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BOL. MUS. BIOL. MELLO LEITÃO (N. SÉR.

) 13:45-52 MARÇO DE 2002 45

Notas taxonômicas para espécies brasileiras de


Vanilla Mill. (Orchidaceae)

Claudio Nicoletti de Fraga1

ABSTRACT: Taxonomic notes on the Brazilian species of Vanilla Mill.


(Orchidaceae) – Type-specimen analysis description and illustration of three
species of Vanilla from Brazil are presented. Vanilla dubia Hoehne was
originally described based on deficient material; it had not been colleted since.
Vanilla dungsii Pabst and Vanilla denticulata Pabst had never been fully
illustrated before. New information from the Orchidaceae archives of the
Herbarium Bradeanum have helped to provide more precise description and
illustration for identifying the taxa.
Key words: Vanilla, Orchidaceae, Brazil.

RESUMO: Este trabalho consiste na análise dos tipos, descrição e ilustração


de três espécies de Vanilla com distribuição no Brasil. Vanilla dubia Hoehne
teve sua descrição baseada em material duvidoso e desde então nunca mais
foi coletada. Para Vanilla dungsii Pabst e Vanilla denticulata Pabst, nunca
ilustradas completamente, são apresentadas novas informações provenientes
do fichário da família Orchidaceae do Herbarium Bradeanum, gerando
descrições e ilustrações mais concisas para a determinação dos taxa.
Palavras-chave: Vanilla, Orchidaceae, Brasil.

O gênero Vanilla Mill. quando revisado por Rolfe (1896) apresentava


50 espécies com distribuição Pantropical, sendo 15 espécies distribuídas pelo
Brasil e Guianas. Atualmente são reconhecidas ca. 100 espécies para o gênero
(Dressler, 1993) e 30 espécies distribuídas pelo Brasil (Pabst & Dungs, 1975;
1977).
Algumas espécies brasileiras encontram-se bem conhecidas, com
razoável número de coletas documentadas em herbários, enquanto outras são
conhecidas apenas pelo material tipo. Dentre estas algumas foram descritas
através de material duvidoso ou tiveram nas descrições originais ilustrações
poucos elucidativas. Estes problemas dificultam a aplicação de nomes corretos
para novas coletas, sendo grande o número de materiais identificados apenas
em nível genérico nos herbários brasileiros.

1. Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Curadoria de Coleções Vivas.


Rua: Jardim Botânico, 1008, 22.470-051, Jardim Botânico, Rio de Janeiro, RJ, Brasil,
cnfraga@jbrj.gov.br
46 FRAGA: TAXONOMIA DE VANILLA

Este trabalho tem o objetivo de fornecer descrições e ilustrações mais


completas, para Vanilla dubia Hoehne, Vanilla dungsii Pabst e Vanilla
denticulata Pabst, com novos dados extraídos de material recentemente
coletado e do fichário de Orchidaceae idealizado por Guido Pabst, contando
também com ilustrações originais de Brade, atualmente à disposição para
consultas no Herbarium Bradeanum.

Vanilla dubia Hoehne, Arq. Bot. Est. S. Paulo 1 (6): 126. 1944. TYPUS:
Sem dados de localidade e data (fl., fr.), Schwacke 11.107 (holotypus, RB!)
Figura 1.
Planta escandente. Raízes adventícias. Caule cilíndrico com entrenós
de 2,9-8,5 cm de comp., 0,3-0,5 cm de diam.. Folhas linear-oblongadas, crasso-
coriáceas, acuminadas, 5,5-20 x 2,3-3 cm, bases com pseudopecíolo de 0,6-1,2
x 0,3-0,5 cm. Inflorescência racemosa, pauciflora, 2,7-3 x 0,2 cm; brácteas
côncavas, ovaladas, agudas 3-4 x 4-5 mm. Flores sucessivas, pedunculadas.
Ovário séssil de 1,5-3,8 cm de comp.. Sépalas linear-lanceoladas, agudas,
atenuadas para a base e espessadas para o ápice, 4,8-6,2 x 0,8-1,0 cm. Pétalas
linear-lanceoladas, obtusas, pouco atenuadas e curvadas em direção a base,
com nervura central destacada externamente e unguiculada no ápice, 4,6-5,8 x
0,6-0,7 cm. Labelo concrescido com a coluna até a metade, aberto
posteriormente em limbo côncavo-infundibulado, ligeiramente trilobado, 4,6-5
x 2,2-2,4 cm quando distendido; lobos laterais inteiros, eretos, levemente
ondulados; lobo mediano ovalado, obtuso, recurvado, ornado no centro por
barbelas lumbricóides longas, destacadas devido a curvatura do ápice do labelo,
disco provido de um fascículo de lamelas membranáceas e fendilhadas sob a
antera. Coluna pilosa na face inferior, rostelo proeminente 3,2-3,6 cm de comp..
Fruto carnoso, séssil, pouco curvado, achatado lateralmente 10 x 1,5 cm.
Material adicional examinado: Brasil, Espírito Santo, Santa Teresa, estrada
para Pedra da Onça, vale beira do rio, 750 m, 10/IX/1998 (fl.), L. Kollmann
519, E. Bausen & W. Pizziolo (MBML).
Hoehne (1944) ao descrever esta espécie levanta a suspeita do material
ter sido misturado, por contar apenas com uma folha, sete flores e um fruto,
separados e com uma etiqueta que apresentava somente o número de coleta
de Schwacke. O reencontro deste táxon na natureza possibilitou a comparação
com o material tipo, bem como esclarecer dúvidas referentes a sua distribuição
geográfica.
As folhas do material L. Kollmann et al. 519, embora menores (5,5-
10,6 x 2,3-2,9 cm) se enquadram morfologicamente com a do tipo (20 x 3
cm), vindo a confirmar a possibilidade de uma mesma procedência dos
materiais.
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Figura 1. Vanilla dubia Hoehne: A. Hábito e inflorescência. B. Sépala dorsal em vista


