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Do Extrativismo ao Cemitério das Castanheiras: As Possibilidades da Castanha-do-Pará

José Jonas Almeida*

1. Introdução.

Os aspectos envolvendo os vários usos da castanha-do-pará são tão antigos


quanto o próprio conhecimento que se têm dessa planta nativa da floresta amazônica.
Desde os primórdios da chegada dos europeus à América do Sul ela é mencionada e
descrita nas narrativas de viajantes, religiosos e naturalistas, como também as formas
de utilização das sementes, as castanhas propriamente ditas, que ficaram conhecidas
em praticamente todo o mundo. Embora não possamos falar em um ciclo econômico
no modelo clássico consagrado nos trabalhos de Celso Furtado, Caio Prado Jr., entre
outros autores, a economia da castanha possibilitou em muitas áreas da Amazônia a
manutenção de toda uma organização mercantil e comercial, após a crise da borracha
na década de 1910 (COSTA, 2012). O modelo pré-capitalista de arregimentação de
trabalhadores por meio do fornecimento de mercadorias a crédito, cujo valor era
debitado na entrega do produto coletado nas matas, o conhecido “aviamento”, foi
aproveitado na economia da castanha. 1

*Doutorando em História Econômica pelo Departamento de História da FFLCH da USP.


Orientador: Benedicto Heloiz Nascimento. E-mail: jjonasalmeida@terra.com.br.

1
A concorrência das plantações asiáticas da Hevea brasiliensis (seringueira) colocou a
Amazônia em uma posição secundária como fornecedora dessa matéria-prima, tão importante
para os países industrializados, sobretudo a partir do aumento na produção de pneumáticos para
a indústria automobilística (DEAN, 1989).
1
A castanha-do-pará sempre foi mais conhecida no exterior do que dentro do
país. Medidas efetivas para a divulgação do produto no mercado interno só foram
tomadas nos tempos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os países de língua
anglo-saxônica formam o seu maior público e é como uma noz que o produto é
classificado nesses lugares: Brazil nut. Embora fosse uma parte menor no
complemento de outras amêndoas como avelãs, pistaches, castanha de caju, castanha
europeia ou a noz macadâmia, a castanha-do-pará era apreciada e tinha uma colocação
garantida.

No entanto, muitos entraves impediram um melhor aproveitamento do


produto. O desenvolvimento do processo de beneficiamento demorou a surgir, tendo
apenas ganho um impulso maior no final da década de 1920, quando a castanha-do-
pará se tornou mais importante para a economia da Amazônia. Nessa época, teve início
o processo de descascamento da semente, conferindo uma aparência melhor à amêndoa
ou noz. Outro entrave, que persiste até os dias de hoje, reside na deterioração da
castanha em função da umidade e do surgimento de fungos, uma vez que a coleta é
feita na mata na época da estação chuvosa da Amazônia, no primeiro semestre de cada
ano. 2

Por parte do Poder Público, poucas ações foram realizadas no sentido de


superar as dificuldades do extrativismo, que sempre foi visto como uma atividade
menor. Uma leitura das mensagens dos presidentes das províncias do Pará e do
Amazonas no século XIX, deixava claro que a opção preferencial era pela agricultura,
tendo como modelo a economia cafeeira do Sul e também a possibilidade de atrair
colonos estrangeiros para a região. O caboclo que atuava no extrativismo de coleta era
visto como incapaz de se dedicar ao labor sistemático no cultivo de outros produtos.

2
As dificuldades no transporte através dos rios, sobretudo os da margem direita do rio
Amazonas, que muitas vezes apresentam trechos acidentados, contribuiu para agravar as
condições sanitárias do produto em função da demora em chegar aos portos de exportação,
principalmente Manaus e Belém.
2
Nesse sentido, acreditava-se que o verdadeiro desenvolvimento viria por meio da
“reabilitação” da atividade agrícola. 3

Ao contrário do que ocorreu com a seringueira, o cultivo da castanheira-do-


pará foi aperfeiçoado aqui, após décadas de tentativas para acelerar o tempo de
crescimento e frutificação da planta por parte dos institutos agrícolas nacionais, até
serem obtidos resultados viáveis. O plantio racional da castanheira é visto pelas
instituições oficiais de fomento agrícola como uma alternativa para o Brasil recuperar
a liderança do mercado perdida para a Bolívia, em meados da década de 1990.

