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Amanda Scott

O Rei das Tormentas

HIGHLAND, 09
Disponibilização: GRH
Revisão Inicial e Final: Maria Emília
Formatação: Miss Bella

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Nota da revisora M Emilia:


Este é um livro mais de aventura do que de
romance. O mocinho mal se relaciona com
a mocinha. É escocês mas parece mais de
pirata,porque eles passam a maior parte do
tempo num navio. Mas é um livro quase
“florzinha”. Não esperem nada muito hot.

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Resumo
O impetuoso sir Giffard e a doce lady Sidony Macleod
navegarão pelas turbulentas águas da paixão, para resguardar a
mais preciosa relíquia da Escócia.
Um cavalheiro nascido e educado para cumprir seu
compromisso com Escócia e uma jovem desejosa de aprender
a amar se cruzam em um bosque... O destino os une. Ambos
vão arriscar suas vidas e seus corações para proteger o tesouro
de incalculável valor dos Templários.
A tímida lady Sidony Macleod está habituada a tratar com
cavalheiros dominantes e irmãs impetuosas; até agora, esteve
sempre em segundo plano, sua serenidade e encanto lhe
serviram para apoiar os planos da família. Mas sua presença
calada não passará despercebida para sir Giffard MacLennan.
Este valente guerreiro escocês acostumado a tratar com
mulheres que se dobram ante sua vontade surpreende-se com
esta jovem que lhe impõe limites e ao mesmo tempo o induz a
seduzi-la. A calma e beleza de Sidony o atraem com ardor
infinito e ela se sente tentada a deixar que seus lábios e mãos
façam o que desejam no corpo desse homem. Mas para Giff os
Templários encomendaram uma arriscada e secreta missão, e
deve partir e pôr sua coragem e perícia de marinheiro ao
serviço dessa empreitada; entretanto, pela primeira vez em sua
vida sua paixão o coloca em um perigo mortal. Para resgatar a
relíquia mais querida

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Prólogo
Inglaterra, perto da fronteira com a Escócia.
Outubro de 1378
A chuva caía com força na noite escura. Era quase
impossível ver ou escutar algo além da tormenta. Ensopado
até os ossos, o solitário cavalheiro escocês se aproximou por
trás da terceira sentinela inglês, golpeou-lhe a cabeça com
uma pedra e o deixou inconsciente sobre a terra enlameada
assim como tinha feito com os outros dois.
Sir Giffard MacLennan se moveu com rapidez para
desamarrar ao primeiro dos cativos.
— É realmente você, capitão?
— É obvio. Quem mais poderia ser?
— Há dezenas de ingleses ao redor, sir, e chamaram por
reforços a Carlysle - murmurou o outro.
— Então devemos retornar logo ao Donzela dos Mares. Me
ajudem a libertar os outros. Havia nove dos nossos. Os outros
também estão aqui?
— Sim, sir. Não terão atacado o Donzela, não?
— Nesse caso, penduraremos a quem os tenha deixado
aproximar-se tanto - sentenciou Giff e o ajudou a levantar-se
— Agora, se apresse. Estão-nos esperando no navio.
Logo libertaram aos outros, e os nove homens partiram
depressa pelo pântano para o estuário de Solway.

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— Como conseguiu escapar, capitão? — perguntou um


deles.
Giff encolheu os ombros.
— Eles não nos contaram. Quando caiu a chuva torrencial,
só tive que estar atento para que chegasse o momento
apropriado.
— Que tipo de momento? — perguntou-lhe o outro, com
evidente alegria.
— Quando caiu esse raio que deixou a todos petrificados e
sacudiu a terra até as profundidades.
— Ninguém pode apanhar ao rei das tormentas - concluiu
outro.
Giff riu.
— Vamos nos manter ocultos para o caso de haver guardas
vigiando. Se não, acabaremos todos prisioneiros no castelo de
Carlysle.
— Eu estava convencido de que era nosso fim.
— Pois deveria saber que eu jamais permitiria que algo
assim acontecesse - disse Giff.
Chegaram à colina que dava ao estuário, perto da vila de
Bowness.
— E onde está a nossa Donzela? — perguntou um dos
homens.
— O deixamos um pouco mais à frente, sob as árvores -
assinalou Giff para a esquerda.

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Assobiou baixo e recebeu uma resposta de um homem


apostado no bosque próximo.
Ante o sinal, um grupo de homens emergiu das árvores que
até então haviam coberto o Donzela dos Mares, a galera de
quatorze remos das Ilhas.
— Vão deslizá-lo sem fazer ruído - sugeriu Giff a seus
homens quando estes tomaram posições— . Não precisamos
remar. Chegaremos facilmente ao Powfoot Bay antes que
mude a maré. Então nos encontraremos com os outros em
Brydekirk, e ao fim poderemos nos secar um pouco.
Logo, a galera estava na água, o estandarte ondulando alto
e os remadores em seus postos. Desde Galloway até Cape
Wrath, as pessoas conhecia o Donzela por seu estandarte
vermelho com sua nuvem negra.
A tormenta seguia seu curso, açoitando-os sem piedade,
como se os deuses tivessem desatado sua ira contra eles. Mas
todos os homens a bordo tinham fé em que seu capitão
dobraria até o mar mais tempestuoso.
No meio do caminho, o vento cessou, e pouco antes do
amanhecer chegaram à costa escocesa do estuário. As
fogueiras acesas prediziam um bom café da manhã. A chuva
diminuiu até converter-se em uma leve garoa. O acampamento
dispunha de várias tendas, assim Giff tinha a esperança de
obter uma cama seca e algumas horas de sono.
Encalharam a galera na praia. Dez minutos depois, sir
Hugo Robison saiu de sua tenda ao encontro de Giff.

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— Bom dia, Hugo. Sentiu minha falta?


— Onde diabos se meteu Giff?
— Na Inglaterra. Ocorreu-me que poderia averiguar o que
estava planejando Northumberland.
— E?
— Tem quinhentos homens que avançam para o Leste,
para cruzar o Stark.
— Então ainda está perto. Por que demorou tanto?
— Os muito bastardos nos capturaram.
— Eles capturaram? Caiu prisioneiro de Northumberland?
— Sim, mas só durante uns minutos. Escapei em seguida e
resgatei a meus rapazes.
— E o que pretende conseguir por essa façanha? —
perguntou-lhe Hugo—. Um aplauso?
— Por Deus, pensei que se alegraria ao nos ver.
— Arriscou sua vida e a de outros trinta homens para ir
espiar o acampamento de Northumberland. Capturaram-lhe, e
agora quer que o felicite por sua boa fortuna por ter podido
resgatar a seus homens do apuro onde se meteram como
conseqüência de suas próprias ações. Não é assim?
— Bom - balbuciou Giff—, não sei se eu precisava de
sorte, a menos que o infortúnio nos tenha feito topar com um
grupo de caça inglês. Chovia tanto que não os escutamos. Mas
vi o momento justo...
O punho do Hugo bateu na mandíbula de Giff, dando por
terminada aquela explicação.

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Giff esfregou a mandíbula dolorida.


— De todas as coisas imprudentes e néscias que já fez, esta
é... Por que diabos está sorrindo? — perguntou Hugo.
— Estava pensando em como é bom estar de volta em casa
- disse Giff, ainda esfregando a mandíbula— . Ajudaria saber
que Northumberland planeja, junto com Bewcastle e outros
quinhentos homens, cruzar Liddel Water à altura de
Kershopefoot depois de ter atraído ao Douglas mais para o
leste?
— Por que não me disse isso no princípio? — espetou-lhe
Hugo.
— Porque eu fiquei tonto com suas perguntas, eu acho.
— Bom, pois pode ficar aí sentado enquanto desfruta do
resto do que eu tenho para te dizer, porque se se levantar
voltarei a te golpear. Em primeiro lugar...
Giff ficou à espera da outra tormenta que chegava. Não era
a primeira vez que sir Hugo desatava sua ira contra ele.
Admirava o dom de Hugo para demolir por completo o caráter
de um homem, sem sequer fazer uma pausa para considerar
suas palavras.
Mas valia a pena, pois - face à imprudência de Giff— ,
Hugo se apressaria a enviar um mensageiro que advertiria do
perigo ao conde Douglas, e assim, uma vez mais, poderiam
estragar outro intento inglês de entremeter-se nos assuntos de
Escócia.

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Capítulo 1
Nos apartamentos reais do castelo de Edimburgo.
Terça-feira 4 de junho de 1381

O conde de Fife, que virtualmente dirigia a Escócia


naquela época, estava sentado ante o fogo, em sua sala
favorita da torre de David. Preparava alguns documentos para
que os assinasse seu pai e pusesse o selo real. Obviamente,
desfrutava de estar no comando da Escócia e pretendia seguir
fazendo-o durante vários anos mais.
Alto e magro, de cabelos escuros e traços severos, vestido
sempre de negro, e embora já estivesse bastante entrado nos
quarentena, era um homem ágil, disposto e com umas poucas
ilusões. Como bisneto de Robert Bruce e terceiro filho do
grande rei dos escoceses, Fife era ardiloso na política,
implacável e afável. Entendia o poder, ambicionava-o. E nos
últimos anos tinha estado incrementando-o sem cessar e
retendo-o em suas mãos ossudas.
Considerava-se um governante muito mais capaz que seu
pai ancião ou que seu incompetente irmão maior. Mas graças a
essa tola idéia de Robert Bruce, segundo a qual o filho mais
velho devia suceder ao rei, Carrick era o herdeiro legítimo da
coroa.
Antes que Bruce alterasse o processo, os nobres escoceses
sempre tinham elegido a seus reis. A diferença dos ingleses e

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dos franceses, que pretendiam acreditar que Deus escolhia aos


monarcas, os escoceses não confiavam nessas coisas. Seu rei
era só o chefe proeminente de um clã. Não possuía uma
armada ou uma frota real; dependia completamente da boa
disposição de seus nobres para dispor de naves e homens para
apoiar seus empreendimentos.
Se Bruce não tivesse estipulado as regras da sucessão real,
nenhum Stuart se teria convertido em rei dos escoceses,
porque havia muitos nobres que os consideravam arrivistas.
Mas agora, para Fife não importava como tinham chegado
os Stuart ao poder. Controlaria ao Carrick tão facilmente
como a seu pai, embora tivesse a esperança de ocupar o trono
de forma imediata. O Parlamento escocês apoiaria a um
homem forte mais que a um débil. E mais importante, se lhes
davam motivos suficientes, revogariam legalmente a ordem de
sucessão de Bruce.
Tanto seu pai como seu irmão careciam da força necessária
para dirigir um país cheio de nobres com grande poder sobre
os clãs ambiciosos de ter supremacia uns sobre outros, que
resistiam a qualquer autoridade externa. Fife acreditava que já
tinha demonstrado o suficiente sua fortaleza política para
dirigi-los. Só precisava demonstrar ao Parlamento suas
qualidades como rei. O que não sabia era até onde devia
chegar para conseguir esse direito.
Um ano atrás, tinha acreditado estar a ponto de consegui-
lo. Mas tinha sido traído.

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Agora, com seu novo navio, o Rainha Serpente alcançaria


suas metas. Quando acabou o último documento, apareceu na
porta um servidor lhe anunciando que tinha uma visita.
— O Chevalier De Gredin, milord.
Surpreendeu-se ao escutar esse nome. Fez um gesto ao
criado, deixou de lado os documentos e observou desconfiado
ao cavalheiro que agora fazia uma profunda reverência.
Étienne, Chevalier De Gredin, era dez anos mais jovem
que o conde. Usava trajes mais coloridos, possivelmente até
mais luxuosos. Trazia consigo um documento fechado com
doze selos de cera. Levantou-se e cravou seus olhos verdes
sobre o conde.
— Certamente o surpreende me ver, milord - disse com
soltura— , mas trago uma mensagem de Sua Santidade, o
Papa.
— Serio? Pensei que tinham fugido para o Norte com o
rabo entre as pernas.
— Não, milord. Foi só para me inteirar ali de tudo o que
pude - explicou ignorando a resposta depreciativa— .
Entretanto, ao dispor só dos navios nórdicos e os de minha
hoste, foi impossível me comunicar com o Papa ou com meus
amigos na França. De modo que retornei ao continente, e aqui
me apresento para lhes dizer que Sua Santidade ainda apóia
suas empresas e pretende pôr navios a sua disposição para o
ajudar. Se você permitir isso, eu permaneceria aqui como
enviado de Sua Santidade.

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— Como seu enviado em minhas hostes? — inquiriu-o Fife


com calma.
— Como você desejar, milord - disse De Gredin, e ficou de
joelhos em sinal de submissão— . Ambos seguimos em busca
do mesmo objetivo, nos apossar do tesouro templário,
devolvê-lo a Sua Santidade e velar para que você ocupe o
lugar que lhe corresponde como rei dos escoceses.
Fife deixou que continuasse de joelhos e ficou pensando
por um momento.
Os cavalheiros templários tinham servido como exército do
Papa e amparo dos peregrinos que partiam à Terra Prometida
durante as Cruzadas. Em algum momento se converteram nos
banqueiros do mundo e guardiães dos objetos mais sagrados e
valiosos do Ocidente, e assim tinham conseguido uma enorme
fortuna. Mas, no princípio do século XIV, tinham sido traídos
por Felipe IV da França e seu ardiloso Papa, que os converteu
em hereges e provocou que aquela Ordem tão respeitada se
desmembrasse. Entretanto, quando Felipe tratou de obter o
tesouro, descobriu que tinha desaparecido. E ainda agora,
depois de quase setenta e cinco anos, o tesouro dos templários
seguia envolto em mistério. A Santa Igreja o tinha reclamado
para si, e o Papa, que aparentemente acreditava que uma boa
parte do tesouro tinha chegado até Escócia, tinha enviado já
duas vezes a seus homens para encontrá-lo e reclamá-lo... Até
agora, em vão.

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O único interesse de Fife no tesouro residia em um dos


objetos que havia nele. Portanto, se De Gredin e o Papa
necessitavam sua ajuda para encontrar o tesouro, Fife
aproveitaria essa oportunidade em próprio benefício. Depois
de tudo, embora não conseguisse encontrá-lo, só o apoio do
Papa bastaria para inclinar a balança a seu favor quando o
Parlamento tivesse que decidir se o coroava rei.
Mas o conde desconfiava do Chevalier.
— No ano passado me traíram – ele disparou então, com o
cenho franzido— . Por que deveria confiar em você agora?
Ainda de joelhos, o cavalheiro lhe estendeu o documento
selado que trazia consigo.
— Leia isto, milord. Ai decida.
***
Nos bosques da abadia do Holyrood.
Terça feira 4 de junho de 1381
As ondas formando-se ao redor da linha, até o momento
quieto, foram a primeira indicação.
Lady Sidony Macleod, de só dezenove anos, agarrou com
força a vara e observou com atenção os anéis que foram
expandindo na água. Tinha estado sentada ao menos por uma
hora sobre um promontório de granito com vista para o
insignificante lago, sem ter visto um só peixe, embora o
jardineiro da abadia, homem fornido e de brancas barbas,
tivesse lhe assegurado que estava repleto deles. Perguntou-se
se era o momento de puxar a linha. Mas não queria apanhar

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nenhum peixe. Levou-se a vara só para que seu passeio não


parecesse uma simples escapada.
Ter um pescado como desculpa seria de ajuda, mas levá-lo
consigo de volta resultaria em um problema. Sorcha, sua irmã
maior, era sempre a encarregada de levá-los para casa quando
saíam para pescar.
— Tem certeza de que poderei apanhar algum? —
perguntou ao jardineiro.
— Claro milady. Certamente pescará alguma truta ou um
salmão para seu café da manhã.
Não pôde resistir à semelhante oferecimento, de modo que
agradeceu e aceitou um pequeno frasco de minhocas para usar
de isca. Logo tinha cruzado três jardins entre a mansão
Clendenen e o bosque, e tinha caminhado entre as árvores, as
samambaias e as flores, surpreendida de que a terra estivesse
tão esponjosa e úmida. Mas a serenidade do lago a invadiu
fazendo esquecer tudo ao seu redor.
Um ciclo cinza o cobria, gerando um estranho efeito. O
centro da água parecia verde cinzento e nas bordas ia
escurecendo, sob a sombra negra das árvores.
Sidony tinha percorrido a borda do lago até chegar à rocha.
Depois de lutar contra a lama, aquela pedra seca e limpa
resultava tentadora.
As botas da moça cheias de lodo, e a orla manchada de sua
saia azul também evidenciavam a caminhada que tinha feito.
Mas era um vestido velho, que não lhe importava muito. O

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tinha posto para brincar com seu sobrinho de quatorze meses,


e assim salvar seus outros trajes mais finos daquelas
mãozinhas pegajosas, ou de algo que o pequeno lhe atirasse
em cima.
Recordou as expedições de pesca com Sorcha perto do
castelo de Chalamine, seu lar nas Terras Altas, o manancial
próximo e os densos arbustos que o rodeavam, e não pôde
evitar dar um suspiro.
Tinha estado fora de casa mais de um ano... Muito tempo.
As lágrimas a invadiram, e uma escorregou pela bochecha,
justo quando a vara deu outro puxão. Agarrou-a forte com as
duas mãos e ficou de pé cambaleando, tratando de não cair na
água, nem pisar no vestido, nem perder o peixe.
Era maior do que esperava. Brigava tanto que Sidony
desejou não havê-lo apanhado. Esgotada pela batalha,
perguntou-se se não seria melhor deixá-lo ir.
Em uma circunstância similar, sua irmã mais velha havia
lhe dito que o peixe morreria de todas as formas, mas que
antes estaria agonizando durante dias. Assim quando o teve a
seus pés, golpeando contra a superfície de granito, Sidony
recolheu uma pedra e com muita resolução acabou com sua
vida.
Observou ao peixe morto com uma careta e procurou um
ramo com qual atravessá-lo, para assim poder carregá-lo com
comodidade. Felicitou-se por seu profissionalismo em todo o
procedimento, mas não quis apanhar outro peixe. Recolheu

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então a vara de pescar do jardineiro para voltar à mansão


Clendenen.
Uns minutos mais tarde, ao não encontrar nenhum rastro,
deu-se conta de que se perdeu.
Se houvesse sol, possivelmente teria descoberto que
direção seguir. Sorcha podia fazê-lo só guiando-se pelo sol,
mas Sidony não estava segura, porque nunca se incomodou
em lhe perguntar exatamente como o fazia. Sabia que o sol
ficava no oeste, no lado do castelo de Clendenen.
Empoleirado, como o castelo de Edimburgo, sobre o topo
de uma colina escarpada, a fortaleza se via desde todos os
lados, menos de onde estava ela agora, pois ali a vegetação era
muito espessa.
Disse-se que devia tomar como uma prova mais de sua
liberdade. Além disso, alguém a encontraria, se ela não
conseguia achar o caminho de volta. O sino da abadia soaria
para as vésperas, e de ali poderia chegar sem problemas.
Neste ponto, as pessoas já deviam estar se perguntando por
ela. E certamente estariam surpresos de que não tivesse
avisado para onde ia. Mas Sidony não queria despertar sua
irmã Isobel nem a sua anfitriã, nem perturbar aos homens, e
tampouco tinha planejado perder-se. Embora possivelmente
ainda não tivessem notado sua ausência, pois era comum que
não percebessem sua presença. Possivelmente alguém poderia
escutá-la se assobiasse um pouco. Supunha-se que as damas
não deviam assobiar, mas a única de suas seis irmãs presente

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na mansão Clendenen era Isobel, que estava grávida de novo e


se passava o dia dormindo, roncando, de fato. Sidony não
conhecia muitas melodias, assim assobiou sua favorita uma e
outra vez. Perguntou-se então quem teria posto essas regras
absurdas. As mulheres deviam poder assobiar livremente
como os homens.
Para seu alívio, começou a soar o sino da abadia, mas suas
reverberações dissiparam no bosque. Só quando os últimos
ecos se perdiam na distância foi capaz de discernir que o som
provinha da direita.
Naquele silêncio repentino, escutou o relincho de um
cavalo. Quis gritar, mas logo recordou dos homens horríveis
que uma vez tinham seqüestrado a sua irmã Adela.
Alguém que a estivesse procurando iria pronunciando seu
nome. Que o cavaleiro se mantinha em silêncio indicava que
era um estranho, no melhor dos casos.

Ao escutar aquela agradável melodia, o cavaleiro tinha


afrouxado as rédeas de seu cavalo. A música o tinha intrigado,
mas aquela besta que montava tinha protestado com um
grunhido. Então, o cavaleiro desejou que aquele assobio não
proviesse de um adversário. Mas embora tivesse tanto amigos
quanto inimigos, poucos esperariam encontrá-lo no bosque da
abadia.

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Entretanto, verificou que sua espada estivesse no seu lugar,


atou as rédeas a um ramo acessível e avançou com cuidado
para aquela melodia, com os passos ágeis e silenciosos de um
homem experiente no bosque, evitando ramos, atoleiros e
pedregulhos, mais guiado pelo instinto que prestando atenção
nos possíveis obstáculos.
Descobriu-a um instante mais tarde; aquela beleza magra e
com curvas, adornada por uma cabeleira loira dividida em
duas tranças, uma que lhe pendurava sobre o ombro direito e
outra que caía sobre as costas até a cintura. Imediatamente
sentiu o desejo de tocar uma e comprovar se eram tão sedosas
como pareciam.
Ela se movia devagar, olhando para os lados, parecia mais
indecisa que amedrontada.
Ficou surpreso com seu vestido em mal estado, era uma
pena que uma dama tão bonita não usasse seda ou cetim, nem
estivesse coberta de peles e jóias que realçassem sua beleza.
Em lugar disso, usava um traje de lã enlameado, e em vez de
jóias, levava um salmão em uma mão e uma vara decrépita na
outra.
O pai dessa criatura devia ser castigado por deixar que uma
beleza assim se movesse sem escolta. Entretanto, aí estava ela,
e Giff MacLennan não era homem que deixasse escapar as
oportunidades. Aproximou-se, pisando em umas flores azuis
para diminuir o ruído de seus passos. Não queria assustá-la
chegando pelas costas. Simulou estar distraído para que ela se

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encontrasse com ele. Então foi ele quem se voltou de costas


para a jovem.
Escutou a mudança de ritmo nos passos da moça e soube
que o tinha visto. Quando se deu conta de que se deteve, virou
e se topou com seu olhar azul. Diante ele, apertou com força a
vara em sua mão esquerda. O salmão, de excelente aspecto,
pendurava de um ramo a sua direita.
— Bom dia, milady - a saudou— . Está perdida nestes
vastos bosques?
Ela assentiu. Seus olhos seguiam muito abertos e os lábios
carnudos tremiam pela surpresa. Eram tão tentadores como
seus seios, que também pareciam suaves e convidadores, e se
moviam devagar, mas num ritmo cada vez maior dentro do
corpete.
— Posso lhes mostrar o caminho, se quiser - adicionou ele,
lhe dando seu melhor sorriso.
Geralmente, devolviam-lhe o sorriso, mas ela seguia
observando-o em silêncio e séria.
— Deseja que lhe mostre o caminho? — repetiu.
Ela voltou a assentir, olhando-o nos olhos de uma forma
que conseguiu despertar a masculinidade do Giff.
— Só te pediria uma pequena recompensa como
pagamento deste resgate - esclareceu ele, sugestivamente.
A jovem seguia sem dizer uma palavra.
Ele deu um passo adiante, sem lhe tirar a vista de cima,
perguntando-se se ela daria um passo atrás.

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Sentia que a terra estava úmida sob seus pés, mas pela
primeira vez não prestou atenção. Era ainda mais bela de
perto.

Aquele estranho de cabelos escuros que se aproximava


com expressão cativante levava uma armadura de couro, botas
e calças apertadas às musculosas coxas. A espada sobre as
costas e a adaga que aparecia por uma de suas botas deveria
havê-la assustado, mas nem por um instante o confundiu com
um rufião da fronteira.
Sua camisa era muito branca, confeccionada com o linho
mais fino. Além disso, o desconhecido se movia com uma
arrogância que só podia encontrar entre as classes
acomodadas. Não era o homem mais bonito que tivesse visto
em sua vida, mas havia algo nele que a fascinava.
Gostava daquele brilho de seus olhos azul escuro como o
lago e sua voz tão suave como o mel. Mas era tão alto e tão
largo de ombros como Hugo ou Rob, e ela preferia que os
homens não ocupassem tanto espaço. Esses homens
corpulentos tendiam a elevar-se sobre uma mulher como uma
montanha, gritando ordens aos quatro ventos. Seus cunhados
eram todos assim. E ela os obedecia.
Ficou aguardando a que o estranho lhe dissesse como devia
lhe pagar para que a tirasse do bosque. Então, ele se inclinou
para frente e a beijou nos lábios. Impressionada, sentiu

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também que deslizava uma mão por detrás de sua cabeça para
retê-la e poder seguir beijando-a.
Aqueles lábios resultaram suaves no princípio, e logo mais
duros, demandantes. Ele fechou os olhos, e Sidony o
lamentou, eram de uma cor azul que nunca tinha visto.
Logo, deslizou a outra mão ao redor da cintura. Sidony
sabia que devia protestar e até empurrá-lo. Mas nunca
ninguém se atreveu antes a fazer algo assim, e encontrou o
assunto mais interessante do que tivesse pensado.
A língua dele se moveu sobre seus lábios. Então, ela reagiu
sem pensar e o empurrou com ambas as mãos, sem se
importar com a vara de pescar ou o peixe.
Giff a soltou e deu um passo para trás, olhando-a
aniquilado.
— Por que tanta violência, querida? — perguntou com um
sorriso ardiloso— . Não pode negar que gostou.
Giff pôs as mãos no quadril, desafiando-a a que o
contradissesse. A raiva invadiu Sidony de maneira tão
inoportuna que atuou sem pensar. Esquecendo que ainda
sustentava o pescado, jogou para trás seu braço com força e
lhe deu um murro.
Giff elevou uma mão para defender-se e deu um passo
atrás, mas a terra mole o traiu e o pescado acabou lhe dando
no meio da cara. Para horror de Sidony, o homem terminou
sentado sobre a terra mole e as flores azuis.

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A jovem virou e pôs-se a correr, mas antes que tivesse


dado cinco passos, uma mão de ferro se fechou sobre a parte
superior de seu braço e puxou-a para detê-la.
— Por todos os céus - exclamou furioso, seus lábios quase
se tocando— . Deveria te dar uma surra para te ensinar
melhores maneiras.
Sidony ficou firme de repente e enfim pôde falar.
— Como se atreve! — gritou— . Me solte!
E para sua surpresa, ele obedeceu. Mas aqueles olhos azuis
faiscavam como o fogo e não pressagiavam nada bom.
— O que é que está fazendo aqui sozinha, vestida como
uma criada?
— Pensei que era um cavalheiro - o acusou, indignada— .
É assim como os cavalheiros tratam às criadas? Não sabia.
— Não me provoquem milady. Sou um homem paciente,
mas não tolero as insolências de ninguém.
— E é insolente fazer essa pergunta? — retrucou ela,
elevando o queixo— . Eu diria que é muito mais insolente
andar por aí beijando às inocentes moças do serviço.
— Em geral não são tão inocentes - adicionou ele, em tom
zombador.
— E por que você acha que não o são?
— É estranho que uma dama faça essas perguntas tão
aguçadas como se perguntasse pelo clima.
— Não me respondeu.

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— E não vou. Porque ou sabe a resposta ou em caso de não


saber é muito inocente para que lhes diga isso. Além disso, é
você quem me deve uma resposta.
— Esqueci a pergunta - respondeu ela, de maneira
depreciativa, embora a recordasse muito bem.
Por um momento, o cavalheiro pareceu a ponto de sacudi-
la, mas logo considerou a situação e tratou de tranqüilizar-se.
— Perguntei o que estava fazendo aqui sozinha, vestida
como uma criada comum - repetiu.
— Não é de má educação fazer comentários pouco gentis
sobre o vestido de uma dama?
Sidony descobriu com satisfação que os olhos dele
voltavam a aguçar-se.
O homem deixou escapar uma espécie de grunhido antes
de falar.
— De verdade se perdeu?
— Sim, mas como agora sei onde está a abadia, caminharei
para...
Olhou ao redor e notou que em sua fuga apressada para
liberar-se, havia tornado a perder o sentido da direção.
— Sigo perdida - admitiu.
— Onde vive?
— Cheguei ao bosque da mansão Clendenen, em
Canongate.

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25

— Conheço bem Canongate, encontraremos a mansão. Se


tivesse tomado o outro caminho e seguido pela borda do lago,
teriam chegado logo à abadia.
Preferiu não discutir com ele sobre o que deveria ou não ter
feito.
— Foi uma descortesia de sua parte me cobrar a ajuda - o
admoestou, muito séria.
— Uma descortesia certamente. Mas o desfrutei que todas
as formas - respondeu ardiloso.
— Serio? Por quê?
Giff encolheu os ombros. A jovem parecia tão na
expectativa que o invadiu a culpa. Não queria feri-la lhe
dizendo que esse beijo não tinha significado mais que
qualquer outro beijo roubado.
MacLennan gostava de desfrutar das aventuras que achava
em seu caminho, e raramente considerava os riscos, mas com
ela de repente quis redimir-se.
A jovem aguardava, paciente, em silêncio. Não quis
alimentar sua vaidade lhe assegurando que seu beijo tinha sido
especial. Era uma beleza, sem dúvida, e não teria se
incomodado de conhecê-la ainda mais, mas um homem de sua
classe não tinha tempo para perder com uma moça virginal de
berço nobre, que certamente esperaria o matrimônio. Assim
que, de uma forma mais brusca do que gostaria, acabou por
lhe responder;

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26

— Vou escoltá-la até sua casa, iremos por aqui - a agarrou


do cotovelo para que se apressasse— . Alguém sabe pelo
menos que veio a este bosque?
— Sim, o jardineiro - suspirou decepcionada.
— E no que estavam pensando para confiar em um
jardineiro e em ninguém mais?
— Estava brincando com meu sobrinho, assim minha irmã
podia falar tranqüila com nossa anfitriã - explicou ela, em tom
infantil— . E quando a criada o levou para tirar a sesta, saí
para o jardim. Não esperava me encontrar com o jardineiro.
— Bom, onde mais podia estar o jardineiro?
— Sei, mas embora seja muito amável, eu queria estar
sozinha. Assim quando me perguntou se estava desfrutando do
passeio, disse-lhe que pensava em ir até o bosque.
— Ele deveria adverti-la para que ficasse no jardim -
respondeu o jovem severamente.
— Sem dúvida, muitos estariam de acordo com você. Mas
me ofereceu a vara de pescar para minha excursão, e logo
peguei um peixe no lago - levantou orgulhosa sua presa— .
Depois me perdi, e você apareceu justo no momento em que
acreditava saber onde estava a abadia.
— Mas por que você queria ir embora?Não havia mais
ninguém com quem pudessem conversar?
— OH, sim, dois de meus cunhados, mas estavam falando
em privado e não quis interrompê-los.
— Não são amáveis com você?

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27

Sentiu de repente que teria que dizer algumas coisas a esses


homens que tinham permitido que uma moça tão inocente
saísse para passear sozinha.
Sidony se esforçou por não sorrir. Tinha notado a
expressão de desgosto.
— São muito atentos, sir. Mas não se deve interromper aos
homens quando falam em particular, e eu queria estar sozinha.
Sabe? Estou em Midlothian já perto de um ano, e às vezes eu
gosto de imaginar que voltei para casa. Hoje foi um desses
dias.
— Assim geralmente não vivem na convocação real.
— Não, claro que não. Estive residindo alternadamente
com três de minhas irmãs. Minha irmã Sorcha e eu chegamos
a Midlothian quando veio uma das mais velhas, Adela. Isobel
já estava vivendo aqui, embora nesse momento se fosse a
visitar nossa irmã Cristina.
— Mas quantas irmãs têm?
— Agora seis, Cristina, Adela, Kate, Maura, Isobel e
Sorcha. Éramos oito, mas Mariota morreu. Todas se casaram,
e dentro um mês, serão as bodas de meu pai com lady
Clendenen. Mas antes...
— Também está aqui? Você espera que eu me encontrasse
com ele quando a levasse de volta?
— Está em casa, nas Terras Altas - esclareceu— . É
membro do Conselho das Ilhas, como sabe.

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— Está errada, não o conheço - protestou ele— . Quem é


seu pai?
Sidony franziu o cenho.
— Por Deus! Aqui estamos, caminhando juntos, como
velhos amigos, e você não sabe nem sequer meu nome. Nem
eu o teu - adicionou ela.
— Reconheço sua expressão altiva. Acha que deveria sabê-
lo, certo? Como alguém pode não conhecer a senhorita
aristocrata - adicionou em tom zombador— . Um cavalheiro
se apresentaria imediatamente. Mas eu gostaria que não
mencionassem este incidente nem a sua família nem a seus
amigos, embora ainda não esteja certo de que possa manter a
boca fechada quando for necessário.
— Muito bem - aceitou ela, pensando que se não queria
dizer a ninguém seu nome, tampouco desejaria encontrar-se
com Hugo ou Rob— . Meu pai é Macleod de Glenelg, sir. E
eu sou sua filha menor, Sidony.
— Lady Sidony - se inclinou em uma reverência, com um
brilho de satisfação nos olhos— . Acredito que posso me
alegrar de que seu pai não esteja por aqui.
— Não acredito que se zangasse com você - soprou ela— .
Eu acho que preferiria lidar comigo por me haver perdido
neste bosque.
— Sim, mas poderia me reconhecer. Sabe, eu também sou
do Kintail.

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— Vem dali? — perguntou interessada— . OH, me diga,


fez bom tempo? Floresceram as pradarias? Então devo
conhecer sua família, sir. Conheço todos os Macleod. São um
Mackenzie ou um Mac Rae?
— Não vou responder ainda. Primeiro, me conte mais
coisas de sua família. Sei muito bem quem é seu pai, mas
estive longe de casa muitas vezes nestes últimos dez anos.
Onde está sua mãe? E como é que três de suas irmãs vivem
aqui em Midlothian se são todas oriundas das Terras Altas?
Mas um momento, não foi sua irmã Cristina quem se casou
com o Hector Reaganach Maclean, do Lochbuie, na ilha de
Mull?
Seu rosto se escureceu.
Sidony não respondeu imediatamente. Em geral, os
homens queriam respostas breves e com poucos detalhes.
— Minha mãe morreu quando eu tinha dois anos, e
Cristina está casada com o Hector o Feroz - confirmou— . O
resto é uma história mais longa. Adela estava a ponto de
casar-se com o Ardelve de Loch Alsh, mas alguém a raptou
antes que pudesse fazê-lo e a trouxe até aqui. Sorcha e eu os
seguimos, mas sir Hugo saiu para nos buscar. OH, e antes
disso Isobel se casou com...
— Sir Hugo? — interrompeu-a. Parecia aborrecido por ter
escutado esse nome.
— Sim. Sir Hugo Robison. É o marido de minha irmã
Sorcha.

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Os lábios do homem se afinaram, os olhos brilharam


estranhamente; logo, riu e sacudiu a cabeça.
— O destino volta a nos reunir - declarou, amargamente.
— Por que o diz?
— Da última vez que vi Hugo Robison, deu-me uma surra,
e se se chega a se inteirar de como nos conhecemos, suspeito
firmemente que voltará a fazê-lo.
— Hugo é um cavalheiro, assim como você. Pergunto-me
se também anda por aí beijando às jovenzinhas.
— Por Deus, moça! Espero que não estejam planejando
perguntar-lhe.
— Mas minhas irmãs dizem que se a gente quer averiguar
algo, deve dizê-lo sem rodeios.
Ele a observou com curiosidade, a jovem se mostrava
tranqüila.
— Realmente, sir, não deve ter medo de Hugo. Nem sei
por que você deve encontrá-lo. Quando chegarmos à abadia,
poderei retornar facilmente pelo mesmo caminho que saí,
atravessando os jardins. Meu cunhado não terá por que
inteirar-se de que nos conhecemos.
— Sem dúvida, prefere assim. Certo?
— Prefiro que me deixe retornar sozinha - retrucou Sidony.
— Não posso fazer isso - sentenciou, com um sorriso
irônico, e lhe ofereceu gentilmente seu braço— . Você vê,
segundo minha experiência, um cavalheiro não deve fugir da
batalha. Além disso, sua presença me protegerá.

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Sidony se perguntou quem a protegeria a ela e ignorou o


braço que lhe oferecia. Também nunca tinha imaginado que
um passeio pelo bosque se equiparasse com uma batalha.
— Antes que sigamos avançando, sir, é melhor que procure
seu cavalo.

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32

Capítulo 2

A impertinente o tinha feito caminhar quase um quarto de


milha antes de avisar que devia ir procurar a seu cavalo, mas
não podia culpá-la, o cavalo era responsabilidade dele.
Convenceu-se de que o melhor era ir procurar a besta sem
fazer mais comentários.
A dama o observava em uma atitude calma. Parecia natural
nela. Perguntou-se o que lhe provocaria alguma reação
violenta ou apaixonada. Ainda transportava o peixe, que não
parecia ter sofrido muito com o golpe. Mas pela pouca atenção
que lhe conferia, poderia ter sido uma rã, dava o mesmo.
— Não posso deixar você aqui sozinha - disse ele— . Vai
ter que voltar comigo para procurar o cavalo.
— Acaso seu corcel não tem nome?
— Certamente - admitiu Giff— . Mas não tenho idéia de
qual.
— Você o roubou?
— Não seria a primeira vez - repôs arrogante— . Não, não
fique tão séria. É muito bonita para danificar tanta beleza com
uma careta.
Os olhos de Sidony se acenderam como se ninguém, até o
momento, a tivesse lisonjeado por sua bela figura.
— Não devia me dizer essas coisas - o censurou,
ruborizando-se.

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— Imagino que as escuta todo tempo. Mas têm razão em


me recordar que devo cuidar das minhas maneiras. Hugo,
certamente, gostaria que fosse assim.
— Como é que se conhecem?
— Quer dizer como foi que Hugo conheceu um ladrão de
cavalos? — perguntou-lhe ele, lacônico.
— Realmente rouba cavalos?
— Às vezes.
Giff procurava a seu redor, desejando não ter deixado
aquela besta no lugar errado. Era quase impossível que
perdesse a orientação, mas desde que tinha posto seus olhos na
moça, não tinha visto mais nada. Esperava que a jovem não
fosse o chamariz da armadilha de um inimigo.
— Roubar é um pecado mortal - assinalou Sidony, com
decoro.
— É obvio, mas um homem faz o que deve fazer. Além
disso, venho direto das terras fronteiriças, onde os homens não
acreditam que levar animais dos outros seja roubar. Chamam
de «aproveitar-se» e é simplesmente um modo de vida. Se um
homem necessitar de um cavalo ou de gado para alimentar a
sua família, vai por aí a «aproveitar-se». Ah, por fim, ali está -
acrescentou ele.
— Temia havê-lo perdido?
— Não seja absurda. Um homem jamais perde seu cavalo.
— Mas se não é seu cavalo... Se o roubou...

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— Não roubei este cavalo - a corrigiu— . Tomei


emprestado.
Ela assentiu com solenidade.
— Ouvi outros dizerem o mesmo quando os apanhavam
roubando. Além disso, quando a gente toma algo emprestado,
depois o devolve.
— E isso é o que farei - respondeu ele, orgulhoso— . O
tomei emprestado de um parente de temperamento forte, se
não o devolvo...
— Têm medo?
— Por Deus! Que facilidade tem para virar às palavras de
um homem. Vou subi-la no cavalo, assim economiza a
caminhada de volta. Espero que não tenha medo.
— É obvio que não. Montei minha vida toda.
— Serio? — perguntou surpreso— . É raro que as
mulheres das Terras Altas montem, e as poucas que vi sobre
um cavalo, pareciam bonecas de trapo sobre um asno.
— Eu sim - assegurou ela, rindo diante da imagem— . Mas
não tenho nenhum interesse em montar em um que tenham
roubado.
— Eu gostaria que deixasse de assumir que roubei a esta
besta - pediu ele cortesmente, enquanto desatava as rédeas.
Logo acariciou o pescoço e o focinho do cavalo.
— Mas você disse que não era a primeira vez que...
— Eu disse faz uns instantes, que não o tinha roubado.
— Sim, certo. Mas antes disse...

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Ele deu a volta, preparado para fechar a boca a dessa garota


enervante com uma resposta rude, mas quando topou com esse
olhar de safira, deteve-se. Queria lhe fechar a boca, mas com
um beijo. Tratou de manter um tom tão suave como o dela.
— Está acostumada a discutir assim com todos os homens
com os quais se encontra?
Sorriu com certa melancolia.
— Não me encontro com muitos homens. Nunca tinha me
encontrado com nenhum em um de meus passeios, muito
menos com alguém como você.
— Quer dizer, um ladrão?
Ela assentiu, ruborizada.
— Milady - suspirou— , não sei o que fazer com você, mas
está claro que quanto antes se reúna com sua família, antes me
libertarei de você — esticou os braços.
— Não, obrigado - Sidony deu um passo atrás— . Irei a pé.
— Não seja tola — respondeu ele, mais seriamente— .
Preciso secar o lodo de minhas calças, e vocês danificará
ainda mais seu vestido se fizer todo o caminho de volta a pé
por este bosque inundado. Além disso, será mais confortável
se montar.
— Não acredito, mas lhe agradeço de todo jeito.

— Não lhes estou oferecendo isso para ganhar sua gratidão


- grunhiu ele.
— Mas eu prefiro ir a pé.

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— E eu digo que vai a cavalo.


Colocou as mãos nos quadris e a observou com severidade,
com esse olhar que obtinha que seus homens corressem para
cumprir suas ordens imediatamente.
O cavalo golpeou seu ombro justo nesse momento e o
empurrou para ela.
Os lábios de Sidony tremeram e o brilho sedutor de seus
olhos se aprofundou.
— Por Deus! Atrevesse a rir de mim?
Ele voltou a estender um braço para segura-la e ela voltou
a dar um passo para trás, mas desta vez ele foi mais rápido e a
pegou pelo antebraço.
Aquele brilho se desbotou. Agora o contemplava com
serena espera.
A jovem umedeceu os suaves lábios rosados... Um convite
descarado.
Segurava-a fortemente pelo antebraço, com o cenho
franzido. Por sua experiência com seus cunhados, ela sabia
que os homens não gostavam que as mulheres rissem deles,
mas ao ver que o cavalo o golpeava, não pôde resistir à
tentação.
Ele ainda a olhava desse modo estranho, como se
calculasse algo, talvez, a maneira de castigá-la.
Na realidade, incomodava-lhe a idéia de montar seu cavalo,
e levar o peixe, enquanto ele seguia a seu lado. O só fato de
que a escoltasse demonstraria ao Hugo e ao Rob que seu

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passeio pelos bosques tinha sido uma idéia bastante tola, se


não perigosa. Sem dúvida, seu cavalheiro andante só
conseguiria que um ou outro a proibisse fazê-lo de novo.
Ele a devorou com os olhos e a apertou com mais força.
Sidony tragou saliva, mas não afastou o olhar. Meu deus ia
beijar-la de novo! Mas em um gesto apenas perceptível,
trocou a expressão de seu rosto. Então a pegou pela cintura e a
montou sobre o cavalo.
Instintivamente, Sidony deslizou as duas pernas do outro
lado do lombo do cavalo e desceu, tendo o cuidado de não
deixar cair o peixe na lama. Deu um passo atrás para o caso do
animal se incomodar pela manobra e a chutar. O cavalo lançou
um relincho, sacudiu a cabeça, moveu-se para frente; mas ele
sustentou as rédeas e rapidamente o tranqüilizou.
— Está começando a me irritar, garota — grunhiu Giff,
com severidade.
— Lamento-o, foi amável comigo - respondeu ela— , mas
não quero montar no cavalo enquanto você o guia, nem
tampouco quero que montemos os dois juntos. Só pense no
que pensariam as pessoas de Canongate se nos vissem assim.
— E pensa que será muito diferente se nós dois formos a
pé?
— Claro que sim. Não pode haver nada mau em que tenha
me encontrado no bosque e que tenhamos caminhado juntos.
De fato, penso que o mais prudente será que eu retorne

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sozinha, e que você siga na direção pela qual vinha, como se


nada tivesse ocorrido.
— Assim eu nem sequer me encontraria com Hugo. Esse é
seu plano?
— Sim...
— cedo ou tarde eu me encontrarei - disse ele, sacudindo a
cabeça— . Por acaso vai fingir que não me conhece?
Não tinha pensado nessa possibilidade.
— Têm que ver o Hugo?
— Por isso vim para Edimburgo.
— OH, mas se chegou aqui das terras fronteiriças, por que
não entrou na cidade da forma habitual, direto por Cowgate na
rota principal?
— Não acredito que esse assunto lhe pertença - rebateu— .
O que sim lhe dizer respeito é que, além do que pense de mim,
eu não me aproveito de moças inocentes, e menos ainda das
nobres. E tampouco aprovo que andem por aí desprotegidas.
Especialmente - acrescentou sério— , não aprovo isso em
mulheres aparentadas com meus amigos. Meu pai castigaria a
qualquer uma de minhas irmãs que se atrevesse a fazê-lo.
— Têm irmãs?
— Duas.
— Bom, mas você não tem nenhum direito de me castigar
a - replicou ela— . E embora Hugo possa ser feroz às vezes,
tampouco acredito que o faça.
Logo, lhe ocorreu outra possibilidade:

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— Não vai sugerir que façam algo assim comigo, vai?


— É obvio que não. Agora vamos. Estivemos tagarelando
aqui durante muito tempo.
— Não vai tentar me fazer montar no cavalo?
— Não, será como você quer, milady - fez uma reverência
exagerada e acrescentou— . Já é hora de que irmos.
A forma em que pronunciou aquelas últimas palavras fez
com que Sidony sentisse um calafrio nas costas. A
possibilidade de voltar a vê-lo em alguma outra ocasião
parecia remota.

Giff a observou entrar por um atalho no bosque.


Perguntou-se o que havia nela que o dominava. O que na
verdade merecia eram umas palmadas no traseiro, só por sua
cegueira.
— Pretende ir todo o caminho na minha frente? —
perguntou- ele.
A jovem hesitou; olhou para trás.
— Prometeu que não voltaria a tentá-lo.
— Já disse que não o farei - lhe recordou— . Palavra de
honra.
— Muito bem, então. Caminharei ao seu lado se for o que
prefere.

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Partiram em silêncio por um momento. Mas à terceira vez


que a viu vacilar como se quisesse falar, ele acabou por
interrogá-la.
— O que acontece? Têm algo mais que me dizer?
Sidony mordiscou o lábio inferior.
— Não exatamente. Só queria fazer uma pergunta. Mas sei
que não devo.
— Me perguntem o que quiser. Não me incomodará.
— É que se trata de uma pergunta muito impertinente.
— Minhas perguntas favoritas — comentou Giff em tom
zombador.
Ela voltou a afastar o olhar.
— É algo tolo, e não deveria prestar atenção a essas coisas,
sei, mas...
— ... Não podem resistir à tentação — completou ele.
Essa curiosidade de Sidony o estava incomodando, de
repente teve vontades de sacudi-la. Mas sentia que se voltava
a ser violento com ela, nunca saberia o que a tinha perturbado,
e ele queria sabê-lo a todo custo.
Sidony ainda parecia vacilar. Giff decidiu calar, com a
esperança de que ela não pudesse agüentar o silêncio. Por fim,
ela tomou a palavra.
— Você normalmente diz às mulheres coisas que na
realidade não pensa?
— Geralmente, digo a todos o que penso. Mas não consigo
te compreender.

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Sidony ruborizou e voltou a titubear.


— Pode me perguntar o que quiser - incentivou-a em um
tom tão gentil que lhe deu ânimo— . Prometo não a julgar.
Agradecida, falou apressada, sem conter as palavras.
— Disse que era bonita. Realmente o acha?
Ele se deteve atônito.
— Deveria saber que é bonita — afirmou em tom sério— .
Qualquer um que a conheça já devia ter dito isso.
Ela sacudiu a cabeça.
— Ninguém.
— Isso é impossível. Só necessita de um espelho para
comprová-lo por você mesma.
— Não o entendeu - suspirou a jovem— . Tenho seis
irmãs. As pessoas falam das belas irmãs Macleod, mas a
maioria conhece só às que se partiram antes de mim. Cristina,
a mais velha, é de uma beleza extraordinária. Meu cabelo é
pálido comparado ao dela, minha figura menos exuberante e
meu temperamento muito mais tímido. Quando entra em uma
sala, todos a olham. E as pessoas que conheceram minha irmã
Mariota asseguram que ela é uma pálida sombra comparada
com a mais velha. E eu sou à sombra de todas elas.
— Mariota é a que morreu, verdade?
— Sim. Isobel afirma que não importa o que os outros
digam sobre a beleza de Mariota. Sua natureza não era bela.
Mas os outros só se fixavam na aparência.
— Você não a conheceu?

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— Não, eu era um bebê quando ela morreu. Assim, como


vê, nunca ninguém pensa em mim como em uma beleza, pois
meu aspecto não se compara com ao delas.
— Mas certamente esteve na Corte do rei. Alguém deve ter
elogiado sua beleza ali.
— Não, eu não gosto das grandes reuniões. Uma vez fui
com Sorcha e Isobel ao castelo de Edimburgo porque meu pai
queria que lady Clendenen nos apresentasse a Sua Majestade,
mas ele estava doente, assim ficamos apenas meia hora.
Nunca tinha escutado semelhante barulho. Não sei como
alguém pode conversar em um lugar assim.
Ele riu entre os dentes, recordando sua breve experiência
em Stirling.
— A metade da Corte é surda e a outra metade está bêbada,
mas a maioria das pessoas é agradável. E, além disso,
qualquer um que queira fazer um nome em Escócia sabe que
tem que ir ali fazer reverências a torto e direito.
— Você tem feito isso?
Ele assentiu.
— Acho tão desagradável quanto você, mas consegui
encontrar meu caminho do meu modo, que me servirá para
quando retornar a me assentar nas Terras Altas, depois de que
minhas aventuras cheguem a seu fim. No oeste, ninguém se
preocupa muito com o que tenham feito os outros na Corte, à
exceção do senhor das Ilhas e aos de sua classe, que querem
adquirir todo o poder que possam. Mas os outros inclusive

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evitam passar por Stirling e Edimburgo, e fazem a maioria de


seus negócios na Corte das Ilhas.
— E você faz o mesmo?
— Não, não me dediquei a essas coisas durante anos.
— Quero dizer, sai em busca de aventuras?
— Ah, sim, e neste momento o desfruto. Agora há muitas
oportunidades para um homem como eu.
— OH, me conte a respeito de suas aventuras - rogou
entusiasmada.
— Possivelmente em outro dia - se negou ele com um
sorriso— . A abadia está aí atrás, suponho que logo daremos
com a mansão Clendenen, não é assim?
— Sim - disse ela, franzindo o cenho— . Estamos muito
perto.

Chegaram à entrada da mansão rapidamente. A casa de


Ealga, lady Clendenen, estava localizada no lado sul da
avenida conhecida como Canongate, que se estendia da igreja
de St. Giles até a abadia de Holyrood. As casas de pedra que
ladeavam a rua dos dois lados tinham sido construídas muito
próximas entre si, embora quase todas tivessem um corredor
de um lado que conduzia aos estábulos e jardins atrás.
No lado norte, mais perto de St. Giles encontrava-se a casa
dos Sinclair, onde Sidony estava vivendo nesse momento
junto com sua irmã Isobel e seu marido, sir Michael Sinclair.

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Para o noroeste se levantava o castelo de Edimburgo, que


dominava toda a cidade do topo levantado do penhasco.
Com quatrocentas casas e duas mil pessoas, a colina real
era a maior cidade que Sidony já tinha visto, mas com o tempo
se acostumou ao ruído e às pessoas. Felizmente, Canongate
era mais agradável que a área mais próxima do castelo,
embora em sua porta passasse mais de uma carreta carregada
de lã em direção a algum navio na baía do Leith.
Em um estreito passadiço, a escolta de Sidony deu uma
moeda a um garoto que encontrou na rua e pediu que cuidasse
do cavalo. Logo ofereceu um braço a Sidony, mas lhe deu tão
pouca atenção como antes. Não queria que ninguém
suspeitasse que fosse algo mais que um desconhecido, com
quem se topou por acaso.
A porta de entrada da mansão Clendenen se abriu antes que
eles chegassem. Para alívio de Sidony foi Rob, e não Hugo,
quem apareceu.
— Estávamos preocupados com você, Sidony — disse ele,
em voz suave, apenas rouca. Tinha falado devagar e com
cortesia.
Entretanto, quando seus olhos cor de amêndoa se posaram
no acompanhante de Sidony, arregalaram.
Antes que Rob pudesse dizer outra palavra, uma mão se
posou em seu ombro desde trás. Era sir Hugo, mais imponente
e sombrio que nunca. Sua ira podia sentir-se no ar.

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45

Todos os maridos das irmãs Macleod eram homens


robustos, mas Sidony conhecia só a um homem maior que
Hugo, o marido de Cristina, Hector o Feroz.
A moça conteve o impulso de dar uma olhada a seu
acompanhante, para ver sua reação ante o evidente mal-estar
de sir Hugo.
Para sua surpresa, o homem que a tinha escoltado até ali
riu.
— Por Deus, Hugo — disse— , parece a ponto de comer a
pobre moça. Se precisar descarregar sua ira, faço-o sobre
mim. Ao menos, eu posso me defender.
Hugo não mostrou a menor intenção de compartilhar o
bom humor do recém-chegado.
— Quer voltar a provar suas habilidades comigo, bastardo
esfarrapado?
— Com prazer. Da última vez me surpreendeu com a
guarda baixo. Não voltará a acontecer.
— Da última vez te sentei com um só golpe, nem sequer
houve uma briga como Deus manda — lhe corrigiu Hugo— .
Pensei que não queria receber nenhuma outra lição.
— Só tenta-o, e veremos quem instrui a quem.
O recém-chegado pronunciou aquelas palavras em voz
baixa, mas Hugo as pôde escutar, pois fez uma careta e
sacudiu a cabeça.
Logo, para o profundo alívio do Sidony, falou sem rastro
de rancor.

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46

— Eu confio em você para me disser que a dama não


sofreu nenhum dano, Giff.
— Sabe que não aconteceu nada. Pretende me deixar de pé
aqui na entrada da casa? Pelo que entendi nem sequer pertence
a você, a não ser a lady Clendenen. Deveria chamar um criado
para que se encarregue do peixe que traz lady Sidony, para
que o limpe e o prepare para o jantar. É bem grande, como
pode observar.
— Bom — aceitou Hugo e se afastou para deixá-los
passar. Logo disse a um criado que se encarregasse da vara de
pescar e do peixe de Sidony— . E pode lhe dar sua espada
também, Giff - acrescentou.
— Isto pertence ao velho jardineiro - assinalou Sidony ao
jovem que se levava a vara— . Por favor, devolva-lhe e lhe
agradeça por mim.
— Sim, milady - disse a moço antes de dar a volta para
receber a pesada espada e a bainha que lhe entregava o recém-
chegado.
Hugo indicou ao jovem que se retirasse.
— Já era hora de que chegasse, Giff — disse depois— . Já
quase lhe tínhamos dado por perdido.
— Estava em Galloway, assim que seus homens passaram
um bom tempo tentando seguir meu rastro.
— Como encontrou lady Sidony?
— Deixa que nos acomodemos no salão pequeno de Ealga
antes de continuar falando - sugeriu Rob.

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47

Giff apertou a mão de Rob.


— Não me tinha dado conta de que estaria aqui. Somos
primos, milady — explicou para Sidony— . Tenho um
montão de primos em Logan, porque o primeiro dos
MacLenann foi um Logan que, por algum motivo, emigrou
para as Terras Altas. Você também está no negócio, Rob?
— Iremos ao salão antes de seguir conversando - insistiu
Hugo com firmeza.
— Sidony, aqui está!
Sidony reconheceu a voz familiar e o tom de alívio. Isobel
estava de pé no topo da escada do lado oeste.
Apesar de que estava grávida de seu segundo filho, a bela
Isobel, de cabelo loiro e olhos cinza, ainda não mostrava
nenhum sinal de sua condição. Sidony observou que Giff
ficou olhando para sua irmã com essa expressão de admiração
que tinham todos os homens quando a viam pela primeira vez.
— Mas onde esteve, querida? — perguntou sua irmã— .
Estávamos terrivelmente preocupados com você, esteve muito
tempo fora. Hugo estava a ponto de sair em sua busca.
— Não quis preocupar - respondeu Sidony, com ar
culpado— . Só saí para dar um passeio.
— Mas aqui? — insistiu Isobel— . E quem é este
cavalheiro que a acompanha?
Sidony mordeu o lábio, sem saber o que responder, porque
não era capaz de chamá-lo simplesmente de Giff, como tinha

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feito Hugo. E admitir que não soubesse seu nome só


conseguiria piorar as coisas.
Ante o silêncio incômodo que seguiu à pergunta de Isobel,
o mal-humorado Hugo tomou a palavra.
— Me perdoe, milady. Me permita te apresentar a meu
amigo Giffard MacLennan do Duncraig. Fez seu treinamento
em Dunclathy com meu pai e conosco. Deveria acrescentar,
além disso, que ele conseguiu nos irritar bastante durante todo
esse tempo.
Isobel sorriu para o recém-chegado.
— Embora tenha sido assim naquele tempo, suponho que
deveríamos chamá-lo de sir Giffard, não é?
Sidony olhou para sir Giffard com o maior interesse. Se
havia treinado em Dunclathy, tinha conseguido ter,
certamente, as mesmas habilidades que Hugo, Michael e Rob.
Dunclathy era a casa familiar de sir Hugo, e seu pai, sir
Edward Robison, era um famoso guerreiro e conhecedor da
arte da espada, com quem só estudavam os melhores.
Antes que sir Giffard pudesse responder, Hugo prosseguiu:
— Isobel é a esposa do Michael, Giff, assim procura se
comportar como corresponde em sua presença.
— Nem sonharia em fazer outra coisa - respondeu sir
Giffard, e realizou uma profunda reverência— . É uma grande
honra, milady.
— Como é que conheceu minha irmã, sir? — perguntou-
lhe Isobel sem rodeios.

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— Isso lhe explicarei eu mesma - respondeu Sidony


rapidamente, lutando para falar com sua calma habitual— .
Estou segura de que os cavalheiros têm muito que discutir,
melhor deixá-los sozinhos. Espero que me perdoe por havê-la
preocupado, Isobel.
— Claro que sim - lhe deu um forte abraço.
Mas logo deu um olhar rápido para Hugo e comentou:
— Sir Giffard fica para jantar?
— Possivelmente — respondeu Hugo.
Logo Sidony tomou o braço de Isobel e a encaminhou com
certa urgência para as escadas.
Entretanto, Hugo lançou uma última recomendação antes
que se afastassem.
— Falarei contigo antes da hora do jantar, Sidony.
— Como quiser sir - suspirou. Logo recordou que devia
comportar-se, deu a volta para sir Giffard e disse
cortesmente— : Obrigado por sua amabilidade, milord.
Acredito em que não tenha ofendido a ninguém por me
escoltar até em casa.
Ele respondeu com a mesma elegância.
— E eu me alegro de ter podido lhe servir, milady.
Quando seus olhares se encontraram, de repente sentiu a
estranha necessidade de acrescentar que ela não tinha
solicitado tais serviços. Mas consciente de que Hugo a estava
estudando, reprimiu seu desejo, fez uma segunda reverência
de cortesia e seguiu ao Isobel escada acim

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Capítulo 3

Giff observou como as duas mulheres subiam com pressa.


Esperava que Sidony se voltasse uma última vez e o olhasse,
antes de desaparecer. Pela metade escutou que Hugo mandava
a um criado a por um refresco. Logo, à exceção do barulho
das saias das irmãs e seus leves passos nos degraus, o silêncio
reinou entre eles, até que Hugo limpou a garganta.
Giff conhecia a falta de paciência de seu antigo
companheiro de armas; entretanto, tomou uns minutos antes
de falar.
— Vamos à sala, cavalheiros. Estou ansioso por saber que
aventuras nos esperam.
Notou que os outros trocavam olhares cúmplices. Nada
disso surpreendeu a Giff. Rob e Hugo eram mais velhos que
ele, assim como Michael, e já estavam bem instalados em
Dunclathy na época em que ele se mudou para o castelo para
receber sua instrução como cavalheiro. Sempre se tinham
considerado superiores, e embora rapidamente ele tivesse
demonstrado sua valentia e habilidade como cavalheiro,
aquela antiga sensação de superioridade ainda estava no ar.
Tomou então a iniciativa.
— Lamento a morte de seu pai e de seu irmão, Rob. Você
se tornou agora no Logan de Lestalric, não é?

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— Assim é. E se vem de Galloway, sem dúvida traz uma


boa quantidade de notícias de nossos parentes dali, não?
— Com certeza - concedeu Giff, recordando que esse
cavalo selvagem que o tinha levado até Edimburgo pertencia a
esses parentes— . Mas possivelmente não seja este o
momento...
— Este é o momento — o interrompeu Hugo— o que
quero saber é como se encontrou com Sidony. Penso que não
esta acossando jovens mulheres pelos bosques.
— Pior que isso — respondeu Giff com um sorriso— . Eu
pareço estar perseguindo a pescadores. Escutei-a assobiar no
bosque da abadia e simplesmente segui a música.
O olhar sombrio de Hugo o fez pensar que não devia
mencionar o beijo que tinha roubado da moça.
— Provavelmente é que assustou a pobre moça - afirmou
Hugo.
— Surpreendi-a — admitiu Giff— , mas não acredito
havê-la apavorado com minha presença. Tem um
temperamento forte a senhorita.
— Serio? E por que estava você rondando pelos bosques da
abadia?
— Você já viu muitas rotas livres? — retrucou Giff— .
Estão cheias de carros e ovelhas por todos os lados, balindo e
arrastando-se de um lugar a outro. Além disso, o cavalo que
me emprestaram não parece simpatizar com as ovelhas.
Rob riu de verdade.

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— É verdade que de vez em quando trazem complicações.


Mas tenho que conseguir que a lã chegue aos navios de algum
jeito, assim terá que conviver com os carros. Uma boa porção
da costa de Leith Harbor me pertence. Até já permiti instalar
abrigos contra a chuva quando vêm, e alguns pastores,
sobretudo os que têm só um ou dois carros, levam as ovelhas
inclusive até Lestalric antes das tosquiar.
— Isso explica por que vi a mesma proporção de animais
tosquiados e sem tosquiar — assinalou Giff.
A expressão de Hugo delatava que não tinha o menor
interesse nas ovelhas. Estudou então ao Giff com maior
atenção.
— O que é essa marca em seu rosto?
Giff tampou a bochecha esquerda com uma mão, como se
tivesse onze anos. Reprimiu a urgência de dar um passo atrás.
— Tira a mão daí — ordenou Hugo, olhando-o com maior
atenção— . Por Deus! Parece uma marca de escama de peixe.
Hugo deu uma olhada para Rob, que estava mordendo o
lábio, tratando de controlar-se.
— Está achando algo divertido, milord?
— Sim - reconheceu Rob, imperturbável.
— Fiz em só dois dias toda a viagem de Galloway até aqui
- prosseguiu Giff, com a esperança de distraí-los— . Assim,
Hugo, deverá me perdoar se não cheirar...
Deteve-se quando Hugo pôs um dedo na sua bochecha,
esfregou com força, e levou o dedo até seu nariz e inspirou.

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— Assim que esse salmão não era só para o jantar. O que


fez para merecer que o golpeassem com um peixe, Giffard?
— Por Deus! O que te faz pensar que fiz algo?
— Conheço você e às irmãs Macleod - respondeu Hugo— .
Deveria saber que tenho a honra de estar casado com a mais
temperamental de todas. Reconheço que minha Sorcha não
duvidaria um segundo em golpear a um homem que a
acossasse, mas me surpreende saber que Sidony tenha reagido
assim.
— Temo que a confundisse com uma criada. E quando
deixei entrever meu engano, deu-me um «salmonado».
Podemos nos sentar, Hugo? Mal dormi nestes últimos dois
dias.
— Fique longe dela, Giff — o repreendeu Hugo— . As
irmãs Macleod merecem um marido de acordo com sua
linhagem. Seu pai e seus cunhados buscarão a alguém rico,
estável e de confiança, não a um malandro incorrigível, cuja
frase favorita é «não se preocupe».
— Muito bem, assim o farei — bufou— . Tampouco tinha
a intenção de ter uma esposa, embora fora de tão alta
linhagem. Mas com respeito aos MacLennan, já sabe que seu
lema é «enquanto respire, tenho esperança».
Hugo se encolheu de ombros.
— É o mesmo.
— Bem, imagino que não me mandou chamar para discutir
sobre brasões — respondeu Giff, olhando ao Rob— . Vejo

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que mantêm seu silêncio, sir, mas que demonstra certa


diversão. Não tem nada que dizer a respeito?
Rob sorriu vagamente.
— Confio que Hugo irá falar todo o necessário, e por
minha experiência, as irmãs Macleod podem cuidar-se
sozinhas.
— Não me diga que se casou com uma delas!
— Com lady Adela.
Giff sacudiu a cabeça.
— Eu espero que nenhuma dessas mulheres esteja
relacionada com o motivo pelo qual me mandou chamar.
— Chamei-o porquê há uma missão perigosa, ideal para
seu espírito intrépido - explicou Hugo sem rodeios— . Espero
que tenha êxito nesta também, ou toda a Escócia sofrerá o
dano durante anos, se você falhar.
— Estou intrigado — Giff pegou uma cadeira, embora
Hugo não lhe tivesse dado permissão para sentar-se— De que
se trata este assunto de tanta importância?
O criado entrou com os refrescos.
— Tenha paciência — pediu Hugo.
O moço serviu a cada um uma jarra de cerveja.
— Sua senhoria envia também uns pedaços de queijo para
que acompanhem a cerveja, milord, e o jantar estará pronto
em uma hora, haverá cordeiro assado e salmão.
— Diga a lady Isobel que não demoraremos - declarou
Hugo e esperou que a porta se fechasse depois do criado.

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— Muito bem, comecemos então. Primeiro preciso


confirmar que ainda tem uma frota poderosa sob seu
comando.
— Claro que sim, embora não acredito que te sirva muito
por aqui, já que está ancorada no oeste.
Por suas expressões sombrias, Giff percebeu que havia dito
algo que eles não esperavam escutar.

— A primeira coisa a fazer é tirar esse horrível vestido -


assinalou Isobel, estudando Sidony dos pés a cabeça, quando
entraram no quarto que lady Clendenen preparava para as
irmãs Macleod quando mais de uma ia visitá-la— . Onde está
o que vestia no dia em que chegou aqui?
— Não há nenhuma necessidade de colocar esse agora -
contestou Sidony enquanto desatava o laço de seda da túnica
azul— . Com todas as visitas que tenho feito este ano, tenho
vestidos esparramados por três castelos, tanto aqui como na
mansão Sinclair. Só usei este para brincar com o pequeno
William Robert. Ainda tenho outro nesse baú, mais apropriado
para usar em um jantar com cavalheiros.
— Então temos que tirar-lo daí imediatamente, com certeza
vai necessitar algum acerto — respondeu Isobel, já em
marcha. Pegou o delicado vestido de seda amarela, e
contemplou a sua irmã com um brilho nos olhos— . Não
necessitará muito acerto. E bem, vai-me falar dele?

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Sidony sentiu como acaloravam suas bochechas ao lembrar


o que tinha se passado no bosque da abadia. Levantou a saia
para poder desatar o laço da cintura.
— Não deveríamos chamar primeiro a uma criada, para
que nos traga água quente?
— Não, não deveríamos — negou Isobel— . Quero a
história completa, todos os deliciosos detalhes, e sei que não
dirá uma palavra na frente da criada. Assim pode usar a água
fria da jarra para se limpar, e eu me ocuparei de seu vestido.
Onde estão a escova e o pente que há sempre sobre esta mesa?
Resignada, Sidony tirou o vestido e ficou só de regata.
Isobel sacudia o corpete que combinava com o traje amarelo.
— Acredito que nessa caixa também há uma regata limpa -
disse Sidony.
— Na verdade, acredito que alguma das criadas deve ter
arejado isto mais cedo. Tudo parece preparado, de modo que
não há motivo para seguir atrasando a história. Como foi que
se encontrou com ele?
Sem escapatória, Sidony lhe contou tudo, mas evitou os
detalhes deliciosos, deixando de lado a tentativa de Giff de
beijá-la e o golpe que lhe tinha dado com o salmão. Os olhos
de Isobel se aguçaram quando Sidony ruborizou ao explicar
que ele tinha tentado montá-la sobre seu cavalo na volta à
mansão Clendenen.
Só teve um segundo para pensar, antes que Isobel tomasse
a palavra.

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— Não está me contando tudo o que aconteceu, Sidony. O


que pensa dele? É muito atraente, não? Mas não tão bonito
como Michael — adicionou logo, como prova da fidelidade a
seu marido, embora também com certa melancolia.
Sidony compreendeu imediatamente o motivo.
— Ele voltará logo, Isobel.
— Não o suficiente. E só o fará porque sabe que viajarei
para as Terras Altas com ou sem ele para as bodas.
— A verdade é que não deveria viajar sozinha em seu
estado.
— Ele pensa o mesmo, e não posso culpá-lo. É verdade
que devolvo tudo o que como no café da manhã a cada manhã,
embora não esteja navegando entre as ondas. Mas isso passará
logo, e de qualquer maneira Michael seguirá tratando de me
impedir de ir às bodas de nosso pai.
— Possivelmente tenha razão — comentou Sidony, com a
esperança de que o tema distraísse a sua irmã do assunto de sir
Giffard MacLennan.
— Já arrumarei isso com meu marido — respondeu Isobel,
com segurança— . Mas não quero falar dele neste momento.
Ainda não me disse o que pensa de sir Giffard.
Sidony estava de costas jogando água na bacia. Tomou um
momento para embeber um pano, tratando de pensar no que
devia dizer.

