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Rio de Janeiro
2009
Aretuza Pacheco Serra Vitelbo da Silva
Rio de Janeiro
2009
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
CDU 806.90(07):78.067.26(81)
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação
__________________________ __________________
Assinatura Data
Aretuza Pacheco Serra Vitelbo da Silva
Banca Examinadora:__________________________________________________________
Rio de Janeiro
2009
DEDICATÓRIA
Aos
Meus alunos, por serem a real motivação deste
trabalho e de minha insistência em participar da
construção de melhores dias na Educação.
AGRADECIMENTOS
SILVA, Aretuza Pacheco Serra Vitelbo da. Cantando a insatisfação: os recursos linguístico-
expressivos na obra de Gonzaguinha. 2009. 113f. Dissertação (Mestrado em Língua
Portuguesa) – Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2009.
A fim de motivar alunos dos Ensinos Fundamental e Médio a atentarem para o cunho
expressivo dos fatos da língua e buscarem conhecer os grandes nomes da música nacional,
este trabalho objetivou um estudo estilístico dos recursos linguístico-expressivos de textos
musicais de Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. – o Gonzaguinha. Destacou-se, primeiramente,
o viés social da música. Em seguida, pretendeu-se uma aproximação entre textos musicais e o
conceito de poesia para, então, tratar mais cuidadosamente do papel didático da canção.
Considerando a concepção de contracultura, defendida por Marilena Chauí (1990) como o
contexto histórico do momento das produções musicais, partiu-se para explanações acerca da
Estilística: sua história, seus âmbitos, seu alcance e possibilidades. Por fim, adentrou-se nas
relações lingüísticas a partir de canções de tom ora de protesto inconformado, ora
nacionalista-apaixonado do artista mencionado. Desenvolveu-se, portanto, uma abordagem
estilística individual do autor a partir de apontamentos teóricos sobre aspectos sonoros,
léxico-semânticos, morfossintáticos e enunciativos do processo discursivo expressivo. Com
esse intento, elegeram-se composições que ilustraram as marcas lingüísticas e seu
entrelaçamento com o plano do conteúdo.
In order to motivate Junior High School and High School students giving attention to
the expressive character of the language facts and trying to know the great names of the
national music, this work had as an objective a stylistic studying of the linguistic-expressive
resources of the musical texts of Luiz Gonzaga. First of all, the social character of the music
was highlighted. Next, an approach between musical texts and the concept of poetry was
intended so that the didactic side of the song could be handled carefully. Considering the
conception of contracultura defended by Marilena Chauí (1990) as the historical context of
the musical production moment, it was given attention to the explanations around “Stylistic”:
its story, range, comprehensiveness and possibilities. To end up, it went into the linguistic
relations from either non conformed outcry or passionate-nationalistic songs of the mentioned
singer. It was developed then, an individual stylistic approach of the author from the
theoretical notes about voiced, semantics-lexicon, morph syntax and enunciative aspects of
the expressive speech process. With this purpose it was elected compositions which show the
linguistic impressions and their relationship with the plan of the content.
INTRODUÇÃO...........................................................................................................10
GONZAGUINHA........................................................................................................56
5 CONCLUSÃO.............................................................................................................80
REFERÊNCIAS..........................................................................................................84
INTRODUÇÃO
São raras, no mundo, as sociedades que não têm a música como uma de suas formas
verbais históricas de expressão e interação. Como a configuração de uma evocação divina,
como elemento de auxílio num ritual de caça ou ainda como meio de diversão, “a música é
uma linguagem por meio da qual uma ideia é mais bem difundida ao longo dos tempos,
segundo FERREIRA (2008, p.9).
Para os pesquisadores mais radicais, o ato comunicativo verbal em si poderia ser
considerado música, uma vez que é formado por sequências de combinações sonoras que
visam ao atendimento de diversos objetivos: persuasão, informação, instrução,
entretenimento, entre outros. Dessa maneira, a canção constitui, por seu suporte, dentre as
modalidades verbais de comunicação, a forma de penetração mais intensa. Fato é que, por tal
capacidade de difusão, ela serve a aplicações variadas como a pedagogia – o ensino em
quaisquer dos níveis–, a cura terapêutica, a celebração, a propagação de ideologias, o louvor,
o estímulo, o prazer.
Especialmente ao trabalho interessam os empregos didático e ideológico relativos à
música. Pretendo mostrar como foram utilizadas as canções de protesto de Luiz Gonzaga Jr.
em salas de aula dos Ensinos Fundamental e Médio. A obra do referido artista é exemplar no
que tange à propagação de ideias e valores, sobretudo, os democráticos, e no que diz respeito
aos usos expressivos dos recursos linguísticos, compondo, assim, um profícuo material para
as aulas de Língua.
sentido aos recursos linguísticos empregados, enfatizando os de maior notoriedade, por seus
efeitos expressivos ou originalidade de uso.
Dentre as falas dos alunos, muitas indicam o cuidado na construção da mensagem,
apontando, assim, para a participação da função poética da linguagem, o que leva, quase
irremediavelmente, aos questionamentos acerca das possíveis semelhanças existentes entre
música e poesia, aproximações tratadas no item seguinte.
Não é nova e tampouco está encerrada a discussão acerca dos fatores de proximidade
relativos à música e à poesia. Especialistas, poetas, músicos e intérpretes tecem, com fervor,
seus conceitos e julgamentos distintos, instigando, ainda mais os debates. Os descompassos se
manifestam devido à aparente imprecisão do termo poesia e à sua equiparação errônea à
expressão poema. Dentre esses estudiosos, Pedro Lira (1986) apresenta uma minuciosa teoria
acerca da existência de aspectos poéticos; nela baseei as próximas declarações e a pesquisa
como um todo, sem, no entanto, concordar integralmente com o autor.
De início, entendo que poesia e poema são diferentes. A poesia é algo imaterial e
originariamente associado à transitividade do ser. Poema é a realização material, verbal dessa
transitividade, dessa passagem do abstrato ao concreto, portanto, ao aproximarmos poesia e
música não igualamos música e poema, mas apontamos aspectos inerentes à poesia
claramente observáveis na música.
Creio, todavia, que, num segundo momento, “avizinhar” poema – efetivação material
da poesia – e música só corrobora à constatação das características intrínsecas aos conceitos
anteriores: música e poesia. Essa dupla aproximação – via poesia e poema – à música atestará
as confluências das manifestações em questão, aqui consideradas artisticamente.
Beleza e feiúra são abrigadas no aspecto aparência, a primeira o viés mais atraente,
fascinante ao homem. Obviamente, esses conceitos de teor altamente subjetivo ainda causam
embaraço quanto aos valores positivo e negativo: às vezes, o belo é tão perfeito que
desencanta (valor negativo), e o feio pode ser simpático e exercer, então, atração (valor
positivo). O que não deixa dúvidas é a maior recorrência de relações estabelecidas entre o
belo e o prazer; LIRA (1986, p.30) nos esclarece que o “belo é o aspecto de tudo aquilo que,
pela proporção e harmonia de suas formas e através do olho/ ouvido ou da imaginação/
recordação, produz na sensibilidade uma sensação de prazer.”. A poesia tende, então, a se
concentrar na negatividade (feio), principalmente, porque os poetas são provocados pelos
aspectos negativos do ser, daí a motivação para as criações de poesias de combate e denúncia.
Luiz Gonzaga Jr contemplou o belo e o feio por meio das figuras, respectivas, do povo
brasileiro e sua essência e da irresponsabilidade dos Governantes:
E aprendi que se depende sempre
De tanta, muita, diferente gente
Toda pessoa sempre é as marcas
Das lições diárias de outras tantas pessoas!
É tão bonito quando a gente entende
Que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá!
É tão bonito quando a gente pisa firme
Nessas linhas que estão nas palmas de nossas mãos!
É tão bonito quando a gente vai à vida
Nos caminhos onde bate mais forte o coração!
(Caminhos do coração- Pessoa= pessoas. Disco: Caminhos do coração;
1982. EMI- Odeon/ Lado B, faixa 5)
Neste trabalho, a autora aponta a voz humana como cerne capaz de explicitar semelhanças e
contribuições mútuas entre os conceitos e concretizações aludidos. Baseada em tal essência,
norteei as próximas explanações.
Ao trabalhar as similaridades dos atributos e poderes equivalentes a poema e música,
Matos estabelece a equação poesia (=poema)≈música (equivalência) de modo a distingui-la
dos processos de articulação entre texto poético ou verbal e música, representados pela
expressão poesia (=poema)+ música (parceria). Dessa maneira, expõe as principais formas
como música e poesia se vinculam e/ou complementam na consumação de eventos de palavra
cantada, por intermédio de um terceiro e crucial fator: a voz humana. Segundo MATOS
(2008, p.83), a ligação básica entre palavra poética (poema) e expressão musical é
concretizada a partir da conjugação de “linguagem e melodia enlaçadas pelos ritmos da
respiração convertida em voz”. Ainda de acordo com ela, “a intervenção ativa da voz humana
é o que possibilita, o que verdadeiramente anima a presença da música na linguagem verbal e
vice-versa”. A essa proposição pode-se acrescentar contribuições de Jean-Jacques Rousseau,
que identificou no canto a matriz de toda linguagem. Para ele (apud MATOS, 2008, p.86), “a
cadência e os sons nascem com as sílabas: a paixão faz falar todos os órgãos e confere à voz
todo o seu brilho; assim, os versos, os cantos, a palavra, têm uma origem comum”. Vale
lembrar que a voz servia musicalmente às situações de difusão do discurso poético quando o
mesmo ainda não era “literatura”, ou seja, quando ainda não se concretizava por meio do
registro escrito.
Ratificando as relações e convivências entre poema e música, Octavio Paz (1982,
p.83-84) e Paul Valéry (1999, p.203-204) sugerem que as prosas narrativa e dissertativa são
de linguagem que avança, caminha com prosseguimento constante e adiante; o verso, por sua
vez, é linguagem que baila ao redor. Neste sentido, carece da música para efetivar plenamente
sua essência dinâmica e sonora.
Ponderando os subsídios de Rousseau, Paz e Valéry, percebe-se que a palavra lírica e a
música mostram-se configuradas de modo a desempenhar seu objetivo essencial: manifestar
as percepções mais inexprimíveis e densas da experiência anímica (poesia/poema≈música).
As duas são capazes de explanar profunda e intensamente sobre e à alma – ao espírito
humano. A música, no entanto, o faz de forma mais “competente”, ao transpor fronteiras
linguísticas e históricas devido, segundo MATOS (2008, p.86), “ao seu caráter de linguagem
universal dos afetos”.
Ainda nesse movimento de similaridade e equivalência entre poema e música, pode-se
observar o entusiasmo criador musical do poema e a motivação literária para o engenho da
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música. O dramaturgo Friedrich Schiller (apud LOBO, 1987, p.132) anunciava que uma
disposição musical antecedia suas ideias poéticas. Em contrapartida, seu colega Friederich
Schlegel (apud LOBO, 1987, p.132), afirmava que várias composições musicais consistiam
em simples traduções de poemas, mas em linguagem musical.
