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O Cavaleiro das Sombras

MACLEOD 5

Realização/Créditos:
Tradução/Pesquisas: GRH
Revisão Inicial:
Inicial: Ana Claúdia
Revisão Final: Caroline Alves
Formatação : Ana Paula G.
Um misterioso desconhecido
reaviva a chama da paixão que lady
Adela Macleod acreditava apagada
para sempre.
Raptada durante suas primeiras
bodas e viúva apenas uma hora
depois de seu segundo casamento,
lady Adela Macleod, a noiva mais
desafortunada que tenha existido
jamais, perde toda esperança de
encontrar o verdadeiro amor… até
que em uma noite sem lua, a voz
sedutora de um estranho oculto nas
sombras e seus ardentes beijos
despertam nela um sentimento que
nunca tinha conhecido.
O cavaleiro templário sir Robert
Logan abandonou sua casa para
proteger um segredo de vital
importância para sua família e jurou
proteger o tesouro dos templários.
Rob não está em situação de
cortejar a fascinante donzela que o
cativou. Mas, mais tarde, um
assassinato força as circunstâncias.
Quando seus inimigos tratam de se
apoderar do tesouro e o governo
escocês acusa Adela de matar a seu
marido, Rob deverá defendê-la.
Juntos enfrentarão os perigos mais
temíveis para proteger o futuro da
Escócia… e o seu próprio.

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Nota da Autora
A quem se interessar, nos títulos da nobreza britânica, quero
esclarecer que sir Robert de Lestalric, embora fosse um barão e,
portanto tivesse direito a que se dirigissem a ele como «milord»,
ou «lorde Lestalric», no século XIV o natural era chamá-lo sir
Robert ou Lestalric ou sir Robert Logan de Lestalric. Isto se deve
ao fato de que no século XIV a condição de cavaleiro de sir
Robert o localizava em uma categoria distinta da de outros
nobres, ou seja, proprietários, sobretudo barões. Ao evoluir o
protocolo ao longo dos séculos, um barão Lestalric seria
conhecido lorde Lestalric ou «milord», e seus pares se dirigiriam
a ele de uma maneira informal chamando-o Lestalric.

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Nota da Revisora Ana Claúdia

Virgem mesmo após dois casamentos, a mocinha encara um terceiro com um


escocês tdb, cheio de segredos e mistérios, que além de tudo é apaixonado por
ela há muito tempo, que vai conseguir tirar o lacre da donzela e defendê-la dos
planos maléficos de um lorde ganancioso.

Nota da Revisora Caroline Alves

Uma mocinha desafortunada, após ser raptada durante seu primeiro


casamento, ficar viúva uma hora após o segundo com o mesmo noivo, se vê
casada com um mocinho cheio de segredos, mas que a defende e fascina
desde o primeiro encontro.

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Prólogo

Duas milhas a nordeste


nordeste de Edimburgo, março de 1371.

—Espero que tenha ganhado sabedoria durante os quatro anos em que permaneceu no
estrangeiro, rapaz — disse-lhe com severidade sir Ian Logan, segundo barão Lestalric.
Sir Ian estava em pé diante da enorme lareira na imponente sala do castelo de Lestalric,
seus pés bem separados e calçados com sapatilhas, seus robustos braços cruzados sobre o
peito. Um luxuoso casaco de veludo carmesim, meias de seda e joias de ouro evidenciavam
sua fortuna, assim como o cenho franzido revelava suas dúvidas.
De pé sobre um estrado próximo, seu herdeiro, William, era uma bela réplica de seu pai,
com a mesma postura orgulhosa e viril e o mesmo luxuoso aparato. Ele também olhava
com o cenho franzido a seu irmão mais novo:
—Esperamos que tenha adquirido ao menos a sabedoria suficiente para nos contar o
maldito segredo que esteve guardando desde que partiu Robbie.
—Já não me interessa sua possível sabedoria: vai nos contar, e o fará imediatamente —
rugiu o barão —É uma ordem.
O filho mais novo do barão, sir Robert, tinha dezoito anos, media um metro e oitenta e
estava em excelente forma, pois acabava de retornar após ganhar seu título de cavaleiro no
campo de batalha. Tinha chegado a Lestalric fazia duas horas, com a esperança de poder
casar-se por fim com o amor de sua vida e sabendo que necessitava a aprovação de seu pai
para fazê-lo. Mas não podia obedecer a ordem de sir Ian.
Os três homens tinham os cabelos escuros, olhos castanhos e se pareciam muito entre si,
embora Rob fosse o mais alto de todos; seus ombros eram mais largos e seus quadris mais
estreitos que os dos outros dois homens. Separava-os apenas um tapete de reduzidas
dimensões sobre o chão, mas quatro anos e dezenas de confrontos similares a este se
interpunham entre eles.

