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E-BOOK

TURMA DO PLANETA
O ENIGMA DO TROCANO

MEIO
EDUCAÇÃO AMBIENTE
Silvana Gontijo

O enigma
do trocano

Vol. 2
Uma viagem no tempo
Embarque nessa aventura com a

ILUSTRAÇÕES DE

Mirella Spinelli

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. É PROIBIDA A REPRODUÇÃO.


© Autêntica Editora 2023. Todos os direitos reservado. É proíbida a reprodução.

Silvana Gontijo

O enigma
do trocano
Uma viagem no tempo

Embarque nessa aventura com a

Vol. 2

ILUSTRAÇÕES DE

Mirella Spinelli
© Autêntica Editora 2023. Todos os direitos reservado. É proíbida a reprodução.
© Autêntica Editora 2023. Todos os direitos reservado. É proíbida a reprodução.

Agradeço às queridas e aos queridos amigos Leo Cunha,


Maria José Amorim, Tina Correia, Tom Farias, Ziraldo e
Zuenir Ventura por seus conselhos, leituras, sugestões e,
acima de tudo, por suas obras que tanto nos inspiram.
É um privilégio merecer tanto carinho e, por isso mesmo,
aqui vão os meus agradecimentos.
© Autêntica Editora 2023. Todos os direitos reservado. É proíbida a reprodução.

Copyright © 2023 Silvana Gontijo


Copyright desta edição © 2023 Autêntica Editora

Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora Ltda. Nenhuma parte desta
publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via
cópia xerográfica, sem a autorização prévia da Editora.

EDITORA RESPONSÁVEL caracterização de personagens


Rejane Dias Bia Sales
PREPARAÇÃO DE TEXTO ilustrações
Débora Guterman Mirella Spinelli
REVISÃO consultoria étnico-racial
Anna Izabella Miranda Tom Farias
Julia Sousa
leitura crítica
PROJETO GRÁFICO Leo Cunha
Diogo Droschi Tina Correia
DIAGRAMAÇÃO
Guilherme Fagundes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Gontijo, Silvana
O enigma do trocano : uma viagem no tempo / Silvana Gontijo ;
ilustrações de Mirella Spinelli. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Autêntica,
2023. -- (Turma do Planeta ; 2)

ISBN 978-65-5928-281-4

1. Aventuras - Literatura infantojuvenil 2. Planeta Terra - Literatura


infantojuvenil I. Spinelli, Mirella. II. Título. III. Série.

23-153213 CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:


1. Literatura infantil 028.5
2. Literatura infantojuvenil 028.5
Henrique Ribeiro Soares - Bibliotecário - CRB-8/9314

Belo Horizonte São Paulo


Rua Carlos Turner, 420 Av. Paulista, 2.073 . Conjunto Nacional
Silveira . 31140-520 Horsa I . Sala 309 . Bela Vista
Belo Horizonte . MG 01311-940 . São Paulo . SP
Tel.: (55 31) 3465 4500 Tel.: (55 11) 3034 4468

www.grupoautentica.com.br
SAC: atendimentoleitor@grupoautentica.com.br
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As aventuras da Turma do Planeta sempre


começam quando alguém cisma em voltar no
tempo para decifrar algum enigma, geralmente
ligado à música – a paixão dessa galera. A curio-
sidade é contagiante, e não demora muito para
eles irem buscar no passado respostas sobre algum
instrumento musical, alguma partitura, algum som
ou algumas histórias sobre o território favorito
deles, a Floresta do Beija-Flor Azul. A primeira
viagem foi para tentar aprender como tocar um
instrumento que ninguém conhecia. E foi assim
que tudo começou.

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Casa
da Silvia e
do Zeca

Casa
da Bia,
do Paulão
e da Tília
Casa
do GUI

VEJA AQUI
onde vivem nossos amigos
da cidade. Todos eles
moram no mesmo bairro
e estudam na EM PAZ
Casa
do king (Escola Municipal
fábio Planeta de A a Z).

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ESCOLA
FLoresta
do
beija-flor
azul

Casa
da tinu

Casa
da
Petica

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BIA é a mais nova da Turma e irmã do Paulão. É BIA


um gênio da música e toca violino na banda. Seus 6 anos
olhos não enxergam bem, mas sua sensibilidade
faz com que consiga ver mais do que a maioria de
nós. Ela é ligadíssima – o irmão diz que parece uma
antena que fala até com as paredes. Bia é a única
que conversa com animais e plantas e entende
tudo o que eles dizem. Suas maiores paixões são
a sua cadelinha Tília e o seu violino.

TíLI A TÍLIA é uma adorável cachorrinha lhasa apso,


raça sagrada do Tibete. Ela é a regente da ban-
da e a guia da Bia. Sua audição é espantosa,
e ela consegue escutar tudo, até os sons mais
distantes. Tília entende a linguagem da natu-
reza e distingue todos os instrumentos. Presta
muita atenção à conversa dos humanos e ado-
ra a Bia.

GUI é muito alegre, extrovertido, solidário e fiel


GUI
8 anos
aos amigos e à família. Ele tem síndrome de Down
e estuda na mesma sala da Bia, e os dois estão
sempre se ajudando. Tudo o que ele aprende não
esquece mais. Foi assim com o cavaquinho, que
aprendeu a tocar com o Paulão. Uma das coisas
que o Jequitibá mais gosta é quando conta uma
história para o Gui e, no final, ele diz “conta mais!”.

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A ULÃO
P 14 anos PAULÃO é o irmão mais velho da Bia. Ele
é um grande amigo, daqueles com quem
podemos contar nas horas mais impor-
tantes. Curioso, adora saber o porquê das
coisas. Na banda, é o tecladista, arranja-
dor e compositor, pois entende tudo dos
ritmos musicais brasileiros. Também fala e
escreve muito bem – não é à toa que é o
diretor do Jornal do Planeta. Ele aprende
qualquer língua com a maior facilidade e
adora um bom debate.

