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1. Introdução.
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A concorrência das plantações asiáticas da Hevea brasiliensis (seringueira) colocou a
Amazônia em uma posição secundária como fornecedora dessa matéria-prima, tão importante
para os países industrializados, sobretudo a partir do aumento na produção de pneumáticos para
a indústria automobilística (DEAN, 1989).
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A castanha-do-pará sempre foi mais conhecida no exterior do que dentro do
país. Medidas efetivas para a divulgação do produto no mercado interno só foram
tomadas nos tempos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os países de língua
anglo-saxônica formam o seu maior público e é como uma noz que o produto é
classificado nesses lugares: Brazil nut. Embora fosse uma parte menor no
complemento de outras amêndoas como avelãs, pistaches, castanha de caju, castanha
europeia ou a noz macadâmia, a castanha-do-pará era apreciada e tinha uma colocação
garantida.
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As dificuldades no transporte através dos rios, sobretudo os da margem direita do rio
Amazonas, que muitas vezes apresentam trechos acidentados, contribuiu para agravar as
condições sanitárias do produto em função da demora em chegar aos portos de exportação,
principalmente Manaus e Belém.
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Nesse sentido, acreditava-se que o verdadeiro desenvolvimento viria por meio da
“reabilitação” da atividade agrícola. 3
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O período marcado pela gestão do marques de Pombal como primeiro-ministro de Portugal
(1750-1777) foi sempre visto como a época em que a agricultura ganhou importância e no qual
a Amazônia se destacou como produtor de cacau, café e arroz. Em verdade, como destaca o
professor Roberto Santos, apesar do estímulo dado à agricultura nessa fase, resultando naquilo
que alguns historiadores chamaram de “ciclo agrícola”, a atividade extrativa continuou a
predominar com a coleta das “drogas do sertão”. No caso do cacau, por exemplo, uma grande
parte da produção era constituída pelo cacau “bravo” coletado na floresta, apesar da produção
proveniente de plantação ter sido intensificada. Como se sabe, o cacaueiro é originário da
Amazônia (SANTOS, 1972).
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142). A castanheira-do-pará é uma planta apontada como adequada para o cultivo
sistemático e racional nas áreas que já foram desmatadas, inclusive para conter o
avanço desse processo. 4
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Segundo cálculos do professor Alfredo Homma, a disponibilidade dessas grandes extensões de
terras desmatadas que poderiam ser incorporadas ao processo de produção agrícola girava em
torno de 67 milhões de hectares no ano de 2004, sendo superior aos 57 milhões que eram então
cultivados no país (HOMMA, 2005, p. 119).
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jornada na selva, sendo também mencionada a existência de muitas castanheiras nas
terras dos índios daquela área (RODRIGUEZ, 2002). Na porção portuguesa da
Amazônia, os primeiros relatos sobre a castanha-do-pará surgem na segunda metade
do século XVII.
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A castanha do Brasil esteve várias vezes associada ao período de exploração mercantil das
“drogas do sertão” nos séculos XVII e XVIII, juntamente com o cacau, a salsaparrilha, o cravo,
a canela, o óleo da copaíba, entre outros artigos. O produto em questão teve apenas uma
participação tardia nesse processo, no final do século XVIII e início do XIX.
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do-pará se tornou o segundo produto em valor de exportação no Estado do Pará,
superando o cacau.
2. O Aproveitamento do Produto.
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Marabá surgiu em 1898, associada à exploração do caucho (Castilloa ulei), variedade local da
seringueira, com o estabelecimento de uma casa comercial às margens do rio Tocantins. Com o
declínio da atividade, toda a organização comercial local voltou-se para a castanha, abundante
na região. A essa atividade pode ser creditado o surgimento de uma verdadeira oligarquia de
comerciantes, proprietários de embarcações e donos de castanhais que controlou a economia e a
política local até a década de 1960 (ALMEIDA, 2009).
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A coleta dos frutos tinha início logo que os ouriços começavam a cair das árvores. Por volta do
mês de dezembro, os castanheiros iniciavam os preparativos para entrarem na mata e realizar a
coleta. O meio de transporte para se chegar até os castanhais eram as pequenas embarcações que
podiam percorrer os rios menores e os igarapés, facilitando o acesso aos castanhais. Antes de
iniciarem esse trabalho, os castanheiros eram aviados com produtos e mercadorias, cujo valor
era resgatado por comerciantes ou patrões quando da entrega das castanhas. No Sudeste do Pará,
esse acerto de contas era efetuado ao final da safra na cidade de Marabá, onde as castanhas eram
estocadas, aguardando o embarque para Belém. A medida normalmente utilizada para a aferição
da safra era uma caixa de madeira com capacidade para 100 litros de castanhas ou um
hectolitro. Com base na medição do mesmo, era efetuado o acerto com o coletor ou castanheiro.
