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Amanda Quick
SINOPSE
Lucas lhe fez amor outra vez ali, nas águas cintilantes das termas.
Depois, a pegou nos braços e usou sua camisa como toalha para
secar aos dois. Não queria que aquela noite terminasse. Ficaria
encantado de passar mais uma ou duas noites mais ou o que
restasse da vida, naquele lugar idílico com Evangeline. Mas isso não
era possível.
Quando terminou de secar as últimas gotas reluzentes do
corpo suave e deliciosamente ardente de Evangeline, esticou a
camisa molhada e começou a vesti-la. Evangeline colocou
rapidamente a camisola e o robe, e dirigiu a vista para a entrada no
longo corredor.
—Já deve ter amanhecido — comentou.
—Sim. —Lucas abotoou a calça e sentou-se em um banco de
pedra para calçar as botas. — Vamos averiguar o que aconteceu com
Stone e com os homens que entraram sem serem convidados.
—Espero que o senhor Stone esteja bem — disse Evangeline.
—Não seria fácil matá-lo.
—Acredita que os intrusos tenham sobrevivido à explosão do
labirinto?
—Nós conseguimos — lembrou. Levantou o pequeno farol e
lançou outro olhar, perguntando-se de novo como funcionava e qual
seria sua função. — Mas precisavam deste artefato para se orientar
no labirinto, por isso pode ser que ainda estejam ali dentro, dando
voltas. Se for assim, ficaram mais algumas horas. Vou me encarregar
deles depois de te levar para casa.
—O que faremos se a tormenta de energia não tiver
diminuído? —quis saber Evangeline.
Lucas esboçou lentamente um sorriso depois de pensar nas
várias possibilidades.
—Se for este o caso, pode ser que tenhamos que passar outra
noite aqui — disse.
—Por Deus! —exclamou Evangeline, que parecia alarmada.
—A ideia te parece tão terrível assim?
—Você está brincando comigo de novo — se queixou
Evangeline com o nariz enrugado.
—Claro. —Se aproximou dela e beijou sua testa. —
Desafortunadamente, temo que a tormenta já terá amainado e, por
mais que gostaria de passar outra noite com você, suspeito que não
terei nenhuma desculpa para fazê-lo.
—Sim, bem —soltou Evangeline, coradíssima, muito atarefada
de repente em abotoar o robe. — Vamos depressa, Lucas.
Precisamos regressar a casa antes que alguém acorde. Não ficaria
bem que sua tia e sua irmã nos vissem voltar dos jardins há esta
hora, isso para não dizer o pessoal do serviço. —olhou seu peito nu.
— Ao menos, não neste estado.
—Não quero que passe vergonha — assegurou Lucas, sério de
novo.
—Pois pelo que mais queira, ande logo.
Evangeline colocou as sapatilhas, se virou com rapidez e
percorreu o corredor até a entrada das termas. Lucas pensou que
ainda não tinham falado sobre o que ocorreria quando estivessem
fora. Tinha querido comentar com ela antes de sair do labirinto, mas
agora não parecia ser o momento adequado. Haviam outras
prioridades.
Evangeline parou um momento e lançou um olhar ao corredor
de pedra que conduzia a sala onde estava a terceira piscina.
—O que houve? —perguntou Lucas.
—Nessa sala deve haver uma quantidade enorme de energia
—comentou Evangeline. — Posso percebê-la daqui.
—Está captando sem dúvida, as correntes de energia da
entrada que impede o acesso. São muito potentes. Que me lembre,
tio Chester jamais encontrou uma forma adequada para cruzá-la,
ainda que estivesse obcecado em entrar nessa sala.
—Por quê?
—Segundo consta em documentos antigos, é a piscina mais
potente das três. Muito poucas pessoas puderam entrar nessa sala.
Evangeline mudou de rumo e percorreu o largo corredor.
Lucas a seguiu até a porta da sala.
—A porta é nova.
—Tio Chester quem instalou. Mas a verdadeira barreira está na
tormenta de energia do outro lado.
—A energia que tem atrás dessa porta parece antiga — indicou
Evangeline depois de colocar a palma da mão aberta na madeira.
—Sim. A entrada de energia já existia quando tio Chester
comprou a velha abadia.
Evangeline separou a mão da porta e olhou com expressão
angustiada ao dizer:
—Acredito que tem algo importante oculto nesta sala, mas não
tenho nem ideia do que seja. Pode ser simplesmente o poder da
piscina que vem dela.
—Agora não temos tempo para pensar nisso. Regressaremos
em outra ocasião.
—Verdade, Lucas —disse Evangeline, observando a porta.
—Verdade.
Pegou sua mão e a tirou da sala da piscina das visões.
Uma vez cruzada á cortina de energia viu que, efetivamente o
sol já tinha saído. De fato, já estava a certa altura. Os efeitos
desorientadores da energia das termas, somado ao relógio de bolso
parado, tinham feito calcular mal a hora.
Mas esta desculpa não era válida. Sorriu por dentro, consciente
de que só ele tinha culpa de que saíssem mais tarde do que o
necessário. Tinha sido incapaz de resistir a fazer amor com
Evangeline uma última vez.
O Jardim Noturno era um lugar totalmente diferente de dia. O
efeito fosforescente era praticamente imperceptível a não ser que
intensificasse seus poderes. As flores noturnas tinham fechado suas
pétalas ao sair do sol. Não voltariam a se abrir até que caísse a noite
de novo. Mas as ameaçadoras correntes escuras de energia que
impregnavam o ambiente ainda estavam ali, espreitando abaixo da
superfície.
—Toma cuidado — avisou Lucas. — Que tudo pareça menos
perigoso de dia não significa que o seja. Na verdade é ainda mais
perigoso de dia porque as ameaças são menos evidentes para os
sentidos.
—Não se preocupe — o tranquilizou Evangeline, dirigindo um
olhar receoso a um maço de orquídeas—, não vou cortar nenhuma
flor para colocar entre as páginas de um livro de poesia.
—Alguma vez colocou uma flor entre as páginas de um livro
de poesias?
—Eu não — admitiu ela. — Mas a protagonista de minha
novela, sim.
—Por quê?
—Porque o vilão, que eu tinha inicialmente destinado ao papel
de protagonista, lhe presenteou com flores depois de roubar-lhe um
beijo. Como acredita que nunca voltará a vê-lo, conserva uma das
rosas no livro de poesia que ele também lhe deu de presente. Mas há
pouco tempo me dei conta que fiz mal em tê-lo feito meu
protagonista.
—Confundiu o protagonista com o vilão de sua própria
história?
—São coisas pelas quais passam um autor — disse Evangeline.
— Faz parte do processo criativo.
—Já vejo.
—Por sorte, percebi antes de terminar o quarto capítulo. Esse é
o problema em escrever para os jornais, sabe? Não pode trocar o que
contou antes. Não pode voltar atrás e revisar nada porque os
capítulos anteriores já foram publicados.
—Soa agonizante — comentou Lucas.
—Não tanto como estar a ponto de ser assassinada no alto da
escadaria.
—Tem razão. —Lucas sorriu.
A tormenta do labirinto tinha amainado. As correntes de poder
seguiam sendo desorientadoras, mas voltavam a serem as normais.
Lucas conduziu Evangeline pelo labirinto até o corredor onde tinha
havido a explosão.
—Não vejo nenhum cadáver — comentou Evangeline, olhando
com apreensão ao redor. — Não é possível que a vegetação já tenha
feito desaparecer duas pessoas a estas horas.
—Não. Demora dois ou três dias para digerir um ser vivo do
tamanho de um rato. Dois cadáveres demorariam um período mais
longo de tempo para desaparecer. Os intrusos seguem dando
tombos aqui dentro ou escaparam.
—O mais baixo ficou inconsciente. Não teria voltado a si a
tempo de fugir.
—O outro pode tê-lo levado daqui — sugeriu Lucas.
—Não teria sucumbido aos efeitos da explosão como você?
—Sim, mas não imediatamente. Lembre-se que consegui
chegar até as termas.
—Mas já não podia seguir mais — disse Evangeline. — Não
posso imaginar que o homem alto tenha conseguido se afastar muito
dos jardins, especialmente se carregava seu companheiro.
—Em todo caso, encontraremos a um deles ou aos dois
próximos daqui, pode até ser nos jardins.
Pouco depois, saíram do labirinto. Não tinha nenhum cadáver
próximo à entrada. Porem tinha um grupo considerável de pessoas
no terraço. Stone, Florence, Beth, Molly e uma grande quantidade
dos familiares de Molly Gillingham tinham se reunido, muitos deles
armados de picaretas, enxadas e facões.
Molly foi a primeira que os viu.
—Senhor Sebastian, senhorita Ames. Estão vivos — exclamou
com cara de alívio.