TIC
PE14 anos A

PETICA nasceu em Angola e veio


novinha para o Brasil. Talentosa, é
poeta de mão cheia – e por isso é ela
quem escreve as letras das canções
da banda – e arrasa quando canta ou
toca instrumentos de percussão de
mão. Petica também adora escrever
e é a editora do Jornal do Planeta.

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KING
B
F1Á4 anoIsO
KING FÁBIO é o vocalista da ban-
da. Um atleta natural que está sem-
pre correndo de um lado para o outro
para resolver coisas ou ajudar quem pre-
cisa. Ele tem esse nome porque é o rei dos
esportes da Turma e ganha quase todas as
competições da escola. Além disso, seu cabelo
tem as pontas parafinadas, que lembram uma
coroa. King sabe muito sobre as mídias digitais
e informática. Ele toca violoncelo, guitarra e é
um ótimo criador de raps.

T3IN U
anos
1

TINU é uma filha do vento pois é puro mo-


vimento! E, assim como ele, essa neta de in-
dígenas nunca para: é campeã de ginástica
olímpica e dançarina maravilhosa. Conhece
todas as lendas que seu avô conta sobre seus
antepassados, adora os instrumentos de so-
pro e sabe tocar uma porção deles. Sensível,
Tinu deixa sempre se guiar pela intuição.

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LVI A
S i15 anos

SILVIA é a irmã mais velha do Zeca.


Muito vaidosa, adora andar na moda.
Mas, na verdade, o que ela mais gosta
é de cantar e tocar violão. Caprichosa e
organizada, seu sonho é ser uma estrela
da música brasileira. Ela é uma grande
desenhista e ilustra o Jornal do Planeta
sempre que precisam.

Z1E CA
1 nos
a
ZECA é o mais bem informado dos
amigos, além de ser muito alegre e
engraçado. Está sempre tão ligado
ao que acontece no mundo que é
a ele que todos recorrem quando
querem saber uma notícia. Por isso
é o repórter do Jornal do Planeta.
Zeca também é o percussionista
da Turma. O tampo de uma mesa,
uma lata velha, as lixeiras de rua ou
qualquer outra caixa de ressonância
vira instrumento em suas mãos. Na
banda, ele toca bateria, atabaques, tambores,
surdo, tarol e qualquer instrumento de percussão.

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Jequitibá
Pedra
da Hebe

CAFOFO
dO
LEOPOLDO
ESCONDERIJO
DO PEDRO

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A FLORESTA
DO BEIJA-FLOR AZUL
é um território mágico. Aqui a
comunicação é total: tudo e todos
falam, ouvem, trocam ideias,
opiniões e experiências – e quase
sempre se entendem. Veja onde
moram nossos amigos que vivem
neste paraíso.

CASA
DO BINGA

CASA DO
GASPER
PAL
CO
DO DA T
PLA URM
NE A
TA

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Uma árvore com quase seiscentos anos, JEQUITIBÁ


descendente direta das lecitidáceas, o
JEQUITIBÁ é uma das mais nobres estirpes
do reino vegetal. Adora que os amigos da
Turma do Planeta se reúnam sob sua copa
para ouvir suas histórias. Mas não pense que
ele fica parado assistindo a tudo. Nada disso:
ele também é músico. A passagem do vento
entre suas folhas e galhos produz um som
delicioso, e ele sabe muito bem como tocar
em harmonia com os outros integrantes da
banda.

G
B IN A
BINGA é um beija-flor muito valente e um
pouco encrenqueiro. Agitado, ele passa a
impressão de estar em todos os lugares ao
mesmo tempo. Esse pequeno gigante é o
diretor de cena da banda Turma do Planeta,
e ninguém ousa desobedecê-lo. Tem o dom
maravilhoso de conversar com os ventos
e pode, usando sua magia, conceder aos
amigos o poder de voar.

GASPER é o vaga-lume mais talentoso que ASPE


G

já se viu. Ele pode fotografar, filmar, projetar


R

imagens, iluminar e até fazer efeitos especiais.


Por causa de todos esses dons, que conquis-
tou depois de um acidente de laboratório, é
ele quem cuida da iluminação dos shows da
banda, com a ajuda de um enorme enxame
de amigos vaga-lumes.

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PEDRO é um jabuti filósofo muito tran-


E DRO
quilo e nada parece incomodá-lo. Ele já P
viveu quase duzentos anos e sabe muito
sobre a nossa História. Gosta tanto da Tília
que até serve como pódio para ela subir
e reger a banda. Muito observador, suas
maiores paixões são conversar, filosofar e
entrar na internet. Ele adora!

HEBE HEBE é a estrela da Floresta do Beija-Flor


Azul. Grande cantora, sua voz é poderosa e
muito afinada. Está sempre acompanhada
do coral As Pitangas Roxas. Juntas, essas
capivaras formam um grupo maravilhoso
de se ouvir, além de serem divertidíssimas
– ninguém resiste à gargalhada da Hebe.
O maior sonho dela é ser fotografada pelo
Gasper e sair na revista Garras.

Ah, o LEOPOLDO! Esse tamanduá O POL D


é o maior fã da Hebe. E foi essa pai- LE
O

xão que despertou seu interesse em


aprender música. Ele faz qualquer coisa
para agradar e chamar a atenção de
sua musa. Para se comunicar com os
amigos ele não fala, mas faz gestos, ca-
retas e usa o corpo. É a criatura mais
dengosa da nossa Floresta… e acho
que das outras também!

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ILUSTRAÇÃO 1
Zeca numa ruela vendo ao
fundo a comunidade do Peroá,
como se estivesse falando para
uma câmera.
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–E u me chamo José Carlos Moreira, mas meu apelido é


Zeca. Nasci aqui na comunidade do Peroá.