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— E? — insistiu Isobel— . Pelo que pude ver, tem um


bonito sorriso. Também parece ter senso de humor, e está
claro que não teme ao Hugo.
— Não posso decidir o que penso dele — admitiu Sidony
sem dar a volta. Era mais fácil pensar quando não via as
reações de sua irmã— . Mas se não teme ao Hugo, certamente
é porque não o conhece muito bem.
— O que diz! Você o teme?
— Não, mas não é o mesmo. Hugo às vezes se zanga tanto
que pode atemorizar a qualquer um. De fato, no dia que o vi
pela primeira vez, aterrorizou-me. Mas quando comecei a
conhecê-lo, compreendi que podia confiar nele. Seus homens
o temem quando se zanga. E embora não deseje falar com ele
antes do jantar, não tenho medo de que descarregue sua ira
sobre mim. Espero que sir Giffard não esteja incomodando-o
com nada mais até que chegue esse momento.
— Você merece tudo o que ele te disser - comentou Isobel
com calma— . Não sabe as idéias que me passaram pela
cabeça assim que soube que tinha saído e que ninguém sabia
onde estava. Mas deixarei que Hugo fale sobre o tema
contigo. Não precisa escutá-lo duas vezes. É verdade que
pegou emprestada uma vara de pescar do jardineiro?
— Como ficou sabendo? — perguntou surpreendida, agora
sim, de frente para sua irmã. Para seu alívio, não parecia
querer dar uma palestra sobre o assunto.

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— Eu ouvi quando dizia para o criado que a devolvesse -


confessou Isobel— . Estava no patamar justo antes de descer e
me encontrar com você.
— Escutando às escondidas — a censurou Sidony — .
Sabe que não deve fazê-lo.
— Já quase não o faço. Na verdade, levantei-me tão rápido
ao ouvir que Rob gritava para Hugo que tinha retornado que
me senti enjoada e esperei um minuto prudencial antes de
descer as escadas.
— O que mais escutou? — quis saber a jovem,
desconfiando da sua irmã.
— Não muito - encolheu de ombros— . Querida, não deve
seguir tentando mudar de tema. Quero saber o que opina de
Giff MacLennan - insistiu incansável.
— Por favor, não deveria chamá-lo Giff, nem sequer diante
de mim — observou Sidony.
«Em especial diante de mim», acrescentou para si mesmo.
— Bom! — exclamou Isobel— . Ou seja, que você quer
chamá-lo assim, mas se culpa porque não deve? Então isso
indica...
— Não indica nada! — apressou-se a dizer Sidony, nervosa
pela perseguição de sua irmã.
Lavou o rosto com rapidez, dobrou o pano sobre a mesa e
se voltou, para falar com maior tranqüilidade.
— Se está me perguntando se me agrada ou se o estou
considerando como um possível marido deve tirar essa idéia

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imediatamente da cabeça. Sei que todo mundo se pergunta


quando me casarei, mas sir Giffard se parece muito com
Hector ou com Hugo para sequer considerá-lo. Homens
ferozes.
— Ao que se refere com ferozes? — inquiriu Isobel
confusa— . Você já conseguiu deixá-lo furioso?
— Não — respondeu Sidony, reprimindo a lembrança dos
olhos de Giff quando ela o golpeou— . Como poderia ter
deixado zangado a alguém em tão pouco tempo depois de
conhecê-lo?
— Sim, como? — disse Isobel com olhar mais
inquisitivo— . Querida, não sabe mentir muito bem. Deveria
praticar mais se pretende fazê-lo freqüentemente.
— Não temos muito tempo. Hugo não deixará esperando
lady Clendenen pelo jantar - recordou, fugindo abruptamente
do tema— . Vai ajudar-me com esse vestido?
— O fez se zangar — concluiu Isobel, com um gesto de
satisfação enquanto estendia para sua irmã a nova regata e
logo a saia. Depois acrescentou— : De à volta, eu o fecharei.
— Serio irmã, espero que não me incomode me
perguntando sobre ele - rogou Sidony— . Quando disse que se
parecia com Hector e Hugo, referia-me a que espera que o
mundo inteiro obedeça a suas ordens imediatamente. Não
quero um homem assim para mim, sempre esperando que
ponha um pé atrás do outro tal como ele me ordena isso.
— É isso o que acha?

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— Sim. Eu me recusei a subir no cavalo para retornar à


mansão Clendenen, e ele montou-me de qualquer maneira.
— É um homem forte — comentou Isobel, com um tom
sagaz.
— Não é necessário ter grandes músculos para me dominar
- protestou Sidony.
Isobel riu.
— Referia-me ao tipo de força que se necessita para fazer
valer nossas opiniões.
— Eu a chamaria de uma determinação obstinada em fazer
as coisas como quer.
— E o que fez você?
— Passei as pernas para o outro lado e desmontei, é obvio.
Os olhos do Isobel brilharam de satisfação.
— Assim o enfureceu?
— Não, não foi isso.
— Mas sim o enfureceu.
— Sim, ao princípio, mas não vou dizer mais nada a
respeito.
Isobel não insistiu mais e concentrou sua atenção em
abotoar os pequenos botões do corpete de seda que Sidony
pôs. Mas o silêncio não tranqüilizou a sua irmã. Isobel era a
mais curiosa das Macleod e não se deteria até averiguar o que
se propunha.
Decidiu então falar por si mesmo, antes que continuasse
interrogando-a.

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— É interessante, e eu gosto quando sorri. Na realidade,


poderia considerá-lo como marido, se parecesse mais com o
Michael ou com o Rob.
— Pois em minha opinião, até o momento não tinha
considerado a ninguém para o matrimônio — observou
Isobel— . É bom que Ealga não siga insistindo em nos casar a
todas antes que ela o faça com nosso pai.
— Certamente — concordou a jovem— . Temia que papai
me arrumasse um matrimônio horrível só para livrar-se de
mim, mas nas bodas da Adela, nem ele nem sua senhoria
pareciam preocupados a respeito.
— Porque Adela representava o verdadeiro obstáculo -
comentou Isobel— . Você não tem uma natureza forte para
interferir nos assuntos de outra mulher, mas ela sim.
— Entendo que Ealga não queira competir com outra
mulher para administrar sua própria casa. Adela teria seguido
fazendo sugestões, ou até tomando decisões.
— Foi melhor para ambas o que resultou ao fim -
reconheceu Isobel— . Dê-me essa escova, e demonstraremos a
sir Giffard quão bonita pode ser.
— Isobel! — protestou Sidony— . Não diga essas coisas.
Além disso, ele voltará logo para o oeste.
— Duvido. Afinal, Michael e Hugo o mandaram chamar.
— Serio? Ele não me disse isso. Só comentou que tinha
vindo para ver Hugo — acrescentou, perturbada pelas novas
emoções que a invadiam.

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Não teve tempo de estudá-las em silêncio, porque a risada


de Isobel a distraiu; além disso, sua irmã a obrigou a sentar-se
em uma cadeira e a deixar escovar seu cabelo.

Giff mantinha uma expressão séria, enquanto esperava que


Hugo ou Rob lhe explicassem para que queriam os seus
navios. Mas, aparentemente preferiam lançar olhares
cúmplices entre eles que lhe responder. Parecia que podiam
ler a sua mente sem dizer uma palavra.
— Que diabos eu posso disser? — questionou-os— .
Deveria saber que nem sequer traria comigo o Donzela dos
Mares, quando avisei que estaria aqui em dois dias, partindo
de Galloway. O navio mais rápido com o vento ao seu favor
não poderia dar a volta pelo norte de Escócia e descer até o
estuário de Forth em menos de duas semanas. E tampouco
tomaria a rota do sul, não sou tão tolo para provocar aos
ingleses em suas próprias águas.
— Mas esperávamos que tivesse perto ao menos um ou
dois navios - declarou Hugo.
— Os Sinclair têm a maior frota de navios da Escócia,
Hugo. Por que não utilizar os navios de sua família?
— Porque a Escócia está exportando sua lã, assim todos os
navios do Sinclair zarparam.
— E embora pudesse usar algum, teríamos que disfarçá-lo
de algum jeito — interveio Rob.

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— Por quê? — questionou Giff, e logo continuou, com


certo ar de resignação— . Suponho que poderia enviar um
mensageiro à Galloway com ordens para meus homens. Não
levaria mais de três semanas chegar até aqui com uma boa
frota das Ilhas, mas as pessoas desta área tomarão isto como
um sinal de perigo. Segundo o que vejo o plano não é urgente,
assim com três semanas teremos tempo de arrumar os últimos
detalhes, não?
— Por Deus! — exclamou Hugo, como se despertando de
sua letargia— . Não me diga que tomou gosto por planejar,
moço. Duvido que tenha seguido um plano em sua vida, nem
quando lhe tivessem ordenado fazê-lo.
— Isso demonstra quão pouco me conhece — respondeu
Giff ofendido— . Posso assegurar que sou muito obediente no
serviço de Douglas, que deve ser neste momento o homem
mais poderoso da Escócia, incluindo o rei e a Fife, seu
ambicioso filho. De fato, com a maioria dos homens de
Douglas tenho...
— De acordo — o interrompeu Hugo— . Já escutei suas
desculpas. Quando o capitão de um navio afirma que uma
mudança de tempo o obrigou a agir de uma maneira diferente
das ordens que recebeu, é uma simples desculpa, embora o
inimigo termine atuando de uma maneira imprevista.
— É o que acha que faço?

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— Sei que é o que faz — afirmou Hugo. Logo sacudiu a


cabeça— . De toda a maneira, não me importa o que faça se
ao final alcança a vitória.
— Tudo o que faço é tomar decisões sem perder tempo em
considerar o que opinariam outros homens — esclareceu Giff.
Essa é minha estratégia, sabe? Sou capaz de tomar uma
decisão rápida e levá-la adiante antes que seja muito tarde. E é
isso exatamente o que necessita, não é assim? Alguém que
possa agir rápido.
A missão o intrigava e não queria zangar ao Hugo, mas
tampouco queria receber uma lição de comando. Suas
façanhas falavam por si só.
Hugo trocou outro olhar com Rob.
— Sim, isso é o que necessitamos. Entretanto, não há
tempo para esperar a frota, nem sequer por um navio. Nesta
última parte do ano Fife esteve bastante ocupado na fronteira.
Esperávamos que se distraísse o suficiente para nos dar mais
tempo, mas retornou antes do previsto.
— É possível que Fife seja ardiloso, mas não sabe nada de
estratégia nem de táticas de guerra — opinou Giff— , além
disso, não pode pensar sob pressão, por isso os fronteiriços
logo o tiraram de cima. Nenhum de nós se surpreendeu muito
quando anunciou que se ia justo quando os ingleses
começaram a mover o exército para o norte.
— Não seguem ocupados com a rebelião no sul? —
perguntou Rob.

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— Sim, mas se estendeu para o norte — informou Giff— .


Estamo-nos se separando do tema. Me falem desta missão que
trazem entre as mãos.
— O primeiro que deve saber é que é relativo aos
templários - disse Hugo, misterioso— . Confio em que recorde
que suas obrigações para com a Ordem superam todas as
outras que tenha.
— É obvio — disse Giff, mais intrigado que nunca.
— Nos últimos dois anos, ocorreram coisas graves —
continuou Hugo— . Como sabe os templários já não se
encarregam de proteger objetos valiosos pertencentes a chefes
de Estado ou a homens de muito poder.
— Incluindo o tesouro dos mesmos templários que
desapareceu do templo de Paris faz já quase três quartos de
século.
Todos os cavalheiros templários sabiam dessa grande
perda, que ocorreu quando o rei Felipe IV da França, muito
endividado com os templários, decidiu procurar o tesouro em
lugar de pagar as grandes somas que devia. Com esse fim,
primeiro concebeu a idéia de destruir a boa reputação da
Ordem com mentiras e acusações de heresia. Em outubro de
1307, arrasou o templo de Paris e prendeu todos os templários
que encontrou na França, incluindo o mestre da Ordem.
Entretanto, o assalto ao templo não resultou como esperava:
seus homens encontraram o tesouro vazio e a maioria dos

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membros tinha escapado. Inclusive a grande frota, ancorada


em La Rochelle, tinha desaparecido com eles.
— Todos sabem que os templários escoceses nunca se
dispersaram — comentou Giff, pensativo— , porque o Papa
tinha excomungado ao Bruce no ano anterior, e quando foram
declarados hereges no ano seguinte, Bruce ignorou o decreto.
Além disso, necessitava aos templários para que o ajudassem
a liberar a Escócia. Mas muitas pessoas daqui ainda pensam
que os cavalheiros templários são um mito — acrescentou— .
De fato, a maioria dos templários não sabe se o tesouro existe
na verdade.
— Nossa Ordem guarda muito bem seus segredos —
comentou Rob.
— E deve continuar fazendo-o — sentenciou Hugo— .
Isto não tem nada que ver com o tesouro de Paris, Giff. O
objeto de que estamos falando nunca saiu da Escócia. Bruce
mesmo foi quem o confiou a dois de nossos homens.
Hugo duvidou e logo falou com certa resistência.
— Fife acredita que esse objeto se acha junto com o resto
do tesouro templário. Também suspeita que a família Sinclair
saiba do paradeiro do tesouro.
— E sabe?
— Isso já não importa. Não precisamos discuti-lo agora. O
importante é que Fife está disposto a fazer algo para encontrá-
lo. Tem a esperança de dominar a Escócia se o obtiver, e
concentrou sua busca em um lugar crítico. Terá que mover o

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objeto tão rápido quanto possível para evitar que seja


descoberto.
— Por Deus, homem! O que é esse objeto tão prezado?
— O mais sagrado de Escócia — replicou Hugo sem
alterar a voz.
— Pois deve ser o segundo mais sagrado. O mais
importante para os escoceses está fora de Escócia —
protestou Giff— . Os ingleses o roubaram faz quase um
século.
— Realmente?
Giff sentiu um calafrio pelas costas. Invadiu-o uma
sensação de esperança tão forte que falou com a linguagem de
sua juventude, o gaélico das Terras Altas e as Ilhas.
— A Lia Fail - murmurou.
— Sim - ratificou Hugo— . A...
Hugo se deteve. Giff escutou os leves golpes que o tinham
perturbado e pôde reconhecer a origem. Uma das mulheres
descia as escadas.
— Falaremos mais depois do jantar — resolveu Hugo, e
enquanto se aproximava da porta acrescentou— : Estou certo
de que aproveitará com gosto o tempo para se refrescar um
pouco antes de jantar.
Abriu a porta. Deu um passo para trás.
— Entra mocinha.

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Giff cravou os olhos em Sidony, vestida de ouro pálido.


Entrou na sala com a cabeça alta e fez uma pequena
reverência.
Ela era um tesouro em pessoa, pensou Giff ao vê-la, como
uma deliciosa estátua de ouro que tivesse tomado vida.

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Capítulo 4

— Não provoque a sir Giffard, mocinha - lhe advertiu Hugo


depois de se despedir dos outros dois e fechar a porta atrás
deles.
— Eu não provoco a ninguém — respondeu ela ofuscada.
— Isso é certo — reconheceu ele— . Mas nem sempre
você está com razão, verdade?
— Não planejei me perder, sir, nem tampouco ficar fora
por tanto tempo.
— Sabe que não refiro a isso. Que demônios a levou a
passear pelos bosques da abadia?
Embora não gostasse que alguém ficasse zangado com ela,
Sidony enfrentou a ele sem hesitar.
— Cansei de estar sempre rodeada de gente — admitiu
ela— . Os bosques são pacíficos e silenciosos. Depois de tudo,
pertencem à Igreja. Que dano poderia sofrer, considerando
que Deus os vigia?
— Saiu do bosque com um homem que nem sequer
conhecia - assinalou-o.
— Mas você sim o conhece, milord - replicou— . Isobel
disse que chamaram por ele.
— Mas você não sabia naquele momento - retrucou-o,
bruscamente— . Ou se atreveu a te abordar com a desculpa de
que era meu amigo?

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— Não - recordou a cena— . Disse-me que te conhecia,


por isso teimou em me trazer até aqui. Conhece seu
temperamento.
— Entendo.
Certo ou não, Hugo deixou de concentrar-se em culpar a sir
Giffard, mas continuou enumerando os enganos de Sidony
com severidade.
Escutou todas as recriminações, em respeitoso silêncio,
logo se atreveu a falar.
— Estou muito arrependida por ter incomodado a todo
mundo, sir.
— Não quero voltar a me inteirar de que tenha feito algo
semelhante me entendeu?
— Sim, milord.
— Bem, mocinha — lhe deu uma palmada no ombro— .
Vamos jantar, antes que lady Clendenen venha a nos buscar.
Aliviada de que tivesse passado o mau momento, obedeceu
com entusiasmo.
Encontraram com os outros no grande salão, rodeados de
paredes de pedra e sob o teto baixo de vigas de madeira. O
recinto era confortável e tinha uma chaminé que
compartilhava com a cozinha, no final da casa. Embora lady
Clendenen se queixasse durante o inverno, a chaminé
conseguia esquentar bem o ambiente.
— OH, acabamos de chegar — a saudou sua irmã, mas
Sidony não deu atenção e olhou para onde sir Giffard se

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72

reuniu com o Rob, perto do fogo. Quando lhe sorriu, ela


afastou a vista rapidamente. E quando voltou a olhá-lo, Rob
tinha capturado sua atenção para lhe apresentar à anfitriã da
casa.
Hugo tomou Sidony pelo cotovelo com delicadeza e a
guiou até a mesa.
As taças, bandejas, pratos de madeira polida, uma cesta de
pão e uma jarra de vinho adornavam a mesa. A cada lado,
ladeavam cadeiras com encosto e nas cabeceiras, poltronas;
havia um tabuleiro de trinchar para o cordeiro assado, já
preparado junto à entrada da despensa.
Um pouco separadas da mesa principal havia outras duas
mesas menores, ocupadas pelos criados de lady Clendenen.
— Somos um grupo estranho esta noite, não é? —
comentou lady Clendenen— . Mas estou muito agradada de
que me honrem com sua presença.
Era uma mulher algo gordinha, que já tinha completado os
cinqüenta. Queixava-se freqüentemente de sua baixa estatura,
mas tinha uma pele delicada e um sorriso agradável, que abriu
logo que pôs seus olhos em sir Giffard.
— Podem se sentar a minha direita, sir - lhe indicou— .
Rob, querido, venha aqui a meu lado. Isobel e Sidony se
sentarão na sua frente, e você, Hugo, seja bom e ocupe a
cadeira na outra cabeceira, e faça a oração por mim.
Hugo obedeceu com prazer. Sua senhoria fez um gesto a
um criado para que servissem a carne, informou a todos que o

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salmão que estava na bandeja era o que Sidony tinha pescado,


e logo acrescentou:
— Agora, meu querido sir Giffard, nos fale de você.
A surpresa do cavalheiro despertou o senso de humor de
Sidony, mas tentou dissimulá-lo para não zangar mais ao
Hugo. Inesperadamente, foi Hugo quem interveio antes que o
outro falasse.
— Não acredito que queira saber tudo sobre ele, senhora.
Sua má fama o precede. Mas como Rob deve lhe haver dito,
Giff está aqui por meu convite e de Michael.
— Esta enganado, Rob não me há disse isso - respondeu
sua senhoria jogando uma olhada ao cavalheiro, que parecia
só interessado no criado que se aproximou para lhe servir mais
vinho. O jovenzinho, alerta aos gestos bruscos da senhora,
vigiou-a com atenção e conseguiu completar seu encargo sem
causar acidentes. Havia outros dois criados que se moviam
pelo salão, oferecendo carne assada.
— Sir Giffard vem de Kintail, milady - comentou Sidony
de repente— , portanto somos quase vizinhos. Não é assim,
sir?
— Então já o conhecia querida? — perguntou lady
Clendenen, quando o hóspede reparou em Sidony— . Pensei
que o tinha conhecido esta tarde.
Sidony recordou que nada escapava a essa dama atenta.
— Vimo-nos pela primeira vez esta tarde, mas me disse
que é de Kintail. Além disso, já escutei alguma vez o nome

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74

MacLennan, embora acredite que não há nenhum vivendo no


Glenelg.
— E em que parte de Kintail vive sua família, sir? —
inquiriu lady Clendenen.
Ele inspirou fundo para tomar a palavra, mas a dama se
adiantou.
— Possivelmente deveria lhe dizer antes que sou uma
pessoa muito inquisitiva. Além disso, em um mês desposarei
ao Macleod de Glenelg, em 6 de julho para ser exata. E agora
que tenho o gosto de conhecê-lo, me ocorre que possivelmente
Macleod convidou a sua família à cerimônia, a menos que...
— acrescentou pouco depois, com um olhar ardiloso— ...
Vocês já estão cientes do assunto.
Aquela sombra instantânea, que Sidony tinha visto no
bosque, cruzou uma vez mais o rosto de Giffard; mas ele
respondeu com soltura.
— Não tenho idéia, milady. Eu mal estive em casa durante
a última década.
— Durante tanto tempo? Não está em contato com sua
família?
O hóspede pareceu preocupado.
— Ela te advertiu que era muito inquisitiva — comentou
Rob, desculpando-a— , mas se acostumará se passar tempo
suficiente em Edimburgo. Eu o fiz.
— OH, sim — disse lady Clendenen a outro criado que lhe
oferecia de um prato com verduras— . Me temo que seja uma

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dessas pessoas que diz o que pensa. Meu primo Ardelve, que
Deus o tenha na glória, acusava-me de minha falta de tato.
Mas também aceito que me avisem quando excedo os limites.
Me digam se me passo da raia. Prometo que não me ofenderei
se o fazem.
Sidony se perguntou se a dama falava a verdade. Em sua
curta experiência, as pessoas que se gabavam de falar com
sinceridade poucas vezes apreciavam que os outros faziam o
mesmo com eles. Olhou com compaixão sir Giffard. Ele sorria
e parecia completamente à vontade.
Fez-se um pequeno silêncio. Isobel decidiu intervir.
— Me deixe lhe agradecer sua amabilidade para com
minha irmã, sir. Sidony teve sorte de encontrar-se no bosque
com um amigo da casa. Poderia haver-se topado com um
inimigo.
Sidony a olhou com preocupação.
— Mas, Isobel — interveio lady Clendenen— , acha que
há inimigos escondidos nos bosques? A mim não me ocorreria
sair a caminhar por aí, mas estou convencida de que estes
bosques são tão seguros como meu próprio jardim.
— Eu não vi ninguém escondido — comentou sir Giffard.
— À exceção de você — apontou Hugo, sarcástico. Logo
comentou em um tom mais amável— : Este cordeiro está
excelente, milady.
— Obrigado. Mas não deveriam desmerecer a amabilidade
de sir Giffard em proteger a nossa frágil Sidony. Isobel está

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certa em agradecer. Também o agradeço, sir, e estou segura de


que Sidony também.
— Na verdade - adicionou Isobel, sorrindo— . Embora
minha irmã ainda tema que você esteja zangado com ela.
— Não tem por que temer nada. De fato, milady, não me
ocorre por que imagina que me tenha zangado alguma vez
com ela.
— Sim — murmurou Rob, tomando outra porção de
salmão— , este salmão está excelente. Ao que parece
sobreviveu ao golpe sem danos maiores.
— Sobreviveu? — comentou Hugo com um sorriso.
As bochechas de Sidony se acenderam, percebeu as
olhadas brincalhonas que lhe dirigiam e desejou que todos
desaparecessem de sua vista.
Giff notou que Sidony se ruborizava, mas se concentrou
em lady Isobel, que ainda o olhava com curiosidade. Parecia
uma gaivota sobre a corda de um navio, esperando seu
bocado.
— O salmão? Temo que não entenda, talvez possa me
explicar isso sir - sugeriu ela com modesta afetação— . Devo
confessar que sou tão inquisitiva quanto lady Clendenen.
— Na realidade, Isobel me supera com vantagem -
comentou a anfitriã— . Mas responda, por favor. Não consigo
imaginar como um salmão possa enfrentar a um homem e uma
mulher, a menos que ela o tenha roubado. E tampouco posso
imaginar que Sidony faça algo incorreto.

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— Eu tampouco, milady — disse Giff— . Lady Sidony


tinha pescado esse magnífico exemplar antes que eu a
encontrasse. O jantar é mérito dela, não meu. Asseguro-lhe
que não me zanguei com ela por nenhum motivo.
E se esta mentira prejudica minha alma imortal, que assim
seja.
Estudou a Sidony, para comprovar se ela mostrava alguma
gratidão por sua mentira piedosa, mas a moça tinha os olhos
cravados no prato. A taça de vinho estava intacta.
Giff se convenceu de que a provocação de Rob não tinha
sido intencional, assim deixou sua comida e introduziu um
tema mais geral de conversação. Brevemente, o bate-papo se
tornou tedioso, até que por fim terminaram de comer e Hugo
tomou a palavra.
— Logo partiremos milords. Podemos discutir os últimos
detalhes quando já estivermos montados. Pode instalar Giff
em Lestalric, não é, Rob?
— Certamente, e suponho que você também dormirá ali.
— Irei fazê-lo esta noite. Amanhã tenho que retornar para
Hawthornden; do contrário, minha cabeça acabará rodando
pelo chão.
Giff sorriu.
— Sua esposa é tão terrível? Eu gostaria de conhecê-la.
Hugo sorriu por sua vez.
— Talvez a conheça... Em alguma ocasião.
— Nós também devemos partir Sidony — definiu Isobel.

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— Iremos com vocês — comentou Hugo— , para


comprovar que cheguem bem à mansão Sinclair.
— Obrigado, mas primeiro tenho que preparar ao Will e
procurar a sua babá. Esteve bastante rebelde ultimamente,
talvez atrase um pouco. Se quiserem, podem sair primeiro.
Um dos criados de sua senhoria nos...
— Esperaremos - a interrompeu Hugo— . Tampouco
temos tanta pressa. Lestalric não está a mais de duas milhas.
Pode levar todo o tempo que queira com o menino.
Levantaram-se da mesa. Giff notou quanto mais serena que
o resto era lady Sidony, muito mais que as outras duas
mulheres, que pareciam falar sem parar entre elas e com os
homens.
Sidony se atrasou um pouco para que o resto avançasse
para o corredor que dava à escada. De modo que Giff também
deixou passar primeiro o Rob e depois o Hugo, que seguiam
às outras duas mulheres. Mas justo quando se felicitava por
sua manobra, Sidony murmurou que esqueceu a faca na mesa
e retornou ao salão.
MacLennan se movimentou para se afastar do grupo sem
que Hugo notasse. Apressou-se a dirigir-se para o salão. Com
alívio viu a jovem cruzar por um atalho a parte de atrás da
casa.
O céu estava limpo, só algumas nuvens brincavam de
correr pelo horizonte, onde o sol já se afundava, estendendo
seus raios.

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Por um momento, com a luz do sol nos olhos, perdeu-a de


vista e se perguntou se teria entrado uma vez mais no bosque.
Logo a descobriu junto a uma árvore, contemplando as cores
do entardecer.
Quando os passos de Giff soaram no atalho de cascalho,
ela se voltou e o observou aproximar-se com tranqüilidade. Os
últimos raios de sol a banhavam de dourado, da cabeça aos
pés.
— Vejo que não sou o único que queria um pouco de ar
fresco - lhe disse quando estava perto o bastante para falar
sem levantar a voz.
— Seguiu-me — respondeu ela.
Giff queria convencê-la de que a tinha encontrado por
acaso. Mas não pôde. Em lugar disso, preferiu sorrir.
— Assim é. Queria que continuássemos nos conhecendo
um pouco mais. Está zangada comigo?
— Não. Mas estou segura de que Hugo o aconselhou a não
se aproximar de mim.
— Verdade. Do mesmo modo que advertiu você de que
não me provocasse.
Sidony sorriu.
— Você escutou. Naquele momento me perguntei se o teria
feito de propósito.
— Claro que fez de propósito.

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— Na verdade não o teme? Tem um temperamento feroz.


Você mesmo me há dito que o derrubou com um golpe da
última vez que se viram.
— Não o voltará a fazer.
— Parece seguro. Devo confessar que me alegra que não
lhe tenha mencionado que o golpeei. E lhe agradeço isso
também - adicionou depois— , e por não dizer tampouco para
Isobel.
Giff franziu o cenho.
— Hugo seria capaz de te castigar?
— Nunca o fez, mas é bastante severo quando está
nervoso. Suponho que se eu fosse um homem, iria me dar uma
surra. Não entendo como você não teme — repetiu,
inclinando a cabeça— . É porque ele mandou te buscar? Por
que não me disse isso antes?
— É um assunto de homens - respondeu Giff— . Além
disso, não costumo discutir meus assuntos com qualquer
mulher bonita que cruzo no caminho.
Sidony abriu muito os olhos.
— Já cruzou com tantas assim?
Giff riu.
— Dúzias a cada dia. Mas não muitas que fossem tão
bonitas como você esta noite, com esse vestido. Parece uma
ninfa dos bosques. Deveria usá-lo mais freqüentemente.
As bochechas do Sidony se acenderam.
— Por que me diz essas coisas?

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— Porque elas são certas - respondeu ele, perfurando-a


com o olhar. Os olhos da jovem eram tão claros que pareciam
diluir-se na luz. E esse efeito fascinava a Giff.
Sidony umedeceu os lábios, esses lábios carnudos, tão
tentadores. O corpo do Giff se esticou em resposta, cheio de
desejo.
Sidony não sabia o que fazer com ele. Esse homem a fazia
sentir-se arrebatada e um pouco marcada. Um comichão
percorreu seu corpo, quis esticar uma mão, mas não sabia se
era para afastá-lo ou para aproximá-lo mais ainda.
Era alto, de costas largas e musculosas, o tipo de homem
que teria subjugado a qualquer mulher. Parecia não preocupar-
se com o que os outros pensavam dele. Nem sequer tinha
pedido desculpas por sentar-se à mesa com as calças e a
jaqueta de couro que usava fazia dois dias. Embora a camisa
branca contrastasse com sua pele de bronze.
Possivelmente em Galloway os homens não se vestiam de
forma elegante ou possivelmente sir Giffard era pobre.
Envergonhou-se de seus pensamentos. Enquanto ele seguia
lhe cravando os olhos, com esse olhar estranho, faminto.
Devia dar um passo atrás e pôr um pouco de distância, mas
quando estava a ponto de fazê-lo, ele se aproximou ainda
mais.
Segurou-a pela cintura, suave, mas com firmeza, e a beijou.
— Giff! O que faz aí fora?
— É Hugo — murmurou ela, preocupada.

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— Fique atrás da árvore - indicou— . Não a viu.


Sidony obedeceu sem pensar. Era possível que não a
tivesse visto; além disso, Giff era tão largo que podia cobri-la.

— Sim, Hugo — respondeu Giff, dando a volta— . Estou


aqui, admirando o entardecer - e adicionou em voz baixa— :
Tem o sol de frente, fica em silêncio até que ele e eu
retornemos à casa.
— E se pergunta por mim?
— Está pensando em outras coisas neste momento. Duvido
que o faça — respondeu Giff, já se afastando dela— . Está
preparado para partir? — perguntou ao Hugo.
— Sim. Já mandei preparar os cavalos, e Rob está nos
esperando na entrada.
Sidony observou como Giff partia pelo atalho de cascalho
para a casa. Hugo já tinha desaparecido dentro.
Contou até cem e entrou. Encontrou Isobel descendo nesse
momento as escadas, com o menino e a babá. Por sorte, Hugo
não apareceu por nenhum lado.

Quando os últimos raios de sol se afundaram sob o


horizonte, o conde de Fife ordenou aos doze cavaleiros que
avançassem a trote pelo Canongate, da abadia para o St. Giles
e o castelo. Todos estavam bem armados e vestidos de negro.

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83

De Gredin montava junto a ele, adornado com maior


elegância do que de costume.
— Pensei que os monges não permitiam visitas em seus
serviços.
— Eu visito o que quero, goste ou não goste a esse abade
mal-humorado — respondeu Fife— . Uma vez me ameaçou
de me excomungar, mas não me interessa. Prefiro aproveitar o
serviço curto para fazer minha confissão e partir
imediatamente. Além disso, com uma dúzia de homens
armados me esperando no pátio da igreja, o que poderia me
dizer?
— Certamente — comentou De Gredin, em tom alegre— .
Estou agradecido de que me tenha deixado ficar, milord.
Confio em que desta vez conseguiremos nosso objetivo.
— Veremos. Mas não podemos discuti-lo aqui —
murmurou Fife— . Pergunto-me onde estão os navios que me
prometeram.
— Se não me engano, estamos na época de embarque de lã
para países da Hansa — assinalou De Gredin— . Imagino que
chegarão logo. Com todos os navios que alojará Leith Harbor
nos próximos dias, será um bom momento para se adicionar
um ou dois mais.
— Eu encomendei um para mim - comentou Fife, trocando
o rumo da conversa para um tema menos delicado para falar
em público— . O Rainha Serpente já está ancorado na baía de

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Leith. Amanhã o levarei para vê-lo, nem o Papa deve ter um


tão bonito.
De Gredin expressou seu desejo de conhecer o navio, mas
Fife já não lhe prestou mais atenção. Não só tinha agora seu
próprio navio, mas também a promessa do Papa de que o
ajudaria. Em recompensa, pedia-lhe que colaborasse com De
Gredin para recuperar o tesouro templário. Se tudo saía bem
esta vez, o Chevalier o ajudaria a encontrar a Pedra do Destino
da Escócia, algo que Sua Santidade não poderia nunca
reclamar como próprio embora fosse parte do tesouro. Além
disso, se Fife a encontrava, apenas necessitaria do apoio papal
para conseguir a coroa escocesa.
— Me alegro de que tenham saído com vida das terras
fronteiriças, milord — disse De Gredin, retomando a
conversa— . Pretendem retornar logo à área?
— Não. Os problemas constantes ali me servem para
manter aos Douglas ocupados, para que me deixem o caminho
livre por aqui - respondeu o conde, categórico. Não pretendia
dar detalhes ao escorregadio francês. Tinha levado De Gredin
até ali só para mantê-lo vigiado.
— Então espero que tenha planejado agora concentrar toda
sua atenção em nosso objetivo.
— Fala muito — lhe disse Fife, e lhe jogou um olhar
diabólico— . Pratique a virtude do silêncio.
De Gredin assentiu.
— Me desculpem milord. Não quis ser desrespeitoso.

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Fife não fez nenhum comentário. A submissão daquele


homem não lhe surpreendia. Pelo contrário, o fazia desconfiar
ainda mais dele.

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86

Capítulo 5

Depois de ter comprovado que Sidony e Isobel chegavam a


salvo à mansão Sinclair, Giff, sir Hugo, Rob e o guarda
retornaram pelo mesmo caminho e se detiveram em
Canongate, junto à abadia.
— Giff, se quer parar um minuto na igreja e se queixar ao
abade do tamanho das trutas de seu lago, pode fazê-lo -
comentou Hugo como de passagem.
O jovem olhou o jardim da igreja, pensando no barro que
ainda tinha nas calças.
— Na verdade, deveria lhe perguntar por que demônios
não mandou melhorar o sistema de drenagem da área, que está
coberta de lama.
— Vá lá - insistiu Hugo, sorrindo.
— Sei que não me acha capaz — respondeu Giff— . Mas
está enganado.
Rob riu.
— Chega menino impertinente. Não só o abade pode te
acusar de violar seu território, mas também certamente Fife
está por aqui.
— Você acha isso? — Hugo esquadrinhou a área.
— Certamente — respondeu Rob— . O vi cavalgar para
St. Giles, enquanto esperava que vocês saíssem. Trazia seis de

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seus homens consigo bem armados. Esteve-se mostrando


bastante desde sua volta a Edimburgo.
Viraram para o norte na porta da abadia e abandonaram o
território real para seguir o caminho que conduzia a Lestalric e
a doca real oficial, junto à vila de Leith.
Então, Rob falou com tom tenso, muito diferente do que
Giff tinha conhecido até então.
— Fife tinha outro acompanhante.
— Quem?
— Nosso velho amigo De Gredin.
A rudeza de sua voz demonstrava seu desagrado pelo
Chevalier.
— Teria que saber algo sobre esse tipo?
— É o Chevalier Étienne De Gredin — comentou Hugo,
medindo suas palavras— , um parente longínquo de lady
Clendenen.
— Não preste muita atenção a isso — advertiu Rob— .
Ela está aparentada com quase todo mundo de alguma
importância na França e Escócia, até comigo. Mas não confio
nesse homem, parente longínquo ou não. E vocês tampouco
deveriam fazê-lo.
— Eu não acredito que estou conectado com nenhum dos
dois — resmungou Giff, pensativo— . Exceto porque você e
eu somos primos, assim espero...
— Já vê como funciona — o interrompeu Rob com um
sorriso.

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— Seja como for — interveio Hugo— , o assunto é que


De Gredin cresceu na França. Seu pai foi um enviado escocês
na corte francesa, e pelo que parece, o Chevalier se encontrou
ali com algumas pessoas que o convenceram de que o tesouro
templário pertencia à Santa Igreja. Já tivemos algum trato com
os de sua índole. Essa classe de homens acredita que Deus
ampara sua causa, perdoa-lhes tudo o que façam em seu nome,
e que até os recompensará no céu se o servirem.
— Bom tudo isso me parece bastante estúpido. Além disso,
não confio em nenhum desconhecido — afirmou Giff— . Há
algo mais que o faça desconfiar do Chevalier, além de suas
crenças sobre o tesouro e a onipotência divina?
— Em princípio, sua aparente amizade com o Fife —
assinalou Hugo— . Tiveram um percalço grave faz um ano,
De Gredin chamou Henry Sinclair para que o ajudasse.
— Que classe de percalço? — perguntou Giff.
— Bem, quando Fife tentou prender Adela, o francês
interveio.
— Eu intervi — esclareceu Rob, sério— . De Gredin
demonstrou ser útil até certo ponto, mas não fez nada para
impedir que Fife pendurasse Adela a trinta metros sobre o rio
Esk, ameaçando-a de deixá-la cair se continuava negando-se a
contar o que sabia.
— Por todos os diabos, deve ter ficado aterrorizada! —
exclamou Giff, surpreso de verdade.

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— Sim — resmungou Rob— . Suspeito que depois disso,


quando De Gredin soube que Fife falharia, quis congraçar-se
conosco. E funcionou. Henry o levou para Girnigoe.
— Henry se sentiu obrigado a levar-lo para o tirar do
alcance de Fife - explicou Hugo.
— E como Chevalier acha — adicionou Rob com
sarcasmo— , como Fife, que os Sinclair têm o tesouro, não se
deterão até encontrá-lo. Deve sentir-se bastante chateado por
não havê-lo conseguido ainda.
— Henry foi amável ao lhe oferecer seu amparo — opinou
Giff— . Mas então, por que De Gredin se arriscaria a
enfrentar-se de novo com Fife? Por outro lado, por que o
conde confiaria nele desta vez?
Hugo lançou ao Rob outro de seus olhares cúmplices.
— Porque ambos — esclareceu este último— devem
aproveitar algo que os aproxime ao menos um passo a seus
objetivos.
— Encontrar o tesouro templário — concluiu Giff— . Está
claro que Fife representa uma ameaça. Nas terras fronteiriças
escutei que faz desaparecer a qualquer um que simplesmente o
faça ficar com raiva. E outros acabam morrendo subitamente e
sem razão.
— Sim - concordou Hugo— . O pai e o irmão de Rob
foram duas de suas vítimas.
— OH, sinto muito, Rob — se apressou a dizer Giff— .
Não sabia.

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— Todos conhecemos muito bem os desejos do conde -


replicou Rob— . Quer dirigir a Escócia por completo.
— Mas é ingênuo de sua parte acreditar que o Parlamento
o apoiará só porque encontrou o tesouro, em caso de que o
tesouro exista - definiu MacLennan.
Os outros dois se mantiveram em silêncio.
— Por favor! Pretendem-me dizer que existe de verdade?
— Existe — asseverou Hugo— . Deve sabê-lo, ao menos
para tratar com maior respeito seu desejo de encontrá-lo.
— E você sabe onde está?
— Nenhum de nós dois sabemos - respondeu Hugo com
firmeza.
— E Henry?
— São meras especulações. Não está previsto que
saibamos essas coisas.
Mas a mente de Giff corria como em uma carreira.
— Malditos — disse em seu habitual tom zombador— .
Não se trata do tesouro, não é? Embora Fife pudesse pôr as
mãos em cima, com isso não conseguiria o trono. Nenhum
nobre com bom senso permitiria que um homem com tanto
poder se convertesse em rei.
Nenhum de seus companheiros falou.
— É a Pedra do Destino — concluiu Giff então— . Devia
havê-lo imaginado do começo. A popularidade de Fife no
Parlamento subiria até o céu se conseguisse trazer de volta a

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pedra para Escócia. Mas primeiro terei que supor que alguém
antes a tivesse trazido de volta de Westminster até aqui.
— Já lhe disse antes - se enervou Hugo— . A pedra nunca
saiu da Escócia.
— Sim, já me disse, mas me pareceu algo difícil de
acreditar - respondeu Giff com franqueza— . OH, não fique
tão tenso agora, Hugo. Não duvido de sua honestidade, é só
que... Por Deus, homem, a maldita dessa coisa esteve perdida
durante... Quanto? Uns oitenta e cinco anos, não?
Hugo assentiu.
— E você acha que o rei Eduardo da Inglaterra, chamado
«o Martelo» pelos escoceses, era tão tolo para haver levado a
pedra errada?
— O abade de Scone recebeu uma carta umas semanas
antes, lhe advertindo que Eduardo queria nos arrebatar a pedra
- explicou Hugo— . Então interveio com Robert Bruce. Antes
de morrer, Bruce encarregou o cuidado da pedra a dois
templários sob a promessa de que não revelariam jamais onde
estava até que o trono de Escócia estivesse seguro das
ameaças inglesas. Todos os cavalheiros templários devem
acatar a essa mesma promessa.
— E os quais eram esses dois cavalheiros de tanta
confiança que ajudaram ao Bruce?
— Você quer saber, bem como para integrar o grupo
templário dedicado a proteger a pedra? — perguntou-lhe Rob

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com calma— . Poderá manter o segredo embora Fife te


coloque as mãos em cima?
Giff meditou um momento. Recordou que para o grande
mestre da Ordem tinha sido impossível manter silêncio sob
tortura. Jacques de Molay até tinha aceitado as falsas
acusações de heresia que os torturadores tinham lhe imposto.
Enfim, antes de morrer, retratou-se, mas sua negativa não
tinha ajudado a ninguém.
— Não — negou Giff— , seria pouco prudente. A menos
que o necessite para conseguir nosso objetivo.
— Não se preocupe, você não o precisa - afirmou Rob, e
Hugo assentiu também.
— Pois bem, onde está a pedra agora e como a moveremos
de lugar?
— Temos um plano e várias opções — prosseguiu Hugo—
. Mas primeiro precisamos averiguar o que estão planejando
Fife e De Gredin.

— Bem - acrescentou Rob— , é possível que Fife esteja


tentando angariar informação de Girnigoe e de Orkney através
de Gredin, e que logo pretenda enviar navios e uma boa
quantidade de homens em busca do tesouro, porque acredita
que a pedra está escondida entre outros objetos do tesouro.
— Mas isso não explica o acordo entre De Gredin e Fife -
interveio Hugo.

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— Não - concordou Giff— , pois se Fife tiver juízo para


desconfiar dele, por que deveria acreditar em uma só palavra
sobre sua estada com Henry? Mas acredito que deveria
suspeitar da mão de Henry em qualquer dos planos que De
Gredin lhe sugira.
— Fife suspeita de todos — disse Hugo— . Pôs espiões a
nos seguir os passos, também durante o último ano, enquanto
ele estava em suas longas expedições nas terras fronteiriças.
Entravam e saíam da garganta de Roslin e nós fingíamos não
vê-los. Não nos incomodavam. Mas não podemos permitir que
isto ocorra novamente se planejamos mover a pedra.
— De modo que a pedra está perto de Roslin — concluiu
Giff.
— Exato, e quanto mais precauções tomarmos, mais
suspeitará Fife de nós — deduziu Rob— . Aí está Lestalric —
acrescentou— . Além da colina.
Giff tratou de reconhecer algo na crescente penumbra.
Avistou a íngreme encosta de uma colina, com um bosque
denso a seus pés. Apenas se pôde distinguir o perfil de um
castelo no topo da elevação.
Um momento mais tarde, quando entravam na escuridão do
bosque, Rob disse:
— Acredito que o primeiro que devemos fazer é te polir
um pouco, Giff. Logo, o rei e seus homens retornarão para
Edimburgo de Stirling, o que significa que Fife ficará por
aqui, ao menos um tempo. Convém que todos achem que você

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94

está conosco por essa mesma razão, até que possamos


finalizar os detalhes para mover a pedra. Espero que desfrute
da vida da Corte.
— Ela me aborrece — bufou Giff, mas nesse mesmo
momento se perguntou se lady Sidony costumava ir a Corte
em alguma ocasião, com seus cabelos de ouro e seu vestido de
ninfa. Encantado com a imagem da jovem, não percebeu que
Rob esperava uma explicação sobre sua atitude para a Corte.
— Possivelmente não seja tão ruim ir um par de vezes, ao
menos para averiguar o que Fife está planejando — aceitou
então distraidamente.

Na casa dos Sinclair, Sidony chegava a uma conclusão


similar. Possivelmente deveria ir uma ou duas vezes a Corte,
para ver com quem se encontrava.
Depois de assegurar-se de que o pequeno William Robert
dormia tranqüilamente, embora algo inquieto, em seu berço,
retirou-se ao solar das mulheres. Isobel estava sugerindo que
considerasse a possibilidade de arrumar alguns de seus
vestidos para a Corte, mas Sidony parecia discordar.
— Sabe que eu não gosto de fazer parte de todo esse
barulho.
— Bom, não é um lugar para a reflexão — lhe concedeu
sua irmã.

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95

— Reflexão? — questionou-lhe Sidony, com um grunhido


pouco amável para uma dama— . Os homens do rei se
comportam como se tivessem sido criados em um chiqueiro. E
só querem arrancar nossa roupa e a bebida uns dos outros.
Não me ocorre por que uma pessoa nobre deveria desejar
participar
— Devemos oferecer nossos respeitos a Sua Majestade -
indicou Isobel seriamente— . Recorda que a condessa Isabella
logo estará na cidade, e jamais permitirá que fiquemos em
casa enquanto ela esteja na Corte.
Sidony se resignou. Sabia que a mãe de Michael, a
poderosa condessa proprietária de Strathearn e Caithness,
desejaria que a acompanhassem a Corte Real, embora não
fosse mais que para aumentar o esplendor de seu séquito.
Isabella se considerava mais nobre que qualquer um dos
outros membros da família real.
— Acha que Michael chegará a tempo para nos
acompanhar? — perguntou ela.
— Depende de como estejam seus assuntos.
— Disse que só iria até Glasgow. Eu acredito que já
deveria ter retornado.
Isobel encolheu os ombros e recolheu o bordado.
— Mencionou que pensava apresentar seus respeitos ao
MacDonald.
— O rei das Ilhas, em Ardtornish? Por Deus, gostaria de
ter ido com ele. Michael poderia ter me levado para casa!

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— Não seja tola — respondeu Isobel, pegando a agulha—


. Supõe-se que MacDonald está em Finlaggan, e Ardtornish
fica muito longe de Glenelg.
— Mas possivelmente tenha avançado ainda mais ao norte.
A distância não deve ser tão grande.
— Não pode esperar que a leve com ele, querida, qualquer
seja o caso. Se viajou para as Ilhas, sem dúvida tinha assuntos
importantes que resolver.
— E conhece esses assuntos?
Isobel lhe lançou um olhar frio.
— Se soubesse — respondeu com calma— , não lhe diria.
Eu não gosto de cochichar sobre os assuntos de meu marido
com ninguém.
Sidony se sentiu envergonhada.
— Tem razão. Não deveria ter perguntado.
— Não se preocupe - sorriu com ternura— . O que acha se
dizemos à costureira que troque o laço de seu vestido azul?
Sidony escolheu não resistir. Aceitou completamente todas
as sugestões sobre quais vestidos devia usar na Corte, mas as
palavras de sua irmã soavam como um longínquo murmúrio.
Seus pensamentos tinham retornado aos interessantes
acontecimentos daquele dia e para sir Giffard MacLennan.

Na manhã seguinte, o conde de Fife e seus homens


atracaram no porto de Leith uma hora e meia depois do

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serviço. O ar estava úmido, embora depois da leve garoa do


dia anterior não havia voltado a chover, talvez pela intensa
neblina.
Fife entrou à cavalo na zona portuária. Logo que sentiu a
umidade, levantou a gola de pelo da Marta de seu casaco.
Baixou o chapéu diante a água que se agitava no estuário.
— O que é isso? — quis saber De Gredin, puxando as
rédeas junto a ele.
— Apresento-lhes a Sua Majestade, o Rainha Serpente —
com um gesto exagerado, Fife assinalou seu novo navio,
ancorado perto do limite leste da concorrida baía, fora do
alcance dos timoneiros descuidados.
— Parece-se com alguns dos navios mais novos do
príncipe Henry — observou De Gredin.
— Quero que se misturem com eles quando saírem para o
norte - explicou o conde— . Eu espero que quando se referir a
esse sujeito imprudente o chame de «conde de Orkney» se é
que precisa mencioná-lo.
— Certamente — respondeu Chevalier— . É só o hábito,
em Orkney, as pessoas usam o título de príncipe para referir-
se a ele. Além disso, na França, alguém se esquece de que os
escoceses não têm príncipes, que a fila maior é que vocês
ostentam.
Fife grunhiu como resposta; tinha os olhos fixos em seu
esplêndido navio. Era uma das galeras maiores e mais velozes

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do oeste. De fato, incluía um espaço de carga suficientemente


amplo para acomodar a pedra.
— Me falem mais a respeito dele - sugeriu De Gredin— .
Quantos metros têm?
— Vinte metros, acredito, e dezesseis remos, como
comprovaremos em poucos minutos — respondeu com certa
relutância.
O capitão e o construtor lhe tinham dado muitos detalhes
sobre o navio, mas como ele não era dedicado ao mar e nem
sabia navegar, apenas se recordava de alguns deles.
— Ah, já nos viram e estão preparando um bote para nos
buscar.
Fife, que nunca tinha aprendido a nadar, detestava botes
pequenos como a pequena embarcação de madeira que
avançava agora para recolhê-los na margem.
Enquanto os homens lutavam para subir a barcaça até os
pedregulhos, um menino saltou a terra e correu para eles.
Despenteado, com seus cachos escuros mexendo a cada passo,
avançava com toda pressa. Usava umas calças longas e um kilt
escocês, que se agitava ao redor de seu corpo.
Quando alcançou ao Fife, um dos panos tinha se enroscado
ao redor dos tornozelos. Agachou-se para arrumar sem tirar os
olhos de cima do conde.
— Bom dia, milord Fife. Enviaram-me para saudá-lo. Ele
teria vindo em pessoa, disse, mas você deu isso ordem de que
não saia do Rainha até que zarpemos.

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— Assim que você é o filho do capitão Maxwell? —


perguntou Fife com certa repugnância, quando o menino se
levantava— . Como é seu nome, moço?
— Jake Maxwell, milord — disse o menino, e deu uma
olhada ao resto do grupo— . Quantos levaremos a bordo? A
barcaça não pode transportar a todos em uma só viagem.
Fife olhou o bote com desaprovação. Dentro havia seis
remadores musculosos, e a água da baía estava bastante
tranqüila, mas não via nenhum motivo para sobrecarregar a
embarcação. Fez um gesto assinalando a De Gredin.
— Só este homem e eu. Queremos ver que outras coisas se
necessitam antes de zarpar. Pretende viajar conosco, Jake
Maxwell? — adicionou depois, com algo de bom humor.
— Claro que sim, milord — respondeu o rapazinho para
sua surpresa.
— Parece-me que seria melhor que ficasse em casa, mais
seguro, junto a sua mãe.
— Minha mãe está morta, milord — informou Jake. Meu
pai está me ensinando tudo para me fazer capitão de um
grande navio algum dia. Quer subir agora a nossa barcaça,
milord?
Fife duvidou, observando a distância entre a costa e o
navio.
— É um grande navio, não é, milord? — opinou com
orgulho.

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— Sim o é — lhe respondeu Fife— . Vamos, Jake


Maxwell, diga a esses homens a seu encargo que remem com
força. Não tenho vontade de passar o dia com isto.
— Sim, senhor, o direi em seguida — respondeu Jake e,
sorrindo, correu a lhe obedecer.

Na casa dos Sinclair, Sidony começava a sentir-se


estranhamente aflita. Não só porque o céu naquela tarde de
sexta-feira não tinha clareado, mas sim porque até então
unicamente tinha visto sua irmã Isobel, ao filho de Isobel e a
alguns criados. Seu pouco interesse sobre os vestidos da Corte
tinha desaparecido por completo, e graças às dificuldades de
seu sobrinho com a saída incipiente de seus dentes, isso sem
mencionar as duas noites que, como conseqüência disto, tinha
deixado sem dormir aos habitantes da casa, nada podia
dissipar seu tédio crescente.
— Pergunto-me por que não vieram nem Rob nem Hugo
nos visitar — disse para Isobel enquanto desfrutavam de uns
minutos de tranqüilidade no solar das mulheres, depois do
almoço— . Lembra que ambos prometeram passar para te ver
freqüentemente enquanto Michael estivesse fora.
— Mas só faz três dias que não os vemos.
— Possivelmente deveríamos ir até Lestalric esta tarde e
comprovar que todo anda bem.

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— Hoje não — se negou Isobel, olhando pela janela— .


Parece que vai chover, e não penso em chegar a Lestalric
ensopada até os ossos. Tampouco me parece que Will vá
desfrutar de uma saída em seu estado.
— Então o deixa com a babá — sugeriu Sidony. Quando
Isobel a olhou surpreendida, acrescentou— : Pareço uma
caprichosa, eu sei, e lamento-o. Mas me sinto tão cinza quanto
o dia. Eu só gostaria que alguém viesse nos visitar.
— Iremos à igreja de St. Giles no domingo - recordou
Isobel— . Ali irá ver a quase todos os que conhecemos na
cidade. E na próxima semana, no jantar de Adela...
— Não quero esperar — respondeu Sidony— . Quero falar
com alguém.
Isobel a estudou com atenção.
— Asseguro que Ealga virá nos visitar também. Não deve
sair sozinha, a menos que queira que Hugo volte a zangar-se
com você. Mas se preferir, posso mandar um par de criados
para que a acompanhem a vê-la.
Sidony estava a ponto de rebater a proposta, mas se
conteve, não só porque não lhe agradava o tom de seus
próprios pensamentos, mas sim porque tinha lhe ocorrido que,
como lady Clendenen tinha um ouvido especial para as
fofocas, com gosto comentaria as novidades mais
interessantes.
De modo que sorriu e respondeu:

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— É uma excelente ideia. Não posso recordar quando foi a


última vez que tive um humor assim. Por favor, me desculpe
por ter sido tão grosseira, Isobel.
— Não se preocupe — respondeu Isobel, rindo— .
Quando vir Ealga, saberá onde se esconderam nossos homens.
É obvio, Isobel sabia que esses mesmos homens eram os
que tinham deixado Sidony de semelhante humor, mas ela
decidiu ignorar o olhar atento e a risada de sua irmã. Enquanto
subia a seu quarto para arrumar o cabelo, decidiu que o
vestido rosa e o corpete cinza eram elegantes o bastante para
fazer uma visita a sua senhoria.
Vinte minutos mais tarde lady Clendenen a recebia com
um abraço em sua sala privada. Sidony permitiu a sua anfitriã
guiar a conversa, até que mencionou que o rei estava a ponto
de retornar a Corte Real.
— Juro que não me importam essas coisas — confessou a
jovem— . Mas reconheço milady, que necessito alguma
distração. Sem o Michael e outros, a mansão Sinclair se
converteu no castelo do aborrecimento. Além disso, estão
saindo os dentes do pobre Will e Isobel e eu mal temos alguns
momentos para falar entre nós. Pensávamos que Rob e Hugo
passariam mais freqüentemente, mas suponho que a estas
alturas Hugo já se foi para casa e Rob...
Lady Clendenen falou só quando a jovem tomou ar para
prosseguir.

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— Na verdade, Hugo partiu a casa na quarta-feira pela


manhã para finalizar os acertos para a viagem de Isabella à
cidade. Já viu como viaja ela, com seus lençóis e seus móveis
favoritos, como se se esquecesse do quão confortável é a
mansão Sinclair. Sempre viaja com um séquito enorme, e seu
marido deve assegurar-se de que tudo saia bem.
— Rob foi com ele? — perguntou Sidony— . Se Adela
ficou em casa só com a pequena Ana, certamente estará tão
aborrecida como nós.
Lady Clendenen a estudou com uma expressão similar a de
Isobel.
— Rob não partiu, e tampouco esse bonito cavalheiro que
o acompanha, sir Giffard MacLennan. Virão conosco a Corte.
Sir Giffard não deve ter trazido muita bagagem, pois veio ao
galope desde Galloway até aqui.
— Possivelmente também vão a St. Giles no domingo -
murmurou Sidony.
— OH, duvido-o - respondeu sua senhoria— . Bem, a
sobrinha de minha ama de chaves está empregada no
Lestalric, e lhe disse que Rob e Giff planejavam viajar para
Roslin esta mesma tarde, sem dúvida para ajudar ao Hugo.
Disse que retornariam amanhã de noite, mas o acho pouco
provável, porque Isabella gosta das grandes comitivas, tanto
por segurança quanto para mostrar seu poder. E se ela pedir
que fiquem até sua partida, suponho que não poderão negar-
se.

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104

— E quando ela planeja vir à cidade?


— Na quarta-feira, acredito.
A perspectiva de cinco dias mais de aborrecimento inspirou
em Sidony um desejo de rebeldia infantil, que mal pôde
controlar a tempo. Despediu-se carinhosamente de sua anfitriã
uma hora mais tarde e retornou à mansão Sinclair.
No caminho, lhe ocorreram várias coisas, nenhuma que
fosse do gosto de sir Hugo, e uma só que possivelmente seria
aceita por Isobel.
Encontrou a sua irmã cansada e tratando em vão de
acalmar a seu filho, que sofria a todo pulmão a aparição dos
primeiros dentes.
— Deixe-me ficar com ele um pouco, querida - se ofereceu
Sidony— . Vem um momento com tia Sidony, Will?
Quando a jovem estirou os braços, o menino se acomodou
contra seu peito e ficou mordendo o punho.
— Como é isso? Vêm comigo e descansa.
— Me alegro de que tenha retornado — suspirou Isobel,
agradecida— . Esteve chorando quase desde que saiu, e não
quer saber nada de sua babá. Mas sempre fica contente
contigo.
Sidony não se atreveu a se vangloriar de que ela sim sabia
confortá-lo, diferente dessa rude matrona que se fazia de babá.
Deu voltas com ele em seus braços enquanto o menino seguia
mordendo o punho. Depois de um tempo, voltou a pensar em
alguns planos para entreter-se, mas nenhum conseguia

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convencê-la. Uma e outra vez lhe aparecia à intrusa imagem


de sir Giffard MacLennan na mente, e cada vez que isto
acontecia, precisava repetir que não tinha nenhum interesse
nesse homem. Só queria pensar em algo um pouco mais
interessante que lutar com bebês chorosos ou trajes femininos.
Esperou que Will dormisse de puro cansaço e Isobel
tivesse tempo para relaxar, jantar, e desfrutar de sua taça de
vinho.
— Necessitamos uma pausa, querida — suspirou Sidony
enquanto se levantavam da mesa— . O que você acha se
amanhã fizermos uma cavalgada até Hawthornden, para
visitar a Sorcha? Estava pensando em que...
— Por Deus, não estava pensando de maneira nenhuma -
respondeu Isobel— . Como te ocorre que possa deixar ao Will
no estado em que está? Surpreende-me sua atitude pouco
considerada.
— Sei. Desculpe - respondeu a jovem, tentando suprimir o
sentimento de culpa— . Mas embora eu queira tanto a você e
quanto ao Will, e embora não entenda a mim mesma, estive
me sentindo asfixiada nestes últimos dias, eu necessito de uma
pausa. Certamente você entenderá. Lembra como costumava a
correr velozmente com seu cavalo, depois de um dia de chuva
em Chalamine, se o castelo estava cheio de gente? Além
disso, já pensei em tudo. Podemos levá-lo conosco. Sabe que
gosta de montar, e o distrairá de seus dentes.
— São seis milhas até Hawthornden. É muito longe.

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— Dormirá a maior parte da viagem.


— Mas não dormirá na volta, e se passarmos a noite no
castelo de Sorcha, teremos que permanecer ali até segunda-
feira, porque ela e Hugo sempre assistem a missa em Roslin, e
certamente Isabella irá querer que nós façamos o mesmo.
— Não havia pensando nisso — reconheceu Sidony— .
Mas se Michael não estiver, não haverá nenhum motivo
importante para retornar antes da segunda-feira. O jantar de
Adela é na terça-feira, e a Sorcha não se incomodará de nos
ter em sua casa. Tampouco Hugo.
— OH, sim que lhes incomodará — respondeu Isobel— .
Esquece que ainda não têm filhos e que Hawthornden não é
tão grande como Roslin ou Sinclair. Acha que algum dos dois
gostará de escutar os berros do Will durante toda a noite,
como veio ocorrendo estes últimos dias? Teríamos que levar
também à babá, e ela teme mais aos cavalos do que a pagar
seus pecados - acrescentou finalmente, como argumento
decisivo.
Sidony sentiu o impulso de voltar a desculpar-se.
Obedeceu a sua irmã, baixou a cabeça e cruzou as mãos sobre
o colo.
— Agora sou eu a que está sendo rude - Isobel se
enterneceu com a imagem infantil de sua irmã, parecia tão
decepcionada— . Sei que você gostaria de estar em casa, nas
Terras Altas, e sei que não deveria depender tanto de você

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para cuidar do Will. Deveria estar desfrutando de seu tempo


aqui, e não trabalhando de babá.
Sidony mordeu com força o lábio. Nunca antes tinha
ignorado um pedido de nenhuma de suas irmãs, não sabia que
estranho demônio a possuía e a impulsionava a rebelar-se
desta maneira.
— Não convém que vá sozinha ao Hawthornden -
prosseguiu Isobel— . Mas pode pegar dois criados e montar
até Lestalric para visitar a Adela e Rob. Pode passar um dia
fora. Quando retornar, Will estará muito melhor.
Uma vez mais, Sidony sentiu a necessidade de voltar atrás.
Mas se o fazia, durante muito tempo não voltaria a encontrar a
força para impor sua vontade.
— Tem certeza, Isobel? — murmurou— . Serio?
— Sim, querida, estou certa — respondeu sua irmã com
seu cálido sorriso.
Se Will chorou essa noite, Sidony não o escutou. Tudo
seguia em silencio na manhã seguinte, quando colocou seu
vestido verde de montar, pegou um pãozinho da cozinha como
café da manhã e correu ao estábulo para ordenar que selassem
seu cavalo favorito.
Os dois criados acostumados pela imperiosa condessa, suas
noras e o costume de seus filhos a não questionaram as ações
das mulheres da mansão Sinclair, selaram os cavalos para eles
quando Sidony lhes advertiu que a acompanhassem.

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A jovem duvidou só um momento, quando chegou até a


entrada de Canongate. Deu uma olhada para o leste,
agradecendo que os aposentos de Isobel não dessem para a
estrada, e virou para St. Giles. Logo estava fora da cidade.
Depois de tudo, Isobel não a tinha proibido de ir para o sul, só
tinha assumido que não o faria.
Manteve um bom ritmo enquanto cruzava o rio e avançava
para a colina mais à frente. Na estrada havia muitas carretas
carregadas de lã, ovelhas e viajantes.
De repente lhe ocorreu que talvez Sorcha não estivesse em
Hawthornden. Dado que o castelo ficava só a uma milha de
Roslin, Isabella certamente tinha solicitado também a ajuda de
Sorcha. Entretanto, Sidony seguiu avançando.
Sentia-se maravilhosamente livre, embora um pouco
culpada ainda.
Suas irmãs sempre tinham imposto seus desejos por cima
de todo o resto, mas desde pequena, ela tinha sido diferente.
Uma meia hora mais tarde, chegaram à estrada que seguia
o curso da margem leste do rio North Esk e empreenderam a
subida para a garganta de Roslin. Não muito depois,
encontraram-se com um pequeno grupo de homens armados
de sir Hugo. Mas como a reconheceram, não puseram
objeções em deixá-la passar.

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Giff tinha passado uma boa parte dos últimos três dias
zombando da pretensão de Rob em melhorar seu aspecto para
que pudesse apresentar-se na Corte Real. Suspeitava que
fossem levá-lo até ali várias vezes, antes que movessem a
pedra, se é que aquela pedra era a verdadeira, algo que Giff
não acreditaria até que a visse com seus próprios olhos.
Rob também o tinha acompanhado até Leith Harbor para
verificar se algum dos navios ancorados na baía reunia os
requisitos de Giff. Logo descobriu mais de um que poderia ser
útil.
De qualquer forma, sem conhecer a carga, sentia-se
despreparado para julgar as qualidades das embarcações com
um certo grau de certeza. Assim foi que ambos partiram na
tarde anterior para Roslin. Quando chegaram ali, souberam
que Hugo tinha disposto guardas ao longo de todo o
desfiladeiro para deter qualquer visita indesejada antes da
partida de Isabella.
— É uma boa desculpa para exibir esta quantidade de
guardas - explicou Hugo— . Com Fife na cidade, ultimamente
não vemos a muitos de seus homens rondando pela área. Mas
escutei que tinha planejado viajar para o norte logo,
certamente para incomodar ao Henry.
— Sempre que estiver longe de meu caminho enquanto
navego para o oeste, não tenho objeções — comentou Rob.
— É obvio — concordou Hugo— . Mas você tem que
manter um olho nele durante a viagem. E se seu bonito navio

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está ancorado na baía de Sinclair quando chegar ali será


melhor que siga seu curso sem se deter até Girnigoe.
— O novo navio de Fife está no embarcadouro de Leith?
— perguntou Giff— . Como é?
Hugo se encolheu de ombros.
— É uma mescla entre galera e navio mercante.
Certamente, não é tão bom.
— Preferiria para mim uma rápida galera do oeste —
comentou Giff— , mas como desconfio que nossa carga não
será tão fácil de transportar...
— Logo poderá julgá-lo com seus próprios olhos e saberá o
que necessita — o interrompeu Hugo, em tom severo.
Por isso no sábado no meio da amanhã se encontravam
Giff, Hugo e Rob de pé ante uma alta rocha, em uma garganta
cheia de árvores espessas.
Sem dizer uma palavra, Rob deslizou uma mão pela aresta
mais próxima da rocha, demorou um instante na base, logo se
levantou, tomou a borda com as duas mãos e puxou com
força.
A rocha se moveu, deixando à vista uma passagem larga o
bastante para que passasse uma pessoa.
— Por aqui — indicou Rob depois de que Hugo lhe
estendesse uma tocha acesa.
Acostumado como estava ao mar aberto, Giff detestava os
lugares fechados. Mas quando a luz do dia desapareceu,
deixando à vista unicamente a tocha, uma grande curiosidade

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diluiu seu mal-estar. Ele e Hugo seguiram Rob dentro do


passadiço.
Viraram para um lado e para o outro. A tocha crepitava
impaciente enquanto Rob seguia avançando. O piso era
estranhamente liso e sem obstáculos.
Os ombros largos de Rob não lhe deixavam ver mais
adiante, mas finalmente o guia se deteve, elevou a tocha mais
alto e anunciou.
— Aí está Giff, ali adiante.
MacLennan descobriu que a passagem se converteu em
uma ampla câmara. Sentiu um calafrio ao fixar seus olhos
sobre o objeto que lhe indicavam.
— Deus me abençoe - murmurou.

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Capítulo 6

Parecia irreal que Giff estivesse contemplando a verdadeira


pedra da coroação da Escócia.
A primeira vista, impunha-se por sua majestade. De
mármore ou basalto polido, de uns cinqüenta centímetros de
comprimento, e quase um metro de largura, bem esculpida,
com desenhos que dançavam sob a luz da tocha, o bloco
principal estava apoiado sobre uns pés que pareciam de águia,
mas os cantos dianteiros pareciam mais com as pernas de um
réptil, possivelmente de um lagarto.
— Parece terrivelmente pesada — resmungou, inclinando-
se para tocá-la.
Por um segundo duvidou, mas como nem Hugo nem Rob
fizeram nada para impedi-lo segurou-a por uma extremidade
com ambas as mãos e tentou movê-la.
— Pesa como uma tonelada.
— Menos de um quarto de tonelada, eu acho — comentou
Rob— . Acredito que seis homens poderiam tirá-la daqui. Se
esse par de garras a cada lado são tão fortes como parecem,
será fácil amarrar duas varas para o transporte.
— Mandamos cortar algumas para esse propósito —
comentou Hugo.
— Assim tem certeza de que esta é a verdadeira Pedra do
Destino — disse Giff, agachando para ver melhor.

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113

Agora já quase não tinha dúvidas de sua autenticidade.


