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A IMPORTÂNCIA DA CIÊNCIA ANTÁRTICA PARA A GEOPOLÍTICA E DEFESA

DO BRASIL

RIZZI, Kamilla Raquel1


SCHUTZ, Nathaly Xavier2
PESSOA, Gabriel3
TEIXEIRA, Bruno Andrade4

RESUMO

O Brasil aderiu ao Tratado Antártico em 1975 e passou a implementar pesquisas


antárticas a partir da institucionalização de seu Programa Antártico (PROANTAR), em 1982,
passando a direcionar as ações do país conforme as diretrizes do Tratado da Antártida, o qual
requisita uma participação ativamente científica no continente. Logo, historicamente, é possível
perceber uma interlocução das pesquisas civis antárticas com o avanço da política de defesa
brasileira. A conjuntura da região torna esse diálogo necessário para aprofundar a proeminência
brasileira em defesa no seu entorno estratégico. Nestes termos, o problema de pesquisa visa
analisar qual a conexão entre a ciência antártica brasileira e a geopolítica e política de defesa
do Brasil. Desde 1958, o Brasil tem paulatinamente inserido a temática antártica em sua agenda
de Defesa, identificando que as rotas até a Antártica são importantes para o comércio
internacional do país, tornando-se pauta de segurança nacional. Logo, a hipótese versa sobre o
entendimento de que a introdução da Antártida no entorno estratégico brasileiro, em 2012,
impactou diretamente na relação entre a ciência antártica brasileira, a geopolítica e a política de
defesa. Metodologicamente, segue-se o método hipotético-dedutivo, apresentando uma
abordagem qualitativa e descritivo-explicativa. Os procedimentos metodológicos adotados são
a pesquisa bibliográfica e a análise documental. Por fim, é possível identificar os vetores
científico e ambiental como principais pontos de difusão da posição atual brasileira para a
Antártica, sendo este o principal vetor de caráter civil. Ademais, percebe-se a preocupação
estratégica brasileira em relação ao Atlântico Sul, porém sem estarem inteiramente interligadas
com os vetores civis, da ciência e cooperação.
Palavras-chave: Antártica, ciência, Atlântico Sul.

ABSTRACT
Brazil adhered to the Antarctic Treaty in 1975 and began to implement Antarctic
research from the institutionalization of its Antarctic Program (PROANTAR) in 1982, starting
to direct the country's actions according to the guidelines of the Antarctic Treaty, which requires
an active participation science on the continent. Therefore, historically, it is possible to perceive
a dialogue between Antarctic civil research and the advancement of Brazilian defense policy.
1
UNIPAMPA e PPGRI/UFSM – BRASIL. E-mail: kamillarizzi@unipampa.edu.br
2
UNIPAMPA – BRASIL. E-mail: nathalyschutz@unipampa.edu.br
3
PPGRI/UFSM. E-mail: gabriel.coelho@acad.ufsm.br
4
PPGRI/UFSC. E-mail: bruno.a.teixeira96@gmail.com
1
The conjuncture of the region makes this dialogue necessary to deepen the Brazilian
prominence in defense in its strategic surroundings. In these terms, the research problem aims
to analyze the connection between Brazilian Antarctic science and Brazil's geopolitics and
defense policy. Since 1958, Brazil has gradually included the Antarctic theme in its Defense
agenda, identifying that the routes to Antarctica are important for the country's international
trade, becoming a national security agenda. Therefore, the hypothesis is about the
understanding that the introduction of Antarctica in the Brazilian strategic environment, in
2012, had a direct impact on the relationship between Brazilian Antarctic science, geopolitics
and defense policy. Methodologically, the hypothetical-deductive method is followed,
presenting a qualitative and descriptive-explanatory approach. The methodological procedures
adopted are bibliographic research and document analysis. Finally, it is possible to identify the
scientific and environmental vectors as the main points of diffusion of the current Brazilian
position for Antarctica, which is the main vector of a civil nature. Furthermore, one can see the
Brazilian strategic concern in relation to the South Atlantic, but without being fully
interconnected with the civil, science and cooperation vectors.
Keywords: Antarctica, science, South Atlantic.

1 Introdução

A Antártica é o mais frio e inóspito continente do planeta. Seu território, quase


totalmente coberto por espessas camadas de gelo, abriga o polo sul magnético e geográfico,
assim como boa parte da água doce do mundo (IPEA, 2018). É o único continente que não
possui soberania definida e, desde 1959, é regido por um tratado internacional, o Tratado da
Antártica, o qual entrou em vigor em 1961, composto por 14 artigos que versam sobre o uso
civil do continente, com destaque para: o uso da Antártica para fins pacíficos; a liberdade de
pesquisa científica no continente; a facilidade de cooperação internacional em torno da região;
e a paralização das reivindicações territoriais (CONFERENCE ON ANTARCTICA, 1959)5.
Dessa forma, atualmente, o território antártico abriga apenas bases científicas de diversos
países, destinadas a pesquisas de caráter civil. Ademais, o tratado previa sua revisão após 30
anos - prazo alcançado em 1991 - porém, “nenhum país jamais solicitou revisão de nenhuma
sorte” (IPEA, 2018, p. 15) e o Tratado segue sendo o documento que rege o concerto sobre a
região. Desde então, “o Tratado da Antártica se transformou em um complexo conjunto de
normas e instrumentos que buscam lidar com diferentes temas relacionados ao continente,

5
12 países foram signatários: África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Estados Unidos da América,
França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido e Rússia. Atualmente, são 53 países (29 são considerados
membros consultivos, por serem signatários originais ou por conduzirem pesquisas científicas substanciais naquele
continente; e 24 são considerados membros não consultivos).

2
originando o que hoje é conhecido como o Sistema do Tratado da Antártica (STA)” (IPEA,
2018, p. 15). Assim, o STA atualizou-se conforme a demanda do contexto internacional.6

Não obstante, como observado, nenhum país membro originário renunciou suas
respectivas reivindicações territoriais sobre a Antártica com o advento do Tratado e do STA,
havendo apenas um “congelamento das reivindicações territoriais” (MATTOS, 2014, p. 175).
O Protocolo de Madri (um dos instrumentos do STA), criado no ano de revisão do Tratado
(1991), baniu qualquer atividade de exploração econômica mineral no continente por 50 anos,
na prática, congelando qualquer revisão do Tratado até 2048 (BRASIL, 1998)7. Apesar de se
manter como um território para fins pacíficos é necessário manter atenção ao cumprimento do
STA e olhar o território como de interesse para o Estado brasileiro, evitando, assim, ingerências
indevidas nele ou em seu entorno.