ventral. C. Pétala em vista ventral. D. Ápice da pétala em vista lateral com unguículo.
E. Sépala lateral em vista ventral. F. Labelo em vista ventral e coluna. Ilustração do L.
Kollmann et al. 519, por C. N. Fraga.
48 FRAGA: TAXONOMIA DE VANILLA

Embora não exista nenhuma indicação no material tipo do local de coleta


desta espécie, Hoehne (1944, 1945) indicou o Estado de Minas Gerais como a
possível distribuição desta espécie, possivelmente por se tratar de uma coleta
depositada anteriormente no Herbário Leônidas Damázio em Minas Gerais.
A localidade de coleta de Vanilla dubia no Estado do Espírito Santo
encontra-se em uma região de Mata Atlântica com diversos afloramentos
rochosos inseridos em meio a floresta, cobertos predominantemente por
vegetação herbácea adaptados ao ambiente xérico, com alguns representantes
da flora dos campos rupestres de Minas Gerais (Porembski et al., 1998), o que
não afasta a possibilidade desta espécie ser encontrada também neste Estado.

Vanilla dungsii Pabst, Bradea 2 (10): 49. 1975. TYPUS: Rio de Janeiro, Nova
Friburgo, 1300 m, Fev. 1973 (fl.), F. Dungsi s.n. (holotypus, HB!) Figura 2.
Planta escandente. Raízes adventícias com apenas 4,0 cm de diam..
Caule, espesso, cilíndrico 0,4-0,6 cm diam, com entrenós de 16-18 cm de
comp.. Folhas lanceoladas, carnosas, distintamente pseudopecioladas, 20 x
4-5 cm; pseudopecíolo com 1-1,5 cm de comp.. Inflorescêcia multiflora, 5
cm de comp.. Flores sucessívas, brancas. Sépala dorsal estreitamente
aguda-espatulada, 5 x 0,8 cm de comp. na quarta parte superior; laterais
estreitamente acinaciformis, obtusas, 6-6,5 x 1,0 cm. Pétalas lanceoladas,
obtusas, com nervura mediana altamente carinada no dorso, não unguiculada
no ápice, 5,5 x 1-1,1 cm. Labelo concrescido até a metade da coluna,
inicialmente obtriangular, com ângulos arredondados, em seguida com o
lobo intermediário subquadrado, o ápice cortado, de margem ondulada, disco
provido de pulvínulos e pequenas lamelas diminutamente denticuladas, a
seguir um tufo elíptico de pelos carnosos e retrorsos na base do lobo apical,
5 x 2,5 cm entre os lobos laterais. Coluna um tanto sub-cilíndrica, pouco
encurvada, 3,5 x 0,3 cm.
O pesquisador Guido Pabst, nas descrições de novas espécies de
Orchidaceae, ilustrava apenas as partes florais, em Pabst (1975) ao descrever
Vanilla dungsii, ilustrou somente o labelo e a coluna, ficando a parte vegetativa
e o restante das partes florais excluídas. O material floral desta espécie foi
indicado, pelo autor, como preservado em meio líquido, posteriormente ao seu
falecimento em 1980, a coleção em meio líquido se perdeu, restando somente
a parte vegetativa do holótipo no herbário.
Porém era do costume de Guido Pabst, ilustrar e/ou colar em papel, os
segmentos florais das espécies identificadas e incluí-los em um fichário
particular. Aliado a perda da coleção em meio líquido, estas fichas representam
as únicas indicações para diversas espécies, principalmente para a coleção
tipo depositada no Herbário HB.
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Figura 2. Vanilla dungsii Pabst: A. Hábito e inflorescência. B. Sépala dorsal em vista


ventral. C. Pétala em vista dorsal. D. Ápice da pétala em vista lateral sem unguículo. E.
Sépala lateral em vista ventral. F. Labelo em vista ventral e coluna. (A) ilustração a
partir do material tipo, (B-F) a partir da ilustração original de Guido Pabst depositada
no fichário do Herbarium Bradeanum, por C. N. Fraga.
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As fichas referentes a Vanilla dungsii continham, além da ilustração


de todas as partes florais, a observação petalis non uncinato (pétalas não
unguiculadas) com uma seta apontada para o ápice da pétala, característica
omitida na descrição original da espécie. Mesmo estando em material perdido,
as características relacionadas na descrição desta espécie, juntamente com
uma ilustração completa, auxiliarão na identificação de novos materiais.

