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ANÁLISE DO FILME CARRUAGENS DE FOGO (1981) À LUZ DA

PSICOLOGIA SOCIAL DO ESPORTE

Aluna: Júlia de Freitas Martins

A análise a seguir, do filme “Carruagens de fogo”, foi feita em vista de


abordar temas que interessam aos profissionais da área Psicologia do Esporte.
Foi feita em formato de tópicos, visando especificar as reflexões acerca do
filme dentro de determinados temas, já que um mesmo acontecimento histórico
pode ser analisado a partir de diferentes ângulos. A intenção foi a de isolar
alguns assuntos, para que possam ser mais profundamente examinados.

1) No tocante à motivação dos personagens:

Eric Liddell era um devoto cristão e missionário em sua Igreja. Além disso,
tinha o talento para a corrida, gostava de correr nas horas vagas. No decorrer
do filme, Eric passou a sentir que agradava a Deus com a sua corrida, que
praticar esse esporte era uma maneira de louvar a Deus, e essa crença passou
a servir de grande motivador para continuar a correr e para vencer. Para ele, se
dedicar à corrida era dar testemunho de fé, pois várias características do
esporte que praticava se assemelhavam com a caminhada na fé.

O atleta Eric Liddell era conhecido por sua forte fé cristã e por suas
convicções religiosas inegociáveis. No filme, isso é retratado num momento
chave de sua vida, em sua recusa de competir nos 100 metros rasos durante
os Jogos Olímpicos de Paris de 1924, devido a prova ocorrer num domingo,
considerado um dia reservado para Deus em sua fé.

Eric nasceu na China em 1902, mas tem grande amor pela Escócia. Os
seus pais eram missionários escoceses e ele também viveu grande parte de
sua vida em terras escocesas. Ele afirma que é e sempre será escocês. Liddell
então, tendo o patriotismo como uma de suas características, competiu
representando a Escócia nas Olimpíadas, que era parte da Grã-Bretanha, e
isso era também parte de sua motivação. Eric, sendo um corredor escocês,
carrega consigo um senso de patriotismo e orgulho de suas origens. Ele é
mostrado como alguém que está disposto a representar sua nação e suas
crenças. Porém, a sua fé estava acima do seu patriotismo. Ao ser confrontado
pelas autoridades de seu país, que o queriam convencer a correr os 100
metros rasos no domingo, dia santo para ele, e o hostilizaram, ele se manteve
firme na sua decisão, que era baseada em seus princípios.

Por esses valores sólidos e personalidade íntegra Eric Liddell era


conhecido. Ele colocava os seus princípios e a sua crença em Deus acima de
tudo, e não estava disposto a comprometer essas crenças em nome da
competição esportiva, em nome da nação, ou visando o seu sucesso pessoal.

Na corrida final do filme, que Eric compete os 400 metros na quinta feira, os
outros competidores comentam entre si: “Cuidado com o Liddell. Ele tem algo
pessoal a provar. Algo que o treinador nunca entenderá.”

Logo, fica claro que o esporte para Liddell era uma extensão de sua vida e
de seus princípios. A sua religião ser honrada entrava como condição para
todas as outras áreas de sua vida, assim também foi com o esporte. Logo, a
sua corrida era motivada pela sua fé em Deus. Assim ele disse: “Creio que
Deus me criou para um propósito, para a China. Mas ele também me criou
veloz. E quando corro... sinto o prazer dele. Abandonar isto seria menosprezá-
lo. Não é apenas diversão. Vencer é honrá-lo.”

O atleta Harold Abrahams era um atleta judeu e estudante de Direito em


Cambridge, e logo ficou famoso na universidade pelo seu talento como
corredor. Harold era muito competitivo, o que alimentava a sua vontade de
vencer.

Infelizmente, o antissemitismo era bastante prevalente na Europa do início


do século XX. Os judeus enfrentavam discriminação, preconceito e
perseguição em muitos países europeus. O filme mostra o desejo de Harold de
ser considerado o melhor no que se propunha a fazer, e o fato de ser
subestimado por sua origem semita potencializava esse seu desejo de provar
para os outros e a para si mesmo a sua capacidade.

