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REVISTA DE FFLCH-USP

¡te Revista de Historia 133 2° semestre de 1995


0®.

A CONSERVAÇÃO DAS FLORESTAS


NO SUDESTE DO BRASIL, 1900-1955 *
Warren D e a n
University of New York

O ano de 1900 marca, aproximadamente, o início ma tropical e subtropical pluvial, exibindo mudan-
das preocupações conservacionistas no Sudeste do ças sazonais moderadas de temperatura e de chuva,
Brasil. Essa região, agora a mais densamente povoa- antigamente estendia-se numa estreita faixa, ao
da, urbanizada e industrializada do país, já foi total- longo de toda a costa de norte a sul, do Rio Gran-
mente coberta por florestas, mais da metade das quais de do Norte ao Rio Grande do Sul. Na região su-
existiam em 1900. Desde então, o debate público e as deste, as condições climáticas e topográficas per-
campanhas conservacionistas argumentaram, mas mitiram que a floresta se expandisse de 300 a 400
não puderam impedir a destruição da floresta primária. km para p interior.
A metade da década de 1950 testemunhou duas der- A floresta era atrativa para os povoadores euro-
rotas para o ambientalismo: a usurpação e a destrui- peus por causa da extrema, embora temporária, ri-
ção de duas das maiores áreas públicas existentes de queza da manta e húmus que permanecia quando
reserva florestal. Neste ensaio, essa contraditória e cortada. Eles adotaram a prática indígena de quei-
trágica história será descrita1. mar a floresta para semear culturas, mas transforma-
A floresta atlântica, como esse bioma tem sido ram-na com o uso do machado de ferro. Esse instru-
denominado, apesar de ser relacionada com a flores- mento tornou possível continuar cultivando até que
ta do Amazonas, contém muitas espécies endêmicas, o húmus fosse exaurido e a floresta não tivesse con-
seu desmatamento, portanto, envolveu um grande
número de extinções. Esta floresta, resultado de cli-
* Este artigo foi traduzido por Dora Shellard Corrêa.
Encontra-se publicado originalmente na revista: Environ-
1. Os recursos para este estudo foram providenciados mental Review, vol. IX, n . l , 1985, pp. 54-69. Não foram
pelo Research Fund of the Graduate School of Arts and reproduzidas as 3 figuras que ilustram o artigo. Duas foram
Sciences, New York University, e o Guggenheim Memorial copiadas de: O Sertão Carioca, de Magalhães Corrêa e a
Foundation, New York. terceira é da Folha de São Paulo de 21 set. de 1981.
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dições de regenerar-se. Enquanto mais floresta restas- Na verdade, a fronteira estava à disposição sem cus-
se para ser queimada, o transtorno era insignificante to algum, mas apenas para os especuladores. Em lu-
para os colonos, e em todo o caso, a criação de gado gares como o vale do Paraíba do Sul, na passagem do
representava um uso alternativo para as terras exaus- século, as plantações de café abandonadas provi-
tas. O fogo era constantemente usado para renovar denciavam um testemunho mudo das devastadoras
as pastagens e que a floresta retraísse ainda mais rá- práticas existentes e da advertência da conservação.
pido do que o necessário para acomodar a agricul- Por essa época, também, uma rede de cidades, estra-
tura. Boa parte do planalto é montanhosa e as en- das de ferro e pequenas manufaturas estavam pressi-
costas de morros eram, para certas culturas como onando as reservas de combustíveis. Ainda na déca-
café, preferidas. A erosão, portanto, abreviava o pe- da de 1860, o governo da cidade do Rio de Janeiro
ríodo entre o clímax do desmatamento e seu aban- confrontou-se com a necessidade de pesados inves-
dono para o gado 2 . timentos cm Unhas de abastecimento de água por-
Por volta de 1900, boa parte da incalculável ri- que os córregos existentes nas montanhas atrás da
queza da floresta original foi reduzida a cinzas a fim cidade estavam secando. O refloresta men to massivo
de produzir gêneros para exportação: açúcar, princi- da Tijuca foi tocado como meio de restaurar e regular
palmente ao longo da costa, e café no planalto. Este os cursos d'água. Nos anos de 1890, a cidade de São
último era especialmente demandador de florestas Paulo declarou protegida a sua bacia florestada rema-
porque acreditava-se que apenas terras recentemen- nescente ao norte da cidade pelas mesmas razões.
te limpas da mata primária eram apropriadas e por- Várias estimativas concordam que o consumo de
que o cultivo do café e seu trato eram feitos lenha pelos domicílios, no Brasil, equivalia por vol-
ineficientemente. O mercado do café em expansão ta de dois metros cúbicos per capita. Era, portanto,
estimulou a especulação com a terra, levando o necessário desmatar por volta de 57 km2 por ano
desmatamento e o cultivo bem além da demanda para suprir o Rio de Janeiro, onde 10 000 pessoas
mundial, cultivo este feito cm boa parte em terreno sobreviviam cortando madeira c queimando carvão.
inapropriado. As áreas remanescentes com florestas O reflorcstamcnto natural requer por volta de vinte
foram degradadas pelos caçadores comerciais e co- anos, implicando a necessidade de uma reserva mí-
letores de plantas medicinais e de orquídeas para ex- nima de florestas de 1 150 km2 Não existiam tais re-
portação. Um observador estimou que 400 000 servas; na verdade a costa já havia sido privada de
peles de beija-flores c 360 000 de outros pássaros fo- seus mangues, e grandes áreas ao redor da cidade já
ram exportadas num curto período de tempo haviam degenerado em pobres pastagens, A cidade
(GUENTHER, 1931, p. 181). tinha que depender de distantes matas geralmente
providenciadas por agricultores decadentes os quais
O governo jamais exerceu um real controle so-
estavam cortando o resto de suas reservas enquanto
bre as terras públicas. Apesar da lei de terras de 1850,
a produtividade de seus cafeeiros caía a um nível
que especificava a alienação em leilão público, os
que não compensava a colheita. Os interesses
títulos eram estabelecidos por usurpação, favorecen-
conflitantes entre os lenhadores itinerantes, cafeicul-
do sempre os pretendentes mais ricos e poderosos.
tores e consumidores urbanos chegou ao nível do
2 . Esses assuntos foram discutidos no meu artigo
debate no legislativo antes da Primeira Guerra Mun-
"Deforestation in Southeastern Brazil", cm Richard Tucker dial no Rio de Janeiro e em outras cidades
and John Richards (eds.), Global Deforestation and the (FONTENELLE, 1912).