Passou uma mão pela suave superfície e deteve os dedos no
que parecia a marca de um pé, e ele imaginou reis antigos a
ponto de ser coroados, admirando aquela peça única tal como
ele fazia agora.
— Henry disse que se assemelha à pedra esculpida nos
tempos antigos — comentou Hugo— . Os mais modernos
mostram um trono mais alto, com o pé do rei sobre uma
cadeira. O príncipe acredita que Eduardo levou a errada só
porque as pessoas não tinham visto a verdadeira durante
muitos anos.
— Você concorda em fazer o trabalho? — adicionou Rob.
— Eu o farei — declarou Giff. Estava disposto a lutar
contra qualquer um que tentasse impedir-lo— . Posso fazê-lo.
E não conheço ninguém em quem pudesse confiar mais para
protegê-la.
— Então acredito que deveria saber tanto do assunto como
podemos dizer — disse Rob ao Hugo— . Depois de tudo,
estará arriscando sua vida, tanto como a pedra.
— Tem o direito a escolher quanto quer lhe contar —
respondeu Hugo— . Você é o que ama os segredos e o que
menos interesse tem em revelá-los.
Rob se voltou para onde estava Giff.
— O abade de Holyrood me disse que quando chegaram
notícias à abadia de Scone, em 1296, de que Eduardo da
Inglaterra pretendia levar a pedra para seu país, o abade de

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114

Scone recorreu ao abade de Holyrood, que então era sacerdote


de Lestalric. Ele concordou em ocultar a pedra se
conseguissem transportá-la antes que Eduardo chegasse até a
Lothian. O abade que hoje está em Holyrood servia a nosso
homem quando Eduardo III da Inglaterra partiu sobre Escócia
em 1329. Os dois sacerdotes acudiram ao Bruce, pois os
ingleses já tinham saqueado a abadia de Melrose, e todo
mundo acreditava que estavam caminho de Holyrood. Assim
Bruce recomendou que confiassem seu problema a dois de
seus camaradas mais leais.
— Se Lestalric contribuiu com o abade, então...
Rob completou a frase com evidente resistência.
— Na verdade, foi meu bisavô, sir Robert Logan. O
mesmo que tentou levar o coração de Bruce para Terra Santa
depois de que tinha morrido, e que morreu no caminho sem
consegui-lo. Entretanto, revelou o segredo a seu filho, meu
avô, antes de partir, e meu avô me revelou.
Giff franziu o cenho.
— Há outros dois grandes nomes associados a essa mesma
missão, e ambos morreram também na Espanha.
— O bom sir James Douglas e sir William Sinclair.
— Não vou perguntar quem foi o outro confidente, porque
suspeito que não possa revelá-lo, mas acredito que me
desculpará se tento adivinhá-lo - disse Giff.
— O importante agora é afastar a pedra das garras do Fife.

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— Dado que suspeita dos Sinclair e está intrigando contra


Henry, suponho que não irá querer que a leve para Girnigoe
ou para Orkney. Onde poderia estar segura? O único homem
poderoso o bastante para mantê-la afastada de Fife é o senhor
das Ilhas.
— Não, não deve ir parar nas mãos do Donald - objetou
Hugo.
— Aonde então?
— A um homem conhecido por sua lealdade, que também
é membro da Ordem — respondeu Hugo— . Levará a pedra
ao Ranald das Ilhas.
Giff voltou a franzir o cenho.
— Sei muito bem que Ranald é leal. Mas também deve
fidelidade a seu meio irmão menor. Apoiou as reivindicações
do Donald enquanto lutava para converter-se no segundo
senhor das Ilhas, apesar de que quase todos os nobres
insistiam em que o mesmo Ranald fosse coroado.
— Apoiou ao Donald porque assim o queria seu pai —
esclareceu Hugo— . Mas Donald não é membro de nossa
Ordem. Além disso, é neto do rei dos escoceses e sobrinho de
Fife. Mas como a mãe de Ranald é uma Macruari e não uma
Stuart, ele não compartilha esse vínculo com o rei nem com
Fife.
— Poderemos discutir mais sobre o tema quando retornar
Michael — se impacientou Rob— . Partiu para o Eigg faz
duas semanas para falar com Ranald. Mas agora acredito que

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deveríamos ir embora. Alguém poderia ver nossos homens na


entrada do bosque e perguntar-se se realmente só estão
pescando.
— Viu o suficiente, Giff? — perguntou-lhe Hugo.
— Sim — respondeu Giff, satisfeito— . Têm algum plano
de como tirar-la da garganta?
— Fizemos muitos planos, que dependem de quando possa
zarpar. O que precisamos saber é se pode carregá-la em uma
embarcação.
— Se conseguirem transportá-la até o navio sem uma
horda de homens do Fife te pisando os calcanhares, eu poderei
carregá-la sem problemas — respondeu Giff— . Estou
pensando que seria preferível outro embarcadouro diferente do
de Leith, especialmente se o navio de Fife permanecer
ancorado ali quando estivermos preparados para nos mover.
— Todos teremos uma visão melhor quando tivermos
encontrado o navio e escutarmos as notícias que Michael traz
de Ranald - disse Rob, impaciente para sair da caverna.
Já na entrada, colocaram a rocha em seu lugar e amassaram
folhas e ramos na base, para apagar os rastros.
Retrocederam pelo estreito atalho e saíram junto à garganta
do rio, onde os homens de Hugo já tinham abandonado as
varas de pescar e montaram em seus cavalos.
— Algum sinal de visitantes? — perguntou Rob depois de
montar seu próprio cavalo.

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— Não, milord — respondeu o líder do grupo— . Ao


menos, nenhum do tipo ao qual o senhor se refere. Só uma das
damas, que apareceu a cavalo no topo da colina.
— Por Deus! Como pode reconhecer daqui quem era? —
perguntou Giff.
— Me desculpe, sir, mas nossos moços estavam vigiando o
caminho e não teriam deixado passar a nenhuma outra moça.
Você mesmo pode vê-la agora, lá encima — apontou o
homem.
Na margem oeste do turbulento rio North Esk, Giff pôde
ver um cavaleiro que se aproximava do castelo de
Hawthornden pelo norte, e não teve dificuldades em
reconhecê-lo.
Hugo deixou escapar uma maldição.
— Tem certeza que não é Sorcha? — comentou Rob.
— Não, Sorcha está em Roslin - respondeu Hugo— . Mas
essa moça monta em uma sela de homem, como fazem elas,
portanto deve ser Sidony. Que diabos está fazendo sozinha por
esse caminho?
— Certamente quis visitar você e a Sorcha em
Hawthornden - deduziu Rob— . Quando se inteirar de que
nenhum dos dois está ali, seguirá até Roslin.
— Se meu mordomo a deixar continuar sem adicionar um
par de homens a sua escolta terá que se ver comigo quando
retornar a casa — grunhiu Hugo— . Vamos.

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Giff seguia olhando para o norte. Pensou que aquele


cavaleiro montava melhor que qualquer de seus homens. Justo
nesse momento, Sidony voltou à cabeça e olhou para baixo.
Parecia como se tivesse notado sua presença antes de seguir
caminho. Giff, que tinha conhecido lady Isobel na mansão
Clendenen, à esposa de Rob em Lestalric e a noite anterior à
esposa de Hugo em Hawthornden, sabia agora que ao menos
três das irmãs se pareciam muito.
Entretanto, tinha reconhecido a Sidony imediatamente.
Notou que os outros dois tinham montado e se apressou a
segui-los, perguntando-se o que planejava fazer Hugo.
Quando chegaram ao Roslin, comprovou que as obrigações de
Hugo não lhe permitiriam partir até dentro de uma hora.
— Ainda temos algumas horas de luz — tratou de falar em
um tom casual— . Acredito que será melhor que eu continue.
Quanto antes encontre o navio apropriado, melhor.
Rob o olhou muito divertido, mas Hugo já estava distraído
com outras obrigações.
— É uma boa idéia.
Giff se afastou imediatamente e cruzou a estreita ponte que
unia Roslin com a colina para o leste.
O rio North Esk dobrava em uma curva pronunciada,
rodeando quase toda a base do castelo de Roslin e o
promontório sobre o qual tinha sido levantado, de modo que
para chegar à margem oeste teria que descer a pronunciada
encosta para a ponte de pedra que o atravessava. Em troca,

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para acessar a esta margem, usava-se o caminho mais alto e


mais movimentada por cima da colina.
Giff escolheu esta última rota e esporeou seu cavalo para
que logo tomasse velocidade.

Sidony tinha reconhecido Hugo e Rob junto ao rio... E a


Giff MacLennan, pelo modo em que se moviam. Sua
curiosidade se acendeu quando acreditou ver que os três saíam
da parede da garganta.
Claro que os arbustos eram abarrotados nesse setor, e havia
também muitas árvores, um terreno baixo no topo do
escarpado e um manancial que cruzava o caminho para o rio
North Esk, assim não era estranho que existisse uma pequena
falha ou corte nesse ponto, ou até uma cascata.
Em Hawthornden comprovou que Sorcha estava passando
o dia em Roslin e recusou a oferta do mordomo de que
esperasse até sua volta. Perguntou-lhe se pensava partir então
para Roslin, mas Sidony não queria misturar Hugo em seus
assuntos. De modo que simplesmente prometeu que retornaria
outro dia.
— Só queria uma desculpa para que meu cavalo fizesse um
pouco de exercício, mas prometi para lady Isobel que voltaria
para a mansão Sinclair antes do jantar.
— É obvio milady. Mas permita que meus homens a
acompanhem no retorno para casa.

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— Obrigado, não os preciso - respondeu ela— . Tenho


minha própria escolta.
O mordomo olhou com receio aos dois jovens criados.
— Me desculpe milady, mas deveria ter uma escolta mais
apropriada a sua posição. Sir Hugo se zangará comigo se eu
deixá-la ir com esse par de meninos.
Sidony mordeu o lábio. Permaneceu na porta até que o
mordomo desapareceu no estábulo, na muralha norte do
castelo. Apenas ele a perdeu de vista, dirigiu-se para sua
escolta.
— Iremos agora. Se quiser mandar uns homens detrás de
nós, bem, mas não tenho intenção ficar aqui sentada enquanto
preparam os cavalos.
Os dois moços se olharam, mas não fizeram nenhuma
objeção. Esta nova sensação de segurança era embriagadora.
Sabia que Hugo a tinha visto. É mais, que os três a tinham
visto. E queria voltar para a cidade tão rápido quanto fosse
possível.
Instigou o cavalo para alcançar um bom ritmo, e o manteve
assim até que o caminho começou a descer bruscamente.
Então, consciente de que os três animais estavam cansados,
diminuiu a velocidade, e logo notou que seus dois
companheiros mostravam certo alívio por sua decisão.
Um momento depois, um dos eles lhe falou.
— Me desculpem milady, mas há uns homens a cavalo
justo detrás de nós. São todos de Hawthornden.

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Sidony simulou um ar de indiferença.


— Podem unir-se a nós se o desejarem. Não tenho nada
que objetar.
Mas necessitou de toda sua força de vontade para não olhar
por sobre seu ombro, embora soubesse que nenhum dos
homens de Hawthornden se atreveria a admoestá-la. E posto
que Isabella ainda estivesse em Roslin, era impossível que
Hugo formasse parte daquele grupo.
Agora podia escutar os cascos dos cavalos detrás dela. A
curiosidade a corroia, mas não queria que sua estranha escolta
pensasse que a temia. Ela era uma Macleod do Glenelg, e
«farei o que me agrade» se encorajou, e eles não tinham
nenhum direito a detê-la.
— Quão perto estão? — perguntou a um dos moços pouco
depois, considerando que não se incrementou o ruído dos
cascos.
— Diminuíram a marcha, milady. Acredito que ficarão a
distância.
— Baixemos um pouco o ritmo também nós, para ver o
que fazem.
Os cavaleiros de atrás fizeram outro tanto, e com essa
comprovação, Sidony decidiu ir ao passo para voltar a
descansar. Se Hugo pretendia repreende-la de novo, iria fazê-
lo tanto se a encontrava no caminho ou na mansão Sinclair.
Outra reprimenda tampouco era tão grave.

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A nova sensação de liberdade se avolumou em seu interior.


Prosseguiu o caminho orgulhosa de sua coragem, até que uma
voz familiar, algo cortante, muito perto dela, sobressaltou-a.

Giff fez uma mínima pausa em Hawthornden, só para


inteirar-se de que lady Sidony, depois de saber que sua irmã
não estava em casa, tinha empreendido sua volta à mansão
Sinclair. Imediatamente, quis conhecer os detalhes. Não
estava muito interessado nas queixas do mordomo sobre a
escolta pessoal de milady, mas sim no que a tinha levado a
empreender essa viagem.
Estava claro que não tinha chegado até ali para anunciar
nenhuma calamidade ocorrida na mansão Sinclair. Lady
Sidony não podia ser a mensageira de notícias sinistras.
Enquanto partia atrás dela, Giff se perguntava pelo
crescente interesse que sentia pela moça. Além de que deixar
Hugo zangado dava ao assunto também um certo incentivo.
Sem importar a razão, a maior das motivações era que passaria
uma hora conversando com lady Sidony.
Geralmente, era raro ter um momento de privacidade com
uma jovem, rodeada habitualmente por tantos parentes
preocupados com ela. E no caso de lady Sidony Macleod o
assunto não era diferente; tinha verdadeiras hostes
preocupadas com seu destino. Rob já tinha descoberto suas
intenções, com certa diversão, mas Hugo ficaria furioso; Giff

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decidiu então que desfrutaria de um novo broto de fúria de seu


antigo companheiro de armas.
Dez minutos mais tarde, divisou um pouco mais adiante
aos cavaleiros e deixou escapar uma maldição. O último que
Giff queria era uma dúzia de homens armados sob as ordens
de Hugo, que pudessem lhe informar de todos seus
movimentos enquanto ele tentava manter um bate-papo com a
donzela.
De modo que se dirigiu até o líder do grupo, de propósito.
Notou que lady Sidony e seus dois criados estavam longe o
bastante para não escutá-lo.
— Bom dia outra vez - saudou em tom alegre— .
Certamente se lembra de mim. Estava com sir Hugo em
Lestalric, não é assim?
— Sim, sir Giffard — respondeu o líder do grupo,
concordando com a cabeça.
— Então você vai ter motivo para me agradecer. Porque
estou aqui para aliviá-lo de sua obrigação de proteger à dama.
Estou à caminho da mansão Sinclair. Eu me ocuparei de que
chegue sã e salva a casa, às mãos de lady Isobel. Os dois
criados e eu seremos escolta suficiente na rota principal.
Como vê, já estamos a menos de meia milha da estrada.
— É muito amável, sir, mas sir Hugo quererá que nós
também a acompanhemos.
— Podem se apresentar a sir Hugo com minhas saudações
e lhe dizer que eu ordenei que aceitassem minha oferta -

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retrucou Giff com um sorriso— . Conhece-me desde pequeno


e estará mais que disposto a me jogar toda a culpa.
O homem voltou a assentir.
— Então não há nada mais que dizer — finalizou Giff.
O líder do grupo pareceu duvidar. Mas quando Giff
acelerou o ritmo de seu cavalo e se adiantou, logo escutou
com satisfação que o homem dava a ordem de retornar para
Hawthornden.
Tinha notado que os dois criados de Sidony voltavam à
cabeça freqüentemente, mas que ela não o tinha feito nem uma
vez. Assim, ou estava tratando de não mostrar interesse, ou era
surda e não os tinha percebido.
Os dois criados marchavam à mesma altura que ela.
Giff os alcançou e lhes falou em um tom de voz que quase
sempre conseguia que todo mundo o obedecesse.
— Para trás, moços. Quero falar em particular com a dama.
Nenhum dos dois contestou nada. E embora tivesse
esperado que o obedecessem, o fato de não oferecerem a
menor resistência confirmou sua opinião de que não eram
muito valiosos como escolta de Sidony. Hugo tinha razão em
estar zangado.
Viu-a ficar rígida e soube que ela tinha escutado a ordem,
mas que seguia com a vista para frente e o queixo elevado.
Giff tratou de mostrar-se sério e obrigou seu cavalo a ficar
à altura dela.
— Que tipo de loucura é esta, milady?

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— Não tenho por que lhe prestar contas — respondeu ela


sem deixar de olhar para frente.
— Agradeça que assim seja.
Ela mordeu o lábio. Giff não soube se era porque sabia que
merecia uma reprimenda ou porque estava tratando de sufocar
um sorriso.
— Que demônio se apoderou de você para que voltassem a
fugir quase sem escolta, apenas uns dias depois de escapar
para os bosques? Deve saber que enfureceu ao Hugo uma vez
mais.
— Por Deus! — exclamou ela, voltando-se para ele— .
Pretende me censurar? Não tem nenhum direito de fazê-lo,
não é meu pai, nem meu marido, nem sequer meu protetor.
Não vou escutar nenhuma palavra a respeito.
— Não por agora — murmurou ele— . Mas não pode me
culpar por me preocupar com você. Costuma inspirar a fúria
do Hugo freqüentemente?
— Importa-me um rabanete Hugo e sua fúria — respondeu
ela, elevando ainda mais o queixo.
— Bem dito. Mas tome cuidado, milady. Se começar a
chover e têm o nariz tão acima, vai se afogar em seguida.
Sidony voltou a cabeça e de novo mordeu o lábio, tratando
de afogar a risada.
— Assim está melhor. Mas eu gosto mais ainda quando me
olha.

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Ela o ignorou, e seus lábios se entreabriram


irresistivelmente.
— Mas por que te ocorreu fazer este longa viagem hoje?
Ela hesitou.
— Para ver você.
Sidony não podia acreditá-lo. Tinha falado com o coração,
em lugar de pronunciar a frase que tinha preparada para ele. A
verdade deslizou para fora de sua boca.
O calor lhe inundou as bochechas. Que desfaçatez! Tão
direta tão pouco gentil... Embora tampouco ele fosse um
grande cavalheiro. De repente a imagem da condessa Isabella
irrompeu em sua cabeça. Sidony apertou os olhos para se
livrar dela, mas só conseguiu que Isabella se instalasse com
maior comodidade em seus pensamentos.
Abriu os olhos para ver como Giff lhe sorria.
Tratou de relaxar.
— Desculpe-me, milord.
— Não têm por que, só disse a verdade.
— Que arrogante!
Com alívio, Sidony comprovou que os homens de
Hawthornden tinham desaparecido, e que os criados estavam
longe o bastante como para não escutá-los.
— Foi você que disse a esses homens que retornassem?
— Foi.
— Mas estão sob as ordens do Hugo. Por que o
obedeceram?

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— Geralmente, os homens me obedecem quando lhes dou


uma ordem. É uma habilidade necessária para todo capitão de
um navio — se gabou, e adicionou maliciosamente— : Só as
mulheres me desobedecem abertamente.
— Por que os obrigou a retornar? — perguntou-lhe,
convencida de que não queria flertar com ele, não ao menos
até que lhe respondesse algumas perguntas.
— Queria falar a sós com você, e temia que persistissem
em seguir perto de nós e nos escutassem, e informassem cada
uma de nossas palavras ao Hugo.
— Sabe então que estará tão furioso com você como
comigo.
— Muito mais comigo — riu ele.
— Sigo acreditando que qualquer pessoa sensata deveria o
temer. Mas está claro que não teme ao Hugo.
— Penso que você tampouco.
— Não, embora eu não goste que se zangue. A única
pessoa capaz de me castigar a sério não é de Lothian.
— Deve estar se referindo a seu pai.
— Um homem feroz, mas sua verdadeira fúria sempre se
concentrou na Sorcha e na Isobel. Elas sim que o provocavam.
Só recordo uma vez em que me bateu, uma vez que o tratei
com descaramento. Em geral, não me presta atenção, e com o
Hugo, a maioria das vezes, acontece o mesmo.

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— Notei-o, mas me custava acreditá-lo. Quando saiu para


o jardim na outra noite, acreditei que se daria conta
imediatamente. Eu o fiz.
Ela encolheu os ombros.
— Sempre me aconteceu o mesmo, com todo mundo.
— Por quê?
A jovem vacilou.
— Então?
Sidony lhe cravou os olhos cristalinos.
— Estou pensando. Deve ser paciente.
— Nunca sou paciente. É a primeira coisa que as pessoas
aprendem ao me conhecer.
— Então terá que praticá-lo um pouco comigo.
— Estou sendo muito paciente neste momento.
— Bem, eu tampouco o entendo, mas suponho que é
porque tendo a ficar calada quando há muitas pessoas ao meu
redor. As pessoas parece não me ver. Todas as minhas irmãs
são bem mais extrovertidas. E expressam suas idéias
abertamente. Desde pequena aprendi que se me mantinha em
silêncio, era mais fácil não as zangar ou não me colocar em
suas discussões.
— Discutem freqüentemente?
— Não agora, que todas cresceram — respondeu
Sidony— . Além disso, todas estão casadas, menos eu. Antes,
sempre havia alguma me dizendo o que tinha que fazer, o que
pensar, o que dizer. Todas são muito amáveis. Mas quando se

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têm seis irmãs maiores, a menos que tenha nascido com uma
natureza combativa, alguém acaba por dobrar. Faz tempo que
deixei de fazer as coisas segundo meu critério. Até hoje —
concluiu, com um sorriso.
— Acredito que tenha decidido fazer essa mudança no dia
que nos conhecemos — opinou ele.
— OH, não. Nesse momento ainda não tinha tomado
nenhuma decisão. Só me ocorreu a idéia de ir ao bosque, nada
mais. E não me opus a ela.
— Mas hoje sim tomou uma decisão?
Giff soava divertido, e isso lhe doeu.
Entretanto, ele era o único homem que tinha conhecido até
então que mostrava interesse em indagar suas opiniões.
Assim tratou de explicar-se.
— Na verdade, é que nunca tomo verdadeiras decisões -
respondeu— . Suponho que o tentaria quando pequena, mas
como outros sempre conseguiam mudá-las, perdi o costume de
fazê-lo.
— Já vejo.
Sidony observou Giff com maior atenção, tratando de
adivinhar seus pensamentos.
— Ah! Você está rindo de mim - o acusou decepcionada.
Voltou então a olhar para frente e disse em um tom de voz
rígido e controlado:
— A rota principal está aí a uns passos, sir. Já não falta
muito.

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Capítulo 7
A alegria de Giff se esfumou em uma corrente de
remorsos. Sentiu-se como se tivesse chutado um cachorrinho.
Se Hugo voltasse a nocauteá-lo, o mereceria, e muito mais
também.
Sidony estava tão triste que teve que morder a língua para
não lhe assegurar imediatamente que não se estava rindo dela.
Mas não era verdade. A idéia de uma mulher que não fosse
capaz de tomar uma decisão por si mesma o tinha divertido.
Aquelas mulheres que, justamente, faziam tanto escândalo
quando um homem não as obedecia. Havia-o visto muitas
vezes na infância. Sua mãe e suas irmãs eram exemplos
perfeitos.
As mulheres das Terras Altas não eram conhecidas por sua
submissão nem por ser particularmente manobráveis. Até as
mulheres das terras fronteiriças pareciam mais submissas. E só
Deus sabia que comparadas com as moças escocesas, as
inglesas e as francesas estavam tão ansiosas em receber ordens
como as ovelhas em frente ao cão pastor.
Enquanto observava aquele pequeno rosto rígido, com o
queixo elevado como uma bandeira no alto de um mastro, não
pôde evitar a culpa. Mas Sidony seguia avançando, seu cavalo
não estava ciente do tumulto emocional contra o qual sua
proprietária devia estar lutando nesse momento. Aquele corpo
esbelto se movia sem problemas ao ritmo do cavalo.

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Entretanto, os remorsos se dissiparam, e já começava a


desfrutar em observá-la quando notou que uma lágrima se
corria por sua bochecha.
Esticou uma mão para tocá-la.
— Não, milady. Sou uma besta por ter feito você se sentir
assim. Devo admitir que suas palavras me pareceram
divertidas, porque nunca tinha conhecido a uma mulher que
não pudesse tomar decisões. Mas acredito. Pergunto-me como
alguém se sentirá ao fazer sempre o que outro lhe ordena e
nunca decidir por si mesmo o que quer fazer.
— Não se sente nada — murmurou ela, sem tentar reter a
nova lágrima que rodava pela bochecha— . Tampouco é
muito difícil.
— E o que passa se duas pessoas a pressionam para fazer
duas coisas diferentes?
Sidony encolheu os ombros.
— Isso ocorre poucas vezes. Sorcha é a mais próxima de
mim em idade, quase sempre estávamos juntas antes que se
casasse com Hugo. Ela tomava as decisões pelas duas. Adela,
que ainda, porque geralmente fazíamos tudo juntas. Se Sorcha
não queria obedecer, eu não o fazia. E se Adela se queixava
com nosso pai, ele castigava Sorcha muito mais que a mim.
— Assim também há benefícios — murmurou ele,
provocador.
A jovem enxugou uma lágrima.

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— Já disse que não era difícil - lhe respondeu— . Mas


possivelmente agora entenda por que os outros tendem a me
ignorar. Só pensam em mim quando querem que eu faça algo.
O resto do tempo supõe que estou fazendo alguma coisa que
me ordenaram.
Giff assentiu, mas ainda era difícil imaginar como um
homem poderia estar em sua presença sem fixar a atenção
nela, esquecendo todo o resto.
Tinham virado para a estrada principal que conduzia a
Edimburgo.
— Certamente lady Isobel deve ter previsto que este
passeio tão longo, sozinha, zangaria sir Hugo. Surpreende-me
que tenha permitido fazê-lo.
Sidony corou. Aha! Então lady Isobel não sabia o que ela
estava fazendo nesse momento, «garotinha travessa», pensou
Giff, divertido.
Em lugar de responder, Sidony preferiu trocar de tema:
— Por que estavam vocês e os outros dois aí embaixo na
garganta? Pensei que todos se dedicariam estes dias a ajudar à
condessa em seus preparativos para a viagem à cidade.
— A maioria parece entretida com isso — admitiu ele. É
claro que não tinha nenhuma intenção de comentar seus
assuntos e continuou falando de temas corriqueiros— : Na
verdade, não acredito que seja tão importante. Está
acostumada a um séquito de acordo com seu grande poder.

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Mas esta viagem não é mais que de oito ou dez milhas. Parece
muito escândalo para uma distância tão curta.
— É que ainda não viu como ela viaja — comentou
Sidony com um sorriso.
Giff se alegrou de vê-la sorrir.
— E como viaja?
— Com uma verdadeira caravana, pode se pensar que está
mudando para uma casa nova.
Olhou-a para comprovar se estava brincando com ele, mas
parecia sincera.

— Estou certo de que o príncipe Henry mantém a mansão


Sinclair em bom estado e bem mobiliada.
Sidony riu.
— A mansão Sinclair é magnífica, mas ela gosta de seus
próprios lençóis e da mesa que tem junto a sua cama em
Roslin, e outros muitos objetos. Além disso, dará de presente
ao Rob e a Adela um cofre maravilhoso que Rob queria para
Lestalric. E lady Clendenen assegura que também traz alguns
objetos para doar à abadia.
— Soa como um verdadeiro espetáculo.
— Sempre o é — concordou ela— . Mas ainda não me
disse o que faziam os três na garganta.
— Estávamos nos ocupando de um assunto do Hugo -
respondeu ele, simplesmente— . Os deixei em Roslin, para
que seguissem com isso.

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— Adela ficará decepcionada ao saber que Rob não


retornou com você.
— Não terá tempo de decepcionar-se. Rob retorna esta
noite. Tem que me ajudar a conseguir um navio —
acrescentou, pensando que essa informação a distrairia de seu
interesse pela garganta.
— Necessita um navio?
— Por isso vim até aqui. Sou uma criatura dos mares —
declarou em tom poético, mas ante o cenho franzido de
Sidony, esclareceu— : marinheiro de profissão. Quando
encontrar o navio, terei que levá-lo para o oeste, para casa.
— OH.
Giff viu que essa informação a decepcionava, mas desta
vez não sentiu remorsos. Seus assuntos, e especialmente este
assunto, não eram algo que lhe concernisse.
Sidony se recuperou rápido. Enquanto seguiam
conversando, com períodos de agradável silêncio, seus
pensamentos se concentravam em seu acompanhante e nas
reações imprevisíveis que lhe inspirava.
Como tinha se atrevido a questioná-lo sobre o que estava
fazendo na garganta, junto com Hugo e Rob? Certamente, não
tinha experiência em tratar com homens, mas sabia
perfeitamente que não gostavam de discutir seus assuntos com
as mulheres.
Mas ansiava saber mais de Giff, sobre tudo se planejava
procurar um navio para afastar-se dela. «É uma idiota Sidony

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Macleod, sir Giffard MacLennan não dá a mínima em estar


perto ou longe de você», reprovou-se. De fato, até fazia só
dois dias, ela também teria aproveitado qualquer oportunidade
para sair dali, e retornar às Terras Altas.
Deixou escapar um suspiro. Giff acabava de lhe apontar a
colina real.
Prometeu-se desfrutar de todo o possível do tempo que
ficasse daquela viagem ilícita.
— Sabe — disse em voz suave— , ainda não me disse de
que parte de Kintail vêm. Pretendem mantê-lo em segredo?
— Não — respondeu ele, com um sorriso que de repente a
fez sentir-se acalorada— . Reconheço que não tenho pensando
muito em minha casa durante estes últimos dias.
— Mas de onde é?
— Duncraig.
— Ah, eu conheço — confirmou a jovem, recordando uma
formidável muralha de cor cinza que parecia tão alta como o
escarpado onde se levantava— . Está sobre os escarpados da
costa de Kintail, ao norte de Kyle Akin, não é? É quase tão
imponente quanto Dunstaffnage, só que mais é alta, mas não
tão grande.
— Meu pai aprovaria uma descrição assim — observou —
. Gosta de pensar que Duncraig é impenetrável.
— E suponho que o seja.
— Sofreu alguns ataques, como a maioria das fortalezas.
Mas me diga — voltou a desviar o tema— , o que acontecerá

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se Isobel se inteira de onde esteve hoje? Eu não gostaria de


revelar algo que não deveria.
— Sabe que fui até a cidade — respondeu Sidony, com
certa culpa— , porque ela me sugeriu que visitasse a Adela em
Lestalric. Mas depois mudei de caminho.
— Se quer aceitar meu conselho, lhe comente
imediatamente sua mudança de planos.
Sidony assentiu. Mas quando chegaram à mansão Sinclair,
descobriram que Isobel não estava absolutamente preocupada
com as atividades de Sidony, porque sir Michael Sinclair tinha
retornado a casa.

— Giffard, maldito embusteiro! Por fim desceu de seu


fedido navio e se dignou a nos visitar — Michael se adiantou
sorrindo para lhe apertar a mão.
Giff saudou Michael com a mesma satisfação, fazia vários
anos que não o via. Depois de que deram a mão, apareceu lady
Isobel, radiante, e deslizou um braço ao redor do de seu
marido.
— Quão amável de sua parte escoltar Sidony para casa, sir
Giffard — agradeceu ela— . Espero que tenham desfrutado
do passeio.
— Sim milady — respondeu ele, aliviado por não ter que
negar que vinham de Lestalric— . Mas não vou distraí-la com

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detalhes. Agora que sir Michael retornou para casa,


certamente está esperando que me vá agora mesmo.
— Não, pois meu marido, entusiasmado em retornar,
esqueceu de comer algo no caminho e cavalgou desde
Glasgow até aqui só com um mísero café da manhã. Assim
estávamos planejando um jantar antecipado. Nós adoraríamos
que nos acompanhassem na mesa.
Giff sorriu.
— Sou um daqueles que sempre está disposto a aceitar um
bom jantar, milady. Embora não queria interromper a reunião
familiar...
— Insisto.
Na verdade estava faminto, e aceitou agradecido a sugestão
de lady Isobel.
— Esplendido! Jantaremos em uns minutos — anunciou
Isobel, e se reclinou sobre seu marido, sorrindo enquanto ele a
abraçava pela cintura.
— Como está Will? — quis saber lady Sidony uma vez que
os homens se afastaram para a escada.
Giff deu volta, cheio de curiosidade. Nunca a tinha
escutado falar de um tal Will.
— Acredito que está melhor pobrezinho - respondeu
Isobel— . Não chorou muito hoje. Estava contando ao
Michael sobre seus problemas com os dentes quando
chegaram.
Giff sorriu e seguiu a seu anfitrião.

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Sidony os viu afastar-se e tratou de imaginar a melhor


forma de fazer sua confissão. Isobel também tinha feito suas
travessuras antes de casar-se, dificilmente a repreenderia. Mas
Giff tinha conseguido que se sentisse culpada.
De modo que apenas sua irmã lhe perguntou o que tinha
ocorrido para que sir Giffard se oferecesse a acompanhá-la
desde Lestalric, Sidony confessou:
— Temo que não viemos de Lestalric.
— Não?
— Não.
Tomou ar, ergueu os ombros e falou:
— Fui a Hawthornden hoje pela manhã. Mas não fiquei -
acrescentou rapidamente— . Eu fui daqui com dois criados, e,
além disso, a estrada estava cheia de gente, também de carros
e ovelhas, e logo me encontrei com sir Giffard, assim estive
segura todo o tempo.
— Serio? — disse Isobel com gentileza, divertida com o
desajeitado relato de sua irmã.
Voltou a comprovar que corava.
— Sei que deve estar zangada.
— Não estou zangada, só decepcionada. Sir Giffard estava
em Hawthornden? Embora levasse a dois criados contigo,
viajar tão longe não é prudente, querida. E já que esteve ali,
por que não visitou Sorcha?

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— Encontrava-se em Roslin.
Estava a ponto de falar com sua irmã sobre os homens
reunidos na garganta, mas como temia que Michael e Giff
retornassem a qualquer momento e as escutassem discutindo
sobre o assunto, desistiu. Na verdade, os homens se reuniram
com elas pouco depois, e juntos desfrutaram de uma agradável
janta. Os cavalheiros trocavam olhares todo o tempo; Sidony
percebeu a ansiedade de Giff. Assim quando Michael afastou
seu prato, suas palavras não foram surpreendentes.
— Por que não nos retiramos à outra sala com este
excelente vinho, Giff? Quero ouvir todas suas aventuras desde
a última vez que te vi, e eu também tenho muito que dizer.
Certamente nos demoraremos, meu amor — acrescentou,
dirigindo-se a sua esposa— . Dou agora mesmo boa noite.
Deve dizer à babá que se Will acordar de noite, empape um
pano com uísque e água e lhe dê para chupar. Minha mãe me
medicava desse modo.
— Assim o farei, sir — assentiu sua esposa.
Levantou-se ao mesmo tempo em que ele e ficou nas
pontas dos pés para lhe dar um beijo.
— Mas tenha em conta que não dormirei até que venha à
cama - acrescentou, com uma piscada— . Não o entretenha
muito, sir Giffard.
— Não o farei, milady.

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Sem muito entusiasmo, Sidony deu boa noite aos dois


homens e se lembrou de agradecer Giff por havê-la escoltado
até a casa.
Para sua surpresa, quando Michael disse que acompanharia
Isobel até as escadas e ela se apressou a segui-los, Giff
interveio e a deteve, segurando-a por um braço.
Aproximou-se o bastante, para que ninguém pudesse
escutá-lo.
— Não a necessitam agora. Espero que haja dito a verdade
à lady Isobel, porque devo dizer ao Michael que estive hoje
em Roslin. E não ficará bem se contarmos histórias diferentes.
— Já contei — respondeu ela, orgulhosa— . Podem dizer
ao Michael o que quiser.
— Muito bem — seu intenso olhar obteve uma vez mais
que Sidony corasse. Umedeceu-se os lábios em um gesto
sensual.
— OH, milady, não deveria fazer algo assim — murmurou
ele.
Depois, aproximou-a de um puxão e a beijou.
Em resposta, Sidony se derreteu contra ele, surpreendida
pelo bem que sentia aquele corpo, tão morno contra o dela, tão
musculoso. E desta vez, quando a língua dele se deslizou entre
seus lábios, ela não resistiu. Em lugar disso, deixou-se invadir
pela onda de sensações estranhas.
Quando a viu passar a língua pelos lábios suaves, Giff não
necessitou nenhum outro sinal. Nem tampouco pensou nas

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possíveis conseqüências. Estava começando a desfrutá-lo


realmente, tinha deslizado uma mão num dos seios dela,
quando escutou que alguém se aproximava, e se afastou
imediatamente.
— Por todos os céus, não deixe que Michael veja essa
expressão — murmurou um pouco antes de dar a volta, pegar
o atiçador e inclinar-se para a lareira.
Quando Michael entrou no salão, Sidony tinha se afastado
para a mesa, simulando mexer com uma faca.
Ela se dirigiu ao Michael com uma surpreendente
tranqüilidade.
— Isobel já subiu para seu quarto, sir?
Michael sorriu.
— Está te esperando. Por que não chama a algum criado
para que se ocupe disso, Giff? — perguntou quando lady
Sidony saiu apressada da sala.
— Eu gosto de fazê-lo — disse Giff, levantando-se— .
Pensei que você e sua esposa prefeririam estar um momento a
sós.
— Verdade — admitiu Michael— . Vou procurar a jarra
de vinho, que tal?
Ambos partiram a uma sala próxima.

— Tranqüilizou-me ver você por aqui — disse Michael.

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Empurrou uma mesa e a pôs junto ao fogo. Disse para Giff


que trouxesse uma cadeira para ele. Procurou outra para si e
colocou as taças e a jarra de vinho sobre a mesa antes de
sentar-se.
— Não estiveste na cidade durante muito tempo, mas
suponho que já haveria tido oportunidade de discutir tudo com
o Rob e Hugo.
— Sim, e me inteirei que não vim preparado como
corretamente— se queixou Giff— . Sua mensagem não foi
específica, e a recebi estando em Galloway.
— Não podíamos ser específicos — se desculpou Michael,
servindo o vinho— . O assunto é que...
— Já sei o que quer de mim — o interrompeu Giff,
consciente de que até na mansão Sinclair poderia haver
ouvidos ocultos e muito curiosos— . Podemos falar aqui em
confiança?
— As portas são sólidas. Tampouco há vigias nem nada
semelhante — acrescentou Michael com um sorriso
melancólico, talvez recordando algo do passado— . Uma vez,
minha esposa nos escutou a mim e ao Hugo em Roslin. Por
sorte, agora já não tem esse costume.
Giff pensou de repente nos hábitos de Sidony, mas Michael
voltou a distraí-lo.
— O que sabe a respeito?
— Suponho que tudo o que preciso saber — respondeu
Giff— . Rob e Hugo me levaram a ver a carga. Se tiver gente

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de confiança que ajude a embarcá-la e me pode prover de


homens leais e remadores armados para proteger a
embarcação, poderei levá-la sem correr grandes riscos até o
Ranald da Ilha no Eigg. Suponho que se mantém o plano
original, se é que pôde falar com ele e ele quer assumir a
responsabilidade.
— Sim, embora não disse ainda o que estará protegendo -
respondeu Michael— . Só lhe disse que era um objeto valioso
que nos tinham confiado e que pensávamos que estaria mais
seguro longe de Midlothian.
— Mas se confia nele, por que não disse do que se tratava?
Michael encolheu os ombros.
— «Acredita na vitória, mas calcula os riscos e se prepare
para te haver equivocado nos cálculos». O escutamos mais de
uma vez em Dunclathy, não é? Embora você nunca se mostrou
muito ansioso por seguir essas máximas - acrescentou Michael
com um brilho nos olhos.
— Então não confia nele completamente — concluiu Giff,
ignorando a piscada.
— Confio nele, mas não nas circunstâncias, assim não lhe
contei tudo. Agora bem, falou que quer remadores bem
armados. É que não tem a seus próprios homens?
— Lembre-se que vim a Edimburgo desde Galloway. Se
tivesse que retornar à Donzela dos Mares, não poderia retornar
em menos de duas semanas, ou possivelmente um mês se o
clima do norte não cooperasse.

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— Isso não nos teria servido.


— E embora alguns dos navios de Sinclair possam estar
perto, Rob acredita que são muito conhecidos. Penso que
poderíamos disfarçar qualquer navio ou galera. Na maioria das
embarcações grandes seria necessário somente uma mudança
de bandeira ou de vela, embora seja certo que os novos
tendem a mostrar muitas diferenças no desenho.
— É um problema sem solução?
— Irritante, possivelmente, mas não sem solução —
sentenciou Giff com um sorriso— . Chamou-me, então julgo
que não porá muitas objeções a meus métodos.
— Não é preciso que diga que necessitamos discrição.
Primeiro pensamos em usar os navios dos Sinclair, bem
armados, para transportá-la, mas logo compreendemos que
assim levantaríamos as suspeitas do Fife.
— Possivelmente, manter discrição na carga não significa
necessariamente manter discrição na aventura. Uma procissão
ruidosa e de grande tamanho pode escondê-la muito bem.
Michael assentiu, aguçando o olhar.
— Suponho que Hugo disse que Henry nos dará o suporte
econômico. Pois bem, faça o que achar melhor, mas cuide
para que não acabem nos pendurando a todos, de acordo?
— De acordo. Agora, me conte mais sobre seu bate-papo
com o Ranald. Está seguro de que não dirá nada ao Donald
sobre o assunto?

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— Acredito que estava um pouco surpreso de que lhe


confiássemos algo para que protegesse. Mencionei o assunto
do Donald e me disse que ele não tinha nenhuma obrigação de
lhe falar dos templários nem do que eles protegiam, e jurou
que o objeto estaria a salvo com ele. Assim entende
perfeitamente a importância do assunto. Saberá o que é
quando se fizer necessário, claro, mas até esse momento, o
manteremos em segredo.
— Muito bem.
— Surpreende-me que Rob tenha concordado em contar a
você o que é. É muito receoso na hora de revelar os segredos.
— Obrigou-o a necessidade de ter que movê-la.
— Não conhece o Rob. Se não fosse porque Fife já tem
suspeitas da área onde está oculta a pedra, e que a têm os
Sinclair, Lestalric tivesse lutado para não a tirar daqui.
— E como é que Fife suspeita da verdade?
— Pura maldade e um pouco de casualidade — respondeu
Michael, e pôs um pouco mais de vinho na taça de Giff.
— Em algum momento, o conde começou a ocupar-se cada
vez mais dos assuntos do rei, virtualmente dirige Escócia em
seu lugar. O irmão de Rob procurou seus favores e lhe sugeriu
que possivelmente os Logan, em especial Rob, sabiam onde se
achava a pedra.
— Por Deus! Realmente o irmão do Rob o traiu?
— O irmão e o pai do Rob morreram antes que
pudéssemos averiguá-lo. Foi o próprio Fife quem insinuou a

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traição. É um homem muito ardiloso, além de perigoso. Não o


subestime.
— Não o farei — assegurou Giff— . Me disseram que Fife
pensa que a pedra está guardada junto com o tesouro e que
quer encontrar ambas as coisas. Não esperará um navio de
dimensões descomunais para conduzir semelhante carrega?
— Pensamos que acredita que há porções do tesouro
espalhadas por vários lugares — explicou Michael— .
Deixou entrever que suspeita que Henry tenha a maior parte.
De fato, mandou construir um navio próprio para viajar para
Girnigoe e enfrentar a ele. Mas não está disposto a partir antes
que o rei retorne para Stirling, posto que ali, como protetor do
castelo, é onde Fife detém maior poder.
— Escutei que já assumiu muitas das obrigações reais -
comentou Giff.
— A maioria — confirmou Michael— no Stirling, Sua
Majestade está rodeada dos espiões de Fife. Mas agora estou
mais preocupado por este assunto de conseguir um navio antes
que o conde chegue. Viu alguma embarcação que pudesse
servir para nosso propósito?
— Neste momento, há uma boa quantidade no porto do
Leith, mas a maioria está carregando lã para levar ao sul —
assinalou Giff— . Algumas poderiam nos servir, incluindo
dois grandes navios franceses que talvez tenham um pouco de
lugar para cargas e negociem...
— Franceses?

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Giff sorriu.
— Sim. É incomum, asseguro-te, mas os franceses podem
ser às vezes tão ardilosos quanto os escoceses para reconhecer
uma boa idéia quando se topam com ela. Outra possibilidade é
um mercante holandês de Rotterdam que parece veloz. Eu fico
mais confortável com uma galera do oeste, mas posso pilotar
qualquer coisa que tenha uma vela. Ou remos se for o caso.
— Esses botes largos não devem ter lugar suficiente para a
pedra.
— Verdade. Pretendo visitar amanhã ao capitão do navio
holandês, possivelmente possa persuadi-lo a nos alugar seu
navio por um par de semanas. Isto seria suficiente para nós, e
Fife não teria por que saber.
— De toda maneira deveria disfarçá-lo - sugeriu Michael—
. Não há muitos holandeses viajando para o norte. O que te
parece se troca o aspecto por um similar ao de um navio
nórdico? Uma embarcação assim viajando ao Orkney não
resultaria tão chamativa, Henry recebe visitas dos nórdicos
uma ou duas vezes ao ano.
— Não é uma má opção.
— Agora me conte como foi que acabou escoltando a
minha cunhada se ela estava em Lestalric e você vinha de
Roslin.

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No castelo, o conde Fife observava com irritação a seu


subordinado, encolhido pelo medo.
— Que diabos quer dizer com que «estão planejando
algo»? — gritou— . O que é o que estão fazendo? E tire o
chapéu quando fala comigo, Rolf Stow!
— Não sei, milord — respondeu o desventurado Stow,
depois de tirar o chapéu e apertá-lo entre as mãos— . Mas de
repente, puseram guardas em todas as partes, a ambos os lados
da garganta. E também abaixo. Tenho certeza que planejam
algo.
— Interessante — resmungou Fife— . Mas uma
informação tão escassa não me serve, averigua algo mais. E
não retorne aqui com essas migalhas inúteis. Pretende que eu
vá eu mesmo e lhes pergunte o que trazem entre mãos?
— Não, milord. Mas sir Hugo pôs guardas e não deixa
passar a ninguém.
— Sir Hugo — recordou Fife— não tem o poder total
sobre as terras. Controla a guarda de Roslin, mas não tem
autoridade para enforcar a ninguém. Se você descobrir o que
tem feito, só tem que me dizer isso. A coroa se ocupará dele.
— Mas não será ele quem dá a ordem — balbuciou o
homem— , será a condessa. E ela sim tem o poder de ordená-
lo, como vocês sabem. Quando o conde de Orkney não está
por aqui, ela responde por ele.

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— Então não se aproxime tanto para que o acusem de ter


pisado em terra alheia — ordenou Fife— . Mas averigua que
demônios estão fazendo. Vai agora!
O homem saiu correndo, e Fife, com o cenho franzido,
voltou-se para a única pessoa presente na sala.
— Você conhece os Sinclair, De Gredin. O que opina a
respeito?
O Chevalier arranhou o queixo.
— Sua Majestade está a ponto de chegar, milord.
Possivelmente só estão preparando-se para transladar-se para
Edimburgo. Se mal me recordo, quando a condessa deixa seu
lar, arma um grande rebuliço, por isso procuram ter sempre a
área controlada. Além disso, não acredito que você seja seu
único inimigo.
— Esteve quase um ano em Orkney, e me diz que não viu
nenhum rastro do tesouro - lhe recordou Fife— . Se não
estiver ali, deve estar em Roslin.
— Na verdade, sir, não vi muito em Orkney. Salvo o
palácio do bispo no Kirwall, é uma vasta região de ilhas. Está
claro que o príncipe Henry, quero dizer, Orkney, planeja
construir um assentamento ali, mas passamos a maior parte de
nosso tempo no Girnigoe, que também é bastante desolado - o
Chevalier fiava suas idéias a toda velocidade— . Na realidade,
Henry poderia muito bem ter o tesouro e mantê-lo em
qualquer dos dois lugares sem levantar suspeitas.

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— Você me disse o mesmo da grande frota de navios, da


qual tanto escutamos falar.
— Isso não é mais que a verdade, milord. Não tive
oportunidade de explorar com atenção. Um homem poderia
desaparecer ali tão facilmente como um tesouro.
— Já o veremos, asseguro-lhes isso. Explorarei cada
centímetro dessas terras logo que meu navio esteja preparado
e apareçam suas escoltas do Vaticano. Quantos navios acha
que enviará Sua Santidade?
— Só Deus sabe — elevou os ombros— . Você queria que
viessem o mais rápido possível, assim não podem ser muitos.
Considerem o que pensariam os ingleses se vissem uma frota
desconhecida cruzando suas águas. Mas ver alguns navios
com a bandeira da Hansa não levantará as suspeitas de
ninguém.
Fife não tinha nada que objetar a isso, mas esperava que o
Papa enviasse uma frota. Embora não podia confiar no Papa,
já que ele mesmo tampouco tinha sido de todo sincero.
Fife queria ajudar a De Gredin a achar o tesouro para Sua
Santidade, mas muito mais que isso desejava encontrar a
Pedra do Destino da Escócia.
Seu informante lhe havia dito que a pedra nunca tinha
saído do país, e seus espiões londrinos tinham informado que
a pedra guardada ali — a que os ingleses tinham roubado da
abadia de Scone um século atrás— , não era mais que uma
pedaço de arenito de só trinta centímetros. Ele sabia pelos

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selos que se anexavam aos documentos reais que a pedra


verdadeira era muito maior. E se podia devolvê-la a Escócia,
seria o melhor argumento para que o Parlamento escocês o
coroasse rei.
É obvio, não havia dito nada a De Gredin sobre a Pedra do
Destino. E, a verdade é que, se, além disso, achavam o
legendário tesouro dos templários, nem ele nem Escócia
seriam capazes de separar-se dele.

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Capítulo 8

Ainda lhe ardiam os lábios pelos beijos de Giff. Foi


subindo pouco a pouco as escadas, para os aposentos de
Isobel. Encontrou-se com a babá de Will que estava saindo do
quarto.
— Entra querida, vêem — a convidou Isobel de dentro— .
Traz uma cadeira.
— Não quero perturbar seu descanso. Só vim um momento
para te perguntar se ainda planejava ir à missa amanhã em St.
Giles.
— Certamente, com Ealga, e espero que você venha
conosco, Michael não pode ficar até a hora da igreja.
Aparentemente, todos os nossos homens estão envolvidos
neste assunto, Michael, Rob, Hugo... Eu lhe asseguro que
pedirá ao Giff que se encontre com o Rob aqui e que vão com
ele.
— Isso não agradará a Adela — comentou Sidony com
uma careta.
Isobel parecia cansada, embora fosse cedo e tinha
anunciado que esperaria a seu marido acordada, mas estava
aguardando que sua irmã fosse deitar para fazer o mesmo.
Porém a oportunidade de lhe perguntar pelo que poderiam

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153

estar fazendo os homens essa manhã na garganta não se


apresentaria de novo tão facilmente.
De modo que Sidony decidiu falar. Descreveu-lhe a cena,
com a maior quantidade de detalhes possíveis, incluindo sua
idéia de que os homens pareciam ter saído da própria rocha da
garganta.
— Mas não vi nenhum rastro nem nada similar. Só um
manancial que brotava entre os arbustos para o rio Esk -
acrescentou— . O que acha que podem ter estado fazendo?
— Como poderia sabê-lo? — perguntou Isobel, enquanto
tirava os alfinetes de seu véu— . Perguntou ao Giff?
Sidony fez uma careta.
— Disse que era um assunto do Hugo, acredito que na
realidade não queria me falar disso.
— À maioria dos homens não gosta das mulheres
intrometidas, querida — comentou Isobel— . Deve tomar
cuidado para não a apanhe bisbilhotando.
Sidony sorriu.
— É um conselho algo estranho vindo de você. Você
sempre tratou de descobrir as coisas.
— Mas já não preciso fazê-lo. Michael me conta quase
tudo o que quero saber.
— Então possivelmente você poderia lhe perguntar sobre o
que estavam fazendo...
Até esse momento, Isobel tinha evitado olhar para sua irmã
nos olhos, mas agora o fez diretamente.

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— Querida, se Michael me respondesse, de qualquer


maneira, não lhe contaria. Uma boa esposa não fala dos
assuntos que seu marido lhe revela.
Sidony compreendeu a inutilidade de seguir insistindo.
Deu-lhe boa noite e se retirou.
Sua donzela já estava no quarto quando chegou.
— Desejam se deitar, milady? Ainda é cedo.
— Não sei exatamente o que vou fazer — admitiu
Sidony— . Mas se acender essas velas e me buscar o bordado,
trabalharei um pouco.
Enquanto bordava a luz da lua, os pensamentos de Sidony
voltaram a concentrar-se em Giff MacLennan, e sentiu como
seus lábios se enchiam ao recordar certas imagens.
Abandonou o bordado e apoiou dois dedos sobre a boca.
Perguntou-se então por que seu próprio tato não lhe provocava
essas ondas de calor que tinha lhe causado em todo o corpo.
Também se sentia surpreendida por haver lhe permitido
semelhante liberdade. Por que tinha se afastado dela tão
rápido?
Pela pouca atenção que tinha dado a seu redor enquanto
Giff a beijava, Michael bem podia entrar no salão e
surpreendê-los.
Sorriu ante aquela ocorrência. Mas pensar em Michael
voltou a despertar a curiosidade. Que demônios estavam
procurando na garganta? Nunca tinha visto os guardas de

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155

Hugo pescando como simples camponeses, e poucas vezes


afastavam a atenção de seu senhor.
Perguntou-se se Michael e Giff continuariam conversando
sobre no salão, e de repente desejou que essa sala tivesse uma
vigia como a que existia no castelo de Roslin. Deixou escapar
um suspiro e abandonou essa fantasia. Nem sequer em Roslin
lhe serviria; agora esse pequeno quarto estava sempre fechado
com chave.
Tampouco serviria tentar escutar do outro lado da porta. As
portas da mansão Sinclair eram pesadas e sólidas, e os criados
estavam bem treinados. Se fosse tão tola para pôr uma orelha
contra a porta, o primeiro que a visse o diria ao Michael
imediatamente.
A luz da vela não facilitava o bordado; deixou seu trabalho
de lado depois de uma hora e decidiu visitar seu sobrinho.
Will resmungava um pouco, mas seguia dormindo, não sabia
se por cansaço ou pela ajuda do uísque. Em uma poltrona
próxima, a babá também dormia.
Escutou vozes abaixo quando cruzava o pé da escada, e fez
uma pausa, com a esperança de escutar algo mais.
— Boa viagem, Giffard, espero que... — dizia Michael.
Assoviou de indignação e retornou a seu quarto para
dormir. Logo apagou as velas e dormiu quase imediatamente.

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Na manhã seguinte a donzela trouxe as boas notícias: lady


Adela tinha acompanhado sir Robert à mansão Sinclair e
planejava ir à missa com elas em St. Giles.
O sacerdote falava muito lento e muito extensamente. A
cadeira do Sidony não era cômoda o bastante para um serviço
tão tedioso, e quando por fim terminou, levantou-se rápido,
para tomar um pouco de ar fresco da primavera.
Quando lady Clendenen e suas irmãs se reuniram com ela,
Adela disse rindo:
— Movia-te tanto aí dentro, que pensei que cairia da
cadeira.
Sidony sorriu. Depois mudou de humor.
— Podemos retornar? — perguntou com seu tom suave de
voz— . Não desejo falar com ninguém hoje.
— Estou de acordo — concordou Adela— . Eu sei que
está ansiosa para ficar com nossa pequena Anna.
— A menos que lhe estejam saindo os dentes — comentou
Isobel rendo— . Sidony me abandonou ontem, dizendo que já
tinha tido suficiente de choros de bebês.
— Mas, irmãzinha, pensei que lhe enlouqueciam os
pequenos - disse Adela— . Não nos abandone hoje, por favor.
Já me sinto sozinha o bastante, Rob partiu de novo, embora
prometesse retornar para casa para nossa festa.
— Michael e Hugo deverão permanecer em Roslin para
atender à comitiva de Isabella - recordou Isobel— . E
certamente Sorcha ficará com eles.

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157

Por fim, lady Clendenen fez a pergunta que tanto intrigava


a Sidony.
— Sir Giffard partiu para Roslin com o Michael e Rob?
— Não, disse que tinha algumas obrigações que atender
por aqui — respondeu Adela, e trocou um olhar com Isobel—
. Insiste em retornar à mansão Sinclair mais tarde, para me
escoltar de retorno a Lestalric. Não entendo por que deveria
fazê-lo.
— Eu tampouco — disse Isobel— . Não quando Rob te
forneceu uma quantidade de guardas tão grande como a que
leva ele. Espero que tenha convidado Giff para comer
conosco.
— Certamente.
Sidony notou que se olhavam e se surpreendeu, mas não
lhes daria o gosto de perguntar o que queriam dizer com isso.
E como Isobel tinha convidado Ealga para almoçar antes que
retornasse à mansão Clendenen, não teria oportunidade de
conversar em particular até que a dama partisse.
— Você sabe? Eu gostaria de me encontrar com a Isabella
se fizer um bom dia — comentou lady Clendenen uma vez
que se sentaram à mesa— , e se alguma de vocês me
acompanhar, claro. Estou certa de que vai agradá-la se
fizermos parte de sua comitiva quando entrar na cidade.
Isobel recusou gentilmente, e Adela respondeu que não
estava pronto para deixar sozinha à pequena Anna um dia
inteiro, mas Sidony aceitou imediatamente.

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Lady Clendenen por fim partiu, e Sidony se dedicou a


brincar com seus sobrinhos. Decidiu deixar sozinhas as suas
irmãs para que falassem sem distrações.
Entretanto, os meninos receberam só a metade de sua
atenção, pois sua tia estava muito ocupada em descobrir qual
de seus vestidos seria o melhor para o jantar dessa noite.

Leith Harbor.

Giff desceu de um salto do bote, satisfeito pela reunião


com o capitão do navio holandês, que tinha se mostrado muito
disposto a alugar sua embarcação pelo tempo suficiente para
que ele cumprisse com seu encargo. Planejava levar o navio
holandês só até o castelo de Girnigoe, onde Henry lhe daria
um veículo próprio para transportar a pedra o resto do
caminho.
— Fife nunca poderá te alcançar se parte antes que ele se
saiba — tinha lhe assegurado Michael na noite anterior— . O
vento sopra contra, e Fife não é um bom marinheiro.
— Mas é muito provável que seu capitão seja excelente -
comentou Giff.
— Certamente, o conde sempre contrata aos melhores, mas
se nunca sabe quando é o momento de soltar o cavalo, menos
ainda o fará com um capitão. Coloca o nariz em todos os

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159

lados. Além disso, não é conhecido como o rei das tormentas


por nada, amigo.
Giff se afastou dos marinheiros de Lestalric que o tinham
transportado até o navio holandês, acomodou a espada sobre
as costas e fez uma pausa para observar o movimento da
atarefada baía antes de pedir seu cavalo no estábulo da doca.
Inspecionou uma vez mais o navio mercante holandês e o
de Fife; provavelmente Michael tinha razão: a embarcação
holandesa poderia enfrentar muito bem ao mau tempo. O novo
desenho do navio de Fife ainda não tinha provado a fúria do
mar. Se o capitão era um homem de Edimburgo com pouca
experiência em tratar com marinheiros, provavelmente não
saberia como empregar suas habilidades.
Deixou de lado as naves e suas especulações, com a
intenção de retornar a Lestalric para desfrutar de um almoço e
tomar um tempo para planejar sua estratégia.
Sem dúvida, Henry estaria de acordo em pagar à tripulação
para que permanecesse em Edimburgo para que os homens de
Sinclair tomassem o comando dos remos.
Escutou vozes masculinas detrás dele, dando gritos como
meninos, e deu volta. Descobriu um grupo de homens
amadurecidos, incluindo um rufião vestido de negro que com
um pau dava caça a um menino de oito ou dez anos. O menino
ia evitando os golpes e os obstáculos a toda pressa em direção
ao Giff.
— Detenha esse ladrão!

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O pequeno viu Giff e de repente trocou o rumo para poder


esquivá-lo, e voltou uma vez mais a cabeça para comprovar
que deixava atrás a seus captores.
Giff se inclinou de lado e agarrou uma perna do menino.
— Me solte — começou a chutar ao ar e a retorcer— .
Vão me dar uma surra! Quer que me matem?
— Mantêm a boca fechada se não quiser que eu te dê a
surra - resmungou Giff com calma enquanto obrigava ao moço
a ficar em pé, mas agarrando-o ainda pelo ombro.
— Bem, caçou ao pequeno vilão — disse o primeiro que
os alcançou, ofegando com raiva— . Obrigado, sir. Agora o
levarei. Merece uma boa surra.
— Você é seu pai?
— Duvido que este patife tenha algum.
— Eu não sou um patife, sapo arrebentado! — respondeu o
menino em tom beligerante.
Quando o homem raivoso voltou a tentar agarrá-lo, Giff se
interpôs e colocou ao menino atrás de suas costas.
— Do que o acusa?
— Um homem disse que levou algo — declarou o
acusador— . Eu não o vi, mas o maldito, quando passou
correndo, deu-me uma cotovelada.
— Não pode havê-lo golpeado tão forte, mal pode esmagar
uma formiga — assinalou Giff ao ossudo moço— . Onde está
o homem que deu o alarme?

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— Ali — grunhiu o perseguidor, indicando com um dedo


à multidão reunida.
— Então afaste-se — ordenou MacLennan em um tom que
não admitia resposta— . Eu me encarregarei.
O homem duvidou.
— Sim caia fora, barrigudo careca! — murmurou a
pequena figura atrás de Giff.
— Fica calado — lhe ordenou Giff e lhe deu uma
sacudida, sem tirar a vista dos homens. Em voz bem alta,
disse— : Qual de vocês acusou a este menino?
— Aqui, milord — respondeu um homem de meia idade,
corpulento, sustentando o avental enquanto se aproximava— .
O pequeno me roubou um pedaço de carne recém saído da
panela.
Giff silenciou um novo grunhido procedente de detrás com
outra sacudida.
— Quanto ele te deve? — perguntou, enquanto com a mão
livre procurava sua bolsa. A colocou entre os dentes para
desatar o cordão.
A multidão começou a dispersar-se e o homem, sorrindo
com satisfação antecipada, respondeu despreocupadamente:
— Nada mais que três libras, milord.
Giff o olhou.
Encolhendo os ombros, corrigiu-se:
— Oito centavos, sir.

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— É muito por um pedaço de carne seca - respondeu


Giff— . Duvido que cobre mais de dois centavos por isso que
chama comida, e tampouco estou certo de que o menino tenha
lhe roubado algo. Vou dar uma libra pelos problemas. E a este
patife darei uma lição para que me sirva de recompensa.
— Lhe dê uma boa surra, sir, isso vai ser bom— grunhiu o
vendedor, aceitando o dinheiro.
A maior parte dos que tinham participado da caça já tinham
se afastado. Só o que dizia ter recebido a cotovelada e o que
levava o pau ainda ficavam à vista, mas pareciam estar
falando entre eles sem prestar atenção a ninguém mais.
Giff se voltou para seu cativo.
— Deu uma libra inteira a esse maldito! — exclamou o
moço indignado— . Se acha que lhe vou devolver essa
incrível soma, estão tão desenquadrado como os... Ey!
Giff o levantou do chão e o pôs à altura de seus olhos.
— Não diga uma palavra mais se não quiser que te dê uma
surra agora mesmo.
— Muito bem, estou mudo, já pode me soltar. Mas têm que
saber bem que está atuando como esses valentões
descerebrados.
Giff teve que reprimir uma gargalhada.
— Não sou um valentão. Vou abaixá-lo, mas se essa é sua
forma de permanecer mudo, cortarei sua língua para me
garantir.

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Um par de olhos cor mel, com cílios espessos, abriu-se ante


ele. O menino se manteve em silêncio até que o devolveu ao
chão.
— Olhe, atrás de você! — gritou.
Giff tinha suspeitado que era uma armadilha do descarado
para poder escapar, mas percebeu o perigo. Deu a volta,
afastando ao menino, justo quando o bandido vestido de negro
se lançava sobre ele com o pau levantado.
Pôde parar o golpe e acertou um murro na mandíbula de
seu oponente com toda sua força.
O pau saiu voando, e o bandido acabou no chão...
Inconsciente. Seu companheiro se aproximava agora para
substituí-lo quando uma pequena figura o golpeou, com a
cabeça encurvada, lhe acertando no sensível lugar onde antes
o tinham acusado de acertar uma cotovelada.
A vítima se dobrou de dor, com uma mão tratando de caçar
ao agressor enquanto com a outra cobria a parte dolorida. Mas
com uma agilidade digna do homem melhor treinado de
Dunclathy, o moço escapou como uma lebre.
O vendedor e outros dois se aproximaram correndo.
— Vimos o que ocorreu, milord — disse o primeiro— , e
estamos dispostos a apresentar queixa e levá-los perante o
magistrado.
Giff agradeceu e os deixou para que se encarregassem dos
dois homens. Seu pequeno ajudante se balançava sobre os pés.

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— Ai de mim! Essa sim foi boa — exclamou o moço— .


Os colocou nos quartos!
— Nos quartos? — sorriu Giff.
O garoto lhe devolveu o sorriso, deixando à vista um oco
que só então começavam a cobrir uns dentes desiguais.
— Nos quartos — confirmou orgulhoso— . Meu pai me
açoitaria se me escutasse dizer q...
— Então não deveria dizê-lo - interrompeu Giff.
— Não o disse!
— Assim tem um pai.
— Claro você não tem um?
— Sim tenho - afirmou sério— . E se eu tivesse pegado
algo que não me pertencia, ele também teria me dado uma boa
surra.
— Não, você é muito grande.
— Não sempre fui tão grande. É verdade que roubou o
pedaço de carne?
O menino abriu a boca e logo a fechou, ao ver a expressão
grave de Giff. Depois, elevou o queixo e ficou firme.
— Sim o fiz.
— Onde está?
Os olhos voltaram a brilhar quando o garoto levantou a
manga e deixou à vista um cilindro de carne coberto com
farinha de rosca, que logo voltou a esconder.
— Por que o apanhou?

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— Queria provar se podia — respondeu o menino com


franqueza— ... Queria ver se eu gostava.
— Então deveria havê-lo comprado.
— Mas para isso se necessita de dinheiro.
— E você não tem nada de dinheiro?
O menino elevou os ombros.
— Como se chama?
Ele hesitou. Logo usou o tom do vendedor para reclamar
seu pagamento de três libras.
— A maioria me chama de «o pequeno capitão».
— E como o chama seu pai?
Fez uma careta estranha antes de abrir muito os olhos.
— Você conhece esses caipiras que o estavam vigiando
enquanto davam uma olhada ao navio do holandês? Para onde
parte, capitão?
Giff decidiu que espalhar um pouco de informação errada
pela doca não seria nada mal:
— Estive pensando em viajar para o norte, para Moray
Firth. E fui vê-lo para lhe perguntar pelo transporte.
Para sua surpresa, o menino deixou escapar um bufo e
sacudiu a cabeça.
— Vocês não deve ir ao norte com essa barcaça. A água
vai estar brava.
— E o que sabe você de navios, jovenzinho?
O menino pôs os olhos em branco antes de responder.

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— Sei muito bem que lhe convém viajar com meu pai. Ele
também vai para o norte, e se você jurar não dizer nada sobre
a libra que lhe devo e não lhe dizer nada do cilindro de carne
pedirei que o leve conosco.
— E de que navio seu pai é capitão?
— Aquele lá. Esse com os remos elevados e o mastro alto.
— Essa nave pertence ao lorde Fife — respondeu Giff,
olhando-o seriamente.
— Claro. É o Rainha Serpente. Mas meu papai é o capitão.
Por isso me chamam o «pequeno capitão». Mas meu nome é
Jake Maxwell — acrescentou com cortesia.
— Realmente acha que poderia haver espaço para alguém
mais?
O menino voltou a sorrir.
— Se estiver de acordo com minhas condições, vamos
agora mesmo e perguntamos.
— Não direi nada a seu pai, mas não estou de acordo com a
libra - vacilou Giff— . Deve me devolver a soma completa.
Jake o mediu com cuidado.
— Então, irei fazê-lo, algum dia — se resignou— .
Embora não sei como.
— Vai te ocorrer algo - riu Giff— . Vamos agora ver seu
pai?
— O bote está ali, os homens poderão nos levar.
— Pega o cilindro de carne — ordenou Giff quando se
aproximavam da água.

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— Para que?
— Não tinha fome? — perguntou tirando sua faca— . Vou
perder meu o almoço, assim pensei que poderia compartilhar o
seu.
— Claro! — exclamou Jake, com um sorriso instantâneo—
, também tenho uma chuleta de carneiro, e um scone para
comer algo doce depois.
— Um verdadeiro festim — o felicitou enquanto o menino
tirava de sua bota o pedaço de carne e o scone.
— Você os adquiriu da mesma forma que o cilindro de
carne, creio.
— Ainda estão quentes, mas como vocês disse que não
diria ao meu pai...
— OH, não o farei — assegurou Giff.
A ênfase em seu tom fez com que o menino levantasse a
cabeça e o olhasse intrigado com seus olhos cor de amêndoa.
— É você quem o vai fazer — esclareceu alegremente,
enquanto cortava umas fatias de carne. Quando percebeu com
a extremidade do olho que o menino estava a ponto de
escapar, adicionou— : A menos que tenha medo, claro está.
Um homem tem que aceitar a responsabilidade de seus atos.
— Não tenho medo! — exclamou Jake, indignado.
— Bom moço.
Deixou a faca de lado e lhe deu uma das fatias de carne.
— Aqui está sua parte. Cheira muito bem.

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— Mais vale que assim seja, se me houver custar uma libra


inteira — murmurou Jake.
Já não tinha tanta pressa em ir à Rainha Serpente.
— Aí está nosso bote.

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Capítulo 9

Tentou se concentrar em seu trabalho de costura, mas uns


vagos e persistentes pensamentos fizeram que enfiasse duas
vezes a agulha no polegar, de modo que o deixou de lado.
Deixou a porta um pouco aberta e verificou repetidamente
que seu cabelo estivesse em ordem, e que o delicado véu de
seda branco se achasse em seu lugar. Esperou até escutar as
vozes de suas irmãs, «apresse-se, Sidony!». Quando desceu,
sir Giffard MacLennan entrava no salão nesse exato momento.
Sidony se deteve no último degrau e tomou ar antes de
aproximar-se do hóspede que nesse momento cruzava a
soleira.
— Bem-vindo sir — o saudou Isobel com um sorriso— .
Alegro-me de que nos honre com sua presença. Espero que
sua busca tenha sido bem-sucedida.
— Eu tive muito sucesso, milady, obrigado - respondeu
ele.
Apenas a olhou um segundo, para deter-se logo na beleza
escocesa de pé junto à escada. Então sorriu satisfeito.
— Espero que os meus criados lhes tenham dado um bom
almoço — disse Adela.
— Infelizmente, milady, meus assuntos me atrasaram tanto
que não pude almoçar em Lestalric.

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— OH, querido, então devem estar caindo de fome!