Sendo assim, Harold tinha o esporte, e o objetivo de competir nas


Olimpíadas de Paris de 1924, como um meio de lutar contra a sociedade
antissemita em que vivia. O preconceito que ele sofria servia como um impulso
nos esportes, meio pelo qual ele queria honrar a sua religião judaica e a todos
os judeus.
Harold, ao ser questionado pela srta. Gordon, sua futura namorada, se ele
amava correr, ele a respondeu dizendo que era mais um vício, como uma
necessidade. E ao pergunta-lo contra o que ele corria, ele respondeu: “ser
judeu, suponho”. Fica bem claro que essa questão perpassava profundamente
a sua vida e a sua personalidade competitiva, visando sempre vencer e provar
ao mundo, e a si mesmo, o seu valor.

Vencer, para Abrahams, era o sentido de sua existência. Em determinado


momento do filme, antes de competir a prova dos 100 metros rasos nas
Olimpíadas, a qual ele venceu, ele diz: “Em uma hora estarei lá outra vez.
Levantarei meus olhos para aquela pista, de 1,20m de largura, com 10
segundos solitários para justificar minha existência inteira. Mas justificarei?”.
Em vários momentos do filme é mostrada a profunda angústia do atleta no que
toca à competição e ao seu lugar de vencedor, evidenciando que a sua
identidade e auto afirmação perante a sociedade estava ligado a isso. Isso o
serviu como motivação para seguir em frente, dar o seu melhor, e vencer.

2) Quanto às pessoas significantes na vida dos atletas:

Na vida de Abrahams, mostrada no filme, diversas pessoas foram


significantes em sua caminhada pessoal, acadêmica e esportiva. Por exemplo,
os seus amigos Andy, Harry e Monty. Estes eram os companheiros de
Abrahams, presença de afeto e apoio que todo ser humano precisa. Na cultura
antissemita que Harold estava inserido, estes seus amigos não o julgavam nem
o discriminavam pela diferença religiosa, e sim, estavam presentes em
diferentes momentos de sua vida, inclusive nos esportes. Estes amigos eram
também competidores olímpicos, porém de diferentes modalidades. Eles
torciam por Harold e o incentivavam.

O pai de Abrahams, apesar de não aparecer no filme, foi comentado pelo


atleta como alguém que ele muito amava e admirava. O filho comenta que o
pai adorava a Inglaterra, que do nada ele construiu o que acreditava para fazer
dos filhos verdadeiros ingleses. Essa figura paterna fez parte da construção de
identidade de Harold, de alguém que não tem medo de ocupar um lugar
vitorioso e prestigiado na sociedade, indo contra os estereótipos
preconceituosos impostos sobre ele, que era judeu.
Além disso, o pai o influenciou a ser um orgulho homem inglês. Logo, a
Inglaterra, como nação, foi também um semblante significativo que serviu de
motivação em sua vida esportiva e de busca à excelência. Ele era um patriota,
e procurava representar e prestigiar, através do esporte, não apenas a si
mesmo, mas também à sua nação.

Outras pessoas que foram significativas na caminhada de Abrahams, ainda


que negativamente, pois não o apoiaram, foram os diretores de Cambridge.
Estes olhavam pra ele desde o início do seu percurso em Cambridge com
desgosto e desconfiança, devido ao fato dele ser judeu. Esses diretores foram
personagens no filme que representaram a visão da sociedade europeia no
século XX, que era estereotipada e discriminatória em relação aos judeus.

Outra pessoa com grande importância na vida e na carreira esportiva de


Harold foi o seu técnico, Sam Mussabini. Desse senhor, o atleta recebeu o
apoio técnico em seus treinamentos, assim como também apoio mental, pois o
técnico depositou confiança nele, o que fez bem a autoestima de Abrahams.
Num momento decisivo de sua vida, a corrida nas Olimpíadas que ele tanto
desejava vencer, o sr. Mussabini não compareceu, mas previamente mandou a
ele uma carta que dizia: “Caro Sr. Abrahams. Deve por favor perdoar-me por
não ir vê-lo correr, eu bem que gostaria muito. Entretanto, acredito e espero
que vença os 100 metros. Saia determinado a se empenhar ao máximo. E não
se esqueça, abaixe a cabeça no primeiro passo. Se aqueça bem e libere suas
energias ao soar o tiro. Recomendo sapatos usados, de seis pinos. Desejo-lhe
muita sorte. Do seu, Sam Mussabini. P.S. Por favor, aceite o amuleto. Meu pai
confiava muito nele.”

A namorada e futura esposa de Harold, srta. Gordon, também foi uma


pessoa eloquente na vida dele, a qual o ofertou grande apoio. Um exemplo
dessa relação de apoio foi a cena em que Harold perde a primeira competição
contra Eric, e a srta. Gordon o apoia dizendo que ele foi maravilhoso, enquanto
o consolava com a sua dor e dificuldade em enfrentar a derrota. Além disso, a
namorada de Abrahams também se posicionou de forma dura, ajudando-o a
superar a perda e a amadurecer.

