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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”

FACULDADE DE CIÊNCIAS - DEPARTAMENTO DE FÍSICA E METOROLOGIA


CÂMPUS DE BAURU

PAULO HENRIQUE RODRIGUES SANCHEZ

A EVOLUÇÃO DE MODELOS ASTRONÔMICOS: UMA ANÁLISE SEGUNDO


PIERRE DUHEM

Bauru, São Paulo


2023
PAULO HENRIQUE RODRIGUES SANCHEZ

A EVOLUÇÃO DE MODELOS ASTRONÔMICOS: UMA ANÁLISE SEGUNDO


PIERRE DUHEM

Trabalho apresentado à Universidade


Estadual Paulista, ao curso de Licenciatura
em Física, como requerimento parcial para
obtenção de nota final.
Orientador(a): João José Caluzi

Bauru, São Paulo


2023
FOLHA DE ARQUIVAMENTO

S211e Sanchez, Paulo Henrique Rodrigues


A EVOLUÇÃO DE MODELOS ASTRONÔMICOS:
UMA ANÁLISE SEGUNDO PIERRE DUHEM / Paulo
Henrique Rodrigues Sanchez. -- Bauru, 2023
36 p. : il.

Trabalho de conclusão de curso (Licenciatura -


Física) - Universidade Estadual Paulista (Unesp),
Faculdade de Ciências, Bauru
Orientador: João José Caluzi

1. Terraplanismo. 2. Terra Plana. 3.


Pseudociência. 4. Pierre Duhem. 5. História da
Astronomia. I. Título.
Sistema de geração automática de fichas
catalográficas da Unesp.
Biblioteca da Faculdade de Ciências,
Bauru. Dados fornecidos pelo autor(a).

Essa ficha não pode ser modificada.


FOLHA DE APROVAÇÃO
DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia primeiramente à minha avó, Maria Silvia, que creio em
minha fé estar me observando do plano espiritual. Professora de carreira, minha
primeira e eterna docente, sei do fundo do meu coração que ela estaria radiante de
saber que seu neto seguiu seus passos, mesmo comigo nunca tendo muita
paciência para ensinar a ela coisas simples como mexer no Facebook ou no
Whatsapp. Estas saudades a vida trata de remediar.
Dedico também ao meu avô, Roberto, que mesmo em toda sua rusticidade e
tradicionalismo, sempre me permitiu e incentivou seguir o caminho que escolhi para
mim, por mais custoso que fosse, dando estímulos quando quis desistir e
comemorando todas minhas vitórias comigo, sou grato do primeiro ao último dia do
curso.
Dedico este trabalho também a um amigo que nos deixou durante essa jornada,
cujas saudades sempre serão eternas, seu legado também está nesse trabalho,
Carlton, eterno Rodrigo Leandro.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos os colegas que me acompanharam nessa jornada, sempre fiz o


máximo possível para interagir com todos os anos do curso, do mais velho veterano
ao mais novo calouro, sem distinção alguma, aprendendo muito com a vivência em
todos os meios, espero poder ter agradado o máximo possível e peço sinceras
desculpas por minhas indiscrições, ou caso tenha ofendido alguém.
Quanto aos professores, tenho infindas honras a fazer, provas de cálculo que me
fizeram chorar, experiências em sala que trouxeram felicidades de não caber no
peito, aprendizados que acima de um profissional competente, me habilitaram a ser
uma pessoa decente. Sou infinitamente grato a todos os momentos que tive para
conversar e aprender sobre o vasto mundo das ciências ou simplesmente
compartilhar experiências de vida com todos que foram meus professores, mesmo
que não formalmente, mas que fizeram toda a diferença na minha vida.
Não deixaria de agradecer aos bibliotecários e todos os outros funcionários que
fizeram parte singular durante minha passagem pela Unesp, não tenho palavras a
descrever o impacto positivo que tiveram em minha formação, espero poder carregar
amizades por toda minha vida além do Campus.
Faço menção honrosa à minha mãe, que mesmo não entendendo absolutamente
nada do que eu estava falando em 99% do tempo por uma certa inimizade com a
Física carregada desde o passado, sempre teve um momento para me ouvir falar do
que eu gosto simplesmente para desfrutar da empolgação de seu filho naquele
instante, independente da situação ou humor.
Por todos que compuseram esta trajetória mesmo que minimamente ao meu lado
durante o período letivo, dos que saíram aos que chegaram, meus sinceros
agradecimentos. Espero ter marcado cada um de vocês da forma que me marcaram.
RESUMO

O presente trabalho busca comparar, por meio de revisões bibliográficas, um breve


desenvolvimento da pseudociência denominada “Terraplanismo” levantando desde a
formação do conceito à defesa da Terra Plana na atualidade com, entre diversos
autores, o trabalho de Pierre Duhem, físico e filósofo francês, em seu primeiro tomo
da coletânea “Le Systéme Du Monde”. Durante as discussões, é introduzida
brevemente a visão de mundo de Pierre Duhem sobre como o mesmo considerou a
sucessão dos conceitos astronômicos em uma sequência evolutiva continuísta e
holística, afim de instituir sua visão cosmológica aos fenômenos astronômicos
conhecidos, considerando além das explicações físicas. Pierre Duhem lança mão de
uma nova perspectiva para comparar a visão de mundo antiga, desde os filósofos
gregos até o renascimento, para com as teorias que vieram se desenvolvendo, afim
de elucidar, por sua perspectiva, os modelos que se estabeleceram e continuaram se
aprimorando, assim, pondo em cheque contraposições ingênuas a conceitos físicos
já muito consolidados.

Palavras Chave: Pierre Duhem; Pseudociência; Terra Plana.


ABSTRACT

The present work seeks to compare, through bibliographical revisions, a brief


development of the pseudoscience called “Flat Earth” ranging from the formation of
the concept to the defense of Flat Earth today with, among several authors, the work
of Pierre Duhem, French physicist and philosopher, in his first volume of the collection
“Le Systéme Du Monde”. During the discussions, Pierre Duhem's worldview is briefly
introduced on how he considered the succession of astronomical concepts in a
continuous and holistic evolutionary sequence, in order to establish his cosmological
vision of known astronomical phenomena, considering beyond known physical
explanations. Pierre Duhem makes use of a new perspective to compare the ancient
worldview, from the Greek philosophers to the Renaissance, with the theories that
have been developing, in order to elucidate, from his perspective, the models that were
established and continued to be improving, thus, putting in check naive contrapositions
to physical concepts already very consolidated.