Nineteenth-Century World Economy, Durham, NC, 1993.
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Mais abstrato, mas ativo debate científico era tada. Andrade, de fato, reflete fielmente a atitude dos
aquele sobre a mudança no clima. Acreditava-se am- fazendeiros, cujo líder mais engajado politicamente,
plamente, por volta do final do século, que o Antônio Prado, então diretor da Estrada de Ferro
des m ata men to havia reduzido a quantidade de chu- Paulista, pessoalmente o empregou. Andrade acredi-
va, aumentado os extremos de temperatura e amplia- tava que todas as florestas de São Paulo estavam
do a estação da seca. O resultante debate público foi condenadas a desaparecer e isso não era para ser la-
provavelmente o primeiro sobre uma questão ecoló- mentado visto que não tinham valor comercial. Elas
gica. As implicações para a continuação da viabilida- eram muito heterogêneas e cresciam muito devagar,
de do cultivo do café eram tão sérias que a Socieda- portanto, utilizáveis apenas quando reduzidas a cin-
de Agrícola Paulista resolveu que medidas defensi- zas. O progressismo de Andrade consistia especial-
vas iriam ser tomadas3. mente na insistência para que novas florestas fossem
Curiosamente, o principal objeto de preocupa- deliberadamente plantadas para substituir aquelas
ção pública, com relação ao desflorestamento, não destruídas, desacelerando, então, o ataque sobre as
eram os fazendeiros. A classe média urbana consumi- existentes. Andrade não considerava o eucaliptus
dora considerou que eram as ferrovias os principais uma panaceia, mas pregando o seu uso ele contri-
predadores das áreas florestais. Com a queda dos buiu para a negligência com as outras espécies, es-
preços do café em 1901, trazida pela especulativa pecialmente as nativas, que proviam habitats para
oferta excessiva, as ferrovias foram obrigadas a parar outras espécies nativas. A Estrada de Ferro Paulista,
de importar carvão para suas fornalhas e a queimar e outras que seguiram sua iniciativa numa escala
no lugar a madeira local que era mais barata. A ima- menor, não resolveram a sua dependência com rela-
gem da lenha empilhada por centenas de metros ao ção às florestas naturais. O cultivo do eucalyptus
largo dos trilhos alarmou o público já desgostoso apenas possibilitou que continuassem a comprar
com as ferrovias porque o valor das passagens não madeira nativa de fornecedores sem protesto públi-
reduziu junto com os preços do café (CARDOSO, co (ANDRADE, 1912; 1958).
1902, p. 343-346). Alberto Locfgren, botânico e o primeiro diretor
A Estrada de Ferro Paulista reagiu perspicazmen- do Horto Botânico de São Paulo em 1898, freqüen-
te ao clamor público contratando o jovem Edmundo temente estava engajado no debate público em fa-
Navarro de Andrade para reflorestar c garantir um se- vor da conservação. Logo em 1902, ele notou a
guro suprimento de energia. Andrade, após experi- presença de uma frente em movimento que estava
mentação, decidiu que o gênero australiano deixando em seu rastro "terrenos exgotados e impro-
Eucalyptus era o mais apropriado para o propósito, dutivos em extensões que c o n s t a n t e m e n t e
porque era o que crescia mais rapidamente. Andrade augmentavam". Ele propôs um serviço florestal esta-
logo tornou-se a principal figura conservacionista, tal e uma lei florestal que iria obrigar os proprietári-
embora a sua definição do conceito fosse bem limi- os a replantar, preferivelmente, florestas heterogêne-
as. No relatório de 1937 à Sociedade Agrícola Naci-
onal, deixou claro que via o conservacionismo
3. Lourenço Baeta Neves, Secas c Florestas; o Estado c a
como um meio de regular investimentos estrangei-
Floresta Particular, Belo Horizonte, 1911; Edmundo Navarro de
Andrade, Qucslões Florestacs. São Paulo, 1915, n.p. ela contém ros, de garantir ótimos e estáveis rendimentos dos
a resolução da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA). Veja produtos florestais, e de prevenir a erosão e a inun-
também Ezequiel C. de Souza Brito, "A Devastação das Flores-
tas", Revista Medica de São Pauto, 5 (1902), 25-91. dação. Loefgren, significativamente, foi sucedido
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por Andrade no Jardim Botânico quando em 1911 dos para expropriar propriedades privadas, tanto
foi reorganizado o Serviço Florestal. Andrade tornou maïs razão tinha para repudiar o poder de fazer isso.
a instituição num viveiro fornecedor de mudas de Os preços altos da terra demonstravam o grau de per-
eucaliptus (LOEFGREN, 1902, pp. 533, 583-590; da potencial do proprietário. "Obrigar um proprietário
Souto, 1917)4. a conservar a sua mata, impedindo-o de explora-la
Hermann von Ihering, biólogo e diretor do Mu- como bem entender, é vexatório, violento e brutal.