Quanto ao atleta e missionário Eric Liddell, diversas pessoas foram


importantes em sua vida. A pessoa que se mostrou mais presente, desde o
início do filme, foi a sua irmã, Jennie Eric, que o tinha como alguém especial e
precioso para ela. A irmã o incentivava no caminho espiritual e ela não gostava,
a princípio, que ele estivesse seguindo na carreira de esportista, pois defendia
que isso o afastava da igreja e de sua missão.

Em determinada cena do filme, em que Eric chega atrasado e perde a


celebração na igreja, Jennie diz a ele: “Eu fico aflita sim, Eric. Temo por você.
Temo o que tudo isto possa fazer a você.” Eric, em um passeio que eles dão, a
responde: “Eu decidi. Voltarei para a China. O serviço missionário me aceitou.
Mas tenho que correr muito primeiro. Jennie, você tem que entender. Creio que
Deus me criou para um propósito, para a China. Mas ele também me criou
veloz. E quando corro... sinto o prazer dele. Abandonar isto seria menosprezá-
lo. Você estava certa, não é apenas diversão. Vencer é honrá-lo.” Jennie passa
a compreender o irmão e a apoiá-lo. Ela assume a missão na Escócia
enquanto ele se dedica as Olimpíadas. Nas Olimpíadas de 1924 ela vai ao
estádio em Paris prestigiar o irmão e assisti-lo competir.

O pai de Eric também foi uma pessoa de influência em sua vida. A irmã
comenta que ele era também um missionário cristão, o qual Eric estava
seguindo e buscando como inspiração e referência. O pai de Liddell o
influenciou e o apoiou a usar os seus talentos no esporte, dizendo que a
missão religiosa dele iria se beneficiar com a corrida, o incentivando a correr
em nome de Deus.

A igreja também foi um meio social que deu amparo e incentivo a Eric. E
acabou sendo o grande fator motivador do atleta em sua vida esportiva. Eric
uniu a sua missão cristã ao seu talento como velocista, usando a corrida como
um modo de honrar a Deus. Essa sua postura nas Olimpíadas, de colocar a
sua fé acima de qualquer coisa, acabou tendo um efeito missionário também,
pois divulgou mundialmente a sua fé, servindo de inspiração a outras pessoas.

Há uma cena no filme no qual o Príncipe de Gales, futuro rei do Reino


Unido, deseja conversar com Eric Liddell, numa festa em Paris durante o
período das Olimpíadas. Durante essa conversa, que envolvia outros
diplomatas e o chefe do comitê olímpico, foi abordada a não participação de
Liddell na prova dos 100 metros rasos do domingo. O encontro com os
diplomatas visava encontrar um modo de resolver a situação, para que Liddell
pudesse correr e vencer pela Grã-Bretanha nas Olimpíadas. Eles desejavam
que Eric mudasse de ideia. E o atleta afirma que isso seria impossível, que ele
definitivamente não irá correr no dia sabático. Ao ser chamado de impertinente
pelo príncipe, ele se defende e diz que “A impertinência é dos que procuram
influenciar um homem a negar suas crenças.” Os diplomatas tentam o
convencer de que a lealdade de Eric devia ser para com o seu país e seu rei,
que o rei vinha primeiro que Deus. Ao que Eric responde: “Deus fez os países.
Deus fez os reis e as leis pelas quais governam. E essas leis dizem que o dia
sabático é dele. E eu pretendo mantê-lo assim.”

A questão foi resolvida com a oferta do sr. Lindsay, outro competidor


britânico. Que sugeriu a troca de sua corrida, que seria na quinta feira, com
Liddell. Dessa forma, Eric poderia correr, mesmo que fosse na modalidade de
400 metros, que não era o seu ponto forte.

Nessa cena é possível perceber duas pessoas significativas na caminhada


de Eric: o sr. Lindsay, que o ofereceu uma oportunidade de correr nas
Olimpíadas, enquanto mantinha os seus princípios, e o Príncipe de Gales, que
teve uma posição opressora de não o apoiar, de tentar coagi-lo a se posicionar
contra os seus princípios religiosos, e de o acusar de ser infiel a pátria. Esse
encontro com o príncipe de Gales, mesmo que tenha sido uma afronta, o
permitiu se posicionar muito claramente acerca de seus princípios, sem
corrompê-los.