A Silvia é minha irmã mais velha por parte de mãe e é muito


bonita. Estudamos na mesma escola, e ela desenha bem demais.
Não só desenha bem como também toca violão e canta muito!
A gente tem pais diferentes porque primeiro a mamãe casou
com o pai dela, mas ele morreu. Aí ela casou com o meu pai,
e eu nasci.
Ah, a minha mãe é a Jô. Ela é a melhor cozinheira do mun-
do e trabalha na casa da Bia e do Paulão e também na casa da
Petica. E ela é a líder comunitária da favela. Eu tenho o maior
orgulho de ser filho dela.
Quando eu era menor, nem pensava em estudar. Só queria
brincar na rua e tentar ganhar algum dinheiro para ajudar a

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minha mãe. Vendia bala, fazia malabarismo e batucava, batucava,


batucava em tudo que tivesse um som legal. Juntava muita gente
para ver e ouvir. Dava um dinheirinho. Eu achava escola uma
coisa muito chata, até que entrei na EM PAZ, a Escola Municipal
Planeta de A a Z. É uma escola incrível! Foi lá que descobri que
o meu batuque podia ajudar na banda Turma do Planeta. Aí ele
deixou de ser barulho e virou música. E o legal é que a galera gosta.

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Mas o melhor foi quando saquei que levo jeito para o jorna-
lismo. A Petica é a editora do Jornal do Planeta e ela disse que
sou um bom repórter porque investigo as coisas igual a um
detetive e sei contar o que descobri. Eu me amarro em escrever
e ler. É por isso que agora eu estou aprendendo a ser jornalista:
para informar as pessoas da verdade sobre tudo o que acontece.
Olha só, essa aqui é uma matéria minha no Jornal do Planeta.
Dá pra acreditar?

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A Petica até me elogiou na frente de todo mundo. Ela disse


bem assim, com aquele sotaque angolano:
– Dá pra acreditar, sim, Zeca. Tu és uma revelação. Cada dia
estás a escrever melhor.
Isso foi no mesmo dia em que eu ganhei outro presente, além
do elogio da chefa. Só que esse foi também o maior desafio da
minha vida. O Paulão me chamou na casa dele para me mostrar
uma coisa. Ele é um amigão que vive ajudando todo mundo e
está sempre dando uma força. Logo que cheguei, ele foi dizendo:
– Isso é pra comemorar o seu sucesso. Dá uma olhadinha no
tamanho do presente que chegou pra você. Adivinha o que é?
Era um embrulho enorme, de papel pardo e com várias eti-
quetas dos Correios, entre elas uma com a mensagem “FRÁGIL”.
A Bia é muito curiosa e ficou pedindo para eu abrir logo. Parecia
que o presente era para ela. Foi aí que o enigma do trocano co-
meçou, e passei a registrar tudo em vídeo com o meu celular. Fui
logo perguntando:
– Pra mim!? E eu só posso abrir se conseguir adivinhar o que
tem aí dentro? Ah, dá uma dica, por favor, Tinu.
E ela:
– Tá bem, esse pacote veio do Maranhão. E foi o primeiro meio
de comunicação à distância do Brasil.
Eu logo saquei e disse:
– Já sei! O trocano que o seu avô me prometeu nas nossas férias
lá na aldeia. Caramba, ele cumpriu a promessa, Tinu!
E ela, toda prosa:
– Claro, a palavra do cacique Moabaetê é lei. O nome dele
quer dizer “honrado”. Ele é o líder dos Tupinambás no Maranhão.
E um líder não pode mentir nunca.

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Cara, fiquei muito feliz! Enquanto eu desembrulhava o paco-


te, Tinu explicava a importância daquele tambor. Quanto mais
ela contava, mais a galera queria saber. Eu também fui contando
tudo o que eu sabia, tudinho.
O avô da Tinu nos disse que antes, quando só os povos indíge-
nas viviam no Brasil, os Tupinambás se comunicavam com outras
aldeias tocando esse tambor. Para cada coisa que alguém queria
informar, um som diferente tinha que ser tirado do trocano. Para
não haver mal-entendido, era preciso saber tocar – e muito bem.

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Os indígenas usavam o trocano para alertar sobre perigos,


convidar para festas, chamar para lutas e para se defender de
algum ataque. E tudo isso de uma aldeia para outra, o que podia
ser bem longe.
Muitas vezes os povos que recebiam as mensagens ainda as
transmitiam para outros grupos, e assim as notícias voavam, atra-
vessando rapidamente enormes distâncias pelos ares. É por isso
que o trocano era chamado de “telégrafo de índio” pelos brancos.
Nenhum de nós sabia o que era telégrafo. Foi Dona Lila, a avó
do Paulão, que esclareceu a questão. Ela disse que, quando uns
estudiosos brancos chegaram ao Brasil, há mais de 150 anos, o
único meio de comunicação à distância que existia era esse tal
de telégrafo. Nem telefone existia.
King tratou de pesquisar na internet para matar a curiosida-
de da galera. Geral queria saber o que era e como funcionava
aquele aparelho.

Saiba mais sobre o telégrafo neste QR code:

Enquanto eles estavam lá vendo o vídeo sobre a invenção do


telégrafo, eu tentava tocar o trocano, mas estava difícil. O som
que eu fazia era ruim.

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Não demorou, e Lêda, mãe do Paulão e da Bia, botou a gente


para correr dali:
– CHEGA! Vão ensaiar na Floresta. Levem esse trocano pra
bem longe daqui e só voltem com esse tambor quando essa
barulheira virar música.
Para falar a verdade, era tudo que a gente queria.
Saímos de lá felizes e antevendo que aquele ensaio seria o
início de mais uma aventura da Turma do Planeta. Nosso local
preferido para compor e ensaiar é a Floresta do Beija-Flor Azul,
um paraíso. É lá que vivem nossos amigos Jequitibá, Pedro, Hebe,
Leopoldo, Gasper e Binga.
Foi graças ao Binga, aliás, que conhecemos esse lugar mági-
co, onde nasce o nosso rio. Mas foi o Pedro, um jabuti de mais
de cem anos, que nos deu a senha para atravessar a passagem
secreta, mas permitiu que apenas o Paulão liberasse a entrada
para que a gente pudesse passar.
Lá fomos nós, e naquele dia o que aconteceu foi inesquecível!