— Nada disso — replicou, divertido— . Compartilhei o
almoço com uma pessoa muito peculiar.
— Peculiar? — perguntaram em uníssono Isobel e Sidony.
— Vai nos contar isso assim que nos tenhamos sentado -
resolveu Adela.
Ninguém se atreveu a discutir com ela. Ela e Rob tinham
convertido o castelo de Lestalric, esquecido e em ruínas por
tanto tempo, em um lar muito acolhedor, tanto que a maioria
dos membros da nobreza da Escócia pedia para ser convidado
a seus jantares.
— Você disse que Rob retornaria para o jantar? —
perguntou Sidony, pensando justamente nessas celebrações.
— Prometeu-me que o faria. Mas teve que partir de novo
na quarta-feira para fazer parte da comitiva de Isabella.
— Sentem-se no lugar do Michael, Giff — disse Isobel
indicando a cabeceira da mesa.
Benzeram os alimentos, e Isobel fez um gesto para que os
criados começassem a servir.
— Bem, Giff, nos contem sua história.
MacLennan demonstrou ser um bom narrador e as fez rir
mais de uma vez durante o relato.
— E o que passou quando se encontrou com o pai do Jake?
— perguntou Sidony.
— O capitão Wat Maxwell é um bom homem, acredito.
Jake me apresentou com muita pompa, mas como não sabia

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meu nome, porque não lhe me tinha ocorrido perguntar isso


antes, tive que completar a apresentação. Surpreendeu-me
descobrir que o capitão Maxwell tinha escutado sobre mim.
— E o que você achou do navio do conde Fife? —
perguntou Isobel.
Sidony notou que Giff a esquadrinhava como se
suspeitasse de algo.
— É um bom navio. É tão fácil de manobrar como uma
galera, apesar de ser mais pesado. Além disso, têm espaço
suficiente para carga, como os navios mercantes. E com
respeito ao Maxwell, diria que sabe muito bem o que faz.
Desta vez foram Isobel e Adela as que trocaram olhares.
Sidony estava a ponto de perguntar que diabos ocultavam,
quando percebeu o olhar penetrante de Giff.
— Por que te atacaram esses dois homens, sir? —
surpreendeu-o de repente.
Giff encolheu os ombros.
— Provavelmente me tomaram por uma presa fácil.
Que alguém pudesse considerá-lo uma vítima indefesa,
com aquela espada que levava pendurada nas costas era
ridículo. Além disso, Giff caminhava como se o mundo lhe
pertencesse, mesmo se não levasse a espada consigo.
— Possivelmente alguém os mandou lhe vigiar —
comentou Isobel.
— Mas por quê? — perguntou Sidony.

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— Diabos, não sei — respondeu Giff, e logo acrescentou


com remorso— : Desculpem minhas maneiras bruscas,
milady. Eu gostaria de repará-lo. Faz uma tarde ensolarada.
Me dariam a honra de passear comigo pelo jardim um pouco
mais tarde?
Sidony olhou para Isobel, que assentiu.
— Eu adoraria sir — aceitou a jovem— . Mas eu gostaria
mais que respondesse a minhas perguntas.
Antes que sua irmã cometesse mais faltas de decoro, Adela
se apressou a perguntar pelas novidades que trazia das
atividades dos ingleses nas terras fronteiriças.
— Rob escutou que Fife planeja algo contra Douglas. As
notícias chegaram dos monastérios, nos carros de lã —
comentou lady Lestalric.
— Pode estar certa de que logo toda Escócia saberá -
acrescentou Isobel— . Certamente, o senhor das Ilhas o fará.
— Como é possível?
Sidony o olhou surpresa.
— Sir deveria saber que nas Ilhas nós ficamos sabendo de
tudo. Nossa irmã Cristina se casou com o almirante em chefe
do senhor das Ilhas, o homem mais bem informado de toda
Escócia.
— Verdade — concordou Isobel— . Lachlan Lubanach
tem informantes em todos os lugares. Muito pouco do que
ocorre na Escócia lhe escapa.

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Conversaram animadamente até que acabou o jantar. Giff


se levantou da mesa então e perguntou:
— Deseja apanhar um casaco, lady Sidony?
Sidony não quis nenhum casaco, apesar de seu vestido ser
de um tecido leve. Giff a conduziu então até o jardim. Quando
passavam junto a suas irmãs, lady Adela murmurou:
— Permaneça perto, sir.
Ele sorriu.
— Não tenho nenhuma intenção de me afastar, milady.
Mas se desejam retornar para Lestalric imediatamente, só têm
que dizê-lo e partiremos em seguida.
— Não — respondeu ela com um olhar amável para
Sidony— . Não tenho nenhuma pressa.
Uma vez fora, Giff a pegou pelo braço e conduziu a um
atalho mais afastado. Havia várias janelas da casa que davam
ao jardim.
— Está muito calada — comentou.
— Estou cansada.
— Se quiser retornar, eu...
— Estou cansada de que me escondam tudo. Qual é o
segredo que compartilha com Isobel e Adela? — perguntou a
jovem diretamente.
— O que é o que a faz pensar que compartilhamos algum
segredo?

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— Não sou tola. O jeito que você olhou para Isobel quando
ela perguntou se tinha tido êxito em seu dia. E depois, quando
quis saber como era o navio do Fife.
— É uma boa observadora.
— Também notei como reagiram quando mencionou ao
capitão Maxwell — continuou— . Senti-me uma menina em
meio de uma conversa de adultos.
— Isso não foi nada amável de nossa parte — admitiu ele.
Posou sua mão sobre o ombro, detendo-a no meio do
atalho.
— Vejo que não tem nenhum peixe na mão desta vez,
mas...
Finalmente, Sidony sorriu.
— Você vai me disser o que traz entre as mãos? Ou não
confia em mim?
— Por Deus, moça, como poderia saber se é de confiança
se mal te conheço?
Giff notou que ela ficava rígida.
— A verdade é que já sabe demais do assunto —
acrescentou rapidamente.
— O que é o que sei?
— Que procuro um navio para viajar para o oeste.
Sidony o olhava tão intensamente que Giff desejou devorar
esses lábios carnudos.
— Já vejo — disse ela— . Mas por que deveria importar a
Isobel o que você pensava do capitão do Fife?

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Sua vontade de calá-la com um beijo se redobrou, mas o


instinto lhe indicou que se transformava em um grande
mistério o assunto, só acabaria alimentando a curiosidade de
Sidony.
— Tudo o que Fife esteja procurando, eu imagino que se
relaciona com o que você e outros encontraram na garganta, e
é isso o que tenta transportar para Girnigoe ou para algum
lugar mais longe em sua viagem ao oeste, sir Giffard?
Uma gota de suor deslizou pela têmpora de Giff. Essa
mocinha tinha uma perspicácia maior do que qualquer
cavalheiro templário. Esforçou-se por imaginar uma resposta
convincente que a desviasse de suas hipóteses acertadas, mas
sua curiosidade o traiu:
— E todas estas suas teorias também irão revelar o que
poderia ser esse objeto?
— Suponho que será parte do tesouro.
Enquanto ele lutava para ocultar sua admiração, lady
Macleod prosseguiu.
— Algo que perturba ao conde — esfregou o queixo como
um velho filósofo— . Talvez... Talvez o homem que o atacou
com o pau esteja sob o comando de Fife - concluiu.
Por todos os diabos, ele não tinha pensado nisso. Ainda
lutava para manter a calma. Embora o que mais teria gostado
de fazer seria sacudi-la para lhe arrancar tudo o que sabia.
— E por que acha que era um homem do Fife?

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— Porque disse que Jake Maxwell os tinha visto te


observando, e os homens do Fife se vestem de negro, assim
como ele.
Giff deu uma olhada à casa.
— Vêem aqui — lhe ordenou, e a conduziu até a sombra
de uns arbustos. Logo se aproximou perigosamente dela e lhe
falou em tudo grave:
— De que tesouro está falando?
Sidony levantou o queixo, mas não fez nada para liberar-
se. Tampouco disse uma palavra.
Giff a sacudiu, impaciente.
— Diga-me.
— Possivelmente não deveria te-lo mencionado. Acredito
que não direi mais nada.
Apertou-lhe os ombros, tanto que conseguiu que Sidony
fizesse uma careta de dor.
— Então a levarei rapidamente para Roslin, assim você o
explicará para Hugo, Rob e Michael.
— Não o fará!
— OH sim, querida, eu o farei. Asseguro que o farei.
O coração de Sidony pulsava com rapidez. Desejava não
ter mencionado o tesouro. Sua fúria lhe parecia estimulante
tão estimulante que experimentou um curioso desejo de
desafiá-lo.
— E então?
— Está me machucando.

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Giff a soltou, mas seguia estando muito perto.


— Se afaste de mim — ela pediu— . Não posso pensar
enquanto você me olha assim.
— Não penso em me mover — se recusou— . Você vai
me contar ou vai contar para eles? E não pense que não sou
capaz de te carregar sobre meu ombro e a levar aos estábulos
enquanto selo o cavalo.
Sidony sacudiu a cabeça. Quanto mais a pressionava para
que se decidisse, mais difícil ficava pensar.
— Me diga o que sabe sobre o tesouro — repetiu com
calma.
— Só que todos meus cunhados e agora você, creio,
guardam um tesouro. E que por isso Fife o quer.
— Quem lhe disse isso? — franziu o cenho.
— Na verdade, ninguém.
— Não me tome por idiota, mocinha. Alguém lhe contou
isso.
— Quero dizer que ninguém me contou isso
intencionadamente - acrescentou ela imediatamente quando
ele voltou a agarrar pelos ombros— . Só os escutei falar.
— Assim fareja atrás das portas?
— Isso não é certo! — exclamou ela— . Esqueceram que
estava ali, como sempre.
— O que foi que ouviu?
— Coisas diferentes em momentos distintos — admitiu
ela, encolhendo os ombros— . A Isobel, a Adela e a Sorcha,

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claro, mas também ao Michael e ao Henry - foi contando com


os dedos— . Acredito que nunca escutei nada do Rob ou do
Hugo...
— E como diabo pôde presenciar tantas conversas
privadas?
— Já disse, esquecem-se de que estou ali. Na verdade, para
eles é igual se estiver ou não. Às vezes me sinto como um
fantasma. Sei que não o fazem de propósito, mas...
— Claro que não — murmurou ele. Parecia mais zangado
que antes— . E a quem mais mencionou este tesouro?
— A ninguém — respondeu surpresa.
— A ninguém? Por que não falou com suas irmãs?
— Por Deus, sir, ainda me dói a surra que meu pai me deu
quando contei algo que tinha escutado. Não pude me sentar
direito por uma semana. Tinha oito anos. Não se esquece tão
facilmente uma lição assim.
— Tem certeza de que não o mencionou a ninguém?
— A quem poderia mencionar?- afastou um cacho dourado
que tinha caído graciosamente sobre o rosto— . Nunca o diria
aos criados, e certamente, é melhor que minhas irmãs não se
inteirem do muito que as escutei falar durante todos estes
anos. É a primeira pessoa que se mostrou interessada em meus
comentários.
— Muito bem, então — suspirou— . Retornemos. Se
ficarmos muito tempo sem que nos vejam, enviarão a alguém
para nos buscar.

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— Escutei o que Adela disse.


Mas Sidony não estava segura de querer escutar o que ele
tinha para lhe dizer.
— Os outros terão que saber sobre isto — ele comentou
sério, enquanto caminhavam.
— Todos os outros?
Sidony mordiscou o lábio inferior.
— Pode ser que Michael o entenda, e possivelmente
Henry, mas Hugo não o fará, e tampouco Rob. Pensarão que
Sorcha e que Adela foram descuidadas.
— Por favor, milady — disse ele, impaciente— , todos
foram descuidados, inclusive os homens.
— Mas eles preferem culpar a mim e a minhas irmãs.
— Pois, que o façam — ele respondeu implacável. Essa é
a conseqüência de suas ações e das de suas irmãs.
— Típico dos homens — ela bufou com desdém— . Por
que será que quando as mulheres fazem algo, é uma falta que
merece castigo, e quando os homens cometem um engano,
continua sendo falta das mulheres?
— É assim como o vê? — Soava divertido.
— Não ria de mim! É lamentável, mas na maioria das
vezes, assim ocorrem às coisas.
Giff se deteve e a encarou.
— Então deveria ser mais cuidadosa em não desgostar a
seus parentes.
— E você não deveria se intrometer com a minha família!

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— Então você quer que eu minta para eles?


— Não precisa mentir.
— E então, o que quer que responda quando me
perguntarem como chegou, a saber, disso? Minha reputação
também está comprometida, sabe? Isto não é um jogo de
meninas.
Furiosa, Sidony quase esbofeteou a esse templário
presunçoso.
— OH, entendo, para você eu sou uma menina caprichosa.
Você me vê como os outros.
Giff também estava furioso, como podia acusá-lo de vê-la
como uma menina! Se tudo o que desejava era lhe arrancar o
vestido e possuí-la sobre a grama. Teve que conter-se, para
não lamber esses lábios entre abertos. Sidony o olhava como
uma deusa guerreira, pronta para a batalha.
— Está errada. O que digo é que não é a boneca de uma
menina que deve ficar onde a abandonaram até que alguém a
tire dali. É uma moça com vontade própria. Se tivesse agido
como deveria, teria revelado sua presença imediatamente.
Essa é a pura verdade, e você sabe independentemente de
querer reconhecê-la ou não.
Falou com os olhos cheios de lágrimas.
— Realmente pensa isso?
— Eu vou lhe provar isso — declarou ele.
Giff estava fazendo um grande esforço por conter os
nervos. Apesar de que a tinha tratado de maneira rude, devia

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ensinar uma lição a essa mocinha teimosa. Enquanto lhe


narrava uma vez mais como tinha fiado os retalhos das
conversas para chegar a deduzir a existência do tesouro, ele
concluiu que todos se equivocaram em tratá-la como se não
existisse, pois essa atitude tinha confundido Sidony. A moça
se equivocava ao acreditar que não tomava decisões por
própria vontade, quando na realidade cada ato que realizava
ou não demonstrava uma resolução tomada. Por isso disse de
repente:
— Pensei que foi honesta, mas agora me questiono isso.
Desta vez, as lágrimas acabaram por correr pelas
bochechas de Sidony. Mas Giff as ignorou como tinha feito
antes. Não podia permitir que o afetassem agora; do contrário,
falharia em sua missão para a fazer entender seu engano.
Sidony mordia o lábio, tratando de controlar-se. Giff
reconheceu os sinais de uma crise iminente. Esperava ter
julgado corretamente sua coragem.
— Se não poder controlar suas emoções para continuar
com esta conversa, possivelmente tenhamos que voltar para
dentro.
Para seu alívio, Sidony elevou o queixo e lhe cravou o
olhar.
— Fale milord, posso suportar suas agressões mais uma
vez, embora já expressasse bem a baixa estima em que me
tem.

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— Não seja tola — vociferou— . Se não me importasse,


não estaria perdendo meu tempo em tratar de te fazer entender
o engano de sua forma de pensar.
Sidony cobriu os olhos com a manga de seu vestido e
chorou como uma criança, tanto que Giff esteve a ponto de
abraçá-la para confortá-la um pouco. Mas se conteve, e teve
sua recompensa quando ela, um momento depois, recuperou-
se cheia de dignidade e concluiu seu relato.
— Simplesmente pensei que como Isobel não me esperaria
até a hora do jantar, não faria nenhuma diferença se ia para
Hawthornden visitar Sorcha... E possivelmente a ver você de
novo.
Sidony fez uma careta, e logo pareceu recordar de algo.
— Vi uma das mulheres de lady Clendenen falando com
um criado na porta. Como não queria falar com ninguém nesse
momento, virei para St. Giles. Assim suponho que ali tomei
uma decisão. Agora posso vê-lo. Mas nesse momento, não
pensei. Só agi, e tampouco voltei a pensar nisso até agora.
Giff assentiu, satisfeito.
— Agora me diga, se você foi ver Sorcha ou ver a mim,
por que não voltou para me ver com os outros na garganta?
A moça detalhou cada um de seus movimentos durante a
tarde.
— Cada um desses passos é uma decisão — assinalou
amável— . Vê?

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— Se as decisões são escolher uma opção, então sim —


admitiu por fim— . Mas não estou segura de que seja só isso.
Tenho a tendência pensar nas ocasiões mais difíceis qual a
forma que Sorcha e os outros agem quando tomam decisões
sobre o que eu devo fazer.
— Tem que entender que cada decisão sua afeta às outras
pessoas. Irá notá-lo agora, porque algumas dessas pessoas
ficarão zangadas contigo, e com direito.
Sidony reagiu como o jovem Jake, deixando escapar um
longo suspiro.
— Eu deveria ter pensado antes - comentou— . Me tornei
tão egoísta que só penso em mim mesma?
— Muito menos que qualquer outro que eu conheça —
disse ele— . Ânimo, tire o cabelo do rosto. Assim eu gosto
mais. Será melhor que regressemos, antes que saiam para nos
buscar.
— De acordo.
Encontraram a suas duas irmãs sentadas comodamente
junto ao fogo. Giff olhou para Sidony, temendo que
balanceasse no momento da verdade.
Mas ela avançou muito firme, e o deixou na soleira do
salão.
— Desfrutou do passeio? — perguntou Adela.
— Vim me confessar - disse Sidony de repente.
Giff escutou divertido o tom severo da jovem.
— Que coisa, querida?

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— Sei algo sobre o tesouro.


Giff mordeu o lábio para refrear a diversão. Sabia o que
estava a ponto de ocorrer. Tal como esperava, Isobel e Adela
se voltaram para ele, com olhares cheios de acusação.
— Giff, como pode...! — exclamou Isobel, os olhos
chispando.
— Não, não o fez — respondeu Sidony por ele— . Vocês
que me disseram.

GRH
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Capítulo 10

A segunda-feira amanheceu ensolarada, as nuvens brancas


brincavam de correr para o leste, jogando suas rápidas
sombras sobre as casas e os jardins de Canongate.
Depois do café da manhã, Sidony imaginou se podia
perceber os aromas do tomilho e do urze no vento, e saiu ao
jardim. Mas pela primeira vez, não queria ser transportada
como por magia para sua casa. Lembrou do passeio na tarde
anterior com Giff MacLennan, como um homem tão severo
podia ocupar seus pensamentos?
Mas não conseguiu nenhuma resposta.
No meio da amanhã, embora o vento seguisse soprando do
oeste, as nuvens tinham desacelerado sua viagem, e
começavam a acumular-se e a escurecer-se.
Quando Isobel e Sidony se sentaram para o almoço, o céu
havia se escurecido tanto que um dos criados mal tinha
terminado de acender todas as velas quando a chuva já batia
contra os vidros.
Isobel mal havia dito uma palavra em toda a manhã, mas
deixou escapar um suspiro ao olhar pela janela.
— Muito lúgubre, não? Espero que não seja uma dessas
tormentas que duram dias. Estragaria o jantar de Adela
amanhã.

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— Você continua zangada comigo? — perguntou-lhe


Sidony com calma.
Isobel e Adela se zangaram muito na noite anterior, mas na
presença de Giff MacLennan, nenhuma tinha aprofundado
mais sobre o assunto. Adela tinha partido furiosa para
Lestalric com o Giff, e Isobel se retirou à cama com a
desculpa de uma dor de cabeça.
Agora, Sidony esperava com ansiedade a resposta de sua
irmã.
Mas Isobel se serviu de duas porções do salmão frito que
lhe oferecia um dos criados e não disse nada. Quando o peixe
estava colocado sobre a mesa, pediu aos dois serventes que se
retirassem.
— Não estou zangada, Sidony — assegurou— . Não com
você. Estou com raiva de mim mesma. Só me pergunto o que
dirá Michael quando retornar.
— Não parece nunca ficar zangado contigo — comentou
Sidony.
— Possivelmente não, mas quando está chateado, pode me
fazer sentir a criatura mais vil da criação com apenas duas
palavras. E isto incomodará muito.
— Giff diz que eu deveria ter falado para advertir a minha
presença. Mas de verdade, Isobel, todos vocês me ensinaram
há muito tempo que não devia falar quando não me
correspondia. Em todo caso, nunca ninguém se preocupou
com isso.

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187

— Eu sei — respondeu Isobel, sentindo remorsos— . Até


posso recordar uma dessas discussões no solar de Roslin, com
a Sorcha e Adela, e agora que penso, tenho certeza de que
você estava sentada em um lado, bordando junto ao fogo, na
outra ponta da sala. Falávamos em voz baixa, e sempre
parecia estar distraída, mas estava claro que podia nos escutar
perfeitamente.
Sidony assentiu, aliviada de que Isobel parecesse entendê-
la.
— Muitas vezes, estava distraída. Mas quando não o estava
também não pensei que estivesse fazendo algo incorreto.
— Pois bem, é provável que Adela se sinta como eu, mas
Sorcha talvez se zangue, porque Hugo o fará. Penso que não
será capaz de entender que algo assim possa ter ocorrido.
— Eu só queria estar perto de todo mundo, para saber o
que estavam fazendo - tratou de justificar-se— . Mas espero
que esteja certa com respeito à Adela, e que ela possa fazer
Rob entender que nunca traí seus segredos.
— O que me diz de sir Giffard? Falou com ele do assunto,
isso poderia se considerar uma traição.
— Mas ele já sabia. Além disso, não repeti nenhum detalhe
nem nada específico que tivesse escutado de nenhuma pessoa
em particular.
— Isso vai nos ajudar, eu acho — suspirou Isobel— . Ao
menos, com o Michael, porque ele sempre escuta primeiro e
depois julga. Não posso dizer nada em relação aos outros. Rob

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retornará para casa amanhã, e garanto que Giff vai contar logo
que chegue. Sua reação nos ajudará, a saber, o quanto os
outros estarão zangados.
Sidony fez uma careta.
— Sei que muitas tormentas de espírito passam rápido, mas
reconheço que não me incomodaria que esta chuva os
mantenha afastados um pouco mais.

Giff estava ensopado até os ossos. Geralmente, gostava dos


caprichos do tempo, mas detestava que o dia que tinha
começado tão bem se vingasse contra ele em forma de uma
chuva torrencial.
Tinha cavalgado pela costa para Portobello, em busca do
lugar mais seguro para carregar a pedra no navio holandês,
mas ainda não estava convencido de como transportá-la.
Seguiu considerando o problema enquanto ia de volta para
Lestalric. Poderiam simplesmente usar uma doca pública e
levar a pedra como qualquer outra carga?
E o que aconteceria se Fife e seus homens aparecessem
nesse momento?
Apesar de ser audaz, Giff decidiu agir com cautela.
Entretanto, ele sabia que para ter êxito, devia mover-se com
rapidez.
Amanhã Rob traria mais informações. Não era marinheiro,
mas Michael tinha experiência com navios, e Hugo também

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conhecia do assunto pela frota de Henry. E o próprio príncipe


era o melhor marinheiro dos Sinclair, mas estava em Girnigoe
e seus navios longe, carregados de lã.
Também restava o problema do capitão holandês e sua
tripulação. Não planejava mencionar ao capitão que tipo de
carga levariam. Mas informar à tripulação holandesa que
prescindiria de seus serviços sem dúvida causaria problemas,
especialmente porque os necessitaria até poder substituí-los
pelos homens do Sinclair. E não podia fazer essa troca com os
homens do Fife estacionados em Leith Harbor.
O tempo também era algo a considerar, embora a
experiência lhe dissesse que a atual tormenta, tão pesada e
confusa, acabaria logo. Na verdade, o entardecer foi
espetacular, e as águas da baía se tingiram de vermelho.

Mais tarde, enquanto Fife revisava uns documentos reais,


entrou um rufião, fez uma reverência e falou com seu senhor.
— Me desculpe sua excelência. Rolf Stow está aqui para
reportar-se, e o Chevalier De Gredin o espera também.
— Diga a ambos que entrem.
O Chevalier francês entrou primeiro e fez sua exagerada
reverência, com Stow seguindo-o atrás, por sua vez com o
chapéu na mão.
— Que notícias traz para mim, Rolf Stow? — perguntou-
lhe Fife imediatamente.

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O homem aliou seu cabelo.


— A condessa Isabella atrasou o dia de sua chegada para a
quinta-feira porque os caminhos estão cheios de carretas com
lã.
— Isto é tudo o que pode averiguar? — olhou-o com
desprezo— . Nada mais?
— Só que irá pelo atalho do rio enquanto que suas carretas
irão pela rota de acima.
— O que me diz de Hugo e seus homens?
Rolf apertou seu chapéu.
— Mais que nunca se ocupam de seus assuntos, milord.
Sir Hugo se dedicou a organizar uma verdadeira caravana
como séquito para a dama.
— Sim — disse Fife— . Mas se estivessem tratando de
mover outra coisa que não fosse lã, gostaria de saber do que se
trata. Vai retornar esta noite, para procurar mais informação.
Quando Rolf se retirou, De Gredin ficou junto ao fogo.
— Uma caravana de carros é capaz de esconder quase tudo
que queiram mover.
— Não se preocupe. Eu pretendo mandar revistar cada um
desses carros e cada transporte de lã que entrar em Leith
Harbor. Bem — pôs de lado seus papéis— , me diga quando
chegarão esses navios papais que esperamos.
— Logo, sir — respondeu De Gredin— . Mas tenho algo
mais que dizer.
— Do que se trata?

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— Mandei vigiar a um cavalheiro chamado Giffard


MacLennan depois de que o viram entrar na mansão
Clendenen com uma das irmãs Macleod. Aparentemente,
reuniu-se com Hugo Robison e Robert Logan, e depois esteve
olhando e visitando alguns navios na baía. Ontem pela manhã
passou mais de uma hora a bordo de um cargueiro mercante
holandês, chamado O Trovão do Mar.
— Suspeita que MacLennan seja capitão de algum navio
ancorado na baía?
— Não chegou de navio até aqui, embora digam que é um
marinheiro habilidoso. Suspeito que está tratando de vender
ou alugar um navio.
— Interessante — Fife arranhou o queixo— . Ordene a
seus homens que não o percam de vista.
— Pois terei que pôr outros — rebateu De Gredin com
uma careta. Esses dois acabaram em Tollgate, perante um
magistrado por um incidente na baía. Levou-me um tempo
encontrá-los. Mas manterão silêncio, além disso, não nunca
mencionei seu nome, milord.
— Ao menos têm um pouco de senso comum. Recorra ao
que for necessário para apurar que diabos trama este
MacLennan.
Quando o Chevalier se retirou, Fife repassou seu plano. Os
Sinclair e os Logan sabiam onde se achava a pedra. Depois de
tudo, William Logan tinha assegurado que seu irmão Robert
sabia como encontrá-la, e o conde tinha acreditado que

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poderia forçar Logan a dizer-lhe Mas seu plano tinha falhado,


e o único navio na baía que partia para o norte ou ao oeste
então era o de Orkney, com De Gredin a bordo. Depois disso,
Fife tinha posto vigilância constante em Leith Harbor e em
todos os navios cargueiros que zarpavam nessa direção.
De Gredin tinha colaborado na primeira busca, até que Fife
ameaçou lady Adela Logan, e o Chevalier o traiu. Se tivesse
visto algo em Girnigoe que pudesse conduzi-lo ao tesouro
templário, o escorregadio francês jamais o compartilharia a
menos que tivesse que fazê-lo.
Assim, por alguma razão, De Gredin necessitava de Fife, e
começava a parecer que os Sinclair e seus amigos tinham algo
importante que mover em segredo.

Sidony e Isobel viajaram para Lestalric na terça-feira pela


manhã e chegaram a seu destino bem antes do meio-dia. O
único sinal que ficava da chuva torrencial da segunda-feira era
uma infinidade de atoleiros e um mar de tendas erguidas ao
longo da costa do Loch End, ao norte da colina de Lestalric,
para proteger centenas de amontoados de lã que esperavam ser
carregados nos navios que os transportariam aos Países Baixos
e mais à frente. A cavalo, sobre a colina que conduzia ao
castelo, detiveram-se desfrutar da vista das tendas.
Sidony nunca tinha visto nada semelhante.

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— Essa deve ser a lã de alguma das abadias das terras


fronteiriças. Michael disse que estava a caminho — comentou
Isobel.
E lhe explicou alguns detalhes mais, mas Sidony não
prestou atenção. O assunto da lã não lhe preocupava em nada;
estava mais interessada em descobrir se Giff estaria em
Lestalric.
Adela desceu correndo à entrada principal para as receber
quando entraram no pátio.
— Sinto te haver incomodado Adela. Espero... —
murmurou enquanto se abraçaram.
— Não se preocupe — a interrompeu sua irmã em voz
baixa— . Eu sei tudo. É só que Rob vive receoso de que se
revelem seus segredos. Mas poderei lhe assegurar que você
não o trairá.
— E Hugo?
— Sorcha se encarregará de seu marido — afirmou Adela,
piscando o olho— . De qualquer forma, Hugo e Michael
chegarão amanhã com a Isabella, e Hugo sabe que não é
nenhuma charlatona. Mas Rob chega hoje, e não a conhece tão
bem ainda.
Sidony tinha que dar-se por satisfeita. Esteve esperando em
silencio por notícias de Giff, até que Adela comentou que
tinha saído a cavalo essa manhã sem dizer quando retornaria.

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Giff havia partido de Lestalric logo que amanheceu


decidido a encontrar-se com Rob no caminho. Tinha-lhe
ocorrido que com as irmãs de lady Adela e os infinitos
convidados chegando essa manhã, ele e Rob não teriam uma
boa oportunidade de falar em particular.
Encontrou-se com Logan e sua comitiva habitual de uma
dúzia de homens ao sul do caminho do rio North Esk.
— A rota estava tão movimentada desde a cidade? —
perguntou-lhe Rob ao vê-lo.
— Infernal — bufou exausto— . Espero que tenha tão
boas relações com a abadia para que nos permitam cruzar pelo
bosque. Não posso ordenar minhas idéias com esses malditos
balidos ao fundo.
Rob riu.
— Se mal me recordo, embora não tivesse nenhum vínculo
com a abadia, já cruzou por seus bosques faz uma semana.
— Mas não estava com uma dúzia de homens armados que
triturariam a terra do bosque com as patas de seus cavalos. De
fato, estava tão certo de que você a respeitaria hoje, que por
isso vim pela rota principal, convencido de que o encontraria
ali.
Rob se voltou para o capitão de sua comitiva.
— Viraremos para a abadia ao pé de Arthur's Seat. Os
moços e você podem seguir através da cidade. Estou tão
seguro nas terras do abade como nas minhas próprias.

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O capitão aceitou a ordem; logo chegaram ao caminho


úmido e lamacento.
— Espero que tenha um bom motivo para este desvio, sir -
comentou Michael ao ver os atoleiros que se espalhavam pelo
caminho— . Os cavalos vão se afundar neste maldito pântano.
— Queria discutir algumas coisas sem o risco de
interrupção ou de ouvidos curiosos - respondeu Giff— .
Lestalric estará repleto de hóspedes.
— Garanto que teríamos podido encontrar um lugar para
falar com tranqüilidade — comentou Rob.
— Mas não sem que outros o notassem. E, além disso,
tenho que dizer algo do qual vocês não gostarão.
Notou que Rob franzia o cenho, mas o ignorou e explicou o
que lady Sidony sabia sobre o tesouro fazia um tempo.
— Mas como?
Giff explicou o melhor que pôde. E para sua surpresa, Rob
declarou:
— Sei muito bem como aconteceu. Só basta pensar em
como as pessoas falam de seus assuntos privados diante dos
servos, como se fossem feitos de cera. Eu mesmo me inteirei
de que algumas coisas desta forma. E como parte da família,
Sidony tem um dom para ser invisível quando não quer que os
outros se atenham nela.
Giff o estudou com atenção, tratando de cogitar seu estado
de ânimo.

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— Acredito que teremos que tomar cuidado de com quem a


moça se case. Manter segredos é muito difícil, mas parece
quase impossível se houver alguns membros da família que os
conhecem e outros não.
— Mas em toda Escócia se espalham rumores sobre o
tesouro - lhe assinalou Giff.
— São só mitos infundados - rebateu Rob— . E as pessoas
que os difundiram não estão encarregadas de proteger o
tesouro. Além disso, a pedra tem uma importância pessoal
para os Logan e os Sinclair, porque sua localização foi
comunicada diretamente ao Henry e a mim. Embora a Ordem
esteja implicada, nós somos responsáveis diretos por sua
segurança.
— A moça não sabe nada da pedra — acrescentou Giff— .
Mas acredita que me levarei uma parte do tesouro no navio.
— Então não temos que lhe contar mais nada — resolveu
Logan— . O abade de Holyrood nunca pronunciou seu nome.
Adela e eu decidimos fazer o mesmo.
— Decidiu quando terei que zarpar? — perguntou Giff.
— Encontrou algum navio?
— Um bom navio mercante holandês, embora eu o
chamasse de barcaça.
Giff descreveu a embarcação e falou sobre Jake Maxwell e
seu pai, e também que Sidony tinha sugerido que esse homem
que o tinha atacado na doca poderia trabalhar para Fife.

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— Então quanto mais rápido nos movamos, melhor -


concluiu Rob— . Deixaremos a pedra no lugar correto para
sexta-feira, e assim aproveitaremos todo este alvoroço nas
rotas.
Giff assegurou que até lá o navio estaria preparado e
perguntou que devia fazer com o capitão holandês e sua
tripulação.
— Não podemos fazer que embarquem e naveguem
comigo até o ponto de encontro e depois mandá-los embora.
— Discutiremos isso com o Hugo, antes da sexta-feira
teremos um plano completo — decidiu Rob— . Amanhã pela
manhã estarei de volta a Roslin. Hugo esteve preocupado
durante um tempo pela possibilidade da presença de um
espião em Roslin. Por isso, embora a condessa tenha decidido
que viaja amanhã, irá atrasá-la um dia, e usará como desculpa
que as rotas estão muito movimentadas. Por sorte, a rota de
Leith estará cheia de gente toda a semana. Um pouco de caos
não será nada mal — arrematou Logan em tom zombador.
Giff reconheceu a frase que havia dito ao Hugo.
— Acredito que além de um cenário caótico sugeri uma
procissão com gente e música. Já a organizou?
— Primeiro vamos discutir onde quer que nos encontremos
com você — respondeu Rob.
Descreveu-lhes os lugares, discutiram logo as vantagens de
cada um e para quando já tinham fixado os detalhes, achavam-
se muito perto do castelo.

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A alegria de Sidony porque Rob e Giff chegaram a tempo


para o almoço se enevoou quando sir Logan anunciou, apesar
do gentil protesto de sua esposa, que a família e Giff
almoçariam em particular, em lugar de utilizar o salão
principal como era costume.
Adela não discutiu e pediu ao mordomo que pusesse uma
mesa para eles no solar.
— É possível que alguns convidados cheguem cedo -
acrescentou— . Se quiserem comer algo, por favor, coloque-
os nas mesas, como sempre fazemos.
— Sim, milady. Quantos servos necessitarão?
Rob respondeu por sua esposa:
— Nos atenderemos sozinhos.
Adela arregalou os olhos, mas ante o olhar severo de seu
marido, preferiu não fazer nenhuma objeção.
Sidony observou o perfil sério de Rob e descobriu que
palpitava um músculo em sua bochecha.
— Parece disposto a matar a alguém — comentou a sua
irmã— . Provavelmente a mim.
Isobel não respondeu. O olhar de Sidony já havia se
mudado para Giff. Justo nesse momento, ele voltou a cabeça e
lhe sorriu tão amavelmente que lhe infundiu confiança.
Logo que a mesa estava preparada, Rob se sentou em um
extremo e pediu ao Giff que se colocasse no outro. Não falou

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até que todos os pratos estiveram em seu lugar e os criados


fora da sala. Esperou que todos sentassem depois da oração, e
então olhou para Adela e depois para Isobel. Finalmente,
olhou do outro lado da mesa para Sidony, que logo corou.
Era tão raro ver o Rob zangado que Sidony sentiu uma
nova onda de culpa, embora ela tenha conseguido sustentar o
olhar, custou-lhe muito esforço, mas mais ainda resistir a olhar
ao Giff para receber um novo sorriso de apoio.
— Giff me contou o que ocorreu — começou Logan com
calma— . Não negarei que estou zangado, mas o dano já está
feito, e muitos são os responsáveis, e agora devemos ter muito
cuidado para evitar que a informação continue se espalhando.
Todos me compreendem?
Antes que alguém decidisse falar, interveio Adela.
— Sir, por favor, ela não...
Rob pôs uma mão em cima da dela, que descansava sobre a
mesa, para silenciá-la.
— Não tenho nenhuma intenção de agir como um tirano,
meu amor, não precisa defender Sidony. Agora não tem
relevância, a menos que alguém me esteja ocultando algo mais
— disse e fez uma pausa, olhando-os um a um— . Não?
Então não precisamos dizer mais nada a respeito agora. Não
estou falando em lugar do Hugo ou do Michael —
acrescentou, e dirigiu o olhar para Isobel— . Certamente eles
darão sua opinião a respeito.
Sidony inspirou fundo e deixou escapar um suspiro.

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— Bem — Rob bebeu um gole de vinho— , possivelmente


alguém tenha outro tema de conversa.
Como ninguém parecia disposto a falar, Sidony se sentiu
obrigada a tomar a palavra.
— Ainda planejam viajar ao oeste, sir? — dirigiu-se a Giff.
— Sim, milady — respondeu ele— . A verdade é que já
encontrei um navio.
Ela voltou a suspirar.
— Assim logo retornarão para Kintail, não é? Eu gostaria
tanto visitar o lugar.
— Logo haverá uma ocasião, querida - interveio Adela,
enquanto se servia de uma bandeja com carneiro assado que
lhe oferecia Rob— . Só faltam umas semanas para as bodas de
nosso pai, logo todos nós partiremos para lá. Está tão ansiosa
por nos deixar, querida?
Sidony sacudiu a cabeça. A vida em Edimburgo depois da
partida de Giff ficou triste e sem interesse.
— Não tenho nenhuma objeção em que venha, milady -
comentou Giff no meio do silêncio que tinha sido gerado— .
De fato, seria de grande ajuda. Fife se desconcertaria ao ver
uma mulher a bordo.
— Não incentive as fantasias da moça, Giffard - lhe
advertiu Rob— . A última coisa quer em cima desse navio é a
uma mulher.
O olhar de Giff se acendeu com um brilho especial.

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— Pensa Rob. Todos me contaram dos problemas que


causaram os homens de Fife durante o último ano, e agora não
queremos voltar a despertar seu interesse. O que aconteceria
se declarássemos que estamos transportando a uma princesa
nórdica para visitar ao príncipe Henry em Orkney?
— Não seja tolo — respondeu Rob sorrindo, o que indicou
ao Sidony que ambos brincavam— . Só pensa nas
conseqüências, Giff. Levá-la contigo..., Macleod o obrigaria a
se casar com a jovem no instante de que a devolvesse se não te
arrancasse o fígado antes.
— Então eu temo que esteja fora de discussão, milady -
concluiu Giff, sorrindo de uma forma que fez Sidony sentir
inchar seu coração— . Mas ao menos não pode dizer que não
me mostrei disposto.
— Não tão rápido — interveio Isobel— . Você está na
idade de ter direito a uma esposa, sir — comentou
suavemente— . Por acaso não pensa em sua descendência?
— Algum dia, possivelmente — respondeu ele— . Em
algum momento herdarei Hincraig e terei que assumir as
obrigações de um senhor. Mas até então, quero a menor
quantidade de responsabilidades e apego a terra possível.
— Pois eu também não quero me casar — declarou
Sidony, orgulhosa. O que se acreditavam? Que estavam em
um leilão de gado? Ela não estava à venda— , Nem quero dar
toda a volta a Escócia para retornar para casa.

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202

Ele a olhava com ar zombador, mas foi Adela a que tomou


a palavra.
— Algum dia você vai se casar, querida, não se preocupe.
Você gosta tanto de crianças que algum dia terá uma família
própria.
— Claro que eu gostaria de ter filhos — admitiu a
jovem— . Mas não estou segura de querer um marido.
Armou-se uma algazarra na mesa. Se lady Clendenen
tivesse estado presente, teria se desmaiado.
— Mas querida — interveio Isobel, tentando acalmar a
confusão— , necessita de uma coisa para ter a outra.
— Aí está o problema — soprou Sidony.
Todos a olhavam agora, interessados.
Mas não queria seguir falando do tema. Não era o
momento de dizer o quanto começava a detestar que lhe
dissessem o que devia fazer e, sobre tudo, com quem devia
casar-se.

Rob quis trocar umas palavras a sós com sua esposa e logo
ambos desapareceram nas escadas.
— Eu quero descansar, Sidony — anunciou Isobel
imediatamente— . Recomendo que faça o mesmo. Certamente
nos deitaremos tarde esta noite, e amanhã vai querer sair cedo
para ir com a Ealga encontrar com Isabella.

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203

Sidony não tinha sonho, mas sabia que sua irmã precisava
descansar e não podia imaginar nenhum argumento para ficar
a sós no salão com apenas a companhia de Giff.
Mas então foi ele quem respondeu ao Isobel.
— Eu gostaria de falar com lady Sidony antes que se retire.
Devo-lhe uma desculpa.
— Muito bem, sir. A deixo a seu cuidado. Por favor, não
façam com que me arrependa.
— Cuidarei dela, milady — fez uma reverência.
Mas apenas os deixou a sós, Giff falou para Sidony com
um brilho sagaz nos olhos:
— Quero te dizer algo, mas certamente me mandará para o
inferno. Assim tenho uma opção melhor.
Esse olhar ardiloso recordou a sua irmã Sorcha, quando
estava a ponto de envolvê-la em uma nova aventura que
geralmente terminava em um desastre. Assim que o interrogou
com cautela.
— Do que se trata sir?
— Vi que é uma boa amazona. Gostaria de sair a cavalo
comigo?
— Agora?
— É o momento ideal. Lady Isobel quer descansar, e lady
Adela vai querer estar um tempo com seu marido - Sorriu de
maneira provocadora.
— Não posso. Pensa no que dirão!

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204

— O truque é aproveitar a oportunidade quando se


apresenta milady. Claro — acrescentou ele, desafiando-a— ,
a menos que tenha medo...
— Não seja tolo.
Giff lhe acariciou a bochecha.
— Não precisa me ter medo. Não te farei mal.
— Não, porque eu não vou permitir — rebateu ela, mais
prometendo para a si mesma do para ele.
Giff elevou as sobrancelhas, com esperança.
— Está bem, irei.
Sidony vacilou diante dos estábulos.
— Está se acovardando? — murmurou ele.
— Não, mas vai arruinar este vestido.
— Não se usar uma sela de mulher.
Sidony fez uma careta.
— Mas diga aos moços que se apressem. Pode ser que Rob
não fique com a Adela tanto tempo como imagina.
— OH, asseguro que ficará toda à tarde com ela se não
quiser que o doutrinem.
— Parece muito convencido — comentou quando ele
retornou ao seu lado— . Eu diria que é Rob quem está
instruindo a alguém agora e Adela quem deve suportá-lo.
— De qualquer jeito acho que encontrarão algo mais
interessante para fazer que doutrinar-se mutuamente — e
piscou o olho.
Sidony corou.

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205

— Agora, me diga como aprendeu a montar tão bem,


mocinha.
— Meu pai ensinou a todas quando... — interrompeu-se ao
ver o moço que tinha selado os cavalos montado em um baio,
disposto a acompanhá-los.
— Sou audaz, milady, mas não suicida — explicou Giff—
. Não quero que Rob nem nenhum outro desses cunhados tão
protetores que tem reclamem o meu sangue. Um moço nos
seguirá, mas não muito de perto — adicionou, com outra
piscada.
Sidony se deixou conduzir pelo caminho, o bosque
cheirava deliciosamente. Depois de umas milhas de prudente
distancia, animou-se a perguntar ao cavalheiro:
— O que é que queria me dizer que exigia este passeio a
cavalo?
Pela primeira vez, foi ele quem pareceu hesitar.
— Queria me desculpar por minha falta de maneiras.
De repente, Sidony se perguntou se ele não estaria a ponto
de lhe pedir em casamento. A idéia não parecia tão
desagradável.
— Não me ofendeu — respondeu ela, elevando o
queixo— . O matrimônio não é algo que me preocupe neste
momento.
— Por que não? — perguntou divertido.

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Sidony tratou de pensar em uma resposta inteligente que o


fizesse rir ou desejar desposá-la na capela mais próxima, mas
acabou por responder com certa candura.
— Estou cansada de que as pessoas me dêem ordens. E
isso é algo que habitualmente ocorre com os maridos.
Giff riu.
— Então, desfrutemos desta liberdade que conseguimos.
Você gostaria de ver o porto de Leith?
Sidony aceitou com prazer, tratando de ignorar a pontada
que deu o coração ao comprovar que ele não parecia
interessado em convencer-la de mudar sua opinião em relação
ao matrimônio. O dia seguia ensolarado, e a atividade do porto
resultou ser fascinante. Até que retornaram ao Lestalric,
Sidony não percebeu de que tinha passado tanto tempo.
— Rob matará a nós dois - riu ela— . E se não o fizer,
Adela me obrigará a escutar algumas coisas depois desta
escapada.
— Mas nós desfrutamos de uma bela tarde. Você é uma
companhia muito agradável. Possivelmente, depois de que
retorne ao Glenelg, poderia a visitar algumas vezes.
— Eu gostaria — aceitou solene— , se é que não nos
matam por isso.
Mas não foi nem Adela nem Rob quem os recebeu em
Lestalric a não ser lady Clendenen, que correu para eles no
momento em que Giff ajudava Sidony a desmontar.

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207

— Por Deus! Onde esteve, menina? Um de meus criados


me disse que tinha saído. A sós com sir Giffard! No que
estava pensando?
— Está me procurando por alguma razão em particular,
milady?
— Isabella planeja adiar sua viagem até à tarde da quinta-
feira. Mas agora que o penso, Rob possivelmente já deve ter
dito.
— Não, milady — respondeu Sidony, olhando para Giff—
. Ninguém me havia dito isso ainda.

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208

Capítulo 11

Foi apenas lady Clendenen se afastar o suficiente para não


escutá-los, para Sidony se dirigir a Giff.
— Você já sabia!
— Espero que não queira que eu me desculpe de novo -
respondeu ele, com uma calma que era enlouquecedora— ,
porque não tenho nenhuma intenção de fazê-lo. Mas devo
procurar o Rob e lhe dizer isto imediatamente.
As bochechas lhe ardiam pelo aborrecimento, mas ele tinha
posto um braço ao redor dos seus ombros. E o mais irritante
era que, apesar de que estava furiosa Sidony podia desfrutar
da sensação cálida desse abraço.
— Eu acho que será melhor que esteja comigo quando falar
com Rob sobre o assunto.
— Eu gostaria de estar lá — aceitou ela, agradecida
embora surpreendida de que a deixasse estar presente.
Giff a olhou com olhos malévolos.
— Eu terei de confessar que estava com você quando lady
Clendenen me disse isso. E ele não será tão propenso a dar sua
opinião se você estiver presente.
De repente, a moça compreendeu que Giff tentava protegê-
la de um possível mau humor do Rob.
— Ele não vai gostar que me tenha informado disto, certo?

GRH
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209

— Não foi tua culpa, milady. Ele não te fará mal. Eu não o
permitirei.

Acharam Rob no grande salão coberto de vigas de


carvalho. Imediatamente notaram sua surpresa ao ver que eles
entravam juntos. Tinham que abrir-se caminho entre aquela
confusão de mesas e criados apressados em preparar o jantar.
Rob já tinha um aspecto contrariado.
— Precisamos falar em particular — declarou Giff— . Ali
junto ao fogo será bom.
A expressão do Logan piorou porem concordou. Uma vez
separados do tumulto geral, perguntou com calma:
— Que aconteceu?
Giff sabia que precisava ser direto.
— Lady Clendenen acaba de nos dizer que a condessa
adiou sua viagem até na quinta-feira à tarde.
— Serio? — disse Rob, secamente.
— Também deve saber que sua senhoria e lady Sidony
planejavam ir ao encontro da condessa para dar as boas-vindas
e depois acompanhar a procissão até a cidade - acrescentou
Giff.
— Adela me disse algo — comentou Rob. E Sidony eu
tinha esquecido que você e lady Clendenen planejavam sair a
seu encontro.

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210

— Espero que não tenha nenhuma objeção em que irmos


na quinta-feira — disse Sidony, timidamente.
— Para mim está tudo bem, embora ache que Hugo não o
permitiria, considerando seu comportamento tão incomum
nestes últimos dias.
Giff mal pôde reprimir um sorriso diante daquela
cuidadosa formulação. Mas a moça elevou o queixo e
confessou a ambos:
— No passado, minhas irmãs se comportaram muitas vezes
assim, e saíram bem. Talvez eu esteja procurando saber como
a gente se sente quando faz o que quer.
Giff conteve a respiração, mas Rob só sacudiu a cabeça.
— E pensar que eu acreditava que você era a única sensata
de todas elas. Tome cuidado, querida, e não se esqueça de
levar escolta armada. Na quinta-feira a rota principal estará
cheia de gente.
— Obrigado — respondeu a jovem— . Não vou me
esquecer.
— Eu acho que agora vai querer se trocar para o jantar -
assinalou Logan.
Giff temeu que a teimosa garota insistisse em apurar mais
sobre a viagem do templário. Sentiu-se aliviado quando
Sidony declarou que os veria no jantar, fez uma reverência e
se afastou do salão.
— Você, vêem comigo — exclamou Rol— . Agora vai me
escutar.

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211

Resignado, acompanhou ao Rob sem dizer uma palavra,


mas com a esperança de que lady Clendenen aparecesse logo.
Rob fechou a porta atrás deles.
— Que demônios está jogando com a menina Macleod? —
perguntou-lhe.
Menina? Quis lhe dar um murro na mandíbula. Mas o tom
suave do Rob o tinha desarmado, e nesse momento,
compreendeu que Sidony, ao haver-se decidido esquecer-se de
todos e acompanhá-lo no passeio, merecia mais da parte dele
do que uma simples resposta impetuosa.
— Antes que me morda, quero te informar de que um
criado nos acompanhou durante toda à tarde.
— De qualquer maneira... — replicou Rob e fez uma
pausa para analisá-lo— ... Reconheço suas intenções.
— Por Deus, nem eu mesmo as reconheço — rebateu
Giff— . Já disse que não tenho nenhum desejo de me casar
ainda, e ela tampouco. Mas não vou negar que quando chegar
o tempo de me assentar e formar uma família pode ser que a
deseje como esposa.
— Quão magnânimo de sua parte — exclamou sarcástico.
Giff estremeceu.
— É a verdade. Não sou bom nisto, como tampouco tenho
as maneiras de um cortês cavalheiro. Eu gosto mais dela do
que qualquer outra mulher que conheci. Não só é amável e
agradável, como inteligente, e apaixonada. Além disso... Faz-
me rir - acrescentou logo rapidamente.

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212

Giff notou um brilho especial nos olhos de Rob e se sentiu


aliviado, mas se manteve em guarda. Embora Rob tivesse um
temperamento equilibrado, sempre tinha sido um dos
melhores e mais experimentados guerreiros.
— Sidony também é uma moça inocente — acrescentou
Logan— . Cuidado, moço, porque não só terá que enfrentar a
seus cunhados se a machucar, mas também as suas irmãs, o
que no final das contas, poderia ser o pior para você.
Um golpe surdo na porta os interrompeu.
— Entre — disse Rob.
Lady Clendenen apareceu na soleira. O criado que a
acompanhava os deixou imediatamente.
— Obrigado por ter vindo tão rápido, milady — Rob se
aproximou para beijar sua mão.
Procurou uma cadeira alta para ela e outra para ele; Giff
ficou de pé junto ao fogo.
— Por favor, nos diga como soube que a condessa planeja
adiar sua viagem à cidade.
— Por isso me mandou chamar, sir? Temi que houvesse
ocorrido algo horrível, especialmente tendo em conta que sir
Giffard está aqui com você — respondeu a dama, observando
ao mais jovem.
— Não quis te assustar, mas estou certo de que se Isabella
queria enviar essa mensagem, ela teria me confiado esta
tarefa. Nós devemos velar por sua segurança, por isso nos
perguntamos como você recebeu essa notícia.

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213

— Isto não é certo, então?


— Pelo contrário, milady, a notícia é certa.
— Pois a escutei no castelo, onde almocei hoje com a
princesa Maria.
— Entendo, então foi a princesa quem lhe contou?
Lady Clendenen franziu o cenho.
— Não me lembro quem o fez. Havia muitas mulheres, e
todas falando com mesmo tempo, como sempre. Lamento,
mas não poderia afirmar quem foi.
— Obrigado, milady — respondeu Rob— . Fique
tranquila. Foi de grande ajuda, e estamos mais que
agradecidos por isso.
Quando Giff a acompanhou para abrir a porta, lady
Clendenen lhe murmurou em tom conspirativo:
— Obrigado, sir. Espero que tenha desfrutado de sua tarde.
Giff conseguiu sorrir em silêncio, bastante confuso. Logo
fechou a porta e se dirigiu novamente para Rob.
— Assim que o plano está em marcha, não é?
— Avisarei aos outros. Se assegure de que esse navio
holandês esteja no lugar combinado ao amanhecer da sexta-
feira e que possa carregá-lo para zarpar imediatamente. O
êxito de nossa missão depende disso.
— Não vou falhar — prometeu Giff.

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214

Considerando a atenção que Sidony estava prestando em


arrumar-se para o jantar, sua criada podia tê-la vestido com
uns trapos em lugar dessa túnica amarela pálida que ficava tão
bem, com fitas coloridas, sobre esse vestido de seda verde
escura.
A criada arrumou as pregas de sua saia e ajeitou um cinto
prateado de tal maneira que pudesse ser visto por entre as duas
aberturas laterais da túnica, e depois entregou um espelho para
sua ama. Em seguida, colocou uma touca sobre as suaves
tranças de Sidony e se inclinou para amarrar os sapatos.
Assim que a jovem ficou pronta, saiu em busca de Ealga.
O jantar foi excelente, como todas as noites organizada por
Adela, exatamente igual a cada uma das que Sidony já tinha
assistido antes: um barulho de trovadores e conversas
desarmônicos. Mas embora gostasse de dançar, comprovou
decepcionada que mal tinha visto Giff.
Ele vestia uma jaqueta de veludo azul com botões de jóias
e uma calça combinando; certamente emprestados pelo Rob.
Só se dignou a participar de uma dança em círculo. O resto do
tempo andou pelo salão sem ficar em nenhum lugar, e
estranhamente, não lhe prestou mais atenção do que uma
reverência e um par de sorrisos. Foi embora antes da meia-
noite, e pouco depois ela se retirou para seus aposentos.

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Rob saiu para Roslin na quarta-feira antes do amanhecer, e


Giff também abandonou Lestalric para fazer os últimos
preparativos de sua viagem, assim Isobel e Sidony passaram a
manhã junto à Adela. Retornaram à mansão Sinclair no final
da tarde.
A quinta-feira amanheceu com uma forte brisa que
refrescou toda a casa. Quando Sidony colocou seu traje de
montaria, avistou umas nuvens que cruzavam o céu cinza.
Embora uns raios de sol penetrassem através delas quando ela
e Isobel almoçaram juntas, uma hora antes do habitual, e
apesar do vento, o ar de fora era claro e límpido quando se
uniu a lady Clendenen e sua escolta de seis homens armados.
A cavalgada seria um pouco tediosa, especialmente pela
preferência de Ealga em utilizar a sela de lado, que muitas
mulheres nobres tinham começado a usar fazia um tempo.
Apesar de estar bem recoberta com pele de ovelha, obrigava-a
precisamente a ir de lado e mudou muito o ritmo do cavalo. «
lady Clendenen detesta montar com razão!», pensou Sidony
revolvendo-se em sua sela. Que o suportasse só para ir
encontrar se com a Isabella era uma prova de quanto estimava
a condessa.

Giff passou a maior parte da quarta-feira cuidando dos


últimos detalhes da partida da sexta-feira. Tinha encontrado
com o Trovão do mar amarrado no menor dos dois cais do

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216

porto de Leith, enquanto a tripulação se dedicava com


eficiência a carregar provisões. O capitão holandês retornou
ali pela tarde. O homem lhe falou com entusiasmo da cidade
de Edimburgo.
— Meus homens são de confiança — continuou o
capitão— . As provisões estão preparadas, se quiser as revisar.
— Muito bem — declarou Giff, satisfeito— . Eu vou
pagar a metade, como acordado, e o resto quando tivermos
embarcado nossa carga na sexta-feira pela manhã, antes de
zarpar.
O holandês pareceu duvidar.
— Lembre-se que vou pagar a metade do que tínhamos
combinado para você e sua tripulação então, e o resto quando
chegarmos ao destino — disse Giffard.
Embora nem o capitão nem a tripulação fossem ao norte,
Giff tinha negociado de boa fé. Os homens da tripulação
receberiam uma boa soma por ter feito muito pouco, a menos
que, claro, não conseguisse convencer ao holandês, quando
pusesse seus próprios homens a bordo, de que não estavam
roubando o navio. O homem lhe apertou a mão calorosamente
antes de retornar ao Trovão.
Giff retornou então para Lestalric, despediu-se formal e
sinceramente de sua anfitriã depois do jantar, e se levantou
cedo na quinta-feira para levar sua própria equipe ao navio.
O vento soprava gelado, como uma advertência de que o
clima se complicaria.

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217

Passou pela pequena vila de North Leith e apareceu na


beira do porto, para descobrir de repente que o navio do
holandês já não estava ali.

A cavalgada resultou mais longa do que Sidony e Ealga


tinham antecipado. Chegaram até o rio North Esk sem ter
visto nenhum sinal da comitiva da condessa.
— Devem ter saído muito mais tarde que o esperado -
comentou Sidony.
— Possivelmente os carros e as ovelhas interromperam
também este caminho. OH, tomara que a encontremos logo —
suspirou a dama— . Este vento está convertendo-se em um
incomodo.
Sidony concordou com ela. Avançaram ainda meia hora,
até que a jovem notou que sua companheira parecia adoecer.
— Sentem-se mau, milady?
— Eu gostaria que você e suas irmãs me chamassem Ealga
- respondeu a dama, queixosa— . Segundo a lei, serei sua mãe
em menos de um mês.
— Acho que deve estar muito cansada — continuou
Sidony, ignorando o comentário— . Viajar deste modo é uma
tortura. Parece que alguém está todo o tempo a ponto de cair.
— OH, é um castigo divino — a dama se abanou com a
mão— . Mas devo cumprir minha palavra. Eu só gostaria de
saber quanto tempo mais demorará para aparecer.

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218

— Se aceita descansar aqui um momento, ao amparo do


vento, eu poderia continuar caminho, até descobrir onde se
encontram. O caminho está seco e meu cavalo ainda tem
energia, eu não devo levar muito tempo para encontrar com
eles e voltar até aqui para lhe avisar a que distância estão.
Lady Clendenen se mostrou de acordo e aliviada.
— Mas ao menos leve a dois de nossos homens, querida.
Como a escolta se compunha de seis, Sidony riu.
— Podem vir, se conseguirem seguir meu ritmo. Mas
primeiro devo garantir que você esteja confortável.
— Não se preocupe, vá já. Os outros homens vão cuidar de
mim. Quanto antes encontre Isabella, mais rápido estarei de
volta em casa.
Sidony não necessitou nenhum outro estímulo. Deu a
ordem de avançar e esporeou ao cavalo para que apanhasse
um bom ritmo. Um momento depois, olhou para trás e
descobriu que dois homens da escolta a seguiam.
Rindo, esporeou uma vez mais a seu cavalo para que se
apressasse. Os homens não a repreenderiam, e a menos que
acabasse chocando-se com a Isabella ou com Hugo, ninguém
mais o faria.
O caminho resultou ser bastante íngreme, agora entrando
moderadamente na sombra de um bosque. Ao ver que as
árvores começavam a rarear, deduziu que logo o caminho
passaria mais perto da borda do escarpado, na parte mais
profunda da garganta. Diminuiu a velocidade.

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219

Logo pôde avistar o rio turbulento abaixo e, à distância, a


torre de Hawthornden, que se levantava em meio de um alto
bosque. O castelo estava ainda a certa distância. Em pouco
tempo o caminho entraria entre as árvores, para evitar seguir
cada curva do rio.
De repente, descobriu abaixo a vários cavaleiros no
caminho da borda oeste, com estandartes dos Sinclair.
Também reconheceu a figura da esbelta condessa, sentada
sobre sua égua branca entre os líderes do grupo.
O caminho de baixo era mais estreito e não se utilizava
tanto. Tampouco era adequado para as carruagens e os carros
que normalmente transportavam a enorme quantidade de
bagagem da condessa.
Embora Sidony estivesse um pouco surpreendida por essa
mudança de rota, não podia culpar ao Rob ou ao Hugo por não
havê-lo mencionado. Ninguém teria esperado que ela e Ealga
avançassem tanto para encontrar com Isabella.
Notou que só havia um carro coberto de lona atirado por
um boi, que seguia aos cavaleiros. Deduziu então que por isso
tinham avançado tão devagar, a passo de tartaruga. Mas não
havia nenhum outro veículo com bagagem, só alguns cavalos
carregados e atados uns aos outros.
Ela e Ealga poderiam retornar à rota principal, ao lugar que
se cruzava com o rio para encontrar-se com outros. Perguntou-
se então se lady Clendenen teria a paciência de esperá-los.

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220

Isabella demoraria uma hora ou mais em sair daquele atalho


estreito e cheio de curvas.
— Milady! — gritou um dos homens que a
acompanhavam— . Há uns homens ali adiante.
O guarda os apontou com uma mão, e logo Sidony
percebeu que não se tratava do grupo de Isabella. Mais ao
norte, no mesmo caminho do rio, um grande grupo de
cavaleiros se aproximava de uma curva que os conduziria
direto à comitiva de Roslin.
Levavam o estandarte da coroa.
— Por Deus! Devemos os avisar! — exclamou ela.
Mas o escarpado estava a uns trinta metros sobre o
caminho do rio, jamais a escutariam se gritava, com a água
rugindo velozmente através da garganta.
Ninguém olhava para cima, por isso tampouco podia lhes
fazer gestos do que estava passando. Só então lhe ocorreu que
não cruzou com nenhum dos guardas de Roslin em seu
caminho. Não era possível que Hugo tivesse ordenado que
todos acompanhassem a comitiva da Isabella.
Estremeceu de medo. Elevou a vista de volta aos dois
homens que a acompanhavam, e ambos estavam esperando
suas ordens.
Apertou os dentes e recordou as palavras do Giff: «Deve
tomar suas próprias decisões». Suas irmãs saberiam o que
fazer. Por que ela não?

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221

Então, de repente, lhe ocorreu que a única rota possível


para a usual bagagem de Isabella era o caminho da colina.
— Vocês dois, vamos — disse com energia— . Os carros
da bagagem devem estar um pouco mais adiante, e terão
homens armados consigo. O capitão saberá o que fazer, mas
temos que nos apressar!
Entrou no bosque a todo galope, e de repente, depois de
uma curva, topou com uns homens armados. Foi tão abrupto
que seu cavalo relinchou. Enquanto lutava por manter-se na
sela, os homens a rodearam.
Os homens que a acompanhavam nem sequer puseram a
mão em suas espadas. Teria sido inútil, os outros os
superavam em número e levavam os estandartes reais, assim
como os que iam pela margem do rio.
Para surpresa de Sidony, apesar dos trajes negros, não
obedeciam ao conde de Fife a não ser ao Chevalier De Gredin.
Seus olhos verdes, cor de jade, brilharam quando ele deu esse
sorriso que uma vez ela e suas irmãs tinham achado
encantador.
— Milady, que prazer lhe encontrar aqui — a saudou, e
sem fazer uma pausa se deu a volta para dar ordens— . Quatro
de vocês, comigo. Outros dois façam saber a sua senhoria que
tenho em meu poder algo com o qual poderá chantagear a seus
inimigos, se a busca for infrutífera. Os outros atrasem esses
carros, até que a moça e eu nos tenhamos afastado o
suficiente.

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222

— O que está fazendo? — perguntou-lhe Sidony— . Eu


não vou com você a nenhum lugar.
— Mais bem Sûr, Ma chère, você irá — escarneceu ele— .
Do contrário, ordenarei que matem a seus homens
imediatamente. Então eu vou amarrar suas mãos e eu mesmo
levarei as rédeas a de seu cavalo.

Ao ver que o navio holandês tinha desaparecido de seu


lugar habitual, Giff teve a esperança de encontrá-lo amarrado
em um dos cais. Mas ao perguntar no primeiro deles, soube
que essa manhã antes do amanhecer, o capitão tinha pegado
uma carga de lã da abadia e tinha zarpado para Bruxelas com
a maré baixa.
Giff recordou então que já tinha pagado a metade das
provisões, e não pôde mais que franzir o cenho. Também
recordou o gesto do homem e seu receio antes de aceitar o
dinheiro. E logo, aqueles dois homens que o tinham atacado
no domingo, e a sugestão de Sidony de que deviam ser
homens de Fife. Decidiu então que tinha que ir para Tollgate
tratar de conseguir algum tipo de informação útil.
O enxuto carcereiro de Tollgate disse que se recordava
muito bem.
— Sim, sir, perfeitamente. Mas um homem veio na
segunda-feira de noite e os levou.

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Certamente Fife, depois de ter descoberto que o navio


holandês estava comprometido de algum jeito com os Sinclair,
tinha persuadido ao capitão para que pegasse uma carga de lã
e partisse para o sul. Agora, Giff se debatia entre duas opções:
ou imaginava uma mensagem que transmitisse aos outros o
que tinha acontecido sem dar nenhuma informação vital ao
mensageiro ou a alguém que pudesse interceptá-lo, ou
encontrava um novo navio.
Ainda havia muitos ancorados na baía, então ele começou à
busca de outro navio imediatamente. Deixou seu cavalo no
estábulo do porto e foi visitando um por um. Logo soube que a
maioria dos capitães já tinham carregado e estavam esperando
a maré para sair, ou tinham intenção de carregar nesse dia ou
no seguinte, com mercadorias que já tinham concordado em
transportar.
Inclusive tentou com os dois grandes navios franceses, que
ainda estavam amarrados no porto. Os dois capitães pareceram
dispostos ao princípio, mas faziam mais perguntas sobre a
carga e o destino da viagem do que Giff queria responder,
como resultado final e esperado ambos declinaram da oferta,
depois de lhe haver feito perder uma boa parte de seu escasso
tempo.
Ao entardecer, lembrou o quanto amigável tinha sido o
capitão Maxwell. Certamente conhecia a maior parte das
embarcações e, embora fosse um homem do Fife, poderia lhe
indicar alguma para alugar.

GRH
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224

De modo que, para o caso de que Fife tivesse aconselhado


ao capitão Maxwell em seu contrário, comprou três rolos de
carne de um lojista e, recolheu os alforjes de seu cavalo e uma
jarra de forte uísque das Ilhas, e partiu carregado de provisões.
Encontrou o Rainha Serpente ancorado no mesmo lugar que
no domingo, com seus marinheiros nas cercanias.
A água da baía estava mais agitada do que na primeira vez,
e o vento foi molhando levemente enquanto os remadores o
transportavam até o navio. Quando chegou, Giff carregou os
alforjes sobre um ombro e subiu pela escada de cordas até a
coberta.

Sidony pensava que o Chevalier a entregaria ao Fife, pois


cavalgava sob o estandarte do poder real.
A idéia de que a entregassem ao conde como premio de
guerra a aterrorizava, especialmente porque De Gredin tinha
comentado alegremente que Fife desfrutaria de interrogando-
la. E também tinha sugerido que o conde poderia utilizar
meios horríveis para fazê-lo, até que ela deixou de escutá-lo e
começou a pensar com todas suas forças em Giff. Se alguém
podia enfrentar-se com o Fife e De Gredin, esse era sir Giffard
MacLennan.
Em lugar de tomar a direção de Edimburgo, tal como ela
tinha esperado, De Gredin, levando pelas rédeas ao cavalo de
Sidony apesar do que havia dito antes, afastou-se subitamente

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do caminho, cruzado a ponte e descendo do outro lado. Pouco


tempo depois, chegaram a uma cabana, diante da qual ele
desmontou e a desceu de sua montaria.
— Dois de vocês, se ocupe do carro e dos cavalos. Não
demorarei muito.
Agarrou-a pelo braço e a levou para dentro. Na cabana
vazia, misturou em um jarro uma beberagem horrível que a
obrigou a beber. Embora lutasse por manter a consciência,
logo a escuridão a rodeou.
Quando despertou, bocejando, estava muito escuro, quase
não podia respirar e lhe doía tanto a cabeça que não conseguia
pensar em nada. Estava estendida sobre uma superfície dura, e
podia escutar o ruído das rodas de um carro embaixo. Logo a
escuridão voltou a envolvê-la.
Na seguinte vez, despertou ao escutar uns relinchos e o
ruído metálico de um arnês. Então ouviu um chiado e na
penumbra descobriu que estava em uma espécie de estábulo,
talvez. Alguém tinha levantado um pouco a tampa da caixa.
Tragou uma lufada de ar fresco e tentou se levantar, mas se
deu conta de que tinha as mãos amarradas atrás das costas.
— Nenhuma palavra — lhe murmurou De Gredin e a
ajudou a levantar-se— . Beba isto rápido — acrescentou
depois e lhe jogou na garganta o conteúdo de uma taça tão
rápido que ela tossiu e engoliu segura de que ia vomitar.
O ar salgado e uma imagem fugaz do porto do lado de fora,
através das portas abertas, revelaram onde estava. Escutou que

GRH
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se aproximavam umas vozes masculinas. Tentou gritar, viu o


punho dele, e já não soube de mais nada.

GRH
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Capítulo 12

O capitão Maxwell, Jake e Giff desfrutaram de um jantar


juntos, sentados sobre um dos bancos dos remadores, na
penumbra. Tinham compartilhado os rolos de carne com dois
dos guardas, mas o uísque, no jarro, só tinha sido para Giff e o
capitão.
Jake, encantado de vê-lo, havia dito de repente e sem
rodeios:
— Não tenho sua libra ainda. Meu pai não me pagará por
limpar abaixo.
— E tampouco deveria fazê-lo — respondeu Giff— .
Quão sujo pode estar um navio tão novo?
— Haverá sujeira suficiente, com todos esses pacotes e
barris e as outras coisas. Além disso, terá que esvaziar as
armadilhas de ratos depois de que tenhamos estado na doca.
Não me importo de tirar as coisas, nem de ter que esfregar,
mas odeio os ratos, vivos ou mortos.
— Deveria agradecer a sir Giffard pelo jantar, em lugar de
andar se queixando como uma criança. Onde mantêm as suas
maneiras, patife? No traseiro? — seu pai o repreendeu e todos
riram.