Enquanto a equação poema≈música envolve, ontologicamente, as analogias
intrínsecas às referidas manifestações, a expressão poema+música revela a co-participação
destas nos processos de interação sensível e comunicativo. Cabe apontar, como exemplo desta
última ocorrência, a “modinha” no Brasil do século XIX, que musicou desde textos anônimos
até obras de poetas como Olavo Bilac, Castro Alves e Gonçalves Dias.
Nos dois eventos: similaridade (poema/poesia≈música) e parceria
(poema/poesia+música), há o delineamento de um projeto estético, as ambições
comunicativas, porém, destoam. Conforme MATOS (2008, p.95), “as operações interativas -
parcerias- entre poesia e música respondem geralmente a uma ambição de significar, reforçar
mutuamente a comunicabilidade, o alcance expressivo das duas linguagens”. Ainda segundo
MATOS, a versão da existência das afinidades presentes entre elas –equivalências, por outro
lado, relaciona-se às questões de “pureza e de radicalidade da obra de arte”.
PAZ (1982, p.98-99) resume e encerra, muito adequada e oportunamente, essas
relações e realizações de equivalência e contribuição ao dizer que “A analogia é a linguagem
do poeta. Analogia é ritmo”; ou seja, o autor vinculou um elemento sensível (ritmo) a outro de
viés semântico (analogia), revelando uma ligação que considerou, simultaneamente, a
similitude (poema≈música) e a soma (poema+música) entre som e sentido. Estes, adaptados
harmonicamente, são projetados, de acordo com MATOS (2008, p.96), “numa dimensão
cosmológica, na qual se encontram sincronizadas, unidas desde sempre
(parentesco/similaridade) por um laço que todavia está a refazer-se na voz humana (parceria),
a poesia e a música”.
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Após turbulentos anos “getulistas”, o Brasil viveu uma década e meia de democracia
calcada na Constituição de 1946. Posteriormente, o governo de Juscelino Kubitschek trouxe a
tônica do desenvolvimento para o país. A criação de Brasília e a sua inauguração, no ano de
1960, representam esse processo de incrementos, ampliações e mudanças consideráveis que
propiciaram novas condições para a produção cultural no país. Destacam-se, então, vários
artistas de vanguarda em diversos campos, como Glauber Rocha e Ruy Guerra no cinema,
João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes na música com a bossa nova, Oscar
Niemeyer e Lúcio Costa inovando a arquitetura.
A década de 60 foi marcada pela efervescência no campo sócio-político brasileiro.
Tornaram-se evidentes a consciência política e o desejo popular de participar ativamente dos
rumos do país. Os movimentos estudantis se intensificaram e agiram junto com a nação,
criando, por exemplo, os Centros Populares de Cultura (CPCs), da União Nacional dos
Estudantes (UNE). Destacaram-se também a mobilização da classe operária e dos
agricultores, que lideraram o movimento sindical em torno da Confederação Geral dos
Trabalhadores (CGT) e as Ligas Camponesas. Estudantes, organizações populares e
trabalhadores ganharam espaço, causando a preocupação das classes conservadoras que
envolviam empresários, banqueiros, Igreja Católica, militares e a classe média. Estes grupos
temiam uma guinada do Brasil para o socialismo.
Definitivamente, as organizações populares não agradaram aos militares que tomaram
o poder, ilegalmente, em 1º de abril de 1964, assegurando que iriam enfrentar a subversão e
garantir a ordem democrática. Tal fato viria modificar radicalmente as estruturas do país
durante os anos seguintes. Iniciava-se a ditadura militar brasileira, o período que se estendeu
de 1964 a 1985 e caracterizou-se pela suspensão da democracia nas bases governamentais;
supressão de direitos constitucionais; censura; perseguição política e repressão aos que
contestavam o regime militar.
No princípio de tão promissora e conturbada era, que modificou sócio, político e
economicamente a sociedade brasileira, o adolescente Luiz Gonzaga do Nascimento Jr., ou
Gonzaguinha, nascido em vinte e dois de setembro de mil novecentos e quarenta e cinco,
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começa a revelar sua veia criadora ao compor, em fins dos anos 50, a que foi considerada sua
primeira canção: “Lembrança de primavera”, gravada por seu pai, o mestre Luiz Gonzaga,
um dos maiores expoentes da música popular brasileira.
O menino criado pelos padrinhos no morro de São Carlos, no bairro do Estácio,
conviveu com a miséria, a falta de infra-estrutura e todas as dificuldades de uma favela, mas
aos dezesseis anos foi morar com o pai para dar continuidade aos estudos. Durante seu curso
universitário, manteve contato com outros músicos novos como ele e integrou o grupo MAU
(Movimento Artístico Universitário) junto com Ivan Lins, Aldir Blanc e César Costa Filho. É
a gênese, irreversível, de uma carreira destemida, passional, agressiva e, ao mesmo tempo
doce, de um dos ícones da história cultural deste país.
Junto a outros autores pertencentes à chamada cultura de protesto ou contracultura
(termo conceituado em breve), como define Marilena Chauí, artistas como Gonzaguinha,
Chico Buarque, Caetano Veloso, Francis Hime e Gilberto Gil afinam seus instrumentos e se
posicionam contra o regime no poder. Luiz Gonzaga Jr., um dos mais inflamados em seus
desabafos e denúncias, ganha a fama de “cantor-rancor”.
Os militares passaram a governar o Brasil, estabelecendo Atos Institucionais, isto é
decretos criados como mecanismos de legitimação das ações políticas e que vieram fundar
diversos poderes extra-constitucionais. Em realidade, os AIs eram um mecanismo para manter
na legalidade o domínio dos militares, já que sem tal engenho, a Constituição de 1946 tornaria
irrealizável o regime. Assim, ocorreu a necessidade de substituir a Constituição por decretos-
mandato a cumprir, ou seja, tais dispositivos não possuíam adequada fundamentação jurídica
e concediam poder absoluto ao Executivo. Eles justificavam e legalizavam quaisquer
arbitrariedades cometidas pelo governo. Gonzaguinha e outros artistas experimentaram a
repressão e os castigos físicos militares.
O pior ainda estava para acontecer com o surgimento do ato institucional mais radical
e severo de todos, o AI-5, decretado em 13 de dezembro de 1968, que determinava a
intervenção do presidente nos estados e nos municípios sem a necessidade de respeitar os
limites impostos pela constituição. O governante poderia também cassar qualquer mandato
eletivo, confiscar os bens de quem julgasse que tivesse enriquecido de forma ilícita e
suspender a garantia de habeas corpus de qualquer um.
No dia da promulgação do AI-5, o Congresso entrou em recesso forçado por tempo
indeterminado. Imediatamente, prenderam diversos jornalistas e políticos contrários ao
governo, inclusive Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda.
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Depois disso, ainda houve a criação de um ato institucional que possibilitava até
mesmo a pena de morte por fuzilamento. Estudantes, artistas, intelectuais e jornalistas foram
presos como inimigos do regime, muitos deles torturados, assassinados ou exilados fora do
país. Nenhuma manifestação contra o governo foi tolerada, nem um comício ou uma simples
conversa entre amigos numa mesa de bar.
No início da ditadura, porém, não se sentiram imediatamente os efeitos relativos à
censura cultural, nem os estudantes e artistas prontamente reprimidos. Após 1964, as
atividades artísticas, principalmente no teatro, intensificaram-se; eis que se deu o surgimento
de grupos como o Teatro de Arena e o Oficina, o que acentuou um caráter nacionalista na
arte.
Posteriormente, entre 1965 e 1968, o movimento musical aumentou e se ativou
densamente com a denominada Era dos Festivais. Gonzaguinha destacou-se com resultados
expressivos nesses eventos. Finalista em 68 no I Festival Universitário com a canção Pobreza
por pobreza; primeiro e quarto lugares, em 69, no II Festival Universitário com O trem e
Mundo novo, vida nova; quarto lugar no VI FIC com Sanfona de prata. A partir daí, seguiram-
se as gravações de três compactos simples e dezesseis LPs. As canções de protesto
demonstraram relevância, vindo a contestar a insana sociedade que se apresentava. Vários
músicos foram acuados pela ditadura nesse período.
É no governo de Medici, entretanto, que a perseguição mais se intensifica no
quotidiano dos cidadãos. Implantou-se a “política do desaparecimento”, com que o referido
presidente iniciou uma verdadeira “caça às bruxas”, prendendo, torturando e exilando muita
gente.
A censura dos anos de chumbo logo alcança o teatro, a TV e o cinema, a música e
também as universidades, o que eliminou quase totalmente a chance de germinar uma cultura
crítica no país. Pode-se dizer que “o AI-5 foi um golpe dentro do golpe, um golpe de
misericórdia na caricatura de democracia. Caímos, aí sim, na clandestinidade” segundo
Gabeira (apud VIEIRA, 2001).
Frente a esses fatos e com o endurecimento cada vez mais grave da censura, a
sociedade se vê dividida em dois pólos: um que defende a luta armada e outro que apoia a
convivência com o governo.
Gonzaguinha não se declarou a favor do confronto armado, mas chegou a adotar o
discurso da luta, da insubmissão e assumiu sua confiança no potencial do povo brasileiro.
Os que acham possível a redemocratização sem o uso das armas usam o bordão “o
povo unido derruba a ditadura”. A segunda vertente proclama que “o povo armado derruba a
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Suas músicas são a realização desse modo de “fazer política” que retratou de forma
sutil (ainda atual) e inteligente o pensamento do povo brasileiro, cujo plano de vida incorpora
valores contraditórios, mas que cada um, à sua moda, sabe sintetizar. Família, trabalho,
botequim, roda de samba, carnaval, luta pela pátria, tudo o que sabemos incluir na realidade
cotidiana. Cabe lembrar que Gonzaguinha era um apaixonado pela nação brasileira. E suas
canções refletem essa veneração, ora com defesas calorosas, ora pela valorização da auto-
estima popular, ressaltando qualidades dos brasileiros, ora conclamando cada cidadão à luta.
Ademais, esse “fazer político” também ocorreu em outras áreas da cultura. A situação de
miséria desse povo, sem direitos mínimos, que Gonzaga Jr. amou e cantou também foi
mostrada nas telas do cinema em trabalhos como os de Cacá Diegues e Glauber Rocha.
Vale apontar que, durante a primeira metade dos anos 70, enfraqueceu-se a divulgação
das manifestações culturais expressivas, inclusive na imprensa, submetida à censura prévia.
Ainda assim, todas as contradições políticas e econômicas tiveram reflexos no campo
sociocultural, o que veio afetar enormemente a qualidade da cultura brasileira, que se mostrou
ainda criativa e inovadora, lançando diversos artistas, entre músicos, cineastas, escritores e
uma classe intelectual altamente reativa.
Gonzaguinha, então, acentua sua férrea oposição a tudo e todos que contrariavam os
valores da democracia. Segundo Regina ECHEVERRIA (2006, p.167), na obra Gonzaguinha
e Gonzagão, em seu primeiro LP, os problemas entre o cantor e a censura tornaram-se uma
realidade:
Para gravar o disco, mandou 28 músicas para o Departamento de Censura
Federal. Voltaram apenas nove. O episódio de maior afronta pública com as
forças reacionárias da época aconteceu durante a exibição do programa Flávio
Cavalcanti. Gonzaguinha apresentou-se com a canção Comportamento Geral, no
dia 4 de fevereiro.