Keywords: Pierre Duhem; Pseudoscience; Flat Earth.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – O mapa da Terra Plana de Rowbotham ------------------------------- 27


SUMÁRIO

Sumário
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 11
2 METODOLOGIA ...................................................................................................................... 13
2.1 COLETA DE DADOS ................................................................................................. 13
2.2 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS ............................................. 14
3 SOBRE A DEFESA DA TERRA PLANA NA ATUALIDADE ........................................................... 15
4 O DESENVOLVIMENTO DA CONCEPÇÃO DE MUNDO POR MEIO DE PIERRE DUHEM .......... 20
4.1 BREVE APRESENTAÇÃO DE PIERRE DUHEM E SUA OBRA ........................ 21
4.2 O SISTEMA DE MUNDO PARA PIERRE DUHEM ............................................... 24
5 CRÍTICAS AO TERRAPLANISMO .............................................................................................. 27
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 33
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................ 34
11

1 INTRODUÇÃO

O estudo científico dos objetos celestes é conhecido como astronomia e busca


explicar sua origem, evolução, bem como suas propriedades físicas e químicas. Um
dos poucos assuntos restantes em que os amadores ainda estão ativamente
interessados para com o amplo leque da física é a astronomia. (SILVA, 2009).
É geralmente aceito que a astronomia é uma das mais antigas áreas a
despertar a curiosidade humana. Os ritos religiosos primordiais tiveram um papel no
desenvolvimento da astronomia, que remonta há mais de 5.000 anos. A arqueologia
mostrou que as pessoas que viveram durante a Idade do Bronze e presumivelmente
durante o Neolítico tinham conhecimento de astronomia. Eles foram capazes de
reconhecer certas constelações, além de terem consciência da natureza cíclica e
periódica dos equinócios e sua conexão com o ciclo anual das estações (LANGHI et
al., 2013).
O desenvolvimento da matemática e o aperfeiçoamento das ferramentas de
observação no final da Idade Média foram uns dos principais responsáveis pelo
surgimento da astronomia moderna. A astrologia foi amplamente utilizada pelos
gregos e redescoberta no período medieval, tendo a astrologia e astronomia
coexistido no período e, embora a astronomia tenha vigorado com certo destaque, a
astrologia se valeu do reavivamento da espiritualidade no renascimento, perdurando
até voltar a contrastar com a astronomia durante o iluminismo, período a qual a razão
foi supervalorizada e o misticismo, postergado (CORCETTI et al., 2019).
Vários modelos astronômicos foram desenvolvidos ao longo da história da
astronomia, sendo o modelo de Claudio Ptolomeu, astrônomo e filósofo grego que
viveu no século II a.C., e o modelo de Nicolau Copérnico, astrônomo e matemático
polonês do século XV, os exemplos mais conhecidos. Segundo Copérnico, o
verdadeiro centro do Sistema Solar é um ponto dentro do próprio Sol e ao redor do
qual giram todos os planetas, inclusive a Terra. O heliocentrismo é um conceito que
consiste no dado modelo do Sistema Solar e Copérnico é considerado o fundador
dessa teoria, sendo o seu opositor mais famoso, o geocentrismo, modelo onde a Terra
por sua vez é o centro do universo e todos os astros giram em torno dela, inclusive o
Sol, sendo o segundo modelo estipulado por Ptolomeu (LANGHI; SCALVI, 2013).
12

Aristarco de Samos, astrônomo e matemático grego (310 a.C – 230 a.C.), é


considerado o primeiro estudioso a apresentar a ideia de um modelo heliocêntrico do
Sistema Solar. Este conceito posiciona o Sol no centro do universo, em oposição à
Terra como era o aceito na época. Ele foi um dos muitos sábios que passaram algum
tempo na famosa Biblioteca de Alexandria, conhecida por ser um local de encontro
para as mentes mais brilhantes do mundo antigo (CORCETTI et al., 2019). Desta
forma, dentro do contexto apresentado acima, o presente trabalho buscará responder
em que aspecto o terraplanismo pode ser refutado com base nas teorias clássicas e
nos teóricos clássicos da astronomia.
Assim, o presente trabalho tem por objetivo geral apresentar e estudar revisão
de modelos astronômicos desenvolvidos cientificamente e as concepções
pseudocientíficas com base, sumariamente, em Pierre Duhem, no intuito de refutar as
teorias referente ao terraplanismo. Assim, os objetivos específicos desta pesquisa
buscarão apresentar e conceituar o que é o terraplanismo e sua defesa na atualidade,
abordar o desenvolvimento da concepção de mundo por meio de Pierre Duhem e por
fim, trazer uma crítica fundamentada sobre o terraplanismo aprofundando-a nas
discussões de Duhem.
A fim de alcançar uma contribuição efetiva e para o meio acadêmico, esta
pesquisa é justificada a partir de seu conteúdo abrangente quanto a temática,
agregando ou fortalecendo o conhecimento já presente na literatura sobre o presente
tema.
A pesquisa também é justificada a partir de sua apresentação rica e acessível
assimilação e compreensão, acrescenta ao seu contexto social, em que pessoas em
pose de conhecimento técnico ou não serão capazes de compreender e conhecer o
contexto apresentado, assim, este grupo poderá receber informações quanto ao tema
em questão.
13

2 METODOLOGIA

A metodologia adotada na formulação do trabalho foi baseada em pesquisas


bibliográficas integrativas, através de consulta a artigos e livros. O principal objetivo
desta modalidade é realizar uma investigação documental, ou seja, coletar
informações já existentes sobre um tópico ou problema. Este tipo de pesquisa
documental fornece informações sobre o status do tópico ou problema escolhido. Para
o desenvolvimento desta pesquisa, consultou-se os seguintes bancos de dados:
Scielo; Elservier; Google Acadêmico.
A pesquisa bibliográfica integrativa pode ser definida como a operação
documental de recuperar um conjunto de documentos ou referências bibliográficas
que são publicados sobre um assunto, autor, publicação ou obra específica. É uma
atividade retrospectiva que fornece informações concentradas por um determinado
período. Proporciona uma ampla abordagem no intuito de revisitar e incluir estudos
experimentais e teóricos para contemplar uma completa compreensão do material
avaliado (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010).
Quanto à coleta de dados, foram coletadas informações de vinte e cinco
revistas, quatro livros, dois jornais, dois sites de divulgação científica, uma tese de
doutorado, um Simpósio Nacional de Ensino de Física e um Encontro Nacional de
Pesquisa em Educação em Ciências. A respeito das fontes não convencionais,
também foram consultados diversos vídeos (em geral, na plataforma de vídeos
YouTube), blogs, fóruns online, podcasts e sites comuns para maior conhecimento a
respeito do terraplanismo no cotidiano.

2.1 COLETA DE DADOS

A revisão bibliográfica consiste em explorar e pesquisar a bibliografia que será


usada para o desenvolvimento do tópico. Dessa forma, será possível observar as
possibilidades de delimitar um tópico "objeto de estudo", lê-lo, expandir e informar-
nos, obter mais conhecimento ou a necessidade de realizar uma investigação
específica.
O amplo leque de possibilidades pode abrir uma brecha para algo especial
como um tópico definido, ou mostrar suas limitações. Dessa forma, é possível focar o
assunto em estudo, onde mais informações e dados são encontrados, para embasar
14

a abordagem de um problema específico a ser tratado. O conjunto e procedimentos


de métodos utilizados durante o processo de pesquisa, com o objetivo de obter
informações pertinentes aos objetivos formulados em uma investigação, é conhecido
como técnicas de coleta de dados.
Desta forma, para coleta de dados do presente trabalho considerou-se as seguintes
palavras chave: Modelos astronômicos; Pierre Duhem; Terraplanismo e Terra plana.
Não se aplicou um corte temporal na busca das fontes, visto que se trata de um
assunto clássico, desenvolvido por autores póstumos.
Na coleta de dados foram observadas as seguintes condições: Leitura
exploratória de todo o material selecionado, seja objetiva ou leitura rápida, para
verificar se a obra, documento ou material complementar é relevante para o presente
estudo.
Além desse modelo de leitura, foi implementado o modelo de leitura seletiva,
que implica em uma leitura mais aprofundada para encontrar material consistente para
o projeto. Por fim, serão registradas as informações retiradas das fontes, incluindo o
nome e o ano de publicação indicados no trabalho.