Em geral, as mercadorias adiantadas ao extrator tinham um preço elevado, fazendo com que o
mesmo acabasse ficando com um saldo devedor a ser acertado na safra seguinte (MONTEIRO,
2001).
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beneficiadas, com a retirada da casca que envolve a amêndoa e depois desidratadas,
para evitar a umidade que provoca a deterioração do produto.
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castanheira era utilizada na construção de embarcações pelos índios e muito conhecida
pela facilidade em ser trabalhada.
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O município de Almeirim exportava as castanhas provenientes dos rios Parú e Jari, onde
estavam localizados os castanhais controlados pelo coronel José Julio de Andrade, que chegou a
ser chamado pelos ingleses de Pará king nuts. Muitos atribuem a ele a melhora no processo de
seleção das castanhas e na lavagem das mesmas, o que fez com que o produto adquirisse preços
mais elevados do que os provenientes dos demais municípios (FILHO, 1929, p. 50).
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Tudo leva a crer que a inspiração para essa campanha veio dos Estados Unidos. Desde 1934, a
Brazil Nut Advertising Fund, criada pelos importadores norte-americanos, desenvolvia intensa
propaganda junto ao público local, notadamente donas de casa e crianças, para promover a
venda da castanha. A instituição, depois chamada Brazil Nut Association, chegou até a criar um
personagem voltado para o público infantil, com o intuito de estimular o consumo do produto
em função de suas qualidades nutritivas. Manuais e livros de receitas com dezenas de
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a possibilidade de comprar a castanha-do-pará a preços reduzidos e determinou que um
caminhão percorresse as ruas da cidade para vender o produto. O público infantil era
um dos alvos da campanha, uma vez que a castanha era conhecida por suas fontes
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nutritivas, muito recomendadas na época para as crianças. O evento foi repetido em
1942, que foi o pior momento para a exportação de castanha-do-pará, uma vez que a
Segunda Guerra retirou o maior comprador desse produto: os Estados Unidos. Nos
anos seguintes, após o fim do conflito, não foi verificada nenhuma outra campanha
como essa, para ampliar o mercado interno da castanha.
possibilidades de pratos e sobremesas eram distribuídas gratuitamente pela instituição, que tinha
a sua sede no centro de Nova Iorque.
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Como parte do evento, ocorreu na Casa Anglo-Brasileira (a famosa loja de departamentos
Mappin) uma exposição sobre o produto e um chá oferecido para as autoridades, para a “família
paulistana” e à imprensa, presidido pela esposa do interventor federal dona Leonor Mendes de
Barros. Nesse evento foram servidos doces com castanhas para dar “uma ideia da variadíssima
applicação da amêndoa brasileira na mais delicada arte culinária”. Uma campanha semelhante
foi realizada também na capital do país na mesma época (jornal “O Estado de S. Paulo”,
01.09.1940, p. 10).
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Malásia, a partir do Real Jardim Botânico de Kew, o mesmo que abrigou, em 1876, as
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sementes da Hevea brasiliensis. Outros 300 frutos, contendo em torno de seis mil
sementes da castanheira-do-pará foram também introduzidas na Jamaica em 1881,
trazidas diretamente do Pará. Nessa possessão britânica foram relatadas as primeiras
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dificuldades encontradas para realizar o processo de germinação da semente. Os
norte-americanos também realizaram, a partir do final do século XIX, algumas
iniciativas isoladas de desenvolver o cultivo da planta na Flórida, Califórnia e até
mesmo no Havaí.
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O inglês Henry Wickham coletou sementes de seringueira na área do rio Tapajóz, no Pará e as
enviou para a Inglaterra. As mesmas chegaram ao Real Jardim Botâncio de Kew, em Londres,
no dia 15.06.1876. Segundo Warren Dean, Wickham enviou também “várias plantas
amazônicas” que poderiam ter algum valor. Na carga declarada do navio inglês que transportava
as sementes da seringueira coletadas por Wickham constava um carregamento de Para nuts ou
castanha-do-pará. O local inicialmente recomendado para a aclimatação da Hevea brasiliensis
foi o Jardim Botânico de Peradeniya, no Ceilão, o mesmo que recebeu a cinchona, planta
originaria dos Andes da qual se obtinha a quinina (DEAN, 1989). Em nossas investigações para
este trabalho, descobrimos que esse mesmo Jardim Botânico recebeu, cinco anos depois, as
sementes da castanheira-do-pará, que foram enviadas também pelo Real Jardim Botânico de
Kew.
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Para maiores detalhes sobre esse processo, ver: Introduction of the Brazil Nut to the East
Indies and Australia (Bertholletia excelsa, Humb.) in Bulletin of Miscellaneous Information
(Royal Gardens, Kew), n.12 (1887), pp. 11-13.