O corpo de jurados reagiu indignado. E, um deles, falou sem a menor
vergonha:
— Num momento em que se começa a reforma agrária para a redenção do
Nordeste, é um absurdo divulgar uma mensagem tão negativista.
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Durante os anos de reclusão, Gramsci escreveu 33 cadernos escolares, nos quais 29 compõem a primeira edição de sua
obra publicada na Itália, entre 1948 e 1951. No Brasil, a tradução da obra gramsciana ocorreu na década de 1960 e a edição
completa dos “Cadernos do Cárcere” foi publicada pela primera vez em 1999.
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e uns aos outros, o modo como interpretam os acontecimentos, o espaço, o tempo, o trabalho
e o lazer, [...], o que Gramsci designa como visão de mundo.”(1990, p.90)
Nesse contexto, a ideologia dominante tem a função de anular efetiva e definitivamente
a existência de lutas, de divisão e de contradições na sociedade, construindo uma imagem
homogênea e harmoniosa do todo social. Isso é possível quando o sistema de ideias
dominador faz com que o ponto de vista particular de classe apareça para toda a sociedade
como valor universal, e não como interesse particular de uma determinada camada. Desta
forma, a violência da dominação de classe deve ser substituída pela ideia de imagem unificada
da sociedade – a ideia de que o Estado representa toda a sociedade e de que todos os cidadãos
estão representados nele.
Para a construção de tal unificação imagética, buscou-se: calar as vozes contrárias a
esse pseudo “todo-social” imposto e simular um embasamento científico que justificasse
racionalmente a dominação. A ciência como conhecimento técnico se constituiu numa das
principais armas da dominação de classe, pois, a partir de seu discurso racional, lógico, o
homem, conforme CHAUÍ (1990, p.13), "passa a relacionar-se com o seu trabalho pelo
discurso da tecnologia, a relacionar-se com o desejo pela mediação do discurso da sexologia,
[...], a relacionar-se com a criança por meio do discurso pedagógico e com a natureza por
meio do discurso ecológico". O prestígio da ciência serviu e ainda serve como critério de
diferença entre a cultura que conhece a verdade (cultura dominante) e a cultura dominada
(lugar do não-saber). A ciência produz uma ideia de que a sociedade possui um
funcionamento racional e lógico. Na medida em que esse funcionamento lógico é abalado,
surge uma situação de crise que é vista como uma desordem do mundo real que põe em perigo
a ordem ideal. Isto significa que qualquer acontecimento que venha a contrariar a norma ou a
lei é encarado como desvio, como engano ou acidente. O desvio, segundo a ideologia
dominante, ameaça igualmente a todos, na medida em que existe um interesse comum a ser
preservado por uma coletividade supostamente homogênea. Portanto, o combate aos desvios
torna-se essencial à manutenção da ordem e, consequentemente, à preservação do Estado. Nas
palavras da autora (1990, p.52): "O discurso sábio e culto, enquanto discurso do universal,
pretende unificar e homogeneizar o social e o político, apagando a existência efetiva das
contradições e das divisões que se exprimem como lutas de classes". Com esse “apoio
científico”, torna-se fácil encarar os dominantes como simples detentores do saber e não mais
como proprietários dos meios de produção e do aparelho do Estado. A cultura dominante,
pautada na ciência (portadora da verdade), se coloca como a única capaz de compreender e
organizar o mundo. Teoricamente, a "falta de cultura" e a "ignorância" do povo passam a
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Ao contrário de Bally, que rejeita os textos literários por considerar pouco espontâneas
as formas de caráter consciente e elaborado, esta dissertação adota uma postura menos radical
e, como Mattoso e Spitzer, não afasta a língua literária da Estilística e do ensino, por admitir
que, num poeta, por exemplo, os traços estilísticos estão disponíveis a uma mente mais rica e,
sobretudo, refinada para tal atividade. Nesse contexto, aceitar-se-ão como objetos passíveis de
estudos estilísticos as composições musicais de Gonzaguinha.
Cabe recorrer a Dâmaso Alonso (1960) o qual nos esclarece que o objeto da Estilística é
muito amplo e capaz de abarcar “o imaginário, o afetivo e o conceitual”. O estudioso espanhol
defende que há três formas, com diferentes graus de precisão, para a compreensão da obra
literária.
O primeiro nível corresponde àquele associado ao leitor comum, cujo fim é o prazer ou
o mero entendimento das informações. O segundo plano de compreensão satisfaz à crítica.
Neste estágio, o leitor desenvolve suas capacidades e qualidades, considerando a atividade
expressiva e comunicando suas reações. O terceiro, e último, grau ocorre quando há o intento
de desvendar e revelar as circunstâncias, motivações e os fatores da criação de uma obra e dos
seus efeitos sobre os leitores. Para MARTINS (1989, p.9), “Surge aqui a intenção de explicar
cientificamente os fatos artísticos, sendo essa abordagem científica a Estilística.”.
Para os linguistas em geral, a Linguística é a disciplina que trata da linguagem; a
Estilística seria uma parte dessa ciência e responsável pelos estudos de determinados aspectos
da variação linguística das modalidades oral e escrita ajustadas às diversas conjunturas e
próprias de diferentes classes sociais. Têm-se, assim, um enfoque sociolinguístico.
Outro Alonso, o Amado, apresenta as duas correntes – a da Estilística ligada à
sociolinguística e a Estilística Literária – como complementares. A primeira, também
chamada de “Estilística da língua”, ocupa-se dos (e preocupa-se com) os recursos linguísticos
de natureza linguística: os vieses afetivo, imaginativo, ativo e valorativo das formas do
idioma, presentes nas línguas falada e escrita. Tal Estilística acaba como base de outra de
extensa magnitude: a Estilística Literária que tem por tarefa, conforme tratado, observar e
questionar como é constituída a obra literária sem ignorar ou menosprezar o deleite estético
que ela proporciona ao leitor.
Amado Alonso resume as principais tendências que o precederam e também anuncia
aspectos da Estilística Estrutural moderna ou da Semiótica literária. Liga-se a Bally pela
concepção dos elementos afetivos, ativos e valorativos citados. Aproxima-se de Spitzer ao
aceitar o estilo como processo de revelação humana. Contempla o estruturalismo ao
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preocupar-se com os modos de construção das obras. Vale-se da Semiótica, pois admite a
distinção entre signo (alusão proposital ao objeto) e indício (expressão da realidade psíquica).
Quando baseada nas relações dos elementos do texto, a Estilística recebe a nomenclatura
de estrutural. Se relacionada às funções da linguagem, admite o rótulo de funcional. Jakobson
aponta que a Estilística, ou Poética, concentra-se na relação da função poética com as demais
funções, isto é, o foco está no “querer dizer”, na construção da mensagem. Parte, então, para o
nível de estruturação da frase e do texto (Estilística estrutural), observando os eixos de seleção
(paradigmático) e combinação (sintagmático) – estruturas da observação estilística. A escolha
ocorre com base na equivalência ou dissimilaridade de sentidos, enquanto a combinação atua
sobre a contiguidade. Assim, os signos não possuiriam valor absoluto e imutável, mas
adotariam valor resultante das oposições e dos contatos com outros signos. Apenas no
contexto se realiza o valor expressivo. Para ele, o resultado poético consiste num ajuste das
duas estruturas: a apreciação da mensagem não deve dispensar o estudo do sistema, do
código. De acordo com MARTINS (1989, p.14) “O efeito de um vocábulo depende não só da
frase, do contexto em que se encontra, como da tonalidade significativa que se sente em
confronto com outros vocábulos equivalentes”. Vê-se, dessa forma, que Jakobson valoriza a
participação da Gramática no texto. Para o estudioso (cf. Diálogos, 1995, p.110),
as questões do verso, de sua matéria sonora e a problemática gramatical são
indissolúveis e de igual importância. As categorias gramaticais repetidas ou
contrastantes têm função de composição, daí o seu cuidado de descobrir o
perfil gramatical de um texto e valorizar o seu efeito artístico.
como parte dos estudos dos fatos da linguagem. GUIRAUD (1969, p.48) afirma que “A
Retórica é a estilística dos antigos; a análise que nos legou do conteúdo da expressão
corresponde ao esquema da linguística moderna: língua, pensamento, locutor”. O autor
francês visualizou também as duas correntes conhecidas como Estilística da Expressão,
encarregada das relações entre forma e conteúdo sem ir além da linguagem, e Estilística do
Indivíduo, responsável pelas relações da expressão com o indivíduo. Vários outros autores se
propuseram a renovar as pesquisas de cunho retórico como Roland Barthes e Chaim
Perelman. Escritores como Dubois, Edeline e Trinon, por exemplo, dispuseram-se a tratar da
função retórica – rótulo que preferem associar à função poética de Jackobson, levando em
conta que essa função provoca diversas alterações da linguagem.
Em resumo, a retórica é um conjunto de desvios suscetíveis de autocorreção,
isto é, que modificam o nível normal de redundância da língua, transgredindo
regras, ou inventando outras novas. O desvio criado por um autor é percebido
pelo leitor graças a uma marca, e em seguida reduzido graças à presença de
um invariante. O conjunto dessas operações, tanto as que se desenvolvem no
produtor como as que têm lugar no consumidor, produz um efeito estético
específico, que pode ser chamado ethos e que é o verdadeiro objeto da
comunicação artística (Rhétorique génerale p.66-67) (apud MARTINS
1989:21)
Não se trata, todavia, de uma lista pronta de caráter associativo para os fonemas e os
supostos resultados de suas aplicações. Henri Morier, Maurice Grammont e Bally apontam
que o potencial expressivo e suas sugestões são percebidos somente a partir da significação,
isto é, estão ligados à significação da palavra ou enunciado na construção dos sentidos. Dessa
maneira, o potencial de “obscuridade” da vogal /u/ se concretiza em palavras como escuro e
noturno, mas não se repete em diurno e luz.
Nilce Sant’Anna MARTINS (1989) explica que, na ausência de correspondência entre
significante e significado, ocorre expressividade zero, existindo a arbitrariedade do signo
linguístico. Caso haja correspondência, verifica-se uma motivação sonora, uma das marcas da
linguagem poética para que a mensagem valha também por si, não apenas pelo teor
referencial.
Em verdade, o potencial expressivo dos sons da língua não cabe em classificações
únicas e, por isso, fechadas. Segundo CRESSOT (1947, p.29), essa questão foi tratada até por
linguistas como Jespersen e Grammont: “ambos se perguntaram se, utilizadas com fins
estéticos na obra literária, as sonoridades poderiam efetivamente exprimir, em certa medida,
noções ou sensações”. O que se pode e se pretende apresentar é uma gama de exemplos já
concretizados e de mais fácil apreciação, sem negar ou desprezar quaisquer outras aplicações
que fujam a esse uso primário. Para GRAMMONT (apud CÂMARA 1947, p.30), “traduz-se
uma impressão intelectual numa impressão sensível, visual, auditiva, táctil. [...] Uma ideia
grave pode, pois, traduzir-se por sons graves, uma ideia suave por sons suaves”.