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No caminho, King tentava achar na internet uma gravação


do som do trocano, mas nada. Mal chegamos, e eu imediata-
mente comecei a buscar a música naquele tambor e a forma
de harmonizar com as nossas melodias.
Foi a Tília que deu um basta na minha piração. E foi a Bia que
sacou que o som estava fazendo mal pro Jequitibá.
– Para, Zeca. Olha só o estado do Jequitibá. Nem ele está
aguentando mais essa barulheira.
Mas como eu podia parar de tentar? Já estava conseguindo
uma batida legal quando fui gentilmente convencido a inter-
romper as minhas tentativas (ou não):
– CHEGA, ZEECAAAA!!!!! – geral gritou.
Vendo o abatimento do Jequitibá, eu achei melhor mesmo
dar um tempo.
Acontece que não era só eu que estava ansioso, e adorei quan-
do o Paulão propôs que a gente voltasse no tempo para descobrir
como os antepassados da Tinu tocavam o trocano. Ele disse:
– Acho melhor a gente viajar para um tempo onde o Zeca
possa aprender a tocar esse tambor e a gente consiga entender
o que isso tem a ver com a tristeza do Jequitibá e com a Floresta
do Beija-Flor Azul. Porque de uma coisa eu tenho certeza, e a
Bia confirmou: tá tudo ligado e nada acontece por acaso.
Pronto, se tem uma coisa que todo mundo topa, sem dúvida,
é uma boa aventura. E como topa!
E o curioso é que nossa viagem ao passado dura horas ou
até dias, mas, quando voltamos para o presente, não se passou
nem um minuto desde que ultrapassamos o portal!
Quem comanda o espetáculo e sempre consegue abrir o Portal
do Tempo pra gente voltar ao passado é a nossa maestrina, a Tília.

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Ela foi logo organizando a apresentação para o universo,


chamando:
– Vamos lá, pessoal, em seus lugares e afinando os instrumen-
tos! Se queremos voltar no tempo, não podemos errar. Concentre-
se, Zeca. Só precisamos de uma nota certa do trocano para viajar
para a época em que os povos indígenas se comunicavam usando
esses tambores. É 1, é 2 e é 3!
E foi assim que a gente se preparou para viajar no tempo atra-
vés da nossa música.
Para que tudo dê certo, geral precisa mandar muito bem, indi-
vidualmente e no conjunto. Ah, e tem alguns detalhes: precisamos

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sempre ter um instrumento da época que pretendemos visitar,


e só dá para abrir o portal mágico se, todos juntos, chegarmos
ao acorde perfeito e se o Binga der conta de trazer os raios e os
trovões na mesma hora. Mas sempre conseguimos, e dessa vez
não foi diferente.
Num instante, a música da nossa banda entrou em harmonia
com os sons da natureza: o barulho das águas, do vento, dos ani-
mais, das plantas. Tília conseguiu encaixar tudo perfeitamente: a
minha batida certa no trocano; a explosão luminosa irada produzi-
da pelo Gasper; e os raios e trovões trazidos por Binga. O Portal do
Tempo se abriu, e viajamos todos juntos. Menos o Jequitibá, é claro.

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É sempre incrível como, num momen-


to, estamos tocando debaixo da copa do
Jequitibá e, em outro, já estamos em lugar e tem-
po diferentes. Chegamos a uma mata parecida com
a Floresta do Beija-Flor Azul, só que com uma variedade
muito maior de plantas e bichos.
Quando estávamos começando a caminhar, devagar-
zinho, admirando aquelas árvores enormes, o riacho lim-
píssimo, ouvimos o som de vários instrumentos de sopro. O
apressadinho do Binga comentou baixinho:
– Tem um monte de humanos sem roupa logo ali.
Tinu subiu correndo numa árvore grandona e desceu mais
rápido ainda, dizendo:
– São indígenas, e as mulheres estão pintando os corpos de
vermelho, branco e preto.
Com todo o cuidado para não fazer barulho, a gente
se escondeu atrás de umas pedras para observar o
que estava acontecendo. O lugar era maravilhoso.
Tinha uma cachoeira linda, onde várias crianças se
divertiam. Numa das margens, alguns homens tocavam
umas flautas diferentonas.
De longe, dava para ver os tembetás, uns ossos que al-
guns povos indígenas costumam enfiar nos lábios, no nariz e
nas orelhas porque acreditam que os protegem contra maus
espíritos. Um garotinho, ou “curumim”, como eles dizem,
era o centro das atenções. Parecia que tinha acabado de
colocar o dele, porque a boca ainda estava bem inchada.
Algumas mulheres pintavam todo o corpo do garotinho
e pareciam orgulhosas dele.

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Saquei logo o que era, porque Pedro tinha me contado que


colocar o tembetá era um momento superimportante na vida
de uma criança indígena. Principalmente se ela não chorasse ou
demonstrasse medo. Tinu quis saber:
– Será que estamos no Maranhão? Essa pintura no corpo parece
muito com a que ainda fazem lá na reserva do meu avô cacique.
Petica perguntou:
– Não sei onde estamos, mas se para cá viemos pelo trocano,
por que eles estão a tocar flauta?
Gui estava com um pouco de medo:
– E se esses caras forem caçadores de tartaruga? Coitado do
Pedro!
Paulão, como sempre, foi logo acalmando:
– Não tenha medo, Gui. Pode ficar tranquilo. Os indígenas não
comiam jabutis porque acreditavam que iam ficar lentos como eles.
Já King, que adora tocar um terror, veio com essa:
– É, mas os inimigos corajosos e fortes eles comiam, né?
Bia quase desmaiou. Aquilo era demais para ela:
– Inimigos, gente?
Pedro confirmou:
– Isso mesmo! Algumas tribos brasileiras eram canibais. Mas
fiquem quietos, vamos observar melhor.
Bia estava ficando muito nervosa e disse:
– Pra você é fácil, eles não vão querer sopa de tartaruga, mas
e nós? Quem garante que não vamos virar banquete?
– Olha só – disse Paulão –, vamos nos acalmar antes que eles
nos vejam. Temos que parecer seguros e tranquilos. Bia, eu estou
aqui e vou proteger você, combinado?
Bia confiava muito no irmão e propôs:

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– Então vamos fazer o que a gente faz de melhor: tocar!