seu Paulista, alertou o governo para defender as ter- Muitas vezes o corte de mattas salva da ruína lavra-
ras públicas da usurpação. Elas estavam, afirmava, dores cujas colheitas ficaram perdidas..." Embora,
sendo alienadas por 15 a 20% de seu valor de mer- em declaração posterior, ele reconhecesse a necessi-
cado, atraindo especuladores e empobrecendo o Es- dade de proteger as bacias e prevenir a erosão do
tado. Ele propôs um serviço florestal federal que solo, ele considerou os direitos à propriedade priva-
¡ria inventariar as áreas florestais e seria provido um da absolutos. Na zona noroeste de São Paulo, o cor-
fundo para comprar reservas florestais e bióticas. te das florestas era um benefício público, uma vez
Proibiria de cortar árvores em declividades de mais que a zona jamais poderia ser povoada "enquanto lá
de 30 graus. Ele propôs também que o governo im- houver aquella matta feia, baixa, desegual e insalu-
pedisse a posse nas terras públicas e que regularizas- bre". Apesar dessas opiniões, Andrade continua a ser
se as concessões para as companhias estrangeiras ou lembrado como um herói conservacionista, por cau-
nacionais (IHERING, 1911, p. 485-500). O Estado já sa da admiração por suas áreas de preservação de
havia perdido a maior parte de sua área florestal e eucaliptus, algumas das quais ainda estão para serem
não tinha recursos para comprar de volta mais que vistas (ANDRADE, 1912, p. 100; 1915, pp. 44-46).
uma pequena parte dela pelos correntes preços A defesa da floresta primitiva era realmente uma
especulativos. Ihering, portanto, pediu um imposto posição minoritária. Como o desmatamento poderia
sobre a terra para moderar os preços e fornecer fun- ser impedido se ele fazia fortunas? Monteiro Lobato,
dos para readquiriras terras. uma importante figura literária, transmitia energica-
Alguns conservacionistas, como Lourenço Baeta mente os sentimentos dos paulistas, que nunca ad-
e RS. Rodrigues de Brito, eram favoráveis às limita- miraram, ele disse, a "beleza augusta dos jequitibás
ções constitucionais sobre os direitos de proprieda- de frontes sussurrantes como o oceano, nem o vulto
de privada: "O dono da terra é apenas um adminis- grave das perobeiras milenárias". Sua "ambição fe-
trador do solo, isso lhe foi confiado pelas gerações roz preferia, à beleza da desordem natural beleza ali-
passadas; ... a propriedade territorial deve ter uma nhada da árvore que dá ouro. Nós confessamos: um
aplicação social, atendendo ao interesse coletivo" 3 . espetáculo vale ao outro". Apesar disso, cie admitia,
Essa afirmação foi combatida severamente por que a "Onda Verde" ondulando no horizonte era "in-
Andrade. Defendendo "liberdade" e "iniciativa indi- saciável de húmus" (LOBATO, 1967, pp.3, 5).
vidual" ele insistia que, se o Estado carecia de fun- O ensaísta Alberto Torres, provavelmente a mais
importante figura intelectual daqueles dias, era um
crítico da economia de exportação que exaltava va-
4. As citações em inglês feitas por Warren Dean de tex-
tos em português foram reproduzidas nesta tradução de acor- lores e atitudes estrangeiras. Ele a considerava
do com as fontes originais, seguindo inclusive a sua ortogra- imprevidente e oportunista, procurando ganhos
fia (N. da T.)
imediatos ao custo das gerações futuras. Na verdade,
5. Lourenço Baeta Neves, Preservation of Forests and
Irrigation in Brazil, Albuquerque, NM, 1908, p. 28, cita Brito. a especulação que acompanhava o café, como as pri-
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mciras ondas de expansão econômica, estimulou o ras, e de defender as que estão em produção, contra a ex-
itinerantismo que interferiu com a acumulação "do ploração imprevidente assim como o de proieger todas as
raças e nacionalidades contra as formas de concorrência que
conhecimento dos meios e processos apropriados possam importar ameaça a seus interesses vitaes bem como
para a exploração de nossa Natureza". No Brasil, o a segurança, propriedade e prosperidade de suas descen-
único pensamento era de expansão, "para realizar a dências6.
obra, tão vaidosa quanto illusoria, de 'engrandeci-
m e n t o ' c de e m u l a ç ã o e c o n ô m i c a — s o n h o dos Os brasileiros não ignoravam os melhoramentos
phantasistas dos milenios materiacs". "Nossas flores- agrícolas que foram introduzidos nos Estados Uni-
tas" - ele lamentava — "tão levianamente devastadas dos c em outros países. Cientistas europeus e ameri-
nesse afan de ir estendendo populações aventurei- canos que visitaram o Brasil relataram o seu espan-
ras e empresas capitalistas, que lastram, como pragas to frente à imprevidência da lavoura brasileira. O
devastadoras, por todo território, - sem amor pela ter- ecologista Richard von Wettstein, por exemplo, re-
ra nem interesse pelo futuro h u m a n o " (TORRES, c o m e n d a v a r e f l o r c s t a m e n t o h o m o g ê n e o para
1915, pp. 19-22; BARROS, 1938, pp. 3 1 , 213). incrementar a produtividade e diminuir a pressão na
Torres foi possivelmente o primeiro a empregar o floresta primária. Um artigo apresentado por um ci-
termo "conservação" no sentido que adquiriu nos entista brasileiro antes do Congresso Científico Pan-
Estados Unidos. Isto estava cm sua proposição para Americano em 1905 apontou o quão atrasado esta-
uma nova constituição, publicada em 1913, que in- va o Brasil comparado com a Argentina. O último
cluía uma medida para "defesa do solo e dos recur- estava importando 50 vezes mais equipamentos agrí-
sos naturais do país". Ele considerava conservação colas e seu governo estava gastando 14 vezes mais
"fundamental, extraordinária". Estava convencido per capita cm agricultura (WETTSTEIN, 1970, p. 94;
de fato que a proteção das bacias, reflorestam en to c CARMO, 1908).
