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Escalas de Tempo
350
6.1. PROJETANDO NO EQUADOR CELESTE 351
Figura 6.2: Ângulo horário de um astro. Imagem fora de escala (na prática, o
astro está infinitamente distante)
no equador celeste, o que exige um cálculo bem mais hermético que uma sim-
ples regra de três, como veremos ainda nesta seção. Em vista desses aspectos,
ao invés de utilizarmos o Sol verdadeiro para medirmos a passagem do tempo,
define-se um astro fictı́cio conhecido como Sol médio. Ele possui duas carac-
terı́sticas principais:
• Sua velocidade angular em torno da Terra é constante. Isso significa que
sua ascensão reta cresce linearmente;
• Sua declinação é sempre nula, i.e. sua trajetória anual é sobre o equador
celeste da Terra.
Desse modo, definimos o dia solar médio como exatamente 24 horas. Por
outro lado, o dia solar1 é o intervalo de tempo entre duas passagens meridi-
anas consecutivas do Sol (verdadeiro). Devido à excentricidade da órbita da
Terra e à obliquidade da Eclı́ptica, a duração de um dia solar é variável, indo
desde 23h 59m 39s até 24h 00m 30s . Isso ocorre pois esses dois fatores fazem com
que a variação da ascensão reta do sol verdadeiro não seja constante ao longo
do ano. Como consequência, é gerada uma diferença entre a ascensão reta do
sol médio e a do sol verdadeiro com o decorrer do tempo. Um resultado disso
pode ser observado no analema, que consiste de diversas fotos do Sol tiradas
em intervalos de exatamente um dia solar médio (24h) entre si (ou seja, em um
horário fixo, e.g. 12:00). Logo, o sol médio está localizado sempre na mesma
posição nas fotos, assim, devido à diferença entre as ascensões retas dos sóis
médio e verdadeiro, vemos a variação da posição do sol verdadeiro ao longo de
um eixo paralelo ao equador celeste (eixo vermelho na imagem abaixo).2
ET = α⊙M − α⊙V
∆t
α⊙M = ω∆t = 2π
T
Onde T é o perı́odo de translação da Terra. Agora, para encontrarmos
a ascensão reta do Sol verdadeiro, é necessário projetarmos sua posição no
Equador Celeste, assim como representado na imagem abaixo:
Pode-se perceber que a aplicação da Lei dos Senos ou da Lei dos Cossenos
356 CAPÍTULO 6. ESCALAS DE TEMPO
ET = T⊙ VL − T⊙ ML
• Quando ET > 0, o Sol verdadeiro está mais à oeste que o Sol médio,
assim como foi representado na figura 6.8;
Por fim, perceba que a relação entre os tempos solares e os ângulos horários
dos sóis é bastante direta. Para o Sol verdadeiro, temos:
T⊙ VL = H⊙V + 12h
Onde H⊙V é o ângulo horário do Sol verdadeiro. Já para o Sol médio:
T⊙ ML = H⊙M + 12h
Onde H⊙M é o ângulo horário do Sol médio. Ambas essas relações podem ser
deduzidas observando a representação do ângulo horário no plano do equador
celeste na figura 6.2 e comparando com os tempos solares vistos nesta seção.
pode ser ilustrado pelo cálculo do perı́odo sinódico. Como contexto, temos dois
planetas A e B orbitando uma mesma estrela em órbitas circulares, assim como
ilustrado na imagem abaixo.
O perı́odo sideral do planeta A é o tempo que ele leva para voltar para a
mesma configuração com relação às estrelas distantes (que estão essencialmente
paradas), ou seja, o perı́odo sideral equivale ao perı́odo de translação de cada
planeta. Isso também vale para B. Desse modo, sendo Pi e ωi o perı́odo sideral
e a velocidade angular do planeta i, respectivamente, temos:
2π
ωi =
Pi
Por outro lado, o perı́odo sinódico dos planetas é o tempo que eles levam
para voltar para a mesma configuração orbital entre si. Por exemplo, vamos
supor que os planetas estão em oposição em um certo instante. Após um perı́odo
sinódico S, eles voltarão para essa mesma configuração. Vamos utilizar isso para
deduzirmos o valor de S como função de PA e PB , de acordo com a imagem:
6.4. ESCALA SIDERAL 359
Vale lembrar que, de acordo com a Terceira Lei de Kepler, os planetas mais
próximos da estrela possuem velocidades angulares maiores - no caso, ωA > ωB .
Desse modo, pode-se perceber que o planeta A irá dar uma volta completa (2π
rad) e percorrer um ângulo θ adicional antes de finalmente ficar alinhado com
o planeta B novamente, este que só percorre um ângulo θ. Assim:
(
φA = 2π + θ
φB = θ
1 1 1
= −
S PA PB
Vale ressaltar que essa expressão é somente válida para planetas que orbitam
uma estrela no mesmo sentido.
Exemplo 1
Um planeta hipotético orbitando o Sol no mesmo sentido da Terra tem
perı́odo sideral igual ao seu perı́odo sinódico com relação à Terra. Assim, calcule
o perı́odo sideral PX desse planeta.