Stone, que se virou em seguida, se iluminou o semblante.
—Senhor Sebastian.
—Lucas — soltou Florence. — Graças a Deus que estão a salvo.
Tinha medo do pior.
—Eu não — assegurou Beth, que sorriu a Lucas. — Sabia que
sairia ileso e que traria a senhorita Ames contigo. Disse a todos que
esperaria que fosse de dia para sair do Jardim Noturno. Mas Stone
queria estar preparado para entrar para te buscar se não aparecesse.
—E o que pensavam fazer? Destruir o labirinto? —perguntou
Lucas depois de observar os reunidos.
—Era isso ou tentar incendiá-lo, e não me pareceu que
poderíamos atear muito fogo nessa massa sólida de folhagem —
explicou Stone.
—Não — confirmou Lucas, que sentia um alívio imenso.
Era uma sorte que Stone e os demais não tivessem tratado de
incendiar o labirinto ou destroçá-lo a machadadas. A folhagem teria
muitas formas de proteger a si mesma. Olhou Molly e aos demais
Gillingham.
—Agradeço a todos por virem nos resgatar. Pelo bem de todos,
me alegra que não foi necessário tentar destruir o labirinto, mas não
duvido que estavam dispostos a realizar a tarefa. Tenho sorte por ter
vizinhos tão bons. Por favor, se puder corresponder de algum
modo, não precisam mais que pedir.
Uma série de «Imagine, senhor Sebastian», «Foi um prazer
ajudá-lo» e «Me alegra que você e a senhorita estejam bem».
E então um silêncio incômodo caiu sobre o grupo. Lucas se
deu conta de que todos estavam se esforçando muito para não olhar
para Evangeline, que estava ao seu lado vestida com roupas de
dormir.
—Beth — disse Florence, que foi a primeira a reagir—,
acompanhe a senhorita Ames a seu quarto. Deve estar exausta.
—Sim, claro. —Beth dirigiu a Evangeline um sorriso amável.
— Vamos entrar.
—Obrigado — disse Evangeline.
Evidentemente aliviada ante a perspectiva de escapar,
começou a andar até a casa com Beth.
—Sim — soltou Lucas, alçando a voz o suficiente para
assegurar-se de que todos os Gillingham pudessem ouvi-lo. —
Minha prometida viveu uma experiência terrível, como já
imaginam. Por favor, encarreguem-se de que esteja bem atendida.
Necessitará de um pouco de chá e muito descanso.
Por alguns instantes, incluindo Evangeline, todos ficaram
calados. Ela foi a primeira que saiu do transe. Voltou-se e olhou a
Lucas com uma expressão de quem acaba de ouvir uma sentença.
—O que você fez? —perguntou em voz baixa, e em seguida
começou a correr até a casa como se fosse perseguida pelo próprio
diabo.
22
Uma hora depois, Lucas falou com Judith a sós na biblioteca. Sua
madrasta estava sentada, rígida pela tensão, em uma das poltronas
de leitura. Ele a olhava atrás da escrivaninha. Não era a primeira vez
que se reuniam assim. Os encontros jamais terminavam bem para
nenhum dos dois lados.
—O que faz aqui? —perguntou. — Tinha a impressão que
detestava Crystal Garden.
—E detesto. —Judith dirigiu sua vista para as janelas cobertas
de videiras e estremeceu. — Tinha que ter destruído os espantosos
experimentos botânicos de seu tio. Estes jardins são muito
antinaturais.
Pouco depois de chegar, Judith tinha sido conduzida a um dos
quartos do piso acima, onde trocou de roupa. Agora usava um
vestido verde escuro e o cabelo ruivo recolhido em um coque
elegante que realçava seus delicados traços e seus olhos azuis.
—Crystal Garden não é o Real Jardim Botânico de Kew,
admito —disse Lucas. — E também não sugeriria celebrar uma festa
ao ar livre nos jardins. Mas as plantas e as flores que tem nele são
totalmente naturais. É só que crescem graças aos elementos
paranormais das águas deste lugar.
Os olhos de Judith brilharam de raiva e de um velho medo que
Lucas conhecia bem.
—Já sabe que não acredito em fenômenos paranormais —
replicou.
—Pelo que se supõe que é uma das razões pelas quais nós
nunca tenhamos nos dado bem, sem afinidades e sem diálogos —
sentenciou Lucas, sorrindo com certa frieza.
—Não vim aqui para brigar com você, Lucas —indicou Judith,
ruborizada.
—Por que chegaste sem avisar, então? E porque arrastou Tony
contigo?
—Não te enviei um telegrama porque sabia que seguramente
me responderia de imediato dizendo que não seria bem vinda.
Quando Tony soube que vinha, insistiu em acompanhar-me. Temo
que ache muito interessante este lugar horrível.
—Não estou aqui para atender uma casa cheia de convidados.
Estou envolvido em dois projetos muito importantes na velha
abadia. Preferia não ter ninguém aqui, acredite. Mas sem me dar
conta minha casa está se enchendo de parentes que viajam sem me
avisar cheios de bagagens e uma ou duas donzelas. A este passo,
Molly terá que abrir mais uma ala.
—Foi você quem enviou um telegrama para Florence. Não é
culpa minha se Beth decidiu acompanhá-la até aqui.
—E você esta aqui pela Beth, não? Não aprova o jovem que a
fascinou.
—Sim, vim para conversar contigo sobre o futuro de Beth —
aceitou Judith. — Mas antes de abordar este tema, devo perguntar
que raios está se passando aqui. Florence me contou que ontem à
noite tiveste uma aventura com a senhorita Ames nos jardins e que
pegaram aos dois voltando para casa ao amanhecer. Os dois
estavam com as roupas arruinadas sendo que ela vestia roupa de
dormir e agora assegura que está comprometido.
—A senhorita Ames e eu estamos comprometidos.
—Não está pensando em se casar com ela, verdade? Mas
Florence disse que ela ganha a vida trabalhando como dama de
companhia, pelo amor de Deus. Compreendo que pense que é uma
questão de honra. Agora bem, os cânones sociais não se aplicam
nesta situação. A senhorita Ames não pertence à alta sociedade.
—Quando viu que me importo um pouquinho que seja com os
cânones sociais?
—Está me dizendo que realmente tem intenção de se casar
com ela?
—Em uma palavra? Sim.
—Não acredito. Conheço-te muito bem, Lucas. Está tramando
algo.
—Sugiro encarecidamente que me diga por que veio aqui —
disse enquanto pegava o abre cartas de prata de lei e o balançava
entre os dedos. — Se não abordar o assunto em questão, vai estar
sentada no primeiro trem de volta a Londres.
—Muito bem, suponho que teu compromisso é assunto seu —
concedeu Judith depois de franzir os lábios.
—Sim, exatamente. E vou lhe dar um conselho: trate à
senhorita Ames com respeito. Entendeu?
Judith juntou as mãos na mandíbula tensa.
—Claro. — respondeu.
—Diga o que tem para dizer. Pode passar a noite aqui e
regressar a Londres pela manhã.
—Tão gentil como sempre —comentou Judith com um sorriso
amargo.
Lucas reuniu toda sua força de vontade e conseguiu dominar
seu gênio.
—Por favor, Judith, não é necessário que tenhamos
formalidades. Você e eu nos conhecemos muito bem desde o
primeiro dia.
—Tem razão —disse Judith, que conservou a compostura
apesar de ter empalidecido. — Vim por Beth. Não gostaria de pedir,
Lucas, mas se precisar ser assim, me colocarei de joelhos.
—O que você quer de mim?
—Sabe tão bem como eu que neste último ano rechaçou três
jovens de família estupendas.
—E o que?
—Tem dito que se não pode se casar com Charles Rushton, não
se casará com ninguém.
—Sim, falou algo sobre isso. Acredito que é um expert em
antiguidades e línguas mortas. Já sabe que sempre se interessou por
esses temas.
—Beth está interessada em muitos temas. O que significa isso?
—Acredito que Beth está convencida de que o senhor Rushton
e ela são intelectualmente compatíveis e que possuem muito em
comum.
—Estas coisas não tem nada a ver com matrimônio —
assegurou Judith com o punho fechado.
—Já sei que, para você, o matrimônio é uma transação
comercial.
—Não me trate com condescendência. Para uma mulher, é
exatamente isso: uma transação comercial.
Não tinha sentido tentar ter uma conversa civilizada e racional
com Judith. Lucas pensou que aquelas alturas, já deveria saber
disso. Ainda assim, tinha que tentar, ainda que fosse só por Beth.
—Beth é uma moça inteligente e sensata —afirmou. — Te
sugiro que lhe deixe tomar sua própria decisão, pois estou seguro
que o fará de qualquer forma.