As políticas públicas desenvolvidas para a Amazônia ao longo do século


XX, não levaram em consideração a realidade local e as populações tradicionais já
estabelecidas naquele espaço. Em geral, o que sempre se desejou foi promover a
superação ou até o abandono do extrativismo vegetal, visto como uma atividade
arcaica. O auge dessa visão ocorreu nos anos do Governo Militar (1964-1985) com os
conhecidos Grandes Projetos, voltados para a exploração mineral (bauxita e ferro), a
agropecuária e a montagem de uma infraestrutura de apoio aos mesmos, com estradas
e hidrelétricas que acabaram destruindo de forma indiscriminada os recursos naturais,
como foi o caso das castanheiras localizadas no Sudeste do Pará, até então a maior área
produtora.

Por outro lado, a manutenção do extrativismo em bases econômicas viáveis


exige aperfeiçoamentos que atendam, por exemplo, às normas sanitárias e de
processamento do produto que vão além do simples consumo in natura. Para muitos
estudiosos da Amazônia, como a professora Bertha Becker, o país terá que promover
uma “terceira revolução tecnológica” como parte da estratégia para tratar dos
ecossistemas florestais amazônicos, priorizando a biotecnologia e ações voltadas para
o aproveitamento dos recursos não madeireiros e madeireiros (BECKER, 2007, p.

3
O período marcado pela gestão do marques de Pombal como primeiro-ministro de Portugal
(1750-1777) foi sempre visto como a época em que a agricultura ganhou importância e no qual
a Amazônia se destacou como produtor de cacau, café e arroz. Em verdade, como destaca o
professor Roberto Santos, apesar do estímulo dado à agricultura nessa fase, resultando naquilo
que alguns historiadores chamaram de “ciclo agrícola”, a atividade extrativa continuou a
predominar com a coleta das “drogas do sertão”. No caso do cacau, por exemplo, uma grande
parte da produção era constituída pelo cacau “bravo” coletado na floresta, apesar da produção
proveniente de plantação ter sido intensificada. Como se sabe, o cacaueiro é originário da
Amazônia (SANTOS, 1972).
3
142). A castanheira-do-pará é uma planta apontada como adequada para o cultivo
sistemático e racional nas áreas que já foram desmatadas, inclusive para conter o
avanço desse processo. 4

1. Uma Breve História da Castanha-do-Pará.

A castanheira-do-pará é uma árvore encontrada na região amazônica da


América do Sul. Em termos científicos, foi descrita pela primeira vez pelo geólogo e
naturalista alemão Alexander von Humboldt, após uma viagem de estudos pela
América do Sul, entre 1799 e 1804. O tamanho, a altura e a exuberância (designada
pelo termo excelsa) despertou a atenção de Humboldt e de seu companheiro de
viagem, Aimé Bonpland, um botânico francês. A classificação foi feita com a ajuda de
outro botânico, o alemão Carl Sigmund Kunth. Desses pesquisadores veio o nome
científico da castanheira: gênero Bertholletia e espécie excelsa, acrescentando-se os
sobrenomes dos três pesquisadores Humboldt, Bonpland e Kunth abreviados. Portanto:
Bertholletia excelsa HBK (PACHECO & SCUSSEL, 2006).

O fruto da castanheira tem a forma de um “coco” ou ouriço que contém


entre 10 a 25 sementes, que é a castanha ou noz propriamente dita. O fruto não pode
ser retirado diretamente da árvore em função da altura da mesma, pois uma castanheira
da Amazônia pode alcançar até 50 metros. É necessário aguardar o amadurecimento e
a queda do ouriço, que é coletado no solo. A época para a coleta corresponde ao
inverno amazônico ou estação das chuvas, entre os meses de janeiro e maio de cada
ano.