GRH
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228

Seguiram conversando animadamente. Giff entreteve a


seus anfitriões com contos de trovadores das Terras Altas e
das Ilhas, até que Maxwell mandou seu filho para a cama.
— Nós estivemos dormindo na cabine de popa, sir, e ele
dormirá imediatamente, assim por que não vêm comigo e traz
esse uísque. Quando quiser partir, pendurarei uma lanterna
para que se aproxime a barcaça e o leve de volta à costa.
— Já sabem quando zarparão? — Giff perguntou enquanto
o seguia para a cabine de popa.
À esquerda havia um beliche com duas camas, e no outro
canto havia uma pequena mesa, fixada à parede, com um
banco estreito de cada lado.
— Não acho que demore muito — disse Maxwell quando
ambos sentaram.
Logo, Jake subiu em uma das camas e se cobriu com uma
manta.
— O pessoal de sua senhoria esteve trazendo provisões e
equipamentos há vários dias - comentou Maxwell— . Existem
coisas distribuídas por todo o navio, e alguns dos pertences de
milord estão em umas caixas sob a escada. Você vê, este será
o camarote do conde, mas como o Jake gosta mais destas
camas do que as do meu pequeno camarote de proa, não vejo
por que não permitir que durma aqui até que o conde suba a
bordo.
— Então sua senhoria viajará com vocês?

GRH
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229

— Me desculpe, senhor, mas teria que saber os motivos de


sua pergunta antes de responder.
Giff encolheu os ombros.
— Pura curiosidade, capitão, pode me dizer que não é meu
assunto. Tenho mais historia para lhe contar, se o preferir. Um
de meus favoritos é sobre a filha de um rei nórdico, muito
conhecida por seu talento nas artes ocultas.
— É verdade, suas histórias me divertem muito, e seu
uísque é excelente — bebeu um bom gole, olhando para a
última cama, onde tudo parecia tranqüilo— . Que coisa
mágica podia fazer a princesa?
Giff encheu o copo de Maxwell e o mesmo fez com o seu.
— Bem voava sobre os campos inimigos como uma águia.
Seu pai, o rei, consultava-a freqüentemente, quando os outros
conselheiros lhe falhavam. Mas ela estava com ciúmes das
vastas terras de Lochaber, de modo que...
Em voz baixa, narrou toda a história, embelezando o
momento em que a moça decidia voar jogando uma nuvem de
fogo sobre os bosques onde se reuniram as pessoas para tentar
detê-la. Entreteve-se um tempo explicando as conversas entre
o homem sábio e o rei, e no momento em que chegou à morte
da donzela e as aflições de seu pai, Jake roncava no beliche de
acima, e o resto da audiência de Giff, depois de ter enchido
duas vezes mais o copo, balançava em seu lugar.
Giff deixou Maxwell abraçado à garrafa e chorando pela
princesa. Uma sentinela dormia sobre um banco de remos,

GRH
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230

envolto em uma manta grosa. O outro estava de pé na cabine


de proa, olhando ao leste e ao vento que alagava o porto.
Depois de subir secretamente pela escada, Giff deslizou
para a parte mais alta.
— Uma noite realmente movimentada, não é? — comentou
Giff.
O homem se sobressaltou.
— Por Deus, sir! Quase me mata de um susto.
— Segundo o que me disse o capitão Maxwell, apenas dois
homens podem levantar o mastro transversal e velejar —
comentou Giff em tom amável— . É verdade?
— Sim - disse o homem mostrando certo orgulho— . Veja,
temos as correias e todo o necessário para que a vela seja tão
leve como uma folha acho que um só homem poderia içá-la.
Quer que pendure a lanterna, para que o bote venha o buscar?
— Primeiro eu gostaria que me ajudasse a içar a vela.
— OH, sir, isso não posso fazer.
— Sabe nadar? — perguntou Giff.
— Sim, claro, mas...
Giff o atirou pela amurada e foi para o outro marinheiro,
para discutir com ele seus requerimentos.

O conde de Fife tinha passado um dia frustrante, pois


apesar de estar certo de que a admirável condessa de

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Strathearn e Caithness levava a pedra no meio de sua grande


quantidade de bagagem, tinha sido incapaz de achá-la.
Enfrentou Isabella em pessoa, mas apesar do estandarte
real, ao qual todos os nobres da Escócia deviam respeito, a
dama não se dignou a descer de seu cavalo. «Procure onde
quiser, milord, mas seja rápido, pois devo continuar meu
caminho», tinha-lhe dito com arrogância.
Era uma verdadeira lástima, pensava ao observar sem
apetite o prato bem cheio de seu jantar, que os filhos dos reis
da Escócia, diferente de qualquer outro reino, nascessem
somente com o grau de condes e não com o de príncipes.
Isabella possuía a mesma condição que ele. Sem dúvida,
essa mulher se acreditava inclusive superior, porque embora
Fife tivesse dois condados, tinha-os obtido por matrimônios
convenientes, e não por nascimento.
— Me desculpe milord, se o distrai de seus pensamentos
— disse suavemente a dama que o acompanhava— . Esteve
tão silencioso, espero que goze de boa saúde.
— Assim é, milady — sorriu o conde— . O dia foi
tedioso, mas estou à espera de uma noite um pouco mais
animada.
Na verdade, a dama era virtuosa em muitos aspectos. O
conde reparou em seus encantos com um olhar lascivo. E,
além disso, seu marido estava viajando, e a esposa de Fife se
estava em Stirling.

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Voltou a concentrar-se no jantar, até que o pajem real


chegou para lhe informar que o Chevalier De Gredin o
esperava em seu salão de audiências. Murmurou a sua bonita
convidada que o dever o chamava e abandonou a sala de jantar
sem dizer mais nada.

Giff sacudiu pelos ombros ao segundo guarda. Notou que


então os gritos do primeiro guarda quase sumiram,
especialmente porque o vento os estava arrastando de volta
para o mar aberto. O moço parecia ser um nadador bastante
bom, e certamente daria o alarme uma vez que tivesse
chegado à costa.
Perguntou-se por um momento se não teria sido melhor
matá-lo, mas jamais havia podido assassinar a sangue frio.
Giff sacudiu a cabeça, na sua opinião, preocupar-se depois de
ter agido era inútil.
O guarda se esticou sobre o banco, reclamando:
— Me deixe, Geordie, ou te arrancarei a cabeça para que
possa jogar com ela.
— Desperte, rapaz - o sacudiu Giff— . Eles precisam de
você.
O homem piscou desconcertado, levantou-se
imediatamente e sacudiu a cabeça.

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— Me desculpem, sir — quis levantar-se, mas se deixou


cair de volta no banco quando Giff o empurrou para baixo
com uma mão— . Onde está o capitão?
— Dormindo — respondeu MacLennan— . Mas necessito
sua ajuda. Como é seu nome?
— Hob Grant, sir. E onde está Geordie?
— Está ocupado. Se levante e te mostrarei.
O homem ficou de pé, ainda lutando por despertar.
— Por aqui — Giff lhe indicou a ponta do banco mais
próximo à amurada— . Olhe para lá. Há um pouco de luz,
porque a lua não se escondeu detrás das nuvens. Mas você vê
esse salpicos?
— Sim, claro — respondeu o homem.
— É o Geordie — esclareceu Giff.
O homem o olhou, arregalando os olhos.
— Sabe nadar?
Por fim o homem entendeu a situação.
— Não, sir, nenhuma braçada — confessou aterrorizado.
— Então vai ser mais amável que seu amigo Geordie.
Ajude-me a levantar a âncora e a içar a vela.
— Mas, sir, este é o navio do conde de Fife!
— O Fife não vai se importar; de fato, não vai saber de
nada disso — resmungou Giff— . Vai me ajudar, ou prefere
fazer companhia a seu amigo?
— Jamais poderá dirigir este navio sozinho.

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— Não vou precisar fazê-lo; terei este vento tão magnífico


e a você como ajudante.
— Sua senhoria vai nos enforcar quando nos apanhar.
— Então devemos nos assegurar de que não o faça certo?
— deu-lhe uns golpezinhos no queixo— . Não percamos mais
tempo. Vem ou vai? — assinalou o mar aberto com a cabeça.
— Farei o que me diga. Mas não deveriam despertar ao
capitão?
— Ainda não. Prefiro zarpar primeiro.
— Já observou a maré?
— Estava mudando quando o sino da abadia anunciou as
vésperas, não voltará a mudar em contra nós até dentro de
uma hora. Você conhece algum obstáculo antes de chegar ao
mar aberto?
— Por Deus, sir, não conhece estas águas?
Giff sorriu.
— Conheço-as o suficiente. Só queria saber se você
também.
— Pois não teremos nada do que nos preocupar se nos
mantivermos no centro do canal principal, até a ilha de Mai,
mas se formos muito para o norte, podemos nos topar com...
— Não iremos para o norte, iremo-nos para o sul.
— Talvez depois, mas primeiro temos que ir para o norte
até deixar para trás os bancos de areia do leste de Leith e as
Black Rocks. Depois haverá outras rochas nas passagens,
Fidra, Craigleith, e na Bass Rock, como também...

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— Todas próximas à margem — limitou Giff, embora não


pretendesse ir tão longe. Se tudo funcionasse bem, conduziria
o navio na escuridão menos de três milhas. Sabia que seu
êxito dependeria da cooperação do vento e da maré.
Se qualquer um dos dois se levantava muito cedo...
Mas era inútil agora pensar nisso.
— Em marcha — ordenou, decidido.

Fife mandou que o pajem se retirasse sem pedir nenhum


refresco nem para ele nem para o Chevalier, que fazia um
momento o tinha surpreendido, ao sentar-se ousadamente em
uma cadeira junto ao fogo.
— Eu não gosto das mensagens cifradas — disse com voz
calma— . Que diabos é esse objeto misterioso que dizem que
encontrou?
— Então devo deduzir que não encontrou nada de maior
valor entre os pertences da condessa Isabella do que eu achei
— declarou prepotente.
— É melhor que fique em pé para me falar — retrucou
Fife, perguntando-se por quanto tempo esse homem seguiria
com sua arrogância estúpida.
— Espero Senhoria que me desculpe por minha falta de
educação - De Gredin se levantou imediatamente e fez sua
reverência habitual— . Hoje cavalguei muito e não comi nada.
Mas o cansaço e a fome não são desculpas para as más

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maneiras. Acredito que consegui os meios para forçar tanto


aos Sinclair como aos Logan de Lestalric a compartilhar
conosco tudo o que saibam sobre o tesouro de Sua Santidade.
— E então, por que não me traz sua misteriosa aquisição?
— perguntou-lhe Fife, impaciente.
Por intermédio de seus próprios homens, Fife sabia que o
Chevalier tinha capturado lady Sidony, mas não tinha decidido
ainda o que fazer a respeito. Mantê-la cativa implicava em um
risco que não queria correr. Só lhe preocupava a Pedra do
Destino, e era improvável que a menor das Macleod soubesse
algo a respeito. Mas sem dúvida encontraria alguma utilidade
para ela, pensou recordando a beleza das irmãs.
— Não me atrevi a trazê-lo até aqui à vista de todos —
comentou De Gredin com um toque de diversão— . E
tampouco me ocorreu uma forma de transportá-lo em segredo,
assim que me pareceu mais seguro ocultá-lo em outro lugar.
— Ainda não me disse que maldita coisa trouxe.
De Gredin sorriu.
— Não é uma coisa, precisamente, milord, a não ser uma
pessoa.
O sorriso de De Gredin desapareceu.
— É lady Sidony Macleod, milord — informou solene.
— Seu pai é conselheiro das Ilhas e colabora com meu
sobrinho MacDonald.
— Mas o mais importante é que está aparentada com
Michael Sinclair, com sir Hugo e com Lestalric. Ninguém irá

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237

querer arriscar sua segurança. Negociarão conosco para


protegê-la.
— Você me disse que a escondeu. Como? Onde?
— Em um navio. Mas ninguém sabe que está ali. Encontra-
se no setor de cargas, e lhe dei uma poção para que durma
toda a noite. Estará assustada, confusa e muito indisposta
quando chegar a manhã. O estado ideal para interrogá-la.
— Então chegaram os navios que me prometeram —
concluiu o conde, convencido que De Gredin pretenderia
manter a jovem sob seu próprio controle.
Surpreendeu-se ao escutar que os navios ainda não tinham
chegado.
— Onde se acham? — perguntou, aborrecido— . Esperava
que já estivessem aqui no Leith.
A impaciência de Fife voltou a aflorar quando o Chevalier
guardou silêncio.
— E?
— Eu imploro o seu perdão, milord - disse aquele homem
exasperante— . Mal posso pensar. Seria possível que pudesse
comer algo?
Fife reconheceu a tática, porque ele mesmo a usava. De
Gredin pensava que seu troféu o tinha colocado em uma
posição de vantagem e que não faria mal mostrar seu poder. E
embora Fife não desejasse seguir com o jogo, decidiu deixá-lo
acreditar que dominava a situação durante mais um momento.

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Gritou a um criado que trouxesse para o Chevalier algo


para jantar e vinho.
— Comerá aqui — acrescentou.
Ao dar a volta, notou que De Gredin se sentou na cadeira
de almofadões ao lado do fogo e se recostou para trás com os
olhos fechados.
— Magnifique — suspirou.

Giff observou com satisfação que o vento se embolsava na


vela e que o navio começava a mover-se devagar para o norte.
Graças ao hábito de obediência e ao temor às represálias, Hob
Grant demonstrou ser um assistente capaz.
O Rainha Serpente tinha jogado amarras bem longe dos
outros navios, sem dúvida pelo medo do conde de que algum
navio à deriva me chocasse contra ele. O vento soprava do
oeste, um detalhe que tinha feito Hob Grant duvidar da
capacidade do navio de sair do porto sem contratempos.
Giff riu.
— Esse é nosso último problema, moço. Pode manobrar o
leme?
— Certamente, mas como conseguirá se ocupar sozinho
dessa enorme vela?
— Não se preocupe por mim.
Fazia semanas que não tinha um pouco de diversão. Giff
transbordava de energia. Ordenou ao Hob que se colocasse na

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popa e voltou sua atenção para a vela, antecipando o traiçoeiro


estuário norte de Caithness.
Regular os tirantes era uma tarefa que requeria força e
agilidade, mas desfrutou demais. Não era tão fácil quanto
fazê-lo em dois homens, mas nunca era mais feliz do que
quando o vento soprava forte e tinha um bom navio para
navegar.
Nenhuma sensação se comparava com deslizar a grande
velocidade sobre as ondas, e uma vez que estivesse nas águas
abertas do estuário de Forth, com o vento a favor, só teria que
fixar a vela e rezar para não aproximar-se muito da costa antes
de encontrar o lugar na margem leste de Lestalric onde o
manancial do Nidrie se escorria no estuário.
O conde saberia que seu prezado navio desapareceu do
porto logo que saísse o sol. Giff riu com vontade ao imaginar
a confusão que armaria Fife. A maioria dos navios ancorados
agora na baía era estrangeira, mas o ardiloso conde
conseguiria colocar a qualquer sob seu comando.
— Assegurei o leme, sir — informou Hob, liberando um
tirante enquanto Giff segurava o outro para ajustar a vela— .
Acha que Geordie chegou bem à margem?
— Certamente — respondeu Giff, fazendo uma careta— .
Esse rapaz parecia ser um grande nadador.
— Então com certeza já contou para os outros que saímos.
E mesmo que tenha se afogado, não acha que nossos
companheiros da costa nos viram e se puseram a nos seguir?

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— Não. Vê-se muito pouco em uma noite tão negra como


esta. E embora limpe, não há lua para iluminar nossa travessia.
— Mas eu posso ver a costa — assinalou Hob.
— Sempre se vê melhor da água — explicou Giff— . É
mais fácil ver a margem oposta do porto que um navio bem
em frente, além disso, só poderão distinguir um conjunto de
mastros. Duvido que a história de seu amigo Geordie inspire
mais que umas algumas gargalhadas.
Giff lhe deu uma palmada nas costas e logo olhou à
distância, tentando decidir onde se desembocava no mar o
maldito manancial que estava procurando.

Fife conteve sua impaciência enquanto bebia vinho,


observando a seu hóspede com olhos pesados até que De
Gredin afastou os restos de sua comida e bebeu grandes goles.
— Sente-se melhor? — perguntou— . Acredito que depois
deste suculento jantar, irá me dar a informação que quero -
comentou Fife friamente.
De Gredin corou.
— Não quis ser descortês. Estava esfomeado.
Fife se limitou a assentir com a cabeça.
— Vou disser então o que quer saber — relatou como
tinha capturado Sidony e onde a tinha escondido— . Bem —
se levantou pesadamente— , amanhã despertará perto do
meio-dia e teremos uma conversa com a dama.

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Fife aprovou o plano, deu boa noite a seu hóspede e se


retirou, confiante em que tudo funcionaria de acordo com o
planejado. Mas o descanso terminou inesperadamente uma
hora antes do previsto, quando um pajem trêmulo lhe trouxe
uma mensagem urgente do porto.

Quando o castelo de Lestalric apareceu depois de rodear as


Black Rocks e os penhascos, Giff descobriu que a força do
vento tinha diminuído muito e decidiu mantê-lo longe da costa
o suficiente para não correr o risco de encalhar.
Olhou à distância do lado de estibordo.
— Para onde nos dirigimos, sir? — perguntou-lhe Hob.
— Chamam-no de manancial do Nidrie. Conhece-o?
— Não, sir, mas deve haver um montão de mananciais
pequenos que desembocam por aqui no estuário. Poderá
reconhecer o correto de longe?
— Sim, mas quando o conseguir, nosso amigo Fife já terá
se lançado para nos buscar.
— A maré mudará logo. Já se pode sentir.
Giff assentiu.
— O céu está clareando, assim suponho que o capitão
Maxwell despertará logo. É uma pena que não tenha um bote
a bordo.

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— Temos um, mas você o deixou na costa com nossos


companheiros — lhe recordou o sentinela em tom de
recriminação.
— Controla sua língua — Giff lhe advertiu secamente.
Os homens se mediram com o olhar até que se escutou uma
voz muito jovem chamar da porta da cabine.
— Onde estamos? Meu pai ainda ronca profundamente.
Onde está todo mundo?
— Bom dia, Jake — o saudou Giff— . Estamos indo para
Portobello. Eu mesmo despertarei a seu pai, por que não nos
consegue algo para o café da manhã?
— Não quero ir abaixo, não, senhor, não, não —
respondeu Jake— . Vai estar mais escuro que a noite, e meu
pai não me deixa levar nem lanterna nem vela, para que não
incendeie o navio inteiro. Além disso, há um fantasma aí
abaixo, eu mesmo o escutei uivando.
— Só escutou o vento soprando entre as pranchas de
madeira - afirmou Giff, divertido.
— Mas me chegou até as tripas, sir — questionou o
pequeno capitão.
— Eu também ouvi muitas vezes esse som inquietante -
reconheceu Giff, reprimindo um sorriso— . Mas não precisa ir
lá embaixo. Você e seu pai não guardam algumas provisões na
cabine?
— Pão e cerveja, mas vocês vão querer algo mais do que
trouxemos.

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— Bem, traga esse pão. Vai servir. E seu pai agradecerá a


cerveja. — dirigiu-se então ao Hob— : Grita se precisar.
Iremos até aquele monte de rochas lá e daremos a volta.
Acredito que o manancial está naquela baía — apontou— ,
mas necessitamos mais luz para estar seguros.
— Muito bem, vou me manter atento - concordou Hob.
— Onde está nosso Geordie? — perguntou Jake quando
Giff se virou para a cabine de popa.
— Foi à terra um pouco mais cedo — explicou Giff— .
Vai procurar esse pão ou quer que seu pai lhe ordene isso?
— Não, já vou — deu um salto— . Só que parece
estranho.
Na verdade, era estranho, e Giff não estava nada ansioso
pela conversa que teria com o capitão Watt Maxwell. E
tampouco queria escutar o que Hugo e outros teriam a lhe
dizer, embora acreditasse que uma vez que lhes desse suas
razões, iriam aceita-las. Além disso, não tinham outra opção.

Fife tinha enviado a seu servo pessoal para despertar De


Gredin. Agora, caminhava de um lado para outro da sala
esperando que o Chevalier aparecesse. No momento em que
entrou, Fife se apressou a falar.
— O Rainha Serpente desapareceu! O que é o que pôde ter
acontecido? Por Deus, se você tiver algo a ver com isto...

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— Se acalme milord — o deteve De Gredin, tratando de


controlar um bocejo— . O que eu ganharia roubando seu
navio? Nenhuma pessoa em seu perfeito juízo se atreveria a
fazê-lo. Em primeiro lugar, a menos que o capitão seja um
traidor que não se importa um pingo com sua pele, quem o
levou deve ter necessitado de uma tripulação. Suponho que a
pessoa que queria alugar o navio holandês descobriu de algum
jeito que nós o tínhamos feito zarpar e agora quer se vingar
levando o Rainha Serpente. Pergunto-me se saberá que
também se está levando lady Sidony.
— Ou sabia que você a escondeu ali - espetou Fife.
— Duvido. Zarpou no meio da noite. Diria que puseram a
carga em outro lugar. A estas horas deve estar milhas ao norte.
— Quantos navios esperam que cheguem aqui? —
questionou-o Fife.
— Pelo menos seis ou oito, sir, mas não chegarão antes de
uns dias. Além disso, suponho que preferirão ficar um tempo
mais em Edimburgo para dar receber a Sua Majestade.
— Não seja estúpido — replicou Fife, furioso— . Irei atrás
desses malditos traidores logo que seja possível. E uma vez
que os alcance enforcarei a todos no mastro!

Em algum momento da noite Sidony se queixou pela dor


dos músculos entorpecidos e a pulsação que sentia em sua
cabeça. Quando abriu os olhos, não descobriu nenhuma

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diferença na escuridão que a envolvia e decidiu que ainda


estava dormindo, então que os fechou de novo.
Quando horas mais tarde os abriu novamente com o
mesmo resultado, estava a ponto de voltar a fechá-los, até que
se sentiu mal do estômago e que o mundo que a cercava
balançava a seu redor.
Voltou à lembrança, e com ele um medo avassalador.

Um enfurecido Maxwell gritava com Giff enquanto sofria


os efeitos do excesso de álcool. Ao menos, sentia-se
agradecido de que o bom capitão se resignou o suficiente para
não seguir vociferando eternamente sobre o que ele tinha
feito.
Maxwell permaneceu em silêncio segurando a cabeça que
parecia a ponto de lhe estourar.
— O que você pretende fazer comigo e o menino? —
perguntou-lhe Maxwell uma vez que rumaram para o
manancial que Giff finalmente tinha encontrado.
— Não pretendo manter um inimigo a bordo. Minha
missão é muito importante para correr riscos. Mas acredito
que você é um homem honesto. Se estiver de acordo em me
acompanhar e jurar me ajudar compartilhando comigo os
conhecimentos que tenha deste navio, o levarei com prazer na
viagem.
Maxwell hesitou um bom momento antes de responder.

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— Não me deixa muita opção, porque não serei capaz de


explicar isto a sua senhoria. Além disso, sabemos que bem
poderia pendurar o meu menino diante de mim e me obrigar a
presenciar sua morte. Mas você, por que acha que poderá
confiar em mim?
— Posso? — perguntou-lhe Giff.
— Dou-lhes minha palavra de fronteiriço.
Giff lhe estendeu a mão.
— Aceito-o, mas o menino fica conosco.
— Não o faria se tivesse que deixá-lo em terra. Fife o
apanharia em um instante. Olhe sir — disse então, apontando
— , alguém está pondo um bote à água.
Giff inspirou fundo. Logo saberia o quanto Hugo tinha se
zangado com suas decisões impulsivas em relação ao navio e
ao capitão. Aquela idéia o fez sorrir, embora Hugo estivesse
no primeiro bote que se aproximou deles quando jogaram
âncora, e não fez nenhuma pergunta.
Em lugar disso, disparou:
— Acreditamos que Fife tem Sidony.

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Capítulo 13

Giff sentiu como se Hugo houvesse tornado a nocauteá-lo,


como daquela vez.
Ele mal podia respirar, mas lutou para controlar a ira,
enquanto Hugo subia à embarcação e o separava de outros.
Embora não tivesse pensado na moça desde sua saída de
Lestalric, compreendeu que seu esquecimento se devia a que
acreditava que ela estava segura em sua casa. Sentiu como se
Fife tivesse tirado algo que lhe pertencia.
— Organizamos um grupo de homens para procurá-la - lhe
contou Hugo— . Ainda não sabemos muito até agora. Parece
que ela e Ealga saíram para se encontrar com a comitiva de
Isabella, e a viagem levou mais tempo do esperado.
— Quem a deixou ir? — perguntou apertando os punhos.
— Nós dividimos a comitiva da condessa. Um grupo pegou
o caminho junto ao rio. O outro, com o resto dos carros e
carretas, foi pelo caminho ao longo da ravina. Como
esperávamos, Fife separou suas forças e mandou seguir aos
dois grupos. Queríamos que ele trouxesse consigo a maior
parte de seus homens quando fosse em busca da condessa.
— Assim estava bem informado. Identificaram ao seu
espião em Roslin?

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— Suspeitávamos de Rolf Stow e de outros dois, por isso


demos aos três uma pequena, mas precisa informação. Stow
era o único que sabia que Isabella atravessaria a garganta. E
Fife a deteve em pessoa.
— Bem. E o que faremos com o Stow?
— Nada ainda — respondeu Hugo com um sorriso— .
Nos convém mais se o deixarmos acreditar que está seguro,
especialmente agora que eles têm Sidony.
— Ainda não me disse como a capturaram.
— Por causa do peso do carro, o ritmo de Isabella foi mais
lento de que tínhamos calculado — Hugo fez uma careta— .
O adicionamos à comitiva para dar motivos ao Fife para que
examinasse os pertences dela, mas como Ealga e Sidony não a
encontraram onde esperavam, começaram a preocupar-se.
— Então a moça seguiu adiante só para ver onde estavam.
— Mas não completamente sozinha. Levou a dois homens
armados consigo. Nós os encontramos ontem à noite na
encosta leste da colina... Mortos.
Giff estremeceu, mas sua voz se manteve tranqüila.
— Assim não foi o próprio Fife quem a capturou. Não se
estava ocupado farejando no carro de Isabella.
— Exato. De Gredin a capturou.
— É o Chevalier que passou este último ano em Girnigoe,
com o Henry, não é? O sujeito que o Rob detesta.
— Nenhum de nós lhe tem simpatia — respondeu Hugo—
. Pertence a um grupo que faz uma Cruzada Santa atrás de

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recuperar o tesouro para a Igreja Romana. Seus guerreiros são


tão hábeis como qualquer um dos formados em Dunclathy, e
um deles, Waldron de Edgelaw, morreu no ano passado em
sua segunda tentativa de tomar o tesouro. Todos achamos que
De Gredin era um pálido reflexo de Waldron, mas nos
equivocamos.
— Se raptou lady Sidony, é tão vilão como qualquer outro
velhaco - sibilou Giff.
— Um velhaco inteligente — acrescentou Hugo— . Deve
ter feito uma oferta irresistível ao conde para que o aceitasse,
porque Fife não tolera traidores. Acreditamos que De Gredin
sobrevive até agora porque o persuadiu que o Papa o apoiará
em sua pretensão à coroa. Entretanto, De Gredin não é digno
de nenhuma confiança, e menos ainda da de Fife.
— Suponho então que o objeto que Fife procurava estava
em outro lugar — Giff queria saber todos os detalhes.
— Vinha para cá, em uma grande carroça, sob uma
montanha de lã, em um comboio com outros veículos
semelhantes. Embora os homens de Fife tenham revistado
todos os carros da rota para Leith, não prestaram atenção a
nenhum que viesse para Portobello, porque não há navios
mercantes que pudessem ancorar aqui. E como achava que o
transportaríamos pela garganta de Roslin, enviou a muitos de
seus homens para que o ajudassem.
— Como a moveu de seu lugar?

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— Também sob uma pilha de lã, transportada por vários


pastores em fardos enormes e segura com duas varas. Esse
tipo de transporte pesa geralmente duzentas e cinqüenta libras,
cento e cinqüenta menos que nossa carga, mas nossos moços
são fortes e só tinham que levá-la por uns metros antes de pô-
la sobre a carroça. Agora está pronta para ser carregada.
— Mas, Hugo, primeiro temos que encontrar lady Sidony.
— Você não, moço. Não pode se atrasar. Por isso não te
perguntei por que demônios tinha roubado este navio e como
diabos se arrumou para consegui-lo.
Giff fez uma careta.
— Eu acho que Fife se encarregou do capitão holandês, e o
navio desapareceu sem prévio aviso. Eu necessitava de outro
— encolheu os ombros.
Hugo riu.
— Estou certo de que tem muito mais que contar. Vai
haver tempo para histórias de aventuras. Agora me diga como
faremos para carregar nossa carga. É muito pesada.
Maxwell lhes assegurou que as polias e as cordas da popa,
geralmente utilizadas para levantar as cargas da doca,
serviriam para levantar uma caixa de um bote. «Se os homens
podem sustentar a caixa embaixo enquanto manobramos,
poderemos carregá-la», tinha afirmado o capitão.
— Milord Fife solicitou especialmente essa entrada de
carga — disse depois— . Carregamos várias vezes provisões

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no porto, e as cordas e polias demonstraram trabalhar muito


bem.
E assim ocorreu esta vez. Em poucas horas, a pesada caixa
foi embarcada sem problemas. Quarenta e oito remadores de
Sinclair tinham subido ao navio com seu equipamento e suas
armas. Hugo estava preparado para reencontrar-se com o Rob
no bote e retornar à costa de Lestalric.
— Tem o suficiente para a viagem?
— Na realidade, não sei — admitiu Giff— . O capitão
disse que os homens de Fife tinham carregado provisões e
armamentos, e dado que o navio requer uma tripulação de
quarenta ou mais, suponho que teremos comida, não só carne
salgada e água. Além disso, deveremos nos deter nas ilhas e
sair para caçar.
Hugo pegou um pacote de tamanho considerável, que Rob
lhe estendia do bote, e o deu ao Giff.
— Michael e Rob pensaram que você gostaria de levar a
bandeira nórdica, e um estandarte Sinclair para a acompanhar.
Além disso, inventaram um novo nome para seu navio, para
substituir ao de Rainha Serpente.
— Espero que não o tenham batizado O maldito Girino ou
algo assim.
— Não. Para que combine com a bandeira nórdica, agora é
o Dragão das Ilhas.

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— Foi uma boa idéia, eu agradeço, mas me teria gostado


que me trouxessem um pouco mais de uísque. Deu ao
Maxwell tudo o que tinha.
— Faz bem em confiar nele — opinou Hugo.
Giff concordou com uma expressão séria.
— Se descobrir que me trai, vou enforcá-lo. Mas me deu
sua palavra, e parece ser um homem de honra.
Hugo apertou sua mão.
— O destino da Escócia viaja com você agora, tenha muito
cuidado. Pode estar certo de que te encontrará com tormentas,
de uma ou outra forma.
— Mas já sabe como me chamam — recordou Giffard, e
logo falou com seriedade— . Encontre-a, Hugo.
Logo que estavam a caminho, Giff aproveitou a primeira
oportunidade para falar com o Maxwell.
— Agora que Fife não necessitará da cabine de popa,
penso ficar com ela. Você manterá o menino contigo, claro.
— Obrigado, sir. Enviei-o abaixo para que ajude aos
homens com as provisões. Embora seja um navio de tamanho
grande, não há muito espaço para que um adulto se mova lá
abaixo sem bater a cabeça nas travessas.
— Se assegure de que mantenham as armas, os escudos e
qualquer outro equipamento que possam necessitar nos
espaços entre os bancos, como se estivessem em uma galera
de guerra — ordenou Giff— . Vocês será o capitão, mas deve
me considerar o dono do navio. Dirija o curso para o norte,

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253

mas mantenha-se longe da costa por um tempo. E se tiver


alguma idéia de como alterar o aspecto deste navio, aceito
sugestões.
— De modo que estamos esperando que nos persigam.
— Fife nos estará em nosso encalço logo que possa, e bem
furioso. Ele procura por algo que acredita que possuímos. E
moverá céus e terra para encontrá-lo.
— Algo relacionado com a caixa na adega, possivelmente?
— insinuou o capitão.
— Não posso lhe dizer nada exceto que é algo que a
família Sinclair protege há muito tempo.
— Vai me disser para onde nos dirigimos, pelo menos? —
perguntou-lhe Maxwell.
— À baía dos Sinclair, em Caithness.
Maxwell assentiu e foi ao leme para dar as ordens
correspondentes.
Já haviam navegando bastante quando Giff viu o jovem
Jake saltar da escotilha de popa, pálido. Percorreu o navio
com a vista até encontrar ao Giff perto do mastro, ocupado em
dar recomendações a seus homens. O moço correu até ele e se
plantou em sua frente.
— Eu disse que havia fantasmas lá embaixo!
Giff reprimiu a risada.
— Pensei que podia reconhecer os ruídos normais de um
navio a esta altura — respondeu.

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— E posso — disse Jake, indignado— . Já faz dois anos


que navego desde que morreu minha mãe. Sei que o vento
sopra e ulula, mas não sabia que também podia dar murros sob
a coberta.
— Possivelmente escaparam um ou dois ratos — apostou
Giff.
— Então — comentou Jake, arregalando os olhos — ,
deve ser um rato enorme!
— Exatamente onde escutou os golpes?
— Na popa — apontou Jake, assentindo— . Acredito que
o fantasma está no compartimento debaixo da cabine de
milord. Mas meu pai me disse que não vou mais usar essa
cabine. Nem tampouco quero, não, senhor, não, não, nem
louco.
— Mostre-me. - pediu Giff.
Lembrou então o alçapão que Maxwell tinha mostrado
perto da cabine de popa. Sem dúvida, Fife queria manter suas
provisões pessoais bem perto. «Que glorioso seria encontrar
uma garrafa de uísque ou um barril de vinho no esconderijo»,
suspirou MacLennan.

Sidony despertou dolorida, tinha todos os músculos


entorpecidos. Até agora não tinha reconhecido nenhuma das
vozes masculinas. Para sua surpresa, tinha descoberto que
estava em um navio ou uma galera, mas como acreditava que

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De Gredin a tinha embarcado no navio de Fife, tinha medo de


chamar a atenção e pedir ajuda.
Entretanto, estava faminta, e embora ainda se sentisse
enjoada pela horrível beberagem que o Chevalier a tinha feito
beber, sua preocupação mais urgente era não morrer asfixiada.
Ela tentou gritar, mas tinha a garganta muito seca. Então
começou a golpear um dos lados de sua prisão com os punhos.
Não aconteceu nada. Em seguida ouviu o ruído de uma tampa
metálica que se movia. O compartimento foi aberto e a luz
recortou uma figura escura que segurava a tampa.
— Por todos os diabos! Que raios você aqui está fazendo?
A raiva nesse tom familiar a impressionou, mas já nada
mais importava.
— Por favor — pediu com um fio de voz— , me repreenda
mais tarde, mas agora me tire daqui...
— Jake! Traz água, imediatamente! — o menino saiu
correndo.
Então, umas mãos fortes e quentes a pegaram por debaixo
das axilas e a tiraram dali. Para sua surpresa, quando ele a
sentou em um catre e começou a lhe desatar as mãos e os pés,
descobriu que não tinha estado em uma caixa, e sim debaixo
do chão da cabine, em uma espécie de porão minúsculo.
Giff a fez sentar-se e a pegou pelos braços.
— Como diabos você chegou aí?
A jovem rompeu em pranto pela dor e pela a frustração de
não poder levantar-se.

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— Não acredito que possa.


— Deixe que eu a ajude — ele disse, com voz calma,
quase terna.
Não tinha opção; as mãos doíam de golpear, e sentiu
espetadas nos pés ao tentar levantar. Sidony apertou os dentes
e aceitou que ele a ajudasse.
— Aqui está, senhor — Jake lhe estendeu o jarro
timidamente.
— Bebe isto, vai cair bem.
Em silêncio, ela bebeu apenas um gole e engasgou. Então,
Giff a ajudou com carinho. Enquanto o fazia, ela observou
uma pequena mesa em um canto, com uma portinha de cada
lado e fixado à parede.
Giff a levou até o catre e logo se inclinou para massagear o
tornozelo direito. Suas mãos eram mornas; mas seu olhar,
severo.
— Hugo e Rob acreditam que está em poder de Fife.
— Eu acho que isso era o que estava prestes a acontecer.
Ela notou que havia outra porta fechada, perto da parede
oposta.
— Podemos falar tranqüilos aqui ou alguém pode nos
escutar?
— Não através dessas vigias, que dão só para a água.
Suponho que alguém poderia deitar sobre a cabine na coberta,
mas qualquer um que passe lhe dará um chute por vadiar.
Assim me diga como chegou até aqui.

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Sidony lhe contou o que aconteceu e se surpreendeu de que


Giff soubesse que De Gredin a tinha raptado.
— Mas disse a seus homens que avisassem ao Fife —
explicou ela— . Disse que o conde me interrogaria. Com
respeito a como cheguei até aqui — acrescentou— , não
tenho a menor ideia. Forçou-me a beber uma coisa horrível
que me fez dormir, e quando despertei, estava em um dos
estábulos de Leith Harbor, eu acho. E quando me fez beber
outra vez dessa poção horrível, eu pensei que iria me levar
para um dos navios de Fife. Não sei como acabei em um dos
seus.
— Este é o navio do Fife — esclareceu, zangado.
— E então como descobriu que eu estava aqui?
Giff apertou a mandíbula, queria estrangular ao Fife pelo
simples fato de havê-la capturado. Mas a idéia de que Sidony
tinha estado desmaiada debaixo do chão, enquanto ele
conversava alegremente com o Maxwell o enfurecia ainda
mais. O que teria acontecido se tivesse sufocado ou se De
Gredin a tivesse envenenado com sua poção?
Se não estivesse com um aspecto tão frágil, a teria
sacudido ou beijado ou dado um castigo.
— Eu não sabia que você estava neste navio e poderia ter
escolhido qualquer outro. De fato, neste momento estaria
conversando com o Fife, não comigo. Tem alguma idéia de
por que a raptou?

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Ao escutar aquele tom, Sidony estremeceu. Mas manteve a


calma.
— Talvez tenha percebido que você sabe algo do tesouro.
A penumbra lhe dava um aspecto fantasmagórico, tinha a
roupa suja e o cabelo emaranhado. Mas só de estar junto a ela
o excitava. Sacudiu a cabeça, tentando resistir a seus encantos,
ao menos para mostrar quão pouca inteligência tinha
demonstrado ao expor-se a semelhantes perigos.
— Foi uma tolice se afastar tanto da cidade — a
repreendeu— e ter deixado sozinha lady Clendenen.
— Não a deixei sozinha! Levei a dois homens comigo, e
ela ficou com quatro.
— Dois homens! Quantos tinha De Gredin?
— Não os contei, capitão — respondeu com sarcasmo.
— Não dê uma de esperta comigo, garota, colocou em
perigo nossa missão. O que acha que aconteceu com seus dois
homens?
Sidony sentiu um calafrio.
— Não... não sei. Não tiveram oportunidade de lutar, foram
com os homens de De Gredin, em direção à comitiva de
Isabella. Certamente não lhes fizeram mal, porque os homens
de Hugo estavam junto às carroças.
Giff tinha suavizado sua expressão, mas voltou a endurecer
quando escutou isto. Ficou de pé e começou a falar da mesma
forma em que teria feito Hugo se tivesse estado ali. Lhe

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causou pena que Giff tivesse deixado de massagear seus


tornozelos.

Com uma irritação cada vez maior, descobriu que


MacLennan era igual a Hugo e suas irmãs: pensava que podia
repreendê-la a qualquer momento em que ela fizesse algo que
ele desaprovasse.
Quando escutou o suficiente, interrompeu-o.
— Você está tentando me dizer que roubou este navio?
— Foi uma sorte para você que o tenha feito — ele gritou
e seguiu repreendendo-a.
Mas Sidony não podia permitir que continuasse, queria
saber mais.
— E o que vai fazer comigo?
Giff parou; parecia mais sombrio que nunca.
— Não pode me levar de volta à costa — disse
orgulhosa— , porque Fife já deve estar te buscando. Assim me
diga, quanto tempo vai levar para chegar ao lugar aonde se
dirige?
— Umas oito horas.
— Por Deus! Há quanto tempo que zarpamos? Onde
estamos neste momento?
— Eu acho que em algum lugar perto da entrada do
estuário oeste da ilha de Mai.

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— Então deve estar louco, sir, se planeja me desembarcar


em meio das terras do conde.
— Estava pensando em St. Andrews. Há uma boa baía ali,
e...
— Mas St. Andrews pertence ao território de Fife —
protestou ela.
— Que o céu me proteja das mulheres educadas — se
queixou ele— . Ainda assim, também é onde mora o bispo de
St. Andrews. Ele se ocupará para que retorne a salvo para
Edimburgo. De qualquer maneira, não pode vir comigo.
Lembre-se que Lestalric disse que primeiro deveria se casar.
— Não falava a sério — fez um gesto depreciativo.
— Por Deus, moça, está a bordo de um navio com
cinqüenta homens mais que dispostos. Tem alguma idéia do
que pode ser a vida a bordo de uma embarcação assim?
Ela encolheu os ombros.
— Não pode ser muito diferente da vida em qualquer outra
galera. Já viajei, sir.
— Sim, à ilha de Mull a visitar sua irmã.
— E à ilha de Eigg para ver Donald ser coroado como o
segundo lorde das Ilhas — assinalou a jovem com
dignidade— . E a outros lugares também.
— E quanto tempo esteve em um bote em qualquer de suas
viagens?
— Isso não tem importância.
— Apostaria a que não ficou sequer uma noite a bordo.

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— Mas Isobel fez isto — disse sem jeito, afinal esse dado
não a ajudaria muito.
— Mas Isobel se casou com o Michael, não é?
Sidony recorreu então a sua última carta.
— Mas você não quer se casar comigo, nem eu tampouco
quero.
— E é exatamente por isso que te estou levando para St.
Andrews.
— Não comi nada desde ontem — comentou ela então,
corada— . Se já terminou com suas críticas e rejeições, acha
que poderemos encontrar algo para comer?
Giff concordou convencido de que tinha ganhado a batalha.
— Encontrarei algo para você, mas fique onde está. Não
quero que ande diante de todos esses homens. Deveria me
agradecer por te levar ao bispado. — E acrescentou— : Ao
menos, para que possa conseguir outra roupa. Você estaria
farta deste traje de montaria quando chegássemos ao Girnigoe,
asseguro-lhe isso.

Fife tinha partido a toda velocidade para o porto de Leith.


Agora, de pé sobre os pedregulhos da costa, observava com
atenção o lugar vazio onde tinha estado ancorado seu amado
navio. Havia ficado furioso no momento em que o
despertaram para lhe dar a notícia, mas agora a ira o tinha
deixado sem palavras.

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262

A seu lado, De Gredin permanecia em silêncio.


Fife o olhou com desgosto e logo deu volta para verificar
que sua escolta habitual não estivesse perto, para assim não
poder ouvi-los.
— Eu gostaria de confiar em você. Mas depois de sua
traição ano passado em Hawthornden e sua fuga para
Orkney...
De Gredin o interrompeu em seguida.
— Aceito a culpa de um ato de insubordinação grave,
milord, quando você quis matar Lestalric. Mas, milord,
compreenda que agi de tal forma porque você tinham
permitido, naquele momento, que uma certa animosidade
nublasse seu julgamento sempre tão sensato.
Fife resmungou. Não estava de acordo, mas não era
momento para começar a roer esse osso duro.
— E como justifica sua fuga para o norte com Henry
Sinclair?
— Sem dúvida, um engano, mas se me permite uma
pequena confissão, temia que você planejasse me matar por
minha insubordinação e acreditei que seria mais seguro para
eu estar em Girnigoe. Também esperava ter uma oportunidade
para explorar as ilhas de Orkney.
— Onde disse que não encontrou nada.
— É só o terreno onde Henry planeja construir seu castelo.
Mas Henry e Lestalric são só dois de muitos que podem saber
onde está o tesouro.

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— Exato — Fife golpeou a mesa.


— O assassinato de Lestalric só teria conseguido zangar ao
rei, arriscando assim sua habitual confiança em você, além de
zangar aos amigos de Lestalric. Os Sinclair e os Douglas são
duas das famílias mais poderosas de Escócia, milord.
— Os Stuart têm o trono e por isso são os mais poderosos
de todos - objetou.
— O nome Stuart ainda não tem muita fama, e se seus
nobres se voltam contra você, o Parlamento fará o mesmo.
Milord é um homem ardiloso, confio que sabe quais seriam as
conseqüências. Meus chefes também compreenderão sua
situação.
— Chefes? O Papa é só um homem — rebateu Fife,
olhando-o fixamente.
De Gredin encolheu os ombros.
— Assim é, milord, de modo que raramente falo com ele.
Sua Santidade está rodeado de ministros e conselheiros assim
como o rei — o Chevalier comprovou satisfeito a mudança de
atitude de seu antagonista. Aproveitou esse momento
estendido para atirar uma última flecha— . Tem de admirar ao
MacLennan, não é?
— Admirá-lo?
— Claro só ele pode roubar um navio dessa envergadura.
Quando as pessoas não pode chegar à vitória, o melhor é
minar o inimigo, não acha? E isso é o que fez levando seu
navio.

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264

— Não concordo — respondeu Fife, reprimindo outro


ataque de fúria— . Ao me roubar, cometeu um delito contra a
coroa. E o enforcarei por isso.
— Certamente, sir. Mas primeiro temos que apanhá-lo,
não?
— Antes devo encontrar outro navio — disse ele.
— Devemos zarpar imediatamente, milord. Ambos
acreditamos que os Sinclair estão movendo uma parte do
tesouro, mas MacLennan não poderia ter carregado nada no
porto sem ter chamado a atenção. Até seus distraídos lacaios
teriam notado se MacLennan movia o Rainha Serpente até a
doca.
— Deve ter carregado em outro lugar — resmungou
Fife— . Sabe onde podem havê-lo feito sem grandes
dificuldades?
— Isso não importa agora — respondeu De Gredin— . O
holandês comentou que MacLennan pretendia ir para o norte,
e já temos um navio. Na verdade, temos dois grandes navios,
aqui mesmo no porto, para nós.

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Capítulo 14

No momento em que Giff saiu da cabine, Sidony lembrou


como no dia anterior tinha invocado sua imagem para não
pensar nos métodos de interrogatório com que De Gredin a
tinha ameaçado. Imaginar-lo agora a entregando a um bispo
que Fife tinha no bolso lhe dava vontade de esbofeteá-lo.
A idéia de sacudir a um homem trinta centímetros mais alto
que ela e com vários quilos a mais a fez sorrir. Perguntou-se
como Giff MacLennan era capaz de lhe inspirar sentimentos
tão contraditórios.
«Qual era o problema em uma jovem como ela passear
sozinha no bosque? Além disso, se falarmos de maneiras...»",
lembrou de repente que ele já a tinha beijado três vezes. A
primeira tinha sido um beijo roubado, mas outras...
— É um ladrão por natureza!
Pôs-se de pé sem sentir nenhuma dor mais que um pequeno
enjôo pelo movimento do navio, além dessa sensação de
isolamento que lhe dava a cabine com sua luz tênue e a falta
de comida.
«Ele não acha que vou comer sozinha na cabine?»,
perguntou-se enjoada.
Sidony avançou com cuidado até a porta.

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266

Os remadores trabalhavam em um ritmo regular apesar de


que a vela inchada pelo o vento era a maior que ela já tinha
visto. Nas Ilhas, os navios cargueiros eram chamados de
birlinn, mas este era muito diferente dos outros. O Dragão
tinha um tamanho descomunal, além disso, contava com duas
cabines!
O céu se ocultava sob uma capa de nuvens ameaçadoras.
Inspirou o ar fresco.
Reconheceu a ilha de Mai mais adiante, por seus
escarpados altos e o mosteiro localizado no topo da velha
pedra. Estavam entrando na parte mais extrema do estuário.
Descobriu que Giff avançava pelo corredor central,
correndo de proa a popa por cima dos bancos, e se refugiou
atrás da porta.
Sua expressão era tão ameaçadora quanto o clima. Quando
se aproximou para lhe falar, seus olhos pareciam
tempestuosos.
— Disse que se mantivesse dentro da cabine.
— Eu não quero - negou ela, e olhou para o outro lado com
uma mescla de surpresa e deleite em defender sua vontade.
— Estive muito tempo trancada em uma caixa e preciso
respirar. Nenhum homem neste navio me fará mal, a menos
que... — fez uma pausa e o olhou nos olhos— . Tem medo de
não poder controlá-los, sir?
— Não, moça, não tenho medo disso — respondeu Giff.

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267

Causou-lhe um pouco de graça a expressão séria dela ao


fazer a pergunta. Seu traje verde de montar estava em farrapos
e cheio de sujeira. Seu rosto, cheio de manchas; algumas
possivelmente, produto das lágrimas. E só por essas lágrimas
ele poderia matar a De Gredin.
— Se insisti, pode se sentar nesse banco dali — ele lhe
indicou.
Era um banco no canto contrário ao posto do timoneiro, na
popa.
— Você não acha que poderá sempre me dirigir tão
facilmente — advertiu— . Lembre-se que agora eu sou o
dono deste navio, e não vou tolerar nenhuma insubordinação
de minha tripulação.
— Não acho que eu seja uma insubordinada — objetou— .
Só tenho fome.
— Temos costeletas salgadas.
Giff olhou para os homens. Embora o vento fosse
favorável, colocou dois em cada um dos remos, para poder
alcançar o mar aberto o mais rapidamente possível. Só então
os remadores deixariam todo o trabalho à vela. Os que não
trabalhavam se deitaram nos espaços entre os bancos para
descansar e esperar seu turno, conhecidos como «quartos», ou
davam voltas para esticar as pernas ou faziam alguma tarefa,
como separar velhas cordas, para misturar com alcatrão e
cobrir com elas as trincas do navio.

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Dois homens falavam perto da cabine de proa, Hob Grant


estava de pé ali em cima, manobrando o leme de proa
enquanto vigiava as águas. Ninguém olhava como avançava
Giff, mas todos tinham notado sua presença e a da mulher que
o acompanhava.
Do posto de timoneiro, Maxwell observava as águas
turbulentas.
— Onde está Jake? — perguntou-lhe Giff.
O capitão apontou com a cabeça para o mastro de proa e
Giff o viu ajoelhado no «quarto» dos remadores na frente,
perto da passagem central, os braços cruzados sobre o banco e
o queixo descansando. Os homens pareciam contentes em te-
lo aí, mas mais contentes em de ter a essa beleza na coberta.
Todos tinham os olhos fixos em Sidony.
Possivelmente percebendo os olhares, levantou os olhos
para o Giff e corou.
Ele se aproximou elevando um dedo repreensivo.
Com visível relutância, subiu ao andaime central,
conseguiu manter o equilíbrio e se dirigiu para frente.
— Agradece a esse moço que a tenhamos liberado —
informou em voz baixa— . O pobre temia que fosse um
fantasma.
— Eu devo tê-lo apavorado — riu ela— . Mas estou
contente de que alguém tenha me escutado.
— Jake, esta é lady Sidony Macleod — Giff a apresentou
quando o jovem chegou até eles.

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Apenas tirou a boina; fez uma pequena reverência e disse:


— Como você se meteu naquele pequeno buraco, milady?
— Um homem malvado me pôs lá — respondeu ela,
sorrindo— . Sir Giffard me disse que devo te agradecer por
me salvar.
— O ruído me chegou até as tripas, eu garanto! Pensei que
um fantasma tinha vindo levar a todos nós. Você não tem um
pente, milady?
Envergonhada, Sidony tocou o cabelo, e reparou em sua
saia. Ficou claro que até esse momento não tinha pensado em
seu aspecto.
— OH, Meu deus, eu estou tão mal?
— Parece um pouco machucada, milady — Jake opinou
sem duvidar— . Como se tivesse brigado com gatos de rua.
Olhe, têm um olho roxo. O que foi que aconteceu?
— Esse mesmo homem malvado me bateu — ela
respondeu, dando uma olhada ao Giff.
— Está tão bonita como sempre, Sidony — ele disse em
tom tranqüilo— , você deve ser a primeira mulher que eu
conheço que não pensa primeiro em sua aparência.
Ela fez uma careta.
— Pois deveria — Jake reclamou, fazendo uma careta— .
Poderia ficar muito melhor com uma trança bem feita e sem
essas manchas de barro. Se quiser um pente, eu dou o meu
milady.

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— Obrigado, Jake — agradeceu com um belo sorriso— .


Você é um encanto.
Giff segurou ao corado jovem pelo ombro e o apertou um
pouco em sinal de reconhecimento.
— Eu também te agradeço por seu bom ouvido, Jake. Já
me pagou com juros sua dívida.
O menino arregalou os olhos.
— Não tenho que pagar mais nada?
— Você prestou um grande serviço para nós dois —
declarou Giff. E logo acrescentou sério— : Mas que eu não o
encontre roubando, porque eu cobrarei isso te dando uma boa
surra também. Entendeu?
— Sim, sir, e meu pai me diz para não lhe dar motivos para
se aborrecer, porque se não me dará uma surra também -
explicou o menino, solene, golpeando o traseiro— . Nunca
mais pegarei algo que não seja meu.
Mexeu em seu bolso, até pegar um pente de osso quebrado,
que entregou para Sidony com outra de suas exageradas
reverências.
— Não é necessário — Giff o deteve.
— Não se meta nisto. Obrigado, Jake — disse Sidony,
aceitando o pente com outro sorriso.
— Às ordens, milady — disse o menino e depois se dirigiu
ao Giff— : Jura que não terei que pagar nenhuma pingo de sua
condenada libra?
— Você está me provocando?

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— Não, sir, não, não.


— Estava a ponto de sugerir que poderíamos encontrar um
pente ou uma escova entre as coisas pessoais do Fife já
carregaram no navio - comentou Giffard a jovem.
Sidony inclinou a cabeça.

— Não deixarei que um pente ou uma escova desse homem


horrível toque minha pele. O pente do Jake bastará.
O moço sorriu abertamente.
— Vai agora, Jake - ordenou o comandante— . E não
incomode aos remadores. E diga a esses homens que
esticaram muito a vela.
— Sim, sir, às ordens, sir — respondeu Jake, e se afastou
correndo para obedecer.
— Como faz para correr assim sobre essa prancha tão
estreita? — perguntou Sidony— . Eu tenho de fazer um
grande esforço para me manter em pé.
— Viveu a maior parte de sua vida em um navio —
respondeu Giff, vendo como um dos homens fazia gestos para
que outro o ajudasse a aumentar a curva da vela— . Aposto
que tem que se esforçar mais para mover-se quando está em
terra. Vai se acostumar ao movimento da água, milady. Quer
dizer, se ficasse a bordo, que não é o caso — se corrigiu ele.
Sidony não respondeu, mas sim se dedicou a arrumar a
saia. Logo perguntou:

GRH
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— Como é que você vai saber onde estamos quando


tivermos deixado para trás o primeiro estuário?
— Você tem medo de que a gente se perca? — ele a
questionou com um sorriso.
— Claro que não. Já disse que não é a primeira vez que
navego, e embora na maior parte das ilhas sempre se pode ver
alguma ou outra costa, vi desaparecer margens, sobretudo em
meio de névoa espessa. Mas sempre chegamos a salvo ao
nosso destino. Só me perguntava como é que os marinheiros
conseguiam fazê-lo.
— Usamos a bússola, é claro, mas também observamos a
cor do céu e o percurso do sol, a lua e as estrelas.
Identificamos alguns pontos na costa. E às vezes se usa o
relógio de areia para controlar a passagem das horas e calcular
as distâncias. Além disso, as pessoas aprendem a reconhecer
os movimentos do mar.
Sidony lutava agora para desembaraçar seu cabelo
emaranhado.
— Não entendo — disse, enquanto desembaraçava um
nó— . Para que pode servir olhar o movimento do mar se não
para saber se está calmo ou encrespado?
— Um bom marinheiro deve observar muitas coisas. Por
exemplo, a maior parte do tempo, as ondas vão na mesma
direção. Qualquer mudança no movimento indica alguma
coisa. Quanto mais perto se chega da costa, mais provável é

GRH
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que se encontre com correntes cruzadas e até algumas que vão


contra. Tudo isso pode ajudar a se precaver de certos perigos.
— Tenho certeza que perto da costa há mais riscos de
colidir com ondas violentas, não é?
— Claro, por isso a maioria dos capitães leva um diário,
onde anotam os detalhes de suas travessias.
— E você tem um diário assim?
— Em meu próprio navio, sim. E Maxwell tem um para
esta rota, porque Fife planejava navegar nesta mesma direção.
Mas eu também posso ler bem as águas — se gabou— .
Cresci navegando não só no mar e nas passagens perto de
Kintail, mas também nos lagos marinhos, onde as condições
do tempo e as marés são especialmente traiçoeiras.
Certamente você já esteve alguma vez em Loch Hourn, ao sul
de Glenelg.
— Claro que sim.
— Os escarpados formam como um funil com o vento, que
se torna muito traiçoeiro. Pode soprar por atrás em um minuto
e no seguinte da proa. Os remos ajudam, mas um bom capitão
aprende a reconhecer essas mudanças e a ler as ondas
enquanto se modificam. São habilidades especialmente úteis
quando há névoa, seguir o movimento das águas para chegar à
costa e encalhar na areia sem violência, ou nos pedregulhos
sem se chocar com as rochas.

GRH
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274

Durante o bate-papo, Sidony tinha reparado várias vezes


nos remadores, e tinha arrumado nervosamente o cabelo e as
saias.
— Certamente quer voltar para a cabine — disse Giff,
notando-a incômoda— . Por que não me disse antes? Por
Deus! Está até tremendo.
Sidony corou.
— Não queria lhe dar a satisfação de que me disser que
devia ter obedecido desde o começo.
Giff riu enquanto lhe estendia uma mão.
— Irei com você — anunciou— . Vamos ver o que nos
deu de presente milord Fife em matéria de pentes, roupa e esse
tipo de provisões.
Sidony fez o possível para desembaraçar seu cabelo com o
pente quebrado de Jake, enquanto Giff revistava as caixas de
Fife. Tirou uma boa quantidade de camisas finas, que
serviriam para engrossar tanto seu guarda-roupa como o dela,
um pente e uma escova de prata — que ela repeliu com
desdém— , uma escova de roupa, duas jaquetas negras, sendo
uma bordada em prata, quatro pares de calças de seda negra, e
um par de botas muito pequenas para ele e muito grandes para
ela, que sem dúvida se ajustariam ao gosto do Maxwell.
— Não quero usar a roupa desse sujeito — objetou a
jovem.
— Não terá que fazê-lo - respondeu Giff— . Ao entardecer
estará cômoda e seca, instalada no palácio do bispo. Encontrei

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um bonito casaco de lã nesta cesta, que será muito útil se


esfriar à tarde.
— Não quero...
— Se pensa que vou permitir que se congele por orgulho,
em lugar de estar abrigada como deveria — ele a
interrompeu, sério— , está muito enganada.
Sidony notou que a porta aberta batia contra a parede com
o movimento do navio e se levantou para fechá-la.
— Deixa-a — ordenou ele— . Queria evitar ao menos um
pouco de escândalo. À exceção de Jake, seu pai e algum mais,
o resto são todos homens de Sinclair: não se surpreenda se
algum achar que eu a subi no navio de alguma forma... Para
algum estranho encargo.
— Mas por que acreditariam em algo assim?
— Basta você saber que eu tenho a fama de agir por
impulso e conseguir o impossível — respondeu ele— .
Enquanto estiver a bordo, tentaremos evitar dar motivos para
que imaginem que estamos fazendo algo impróprio.
Sidony deixou a porta como estava e tratou de ignorar os
golpes que dava com as subidas e descidas do navio. Não
podia fazer nada para melhorar o aspecto de sua saia, nem de
seu corpete, nem de sua jaqueta; e tinha arrumado o cabelo o
melhor possível, embora sem véu ou touca. Mas se enfeitaria
mais tarde quando Giff finalmente a deixasse sozinha.

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276

— Jake mencionou que havia uma bacia em algum lugar,


sir. Haveria alguma água fresca a bordo, que não seja para
beber, e talvez uma toalha?
— Use toda a água que quiser. Poderemos recolher mais
em St. Andrews. Aqui tem um pouco de sabão — o entregou
com brutalidade— . Agora devo ir, preciso falar com o capitão
Maxwell.
— Confia nele? — ela perguntou quando Giff estava a
ponto de sair.
O cavalheiro fez uma pausa.
— Acredito que sim. Parece estar mais preocupado com o
navio do que por ter traído Fife. Pode ser que, no final, acabe
sendo desleal comigo também, mas necessito seus
conhecimentos sobre este navio e estas águas, além disso,
duvido que queira pôr em perigo a segurança de seu filho.
Sidony concordou. Compreendia os motivos tanto de Giff
quanto do capitão.
Entretanto, roubar de Fife tanto o navio como o capitão
seria motivo de uma fúria maior para o conde, o que
aumentaria sua sede de vingança.

Apesar da fúria de Fife por ter perdido seu navio, o que


acabou por excitá-lo ainda mais foi descobrir que De Gredin
só tinha dois navios no porto.

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277

— O que você quer disser com «dois navios longos»? —


questionou— . Primeiro me prometeram uma frota de navios
papais com boas armas. Depois me prometeram seis ou mais.
E agora são dois!
— Os dois primeiros — corrigiu com calma— . A razão
pela qual chegaram antes é justamente sua velocidade. Eu
acho que os outros atracarão a qualquer momento, mas basta
que estes dois estejam aqui, para sair em busca do nosso
Rainha imediatamente. Talvez, se agirmos com rapidez,
poderemos nos adiantar e esperá-los em algum lugar.
— Pretende que eu zarpe neste mesmo momento com maré
alta? — perguntou Fife, desejando ter uma frota naval
própria— . Na realidade, não confio em você o suficiente para
fazer algo assim, não importa quanto deseje apanhar a esse
MacLennan. Além disso, devo lhe recordar que o navio me
pertence, então não cometa enganos estúpidos. É meu Rainha
— enfatizou.
— Também não era isso o que almejava milord. Você irá
querer que seus homens mais leais o atendam. Teremos tempo
suficiente para que os recrutem, enquanto dou as ordens para
que preparem os navios e mande uma mensagem aos outros
para que nos sigam quando tiverem chegado.
— Tomem cuidado de não dizer muito — aconselhou
Fife— . Os homens que estejam a bordo desses navios não
devem saber nada sobre nossos propósitos. Só têm que seguir
as nossas ordens.

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— Irão nos obedecer — assegurou o Chevalier— . Em


todo caso, tampouco nós sabemos o que exatamente
MacLennan está transportando. Mas seja o que for não
puderam movê-lo depois de que Isabella se mudasse para
Edimburgo, devem tê-lo feito antes.
— Claro que sim - concordou Fife— . Deveríamos ter
examinado todos os carros de lã da Escócia. Ao menos
examinarmos todos os que saíram de Roslin — se consolou.
— Isso foi o que nós pensamos — apontou De Gredin.
— Por todos os diabos — exclamou o conde com
rudeza— . Está procurando um grande tesouro, sir, algo que
pode encher vários navios. Se, assim como acreditam, os
Sinclair o têm no castelo de Roslin ou na garganta, e levaria
várias viagens para transportá-lo completamente.
— Isso só confirma que o que estão movendo agora é só
uma parte do tesouro. Não sabemos quando moveram o resto,
ou sequer se já o fizeram. Waldron estava certo de que tinham
transportado uma parte, e está claro que agora estão fazendo
algo similar. Verificaremos muito mais sobre o destino da
viagem assim que zarpemos atrás deles.
— No ano passado esconderam alguma coisa, e estivemos
a ponto de descobrir onde — franziu o cenho ao lembrar que
tinha sido ele o responsável por o plano ter falhado.
— Certo — admitiu De Gredin sem remorsos— . Mas
naquele momento só tínhamos suspeitas..., assim como agora.

GRH
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279

Isso era verdade. Graças a seus informantes, Fife sabia que


estava atrás do objeto mais valioso e mais significativo em
poder dos templários, mas não queria falar nada disso a De
Gredin.
— Se não fosse parte do tesouro — disse então,
encolhendo os ombros— , por que teriam que vigiá-lo com
tanto cuidado ou agir como estiveram fazendo ultimamente?
— Nós perguntaremos quando os apanharmos, milord. O
senhor acha que utilizar um estandarte real no navio seria
conveniente?
O conde concordou. De Gredin estava dando por certo que
ele também participaria da viagem, algo que Fife resistia a
aceitar. Mas tampouco queria que ele perseguisse sozinho ao
MacLennan. Gostaria de ter um tempo para considerar as
possibilidades e os riscos, antes de se decidir. Mas agora não
tinha tempo, nem muitas opções se queria por as mãos na
Pedra do Destino ou ao menos recuperar seu esplêndido navio.
Ninguém tinha mencionado a pobre lady Sidony. Como
estava a bordo do Rainha Serpente, não podia fazer nada para
evitar que MacLennan a encontrasse.
Com sorte, o único captor que ela poderia nomear seria De
Gredin.
Fife decidiu que uma acusação assim serviria para seus
propósitos mais adiante, muito mais que qualquer outro plano.
Estava começando a cansar do Chevalier.

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280

Embora Giff tivesse estado só duas vezes antes na vila de


St. Andrews, foi fácil reconhecer as torres da catedral e o
palácio do bispo, que aparecia por cima do escarpado no
extremo sul da baía. Quando caiu a noite, as luzes se
acenderam em uma ala do palácio e começaram a aparecer na
costa do porto mais abaixo.
Sidony tinha adormecido ou ficou ocupada com alguma
outra coisa na pequena cabine durante as últimas horas de luz.
Apareceu para ver como podia subir na prancha central do
navio. Giff se aproximou, pegou sua mão e lhe sugeriu que se
sentasse onde tinham estado antes.
A jovem retirou a mão ofendida. Giff notou então que seu
tom devia ter soado mais brusco do que ele queria. Mas é que
ainda estava perturbado por sua recente conversa com o
Maxwell.
— Sei que disse ao Jake que não fale da moça e de como
você a encontrou aí embaixo, sir — havia lhe dito Maxwell,
franzindo o cenho— . Mas o menino comentou faz um
momento que alguns dos homens estiveram falando.
Giffard se enfureceu.
— Serio?
— Não pode culpá-los, milord — justificou Maxwell— .
Nenhum desses homens tem idéia de que a moça saiu de um
buraco do chão. Jake não disse nada tal como você ordenou.

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— Foi um erro — admitiu Giff— . Mas deve saber que


não estive com ela. Você e Jake dormiram nessa cabine
ontem. O menino não disse nada a respeito?
— Não teve motivo. Tampouco sabia o que pensariam
outros, afinal é um menino. Mas não gosta do que está
escutando, assim pensei que devia avisar a você antes que ele
faça algo. Vai desembarcá-la aqui, não é? Assim o bispo pode
levá-la sã e salva para seus familiares.
Embora esse tivesse sido seu plano, agora duvidava.
Contemplou à formosa mocinha e reconsiderou sua decisão.
Na realidade, desconfiava de Fife, e embora fosse certo que
a vila estava dentro do domínio do conde, St. Andrews era a
capital eclesiástica da Escócia. Seus bons habitantes eram
mais fiéis ao governo da Igreja que ao Fife ou ao rei. Mas
mesmo assim, as habilidades políticas do conde faziam
provável que tivesse cultivado aliados estratégicos ali dentro,
possivelmente até o próprio bispo. E se o bispo mencionasse
que ela estava em St. Andrews...
Sidony o seguiu até o banco. Já podia manter-se
equilibrada na embarcação. Ainda estava um pouco vacilante,
mas ele não fez nenhuma tentativa de tocá-la nem de lhe falar.
Seu silêncio o fazia sentir-se incômodo e até culpado.
Quando chegaram ao banco, apenas segurou seu braço e
lhe disse com gentileza:
— Não quis falar tão rudemente. Espero que não tenha se
incomodado.

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282

— Não, sir. O que se vê ali é St. Andrews?


Faltava na voz de Sidony sua vitalidade habitual.
— Sim — ele respondeu— . Essas altas torres são da sua
famosa catedral.
— Você vai mesmo me levar até a costa?
— É claro, mas não antes de me certificar que o bispo se
encontra ali e que está disposto a assumir a responsabilidade
de te levar sã e salva até Edimburgo.
— Eu tenho certeza de que é o melhor plano.
Essa voz, sem vida e sem ânimo, contradizia sua aparente
resolução. Giff se debatia internamente: tinha a obrigação de
mantê-la a salvo, e não estava seguro de poder fazê-lo em um
navio, menos ainda em um perseguido por Fife e com uma
carga tão preciosa na adega.
— Tem fome? — perguntou-lhe.
— Certamente o bispo me dará o que comer. Acha que Fife
já saiu para nos perseguir?
— Possivelmente ainda não. Não tem nenhum outro navio.
— Mas é muito poderoso — comentou ela— . Poderia
convencer a qualquer um que o trouxesse até aqui, e logo
descobrir que seu próprio navio está ancorado no porto de St.
Andrews.
— Teme pela segurança do bispo ou pela tua, se a deixar
aqui? — perguntou-lhe Giff, divertido ante aquela tática tão
óbvia.

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— Nem sequer Fife se atreveria a molestar ao bispo de St.