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sentido de truque ou feitiçaria, depreende-se o anúncio de teor negativo advindo da, então
revelada, palavra má.
Ao emprego de termos de outros idiomas dá-se o nome de estrangeirismos. Bem
aceitos hoje em dia, normalmente conferem ao enunciado certo exotismo, evocando
peculiaridades de suas pátrias e, podendo, de acordo com a origem, suscitar valores como
sofisticação e contemporaneidade, visto a crença de que o que se importa é melhor. Assim,
em Fliperama (1993), composição baseada em sensações de fascínio tecnológico, a palavra
flashes evoca e reitera a ideia de modernização. Cabe apontar, entretanto, que, quando essas
palavras ganham notoriedade e uso extensivo, são incorporadas pelos usuários da língua e, em
pouco tempo, eles sequer lembram a origem do vocábulo, como o que aconteceu com detalhe,
maiô, batom e tantos outros. O vocábulo flashes, embora presente no Dicionário Antônio
Houaiss (2007), tem conservada e divulgada sua origem inglesa, fato que aponta para o
processo de incorporação de tal termo e seu viés estrangeiro simultaneamente, este último
mais perceptível, principalmente, se considerarmos a existência de um correspondente em
português: raio.
Muito aproveitadas por escritores, construções idiomáticas peculiares ao falar de
determinado grupo ocasionam certa discriminação na fala, estigmatizando o usuário ou
gerando simplesmente caracterização ou humor. Denominam-se gírias e consistem em
linguagens que evocam classes sociais ou profissionais e, por isso, apresentam características
de considerável valor expressivo. Diminuem, pois, a “distância” entre as modalidades oral e
escrita, e retratam igualmente extremos como requinte e vulgaridade, formalidade e
descontração, configurando, ou não, uma forma de defesa das populações marginais, ou ainda,
a soberba das classes mais elevadas. Gonzaguinha soube transferir a espontaneidade das ruas,
ao reproduzir em suas criações termos do falar carioca como cerva (redução de cerveja), tutu
(forma popular para dinheiro; correspondendo ao dindin da atualidade) e barra (em vez de
situação) de expressões como A barra não tá mole não: ladrão já tem que andar com
plaqueta de identificação.(A cidade contra o crime, 1980).
Observa-se em muitas ocorrências que o fator expressivo está relacionado ao uso da
linguagem figurada por meio, principalmente, de metáforas e metonímias a partir das quais os
termos passam a admitir sentidos diversos, ou distantes do significado primeiro. Entram em
cena as figuras de linguagem – recursos linguístico-expressivos de destaque dentre os
estudiosos da língua por seu valor não só na linguagem literária, mas como retórica intuitiva
de um povo. Bally (apud MARTINS 1989, p.92) nos adverte quanto à nossa incapacidade de
abstração total, daí a necessidade de se recorrer a imagens referenciais da realidade concreta.
44
vocábulo, de modo que as condições de emprego tornam-se distintas. Mostra-se mais didático
estudar os sinônimos em suas diferenças que em suas proximidades semânticas.
Há variações de teor objetivo como quando um termo é mais abrangente ou restrito
que outro (hiperonímia/hiponímia): país/Brasil; distinções de intensidade como em
pobre/miserável, sorrir/rir/garagalhar; diferenças de teor avaliativo como em:
medroso/covarde; alterações de valor evocativo relacionadas a termos mais ou menos
técnicos: morte/óbito; referentes a literariedade: servil/capacho e relativos à coloquialidade:
grana/tutu/dinheiro.
Percebe-se que, dentre as possibilidades, vocábulos foram eleitos, enquanto outros
dispensados, não necessariamente de forma despropositada ou ingênua. Os autores e estilistas,
munidos de sensibilidade linguística e de conhecimentos acerca do idioma, filtram da
diversidade lexical as palavras que melhor convêm à construção linguística.
A escolha vocabular (paradigma) mais adequada está diretamente relacionada ao
conjunto em si (sintagma), uma vez que busca atender à harmonia geral do dito. Nem sempre
o leitor é capaz de perceber claramente a atividade de seleção realizada pelo autor (salvo ao
acessar os originais ou tiver maior sensibilidade linguística), visto a consonância do resultado
final; apreende de maneira mais fácil as disposições expressivas dos vocábulos sinonímicos.
Quando organizados em série, demonstram que o autor pensou que apenas um não seria
suficiente para exprimir sua ideia, daí a ênfase. Se postos em intervalos, conforme Luiz
Gonzaga Jr. pratica, a variação indica cuidado com o refinamento e com a coesão textual.
não pude nem ouvir quando o pinta me rendeu (A cidade contra o crime:1980), a mudança de
gênero alterou significativamente o sentido. Em vez de marca ou pequena mancha, o vocábulo
passou a expressar pessoa, indivíduo do gênero masculino; gíria popular carioca
correspondente, na atualidade, à cara.
Pluralizações de nomes conhecidos compõem conotações gerais ou particulares acerca
dos substantivos. Ao citar os Santos e Silvas em Dias de Santos e Silvas (1977) o autor
generalizou nomes próprios. Embora Santos se escreva normalmente no plural, Silvas, pela
proximidade, transfere para o primeiro nome a percepção de generalização e mesmo
quantidade. Existiriam, assim, vários sujeitos cujos sobrenomes seriam Santos e/ou Silva,
algo corriqueiro.
Efeito semelhante ocorre em Fortalezas (Pelo Brasil, 1983), quando a pluralização do
nome da capital do Ceará sugere a existência de várias regiões como aquela, talvez pela
recorrência de belezas naturais ou problemas sociais.
Os processos de formação de palavras, procedimentos de valiosos enriquecimentos
lexicais ao idioma, também atendem às necessidades expressivas de escritores e falantes
comuns da língua. A sufixação revela valores expressivos distintos de diminutivos e
aumentativos.
Nos versos Mandei que ele desvestisse a roupinha/(...) E inclusível a minha santinha
(não esquece a sunguinha, hein, ô!) de A cidade contra o crime (1980), os diminutivos não
retratam relação de tamanho, mas sarcasmo, chacota frente ao atrapalhado ladrão.
Fuscão (Comportamento Geral, 1973) contribui para a reiteração do viés irônico
norteador da referida canção.
As alterações de sufixos comumente anexados por outros servem frequentemente ao
humor: Mamãe, eu sou um cara super otimístico (Coração de plástico, 1983).
A derivação regressiva (ou deverbal) tem proporcionado a criação de diversas
expressões insólitas como: no maltrato (A (roupa) que eu vestia estava toda esburacada,
remendada, esfarrapada/ Bem puída, no maltrato) em A cidade contra o crime (1980).
Há também a derivação por meio da eliminação do sufixo incorporado aos substantivos
ou adjetivos. Dizemos tratar-se de derivação por redução: cerva (cerveja/ E vamos à
luta:1980) e loteca (loteria/ Um sorriso nos lábios, 1974).
A derivação imprópria não diz respeito necessária ou exclusivamente à morfologia, pois,
nesse caso, os vocábulos não sofrem modificações formais, mas de sentido. Substantivação e
adjetivação parecem as práticas mais frequentes do processo, porém, câmbios dentro da
mesma classe gramatical também proporcionam renovação de sentido. A ortografia, que se
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baseia em regras fixas, consideradas por muitos exteriores à Estilística, foi modificada com
fins expressivos como a troca de minúsculas por maiúsculas com o propósito particularizante.
O S maiúsculo de Sol, bem como o artigo definido o que o antecede, em Eu vou cantar... por aí-
que nada se repete sob o Sol (Coisa mais maior de grande, 1981) e E é pra chegar sabendo
que a gente tem o Sol na mão (O homem falou, 1985) particulariza a estrela questão,
remetendo à luminosidade única de regiões geográficas como o Brasil e à poderosa força
inerente à imponência e luminosidade de tal astro.
A prefixação não oferece tantas alternativas expressivas quanto à sufixação, no entanto,
falantes e escritores conseguem, a partir de seu emprego, elaborar criações originais. Dentre
os prefixos disponíveis no idioma, des mostra-se como um dos mais produtivos, visto a
multiplicidade de sentidos por ele construídos e o fator originalidade observado em
desparecença (valor de negação/ Coisa mais maior de grande, 1981) e desvestisse (valor de
movimento contrário/ A cidade contra o crime, 1980), entre outros.
As manipulações de cunho morfológico resultam em criações que atendem às intenções
comunicativas e expressivas. Gonzaguinha soube, como poucos, moldar as palavras conforme
seus objetivos, trabalhando variados vieses como humor, escárnio, revolta e indignação.
Diversas são as alternativas de organização das palavras na frase, e das frases no texto.
A sintaxe, parte da gramática que trata das possibilidades de relação, oferece um número
considerável de regras para a disposição dos termos no enunciado. O não cumprimento, ou
ainda o total desrespeito a essas normas, compõe interessante material de observação
estilística, uma vez que, mais que meros erros gramaticais, tais desvios podem revelar traços
originais e expressivos.
Admite-se que a frase exprime um sentido, encerra um conteúdo, assim, a ela
corresponde uma função. Quando há a predominância da função representativa, ao se expor
algo como verdadeiro ou falso, tem-se frase declarativa, em geral de entonação descendente,
e marcada, graficamente, por ponto final: Erva rasteira é que pode ser pisada (Erva
rasteira:1976). Se a função emotiva se deixa perceber mais claramente, transparecendo
sentimentos variados como admiração, alegria ou descontentamento, tem-se frase
exclamativa: E os frutos daquele chão não nasceram mais!(Má-gica:1988), graficamente
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assinalada pelo ponto de exclamação. Ao prevalecer a função apelativa por meio de ordens,
pedidos ou conselhos, a frase é essencialmente imperativa, podendo também dispor de tom
emotivo: Mamãe não quer... não faça! (Geraldinos e arquibaldos:1975). As interrogações, de
entonações variáveis dependendo da palavra interrogativa, acolhem simultaneamente os
teores emotivo e apelativo, pois revelam desde simples curiosidade até uma ansiosa
indiscrição, ambas atuando no interlocutor, ao aguardar uma resposta: Cerveja, samba e
amanhã, seu Zé,/Se acabarem com teu carnaval?(Comportamento Geral: 1973).
Considerar a função das frases não é, entretanto, a única maneira de se observar a
expressividade. Contemplar sua integridade ou constituição também permite apontar valores
estilísticos diversos. As chamadas frases completas simples (possuem um só verbo principal
gramatical ou nocional), quando de predicado nominal, expressam valor intelectual ao
exprimirem fato, classificação, definição. Constituem principalmente afirmações acerca de
natureza existencial dos seres: O pai já não é mais o filho (Coisa mais maior de grande,
1981), e apresentam valor emotivo ao manifestarem julgamentos de valor e impressões
pessoais: Foi tudo uma só estação, silêncio e solidão (Má-gica, 1988). Segundo MARTINS
(1989, 134), “tais frases transmitem o esforço humano para compreender, explicar, ordenar, o
mundo e a vida, os fenômenos e as abstrações. Para CRESSOT (1947, p.187-191), “[...]trata-
se de uma evocação brutal dos factos tal como são imediatamente percebidos [...]” com teor
“[...] mais apelativo, mais espontâneo e mais expressivo.