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No final da década de 1920 são registradas tentativas de cultivo da castanheira no Estado do
Pará, em Igarapé-Açu e no Amazonas, no município de Codajaz. Contudo, nenhuma delas
apresentou resultados positivos do ponto de vista comercial (FILHO, 1929).
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também permitiu a melhora no tempo de desenvolvimento da planta. A Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) conseguiu esses aprimoramentos e
desenvolveu os procedimentos necessários a um maior cuidado no manejo e
armazenamento das castanhas coletadas nas florestas, a fim de reduzir a possibilidade
de aparecimento de fungos. A partir desse conhecimento, outras experiências de
cultivo foram realizadas, a mais importante delas na Fazenda Aruanã, no município de
Itacoatiara, no Estado do Amazonas, que atualmente comercializa o produto obtido por
meio do plantio da castanheira.
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A enxertia é uma técnica que propicia o melhoramento das espécies vegetais, combinando as
características das duas partes de uma mesma planta a fim de torná-la mais resistente a
enfermidades, às condições ambientais mais adversas e também um melhor rendimento na
colheita dos frutos e das sementes, que depois serão plantadas (CORVERA-GOMRINGER,
2010, p. 35).
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assassinato do líder seringueiro Chico Mendes.15 A ideia de preservar a floresta e de
garantir o sustento de suas populações revigorou o extrativismo e os produtos obtidos a
partir dessa atividade, como a própria castanha. Na Europa e América do Norte novas
possibilidades surgiram para o produto com o mercado “verde”, sobretudo no setor de
cosméticos e em novas possibilidades de aproveitamento na alimentação. Contudo,
ainda restaram problemas a serem solucionados para viabilizar a oferta da matéria-
prima, como as dificuldades de transporte, a possibilidade de contaminação por
aflatoxina e o beneficiamento. Ao mesmo tempo, o desmatamento na Amazônia
Oriental levou à derrubada de muitos castanhais, sobretudo no Sudeste do Pará e em
Rondônia, o que contribuiu para que o país perdesse a condição de maior exportador
para a Bolívia. A paisagem com as castanheiras mortas e queimadas, ou o “cemitério
das castanheiras” no Sudeste do Pará, Norte de Mato Grosso e em Rondônia, no início
da década de 1980, marcou o momento de declínio da atividade na Amazônia Oriental.
Conclusão
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A figura de Chico Mendes marcou o processo de resistência ao avanço da fronteira econômica
na Amazônia e a inserção de personagens que, até então, estavam relegados a um segundo plano
no processo de intervenção promovido pelo Governo Federal na região, como os seringueiros e
os castanheiros. Tal resistência ganhou notoriedade internacional e mostrou que a Amazônia
não era o suposto “espaço vazio” imaginado pelos planejadores governamentais (BECKER,
2005).
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impacto internacional gerado pelo desmatamento da Amazônia, é que órgãos oficiais,
como a EMBRAPA e alguns governos estaduais, mostraram um interesse maior em
buscar alternativas para modernizar a extração e o manejo dos recursos florestais.
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A viabilidade econômica da castanha-do-pará passa, necessariamente, pelo
aperfeiçoamento nas formas de produção, seja ela coletada na floresta ou fruto do
cultivo sistemático. O exemplo da Bolívia, cuja produção é obtida também por meio da
coleta, mostra que a atividade ainda é capaz de se mostrar viável em termos de
mercado. Por outro lado, o Brasil detém um maior conhecimento no processo de
domesticação e cultivo da castanheira, desenvolvido por institutos como a EMBRAPA,
que deveria ser aplicado na tentativa de recuperar o mercado internacional. A
vantagem em relação ao produto é o fato de que ele já é conhecido no exterior, não
necessitando de um processo maior de divulgação, de ter sua origem associada ao
manejo sustentável dos recursos florestais e de ser um produto orgânico.
Referências Bibliográficas
DEAN, Warren. A Luta pela Borracha no Brasil. São Paulo: Nobel, 1989.
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FILHO, Arthur Torres. A Exploração da Castanha do Pará. Rio de Janeiro: Serviço de
Inspeção e Fomento Agrícolas do Ministério da Agricultura, 1929.
RODRIGUEZ, Vitor Manuel Patiño. Historia y Disperión de los Frutales Nativos del
Neotrópico. Cali, Colombia: Centro Internacional de Agricultura Tropical, 2002.
ROSENGARTEN, Frederic. The Book of Edible Nuts. New York: Walker Pub., 1984.
Jornal “O Estado de São Paulo”. Edições dos meses de setembro e agosto de 1940.
Disponível em www.acervo.estadao.com.br.
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