O Brasil incluiu a Antártica como área de interesse no seu conceito de entorno


estratégico a partir da Política Nacional de Defesa (PDN) de 20128: “[...] buscando aprofundar
seus laços de cooperação, o País visualiza um entorno estratégico que extrapola a região sul-
americana e inclui o Atlântico Sul e os países lindeiros da África, assim como a Antártica”
(PND, 2012, p. 21). O país, “atualmente, encontra-se plenamente integrado ao STA” (IPEA,
2018. p. 22) e mantém um programa de pesquisa (o Programa Antártico Brasileiro,
PROANTAR) no continente, realizado de maneira interministerial e mantendo uma estação de
pesquisa de ocupação permanente em território antártico, a Estação Antártica Comandante
Ferraz (EACF). Entretanto, nem sempre foi assim. Em 1958, quando o assunto Antártica estava
em alta nas discussões internacionais, os geógrafos Carlos Delgado de Carvalho e Therezinha
de Castro publicaram o artigo intitulado “A Questão da Antártica” (1958) onde defendiam o
direito brasileiro a parte do território do continente por meio da Teoria da Defrontação
(SIMÕES, 2014). É importante salientar o contexto da época, de Guerra Fria e bipolaridade, e
de interesses territorialistas aflorados em torno do continente, que foi sendo substituído
paulatinamente por um entendimento pacífico a respeito do uso do território. Ainda assim, as
possibilidades de revisão do Tratado - assim como o “congelamento” das reivindicações

7
O Protocolo de Madri, de 1991, é denominado como “Protocolo ao Tratado da Antártica sobre proteção ao meio
ambiente” (que passou a vigorar a partir de 14 de janeiro de 1998), visa à proteção integral do continente durante
50 anos, pelo menos. Também denominou a Antártica como “Reserva Natural Internacional dedicada à Ciência e
à Paz”.
8
A Política Nacional de Defesa foi criada no ano de 2008. Porém, a Antártica somente foi inserida como região
de interesse brasileiro na atualização da PND de 2012.
3
territoriais, sem nenhum país renunciar aos seus objetivos de ocupação e exploração – seguem
presentes nas intenções estratégicas brasileiras (e dos diversos países) na região.

A partir destas considerações, o problema de pesquisa aqui analisado visa verificar a


conexão entre a ciência antártica brasileira e a geopolítica e política de defesa do Brasil. Logo,
a hipótese versa sobre o entendimento de que a introdução da Antártida no Entorno Estratégico
brasileiro, em 2012, impactou diretamente na relação entre a ciência antártica brasileira, a
geopolítica e a política de defesa. Metodologicamente, segue-se o método hipotético-dedutivo,
apresentando uma abordagem qualitativa e descritivo-explicativa. Os procedimentos
metodológicos adotados são a pesquisa bibliográfica e a análise documental.

A partir do exposto, a introdução da Antártida no Entorno Estratégico brasileiro, em


2012, impactou na relação entre a ciência antártica brasileira, a geopolítica e a política de
defesa, sendo possível observar uma dificuldade em atrelar os interesses de defesa aplicadas ao
Entorno Estratégico Brasileiro (e, consequentemente, à Antártica) aos interesses científicos,
ambientais e de cooperação em temas de defesa na região antártica. A posição do Brasil
(exposta na constituição de 1988) em relação a sua política externa é regida pelos princípios de
cooperação e paz, entre padrões de conduta (CERVO, 2008). Dessa forma, a adição do
continente antártico no Entorno Estratégico brasileiro carece de maior coesão e proposição na
composição de interesses de defesa com as temáticas científicos/civis. Esse fato enfraquece a
posição brasileira sobre o território antártico, torna imprevisível a formação de uma estratégia
em torno do continente, assim como compromete investimento em pesquisas e acentua conflitos
em torno da relação civil/militar por meio de interesses sobrepostos.

A falta de detalhamento e especificidades nos documentos oficiais de estratégia e defesa


nacionais em relação a Antártica também causam uma sensação de “estranheza” sobre o papel
brasileiro no território e diminuem o diálogo em torno dos interesses nacionais naquele espaço.
Esse artigo busca formar uma ponte entre os interesses estratégicos/militares e os
científicos/civis, assim como reforçar a posição da Antártica como parte de interesse do entorno
estratégico brasileiro (mantendo a coerência com a posição da política externa brasileira de
adesão ao STA), por meio da evidência da importância das pesquisas antárticas na defesa de
uma região estratégica bem mais bem consolidada na academia e nas Forças Armadas: O
Atlântico Sul. A interconexão do território antártico com o Atlântico Sul se torna evidente uma

4
vez que as áreas de interesse brasileiro na Antártica são banhadas pelo oceano, criando uma
conexão do Atlântico Sul como vetor estratégico do continente antártico.

Portanto, com esse objetivo, o artigo se divide em três partes, além da introdução e da
conclusão. Na primeira parte serão detalhados os aspectos geopolíticos da Antártica e sua
importância como área estratégica para o Brasil, assim como a mudança de foco no tratamento
brasileiro em relação ao continente, evidenciando a posição atual do Brasil no Sistema do
Tratado Antártico (STA). A segunda parte detalha o Atlântico Sul como parte do entorno
estratégico brasileiro em termos geoeconômicos, geopolíticos e geoestratégicos, sendo uma
área de fundamental interesse em defesa e cooperação de defesa em torno do território nacional.
Na terceira parte, serão evidenciadas as intercessões presentes entre estas duas regiões do
entorno estratégico brasileiro, tendo como ponto focal a importância da ciência antártica
brasileira na defesa do Atlântico Sul. Por fim, serão sintetizados os argumentos da pesquisa e
indicados caminhos futuros de discussão para o desenvolvimento da relação civil-militar em
torno do território antártico.

Metodologicamente, segue-se o método hipotético-dedutivo, apresentando uma


abordagem qualitativa e descritivo-explicativa. Os procedimentos metodológicos adotados são
a pesquisa bibliográfica e a análise documental.

2 A Antártica e o Brasil: geopolítica e interesses brasileiros

A Antártica foi inserida no conceito de Entorno Estratégico Brasileiro por meio da


Política Nacional de Defesa, documento aprovado no congresso brasileiro em 2013 (MATTOS,
2014). No documento, o Brasil aponta que “A América do Sul é o ambiente regional no qual o
Brasil se insere. Buscando aprofundar seus laços de cooperação, o País visualiza um entorno
estratégico que extrapola a região sul-americana e inclui o Atlântico Sul e os países lindeiros
da África, assim como a Antártica” (PND, 2012, subitem 4.1). A inserção da Antártica, apesar
de pouco comentada especificamente no documento, segue os objetivos brasileiros em questões
de defesa, especificadas nos objetivos II e VI: “II: defender os interesses nacionais e as pessoas,
os bens e os recursos brasileiros no exterior; VI: intensificar a projeção do Brasil no concerto
das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais (PND, 2012, item 6).
Dessa forma é observada uma interação entre os níveis estratégico e de cooperação e pesquisa

5
naquele continente. Buscando contextualizar a posição brasileira na questão antártica, essa
seção se divide em duas subpartes: na primeira, busca-se contextualizar as principais
preocupações e interesses brasileiros em questões geopolíticas na Antártica. Já na segunda parte
será evidenciado a posição científica e de cooperação do Brasil atualmente como principal vetor
da política brasileira em direção ao continente.