Vanilla denticulata Pabst, An. Soc. Bot. Brasil, 23rd. Cong. Nac. Bot.: 109.
(1972) 1973. TYPUS: Pernambuco, Engenho Conceição, proximidades de Escada,
28 Set. 1967 (fl., cult.), Paulo Ferreira 37-67 (holotypus, HB!) Figura 3.
Planta epífita, escandente. Raízes tenuíssimas, flexuosas, pardas
quando secas. Caule glabro, cilíndrico com entrenós de 7-8 cm de comp.,
0,5 cm de diam.. Folhas estreitamente lanceoladas, coriáceas, breves, porém
distintamente pseudopecioladas, de margem pouco reflexa, 10-11 cm x 2,5
cm; pecíolo com 1,0 cm de comp.. Inflorescência racemosa, pauciflora;
brácteas acanoadas, agudas, 0,6 x 0,4 cm mal estendias. Flores sucessivas,
semifechadas, sépalas e pétalas amarelo-esverdeadas, labelo amarelo pálido.
Ovário um tanto cilíndrico, com pedicelo de 3,5 cm de comp.. Sépala dorsal
estreitamente assimétrica lanceolada-obovada, agudíssima, 4,5 x 0,8 cm;
laterais linear-lanceoladas, obtusas, pouco oblíquas, 4,25 x 0,7 cm. Pétalas
estreitamente linguiformes, pouco atenuadas e curvadas em direção à base,
com nervura central destacada externamente e unguiculada no ápice, 4,0 x
0,6 cm no terço superior. Labelo estreitamente obovado, com margens
soldadas a coluna até o terço apical, o ápice arrendondado e irregularmente
serrado-denticulado, com disco provido de cristas multilaminadas, denticuladas,
3,5-4 cm x 1,8-2 cm. Coluna delgada, quase reta, um pouco mais espessa na
parte superior, 3,0 cm de comp..
Esta espécie é conhecida somente pelo material tipo e apenas as
partes florais dissecadas foram ilustradas em Pabst (1973). Por se tratar de
um gênero em que os caracteres vegetativos são extremamente importantes
para a identificação, é apresentada aqui sua ilustração completa.

Agradecimentos

Ao Dr. Jorge Fontella Pereira pelo apoio ao meu trabalho no Herbarium


Bradeanum. A Helio Queiroz Boudet Fernandes, Curador do Herbário MBML,
pela acessibilidade ao material de Vanilla dubia Hoehne. A Dra. Dorothy Sue
Dunn de Araujo pela correção do abstract. Aos dois revisores que contribuíram
para a melhoria do manuscrito.
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Figura 3. Vanilla denticulata Pabst: A. Hábito e inflorescência. B. Sépala dorsal em


vista ventral. C. Pétala em vista ventral. D. Sépala lateral em vista ventral. E. Labelo em
vista ventral e coluna. Ilustração do tipo, por C. N. Fraga.
52 FRAGA: TAXONOMIA DE VANILLA

Referências Bibliográficas

DRESSLER, R. L. 1993. Phylogeny and classication of the orchid family.


Cambridge University Press, Cambridge, 314p.
HOEHNE, F. C. 1944. Orchidaceae novas para a flora do Brasil, dos Herbários
do Inst. de Botânica, Jardim Botânico, Rio de Janeiro e Comissão de
Linhas Telegráficas Estratégicas, de Mato Grosso ao Amazonas. Arq.
Bot. Est. S. Paulo 1 (6): 125-134.
HOEHNE, F. C. 1945. Orchidaceae. In Flora Brasilica (Hoehne, F. C. ed.)
12 (2): 1-389.
PABST, G. F. J. (1972) 1973. Sinopse das orquídeas do Pernambuco com
descrição de uma espécie nova: Vanilla denticulata. An. Soc. Bot.
Brasil, 23rd. Cong. Nac. Bot. p.105-113.
PABST, G. F. J. 1975. Additamenta ad Orchideologiam Brasiliensem - XX.
Bradea 2 (10): 49-56.
PABST, G. F. J. & DUNGS, F. 1975. Orchidaceae Brasiliensis. vol. I,
Germany, Hildesheim: Kurt Schmersow. 408p.
PABST, G. F. J. & DUNGS, F. 1977. Orchidaceae Brasiliensis. vol. II,
Germany, Hildesheim: Kurt Schmersow. 418p.
POREMBSKI, S.; MARTINELLI, G.; OHLMÜLLER, R & BARTHLOTT,
W. 1998. Diversity and ecology of saxicolous vegetation mats on
inselbergs in the Brazilian Atlantic rainforest. Diversity and Distributions
4: 107-119.
ROLFE, R. A. 1896. A revision of the genus Vanilla. J. Linn. Soc., Bot. 32:
439-478.

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