Nas construções de predicado verbal, os verbos podem ficar limitados ao sujeito ou
estabelecer uma relação entre ele e outro ser, dependendo de sua (in)transitividade. As
formações dotadas de verbo intransitivo têm sujeito isolado por ação restrita a ele próprio,
sem se estender a outros seres: O porco ainda sangra (Fliperama, 1993). Dessa forma,
percebe-se que o predicado nominal e o predicado verbal com verbo intransitivo são voltados
ao sujeito.
As frases de verbo transitivo transmitem o dinamismo da vida ao relacionar o sujeito
aos demais seres/objetos. Comunicam, pois, o que ocorre quando seres atuam sobre outros:
Eu entrego a Deus o panaca que taca tanta água no meu leite (Eu entrego a Deus, 1981).
CRESSOT (1947, p.195) resume que “as construções nominal e verbal não estão, pois,
em concorrência; correspondem a maneiras diferentes de perceber e notar os fenômenos”.
Fato é que as múltiplas combinações de elementos e orações nas frases permitem
formações variadas que fogem à monotonia e antieconomia das frases simples. A
complexidade surge à medida que diversos níveis de coesão e dependência se desenvolvem.
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Com visão mais didática, MARTINS (1989, p.142) nos explica que:
O período solene, em que se encandeiam múltiplas orações, em que se
desfiam enumerações, rico de modulações, atende melhor à grandiosidade da
epopéia ou à veemência da oratória. O período breve é mais concorde com a
simplicidade do texto didático, com a espontaneidade das manifestações
emotivas ou com a vivacidade dos diálogos, com o tom despretensioso da
crônica.
um/o trágico assassinato, ou ainda O trágico assassinato aconteceu como um lindo passe de
mágica. Olha o hospital... silêncio!(Geraldinos e arquibaldos, 1975) é mais econômico que
Nos hospitais, ou próximo a eles, faça silêncio. São formações capazes de produzir rapidez,
enfoque sucessivo dos traços mais relevantes das informações. Não se trata de elipse
genuinamente, mas de escolha por uma forma mais condensada.
Em oposição à economia da elipse está a redundância do pleonasmo. Ainda que
supérflua, a repetição de termos, de ideias não corresponde somente à ignorância ou descuido
do emissor. Mostra-se expressiva ao enfatizar ideias transmitidas, conferindo vigor e até
vivacidade à construção. Em O dia subiu sobre a cidade (Dias de Santos e Silvas, 1977), a
palavra sobre repete a ideia de pôr em nível superior, ascender expressa pelo verbo subir,
intensificando a notícia, no caso, o amanhecer, quando o sol se levanta.
A evidenciação, contudo, não ocorre somente pela repetição. A locação de uma
expressão como eis aí entre frases nominais auxilia no relevo do tema do enunciado. Em:
Fantasma daqueles velhos carnavais/ Eis aí, a eficiência da ciência!/ Eis aí, o exemplo exato
da mudança/ Eis aí, o esforço para a melhoria! (Fliperama, 1993), a decepção do reencontro
contrasta com o viés positivo ligado aos avanços tecnológicos, ressaltando tal
desapontamento.
Determinadas partículas destituídas de valor nocional e sintático podem apresentar
valor expressivo; são chamadas partículas de realce ou espontaneidade. Não constituem
pleonasmo, mas ressaltam informações: Erva rasteira é que pode ser pisada (Erva rasteira,
1976), Acredito é na rapaziada (E vamos à luta, 1980). Ademais, esclarece-nos MARTINS
(1989, p.164) que “muitas preposições, advérbios, conjunções são ampliadas em locuções
pelo acréscimo de partículas supérfluas”.
A ordem dos elementos na frase também é de suma importância à sua feição
estilística, determinando ritmo, valorizando ideias, proporcionando efeitos diversos. Em
sintagmas nominais, há termos determinantes que frequentemente aparecem antes do
elemento determinado, e outros que se dispõem depois. Costuma-se antepor ao substantivo os
adjetivos de teor apreciativo: As maravilhosas máquinas manejadas por meninos (Fliperama,
1993); e pospõem-se os adjetivos caracterizadores: Minha mente distraída ainda elogia
(IDEM). De acordo com MARTINS (1989, p.166), “a colocação depende da preferência do
falante, da natureza do discurso, da constituição fônica do substantivo e do adjetivo, do seu
emprego em sentido literal ou figurado, etc.”. O mais rotineiro é que se alterne, num mesmo
texto, a posição dos adjetivos em proporções diversas.
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Enunciação consiste num ato de comunicação verbal que implica falar e ouvir, logo,
configura-se como atividade dialógica dotada de locutor e interlocutor (ou escritor e leitor,
emissor e receptor). O produto dessa interação se chama enunciado. Ambos, enunciação e
enunciado, interessam à Estilística, visto suas condições de produção e seus efeitos
comunicativo-expressivos.
Tzvetan Todorov (1991) nos esclarece acerca da existência de dois âmbitos essenciais
dos estudos estilísticos: o primeiro recebe a nomenclatura de Estilística da enunciação e trata
das relações entre locutor, receptor e referente; o segundo, também chamado de Estilística do
enunciado, é responsável pelas observações de aspecto verbal, fonético-fonológico,
morfológico, semântico e sintático. Os dois focos formam a estratégia de estudo desta
pesquisa, ora contemplando as condições de produção e repercussão dos enunciados de Luiz
Gonzaga Jr., ora adentrando em suas particularidades expressivas por meio do estudo dos
aspectos mencionados.
Cabe à primeira vertente a apreciação dos níveis de subjetividade do enunciado.
MARTINS (1989, p.190) nos elucida que
Se a linguagem é sempre produzida por um falante que sente a necessidade, a
conveniência, o desejo ou o prazer de dizer qualquer coisa, a linguagem é
sempre subjetiva. Contudo, essa subjetividade se apresenta em níveis
diferentes, que se podem representar por um eixo, cujos extremos, de
subjetividade e objetividade máximas, não podem ser precisamente
determinados.
goleiro é titular da seleção (Geraldinos e arquibaldos, 1975), Badala bem dentro em meu
ouvido (Dias de Santos e Silvas, 1977); formas verbais: Levanto e engulo meu café/Corro e
tomo a condução (IDEM); indicadores de tempo e lugar: Pode chegar que a festa vai começar
agora (E vamos à luta, 1980), já não tô nem aqui (Recado, 1978) e demonstrativos: Já não
basta este dia após dia(Da maior liberdade- Do meu jeito, 1981).
Outra maneira, menos direta, de percebê-la é pela presença de formas da 2ª pessoa,
uma vez que elas só existem em referência ao eu que as indica: Tô contigo amigo, não abro
(Recado, 1978).
É a partir dessas indicações de subjetividade que se podem perceber diversos tipos de
avaliações presentes nos enunciados dos locutores. As mais comuns e expressivas delas e, por
isso, as que mais interessam a este trabalho são a avaliação nomeada modalizadora e a
chamada axiológica ou apreciativa. A primeira revela relevantes impressões individuais e
trabalha com variados recursos linguístico-expressivos visando a alcançar objetivos
específicos. Em MARTINS (1989, p.191), compreendemos que nela
o locutor revela se considera o fato a que se refere como verdadeiro, ou falso,
certo, incerto, possível, desejável. Se o fato é considerado verdadeiro, o
locutor usa o modo indicativo, numa oração declarativa e essa certeza pode
ser reforçada por expressões como sem dúvida, realmente, indiscutivelmente,
etc. E se o seu enunciado é objeto de citação, pode vir introduzido por um
verbo como afirmar, garantir, afiançar. (...) Se o locutor não quer afirmar
nem negar a veracidade de um fato, pode empregar o verbo do enunciado
numa forma modal denotadora de incerteza, possibilidade, como o futuro do
pretérito ou o subjuntivo acompanhado de uma expressão de dúvida, talvez, é
possível, ou ainda recorrer a um auxiliar modal, poder, dever.
mesmo enunciado pode ser realizado, percebido e retransmitido por falantes diversos. Nessa
esfera, cumprem relevante papel os discursos direto, indireto e indireto livre.
Luiz Gonzaga Jr. escolheu o discurso direto para explicitar as vozes do texto. Nele, o
enunciado de outra pessoa é transcrito tal qual formulado e proferido, mantendo, sempre que
possível, os traços de subjetividade como interjeições, interrogações, ordens e expressões de
desejo, pretendendo-se a reprodução mais fiel: O cara disse: “fica quieto e vai tirando toda a
roupa/ De conforme o que está no meu direito!” (A cidade contra o crime, 1980). Quando a
referência é oral, o falante chega a imitar a entonação e a voz do mencionado. Se escrita, o
autor responsabiliza-se pela recriação do dito a partir da dinâmica do texto através,
principalmente, de marcações e pontuações expressivas.
Outros aspectos de relevante participação na Estilística da enunciação são as formas
de tratamento e o vocativo.
O uso de pronomes pessoais (tu, você, vós), pronomes ou expressões de tratamento
(senhor, seu, Vossa senhoria, Vossa majestade) e tratamentos nominais (comandante, doutor,
amigo, major) correspondem a distintos níveis de intimidade, deferência e colocação social,
prestando-se a situações irônicas ou jocosas. Em especial, as relações envolvidas no
tratamento assimétrico de Senhor ou você correspondem, de acordo com MARTINS (1989,
p.213), a “diferenças de idade, de nível social, econômico, cultural dos interlocutores, embora
haja tendência para o você”.
Gonzaguinha abusa da informalidade, empregando largamente pronomes como tu e
você por meio, principalmente de vocativos: trabalhador, tu é otário!(A cidade contra o
crime, 1980), Você merece, você merece (Comportamento geral, 1973).
O autor, no entanto, não deixa de trabalhar as questões respeito e colocação social em
versos como: e amanhã, seu Zé,/ Se acabarem com teu carnaval? (Comportamento geral,
1973), e – Tá certo, doutor?! (Tá certo, doutor?, 1975)
O uso do vocativo relaciona-se a várias funções da comunicação apontadas por
Jakobson. Ao chamar um interlocutor, o vocativo aproxima-se da função apelativa. Quando
renova o contato com o interlocutor, trabalha a função fática. O que não o impede de admitir
teor afetivo, revelando o sentimento do falante em relação ao interlocutor. A função poética
também pode contar com a participação do vocativo por meio de apóstrofes que permitem a
um emissor dirigir-se a outro ser distante no tempo e no espaço, falando-lhe como se este
estivesse presente.
Nem tudo o que o enunciador diz, ou pretende dizer, apresenta-se de maneira explícita.
Implícitos são perceptíveis em sentidos que se estendem em unidades maiores como a frase e
55
seu encadeamento. Gonzaguinha, porém, deixa nítida sua presença em cada verso de sua obra.
Parece não se importar com comedimentos ou preservações, assumindo sempre publicamente
seus pensamentos e anseios por meio dos mais distintos recursos linguísticos.
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sente(...)/ É tão bonito quando a gente pisa firme(...)/ É tão bonito quando a gente vai à vida).