2.2 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE RESULTADOS

A análise consiste basicamente em responder aos objetivos ou hipóteses


colocadas nas pesquisas realizadas e nos dados coletados. Para propor a análise, é
conveniente apresentar um plano de análise ou o que é conhecido como plano de
exploração de dados. Geralmente, detalha de maneira flexível como se proceder
diante dos dados, e quais são as principais linhas de análise.
A interpretação dos dados refere-se à implementação de processos através
dos quais os dados são revisados, a fim de alcançar uma conclusão informada e um
estágio essencial do processamento de dados. Os dados provêm de várias fontes e
tendem a entrar no processo de análise em uma ordem desordenada.
Assim, nesta etapa final, todo o material foi lido analiticamente com o objetivo
de organizar e resumir as informações pesquisadas e elaboradas. Nessa fase, foram
consideradas as informações que viabilizaram a resposta ao tema de estudo por meio
de objetivos gerais e especializados.
15

3 SOBRE A DEFESA DA TERRA PLANA NA ATUALIDADE

Desafiando quase dois milênios de consenso científico, diversos grupos e


pessoas que não estão de acordo para com o formato da Terra, enquanto rejeitam
sua esfericidade, têm propagado visões modernas da Terra plana.
As ideias e afirmações por trás das crenças da Terra plana não são apoiadas
por evidências científicas e, portanto, constituem declarada pseudociência.
Especialistas em filosofia e física classificam os proponentes de uma Terra plana
como “cientistas negadores” (MARINELI, 2020).
A pseudociência pode ser definida como uma doutrina desviante que busca um
caminho totalmente alternativo ao do critério científico, onde mesmo com alegações
fora do método e da confiabilidade, seus representantes fazem crer que a mesma é a
única verdade aceitável sobre o determinado tópico (HANSSON, 2021).
As organizações sobre a Terra Plana remontam a meados do século XX; alguns
seguidores são sinceros, enquanto outros são tutelados pelo modismo. Indivíduos
sérios geralmente são movidos por noções religiosas ou conspiratórias. Indivíduos
que não estão ligados a organizações maiores têm cada vez mais adotado e
promovido visões da Terra plana por meio da mídia social. Numerosos cristãos
utilizam a mídia social para disseminar suas crenças (AUGUSTINE, 2007).
Samuel Rowbotham (1816-1884) da Inglaterra foi o criador da teoria
contemporânea da Terra plana. Rowbotham lançou um folheto com o título Zetetic
Astronomy baseado nos resultados do experimento Bedford Level. Mais tarde, em seu
livro Earth Is Not a Globe, ele propôs que a Terra é um disco plano centrado no Polo
Norte e limitado em seu lado sul pela Antártica (GUYVER, 2020).
Rowbotham afirmou que o Sol, a Lua e o "cosmos" estão a 4.800 km e 5.000
km acima da Terra, respectivamente. Ele também publicou um panfleto intitulado The
Inconsistency of Modern Astronomy and Its Oposition to the Scriptures, que
argumentava que a Bíblia, ao lado de nossos sentidos, a noção de que a Terra era
plana e imóvel, e esta verdade fundamental não deve ser negligenciada lado a lado
com um sistema baseado unicamente em conjecturas humanas (NASCIMENTO,
2020).
Rowbotham e seus partidários, incluindo William Carpenter, alcançaram
notoriedade por seu uso eficaz da pseudociência em confrontos públicos com
16

cientistas proeminentes como Alfred Russel Wallace. Na Inglaterra e em Nova York,


o legado de Rowbotham estabeleceu a Zetetic Society, que distribuiu mais de mil
cópias de Zetetic Astronomy (MARTINS; GONSALVES; ESTÊVÃO, 2022).
A Universal Zetetic Society foi fundada após a morte de Rowbotham com a
missão de disseminar o conhecimento da cosmogonia natural em apoio às escrituras,
com base na investigação científica real. Ativo até o início do século 20 Entre 1901 e
1904, Lady Blount, Fundadora da Universal Zetetic Society, foi encarregada de
produzir o periódico Earth: a Monthly Magazine of Sense and Science (WAMPOLD et
al.; 1997).
Samuel Shenton estabeleceu a International Flat Earth Research Society em
1956, substituindo a Universal Zetetic Society e servindo como "Secretário
Organizador" de sua residência em Dover, Inglaterra. Devido ao interesse de Shenton
em ciência e tecnologia alternativas, as visões religiosas receberam menos peso do
que nas sociedades do passado.
Quando as fotografias de satélite retrataram a Terra como uma esfera, Shenton
afirmou ser simples entender como uma fotografia pode enganar o olho destreinado.
devido ao uso de uma lente grande angular, acrescentando que a manipulação
enganando o público e está errada (GUYVER, 2020).
Em 1969, Shenton persuadiu o professor Ellis Hillman da Polytechnic of East
London a se tornar presidente da Flat Earth Society. Ele ajudou a estabelecer a
Fundação de Arquivos de Ficção Científica. De acordo com relatos históricos e
histórias orais, a massa de terra pode ter sido quadrada, toda em uma massa em um
ponto, com o norte magnético no meio.
Grandes desastres cataclísmicos e abalos provavelmente partiram o planeta e
o separaram nos continentes e ilhas que existem hoje. Uma coisa é certa sobre este
planeta: o mundo habitado conhecido é plano, simples e nivelado (MARTINS, 2020).
Shenton faleceu em 1971. Charles K. Johnson recebeu uma parte da coleção
de Shenton de sua esposa e passou a organizar e liderar a International Flat Earth
Research Society of America e a Covenant People's Church na Califórnia. Nas três
décadas seguintes, a Flat Earth Society expandiu para 3.500 membros graças ao seu
Guia (ALLEGRO, 2017).
Johnson editou vários periódicos e foi responsável por todos os pedidos de
adesão. Flat Earth News, um tablóide trimestral de quatro páginas, era o jornal de
maior visibilidade. Johnson pagou por esses periódicos com taxas anuais de US$ 6 a
17