Andrews — opinou, molesta— . Mas o que você vai disser ao
bispo sobre mim?
— Não sei. Já vai me ocorrer algo.
— Não seria melhor planejá-lo primeiro?
— Não mencionarei nem ao conde Fife nem a seu navio -
afirmou ele friamente.
— O Rainha Serpente é bastante reconhecível, sir. Nunca
vi nenhum parecido.
— Sua experiência é limitada, milady. É diferente, certo,
mas tem muitos traços similares às galeras nórdicas e aos
navios de carga que transitam por estas águas.
— Mesmo assim, é claro que Fife o poderá reconhecer.
— Ele vai mesmo se sair para nos perseguir. Além disso,
agora somos o Dragão das Ilhas — lhe recordou com
arrogância— , pode ser que não consigam reconhecê-lo tão
facilmente.
Mas as palavras de Sidony o tinham feito pensar.
— Agora se sente aqui. Quero falar um momento com o
Maxwell antes de entrar no porto. E enquanto nos
aproximemos, vai manter-se oculta entendeu? Eu acho que
deveria voltar para a cabine até que tenha arrumado tudo.
— O que fará quando chegarmos?
— Tentar ter uma audiência com o bispo — fez uma
careta— . Vou lhe explicarei que as condições do mar

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pioraram tanto que você ficou aborrecida e que quer retornar a


Edimburgo por terra, Como soa?
— Terá que explicar por que não tenho uma donzela ou
uma acompanhante comigo.
— Vai me ocorrer algo — prometeu ele— . Tem certeza
de que não quer comer nada?
Sidony sacudiu a cabeça, com uma expressão de asco.
— Vá falar com o capitão, eu ficarei aqui tratando de não
devolver o café da manhã.
Ele riu e se dirigiu até o leme.

— Têm umas velas de reserva, não é? Para que possamos


envolver a parte mais baixa do mastro como um abrigo, se
tivermos passar a noite no mar.
— Certamente, milord — disse Maxwell— . Estão
guardadas na adega de proa.
— Mandem a alguns homens para buscá-las, para cobrir as
partes mais baixas dos corrimões superiores, e tente fazer que
pareçam tão baixas como as do nível seguinte. Terão que
arrumar-las para que não atrapalhem o movimento dos remos.
Do contrário, teremos que levá-lo a costa com um bote, e com
este vento. Só quero disfarçar um pouco a forma do navio, e
logo estará escuro o bastante, para que os panos façam esse
trabalho.

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— As cavidades dos remos são bem baixas, com isso não


haverá problema. Mas só servirá durante a noite.
— Penso em sair assim que tenha terminado com meus
assuntos em terra.

Pouco depois, Sidony observava como os homens do navio


dispunham os panos para cobrirem a primeira parte do
corrimão da coberta. Logo recolheram a vela e remaram até a
baía, em frente da cidade.
Quando baixaram o bote, Giff saltou até ele. Logo o perdeu
de vista, até que esteve um pouco mais adiante. Quando ele
desapareceu, pouco depois detrás de um grande navio, tentou
imaginar o que Giff diria ao bispo para não destruir a pouca
reputação dela que restava, logo depois de sua terrível
experiência.
— Trouxe-lhe queijo e uns pães, milady - anunciou Jake,
que tinha aparecido subitamente junto à porta— . Quer que o
leve dentro da cabine?
— Obrigado, Jake — respondeu Sidony. Na verdade,
estava faminta— . Me acompanha? — acrescentou logo, ao
ver a quantidade de comida que havia trazido o jovenzinho.
— Claro! — respondeu ele.
Aproximou-se dela, deu-lhe uma fatia de pão e cortou um
pedaço de queijo para cada um com sua faca.

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286

Sidony pediu-lhe para falar sobre ele. Assim, soube algo de


sua história e passou um longo tempo. Jake saltava
rapidamente de um tema para outro, falava da morte de sua
mãe, para em seguida passar a descrever suas alegrias na vida
que levava a bordo junto a seu pai.
— Como foi que ele se converteu no capitão do navio do
conde?
O menino encolheu os ombros.
— O conde disse a seus homens que procurassem o
melhor, e esse era meu pai, é claro. Acredito que Fife se
parece com o demônio, por isso que se veste de negro, mas
quando o disse, meu pai me deu um cascudo na cabeça, assim
não lhe disse nada mais do diabo.
Sidony reprimiu um sorriso.
— Concordo com você. É um homem muito perigoso.
— Sim, — adicionou Jake— , meu pai também diz que o
conde é um mau exemplo para um menino como eu. Claro que
é mau exemplo! Acaso o diabo não é mau exemplo pra todos?
— Assim é — riu ela, perguntando-se se o capitão
acreditaria que Giff poderia ser um exemplo melhor.
Nesse momento, Maxwell apareceu na soleira da porta.
— Jake, fica com a dama e que nenhum dos dois apareça
na coberta. Desculpe-me a grosseria, milady, mas estão
entrando na baía uns navios franceses que estavam no porto de
Leith.

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— Mas nós não devemos ter medo dos franceses —


contestou a jovem.
— Não, milady, mas agora os dois trazem o estandarte do
rei da Escócia.

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Capítulo 15

Giff encalhou sobre os pedregulhos. Colocaram o bote


além da marca da maré alta e se encaminharam para a cidade.
Nunca tinha estado no palácio do bispo e sabia que tinha sido
danificado uns anos atrás, mas mantinha a esperança de que as
luzes fossem um sinal de que o religioso ainda vivia ali.
O entardecer tinha caído perante a noite. A névoa distorcia
a escassa luz que emitia um farol.
Só se encontraram com um jovem sacerdote que parecia
estar passeando. Como não sabia com quantas pessoas do
povoado encontraria nos arredores, Giff tomou a liberdade de
detê-lo.
— Me desculpe por o importunar, padre, mas poderiam me
dizer onde achar sua eminência, o bispo de St. Andrews há
esta hora?
— Deve estar na catedral, meu filho. No topo deste atalho
virem à esquerda pela estrada e sigam por ela até a curva do
penhasco. Logo chegarão a ela.
Uns minutos mais tarde, chegaram ao topo do caminho e
dobraram onde tinha indicado o sacerdote. A doca escura do
palácio do bispo apareceu diante deles. Giff deu uma olhada
quando passaram ao lado. Aproximaram-se da catedral. Dali

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pôde ver o mar e a sombra de dois grandes navios chegando à


baía do sul.
Ao reconhecê-los, reagiu imediatamente.
— Vamos retornar ao Dragão, rapazes, e rápido.
Desceram depressa para a costa. Quando se aproximavam
da praia, voltaram a encontrar com o sacerdote, que subia
agora pelo caminho. Parecia preocupado.
— Não podem ter se perdido ou terem encontrado a Sua
Eminência em tão pouco tempo, meu filho. Aconteceu algo?
— Sim, padre, e talvez o senhor possa nos ajudar sem
necessitarmos incomodar ao bispo — intercedeu Giff com
pouca sinceridade— . Posso pedir que nos acompanhem um
momento até nosso navio?
— É uma emergência, meu filho?
— É uma emergência, padre — Giff repetiu, e deu uma
olhada à ampla entrada da baía, onde via agora entrar um dos
navios franceses— . Espero que tenham autoridade para
realizar todos os ritos da Santa Igreja — acrescentou depois.
— Certamente — disse o sacerdote— . Por acaso alguém
está por entrar no Reino dos Céus?
— Não, senhor, mas não temos tempo que perder. Nosso
bote está perto.
Giff conseguiu sustentar seu olhar, embora desejasse de
todo coração que não lhe fizesse mais perguntas. Parecia a
ponto de começar a interrogá-lo, mas ao ver os dois remadores
tensos, decidiu-se por concordar.

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290

— Pode voltar para a mansão Sinclair daqui? — murmurou


com urgência a um dos remadores, e tirou do um bolso sua
bolsa de dinheiro.
— É claro sir — respondeu o homem, e pegou o dinheiro
que Giff lhe oferecia— . Mas...
— Vai, e diga a lady Isobel que sua irmã está a salvo
comigo - ordenou MacLennan.
— Às ordens, sir.
Minutos depois, Giffard e os outros dois já se achavam no
bote. Ele mesmo se encarregou de um dos remos tentando
manter-se afastado dos navios recém chegados. Regressaram
sem chamar a atenção.
Satisfeito, notou que as velas de reserva tinham diminuído
o perfil tão peculiar do Rainha Serpente. Maxwell também
tinha ordenado colocar os remos para dentro e baixar as lonas
ainda mais.
Logo que chegou a coberta, Giff expressou ao Maxwell sua
aprovação.
— Agora parece um navio mercante comum.
— Obrigado, sir, mas devemos nos manter ocultos
enquanto eles passam— assinalou Maxwell— . Eu disse aos
rapazes que se mantenham ocultos, e que apareçam de dois em
dois ou de três em três, como se houvessem guardas a bordo.
E este quem é? — acrescentou, dando uma olhada ao
sacerdote, que admirava com fascinação a coberta com os
remos.

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— Encontrei-me com ele a caminho da cidade e o trouxe


para que protegesse ao nosso passageiro — explicou Giff— .
Não podemos permanecer aqui nem um momento mais para
arranjar sua volta para Edimburgo.
Maxwell franziu o cenho.
— Possivelmente a palavra de um sacerdote sirva a você
para...
— Será mais que uma palavra — o interrompeu— . Mas
primeiro tenho que convencê-la.
— A jovem e meu Jake estão na cabine de popa, sir.
— A jovem?
O sacerdote parecia confundido, mas Giff o ignorou e
retornou para o Maxwell.
— Isto é o que faremos — declarou com tom cúmplice— .
Eles vão aproximar os dois navios ao porto. Até então, nos
manteremos em silêncio. Depois, sairemos daqui para o leste,
como se fôssemos um navio mercante nórdico que só se parou
para recolher água fresca ou alguma outra coisa.
— Onde está a situação urgente que me falou? —
perguntou contrariado o religioso— . Quero me ocupar
imediatamente disso, porque devo retornar para as orações.
— Lamento padre, mas não vai poder retornar agora —
Giff respondeu com calma— . E devo pedir que fale em voz
baixa. Estamos em grave perigo, e logo precisaremos de suas
preces e de seus ofícios.
— Mas acabou de dizer que vamos navegar!

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— É verdade.
— Aonde você vai?
— Para o norte.
— Mas acabou de dizer que era para o leste! Quanto para o
norte?
— Umas cento e setenta milhas, eu acho.
— Meu Deus sir, não posso ir tão longe! Tenho que
retornar. Vim com você porque me disse que tinha uma
emergência.
— Me acredite padre, isto se converteu em uma questão de
vida ou morte.
— De quem?
— Minha — coçou a cabeça— , quando disser à dama que
você está aqui.

— Sir Giffard retornou — murmurou Jake para Sidony— .


Mas o que estão fazendo agora?
Embora Sidony pudesse distinguir seu perfil perto da porta,
não conseguia reconhecer mais nada alem da escuridão.
— Não sei — admitiu ela.
Desejava que Giff lhe explicasse o que estava acontecendo,
porque se esses dois navios franceses tinham os estandartes
reais, sem dúvida Fife estava a bordo de um deles. O conde já
tinha demonstrado mais de uma vez que considerava a
bandeira do rei como própria. E estava claro que o rei dos

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293

escoceses não tinha decidido de repente dar um passeio pela


baía de St. Andrews.
— Eu poderia ir perguntar — murmurou Jake.
— Sim, claro, se quer se arriscar a levar uma surra —
respondeu ela, sorrindo, embora soubesse que o menino não
podia ver o seu rosto.
O menino lançou um grunhido de resignação. Os homens
pareciam sombras estáticas, à exceção de alguns que se
moviam de um ponto para outro do navio.
— Viu algum outro navio com vigias por aqui? — ela
perguntou.
Depois de um momento de reflexão, Jake disse:
— Não sei se eram guardas, mas sempre há homens a
bordo nos navios no porto. Muitos deles não têm outro lugar
onde cair mortos.
— Então deveriam ter mais lanternas.
— Não, deitam-se com o entardecer e se levantam quando
sai o sol. Por causa do vento não é muito seguro ter lanternas
acesos. O fogo não é bom para os navios, não, senhor, não,
não — sacudiu sua cabecinha— . Por isso meu pai não quer
que leve nem velas nem lanternas à adega. E se por acaso cai
entendeu? Acabamos assados como uma costeleta. Mas o
pequeno capitão jamais deixou cai alguma coisa — concluiu
orgulhoso.

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— Estou certa que não — respondeu Sidony, reprimindo


uma gargalhada— . Mas é melhor tomar todas as precauções
quando o risco é tão grande.
— Sim, claro — afirmou o menino— . Mas espere um
momento. Eu acho que um dos homens que subiu a bordo com
sua senhoria não é um dos nossos. Parece uma espécie de
padre.
— Um padre? — perguntou Sidony.
Ela tinha um nó no estômago. Giff havia trazido o bispo até
ali? O que aconteceria se o bispo era um homem de Fife e o
conde estava esperando-os na costa?
— Tem certeza de que o homem é um sacerdote, Jake?
— Já vamos saber — disse Jake, espiando pela porta— .
Sir Giffard o está trazendo para cá.
— Por Deus!
Sidony ficou de pé em um salto, sacudiu as saias que não
podia ver e logo, dando-se conta da futilidade de seu esforço,
abandonou-o. Inspirou fundo para tranqüilizar seus nervos e se
recordou que ela podia tomar decisões tão bem como qualquer
outro.
Ficou firme; pensou que Giff tinha razão. Ela poderia
decidir sozinha o que devia fazer.
Então, uma dúvida a fez falar:
— Mas irei conseguir que preste atenção?
— O que é o que disse milady? — Jake perguntou do
patamar da porta.

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— Nada — Sidony respondeu com firmeza.

— Terei que falar com ela antes, padre — Giff disse


enquanto se aproximava da cabine.
— Primeiro devo saber o que está planejando, meu filho, e
eu gostaria de me sentar um momento enquanto me explica
isso. Todo este movimento está me enjoando.
Ele mantinha a voz baixa. Giff pensou que já havia se
resignado a ir com eles, mas possivelmente o bom sacerdote
acreditava que se agisse rápido, poderia voltar para terra
firme. MacLennan não estava muito ansioso para explicar ao
sacerdote que iria a Girnigoe com eles. Henry se encarregaria
depois de que retornasse a salvo para casa, mas até esse
momento ninguém deveria saber que eles tinham estado em
St. Andrews. Se conseguirem sair da baía incógnitos, o
máximo que Fife poderia fazer seria perguntar onde estavam.
Giff guiou o sacerdote para o banco e lhe contou que a
moça tinha sido raptada e que seu plano original era deixá-la
com o bispo.
— Mas ainda pode fazê-lo, meu filho. Sua Eminência a
manterá a salvo.
— Não. O seqüestrador age sob as ordens de lorde Fife. O
conde planejava mantê-la cativa para forçar aos familiares da
jovem a se submeter a seus desígnios. E é por isso que nos

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seguiu até aqui. Porque é Fife em pessoa quem navega com os


estandartes reais - concluiu teatralmente.
— Quase sempre o faz, não é assim? — comentou o
religioso, jogando por terra o esforço do Giff em impressioná-
lo.
— Eu lhe asseguro padre, que a única forma de proteger
lady Sidony é a tirar de St. Andrews o mais rapidamente
possível.
— Mas o que acontecerá com sua reputação? O conde não
seria capaz de feri-la.
— Me disseram que uma vez manteve a uma mulher
pendurada por cima de um rio a trinta metros, para forçá-la a
falar — Giff apontou— . Não tem nenhum escrúpulo.
— Bom então alguém deve se casar com a dama para
salvar sua reputação — resolveu o sacerdote— . Não me
ocorre outra solução. Essa era sua emergência, meu filho?
Giff esfregou o queixo nervoso.
— Não esperava me casar tão cedo. E ela tampouco.
— Você a quer?
— Meu deus, eu a quero com loucura — pareceu aliviado
por reconhecê-lo finalmente— . Só me interessa protegê-la.
— Então terei que os casar. É o único caminho.
— Ela não concordará — rebateu Giff— . Me considera
um marido horrível.

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297

— Vai ter que lutar para mudar essa imagem — o


sacerdote muito sério disse— . No entanto, não posso fazer
nenhum matrimônio se a dama se negar.
— Acho que podemos persuadi-la — murmurou Giff— .
Não, você pode persuadi-la. Iria me desafiar se tentasse lhe
dar uma ordem, mas duvido que se oponha a você. Vou levá-
lo até ela - declarou decidido.
— Com a ajuda de Deus, não deve levar muito tempo — o
sacerdote secou o suor de sua testa com um lenço de linho.
Giff franziu o cenho, perguntando-se o que Deus pensaria
dele ter raptado um sacerdote para forçar uma moça a casar-se
com ele.

Sidony estava de pé atrás de Jake, perto da porta,


observando-os. O sacerdote parecia carrancudo e envelhecido,
embora fosse um pouco mais velho que ela.
Teve que mover-se até o canto onde a cama se unia com a
pequena mesa e a vigia.
Giff se livrou do Jake em um segundo e logo anunciou:
— Este sacerdote pertence à catedral de St. Andrews,
milady. Falará com você em um momento. Como deve ter
notado, a chegada do conde me impediu de fazer os acertos
adequados com o bispo. Agora não restam muitas opções.
— OH, eu pensei que ele era o bispo - disse ela.

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— Não. Mas a verdade é que não perguntei seu nome,


padre.
— Sou o padre Adam — respondeu o sacerdote— . Minha
família é de Roxburghshire.
— Ela é lady Sidony Macleod, de Glenelg em Kintail. Está
aqui, como lhe expliquei, sem ter nenhuma culpa disso.
Sidony se mantinha em silêncio. Assim como não tinha
querido ir com o bispo, também não queria fazê-lo com o
padre Adam.
— Vou deixá-la com ele. Mas deve saber que a opção que
ele recomenda é a que sua família gostaria e que eu... Eu
também a aprovo.
— Então não veio para me levar com o bispo?
— Ninguém sairá deste navio — declarou Giff— .
Estamos a ponto de zarpar.
Sidony ficou olhando enquanto se afastava, perguntando-se
o que queria dizer. Seu semblante se transformou em poucos
segundos, como se a tormenta em sua mente tivesse
aumentado.
Levantou a vista para o sacerdote. Sentia que a tensão tinha
lhe renovado a confiança em si mesmo e tinha curiosidade em
saber que o padre tinha para lhe dizer.
O silêncio se estendeu por toda a cabine, enquanto ele a
estudava.

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299

Sidony podia escutar o puxão das cordas, os ruídos das


travessas do mastro e finalmente ouviu o tecido contra o
vento: tinham içado velas.
— Acredito que deve saber ao que se referia lorde
MacLennan, milady. É a opção que eu também recomendo.
— O que recomenda padre?
— É a única opção aceitável nestas circunstâncias.
— Não estou aqui por minha culpa — se defendeu,
tratando de não pensar no que diriam Hugo e também seu
pai— . Caí em mãos de um vilão que me encerrou neste navio,
para...
Parou; tinha estado a ponto de falar do conde de Fife. Mas
não sabia o que Giff havia dito ao sacerdote, e estava certa de
que não tinha confessado que ele tinha roubado o navio do
conde, assim apertou os lábios e não falou mais.
— Preferiria falar ao ar livre, milady, os lugares pequenos
me sufocam — puxou a gola de sua batina.
— É melhor que ninguém dos outros navios me veja aqui,
padre.
O sacerdote olhou para fora, frustrado. Depois emitiu uma
prece ao céu.
— Já zarpamos — suspirou resignado— . Acredito que
nenhum de nós dois tem muitas possibilidades, milady. Vocês
terão que se casar para a proteger, e eu estou disposto a
celebrar as bodas.
— Me casar com sir Giffard?! — exclamou consternada.

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300

— Esse é seu nome?


— Sir Giffard MacLennan. É tão presunçoso que acredita
que todos o conhecem. Não se apresentou, não é?
— Só insistiu em que devia acompanhá-lo. Ambos vêm de
boas famílias?
Sidony deixou escapar um suspiro. Roubar um navio,
seqüestrar a um sacerdote, qual a diferença? Mas a única coisa
que disse foi:
— Sim, ambos somos nobres, sir, mas ele não tem nenhum
desejo de se casar comigo. Nem eu tampouco tenho.
— De qualquer maneira, aceitou a responsabilidade por a
manter a bordo deste navio, milady, e expressou sua
disposição em casar-se com você. É o certo e não vejo
nenhum impedimento para que o matrimônio aconteça agora
mesmo.
— Devo fazer algo mais se me casar com ele?
Sidony sentiu a surpresa do sacerdote, notou um leve rubor
tingindo suas imaculadas bochechas, quando disse com
firmeza:
— A esposa deve submeter-se aos desejos de seu marido
em todas as coisas — citou solene.
— Mas se pode anular um matrimônio, não é?
O sacerdote não pareceu contente com a opção.
— Não posso recomendar uma possibilidade semelhante.
— Mas é possível?

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301

— Só em certas circunstâncias. Se seu marido descobrir


que não é donzela, por exemplo.
— Ou se me nego a me submeter a ele.
— Essa seria uma decisão perigosa, milady. Veja, o marido
tem o direito de exigir certos deveres de sua esposa... Mesmo
que seja à força. Será melhor que aceite se casar de boa
vontade. É meu conselho, mas minha consciência me obriga a
lhe dizer que segundo as leis escocesas, devo me negar a
celebrar o matrimônio se expressar sua insatisfação com o
fato.
Odiava casar-se com um homem que não a queria. Estava a
ponto de negar-se quando imaginou por um momento a seu
pai e a outros membros de sua família, furiosos com ela.
Eventualmente, os outros a obrigariam a desposar esse
marinheiro presunçoso. Até então, só Deus sabia quantas
noites teria que passar com Giff. E os rumores corriam pelas
ilhas muito mais rápido que os navios. Iria se converter em
motivo de escândalo em um piscar de olhos. De fato, sua irmã
Isobel, embora tivesse passado só uma noite junto ao Michael,
tinha tido que submeter-se a esse encargo. Mas se agora
aceitasse casar-se...
Seus familiares furiosos desapareceram diante dessa idéia.

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302

Giff vigiava ao mesmo tempo os dois navios no porto, e a


porta aberta da cabine, enquanto falava em voz baixa com
Maxwell.
Ao ver que os passageiros dos dois navios franceses
desembarcavam e começavam a subir pelo caminho para a
cidade, enquanto a tripulação se preparava para passar a noite,
aproximou-se de seus homens e ordenou que içassem as velas.
Logo, o vento fez seu trabalho, e apesar de a maré vir
contra, puderam sair sem problemas. Estava escuro o bastante
para que, uma vez que tivessem saído da baía, pudessem
corrigir a direção da navegação sem que ninguém os visse da
cidade.
— Puderam contar quantos baixaram a terra? — perguntou
ao Maxwell.
— Pareciam ao menos oito — lhe respondeu o capitão— .
Um era o conde, com certeza. É inconfundível, por sua figura
e pelo modo orgulhoso que caminha. Não acha que alguém lhe
dirá que você estive por aqui?
— Este porto não é tão tumultuado como o de Leith -
assinalou Giff.
— De qualquer jeito, alguém deve ter visto.
— Já não importa, neste ritmo, chegaremos a nosso
destino antes que Fife apresente seus respeitos ao bispo. Além
disso, passarão a noite aqui.

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303

— O conde é um marinheiro nervoso, sir — riu o


capitão— . Não gosta dos botes pequenos, e tampouco de
navegar muito perto da costa.
— Não é um marinheiro, a não ser um farsante — Giff
falou, golpeando o corrimão.
— Me desculpe sir — disse Maxwell— . Como acha que o
conde foi capaz de convencer aos navios franceses a trazê-lo
aqui tão rápido?
— Suspeito que foi o Chevalier De Gredin o responsável
por isso - deduziu Giff— . Seu pai foi o enviado escocês na
Corte Real francesa de Paris durante bastante tempo, deve ter
usado suas influências. Devemos estar enfrentando com um
inimigo maior do que pensamos.
Desejou nesse momento estar escutando a conversa da
cabine de popa. Em um minuto queria que o padre a
persuadisse e no seguinte, não. Em um ponto, encontrou-se
perguntando se era tão tolo para desejar que ela quisesse casar
com ele, apesar de sua própria resistência ao matrimônio.
— Acha que ele vai convencê-la? — murmurou Maxwell,
perspicaz.
— Não sei — admitiu Giff— . Diga aos homens que tirem
os panos e comecem a remar. Viraremos a estibordo. Se
mantenha alerta para o caso de termos que nos afastar de
repente da costa.

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304

Maxwell se aproximou do leme para dar as ordens sem


gritar. Nesse momento, Giff viu a figura magra do sacerdote
surgindo da cabine.
Sentiu que algo se retesava dentro dele, sinal de que tinha
estado mais preocupado com a resposta de Sidony do que
queria reconhecer. Aproximou-se dele rapidamente, para
evitar uma possível queda de padre Adam sobre a coberta.
— E bem? — perguntou ansioso.
— Está de acordo — respondeu o sacerdote— . Mas devo
lhe dizer...
— Nenhuma palavra mais, padre. Agradeço sua
intervenção. Eu farei o que seja apropriado para ela. Já era
tempo de que semeasse minha descendência.
— Com respeito a isso...
— Vamos fazer isso agora mesmo — voltou a interromper
Giff.
Apesar do vento fresco, suavam-lhe as mãos.
— Agora?
— Claro, antes que mude de opinião. Não desejo discutir
com a moça, é melhor fazê-lo enquanto está de acordo.
O sacerdote vacilou.
— Pense padre — insistiu Giff— . Para ela, será melhor
chegar ao nosso destino como uma mulher casada que como
uma moça desalinhada acompanhada por cinqüenta homens
rudes e um menino travesso.

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305

— Nesse caso... — cedeu o padre Adam— . Como ela está


de acordo, poderiam se casar só por declaração, mas sem o
benefício da bênção da Igreja.
— Não quero fazer isso a menos que não tenhamos outra
opção — disse Giff, perguntando-se por que o padre parecia
menos decidido que antes— . Duvido de que uma declaração
semelhante preservasse sua reputação nesta circunstância.
Prefiro obter sua bênção como homem de Deus.
— Muito bem, vamos fazê-lo imediatamente.
De repente nervoso, e desejando que o sacerdote não
notasse, perguntou-lhe:
— Você se lembra bem das palavras da consagração?
— Lembro-o bem o suficiente para fazer um casamento
como deve ser, meu filho, mas acho que deveria saber que...
— Vamos fazer agora.
O sacerdote suspirou.
— Muito bem, sir. Lady Sidony está aguardando.
Em sua mente apareceu então a imagem de Sidony
esperando-o em uma das salas de Duncraig, com um fino
vestido de seda apertado a seu corpo, o cabelo prateado caindo
sobre as costas. Sentiu uma onda de calor, mas se limitou a
desprezar a imagem com um sorriso irônico. Uma noite de
núpcias a bordo de um navio cheio de marinheiros não parecia
ser algo particularmente agradável para nenhum dos dois.

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306

Sidony os escutou antes de vê-los, e seu coração começou


a bater com força.
Esposa de sir Giffard MacLennan. O que sabia ela daquele
homem? Sem dúvida, não o suficiente para casar-se.
Sua figura encobriu a pouca luz que havia dentro.
— Então está de acordo, moça?
Sua voz era gentil, na penumbra. Tinha a boca seca, mas as
palavras saíram mais facilmente do que esperava.
— Sim, estou de acordo — respondeu— . O aceitarei
como uma obrigação. Para proteger minha honra. Não desejo
que um escândalo me condene pelo resto de minha vida.
— É o suficiente — declarou Giff, curiosamente doía que
ela aceitasse por obrigação— . Entre, padre. Estamos prontos.
— Necessitaremos ao menos de duas testemunhas, meu
filho.
Giff foi até a porta e com um puxão fez o Jake entrar.
— Procure a seu pai e ao Hob Grant — ordenou— , e
volta com eles. Diga a seu pai que traga uma lanterna.
Finalmente, com as vigias fechadas, uma lanterna acesa e
pendurada no teto baixo, e com Hob e Maxwell ao lado deles,
o padre Adam começou.
A cerimônia foi muito breve. Só houve uma demora
quando, depois que Giff tivesse recitado seus votos, o padre
Adam lhe perguntou se tinha um anel.
Giff remexeu desajeitado em seus bolsos e olhou às
testemunhas, que menearam a cabeça encolhendo os ombros.

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307

Então Watt Maxwell retirou um de seu mindinho.


— Era da minha esposa, sir, podem usá-lo até que consiga
um para lady Sidony. Eu gostaria que Jake o conservasse para
dar a sua esposa algum dia.
Giff agradeceu, pegou o anel de prata com uma expressão
indecifrável em seu rosto e o deslizou suavemente no dedo de
Sidony.
— Lady Sidony Macleod aceita por marido...
Ela quase não escutava, ficou olhando enquanto o
sacerdote fazia a pergunta de praxe, e quando de seus lábios
saiu um «sim», ele prosseguiu com os votos. O padre pôs
especial ênfase nos deveres da esposa para seu marido,
obedecer aos desejos do marido assim como gerar filhos
saudáveis, no nome do Senhor...
Raios, ela tinha que fazer tudo sem objeções, acaso o
marido não tinha obrigações também? Então, de repente, o
padre Adam disse:
— Pelo poder com que me investe a Santa Igreja, os
declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva, sir Giffard.
Ao lhe pôr o anel no dedo, Giff sentiu emoções
inesperadas, e o anúncio de que agora era sua esposa inspirou
seu coração. Contemplou-a em extasiado. Estava tão bonita
como se vestisse o vestido de noiva mais luxuoso.
Quis beijá-la imediatamente, devorar seus lábios até lhe
tirar o ar. Entretanto, limitou-se a segurar seu queixo e

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308

depositar um suave beijo no canto da boca, sorrindo ao notar


que os olhos da moça brilhavam sob a luz da lanterna.
— Acredito que temos que dar a boa nova a sua tripulação
- sugeriu o padre.
— Proclame a noticia, padre — concedeu Giff— . E
fechem a porta quando saírem.
Um momento depois, quando a porta se fechou com um
clique bem forte, ficaram sozinhos. Um imperioso marido
desabotoou os botões da jaqueta de Sidony.
— Não, por favor — disse ela enquanto se afastava— . Eu
concordei em me casar com você, mas isso é tudo.

Em St. Andrews, Fife e De Gredin, escoltados apenas por


dois guardas do conde, tinham caminhado até o palácio e dali
à catedral para ver sua Eminência. Logo terminou a missa e o
bispo os convidou a que retornassem com ele ao palácio para
passar a noite, tal como Fife tinha esperado. Não tinha
nenhuma intenção de dormir a bordo.
De Gredin não parecia muito entusiasmado com a idéia de
ficar em St. Andrews, mas esperava que MacLennan tivesse
deixado a moça na ilha, tal como tinha sugerido o conde.
De modo que se dedicavam a ter um jantar excelente à
mesa do prelado, com um vinho delicioso, quando um lacaio
entrou e os interrompeu.

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309

— Me desculpe Sua Eminência, mas um homem veio do


porto com uma mensagem para lorde Fife.

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310

Capítulo 16

Ainda com os dedos no laço da jaqueta de uma decidida,


mas temerosa Sidony, Giff cravou os olhos sobre sua esposa.
— O que é você disse? — reclamou.
— Você me escutou - respondeu ela.
— Escutei, sim, mas não compreendo — ele sussurrou, a
ponto de explodir. Baixou as mãos de maneira brusca— . Mas
querida, não seremos verdadeiros casados até que tenhamos
consumado nosso matrimônio — explicou com gentileza.
— Não importa sir, tomei uma decisão.
— Este não é um bom momento para se converter em uma
moça decidida — ele observou.
— Você mesmo incentivou a fazer isso — recordou— .
Assim pretendo manter minha posição. Além disso, você
forçou esta situação, com a desculpa de que seria para que eu
ficasse a bordo. Duas vezes. Fez quando seguiu em frente ao
invés de retornar e me deixar em Lestalric, e outra vez em St.
Andrews, quando poderia ter permitido que o padre Adam me
levasse para o bispo.
— Você não queria ir com o bispo!
— É verdade. Mas isso não afeta minha decisão de agora.
Só aceitei me casar com você para manter as aparências e
evitar um escândalo. Eu o fiz pela minha família, não por você
— levantou o queixo com arrogância— . Se o que o preocupa

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311

é sua reputação de macho conquistador, pode dizer a todos


que você deitou com a sua esposa várias vezes. Eu não me
preocupo com o que pense uma tripulação de bestas.
— O matrimônio é por toda a vida. Pretende me rechaçar
para sempre?
A jovem afastou a vista.
— Na verdade, sir, você se comporta de uma maneira
muito impulsiva para meu gosto. Não aprovo suas ações tão
tempestuosas, mas você parece ter feito disso um hábito. Por
hora, peço que se contenha.
— Rob e Hugo partiram antes que nós pudéssemos retornar
para Lestalric, e mesmo que tivéssemos conseguido ancorar a
salvo, jamais teríamos tido a oportunidade de a levar para
casa. Fife estava em nossos calcanhares, muito mais rápido do
que eu tinha esperado.
— Poderia ter caminhado até Lestalric sem problema
nenhum.
— Não diga tolices. Fife a teria capturado em um piscar de
olhar.
— Deveria ter me baixado a terra à primeira vez - insistiu
Sidony, obstinada.
— Pode ser que isto a surpreenda — ele respondeu— .
Mas levá-la para casa não é crucial para mim. O mais
importante é levar minha carga ao seu destino. Entenda isso de
uma vez por todas, mulher.

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312

A tensão entre eles aumentava com cada palavra. Sidony se


afastou dele tudo o que podia nessa diminuta cabine.
— Assim que essa caixa de jóias é o que mais importa?
— Caixa de jóias... — ele disse, mas se cortou; estava
entrando em terreno perigoso em mais de um sentido.
— Por acaso o tesouro não é mais que um punhado de
jóias? — ela perguntou— . Apenas objetos? Certamente, são
objetos de valor para alguns. Mas me deixe dizer, sir, que eu
valorizo muito mais à família e às pessoas que aos simples
objetos, sem importar de que tipo sejam. E espero que meu
marido considere à família em primeiro lugar. A verdade é
que este navio leva só uma parte do tesouro que, até onde
sabemos, não provocou mais que problemas desde que
desapareceu faz quase um século. Talvez fosse melhor que o
conde de Fife ou qualquer outro pegassem nossa parte, e nos
deixassem em paz.
— Sente-se- ele ordenou, gentilmente, apontando um dos
bancos— . Vou ter de falar abertamente, minha querida
esposa, e lembre que agora tenho o direito de te pedir
obediência. Não me provoque ou se arrependerá.
Sidony se arrependeu de havê-lo desafiado. A verdade é
que mal entendia sua própria atitude. Tinha planejado com
cuidado seu discurso, e o tinha pronunciado em tom tão calmo
como tinha desejado. Esperava que ele se surpreendesse, e
sobre tudo que a entendesse. Mas agora, Giff estava zangado,
e a situação se achava fora de controle, ela não tinha o desejo

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313

de provocá-lo assim. Entretanto, tinha a habilidade de


enfurecê-la como ninguém. Desde o primeiro dia, ele tinha
provocado nela facetas que não sabia que possuía, e de ela
algumas gostava. Mas esta atitude desafiante, não. Estava a
ponto de lhe pedir desculpas...
— Eu disse que se sente!
Sentou-se.
Giff ficou de pé junto a ela, alto, imponente, franzindo o
cenho.
— Eu nunca pensei que nossa noite de núpcias fosse estar
infestada de blocos de gelo. Isto é pior que atravessar o mar do
norte no inverno — cruzou de braços— . Devia ter imaginado
que resistiria. Muito bem, pode fazer o que quiser desde que
seja em particular.
— Não pareceu se importar com a opinião dos outros
quando roubou este navio, seu capitão e ao sacerdote!
O gesto da mão de Giff a fez calar.
— Não raptei ao padre — ele contestou— , mas eu acho
que você não vai entender. É mais teimosa que uma mula.
Sidony apertou os lábios para não dar rédea solta a seu
próprio aborrecimento. Tinha vontade de golpeá-lo e de jogar-
se no mar para chegar a St. Andrews a nado. «vou
enlouquecer se não sair daqui», pensou esfregando as mãos.
No fundo de seu coração a afligia que ele não lutasse mais
para convencer-la a consumar o casamento. «Não me deseja»,
afastou o olhar envergonhada.

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314

— Minha honra está em jogo, Sidony. Espero que alguma


vez o compreenda. Fiz uma promessa.
Sidony estava tentada em lhe dizer que ele acabava de
prometer perante Deus que a protegeria, mas se conteve.
— Bobagem. Estou farta de escutar falar sobre os homens
e sua honra magnânima — bufou— . Conheço damas mais
honradas que muitos homens. Minhas irmãs, por exemplo.
Inclusive elas parecem haver-se comprometido com a Ordem
e esse maldito segredo que deixa a todos tão nervosos.
Giff concordou.
— Agora que estamos casados, você não vai me contar?
Giff franziu o cenho.
— Não ainda, querida.
— Por que não?
— Ainda não a conheço o suficiente.
— Se realmente me conhecesse melhor, o faria?
Giff apertou os olhos.
— Está tentando negociar comigo, querida? Espero que
não esteja sugerindo que se entregaria se lhe contasse isso.
Sidony se ruborizou.
— Pensei que era o que você estava sugerindo.
Giff riu.
— Aproveitaremos este viagem para nos conhecer um
pouco mais.
Ela concordou, surpreendida de que seu alívio também
tivesse um pouco de decepção.

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315

Seu marido lhe estendeu a mão, que ela aceitou com


cautela.
— Vamos para cama, querida, estou exausto.
Sidony se sobressaltou.
— Refiro-me, minha doce tortura, a que se agora eu fosse
dormir junto com os remadores, ou em qualquer lugar do
navio que não fosse aqui contigo, estaria revelando que minha
esposa me repeliu.
A idéia de que ele pudesse passar a noite com ela nessa
pequena cabine ameaçou cortar sua respiração. O coração da
jovem dava pulos em seu peito.

Fife bufou chateado. Ainda não tinham visto nenhum sinal


de sua presa. Contemplou o horizonte distante, para o norte: a
chave para encontrar o tesouro estava em Girnigoe.
Estava fresco ali fora, Fife tinha se ensopado pela força dos
remos. Por sorte, agora, o vento os impulsionava sem
necessidade deles.
Reparou na figura de proa e recordou da moça. Nenhum
traço dela em St. Andrews. O bispo nem sequer sabia da
chegada do navio.
Tampouco tinham visto nenhum sinal do Rainha Serpente
no porto, só pequenas embarcações e duas maiores, uma
mercante com a bandeira de Hansa e a outra com uma
bandeira nórdica na proa.

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316

Só quando um homem do Fife interrompeu a noite, para


anunciar que o navio nórdico havia partido do porto,
descobriram que o ardiloso MacLennan tinha camuflado o
navio.
— Devemos sair agora mesmo! — tinha exclamado De
Gredin— . Ainda podemos apanhá-los, milord.
Fife rechaçou a sugestão imediatamente. Não podia
imaginar pior morte que se chocar com um navio e morrer
afogado no mar. Mas quando De Gredin seguiu explicando ao
bispo que um vilão tinha roubado o navio do conde, Fife teve
que se fazer de corajoso e sair para recuperá-lo
imediatamente.
Resignado com seu próprio destino, o conde rezou uma
prece. Mas logo chegou um de seus homens para informar que
o Chevalier tinha transferido a metade da tripulação à segunda
embarcação.

Depois de convencer a sua esposa, Giff escutou que Sidony


deixava escapar um suspiro. Seu corpo ficou tenso,
esperançoso. A partir do momento em que ela o tinha
rejeitado, o desejo de apertá-la em seus braços aumentou tanto
que agora o invadia por completo. Podia sentir o calor dela em
suas mãos. Ardiam-lhe os dedos, ofegantes de acariciar sua
pele nua.
Giff inspirou fundo e a soltou com cuidado.

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317

— Eu acho que poderá ficar um momento — ela aceitou.


— Eles esperam que eu fique a noite toda.
— Toda a noite? — olhou-o confusa— . Muito bem. Então
será melhor que fique ao menos esta noite. Eu acredito que
posso confiar em que manterá sua palavra.
As mãos de Giff voltaram a pousar sobre os ombros dela.
— Sempre poderá confiar em minha palavra, embora neste
assunto, não lhe posso jurar isso. É muito bela, muito sedutora
para o desejo de um homem. Assim se cuide de não me tentar
demais. Não respondo por minhas ações.
Sidony sentiu um tremor ante a idéia de que pudesse tentá-
lo tanto. Tinha escutado as histórias dos trovadores, sobre
mulheres enfeitiçando aos homens com seus encantos, mas
nunca tinha sonhado que ela mesma fosse uma feiticeira do
amor. O sentimento era tão intenso que não pôde controlar a
tentação de provocá-lo com ele.
— Não ache que vou te dar uma adaga para se defender
como levam suas irmãs Isobel e Adela — ele disse com um
sorriso— . Mas posso ordenar a meus homens que pesquem
algum salmão e que lhe dêem, para que me golpeie se eu
perder o controle.
Ela riu, e a tensão entre ambos pareceu diminuir.
— Não necessito de um salmão, sir — ela respondeu— .
Sempre terei a capacidade de gritar pedindo ajuda. Pode ficar
esta noite, mas não pretenda que eu me dispa diante de seus
olhos curiosos.

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318

— OH, eu gostaria disso — ele admitiu com um tom


provocador— . Mas irei ver a tripulação e a falar com o Watt
Maxwell. Não se preocupe com a lanterna. Eu a apagarei
quando retornar.
Logo que saiu da cabine, Sidony se apressou em tirar o
colete e a saia, sacudiu-os sem muita esperança, e os pendurou
em uns ganchos da parede.
Arrumou-se como pôde, logo retirou duas mantas
recheadas de plumas de uma cesta, colocou uma na cama
superior e estendeu a outra sobre o colchão coberto de pano.
Deslizou-se embaixo da manta com um estremecimento.
Tentou imaginar ao Fife dormindo nela. Pela primeira vez
em meses, teve saudades de seu lar. Sua cama macia, seus
amplos aposentos... Remexeu-se incômoda. Esse fino
colchonete de feltro que pretendia ser um colchão parecia tão
confortável como a prisão em que se despertou essa manhã
sob o chão. De qualquer jeito, estava tão cansada que teria
sido capaz de dormir sobre uma rocha.
Já estava quase dormindo quando o barulho de fechar a
porta a despertou por completo.
— É você? — exclamou, e puxou da manta até cobrir o
queixo. Depois se deu conta de que qualquer um poderia
responder afirmativamente a sua pergunta e teve que reprimir
um riso.
— Se fosse outro, estaria arriscando a vida.

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319

Sidony sentiu uma vez mais essa emoção do poder


feminino. Não acreditava que ele fosse capaz de matar a um
homem cujo único engano tivesse sido abrir essa porta, mas o
fato de que o houvesse dito era embriagador.
— Onde estamos? — perguntou-lhe ela.
— Entre o Arbroath e Montrose. Faz uns minutos
passamos pelo Devil's Head e logo alcançaremos as duas
elevações de Meg's Craig.
— Não sei como pode lembrar-se de tantos lugares. Eu
nem sequer reconheço esses nomes.
— Tenho certeza que conhece Arbroath.
— Sei que a Escócia declarou sua independência da
Inglaterra ali faz cinqüenta anos, mas não conheço o lugar
exato.
— Estamos a umas duas horas e meia de St. Andrews.
— Seguem sem baixar os remos — observou ela— . Eu
percebo pelo movimento do navio.
— Se o vento se mantiver, esperamos chegar a Aberdeen
pela manhã. Está pronta para que apague a lanterna? —
perguntou de repente.
Giff parecia imenso naquele quarto; sua cabeça quase
tocava o teto.
— Acha que essa cama vai te agüentar?
Ele riu.
— Pode deitar acima se preferir.
Sidony corou.

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320

— Prefiro ficar aqui — ela disse, com a esperança de


parecer despreocupada.
Giff foi o bastante amável para não voltar a rir.
— Vou tirar as botas — anunciou— . Depois terá que se
mover um pouco, porque para subir na minha cama terei que
me apoiar na sua.
Quando Giffard apagou a lanterna, a cabine foi lançada em
uma escuridão total. Sidony sentiu como afundava seu colchão
com o pé de seu marido ao subir à cama de acima.
— Realmente cabe nessa cama? — perguntou, temendo
que a precária estrutura caísse sobre ela.
— Já dormi em lugares piores.
As ondas embalavam o navio, mas os recém casados não
podiam conciliar o sonho. Giff se levantou bruscamente e tudo
rangeu.
«Como diabos podem os remadores dormir entre os
bancos?»
Deu volta mais uma vez, convencida de que despertaria
com todo o corpo intumescido.
— Ainda está acordada? — ele perguntou.
— Estava pensando.
— Em nós?
— No navio — esclareceu Sidony— . Nunca me disse
como o roubou. Parece uma tarefa impossível para um só
homem.
Giff sorriu na escuridão.

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321

— Nesse momento, pareceu-me que era o apropriado.


— Mas não pode tomar as coisas só porque deseja! Age
como um menino. Você mesmo ensinou ao Jake que deve
pagar o que toma sem permissão.
— A diferença é que eu necessitava de um navio e algo que
atrasasse a Fife. Além disso, senhorita, se não tivesse roubado
este navio, você seguiria sendo refém do conde. Sem dúvida,
ele não teria se mostrado tão tolerante como eu. Teria
desfrutado de seus encantos todas as noites.
A jovem estremeceu perante a imagem. Quis saltar à cama
de acima para que Giff a abraçasse, mas se conteve.
— Na realidade, foi De Gredin quem me raptou.
— Isso não tem importância. De Gredin deve ter
aproveitado a ocasião quando a ofereceu. Pergunto-me o que o
conde estará tramando agora.
— Ao menos, planeja antes de agir - Sidony desferiu, com
malícia.
— Não me dê lições, milady. Eu descobri que no meio do
caos pode-se encontrar ao menos uma oportunidade. Eu
procuro esse momento, e o aproveito quando chega.
— E isso foi o que fez com este navio?
— Sim. Não reparei em que pertencia ao conde. Só vi
minha oportunidade e tomei.
Sidony ficou em silêncio.
— Segue acordada?
— Sim.

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322

— E agora entende por que às vezes ajo como o faço?


Sidony não respondeu. Gostava de escutá-lo, e estava claro
que ele acreditava que tinha feito o certo. Entretanto, algo lhe
incomodava, e não estava segura de poder dizer. Segundo sua
experiência, os homens não gostavam que os criticassem em
suas ações.
— O que acontece? Está louca para me dizer algo mais.
Posso perceber.
— Tudo o que fazem todos os homens é limitar-se a
encontrar a oportunidade certa?
Sidony sentia borboletas no estômago.
— Não importa o tanto que se planeje, sempre há algo que
sai errado. Tinha que agir rápido, do contrário toda a operação
teria falhado. Agora durma, deve estar exausta.
Sidony sorriu e fechou os olhos. O dia anterior tinha sido
apavorante, mas agora voltava a sentir-se segura. Por fim,
conciliou o sonho, profundo e sem alterações.
Quando chegou a manhã, despertou e se encontrou sozinha
na cabine.
Giff estava de pé sobre a cabine de popa, olhando a
distância atrás deles. Umas nuvens de algodão cobriam as
alturas do céu, anunciando a tormenta. Já estavam ao sul de
Aberdeen e chegariam a Peterhead quando começasse a cair à
noite.
Não se avistava nenhum navio atrás deles. Certamente, o
vento os tinha favorecido muito, mas por mais que desejasse

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que o medo de Fife de navegar os tivesse obrigado a passar a


noite no St. Andrews percebia que desta vez essa esperança
seria inútil.
Watt Maxwell, que tinha cedido sua cama ao padre Adam,
ficou acordado a noite toda cuidando do navio.
— Sem dúvida está desfrutando do descanso — lhe disse
Giff, sobressaltando ao capitão, perdido em seus
pensamentos— . Mas ele não pode comandar este navio, e
vocês necessitam um pouco de sono ou não me servirá de
nada. Desperte-o e vá para a cama.
Maxwell obedeceu agradecido, deixando-o à frente do
navio.
— É todo seu sir.
Giff olhou em volta no convés, procurando ao menor dos
remadores. A maioria tinha longas pernas e largas costas, que
era uma característica dos Sinclair, uma família de guerreiros.
Encontrou um que lhe pareceu adequado. Fez-lhe um gesto e
desceu com cuidado do topo da cabine, para o caso da moça,
sua bela esposa, pensou com um sorriso, ainda estivesse
dormindo.
— Sim, sir? — o marinheiro o olhou com seus olhos cinza.
— É Blegbie, não é?
— Ned Blegbie, sir. A suas ordens.
— O que você acha de subir no mastro, Ned Blegbie?
O homem sorriu.
— Iria me sentir um gato.

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— Estou de acordo, mas não é bom para a moral de um


navio que o dono seja o único que a divertir. Assim suba tão
alto como poder e grite se descobrir alguma embarcação atrás
de nós.
Ainda com um sorriso nos lábios, Ned Blegbie subiu na
primeira travessa. Logo, subiu pelo vigamento de cordas até
que sua cabeça estivesse debaixo da ponta do mastro.
— Eu o poderia fazer sem problemas.
Alguém puxou a calça de Giff, o pequeno Jake olhava com
atenção ao Ned Blegbie.
— Não me diga que seu pai lhe permite fazer isso, porque
não vou acreditar.
— Não, uma vez me segurou quando estava começando a
subir e me jogou para baixo. Mas eu não tenho medo, senhor,
não, não.
— Você fez isso?
— Sim, claro. Ganhei uma aposta com um par de homens
que me desafiaram a tocar a ponta do mastro por meio penny.
Disse-lhes que o faria, mas não por meio, e então me disseram
que me dariam um inteiro, e assim foi.
— Esses homens podem sentir-se afortunados de eu não
estar já neste navio - pigarreou Giff— . Não tem nenhuma
tarefa que fazer esta manhã?
Jake suspirou.

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— Conheço minhas obrigações — esclareceu com um tom


sério— . Não é necessário me repreender. — Logo baixou a
voz— : Realmente se casou com ela?
— Sim — ele afirmou orgulhoso, observando como
Sidony aparecia na porta da cabine.
Sorriu e obteve um agradável sorriso em resposta.
— Sir! — gritou Ned Blegbie— . Dois botes a estibordo!

Fife tinha esperanças, mas agia com cautela. Tinha


ordenado a seus homens que levantassem uma espécie de
tenda com as velas de reposição na proa do navio, para
protegê-lo da chuva iminente que podia cair, ou do sol
abrasador, se é que conseguiam ver o sol nesses dias. Segundo
De Gredin, o Rainha Serpente se achava a só uma hora de
distância. O conde esfregou o queixo. Via um navio no
horizonte, mas se desenhava muito longe sobre a água para
que ele pudesse distingui-lo.
— Há poucos navios dessa envergadura nas águas do norte
- assinalou o Chevalier.
— Então diga aos homens que se apressem, quero capturá-
lo o mais rapidamente possível.
— Se você insiste. Mas se dirigem para o lugar correto —
opinou razoavelmente— . Não nos reconhecerão. Se não os
ameaçarmos, não terão nenhuma necessidade de nos evitar.

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Fife se mostrou de acordo, mas só porque pensou que seria


difícil reclamar para si a Pedra do Destino, mesmo que
realmente estivesse alojada na adega do Rainha. Claro que
esse navio lhe pertencia; junto com tudo o que houvesse
dentro... A pedra inclusive. Mas MacLennan lutaria por ela.
Além disso, De Gredin também desejava o tesouro e
assumiria que a pedra era parte dele. Sem dúvida a utilizaria
como um valioso objeto para negociar com os escoceses que
queriam deixá-la na Escócia. E embora tivesse certeza de que
os templários estivam dispostos a pagar resgate por uma
pedra, o conde devia evitar que caísse em mãos de Chevalier
ou dos templários.
Além disso, Fife só contava com doze homens e era o outro
quem comandava o navio e tinha prometido que logo uma
pequena frota se uniria a eles vinda do sul.

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Capítulo 17

— Aos remos, rapazes! Desça Ned Blegbie!


Sidony escutou Giff gritar enquanto se movia com rapidez
entre os homens, dando outras ordens aos marinheiros.
— Jake, a bússola!
O rosto do menino se iluminou e correu a cumprir sua
importante missão.
Desde esse momento e durante o resto do dia, Giff quase
não prestou atenção a sua esposa. Sidony comeu um pouco de
carne salgada ao meio dia e falou com o padre Adam, mas
quando o sacerdote começou a lhe fazer perguntas, lamentou
não ter outra pessoa com quem conversar. Despediu-se dele
alegando uma dor de cabeça e se encerrou na cabine.
O jantar consistiu em um guisado de carne salgada e umas
bolas de farinha em molho de carne que os homens se
conseguiram cozinhar, apesar da maré.
Giff comeu rapidamente com ela, mas sua mente seguia
concentrada no mar e nos navios que os perseguiam. Depois,
para sua surpresa, uma hora antes do entardecer, seu marido
ancorou o navio em uma baía e enviou o bote para a costa com
alguns homens armados. Minutos depois ele mesmo subiu no
mastro para observar o mar.

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O bote retornou uma hora mais tarde com água fresca e


provisões. Assim que içaram a âncora, a jovem se retirou uma
vez mais à sua cabine, achando que seu marido a
acompanharia.
— Eu voltarei logo, querida, mas não ficarei por muito
tempo. Uma vez que cheguemos a Peterhead, terei que vigiar
o curso, porque nos esperam setenta milhas de mar aberto,
sem terra à vista, enquanto cruzamos o estuário de Moray. Se
eu perder a baía de Sinclair e acabar dando de cara com
Orkney, ou algo pior ainda, eu irei perder também minha
reputação.
Sidony não acreditava que sir Giffard MacLennan fosse se
perder, assim se limitou a sorrir, então se preparou para ir à
cama e ficou esperando-o lá dentro.
— Por que nós paramos na baía? — perguntou quando ele
voltou.
— Porque não podia suportar almoçar esse guisado outra
vez. Amanhã teremos coelho.
— Mas e se Fife tivesse nos apanhado?
— Bem, essa era outra das razões. As galeras do conde são
bem mais rápidas que nosso navio, mas estão à uma hora de
distância. Queria saber se parariam também. E assim o
fizeram, porque continuam a mesma distancia que antes.
Parece que estão nos vigiando, possivelmente pensam que
somos tão idiotas que vamos conduzi-los até o tesouro.
Agradava-lhe o som de sua voz.

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— Você seriamente se preocupa em perder o curso? —


perguntou sonolenta.
— Não, já saíram as estrelas. Mas o tempo está piorando.
Hugo diria que sou um tolo por não ancorar perto da costa até
o amanhecer, mas quanto antes chegarmos a Girnigoe, melhor.
Conversaram sobre trivialidades até que Maxwell bateu na
porta e disse que já tinham passado por Cairnbulg Point.
Então, Giff se inclinou, beijou-a suavemente nos lábios e se
foi. No dia seguinte, o céu estava coberto, o vento soprava em
várias direções, e já ninguém duvidava de que a tormenta que
tinha estado ameaçando estourar durante uma semana se
começaria a qualquer momento.
As nuvens turbulentas se abriam de vez em quando para
deixar ver as estrelas que apontavam o caminho, mas quando
amanheceu e não havia nenhum sinal de terra, Giff temeu por
um momento haver-se confundido em seus cálculos.
O coelho assado levantou o ânimo ao meio dia, mas
tiveram que esperar ainda umas horas para que Blegbie,
subido no mastro, gritasse as boas novas:
— Terra à vista!
— Os navios estão encurtando a distância, sir —
acrescentou depois— , e se juntou mais meia dúzia!
Ele então disse que não eram todos navios longos. Giff fez
um gesto para que Maxwell o seguisse à cabine da proa, onde
pediram ao sacerdote que se retirasse sem nenhuma cerimônia.

GRH
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— Vejamos o caderno de notas — disse Giff,


desenrolando um mapa em uma prateleira embutida para esse
propósito. Confirmou logo o detalhe que acreditava lembrar.
— Então os deixaremos aproximar-se o quanto queiram, e
logo viraremos de repente para Noss Head antes que caia a
noite.
— Vai levar quase duas horas até chegar ali, sir. Temos
muito pouco tempo.
— Isso é o que quero, pois se calcularmos bem, Fife e seus
reforços estarão ocupados com outras questões enquanto eu
desembarco e converso com o príncipe Henry.
— Entendo — murmurou Maxwell, dando uma olhada no
caderno— . Quanto tempo pretende ficar em Girnigoe?
— Só um ou dois dias para pegar provisões, logo
seguiremos com nossa carga para o oeste.
— Pensei que tinha planejado deixar a mim e ao Jake em
Girnigoe — assinalou o capitão um tanto perturbado.
— Necessitarei de você, Maxwell, e espero que queira que
Jake fique conosco.
— Claro que sim, o pequeno malandro já é parte da
tripulação — acrescentou o homem, orgulhoso.
De repente lhe ocorreu que Sidony também deveria ficar
em Girnigoe, mas sentiu uma profunda tristeza diante da idéia
de deixá-la ali.
Só Deus sabia quando poderia retornar a encontrá-la.

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Além disso, agora era dele, e ele não queria separar-se de


sua esposa.
O vento inchava a vela maior, submetendo aos homens que
lutavam com toda sua força para poder controlar o mastro
transversal. As ondas se eriçavam violentas e irrompiam
contra o casco.
Sidony, bem agasalhada com o casaco de lã negra do Fife,
observava como as nuvens se apinhavam sobre suas cabeças.
As ondas também vinham de contra, e quanto mais se
aproximavam de terra, mais contrárias se faziam.
Giff fez uma pausa em seus contínuos percursos pela
coberta.
— Tem frio, milady?
— Não, sir, eu adoro o vento, mas desisti da idéia de cobrir
o cabelo.
Ele sorriu.
— Assim que estas correntes não a assustam.
Sidony sacudiu a cabeça, sem querer admitir para ele que
sua presença a fazia se sentir segura.
— Quão perto estão agora esses navios?
— Estão ganhando terreno. Mas chegaremos a Girnigoe ao
anoitecer.
Sidony não queria pensar em Girnigoe. Tinha visto mais de
uma vez ao príncipe Henry, mas não conhecia a condessa.
Casada ou não, não podia imaginar que nenhuma mulher

GRH
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aprovasse sua viagem de três dias em um navio repleto de


homens.
Mas duas horas mais tarde, o agora Dragão das Ilhas virou
pelo Noss Head para entrar por fim na baía Sinclair.
Giff se maravilhou pela grandeza da baía que se abria
diante dele. Uma costa rochosa que descia para as colinas de
areia contra um pano de fundo de falésias. A espuma banhava
os penhascos, as profundas fendas que se internavam criando
cavernas ou abismos sinuosos. Aqui e lá havia pilares de areia
isolados, semelhantes a ídolos de terra, elevados para as
nuvens.
— Sir Giff, meu pai me mandou avisar que os navios estão
só a meia hora de distância.
— Obrigado, Jake.
Enquanto avançavam para a costa, Giff procurava o castelo
com o olhar e media o ritmo da maré. Sabia que Henry estava
acostumado a colocar vigias para que o avisar de qualquer
embarcação que se aproximasse do porto.
Uma milha para o oeste se levantava o castelo de Girnigoe,
baluarte principal dos antigos condes de Caithness e da família
Sinclair, sobre uma península de terra a uns trinta metros no
extremo sudeste da baía.
A torre principal de Girnigoe se erguia depois da muralha,
levantada justo sobre o precipício. Aos pés do escarpa havia
uma parede natural larga o bastante para ocultar um navio de
boas dimensões.

GRH
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333

Giff descobriu com admiração as quatro galeras do


príncipe, com sua tripulação a bordo prontas para zarpar.
— Para o castelo! — ordenou o comandante.
Ao atravessar Noss Head, o vento diminuiu
significativamente, mas as ondas continuavam dificultando o
avanço, e a baía cheia de pedras não lhes dava margem para
nenhum engano.
Rezou para que o vento por capricho não mudasse de
repente. O estuário de Pentland, onde as tormentas desatavam
sua ira mais que em qualquer outro lugar, estavam a só dez
milhas dali.
Tentou não pensar nos navios perseguidores, com a
esperança de que seus capitães os dirigissem diretos às rochas.
— OH, que paisagem tão magnífica — suspirou, a suave
voz da moça o desconcertou.
— Magnífico — murmurou ele, e sorriu.
— Conhece a condessa Jean? — perguntou-lhe Sidony.
Algo em seu tom lhe chamou a atenção, uma tensão que
perturbava sua serenidade habitual.
— Não tenha medo, querida. Ela não vai te morder. Henry
não o permitiria.
— As mulheres não precisam morder para fazer mal, sir.
Sem afastar os olhos do curso do navio, deslizou um braço
ao redor dela e a aproximou para si.
— Eu garanto que não te fará mal, porque eu não o
permitirei.

GRH
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334

Sidony se alimentou da força daquele abraço e de suas


palavras, enquanto olhava com fascinação os enormes pilares
de rochas a cujos pés as águas formavam redemoinhos. Sua
preocupação a respeito da condessa desapareceu, e em seu
lugar surgiu a preocupação que lhe provocava a rapidez com
que estavam se aproximando da parede do escarpado.
Estava mais acostumada aos botes que encalhavam na
areia, que aos grandes navios.
Tinha confiança em Giff, mas...
— Não iremos logo ancorar por aqui?
Ele riu.
— Não o passaríamos muito bem se o fizéssemos. Olhe
para ali, logo em frente, há uma enseada com um cais, com
anéis e molas baixos de cada lado para amarrar o navio. Verá
também aos homens de Henry que nos esperam. Eles se
ocuparão de proteger o navio.
— E o que acontecerá com o Fife? — ela perguntou.
— Espero que ele e seus homens se mantenham ocupados,
e que não cheguem tão longe.
Sidony reparou nas quatro galeras, que pareciam estar
aguardando detrás da baía.
— Vamos, rapazes! — ordenou seu marido.
Os homens levantaram os remos.
Giff cravou os olhos nas rochas que foram rodeando,
enquanto o navio deslizava perigosamente entre elas. Outros

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homens foram lançando cordas para os que esperavam nas


laterais para segurar o navio.
O Dragão das Ilhas acabou por parar em águas
surpreendentemente calmas.
Henry Sinclair, o conde de Orkney, com seu aspecto viking
e seus trinta e seis anos, caminhava para eles sorridente, para
lhes dar as boas-vindas.
Giff saltou sobre a ponte e estendeu uma mão para Sidony.
Quando a moça alcançou a doca, Giff a soltou e deu a mão a
Henry.
— Está tudo bem. Fife nos espreita como um sabujo,
como deve saber, e me casei com a moça. Ali está o sacerdote,
já lhe contaremos todos os detalhes em seguida —
acrescentou ao notar o desconcerto do príncipe.
Henry deu uma calorosa recepção a Sidony e ao pobre
padre Adam, que estava agradecido de pisar em terra firme.
Seguiram ao anfitrião por umas elevadas escadas, cortadas na
rocha que davam a um precipício.
Jean, a condessa do Orkney, era uma jovem gordinha e
saudável, loira como seu marido, e recebeu-os tão
calorosamente como tinha feito Henry e se mostrou encantada
ao escutar que se casaram.
— OH, devem estar exausta, querida — disse a Sidony— .
Eu sempre fico depois de uma viagem de navio. E vocês
chegaram tão rápido desde Leith! Não devem ter pisado em
terra desde que saíram.

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336

Sidony agradeceu à condessa sua preocupação e deixou


escapar um risinho.
— Ainda estou enjoada. Se sir Giffard não me houvesse
me apoiado, eu teria caído na água, subindo por estas escadas.
Garanto que senti como se cada degrau ziguezagueasse a cada
passo.
— É sempre assim. Mas a sensação logo se apaga. Me
acompanhe. Estou certa de que os homens vão querer falar a
sós enquanto jantam. Mostrarei seu quarto. Imagino que está
ansiosa por ter uma cama confortável depois de ter dormido
nesse horrível navio.
Sidony sorriu aliviada.
— É muito amável, milady — logo baixou a voz
envergonhada— . Possivelmente possa me emprestar uma
camisola..., só disponho da roupa que estou vestindo.
— Pobrezinha! Mas como aconteceu uma coisa dessas?
Enquanto subiam para o terceiro piso da torre, Sidony foi
explicando o que tinha acontecido.
— Vou lhe dar tudo o que necessita. Com certeza vamos
encontrar algo de seu tamanho. Têm uma cintura de ninfa!
Talvez meus trajes de recém casada sirvam — resolveu a
mulher tendo saudades da época quando ela também era uma
ninfa.
O quarto estava tão escuro que Sidony não podia decidir se
a tormenta já tinha caído sobre o mar ou se as diminutas
janelas não deixavam passar mais que um feixe de luz.

GRH
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337

— Mandarei que tragam a comida imediatamente, e uma


tina também — comentou a condessa— . Não precisam se
apressar, estou certa de que sir Giffard vai demorar um tempo
para vir lhe fazer companhia.
— Me fazer companhia? — repetiu Sidony, com um
guincho em vez da voz.
Sua anfitriã lhe sorriu sagaz.
— Não me atreveria a colocá-lo em nenhum outro lugar,
considerando que esta deve ser a primeira noite que passarão
juntos com verdadeira intimidade — ela piscou um olho— .
Vou enviar a minha donzela com algo bonito para pôr depois
do banho.
A condessa saiu e deixou Sidony observando a enorme
cama que dominava a quarto.

Henry enviou ao padre Adam a reunir-se com seu capelão,


lhe prometendo que ele se ocuparia de organizar sua volta
para St. Andrews em um dos navios de Girnigoe.
Logo conduziu ao Giff à mesa principal.
— Jantaremos sozinhos para podermos falar tranqüilos.
Jean se ocupará de sua esposa. Já levaram uma tina a seu
quarto.
O corpo do Giff se esticou ante a idéia de Sidony em uma
tina, mas Henry logo o distraiu.

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— Agora me diga que diabos aconteceu com seus


perseguidores? O último relatório que recebi foi que estavam
muito perto de você.
— O quanto perigoso poderia ser que entrassem na baía?
— perguntou-lhe Giff como resposta.
Henry encolheu os ombros.
— Girnigoe é imprevisível, e meus navios vigiarão ao Fife
de perto. Embora utilize o estandarte real de seu pai para
entrar, não poderá trazer mais que seis homens com ele.
— Tem mais do que o dobro de navios dos que você dispõe
aí embaixo. Não poderia nomear nem três senhores de Lothian
que lhe dariam seu apoio, menos ainda seis, e não conheço
ninguém da costa leste que tenha mais do que um navio.
Entretanto, trouxe duas naves francesas.
— E o De Gredin? — perguntou-lhe Henry, franzindo o
cenho— . Estava neste assunto o ano passado antes que eu o
trouxesse até aqui. Assegura que tem relações tanto com a
França quanto com o Papa.
— Na verdade, ainda segue envolvido. Capturou Sidony e
a encerrou no navio do Fife. Depois, eu roubei o navio, e
assim foi que tivemos que nos casar.
Henry, um pouco desconcertado, mas também divertido,
pediu- que lhe contasse toda a história. Giff contente explicou
o que aconteceu, mas omitiu certos detalhes particulares.
O príncipe desfrutou da história rindo em algumas partes e
amaldiçoando em outras. Agora que estava convencido de que

GRH
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Sidony não havia sofrido grandes danos e que a pedra estava a


salvo a bordo do Dragão, comentou:
— Eu estou surpreso que o Chevalier e Fife tenham reatado
sua relação. Será que eles realmente contaram com o apoio de
Sua Santidade?
— Duvido de que os navios francesas pertençam ao Papa.
Os navios do Vaticano sempre levam carga. Os outros
poderiam ser navios de guerra. Não vimos muito mais que as
velas.
— Mas por que então não o capturaram em alto mar? Você
me disse que se mantiveram a distância.
— Fife não pode controlar completamente esses navios -
MacLennan fez uma careta— . Além disso, não deve querer
arriscar que De Gredin saiba que temos a pedra. E é possível
que tampouco ele mesmo o saiba. Eu acho que tem a
esperança de que o Chevalier o guie para o tesouro completo.
— Em qualquer caso, você ficará aqui até que bolemos um
plano — resolveu Henry— . Só castelo se pode chegar à doca
onde ancorou seu navio, e basta quatro homens com lanças
para defendê-lo de qualquer um que chegue por mar. Mas nós
não nos atreveremos a mover sua carga até que Fife não tenha
partido.
— Ficarei um dia para que meus homens descansem e para
reunir algumas provisões. Necessitarei um de seus cadernos de
navegação com detalhes sobre a costa norte de Caithness —

GRH
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pediu Giff— . Mas pretendo ir depois de amanhã antes do


amanhecer.
— Não seja tolo, moço. A tormenta converterá o estuário
de Pentland em uma caldeira fervendo durante vários dias.
Giff sorriu.
— Você tem alguma outra forma de deter Fife?
— Você tem que percorrer oitenta milhas daqui até chegar
ao cabo de Wrath — lhe recordou Henry— . Será afortunado
se consegue fazer cinco sem desbarrancar, e embora Fife te
permita chegar ao cabo de Wrath, a tormenta poderia te seguir
pela costa oeste.
— Não me importa. As tormentas me enchem de energia -
encheu seu peito de ar— , além disso, o conde Fife o teme.
Por outra parte, é muito difícil que um capitão da França ou de
Roma conheça estas águas o bastante para nos seguir até a
caldeira que acaba de descrever.
— É claro que deixará a sua esposa aqui.
— Não sei ainda — admitiu Giff— . Eu tinha planejado
lhe perguntar o que quer fazer.
— Não pode levá-la em uma viagem assim!
— Vamos ver.
— Seu plano é muito arrojado. Não só porá em perigo a
todos os que leva a bordo, mas também parece ter esquecido
de sua carga.
— Não, não a esqueci. Mas tenho fé em que São Columba
nos protegerá nesta viagem mais que a qualquer outro. A

GRH
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carga que levo é sagrada, e afinal e os presságios foram bons.