Aquela que é tida como a primeira informação sobre as castanhas da região


amazônica veio a partir das expedições realizadas entre 1567 e 1569 pelo explorador e
governador espanhol Juan Alvarez Maldonado, na região do rio Mano, em Madre de
Dios, atual Peru. As castanhas teriam alimentado os soldados espanhóis durante essa

4
Segundo cálculos do professor Alfredo Homma, a disponibilidade dessas grandes extensões de
terras desmatadas que poderiam ser incorporadas ao processo de produção agrícola girava em
torno de 67 milhões de hectares no ano de 2004, sendo superior aos 57 milhões que eram então
cultivados no país (HOMMA, 2005, p. 119).
4
jornada na selva, sendo também mencionada a existência de muitas castanheiras nas
terras dos índios daquela área (RODRIGUEZ, 2002). Na porção portuguesa da
Amazônia, os primeiros relatos sobre a castanha-do-pará surgem na segunda metade
do século XVII.

Até meados do século XIX o produto, por ser exportado a partir do


Maranhão em embarcações provenientes do Pará, ficou conhecido como castanha do
Maranhão, principalmente em Portugal e na Corte do Rio de Janeiro. O curioso, é que
no próprio Maranhão os relatórios das cargas dos navios começaram a designar o
produto como proveniente do Pará, assim como era feito com outros artigos, como o
cravo. Possivelmente daí acabou surgindo a designação castanha-do-pará.

Ao contrário do que se imaginava até o presente momento, a presença da


castanha-do-pará no mercado externo remonta, pelo menos, às três últimas décadas do
século XVIII, apesar de não ser verificada a participação do produto entre os itens
transportados pela Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, criada na
5
época do marquês de Pombal. O historiador Ernesto Cruz, em seu estudo sobre a
história de Belém, menciona a passagem do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira
pela cidade em 1784, que forneceu dados sobre as embarcações saídas desse porto e
dos produtos embarcados. No que se refere às castanhas, a quantidade exportada em
1783 foi de 237 alqueires, sendo o alqueire cotado a 400 réis (CRUZ, 1973, p. 323-
324). Na década de 1790, a castanha aparece em jornais ingleses, ao lado de outros
produtos da Amazônia, como o arroz e a tapioca, ostentando o nome que a tornou
conhecida no mundo: Brazil nut. No mercado norte-americano, o produto aparece a
partir do início do século XIX (SCHREIBER, 1951).

A introdução da navegação a vapor no rio Amazonas, resultou em uma


redução no tempo de viagem, beneficiando a borracha e a própria castanha, cuja
comercialização cresceu à sombra da goma elástica, compondo no final do século XIX
um dos três produtos mais importantes da região. No início do século XX, a castanha-

5
A castanha do Brasil esteve várias vezes associada ao período de exploração mercantil das
“drogas do sertão” nos séculos XVII e XVIII, juntamente com o cacau, a salsaparrilha, o cravo,
a canela, o óleo da copaíba, entre outros artigos. O produto em questão teve apenas uma
participação tardia nesse processo, no final do século XVIII e início do XIX.
5
do-pará se tornou o segundo produto em valor de exportação no Estado do Pará,
superando o cacau.

A crise da economia da borracha fez com que a castanha-do-pará passasse a


ter um destaque maior na economia regional. O produto foi o responsável pela
manutenção de toda uma estrutura de comercialização que havia surgido em torno da
borracha, sobretudo nos dois grandes centros, Manaus e Belém. Os anos de 1920
marcaram também a ascensão da área do vale do rio Tocantins, sobretudo o município
de Marabá, no Sudeste do Pará, como grande centro produtor de castanha-do-pará. 6

2. O Aproveitamento do Produto.

Após a queda da árvore, o ouriço é quebrado para a retirada das sementes


que constituem as castanhas. 7 As mesmas sofrem uma limpeza superficial na própria
floresta, sendo realizada a lavagem e uma primeira seleção, separando-se as castanhas
estragadas. Em seguida, as mesmas são recolhidas e transportadas até um entreposto
mais próximo, onde o produto da coleta dos castanheiros é reunido. Posteriormente, as
castanhas são levadas para um grande centro (Manaus ou Belém), onde algumas são

