,
estão no salão tantas moças a espera de rapazes para dançar!”

No meio da partida de cartas, Quinota, uma das filhas do Albernaz, ao entrar na sala,
Caldas perguntou: “E o Genelício?”. Ela emudeceu.

Genelício era o namorado de Quinota, parente de Caldas e empregado do Tesouro.


Tinha menos de trinta anos e já era um mestre na bajulação.

Este tal de Genelício espalhou a notícia. Não só ele, mas todos acreditavam que o
ofício em tupi que fiz ao ministro era loucura. Exceto Olga.
O doutor Florêncio e Genelício, segundo soube, disseram que certos livros deviam ser
proibidos a pessoas como eu - um simples professor.

Ao abrir-se a sessão da Câmara, o secretário tentou ler o meu requerimento escrito em


tupi. Conta-se que o riso contagiou a todos. Ignorantes!

Eu, um cidadão brasileiro e professor, com o sonho de tornar o tupi-guarani, que é


nosso, a língua oficial, sou motivo de chacota! (in)Letrados?
177

Os jornais traziam comentários maldosos, faziam pilhéria sobre mim, publicavam


minha caricatura em tom de deboche, apontava-me na rua etc.

Eles falam de quem e do que não conhecem! Com essa gente só troquei coisas
corriqueiras. Olga sabe a verdade, entre nós há admiração e afeto.

Sentia-me um homem desesperado e incompreendido por muitos, inclusive por meus


alunos que também me tomavam por louco.

A extensa publicidade do requerimento atingiu o palacete da Real Grandeza, onde


morava meu compadre Coleoni, viúvo há alguns anos.

Depois que a mãe morreu, Olga tornou-se uma pessoa irregular e indisciplinada. O
compadre Coleoni queria casar a filha bem e ao gosto dela.

Meu coração não concordava com o compadre, mas também não podia discordar.
Como padrinho de Olga tinha que respeitar o lugar a que me coube.

Coleoni pensou em casar a filha com seu ajudante, uma espécie de arquiteto.
Convenceu-se de que a inteligência da menina não combinava com rudezas.

Havia momentos que Coleoni se aborrecia muito com os propósitos da filha. Ele
gostava de dormir cedo, mas era seu dever acompanhar Olga aos bailes.

Coleoni lia de manhã os jornais. Deparou-se com o meu requerimento. Eu, para ele,
era mais que compadre, era um homem digno de duplo respeito.

Olga não me julgava. Nela falava o amor às grandes coisas e aos cometimentos de
feitos ousados. Lembrei-me que lhe falara em emancipação.

Eu escrevi um ofício ao Secretário de Educação. Por distração, o ofício em tupi seguiu


junto com outros documentos e o diretor assinou.

O Secretário chegou ao gabinete do diretor. Este examinou o ofício e pela letra


reconheceu que fora eu quem o escrevera. Mandou me chamar.

O diretor disse que tinha sido ofendido 3 vezes: na sua honra individual, na de sua
casta e na do Colégio Pedro II, onde trabalhávamos.

Depois do tal ofício em tupi, dizem que enlouqueci. Prenderam-me. Internaram-me


numa casa imensa, uma espécie de hospital e prisão. Hospício.
No Pinel, meditei sobre a loucura. Fiquei angustiado diante do grande mistério que é a
mente humana. Onde termina o sonho e começa a loucura?

O hospício! O lugar dos loucos ou dos que ousaram lutar? Estou vivendo numa
sepultura. Existem outros, muitos outros atormentados, com medo.

Hoje recebi a visita de Olga. Pareceu-me sentir o horror da loucura, a angustia do


mistério que ela encerra. Abraçou-me com doçura e certeza.
178

Se não fosse meu compadre Coleoni, meu amigo Ricardo Coração dos Outros e minha
amada afilhada, a loucura passaria do papel para a vida.

Ela, eu sinto em seu abraço, em seus olhos, a certeza de minha lucidez. Disse-me em
uma de suas visitas ao lado do pai: “Quer sair daqui?”

Fui pego de surpresa com a notícia do noivado de minha afilhada com o doutorando
Armando Borges. Preferi ficar mais um tempo no hospício.

Perguntei se Olga gostava do noivo. Ela ficou um longo tempo em silêncio, como se
não soubesse o que responder. “Será que ela me ama?”, pensei.

Disse-me: “Padrinho, os rapazes que eu conheço não tem ‘o quê’ de especial. Sabe,
aquela força de projeção para as grandes coisas?”.

Em minha loucura, tive que me controlar. Percebi que ela ia casar por hábito da
sociedade, talvez por não poder aceitar que ama o proibido.

A notícia do casamento de Olga surpreendeu a minha irmã Adelaide. Talvez ela


desconfiasse de nossos reais sentimentos um pelo outro.

Em visita a minha irmã, Olga ficou sabendo que Ismênia andava triste por ter sido
abandonada pelo noivo, o tal de Cavalcânti. Ia ser solteirona.

A Quinota ia casar-se. O Genelício já havia providenciado os papéis. O casamento da


irmã confirmava a certeza de Ismênia: ia ficar maldita.

Levaram-me do hospital para um lugar funesto. Olga ficou sabendo. Desesperou-se.


Pediu, suplicou, humilhou-se ao Marechal Floriano. Atiraram...

Todos se foram! Ela encontrou meu corpo imóvel e deteriorado. Abraçou-me com
cuidado. Beijou-me os lábios e levou-me para o sítio sossego.

Meu crime foi lembrar ao Marechal de Ferro que o crescimento do Brasil depende do
agricultor.

Os donos do poder calaram a minha voz em 1911. Hoje, 100 anos depois, escreveria
que o crescimento do Brasil passa pela valorização do professor.

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