Ou se acredita neles e na sua própria força, ou você está
perdido.
Henry não quis seguir discutindo e trocou de tema.
Perguntou-lhe pelas novidades de Roslin, mas Giff sabia que o
assunto ainda não estava resolvido. Uma hora mais tarde,
quando um dos homens de Henry anunciou que cinco dos
navios tinham encalhado nos grandes bancos de areia de Noss
Head, pelos quais o Dragão meia hora antes tinha passado
rapidamente, Giff tomou as notícias como outro bom
presságio do destino.
Ele deu boa noite ao Henry e aceitou uma jarra de uísque,
outra de vinho, e duas taças de prata como presente de
casamento. Logo se lembrou da imagem de Sidony na tina.
Ansioso por saber se a boa sorte o acompanharia essa noite,
subiu depressa ao quarto que compartilharia com ela.
Estava a meio caminho quando a imagem de sua esposa
nua sob a água trocou pela de uma donzela desalinhada que o
repelia no navio.

A jovem estava sentada junto ao fogo, sobre uns grandes


almofadões, bem cheios e bordados, recém banhada, bem
alimentada, perfumada com um delicioso sabão de lavanda
francês que Jean havia lhe dado. Além disso, a condessa tinha
lhe emprestado uma regata com laços e uma roupão de seda

GRH
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amarela. Levava o cabelo solto, que caía pelas costas até os


quadris como uma cascata de ouro. Escutou a porta e inspirou
fundo.
Quando viu que seu marido trazia duas taças e duas jarras,
decidiu que se sentiria menos vulnerável de pé. Assim que se
levantou para ir a seu encontro, calçada com as sapatilhas da
condessa.
Ele se deteve no patamar da porta contemplando-a
extasiado. Aquela expressão no rosto de Giff fez com que
Sidony corasse, e logo o calor se propagou por todo seu corpo.
Giff assobiou baixinho.
— Você, minha mulherzinha, poderia parar o coração de
qualquer homem.
Embora se sentisse satisfeita, Sidony esteve a ponto de lhe
mostrar que não era «sua mulherzinha», antes de lembrar que,
perante a Igreja de Deus, sim o era. De repente, evocou seus
votos. Seu matrimônio lhe parecia cada vez menos
perturbador e mais aceitável do que antes.
Giff fechou a porta com um golpe do cotovelo, e disse:
— Jean te emprestou essa roupão, não é?
— Sim — ela disse, alisando-a nervosamente— . Foi
muito amável, mas ficou um pouco folgada.
— Parece uma menina vestida com a roupa de sua mãe.
— Não sou uma menina — rebateu ofendida.
— Não, querida, eu já o vi. A água da tina ainda está
quente?

GRH
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— Não sei. Está aí há um bom tempo, mas certamente


encontrará alguém que lhe trazer um pouco mais de água
quente.
— Prefiro não esperar — ele disse, com uma expressão de
ansiedade no rosto.
Sidony sentiu que o nervosismo a invadia. Mas manteve a
cautela ao menos para lhe dizer com seriedade:
— Se desejas se banhar, sir, eu o deixarei só.
— Não, moça, você me ajudará. É a obrigação de uma
esposa, e você jurou que...
— Conheço meus votos, e a Bíblia não diz nada a respeito
de banhos!
— Mas havia algo a respeito de obediência. Parece
bastante relutante, certamente necessitará um pouco de prática
- a observou decepcionado e estendeu as taças— . Segure-as.
Sidony obedeceu. MacLennan serviu. Ela cheirou com
desconfiança. Não era vinho.
— É uísque?
— Alguma vez já provou?
Ela sacudiu a cabeça.
— Bem, vou tomar um banho. Você pode se sentar, beber
seu uísque e me olhar. Até te contarei um conto de trovadores
para passar o tempo, se quiser.
— Muito bem — aceitou, considerando que não tinha
nada a perder.

GRH
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Giffard colocou as jarras na cadeira baixa junto ao fogo,


onde ela tinha apoiado a outra taça de uísque, e a viu sentar-se
nos almofadões como uma gatinha, com sua taça na mão.
Satisfeito, provou a temperatura da água. Estava morna e
cheirava maravilhosamente pelo sabão que ela tinha usado.
A marca do golpe tinha desaparecido do rosto da jovem, e
agora tinha as bochechas rosadas pelo calor do banho.
Giff ardia de desejo de tocar sua pele nua, mas quando
tirou a roupa preferiu dar a volta para não assustá-la. Logo se
enfiou na tina, pegou o balde que havia em um lado, jogou
água em cima e se ensaboou por completo. Ensopado de água
e sabão sorriu.
— Alguma vez ajudou a um homem a se banhar, querida?
Sidony sacudiu a cabeça, com freneticamente.
— Meu pai diz que não é uma tarefa recomendável para
uma donzela.
— Mas uma donzela pode banhar o seu marido. Poderia
me ajudar se quisesse.
Sidony se mexeu nervosa em suas almofadas.
— Disse que me contaria uma história.
— Podemos fazer as duas coisas — afundou o balde para
enchê-lo de novo.
— Eu preferiria escutar a história — bebeu um gole. Este
uísque é muito forte — comentou então, fazendo uma careta.
— Você se acostuma. É o brogac, o uísque das Ilhas, mas
se acha que não vai tolerá-lo...

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Fez uma pausa, viu-a beber outro gole. As coisas seguiam


bem.
— Conheço muitas histórias das Terras Altas. Há alguma
que prefira?
— OH, sim — exclamou, tomando outro gole.
— Qual? — perguntou-lhe ele. Virou-se para frente para
derramar o balde de água sobre a cabeça e tirar o sabão.
— Quero que me conte por que uma pessoa pode acreditar
que se perder uma oportunidade de fazer algo, nunca mais a
terá.
Giff, que estava esfregando a cabeça com uma mão,
deteve-se.
— É só um provérbio francês que escutei uma vez.
«Nenhum tesouro no mundo pode recuperar o tempo
perdido». O meu pai dizia, e marcou a fogo no coração.
— E que momento você tinha perdido para que lhe dissesse
isso?
A lembrança voltou a entrar na mente, mais forte que
nunca.
Pôs o balde de lado, inspirou fundo e logo deixou sair o ar.
Falou medindo suas palavras.
— Não queria falar disso esta noite, querida. Não é
importante.
Sidony se inclinou para frente, segurando a taça com as
duas mãos, sem perceber que a roupão tinha aberto o
suficiente para que se avistasse o nascimento de seus seios e o

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profundo decote da regata. O cabelo também lhe caía para


frente e brilhava à luz do fogo.
— Pois deve ser — contestou ela com suavidade— . Vi
mais de uma vez como de repente parecia triste, sem motivo
aparente, e você fala muito freqüentemente sobre
oportunidades perdidas para que isso não seja realmente
importante. O que quer que tenha acontecido deve ter sido
horrível.
Giff nunca havia se sentido tão vulnerável ou tão
desarmado em sua vida. Mas quando encontrou essa expressão
de intensa bondade em seus olhos, quis lhe explicar tudo. A
idéia de que realmente podia contar-lhe parecia estranha.
Temia que essa expressão amável e de compreensão pudesse
transformar-se rapidamente em pura repugnância.
Ela aguardava serena, lhe inspirando confiança.
Entretanto, Giff vacilou, arriscava muito, e também sabia
que só havia uma forma de dizê-lo. Tomou ar e lançou com
resolução:
— Matei meu irmão — confessou, e para sua comoção,
sentiu lágrimas nos olhos.
As enxugou. Estava sentado na banheira, com a água que
se esfriando rapidamente e mechas de cabelo coladas no rosto.
Esticou a mão em busca de sua taça, com a intenção de acabar
com ela de uma vez, mas ela chegou antes que ele e não o
permitiu.

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— Espera — o deteve— . Primeiro queria ouvir o resto.


Quantos anos tinha?
— Onze — respondeu ele, devagar— . Mulher, não posso
ficar sentado aqui e falar destas coisas.
Ignorando-o, perguntou:
— E quantos anos tinha seu irmão?
— Treze — compreendeu que já não podia fugir da
situação e acabou por confessar tudo— . Ele me provocou.
Não sei o que me disse, mas me zangou, e logo saiu correndo
e eu não podia alcançá-lo. Duncraig está localizado sobre
rochedos. Eu tinha estado brincando ali no dia anterior e tinha
caído em uma fenda, uma pequena, mas o suficiente para fazer
tropeçar a um menino e fazer que se sentisse um tolo. Sabia
que ele se dirigia para lá, mas não quão perto que estava do
penhasco. Tive a oportunidade de detê-lo, mas hesitei. Assim
foi que a oportunidade se perdeu.
— Caiu?
— Tentou saltar, deu um tropeção, e caiu às rochas
embaixo.
Uma lágrima se deslizou pelo rosto de Giff. De novo tinha
onze anos e via uma vez mais ao menino que nunca tinha
passado dos treze, desaparecendo diante de seus olhos naquele
dia terrível.

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Capítulo 18

Sidony conteve o pranto, queria abraçar Giff que tremia


como um menino, mas em vez disso, estendeu-lhe sua taça:
— Beba isto. Você vai se sentir melhor.
Queria reconfortar o seu marido, mas algo em seu interior
lhe dizia que devia escutar o resto da história.
Era um milagre que, com a pressa, não tivesse tropeçado
com o roupão da condessa e caído de cabeça junto a ele. A
imagem quase conseguiu lhe desenhar um sorriso no rosto.
— Você estava tentando não rir de mim, querida?
— Estava pensando que estive a ponto de tropeçar neste
roupão e acabar de cabeça nessa tina com você – virou-se para
a cama— . A condessa também enviou um roupão de Henry
para você.
Escutou uns respingos. Giff se dirigiu para o fogo,
pingando, e secou a cabeça com uma toalha, esfregando-se
com energia. Seu corpo de bronze brilhava na luz da lareira e
dos candelabros.
Sidony se aproximou por trás, fazendo todo o esforço
possível por não ficar olhando esse corpo nu tão bem
torneado:
— Vou te ajudar. Coloque seus braços nas mangas.
Giff obedeceu e deu volta para ela, com o roupão aberto na
frente, mas quando a jovem quis recuar, ele deixou cair à

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toalha, a tomou pelos ombros e de um puxão a aproximou.


Seus lábios ficaram apenas a centímetros de distância.
A jovem o abraçou para lhe infundir calor.
— Morrerá de frio assim... — murmurou.
— Nunca havia contado a ninguém.
— É por isso que ficou fora de Duncraig, portanto tempo?
— Pouco tempo depois, meu pai me enviou para meu tio
em Loch Hourn.
— Por causa do acidente?
— Estou certo de que ele não o considera um acidente. Eu
mesmo me acreditava culpado. Se eu tivesse gritado...
— E por que não o fez? — perguntou com cautela, quando
viu que ele permanecia em silêncio.
— Tudo ocorreu tão rápido — sacudia a cabeça, tratando
de livrar-se daquelas imagens tortuosas que o perseguiam— ,
mas eu poderia havê-lo ajudado, porque lembro ter pensado
que parecia um tolo por ter caído nessa fenda.
— E é por isso que seu pai o culpou?
— Eu nunca lhe contei essa parte — confessou — . Eu lhe
disse que Bryan estava correndo e que tropeçou, que tudo
tinha acontecido em um instante, e foi então que ele me disse
que nenhum tesouro pode recuperar o momento perdido.
Assim foi como soube.
— Mas deve ter alguma vez retornado para casa enquanto
morava com seu tio.

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— Claro, mas meu pai se mostrava rude e distante comigo,


assim deixei de fazê-lo. Meu tio me ensinou tudo a respeito
dos navios e mais tarde me deu de presente um. Então fui
parar em Dunclathy.
Ela queria lhe perguntar mais coisas, mas ele se esticou
bocejando:
— Já falamos o suficiente sobre o passado, moça. Eu quero
me deitar na cama e te abraçar. Vai deixar que o faça?
Sidony o olhou assustada.
— Se você quiser..., mas antes desejava me seduzir. Por
isso me deu o uísque.
Giff sorriu constrangido.
— É verdade. Mas tenho que dizer algo ao meu favor. E é
que disse ao Henry que vou permitir que você escolha se quer
vir comigo ou ficar aqui.
— Claro que irei com você! — exclamou— . Sou sua
esposa. E mesmo que não o fosse — acrescentou— ,
prometeu que me levaria até Glenelg.
Pela maneira que ele a olhava, não importava o que
houvesse dito ao Henry, agora pretendia convencê-la que
ficasse assim Sidony acrescentou imediatamente:
— Poderemos falar disso mais tarde. Vamos para a cama.
Apesar do volumoso roupão, movia-se com uma graça
fascinante, poderia ficar observando-a caminhar durante toda
a vida, pensou Giff. Por que tinha sido tão fácil lhe falar a
respeito da morte do Bryan? Embora sua confissão a tivesse

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entristecido, não a tinha impressionado nem tinha lhe causado


repulsa.
Apagou as velas, recolheu a taça e logo seguiu a sua esposa
para a grande cama de dossel, pegou a roupão quando ela o
tirou e o colocou aos pés da cama. A regata também estava
muito grande. Não pareceu perceber que revelava todos seus
encantos enquanto subia à cama e se movia para o outro lado.
Ele tirou o roupão do Henry e o pôs em cima do dela,
depois se deslizou dentro e ficou de costas ao lado de Sidony.
Então colocou seu braço sobre o travesseiro vizinho.
— Vêem aqui e deixa que a abrace.
Sem protestar, Sidony se aconchegou contra o corpo dele,
com a cabeça à altura do ombro. Seu corpo era mais quente do
que ele tinha imaginado.
Ficaram um momento em silêncio até que a urgência de
seu desejo se voltou intolerável.
Sidony se aproximou o bastante para que ele pudesse sentir
a curva suave de seu seio contra suas próprias costas nuas.
— Ainda está com frio — murmurou ela.
— Não, não estou — murmurou ele com voz rouca— . É
tão ardente que qualquer homem se derreteria por saborear
seus encantos.
Sidony riu tímida.
— Acreditei que me desprezaria — acrescentou logo,
sombrio.

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— Por quê?Você era só um menino e não tinha nenhuma


capacidade para convencer a outro, dois anos mais velho que
você. O mesmo acontecia comigo e minhas irmãs. Há muitas
coisas que não conheço, mas entendo de crianças — declarou
com firmeza— . Como poderia saber que saltaria sobre o
escarpado? Você mesmo não o tinha feito.
— Mas eu não estava correndo. Nunca tinha estado tão...
— Tão animado? — sugeriu-lhe ela— . Seu pai também é
um cavalheiro templário escocês?
— Sim, claro — balbuciou desconcertado pela pergunta—
, por isso me enviou para Dunclathy. A maioria de nós foi
treinada ali.
— A maior parte dos homens que conheço parecem ser
templários e todos estão relacionados de algum jeito com sir
Hugo e com seu pai. Suponho que todos serão homens bons.
— Claro que o são! Mas se pretende dizer que nunca são
imprudentes como eu...
— Eu não disse isso — se apressou a defender-se.
Colocou uma mão em seu peito e brincou com os pêlos.
— Querida, se continuar fazendo isso, não poderei
responder por minhas ações.
— Por quê?
— Posso te mostrar o por quê?
O pulso de Sidony começou a se acelerar. A voz de Giff
soou mais grave. As vibrações daquele tom tinham lhe

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percorrido todo o corpo, acendendo seu desejo e fazendo-a


sentir um calor incontrolável.
Lhe ocorreu que poderia estar perdendo um desses
momentos únicos dos que lhe falava tão freqüentemente. E,
entretanto, não podia se decidir. Mas sua mão parecia havê-lo
feito por ela, porque continuava acariciando-o, movendo-se
cada vez mais facilmente sobre seu peito.
Giff a segurou pelo pulso e virou-se para ela.
— Se me está pondo a prova, querida — lhe advertiu,
aproximando-se mais— , logo saberá quão perigoso posso ser
— soou quase como um grunhido— . Quero te possuir como
esposa, mas não à força. Se continuar fazendo isso,
interpretarei que está disposta, mas preferia que me dissesse
isso.
Os dedos do Sidony se moveram nervosamente.
— Então? — insistiu ele, impaciente.
— D-dê acordo — hesitou— . Se você quiser, eu... Estou
disposta.
As palavras mal haviam saído da boca de Sidony quando
Giff foi a seu encontro.
Ainda a sustentava pelo pulso e a apertava com seu corpo
para baixo, contra o colchão.
Para surpresa dela, o seu respondeu fazendo pressão
também.
Os lábios dele exploraram sua boca, exigentes, e quando
lhe soltou o pulso e colocou a mão sobre seus seios,

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acariciando-a como ela tinha feito antes com ele, foi


acendendo cada canto de seu corpo, até através da regata de
linho fino. E quando roçou seus mamilos com o polegar, ela se
escutou responder à carícia com um gemido.
— Tire essa regata, querida — foi um anúncio mais que
uma ordem, pois Giffard a despiu com um hábil movimento, e
a regata se desapareceu em um instante. A jovem não
protestou, ficou petrificada enquanto seu marido agia. Giff
baixou a vista e a estudou.
O brilho tênue da lareira iluminava seu rosto transformado
pelo desejo.
Quando posou seus olhos nos seios e logo na união de suas
pernas, Sidony comentou em um tom sério que também era
novo para ela:
— Continua desejando não ter se casado, sir?
Giff sacudiu a cabeça, sorrindo.
— Mas seguirei sendo um marido terrível, senhora.
— É a primeira pessoa que me chama assim, «senhora»—
assinalou, e logo suspirou, porque ele tinha começado a mexer
de novo com seus seios.
Giff esfregou um mamilo, depois tomou com delicadeza
entre os lábios e o lambeu com a língua de uma forma
deliciosa, causando ondas de fogo em Sidony, cada vez que o
lambia. Com a outra mão foi acariciando o ventre, descendo e
descendo, até a virilha, para logo voltar a beijá-la nos lábios,
desta vez penetrando-a com sua língua.

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Sidony recebeu de bom grado o beijo. «meu deus!”—


“pensou Giff, — tem uma língua de veludo». Quis explorar
cada centímetro dessa boca, cada centímetro de sua sensual
silhueta. Aquelas mãos delicadas lhe percorriam o corpo,
tocavam-no apenas, explorando a textura de sua pele,
enredando-se com o pêlo de seu peito e de seu abdômen.
Sentia seu membro palpitar, mas se queria lhe demonstrar
que nem sempre agia tão impetuosamente, não podia permitir
que Sidony o obrigasse a chegar ao desfecho tão rápido.
Pegou a mão com a qual lhe acariciava os mamilos, beijou-
lhe as pontas dos dedos. Então ficou sobre seu corpo, e lhe
apoiando a mão contra o travesseiro, baixou a cabeça e lhe
lambeu os seios com suavidade. Ai ele soltou sua mão e
acariciou seu braço, até o ombro. Seguiu pelo lado e chegou
até a cintura, e logo se ajustou entre as coxas. Finalmente,
deslizou um dedo em seu ninho.
Ao sentir que ficava tensa Giff soltou o mamilo que tinha
estado acariciando com a língua.
— Relaxe, querida, só quero preparar o caminho. Sabe
como se unem um homem e uma mulher?
— Sim — murmurou ela— . Eu ouvi minhas irmãs.
— Se você se sentir incômoda, só tem que me avisar. Isto
deve ser algo prazeroso. Mas a primeira vez nem sempre o é.
Isso também deveria sabê-lo.
Enquanto falava, massageava sua feminidade
acrescentando ritmo. Quando Sidony abriu as pernas

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gemendo, Giff procurou a boca com sua língua. Com cada


beijo e cada carícia o desejo ia aumentando. A jovem ofegava
e arqueava suas costas de encontro ele, ansiando mais, até que
não pôde agüentar outro segundo e Giff se introduziu dentro
dela. Escutou-a gritar e tentou lhe dar tempo para ajustar-se,
mas a urgência era muito intensa e teve que seguir adiante.
No início se moveu devagar, tentando manter alguma
distancia, mas logo o desejo se voltou tão incontrolável que
acelerou o ritmo das investidas.
Sidony gemeu quando ele começou a mover-se mais
rápido. Sua língua ainda lhe enchia a boca. Então, Giff
levantou a cabeça e a penetrou mais profundamente. Uma
explosão de novas sensações sacudiu seu corpo inteiro, prazer,
dor, calor, seu marido dentro dela.
Na penumbra, o rosto de Giff se desfigurou como se ele
também sentisse dor; entretanto a paixão parecia muito intensa
para perceber. Movia-se mais rápido, mais forte e mais
profundamente, até que Sidony temeu que aquela força fosse
parti-la em dois.
Giff respirava com dificuldade, entrando e saindo
freneticamente, com investidas cada vez mais curtas e rápidas,
até enlouquecer de prazer. Sidony apertava com força o
travesseiro para resistir.
Sentiu-o explodir dentro dela, tremendo, exausto.

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Ainda estava em cima da jovem, respirando com


dificuldade. Não tinha saído dela, mas já não se movia nem a
machucava.
— Pode respirar? — murmurou ele na sua orelha esquerda.
— Não muito bem.
Com um esforço evidente, virou-se para um lado da cama,
mas deixou um braço sobre o corpo dela, logo embaixo de
seus seios.
— Melhor assim? — perguntou.
Sidony assentiu com a cabeça.
— Eu a machuquei muito?
— Um pouco, mas nunca tinha imaginado que alguém
podia sentir essas coisas.
— Disse que tinha escutado suas irmãs falarem.
— Eu acho que tem que sentir para entender.
— Eu estou morrendo de sono, querida - murmurou ele— .
Vou ajudá-la.
Sidony seguiu a vista de seu marido até suas coxas. Com
doçura, Giff a ajudou a limpar o sangue, apenas ficaram uma
ou duas manchas pequenas no lençol da condessa, observou
aliviada. Quando arrumaram tudo para dormir, Giff lhe deu
um rápido beijo nos lábios.
Segundos mais tarde, comprovou irritada que seu marido
roncava.
Sidony ficou acordada ao seu lado, perguntando-se se um
homem podia dar a sua esposa uma criança na primeira vez

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359

que ficavam juntos ou se precisava repetir a tentativa para


conseguir.

Sidony bocejou contrariada. Sentou-se na cama e puxou a


colcha para cobrir os seios. Ele se perguntou se ela estava
arrependida de ter se entregado na noite passada.
Fora, o vento aumentou. As rajadas rugiam contra as
janelas.
Sidony estava esplêndida. Tinha dormido nua junto a ele. E
agora, seu bonito cabelo caía sobre os ombros nus e as costas.
A noite anterior não tinha tido tempo para prendê-lo em uma
rede para cabelo.
— Bom dia - voltou a bocejar.
Ele respondeu com um sorriso. Adorava escutar sua voz
melodiosa.
— Despertou cedo, milord.
— Devia examinar o movimento do Fife. Henry diz que
perderam vários de seus navios.
— Não terão se afogado?
— Não sabemos quantos danos os navios sofreram ainda.
Logo depois de Noss Head há uma ampla extensão de bancos
de rochas que aparecem rapidamente quando a maré começa a
baixar. Os navios do Fife vinham rápidos o bastante para se
chocar contra eles antes de vê-los. Há também um grande

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banco de areia, e se só se batearam contra ele, a estas alturas já


devem ter entrado na baía.
— Não vão pretender atacar o castelo!
— Não lhes convém — assinalou Giff— . Esta fortaleza é
uma armadilha mortal para qualquer invasor.
— E o que é o que vamos fazer então?
Um pequeno golpe na porta anunciou a uma criada que
vinha com o café da manhã.
— Obrigado, pode retirar-se — ordenou Giff— . Com
respeito ao Fife, Henry comentou que De Gredin deve ter
explorado bastante bem os arredores no ano passado e não
encontrou nenhum tesouro, assim é provável que achem que
iremos para Orkney.
— Por acaso o tesouro se encontra em Orkney?
— Eu não sei, mas agora tenho que ir - tomou dois
bocados, deu-lhe um beijo rápido, e imediatamente já se foi.

Como era possível que não soubesse onde estava escondido


o tesouro se levava uma parte dele no navio? Por acaso
planejava deixar sua carga com Henry? Um sem-fim de
perguntas acossou Sidony. Queria confiar em seu marido, mas
algo em seu interior a fazia suspeitar.
Não muito depois chegou à quarto Morag, a donzela
pessoal de Jean. Tão gordinha como sua ama, trazia em seus
braços uma pilha de vestidos, para que Sidony escolhesse.

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— Estas são as roupas que a condessa usava quando recém


casada, milady - comentou estudando a jovem com um olhar
de especialista — . Posso fazer os acertos que você necessite,
talvez ajustá-los um pouco mais... — avaliou-a lhe medindo o
tamanho— , parecerá uma princesa. Ah, quase esquecia! A
condessa deseja que vocês passem aqui algumas semanas.
— Expresse meu agradecimento por seu amável convite -
respondeu Sidony, suspeitando que Giff ou Henry tivessem
sugerido a Jean essa ideia para mantê-la em Girnigoe.
Aceitou a ajuda de Morag enquanto provava os trajes.
Passou a hora seguinte provando e selecionando seu guarda-
roupa. Quando Giff retornou, Sidony estava de pé sobre uma
cadeira, com um casaco curto de camelina rosa sobre um
vestido de seda verde pálido e cinza.
Morag estava colocando alfinetes na bainha do casaco para
que deixasse ver a barra do vestido.
Giff parou na soleira com a mesma expressão no rosto que
na noite anterior, quando a tinha descoberto vestida com o
roupão e a regata por baixo.
— Obrigado, Morag — disse ela, esquadrinhando o seu
marido— . Chamarei mais tarde.
— Como queira milady, farei a bainha do casaco. Há algo
mais que queira escolher?
— Não, já tenho muita roupa. A condessa foi muito
generosa - respondeu Sidony.

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Desceu da cadeira e entregou o casaco para Morag. Mas


seguia prestando atenção ao Giff, e tentava procurar uma
explicação à expressão de seu rosto.
Giffard acariciou o casaco de camelina rosa quando Morag
passou junto a ele. Nenhum dos dois disse nada até que a
donzela fechou a porta.
— Espero que não pense que este vestido me faz parecer
uma menina — comentou ela.
Da borda do decote até os quadris, o vestido de seda verde
e cinza se aderia a sua figura, delineando seus seios
arredondados e a curva de suas costas. Uma faixa de quatro
correntes de prata entrelaçadas pendia na parte mais larga de
seus quadris, seguras por um broche com moedas de prata que
pendurava tentador, sobre a linha de união de suas coxas e que
tilintava quando Sidony se movia.
— E bem?
— Está muito bela — aprovou ele— . Eu também gosto
desse abrigo rosa que tinha colocado. Era tão suave como a
pele de um gatinho. Sentirei desejo de acariciá-lo todo o
tempo.
— Eu gosto porque é quente e porque não pertence ao Fife.
Giffard riu.
— E esse como é que este fica tão bem? — perguntou-lhe,
indicando o vestido.
— Graças a quase uma centena de ganchos apertados nas
costas, mas não ache que vou tirar isso agora - avisou, dando

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um passo atrás com as mãos para cima — . Estive me vestindo


e despindo desde que você se foi, e estou morta de fome.
— Ainda não almoçou?
— Não, nem sequer tinha pensado nisso quando Morag
chegou.
— Então irei buscar algo. As escadas estão geladas,
necessitará um xale ou algo assim até chegarmos ao salão.
Sidony pegou um xale de lã amarela e envolveu os ombros
com ele.
— Já sabe o que aconteceu com os navios do Fife?
— Três dos que encalharam afundaram. Outro sofreu
danos sérios. Os navios longos, que são mais fáceis de
manobrar, só se chocaram contra a areia e não sofreram danos,
e os dois que vinham mais atrás puderam escapar dos bancos
por completo. Assim ainda há quatro, e um quinto que pode
unir-se. Duvidamos que tentassem nos atacar com os navios
de Henry tão perto, mas é possível que Fife se lance à água em
um bote e exija entrar, amparado pelo direito do estandarte
real.
— E Henry o deixará subir?
— Permitirá Fife entrar e a outros seis homens, e nenhum
mais. Mas até agora ninguém o pediu.
Giff se sentia como um gato enjaulado. Foi até a janela e a
abriu apenas para respirar o ar de fora.
— Tenho algo mais que para dizer — pigarreou— . Mudei
de opinião.

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E embora preferisse não enfrentá-la, deu a volta e olhou


Sidony nos olhos.
— É muito arriscado, querida. Seria um irresponsável se a
levasse comigo.
— Assim que mentiu ao príncipe — ela acusou
decepcionada.
— E quem acha que disse que era uma idéia imprudente e
irresponsável? Henry não quer que vá. Vai se alegrar de que
eu tenha prestado atenção à razão.
— Então, sua palavra não vale nada.
— Já basta! — espetou-lhe ele— . Se cale ou...
— Ou o que? — desafiou-o— . Vai me bater? Hugo
sempre ameaça a Sorcha quando ela desafia sua natureza
autoritária. Mas acredito que nunca o tenha feito de verdade.
— Me escute bem, milady, porque eu não faço
advertências em vão — sibilou Giff, agora zangado— . Não
me provoque.
Sidony elevou o queixo.
— Recorde, sir, que sou sua esposa, e conforme entendi, na
próxima viagem não há perigos muito diferentes dos que já
enfrentamos em nosso caminho de Lestalric até Girnigoe.
— E o que me diz da tormenta daí fora, sabe-tudo? Olha!
— gritou.
Giff abriu a janela para que a tempestade descarregasse
toda sua fúria no rosto da moça. Entretanto, o efeito não foi o
procurado, pois tinha esquecido que fazia uma hora as rajadas

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365

mais fortes provinham do noroeste, e sua enorme força


golpeava o outro lado do castelo. Claro que fora o mar se
levantava imponente, mas do terceiro piso de uma fortaleza
ereta a trinta metros sobre a costa, o impacto não era muito
grande.
— Não temo nenhuma inclemência do tempo ou do destino
se você comandar o navio — declarou solene— . Além
disso..., nem sequer está chovendo agora.
— Voltará a chover em qualquer momento. Além disso...
— imitou o tom de voz de sua esposa— . Seja como for, a
violência da tormenta é o de menos. Sou seu marido, e fará o
que eu diga.
— Muito bem, mas quando vier me buscar, se é que o fará,
me leve para o castelo de meu pai. Não ficarei com um
homem que não me quer do seu lado.
Giff apertou os punhos e disse entre dentes:
— Claro que te quero comigo. Não o vê? Poderia morrer se
os homens de Fife nos apanham.
— Então não deixe que nos apanhem - respondeu ela— .
Não mudarei de opinião. Não quero ficar aqui a salvo,
pensando que uma tormenta ou que os homens do Fife podem
te despedaçar, sem mencionar tudo o que terei que esperar
para escutar alguma notícia sobre você, de algum jeito...
— Já basta, Sidony!

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— Não, agora sou sua esposa em todos os sentidos. Se não


tenho o direito de estar contigo até que tenhamos uma casa
própria, então não quero estar contigo nunca mais.
Com as mãos nos quadris e o queixo ainda alto, parecia tão
disposta a zangá-lo como um menino que mereceria uma
surra. Mas o que mais desejava Giff era lhe arrancar esse
vestido de seda e a levar de volta à cama.
Sidony reconheceu a luxúria em seus olhos, e quando ele
se aproximou dela, não pôde fazer mais que retroceder e
cobrir os seios com ambas as mãos.
Ele parou, lançou um grunhido profundo, virou e saiu
batendo a porta.
Sidony inspirou fundo para relaxar. Em seguida, recolheu o
xale, que na discussão tinha caído no chão, o colocou e
esperou só um par de minutos para que ele se adiantasse. Logo
o seguiu escada abaixo para o salão.

Fife despertou sobre uma cama de seixos úmidos, na baía


em forma de cunha onde tinham encalhado os navios. Ainda
chovia, tinha o corpo dormente, mas se sentia agradecido de
estar vivo. Como se as longas extensões sem costa do estuário
de Moray não tivessem sido suficientes, ver os danos que se
chocar contra os bancos de Noss Head causara o tinha deixado
enjoado até quase não poder manter-se em pé.

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367

O primeiro navio só tinha batido contra o banco de areia,


mas o segundo, apenas a uns minutos de distância, tinha
encalhado rapidamente. Logo escutaram os horríveis gritos
dos navios que batiam contra as rochas das quais eles tinham
escapado.
Vários homens se afogaram, pedindo auxílio com gritos.
Por sorte, tinham resgatado a alguns, mas os três navios que
tinham se chocado diretamente contra as rochas afundaram tão
rápido que a tripulação tinha ficado presa. Então, tinham
virado para o sul, seguindo o caminho das embarcações que
tinham podido fugir dos recifes, e que possivelmente se
refugiaram na baía.
Fife aproveitou a primeira oportunidade para procurar uma
tenda, e quando De Gredin lhe trouxe um pouco de vinho,
bebeu agradecido e, milagrosamente, dormiu imediatamente.
Agora lhe doía a cabeça e sentia uma sede avassaladora.
Chamou o homem que tinha dormido fora de sua tenda, de
guarda, mas não conseguiu nada. Levantou-se então para
despertá-lo. Não havia ninguém ali. De fato, não via nenhum
de seus homens.
De Gredin os havia levado para lhes dar algumas ordens
«esse maldito se está extrapolando», pensou Fife. Viu então
que o Chevalier estava de pé junto a uma fogueira, que tinha
conseguido transformar as velas auxiliares dos navios em um
refúgio improvisado.
De Gredin se adiantou:

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368

— Alegrar-lhes-á saber, milord, que o navio ancorado em


Girnigoe é efetivamente o Rainha Serpente. Meus homens me
informaram que jogou amarras em uma enseada, rodeado de
afiados escarpados. Meus rapazes poderão ver com facilidade,
da ponta da baía, se MacLennan tentar desembarcar sua carga,
mas aparentemente a única forma de acessar ao castelo é
através de uma escada muito levantada, assim duvido que o
descarregue aqui.
— Alegra-me escutar essas notícias — disse Fife com
frieza— . Mas eu gostaria de saber o que fez com meus
homens. Parece que os consideram seus próprios na hora de
dar as ordens, mas...
— Temo que não haja ninguém a quem comandar milord
— o interrompeu De Gredin— . Por desgraça, todos os seus
homens se afogaram ontem.
— Isso é impossível — bramou Fife— . Sei que alguns
estavam no outro navio francês, e muitos vinham comigo. Um
estava dormindo bem ao lado de minha tenda.
— Sim, foi muito triste havê-los perdido a todos dessa
forma - murmurou De Gredin.
Um calafrio percorreu a coluna do conde e não foi pelo
vento fresco da manhã.

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369

Capítulo 19

Giff se encontrou com Henry, de pé, diante o fogo do


salão. A fumaça subia rápido para o teto abobadado, mas
custava respirar.
— Encontram-se na baía de Wick, ao sul de Noss Head -
murmurou Henry— . Ali estão bem protegidos.
— Você colocou homens para vigiá-los?
— Certamente. E Fife certamente também colocou os seus.
— Eu não me preocuparia com isso. Mas se quer enviar a
seus homens para caçar, eu não teria nada contra. Capturar a
um ou dois dos homens dele serviria bastante para obter
informação. Por exemplo, conviria apurar se o conde tem
motivos para aliar-se com a França e com Roma neste assunto,
além de usar a De Gredin, enquanto ele procura o tesouro, em
seu próprio benefício. Seu objetivo final é minar o poder dos
Sinclair e dos Logan, e de outros de sua classe.
— É possível que verifiquemos algo - reconheceu Henry—
. Mas não quero aumentar o aborrecimento de Fife capturando
a seus homens. Nestes últimos anos teimou em demonstrar
que não respeita meu títulos nórdicos e que está disposto a
fazer algo para debilitar aos clãs poderosos e incrementar o
poder dos Stuart. Mas se me pede alojamento, serei obrigado a
dar-lhe.

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— Hospedagem a um inimigo das Terras Altas! —


exclamou Giff.
— Nossas regras de hospitalidade não se reservam somente
aos habitantes das Terras Altas.
— Se acha que pode confiar em uma turma de vilões
dentro de...
Calou quando o príncipe começou a rir para si.
— As regras de sobrevivência superam as demais.
Entenda-o, possivelmente devamos convidá-lo. Assim o
manteríamos mais perto e poderíamos vigiá-lo melhor.
— Faz como preferir, mas envia esse convite depois de que
eu tenha ido — adicionou com truculência.
Henry abriu os olhos.
— Eu te ofendi, moço?
Giff franziu o cenho.
— Não, mas minha mulher me deixou de mau humor.
Disse-lhe que deve ficar aqui, mas se nega a me obedecer.
Ainda que, na verdade, Henry, não quero deixá-la.
— E como afetará a seu bom senso a presença de sua
jovem esposa? — perguntou-lhe Henry, sempre tão prático—
. Agirá da mesma maneira para proteger a pedra? O que
aconteceria se Fife o capturasse?
— Sidony me disse para tomar cuidado de que isso não
aconteça — respondeu Giff, como um menino repetindo o
que sua mãe disse.

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371

Henry deixou escapar uma risada e, inesperadamente,


MacLennan se uniu à gargalhada. De repente, lhe ocorreu uma
nova forma de proteger melhor ainda a pedra.
Entretanto, não tinha nenhum desejo de discutir sua nova
idéia antes de havê-la considerado um pouco mais. Em
qualquer caso, nesse momento apareceu Sidony no salão, com
aparência serena, e tão plácida como se estivesse em sua
própria casa. Aproximou-se do estrado. Na mesa, ainda havia
uma cesta de pão e um jarro com cerveja.
Tomou uma fatia de pão e só então se dignou a lhes prestar
atenção. Sorriu e fez uma pequena reverência ao Henry.
— Bom dia, milord. A condessa foi muito generosa. Agora
tenho vestidos suficientes para um ano.
— É um prazer poder a ajudar. Dormiu bem, ou os ventos
de ontem à noite a perturbaram?
— Dormi bem, obrigado. A cama é muito confortável,
embora confesse que cheguei a me acostumar ao movimento
do Dragão para dormir. De qualquer maneira achei um
método mais eficaz para descansar — comentou ela, com um
brilho especial nos olhos.
Giff se esticou recordando as cenas de paixão da noite
anterior.
Henry, alheio ao intercâmbio de olhares dos amantes,
persistiu em sua tarefa.

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372

— Um navio não é o lugar mais seguro para estar durante


uma tempestade. Pentland é célebre por suas tempestades,
como a que temos agora.
— Meu marido me prometeu que me dará um lar adequado
- prosseguiu Sidony com um sorriso modesto— . Pretendo me
assegurar de que o faça o mais rapidamente possível.
Giff voltou a pensar em sua nova idéia, trocou alguns
detalhes, e lhe deu a forma definitiva. Pois o que protegeria a
pedra também poderia assegurar o resguardo de Sidony.
— Minha esposa tem razão, Henry — interveio,
retomando a conversa decorrida— . Pode decidir se deseja me
acompanhar ou não. E não acredito que Fife e sua manada nos
apanhem se conseguimos sair durante a noite.
— Mas é uma loucura sair desta baía no meio de uma noite
escura! Não poderá ver nem a mão diante dos olhos —
recriminou o príncipe.
— Esteve navegando às escuras nas duas últimas noites -
assinalou Sidony.
— Tenho uma boa bússola e um bom capitão — adiantou
antes que Henry insistisse— . E uma vez que tenhamos
atravessado Duncansby, não haverá problema, conheço o
estuário o suficiente para chegar a salvo ao cabo de Wrath, e
logo partiremos para o sul.
Mas não especificou quanto ao sul iriam na verdade.
— E se os perseguem?

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373

— Então, estariam loucos — sentenciou Giff— . Vão se


matar nos Boars de Duncansby ou no Men de Mey. É
impossível que se antecipem a esses perigos. Durante dias nos
mantiveram à vista e imitaram nossos movimentos. Duvido
que conheçam as águas do estuário tanto como eu. Se posso
tirar um dia de vantagem, chegarei sem problemas ao cabo de
Wrath. Porque não poderão saber para onde fui exatamente.
— É possível que Fife o deduza - advertiu Henry— . Há
poucas opções, se descobrir que não está aqui e que não saiu
para Orkney. Tudo o que precisa fazer é ancorar em alguma
aldeia e perguntar se viram passar ao Dragão. Nem sequer
meus navios viajam tão continuamente para que as pessoas
não os note. Os olhos de Sidony brilhavam de expectativa.
— Ainda quer me acompanhar, querida?
— Claro — afirmou a jovem decidida— . Mas... O que
são os Boars de Duncansby?

Partiram pouco depois da meia-noite, quando o manto


escuro cobriu as estrelas, e o vento rugia contra as muralhas.
De vez em quando uma rajada vinha do mar a toda velocidade
e varria por completo a escada íngreme que conduzia à
fortaleza.
Como não confiava em que Giff fosse despertá-la, Sidony
tinha aberto os olhos duas vezes no meio da noite, com o
receio de não encontrá-lo a seu lado. Mas chegado o

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374

momento, Giff a despertou com uma sacudida e lhe disse que


se vestisse se realmente queria ir com ele.
Agora, sentia-se agradecida de que a condessa lhe tivesse
dado aquele casaco de camelina rosa, embora o levasse sob o
sobretudo negro de Fife. Giff a tinha obrigado a usá-lo,
insistindo não só em que assim estaria mais protegida, mas
também em que serviria melhor para ocultá-la na escuridão.
Aceitou sem objeções, porque desse modo seria o casaco de
Fife o que mancharia e enrugaria durante a viagem. Embora
seu preferido tampouco fosse sair ileso, e depois de acabado o
trajeto não estaria tão bonito nem tão suave como agora;
possivelmente seu marido, como tinha gostado tanto,
compraria outro.
Na defesa do pátio do castelo ou da escada que culminava
sobre a estreita enseada de rochas, não se sentia os golpes da
tempestade. Mas no estreito embarcadouro, o mar batia com
força lançando-se contra o escarpado. Sem luzes, preso a
ambos os lados da enseada, o Dragão não era mais que uma
casca de noz no oceano, que lutava para liberar-se de suas
amarras na noite ameaçadora.
Os nós resistiam. Maxwell se aproximou de Sidony de um
canto.
— Aqui estou milady — solícito lhe estendeu a mão— . A
ajudarei a subir a bordo.
Giff a amparava enquanto ela agarrava as mãos de
Maxwell, mas o navio não ficava quieto, e ambos tiveram que

GRH
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375

fazer força para que chegasse à coberta. Imediatamente,


Sidony escorregou entre os bancos molhados dos remadores,
mas para sua surpresa, Giff saltou a tempo e conseguiu
ampará-la. Acabou por aterrissar exatamente entre dois dos
bancos; ele abaixou junto a ela sem lhe soltar o braço. Então
ele deslizou o braço ao redor da sua cintura e a apertou contra
ele.
— Levarei você para cabine de popa, querida. Sobe
comigo à passarela, mas tome cuidado e não se solte. Poderá
se acostumar ao movimento se relaxar.
Relaxe!
Era fácil de falar para alguém que tinha vivido durante
anos em um navio.
— Por que não há nenhuma luz? — perguntou inquieta— .
Não acredito que alguém possa nos ver, especialmente
considerando o que você e Henry disseram que os navios de
Fife nem sequer estão nesta baía.
— Poderiam nos ver da terra, só necessitam de uma
pequena luz para suspeitar — assinalou, falando numa voz
mais alta que antes.
— Aqui, milady, me segure pelo ombro - disse Jake, que
tinha se materializado a sua direita, subindo em um dos
bancos— . Posso ajudar.
Sidony aceitou agradecida. E assim, com o apoio de Jake
de um lado e de Giff em frente, no momento em que chegaram
à cabine de popa, já tinha conseguido um pouco de equilíbrio.

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— A maré está baixando — anunciou Giff ao abrir a


porta— . Quero chegar ao outro extremo da baía antes de
subir, para que possamos passar pelos Boars sem perigo e
avancemos rápido para estar ao outro lado de Men antes que
volte a baixar. Ao que parece, não será tão difícil.
Os Boars de Duncansby e os Men de Mey personificavam
as Escila e Caribdis do estuário de Pentland: agitações
violentas que o mar provocava na parte mais estreita do
estuário, onde se chocavam as correntes, às vezes com
resultados catastróficos. Grandes ondas se elevavam como
disparadas de um grande caldeirão, e caíam umas sobre outras
freneticamente. Tinha as visto levantar-se inclusive com águas
tranqüilas, mas adquiriam uma força descomunal quando
havia uma grande tempestade.
Sidony se acostumou à escuridão de fora. Agora podia
reconhecer formas fantasmagóricas, mas sentiu que ingressava
em uma cova quando se entrou na cabine.
— Suponho que não me permitirá acender uma lanterna
aqui, embora tenha a porta fechada.
— Não, querida. Não haverá nenhuma só chama em todo o
navio esta noite. Com respeito a...
Começou a dizer algo, mas se interrompeu. Apesar do
rugido do vento, ela também tinha escutado esse gemido à
distância.

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— Por Deus, temos que nos dirigir até a baía agora mesmo.
Jake acompanhe Sidony até o banco da mesa e fique ali com
ela.
Quando o jovem quis protestar, Giffard rebateu:
— Dependo de você para que proteja a minha esposa esta
noite.
— Muito bem, ficarei com ela — respondeu Jake,
orgulhoso— . Não têm por que se preocupar, sir.
— Foi um trovão? — perguntou Sidony ao Giff— . Por
que tanta pressa?
— Sim, foi um trovão, mas é o relâmpago o que me
preocupou. Porque com um só que ilumine esta baía, a noite
se converte em dia por um momento, e os homens de Fife nos
descobrirão.
Saiu imediatamente à coberta. Sidony encontrou o caminho
e se sentou no banco mais próximo à popa, de frente à mesa.
— Eu não gostaria de ficar sozinho aqui — murmurou
Jake um momento depois.
— Eu tampouco — admitiu ela— . Alegra-me que esteja
comigo, Jake.
— Sim, nós dois poderemos espantar a qualquer fantasma.
— Se preocupa com os fantasmas?
— Não muito, só me incomodam de tempo em tempo.
— Posso te contar uma história? — perguntou a jovem,
reconhecendo o medo que havia atrás daquelas palavras— . É
uma história que nos contava minha irmã Adela quando eu era

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uma menina e tinha medo de que uma fada malvada me


seqüestrasse quando estava na cama.
— Claro! Será uma boa forma de passar o tempo —
respondeu o menino ansioso em escutar.
Enquanto Sidony lhe contava uma lenda de fadas marinhas
para fazê-lo rir, escutava aos homens gritando ordens. Pouco
depois percebeu que o navio se movia de uma forma diferente.
Não podia imaginar como conseguiriam tira-lo da estreita
enseada para as águas turbulentas da baía. Mas logo percebeu
o movimento familiar dos remos na água e deduziu que os
homens de Henry, da passarela do cais, ajudavam a mover o
Dragão o bastante para que os remadores pudessem avançar.
O navio se agitava como um barco de brinquedo que um
menino tivesse jogado no rio, levantava-se, abaixava, dava
voltas... Entretanto, logo a maré o arrastou para longe da
costa.
Foram seis milhas para frente, antes de dobrar em
Duncansby Head e passar os Boars, e mais oito até o St. John's
Head e os Men de Mey.
Cerca de seis horas de tortura. Mas Sidony confiava em seu
marido e se concentrou em manter entretido ao Jake.
Os trovões se ouviam cada vez mais perto, até que os
estrondos ameaçadores pareciam estar diretamente em cima de
suas cabeças. Dois relâmpagos tinham iluminado tanto o
espaço entre a portinha e a vigia que Sidony tinha podido
distinguir a figura de Jake em frente a ela.

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Durante um momento, a chuva torrencial os alagou, e o


movimento do navio foi menos rítmico. O antes Rainha
Serpente estava montando sobre as ondas. Quando conseguiu
equilibrar-se, Jake abriu a porta com cuidado.
— O que está fazendo? — perguntou-lhe Sidony,
preocupada.
— Subiram a vela.
— Com este tempo?
— É claro — ele disse com ar de superioridade. Meu pai
faz o mesmo para ganhar velocidade e essas coisas, mas sir
Giff está navegando muito próximo a este vento.
— Pois fecha essa porta antes que o veja — aconselhou a
jovem— . E vêem aqui, contarei outra história, ou você pode
me contar uma. Na realidade, é sua vez.
Muito obediente Jake a fez rir com a história de dois
duendes das terras fronteiriças que viviam com uma mulher
que os tratava como porcos. Sidony riu tão forte que lhe doeu
o estômago.
O tempo passou rápido até que, sem aviso prévio, o navio
virou bruscamente de lado em uma onda, e quase os jogou dos
assentos. Agarram-se à mesa com unhas e dentes.
— Águas bravas - explicou Jake.
Tinha tentado falar com seu tom leve, mas Sidony detectou
medo em suas palavras e começou a ficar nervosa por ele.
— Já passará — tentou tranqüilizá-lo -o chamam o rei das
tormentas, sabe?

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— Sim, claro — respondeu Jake— . Vou lhe contar


outro...
As palavras acabaram em um grito, quando o navio deu um
novo tombo e o som de um trovão sacudiu tudo o que os
rodeava.
— Segura Jake! — gritou Sidony— . Pegue minha mão!
Assim ele o fez, e antes que Sidony soubesse o que
acontecia, Jake se tinha colocado a seu lado, apertando-se
contra ela como um garotinho desamparado, aferrado a seu
braço e à mesa. Sidony o abraçou.
Quando o navio recuperou o equilíbrio, Jake voltou a ser o
«pequeno capitão»:
— Agora estará segura, milady, assim voltarei para meu
assento.
Um momento depois Giff botou a cabeça pela porta da
cabine.
— Temo que Fife nos viu com todos estes relâmpagos. Se
preparem para um passeio agitado — anunciou— . Viemos
até aqui muito mais rápido do que eu esperava, então é
possível que os Men nos causem alguns pequenos problemas.
— Quão pequenos? — perguntou Sidony, inquieta.
— A maré segue subindo — ele disse— . Não se
preocupem só se segurem bem.
— Não quer vir aqui do meu lado? — Sidony perguntou
ao Jake quando Giff se foi.

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— Não, eu estou bem — se negou o menino— . Você


acha que as ondas se levantam tanto como ele disse? Talvez
necessitem minha ajuda.
— Vai ficar onde está — ordenou ela, tratando de soar tão
séria quanto Giff— . É muito perigoso para um menino.
Lembra o que aconteceu faz um momento, e isso só foi a
tormenta que nos sacudia. Passamos os Boars sem nenhum
problema.
— Diabos — soprou Jake— . Você vai contar a próxima
estória ou vou eu?
Sidony estava de acordo em contar um conto das Terras
Altas, mas quando a narração chegou a sua maior tensão,
escutou uns gritos do lado de fora e sentiu que Jake ficava de
pé de um salto.
— Não, Jake!
Mas o menino saiu correndo antes que a jovem pudesse
reagir.
Gritando, Sidony conseguiu levantar-se e avançar até a
porta que batia contra a parede. Pôde controlá-la, agarrando-se
à soleira da porta e segurando o pedaço de madeira. Viu como
Jake subia a força o corrimão do navio, sobre o primeiro
lance, agarrando-se a ela. De um lado, Maxwell estava preso
ao tubo do leme, o rosto contorcido de ansiedade, e mais à
frente Giff, junto ao mastro, controlando um grupo de cordas e
dando ordens ao Hob Grant. Os remadores sentados nos
bancos de popa reconheceram os planos de Jake, mas cada

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banco de bombordo tinha dois remadores, e embora o homem


no final da passarela lhe ordenou que ficasse onde estava,
«perderemos um remo, menino teimoso!», Jake ignorou.
Giff se concentrava no mar enfurecido. Gritou aos homens
de bombordo que empurrassem com mais força justo quando o
navio virou fortemente nessa direção, até quase ficar de lado.
As ondas se encrespavam em todas as direções. O navio
tinha começado a virar, como se um redemoinho o tivesse
capturado. Nesse mesmo momento, a proa mergulhou nas
costas de uma onda enorme, e Jake se deslocou para o
corrimão superior, em direção aos remadores ou para o mar.
Os homens, presos sob os remos, não podiam fazer nada
por ele.
Maxwell gritou, mas o vento levou suas palavras antes que
alcançassem Sidony. Parecia desesperado procurando a
alguém que tomasse conta do leme.
Com medo de que ele o soltasse e causasse a destruição de
todos, a jovem se lançou para o menino. Se seus pés
conseguiram tocar a coberta, ela nem sequer pôde senti-lo.
Tinha posto os olhos nele, e não pensava em nada nem em
ninguém mais. De uma longínqua distância, escutou que Giff
gritava, mas não se atreveu a olhá-lo, pois a qualquer
momento Jake poderia cair na água. Tampouco podia permitir
que Giff o perdesse.
Ensopada, lançou-se então para o garoto, com os braços
estendidos. Não pôde segura-lo com a esquerda, mas com a

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mão direita o segurou por um tornozelo, enquanto batia contra


o ombro. Sentiu que ele escorregava, mas conseguiu agarrar
também com a mão esquerda o mesmo tornozelo. O menino
era pesado e caiu, arrastando-a junto com ele.

Como em todas as tormentas, Giff se tinha colocado em


um lugar onde pudesse concentrar-se na água e comandar o
navio. Hob Grant tinha demonstrado ser bastante competente
com as cordas, de modo que se ocupava das da popa, enquanto
ele cuidava do grupo da proa. Sabia que o truque em Men de
Mey era manter o curso reto, porque St. John's Head estava
separado da ilha da Stroma só por uma milha de distância.
Com dois mares que colidiam nessas passagens, parecia que a
maré corria em todas as direções, essas águas cobraram mais
de um navio, e ele não tinha nenhuma intenção de que o
Dragão passasse a fazer parte dos naufragados.
A maré empurrava primeiro o navio para trás e depois para
frente, contra a costa de Caithness, de modo que Giff mal teve
tempo de evitar cair diretamente sobre os desastrosos
redemoinhos. Quando o navio tocou a ponta do torvelinho,
Giff gritou aos homens para que remassem com mais energia,
prestando atenção a bombordo, onde tinha organizado um
contingente extra de doze remadores para controlar a força
imprevisível da corrente que os aproximaria da costa. O vento

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voltava soprar do norte, mas Giff poderia aproveitá-lo como


seu melhor aliado.
Em seguida escutou uns gritos de atrás; não deu a volta,
agora era o momento de salvar ao Dragão desse redemoinho.
Voltou a ordenar a toda voz:
— Empurrem!
Então se atreveu a desviar os olhos da maré e olhar sobre
seu ombro.
Para seu horror, viu como Sidony escorregava e afundava
no corrimão de bombordo. Só então descobriu a expressão de
ansiedade de Maxwell e ao Jake a ponto de cair.
— Não solte o leme! — gritou ao capitão. E então para
seus homens mais abaixo— : Empurrem moços, empurrem
por nossas vidas! Hob, as cordas!
Agora, todos os homens gritavam. MacLennan rodeou uma
fita de seda para marcar o final da vela. Então, rezando para
que o vento se mantivesse, subiu à passarela e correu. Os
homens não podiam deixar suas posições sem arriscar a
segurança do navio, e estava apavorado de chegar muito tarde.
Sidony segurava com força ao menino, mas Jake lutava em
vão, e as ondas estavam fazendo todo o possível para engoli-
los. Em sua urgência de salvá-los, Giff quase caiu ao mar, mas
se agarrou no corrimão e pegou a Sidony, e depois ao Jake.
Seus olhos se encontraram; ela, aliviada, ele, enfurecido,
mas aterrorizado em perder a sua esposa. E não era para

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menos. Estava furioso e teria lhe dado uma surra nesse mesmo
momento.
Fez um gesto ao remador mais próximo para que deixasse
o remo, e que os outros dois fizessem força para equilibrá-lo.
Deu-lhe então o menino.
— Envolve-o em uma manta e entregue-o a seu pai.
— Sim, sir.
Nesse momento, o navio se liberou do torvelinho e se
estabilizou. Não estavam fora de perigo, mas já haviam
passado pelo pior.
Giff contemplou a sua esposa; ainda sob a impressão do
desastre que podia ter acontecido desejava castigá-la por havê-
lo aterrorizado desse modo. Levantou-a em seus braços e foi
até a cabine. Ao passar perto do leme, viu que Maxwell já
tinha a seu filho consigo.
— Merecem uma surra — grunhiu Giff— . Ambos a estão
procurando.
Não esperou que ninguém o respondesse. Levou Sidony
para dentro da cabine e fechou a porta com um pontapé. Só
então se deu conta de que, dessa forma, tinha os deixado às
escuras, e que era duplamente difícil manter o equilíbrio se
não se via ao redor.
— Não me solte — pediu ela, quando ele cambaleou.
— Pode se manter de pé?
— Acredito que sim — respondeu, em um tom
cauteloso— . O que é o que vai fazer?

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— No que estava pensando quando saiu desta cabine?


Ordenei que ficasse aqui! Pôde nos matar a todos, mulher!
— Jake quis ver os Men de Mey — balbuciou — Lhe
disse que ficasse aqui dentro, mas me ignorou. Quis detê-lo
justo quando o navio começava a inclinar-se. Não podia
permitir que caísse na água.
As palavras de Sidony acabaram em um chiado: Giff a
tinha puxado pelos braços e com um puxão a tinha
aproximado dele.
— Se alguma vez voltar a me assustar deste modo, juro que
vou te açoitar com um cinto.
Em resposta, ela o abraçou forte. Giff se alegrou de que
estivessem às escuras, para que sua esposa não visse as
lágrimas que caíam por suas bochechas. Havia entendido quão
perto tinha estado de perdê-la.
Embora estivesse tão ensopada como Jake, Sidony sentiu
de repente uma onda de calor. Aquela ameaça, que devia lhe
haver inspirado medo, tinha despertado nela um sentimento
quente e comovedor, que não lhe permitia solta-lo daquele
abraço.
Giff beijou sua testa e os lábios.
— Não posso ficar aqui, querida. Devo ir ver como está
Jake e verificar se passamos pelo a última porção dos Men.
Ainda temos vários dias até alcançar nosso destino, mas a
tormenta parece ter amainado. Possivelmente possamos
acampar esta noite e nos secar um pouco.

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O tempo começava a melhorar. À exceção de algumas


longas horas de calmaria no dia seguinte, os ventos seguiram
lhes favorecendo. Entretanto, uma hora mais tarde viram que
dois navios se aproximavam a toda velocidade. MacLennan
concebeu uma estratégia aproveitando ao máximo a força dos
remadores e especulando que os outros navios não poderiam
ter carregado provisões suficientes na baía de Wick e que
teriam que deter-se para caçar e pescar. Assim, o comandante
do Dragão das Ilhas pôde seguir avançando e os outros não
conseguiram manter seu ritmo.
A penumbra se converteu em escuridão quando no terceiro
dia entraram em uma enseada rochosa. Giffard gritou
felicitações e ordens aos homens que estavam em terra. Então
disse a seus remadores que ancorassem de popa em um
refúgio da enseada.
— Onde estamos? — perguntou Sidony enquanto ele a
ajudava a descer.
— Duncraig — respondeu Giff— . Desta vez, Fife
precisará de muita sorte para nos encontrar. E como devíamos
passar por meu lar antes de chegar junto a Ranald, na ilha de
Eigg, decidi que minhas obrigações filiais solicitavam que
parasse aqui para a apresentar a meus pais.
Sidony aguçou o olhar.
— Pretende me deixar aqui?
— Em um princípio pensei em fazê-lo, pois a levar comigo
poderia deixar as coisas mais confusas depois — admitiu— .

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Mas como Fife e companhia ficaram bem pra trás, levarei


você amanhã à Glenelg e a deixarei a salvo ali com seu pai,
enquanto eu sigo até Eigg.
Sidony franziu o cenho. Não queria enfrentar seu pai, se
Giff devia voltar a sair imediatamente, e menos ainda se não
sabia aonde se dirigia. Queria ficar com seu marido até o final
da viagem.

Fife se sentia um desgraçado. Converteu-se em prisioneiro


de De Gredin no momento em que esse maldito traidor, duas
vezes traidor, disse-lhe que seus homens tinham morrido.
Entretanto, o conde se tinha posto firme quando descobriu que
MacLennan tinha saído com sua querida Rainha Serpente para
meter-se em cheio na tormenta e que o Chevalier pretendia
segui-lo.
— Estão loucos — replicou Fife quando De Gredin
ordenou aos homens que subissem aos navios— . Me deixe
aqui, e pedirei ao príncipe Henry que me acolha.
— Não, milord, não o fará. Você não me servirá de nada
em Girnigoe.
— E que classe de benefício pretende tirar de mim em
qualquer outro lugar, se me permite perguntar?
Então, o Chevalier fez um gesto a um de seus homens, que
se aproximou com uma garrafa.
— Beba um pouco disto, milord, vai acalmá-lo.

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389

— Não quero beber nada, e me nego a subir em qualquer


navio com este tempo.
— Escolha, milord. Ou bebe da garrafa ou terei que usar a
um destes homens para que o deixe inconsciente. Não temos
tempo a perder.
Então, Fife entendeu por que tinha dormido tão bem a noite
anterior. Ele tomou o vinho que lhe ofereceram e despertou
várias horas mais tarde, com dor de cabeça, Ensopado e mais
aterrorizado que nunca. A proa do navio golpeava contra a
tormenta, e a lona que o havia coberto até então tinha voado
com o vento.
Uma onda o atingiu. Fife deu um grito e se agarrou a duas
caixas de carga que formavam dois bancos perto da popa.
De Gredin gritou muito perto dele.
— Amarrem-no. De qualquer forma é um estorvo. Mas se
cair à água, deixem que afunde.
O Chevalier se apoiou no mastro de popa e em seguida
montou nas duas caixas. Mas Fife tinha muito medo do mar
para levantar a vista e olhá-lo.
Um dos remadores se aproximou para a lhe atar as mãos.
— Por que está fazendo isto? Por que não me mata e acaba
com tudo de uma vez?
— Na verdade, seu estandarte real me serve mais que você,
mas possivelmente o necessite em algum momento. Deus o
manterá vivo até então.
— Onde estamos? Perto do Orkney?

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390

— Não vamos a Orkney. Estamos indo às Ilhas.


MacLennan não teria saído com esta tormenta se só fosse até
Orkney. Está levando sua carga ao único homem tão poderoso
para enfrentar-se com o rei e Sua Santidade. MacLennan está
indo para o MacDonald.
— Mas...
Interrompeu-se. Compreendeu que para um homem como
De Gredin, o poder de Donald era a única coisa que contava.
Possivelmente o Chevalier não sabia do parentesco que tinha
com o MacDonald. Em qualquer caso, preferiu não
contradizê-lo. Possivelmente MacLennan tinha cometido o
mesmo engano sobre o senhor das Ilhas.
De qualquer modo, MacDonald não permitiria que lhe
acontecesse algo de mau, e esperava que o ajudasse a manter a
pedra em seu poder.

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391

Capítulo 20

Giff deixou o Dragão a cargo de seus homens e guiou


Sidony através das portas de Duncraig que davam para o mar.
Subiram para o pátio, iluminado por tochas, em direção a
escadaria da entrada principal. Escoltavam-nos dois dos
guardas de seu pai. Um deles, Donnie Murchie, era amigo de
Giff da infância e agora se converteu em capitão da guarda do
castelo. No caminho, Donnie lhes informou que sua senhoria
tinha saído com seus botes.
— Esta noite não poderá apreciar a fortaleza, querida -
observou ele— , amanhã terá tempo suficiente. Vamos nos
encontrar com minha mãe no solar, certamente. Mas antes
devo me ocupar de conseguir um jantar para meus homens.
— Com respeito a isso, sir Giff — interveio Donnie— , o
mordomo estará disposto a atendê-los. E se me permite a
liberdade, sir, alegra-me ver que por fim tomou uma esposa.
Giff sorriu e abraçou Sidony.
— Eu também me alegro.
Os olhos de Sidony se iluminaram com a luz das tochas.
Giff reparou em seus lábios sensuais e ansiou suspender o
jantar para encerrar-se no quarto com ela.
Sidony recebeu o olhar luxurioso de seu marido com
prazer. Também desejava voltar a unir-se a ele, com a

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392

esperança de convencê-lo a levá-la na viagem para Ranald das


Ilhas.
Giff pegou a mão dela e a apoiou sobre seu antebraço.
Então Sidony o apertou ligeiramente, como resposta. Não
precisavam dizer-se mais nada. Parecia contente de estar em
casa; estava sorrindo e saudando aos criados. Uma vez dentro,
conduziu-a através de um salão cheio de homens armados e
servos que preparavam o jantar, para uma pequena escada de
pedra em um canto, que subia em diagonal à escada principal.
Subiram tão rápido como permitiam sua boa forma e fizeram
só uma pausa para saudar ao mordomo, Eachainn
MacCrimmon.
— Eachainn, esta é minha esposa — a apresentou Giffard,
lhe apertando a mão.
— Encantado, milady, acompanho-os?
— Não é necessário, obrigado, recebe a meus homens.
— Como ordenar, sir.
— Não quero anunciar nosso matrimônio aqui até que o
diga a minha mãe — comentou Giff em voz baixa— . Sem
dúvida, já estão mexericando sobre o assunto, Donnie
Murchie assumiu que estávamos casados no momento em que
nos viu.
Empurrou uma porta no último lance da escada e entrou
antes de Sidony. Depois, indicou-lhe que ficasse a seu lado.
Sidony viu uma pequena mulher gordinha, com um vestido
simples de cor avermelhada e um véu branco. Nesse

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393

momento, a mulher deixou de lado seu trabalho de costura e


se levantou, rápido, mas com graça, de uma cadeira estofada
perto do fogo.
— Giffard, realmente é você?
— Sim, mãe, e trouxe uma pequena surpresa — respondeu
ele, e soltou Sidony para abraçar a sua mãe.
— OH, meu amor, passou tanto tempo!
Enquanto o abraçava, a senhora olhava a Sidony com
curiosidade.
— Me fale de sua surpresa.
— Esta é minha esposa, Sidony — anunciou ele.
— OH, Meu deus! Isso era o que eu esperava ouvir! —
respondeu ela e estendeu as duas mãos à moça.
Os olhos, do mesmo azul escuro que os de seu filho,
brilhavam de prazer. Ao ver que sua nora se inclinava em uma
reverência, fez gestos para que se aproximasse.
— Vêem, deixa que a abrace, querida. Alegra-me poder te
dar as boas-vindas a Duncraig. Giffard, querido, diga lhes para
trazer o jantar aqui, assim os três poderemos comer tranqüilos.
— Como quiser mãe — obedeceu ele— . Mas espero que
me permita atrasá-lo em uma meia hora. Tenho certas
obrigações lá embaixo, quero que meus homens se
acomodem. Onde está meu pai?
— Não sei. Recebeu uma mensagem faz umas horas e se
foi imediatamente. Possivelmente disse ao MacCrimmon
aonde ia.

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394

— Vou perguntar-lhe. Já me tomei a liberdade de lhe pedir


que alimente a minha tripulação.
— Claro que sim, querido, faça como quiser. OH, Giffard,
seu pai ficará tão contente em te ver quando retornar.
— Com respeito a isso, mamãe — respondeu Giff— ,
devo te dizer que não posso ficar. Amanhã pela manhã levarei
Sidony para sua casa, para que esteja com seu pai, enquanto
eu atendo um assunto.
— OH — disse ela, visivelmente decepcionada. Logo se
voltou para Sidony— . Mas quem é seu pai, querida?
— Macleod de Glenelg, milady.
— OH, bem que eu a achei familiar. Vi muitas vezes a sua
irmã Cristina, e algumas vezes a Isobel, acredito que esse era
seu nome. Vejamos, ela se casou...
— Com sir Michael Sinclair — completou a frase com um
sorriso.
— Exato. Mas como Giffard nos deixará sozinhas por um
tempo, quero que se sente e me conte tudo sobre você. Claro
que também conheço sua tia, Euphemia Macleod.
— Realmente milady? — perguntou Sidony. Giff apenas
lhe deu um beijo de despedida e a abandonou sem compaixão
com a tarefa de contar a sua mãe tudo a respeito de si mesma.
A dama a fez sentar-se na poltrona a seu lado, tomou
calorosamente as mãos e lhe disse:
— OH, querida, não sei como conseguiu trazê-lo para casa,
mas estou tão agradecida. Nem sequer me importa haver

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395

perdido as bodas, embora eu ache estranho não ter ouvido


nenhum plano de casamento.
— Temo que não houve tantos planos, milady - murmurou
Sidony, acanhada.
Contou-lhe tudo exceto o referente ao tesouro e que a tinha
encontrado preso em um navio do conde Fife. Tampouco
confessou a razão da viagem às Ilhas.
No entanto, depois que lady MacLennan tivesse exclamado
que era uma desconsideração inconcebível que seu marido a
abandonasse depois de ter sofrido uma experiência tão terrível
como um seqüestro, Sidony se viu obrigada a esclarecer uma
última coisa.
— Giff tem assuntos que resolver nas Ilhas, e como
Duncraig está perto de Glenelg, pensou que era sua obrigação
me trazer e me apresentar antes de me levar para casa,
enquanto ele se ocupa de suas tarefas.
— Ah, agora o recordo. Meu moço é um sol, casou-se com
um cavalheiro - exclamou a mãe orgulhosa— . Seu pai está a
ponto de casar-se com Ealga Clendenen, em uma semana, não
é? Fomos convidados ao casamento.
— Espero que vá - respondeu Sidony.
— Claro que iremos. OH, que bonito é tudo isto — opinou
a anfitriã, radiante— . Como eu gostaria que meu marido
estivesse em casa. Ele irá ficar tão decepcionado se não
conseguir ver Giffard depois de todo este tempo. Às vezes
recebíamos alguma notícia dele, mas nenhuma tranqüilizadora

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o bastante. Milord teme que Giffard seja muito imprudente e


que algum dia saibamos que em uma de suas aventuras o
mataram. OH, me perdoe, querida — disse envergonhada— ,
não quero preocupá-la.
— Mas acreditei que... — começou a dizer, e logo se
cortou.
— O que é o que acha querida? Se souber de algo, deve me
dizer isso. Por que meu filho não veio para casa quase durante
uma década? Não pode imaginar quanta saudades sentimos.
Agora, suas irmãs não estão, foram-se a visitar seus primos,
mas elas também ficarão muito decepcionadas de não vê-lo.
— Na realidade, sei muito pouco — admitiu Sidony— .
Mas me contou o que ocorreu depois de que... seu pai o tinha
enviado a casa de seu tio, porque o culpava...
— OH, não, não me diga que tem algo que ver com esse
horrível acidente!
Sidony concordou.
— Disse-me que seu pai o tinha enviado para educar-se
fora por que... — vacilou, mas o olhar desesperado da mãe
lhe oprimiu o coração— Porque seu pai o culpa pela morte de
seu irmão.
— OH, querida, como eu gostaria que os homens falassem
das coisas que os incomodam! Eu temia algo semelhante, mas
as vezes que tentei sugerir a milord, disse-me que não tinha
sentido. Perguntava-me como era possível que Giff pensasse
uma coisa assim, quando a ele jamais tinha lhe ocorrido isso.