O continente antártico é o único continente cuja soberania não é definida. Desde 1961,
é regido por um tratado internacional, onde apenas 29 países têm direito a voto. É cerca de 60%
maior que o território brasileiro, onde a maior parte de seu território é coberta por uma imensa
camada de gelo, que pode alcançar a espessura de 2km. O território tem, em média, 2500 a 3000
metros de altitude, sendo as partes mais baixas as estreitas plataformas de gelo, presentes
principalmente na baía antártica (CASTRO, 1958 apud IBGE, 2009). Por baixo da camada de
gelo, o território antártico é, hoje em dia, reconhecidamente rico em minerais (MATTOS,
2014), somando “a existência de mais de 170 tipos de minerais e de grandes lençóis de gás
natural” (Brasil, 2006; SECIRM, 2018 apud IPEA, 2018, p. 9). Abriga o polo sul geográfico e
magnético e tem temperatura média de -30º no verão e -60º no inverno. Além disso, abriga
cerca de 70% da água doce do planeta em forma de gelo, mesmo sendo o continente mais seco,
em precipitação média (IPEA, 2018). É banhado por três oceanos e comporta duas rotas muito
importantes para o comércio internacional: a Rota do Cabo, conectando o Atlântico Sul ao
Índico; e o Estreito de Drake, conectando o Atlântico Sul ao Pacífico Sul.

Desde o início do século XX, continuando mesmo após o Tratado (onde as


reivindicações foram apenas paralisadas), a Antártica tem seus territórios reivindicados por
vários países, sendo algumas dessas reivindicações áreas territoriais sobrepostas. Várias
argumentações baseiam o direito a território antártico pelos diversos países, cada um recorrendo
a teorias que melhor atendem aos seus interesses. As principais teorias utilizadas nessas
reivindicações são a teoria da descoberta, dos setores, dos quadrantes, da continuidade e
contiguidade, da defrontação e da ocupação efetiva (SIMÕES, 2014). Na Figura 1, é possível
observar o panorama de reivindicações de territórios antárticos.

Figura 1 – Panorama das reivindicações territoriais na Antártica

6
Fonte: IPEA (2018, p. 10).

Segundo Castro, “costuma-se dividir o “continente branco”, para melhor clareza, em


três setores: o africano, o australiano e o americano” (CASTRO, 1958 apud IBGE, 2009). Os
setores de interesse do Brasil na Antártica são o americano (principalmente) e o africano. Dessa
forma esses dois setores são os que serão detalhados nessa seção. O americano corresponde aos
territórios mais próximos a um outro continente, nesse caso, a América do Sul. Inclui uma série
de ilhas e ilhotas, a península antártica, a baía antártica e o estreito de Drake, que liga o Atlântico
Sul ao Pacífico Sul. É a área de temperaturas mais amenas, onde se encontram a maior parte
das estações de pesquisa atuais. É também – como pode ser observado na Figura 1 – a área de
maior interesse para a América do Sul e, consequentemente, para o Brasil. A estação de
pesquisas científicas brasileira Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), se encontra na
península antártica, mais precisamente na ilha Rei George (IPEA, 2018), no conjunto de ilhas
Shetlands do Sul. Na Figura 2 é possível observar a localização da EACF na península
Antártica.

Figura 2 – Localização da EACF na península antártica.

7
Fonte: Elaboração própria com base nas informações de Google Maps (GOOGLE, 2022).

A península antártica e a região do Atlântico Sul a noroeste da península, corresponde


a área de maior entrave geopolítico da antártica americana, sobretudo por ser uma área
estratégica (onde se encontra o estreito de Drake, importante rota comercial). Esse entrave é
provocado principalmente pela sobreposição de reivindicações territoriais entre Chile,
Argentina e Reino Unido (Figura 1) e pela questão do arquipélago das Malvinas (Falkland
Islands), pertencentes ao Reino Unido. Além desse arquipélago, o Reino Unido também
reclama os territórios das ilhas Geórgia do Sul e Sandwich do Sul. Essas pretensões territoriais
dos ingleses levaram a Guerra das Malvinas (em 1982, entre Argentina e Reino Unido; vencida
pelos ingleses) e estabeleceram ingerência da potência desenvolvida na península antártica, no
Atlântico Sul e no estreito de Drake: “ o Reino Unido segue sendo uma potência do Atlântico
Sul, dominando arquipélagos estratégicos” (VISENTINI; PEREIRA, 2014, p. 86).
Evidenciando a teoria da continuidade (utilizada pelos argentinos e chilenos para reivindicar
território antártico e das ilhas próximas) com a hipótese de prolongamento da cordilheira dos
Andes, Castro (1958) desenha o panorama da região presente na Figura 3.

Figura 3 – Hipótese de prolongamento dos Andes e ilhas inglesas no Atlântico Sul.

8
Fonte: Adaptado de CASTRO, 1958 apud IBGE, 2009, p. 236.

A antártica africana, por sua vez, corresponde a área continental antártica ao sul da
África do Sul, a cerca de 6000 km do Cabo da Boa Esperança. É onde se encontra a rota do
Cabo, região de ligação entre o Atlântico Sul e o oceano Índico. A rota é uma importante área
de circulação comercial e atividade de cooperação em defesa entre Brasil, África do Sul e Índia
(VISENTINI; PEREIRA, 2014). Como exposto, a Antártica americana e africana estão
presentes no mapa do entorno estratégico brasileiro. Nesse sentido, o Brasil se preocupa com a
ingerência de potências estrangeiras na região da antártica americana, sobretudo pela região
fazer parte dos interesses científicos brasileiros na Antártica e pela área estar em um ponto
estratégico incorporado pelo entorno estratégico brasileiro9. Importante salientar, contudo, que
a preocupação científica/ambiental na região antártica é o principal posicionamento do Brasil
atualmente tendo em vista sua adesão ao Sistema do Tratado da Antártica (STA) e a mudança
de postura do Brasil desde suas primeiras pretensões de caráter territorial em relação ao