Cada um de nós tinha um monte de dúvidas. Mas, como
ninguém sabia responder, o jeito era consultar as fontes, ou seja,
os indígenas – e, para isso, a gente tinha que fazer contato. Bia
estava certa: a música era sempre o melhor jeito de nos apresentar.
Mas, justo na hora que íamos começar, a galera toda saiu
correndo e foi tomar banho de rio. E que rio era aquele!?
Cascatinhas, corredeiras e um lago que se formava numa cur-
va. Foi para lá que eles correram, na maior alegria.

. 31 .
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Que vontade de pular naquela água limpinha! Mas a gente


tinha que fazer contato com eles tocando e cantando.
Tinu começou a tocar flauta acompanhada pela voz incrível
da Hebe e pelo violão da Silvia. King entrou com a voz, e Petica
com um chocalho de mão.
Cara, que susto os indígenas tomaram! Imagine só...
As mulheres se esconderam, o garotinho sumiu, alguns ho-
mens subiram correndo nas árvores. Só ficou um bem fortão,
nos observando, sem demonstrar medo.
De repente, estávamos cercados por vários indígenas mal-en-
carados. Foi sinistro! Por sorte, Paulão se lembrava das aulas de

. 32 .
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tupi-guarani que o Pedro havia dado para ele quando transferiu


o código da passagem secreta da Floresta do Beija-Flor Azul.
Foi a nossa salvação!
Ele abriu o maior sorrisão e soltou o verbo:
– Caraiubê! (Salve! Ou: seja bem-vindo!)
Foi maneiríssimo! Os caras ficaram espantados. Foi o mais
forte que respondeu. O nome dele era Tanaíve (que significa
“guerreiro corajoso”):
– Caraiubê. Marabicera? (Qual o seu nome?)
Paulão ia apontando para cada um de nós e falando o nome:
– Paulão, Bia, Zeca, Gui e Tília.

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Dava para sentir que eles foram relaxando aos poucos. Eu


continuava apavorado. Achei que a gente ia se dar mal.
O que nos salvou mesmo foi a aparição do Leopoldo. Que cena!
Lá vinha ele todo rebolativo e desengonçado de mãos dadas com
Toriba, o garotinho com o tembetá. Aquele tamanduá parecia
mais um urso fantasiado para o Carnaval, andando sobre as patas
de trás. Na cabeça, usava um cocar vermelho; nos braços, umas
pulseiras de penas coloridas; no pescoço, um troço que parecia
um babador; e nos tornozelos, chocalhos amarrados. Era um
instrumento vivo, uma alegoria de escola de samba. Hebe soltou
aquela gargalhada a que ninguém resiste, e de repente estávamos
todos rolando de rir – e Hebe rindo mais alto que todos. Os in-
dígenas desencanaram ao ver aquilo.
Leopoldo dançava feito maluco. Rebolava, batia os pés no
chão, sacudia os braços, abanava a cauda. Morro de rir só de
lembrar a cena.
Para descontrair mais o clima, Tília pediu para Bia tocar a mesma
melodia que os amigos do Tanaíve estavam tocando com as flautas
quando chegamos. Fico sempre impressionado com o ouvido da
minha amiga. Ela ouviu uma única vez e reproduziu o som igualzinho.
Começamos a marcar o ritmo, e Tinu entrou solando com a
flauta. Não deu outra: ninguém tirava os olhos dela. Tinu ficou
vermelha feito pimentão, morrendo de vergonha, mas mesmo
assim não perdeu o gingado.
Foi quando a gente ouviu:

PAAAUUUUMMMMM PAAAUUUUMMMMM
PAAAUUUUMMMMM PAAAUUUUMMMMM

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– Vários trocanos!
Que susto!
Gasper, que durante o dia adora dormir dentro do cavaqui-
nho do Gui, acordou já querendo pagar pra mim:
– De novo? O Zeca não vai dar uma trégua pra gente? Ele
agora tem mais trocanos? Fala sério!

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E o Gui:
– Gasper, acorda! Esqueceu que a gente viajou no tempo?
Bia ajudava a explicar:
– Ninguém sabe ainda quem está tocando, mas o Zeca está
doido pra saber.
Eu confirmei:
– Ah, estou mesmo. O Paulão foi ali perguntar, só que os caras
também querem saber um monte de coisas sobre a gente.
Era curiosidade dos dois lados. Ele chegou explicando que
o fã da Tinu, o Tanaíve, queria saber por que a gente usava
“cascas” sobre o corpo, por que só o Paulão entendia o que
eles falavam e como a gente tinha aprendido a conversar com
os animais. Os caras estavam achando que nós éramos assim...
meio mágicos, saca?
Um deles explicou que, para aquele povo, o rio era sagrado,
e como nós surgimos de lá, eles entraram numa de que éramos
tipo divindades das águas.
Tanaíve ainda disse que nunca tinha visto gente com as nossas
cores, e Paulão comentou:
– Mas ainda vai ver, e nem todos serão seus amigos.
Eles estavam supercuriosos. Perguntaram por que a Bia e o
Paulão se pintavam de tão branco e a Petica de preto. E deram
um nome indígena para cada um de nós:
– King é Pindáacanga (cabeça de espinho). Zeca é Apicurumi
(api = raspar + curumi = menino). Bia é Bicamiranga (Bia +
camiranga = cabeça vermelha). Pedro é Xuê (lento, vagaroso).
Petica é Cunhanã (moça cheirosa). Silvia é Potyra (flor, ou
um tipo de flor). Hebe é Capioriba (capivara alegre). Binga é
Ybitu (vento). Eu sou Tuxáuatingaeté (cacique muito branco,