6
Marabá surgiu em 1898, associada à exploração do caucho (Castilloa ulei), variedade local da
seringueira, com o estabelecimento de uma casa comercial às margens do rio Tocantins. Com o
declínio da atividade, toda a organização comercial local voltou-se para a castanha, abundante
na região. A essa atividade pode ser creditado o surgimento de uma verdadeira oligarquia de
comerciantes, proprietários de embarcações e donos de castanhais que controlou a economia e a
política local até a década de 1960 (ALMEIDA, 2009).
7
A coleta dos frutos tinha início logo que os ouriços começavam a cair das árvores. Por volta do
mês de dezembro, os castanheiros iniciavam os preparativos para entrarem na mata e realizar a
coleta. O meio de transporte para se chegar até os castanhais eram as pequenas embarcações que
podiam percorrer os rios menores e os igarapés, facilitando o acesso aos castanhais. Antes de
iniciarem esse trabalho, os castanheiros eram aviados com produtos e mercadorias, cujo valor
era resgatado por comerciantes ou patrões quando da entrega das castanhas. No Sudeste do Pará,
esse acerto de contas era efetuado ao final da safra na cidade de Marabá, onde as castanhas eram
estocadas, aguardando o embarque para Belém. A medida normalmente utilizada para a aferição
da safra era uma caixa de madeira com capacidade para 100 litros de castanhas ou um
hectolitro. Com base na medição do mesmo, era efetuado o acerto com o coletor ou castanheiro.
Em geral, as mercadorias adiantadas ao extrator tinham um preço elevado, fazendo com que o
mesmo acabasse ficando com um saldo devedor a ser acertado na safra seguinte (MONTEIRO,
2001).

6
beneficiadas, com a retirada da casca que envolve a amêndoa e depois desidratadas,
para evitar a umidade que provoca a deterioração do produto.

A semente retirada do fruto (ouriço) ou castanha é consumida no exterior in


natura ou acompanhando outros pratos, como doces, chocolates, bolos, tortas e
assados. Na América do Norte e Inglaterra a castanha-do-pará era um item presente
nas festas de final de ano e em outras ocasiões comemorativas, como o tradicional Dia
de Ação de Graças e o Hallowen. O produto também ficou conhecido pelo alto valor
alimentar em função de suas proteínas e calorias, sobretudo onde a desnutrição era um
sério problema em parcelas consideráveis da população. Por outro lado, desde a era
colonial outros usos eram feitos a partir da árvore da castanheira, cuja casca podia ser
aproveitada na fabricação de uma estopa, útil na calafetação de embarcações e que
chegou a figurar como produto no comércio. Além da estopa, a casca da castanheira
podia ser usada também como esteira para os coletores dormirem no tempo em que se
dedicavam à coleta no interior das matas.

Outro derivado da amêndoa era o óleo, utilizado na cozinha em substituição


ao azeite europeu. Na operação para obtenção do mesmo, as castanhas eram assadas e
depois socadas em um pilão de madeira extraindo-se o óleo por expressão ou no
“tipiti”, como era designado o processo. O óleo obtido era “fixo, amarello e
transparente” e a extração podia ser feita também sem assar as castanhas, apenas
moendo a amêndoa crua. O produto, além da utilidade na cozinha, poderia ser usado
no trato do cabelo, sendo depois sugerido até como lubrificante de motores de aviões.
Contudo, a exploração industrial desse óleo esbarrava em alguns obstáculos, como o
alto custo da matéria-prima, ou seja, da própria castanha, sendo viável apenas quando a
cotação desta no mercado era muito baixa (FILHO, 1929).

As amêndoas danificadas e rejeitadas no processo de seleção podiam


também ser aproveitadas na fabricação de sabões, no próprio óleo já mencionado e
também na obtenção de um leite que podia ser acrescentado ao café e muito
consumido pelos caboclos, que se embrenhavam nas matas na temporada de coleta. Os
ouriços de onde eram retiradas as sementes eram trabalhados e utilizados como cuias,
copos, vasos, saboneteiras e demais objetos de uso doméstico. A própria madeira da

7
castanheira era utilizada na construção de embarcações pelos índios e muito conhecida
pela facilidade em ser trabalhada.