—As moças raras vezes são sensatas quando se trata do
matrimônio.
—Tem algo concreto pelo qual considera Charles Rushton
inaceitável?
—Por Deus, não tem um centavo em seu nome! —exclamou
Judith, exasperada.
—Está segura disso?
—Sim, claro que estou segura. Pedi a Miller que investigasse
sua situação financeira quando me dei conta de que Beth começava
há passar muito tempo em museus em sua companhia. O homem
sobrevive com uma pensão que seu avô deixou para ele. Mal pode
manter a si mesmo, nem pensar em uma esposa. E não tem nada por
vir. É evidente que é um caça fortunas.
—Ainda que o que disse for correto, o que espera que eu faça a
respeito?
—Precisa deixar claro a Beth que proíbe este casamento.
—De verdade acredita que isso a deteria? Se por acaso, isso
tiver o efeito contrário. É muito mais provável que se case
clandestinamente se chegar à conclusão que todos estamos contra
ela.
—Pois então vá falar com Rushton —indicou Judith,
levantando-se da poltrona. — Você controla o dinheiro da família.
Ele sabe disso. Estou segura de que se deixar claro que te opõe a
esse matrimonio e que Beth não receberá nada se casar-se contra sua
vontade, desaparecerá.
—E o que acontece se você estiver equivocada com Rushton,
Judith? —perguntou Lucas, que também ficou de pé. — O que vai
acontecer se ele realmente ama Beth e ela o ama?
—Duvido muito estar equivocada. Mas ainda que resulte que
eu esteja, isso não muda nada. O amor é frágil, fugaz e variável. Não
pode confiar que manterá unido a duas pessoas por toda a vida.
Não quero que Beth fique mal.
—Como você? —perguntou Lucas.
—Como se atreve, Lucas? —o olhar de Judith refletia raiva e
dor de uma única vez.
Ao vê-lo, Lucas lamentou suas palavras. Custava se
compadecer de Judith, mas tinha limites que nunca deveria
ultrapassar. Ele acabara de fazê-lo e se sentia mal consigo mesmo.
—Perdoe... —tratou de se desculpar em voz baixa. Cruzou a
habitação para abrir a porta. — Não era necessário este último
comentário.
—Pois sim —concordou Judith. — Não precisa que me lembre
de meu próprio passado. Nunca esqueci, acredite-me. Penso nele
todos os dias de minha vida.
—Sei muito bem que casar-se com meu pai não te fez feliz.
Mas, de verdade que quer obrigar Beth a mesma classe de
matrimônio sem amor?
—Não, claro que não. Mas com os méritos que tem, aparecerão
outros pretendentes. Encontrará outro jovem mais adequado.
Diferente de mim, poderá escolher.
Judith passou ante ele e saiu ao corredor.
Depois de fechar a porta, Lucas cruzou de novo á sala para
contemplar os jardins desde a janela coberta por videiras. As
palavras de Judith pareciam ressoar na biblioteca silenciosa:
«Diferente de mim, ela poderá escolher».
Ficou ali um bom tempo, pensando que tinha feito isto esta
mesma manhã. Ao anunciar seu compromisso às pessoas que os
estavam esperando fora do labirinto, tinha tirado de Evangeline seu
direito a escolher por si mesma. Agora ela parecia estar com um
pouco de pânico. Nos últimos dias ela tinha vivenciado uma
extraordinária série de perigos, o que tinha afetado seus nervos.
Pensou que precisava de tempo para dar-se conta de que
casar-se com ele seria o melhor para ela, para os dois.
Precisava cortejá-la. Ela merecia isso. Mas como um homem
poderia cortejar uma mulher como manda Deus, quando tentava
protegê-la de ser assassinada?
25
Lucas pensou que já tinha tido contato suficiente com a família por
um dia. Necessitava estar sozinho um tempo. Não, sozinho não.
Necessitava estar com Evangeline.
Fechou o herbário antigo que estava lendo e se levantou da
mesa. Beth estava em um pequeno sofá, lendo um dos diários de
Chester e tomando notas. Tony tinha um montão de velhos mapas
dos jardins estendidos pelo chão.
—Se me desculpam um momento —disse Lucas—, irei dar um
passeio. Preciso de ar fresco.
—Desfrute do passeio —disse Tony sem levantar a vista dos
mapas.
—Tenha cuidado nos jardins —interveio Beth antes de tomar
outra nota. — Está de noite.
—Já me dei conta —assegurou Lucas, que começou a dirigir-se
à porta.
—Suponho que não tenha encontrado nada interessante no
herbário —comentou Tony.
Lucas parou com a mão sobre o pomo.
—Não. Em sua maioria, as anotações se referem às
propriedades medicinais e metafísicas de diversas plantas e flores.
Suponho que tio Chester o usava para consulta —explicou.
—O herbário é bem antigo —disse Beth. — Com certeza é
muito raro. Gostaria de saber onde tio Chester o conseguiu.
—Isso eu sei —indicou Lucas. — Na Chadwick, a livraria no
povoado. O recibo estava dentro dele. Também encontrei uma
grande quantidade de desenhos botânicos raros que evidentemente
a senhorita Witton, dona da livraria, conseguiu. Mas não encontrei
nada que faça referência ao que está ocorrendo nos jardins.
Saiu ao corredor, onde parou um momento. A escadaria
traseira estava mais próxima. Subiu os degraus de dois em dois até o
primeiro piso e ficou parado diante do quarto de Evangeline.
Consciente que Florence e Judith também tinham se retirado aos
seus aposentos no final do corredor, chamou com muita suavidade à
porta.
Ouviu um ligeiro movimento no interior. Um momento depois
a porta se abriu. Evangeline vestia um dos vestidos simples que
gostava de levar quando estava ocupada escrevendo. O olhou com
uma expressão esperançosa.
—Lucas —disse. — Encontrou algo interessante nos livros
velhos?
—Ainda não. —Dirigiu seu olhar até a mesa que estava situada
próxima à janela. Nela estavam várias folhas de papel a pluma de
Evangeline. — Precisava dar um passeio pelos jardins. Gostaria de
me acompanhar?
Viu que vacilava e teve a sensação de que não acreditava
inteiramente nele. Pensou que era uma mulher perspicaz. Não
precisava de ar fresco, precisava dela.
Então Evangeline sorriu e o desejo enfebrecido que o consumia
a fogo lento se converteu em chama abrasadora.
—Vou apagar a lamparina —disse Evangeline.
Baixaram a escadaria traseira e saíram ao terraço. Os jardins
resplandeciam.
—É realmente uma paisagem surpreendente, verdade? —disse
Evangeline—Está um pouco difícil descrevê-la em minha história.
—Por favor, não me diga que está usando Crystal Garden
como cenário para sua novela —gemeu Lucas. — Já estamos tendo
suficiente problema com os buscadores de tesouros. Não quero ver
por aqui um monte de leitores visitando a velha abadia para ver o
cenário que serviu de inspiração para sua história.
—Não se preocupe. O chamei por outro nome e o coloquei em
outro lugar.
—Suponho que devo agradecê-la por isso.
—Uma escritora precisa inspirar-se no que pode.
—Preciso recordar isso. Não me deixe esquecer.
Pegou seu braço e a fez baixar os degraus do terraço.
—Vamos ao Jardim Noturno? —perguntou Evangeline.
—Não —respondeu. — Vamos a um lugar onde não
precisaremos ficar preocupados com cada espinho e cada flor.
—E que lugar é esse?
—Ao secador. Eram os domínios da senhora Buckley. Gostava
muito de cultivar e secar ervas. Tinha pout pourris, poemas ,
bolsinhas e coisas desse estilo com ela. Algumas das lojas do
povoado às vendiam aos visitantes. Também tinha uma sala de
destilação onde preparava perfumes e sabonetes.
O secador era na realidade uma habitação anexa a uma das
paredes do antigo claustro. Quando Lucas abriu a porta, chegou
uma fragrância embriagadora de ervas secas.
—Que cheiro bom aqui dentro! —exclamou Evangeline.
Diferente dos jardins, o secador estava submerso em
escuridão. A única luz que tinha era dos raios de lua que entravam
pela janela.
—Acredito que estas ervas vinham do jardim —comentou
Evangeline. — Por que não são luminosas?
—A senhora Buckley cultivava todas as suas ervas no Jardim
Diurno, não no Jardim Noturno —esclareceu Lucas. — A luz
paranormal que pudessem ter emitido em algum momento,
desapareceria pouco depois de serem cortadas.
—Ah, sim, porque deixavam de ter sua fonte de energia: a
água. Estas plantas estão mortas.
Evangeline se voltou para ele. De onde estava, era iluminada
pela lua. O cabelo brilhava, prateado. Lucas viu um tênue brilho em
seus olhos. O desejava. Saber disso bastou para aumentar ainda
mais seu desejo enfebrecido.