9
A preocupação brasileira quanto à Antártica seguiu seu posicionamento em relação ao continente baseado na
adesão ao STA. Dessa forma, a preocupação brasileira se traduz em cuidados com a liberdade científica, meio
ambiente e não ocupação do território, assim como uso do território para atividades de caráter civil
(CONFERENCE ON ANTARCTICA, 1959). Nesse último ponto – em principal – se traduz a preocupação
estratégica brasileira quanto a ingerência de potências estrangeiras, de maneira a satisfazer a mudança de
posicionamento brasileiro em relação ao continente.
9
continente até sua completa adesão ao STA e o estabelecimento do PROANTAR no continente.
Portanto, “para o Brasil, o interesse na Antártica deve ser, especialmente, de caráter científico
e no sentido de manter aquele continente preservado” (IPEA, 2018, p. 50)

O Brasil, ao longo dos anos, foi intensificando seu foco para cooperação e,
principalmente, ciência antártica. O país ficou de fora do Tratado da Antártica (celebrado em
1958; colocado em prática em 1961) mas buscou calcar sua posição de cooperação e pesquisa
já no início da década de 1980. Importante notar que a posição inicial territorialista brasileira
para o continente reflete a conjuntura mundial (Guerra Fria) e a doméstica (regime militar),
aspectos que foram relativamente amenizados já nas décadas seguintes ao tratado. Portanto:

Em dezembro de 1982, teve início a primeira expedição científica brasileira à


Antártica, com os navios “Barão de Teffé”, da Marinha do Brasil e “Professor
Bernard”, da Universidade de São Paulo. Naquele mesmo ano foi aprovado o
Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), que é coordenado, até hoje,
pela Marinha do Brasil por meio da Secretaria da Comissão Interministerial
para Recursos do Mar (SECIRM), em coordenação com os Ministérios de
Ciência e Tecnologia, das Relações Exteriores e o do Meio Ambiente, entre
outros, que também participam da Comissão (MATTOS, 2014, p. 176).

No ano seguinte, o Brasil foi aceito como membro consultivo do Tratado da Antártica,
passando a ter direito a voto e já em 1984, ficou pronta a Estação Antártica Comandante Ferraz
(EACF) (MATTOS, 2014). Acompanhando o avanço da política externa brasileira em torno da
cooperação em segurança, a posição brasileira prosseguiu no sentido de manter o continente
antártico desmilitarizado e implementar um programa científico pujante, com reconhecimento
externo (VISENTINI; PEREIRA, 2014). Dessa forma, a adição da Antártica ao entorno
estratégico brasileiro, em 2012, mantém este posicionamento, salientando o necessário diálogo
entre os programas científicos civis no continente e as Forças Armadas, especialmente a
Marinha do Brasil.

Buscando atingir essa preponderância na pesquisa científica antártica, o plano de ação


da ciência antártica brasileira mais recente, indica as linhas de pesquisa a serem realizadas na
EACF e necessidades para o futuro. O documento, redigido pelo Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, intitulado “Ciência Antártica para o Brasil – Plano de Ação 2013-2022”
(2013) resume a estratégia da ciência brasileira no continente (a ser cumprida no âmbito do
PROANTAR) e evidencia a importância de pesquisa antártica para o país, principalmente em
termos de meteorologia e preservação ambiental. Não obstante, o documento indica ainda ser

10
um definidor de “clareza do que se busca na pesquisa Antártica, do ponto de vista estratégico e
da sustentabilidade” (BRASIL, 2013, p. 1). Segue um resumo dos cinco programas e seus
respectivos objetivos gerais:

Programa 1: O papel da criosfera no sistema terrestre e as interações com a


América do Sul. Objetivo Geral: Investigar o papel da criosfera antártica no
clima do Hemisfério Sul, com ênfase no continente sul-americano, no presente,
no passado próximo e suas tendências para o futuro, assim como a evolução da
química atmosférica. [...] Programa 2: Biocomplexidade dos ecossistemas
antárticos, suas conexões com a América do Sul e as mudanças climáticas.
Objetivo Geral: Investigar a origem e evolução da biodiversidade Antártica,
sua distribuição e as relações entre os organismos e o ambiente, por meio de
pesquisa interdisciplinar de longa duração nos ambientes terrestre e marinho,
contribuindo tanto para a compreensão das conexões biológicas entre a
Antártica e a América do Sul, como para as consequências perante as
mudanças climáticas regionais e globais, além da influência antrópica recente.
[...] Programa 3: Mudanças climáticas e o Oceano Austral. Objetivo Geral:
Investigar processos físicos e biogeoquímicos associados às mudanças na
circulação do Oceano Austral e sua interação com a cobertura de gelo marinho
que possam ter impacto no clima continental e no oceano adjacente do Brasil.
[...] Programa 4: Geodinâmica e história geológica da Antártica e suas
relações com a América do Sul. Objetivo Geral: Integrar estudos
geocientíficos para entender os mecanismos que levaram a configuração atual
da Antártica desde a formação e posterior fragmentação do supercontinente
Gondwana, seu isolamento atual, bem como as consequências ambientais para
a América do Sul, resultantes das mudanças paleogeográficas, tectônicas e
climáticas ocorridas ao longo do tempo geológico, em grande parte refletidas
por suas faunas e floras fósseis. [...] Programa 5: Dinâmica da alta atmosfera
na Antártica, interações com o geoespaço e conexões com a América do Sul.
Objetivo Geral: Investigar a dinâmica e a química da alta atmosfera e o
impacto da depleção do ozônio estratosférico no clima antártico, considerando
os efeitos da interação Sol-Terra e os impactos de fenômenos astrofísicos de
alta energia. Definir o grau de importância desses processos nas alterações
climáticas de longo período na Antártica e suas conexões com a América do
Sul. (BRASIL, 2013, p. 7 e seg, grifo nosso)

Dessa forma, é possível identificar os vetores científico e ambiental como principais


pontos de difusão da posição atual brasileira para a Antártica. O documento ainda indica
necessidades futuras de pesquisa, assim como tendências de desenvolvimento do PROANTAR
que necessitam ser exploradas e desenvolvidas: pesquisas nas áreas de Ciências Sociais
(Arqueologia, Sociologia da Ciência, Geografia Política e Relações Internacionais) e de
Biologia Humana e Medicina Polar (vetores de doenças transmissíveis, microbiota antártica
patogênica, psicologia de grupos sob condições extremas); conexões com pesquisas no Ártico,
formação e absorção de especialistas antárticos e divulgação científica e inserção social por
meio da educação (BRASIL, 2013). A atuação do PROANTAR no continente, em termos de
distribuição geográfica, pode ser observada na Figura 4.