Até os anos de 1920 pouca atenção foi dada ao processo de beneficiamento


da castanha-do-pará. Apenas quando o produto ganhou maior destaque econômico,
com o declínio da borracha, é que surgiram algumas iniciativas nesse sentido.
Inicialmente, alguns produtores começaram a lavar as castanhas que eram coletadas,
realizando o processo de crivagem ou separação das sementes que se apresentavam
defeituosas. A melhora na apresentação do produto elevou a cotação e as castanhas de
melhor aspecto passaram a ser identificadas por essa qualidade. 8

A exportação da castanha era efetuada sem o descascamento da semente,


pelo menos até 1929, quando surgiram os primeiros estabelecimentos dedicados a esse
trabalho, em Belém e Manaus. Nesse mesmo ano, as castanhas descascadas aparecem
nas estatísticas de exportação do Estado do Pará. Contudo, a maior parte do produto
enviado ao exterior nas décadas seguintes continuou sendo o tipo com casca.

Menos de 1% da produção de castanha-do-pará era destinada ao consumo


interno. Apesar de ser apreciada no exterior, a castanha não desfrutava do mesmo
prestígio dentro do país, onde era pouco conhecida, pelo menos até o período da
Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando uma intensa campanha foi realizada
para divulgar o produto. Em 23.08.1940, teve início em São Paulo a “Semana da
Castanha”, promovida pelo Ministério da Agricultura, visando divulgar o valor da
amêndoa na alimentação humana e que contou com uma conferência proferida por
Josué de Castro, tendo como título “A Castanha do Pará na Alimentação Humana” na
Sociedade Rural Brasileira.9 O Ministério da Agricultura proporcionou aos paulistanos

8
O município de Almeirim exportava as castanhas provenientes dos rios Parú e Jari, onde
estavam localizados os castanhais controlados pelo coronel José Julio de Andrade, que chegou a
ser chamado pelos ingleses de Pará king nuts. Muitos atribuem a ele a melhora no processo de
seleção das castanhas e na lavagem das mesmas, o que fez com que o produto adquirisse preços
mais elevados do que os provenientes dos demais municípios (FILHO, 1929, p. 50).
9
Tudo leva a crer que a inspiração para essa campanha veio dos Estados Unidos. Desde 1934, a
Brazil Nut Advertising Fund, criada pelos importadores norte-americanos, desenvolvia intensa
propaganda junto ao público local, notadamente donas de casa e crianças, para promover a
venda da castanha. A instituição, depois chamada Brazil Nut Association, chegou até a criar um
personagem voltado para o público infantil, com o intuito de estimular o consumo do produto
em função de suas qualidades nutritivas. Manuais e livros de receitas com dezenas de
8
a possibilidade de comprar a castanha-do-pará a preços reduzidos e determinou que um
caminhão percorresse as ruas da cidade para vender o produto. O público infantil era
um dos alvos da campanha, uma vez que a castanha era conhecida por suas fontes
10
nutritivas, muito recomendadas na época para as crianças. O evento foi repetido em
1942, que foi o pior momento para a exportação de castanha-do-pará, uma vez que a
Segunda Guerra retirou o maior comprador desse produto: os Estados Unidos. Nos
anos seguintes, após o fim do conflito, não foi verificada nenhuma outra campanha
como essa, para ampliar o mercado interno da castanha.

Outra possibilidade vislumbrada para a castanha era o cultivo da planta. A


experiência vivida com a borracha fez com que estudiosos e autoridades dos Estados
da Amazônia alertassem para o perigo de que ocorresse com a castanheira o mesmo
que aconteceu com a seringueira, cujas sementes foram levadas pelos ingleses para a
Ásia:

A castanha, porém, poderá sempre influir na balança commercial,


desde que os possuidores de terras, na grande e na pequena propriedade, se
convençam da necessidade imperiosa de seu plantio, para garantir-lhes a
prosperidade presente e a de seus herdeiros.(...)