—Evangeline —disse.
Não pode dizer mais nada. Se bem que o desejo o deixava sem
palavras, sem dúvida o deixava incoerente.
Aproximou-se a tomando em seus braços. Ao fazê-lo, sentiu o
aroma embriagador das ervas que o rodeavam e sua essência
feminina vital. A beijou à luz da lua, adorando seu sabor.
Quando Evangeline sussurrou seu nome e se apertou ainda
mais contra ele, começou a desabotoar seu vestido.
—Não sabe como fico contente por não levar espartilho —disse
em seu pescoço.
—Não trouxe nenhum espartilho comigo para Little Dixby
porque sabia que ninguém me ajudaria a tirá-lo —explicou
Evangeline depois de soltar uma risada suave e cantada.
Lucas então riu rouco e isso se converteu em um gemido
quando Evangeline começou a desabotoar sua camisa.
—Rara vez levo, exceto com meus vestidos mais elegantes —
confessou, e beijou seu peito nu. — Minhas amigas e eu estamos
convencidas que não é bom para a saúde.
—Não sei se são saudáveis, mas te asseguro que dão um
maldito trabalhão quando precisamos fazer algumas coisas.
—Vou lembrar-me disso no futuro.
Sabia que o estava provocando, mas a ideia de algum dia
estaria com outro homem gelou seu sangue. Deixou cair o vestido
que acabava de desabotoar no chão e rodeou os ombros com as
mãos.
—Não será necessário que se lembre dele, pois eu estarei aqui
para recordá-la — assegurou.
—Verdade? —perguntou Evangeline enquanto acariciava sua
mandíbula. Seus olhos eram insondáveis.
—Sim — prometeu. Deu-lhe outro beijo, um beijo para selar
sua promessa.
Finalmente tirou seu vestido. Quando já não vestia nada mais
que a camisola, os calções e as meias, a deitou sobre um montão de
ervas e a contemplou assim, banhada pela luz da lua. O ambiente
ficou carregado de uma energia crepitante, cintilante.
Ajoelhou-se junto a ela e desabotoou a parte dianteira das
calças.
—Lucas —sussurrou Evangeline, esticando a mão para ele.
Aproximou-se e colocou a mão sobre sua perna, justo sobre a
liga que segurava sua meia branca. Evangeline emitiu um ruído
suave e introduziu a mão quente em suas calças para rodear o que
tinha entre as pernas. Lucas pensou que ficaria louco. Desabotoou
sua camisa e beijou um seio. A mão de Evangeline segurou com
mais força o que sabia ser uma reação instintiva.
—Não tem nem ideia do que esta fazendo comigo —advertiu a
Evangeline.
—Está tentando me assustar? —Sorriu. — Porque não está
conseguindo.
—Não, já vejo. Muito melhor, porque já é muito tarde.
—Para você ou para mim?
—Para mim —disse Lucas. — Estou perdido.
—Então somos dois.
—Então não estou perdido. Você me encontrou.
A beijou e deslizou os dedos pela abertura de seus calções.
Estava molhada e preparada. A acariciou com cuidado, fazendo
tudo que estava em suas mãos para aumentar a tensão que notava
estar crescendo no interior de Evangeline. Era como se competissem
para ver quem podia mais, pois ela estava fazendo o mesmo com
ele.
No final, ambos se renderam. Posicionou-se sobre ela e a
penetrou profundamente. Evangeline rodeou seu corpo com as
pernas.
Ainda que desta vez estivesse preparado para a força daquela
intimidade, lhe deslumbrou os sentidos. Evangeline soltou um grito
entrecortado. Quando ela chegou ao clímax, a energia irresistível de
seu orgasmo foi mais poderosa que todas as forças que tinha
experimentado antes. Ele não poderia resistir mesmo se quisesse.
Não se importou.
«Perdido —pensou. — E encontrado.»
32
—Já sei que tua relação com sua família é assunto seu e não meu —
assegurou Evangeline. — Ainda assim, me vejo obrigada a te dar
um conselho.
—Tenho a impressão que muitas vezes é obrigada a dar sua
opinião aos outros —comentou Lucas.
—Acredito que esse é um dos meus melhores atrativos.
—«Atrativos» não é a primeira palavra que me ocorre para
descrever suas características mais concretas. O que acredita
precisar me dizer?
Estavam sentados na mesa do terraço, bebendo limonada que
Molly tinha servido. Era meio da tarde. Judith e Florence tinham se
retirado para seus quartos. Beth e Tony estavam na biblioteca. Beth
estava analisando as contas da casa que tinha descoberto no quarto
antigo da senhora Buckley. Tony tinha encontrado algumas
ferramentas no laboratório de Chester e as estava utilizando para
desmontar o farol que se convertia em arma.
—Me preocupa essa tensão entre você e Judith —disse
Evangeline.
—Isso não é assunto seu Evangeline.
—Eu sei, mas deve saber que a principal preocupação de
Judith são seus filhos. Beth é sua prioridade neste momento porque
acredita que precisa casá-la bem ainda este ano.
—Não deveria ter nenhum problema. Beth atrai os
pretendentes como moscas no mel.
—Judith está convencida que deixará sua irmã sem sua
herança quando ela se casar. Também teme que está favorecendo
deliberadamente sua relação com Charles Rushton precisamente
porque conhece sua situação financeira.
Lucas esboçou um ligeiro sorriso forçado.
—Dito de outro modo, destroçarei o futuro de Beth e a deixarei
sem um centavo para vingar-me de Judith.
—Já sei que não é sua intenção —assegurou Evangeline.
Sorveu um gole de limonada e deixou o copo na mesa. — Mas quem
sabe não poderia deixar isso claro para Judith.
—Para que ia me dar esse trabalho? Não vai acreditar.
Acredita que sou um louco. Acredita nisso desde o primeiro dia.
—Realmente começou com o pé errado faz anos, verdade?
—Não tinha outra forma de fazê-lo —disse Lucas. — Para
nenhum dos dois.
—Não entendo.
—Não, não entende —soltou Lucas. — Só vou te dizer que não
vou permitir que Beth cometa o mesmo erro de Judith.
—O erro de casar-se com um homem muito mais velho devido
à pressão familiar?
—Algo assim, sim. —Lucas deixou o copo e se levantou. —
Acredito que chegou o momento de averiguar se podemos entrar na
sala da terceira piscina.
—Está tentando me distrair.
—Meu plano astuto está funcionando?
—Pode ser que sim. —Se colocou de pé de um salto. — Mas
ainda não são nem três horas da tarde. Disseste que a maioria dos
segredos do jardim permanecem ocultos durante o dia.
—É verdade. Mas outras coisas às vezes se revelam com mais
claridade.
—Devemos avisar a alguém sobre o que vamos fazer? —
perguntou Evangeline, assinalando a casa com o olhar.
—Não será necessário. Antes informei a Stone que tinha
intenção de voltar hoje ao jardim. Ele cuidará de tudo.
—Se pergunta se o ouro romano está escondido nesta terceira
sala, verdade?
—Foi você quem disse que os segredos ocultos em seu interior
são antigos.
—Não, disse que a energia que sela a entrada é antiga. Não
tenho como saber o que tem dentro da sala porque não tenho nada
que possa me ajudar na concentração.
—Então não sabia o que estava buscando —indicou Lucas. —
Agora sabe.
—Não funciona desse jeito. Se não, já teria encontrado algum
ouro romano por aí já há algum tempo, acredite-me. Acredito ter
explicado que minha sensibilidade psíquica está relacionada com
meu sentido do tato. Necessito alguma relação com o objeto que
estou buscando, algo que me ajude a concentrar nele.
—Vejamos o que podemos encontrar. —Se dirigiu até a área
coberta. — Mas antes vamos recolher algumas coisas que possam
ser úteis.
A sensação de mistério a entusiasmou. Apressou-se a seguir
Lucas.
—Tem mais uma coisa que gostaria de falar, Lucas —
comentou.
—Eu sabia —soltou sem a o menos parar. — Simplesmente é
mais forte que você, verdade?
—Sim, sinto. —Segurou a parte inferior do vestido para correr
e manter-se ao passo de Lucas. — A última observação que gostaria
de fazer, ao menos, tem familiares a quem enfrentar. Posso
assegurar, por experiência própria, que existem coisas piores que ter
uma família difícil.
Ao ouvi-la, deixou de andar e voltou-se para olha-la com olhos
compungidos.
—Está se referindo a não ter família? Pode ser que tenha razão,
ainda que tenha vezes que não estaria totalmente de acordo com
você.
—Vamos, Lucas, sabe perfeitamente bem que quer muito à
Beth e a Tony.
—De vez em quando.