irrigação eram mais prioritários que estradas c estra- Autoridades b r a s i l e i r a s tinham c o n h e c i m e n t o
das de ferro. Ele pediu pela "reparação das regiões dos esforços conservacionistas d e outros países c
estragadas, de concentração das populações nas zo- sentiam-sc obrigadas a tentar acompanhá-los. André
nas já abertas à cultura, sendo educado o homem R c b o u ç a s , um e n g e n h e i r o , c o n c e s s i o n á r i o d e
para aproveitai-as c para as fazer fructificar, valori- madereira e político reformista, pediu já em 1878
zando-as". O conservacionismo de Torres era um ca- por parques nacionais a serem criados em Sete Que-
minho para resolver o conflito entre seu apaixonado das e Iguaçu, seguindo o modelo de Yelloswstone. A
nativismo c as idéias originárias na Europa sobre expansão do sistema de parques dos Estados Unidos
determinismo biológico e geográfico. Conservação, com Theodore Roosevelt, a sua convocação d e um
junto com investimento em capital humano, deveria congresso nacional para problemas de conservação,
derrubar concepções européias sobre a improprieda- e o manejo de florestas d e Gifford Pinchot eram sem-
de dos trópicos para civilização e sobre a inferiori- pre mencionados pelos políticos brasileiros assim
dade racial dos brasileiros. Conservacionismo, en- c o m o pelos cientistas. O relatório de Raphael Zon
tão, deveria ajudar a afastar o expancionismo euro- sobre reservas florestais mundiais no Segundo Con-
peu e americano: gresso Científico Pan-Americano, em 1915, foi tam-

A civilização tem o dever de conservar as riquezas


inexploradas da Terra, reservas destinadas às gerações futu- 6. As Fontes..., pp. 19-22; O Problema..., pp. 3 l , 213
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bém muito comentado, como foram as leis florestais posteriores desse tipo, que as mudas jamais fossem
européias. Como as organizações conservacionistas de fato plantadas.
nos países avançados procuravam conexões interna- Em 1920, o presidente Epitácio Pessoa, obser-
cionais, como o Congresso Internacional de Flores- vando que o Brasil era o único país coberto por
tas em Paris em 1913, cientistas e burocratas brasilei- florestas sem um código florestal, converteu o vi-
ros sentiam-se impelidos a participar, embora os es- veiro de árvores do Rio de Janeiro num Serviço
forços brasileiros fossem ainda mínimos7. Florestal Federal. No decreto regulamentando o
Durante o século XIX, o controle colonial sobre Serviço este mudou apenas de nome; uma década
as florestas privadas foi desmantelado e poucas ini- depois ele estava fazendo pouco mais que distribuir
ciativas foram tomadas para proteger as florestas pú- mudas. Além de falta de recursos ou lei para execu-
blicas. Em 1904, a Assembléia estadual do Rio de tar, o Serviço também carecia de florestas para man-
Janeiro discutiu, mas não aprovou, um código rural ter desde que a Constituição republicana havia de-
que teria proibido o corte particular nas terras públi- volvido todas as terras públicas aos Estados. O go-
cas e iria requerer dos proprietários que desejassem verno federal não conseguiu persuadir os Estados a
desmatar suas próprias florestas uma solicitação à devolverem algumas de suas áreas florestais para
sua câmara municipal. A caça iria exigir licenças. No criar reservas. Acordos foram finalmente assinados
mesmo ano, o governador de Minas Gerais propôs com alguns Estados para auxiliá-los a fundar seus
uma lei similar para o seu estado, mas não foi aceita próprios serviços florestais (PEREIRA, 1950, p. 104;
pela assembléia. Em 1907, o estado do Paraná con- LOPES, 1930, p. 31).
seguiu aprovar seu próprio código florestal, mas A Revolução de 1930 marcou uma mudança no
não foi executado. Um de seus autores caracterizou sentido de uma política conservacionista mais
mais tarde a lei como "mera decoração ... como se ja- intervencionista. O novo governo de Getúlio Vargas
mais tivesse existido" (RAMOS, 1969, pp, 73-91; permaneceu no poder, sob vários pretextos, por
MARTINS, 1944, p. 101; LIMA, 1933). Em 1918, o go- quinze anos. Impelido por crises da economia mun-
verno federal, pressionado pela falta de carvão cm ra- dial, ele mostrou fortes tendências centralizadoras.
zão da guerra, decretou subsídios c concessão grátis Sua elite reformadora via os recursos naturais como
de terras próximas a siderúrgicas, fábricas e estradas um fundo coletivo que deveria ser eficientemente
de ferro, para qualquer um que se comprometesse a empregado pelo bem da nação. Entretanto, surgiu na
replantar mudas de árvores. Em vinte meses foram época uma nova geração de conservacionistas que
apresentados pedidos para vinte milhões de mudas, ligava suas preocupações e carreiras ao emergente
os fundos do governo esgotaram-se, o decreto foi re- Estado-Nação.
vogado. E inevitável, considerando experiências
Provavelmente, o mais ativo desses conser-
vacionistas foi Alberto José de Sampaio, diretor do
7. A. Locfgreen, " C o n s e r v a ç ã o do Malos," Bol. da
Museu Nacional. Sampaio escrevia a favor do reflo-
Agircultura, 4 (1903): 134; A. Fontenclle, A Devastação .... restamento e das reservas naturais desde 1912. Em
p.6. Curiosamente T. Roosevelt não fez referência a esse as- 1926, apresentou um relatório sobre as florestas bra-
sunto na sua narrativa sobre a sua visita ao Brasil, apesar de
F. C. Hoehne o 1er acompanhado, vide Through the Brazilian sileiras numa conferência internacional em Roma.
Wilderness, New York, 1914; Zon, "South American Forest Pretendia com este relatório, logo após publicado no
Resources and their Relation to ihe World's Timber Supp'*,
Brasil, estimular o governo a fundar um Serviço Flo-
Pan American Scientific Congress, 2nd, Washington, 1915-
1916, Proceedings (Washington, 1917), 3:483-492. restal. Nele ele tomou a posição pela intervenção do
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Estado nas florestas particulares de forma parcial, uma referência ao seu uso de fogo na lavoura. Apa-
como ele colocou, entre Andrade e políticas rentemente, suas opiniões estavam evoluindo dentro
estatistas como a da Finlândia. Ele apresentou uma da tecnocrática e elitista atmosfera do governo
teoria sobre estágios históricos com relação à políti- Vargas (SAMPAIO, 1838, pp. 16-17, 165; 1935,
ca florestal, na dinâmica da qual estava o aumento p.210; MARIANO FILHO, 1934).
da escassez da floresta natural. O Brasil, ele afirma- Outra figura expressiva era Frederico Carlos
va, havia saído da época primitiva do desmatamento Hoehne, chefe do Instituto Botânico de São Paulo.