Solução
Antes de tudo, precisamos saber se esse planeta (que iremos chamar de X) é
interior ou exterior com relação à Terra para aplicarmos a expressão do perı́odo
sinódico. Vamos testar cada um desses casos. Assumindo que ele é inferior,
PA = PX e PB = P⊕ , ou seja:
1 1 1
= −
S PX P⊕
Entretanto, de acordo com o enunciado, S = PX , o que cancelaria os termos
da última equação, resultando em P⊕ → ∞, o que é um absurdo. Desse modo,
podemos concluir que o planeta é exterior. Assim, PA = P⊕ e PB = PX , e
portanto:
1 1 1
= −
S P⊕ PX
Usando S = PX e reescrevendo, temos:
1 1 1
= − ⇒ PX = 2P⊕ = 2 anos
PX P⊕ PX
6.4. ESCALA SIDERAL 361
Exemplo 2
Calcule o equivalente do perı́odo sinódico S ′ no caso em que os planetas A
e B orbitam a estrela central em sentidos opostos.
Solução
A dedução é análoga àquela do caso em que os sentidos são iguais. A imagem
abaixo representa o movimento dos planetas:
φB = ωB S ′ , temos:
ωA S ′ + ωB S ′ = 2π
2π 2π
Mas ωA = e ωB = , logo podemos reescrever a última equação para
PA PB
chegarmos no resultado final:
1 1 1
′
= +
S PA PB
6.4.2 Conversão
Agora, vamos derivar a conversão entre a escala sideral e a solar. De acordo
com o que vimos até agora, podemos apresentar dois conceitos:
• Dia sideral: perı́odo de rotação da Terra, ou seja, o tempo que uma estrela
distante leva até retornar à mesma posição quando vista de um observador
fixo na Terra;
• Dia solar5 : o tempo que o Sol leva até retornar à mesma posição quando
visto de um observador fixo na Terra.
Esses conceitos estão ilustrados na seguinte imagem:
1 1 1 n
= + ⇒ Dsid = D⊙
Dsid D⊙ nD⊙ n+1
Por fim, vale ressaltar que a escala de tempo sideral possui suas próprias
unidades. De maneira análoga à escala solar, temos segundos, minutos, horas
e dias siderais. Para converter entre essas escalas, basta utilizar:
n
tsid = t⊙
n+1
6.4. ESCALA SIDERAL 365
Figura 6.15: T SL
7 Poderı́amos utilizar o conceito de ponto vernal verdadeiro para resolver esse problema,
Vale lembrar que a ascensão reta é medida sobre o equador celeste a partir
do ponto vernal e cresce para leste. Desse modo, pode-se observar diretamente
pela imagem que:
T SL = H + α
6.5 Definições
Nesta seção, iremos aprender alguns outros conceitos relacionados ao estudo
do tempo. Por mais que possa parecer um pouco “decoreba”, é extremamente
importante entender os fundamentos teóricos que serão utilizados para resolver
os problemas desse tópico.
6.5.1 Greenwich
O meridiano de Greenwich, ou meridiano principal, é uma referência ge-
ográfica especialmente relevante por dois motivos:
começa às 14:00 UTC8 irá começar às 11:00 em São Paulo (UTC −3) e às 10:00
em Cuiabá (UTC −4).
Agora, vamos ver como converter os valores expressos com relação a Gre-
enwich para valores “locais”, isto é, de uma longitude qualquer. Iremos apre-
sentar somente a conversão do T SG para o T SL (e vice-versa), visto que as
8 Antigamente, o UTC era chamado de GMT. Ainda é comum chamá-lo de GMT em
T SL = T SG + λ
9 Fatores geopolı́ticos causam algumas mudanças nisso. Por exemplo, a China possui so-
Agora, finalmente podemos chegar ao conceito que fornece o horário que ve-
370 CAPÍTULO 6. ESCALAS DE TEMPO
mos em nossos relógios. Antes disso, vamos relembrar os fatores que influenciam
esse cálculo:
• Sol médio: utilizamos como referência o Sol médio, não o Sol verdadeiro.
A equação do tempo quantifica essa divergência;
Desse modo, o tempo de fuso TF, também conhecido como tempo civil,
é a escala de tempo que utilizamos no nosso dia a dia. Ele é o tempo solar
médio do centro do fuso, assim como está representado na imagem abaixo.
Exemplo 3
Calcule o horário da culminação superior do Sol em São Paulo (λ = −46◦ 38′ 20”,
UTC -3). É dado que a equação do tempo no dia da observação vale ET = +12
min.
Solução
Vamos analisar a situação no plano do equador celeste. É conveniente
fazermos um desenho que represente razoavelmente bem os próprios valores
numéricos dados. Na culminação superior do Sol (verdadeiro), temos que sua
projeção no plano do equador celeste fica exatamente sobre a cabeça do obser-
vador, logo:
Exemplo 4
Desprezando a excentricidade da órbita terrestre, responda:
Solução
A chave dessa questão é lembrar da equação do tempo. Desprezando a ex-
centricidade da órbita da Terra, sabemos que as ascensões retas dos sóis médio e
verdadeiro coincidem somente nos solstı́cios e nos equinócios. Ainda, ET > 0
para ∆t < T /4, onde ∆t é o tempo decorrido desde o equinócio de Março.