US$ 10. Ele identificou a Bíblia como sua fonte de fé e viu os cientistas como uma
fraude destinada a substituir a religião pela ciência (MARTINS, 2020).
De acordo com o modelo planetário mais atual da Flat Earth Society, a
humanidade vive em um disco com o Polo Norte no meio e a Antártica, uma parede
de gelo de 45 metros de altura, na borda externa. Os contornos utilizados para os
países são distorcidos e obedecem à representação cartográfica azimutal, com centro
no Polo Norte. O Sol e a Lua têm 51 quilômetros de diâmetro cada um neste modelo
(ALLEGRO, 2017).
Membros da Flat Earth Society foram recrutados para falar contra o governo
dos EUA e todas as suas organizações, principalmente a NASA. Em seus primórdios,
a maior parte do material da sociedade centrava-se na leitura da Bíblia para sugerir
que a Terra é plana, apesar das tentativas frustradas de apresentar explicações e
provas científicas (PAOLILLO, 2018).
No entanto, especulações sobre uma Terra plana ressurgiram nos últimos
anos, principalmente nas redes sociais. A crença religiosa parece ter um impacto
significativo, de acordo com uma pesquisa do YouGov. No entanto, existem diversos
fatores que podem levar um indivíduo a se tornar um terraplanista fervoroso (BRAZIL,
2020).
Juntamente com a noção de uma Terra plana, alguns acreditam que o planeta
não gira, que o espaço sideral não existe e que o pouso na Lua foi uma farsa. De
acordo com Robbie Davidson, organizador da exposição Flat Earth em Dallas, a força
da gravidade também é amplamente questionada (MARINELI, 2020).
O que parece ser uma exibição ridícula esconde um problema maior. Muitos
Terraplanistas compartilham o orgulho de não acreditar no que é mostrado no
"mainstream". Eles se consideram mentes críticas e pensantes que se opõem à
ciência. Eles simplesmente não confiam no que dizem profissionais e cientistas
renomados, principalmente quando é a posição política dominante, acreditando fugir
de um “controle mental das massas” (ALLEGRO, 2017).
É vital lembrar que o pensamento crítico não implica rejeitar totalmente
qualquer coisa que seja amplamente aceita. Muitas vezes não está claro como os
cientistas operam e o que a ciência pode (e não pode) realizar. Como as conclusões
científicas não podem ser compreendidas, isso pode levar a um forte ceticismo em
relação a elas. As pessoas começam a rotular a ciência como uma "máquina
18

mentirosa" mesmo quando seus próprios ideais não correspondem às verdades


científicas (GUYVER, 2020).
Para explicar por que grandes organizações como governos, mídia, escolas,
cientistas e companhias aéreas acreditam que o planeta é uma esfera, os modernos
Terraplanistas às vezes adotam algum tipo de teoria da conspiração. Eles costumam
trabalhar em reinventar seus comentários. Eles também podem ser menos propensos
a interpretações bíblicas inerrantistas, e alguns críticos da Terra plana, como o
astrônomo Danny R. Faulkner, faz parte do grupo de criacionistas da Terra Jovem1,
tentando compreender a terminologia da Terra plana analisando a Bíblia (ALLEGRO,
2017).
De acordo com os palestrantes da Convenção da Terra Plana do Reino Unido
de 2018, as opiniões dos crentes sobre uma Terra que é plana diferem muito.
Enquanto a maioria das pessoas acredita que a Terra tem a forma de um disco, outras
acreditam que ela tem a forma de um diamante. Embora a maioria dos cristãos não
acredite no espaço sideral e nenhum pense que os humanos viajaram para lá, suas
ideias sobre o mundo variam tremendamente (NASCIMENTO, 2020).
O eclipse solar de 21 de agosto de 2017 gerou uma série de vídeos no YouTube
tentando demonstrar como as características do eclipse indicam que a Terra é plana.
Em 2017, uma estudante de doutorado no oriente médio teve um esboço sua
dissertação supostamente vazada, na qual alegava que a Terra é plana, estacionária,
jovem (apenas 13.500 anos) e o centro do cosmos, o que acabou por criar algum
murmúrio de revolta na rede social Facebook, naquela região, durante um breve
período (GUYVER, 2020).
Em 3 de maio de 2018, Steven Novella, neurologista e apresentador do podcast
The Skeptics' Guide to the Universe examinou a crença atual em uma Terra plana e
constatou que ao contrário da noção popular, os crentes realmente pensam que a
Terra é plana e não estão afirmando isso para insultar os descrentes (MARTINS;
GONSALVES; ESTÊVÃO, 2022).
Finalmente, esta é uma estrutural e básica falha dos Terraplanistas, bem como
a atual rejeição populista de especialistas em geral. É uma visão de mundo
chocantemente ingênua, que ignora (em parte por ignorância, em parte por

1
A Teoria da Terra Jovem é uma concepção criacionista, adotada por alguns religiosos cristãos (em destaque
testemunhas de Jeová e adventistas) onde afirmam que o Universo, a Terra e a vida decorrem de ações diretas
de Deus, a cerca de 6.000 a 10.000 anos atrás, sem um estabelecido consenso dos grupos (ENGLER, 2007).
19

pensamento motivado) as complexidades do mundo real de nossa civilização. No final,


é preguiçoso, infantil e indulgente, resultando em um profundo grau de ignorância que
abafa o pensamento focado (ALLEGRO, 2017).
Michael Marshall, um ativista cético britânico, visitou a Convenção anual da
Terra Plana no Reino Unido de 27 a 29 de abril de 2018 e viu desacordo sobre vários
pontos de vista defendidos pelos crentes da Terra plana. O exame "Vício em Terra
Plana", baseado em uma lista de verificação usada para detectar se alguém está em
uma seita, foi uma das experiências mais reveladoras para Marshall na conferência,
sem que os congressistas reconhecessem o potencial de que eles também
estivessem em uma seita (GUYVER, 2020).
Organizações que são céticas em relação a visões marginais podem, às vezes,
realizar experimentos para mostrar a curvatura local da Terra. Um deles, realizado em
10 de junho de 2018 no Salton Sea por membros do Independent Investigations
Group, também contou com a presença de defensores da Terra Plana, e o encontro
foi capturado pelo National Geographic Explorer, estes identificaram que a curvatura
da Terra, fazendo com que os objetos de embarcações e terrestres desapareçam com
o tempo (NASCIMENTO, 2020).
20

4 O DESENVOLVIMENTO DA CONCEPÇÃO DE MUNDO POR MEIO DE PIERRE


DUHEM

Para entender o que a história da ciência deve ao filósofo e cientista francês


Pierre Duhem, é fundamental destacar o papel crítico que ele desempenhou ao
reconsiderar a visão de mundo herdada de épocas anteriores e construir uma nova
mais adequada à ciência atual. Este estudo é baseado em importantes obras de
Duhem como “A teoria física” e “Estudos sobre Leonardo da Vinci” (VELANES, 2018).
As teses de Duhem merecem atenção especial. Uma delas é sua afirmação de
que o cristianismo não impediu, mas sim ajudou, o avanço da ciência ao eliminar as
suposições cosmológicas do paganismo grego que eram incompatíveis com a ciência
moderna.
Em segundo lugar, Duhem afirma que os escolásticos da Sorbonne, como Jean
Buridan (1300-1358), e Nicolau de Oresme (1320-1382), foram os primeiros a apoiar
intuições para preparar o caminho para a revolução científica. O cientista francês
claramente subestima a contribuição dos filósofos não franceses para o crescente
conjunto de axiomas culturais (OLIVEIRA; GUARSONI, 2021).
A nova ontologia da cognição de Duhem está intimamente relacionada com as
ideias da nova epistemologia. Ele apoiou a suposição holística de que hipóteses
científicas discretas não poderiam ser confirmadas ou refutadas, vendo o crescimento
da ciência como um processo contínuo e gradual. A validade de cada afirmação está
inextricavelmente ligada à verdade de todo o sistema de hipóteses (VELANES, 2018).
Como resultado, a ciência avança alterando hipóteses anteriores em vez de
descartá-las: velhas noções eventualmente dão lugar a novas. Essa premissa
oportuna de que o progresso científico deve ser percebido e compreendido em seu
próprio contexto sociocultural descreve o conceito sobre o qual a solução para a
questão não menos oportuna da filosofia cultural, ou seja, porque a ciência moderna
surgiu na Europa e não em outro lugar, deve ser baseada (SARDI, 2021).
Duhem foi um defensor da chamada "continuidade" na história da ciência,
afirmando que o conhecimento se desenvolve gradual e progressivamente, em vez de
choques abruptos. O cientista francês considera o avanço científico como uma
"expansão gradual”, na qual não há espaço para revoluções, mas sim desaceleração
e aceleração sem "golpes" (SILVA, 2019).
21