—Tenho visto os três juntos. —Sorriu. — Estão muito unidos.
—Somos uma família —disse Lucas, encolhendo os ombros.
—Exato.
—Mas agora me dou conta de que não tinha olhado pelo seu
ponto de vista —assegurou Lucas com o cenho franzido.
—Significa que vai se dignar a escutar meus conselhos sobre
como tratar Judith?
Ele esticou a mão e prendeu alguns cabelos soltos atrás de sua
orelha. A energia do desejo agitou o ambiente a seu redor. Lucas lhe
deu um beijo na testa, um beijo suave, terno, despreocupadamente
possessivo, que a marcava como sua de mil maneiras indescritíveis.
—Escutarei, porém é provável que vou ignorar —comentou.
Avançou de novo para o coberto.
—Isso que eu temia —se queixou Evangeline, que o seguiu em
seguida. — Já te disseram que é muito teimoso?
—Acredito que você mesma já me disse isso em alguma
ocasião. Lembro que utilizou a palavra asno.
—Já me desculpei por isso.
—Isso não significa que não ouvi seu comentário. —parou no
coberto sem janelas, abriu a porta e entrou na penumbra. Quando
saiu, levava nas mãos dois pares de luvas de jardinagem. Lhe deu
um par. — Coloque-as. Te protegerão um pouco.
Voltou a entrar no coberto enquanto ela obedecia. As luvas
eram muito grandes e grosseiras, o que a fazia se sentir torpe.
Lucas voltou a sair do coberto, desta vez abotoando um largo
cinturão na altura das cadeiras. Pendurou duas facas de caça, uma
bem grande e outra menor. Deve ter visto a curiosidade refletida em
seus olhos porque explicou:
—O pequeno é para pegar amostras. O maior é um facão. Tio
Chester o trouxe de uma de suas expedições botânicas. Como ele se
pode cortar parte da folhagem dos jardins. —Dirigiu um olhar a
uma das cortinas de orquídea que estava próxima. — Ao menos, se
podia, a última vez que estive aqui.
—Lástima que não o tivéssemos conosco na outra noite.
—Não o levei ao labirinto porque não serve de muita coisa
depois do anoitecer. A energia do Jardim Noturno é muito potente
então é quase impossível cortar algo tão frágil em aparência como
um maço de margaridas ou uma mata de samambaias.
Evangeline examinou o imenso portão de ferro que protegia a
entrada do labirinto.
—Seria possível destruir o Jardim Noturno de dia?
—Acredito que de dia se poderia fazer certos progresso, mas
seriam muito lentos. —Lucas tirou uma chave do bolso e abriu o
portão. — E acredito que a vegetação que destruíssemos de dia,
cresceria novamente à noite.
—Tão rápido?
—Atualmente a única coisa que parece limitar o crescimento
das plantas é a proximidade das águas paranormais deste
manancial. Sempre foi assim, mas por alguma razão, séculos depois,
as forças que rodeiam o manancial estão se tornando mais
poderosas. Preciso averiguar por que.
—Seria possível usar produtos químicos potentes para destruir
a vegetação? —perguntou Evangeline enquanto observava como o
portão se abria lentamente e deixava a mostra a enorme boca verde
do labirinto.
—Tio Chester fez alguns testes para ver se ácidos podiam
destruir as plantas, mas não teve muito resultado com isso.
—Dito de outro modo, pode ser que jamais consiga destruir o
Jardim Noturno.
—Não com nenhum dos métodos testados até agora. —Lucas
entrou na boca escura do labirinto e, quase no mesmo instante
desapareceu fantasmagoricamente em meio à escuridão. — Tenha
cuidado. O que lhe disse vale tanto para de noite como para de dia.
Procure não encostar em nenhuma folha de aspecto mais inofensivo
e, haja o que houver, não se arranhe com nenhum espinho.
Evangeline parou na entrada. As correntes de energia que
emanavam do labirinto eram distintas de dia; mais tênues mas
igualmente inquietantes. As ondas de energia paranormal fizeram
estremecer seus sentidos.
Intensificou suas habilidades e entrou na energia intensa e
primária do labirinto. Seus sentidos se aguçaram. A vegetação
suspirava e sussurrava a seu redor.
—É como se agora as plantas estivessem dormindo —
comentou.
—Mas estão bem vivas.
Lucas usou a velha chave para fechar de novo o portão.
—Não quero me arriscar que Tony e Beth tentem nos seguir.
Ambos são muito curiosos e muito aventureiros.
—Nisso saíram ao seu irmão mais velho —disse Evangeline
com um sorriso.
Lucas lhe dirigiu um olhar penetrante.
—Você acha? —perguntou.
—Judith me assegurou que é o mais parecido com um pai para
Tony e Beth. É evidente que foi um bom pai. Te adoram e admiram.
—Judith exagera —disse Lucas. — Sempre faz isso.
Ainda que seu tom fosse áspero, Evangeline viu que estava
contente. Sua voz refletia satisfação de pai.
—Será um excelente pai para seus filhos —soltou antes mesmo
de pensar.
—Persigo monstros e às vezes os mato —replicou Lucas, que
parecia surpreso.
—Falando como criança, asseguro que isso é uma virtude dos
país. É muitos tranquilizador saber que seu papai pode encarregar-
se dos monstros que se escondem embaixo da cama.
Lucas deu uma suave gargalhada. Evangeline teve a impressão
que ele também estava surpreso.
—Vamos —disse Lucas depois de soltar o facão.
Evangeline lançou um olhar ao redor e ficou aliviada ao ver as
paredes e o teto do labirinto com a mesma claridade de quando era
noite.
—Oh, estupendo —comentou. — Não vamos precisar de
nenhum farol.
—Não —confirmou Lucas.
Quando ele avançou depressa até o final do corredor,
Evangeline duvidou durante alguns segundos. Caiu em si que a
noite anterior só estava vestida com a camisola e o robe, mas hoje
estava com um vestido e botas de passeio. A forma do vestido era
bem estilizada e chegava até os tornozelos, era bem estreito, com um
casaquinho pequeno e discreto. Ainda assim, não queria correr o
risco de ficar enganchada nos espinhos venenosos.
Recolheu a saia e segurou as pregas com força com as mãos e
seguiu Lucas até o interior do labirinto.
A exuberante energia verde das plantas que a rodeavam a
fazia estremecer os sentidos uma e outra vez.
—Me pergunto se era tudo assim no começo da criação,
quando o mundo tinha acabado de se formar e estava submerso no
verdadeiro poder da vida —sussurrou.
—Isso é algo para ser respondido pela poesia, não pela ciência
—assegurou Lucas. — Mas estou de acordo que tem muito poder
aqui dentro. Percebe o quanto seria difícil destruir este jardim.
—Sim —confirmou Evangeline. — Além do que, acredito que
isso seria muito mal, ainda que fosse possível. Este lugar é
maravilhoso.
—Talvez o melhor fosse colocar uma bilheteria e cobrar
entrada —disse Lucas esboçando um sorriso.
—Uma ideia brilhante. Uma lastima que haja tantas partes
perigosas por aqui.
Saíram do labirinto e avançaram até o Jardim Noturno com
sua entrada escura que escondia as antigas termas. Evangeline se
preparou para as suaves descargas de energia e seguiu Lucas até o
interior.
Cruzaram a sala da primeira piscina e percorreram o corredor
até a seguinte. As ondas de energia chispante da segunda piscina
cobriram seus sentidos como joias líquidas. A lembrança da noite
apaixonante voltou brevemente. Notou o calor que lhe assomou as
bochechas.
Depois de contemplar a sala, os olhos de Lucas brilhavam.
—Não sei você —disse—, mas eu jamais vou me esquecer
desta sala.
Evangeline limpou a garganta e se concentrou na porta do
corredor de pedra que dava para a terceira piscina.
—Suponho que tem a chave da porta da terceira sala, verdade?
—disse energicamente.
—Esta tentando mudar de assunto? —perguntou Lucas
erguendo as sobrancelhas.
—Viemos aqui para investigar. Não parece que seja o
momento de fazer comentários que não tem nada a ver com o
intuito.
—De acordo. —Lucas olhou o corredor de pedra. — Voltemos
ao tema da terceira piscina. A porta em si não será nenhum
problema. Não tem chave. A fechadura é um mecanismo engenhoso
que pede um código. É só apertar uma série de clavinhas metálicas
em certa sequência e a porta se abre.
—Imagino que tenha esse código.
—Sim. Tio Chester me deu faz alguns anos. O mais difícil é
abordar a energia dessa sala. Vai compreender quando eu abrir a
porta. Nem eu nem tio Chester conseguimos entrar mais do que
alguns passos. E olha que nós tentamos várias vezes, acredite.