Nunca é demais insistir na necessidade de augmentar a producção


para satisfazer o consumo, afim de evitar o que se deu com a borracha, que
uma producção pequena, forçando a preços altos, despertou o desejo, natural,
de transplantal-a para outras regiões. (MENSAGEM AO CONGRESSO
LEGISLATIVO DO ESTADO DO PARÁ, 1928, p. 28-29)

Contudo, ao contrário do que imaginava o governador do Pará, Dionysio


Bentes, a castanha já havia sido levada para “outras regiões”, as mesmas que já tinham
recebido a seringueira. Sementes de castanhas foram introduzidas no Ceilão e na

possibilidades de pratos e sobremesas eram distribuídas gratuitamente pela instituição, que tinha
a sua sede no centro de Nova Iorque.
10
Como parte do evento, ocorreu na Casa Anglo-Brasileira (a famosa loja de departamentos
Mappin) uma exposição sobre o produto e um chá oferecido para as autoridades, para a “família
paulistana” e à imprensa, presidido pela esposa do interventor federal dona Leonor Mendes de
Barros. Nesse evento foram servidos doces com castanhas para dar “uma ideia da variadíssima
applicação da amêndoa brasileira na mais delicada arte culinária”. Uma campanha semelhante
foi realizada também na capital do país na mesma época (jornal “O Estado de S. Paulo”,
01.09.1940, p. 10).
9
Malásia, a partir do Real Jardim Botânico de Kew, o mesmo que abrigou, em 1876, as
11
sementes da Hevea brasiliensis. Outros 300 frutos, contendo em torno de seis mil
sementes da castanheira-do-pará foram também introduzidas na Jamaica em 1881,
trazidas diretamente do Pará. Nessa possessão britânica foram relatadas as primeiras
12
dificuldades encontradas para realizar o processo de germinação da semente. Os
norte-americanos também realizaram, a partir do final do século XIX, algumas
iniciativas isoladas de desenvolver o cultivo da planta na Flórida, Califórnia e até
mesmo no Havaí.

Contudo, nenhuma dessas tentativas repetiu o êxito da seringueira no


Sudeste Asiático e a Amazônia continua sendo, até hoje, a única região a realizar a
exploração econômica da castanheira-do-pará. Uma série de circunstâncias naturais e
ecológicas desfavoráveis, como a baixa produtividade da planta na geração dos frutos,
a ausência dos insetos polinizadores adequados e, sobretudo, a demora no crescimento
da castanheira até atingir a idade de produzir frutos, algo em torno de 20 anos,
desestimularam o interesse pelo seu cultivo comercial na Ásia. Mesmo no caso do
Brasil, as primeiras experiências de cultivo esbarraram também no tempo de
crescimento da árvore. 13

As perspectivas para o plantio comercial da castanheira só surgiram a partir


das pesquisas promovidas pelos institutos agrícolas oficiais do Brasil, que
desenvolveram o cultivo com o aprimoramento do processo de germinação da semente
e da redução do tempo necessário para a árvore gerar frutos. A enxertia da castanheira

11
O inglês Henry Wickham coletou sementes de seringueira na área do rio Tapajóz, no Pará e as
enviou para a Inglaterra. As mesmas chegaram ao Real Jardim Botâncio de Kew, em Londres,
no dia 15.06.1876. Segundo Warren Dean, Wickham enviou também “várias plantas
amazônicas” que poderiam ter algum valor. Na carga declarada do navio inglês que transportava
as sementes da seringueira coletadas por Wickham constava um carregamento de Para nuts ou
castanha-do-pará. O local inicialmente recomendado para a aclimatação da Hevea brasiliensis
foi o Jardim Botânico de Peradeniya, no Ceilão, o mesmo que recebeu a cinchona, planta
originaria dos Andes da qual se obtinha a quinina (DEAN, 1989). Em nossas investigações para
este trabalho, descobrimos que esse mesmo Jardim Botânico recebeu, cinco anos depois, as
sementes da castanheira-do-pará, que foram enviadas também pelo Real Jardim Botânico de
Kew.
12
Para maiores detalhes sobre esse processo, ver: Introduction of the Brazil Nut to the East
Indies and Australia (Bertholletia excelsa, Humb.) in Bulletin of Miscellaneous Information
(Royal Gardens, Kew), n.12 (1887), pp. 11-13.
13
No final da década de 1920 são registradas tentativas de cultivo da castanheira no Estado do
Pará, em Igarapé-Açu e no Amazonas, no município de Codajaz. Contudo, nenhuma delas
apresentou resultados positivos do ponto de vista comercial (FILHO, 1929).
10
14
também permitiu a melhora no tempo de desenvolvimento da planta. A Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) conseguiu esses aprimoramentos e
desenvolveu os procedimentos necessários a um maior cuidado no manejo e
armazenamento das castanhas coletadas nas florestas, a fim de reduzir a possibilidade
de aparecimento de fungos. A partir desse conhecimento, outras experiências de
cultivo foram realizadas, a mais importante delas na Fazenda Aruanã, no município de
Itacoatiara, no Estado do Amazonas, que atualmente comercializa o produto obtido por
meio do plantio da castanheira.