11
Figura 4 – Área de atuação do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR)

Fonte: BRASIL (2013, p. 28)

Outros dois pontos em relação a ciência antártica brasileira interessantes de serem


mencionados são a cooperação com o Chile (satisfazendo necessidades logísticas da missão
brasileira) e a reconstrução da EACF, finalizada em 2021, após o incêndio ocorrido em 2012,
que afetou cerca de 70% das instalações (IPEA, 2018), assim como a resposta brasileira
imediata na ocasião. A cooperação com o Chile acontece com relação à apoio logístico: a FAB
utiliza a pista de pouso da estação antártica chilena Presidente Eduardo Frei Montalva devido
a EACF não possuir uma (IPEA, 2018). Do mesmo modo, o Brasil utiliza a cidade de chilena
de Punta Arenas como ponto de apoio para as aeronaves e navios brasileiros, movimentando a
economia da cidade e contribuindo com o desenvolvimento do extremo setentrional do Chile
(IPEA, 2018). Em relação ao incêndio, a “ação destacou-se pelo curto tempo de resposta e foi
um grande exemplo de cooperação e de coordenação entre a Marinha, a FAB, os pesquisadores,
a diplomacia brasileira e os órgãos nacionais relativos ao meio ambiente” com especial menção
a “parceria com o MMA [Ministério do Meio Ambiente] e as eventuais inspeções internacionais
(comuns entre os países membros do STA) corroborando o fato de que todos os procedimentos
necessários para a garantia dos princípios ambientais que regulam a Antártica foram adotados”
(IPEA, 2018, p. 25). Os protocolos ambientais foram totalmente respeitados nas operações de
retirada dos escombros das instalações afetadas, assim como a resposta rápida – com a

12
instalação dos módulos antárticos emergenciais – permitiu a continuidade das pesquisas. A
reconstrução, apesar de ter atrasado quatro anos (a data inicial de previsão de entrega seria
2016), ficou pronta em 2021, maior e mais moderna.

Refletindo sobre o exposto, é possível observar que o posicionamento brasileiro é, já a


algum tempo, respaldado na ciência e cooperação na Antártica. É evidente que o principal vetor
de participação brasileira no território antártico é de caráter civil. Entretanto, como observado
ao longo do artigo, ainda ocorre preocupação estratégica brasileira em relação ao continente e
áreas de oceano adjacentes. Ainda assim, essas preocupações não foram inteiramente
entrelaçadas por meio dos vetores civis, da ciência e cooperação. Nesse sentido, ainda há
deficiências a serem preenchidas em torno da interação civil-militar no continente, mesmo a
região já estando presente no conceito de entorno estratégico brasileiro. Portanto, a partir das
próximas duas seções, serão encaminhadas questões relativas à importância da Antártica em
torno da defesa, estratégia e cooperação em defesa numa área geográfica fundamental e mais
bem consolidada (em termos de desenvolvimento estratégico) do entorno estratégico brasileiro:
o Atlântico Sul. Dessa forma, se objetiva alcançar maiores níveis de diálogo entre a esfera
estratégica e os vetores brasileiros de ciência e cooperação antártica.

3 O Atlântico Sul No Entorno Estratégico Brasileiro

O Atlântico Sul faz parte do entorno estratégico brasileiro e vem paulatinamente


“retomando sua importância como um espaço estratégico [...] [por meio da] utilização do
Oceano em ambas as margens permitindo sua exploração e utilização, bem como a conservação
e gestão dos recursos naturais do leito do mar e de seu subsolo” (VISENTINI; PEREIRA, 2014,
p. 85). A área geográfica delimitada do Atlântico Sul, assim como todo o entorno estratégico
brasileiro podem ser vistos na Figura 5. A importância do oceano para o Brasil se demonstra
enredada em três principais aspectos quase que igualmente: o geopolítico, o geoestratégico e o
geoeconômico. Na prática, esses aspectos se relacionam principalmente com o debate sobre as
fronteiras marítimas delimitadas, a exploração dos recursos naturais, o controle dos
ecossistemas marítimos e controle e defesa sobre passagens interoceânicas (estreito de Drake,
rota do Cabo e área de oceano entre saliência nordestina e o continente africano – rota Natal-
Dakar), visto que o tráfego marítimo nessas regiões aumentou devido a incapacidade das duas
principais rotas interoceânicas (Canais de Suez e Panamá) em atender à crescente demanda,
aumentando a pressão por controle, vigilância e segurança (VISENTINI; PEREIRA, 2014).

13
Figura 5 – O Entorno Estratégico Brasileiro

Fonte: Lima et al, 2017, p. 52.

A importância geoeconômica do Atlântico Sul para o Brasil gira em torno


principalmente da exploração da pesca, de recursos estratégicos e do comércio exterior, feito
em sua maior parte via mar (VISENTINI; PEREIRA, 2014). Em relação à exploração da pesca
destaca-se a necessidade de controle e vigilância da plataforma continental brasileira com
intuito de combater a pesca predatória e a usurpação de recursos nacionais, contribuindo
também com a preservação dos ecossistemas naturais (VISENTINI; PEREIRA, 2014). Nos
recursos estratégicos destaca-se a exploração das novas reservas de pré-sal brasileiro, visto que
“88 % da produção de petróleo e 90% das reservas do país se situam em bacias sedimentares
marinhas” (LIMA et al, 2017, p. 64), assim como a cooperação em exploração com outros
países que detém reservas de petróleo em suas plataformas continentais banhadas pelo Atlântico
Sul, como a Argentina (VISENTINI; PEREIRA, 2014). O comércio exterior também tem
importante implicação geoeconômica para o Brasil no Atlântico Sul visto que a
exportação/importação de “90% dos luxos comerciais do país são realizados pelo mar, com
destaque para o aumento no tráfego das rotas oceânicas que ligam o país aos mercados asiáticos,
especialmente à China” (LIMA et al, 2017, p. 64).

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A geopolítica e geoestratégia brasileira no Atlântico Sul estão diretamente
interconectadas, sendo dirigidas de maneira conjunta, principalmente por vetores de segurança
e defesa derivados das preocupações em torno de ingerência externa e militarização do oceano,
assim como o controle sob áreas estratégicas, em especial aquelas com elevada abundância de
recursos naturais e intenso tráfego marítimo comercial. Dessa maneira, o Brasil busca endereçar
suas preocupações estratégicas no oceano por meio, principalmente, de cooperação em
segurança e defesa, através de iniciativas como a Zona de Cooperação do Atlântico Sul
(ZOPACAS), o Fórum de Diálogo IBAS (Brasil, África do Sul e Índia), e a série de exercícios
navais entre Índia, Brasil e África do Sul, com o nome de IBSAMAR (VISENTINI; PEREIRA,
2014). A ZOPACAS é uma iniciativa de organização de defesa sul-atlântica que clama “os
países da região a unirem-se em torno da manutenção da paz através da desmilitarização da
área, da não introdução de armas de destruição em massa e da não nuclearização” (VISENTINI;
PEREIRA, 2014, p. 92), cobrindo “quatro temas problemáticos para a região – cuidado com o
meio ambiente, desenvolvimento socioeconômico, paz e segurança e a emancipação sul-
africana e de todos os países no entorno” (VISENTINI; PEREIRA, 2014, p. 92). A ZOPACAS
foi aprovada em Assembleia Geral da ONU, em 1986, estabelecendo o Atlântico Sul como área
de paz, fornecendo meios de cooperação sul-sul em defesa, com finalidade de substituir um
alinhamento com o Norte para proteção do Atlântico Sul e garantia dos interesses dos países
participantes.