A tese da continuidade da evolução científica é decorrente das teorias


epistemológicas de Duhem, que respaldaram a tese do holismo, segundo a qual é
impossível testar (e, portanto, negar) uma afirmação distinta de uma teoria científica.
A validade de cada afirmação particular está ligada à verdade de um conjunto
completo de teorias dentro da qual esta afirmação está contida, uma vez que os
experimentos contradizem todo o complexo teórico do qual esta afirmação faz parte.
Em outras palavras, se a teoria não for comprovada empiricamente, pode-se inferir
que ela é falha. No entanto, é difícil dizer qual componente da teoria deve ser revisado
apenas com base na experiência.
Assim, se os cientistas obtiverem resultados negativos do experimento, é mais
provável que eles prefiram as opções mais simples para resolver o problema, ou seja,
aquelas que requerem mudanças mínimas no campo da informação de fundo e, além
disso, não darão todo o corpo de seu conhecimento, apesar da aparência de refutação
empírica (MARCOS, 2019).
Somente após uma longa e gradual alteração parcial é que velhas noções
podem deixar de existir. Como consequência, os sucessos da revolução galileana
devem ser vistos como o resultado de um longo processo de preparação, e não como
uma inspiração criativa espontânea (SILVA, 2019).

4.1 BREVE APRESENTAÇÃO DE PIERRE DUHEM E SUA OBRA

Pierre Duhem (1861-1916) foi um físico, historiador e filósofo da ciência


francês. Como físico, ele defendeu a "energética", afirmando que a termodinâmica
entendida era básica para a teoria física, implicando que tudo em química e física,
incluindo mecânica, eletricidade e magnetismo, deveria ser deduzido dos primeiros
princípios termodinâmicos (AMUNÁTEGUI, 2018).
Ele é bem conhecido na filosofia da ciência por seu trabalho sobre a ligação
entre teoria e experimento, no qual ele argumenta que as hipóteses não são
imediatamente rejeitadas pelo experimento e que não há experimentos cruciais na
ciência. Ele fez uma grande quantidade de trabalhos inovadores no campo da ciência
medieval e defendeu uma tese de continuidade entre a ciência medieval e a
contemporânea na história da ciência.
22

Duhem era notadamente reconhecido entre a sociedade científica a qual


pertenceu, tal qual por sua família (constantemente reafirmado pela filha, Hélène
Duhem), como um cristão assíduo e contemplativo. Afirmou também que a fé para ele
não o interferia de executar sua profissão como físico, mas o impulsionava, uma vez
que o rigor científico jamais tangeria os mistérios da metafísica e a filosofia
espiritualista, por serem campos e conceitos contrastantes.
As primeiras visões metodológicas de Duhem refletiam o positivismo do final
do século XIX: a teoria física nada mais era do que um auxiliar de memória, resumindo
e classificando fatos ao fornecer uma representação simbólica deles; os fatos da teoria
física diferem do senso comum e da metafísica, particularmente das teorias
mecânicas populares na época (SILVA, 2019).
Duhem, um físico treinado, estabeleceu-se como um polímata escrevendo em
uma variedade de campos, incluindo as ciências precisas da termodinâmica,
eletromagnetismo e hidrodinâmica, bem como as ciências humanas da filosofia e
história da ciência.
Uma de suas realizações mais significativas, que muito influenciou a discussão
sobre a Revolução Científica, foi a formulação desse ponto de vista continuísta.
Duhem é essencialmente pioneiro na área de pesquisa da ciência medieval em seu
Les Origenes de la statique, publicado entre 1903 e 1904. O objetivo do autor neste
livro é investigar a historicidade da Estática - um ramo da Física que analisa o
equilíbrio de forças e sistemas - e, como resultado, ele originalmente concentrou seus
esforços na construção de uma ponte entre Arquimedes e Leonardo da Vinci
(AMUNÁTEGUI, 2018).
Nada de novo, Duhem, um produto de sua época, ecoou os sentimentos de
seus contemporâneos e assumiu que não obteria nenhuma referência substancial
sobre a estática durante toda a era medieval. No entanto, a visão do autor é
completamente alterada quando, em abril de 1904, encontra obras de Jordanus de
Nemore, produzidas no século XIII, que tratavam da Estática - ou, mais precisamente,
do que hoje chamamos de Estática. Vale a pena notar que a revelação dos livros fez
com que Duhem repensasse totalmente sua estratégia (SARDI, 2021).
A abordagem de Duhem foi prontamente criticada por um engenheiro católico
francês, Eugène Vicaire (1839-1901), que disse que separar a física da metafísica
sugeria que a ciência era o único conhecimento verdadeiro (outro conceito positivista)
e, portanto, cedeu demais ao ceticismo. Para os católicos da virada do século, Vicaire
23

levantou um argumento essencial sobre porque a Igreja era formalmente devotada ao


neotomismo2, com sua apologética amplamente racionalista (AMUNÁTEGUI, 2018).
Em sua resposta, Duhem assumiu uma postura essencialmente tomista: a
metafísica é um tipo de conhecimento genuíno, superior à física, mas distinto dela por
ter objetos diferentes e ser guiado por outros procedimentos. Essa resposta
instantânea se encaixava bastante bem no quadro do neotomismo, embora não
chegasse a unir vários tipos de conhecimento em um sistema hierárquico de ciências,
que incluía a cosmologia e a metafísica.
A posição madura de Duhem era um pouco diferente, com três ideias-chave
elaboradas por conceitos de diversas ocasiões: (1) a subdeterminação da teoria pelo
fato, conhecida como a Tese de Duhem, (2) a rejeição da metafísica e dos modelos
na física e (3) a classificação natural como o ponto final da teoria física, mas distinto
dela porque tem objetos diferentes e é governado por métodos diferentes
(AMUNÁTEGUI, 2018).
Seu interesse na pesquisa em história da ciência foi despertado por sua
investigação sobre os primórdios da estática, que o levou a diversas inspirações
medievais, enfatizando Roger Bacon (1220-1292), Buridan e Oresme, para o
desenvolvimento de sua obra. Como resultado, ele passou a ver tais antigos autores
como os iniciadores da ciência moderna, tendo antecipado muitas das propostas de
Galileu Galilei e de outros filósofos (SILVA, 2019).
Duhem afirmou que a mecânica e a física das quais os tempos contemporâneos
se orgulham com razão se originam de crenças defendidas nas escolas medievais por
uma sucessão contínua de avanços quase imperceptíveis (OLIVEIRA, 2021).
Duhem fez muitas contribuições significativas para termodinâmica e físico-
química. As equações de Duhem-Margules e Gibbs-Duhem, por exemplo, lidam com
processos termodinâmicos reversíveis como processos limitantes quase-estáticos e
fornecem uma ampla verificação da regra de fase de Gibbs (MARCOS, 2019).
Esses estudos vieram de um programa termodinâmico estendido conhecido
como "energética". Duhem escreveu e publicou vinte e dois livros em quarenta e cinco
volumes, bem como 400 ensaios e resenhas de livros em revistas científicas e
filosóficas (VELANES, 2018).