Em 1967 foi realizada em Belém a “Conferência Nacional da Castanha-do-


Pará”, onde foram debatidas as possibilidades de seu aproveitamento industrial,
sobretudo através da utilização do produto na indústria de alimentos por meio da
farinha derivada da amêndoa. A possibilidade do cultivo da castanheira foi também
considerada, embora muitos ainda apontassem algumas dificuldades, entre elas, o
tempo necessário para a planta entrar na fase produtiva, entre 12 e 15 anos, o que
determinava um elevado gasto com investimentos iniciais O beneficiamento local do
produto era apontado como uma alternativa para gerar emprego e povoar a região
(LEITE, 1968).

Embora fossem debatidas propostas de melhorar ou “racionalizar” o


extrativismo na região amazônica, a prioridade do Governo Militar (1964-1985) foi a
de promover a ocupação da região através de estradas e implantar grandes projetos
agropecuários e minerais a fim de gerar saldos na balança comercial por meio das
exportações. O extrativismo vegetal passou a ser visto como uma atividade a ser
superada por meio de um suposto processo de modernização, o qual não levou em
consideração as tradicionais populações da Amazônia, região vista como um espaço
vazio a ser ocupado.

A partir da década de 1980, a castanha-do-pará voltou a ganhar maior


notoriedade em função do avanço do desmatamento na região amazônica e com o

14
A enxertia é uma técnica que propicia o melhoramento das espécies vegetais, combinando as
características das duas partes de uma mesma planta a fim de torná-la mais resistente a
enfermidades, às condições ambientais mais adversas e também um melhor rendimento na
colheita dos frutos e das sementes, que depois serão plantadas (CORVERA-GOMRINGER,
2010, p. 35).
11
assassinato do líder seringueiro Chico Mendes.15 A ideia de preservar a floresta e de
garantir o sustento de suas populações revigorou o extrativismo e os produtos obtidos a
partir dessa atividade, como a própria castanha. Na Europa e América do Norte novas
possibilidades surgiram para o produto com o mercado “verde”, sobretudo no setor de
cosméticos e em novas possibilidades de aproveitamento na alimentação. Contudo,
ainda restaram problemas a serem solucionados para viabilizar a oferta da matéria-
prima, como as dificuldades de transporte, a possibilidade de contaminação por
aflatoxina e o beneficiamento. Ao mesmo tempo, o desmatamento na Amazônia
Oriental levou à derrubada de muitos castanhais, sobretudo no Sudeste do Pará e em
Rondônia, o que contribuiu para que o país perdesse a condição de maior exportador
para a Bolívia. A paisagem com as castanheiras mortas e queimadas, ou o “cemitério
das castanheiras” no Sudeste do Pará, Norte de Mato Grosso e em Rondônia, no início
da década de 1980, marcou o momento de declínio da atividade na Amazônia Oriental.

Conclusão

A castanha-do-pará se constituiu, durante mais de um século, no segundo


produto da Amazônia. Muitos estudos e pesquisas foram realizados em torno desse
recurso vegetal, com vistas não apenas ao conhecimento da espécie, mas também à
domesticação da planta e ao seu aproveitamento econômico.