O Fórum do IBAS, por sua vez, nasceu da necessidade da cooperação em torno da defesa
da costa sul-africana (dada a insuficiência da marinha sul-africana), banhada por dois oceanos
(Atlântico Sul e Índico) e de intenso tráfego comercial através da rota do Cabo - importante
rota de ligação do comércio do Atlântico Sul com a Ásia, por meio do oceano Índico. Durante
a década de 2010, a cooperação no âmbito do IBAS foi ganhando robustez e transbordando na
ideia de cooperação positiva sul-sul, abarcando também

conhecimento mútuo em áreas específicas, a saber: Administração Pública e


Governança; Administração Tributária e Aduaneira; Agricultura;
Assentamentos Humanos; Ciência e Tecnologia; Comércio e Investimentos;
Cultura; Defesa; Desenvolvimento Social; Educação; Energia; Meio Ambiente
e Mudança Climática; Saúde; Sociedade da Informação; Transporte; Turismo,
entre outros (VISENTINI; PEREIRA, 2014, p. 93).

O IBSAMAR, por sua vez, é uma série de exercícios militares marítimos entre as
Marinhas do Brasil, Índia e África do Sul com o intuito de cooperação em coordenação militar.
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Mais uma vez, essa série de exercícios tem o principal intuito desenvolver cooperação em torno
da defesa da extensa costa bioceânica sul-africana, visto a importância da rota do Cabo da Boa
Esperança e a capacidade reduzida da Marinha da África do Sul em controle e patrulhamento,
inclusive em relação a atividades de piratas na região (VISENTINI; PEREIRA, 2014).

A cooperação em defesa no Atlântico Sul visa atender a insuficiência de boa parte dos
países da região em lidar com a sua estratégia em espaço marítimo. A cooperação sul-sul, nesse
sentido, cumpre bem as expectativas, atendendo os respectivos interesses nacionais e
legitimando a ideia de zona de paz e livre de interferência de potências estrangeiras.
Intensificando as relações de cooperação em defesa, o Brasil consegue lidar melhor com seu
extenso entorno estratégico e projetar sua influência sobre setores geográficos críticos para o
desenvolvimento de suas capacidades. Vejamos agora, o entrelaçamento das diretrizes
brasileiras em território antártico com a defesa e estratégia no Atlântico Sul, atendendo as
delimitações conceituais e geográficas até aqui expostas.

4 As Conexões Antártica-Atlântico Sul: Diálogo e Legitimação Da Posição Brasileira

Existem diversas conexões que relacionam a posição brasileira em relação a Antártica


e ao Atlântico Sul, principalmente em dois âmbitos, o científico e o estratégico. Na análise a
seguir, acredita-se que os dois estão intimamente interconectados. Não obstante, a análise do
âmbito estratégico não implica que há uma postura proeminente militar brasileira em relação a
Antártica, ou que deva haver no futuro. Pelo contrário, acredita-se que uma elucidação dos
aspectos estratégicos da região para o Atlântico Sul fortalece a posição brasileira no mantimento
de uma zona de paz nesses espaços geográficos, além de lidar com aspectos que necessitam de
diálogo e elucidação na criação de uma ponte entre a academia e espaços de estratégia militar.
Dessa forma, veremos como se organizam na prática esses dois âmbitos e suas relações de
acordo com a posição brasileira nas seções a seguir.

Dentre as linhas de pesquisa brasileiras na Antártica, vários objetivos e marcos se


relacionam com aspectos relativos à defesa do Atlântico Sul, principalmente em relação aos
interesses geoeconômicos e geoestratégicos brasileiros. Da mesma forma, os caminhos futuros
indicados a serem tomados pelo Brasil na Antártica também se relacionam com os interesses
nacionais nas respectivas áreas, assim como tem papel preponderante na posição almejada pelo

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país no STA e na cooperação em defesa no Atlântico Sul. O destaque vai para o “Programa 3:
Mudanças Climáticas e o Oceano Austral”’ que investigam “processos físicos e biogeoquímicos
associados às mudanças na circulação do Oceano Austral e sua interação com o gelo marinho
e as plataformas de gelo que possam ter impacto nos climas do Brasil e do Atlântico Sul”
(BRASIL, 2013, p. 2). Nesse sentido, três objetivos específicos do programa vão ao encontro
da estratégia brasileira para o Atlântico Sul:

Investigar o papel do Oceano Austral na estabilidade do manto de gelo


antártico e as consequências para o aumento do nível do mar; investigar a
variabilidade da cobertura do gelo marinho no Oceano Austral; modelar e
monitorar as alterações no ecossistema marinho devido ao aumento da
absorção do CO2 atmosférico no Oceano Austral e as consequências para os
processos climáticos globais (BRASIL, 2013, p. 14)

Descobertas nesse sentido, interferem na formulação de estratégia para proteção da


costa e de portos de alta circulação comercial. Da mesma maneira, interferem na formulação de
estratégia em torno da geoeconomia do Atlântico Sul por meio do estudo “interação e
retroalimentação no sistema oceano-atmosfera-criosfera e interações com o Atlântico Sul”
(BRASIL, 2013, p. 17). Esses estudos podem indicar ações estratégicas a serem tomadas para
proteger e defender recursos marinhos estratégicos no Atlântico Sul, assim como evidenciar
necessidade em proteger ecossistemas marinhos a fim de garantir interesses econômicos no
futuro, interferindo diretamente na estratégia de controle e patrulha de áreas marítimas. Da
mesma forma, permite identificar previamente potenciais catástrofes climáticas provindas de
interações marítimas sob a costa, facilitando potenciais respostas às emergências ambientais e
contribuindo com a situação de estabilidade de segurança. Em adição, investigar a cobertura do
manto de gelo permite maior operabilidade do programa antártico brasileiro pelo mar antártico
– programa esse conduzido (em sua dimensão logística) pela Marinha do Brasil.