2
Neotomismo: para o contexto, tratado como movimento filosófico e teológico par revitalizar a escolástica
medieval, movimento este criado por Tomás de Aquino a fim de apresentar uma recuperação criativa à
metafísica e à epistemologia.
24

4.2 O SISTEMA DE MUNDO PARA PIERRE DUHEM

A cosmologia parece ser uma ciência impossível; é um único objeto que


engloba todos os outros sistemas físicos e que não se pode manipular ou observar
em sua totalidade: o Universo. Como resultado, sua cientificidade e método criam
questões filosóficas tanto para cosmólogos quanto para epistemólogos (BARBOSA;
LEITE, 2019).
Em resumo, a cosmologia é uma das disciplinas mais ambiciosas, pois seu
objetivo é o sistema físico que incorpora todos os outros sistemas: o próprio Universo.
No entanto, também pode ser visto como um dos muitos ramos da astrofísica que
lidam com as maiores escalas de tempo e espaço (SILVA, 2020).
Assim, os epistemólogos podem considerá-la de duas maneiras: como um
ramo da astrofísica, ela coloca problemas filosóficos comuns a todas as ciências
físicas, senão a todas as ciências em geral; e como ciência do Universo, coloca
problemas específicos relacionados à natureza de seu objeto, que é um sistema físico
impossível de manipular em laboratório, englobando seus observadores, e do qual
apenas uma cópia está disponível (LEITE, 2018).
Segundo Duhem (1989, p. 44):

Para adquirir uma compreensão do mundo exterior tão completa quanto o


permitam nossos meios de conhecer, precisamos escalar sucessivamente
dois degraus da ciência: precisamos, em primeiro lugar, estudar os
fenômenos e estabelecer as leis segundo as quais eles se dão; em segundo
lugar, induzir desses fenômenos as propriedades das substâncias que os
causam. A segunda dessas ciências é aquela que recebeu o nome de
metafísica. A primeira divide-se em diversos ramos, segundo a natureza dos
fenômenos estudados. O ramo da ciência que estuda os fenômenos, cuja
fonte é a matéria inanimada, tem nos dias de hoje o nome de física. Quando,
naquilo que se seguir, falarmos da metafísica, estaremos sempre falando da
parte da metafísica que trata da matéria não viva e que, por conseguinte,
corresponde à física pela natureza das coisas que estuda. Esta parte da
metafísica é frequentemente chamada de cosmologia. Podemos resumir o
que acabamos de dizer nas duas seguintes definições: A física é o estudo
dos fenômenos, cuja fonte é a matéria bruta, e das leis que os regem. A
cosmologia procura conhecer a natureza da matéria bruta, considerada como
causa dos fenômenos e como razão de ser das leis físicas (DUHEM, 1989
p.44).

Em geral, Duhem e seus amigos, como Paul Mansion, matemático e professor


(1844-1919), e Jean Bulliot, padre francês, discutiam física e cosmologia. De acordo
com Duhem, a cosmologia era um ramo da filosofia (metafísica), e as conclusões da
25

física não podiam influenciar as ideias cosmológicas estabelecidas, tampouco


invalidar tais teorias. As afirmações de uma teoria nunca podem ser articuladas em
termos de outra doutrina, e não pode haver concordância nem contradição entre duas
afirmações que não sejam redutíveis aos mesmos conceitos (HULSHOF, 2021).
Duhem era amplamente conhecido por seu trabalho sobre a história da ciência,
que culminou nos dez volumes Le système du monde: histoire des doctrines
cosmologuiques de Platon a Copernique ("O sistema do mundo: uma história das
doutrinas cosmológicas de Platão a Copérnico ") (SILVA, 2020).
Duhem afirmava a independência da ciência e da religião. De acordo com
Duhem, as descobertas científicas não podem apoiar e invalidar as crenças religiosas
sobre Deus. Duhem argumentou que quando os cientistas discutem a refutação ou
apoio da religião com base em suas descobertas científicas, eles simplesmente vão
além das limitações permitidas pela ciência e inadvertidamente entram no domínio da
metafísica (SILVA, 2021).
Duhem tinha visões positivistas e era hostil à metafísica. Como resultado, ele
descartou a possibilidade de entender Deus pela teologia natural. Ao se apressar para
conectar a morte térmica do Universo com a existência de Deus, os pais da
termodinâmica confiaram apenas na posição da teologia natural (o estudo da criação
permite uma melhor compreensão do criador) (GIOSTRA, 2021).
Duhem argumentou que usar a termodinâmica para prever ocorrências no
passado distante ou no futuro era ridículo. Ele sustentou que era inteiramente possível
desenvolver uma teoria termodinâmica que fosse totalmente consistente com os
dados experimentais disponíveis, ao mesmo tempo em que previa um aumento na
entropia do universo nos próximos cem milhões de anos e, em seguida, uma
diminuição na entropia ao longo do tempo (BARBOSA; LEITE, 2019).
Como resultado, havia mais do que apenas argumentos "Pró" e "Contra" no
debate sobre a morte térmica do Universo. As opiniões de vários intelectuais podem
ser descritas como "absurdas". A esse respeito, pode-se compreender a visão e a
posição de Pierre Duhem. Ele desperta o interesse porque, antes de mais nada, é um
conhecido termodinamicista que contribuiu significativamente para a evolução da
termodinâmica na ciência que se conhece nos dias de hoje. Em segundo lugar, ele se
revelou um católico decente que não tinha medo de falar sobre suas crenças
(GIOSTRA, 2021).
26

Ao contrário de muitos historiadores anteriores, como Voltaire (1694-1778),


escritor e filósofo iluminista francês e Condorcet (1743-1794), filósofo e matemático
francês, ele tentou demonstrar como a Igreja Católica Romana ajudou a ciência
ocidental durante um de seus períodos mais férteis (LEITE, 2018).
27

5 CRÍTICAS AO TERRAPLANISMO

Como dito anteriormente, antigos filósofos gregos como Aristóteles (384-322


a.C.), que obtiveram evidências empíricas após viajar ao Egito e ver novas
constelações de estrelas, praticamente estabeleceram a ideia de que a Terra é uma
esfera. No século III a.C., Erastóstenes se tornou uma das primeiras pessoas a
calcular a circunferência da Terra. A partir do século IX d.C., os acadêmicos islâmicos
aumentaram a acuidade das medidas, enquanto os navegadores europeus
circundavam a Terra no século XVI (MARTINS, 2020).
Os crentes da Terra Plana de hoje, no entanto, dificilmente são os primeiros a
desafiar o que parecia indiscutível. O conceito de uma Terra plana reapareceu pela
primeira vez em 1800 em resposta ao avanço científico, particularmente entre aqueles
que buscam reverter ao literalismo bíblico.
Samuel Rowbotham (1816-1884), um escritor britânico, foi talvez o proponente
mais proeminente. Ele postulou que a Terra é um disco plano e imóvel centrado no
Polo Norte, com a Antártida substituída por uma parede de gelo na borda do disco
(BONDEZAN; KAWAMURA, 2022).
Figura 1 – O mapa da Terra Plana de Rowbotham.