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porque eu consigo falar com eles, e pra ser cacique o cara tem
que falar bem).
“Ele perguntou se eu bebia muita água do rio. Sabem por quê?
Existe uma lenda que diz que os homens que bebem a água desse
rio ficam mais fortes e com a voz mais poderosa.”
Quando Tinu ia reclamar que tinha sido esquecida, Tanaíve
se aproximou dela e disse:
– Marapipô cunhã Catupiry?
– Ele tá perguntando se você quer alguma coisa, menina bo-
nita – Pedro cochichou para ela.
Tinu ficou roxa de vergonha, mas sorriu para Tanaíve, que
parecia flutuar de alegria. Pedro contou que o nome da Tinu era
Yetê, que significa “filha das águas”, porque a lenda diz que as
mulheres que se banham nesse rio ficam lindas.

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Tanaíve apontava uma direção com gestos e nos chamava


para acompanhá-lo:
– Tenondé queti! (Em frente, adiante!)
E foi seguido pelos outros indígenas.
– Olha, os caras tão mandando a gente “tenondé” alguma
coisa. Eu não sei o que é, mas tô a fim de seguir, porque eles tão
indo na direção do som dos trocanos.
Fui o primeirão a seguir Tanaíve. Estava morrendo de
curiosidade.
A gente foi adentrando aquela floresta incrível, pela margem
do rio.
No caminho, Paulão e Pedro se revezavam na tradução de
tudo o que era dito.
– Estão dizendo que gostariam que fôssemos conhecer a
aldeia deles e explicando que aquele som vinha dos uás uás
tocados pelos que estão no local onde eles vivem. Eles tocam
para transmitir a aldeias amigas o convite para uma reunião. É
assim que eles chamam os trocanos: uás uás – explicou Pedro.
Em seguida, foi a vez do Paulão traduzir o que disse uma das
mulheres indígenas:
– Ela acha que somos um presente trazido pelo rio.
Depois de descer um morro, chegamos à taba. Foi incrível ver
aquela cena e aquele lugar. Todo mundo exclamou ao mesmo
tempo:
– Caramba!!! Eles são muitos!!
Toda preocupada, Tinu disse:
– Tomara que eles gostem da gente.

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Para acalmar a Tinu, fui logo dizendo que com certeza iriam
gostar. Já dava para sentir o clima amistoso – principalmente
graças ao efeito que ela produziu em quem eu já chamava de
“nosso herói”.
Mal chegamos, Tanaíve levou Paulão para conversar com os
anciãos da taba. Pedro o acompanhou e depois veio nos contar
que ele apresentou o Paulão e falou da gente com o maior respei-
to. Ali todos ouviam atentamente os mais velhos, principalmente
quando era o cacique que falava.
Foi ele que disse que éramos muito bem-vindos e que queria
saber mais sobre nós. Achava que o rio sempre trazia bons pre-
sentes – e que, dessa vez, tinha feito até capivara cantar. Enquanto
conversavam, fomos confraternizar com o povão, levados pelas
mulheres e crianças. King, Petica, Silvia e Tinu curtiram ter o
corpo, aliás, as roupas pintadas por duas mulheres. Bia e Gui
saíram de mãos dadas com Toriba, seguidos pela Tília e pela
Hebe. Eu fui atrás de dois caras que estavam tocando, cada um,
o seu trocano e pedi, com a ajuda de Pedro e de muitos gestos,
para me ensinarem.
– Repare que, de vez em quando, eles colocam a mão direita
sobre o coração e tocam com a esquerda. Esse é o segredo: tocar
com o coração. Ouça o bater do seu coração e pense na mensa-
gem que quer transmitir. O resto é ritmo e talento, o que você
tem de sobra, Zeca – me explicou Pedro.
Foi mágico! São vários sons, cada um com um significado. Aos
poucos fui sentindo que o trocano fazia parte do meu corpo.
Ele e eu, eu e ele; éramos uma coisa só e estávamos vibrando
na mesma frequência poderosíssima. Eu me sentia um gigante,
estava tudo dominado, e, modéstia à parte, mandei muito bem.

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É muito legal quando a gente decifra um enigma, e os milhares


de toques diferentes eram um superdesafio. Eu estava adorando.
Quem não gostou nada daquela situação foi a Hebe. Logo ela,
acostumada a ser paparicadíssima! Nossa diva estava bem brava:
– Era o que me faltava, virar personagem de teatro infantil
de aldeia indígena! Como se não bastasse o desrespeito daquela
falação enquanto eu cantava... Onde estamos? – Ela realmente
ficou injuriada.
A maior parte da aldeia estava no maior agito, e os que nos
conheceram primeiro queriam nos exibir para os outros.
De repente, ouvimos uma gritaria e vimos surgir da mata um
montão de indígenas com pinturas e adereços diferentes dos
nossos amigos, armados de arcos e tacapes. Eles iam chegando
e sendo recebidos calorosamente pelos locais. Senti uma tensão
no ar e foi me dando um frio na coluna. Tratei de perguntar
para a Bia se ela também sentia um clima estranho. Quando ela
confirmou que o ambiente estava ficando meio pesado, comecei
a sentir uma vontade danada de voltar para casa.
Logo depois, Paulão e Pedro apareceram e foram logo avisan-
do que a gente tinha mais é que se mandar dali. Até o Paulão,
que sempre era o mais calmo, estava nervosíssimo:
– Gente, vamos sair daqui, porque o que eu e o Pedro sus-
peitávamos é verdade. Isso não é uma festa, é uma convoca-
ção para a guerra. Os habitantes dessa aldeia estão reunindo
vizinhos para combater um povo inimigo, os Temiminós, que
querem tomar as terras deles por causa do rio que corre aqui.
Todos estão a fim da água que agora eles acreditam ser mágica.
– Caramba, uma guerra! Bem que eu estou sentindo uma
raiva coletiva – disse Bia.