No “Programa 5: Dinâmica da alta atmosfera na Antártica, interações com o geoespaço


e conexões com a América do Sul”, o objetivo “monitoramento e modelagem dos efeitos dos
fenômenos do geoespaço na atmosfera terrestre com o objetivo de previsão a curto e médio
prazo de perturbações atmosféricas que possam afetar as telecomunicações, medidas de
posicionamento com alta precisão (GNSS), e cortes nas redes de transmissão de energia
elétrica” (BRASIL, 2013, p. 24) dispõe da importância dos estudos antárticos nos sistemas de
georreferenciamento, essenciais para navegação e coordenação estratégica no mar, da mesma
forma buscam assegurar posição favorável ao fornecimento de energia para excursões
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marítimas. A importância da ciência antártica brasileira ainda aparece nos caminhos a serem
desenvolvidos no futuro, indicando “possibilidades de pesquisa nas disciplinas das Ciências
Sociais, tais como Arqueologia, Sociologia da Ciência, Geografia Política e Relações
Internacionais, que se tornaram de interesse a partir do Ano Polar Internacional (2007–2009)”
(BRASIL, 2013. p. 24), incluindo especialidades envolvidas no estudo da estratégia marítima
brasileira. No mesmo ponto, incluem-se a formação e absorção de especialistas antárticos nos
sistemas de educação nacional (BRASIL, 2013), aumentando o envolvimento de profissionais
estrategistas com a Antártica e a segurança e defesa no Atlântico Sul e buscando aumentar a
relação civil-militar na defesa do oceano. Por fim, ao indicar necessidade de relacionar ciência
antártica e ártica, indica-se que “as rápidas modificações ambientais no Ártico afetam também
a economia mundial, principalmente ao se considerar a abertura de novas rotas marinhas
(passagem do nordeste) e o acirramento pela exploração de recursos minerais da região”
(BRASIL, 2013, p. 25), novamente observando a importância geoeconômica dos estudos
antárticos para o Atlântico Sul e podendo modificar, de forma considerável, a estratégia de
defesa nessa região em torno da proteção e patrulhamento de ecossistemas e rotas marítimas.

Com relação a cooperação em defesa, os programas brasileiros de pesquisa antártica


podem ter sinergia com a estratégia presente no âmbito de cooperação em defesa no Atlântico
Sul desenvolvido pelo Brasil. Novamente, há aqui uma relação indireta – tendo em vista a
posição brasileira - mas que pode ser bem explorada pelos objetivos em defesa no Atlântico
Sul. Tendo em vista que a cooperação em defesa brasileira no Atlântico Sul, segue
(historicamente) o eixo de cooperação sul-sul, o destaque vai para cooperação em ciência
antártica com o Instituto Antártico Argentino (IAA) e o Instituto Antártico Chileno (INACh)
(BRASIL, 2013). No mesmo sentido, a cooperação em logística com o Chile na cidade chilena
de Punta Arenas pode ser um vértice em cooperação na coordenação de navegação e voo em
território do extremo sul oceânico. Ainda em cooperação em defesa no Atlântico Sul e suas
relações com a Antártica, o fórum IBAS (entre Brasil, África do Sul e Índia) transbordou para
incluir pesquisa oceânica e polar em ambiente antártico, com a criação do grupo de pesquisa
IBSA Ocean. O IBSA Ocean tem como objetivo pesquisar em quatro áreas de atuação:

Variabilidade e Mudanças Climáticas (planeja-se a construção de uma base de


dados conjunta e o IBSA Earth Sistem Model); Efeito das Mudanças
Climáticas nos Ecossistemas, Fluxo de Carbono e Biogeoquímica, incluindo
os ecossistemas do mar aberto e da costa litorânea; Efeitos das Mudanças
Globais nos recursos vivos, na biodiversidade e para o planejamento de gestão,

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incluindo desde a proliferação de algas nocivas à pesca; e, por fim, Sistemas
de Observação Oceânica Regionais (VISENTINI; PEREIRA, 2014, p. 93)

Mesmo não sendo um grupo de pesquisa com intuito diretamente militar, “o grupo é de
grande relevância para a compreensão do espaço de segurança que os três países estão
desenvolvendo” (VISENTINI; PEREIRA, 2014, p. 93).

Como observado, existem diversas implicações de desenvolvimento de pesquisa


antártica na geopolítica e geoestratégia no Atlântico Sul para o Brasil. Entretanto, em
consonância com a posição brasileira, não há nenhum estudo sendo desenvolvido como caráter
específico estratégico. De toda forma, como indicado na seção anterior, a ciência antártica e
seus futuros desenvolvimentos em novas áreas são de grande importância para a estratégia e
defesa brasileira no Atlântico Sul. Portanto, nessa seção serão indicados os pontos focais de
interesse estratégico que envolvem Antártica e Atlântico Sul e que podem ser beneficiadas
tangencialmente pela presença e ciência brasileira na Antártica, assim como indicar caminhos
para a defesa e estratégia direta brasileira no futuro, visto que a questão antártica ainda não está
definida.

As principais áreas geográficas de interesse estratégico no Atlântico Sul, que envolvem


a Antártica no conceito de entorno estratégico sem dúvida são o estreito de Drake e a rota do
Cabo e, dentro de território antártico, a península antártica e a baía antártica. A área a norte da
península possui ingerência direta externa do Reino Unido, visto que as ilhas do arquipélago
das Malvinas (Falklands), Geórgia do Sul e Sandwich do Sul pertencem aos ingleses. Da mesma
maneira, existe uma zona de comércio exclusivo inglês em volta das ilhas, ou seja, ingerência
direta de uma potência na região. O estreito de Drake absorve considerável tráfego marítimo de
todo o tipo por ser o encontro de dois oceanos e a presença inglesa na região acirra as
expectativas de uma predominância ultramarina de uma potência externa no Atlântico Sul e
muito próximo a território antártico desmilitarizado. Em adição, as questões geopolíticas mal
resolvidas – especialmente das Malvinas – na região entre Argentina e Reino Unido
complexificam ainda mais o cenário estratégico do extremo sul da América do Sul.

A região de terras antárticas americanas – compreendendo a península antártica e a baía


antártica – também é foco de disputas (momentaneamente congeladas) entre o reino Unido,
Argentina e Chile, que mantém suas posições territoriais sobre a Antártica, sobrepondo as
pretensões territoriais dos três países. Ademais, a porção de terra da península antártica é a mais
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próxima de um continente (além de apresentar as condições climáticas mais amenas à presença
humana), facilitando a logística de incursão ao continente via mar e, principalmente, via aérea.
A presença de vários pequenos arquipélagos também são fator importante em questões de
facilidade logística e de patrulha e controle. Nesse caso, a defesa e a cooperação em defesa
brasileira também são importantes no sentido de manter os programas de pesquisa ativos e bem
abastecidos, assim como manter a proeminência em logística antártica na região da Antártica
americana, região de maior facilidade logística e de incursão ao continente.