3) Circunstâncias de racismo, preconceito e discriminação étnica e


religiosa no filme:

O filme apresenta várias cenas de racismo, preconceito e discriminação.


Harold Abrahams é o principal alvo, ele enfrenta discriminações por ser judeu.
O atleta é alvo de comentários antissemitas e é excluído socialmente por causa
de sua religião. Esses momentos denunciam o contexto europeu do século XX,
no qual o antissemitismo estava muito presente.

No início do filme, Harold comenta com um amigo sobre a discriminação


que sofre: “Às vezes digo a mim mesmo: ‘Acalme-se, está imaginando tudo
isto.’ Então eu vejo aquele olhar denovo. Vejo-o na agudeza de um comentário.
Sinto uma fria relutância num aperto de mão.”
O preconceito o coloca em uma posição de marginalização e configura a
sua personalidade como alguém com o desejo constante de provar o seu valor.
O racismo e o preconceito têm um impacto negativo em sua autoestima e
motivação, mas ele encontra forças para superá-los.

Os próprios diretores da universidade em que estudava, Cambridge,


dificultavam a sua caminhada, visto que desde o início duvidavam dele e
faziam comentários pejorativos (mesmo que não diretamente a ele). Harold foi
acusado por seus diretores de deslealdade aos princípios de Cambridge, por
ter contratado um treinador profissional. Os diretores associaram isso a ele ser
judeu, comentando entre eles: “Lá vai o seu semita, Hugh. Deus diferente.
Diferente topo da montanha.” Estes olhavam pra o atleta e aluno desde o início
do seu percurso em Cambridge com desgosto e desconfiança, devido ao fato
dele ser judeu. Esses diretores foram personagens no filme que representaram
a visão da sociedade europeia no século XX, que era estereotipada e
discriminatória em relação aos judeus.

Além disso, os diretores também demonstraram desgosto pelas origens do


técnico contratado, que tinha origens italianas e árabes. Esses diretores
representaram no filme a moral inglesa da época, e todo o seu preconceito.

Eric Liddell também sofreu desafios de ordem da não aceitação religiosa de


outras pessoas. A cena em que isso ficou mais explícito foi o encontro numa
festa que aconteceu com o Príncipe de Gales e futuro rei do Reino Unido.
Durante essa conversa, que envolvia outros diplomatas e o chefe do comitê
olímpico, foi abordada a não participação de Liddell na prova dos 100 metros
rasos do domingo. O encontro com os diplomatas visava encontrar um modo
de resolver a situação, para que Liddell pudesse correr e vencer pela Grã-
Bretanha nas Olimpíadas. Eles desejavam que Eric mudasse de ideia. E o
atleta afirma que isso seria impossível, que ele definitivamente não irá correr no
dia sabático. Ao ser chamado de impertinente pelo príncipe, ele se defende e
diz que “A impertinência é dos que procuram influenciar um homem a negar
suas crenças.” Os diplomatas tentam o convencer de que a lealdade de Eric
devia ser para com o seu país e seu rei, que o rei vinha primeiro que Deus.

Essa cena mostra a pressão social que sofreu, juntamente a acusações e


ofensas, ao ele se posicionar de acordo com as suas crenças religiosas.
Houveram também diferentes jornais que comentaram sobre o seu
posicionamento de forma pejorativa e desrespeitosa, questionando a sua
capacidade atlética e colocando em dúvida as suas chances de sucesso.

4) O tema das crenças religiosas no filme:

Logo no início do filme fica evidente a vida religiosa de Eric Liddell. Há uma
cena em que, após sair da igreja num domingo, Eric chama a atenção de um
garoto que estava jogando bola, o incentivando a respeitar o dia sagrado, e
depois combina de jogarem em outro dia, para que ele também não cresça
achando que Deus é um “estraga prazeres”. Numa outra cena é mostrado Eric
fazendo uma pregação após uma corrida na chuva, dizendo aos fiéis: “Quero
comparar a fé com competir numa corrida. É difícil. Requer concentração e
vontade. Energia da alma. Vocês experienciam exultação quando o vencedor
rompe a fita, mas por quanto tempo isso dura? Gostaria de dar-lhes algo mais
permanente, mas apenas posso indicar o caminho. Não tenho fórmulas para
ganhar a corrida. Cada pessoa corre do seu próprio modo. E de onde vem o
poder de assistir a corrida até o fim? De dentro. Jesus disse: ‘Eis que o reino
de Deus está dentro de vocês. Quando me buscarem de todo o seu coração,
certamente me acharão’. Se se comprometerem com o amor de Cristo, é esse
o modo de correr em linha reta”.