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397

Insultou-me por sequer mencioná-lo assegurando que nosso


filho não podia pensar o mesmo.
— Mas se essa não foi a razão...
— Não entende? Meu marido tinha mantido Bryan em
casa, embora tivesse recebido várias ofertas de educá-lo em
outro lugar. E temia havê-lo criado mal, pois tinha se
convertido em um garoto tão teimoso como Giff é agora. Só
precisava lhe dizer que não, para que fizesse exatamente o
contrário. Por isso meu marido disse que não devia cometer o
mesmo erro com o Giffard. Por isso o enviou com meu irmão
em Loch Hourn. Se não o fazia nesse momento, temia não
deixá-lo ir nunca. E já tinha prometido que o enviaria para
Dunclathy para treinar como cavalheiro.
— Giff continua pensando que poderia ter salvado Bryan
se tivesse gritado a tempo - acrescentou Sidony com
cuidado— . Culpa-se pela sua morte.
Lady MacLennan franziu o cenho.
— Tentei lhe explicar que eram duas crianças, que não
tinha sido mais que um trágico acidente. Mas meu marido
estava tão arrependido que não disse nada. E nas poucas vezes
que Giff voltava para casa, nunca queria falar do passado.
Meu marido acredita que guardava rancor porque não queria ir
para Loch Hourn, mas preferiria morrer antes de demonstrar
seus sentimentos para seu filho. E agora que o penso —
acrescentou a dama, pensativa— , Giffard é tão parecido com

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398

seu pai que se zangará com você por haver me contado tudo
isto. Temos que fazer um acordo, querida.
— Possivelmente não seja tão difícil, milady — respondeu
Sidony— . Talvez só tenhamos que sugerir a nossos maridos o
que acham que um pensa do outro. Então, quando se
encontrarem em Chalamine durante o casamento, cada um
verá...
Fez uma pausa significativa e abriu as mãos.
— É uma excelente ideia — exclamou sua anfitriã— .
Agora me pergunto quanto Giff demorará em retornar aqui.
Deve ter passado mais de meia hora.
— Se me permitir estive quase uma semana dando voltas
nesse navio, e gostaria de dar uma caminhada. Garanto que
Giff ficará tão ansioso em me trazer de volta que retornará
comigo muito mais rápido do que se enviarmos alguém para
buscá-lo.
Lady MacLennan riu com alegria.
— OH, querida, será um prazer ter você como filha.
Sidony desceu rapidamente ao salão e depois foi perto da
porta que dava ao mar. Ali alguém a deteve, até que explicou
que lady MacLennan a tinha enviado para procurar sir Giffard
para o jantar.
O guarda sorriu.
— Bem vinda a Duncraig, lady Giffard.
Sidony agradeceu e seguiu adiante. Seu novo nome lhe
agradava, «lady Giffard — repetiu para si mesma— soa

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399

bem». Na aparência, o Dragão das Ilhas tinha sido


abandonado, embora houvesse lanternas acesas na enseada.
Deu a volta na doca, que tinha forma de ferradura, para a popa
do navio, e viu que a escotilha estava aberta. Assumiu que
Giff e outros tinham ido procurar provisões.
— Milady, o que está fazendo aqui sozinha?
Sidony se sobressaltou.
— Meu deus, Jake, quase me matou de um susto! O que é
que você está fazendo aí? — perguntou-lhe, contrariada— .
Onde estão sir Giffard e outros?
— Meu pai está aí adiante na cabine, falando com um
marinheiro de Duncraig — Jake apareceu pela adega de
popa— . Os outros se foram com sir Giff procurar algumas
coisas.
— E você o que faz aí?
— Esta caixa — apontou o menino, encolhendo os
ombros— . Me perguntava o que havia aqui dentro.
— Não tentou de abri-la, não é? — perguntou com o cenho
franzido.
— Não, nunca faria algo assim — afirmou, com ar
virtuoso.
Sidony, que conhecia exatamente essa expressão, era a
mesma que tinha sua irmã Sorcha quando estava a ponto de
cometer alguma tolice, voltou a repreendê-lo com seriedade.
— O que é que você fez?

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400

— Só coloquei um dedo para ver o que era — confessou


Jake, olhando com ansiedade ao seu redor, como se temesse
que alguém mais se aproximasse— . Toquei algo muito suave,
como esculpido ou algo assim. O que acredita que poderá ser?
Sidony não podia imaginar-se o que era, mas acendeu sua
curiosidade.
— me mostre onde colocou os dedos.
— Terá que entrar aqui dentro.
Quando Sidony abaixou, mostrou-lhe um bom buraco na
madeira de um lado da caixa.
A jovem tocou a superfície esculpida. Também se deu
conta de que as bordas do buraco na madeira estavam
grosseiras.
— Jake, não pode andar bisbilhotando por aqui. Já sabe o
que sir Giff faria se o descobrisse.
— Sim, mas você não vai contar, não é?
Já ia propor um pacto de cumplicidade, quando ambos
escutaram uns passos que se aproximavam. Rapidamente,
afastaram-se para a doca, exatamente quando Giff aparecia na
popa com outros quatro homens.
— Que diabos está fazendo aqui?
— Sua mãe me mandou para te buscar para o jantar -
respondeu Sidony— . A escotilha estava aberta, assim entrei.
Não conhecia ainda esta parte do navio, e Jake estava me
mostrando.

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401

Consciente de que estava mentindo, Sidony não se atreveu


a olhar ao Jake, mas Giff só se concentrou no menino.
— Não percebi o tempo passar. Fecharei esta escotilha,
rapazes, e enquanto janto enviarei algo para comer aos que
fiquem aqui de guarda. Terminaremos isto na minha volta.
— Creio que estava carregando mais provisões — disse
Sidony enquanto saíam juntos da enseada, seguidos por Jake,
o capitão Maxwell e outros dois— . Meu pai poderá fornecer
mais se precisar.
— Você acha? Eu ficaria muito grato - respondeu Giff.
— Realmente tem que voltar aqui embaixo esta noite? Já é
tarde.
— Sim, querida, eu devo fazê-lo. Mas não precisa me
esperar. Eu não gosto disso — acrescentou depois rindo,
quando Sidony se mostrou decepcionada— . Se adormecer, a
despertarei quando voltar.
Depois do jantar voltou para doca, e embora Sidony
desfrutasse de falar com lady MacLennan e estivesse ansiosa
por conhecer suas duas filhas, Giff ainda não tinha retornado
quando a anfitriã declarou que era hora de retirar-se aos seus
aposentos.
— Será melhor que durma assim que possa, deve descansar
antes de zarpar amanhã.
Mostrou-lhe o quarto que ela e Giff compartilhariam,
assegurou-se de que Sidony tivesse tudo o que necessitasse,

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402

incluindo os serviços de uma donzela, e depois lhe deu boa


noite.
Sidony estava adormecida quando Giff voltou, mas fiel a
sua palavra, ele a despertou ao entrar. Fizeram amor
rapidamente, mas com muito prazer, e depois de um
momento, Sidony estava deitada, contente, apoiando a cabeça
sobre o ombro dele, perguntando-se o que lhe proporcionaria
o futuro.
— O que era o que estava fazendo na adega de verdade? —
perguntou ele em um murmúrio.
Sidony se esticou, cheia de culpa.
— Já... já lhe disse isso.
— Não, querida, não me disse a verdade. Saltou como se te
tivesse atirado uma flecha.
— É certo, mas se eu digo isso...
— Nada de negociações, moça. Agora estou satisfeito, mas
se não me diz isso, logo me zangarei, e você não quer que isso
ocorra.
— Vou disser, mas a culpa foi minha, não do Jake —
esclareceu preocupada— . Queria saber o que havia na caixa.
E havia um buraco na madeira, assim coloquei o dedo lá
dentro.
— Qual dos dois encontrou o buraco?
— Foi minha culpa, sir.
— Então foi Jake quem o encontrou. Mentiu mais uma vez
para protegê-lo, moça. Não volte a fazê-lo.

GRH
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403

Sidony começou a zangar-se.


— É só um menino. Além disso, é exatamente igual a você.
Gosta de correr riscos sem prestar atenção às conseqüências
de seus atos.
— Então tem que me ajudar a educá-lo, para que não se
converta em um imprudente como eu.
— O que eu acho é que Jake o admira e quer ser como
você - disse— . Assim tem certa responsabilidade em lhe dar
um bom exemplo, mas como, sir, parece excluir a opção de
castigá-lo por um comportamento que se parece tanto com o
seu.
Giff ficou em silencio por um momento.
— E se você mentir para mim há algo que impeça seu
castigo pela mentira? — perguntou-lhe, com um tom pouco
conciliador.
Sidony tragou saliva. Tinha mentido para proteger ao Jake.
Não podia se lembrar de ter feito algo parecido antes, nem
sequer quando Sorcha a arrastava para suas travessuras e seu
pai as pegava.
Giff a beijou com suavidade.
— Não volte a fazer querida - murmurou devagar— . Um
homem deve poder confiar em sua esposa.
Inclinou-se para lhe tocar os seios, mas ela resistiu a aceitar
as sensações que ele inspirava em seu corpo. Embora estivesse
aliviada, queria saber só mais uma coisa.

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404

— Essa caixa não contém um montão de jóias nem nada do


que disse, parece uma tabua de mármore. Vai me dizer
finalmente do que se trata?
— Irei fazê-lo, tão logo saiba que está em um lugar seguro.
— Já descobri para onde o leva.
— Como?
— Disse-me isso esta noite, quando me noticiou que me
deixaria na casa de meu pai.
— Pois então sou tão ruim no assunto de guardar segredos
como no resto. A partir de agora, todos nós devemos ter mais
cuidado.
Sidony concordou com ele. Mas a atenção de Giff tinha
passado de seus seios a outras partes de seu corpo, e logo ela
também se esqueceu das demais preocupações.
Depois, ficou adormecida, e parecia que não havia
decorrido nenhum tempo quando ele a despertou e disse que
se apressasse para partir. Já estava vestido. Saiu para tomar o
café da manhã e ocupar-se dos preparativos para partir.
Ela também se vestiu rápido, com um vestido xadrez de
seda e o casaco de camelina. Então deu instruções à donzela,
para que empacotasse tudo e enviasse ao navio. Encontrou a
sua anfitriã sozinha na grande mesa do salão.
— Tenho um presente para meu filho — anunciou lady
MacLennan— . Pensei em dar para ele, mas será melhor que
você o faça por mim — lhe estendeu um rolo de tecido— . É
um estandarte dos MacLennan para seu navio. Donnie

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405

Murchie me disse que só leva uma bandeira nórdica. Deve ter


uma verdadeira dos MacLennan para desdobrar, no caso de
que alguém das Ilhas o desafie.
— Eu acho que tem uma que deve estar em seu navio, em
Galloway — calculou Sidony.
— Usa uma bandeira pessoal no Donzela dos Mares —
respondeu lady MacLennan— . Me disseram que é negra e
que tem só umas nuvens cinza. Mas chega de bate-papo. Deve
se apressar. Seu marido quer que chegue sã e salva a
Chalamine o quanto antes.
Sidony se despediu dela e desceu para a doca, onde
encontrou tudo preparado para a partida. Jake, ocupado em
tirar a umidade dos bancos dos remadores, olhou-a com uma
expressão acusadora, mostrando que não tinha sido poupado
de uma repreensão pela aventura da noite anterior.
Tão logo teve oportunidade, Sidony se aproximou para lhe
falar.
— Há algo errado?
— Só que me puxaram as orelhas — grunhiu— . Pensei
que não contaria.
— E não o contei - respondeu ela— . Ele percebeu ontem à
noite de que tinha mentido, e me perguntou se você tinha feito
o buraco. Não se pode esperar que os amigos mintam uns
pelos outros, Jake, e eu não deveria ter mentido por você.
Tentarei não voltar a fazê-lo.
— Ele também se zangou com você, então?

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406

Sidony teve que reprimir um sorriso.


— Não estava contente comigo — falou no tom mais sério
que pôde— . Mas quando as pessoas fazem algo que não
deveriam, a atitude honrada é aceitar a responsabilidade. Se
não quiser aceitar algo, Jake, geralmente é porque sabe que
está equivocado.
— Isso é verdade — concedeu o menino— . É também
porque uma vez que aceita, lhe deixão o traseiro muito
vermelho e esquentam suas orelhas com repreensões.
— Tem as orelhas cheias de repreensões, Jake? —
perguntou divertida.
O menino encolheu os ombros.
— É melhor que volte para minhas tarefas, milady. Aí vem
ele.
Jake se dedicou a secar os bancos, e Sidony se virou para
saudar Giff.
Chegariam ao Chalamine antes do meio-dia, se
encontrassem cavalos disponíveis para fazer a última meia
milha da baía do Glenelg até o castelo.
Mas logo que estavam entrando em Loch Alsh de Inner
Sound, viram duas galeras que se aproximavam a toda
velocidade em direção deles.
Sidony temeu que Fife os tivesse encontrado, mas logo viu
que os navios pertenciam às Ilhas. Olhou ao Jake e lhe fez
gestos para que se aproximasse. Então entrou novamente na
cabine e procurou o estandarte de lady MacLennan.

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407

— Leve a sir Giffard - pediu— . Diga que é um presente de


sua mãe.
— Esses dois navios não são os que nos perseguiam antes?
— Não, são galeras das Ilhas. Não vê como levantam água
nos lados? Vêm muito rápido, assim não se demore.
De pé sobre a cabine de proa, agarrado ao mastro do frente,
Giff estudava as naves, para distinguir se eram amigas ou
inimigas.
— Senhor — disse Jake por trás— . Lady Sidony mandou
lhe dar isto. Disse que é um presente de sua mãe.
Giff se apressou a pegar o rolo, abriu-o e sentiu uma
emoção inesperada. Encheu-se de orgulho e gratidão ao ver o
estandarte familiar, vermelho e branco, com o coração
bordado no centro.
— Sabe o que é isto, Jake?
— É um estandarte de guerra.
— É o estandarte MacLennan — o corrigiu— . Você
gostaria de vir comigo e me ajudar a pendurá-lo no mastro de
proa, para que esses navios que vêm possam vê-lo?
— Claro! — exclamou o menino, entusiasmado. Antes de
começar a trabalhar, perguntou-lhe— : Não segue zangado
comigo, não é?
Giff lhe despenteou os cachos já bastante despenteados.
— Mereceu a reprimenda, menino, mas eu sinto muito que
seu pai o tenha escutado. Não queria que ocorresse. Era um
assunto entre homens, só entre nós dois.

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408

Jake ficou firme e elevou o queixo, em um gesto que Giff


reconheceu como próprio de Sidony.
— Mas a culpa foi minha. Meu pai só fez o que você tinha
advertido que faria se bagunçasse outra vez.
— Isso é certo — exclamou Giffard, impressionado por
sua lucidez— . Segura bem o estandarte, enquanto amarro
estes laços ao mastro.
Rapidamente, Giff atou os laços do estandarte a umas
argolas no mastro de proa. Os navios estavam perto o bastante
para distinguir as bandeiras de Ranald das Ilhas.
— Que é tudo isto? — murmurou para si.
— É Ranald! — exclamou Sidony abaixo.
— Sim, mas esperava me encontrar com ele em Eigg.
Pergunto-me o que está acontecendo.
— Devo voltar para a cabine de popa? — ela perguntou.
— Não, não temos nada a temer de Ranald. De fato,
podemos considerá-lo como reforços se nos encontramos com
o Fife antes que a leve a casa.
Giff se virou para trás e levantou a mão para que Maxwell
estivesse avisado
— Segurem os remos! Segurem os remos!
A Sidony fascinava ver como subiam os remos e como
ficavam as pás paralelas à água. Era uma bonita imagem,
como o estandarte dos MacLennan pendurando na proa.

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409

— Afundar os remos! — exclamou Giff quando a galera se


aproximou deles. Um momento depois, os dois navios
estavam à mesma altura, a só um remo de distância.
Dois homens de Ranald penduraram uma passarela entre
ambos, e como um gato, Ranald das Ilhas, embora tivesse
sessenta e quatro anos, subiu por ela e avançou para o Dragão
com tanta habilidade como teria feito um homem com
quarenta anos a menos.
Os remadores se separaram para que pudesse descer entre
os bancos, e logo avançar para a coberta, onde Giff saiu a seu
encontro.
— O que é o que lhes traz por aqui, milord? — apertou-lhe
a mão— . Pensava me encontrar com você hoje mesmo na ilha
de Eigg.
— Não funcionará, moço — respondeu Ranald— . Donald
sabe que estão em caminho, por isso saí antes para avisá-lo
disso, mas é tudo o que posso fazer. Deu-me a ordem de não o
ajudar e de não deixá-lo partir antes que fale com você.
— Falar comigo! O que é tudo isto? Você fez um
juramento!
Ranald elevou uma mão para silenciá-lo.
— Sei muito bem que está zangado comigo, mas como um
homem de honra, não podia mentir a meu irmão em uma
situação como esta.
— Que situação? — questionou-o Giff— . Por Deus,
milord, tínhamos um acordo.

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— Ainda existe esse acordo — reparou que toda a


tripulação o escutava com expectativa— . Têm um lugar mais
reservado onde possamos falar?
Giff o conduziu para a cabine de proa e fechou a porta.
— Com todo respeito, sir — disse Giff, um tanto brusco—
, mas de que diabos se trata tudo isto?
— Você sabe muito bem que o grande almirante das Ilhas,
Lachlan Lubanach, desenvolveu um sistema para obtenção de
informação inédito nesta área.
— E então?
— Assim foi como Donald soube que um navio com
bandeira nórdica tinha entrado em suas águas, perseguido por
outros que ostentavam o estandarte real. Deu-me ordem de me
unir a ele para enfrentar a você e lhes pedir explicações do que
estava fazendo aqui. Assegurei-lhe que vinham em condições
amistosas, para ver-me em Eigg.
— O que foi exatamente que você disse? — exigiu Giff.
— Só que estavam me trazendo algo de muito valor para
que eu o guardasse. Não mencionei a Ordem, porque ele não
sabe nada a respeito. Mas Donald insiste em que quer vê-lo,
seja o que for.
— Pois não o verá, a menos que vocês pretenda nos deter
aqui e trair a Ordem e o juramento que fez a seus membros -
sentenciou Giff.
— Jurei fidelidade ao Donald também, e, além disso, ele é
meu irmão. Fui eu quem o pôs no trono como sucessor de

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nosso pai. Nenhum homem de honra nem de bom senso


procurará desafiar uma ordem expressa dele neste momento.
Além disso, isso só teria servido para fortalecer sua intenção
de interceptá-los.
Giff deixou escapar um suspiro. Entendia o dilema de
Ranald, mas se Donald se inteirasse de suas ações arriscaria a
segurança da Pedra do Destino.
— Não lhe direi nada mais do que me pergunte —
certificou Ranald— , embora a situação não me agrade.
Tampouco os deterei, pois não me ordenou nem que os prenda
nem que os proíba de sair das Ilhas.
Giff franziu o cenho.
— Isso quer dizer que posso voltar para o norte, mas não ir
para o sul, certo?
— Sim. Se quer escapar do Donald, o melhor é que
retornem par Orkney. Sem dúvida, Henry poderá os ajudar ali.
Veja, para mim é impossível...
— A razão pela qual um navio com o estandarte real nos
persegue é que Fife está a bordo dele — Giff detalhou— .
Pensam que temos ao menos uma parte do tesouro templário
neste navio.
— E é isso o que traz?
— Não vou lhe disser nenhuma palavra sobre nossa carga
— Giff lhe disse— . Nem devem esperar que o faça. Entendo
o que ocorre com o Donald, mas ele não pode sabre o que
levamos pela simples razão que o dirá a seu tio Fife. Graças

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aos amigos de Lachlan Lubanach, você deve saber que o


conde está tentando ficar com o trono da Escócia. Só pela
debilidade do Carrick e seu desinteresse em opor-se a ele
ainda não o matou.
— Sei — aceitou Ranald— . Mas o Parlamento ainda tem
o direito de decidir sobre o assunto, e Donald acredita que Fife
conseguirá persuadir a suas líderes para que aceitem sua
candidatura, em lugar de pôr Carrick no trono. De fato, muitos
já acreditam que o conde fará melhor o trabalho que Carrick.
— E vocês acham que faz parte do trabalho de um homem
honrado ajudar a que isso ocorra?
— Eu não tenho nenhuma intenção de fazê-lo, mas Donald
me proibiu de entrar em batalha contra Fife, sem importar a
razão.
— Assim fui traído duplamente — concluiu Giff— .
Vocês fizeram um juramento à Ordem, acima de qualquer
outro compromisso — repetiu— . Seu pai, o lorde das Ilhas,
fez o mesmo juramento. Nenhum desses votos significa nada
para você?
Ranald olhou para um lado e ficou em silêncio. Giff
sacudiu a cabeça.
— Vejo qual é seu dilema. Espero que vocês entendam o
meu. Por favor, não se demorem em retornar a seu navio —
de repente lhe ocorreu semear a semente da dúvida em
Ranald— . Devem saber — acrescentou— , que talvez Fife
não esteja no comando desses navios.

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— É obvio que é Fife. Por não?


— Nenhum dos navios com os que vem lhe pertence -
assinalou Giff.
— Escutamos que mandou construir um muito bom.
— E você está a bordo dele — MacLennan fez um gesto
amplo, abrangendo toda a nave.
— Este? Aqui? — balbuciou— . Este é o Rainha Serpente?
— Sim — respondeu Giff, orgulhoso— . Tomei
emprestado, porque Fife se desfez do navio que eu tinha
alugado em Leith. Também como uma forma de atrasá-lo em
sua saída, mas alguém lhe forneceu muito rápido oito navios
para me perseguir. Parece-me estranho que um homem com
semelhante poder responda ao lorde Fife. Sugira isso ao
Donald quando falarem do assunto.
Escutaram uns gritos e saíram à coberta. À distância, do
sul, aproximava-se uma grande frota diretamente para eles.

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Capítulo 21

Giff e Ranald repartiram ordens a seus homens. Logo, os


dois navios se afastaram, um retrocedendo e o outro com os
remos empurrando para frente. Em poucos minutos, com a
vela cheia, o Dragão das Ilhas se dirigia de volta para Inner
Sound.
Quando saíram de Kyle Akin, a estreita passagem entre o
Loch Alsh e o Sound, Giff soube que os guardas de Duncraig
o veriam, mas sem perceber que os estavam perseguindo. E
quando por fim o notassem, já seria muito tarde.
Possivelmente outros também o veriam; mas se Donald os
tinha enviado por MacLennan de Duncraig, estaria
enfrentando também outros nobres. Em qualquer caso,
ninguém podia esperar que qualquer homem das Ilhas que não
estivesse ameaçado pelo lorde principal atacasse ou
defendesse a alguém a quem ele estivesse atacando.
— Donald nos persegue? — perguntou-lhe Sidony.
Giff se sobressaltou.
— Não sei — respondeu, tentando soar convincente— .
Não acredito. Ranald fará tudo o que possa, e tem muita
influência sobre o Donald. Acredito que o persuadirá de que
não sou uma ameaça, e nos deixarão ir em paz. Estou mais
preocupado com Fife.

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Sidony estava olhando mais à frente, e de repente sua


expressão mudou. Giff deu a volta e viu dois navios que saíam
de uma enseada da parte mais estreita da passagem.
— Esses são os navios do Fife, não é? — assinalou
preocupada.
— Maldição — pela primeira vez desde seus dias de
treinamento sentiu um calafrio de medo..., medo por sua
esposa. Os navios estavam muito perto para que ele pudesse
levá-la de volta a Duncraig.
— Se Duncraig for inatingível
— Não há tempo para isso, querida — a interrompeu,
tentando parecer calmo.
— Nem sequer para que nos escondamos todos lá dentro?
Sei muito bem que quer proteger a mim e a sua carga, mas
todos nós...
— Quando disse que não havia tempo, referia a todos nós.
Lembre-se que esses navios são mais leves que o nosso e
muito mais rápidos. Além disso, o vento nos chega de
estibordo, algo que também os favorece. Estarão sobre o
Dragão antes que possamos ancorar no cais.
— E então o que...
— Preciso pensar não falar — a interrompeu— . Quero
que vá a sua cabine com o Jake e que tranque a porta. Quando
começar o combate, ambos se esconderão no buraco onde te
encontrei e fecharão o alçapão. Ficarão ali até que eu vá
buscá-los.

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— Não, não penso...


— Vai fazê-lo, ou quando isto acabar, juro que te ensinarei
a me obedecer de uma forma que você não gostará —
ameaçou em tom brutal, aterrorizado pelas imagens que lhe
passavam pela mente.
Sidony não disse uma palavra mais e partiu.
Embora Giff não tivesse desejado outra coisa que chamá-
la, abraçá-la, apertá-la contra ele e lhe assegurar que tudo
estaria bem, limitou-se a vê-la partir. Então observou que
Sidony chamava Jake para que se unisse a ela.
Satisfeito em pensar que estariam a salvo até que ele
houvesse ganhado a batalha, e tratando de persuadir-se de que
nem Fife nem De Gredin — se por alguma circunstância
saíam vitoriosos— teriam motivos para fazer machucar a ela
ou ao Jake, distribuiu suas ordens ao Maxwell e à tripulação.

— Que diabos aconteceu? — perguntou Jake a Sidony


quando ela fechou a porta da cabine— . Não quero ficar aqui.
Quero ver o que acontece fora. Já sou grande para brigar, além
disso, precisam de mim — acrescentou depois, orgulhoso.
O menino apenas lhe chegava ao ombro do Sidony.
— Lamento Jake — ela lhe afagou as costas— . Tem
razão, mas se começarem a brigar, eu ficarei aterrorizada. E o
necessitarei então. Sir Giff disse muito amavelmente que
posso ficar com você, porque fez um bom trabalho me

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protegendo durante a tempestade. Mas se de qualquer maneira


se quiser ir e dizer que prefere brigar, você decide o que é
melhor.
Jake perfurava a porta com os olhos como se pudesse ver
através dela. Logo se voltou para Sidony.
— Acho que ficarei — decidiu em tom leve— . Assim
você não irá ter medo por nada.
A jovem sorriu agradecida, agora vinha o pior. Tomou ar e
informou:
— Quando começar a luta nós devemos nos esconder nesse
pequeno buraco onde me encontraram.
Jake abriu bem os olhos.
— Mas aí abaixo está cheio de fantasmas!
Na verdade, ela também temia retornar a esse lugar
asfixiante e escuro.
— Não precisamos fazê-lo até que comece a batalha.
Possivelmente a idéia não seja tão ruim quando chegar o
momento.
— Não acredito — Jake contestou com firmeza, os olhos
cravados no alçapão. Logo, inesperadamente, dirigiu o olhar
para a vigia, por cima da mesa— . Acha que dá para ver os
navios por este buraco?
— Não acredito. Eles vêm de estibordo. Além disso, se seu
pai te descobrir...

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— Não, não vai me descobrir porque estará concentrado


nos navios — rebateu o menino— . Mas um dos remadores
poderia me ver, suponho. Embora...
Olhou para a outra vigia, como se planejasse alguma coisa.
A verdade é que ela também queria saber o que estava
acontecendo. O lógico teria sido abrir a porta da cabine, mas
não queria que Giff se zangasse com eles, nem tampouco
distraí-lo da batalha que se aproximava, e muito menos
quando já houvesse começado.
— Você poderia olhar por aquele ali? — perguntou Jake—
. É mais alta que eu.
Sidony abriu a portinhola e o segurou na parede.
— Posso ver para frente. Mas a visão é limitada.
— E se me subir aí acima? Poderia olhar para fora se você
me segurar.
Não estava certa de que a prateleira fosse forte o bastante.
«Acima os remos!», de repente Giff gritou enquanto os outros
misturavam suas vozes, irreconhecíveis. Finalmente, a
curiosidade ganhou da cautela.
— Vamos tentar — aceitou ela entrelaçando as mãos— .
Mas tome cuidado. Pode ser que seja muito fraco para o
sustentar.
Jake apoiou um pé nesse estribo improvisado. Quando ela
fez força para levantá-lo, os gritos de fora aumentaram e o
navio inteiro se converteu em minha cacofonia de ruídos e
golpes, sacudindo-se com violência.

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Jake tinha a mão posta no aro da vigia, assim quando


Sidony o soltou para não bater de cabeça contra umas caixas,
o menino caiu com desenvoltura surpreendente sobre seus
próprios pés.
Ao levantar-se, Sidony viu a proa de um dos navios que se
aproximava e se apressou a fechar a portinhola.
— Alguém o viu?
— Não, e eu também não vi ninguém - confessou ele,
indignado— . Por que me deixou cair assim, como um saco de
areia?
— Sinto muito, não pude evitá-lo. Eles não devem nos ver,
Jake. Basta pensar que alguém poderia nos usar para ameaçar
ao Giff e conseguir a rendição o navio.
— Não vai me por nesse buraco, não, não, não, senhor.
— Eu vou abri-lo — propôs ela— . E se mudarmos de
idéia, ou se alguém tentar derrubar a porta com um golpe...
Deixou que Jake imaginasse o resto.
O menino assentiu e foi abrir a alçapão, quando a batalha
estourou como um vulcão lá fora.

Até esse último momento, Giff tinha mantido a esperança


de que Fife e De Gredin não se atreveriam a atacá-lo nas
águas de MacDonald. Mas os dois navios tinham rodeado ao
Dragão e quase não tinha dado tempo para os homens

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levantarem os remos. Depois, usando ganchos especiais,


tinham começado a aproximar os navios entre si.
Os melhores guerreiros de Giffard estavam se localizados
na proa, com as espadas na mão. Quando ele desembainhou a
sua, notou que os outros tinham arcos e flechas, pedras,
qualquer coisa que tivessem lembrado de carregar a bordo e
que servisse de arma. Mas no final das contas, dependeriam
das espadas e da batalha corpo a corpo. Sua tripulação
respondia aos Sinclair, eram profissionais. Estavam tão bem
treinados como os seus homens e como ele mesmo.
Com a espada erguida, subiu rapidamente em um banco e
foi saltando para a popa onde tinha visto o navio a bandeira
dos inimigos, procurando pelo conde ou por De Gredin. Já
tinha abatido a três de seus inimigos sem descobrir onde
estavam seus chefes.
Rob, o homem mais habilidoso com a espada que ele
conhecia, havia dito uma vez que o conde também era bom, e
Michael lhe tinha avisado que não subestimasse ao Chevalier.
Mas não havia sinal deles em nenhum lugar. Perguntou-se
então se não estariam no outro navio.
Os inimigos o mantinham entretido. Mas seus rapazes
também faziam um bom trabalho. Hob Grant estava brigando
com dois do segundo navio e Watt Maxwell brandia sua
espada como um demônio. Sorriu ante a imagem, pensando
em seus antigos temores sobre a fidelidade do capitão.

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Embora os outros os superassem em número, os homens de


Giff tinham a vantagem de que o corrimão do Dragão era três
vezes mais alto que o dos outros navios. Enquanto pudessem
ir diminuindo seu número, teriam alguma possibilidade de
ganhar.

Sentada na cama inferior, cobrindo as orelhas e com o


rosto para o chão para acalmar os nervos, Sidony notou que
Jake subiu na prateleira e que estava a meio caminho, de
cruzar a vigia.
Ficou de pé de um salto, apanhou e puxou ele.
Os olhos de Jake estavam iluminados de entusiasmo.
— Estão lutando ferozmente, milady, e quase consigo tocar
o mastro de popa. Devia havê-los visto!
— Alguém viu você?
— Não, estavam muito ocupados esquartejando homens -
comentou o menino.
— Jake, por favor, me poupe dos detalhes.
— Sinto muito, milady. Voavam pedras e flechas, e
puseram os navios juntos, lado a lado. Acho que como o outro
navio fez o mesmo, e vão saltando de um navio para o outro.
— Viu Giff?
— Derrubou a dez com um só golpe de sua espada.
— Dez?

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— Possivelmente não tantos, bom, mas uma boa


quantidade. Vou olhar de novo... A menos que você queira
olhar — acrescentou Jake, com uma generosidade um pouco
forçada.
Sidony teria gostado de ver a batalha, mas sacudiu a
cabeça. Se o inimigo descobria ao Jake, era difícil que
fizessem algo, mas se a viam ela... Fechou os olhos diante
daquela idéia.
Jake retornou para a vigia, colocou meio corpo fora, mas
retornou imediatamente.
— Milady, sua senhoria está aí.
— Refere à lorde Fife?
— Está jogado, encolhido junto a uma das caixas de proa
do outro navio. Parece um menino escondido esperando seu
pai que foi pegar o cinto. Tem os braços sobre as orelhas só
que... Acho que tem as mãos atadas.
Sidony tinha escutado falar da covardia de Fife na água,
mas nunca que fora um covarde na batalha, um mau
estrategista, e sim, mas muito habilidoso com a espada.
— Não podemos fazer nada para ajudá-lo, Jake.
Possivelmente deveria voltar para dentro.
— Quase posso tocar o mastro de popa deles. Se você me
segurar, posso chegar até ele. Tenho certeza que posso. Ele foi
amável comigo. Não quero que os vilões o matem.
— Matarão a você em seu lugar. Não pensou nisso?

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— Mas ninguém está olhando! E nem vão se importar com


o que eu faça. Está todo mundo muito ocupado, salvando a
pele. Irei ajudá-lo!
Jake deu a volta e estava a três quartos do caminho quando
ela reagiu e lhe segurou uma das pernas. Ele já tinha
conseguido passar a outra através da vigia.
O menino era bastante corpulento e se o detinha, com a
força que ele estava fazendo, poderia machucá-lo. Deixou-o ir
e subiu no banco junto à mesa, com a intenção de ajudá-lo a
sair, mas não se atrevia a por a cabeça. Só viu que deslizava
até o mastro de popa do outro navio e descia do outro lado.
A jovem ainda podia ver o seu torso.
Nesse momento deu a volta e apontou algo. Levou um
momento para interpretar o que estava dizendo. Referia-se à
porta da cabine. Não poderia retornar de nenhuma outra
maneira. Segundos depois desapareceu certo de que ela o
ajudaria.

Fife nunca havia sentido um terror semelhante. Tinha sido


já bastante aterrador despertar e descobrir que todos os seus
homens estavam mortos, e entender que ele mesmo tinha
caído nas garras de um maníaco. Os homens do Chevalier não
eram mortais, porque nenhum ser mortal poderia ter remado
tão forte como tinham remado eles e seguir lutando agora do
modo em que o faziam.

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Jogado ao lado da caixa de provisões, desamparado, com o


aroma de um fogo recém apagado que lhe entrava pelo nariz,
sua última esperança era fazê-los acreditar que ele era um
morto a mais no caos que os envolvia.
— Milord, está morto ou ainda respira?
A jovem voz soou a um lado de sua cabeça. Fife baixou o
braço com que tampava a orelha e o olho, e se encontrou
frente a frente com Jake Maxwell.
— Por todos os céus! O que está fazendo aqui, menino?
— Eu podia perguntar o mesmo, mas acredito que será
melhor sair daqui antes de começar a cacarejar como vizinhas
de aldeia - ele sorriu ardiloso, revelando sua dentição
incompleta— . Cortarei as cordas com minha adaga.
Fife não discutiu, ao contrário, parecia uma bênção do céu.
Surpreendeu-o que nenhuns dos homens, que com tanta
força lutavam a seu redor, prestassem a menor atenção a
nenhum dos dois. Mas o menino parecia tão tranqüilo como se
estivesse em sua cabana a ponto de receber o jantar.
— Preparado. Já podem ir até o Rainha Serpente. Só têm
que subir o corrimão deste navio e passar para o outro sem
problema. Acredito que milady o deixará entrar na cabine, e
eu estarei imediatamente atrás de você.
Agachado, Fife se moveu com presteza para a amurada.
Subiu ao corrimão, inclinou-se e se agarrou ao primeiro
degrau de seu querido navio. Logo fez força e passou para o
outro lado.

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Ao ver o capitão Maxwell caído perto do leme, ferido ou


morto, duvidou por um instante, mas logo se apressou para a
cabine e bateu na porta.
Apenas o escutou, Sidony tirou o ferrolho e abriu o fecho.
— Onde está Jake? — perguntou sem nenhuma cerimônia.
— Pensei que vinha bem atrás de mim. Seu pai está ferido
lá junto ao leme. Não, não vão aí fora. Já não podemos fazer
nada. Arriscaremos-nos que nos capturem.
— Mas Jake! — ela exclamou e tentou passar, mas ele a
impediu.
— Virá se puder, é um menino muito valente. Não sei por
que se atrasou. Ninguém prestava atenção em nós enquanto
me soltava.
Quando deu um passo para dentro, Sidony aproveitou para
escapulir, desgostosa por sua presença, pensando que se
Maxwell estava ferido, Jake poderia negar-se a deixá-lo
sozinho.
Jake saltou do outro navio para o Dragão e se aproximou
correndo, com ansiedade.
— Fique dentro, milady! Sir Giff dará uma surra a ambos
se nos descobrir.
Não tinha visto seu pai. Fife tinha razão, alguém poderia
capturá-los como reféns, assim pegou o menino pelo braço e
entrou com ele de novo na cabine.
— Estava te procurando, menino malcriado. Por que
demorou tanto?

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— Estava cobrindo tudo para que não notassem que sua


senhoria já não estava.
— Passe o ferrolho à porta, moça — ordenou Fife da
mesa.
Sidony obedeceu, mas sabia que não podia confiar nele,
não importava o quão mal o tivessem tratado.
— Como terminou preso assim? — perguntou-lhe
cautelosamente.
— Mataram a todos meus homens na baía de Wick depois
de que alguns de nossos navios afundaram. Devo lhes dizer
em primeiro lugar que não tenho nada que ver com seu
seqüestro, milady. De Gredin só aproveitou a oportunidade
para alcançar seus próprios objetivos. Embora me dissesse que
está a serviço do Papa, aparentemente serve a outros
interesses, muito mais vis.
— Ele disse que servia ao Papa? — ela perguntou,
espantada, mas ainda desconfiada.
— Sim, quis aliar-se comigo para encontrar algo valioso
que pertence à Igreja. No começo, mostrei-me de acordo
ajudando-o, com a esperança de encontrar também um objeto
sagrado no qual eu estava interessado.
— Entendo — murmurou, acreditando que falava do
tesouro templário, embora se perguntasse por que o tinha
denominado «sagrado».
— Esses homens são assassinos, lady Sidony. De Gredin
assegurou que todos seus homens morreriam por ele ou por

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essa terrível organização. Pensei que eu era um homem sem


escrúpulos, mas estes se chamam a si mesmos assassins.
— Nunca escutei essa palavra.
— É uma velha palavra das Cruzadas. Refere-se a um
grupo formado para matar aos líderes das tribos ou Estados
que não agradavam a seu chefe. E como a única forma de
matar a esse tipo de pessoas era morrer no intento, lhes
prometia, e lhes promete ainda hoje, grandes recompensa no
céu, inclusive só por tentá-lo. Não lhes importar se for uma
moça ou se eu for um conde. Mas neste momento, eu deveria
estar ali fora com a espada na mão.
— Não diga tolices. Os dois bandos o teriam por inimigo.

— Estava-me procurando, Monsieur?


Giff escapou de um golpe feroz antes de descobrir a De
Gredin atrás dele. O homem tinha se aproximado
sigilosamente, aproveitando o momento em que MacLennan
despachava a um oponente, para atacá-lo.
— Deveria me haver matado sem me avisar primeiro —
escarneceu Giff, e deu um salto para o lado e lhe devolveu o
ataque.
De Gredin foi ao seu encontro com sua arma, com
suficiente força para fazer que a espada de Giff retrocedesse.
— Ah, mas isso não seria tão divertido, não é?
Um grito da proa levantou outros gritos ao redor.

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— Aproximam-se uns navios, sir! — Giff escutou a voz


do Hob, e entre outras.
De Gredin se distraiu e Giff aproveitou o momento:
deslizou a espada por debaixo da mão do outro e lhe arrancou
a arma, que caiu ao mar.
— Renda-se! — gritou.
Mas o homem saltou sobre ele. Giffard, ainda com a
espada na mão, elevou ambos os braços e jogou Chevalier no
mar.
A seu redor, todo mundo observava os navios que se
aproximavam desde Kyle Akin. Um deles estava bem mais
adiantado que o resto. Giff aguçou a vista e tentou distinguir o
estandarte, com a esperança de que fosse Ranald, e não mais
problemas.
O estandarte era branco. A divisa era vermelha, um
coração com um prego no meio.
Era o estandarte MacLennan. Seu pai tinha chegado.

Sidony escutou os gritos, mas não pôde distinguir as


palavras.
Fife, ainda tentando recuperar-se de suas más experiências,
estava sentado em um dos bancos, com os antebraços
apoiados sobre a mesa, contemplando, aparentemente, suas
mãos cruzadas.
Jake subiu no outro banco e colocou a cabeça pela vigia.

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— Foi assim que o menino me encontrou? — perguntou


Fife a Sidony.
— Sim.
Depois, ao perceber que não o estava tratando com o
respeito que correspondia o seu cargo, adicionou: «Milord».
Sorriu-lhe com ironia.
— Meus inimigos considerarão esta viagem horrível como
uma lição bastante saudável para mim. Não a culparia se
pensasse como eles.
Sidony achou melhor não responder a isso.
— Chegaram uns navios, centenas de navios! — anunciou
o pequeno capitão.
— Centenas? — perguntou Sidony, duvidando.
— Bem..., muitos mais dos que vi em minha vida.
— Deve ser Donald — cogitou o conde— . De Gredin não
irá querer encontrá-lo com apenas dois navios. Os outros que
trazia afundaram ou se avariaram com a tormenta.
— Mas o primeiro traz um estandarte como o nosso, o que
deu sua mamãe a sir Giff — assinalou Jake— . E estão
pescando da água um por um aos que nos atacavam.
Sidony hesitou com a mão no ferrolho.
— Estão pescando a uma da água — o menino relatava os
acontecimentos vividamente— , ah, é o homem que veio com
você no porto naquele dia, milord.
— De Gredin — grunhiu Fife— . Espero que se afogue.

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— Bom, pode ser que se afogou — falou Jake— . O


estavam içando ao navio de onde tinha vindo, e agora separam
esse navio do nosso. Acredito que partirão tão rápido como
uma lagartixa.
Uns golpes fortes na porta fizeram que Sidony desse um
salto. Apressou-se a abri-la e se encontrou com seu marido do
outro lado. Ele a abraçou com força.
— Abriu muito rápido para alguém que estava escondida
em um buraco — ele lhe murmurou na orelha.
— Declaro-me culpada, sir — sorriu corada— . Diga-Me,
querido, esse navio com o estandarte MacLennan é seu pai?
— Acredito que vêm todos os homens das Ilhas, mas sim,
meu pai está à frente deles. Que diabos ele está fazendo aqui?
— disse Giff.
Empurrou Sidony para um lado e se enfrentou com Fife,
que tinha se posto de pé.
— Pax, MacLennan — disse o conde, lhe estendendo a
mão— . Embora ainda não saiba, devo-te gratidão por me
resgatar das garras de De Gredin. Se Jake Maxwell não tivesse
me liberado, ainda estaria amarrado no navio.
— Mais tarde me contará a história completa — disse
Giff, com um primeiro olhar ao Jake e depois a Sidony, que
não pressagiava nada bom para nenhum dos dois— . Mas
agora, milord, se realmente quer expressar vossa gratidão,
pedirei que me acompanhem para a popa. Por aqui, e depressa,
por favor.

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Fife o seguiu intrigado. Sidony e Jake foram atrás deles.


Confirmou que os dois navios que ladeavam o Dragão se
retiraram. O que estava a bombordo parecia estar com sérias
dificuldades, pois tinha muitas fendas e seus homens gritavam
pedindo auxílio. Mas o navio que conduzia De Gredin içou
velas e passou ignorando seus pedidos.
— Resgata a todos os homens que possa — gritou ao
Hob— . Aonde vocês dois acham que vão? — disse para Jake
e Sidony.
— Com você — ela respondeu com firmeza.
— Sim — disse Jake no mesmo tom.
Giff duvidou e logo disse, com um gesto:
— Jake, seu pai está ferido. Alguém o está atendendo...
O menino não lhe deu tempo de adicionar nada mais, saiu
correndo como uma lebre.
— Vêem querida — lhe estendeu a mão— . Milord, eu sou
Giffard MacLennan, e esta é minha esposa, a filha de Macleod
do Glenelg.
— Eu sei quem são sir Giffard. Aonde me levam?
— Para ver o que acredito que estive procurando -
respondeu Giff.
Sidony quase deu um grito de surpresa, mas os seguiu em
silencio para a adega de popa, para a caixa que tinha lhe
causado tanto interesse na noite anterior.
Giff ordenou aos dois homens que abrissem a adega.

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— Bem. Podem nos ver tão bem da frota do Donald como


do navio de o Gredin. Milord, eu gostaria que me ajudasse
com isto.
— O que é o que pretende fazer? — perguntou
preocupado.
— Jogá-lo no mar — declarou Giff— . Cumpriu seu
propósito, e agora eu estou casado, e não quero que o mundo
inteiro me persiga para ver o que levo neste navio.
— Mas...
— Você — apontou a um de seus homens— . Abre a caixa
para que sua senhoria possa ver por si mesmo o conteúdo.
O homem abriu a tampa da caixa com uma barra.
Sidony, que já mordia a língua, conteve agora a respiração.
— Por Deus! São só entulhos! — exclamou Fife.
— E penso em jogá-los no mar. Têm alguma objeção?
Sidony exalou, agradecida de não ter aberto a boca para
protestar.
— Nenhuma. Mas onde está...?
— Esta é a única caixa grande a bordo — esclareceu
Giff— . Tem minha palavra de que é a única carga que
poderia lhe interessar, mas pode revistar o navio se o desejar.
Quero acabar com esta farsa aqui e agora. Vai me ajudar?
— Então era tudo uma artimanha — soprou Fife,
franzindo o cenho.
— Chame como preferir. Disseram-me que você e seus
homens empregaram a maior parte do ano passado

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incomodando a muita gente. Acaso o surpreende que alguns


deles tenham querido vingar-se desta forma?
Ante a visível confusão do conde, Giff prosseguiu sua
explicação:
— Graças ao fato de você me perseguir, Donald se
interessou muito por minha carga...
— E nós que pensávamos que você o levava para o
Donald!
— Nunca tive essa intenção — confessou, divertido— .
Mas como ele soube que você seguia isso, e quis averiguar o
que levávamos. Mas eu fugia apenas do que via no horizonte,
assim agora deve acreditar no que mesmo alguma vez você
pensou. De modo que se me ajudar a atirá-lo ao mar, já não
terá motivos para andar atrás de nós. Além disso, De Gredin
acreditará que o faço para chatear a ele.
— Ajudarei— resolveu Fife, suas têmporas pulsavam— .
Possivelmente De Gredin retorne e tente tirá-lo do mar. Se
seus homens querem morrer servindo-o, que Donald os
enforque a todos.
Sidony escutou tudo em silêncio, mas agora entendia por
que Giff tinha afastado ao Jake. O menino não teria podido
conter a língua ao ver essa pilha de escombros na caixa.
— Abra essa comporta — indicou Giff ao homem que
tinha retirado a tampa— . Já estão perto o bastante para
distinguir o que é que cai.

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Uns minutos depois jogaram a caixa ao fundo do mar, logo


saíram e fecharam a adega de popa.
Já na coberta, Giff felicitou ao Fife pelo seu Rainha:
— É um navio muito bonito, milord. Suponho que vai
querer recuperá-lo.
Fife fez uma careta.
— Deveria o enforcar por havê-lo roubado, mas, a verdade
é que não quero passar mais tempo na água do que o
necessário para retornar pra casa. Além disso, como disse
antes, tenho uma dívida de gratidão com você. Talvez você,
Donald e eu possamos chegar a um acordo, para que se
mantenha aqui nas Ilhas servindo a Escócia.
— Soa justo — concordou Giff.
Nesse momento MacLennan abordou o Dragão.
— Conhece meu pai, milord?
MacLennan se adiantou para tomar a mão que Giff lhe
tinha estendido. Depois, abraçou-o forte.
— OH, moço — exclamou o homem— , quase morro ao
ver com o estandarte.
— Eu também me surpreendi ao lhe ver, sir, liderando aos
outros. Pensei que não...
— Sei muito bem o que pensou, porque sua mãe me disse
isso uma e outra vez, e acredito que ambos fomos uns tolos.
— Não se pode modificar o passado — disse, mortificado.
— Mas temos o futuro por diante, meu filho. Quanto me
arrependo pelo tempo perdido. Você não era mais que um

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menino e eu devia entendê-lo melhor. Mas quando Ranald me


informou que estava aqui para resgatar a sua senhoria...
— Me resgatar! — exclamou Fife— . Sabiam que De
Gredin me tinha prisioneiro?
— Eu imaginei — respondeu Giff, cauteloso, e com muito
tato evitou explicar que nunca tinha tido a intenção de resgatá-
lo.
— Eu sabia que você não era responsável por seu navio, e
tínhamos visto Chevalier ao seu lado. Logan de Lestalric e os
Sinclair já tinham tido más experiências com ele, e podíamos
imaginar que era bem capaz de lhe haver estendido uma
armadilha.
— Já o vejo — suspirou Fife— . Eu não gosto de atuar
apressadamente. Como mencionou que estava ao serviço do
Papa, acreditei que tinha bons motivos para cumprir sua
promessa. Agora comecei a duvidar de que sequer tenha tido
algum vínculo com Sua Santidade.
— Possivelmente nunca conheçamos a verdade — disse
Giff.
Os navios da frota do lorde das Ilhas os tinham rodeado.
Demoraram bastante em resgatar às vítimas que tinham caído
na água e que gritavam pedindo auxílio.
— Olhem isso! — gritou Jake do leme, apontando uma
nuvem negra para o norte— . Os vilões devem ter feito uma
fogueira.
— Parece um incêndio.

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— Sim, mas o fogo em um navio é muito perigoso diz meu


pai.
— É uma grande distancia para nadar até a costa. O estreito
tem quase sete milhas de largura a essa altura, e estão bem no
meio.
O rosto do Fife se endureceu.
— Sir Giffard, este jovem me salvou a vida. Uma vez me
disse que gostaria de ser capitão de navio algum dia. Se você
se ocupar de treiná-lo, o Rainha Serpente será seu.
Jake arregalou os olhos.
— Serio senhor? — não cabia em si da alegria.
— Serio - sorriu o conde— . É um bom menino e merece
uma boa recompensa.
— Mas eu...
Sidony deu ao Jake uma palmada no ombro.
— Lembra suas maneiras, Jake. Agradeça a sua senhoria, e
vamos ver como está seu pai.
— Milord, aproxima-se o bote do Donald — informou
Giff— . Estou certo de que preferirá ir com ele. Vamos
entregar nossos prisioneiros também, e ele fará o que quiser
com os sobreviventes do incêndio, se houver algum.
— Duvido que sobre alguém. De Gredin os fez esforçar-se
tanto para chegar até aqui, que não entendo como puderam
brigar como o fizeram. E depois sair remando a essa
velocidade... Não acredito que reste muita força, não importa
o quão bem treinados que estejam.

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O conde partiu imediatamente para saudar seu sobrinho.


Giff se entreteve na hora seguinte passando ao Donald os
prisioneiros e arrumando os últimos detalhes para seguir em
frente. Finalmente, reuniu-se com o pequeno grupo junto ao
leme. Maxwell estava sentado, com a cabeça e um braço
enfaixados, mas não estava muito mal.
— Me diga agora, moço, como começou esse fogo -
perguntou Giffard ao Jake, quando ficaram sozinhos.
Jake encolheu os ombros e com um ar de inocência disse:
— Meu pai me disse que foi pura coincidência.
— E como eu o chamaria? — perguntou Giff muito sério.
Para sua surpresa, o menino o olhou entusiasmado.
— Ah, sim, essa eu sei. Vocês diria que foi encontrar
brasas acesas ao lado de uma caixa cheia de estopa no
momento certo para fazer o que era necessário fazer.
Quando Sidony pôs-se a rir, Giff a abraçou pelos ombros.
— Vêem comigo, querida.
Ignorando a risada do Maxwell e o desconcerto de Jake,
Giff a conduziu até a cabine, fechou a porta e, sorrindo, a
tomou entre seus braços.
— Isto sim que é aproveitar o momento — murmurou com
voz rouca, desfrutando da forma em que ela se pegava a seu
corpo e sabendo que a amaria para sempre.

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Epílogo
No castelo do Chalamine, Glenelg,
duas semanas mais tarde.

O fogo ardia agradável na lareira do grande salão do


castelo onde todos estavam reunidos. Giff escapou por uma
porta lateral sem que ninguém o notasse.
Dois dias depois das bodas de Macleod do Glenelg com
Ealga Clendenen, a maioria dos convidados já tinha partido e
só permaneciam os integrantes da família. Mas como as irmãs
Macleod eram muito férteis, a família já havia se tornado um
dos maiores clãs das Terras Altas. Neste momento, havia
cerca de duas dúzias de seus integrantes espalhados em grupos
pelo salão, e sem seus meninos: as seis irmãs Macleod e seus
maridos, Lachlan, o irmão gêmeo de Hector Reaganach, e sua
esposa Main das Ilhas, Macleod, sua esposa, sua irmã lady
Euphemia Macleod, e a família de Giff.
Enquanto Giffard se aproximava de seu objetivo, lady
Adela virou a cabeça e o viu. Mas ele fez um sinal para que se
mantivesse em silêncio. Adela voltou para seu lugar e retomou
sua conversa com Ealga, como se nada tivesse acontecido.
Lady Cristina também lhe deu uma olhada, mas deu a volta
naturalmente, como se fosse intervir na conversa entre seu

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marido, Hector Reaganach, e sir Hugo Robison. Só Deus sabia


o que estariam discutindo desta vez, mas a Giff isso não
importava. Concentrou-se uma vez mais em seu objetivo.
Estava sentada junto ao fogo com o bordado, tão longe da
conversa como sempre quando havia muitas pessoas, e como
habitualmente, os outros ainda a consideravam invisível. Mas
seu marido não podia entender como o faziam. Ele poderia
procurá-la e encontrá-la em qualquer sala, sem nem sequer
tentar.
Também lhe tinha surpreendido ver quão rápido havia
voltado a ser a Sidony silenciosa de antes, como se o
comportamento de seus familiares regulasse o seu. Não lhe
importava que a ignorassem, sentia-se segura dentro do
murmúrio familiar. Por sorte, também estava confortável em
Duncraig, e já havia ficado bem amiga de sua mãe.
Tocou-lhe o ombro, com a esperança de não sobressaltá-la,
mas quando ela se deu a volta e lhe sorriu dessa maneira
especial em que sorria só para ele, soube que já o tinha
percebido e que o estava esperando.
Giff repetiu o mesmo gesto que tinha utilizado com suas
irmãs para que não dissesse uma palavra e lhe indicou a porta
com um gesto da cabeça. Calada, Sidony deixou de lado o
bordado, levantou-se com graça, e o seguiu até que ele se
afastou para deixá-la passar primeiro.
Giff fechou a porta e seguiu a sua esposa, que, em lugar de
esperá-lo, levantou um pouco as saias e começou a correr

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pelas escadas. Imediatamente, ele a deteve no primeiro


patamar. A jovem ficou um degrau mais acima, frente a frente,
justo à altura de um beijo, assim Giff decidiu beijá-la
primeiro.
— Sabia que viria por mim — sussurrou, lhe acariciando a
bochecha quando ele a deixou respirar.
Logo a beijou com paixão, mas quando ela quis seguir
adiante, voltou a detê-la.
— Como sabia que viria por você, senhora?
Lady MacLennan riu.
— Vi como te escapava quando Hugo se aproximou de
Hector, assim pensei que aproveitaria a oportunidade.
— Fui eu quem criou esta oportunidade — a corrigiu— .
Murmurei algo sobre um assunto urgente e escapei antes que
pudessem me apanhar em uma mais dessas discussões
intermináveis de quem deveria ter feito isto, e quando, em não
sei qual batalha.
— Estamos escapando?
— Por uma hora mais ou menos. Mas amanhã quero voltar
para Duncraig com meus pais.
— Tal como disse Adela.
— Adela? É ela a que se encarrega de tudo aqui?
— Claro. Não pode evitá-lo, e Ealga não se incomoda. Diz
que Adela lhe ensinou muitas coisas nesta semana, desde que
veio da cidade.

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— Não quero falar deles agora — lhe acariciou a


bochecha, desejando tocar suas partes mais íntimas— . Quero
fazer amor com minha mulher.
— Então agradeça que Adela nos tenha dado um quarto
privado — lhe recordou— . Com exceção de meu pai e Ealga,
os outros estão todos apinhados e separados, mulheres com
mulheres, homens com homens, e meninos com meninos.
— Estar recém casados tem suas vantagens — ronronou
ele, e se adiantou para abrir a porta do quarto privado— . E
esta é uma delas — acrescentou logo, enquanto trancava a
porta.
— Ainda não me disse o que fez com a Pedra do Destino -
comentou Sidony— . Este seria um bom momento, não acha?
Giff arqueou as sobrancelhas.
— O que faz você acreditar que eu tenho a pedra? —
perguntou-lhe, em um tom neutro.
— Lorde Fife disse que era sagrada e falou do tesouro
como algo diferente, como algo que só o Chevalier estava
procurando. Mas eu não estava certa, até que chegamos aqui
— acrescentou rapidamente— . Fiz um breve comentário
sobre a Pedra do Destino com minhas irmãs, e Sorcha me
repreendeu porque não devíamos falar sobre isso, assim que o
deduzi imediatamente.
Giff sacudiu a cabeça.

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— Rob tem razão. Manter um segredo é algo muito difícil.


O melhor será que todos nos esqueçamos do tema e esperemos
que o resto faça o mesmo.
Sidony o fulminou com o olhar.
— Muito bem — suspirou Giffard— . Bem, apesar de
tudo o que você, Henry e os outros me disseram sobre minhas
imprudências, não foi até que insistiu em sair de Girnigoe
comigo que compreendi que era verdade, especialmente no
que dizia respeito a você. A verdade é que não queria te deixar
em Girnigoe, mas tampouco podia a levar comigo e me
encontrar com Ranald. E pensando na melhor maneira de a
proteger, descobri uma forma de pôr a pedra em um lugar
seguro. É por isso que fomos até o Duncraig.
— Assim está no Duncraig?
— Não exatamente — coçou a cabeça— . E isso não
importa agora. Só precisa saber que está a salvo. Os homens
que me ajudaram serviram a minha família durante anos, e
seus ancestrais serviram aos meus ancestrais. Tenho planejado
só dizer para o Rob e o Henry o que fiz.
— Mas eu quero vê-la - ela se queixou.
— E possivelmente o faça no futuro — concedeu ele— .
Algum dia, toda Escócia a verá, quando o mundo estiver em
paz e todos os vilões estejam no fundo do mar.
Uma Escócia em paz soava maravilhoso, mas Sidony
acreditava que nunca faltariam homens desprezíveis sobre a
terra. Não enquanto seguissem lutando pelo poder e pelas

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riquezas, dispostos a matar a todo aquele que tentasse se


opuser. Sentiu um calafrio.
— Me abrace.
— Com prazer, querida.
O quente abraço de seu marido a reconfortou.
— E até te ajudarei a tirar o vestido, minha menina -
acrescentou um momento depois, com doçura.
— Já te hei dito que não sou uma menina - reclamou muito
séria.
— Vamos então para cama e me demonstre isso outra vez,
querida - respondeu ele, com um sorriso, e a beijou.
E ali foi Sidony. E minutos mais tarde, nua na cama com
ele, respondeu-lhe como na primeira vez que ele a tinha
beijado.
Quando ele a tocava, ondas de calor invadiam seu corpo.
Mas Giff podia alcançar o mesmo efeito se a olhava do outro
lado de um salão repleto ou se lhe falava em um certo tom de
voz. Sempre encontrava novas formas de despertar seu desejo.
Em poucos minutos, teve-a ofegando, acesa e úmida de
paixão.
Sidony sabia que gostava de dominá-la na cama, assim
quando ficou sobre ela e se deslizou dentro dela, limitou-se a
recebê-lo. Mas em lugar disso, ele a agarrou por trás e a virou,
com um sorriso maroto, até que ela ficou em cima dele. Logo,
com o mesmo sorriso, empurrou-a para cima.

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— Quis fazer isto desde o primeiro momento em que a vi


sobre um cavalo. Vamos ver o quão bem você pode me
montar.
Embora inicialmente se sentisse estranha e muito exposta,
logo descobriu que gostava da posição e que adorava dar
prazer a ele. Quando a paixão chegou a seu limite, se
encontrou uma vez mais debaixo dele e logo, gemendo,
vibraram juntos, extasiados e felizes.
Em seguida, com cada um deitado em seu travesseiro, Sidony
lhe acariciou o peito com doçura.
— É bom estar de volta em casa — murmurou ele.
— Mas Chalamine não é seu lar.
— Querida, minha casa é onde você estiver. Nós nos
pertencemos.
— Sim. Sua mãe quer que continuemos em Duncraig. Ela
disse que poderíamos ficar com toda a ala norte do castelo se
você quiser.
— Estou ansioso de voltar para casa — admitiu ele— .
Mas eu gostaria que jantassem com todos outros, à noite, no
salão principal.
— É por minha causa? Porque vai ficar fora durante muito
tempo?
— Não, meu amor. Se viajasse tanto, sentiria muitas
saudades da minha mulher, tão bonita e exigente. É porque
perdi o contato com minha família e quero recuperá-lo.

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Agora... — olhou-a com voluptuosidade— Está pronto para


cavalgar de novo?
— E você?
— Claro que o estou — exclamou Giff, abraçando-a— .
Nunca imaginei que eu gostaria tanto do matrimônio.

Fim

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Nota da Autora
Querido leitor:
Espero que tenha desfrutado do rei das tormentas. Quando
li que São Columba era conhecido com esse nome porque
podia acalmar os mares mais furiosos, soube que tinha
encontrado o título para este livro.
Resolver problemas que o autor se pôs no próprio caminho
pode conduzir a lugares inesperados. Isso foi exatamente o
que passou quando tive que escolher um herói para lady
Sidony Macleod. Como a mais jovem das irmãs, desde
pequena tinha sido uma sombra, silenciosa, obediente, mais
seguidora que líder, ela se converteria em uma mulher que
raramente agiria por iniciativa própria, incapaz de tomar
decisões.
De fato, ela era a antítese de minhas heroínas habituais,
muito sinceras e orientadas à ação, e por isso, necessitava um
homem que acendesse seu fogo. Queria um homem que
procurasse a ajudar a revelar sua própria identidade, mais que
um homem que pretendesse moldá-la a seu gosto. Também
necessitava um companheiro capaz de fazer Sidony ver que
era alguém com opiniões próprias, porque como muitos das
crianças mais novas das grandes famílias, ela acreditava que
devia ser como suas irmãs maiores, e tinha esquecido ou
nunca se deu conta que podia ser ela mesma.

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Entretanto, não queria que Giff lhe desse todas as lições,


porque Sidony passou a vida observando às pessoas e tinha
muito, também, para ensinar. Então fiz uma lista de heróis
possíveis que incluía alguns caracteres de John Wayne, outros
como Bruce Willis em Duro de matar e outros do estilo.
O resultado foi sir Giffard "Giff" MacLennan, um
cavalheiro templário escocês encarregado da tarefa de mover a
Pedra do Destino para pô-la a salvo nas Ilhas do Ocidente.
Giff enfrenta a tudo: sexo, vida, navegação, com energia,
impulsivamente, e completamente cativante. Toma decisões
com rapidez e não necessita de grandes reflexões. Até seus
amigos mais próximos lhe dizem que é imprudente, mas se
tem que fazer algo, age sem temor. E tampouco tem paciência
com alguém que o questione ou o critique, menos ainda uma
bela mulher que ouse fazê-lo.
Entretanto, quando o mundo atrevido dele e o plácido e
previsível mundo de Sidony se chocam, abrem-se todas as
apostas de uma nova história.
O rei das tormentas nasceu dessa e de outras sementes.
Para quem se pergunte o que aconteceu com o conde de Fife,
finalmente se converteu no High Chamberlain de Escócia
entre 1382 e 1407. Em 1389, julgando que seu pai, o rei,
estava muito velho e doente para governar embora fosse
através de um representante, orquestrou sua própria eleição
como governador da Escócia entre os nobres. O conde de
Carrick tinha sofrido um acidente pelo coice de um cavalo, o

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que debilitou também sua saúde e sua capacidade de tomar


decisões. Por isso, os nobres estiveram de acordo com a idéia
de que Fife fosse o guardião do reino até que Carrick se
recuperasse ou até que o filho mais velho de Carrick, David,
fosse capaz de assumir o trono.
Devido a isto, quando Roberto II morreu em 1390 e
Carrick o sucedeu como Roberto III, Fife se dedicou
simplesmente a seguir governando. Em 1397, quando se
reuniu o Parlamento, Fife foi nomeado duque do Albany pela
Albânia, acredite ou não, que era o antigo nome da região
entre o estuário de Forth e o rio Spey no norte. Na mesma
época, seu sobrinho David foi nomeado duque de Rothesay,
um título que até hoje mantém o príncipe Charles. Estes títulos
foram os primeiros ducados que se introduziram na Escócia.
As opiniões sobre o Fife expressas pelos Sinclair, Hugo,
Rob Logan e Giff estão bem documentadas entre a nobreza
desse período. Além disso, em maio de 1402, o Parlamento
escocês declarou que o duque do Rothesay, filho de Carrick e
herdeiro legítimo do trono, havia falecido de morte natural
depois de ter sido detido e encarcerado por Fife. Dizer que a
maior parte do país se negou a aceitar essa «morte natural» é
expressá-lo em termos muito suaves. Especialmente, depois
que Fife exigisse e recebesse um perdão absoluto da parte do
Parlamento para ele e seus conspiradores.
Carrick morreu em 1406, e seu segundo filho e agora
herdeiro (mais tarde Jaime I) foi enviado à França, mas

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capturado pelos ingleses no caminho. Mantiveram-no em


Londres como refém durante anos. Fife atuou como regente
até sua própria morte, em 1420. Assim, embora nunca fosse
rei dos escoceses, realmente dirigiu o reino, de uma ou outra
forma, durante quarenta anos.
Com respeito às aventuras do conde de Fife neste livro, é
realmente surpreendente que nenhuma vez tenham sido
mencionadas por algum historiador? Estou certa de que se
alguém lhe tivesse perguntado por que se ausentou de
Edimburgo, ele só teria dito que tinha metido na cabeça de
visitar seu sobrinho Donald e assistir às bodas de uma parenta
longínqua.
Para quem sempre sente curiosidade a respeito de minhas
fontes, a informação sobre a descrição do porto de Leith vem
de muitas, mas especialmente de uma muito interessante e
detalhada, de John Russell: The Story of Leith, na Web em
http://www.electricscotland.com/history/leith/index.htm.
Os detalhes a respeito das galeras, dos navios longos e
outras embarcações provêm também de muitas fontes, mas em
primeiro lugar de The West Highland Galley, de Denis Rixon
(Edimburgo, 1998). Os modelos para o Serpent Royal foram
os birlinn das Ilhas e os esnecca ou snekkjur.
Uma vez mais, a descrição principal da pedra veio do
Stone of Destiny do Pat Gerber (Edimburgo, 1997).
Para saber mais sobre o tesouro dos templários, volto a
sugerir as seguintes fontes: Holy Blood, Holy Grail, do

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Michael Baigent e Richard Leigh (Nova Iorque, 1982), The


Tempere and the Lodge, de Michael Baigent e Richard Leigh
(Nova Iorque, 1989), Pirates & the Lost Temperar Fleet, de
David H. Childress (Illinois, 2003) e The Lost Treasure of the
Knights Temperar, de Steven Sister (Vermont, 1999). Para
mais sobre os Assassinos, vejam The Assassins, de Bernard
Lewis (Londres, 1967).

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Resenha Bibliográfica
Amanda Scott, uma escritora
prolífica com mais de quarenta livros
em seu credito publicou no ano 2006
pela primeira vez em espanhol, com
a ajuda de Rubi- O Ateneu, o livro O
príncipe do perigo. Começou a escrever por um desafio de seu
marido. Ela tem vendido cada manuscrito que tem escrito.
Publicou sua primeira novela, The Fugitive Heiress, em 1982
e em 1986 sua novela Lorde Abberley's Némesis ganhou o
prêmio Rita na categoria Melhor Novela.
Mais de vinte e cinco de seus livros passam no período da
Regência Inglesa (1810-1820), outros se fixam na Inglaterra
do século XV e na Escócia do século XVI ao XVIII. Três são
novelas contemporâneas.
Amanda vive com seu marido e seu filho no norte de
Califórnia.

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Série Highland
1. Highland Fling (1995)
2. Highland Secrets (1997)
3. Highland Treasure (1998) – Amor de traição (2007)
4. Highland Spirits (1999)
5. Highland Princess (2004)
6. Lord of the Isles (2005)
7. Prince of Danger (2005) – O príncipe do perigo (2006)
8. Lady’s Choise (2006) – O resgate da donzela (2008)
9. King of Storms (2007) – O rei das tormentas (2009)
10. Knight's Treasure (2007) – O cavalheiro das sombras
(2008)

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