A outra área de grande interesse na relação Atlântico Sul-Antártica é a rota do Cabo,


faixa de oceano entre o sul da África do Sul e a Antártica africana. Novamente a rota é uma
região de importante tráfego entre dois oceanos por, principalmente, reter a demanda de
comércio Ásia-América não atendida pelo canal de Suez. Na região, a projeção estratégica
brasileira parece estar melhor desenvolvida, com a cooperação sul-sul no âmbito IBAS e
IBSAMAR, com a presença da Índia (com uma marinha de tamanho considerável) como
elemento estabilizador e de complementação do efetivo marítimo. A patrulha e segurança da
costa da antártica africana, nesse contexto, demonstra-se como relativa importância para
assegurar os fins pacíficos do continente polar e a continuidade da cooperação em ciência
antártica trilateral. Faz-se também importante salientar a presença da estação de pesquisa sul-
africana SANAE IV na região próxima a costa da Antártica africana.

Por fim, duas regiões de menor relevância – mas ainda sim importantes para a estratégia
brasileira para a Antártica-Atlântico Sul – merecem ser mencionadas. Primeiro, na conjuntura
de pesquisa da relação da Antártica com o Ártico, a região da passagem do nordeste – ao leste
da costa nordestina do estado do Rio Grande do Norte até Dakar, capital do Senegal. Por conta
da abertura de novas rotas marinhas ligando o comércio e a atividade marítima militar de norte
a sul e o acirramento da exploração por recursos, a região é de vital importância e é,
praticamente, de responsabilidade inteira brasileira – em controle e patrulha. Vale ressaltar que
a área é rodeada pelas zonas de comércio e exploração exclusiva brasileira, em torno da ilha de
Fernando de Noronha e do arquipélago de ilhotas de São Pedro e São Paulo, os dois territórios
brasileiros. Por fim, toda região central do Atlântico Sul (fora das zonas exclusivas e
plataformas continentais) é área de operação da IV Frota dos Estados Unidos, sendo o
componente naval do Comando Sul norte-americano (USSOUTHCOM). Nessas regiões,
também se concentram as fossas abissais sul-atlânticas, facilitando a incursão e operação de
submarinos em direção à costa antártica.
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Considerações finais

A presença e continuidade da ciência antártica brasileira tem reflexos nas questões


geopolíticas e geoestratégicas de maneira substancial, tanto na região de terra do continente
quanto no Atlântico Sul. Esse, por sua vez, é percebido como grande beneficiário das pesquisas
civis brasileiras no avanço de sua proeminência sobre o oceano, numa área de interesse
estratégico mais bem consolidada nas operações em defesa do país. A cooperação em defesa
também é observada na conjuntura de defesa da região, principalmente no sentido de
complementar a capacidade naval limitada brasileira. Na rota do Cabo, essa capacidade de
cooperação é mais bem explorada. Na região da antártica americana e estreito de Drake, local
de operação do PROANTAR e de considerável maior complexidade no âmbito
geopolítico/geoestratégico, a participação brasileira é menos evidente. Em relação à pesquisa
antártica em si, é possível traçar paralelos de benefícios militares no Atlântico Sul, com
pesquisas inteiramente civis, principalmente por meio do Programa de Pesquisa 5.

A pesquisa testou a hipótese inicialmente formulada sobre o entendimento de que a


introdução da Antártida no entorno estratégico brasileiro, em 2012, impactou diretamente na
relação entre a ciência antártica brasileira, a geopolítica e a política de defesa. Após os
procedimentos metodológicos aplicados, verificou-se que a hipótese foi parcialmente
corroborada, pois a Antártida sendo parte do Entorno Estratégico brasileiro, desde 2012,
impactou na relação entre a ciência antártica brasileira, a geopolítica e a política de defesa,
porém há ainda a manutenção de debilidades estruturais (restrições orçamentárias, maior
sinergia entre Forças Armadas e academia, planejamento de médio e longo prazo, entre outros)
a serem sanadas.

Nesse sentido é necessário salientar que a região é de importância para o


desenvolvimento da estratégia brasileira no Atlântico Sul, sendo satisfatoriamente suportada
pela pesquisa civil. É possível manter a posição de cooperação e paz (característica do Brasil)
no continente polar se alinhando as pesquisas civis a possibilidades estratégicas. As novas
abordagens de segurança internacional, vão além das questões militares, envolvendo aspectos
políticos e econômicos, tanto do ponto de vista teórico quanto prático. A análise do papel
brasileiro na Antártica, assim, pode ser compreendida a partir de um viés estratégico mais amplo
e, não necessariamente, militar. Questões importantes como o nível dos oceanos e o degelo
antártico, o impacto do continente no clima sul-americano e a preservação de ecossistemas

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importantes para a atividade econômica brasileira podem ser estudadas e abarcadas em nível
estratégico, mantendo o caráter de paz e cooperação em ciência para a região.

Por fim, vale evidenciar que ainda é necessária uma ampliação da conexão entre os dois
polos presentes na operação brasileira para a Antártica para o desenvolvimento de melhores
benefícios para o campo da geopolítica e geoestratégia. Os temas de pesquisa ainda são pouco
específicos e incluem apenas menção das ciências sociais e Relações Internacionais como
possível campo de estudo futuro no âmbito do PROANTAR. O desenvolvimento de um
programa de pesquisa único para tratar de assuntos relacionados a Ciências Sociais e Relações
Internacionais seria de grande avanço para o diálogo e tratativas de defesa relacionando as duas
regiões do entorno estratégico brasileiro. A formação e absorção de profissionais de ciências
sociais na região (incluindo ciência política, geopolítica e Relações Internacionais) também
contribui para maior relação da academia e setores ligados a defesa nacional. O objetivo desse
artigo foi criar uma ponte de conexões entre os temas presentes na região, tarefa que foi
cumprida dentro dos limites de operação brasileira atual no ambiente antártico. O
desenvolvimento futuro das questões geopolíticas na Antártica e Atlântico Sul deve especificar
melhor a atuação das ciências sociais na região, assim como permitir a contribuição dos
programas de ciência civil brasileira na estratégia nacional.

Referências

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___. Política Nacional de Defesa. Brasília, 2012.

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Estratégico para o Brasil: Política Externa e de Defesa. In: ARTURI, Carlos Schmidt.
Políticas de Defesa, Inteligência e Segurança. Porto Alegre: UFGRS/CEGOV, 2018.

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