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– Pois é, minha irmã, você como sempre é uma antena. Vamos


embora rápido!
Paulão já estava ficando meio desesperado:
– Eles estão pensando que nós somos espíritos do rio e...
Nessa hora, Pedro interrompeu:
– ...querem nos mostrar para os inimigos como prova de que
são eles os que têm o direito de ficar aqui, pois são nossos amigos!
Já quase surtando, Paulão disse:
– Nossa chance de voltar é a-go-ra ou nunca! Vamos aprovei-
tar que o cacique pediu que a gente toque e cante para os que
chegaram e dar o nosso show para abrir o Portal do Tempo.
Eu só via os anciãos chegando enquanto Paulão explicava:
– Não podemos demonstrar medo, porque covardia é inter-
pretada como perda de valor: a pessoa passa a ser pior que nada.
Só quem é forte e “não chora em presença da morte”,1 como diz

1
DIAS, Gonçalves. Antologia Poética. 5. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1969. I-Juca-Pirama.
I
“Um velho Timbira, coberto de glória, Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: – ‘Meninos, eu vi!’
Eu vi o brioso no largo terreiro
Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esqueci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo;
Parece que o vejo, Que o tenho nest’hora diante de mim […].”
XVIII
“Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de via Aimoré […].”

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o poema, é respeitado. Uma coisa importante: não podemos


deixar que nenhum deles toque conosco. Eu vou tentar dar um
jeito nisso. Pedro vai traduzindo pra vocês.

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Pedro explicava:
– O Paulão está pedindo para colocarem um trocano em
cima daquela pedrona. Ele disse que vamos tocar de lá, isolados,
enquanto eles ficam aqui embaixo, assistindo. Agora, o cacique
está mandando Tanaíve tomar essas providências e pedindo
para encantarmos os visitantes, porque aqui está reunida a mais
importante família tupinambá.
Tinu já tinha dito que estava percebendo muitos hábitos e
costumes iguais aos da aldeia do avô dela que vive no Maranhão:
– Bem que eu disse que eles eram Tupinambás. Eita povo que
gosta de um espetáculo!
Silvia também reparou nos detalhes das pinturas, nos cestos,
nos enfeites que tinham tudo a ver com as fotos mandadas pelo
avô da Tinu. Ela foi mostrando pra gente cada detalhe e dizendo:
– Eles são mesmo Tupinambás! Não tenho mais dúvida.
Já Bia não tinha tanta certeza. Ela, que conversava com as
plantas e os animais, sabia que aquela flora e aquela fauna não
eram as mesmas que a gente tinha conhecido quando visitamos
os parentes da Tinu.
– Mas a gente não está no Maranhão – ela disse. – Lá é Floresta
Amazônica e aqui é Mata Atlântica original.
Pedro, o mais desencanado de todos, naquele dia estava ace-
lerado. Ele sabia o risco que a gente estava correndo e gritou:
– Saber em que lugar do Brasil estamos é o menos importante
neste momento! Vamos logo, pessoal, antes que desconfiem que
fugiremos durante nossa apresentação. Temos que fazer um show
mágico, inesquecível!
– Deixa comigo, vamos arrasar! – Binga assumiu a direção de
cena, disparando ordens que cada um tratou de seguir à risca.
Disfarçadamente, eu filmava tudo com o meu celular.

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Tinu e King subiram rapidamente. Paulão carregava Pedro e


puxava Bia pela mão, que segurava Gui, e eram seguidos pela
Tília e pela Hebe. Silvia e Petica escalaram aquela pedra como se
fossem duas alpinistas.
Num instante estávamos todos a postos: Gasper já tinha reu-
nido milhares de vagalumes como ele e assim pôde jogar um
canhão de luz sobre a Hebe, que cantou sustentando a nota
mais alta que alcançava. Paulão fazia das pedras menores o seu
xilofone. Tinu mandava bem na flauta, juntamente com as vozes
afinadíssimas de Silvia e King. O cavaquinho do Gui, o violino da
Bia e o violão da Silvia produziram um efeito paralisante nos in-
dígenas, que não conheciam aqueles sons de cordas. Um coro de
milhares de sapos entrou com os graves. A música ainda ganhou
rugidos de jaguatirica e de onça-pintada, cantos de araras-azuis,
de araras-vermelhas e de outros pássaros que nossa maestrina
não conhecia. Eu tocava o trocano como se tivesse nascido ali.
Estava tudo dominado.
Binga achou que era hora de trazer o vento, mas errou a mão
e produziu um vendaval tão forte que arrancou até o cocar do
cacique.
– Oooops, foi mal! – ele disse e tratou de dosar melhor a força
da natureza.

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HORA
DE PARTIR
Letra: Silvana Gontijo
Música: Marcelo Quintanilha

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SILVIA:
Vamos todos
Tá na hora

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KING:
Estamos indo
Volta e meia, vam’bora!

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SILVIA:
Vamos todos
Tá na hora

KING:
Estamos indo
Volta e meia, vam’bora!

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PETICA:
Vou levando daqui
Todo o mel do sapoti
O vermelho do urucum
O toque desse baticum
E muitas lembranças de cada um

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SILVIA:
Vamos todos
Tá na hora

KING:
Estamos indo
Volta e meia, vam’bora!