A ênfase acerca do cerne social e solidário do Homem se dá, por sua vez, pela
disposição seguida, quase enumerada, dos pronomes indefinidos tanta, muita e do
acompanhamento imediato do adjetivo diferente, que acresce um valor de variedade, de
diversidade às pessoas das quais dependemos. Noção reiterada no décimo segundo verso com
a combinação de outras tantas pessoas.
Ainda sobre ênfases e intensificações, é oportuno apontar a aliteração e a assonância
existentes no quinto verso (Principalmente por poder voltar) responsáveis pela ideia de
valorização do ato de regressar. A recorrência do fonema bilabial, surdo, plosivo /p/, bem
como o som fechado e a forma gráfica arredondada da vogal o contribuem,
significativamente, à percepção do retorno aos lugares onde estão as amizades conquistadas
como um momento especial.
A valorização do imo humano é trabalhada por meio da recorrência da palavra gente
em todo o curso da canção e, particularmente, no décimo quarto verso (Que a gente é tanta
gente onde quer que a gente vá!), que busca explicitar a comunhão existente entre os Homens,
a partir da presença do(s) outro(s) em si. Concepção confirmada pelos os versos É tão bonito
quando a gente sente/ Que nunca está sozinho por mais que pense estar!.
Por fim, o eu-lírico trata da pró-atividade necessária à construção do destino que se
quer ter, em detrimento da sorte normalmente a nós atribuída, ou seja, em prejuízo daquela a
qual estaríamos, teoricamente, fadados como se esta estivesse escrita e inscrita em nosso
corpo, como pensam os povos de cultura cigana que insistem em prever o futuro na palma das
mãos (É tão bonito quando a gente pisa firme/ Nessas linhas que estão nas palmas de nossas
mãos!/ É tão bonito quando a gente vai à vida/ Nos caminhos onde bate bem mais forte o
coração!).
RESUMO: A fim de provar que “tudo muda”, Coisa mais maior de grande exalta a
capacidade revolucionária das pessoas. É um canto que expõe a admiração gonzaguiana pelo
ser humano em sua essência mutável, apto e hábil às alterações e sublevações diversas na
inconstante rotina. O autor revela verdadeiro deslumbre pelo ritmo instável, alterável da vida,
pois vê o mesmo como condição “possibilitadora” das mudanças necessárias e ansiadas.
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verbo dever (forma imperativa= obrigação “Você deve= você tem de fazer isso!”e forma
hipotética= possibilidade “Você deve= provavelmente, você faz isso!) e, com forte sarcasmo,
lista aqueles que deveriam ser os procedimentos “ideais” ou “rotineiros” dos cidadãos.
Música: É (1988)
panaca/ A gente não tem jeito de babaca/ A gente não está com a bunda exposta na janela
pra passar a mão nela....
Nestes mesmos versos, vale observar o emprego de palavras de viés negativo e que
beiram o chulo: panaca, babaca e bunda. Tais escolhas revelam o tom contundente e rebelado
do eu-lírico frente ao tratamento direcionado à nação e aproximam os versos dos
leitores/ouvintes das classes menos letradas. Ademais, a opção por adotar a contração da
preposição em + o pronome pessoal reto ela (nela), de modo a fazer referência o termo bunda,
não só evita a repetição da palavra, mas compõe um eco junto ao vocábulo janela, o que
auxilia no ritmo da composição.
Gonzaguinha deixa claras a essência e as ambições do povo em mais um manifesto por
dias melhores e mais justos.
RESUMO: E vamos à luta retrata o desejo de mobilização popular, tão característico do autor.
Animado pela turnê Vida de viajante (1980), Gonzaguinha compõe o samba que constitui
uma calorosa declaração de confiança no povo brasileiro, especialmente, na juventude e em
sua disposição para a luta e para a felicidade. Com linguagem de fácil compreensão, o artista
canta/conta o movimentado quotidiano da massa que peleja e saboreia prazeres tipicamente
brasileiros como o futebol, o pagode, o carnaval e a cerveja.
Garantindo que a moçada não foge da fera e enfrenta o leão, eu- lírico põe o ser
humano em vantagem frente a um dos felinos mais poderosos e fortes. Tal prestígio é
corroborado pelo recurso da aliteração (repetição expressiva do fonema consonantal, no caso,
o /f/) que participa do destaque conferido à coragem do brasileiro.
Fato semelhante acontece em não corre da raia, quando a valentia dos populares é
propagada e realçada pela repetição do fonema /r/.
Ao utilizar a figura do bloco carnavalesco (Eu vou no bloco dessa mocidade),
Gonzaguinha se vale da ideia de multidão harmoniosa, alegre e com objetivo comum para
ilustrar a concepção da possibilidade de adesão popular eficaz, uma vez que unida, não fica na
saudade e constrói a manhã desejada, isto é, com seus elementos juntos, a sociedade não fica
sem conseguir aquilo que almeja e se torna capaz de edificar seu destino conforme sua
vontade.
Ratificando o teor de prélio árduo, anunciado e difundido pelo texto, as dificuldades e
dores são relacionadas à pele humana, comparada, então, ao couro, provavelmente o material
de origem animal de que são feitos o pandeiro e o tamborim, ou qualquer outro instrumento
que sofra castigos fortes e constantes, assim como as classes mais humildes. Além disso,
pode-se depreender que, tal qual os instrumentos musicais, os brasileiros “apanham” (sofrem)
e, ainda assim, disseminam alegria, pois têm-na como essência.
Ademais do carnaval, lembrado na figura do bloco, e da música, indicada por meio da
menção de instrumentos e ritmos, o futebol também assegura seu espaço no quotidiano
tupiniquim, estampando uma disputa complicada (o sufoco de um jogo tão duro).
O patriotismo, por sua vez, é apresentado apesar dos pesares, ou seja, o sintagma
conjuntivo apesar de revela que, somente com concessões, pode-se orgulhar de pertencer a
esta pátria. Comentário que indica a existência de consternações que impedem a completa
satisfação cívica. Vale apontar que as palavras possuem o mesmo radical –pesar, e este,
repetido apresenta efeito semântico mais expressivo.
Por fim, cabe assinalar que o uso de orações subordinadas adjetivas restritivas
especifica o tipo brasileiro digno da fé do eu- lírico, assim, apenas a rapaziada que segue em
frente e segura o rojão; a moçada que não foge da fera e enfrenta o leão; a juventude que não
corre da raia a troco de nada; bem como a mocidade que não tá na saudade e constrói a
manhã desejada são exaltados pelo trovador.
homem ser o responsável maior por sua posição (Jamais se propõe a ser capacho!/ Não tenta
jamais se levantar/ Sem lamento se deixa acomodar!/ Se vê sem direito de falar/ Se levanta e
conquista o seu caminho!)
Após denunciar a falta de voz concedida à nação, Gonzaguinha retoma a ideia trágica
e de teor irreversível, já apresentada do segundo verso (Nasce, cresce, morre bem embaixo),
ao admitir como fim para quem se comporta de modo submisso e passivo a condenação
limites precários, ou seja, a total impossibilidade de melhoria de vida até a morte (Seu destino
é viver bem rente ao chão/ Até que ele venha lhe tragar!).
Num momento de ressalva, o aedo resolve revelar outra faceta da erva rasteira: sua
periculosidade (Mas descuido, ela paga com espinho), mostrando, assim, que ainda a erva tem
suas armas contra os que a agridem, portanto, até os que se sentiam “ervas rasteiras” se
deviam considerar capazes de incomodar os mais fortes. Aproveitando essa conclusão,
Gonzaguinha açoda seu povo, ponderando, novamente por meio do emprego de oração
adjetiva restritiva (que é homem de valor), que apenas os dignos possuem competência para
edificar sua vida, efetivamente.
RESUMO: Na breve composição Eu entrego à Deus, o eu-lírico apela à justiça divina para
punir os responsáveis pelos problemas econômicos que assolam o país.
Termos de expressão comum como panaca e taca (verbo transitivo direto tacar=
lançar, pôr), ademais de rimarem e participarem do ritmo da composição, colaboram para a
realização do desabafo do autor e atribuem viés acessível à obra, aproximando-a da população
mais simples.
Evitando a repetição desnecessária de palavras, usam-se sinônimos de Deus (Divino/
Senhor) especialmente com letra maiúscula com o fim de ratificar a participação particular e
sublime do ser superior.
No tratamento ofertado aos que prejudicam a massa, não há singularização especial,
indicando que qualquer um que aja daquela maneira mereça as referentes ofensas. Assim,
quem põe água no leite dos outros faz jus ao título de panaca; os que obrigam o povo a
enfrentar filas por alimentos merecem a caracterização de cretino e os responsáveis pelas
perdas financeiras, ironicamente, são chamados de doutor. Ironicamente, porque, a princípio,
doutor é o tratamento utilizado quando se quer ressaltar a formação acadêmica de alguém.
Nesse contexto, os conhecimentos não foram mobilizados para o bem comum, pois
acarretaram prejuízo econômico, dano realçado pela combinação sonora (recurso fonológico:
rima) de dinheiro e inteiro, pelo emprego do ajunto adverbial temporal o ano inteiro e pela
ideia de completude advinda do próprio vocábulo inteiro.
Os versos exclamativos (não há quem aceite!) e (não tem condição!) compõem rimas
com leite e feijão (palavras relacionadas à crise dos alimentos que o país vivia) e corroboram
com o tom inconformado inerente às denuncias propagadas pelo artista.
incidem, isto é, onde acontecem, ou seja, alternam um efeito de ação e reação, explicitando as
origens dessas emoções, onde elas ocorrem e até onde se dão suas consequências.
Além desses termos, o advérbio de modo Confortavelmente (v. 04) dá início à ideia
primeira de bem-estar do enunciador, enquanto a locução adverbial temporal noutras guerras
(= anteriormente) (v. 21) confirma o incômodo originado pelo “reencontro” com o conhecido
general. Desconforto anunciado pelo “atropelamento” do delírio do autor por parte de seu
filho.
Os substantivos abstratos avanço (v. 07), eficiência (v. 07) e fluorescência (v. 16), por
sua vez, estão utilizados, claramente, em função adjetiva (A tecnologia é avançada e eficiente;
Aquelas explosões eram fluorescentes) e, assim, unindo abstrações a percepções particulares,
dão cor ao texto e conferem sensibilidade ao mesmo, ao revelarem as impressões subjetivas
do autor. Outras observações pessoais e caracterizações também são expostas por adjetivos,
locuções adjetivas e adjetivos verbais. Entendam-se por adjetivos verbais os particípios que
exprimem, sobretudo, estados.
Dessa forma, distraída (v.08) reflete como o eu- lírico entende sua mente naquele
instante; maravilhosas (v. 09), anteposto ao substantivo “máquinas”, intensifica,
emotivamente, a caracterização de tais aparelhos - produto do milagre tecnológico;
eletrônicos (v. 12) especifica o tipo de brinquedos e contribui ao conjunto lexical referente à
modernização científica; fascinantes (v. 13), também preposto ao substantivo ruídos, revela o
enlevo do enunciador pelo som emitido pelas máquinas; reais (v. 14) tenta conferir
credibilidade aos combates virtuais; linda (v. 15) aviva o efeito prazeroso que a
“fluorescência das explosões” proporciona ao autor; de artifícios (v. 18) ou artificiais
distingue os fogos em questão; velho (v. 20) à frente de “general” indica familiaridade e não,
necessariamente, a idade avançada do militar mencionado (Para a construção deste último
efeito citado, o adjetivo velho deveria estar posposto ao nome general); velhos (v. 22) frente a
“carnavais” indica tempos passados, experiências pelas quais o enunciador já passou;
fantásticas (v. 34) posicionado anteriormente a “jogadas” indica alto teor emotivo por parte
de quem contempla os mecanismos comerciais; vencido (v. 21), cravada (v. 32), revolta (v.