sem replantio, estava em transição e avançando em Hoehne era primordialmente um taxionomista, mas ti-
direção ao estágio das florestas artificiais, homogê- nha interesse também em geografia c ecologia. Ele
neas e altamente produtivas (SAMPAIO, 1912; defendia o reflorestamento com espécies nativas e
1926, pp. 134-137). lamentava a "xenofilia" que levava cidades do inte-
Sampaio era freqüentemente entrevistado pela rior a ornar suas ruas com espécies européias. Em
imprensa. Ele falava geralmente antes de grupos cí- 1924, ele levou avante uma campanha no jornal
vicos e apresentava, no Museu Nacional, cursos de para salvar a floresta do Jabaquara, no lado sul de
biogeografia que eram impressos em fascículos nos São Paulo, afirmando que ao "homem assiste o direi-
jornais. Educação pública era uma de suas principais to de dispor das árvores como de tudo que a nature-
preocupações, e ele foi responsável por programas za lhe offerece, como melhor entender mas, com isto
de escolas em história natural e organizou grupos não podemos outorgar direitos a particulares em pre-
conservacionistas no Rio de Janeiro. Por volta de juízo certo da collectividade" (HOEHNE, "Em Defe-
1935, cie passou a acreditar na eficácia do poder do sa da Flora Indígena", O Estado de São Paulo, Feve-
Estado. Eficiência, na aplicação de medidas reiro 10, 15, 1924; Excursão Botânica Feita pelo
conservacionistas como outros assuntos, dependia Sul do Estado de Minas Gerais e Regiões Limítrofes
da "técnica, educação c força". Força, a "garantia de do Estado de São Pauto, São Paulo, 1939, p. 27).
ordem", era efetivamente empregada na Itália, onde Hoehne foi possivelmente o primeiro a chamar a
o serviço florestal era militarizado (SAMPAIO, mar- atenção no Brasil para a necessidade de reservas ge-
ço 1935, p. 13; 1935, pp. 7-8,111-112; 1938, p. I5). néticas, num relatório de 1927: "Aquilo que a natu-
Sampaio não hesitou em expressar bases estéti- reza criou, uma vez destruído, jamais poderá ser ar-
cas e morais assim como práticas para seu ranjado artificialmente e ... nas matas c campos sel-
conservacionismo. "Precisamos ter florestas, defen- vagens ainda temos milhares e milhares de plantas e
der as florestas, pelo simples motivo de serem boni- animais que não conhecemos e que um dia, talvez,
tas em sua majestade". Ele exibia impulsos contradi- poderão tornar-se muito importantes e úteis para
tórios com relação aos sertanejos. Em uma ocasião nós". Ele salientou que a floresta primitiva proveu
ele disse a um público, fazendo eco às preocupações habitats para pássaros, insetos c animais que prote-
sociais de Alberto Torres, que as florestas tinham que giam os cafeeiros e outras culturas de predadores e
ser protegidas porque elas eram habitadas por serta- parasitas. Criticou também os esforços para reflores-
nejos, que formavam a "o cerne da nossa raça". Pou- tamento de países adiantados. Eles não são modelos
co depois, entretanto, ele propôs que deveriam mas experimentos condenáveis:
"chamá-los imediatamente à civilização", para me-
lhorar seus meios de subsistência "e impedir que se- sirva-nos a lição de outros países, que, depois de have-
jam elles, eternos fatores de destruição da natureza", rem despido o solo das florestas primitivas e naturais, hoje
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se esforçam para restabelecer a biota e as condições do óti- cientistas conservacionistas e um fórum para o pú-
mo, por meio deflorestasartificiais, sem jamais o consegui- blico leitor interessado8.
rem (HOENE, 1939, pp. 98-101; KUHLMANN, 1947).
O regime de Vargas preferiu soluções tecno-
Um verdadeiro combativo conservacionista era cráticas para os problemas nacionais, mas não podia
Armando Magalhães Correa, também professor no impedir, ate certo ponto, a mobilização da classe
Museu Nacional c jornalista no Correio da Manhã. média, que estava ocorrendo de qualquer forma
Em 1923, cie publicou nesse jornal uma série de ar- como conseqüência da crescente urbanização e de-
tigos no qual ele descrevia excursões no "sertão ca- senvolvimento econômico. Vargas confrontou o
rioca" — a periferia da cidade do Rio. Lá ele encon- Congresso que, além disso, representava as aspira-
trou o sertanejos que protegiam os mananciais e a re- ções da classe média. Havia algumas participações
serva florestal e outros que traziam para a cidade seu tangenciais cm questões conservacionistas por gru-
carvão, lenha, madeira, cestos, esteiras, tamancos, pos cívicos, notadamente o Touring Club do Brasil,
cabos de machado e dúzias de oulros bens c pesca- no Rio de Janeiro, cujos guias receberam documen-
vam seu peixe, caranguejos e camarões. Os artigos, tos de identificação da Guarda Florestal nos primei-
logo reunidos num livro, revelaram o duro trabalho ros tempos do Serviço Florestal. A Federação Brasi-
que produzia a subsistência da cidade ao custo do leira para o Progresso Feminino também adotou po-
devastamento de todo meio ambiente. Correa in- sições conservacionistas, provavelmente cm parte
cluiu fortes apelos para a conservação, especialmen- por causa de sua líder Berta Lutz, outra bióloga do
te para o replantio de árvores, a regulamentação da Museu Nacional. Duas organizações diretamente
caça e a formação de refúgios para a vida selvagem. preocupadas com conservação, contudo, tinham
O sertão carioca persuadiu diversas associações na considerável influência na legislação conserva-
cidade da validade do conservacionismo, incluindo cionista do período inicial do governo Vargas - a
os sindicatos de professores c pescadores (CORREA, Sociedade Amigos de Alberto Torres e a Sociedade
1935). Amigos das Arvores. Havia mais de mil sedes da So-
ciedade dos Amigos de Alberto Torres no final da dé-
Antes de 1930, as atividades de associações tive-
cada de 1930. Elas tomavam ativa posição em ques-
ram um p e q u e n o papel nas poucas medidas
tões locais de conservação e funcionavam como uma
conservacionistas promulgadas. Havia poucas insti-
organização educacional, providenciando ferramen-
tuições educacionais e de pesquisa como o Museu
tas, sementes c instrução a jovens. A Sociedade Ami-
Nacional, o Museu Paulista e a Sociedade Geográfi-
gos das Árvores, fundada em 1931 por A. J. Sampaio,
ca do Rio de Janeiro, fundadas pelo governo, mas
pressionava por uma lei florestal e por reforma agríco-
a u t ô n o m a s , que pressionavam por políticas
la c levava avante campanhas educacionais entre a
conservacionistas. Organizações de agricultores, es-
elite. A Sociedade protestou contra o desflorestamento
pecialmente a Sociedade Agrícola Nacional e a So-
na área do Rio de Janeiro e convocou a Primeira Con-
ciedade Agrícola Paulista, aprovaram resoluções em
favor da conservação das florestas. Federações e
congressos, como o dos governos municipais ocor-
rido em Minas Gerais em 1923 e o Congresso Fazen-
8. Legislação florestal, 2:171-172; Sociedade Nacional
das e Sítios havido no Espírito Santo em 1929, re- de Agricultura, Congresso de Agricultura, 2nd, Rio de Janei-
sultaram em declarações similares. A revista Cháca- ro, 1909, Conclusões (Rio, 1909); Congresso das
Municipalidades Mineiras, Belo Horizonle, 1923, Annacs
ra e Quintais providenciou uma plataforma para os (Belo Horizonte, 1924).