Percorreu o corredor e parou diante da imensa porta chapada
de ferro. Evangeline o seguiu e observou como teclava várias
clavinhas na fechadura.
Ouviu-se o chiado das dobradiças e a porta se abriu devagar
para mostrar um umbral arqueado ladeado por grandes blocos de
pedra maciça.
Uma das pedras brilhava com uma luz interior que lhe
conferia um aspecto ameaçadoramente radiante.
Um caldeirão de energia quente fervia do outro lado da porta.
Alguns raios de luz paranormal rasgavam o que parecia ser um breu
impenetrável. As correntes de poder chegavam à sala onde eles
estavam e carregavam o ambiente já sobrecarregado. Os sentidos de
Evangeline se aguçaram e seu cabelo se eriçou, de modo que
flutuava ao redor de sua cabeça. A emoção se mesclava com terror
em seu interior. Estava fascinada, entusiasmada, encantada.
Avançou devagar e parou diante da entrada de energia.
—Assombroso —sussurrou.
—Acredita que pode dominar esse tipo de energia? —
perguntou Lucas sem afastar a vista da entrada.
—Sim —disse segura. — A entrada é obra de uma pessoa, não
de forças da terra.
—Não foi meu tio, isso posso te assegurar. Ele instalou a nova
porta, mas a entrada de energia já estava aqui quando comprou a
velha abadia.
—Esta entrada é antiga —explicou Evangeline. — Tem
quinhentos talvez mil anos. Mas foi criada com o poder de uma aura
humana, de modo que posso reduzi-la com minhas longitudes de
onda. O padrão parece... Feminino.
—Consegue perceber isso?
—Sim. Uma mulher muito poderosa construiu esta entrada.
Acredito que só uma mulher poderia abri-la.
Observou atentamente o reluzente cristal incrustado na porta.
—E acredito que sei exatamente por onde começar —disse.
Deu um passo e logo outro e finalmente esticou a mão. Com
cautela, situou a palma aberta no cristal, que se iluminou
imediatamente. Uma descarga de eletricidade paranormal percorreu
seu corpo, mas não sentiu dor, mas sim uma alegra eufórica.
Tateou depressa as intensas correntes de poder que o cristal
irradiava. Uma vez que identificou as ondas de energia mais fortes,
respondeu a elas com força para reduzi-las. No começo parecia não
estar dando certo, mas depois de alguns segundos, a energia da
entrada começou a diminuir.
Um momento depois, a tormenta deixou de existir como a
chama extinta de uma vela.
—Assombroso —disse Lucas. — É uma mulher incrível,
Evangeline. Mas acredito que já fiz este comentário várias vezes.
—Sim, mas obrigada. —a admiração e o respeito que refletia a
voz de Lucas a reconfortou.
—Vamos ver se o tesouro esta aí dentro —indicou Lucas.
Ao ver a expectativa que vibrava no ambiente que o rodeava,
Evangeline soltou uma gargalhada. A aventura mexeu com ele tanto
quanto com ela.
Lucas atravessou a porta e parou, observando algo que
Evangeline não conseguia ver.
—Deveria saber que não seria tão simples —soltou.
—O que acontece? —Evangeline entrou rapidamente na sala e
seguiu seu olhar.
—Aqui não tem nenhum tesouro. —Moveu uma mão para
assinalar a sala de pedra vazia. — Adeus à minha teoria.
A única coisa que tinha na sala era uma piscina grande e
profunda situada no centro. A diferença das outras nas salas
exteriores, é que esta estava rodeada de pedaços de cristais
prateados. A água reluzia, igual as das outras salas, mas a luz desta
era diferente. A superfície parecia um espelho iluminado pela luz da
lua.
—Bom, uma teoria excelente —assegurou Evangeline.
—Obrigado —grunhiu Lucas. — Isso me parecia.
Evangeline se aproximou e lançou um olhar à piscina. As das
salas exteriores eram cristalinas, mas esta, não. Lucas ficou ao seu
lado. Seu reflexo cintilou e chispou na superfície da piscina.
—É como olhar um espelho líquido —soltou Evangeline. —
Pode perceber a profundidade, mas não pode ver abaixo da
superfície.
—Um efeito da luz —assegurou Lucas. — É até difícil olhar
para a água . —Se afastou para examinar a sala.
Evangeline se ajoelhou na borda da piscina e mergulhou a
ponta dos dedos em suas águas prateadas. Ela não tinha nenhum
problema em olhar para a água. A energia lhe percorria o corpo.
A superfície ficou mais brilhante. Apareceram umas visões
fantasmagóricas. Vislumbrou uma mulher com uma túnica branca e
o cabelo recolhido em um monte trançado de uma forma que podia
ser visto nos vestígios dos antigos murais romanos.
Agitou de novo as águas e observou fascinada, como
apareciam e desapareciam outras imagens, que flutuavam na
superfície da piscina: uma mulher com o hábito de uma monja
medieval, outra vestida conforme a moda do século XVII.
Evangeline compreendeu que ao longo dos séculos outras
mulheres tinham cruzado a entrada de energia e tinham entrado
naquela sala para olhar as águas da piscina. De alguma forma a
superfície refletiva tinha capturado e retido alguns de seus reflexos.
Perguntou-se o que teriam visto as demais, que teriam descoberto
naquele lugar.
Agitou as águas deslumbrantes com a ponta dos dedos,
buscando o padrão das correntes de poder. Quando encontrou o que
buscava, outra onda de euforia percorreu seu corpo.
—Que diabos está fazendo? —Lucas se agachou e segurou
seus ombros para levantá-la. — Te disse que essas águas são
perigosas. Segundo as lendas, provocam alucinações e visões.
—Olhe —disse Evangeline em voz baixa enquanto tirava as
mãos dele e voltava a colocar os dedos na água . — Isto não é
nenhuma visão.
Lucas seguiu segurando-a pelo ombro com a mão, mas lançou
um olhar para a piscina.
—Maldita seja —exclamou. — O tesouro.
As águas estavam claras para deixar descoberto no fundo da
antiga piscina de pedras o único banco de pedra situado de um lado,
logo abaixo da superfície. No fundo se viam montes de objetos:
pingentes, colares, anéis e braceletes delicados, que estavam no
fundo da piscina e reluziam debilmente com o brilho inconfundível
do ouro antigo.
—Quantos objetos valiosos! —exclamou Evangeline,
assombrada ante semelhante imagem. — Quem deixou aqui este
tesouro era muito rico de qualquer ponto de vista.
—Podia ser um joalheiro —arriscou Lucas. — Talvez
guardasse aqui sua mercadoria, nas piscinas, para que não a
roubassem.
—Pode até ser que o dono dessas joias fosse um homem, mas
estou segura que somente uma mulher poderia entrar nesta piscina
e tirar dela o ouro. —Duvidou um momento. — E devia ser muito
poderosa.
—Para cruzar a entrada de energia quer dizer? —perguntou
Lucas, olhando para ela.
—Sim, mas acredito que esse é só o primeiro obstáculo. Estou
convencida que as águas da piscina sejam uma segunda barreira.
—Entendo que precisa ter poderes para clarear a superfície e
poder observar assim o fundo da piscina, mas não vejo porque a
água possa ser um obstáculo.
—Nem todas as mulheres capazes de revelar o tesouro podem
entrar na piscina para tirá-los de lá. As águas são profundas.
Chegariam no mínimo ao pescoço e acredito que podem ser muito
perigosas, inclusive letais.
Tirou os dedos da água. A superfície mudou e voltou a ser um
espelho líquido. O tesouro já não era visível.
—O que acredita que aconteceria se colocar minha mão na
piscina? —perguntou Lucas.
—Não tenho nem ideia, mas estou segura que tenha um risco
considerável.
—Que tipo de risco?
—Não saberia dizê-lo —respondeu, olhando-o.
—Eu gostaria de experimentar.
—Me pareceu que gostaria de fazê-lo —disse Evangeline com
uma careta.
Lucas tirou a jaqueta e subiu a manga da camisa. Com cuidado
mergulhou os dedos na água .
E os tirou de um golpe com uma expressão de agonia em seu
rosto.
—Maldição! —Apertou a mandíbula e os dentes e ofegou.
Sacudiu rapidamente as gotas de água da mão.
—Você está bem? —perguntou Evangeline assustada.
—Sim, acredito que sim —respondeu em tom áspero. Inspirou
fundo para relaxar. — Mas não acredito que vá fazer mais
experiências no momento.
—O que sentiu?
—Não estou certo. Digamos que tive a clara impressão de que
ia cair diretamente no fogo dos infernos.
—Uma alucinação?
—Mais que uma simples visão. Senti as chamas. —Duvidou
com o cenho franzido. — Também senti um frio de mil demônios.
Era indescritível.