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Naquele momento, uma fração de segundos antes de Tília


mandar Binga convocar raios e trovões, Gasper criou um es-
petáculo à parte: com sua luz, deu a impressão de que raios
coloridos riscavam o céu. Foi maravilhoso – e também muito
rápido, porque a gente realmente estava no limite.
Dei a batida final no trocano, e foi aquela explosão de luzes
e cores que sempre abre o Portal do Tempo.

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Para espanto geral, a última imagem daquela aventura, que


ficou gravada na memória de todos nós, foi o conhecidíssimo
morro do Pão de Açúcar – sem o bondinho, é claro – comple-
tamente iluminado como no Réveillon. Foi incrível!
– Vocês viram o que eu vi? A gente estava aqui mesmo, em
pleno Rio de Janeiro, pertinho do Pão de Açúcar – disse Paulão.
King, totalmente deslumbrado, emendou:
– E o rio era o Carioca, já chegando na praia do Flamengo.
Que viagem! E que bom estar de volta à nossa Floresta do Beija-
Flor Azul.
Aliviado, Pedro acrescentou:
– Nem acreditei quando vi o Jequitibá e a nossa cachoei-
ra, e que o perigo tinha ficado para trás. Fico sempre muito
preocupado com a segurança de todos, desde quando liberei
a passagem mágica e entreguei o segredo para o Paulão. Essas
crianças são muito corajosas, Jequitibá!
Jequitibá foi logo nos saudando:
– Elas são mesmo maravilhosas! Que bom que estão de volta! E
você, Zeca, decifrou o enigma do trocano? Tocou com o coração?
– Ué, como você sabe sobre isso, Jequitibá?
E, antes que ele me respondesse, Bia, sempre ligada no que
cada um sente, disse:
– Ele sempre soube, Zeca. E, Jequitibá, o Zeca tocou, sim, com
o coração e com uma energia impressionante. Que bom que
está curadíssimo, meu amorzinho! – Ela estava eufórica vendo a
recuperação do Jequitibá e foi correndo abraçar aquele amigão
tão enraizado. Mas, mudando de assunto:
– Sabe, a gente viu um povo que cuida e ama muito o rio.
Eles vão à luta pelo rio de verdade. Nunca deixariam alguém

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jogar lixo e sujeira de esgoto. E as nascentes? Ninguém toca nelas!


Jequitibá estava todo dengoso com o carinho da Bia e quis
logo esclarecer a razão da sua tristeza:
– Sabe, Bia, dessa vez eu não estava abatido por falta de água na
minha raiz, mas pelo som que me fez lembrar de histórias tristes do
meu passado. – Ele apontou para Hebe, que observava o trocano.
Ela parecia intrigada, passando as mãos sobre o tambor:
– Vejam o que eu descobri. É a mesma madeira! Olhem o
tronco do Jequitibá e o trocano!

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– Exatamente! Vocês nem imaginam quantas árvores da minha


família eu vi cortadas para servirem de corpo para os trocanos.
– Era triste pensar em toda a vida que morria com eles e
não saber se eu seria o próximo. Por isso fiquei tão abatido
quando o som extraído pelo Zeca me levou ao passado. Mas
agora eu sei que eles foram eternizados nas mensagens que
transmitiram.
– E essa é também uma forma de estar vivo, você não acha?
– filosofou Pedro.

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Adorei o que o Pedro disse. Eu estava mesmo precisando de


uma frase para encerrar o meu vídeo “O enigma do trocano”.
– Ficou muito maneiro o docudrama do Zeca. É tão inacre-
ditável que ninguém vai imaginar que nós realmente viajamos
no tempo. Amiga, falando em tempo, eu fico pensando: você
tem certeza de que quem ficou lá esqueceu tudo e pensa que
foi um sonho?
Hebe piscou e respondeu:
– Lá, sim, mas aqui, pelo visto, não, né?
E soltou aquela gargalhada tão irresistível que, por um mo-
mento, até a Tinu esqueceu a saudade.

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Sobre a autora

SILVANA GONTIJO
Além de escritora, ela faz um monte de outras coisas legais: é
diretora de arte, consultora de moda, desenhista industrial, cenó-
grafa, jornalista, roteirista... ufa! Quando a Silvana era pequena,
vivia em contato com a natureza e com a arte brasileira, e isso
ajudou a descobrir o seu maior sonho: transmitir às crianças a
importância da nossa cultura, assim como as histórias, os mitos,
a música... Bacana, né?
A Silvana também está à frente do planetapontocom, uma
organização que busca soluções para a educação de crianças e
jovens por meio de experiências divertidas e prazerosas. A Turma
do Planeta faz parte dessa ideia e traz incríveis personagens que
viajam no tempo através da música e vivem grandes desafios
ambientais, éticos, científicos e muito mais.
Saiba mais em: https://planetapontocom.org.br/turma.

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© Autêntica Editora 2023. Todos os direitos reservado. É proíbida a reprodução.

Esta obra foi composta com a tipografia Cronos Pro e


impressa em Off Set 90 g/m² na gráfica Formato Artes Gráficas.
 Este livro de Silvana Gontijo vai encantar
pela música, mostrando as transformações
que ela pode gerar e a potência dessa arte na
construção da diversidade e da amizade.

O enigma do trocano conta mais uma aventura inesquecível da Turma


do Planeta – uma galera superlegal e animada que tem uma coisa
em comum: a paixão pela música. Zeca, em comemoração à sua ex-
celente matéria no Jornal do Planeta,
Planeta, ganha de presente um trocano
e, para aprender a tocar o instrumento em um lugar tranquilo, vai à
Floresta do Beija-Flor Azul com seus amigos. Nesse vale mágico, eles
fazem uma viagem no tempo que muda tudo que eles pensavam
saber sobre os povos originários do Brasil e sobre como sentir os sons.

Leia também:
Como tudo começou (vol. 1)
ISBN 978-65-5928-281-4
Sonhando acordado (vol. 3)
Agitando a galera (vol. 4)
Nas águas do tempo (vol. 5)
Um rio que canta e encanta (vol. 6)
9 786559 282814

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