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fcrêncía Brasileira sobre Proteção Natural em 1934 guarda florestal foi designada c as bases da organi-
(RIBEIRO, 1941, pp. 24-25). zação de parques nacionais e estaduais foram
A Conferência reuniu delegados de vários esta- traçadas (BARROS, 1952; CAVALCANTI, 1978).
dos, a maioria cientistas e funcionários do governo. Até a publicação do Código Florestal federal, as
Uma revisão da situação florestal foi apresentada únicas reservas florestais do Brasil eram aquelas do
para cada um dos estados. No Rio de Janeiro, foi Alto da Serra, acima da cidade de Cubatão em São
lembrado, nenhuma floresta tropical havia sobrevi- Paulo e Itatiaia, na Serra da Mantiqueira, no extremo
vido; no Espírito Santo e Minas Gerais a extensão oeste do estado do Rio de Janeiro. Alto da Serra foi
da destruição das florestas era "calamitosa", e em doada para o estado por Hermann von Ihering em
São Paulo, apesar do reflorestamento, o desma- 1909, e Itatiaia, a área de uma fracassada colónia de
tamento estava muito propagado. Foram apresenta- imigrantes, foi adquirida pelo governo federal pela
dos relatórios sobre atividades de instituições e or- recomendação de Alberto Loefgrecn. Alto da Serra,
ganizações colaboradoras. O relatório representati- tendo apenas 500 hectares em extensão, continha
vo da Argentina demonstrou que o Brasil estava uma notável, aparentemente primária, floresta pluvi-
muito atrás cm medidas conservacionistas. Aparen- al de montanha. Itatiaia era um espetáculo extraordi-
temente, pouca pesquisa havia sido feita no Brasil; nário, atingindo quase 3 000 m., exibindo diversas
praticamente todos os projetos descritos eram edu- zonas ecológicas, inclusive campos de altitude.
cacionais. Na verdade, o propósito da Conferência Sendo a princípio uma estação de pesquisa ligada ao
era claramente pressionar por implementação do Có- Jardim Botânico do Rio de Janeiro, ela adquiriu
digo Florestal e outros recem aprovados e pela cria- nova identidade em 1937 como o primeiro parque
ção de um sistema nacional de parques (SAMPAIO, nacional. Apenas dois outros foram criados com
março 1935, pp. 10-11, 48-55). Vargas, o da Serra dos Órgãos, uma pequena e pito-
O governo Vargas decretou entre maio de 1933 e resca montanha acima do Rio de Janeiro, e o do
outubro de 1934, sob o conselho de Sampaio, Iguaçu, beirando a imensa queda d'água no Paraná.
