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comuns como sempre – não se incomodavam com sua presença, para eles Félix era apenas mais um

gato de rua, essa era a forma que ele assumia desde A Queda do véu e permanecerá nela sem poder
mudar. Sua principal qualidade era ser evasivo, sua presença era tão sútil que os dormentes
simplesmente esqueciam ou o ignoravam, por isso ele ousava invadir casas, roubar coisas, pregar
peças e atormentar os bêbados das praças – ele divertia-se na maioria das vezes.
Ele ficou um pouco mais de vinte minutos na frente da casa. A rua escura só tinha alguns
postes acesos, o casebre era um resto de arquitetura antiga, fétida e pobre, não parecia poder abrigar
ninguém além de visagens ou mendigos mais fétidos ainda. Mas havia algo errado com o local. As
luzes da rua não era muitas, mas as sombras que envolviam a casa engolfavam a luminosidade,
como se impedissem que elas pudessem chegar até o seu limite. O próprio local parecia mais frio do
que o normal e as pessoas que passavam por ali atravessavam a rua, mudando de direção só para
não passar na frente do local – por incrível que pareça elas não se espantavam, muitas delas nem
olhavam diretamente para a casa, como uma reação natural, algo simplesmente as fazia evitar
aproximar-se, poder observar ou tentar perceber que existia aquele local ali. A casa era um umbral
completo, Félix lembrou-se que existiam os pontos invisíveis, localizações usadas por seus iguais
para se esconder dos dormentes. Mas aquela ali emanava algo estranho… algo amedrontador.
Uma forma trépida ergueu-se nas sombras, aproximando-se da porta da frente da casa. Os
olhos iluminados como faróis eram amarelos vivos. Eles adentravam na alma e Félix limitou-se a
ficar calado, ele tinha certeza que era ali o seu chamado, mas o que virá só podia ser um Maculado,
temível, tinha que fugir ou seria seu fim… a sombra viva emanava uma aura de terror, penetrava-o
sem dó e agora finalmente ele sabia o que era o medo.
- Não precisa terrr medo… - uma voz fria, como ferro rasgando ecoou das sombras – Eu
tenho que saberrr… Quem foi que desperrrtou? - a forma inquietante tremulava, destacando-se da
escuridão, os olhos fitados em Félix pareciam crescer, crescer e crescer, engolindo-o em desespero.
Ele tinha que respondê-lo.
- Você é um perdido. Se eu soubesse que era um desses eu jamais teria vindo! Jamais lhe
diria algo sobre isso, seu bem qual a sua intenção e a dos seus subordinados, já não é em tempo
vocês todos pagarem por seus atos – o gato falante cuspiu coragem, como nunca antes. Sua voz era
firme, mas suas patas eram manteiga, derretendo no solo pelo medo.
A sombra ergueu-se feroz na direção de Félix, agressiva abrindo sua bocarra imensa e foi
possível ouvir os lamentos de desespero por todos os lados. Como centenas de almas em agonia,
chorando e lamentando-se. O vulto parou antes de chegar na calçada, gargalhou e prosseguiu
ameaçador – Você é um pobrrre coitado… Vivendo porrr migalhas… Merrrece o esquecimento…
- Eu tenho pena de vocês… Corrompidos… - o gato sentiu uma forte pressão súbita antes de
terminar a sua frase; o amontoado de sombras, olhos e vozes preencheu toda a rua e caiu por cima

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