Desse modo:
b) Sabemos que o Sol verdadeiro está mais à oeste que o Sol médio (ver figura
6.6) para ∆t < T /4. Na situação em questão, temos ∆t = 1 dia, logo o Sol irá
nascer mais cedo quando comparado ao horário do nascer no dia do equinócio
vernal, pois ele estará mais à oeste.
Ano tropical
Intervalo de tempo entre duas passagens consecutivas do Sol no ponto vernal.
Esse é o valor utilizado no ciclo das estações e vale 365,2422 dias solares médios.
O ano tropical difere do ano sideral devido à precessão da Terra, assim como
pode ser observado na imagem abaixo. O calendário se baseia no ano tropical.
6.6. TRANSLAÇÃO DA TERRA E DA LUA 373
É o perı́odo sideral da órbita da Lua ao redor da Terra. Seu valor vale 27,3217
dias.
6.7 Problemas
6.1. (Iniciante) Em um determinado dia, o planeta Mercúrio estava em máxima
elongação leste10 com relação à Terra. Considerando que a órbita de Mercúrio
é circular e possui raio R = 0,39 UA, calcule após quantos dias tal configuração
irá ocorrer novamente.
Dados: O ângulo horário do Sol em seu nascer era −80◦ , ela está no fuso −3
UTC e ET = 0 no dia da observação.
′
6.4. (Intermediário) Calcule a duração de um dia solar alternativo D⊙ caso
o sentido de rotação da Terra fosse contrário ao seu sentido de translação.
n
Considere que Psid = ∗ 24 horas solares, em que n = 365,2422 dias.
n+1
6.6. (Avançado) (SAO) Que horas o Sol nasce na Cidade de Singapura (latitude
próxima de 0, λ = 103,8◦ E, UTC +8)? Considere que:
• ET = 0 no dia da observação;
• A refração atmosférica próxima do horizonte vale η = 34′ ;
• O Sol nasce quando é possı́vel ver sua borda superior;
• O diâmetro angular do Sol é 32′ .
6.8 Gabarito
6.1. Na dedução do perı́odo sinódico, calculamos o tempo entre duas confi-
gurações sucessivas de oposição entre os planetas. Perceba que o cálculo se-
ria o mesmo, independentemente da configuração especı́fica. Desse modo,
basta calcularmos o perı́odo sinódico entre Mercúrio e a Terra.
2
PM 1 ano2
= ⇒ PM = 0,244 anos
R3 1 UA3
1 1 1
= − ⇒ Psin = 0,32 anos
Psin PM P⊕
6.2. a) Perceba que essa taxa de variação independe do instante em que ob-
servamos os planetas. Desse modo, podemos escolher qualquer situação
inicial para analisarmos a variação do ângulo θ entre Mercúrio e a Terra.
Por conveniência, vamos considerar que Mercúrio está em conjunção in-
ferior em relação à Terra em t = 0, assim como representado na imagem
abaixo.
θ−0 ωM ∆t − ω⊕ ∆t
ωrel = =
∆t ∆t
Ou seja:
ωrel = ωM − ω⊕
2α
∆T =
ωrel
RM
cos α =
R⊕
Logo:
378 CAPÍTULO 6. ESCALAS DE TEMPO
RM
2 cos−1
R⊕
∆T =
ωM − ω⊕
32 80
6.3. Temos que T F = 6+ h, H = − h, F = −3 h e ET = 0 e
60 15
queremos λ. Assim, representando todos os valores (mais precisamente,
seus módulos) no plano do equador:
′
Perceba que, em t = D⊙ :
(
φrot = 2π − θ
φtra = θ
2π ′ 2π ′
Como φrot = D⊙ e φtra = D⊙ , temos:
Dsid Ptra
2π ′ 2π ′
D⊙ = 2π − D⊙
Dsid Ptra
n
Substituindo Dsid = D⊙ e Ptra = nD⊙ , temos:
n+1
n+1 ′ D′
D⊙ = D⊙ − ⊙
n n
Ou seja11 :
′ n
D⊙ = D⊙
n+2
11 Este problema já caiu em uma IOAA, porém a solução encontrada no IOAA Book está
incorreta.
380 CAPÍTULO 6. ESCALAS DE TEMPO
T SG − T SL + λ = 24 h ⇒ T SG = 24 h + α − λ
H = −(6h + η + R)
Agora, observe a seguinte imagem:
T F + |H| − (F − λ) = 12 h ⇒ T F = 6 − η − R + F − λ
Substituindo os valores:
0◦ 34′ 0◦ 16′ 103,8◦
T F = 6h − ◦
h− ◦
h + 8h − h
15 15 15◦
Fazendo as contas, obtemos T F = 7h01min28s.