Hochne, Andrade e outros conservacionistas, urna Este pequeno resultado deve ter sido desapontador
série de códigos regulamentando as expedições ci- para aqueles que elaboraram o Código Florestal. Pro-
entíficas, o uso da água, as minas, a caça e a pesca, jetos foram apresentados para diversos outros par-
c as florestas. Uma nova Constituição, também de- ques e reservas biológicas, mas eles não foram exe-
cretada em 1934, transferia tanto para os Estados cutados. O fracasso em criar e proteger parques su-
quanto para o governo federal o poder de proteger as gere que a fase ditatorial do governo Vargas, inicia-
"belezas naturais c monumentos históricos de valor da em 1937, representou um declínio nos impulsos
artístico". O Código Florestal, todavia, negava aos conservacionistas. Serra dos Órgãos parecia ter rece-
proprietários direitos absolutos à propriedade. Ele bido efetiva proteção meramente porque uma indús-
proibia, nas propriedades privadas inclusive, o cor- tria têxtil local desejava ter seu córrego protegido, c
te de árvores ao longo dos rios, ou árvores que eram o parque do Iguaçu refletia a pressão internacional,
refúgio de espécies raras, ou aquelas que protegiam depois que a Argentina estabeleceu um parque no
bacias. Proibia todos proprietários de cortarem mais seu lado das quedas. Esta inércia sugere que a clas-
que 3A das árvores remanescentes na propriedade. se média civil conservacionista era bem mais respon-
Era requerido às indústrias que replantassem árvores sável pelo pouco que havia sido realizado do que os
o suficiente para manterem suas operações. Uma tecnocratas, os quais saíam principalmente dos qua-
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dros baixos de oficiais militares (ROQUETTE-PIN- verno federal, além disso, Fixou meios insuficientes
TO, março 1935; ATWOOD, 1941). para executar os Códigos. A guarda florestal referida
Enquanto isso, várias reservas foram esta- no Código Florestal não foi criada; no lugar, espera-
belecidas pelos Estados. Minas Gerais pegou um pe- va-se que as forças policiais locais protegessem as
daço de 36 000 hect no Rio Doce que era o último florestas como um dever adicional. Por volta de 1953,
grande remanescente de uma floresta não alterada no em todo o Brasil, apenas 216 municípios haviam es-
Estado. São Paulo encarregou-se de proteger sete tabelecido as delegações florestais requeridas. O Con-
áreas florestais, das quais a maior de longe era o selho Florestal Federal, com poucas reservas a vigiar
"Pontal," encravado no extremo oeste do Estado. No c sem polícia para executar a lei sobre propriedades
Espírito Santo, florestas públicas foram autorizadas privadas, continuou a se ocupar com a arborização do
em Linhares e São Mateus e reservas biológicas fo- Rio de Janeiro. A cláusula que determinava que os
ram criadas em Sooretama c Santa Teresa. Estas proprietários deveriam providenciar a notificação cm
reservas, apesar de poucas, eram extremamente im- 30 dias ao Serviço Florestal antes de desmatar era um
portantes e incluíam a maioria das florestas remanes- malogro; a burocracia era incapaz de reagir em 30
centes relativamente não alteradas desses estados. dias. De fato, poucos proprietários se preocupavam
Sua organização foi resultado de enorme esforço cm providenciar a notificação (MATTOS, 1953, p. 33;
da parte de um punhado de conservacionistas, LOUREIRO, 1954, pp. 315, 472; Brazil, Câmara dos
notadamente Fernando da Costa, secretário estadual Deputados, Comissão Especial de Defesa dos Recur-
da agricultura e interventor em São Paulo de 1941 a sos Naturais do País, Sugestão dos Técnicos do Mi-
1945, Augusto Ruschi, um eminente naturalista no nistério da Agricultura à Nova Legislação Florestal
Espírito Santo ligado ao Museu Nacional e Manuel (Rio, 1954); FERREIRA DE SÁ, 1952, p. 36; MARIANO
Ribas, interventor de Vargas no Paraná (RIBEIRO, FILHO, Diário Oficial, 10 de dezembro de 1945). Os
1941, pp. 3, 7,8, 13; RUSCHI, 1948; MAACK, 1961, mesmos conservacionistas, que requeriram o Código,
P. 42). pediram, então, por sua revisão. O Congresso estabe-
leceu um comitê com esse propósito em 1948, mas
A ditadura de Vargas caiu em 1945; o período um novo código florestal não foi votado nos próxi-
subseqüente de governo constitucional não marcou mos 17 anos.
uma clara volta do conservacionismo. Os códigos do
começo da década de 1930 provaram ser ferramentas É significativo que a burocracia civil conser-
deficientes. Por um tempo, após a Constituição de vacionista tenha tentado obter o apoio dos militares.
1946 ter sido promulgada, as cortes estavam incertas Em 1951, José Enrico Dias Martins, então o chefe do
se os Códigos estavam ainda em vigor. Elas decidi- Departamento Nacional de Produção Vegetal, deu um
ram que um proprietário que tivesse reduzido as ma- curso na Escola Superior de Guerra onde ele descre-
tas de suas terras a um mínimo de V£ poderia vender via o Brasil como o mais "exausto, erodido país do
esse quarto com floresta a um novo proprietário c este globo, com apenas 400 anos de existência" e lamen-
teria o direito de desmatar outros 3A — e assim por di- tava a "marcha para o deserto". "Nenhuma tarefa é
ante, até, presumivelmente, o último broto. Embora mais urgente para proteger, manter e restabelecer,
fosse exigido das indústrias que replantassem árvores, através de regeneração espontânea ou re florestamen-
outros desmatadores, incluindo os empreiteiros que to", ele disse, fazendo eco à frase de Alberto Torres,
forneciam madeira para as indústrias,não eram obriga- "nossas fontes de vida ..." Este apelo não parece ter
dos (PEREIRA, 1959, p. 5; VIERA, 1981, pp. 5-6). O go- tido eco no principal centro de planejamento militar,
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onde a doutrina da segurança nacional estava até de outros. Assim o governo estadual de Minas Ge-
aquela epoca sendo forjada e aplicada à questão do rais resolveu instalar uma usina na reserva do Rio
controle doméstico do recursos não renováveis. Ne- Doce, junto com um hotel para turistas. Mais difun-
nhum outro curso desse tipo foi apresentado até a dido e maligno era a corrupção na aplicação das leis.
década de 1980 ". Em princípios da década de 1950, um professor da
Ao longo da década de 1950, a lenha constituía Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, foi à
80% ou mais do consumo de energia brasileiro. Por capital do estado, Belo Horizonte, para pedir 100
volta da metade da década de 1950, 875 km2 de hect de terras públicas, seu direito legal como
matas eram cortadas anualmente para suprir o Rio de diplomado em uma escola de agricultura. Pretendia
Janeiro com lenha. Projetos de reflorestamento não transformar a sua concessão numa reserva florestal.
reduziram apreciavelmente a remoção da floresta Ele não foi recebido pelas agências governamentais,
natural para fornecimento de combustível. Compa- entretanto, e por fim ele foi comunicado informal-
nhias siderúrgicas haviam iniciado experimental- mente de que iria receber seu título apenas com a
mente o reflorestamento durante a guerra. A Usina condição de que o vendesse a um fornecedor de le-
Bel go-M ineira começou uma plantação de nha da Usina Belgo-Mineira10.