35) e aberta (v. 38) denotam as condições ou estados dos seus respectivos referentes:
“personagem”, “espada”, “barriga” e “janela”.
Por fim, os três últimos versos (38, 39 e 40) constroem uma espécie de estrutura
cíclica ao repetirem a estrutura dos três primeiros. O autor parte, igualmente, de uma frase de
extensão considerável (Da minha janela aberta para o mundo engulo tudo) para outra menor
e relativizada, dessa vez, pela palavra denotativa “quase” e pelo uso de reticências (Engulo
69
quase tudo...) e encerra o texto com uma de estrutura ainda menor (Quase tudo!), que insiste
na demarcação de seus limites de tolerância.
RESUMO: Gonzaguinha não cantou apenas as questões humanas de seu país. O poeta
também soube perceber e lamentar os desmandos e descuidos com o meio ambiente. Como
acontece em Má-gica, um retrato da devastação ecológica que acoima os equívocos e
consequências acerca do mau trato à natureza.
mais não!, o qual utiliza o mesmo marcador temporal -Agora- e a construção tipicamente oral
mais não para apontar e lastimar a transformação ligeira sofrida pelos recursos naturais, que
pode ser vinculada às guerras dos EUA contra o Japão e Vietnã devido à posição contígua do
verso Rosa de Hiroshima, Laranja do Vietnã.
Considerando a relação intrínseca entre homem e natureza, a figura e a cultura
indígenas também são abordadas de modo a demonstrar o fim como decorrência inevitável
dos erros humanos. O verso O pacto de morte índio, a vida que vinha vem mais não, enfatiza
de tal ideia por meio da seleção das palavras pacto e morte, e da disposição posposta dos
termos mais e não com relação ao verbo vir. A acomodação comum seria a vida que vinha
não vem mais. Ao aproximar seguidamente os vocábulos em questão, o eu-lírico revela
desconforto em dar a notícia, por isso coloca a negativa no final da oração e, assim, acaba
intensificando o dito.
Tem início, então, um encadeamento de desastres ecológicos temporalmente
localizados a partir da ocorrência do vocábulo quando e enumerados sob a realização de uma
coordenação aditiva (E quando a flor abortou e a água do rio matou/ E a chuva, na pele doeu
e o Sol não brilhou mais). Esses versos, de valor ora metafórico (E quando a flor abortou e a
água do rio matou) ora hiperbólico (E a chuva, na pele doeu e o Sol não brilhou mais)
pretendem ilustrar e mensurar a degradação do ambiente a qual culmina na total
“desrregulação” e uniformidade das atividades naturais como dia e noite (O céu foi uma só
cor: a mesma noite no dia) e o silêncio mortal percebido também pela aliteração no verso Foi
tudo uma só estação, silêncio e solidão.
Após esse ápice, a morte é estendida aos alvitres e filhos daquele espaço pela repetição
de não nasceram mais!, bem como a ícones da vegetação e fauna brasileiras a partir de
construções nominais como Morte na Amazônia, morte no Pantanal/ A morte do “véio
Chico”. Especialmente em “véio Chico” percebem-se, respectivamente, os fenômenos
fonológico e morfológico da vocalização (velho>véio), comum do falar interiorano, e a
redução do nome Francisco (em menção ao Rio São Francisco, um dos mais importantes da
hidrografia brasileira) a Chico.
Conforme em a vida que vinha vem mais não, a organização seguida e de posição final
dos vocábulos mais e não no verso Beleza que tinha, tem mais não indica descontentamento
com a informação e, simultaneamente, põe a mesma em evidência, ao chamar a atenção para
uma construção incomum. Cumpre apontar, no mesmo verso, o emprego do verbo ter com
sentido de existir, prática corriqueira da modalidade oral da língua que confere à obra um tom
informal que equilibra a seriedade do tema e da abordagem.
72
Nana se prostituísse – prática divulgada comumente pelos jornais como frequente na região
Norte. Nesse sentido, a palavra trem seria usada eufemisticamente com o valor de pênis. Uma
outra alternativa é a situação de perigo das crianças que, abandonadas ou sem a devida
orientação, aventuram-se em cima de trens que cortam o estado do Pará. A rima formada pela
combinação de Belém e trem confere especial sonoridade ao verso e colabora ao ritmo do
texto.
Lívia e Miriele representam aqueles que sofrem com as enchentes. Percebe-se, nessa
passagem, uma ironia a partir do emprego do verbo surfar – atividade esportiva normalmente
realizada por jovens de classe alta ou que moram próximo à praia – associado à ocorrência de
uma situação calamitosa e de forças superiores como as da natureza: as inundações.
O quinto nome a figurar Luizinho, do São Carlos permite uma vinculação do
personagem ao próprio autor – Luiz Gonzaga do Nascimento Jr. – que foi morador do Morro
de São Carlos, no Rio de Janeiro. Esse recurso admite a leitura de que qualquer Luiz,
inclusive o compositor que lá viveu, pudesse estar na condição de aprendiz de traficante,
mencionada no verso como avião – termo utilizado nas comunidades carentes para designar
garotos que iniciam sua vida no comércio de drogas, entregando “mercadorias”.
Ironicamente, Jorge realiza seu preparo físico correndo de um fantasma político: a
repressão, passagem que ilustra o trauma e os resquícios dos horrores vividos na Ditadura.
Lena, a representante mineira nesse quadro deplorável, participa do texto como
usuária de drogas. Tal qual no verso Nana que é de Belém, só brinca em cima do trem, a
construção Lena, lá de Carangola, limpa o nariz com cola, ao combinar sonoramente as
palavras Carangola e cola, rima e reforça o ritmo da composição.
Chico, Tadeu e Tavinho, por sua vez, formam parte dos grupos que promovem assaltos
em massa, geralmente, em praias, também chamados de arrastões.
Solemar encerra o deplorável desfile, configurando um caso de violência sexual contra
a mulher, realizado pelo próprio pai.
Paradoxalmente a esses absurdos, o autor afirma, com ironia, que todos estão felizes e
na mídia, querendo viver e gozar seus direitos (parte do bolo/ carnaval), pois fazem parte
desse rolo (país) e o representam genuinamente, uma vez que – São meninos do Brasil, têm a
cara do Brasil, o jeitinho do Brasil.
RESUMO: Hino ufanista de exaltação à nova república, O homem falou motiva a fé do povo
brasileiro para os novos tempos e possibilidades, aproximando, de maneira conotativa, o país
à estrutura e organização de uma escola de samba que pretende, calorosamente, vencer o
campeonato. As profecias positivas são sempre associadas a atitudes harmônicas que
estimam o desempenho grupal, de modo a aquilatar a unidade como o grande diferencial
responsável pela performance adequada e perfeita.
O poder da união, tão divulgado pelo artista, é aqui louvado como a luz -solução e
motivação- para o “por vir”(E é pra chegar sabendo que a gente tem o Sol na mão/ E o brilho
das pessoas é bem maior/ E irá iluminar nossas manhãs). O léxico formado por Sol, brilho,
iluminar e manhãs, somado à recorrente coordenação de orações aditivas, intensifica a força
do povo capaz de promover alterações significativas no quotidiano nacional.
A abordagem conotativa, bem como o tom simples adotado pelo artista corroboram a
propagação dos conceitos e ideais a partir da identificação com a realidade e o linguajar
rotineiro das camadas mais populares. Expressões de viés oral como Vam’bora e “uns e
outro”, e o emprego do verbo melar em seu sentido popular de “estragar” achegam o texto a
um maior público: a massa – foco e ponto de partida do artista.
RESUMO: Pelo Brasil delineia caminhos percorridos pelo artista em turnê. As impressões e
constatações apreendidas pelo compositor frente às localidades visitadas em suas andanças
são apresentadas de maneira plástica e criativa, explorando a disposição visual das palavras,
bem como as possibilidades expressivas de nomes e siglas.
RESUMO: Recado é uma composição que se propõe a realizar exatamente o que anuncia:
comunicar informações. Ao “mandar” seu recado, o autor lista uma série de ocasiões de ação
e reação relativas ao comportamento humano que apregoa a ideia “se fizeres o bem, receberás
o bem”; e enumera convicções pessoais referentes a diversos temas, dentre eles, liberdade e
solidariedade.
insubmissa do eu-lírico que responde, efetivamente, às ações que lhe ofertam (“eu gosto”; “eu
brigo”; “não calo”; “mais eu falo”).
Coordenadamente a essas hipóteses de viés agressivo (“Mas”), o compositor reserva
espaço para outras possibilidades mais agradáveis (“se me der a mão”; “Se for franco, direto e
aberto”) e que estimulam e desvendam seu lado mais sensível de tom amistoso e solidário
(“claro, aperto”; “Tô contigo amigo, não abro”; “Vamos ver o diabo de perto”).
Após tais delimitações, o autor dá prosseguimento à comunicação, expondo juízos
subjetivos acerca de seu temperamento e de sua própria vida. Ao desabafar, ele utiliza
construções que demonstram a simplicidade linguística de quem deseja ser compreendido
informalmente, confirmando a proposta de recado anteriormente ofertada. Exemplos dessa
naturalidade idiomática são os usos da linguagem conotativa, do pronome de tratamento
específico e de expressão antitética.
O cunho figurado da expressão “Não engulo a fruta e o caroço” exprime o
procedimento seletivo e voluntário do eu-lírico em não aceitar imposições, facilmente
percebido nos versos “Quem mandava em mim nem nasceu” e “E se tentar me tolher é igual
ao fulano de tal que taí”.
Em “Minha vida é tutano, é osso”, a dificuldade quotidiana é realçada pelo valor
semântico da metáfora que explora a energia e rigidez das palavras tutano e osso.
A escolha da forma de tratamento “seu moço” põe o locutor em posição respeitosa
frente a seu interlocutor, o que pode revelar sua disposição subordinada, mais humilde e não
menos efetiva.
A antítese “Liberdade virou prisão” faz transparecer duas possibilidades de
entendimento. A primeira é a de transformação castradora da liberdade em controle. A
segunda é a de expressão poética da condição de impossibilidade de vida em outra situação
que não a de liberdade plena.
O artista começa, então, a fragmentar suas opiniões com sucessivas afirmações sobre
diferentes temas: amor, união, liberdade, insubmissão.
Ratificando o eixo-base ação X reação, percebe-se a defesa insistente da ideia “dar”
implica “receber” (Se é amor, deu e recebeu). Especificamente, neste momento, o compositor
aproveita para tratar de um assunto largamente abordado por ele em outra fase de sua carreira:
o amor. E o faz recorrendo à hipótese, de valor ilustrativo, que remete a momentos de
intimidade demarcados pela presença do vocábulo “suor”, da palavra denotativa“só”
(=apenas) e dos pronomes possessivos “meu” e “teu”.
