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ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL COQUEIROS

ENSINO FUNDAMENTAL

SAMYELE VIEIRA MOSSI

VAMPIROS, VIOLÊNCIA E HOMOAFETIVIDADE

SÃO VICENTE DO SUL


2023
VAMPIROS, VIOLÊNCIA E HOMOAFETIVIDADE

OS PRIMEIROS VAMPIROS

Para começarmos a falar sobre vampiros, precisamos voltar às suas origens. Histórias
de criaturas que saem de suas tumbas para atacar os vivos existem a séculos, as primeiras que
temos noção surgiram na Grécia milênios antes de Cristo, na literatura, por exemplo, ele já
eram citados por Aristófanes na peça “As rãs” (405 A.C) onde ele menciona Ampusa, demônio
feminino que seduzia homens para se alimentar de seu sangue para manterem sua juventude e
beleza.
Outras história, mitos e criaturas que podem ter sido inspirações para as histórias de
vampiro que conhecemos atualmente são as Lâmias, os Vrykolakas e os Ìncubus e Súcubos.

LÂMIAS

Lâmia era uma bela rainha da Líbia, amante de Zeus com quem teve vários filhos,
quando Hera, esposa de Zeus, descobriu, jogou uma maldição em Lâmia transformando-a em
um ser metade mulher metade serpente fadada a nunca mais cerrar os olhos. Enciumada, Hera
escondeu os filhos de Lâmia em uma caverna. Quando Lâmia foi se esconder, por estar faminta,
devorou seus filhos e viveu atormentada com a terrível visão de ter dizimado a própria prole.
Em outras versões, Hera teria matado os filhos de Lâmia e o desespero teria feito com que ela
se tornasse o monstro. Compadecido pelo sofrimento da amante, Zeus concedeu-lhe o poder
de retirar os olhos temporariamente e o dom da profecia, sendo os únicos momentos em que
esquecia seus tormentos.
Com sua vida amaldiçoada, Lâmia se tornou um ser vingativo que passou a vagar pela
terra devorando os filhos de outras mães. Em outras culturas, Lâmia é descrita como um ser
maligno com busto de mulher e corpo coberto de escamas que usava seu corpo para seduzir
jovens para sugar-lhes o sangue.
Com inspiração neste mito, surgiram seres chamados Lâmias. Estes seres são
semelhantes às Súcubos, descritos como belas mulheres fantasmagóricas que devoravam
crianças e atraiam jovens para sugar seu sangue.

VRYKOLAKAS

Vrykolakas, os mortos-vivos gregos, têm seu nome vindo do termo eslavo vblk’b dlaka,
que significa “portador de pelo de lobo”. Ao contrário dos vampiros modernos e europeus que
sugam o sangue pelo pescoço, o Vrykolaka cria pragas e infecções andando pela cidade.
A Grécia já foi um país considerado infestado de vampiros, mais especificamente a ilha
de Santorini. Quando olhamos para Santorini atualmente, é difícil imaginar que já foi um lugar
de miséria e medo, havia histórias de que o povo de Santorini era especialista no extermínio de
vampiros devido a grande convivência com eles.
Os Vrykolakas eram vampiros de aparência inchada e corada, com presas compridas e
afiadas, palmas peludas e olhos brilhantes. Eles saem de seus túmulos e vão até cidades e
vilarejos próximos batendo nas portas e chamando seus moradores. Se forem ignorados irão
para a próxima casa, se o dono atender, morrerá em dias e ressuscitará como Vrykolaka.
As formas de se tornar um Vrykolaka eram variadas, como atender a porta para um,
viver uma vida impura, uma excomunhão, ser enterrado em solo não consagrado, comer carne
de carneiro que um lobisomem provou, ser amaldiçoado ou desonrar a família.
Segundo o mito o vampiro era perverso, mau e um pouco travesso, gosta de matar sua
vítima pisando em seu peito enquanto dorme e, as vezes, puxava roupas de cama, comia toda
comida e bebia todo o vinho e jogava pedras nas pessoas a caminho da igreja.
Para matar um Vrykolaka, uns diziam que era preciso cortar a cabeça do vampiro e
empalala em uma estaca, outros, que apenas um homem da igreja poderia matá-lo e outros
diziam que, apenas para matar um, era preciso queimá-lo.

ÍNCUBOS E SÚCUBOS

Íncubos (masculino) e Súcubos (feminino) eram demônios sexuais de várias culturas.


Diziam que que eles invadiam o sono de mortais do gênero oposto e sugavam sua energia vital
atraves de relações sexuais. “Íncubo” vem do latim “incubare” (deitar em cima) e “Súcubo”
deriva de “succumbere” (deitar debaixo) e dizem que eles seriam os causadores de sonhos
eróticos. Os primeiros relatos dessas entidades surgiram na Mesopotâmia, por volta de 2400
A.C e lendas dizem que seriam filhos de Lilith. Lilith era uma deusa mesopotâmica e babilônica
assossiada aos ventos, tempestades, lua, doenças e abortos,mas foi importada para o folclore
judaico sendo considerada primeira esposa de Adão que se rebelou, recusando-se a ser
submissa, teria se retirado do Jardim do Eden e se deitado com Samael, anjo hebraico da morte
em suas origens, e dado a luz a diversos demônios e criaturas das trevas.
Por mais que histórias de Íncubos e Súcubos tenham surgido na Mesopotâmia, elas se
tornaram mais famosas na Idade Média, durante o período de inquisição, com histórias de que
os acusados de bruxaria se deitavam com demônios em troca de seus poderes.