—Acredito que posso alcançar o tesouro sem perigo.
—Esta certa disso? —comentou Lucas, que não parecia
convencido.
Evangeline colocou a mão na água e enviou uma delicada
carga de energia para a corrente que mudava suavemente. A
superfície ficou clara.
—Sim —respondeu. — Estou certa de que não existe nenhum
perigo para mim. O que fazemos agora, Lucas?
—Temos encontrado um tesouro, mas não estamos mais
próximos de encontrar a senhora Buckley nem de responder as
diversas perguntas —disse, levantando-se. — Podemos deixar
tranquilamente o tesouro aqui até que possa organizar tudo para
transportá-lo sem riscos para Londres. O ouro está há séculos seguro
nesta sala, pode muito bem ficar assim um pouco mais.
—Vai precisar de mim para tirá-lo daí.
—Outra razão para mantê-la bem próxima de mim, carinho. —
Lucas sorriu.
—Sempre é agradável sentir-se útil —assegurou Evangeline
enquanto agitava as águas e saboreava a exultante sensação do
poder feminino que fervia em seu sangue.
Um brilho totalmente pícaro, totalmente masculino iluminou
os olhos de Lucas.
—Asseguro que posso te dar inumeráveis utilidades,
Evangeline. Mas não vamos discuti-las neste momento. É hora de
irmos. —parou um momento e ficou sério. — Algo mais. Quando
voltarmos para casa, não comentaremos isso com ninguém. Ainda
não.
—Nem com os membros de sua família?
—Fico preocupado que deixem escapar o segredo devido a seu
entusiasmo—disse enquanto sacudia a cabeça. — Existe o risco de
que Molly ou algum de seus familiares possam ouvir uma conversa
que teria que ser privada. Pouco depois todo o povoado estaria
sabendo. Não quero perder tempo tendo que resgatar aos
buscadores de ouro pelos jardins.
—Compreendo. —começou a tirar a mão da água , mas deixou
de fazê-lo ao ver um objeto que tinha caído em um degrau
submerso. Observou com mais cuidado. — Lucas?
—O que foi? —perguntou Lucas, voltando-se.
—Vê esse pedaço cilíndrico no degrau?
—Sim. O que tem ele de especial?
—Parece de prata, não de ouro como os demais objetos do
tesouro. Depois de tantos séculos deveria estar negro.
—Imagino que as propriedades paranormais das águas da
piscina não permitiram isso —sugeriu Lucas.
—O aspecto e o trabalho parecem modernos. Não acredito que
faça parte do tesouro.
Lucas se agachou de novo na borda da piscina e lançou um
olhar mais profundo.
—Tem razão. Alguém mais conseguiu entrar nesta sala e não
faz muito tempo. Esse objeto caiu de alguém que foi na água. Foi
parar nos degraus, mas não posso recuperá-lo. Gostaria de saber se
era do meu tio.
—Não —soltou Evangeline. — Não acredito. Vou tirá-lo da
água e saberei com certeza.
—Esse degrau está muito distante.
—Se me esticar acima da borda, poderei alcançá-lo. Segure-me
para evitar que eu caia.
—Não acho uma boa ideia —indicou Lucas.
—Não vai acontecer nada comigo, te prometo.
—Está segura de que este objeto é importante?
—Completamente.
Já estava desabotoando o casaco do vestido. O baixou até a
cintura, de modo que ficou só com a camisa de baixo.
—Em outro momento, teria gostado muito disso —comentou
Lucas. — Mas agora só posso pensar em segurá-la para que não caia
nessa piscina.
—Não vou cair. —Voltou a se ajoelhar na borda da piscina. —
Segure minha mão.
Quando a mão de Lucas segurou seu pulso, Evangeline se
inclinou para adiante e meteu o braço desnudo na água até o ombro.
A energia da piscina fez chispear e cintilar seus sentidos. Aquela
sensação era impressionante. De repente teve um impulso quase
irresistível de desnudar-se por completo e banhar-se naquelas
águas, de abandonar-se aos mistérios e os segredos que estava preso
naquela piscina.
—Evangeline.
A voz forte de Lucas rompeu o feitiço.
—Sim —disse Evangeline. — Perdoe-me. Me distraí.
Segurou o objeto no degrau e tirou-o da água. Endireitou-se,
colocou o objeto de prata de modo que ambos pudessem vê-lo.
—É um estojo de óculos —assinalou Lucas. — Tio Chester
usava lentes, mas não os guardava em nenhum estojo.
—Este desenho é de uma mulher —esclareceu Evangeline. Deu
a volta ao estojo e olhou as iniciais gravadas na parte posterior. — E
mais, sei de qual mulher.
34
—Sei que está muito cedo para estar seguro de termos conseguido
—disse Lucas—, mas a sensação ali fora era diferente, como se a
energia fosse menos intensa.
—Eu também noto isso. —Evangeline aguçou seus sentidos. —
O excesso de calor está desaparecendo. As correntes parecem voltar
ao normal neste lugar.
Lucas e ela estavam no terraço com Beth e Tony. Estavam
observando os jardins sumidos na escuridão da noite. Fazia um
tempo, tinham avisado as autoridades locais para que se
encarregassem do cadáver de Willoughby. Lucas tinha contado uma
versão reduzida e muito revisada dos fatos que não tinha nenhuma
menção a tentativa de assassinato, simplesmente a um triste caso de
suicídio.
Todo mundo tinha encenado a mesma peça, mas se a polícia e
o coveiro se perguntavam por que um ator sem trabalho tinha ido
até Crystal Garden para tirar sua vida, tinham sido muito educados
e Lucas os intimidava muito, para que fizessem perguntas. Depois
de tudo, era conhecido que os atores eram pessoas temperamentais,
dados a estados de ânimo exagerados, tanto positivos quanto
negativos.
Molly tinha preparado um jantar leve que ela mesma tinha
chamado de «sopa reconstituinte com sabor de curry» e seu
extraordinário pastel de salmão e alho poro. Afirmava que ambos os
pratos iam bem para os nervos. Evangeline não estava segura dos
poderes curativos da sopa e do pastel, mas estava mais calma, ainda
que suspeitasse que aquela noite não dormiria bem. Ver Garrett
Willoughby estourar os miolos lhe tinha trazido a lembrança de seu
próprio pai e de seu suicídio.
—Tony e eu não temos sua sensibilidade para os fenômenos
paranormais —disse Beth. — Mas também notamos a troca que teve
no ambiente.
—Os jardins não estão tão luminosos—observou Tony. —
Ainda que produzam uma sensação misteriosa, mas não tão forte
como antes de desenterrarmos os cristais.
—Olhe a superfície da lagoa do caramanchão —acrescentou
Beth. — Ontem a noite parecia um espelho que refletia a luz da lua.
Mas hoje está menos iluminado.
Evangeline observou a laguna com os sentidos aguçados. Era,
efetivamente, menos ameaçadora.
—Tem razão. Porém ainda tem energia na água, mas já não
está tão ameaçadora — confirmou.
Lucas se situou junto a ela de modo que lhe roçou o braço.
Quis se voltar para ele e reconfortar-se em sua fortaleza. Mas não
era o momento nem o lugar para semelhante intimidade. Pensou
que talvez nunca mais teria a oportunidade de se perder nos braços
de Lucas. A grande aventura estava terminada. Pela manhã teriam
que encontrar a forma mais discreta de terminar seu falso
compromisso.
—Tony, Beth e você tinham razão sobre os cristais —disse
Lucas. — Aumentavam a energia natural dos jardins ao aumentar e
reforçar o poder do manancial.
—O problema era que o padrão oscilante das correntes estava
ficando instável —explicou Tony. — E essa instabilidade era
perigosa. Tio Chester sabia que tinha algo errado, mas desconhecia
que os cristais fossem a causa. Estava convencido de que os poderes
da Piscina das Visões estavam se intensificando de algum jeito.
—Por isso ficou tão entusiasmado ao encontrar uma mulher
que podia entrar nela —comentou Lucas. — Agora a pergunta é: o
que faremos com esses condenados cristais?
—Poderíamos transportá-los até a costa e lança-los ao mar —
sugeriu Beth.
—Acredito que não deveríamos destruí-los —interveio Tony
com o cenho franzido. — Suas propriedades paranormais poderiam
ser muito valiosas no futuro. Gostaria de ter a oportunidade de
estudá-los.
—Não estou certo de que seja uma boa ideia — comentou
Lucas.
—Segundo os papéis de tio Chester, encontrou os cristais em
uma loja que vendia principalmente antiguidades falsas — disse
Tony. — Ficaram anos em uma gaveta sem provocar nenhum
problema. Não foi até que os enterrou nos terrenos da velha abadia
que começaram a entrar perigosamente em harmonia.