78
RESUMO: Em Um sorriso nos lábios, gravada em 1974, Luiz Gonzaga Jr. expõe as
dificuldades quotidianas das camadas mais populares e sua busca por dias melhores; ainda
que à custa da prática exaustiva de sorrisos forçados, ou por meio de recomendações
equivocadas. O eu-lírico desvela a tentativa de exibição de uma crível felicidade, meramente
superficial e figurativa, utilizando os efeitos reiterativos e, por vezes, massacrantes da
repetição.
morte, noventa e cinco, suando, desgraça, prestação, fome, dureza, fundos, cerco, circo,
silêncio e anormal.
A cada série de males, corresponde um seguimento imperativo que sugere um sorriso
como forma de resolução das questões desagradáveis. Tal sequência sugestiva aparece de
maneira efetiva (dezesseis vezes, no decorrer dos dezenove versos que compõem a obra),
corroborando para a compreensão da ideia como única alternativa adotada, ou como indicação
mandatária, autoritária do que deve ser feito.
Além desse aconselhamento recorrente, outras opções, não menos deprimentes, são
ofertadas como saída. Curioso é perceber que dentre essas novas soluções, três são
especialmente apresentadas entre aspas (“sonha que passa” “toma cachaça”, “acha graça: “é
tão pouca desgraça”” v. 6 e 8), isto é, atuam como uma tentativa de construção de um
discurso, do tipo indireto livre, que aponta para voz(es) extra-texto, contribuindo à sensação
de um juízo não proferido nem valorizado pelo autor; principalmente se contrapostas à
Aguenta firme irmão, na oração Deus tudo vê e Deus dará!, indicação não marcada por aspas,
e propiciadora de uma maior proximidade entre eu-lírico e ouvinte, devido ao uso do
vocábulo irmão.
A construção do panorama diário do brasileiro é realizada pela menção a fatos e
elementos rotineiros, populares, característicos do país, bem como pela citação de lugares
conhecidos: jornal, condução, jogo, loteca, nego, nega, futebol, taça, Sol, Rio de Janeiro, São
Paulo. Informações que servem de subsídios para o processo de familiarização com o tema,
composição do cenário; e que colaboram à ideia de que, no fim das contas, a vida segue, tudo
segue (“o Rio de Janeiro continua lindo!”, “São Paulo a São Paulo continua indo!”, “a vida é
linda!”).
Ademais, a questão da valorização da “aparência”, em detrimento da “essência”, é
ratificada, no fim, a partir do convite à consumação de um retrato (“X: olha a fotografia!...”),
considerando-se que em uma foto cabem apenas os aspectos exteriores, captados,
limitadamente, pela visão.
80
5 CONCLUSÃO
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ENDEREÇOS ELETRÔNICOS
DISCOGRAFIA
LUIZ GONZAGA JR. Luiz Gonzaga Jr.[S.l.]: EMI- Odeon, 1973. LP (Relançado em CD, em
1997, pela Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. Luiz Gonzaga Jr. [S.l.]: EMI- Odeon, 1974. LP (Relançado em CD,
em 1997, pela Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. Plano de vôo. [S.l.]: EMI- Odeon, 1975. LP (Relançado em CD, em
1997, pela Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. Começaria tudo outra vez. [S.l.]: EMI- Odeon, 1976. LP (Relançado
em CD, em 1997, pela Gravadora EMI-Brasil).
90
LUIZ GONZAGA JR. Moleque Gonzaguinha. [S.l.]: EMI- Odeon, 1977. LP (Relançado em
1997, pela Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. Recado. [S.l.]: EMI- Odeon, 1978. LP (Relançado em 1997, pela
Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. De volta ao começo. [S.l.]: EMI- Odeon, 1980. LP (Relançado em
1997, pela Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. Coisa mais maior de grande, PESSOA. [S.l.]: EMI- Odeon, 1981. LP
(Relançado em 1997, pela Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. Gonzagão e Gonzaguinha, discanso em casa, moro no mundo. [S.l.]:
EMI- Odeon/ RCA, 1981. Álbum duplo
LUIZ GONZAGA JR. Alô, Alô, Brasil. [S.l.]: EMI- Odeon, 1983. LP (Relançado em 1997,
pela Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. Olho de lince. [S.l.]: EMI-Odeon, 1985. LP (Relançado em 1997, pela
Gravadora EMI-Brasil).
LUIZ GONZAGA JR. Corações marginais. [S.l.]: Moleque- WEA, 1988. LP (Relançado em
CD, com o título É, na Alemanha, pela Gravadora World Pacific).
LUIZ GONZAGA JR. Cavaleiro Solitário. [S.l.]: SOM LIVRE, 1993. Ao vivo (Disco
póstumo)
91
ANEXO
2- A Cidade Contra o Crime (Disco: De volta ao começo; 1980. EMI- Odeon/ Lado B,
faixa 3)
3- A Marcha do Povo Doido (Disco: De volta ao começo; 1980. EMI- Odeon/ Lado A,
faixa 3)
7- Coisa mais maior de grande (Disco: Coisa mais maior de grande, PESSOA; 1981.
EMI- Odeon/ Lado A, faixa 1)
8- Comportamento Geral (Disco: Luiz Gonzaga Jr.; 1973. EMI- Odeon/ Lado B,
faixa 4)
9- Contos de Fadas (Disco: Plano de vôo; 1975. EMI- Odeon/ Lado B, faixa 2)
10- Coração de plástico (Disco: Alô, Alô, Brasil; 1983. EMI- Odeon/ Lado B, faixa 2)
12- Dias de Santos e Silvas (Disco: Moleque Gonzaguinha; 1977. EMI- Odeon/ Lado
A, faixa 1)
14- E por falar no rei Pelé... (Disco: Recado; 1978. EMI- Odeon/ Lado A, faixa 6)
15- Erva Rasteira (Disco: Começaria tudo outra vez; 1976. EMI- Odeon/ Lado A,
faixa 3)
16- Eu entrego a Deus ( Disco: Coisa mais maior de grande, PESSOA; 1981. EMI-
Odeon/ Lado B, faixa 1)
17- E vamos à luta (Disco: De volta ao começo; 1980. EMI- Odeon/ Lado A, faixa 5)
Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé á na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta é com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
103
18- Fliperama (Disco (Póstumo): Cavaleiro Solitário. Ao vivo; 1993. SOM LIVRE/
CD e LP/ Lado B, faixa 4)
19- Fotografia (Disco (Póstumo): Cavaleiro Solitário. Ao vivo; 1993. SOM LIVRE/
CD e LP/ Lado B, faixa 1)
O nome dessa música é Fotografia. Menino de rua que sou, nascido no morro de São
Carlos. É essa a fotografia!
Veja a cara dele sorrindo
Veja a cara dele sorrindo atrás do muro
Agora ele pode sorrir, pois o medo passou
Já está bem mais calmo seu coração
Ao invés do barulho do medo no ouvido
Ele ouve o ruído do vidro das bolas de gude
Agora ele pode brincar o jogo das bolas de gude
105
Menino de novo!
Veja na cara do outro a tensão
Na cara do outro a atenção no que vem
Aquele olho de lado, prestando atenção... vem alguém...
O exterminador! O torturador! O anjo damor! O anjo da dor!
Veja a cara daquele mais um
A cara de espanto daquele mais um
Com o trinta e oito na mão
Veja a fumaça saindo do cano
E o corpo de um outro menino caído no chão
Veja o gude largado no chão...
Aí ó! Se botar a lona por cima vira circo! Se cercar, já virou asilo. Brasil! Tá tudo bem,
mas que tá esquisito, tá ...
Assim não dá, não é mole não
Vamos dar uma geral nessa tal de transição (ou transação?!)
Assim não dá, não é mole não
Eles entram com o trem da alegria
E a gente com a cara pro bofetão!
Alguns da patota da estrela, coturno e dólmã
Tão doidos pra continuar comendo a maçã
Com pobre na vida querendo bancar “bam-bam-bam”
Só osso do moço sobrou na sessão “pam-pam-pam”
Herança maldita deixando a gente tantã
João, cala a boca e me esquece
Vê se vai pra Teerã – teu Brasil nunca mais!
Só porque aquele famoso Conde d´Eu
E Judá
E no Sudão
Esse negócio aí de “tem de dar!”
Com a gente não deu muito certo, não
Nós já deu tudo que tinha, meu bem
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21- Geraldinos e Arquibaldos (Disco: Plano de vôo; 1975. EMI- Odeon/ Lado B,
faixa 6)
22- Gravidez- Meninos eu vi (Disco: Grávido; 1984. EMI- Odeon/ Lado B, faixa 1)
23- Má- gica (Disco: Corações marginais; 1988. Moleque- WEA/ Lado A, faixa 2)
24- Meninos do Brasil (Disco: Corações marginais; 1988. Moleque- WEA/ Lado B,
faixa 3)
25- O homem falou (Disco: Olho de lince; 1985. EMI-Odeon/ lado B, faixa 1)
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26- Pelo Brasil (Disco: Alô, Alô, Brasil; 1983. EMI- Odeon/ Lado B, faixa 4)
27- Pois é, seu Zé (Disco: Luiz Gonzaga Jr.; 1974. EMI- Odeon/ Lado A, faixa 5)
29- Tá certo, doutor? (Disco: Plano de vôo; 1975. EMI- Odeon/ Lado A, faixa 2)
30- Todo boato tem um fundo musical (Disco: Alô, Alô, Brasil; 1983. EMI- Odeon/
Lado A, faixa 3)
31- Um sorriso nos lábios (Gravação em compacto simples/ 1974 EMI- Odeon)
Ponha um sorriso nos lábios: que refrescante sensação de... mal- estar!
Vidro moído, areia no café da manhã- e um sorriso nos lábios!
Ensopadinho de pedra no almoço e jantar- e um sorriso nos lábios!
O sangue, o roubo, a morte, um nego em cada jornal- e um sorriso nos lábios!
Noventa e cinco sorrisos suando na condução- e um sorriso nos lábios!
Mas, “sonha que passa!” ou “toma cachaça!”
Agüenta firme irmão, na oração Deus tudo vê e Deus dará!
Ou então acha graça: “é tão pouca desgraça!”
Mas, no fim do mês lembrar de pagar a prestação desse sorriso nos lábios
O jogo, a nega, a loteca, a fome e o futebol- e um sorriso nos lábios!
A taça, a vida, a dureza, viva a beleza do Sol- e um sorriso nos lábios!
Os olhos fundos, sem sono, os corpos como um só- e um sorriso nos lábios!
O cerco à vida, o circo, silêncio, um nego anormal- e um sorriso nos lábios!
Pois, o Rio de Janeiro continua lindo! (tem um sorriso nos lábios!)
São Paulo a São Paulo continua indo! (tem um sorriso nos lábios!)
Sorria, sorria, sorria, a vida é linda! Sorria!
Põe um sorriso nos lábios, põe um sorriso...
Essa refrescante sensação...
X: olha a fotografia!...