eucaliptos quando descobriu, para seu alarme, que Na metade da década de 1950, duas das últimas
as terras que eles desmataram nos anos 20 não rever- grandes áreas do sudeste do Brasil ainda cobertas
teram novamente em florestas como se esperava, mas com floresta primitiva foram destruídas, com a coni-
cm mato. Por volta de 1955, entretanto, todo o vência de agentes do governo. Na zona disputada
eucaliptus e pinho plantado no Brasil representava fronteiriça entre Minas Gerais e Espírito Santo imen-
em torno de 500 milhões de árvores, ocupando sas florestas foram cortadas por madeireiros comerci-
2 000 km2, somente 0,001 % da área uma vez flores- ais. Negociantes clandestinos requereram a conces-
tal (VALVERDE, 1964, pp. 1, 362). são de terras públicas baseados em fraudulentas ale-
As reservas declaradas formalmente sob prote- gações de ocupação prévia. Os cartórios locais esta-
ção dos governos federais e estaduais eram em reali- vam desejando confirmar as concessões e a polícia
dade altamente vulneráveis. Para um caçador ou um local certificou que as vendas de madeiras eram
lenhador clandestino possuidor ou não de terras pró- eventuais. Transportadores de madeira, quando
prias, era bem mais barato caçar ou desmatar em ter- questionados na Zona Litigiosa, poderiam apresen-
ras públicas até que nada fosse deixado para ser re- tar o produto como originário de qualquer um dos
movido: passarinhos aves canoras, borboletas, or- Estados, dependendo da identidade da polícia que
quídeas, bromélias, animais de caça, peles e essênci- lhes interpelava. Essas práticas eram denunciadas,
as medicinais, assim como madeira. O governo era mas não eram sustadas. Por volta da década de 1960,
algumas vezes parceiro nessas atividades, uma vez a floresta primária da região já não existia mais11. O
que era efetivamente mais barato gastar seus própri- Pontal, que o estado de São Paulo declarou protegi-
os recursos do que pagar para expropriar os recursos do em 1942, compreendia 2 500 km2 de terra públi-

9. José Weurico Dias Martins, "Capacidade de Produção: 10. Arlindo de Paula Gonçalves, Entrevista, Departamen-
Reflorestamento e Erosão"(Confcrências na Escola Superior to florestal, Universidade Federal de Viçosa, 24 de agosto de
de Guerra; Rio, 1951, mimeo, "confidencial"). 1981.
Esso obra não foi localizada sendo a citação, portanto, 11. Alvaro Marcílio, O problema das ierras devolutas e
uma tradução da versão cm inglês dada por W. Dean (N. da T.) suas matas no estado de Minas Gerais (Belo Horizonte,
114 Warren Dean / Revista de Historia 133 (1995), 103-115

ca entre os rios Paraná e Paranapanema, uma área de tas públicas, mas daquela área por volta de 1969
floresta semi-decídua de baixo clímax. Dez anos de- apenas 51 km estavam livres de posseiros. A Socie-
p o i s , essa remota região ficou sob ataque de dade Agrícola Nacional queixou-se em 1956 de que
especuladores, os quais tinham o apoio do governa- o Código Florestal c outras leis florestais federais e
dor Adhemar de Barros. Contrariando o decreto que estaduais "nenhum foi, ou tem sido cumprido".
criou a floresta estadual, ele autorizou uma compa- Mauro Victor, quando chefe do Instituto Florestal de
nhia de colonização para subdividir a terra dentro da São Paulo, traçou a história da destruição das matas
reserva. Apesar da furiosa campanha da imprensa, a em seu estado e concluiu amargamente que
usurpação continuou, ate que a área, despida de ár-
vores, foi em 1966 finalmente retirada de proteção. a ação do Estado foi tão inócua neste sentido ou tão
O Pontal foi queimado c desmatado por trabalhado- minimizada no campo da defesa florestal que, excluindo-se
res contratados, seus empregos alardeados publica- o trabalho realizado nos Parques e Reservas Estaduais, é -
se tentado a indagar - que aconteceria se o Estado adotasse
mente para justificar a invasão. A maioria deles foi a política do laissez-faire nesse campo? Os resultados tal-
então expulsa, a terra foi semeada com capim e o vez fossem idênticos (VICTOR, São Paulo, n.d., p. 25;
gado foi colocado ali. A população que permaneceu LEITE, 1979, pp. 17, 19-20).
lá até o final da década de 1970 era tão miserável
que o equivalente brasileiro do VISTA corps (Volun- O custo foi alto. O clima foi realmente alterado e
tários cm Serviço para a América) enviou para lá vo- a chuva não foi por muito mais tempo adequada-
luntários de Alagoas, um dos Estados mais pobre do mente absorvida, causando profundas erosões c cm
país12. alguns lugares o fracasso do cultivo anual. Matos re-
O fim da Zona Litigiosa e do Pontal foram even- sistentes ao fogo tornaram-se ervas daninhas inva-
tos cruciais. Resta pouco das florestas do sudeste dindo matas e áreas de agricultura. F. C. Hoehenc
para ser expropriado por interesses privados estimou em 1945 que 300 espécies de orquídeas já
imediatistas e especulativos. Conservacionistas no haviam sido perdidas, principalmente pela destrui-
Paraná tentaram proteger quase 10 000 km de flores- ção de seu habitat (FOSTER, 1945, p. 122). O êxodo
rural no sudeste do Brasil, usualmente pensado
como uma conseqüência da concentração da terra e
1961); Reportagens do jornal Folha da Manhã, Diário de
São Paulo, c O Estado de S, Paulo, março de 1954. No ori- outras injustiças sociais é também resultado de ca-
ginal cm inglés hi um erro na numeração das notas de tástrofes ambientais como estas. O mais importante,
rodapé a parlir da noia n. 37. Nesla tradução essas notas fo-
ram reorganizadas com base na pesquisa das obras ciladas
o fim da mata Atlântica no sudeste do Brasil foi uma
(N. da T.) grande tragédia histórica, um bioma de meio milhão
12. "Esperança para o Pontal", O Estado de S. Paulo, 9 de km cm extensão prodigamente condenado à
de março de 1973; " A d v e r t ê n c i a s não Impedem o
Desmalamento do Pontal", O Estado de S. Paulo, 11 de mar- extinção, reduzido a cinzas em troca de magros re-
ço de 1976. tornos e impossível de ser restaurado.
Warren Dean I Revista de ória 133 (1995), 103-115 115

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