O produto serviu como um importante apoio para a economia regional após


a crise nas exportações da borracha no início do século XX. Apesar disso, as políticas
públicas pouca atenção deram ao extrativismo no sentido de promover melhorias nas
condições de produção, como por exemplo, superar as dificuldades com o transporte
do produto a partir do interior da floresta, colocar no mercado a castanha beneficiada e
em boas condições sanitárias. Somente a partir da década de 1990, em função do

15
A figura de Chico Mendes marcou o processo de resistência ao avanço da fronteira econômica
na Amazônia e a inserção de personagens que, até então, estavam relegados a um segundo plano
no processo de intervenção promovido pelo Governo Federal na região, como os seringueiros e
os castanheiros. Tal resistência ganhou notoriedade internacional e mostrou que a Amazônia
não era o suposto “espaço vazio” imaginado pelos planejadores governamentais (BECKER,
2005).
12
impacto internacional gerado pelo desmatamento da Amazônia, é que órgãos oficiais,
como a EMBRAPA e alguns governos estaduais, mostraram um interesse maior em
buscar alternativas para modernizar a extração e o manejo dos recursos florestais.

Por outro lado, coube ao Brasil desenvolver de forma adequada o processo


de domesticação da planta, algo que já havia sido tentado pelos ingleses no Ceilão e na
Malásia. A cultura da castanheira, fora do ambiente amazônico, enfrentou dificuldades
no processo de germinação da semente e da polinização das flores. Por sua vez, a
demora no desenvolvimento da planta até alcançar a idade produtiva tornou-se um
fator crucial para as perspectivas econômicas do cultivo. Os institutos agrícolas
brasileiros aperfeiçoaram a cultura da espécie, reduzindo o tempo de desenvolvimento
da planta, criando as condições adequadas para o seu cultivo, embora este ainda seja
realizado em pequena escala.

Com relação ao aproveitamento industrial, coube também ao país as


pesquisas visando utilizar o óleo obtido da amêndoa ou agregando esta a outros
produtos como o pão e na fabricação de biscoitos. No final da década de 1980, muito
em função do impacto causado pela morte do líder seringueiro Chico Mendes e das
denúncias referentes ao desmatamento na Amazônia, ganhou impulso um setor da
economia que utiliza matérias-primas de origem florestal com certificação, garantindo
que os mesmos sejam obtidos de forma não predatória. Muitas empresas passaram a
voltar a sua atenção para a criação de produtos que tivessem essa característica,
sobretudo no setor de cosméticos, como a brasileira Natura e a inglesa Body Shop.

Outras importantes iniciativas vieram por parte dos governos locais,


sobretudo no caso do Acre e do Amapá, para viabilizar o extrativismo no sentido de
romper com o antigo sistema de aviamento, que sempre deixou o coletor da floresta
numa situação de endividamento e dependência. Muitas cooperativas de extrativistas
surgiram na década de 1990 com a finalidade de realizar o beneficiamento local da
castanha-do-pará e colocá-la diretamente no mercado, evitando os intermediários.
Contudo, tais iniciativas se mostraram frágeis no que diz respeito à dependência de
recursos financeiros e do apoio do Poder Público, o qual, como no caso do Amapá, era
o principal comprador da castanha. Nesse mesmo momento, o país perdeu a liderança
no mercado internacional para a Bolívia.

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A viabilidade econômica da castanha-do-pará passa, necessariamente, pelo
aperfeiçoamento nas formas de produção, seja ela coletada na floresta ou fruto do
cultivo sistemático. O exemplo da Bolívia, cuja produção é obtida também por meio da
coleta, mostra que a atividade ainda é capaz de se mostrar viável em termos de
mercado. Por outro lado, o Brasil detém um maior conhecimento no processo de
domesticação e cultivo da castanheira, desenvolvido por institutos como a EMBRAPA,
que deveria ser aplicado na tentativa de recuperar o mercado internacional. A
vantagem em relação ao produto é o fato de que ele já é conhecido no exterior, não
necessitando de um processo maior de divulgação, de ter sua origem associada ao
manejo sustentável dos recursos florestais e de ser um produto orgânico.

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