Há uma cena do filme que apresenta bem a convicção religiosa de Liddell


diante do impasse que a sua fé causou diante de seus objetivos nos jogos
Olímpicos de 1924. Uma prova que ele iria competir foi marcada num domingo,
dia sagrado para a sua religião, e ele decidiu não competir e honrar os seus
princípios. A cena mostra uma conversa com o chefe do comitê olímpico da
Grã-Bretanha, ele diz: “Você está dando um passo horrível, Liddell, a Grã-
Bretanha inteira o estará assistindo. Eu não sei se eles entenderão.” Ao qual
Liddell responde: “Também não estou certo de que eu entendo, senhor.
Durante os últimos três anos, me dediquei à minha corrida, apenas para estar
nesse navio. Abandonei o Rugby. Meu trabalho foi prejudicado. Feri
profundamente uma pessoa muito querida. Porque eu disse a mim mesmo: se
eu vencer, venço por Deus. E agora me encontro sentando aqui, destruindo
isso tudo. Mas tenho de fazer isso. Correr seria contra a lei de Deus.”
Harold Abrahams também se mostrou firme em sua religião judaica e em
suas origens, viveu numa sociedade antissemita, enfrentou preconceitos e
discriminação, e nem por isso negou a sua identidade religiosa.

5) Como as classes sociais são mostradas no filme:

Harold vem de uma classe social alta, a qual o possibilitou ingressar na


melhor faculdade da Grã-Bretanha, assim como o deu assistência financeira
pra bancar alguns luxos, e também um técnico. Em determinada cena do filme,
na qual os diretores de Cambridge sentam com Abrahams para conversar, o
acusam deslealdade com os princípios da universidade, entre eles, o espírito
de equipe, e o jogo amador, não profissional. Além disso, o acusam de não
estar se comportando como deveria, já que é um homem da elite, dizem que
ele estava se comportando como um plebeu.

Pode-se dizer que a classe social a qual Abrahams pertencia contribuiu


para o sucesso que o atleta teve, pois ele foi capaz de pagar um profissional
para treiná-lo.

Eric parece pertencer a classe média, e morava em regiões mais rurais das
terras altas escocesas, o que talvez contribuiu para a sua intensa vida religiosa.

É interessante observar como as Olimpíadas é um espaço que passou a


unir pessoas de diferentes origens étnicas, religiosas e econômicas, em busca
de um mesmo fim: a participação e a vitória nas competições esportivas.

6) Sobre as características psicológicas e éticas dos personagens:

Logo nos primeiros minutos de filme, Harold mostra o quanto ele se importa
com a vitória, pois fica nervoso e estressado quando perde algum jogo. Ele
deixa claro que joga para ganhar, e não consegue aceitar as perdas na
esportiva. O filme tenta criar a identidade de Abrahams como um homem
arrogante, competitivo e defensivo.

Harold tem que constantemente se defender dos comentários e olhares


discriminativos em relação a ele. Isso deixa marcas em qualquer pessoa. Ele
diz “As vezes digo a mim mesmo: ‘Acalme-se, está imaginando tudo isto.’
Então eu vejo aquele olhar denovo. Vejo-o na agudeza de um comentário.
Sinto uma fria relutância num aperto de mão.”

Diante do preconceito e da desigualdade de poderes ao comparar cristãos e


judeus, Abrahams toma o posicionamento de desafiar os opressores e vencê-
los na corrida. Através das vitórias, Harold era deslocado do lugar de margem
que ocupava por seu judeu, e conseguir ser visto como alguém importante e
digno, um vencedor. E isso o motivava.

Harold aspirava a excelência e a vitória. Para isso, entrou em desacordo


inclusive com a sua própria universidade, pois foi confrontado pelos diretores,
mas se manteve firme no que desejava. Abrahams também é mostrado no
filme como alguém que gosta de estar no centro das atenções, gosta de
participar de shows, de cantar e de tocar música, ele gosta de ocupar o lugar
de estrela.

Quanto ao posicionamento ético de Eric, e às suas características


psicológicas, muito já foi descrito acima. Em resumo, Eric Liddell era
reconhecido por ser um homem extremamente ético, cuidadoso e respeitoso
com as pessoas. Tinha valores religiosos convictos, e se posicionava de
acordo com eles. Todos os seus valores cristãos faziam parte de sua
identidade.