DA BESTA ATÉ O ARISTOCRATA

Como podemos ver, antigamente a ideia era que vampiros eram seres completamente
cruéis, perversos, bestiais e animalescos, mas como e quando foi que esse demônio brutal
sedento por sangue se tornou o belo e rico aristocrata que conhecemos atualmente?
Esta imagem surgiu no conto “O Vampiro” escrito em 1819 por John William Polidori,
na história conhecemos Lord Ruthven, um vampiro aristocrata, astuto e influente, inspirado no
amigo do autor, o poeta Lord Byron, autor de obras como “Don Juan”, “Manfredo” e
“Mazeppa”. “ O Vampiro” ganhou grande notoriedade, pois foi publicado no nome de Lord
Byron, mas atualmente sabemos que a autoria foi de seu médico John Polidori.
“O Vampiro” serviu de inspiração e foi uma grande base para todos os outros contos de
vampiros que surgiram posteriormente, como “Drácula” de Bram Stoker, “Carmilla” de
Sheridan Le Fanu e “Entrevista com o Vampiro” de Anne Rice.

O ARISTOCRATA INFANTIL E CRUEL

Aqui e quando voltamos a ter contato com a bestialidade e a raiva infantil. Desde os
primeiros contos, vimos e tivemos contato com vampiros egoístas e cruéis, mas agora teremos
contato com um considerado infantil. “Drácula” foi escrito em maio de 1897 com uma história
escrita através das páginas dos diários dos protagonistas. A história começa com Jonathan
Harker, que fora até a Transilvânia ajudar conde Drácula na sua compra de imóveis na
Inglaterra, nisso ocorrem situações estranhas, como os hábitos do conde de nunca comer é só
aparecer a noite, Jonathan tentando investigar viu o conde dormindo em um caixão e quase
morreu tentando escapar. Drácula vai até a Inglaterra e ataca Lucy Westenra, amiga da noiva
de Jonathan Harker, e transforma ela em uma vampira fazendo com que seja morta pelos
doutores Abraham Van Helsing e John Seward e seu noivo Arthur Holmwood. Após esse
evento começa uma caça ao Drácula, a qual termina com ele morto por Jonathan Harker.
Durante a caça ao Drácula Van Helsing faz uma afirmação que irei parafrasear com
minhas palavras: “Drácula é como uma criança, egoísta e infantil. Após anos morto seu cérebro
age mantendo o conhecimento que tinha, mas a maturidade precisa ser adquirida”. Há outros
momentos que Drácula se mostra não só infantil, mas sádico, no momento em que ataca a
esposa de Jonathan, Mina, e a força a beber de seu sangue através de um ferimento em seu
peito enquanto olha para Jonathan que acabara de entrar no quarto.
Isso nos mostra que vampiros sempre estiveram de alguma forma ligados à
infantilidade, à brutalidade, ao egoísmo e ao abuso. Foi através da ideia do vampiro aristocrata
que poderes e características associadas a demônios sexuais foram atribuídas a eles, como sua
beleza, sua sedução e sua mordida. A mordida de um vampiro tem uma substância tóxica e
afrodisíaca que é injetada quando a vítima é mordida, a substância deixa a vítima atordoada e
sentindo sensações prazerosas, mesmo que a vítima tenha consciência do que acontece, a
substância e a fraqueza pela falta de sangue faz com que elas não reajam. Essa substância, a
sedução e a crueldade liga o vampiro tanto a abusos quanto ao sadomasoquismo. Vampiros em
histórias de terror sugam o sangue de suas vítimas sem consentimento, em histórias de amor,
sugam com consentimento. No primeiro caso a vítima é obrigada a dar seu sangue ao vampiro
e, arriscar se transformar e nunca descansar em paz, já que vampiros que surgem através de
mordidas não tem o controle de seus atos que os que foram enterrados em solo amaldiçoado
tem, e vivem apenas pela sede de sangue, e, durante todo o ato, a toxina fazia a mente da vítima
pensar que estava gostando. No segundo caso a vítima quer ser mordida, ela quer ter aquela
sensação, ela gosta daquilo e não se importa com as consequências, a toxina não a engana,
apenas deixa a situação melhor para um masoquista. No fim, quando a toxina para de agir, só
resta a dor, um detesta e amaldiçoa o responsável e o outro ama e deseja mais, a dor de um é o
prazer do outro.
Temos noção de como mitos de vampiros evoluíram e avançaram, de como seres
bestiais e sedentos se tornaram mais palpáveis e belos, mas e as relações homossexuais, mas
especificamente, as femininas que já foram muito apagadas? E as vampiras protagonistas
femininas?