—Se conservá-los, terá que protegê-los — advertiu Evangeline.
— Sempre haverá pessoas que, como Chester Sebastian, buscaram
cristais e pedras com fama de possuir poderes paranormais. O pior
que poderia acontecer é que um cientista louco se apodere deles.
—É verdade — disse Lucas. — Mas Tony tem razão, algum dia
os cristais poderiam ser importantes. Pode ser que o melhor seja
conservá-los até que possamos averiguar mais coisas sobre eles.
—Onde sugere que os guardemos? —disse Beth em um tom
astuto.
Lucas contemplou a folhagem ainda luminosa.
—Acredito que de momento, Crystal Garden seja um
esconderijo tão seguro quanto qualquer outro. Vou encomendar
uma Caixa de aço, uma Caixa segura, para guardá-los. —olhou para
Tony. — Te parece bem?
—Sim, estou seguro que o aço será mais que suficiente para
conter a energia. —Tony franziu os lábios. — Mas, para maior
precaução, quem sabe se não seria melhor que o interior da Caixa de
segurança estivesse coberto de cristal. Se minhas teorias sobre
energia paranormal estão corretas, esse material tem propriedades
isolantes.
—Muito bem — disse Lucas. — Decidido. Conservaremos os
cristais, pelo menos no momento.
Beth lhe dirigiu um olhar.
—Mas se conservar os cristais na velha abadia, não poderá
vendê-la —comentou. — Alguém terá que viver permanentemente
nesta casa e vigiar os cristais e os jardins.
—Acontece que decidi que chegou o momento de ter uma casa
de campo —anunciou Lucas.
Todos voltaram à vista para ele. Tony foi o primeiro a
recuperar-se:
—Não acredito. Desde quando te interessa pela vida no
campo?
—Desde que decidi me casar e formar uma família —
respondeu Lucas. — Todo mundo sabe que o campo é um lugar
mais saudável para as crianças que a cidade com seu ar poluído e
muita gente.
Tony e Beth desviaram sua atenção para Evangeline.
—Sim, claro —disse Beth com um sorriso. — Crystal Garden
será uma excelente residência de campo para todos.
Evangeline estava estupefata. Lucas estava complicando cada
vez mais as coisas. Quanto mais enfeitasse seu futuro fictício, mais
difícil seria terminar seu falso compromisso. O olhou nos olhos para
tentar enviar-lhe uma mensagem silenciosa, mas ele não se deu
conta.
—Quando Evangeline e eu estivermos em Londres, Stone
estará aqui para encarregar-se de tudo —prosseguiu.
—E porque Stone ficará aqui? —quis saber Beth.
—Me informou que planeja se casar com Molly, que está
decidida a abrir um salão de chá em Little Dixby —explicou Lucas.
Sorriu ao ver suas expressões de assombro e adicionou: — Vou
financiar o salão de chá, que, pelo que sei de Molly, será um
verdadeiro êxito. Tenho certa habilidade para identificar um bom
investimento, sabem?
—É uma noticia esplêndida —exclamou Evangeline, encantada
apesar do pânico que sentia naquele momento. — Molly ficará
muito feliz.
—E quanto à Stone, será feliz enquanto estiver com Molly —
disse Lucas. — Imagino que Tony também passará muito tempo
aqui porque estará fazendo algumas investigações sobre os cristais.
Sugiro que se una ao senhor Horace Tolliver, que é muito
interessado no estudo dos fenômenos paranormais.
—Farei isso —assegurou Tony com um sorriso de orelha a
orelha. — Tenha certeza que me verá muito por aqui no futuro.
Gostaria muito de estudar também as propriedades paranormais
dos jardins.
Lucas se dirigiu então a Beth.
—Se decidir se casar com o senhor Rushton, estou seguro de
que lhe interessaria os vestígios que tem na velha abadia. Os dois
serão bem vindos.
—Como sempre, pensou em um plano para resolver todos os
nossos problemas —disse Beth com um sorriso.
—Não todos —contradisse Lucas. E olhou para Evangeline: —
ainda resta um problema para resolver. Se você e Tony tiverem a
amabilidade de deixar-nos, tentarei fazê-lo.
—Por que precisamos sair? —perguntou Tony com expressão
intrigada.
—Porque temos que fazê-lo —respondeu Beth. — Vem
comigo, Tony. Já.
—Não entendo o porquê ... —parou no meio da frase porque
Beth tinha segurado seu braço e tirava ele para o interior da casa.
Voltou-se para Evangeline e Lucas, que não tinham se movido. —
Sim — soltou. — Preciso fazer algumas anotações sobre a extração
dos cristais. Não gostaria de esquecer os detalhes.
—Exato — concordou Beth.
Ela e Tony entraram na casa e fecharam a porta.
Evangeline estava só com Lucas.
—Fez muitos planos para todo mundo —comentou. — Mas
tem algo que não levou em conta.
Lucas ficou diante dela e rodeou seu rosto com as mãos.
Evangeline foi muito consciente da energia íntima de sua aura.
Acariciou-lhe os sentidos e levantou seu ânimo.
—O que foi que não levei em conta? —perguntou Lucas com
um sorriso.
—Se converter Crystal Garden em seu lugar, que acontecerá
com seu trabalho de assessor? Não pensa deixá-lo, verdade?
—Não —respondeu Lucas com um brilho nos olhos enquanto
lhe percorria suavemente a mandíbula com os polegares. — Não
acredito que pudesse deixá-lo por completo ainda que quisesse.
Você sabe disso melhor que ninguém.
—Sim.
—Mas só pedem minha ajuda algumas vezes por ano, e
Londres não está tão longe assim de trem. Em todo caso, tenho a
intenção de conservar a casa da cidade. Será muito prático quando
estivermos em Londres.
—Sim, claro. Teria que ter recordado o horário do trem. —na
realidade, não podia pensar com claridade em nada naquele
momento. Foi feito um... «quando estivermos em Londres.»
—Espero compartilhar o trabalho de assessoria com alguém no
futuro, sabe? —disse Lucas.
—A quem se refere? —Sentia-se enganada.
—Seria muito útil compartilhar com alguém que tenha poderes
para encontrar algo que se tenha perdido.
Foi como se o ar tivesse se esfumaçado. Mas pensou que não
precisava respirar. Poderia viver estupendamente da energia que os
envolvia agora mesmo.
—Tinha a impressão de que trabalhava sozinho —comentou.
—Tenho feito assim todos esses anos, esperando você chegar à
minha vida, jamais conheci a uma mulher a quem pudesse pedir
que compartilhasse a carga de conhecer o que só eu sei, de ver o que
eu vejo. Mas você me conhece tal como sou e não me rechaçou.
Conhece a besta que há em mim, mas não tem medo nenhum.
—Claro que não tenho medo de você, Lucas. —seguro as
lapelas de sua jaqueta. — Quando começou a escrever melodramas?
Não tem nenhuma besta em você, por Deus. Tem um homem forte,
poderoso e Valente que se fosse necessário daria sua vida para
proteger aqueles que tem sob sua guarda.
—Excelente — exclamou com um brilho pícaro nos olhos. — Já
voltou a ficar romântica. Tenho que convencê-la para se casar
comigo antes que descubra que o papel de herói não me cai bem.
—Ah, mas você é meu herói. —Sorriu e se colocou nas pontas
dos pés para roçar seus lábios com os dela. — Eu soube desde o
primeiro dia que te vi. Gostaria muito compartilhar suas
investigações e também sua vida.
Como por arte de magia a diversão de Lucas se transformou
em uma necessidade enorme, apressada. Pegou sua mão e beijou a
palma.
—Te amo, Evangeline. Te amei desde o primeiro dia, quando
nos conhecemos na livraria. Aquela noite quando te encontrei
fugindo da morte em meu jardim, soube que tinha que encontrar
uma forma de protegê-la e te fazer minha. Não sou um homem
normal e jamais poderei te oferecer uma vida normal. Mas te darei
tudo que tenho, todo meu amor e toda minha confiança. Tem meu
coração em suas mãos.
A felicidade se apoderou dela.
—Cuidarei bem dela — prometeu. — Te amo, Lucas. Sempre
te amarei. A estas alturas teria que ser evidente que não sou mais
normal que você. Mas como qualquer autor te diria, o normal não é
muito interessante.
Lucas soltou uma gargalhada, cujo som ressoou pelos jardins
como uma onda de energia. Estreitou Evangeline entre seus braços e
a beijou. Ela reagiu como sabia o que faria com o que lhe restava de
vida: corresponderia com a mesma paixão e energia, e com a
promessa de um amor duradouro.
Evangeline não precisou de sua intuição psíquica para saber
que era uma promessa que ambos iriam cumprir.
Crystal Garden reluziu ao seu redor com a luz da lua.
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