Fonte: Earth Not a Globe, 3rd ed., 1881


Muitas pessoas viram a International Flat Earth Research Society, fundada em
1956 por Samuel Shenton, escritor que viveu em Dover, Reino Unido, apenas como
um símbolo da excentricidade britânica - divertida e sem importância. No entanto, com
28

a Internet, agora um veículo bem estabelecido para visualizações fora do comum, a


ideia começou a borbulhar novamente no início dos anos 2000, principalmente nos
Estados Unidos. Fóruns online geraram discussões, a Flat Earth Society foi relançada
em outubro de 2009 e a conferência anual Flat Earth recomeçou (MARINELI, 2020).
Existem diferenças, como em todos os movimentos marginais, e existem vários
modelos alternativos de terra plana para escolher. De acordo com certas simulações,
o equador da Terra é circundado por uma parede de gelo presa nos mares. Outros
argumentam que nosso planeta plano e sua atmosfera estão envoltos em um enorme
globo de neve hemisférico, sem que nada caia das bordas (BERTOTTI, 2020).
A maioria dos Terraplanistas acredita que o Sol viaja em círculos ao redor do
Polo Norte, servindo como um holofote. De acordo com o "modelo americano" mais
atual, o Sol e a Lua têm 50 km de diâmetro e circundam a Terra em forma de disco a
uma altura de 5.500 km, com as estrelas acima disso em uma cúpula giratória. Muitos
Terraplanistas também negam a gravidade, com o "modelo do Reino Unido"
implicando que o próprio disco está acelerando a 9,8 m/s² para criar a sensação de
gravidade.
Seria simples descartar os Terraplanistas como sendo mal informados devido
à falta de informação. Embora existam indicadores de que as pessoas receptivas a
essas ideias têm níveis baixos de conhecimento científico, Landrum, da Texas Tech,
afirma que os Terraplanistas nem sempre são pessoas que não acreditam na ciência.
Não é realmente uma questão de educação, mas trata-se essencialmente de
desconfiar da autoridade e das instituições. Isso parece ser baseado tanto em uma
mentalidade de conspiração quanto em uma convicção fortemente mantida que
parece ser religiosidade, mas não está necessariamente relacionada particularmente
a uma religião (PIVARO, 2019).
Essa mentalidade de conspiração está ligada à negação científica e à
propensão a confiar em falsas alegações nas mídias sociais. Ela sente que as pessoas
com mentalidade de conspiração perderam a capacidade de decidir quando confiar e
quando ser cauteloso. Sua desconfiança de autoridade se estende não apenas aos
cientistas, mas também a organizações científicas como a NASA, que eles acreditam
fazer parte de uma conspiração global para manter oculto o fato da Terra plana. Eles
percebem o mundo através de um prisma bastante sombrio, assumindo que todas as
autoridades, organizações e empresas estão lá simplesmente para explorá-lo
(ALBUQUERQUE; QUINAN, 2019).
29

Todos os Terraplanistas que conheceu acreditavam em uma variedade de


teorias conspiratórias, incluindo que os governos controlam o clima e que chemtrails3
de aeronaves contêm agentes químicos ou biológicos. Na realidade, muitos
Terraplanistas estão mais interessados no conceito de uma conspiração do que em
produzir um modelo plausível de Terra plana (BEZERRA, 2020).
Frequentemente o homem não percebe o quanto suas ideias são moldadas por
sua dependência da autoridade. Estes subestimam a função legítima da autoridade
enquanto tenta mostrar algo como a Terra é redonda, pois é uma crença da qual se
tem ampla certeza. A maioria dos indivíduos, portanto, se contenta em acreditar que
a Terra é um globo, mesmo que não consigam se lembrar da prova científica
(MARTINS, 2020).
O trabalho de McIntyre sobre a negação da ciência o atraiu para a conferência
da Terra plana de 2018 em Denver, onde os participantes passaram um tempo
debatendo a “prova” e as complexidades mais sutis de sua hipótese, bem como a
suposta conspiração que os Terraplanistas acham que está protegendo seus pontos
de vista. Afinal, suas opiniões são muitas vezes baseadas em equívocos científicos e
mal-entendidos. Alguns Terraplanistas compreendem física suficiente para utilizar a
terminologia, mas não o suficiente para serem convencidos pela verdade
(BONDEZAN; KAWAMURA, 2022).
Mesmo sem provas visíveis de imagens de satélite, muita das razões
avançadas pelos defensores da Terra plana podem ser facilmente refutadas usando
trigonometria ou princípios físicos simples. O pêndulo de Foucault, em homenagem
ao cientista francês Léon Foucault, que suspendeu um enorme peso de latão de cerca
de 30 quilos em uma corrente de aproximadamente 60 metros no Panteão de Paris
em 1851, é um excelente lugar para começar (MARINELI, 2020).
Durante o dia, um pêndulo desse tipo, que pode oscilar em qualquer plano,
muda de direção, oferecendo a confirmação direta da rotação da Terra. No entanto,
como alguns apontam, isso não impediu alguns Terraplanistas de afirmar que todos
os pêndulos de Foucault são falsos e que os museus utilizam bobinas magnéticas
para mudar o plano de rotação do pêndulo para fazer a Terra parecer girar.
(BONDEZAN; KAWAMURA, 2022).

3
A teoria da conspiração das Chemtrails (traduzido literalmente, do inglês, chemical trail: “trilha química”)
alega que os rastros de fumaça deixado por aviões são compostos químicos e biológicos que visam causar
danos fisiológicos e psicológicos.
30

A força de Coriolis, que opera perpendicularmente à direção do movimento de


uma massa em rotação, é outro fato que mostra que a Terra é um globo giratório.
Essa força faz com que os ciclones girem no sentido horário no hemisfério sul e no
sentido anti-horário no hemisfério norte; também influencia as correntes oceânicas por
meio da direção dos ventos. Atiradores militares de longo alcance ainda devem levar
em conta as aberrações do efeito Coriolis. Alguns Terraplanistas citam que pedir aos
alunos de física que expliquem as evidências de uma rotação esférica da Terra é um
fantástico exercício de pensamento crítico (MARINELI, 2020).
No entanto, o pensamento crítico completo geralmente está ausente entre os
Terraplanistas. Considere as imagens de skylines distantes que costumam ser usadas
como "evidência" de que a Terra é plana. McIntyre costumava ver uma fotografia de
Chicago tirada do Lago Michigan, na qual os arranha-céus da cidade são claramente
visíveis, embora sejam vistos a uma distância de 100 quilômetros em suas reuniões
com os crentes da Terra plana. Dentro da hipótese, dada a curvatura da Terra, você
não deveria conseguir ver o horizonte da cidade a esta distância (BERTOTTI, 2020).
Os edifícios são visíveis porque o ar logo acima da superfície do mar é mais
frio do que o ar acima. Por causa da diferença inversa de temperatura, os raios de luz
são refratados em direção ao ar mais frio e denso, fazendo com que a imagem do
horizonte refletido pareça praticamente pairar acima do horizonte. Essa ideia é
prontamente confirmada ao disparar um tiro ainda mais longe, quando a "miragem
superior" desapareceria.
É improvável que essa lógica convença os Terraplanistas. Eles parecem ter um
padrão de evidência muito baixo para o que querem acreditar, mas um limiar de
evidência extremamente alto para o que não querem acreditar. Uma câmera Nikon
P900 com zoom óptico de 83 é um de seus principais instrumentos experimentais, nos
quais os Terraplanistas têm uma confiança quase religiosa. Capazes de captar
detalhes que o olho humano não consegue ver, eles querem usá-lo para mostrar que
as coisas não desaparecem além do horizonte quando vistas em alta resolução
(BERTOTTI, 2020).
McIntyre expressou sua insatisfação com os Terraplanistas em um ensaio
publicado em 2019 no American Journal of Physics (MCINTYRE, 2019), no qual
desafiou os cientistas a fornecerem soluções simples e óbvias para refutar
"evidências" de uma Terra plana que as pessoas pudessem entender. Bruce
Sherwood, um físico aposentado, mordeu a isca depois de perceber que
31