CARMILLA

“Carmilla” começa, com uma acidente na casa de Laura, uma jovem que mora isolada
em um castelo com seu pai e as empregas, uma carroça desgovernada bate na fachada do
castelo, os passageiros pareciam estar com pressa e a mãe de Carmilla pede para que a filha
fique no castelo para que ela possa resolver outros assuntos. Laura e seu pai aceitam a hóspede,
mas Laura começa a passar por situações estranhas, como pesadelos com Carmilla. Laura
também observa que Carmilla tem hábitos estranhos como sumir e aparecer do nada, não comer
e dormir toda a manhã, mas Laura ignora, apaixonada pela hóspede. Pouco depois, um amigo
do pai de Laura, que perdeu a filha para uma misteriosa doença, vem visitar, olha para Carmilla
e a acusa de ser responsável pela desgraça da filha. Pouco tempo depois o pai de Laura é
convencido a ir até as ruínas de um castelo em um vilarejo próximo, através de uma pintura,
descobrem que Carmilla é Mircalla, Condessa de Karnstein, antepassada de Laura e uma
vampira. A doença misteriosa, que estava assolando a todos, era ela e os misteriosos sintomas
eram os efeitos de ter o sangue sugado frequentemente. O pai de Laura e seu amigo matam
Mircalla, mas naquela noite, Laura vê Carmilla.
“Carmilla” foi escrito por Sheridan Le Fanu em 1872 e e considerado o primeiro conto
a apresentar uma vampira, além disso, uma vampira homossexual.
Como já apresentado antes, vampiros modernos sempre tiveram ligaçao com a
sexualiadade, desde a forma que se apresentam até as vítimas que escolhem, Carmilla em seu
conto, apenas é mostrado que escolhe mulheres, e suas relações, descritas por Laura, deixam
implícito a existência de algo a mais entre elas. Com “Carmilla” podemos ter diversos paralelos
envolvendo mulheres e a homoafetividade na época.

HOMOAFETIVIDADE

Relações homosexuais sempre foram destratadas, menosprezadas e marginalizadas, e


grande parte disso começou com a hegemonia judaico-cristã, com frases dizendo que a
homossexualidade seria não natural e contra Deus ja que não há reprodução entre o casal e em
meados dos séculos XVIII, XIX e XX não seria diferente. Na era vitoriana relações
homossexuais eram vistas como vergonha e crime contra a moral e os bons costumes, mas a
homossexualidade e a homoafetividade, principalmente entre mulheres, era pouco vista e até
ignorada ate muito pouco tempo.
Naquela época era considerado impossível uma relação entre duas mulheres, devido ao
pensamento de que sem a penetração de um órgão sexual, não há relação sexual. Naquela época
a educação era restrita e era mais escassa o que fazia com os homens não entendessem o corpo
feminino, e as mulheres entendessem pouco a si mesmas. Essa falta de entendimento fazia com
que muitas mulheres fossem para hospícios ou sanatórios consideradas histéricas simplesmente
por apresentarem sintomas de mudança hormonal, trauma, depressão ou por se oporem a
afirmações e atos. Essa falta de entendimento fazia com que as mulheres se tornassem mais
próximas para se ajudarem a se entender como podiam e o pensamento de que mulheres não
teriam como se relacionar, fazia com que muitas tivessem a oportunidade de ficarem juntas
sem ter tantas suspeitas, mas se houvesse qualquer reivindicação de relacionamento ou atos
“imorais” em público, seriam consideradas histéricas ou criminosas, eram exiladas, ou
executadas. Naquela época, também havia a questão do casamento, mulheres eram vendidas
para seus maridos décadas mais velhos, e muitas perderam suas amadas.
Em “Carmilla” podemos ter o paralelo da filha do amigo do pai de Laura, ex-amante
de Mircalla, Bertha. Antes de Bertha morrer, seu pai viu Mircalla sobre sua filha e essa cena
nos ajuda a formar um interessante paralelo, e se a morte de Bertha for uma metáfora?
Sabemos como a homossexualidade e a homoafetidade eram consideradas lastimas
antigamente, imaginamos um pai, com pensamentos, atualmente, retrogrados, ve sua tão amada
filha se relacionando com a hóspede recém chegada, sabendo como a sociedade reagiria e
tomado de desgosto, não seria mais fácil fingir que a filha morreu? Não seria mais fácil renegar
a filha do que acreditar na mera possibilidade dela se sentir atraída por mulheres? Não seria
mais fácil acreditar que a filha foi corrompida e morta pela hóspede?
Podemos ter essa interpretação de “Carmilla” e que é alimentada pela morte de Mircalla
após “corromper” diversas jovens e, o final aberto, com Laura vendo Mircalla a noite,
simbolizando que ela nunca esqueceria seu amor, de quem ela era e de sua relação homoafetiva
com Mircalla.

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