Uma outra característica em Eric foi notada, que foi o seu jogo limpo e justo,
assim como o respeito e espírito esportivo com os seus adversários. Em
diversas competições, Eric abordou os adversários, cumprimentando-os e os
desejando boa sorte. Na competição final, em que Abrahams vence, Eric fica
genuinamente feliz pela vitória dele, e o cumprimenta parabenizando-o pela
vitória.

7) Sobre como os atletas lidaram com a vitória e com a derrota:

Harold, logo no início do filme, mostra como ele se importa muito com a
vitória, ficando nervoso e estressado quando perde algum jogo. Ele deixa claro
que joga para ganhar, e não consegue aceitar as perdas na esportiva.
Na primeira competição contra Eric, há uma cena no filme em que Harold,
após a derrota, fica sentado por horas no banco revivendo a derrota
mentalmente, até que a sua namorada conversa com ele. Nessa cena ele diz
“eu não corro para perder. Eu corro para vencer. Se eu não posso vencer, eu
não correrei.”

Para Abrahams, a vitória é uma questão de vida, e a derrota é uma questão


de morte. É possível interpretar a construção identitária de Abrahams por essa
via, visto que ele encontrou na excelência e na vitória, uma maneira de se
afirmar contrariamente ao que a sociedade o julgava ser: inferior, já que era
judeu. Ganhar, para ele, era não ocupar esse lugar de inferioridade, era provar
para os outros e para si mesmo, que ele era superior, ou pelo menos suficiente.

Eric se importava muito também com a vitória, se entregava a competição.


Porém, mais importante do que ganhar, era estar em acordo com os seus
princípios religiosos.

8) Sobre o contexto sócio-histórico, cultural, político, econômico e religioso


em que o filme se desenrola:

A história do filme se dá na Europa no início do século XX. Nessa época e


local, a Europa enfrentou a Primeira Guerra Mundial, motivo inclusive pelo qual
os jogos Olímpicos foram suspensos. A Europa era marcada pelo
antissemitismo e preconceito religioso contra qualquer pessoa que não fosse
cristã. Era marcada também por uma época extremamente moralista. O
antissemitismo foi aumentando e teve como consequência a terrível Segunda
Guerra Mundial, algumas décadas depois do contexto do filme.

Uma outra característica histórica da época era a rivalidade entre Escócia e


Inglaterra, que foi mostrada também no filme. As duas nações eram parte da
Grã-Bretanha, mas essa rivalidade acontecia entre os povos ingleses e
escoceses.

9) Minha opinião sobre o filme:

O filme transmite várias mensagens. A principal delas pra mim foi a


mensagem sobre a fé, pois o filme girou em torno da convicção religiosa de
Eric. A mensagem foi a de honrar a Deus sobre todas as coisas, inclusive sobre
as aspirações pessoas e nacionais. O espírito esportivo também foi abordado
no filme, mostrando diferentes abordagens dos atletas em relação a seus
competidores.

A estrutura social vigente no contexto europeu da época ficou bem clara


também para mim. Ao entender o contexto social brasileiro do início do século
XX, comparando-o com o europeu, sinto revolta ao saber que os europeus
colonizaram os territórios americanos, e centenas de outros territórios não
europeus, e após isso, até hoje, desfrutam de uma posição econômica e de
bem estar social superiores, as custas dos países colonizados.

Outro aspecto da estrutura social da Europa no século XX, presente


também no filme, é o machismo. No filme, fica claro que os espaços de poder,
de lazer, de desenvolvimento intelectual, profissional e do corpo, ficam restrito
apenas aos homens. Na base dessa estrutura trabalham as mulheres, na
estruturação da vida social com os cuidados do lar, que incluem a alimentação,
a criação dos filhos, e o apoio emocional aos homens. Poucos espaços de
poder e glória são permitidos às mulheres.

Contudo, achei o filme inspirador e agradável de assistir. Os espaços


arquitetônicos da Inglaterra são lindos e muito bem trabalhados, principalmente
a deslumbrante Universidade de Cambridge.

Penso também que o filme apresentou os personagens de forma


tendenciosa. Eric Liddell era apresentado como polido, atencioso e carismático.
Enquanto isso, Harold Abrahams é apresentado como arrogante e tempestivo.
Eric Liddell em várias cenas é colocado como mais honroso e superior a
Harold. Deu a impressão de que um lado foi escolhido e o personagem cristão
foi vangloriado, ao passo que o judeu inferiorizado.

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