simplesmente explicar os fatos científicos não vai persuadir ninguém. Em vez disso,
sabendo o quão importante são as observações a olho nu para os Terraplanistas, ele
e seu colega Derek Roff decidiram desenvolver uma simulação de computador 3D
navegável de uma Terra plana para determinar o quão bem ela poderia reproduzir o
que se vê (PIVARO, 2019).
Ele permite que qualquer pessoa atravesse virtualmente um globo plano e é
baseado na versão americana do paradigma da Terra plana. Durante a utilização da
simulação, Sherwood constatou que havia uma série de fatores que mostravam
inconsistências significativas. O tamanho e o brilho do Sol são dois dos problemas
mais sérios. Isso muda em mais de um fator de dois no modelo da Terra plana do
amanhecer ao meio-dia, o que claramente não percebemos (GRACIA, 2019).
Como visto, Pierre Duhem desempenha um papel crítico na reavaliação da
ciência medieval por meio de sua pesquisa histórica sobre a ideia de movimento
produzida nas primeiras décadas do século XX. Ele seria até responsável pela
primeira crítica abrangente à ideia da Revolução Científica do século XVII.
Trabalhos europeus sobre cosmografia, geografia, astronomia e filosofia
natural do final do século XV e início do século XVI atestam uma revolução
cosmográfica silenciosa que implicou uma mudança na compreensão predominante
da forma geral do mundo e distribuição de terra e água. com outra esfera sublunar
(VELANES, 2018).
A percepção desfavorável da Idade Média persiste na cultura popular atual, que
retrata os medievais como fanáticos subjugados ao controle tirânico da Igreja em uma
era de magia e superstição. As pesquisas de Pierre Duhem, Edwin Burtt e Edward
Grant ajudaram a lançar uma nova luz sobre esse período histórico. Ainda há muito a
ser escrito sobre a Idade Média e sua conexão com a razão e a ciência (SILVA, 2019).
Dessa forma, Duhem deve ser entendido dentro de uma perspectiva histórica
mais ampla. O final do século XIX e as primeiras décadas do século XX assistiram a
uma reavaliação da era medieval conhecida como a "Revolta dos Medievalistas". Este
movimento deve ser visto como uma resposta contra a concepção do Renascimento
de Burckhardt e outros historiadores de meados do século XIX. A idealização desse
pensador da época renascentista acabou por fomentar uma imagem negativa da
Idade Média. A “Revolta dos Medievalistas” seria assim o termo dado ao movimento
criado pelos historiadores da Idade Média que se opunham a esta imagem,
32

evidenciando individualismo e pluralidade de ideias ainda pouco explorados na época


(BURKE, 1997).
Autores escolásticos dos séculos XIII e XIV estabeleceram a teoria que acabou
sendo abandonada na tentativa de conciliar a cosmologia aristotélica com a realidade
visível. Era feita uma clara separação entre a esfera da terra e a esfera maior da água,
que anteriormente circundava inteiramente a primeira.
A presença da terra seca só era possível porque a localização da esfera
terrestre em relação à esfera da água era excêntrica, permitindo que um lado da esfera
terrestre emergisse enquanto o lado oposto estava sempre escondido pela água.
Durante as décadas por volta de 1500, à medida que a descoberta de porções
cada vez mais distantes do mundo avançava, novos insights sobre a quantidade e
distribuição de terra seca levaram os pesquisadores a abandonar o conceito de duas
esferas em favor de uma esfera combinada de terra que regue o globo, que antes era
uma visão minoritária durante a maior parte dos anos 1400 e alimentou a busca de
Colombo para chegar à Índia navegando para o oeste (AMUNÁTEGUI, 2018).
Esse processo de mudança conceitual no advento da "Era dos
Descobrimentos" foi explorado com certa profundidade por autores como Pierre
Duhem, cujos escritos são cruciais para a compreensão das perspectivas
cosmográficas expressas nos textos medievais e renascentistas (SILVA, 2019).
Segundo Duhem (1989), três quartos da superfície terrestre permaneciam
desconhecidos no século XIV, todos os oceanos que qualquer homem conseguiu
atravessar e todas as terras habitáveis que foram encontradas estão confinados na
vizinhança em que o homem vivia. Alguns tentaram cruzar o mar para chegar a outros
distritos; no entanto, eles nunca foram capazes de alcançar qualquer terra habitável;
como resultado.
Como afirmado anteriormente, o ponto de vista de Duhem afirma que a física
refuta concretamente o terraplanismo, valendo-se da experiência. Duhem (1989, p.
106) afirma:

Aquele que não vê nas experiências da física mais que constatações de fatos
não compreende o papel representado, nessas experiências, pelas
correções, não compreende tampouco o que se entende quando se fala das
causas do erro que uma experiência comporta.

Ao elaborar seu argumento continuacionista, Duhem se insere nesse quadro,


sendo responsável por uma verdadeira revolução historiográfica na história da ciência.
33

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo elucidar concomitantemente o


desenvolvimento da pseudociência denominada Terraplanismo e uma pequena
parcela da vida e obra de Pierre Duhem, tal qual como seu pensamento continuísta
serviria de base para contrapor a ideia de uma Terra Plana, levando em conta todo o
conhecimento mais do que bastante para contrapor quaisquer ideias ingênuas e
tendenciosas no tocante à realidades físicas já tão bem definidas e aprofundadas,
como o formato do planeta Terra e seu comportamento como astro.
Em síntese, Duhem ao elaborar a ordem cronológica de suas discussões nos
tomos de Le Système du Monde, nem se ateve ao fato de considerar, por momento
que fosse, a existência de uma Terra Plana, uma vez que a ideia de Terra como um
globo era bem aceita desde os primórdios da astronomia grega, importando outras
questões como se o planeta girava ou se os elementos ao seu entorno que giravam
em função dele, o que eram as estrelas, quais eram as camadas que sobrepunham o
céu e do que eram feitas, sempre considerando a esfericidade da Terra. Dentro das
considerações de Duhem, ir contra um conhecimento que foi estabelecido por
diversos meios, sob diversas metodologias que obedeceram o rigor científico, seria
discutir ciência valendo-se do senso comum, o que se enquadraria no campo do
absurdo humano.
A ideia na prática de uma revisão integrativa no desenvolvimento desta
monografia prezou por agregar valores que possam ser úteis para a área da história
da ciência em si, tal como poder eventualmente fornecer aos professores em sala, um
material de pesquisa já trabalhado para possível realização de discussões em sala a
respeito do tema da Terra Plana, tal qual outras discussões pertinentes para com o
ramo da astronomia.
34

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