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Rob ainda vestia suas calças sujas pela viagem e suas botas enlameadas. Distraído,
esfregava o singelo anel de ouro de seu dedo esquerdo enquanto pensava em como
responder.
—E bem? —perguntou-lhe sir Ian —Fiz uma pergunta. Qualquer homem leal a esta
família a responderia imediatamente.
—Já lhe disse pai — interveio Will —Ele mal tinha treze anos quando partiu e só
pretendia nos provocar. Por que nosso avô teria revelado algo a ele e não a nós? O avô
sempre afirmou que nunca diria nada importante a Rob.
—Cale-se, Will! —ordenou-lhe sir Ian sem afastar o olhar de Rob —Não me ouviu dizer
faz um momento que o Alto Administrador logo se coroará rei dos escoceses?
—Ouvi — assentiu Rob —Não sei o que isso tem a ver comigo, embora suponha que
todos presenciaremos sua coroação na abadia de Scone.
—E não tem nada a dizer que possa aumentar o esplendor da cerimônia?
—Não, senhor, o que poderia saber eu a respeito da coroação do rei?
—Então seu avô não te deu nenhuma informação útil a respeito?
—Transmitiu-me uma grande quantidade de informações úteis — reconheceu o jovem
—Entretanto, falava mais dos velhos tempos em Lestalric, das cavernas onde se escondiam
e de como zombavam dos invasores ingleses, roubando suas provisões e coisas do gênero.
Sem dúvida deve ter-lhe contado as mesmas histórias, e também a você, Will. —Rob
contemplou a seu irmão mais velho, que ainda tinha o cenho franzido, e adicionou —Peço
perdão por minhas fanfarronadas daquele dia, Will. Mas me fez ficar zangado. Além disso, o
avô contou a você as mesmas coisas, ou não?
—Sim, mas não estamos falando de brincadeiras para chatear aos malditos ingleses. Que
segredos de família sabe? O que sabe deles?
Rob sacudiu sua cabeça.
—Suponho que se houvessem segredos de família, passariam de nosso pai a seu herdeiro
junto com o título, portanto, a você. Sem dúvida, ninguém poderia me confiar assuntos
desse tipo. Tenha presente, além disso, que nosso avô morreu dois meses depois de me
enviar a Dunclathy.

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—Então não contou a você que seu pai e seu tio eram amigos de Bruce — balbuciou o
barão —Tampouco contou o que fizeram por ele?
Rob franziu o cenho.
—Eu sei que meu bisavô, sir Robert Logan e seu irmão sir Walter, cujo nome era o
mesmo do nosso avô, estiveram com Bruce em Bannockburn. Sei também que depois da
morte de Bruce ambos foram com sir James Douglas e sir William Sinclair levar seu coração
a Terra Santa, tal como ele lhes tinha pedido.
—Sem dúvida, mas por que sua divisa tem um coração, e a de Douglas também? —
perguntou-lhe sir Ian —Deve saber algo mais a respeito.
—Tudo o que sei é que durante o trajeto dois parentes nossos foram assassinados na
Espanha junto com sir James e Sinclair, e que sir William Keith e outros sobreviventes
trouxeram seus corpos e o coração de Bruce de volta para casa. O que não sei é o que tem
a ver tudo isto com sua pergunta.
Sir Ian aguçou o olhar, mas Rob, ao longo de quatro anos, acostumou-se a resistir a
olhares ainda mais fulminantes.
—De modo que não sabe — concluiu sir Ian, e exalou um profundo suspiro —É uma
lástima, porque pensava te ajudar. Disseram-me que quer se casar com lady Ellen Douglas.
Enfim, comentaram que ousou falar com ela faz um ano, quando passou um dia em
Tantallon, mas não visitou o seu próprio pai, que estava a umas poucas milhas de distância.
Rob lhe respondeu com firmeza:
—Sabe que não tinha opções. Cavalgava na retaguarda de sir Edward Robison e devia
consultar Douglas a respeito dos assaltos na fronteira inglesa, que se tornavam mais
audazes a cada dia.
—Bom, é uma pena que não tenha nada importante que nos dizer agora.
William o estudou com cautela.
Rob permaneceu em silêncio, lutando por manter o controle de seu caráter imprevisível.
Parecia-lhe que podia escutar os batimentos de seu coração acelerando-se pelo esforço.
—E bem? —irrompeu seu pai —Quer ou não à moça?
—Claro que a quero — assegurou Rob —E o que é mais…

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William adicionou:
—Ellen é um petisco, sem lugar a dúvidas.
—Meça suas palavras — o advertiu Rob —Tenha presente que está falando de uma dama
e que já posso te dar uma boa surra. Cresci irmãozinho.
—Ora, ainda posso vencer um pirralho como você.
Rob o ignorou; sem importar o que tinham ensinado a Will durante seus anos de
treinamento com o conde Douglas, não tinha aprendido a ser um cavaleiro. Pelo que via
seu irmão não tinha mudado nada desde que tinham quinze e treze anos respectivamente.
Recordou com tristeza como zombou dele quando Rob chorou pela morte de sua mãe.
Como o tinha detestado nesse momento!
Por outro lado, a Ordem tinha ensinado ao jovem Lestalric tudo o que precisava saber na
vida exceto algo de suma importância: como controlar seu gênio. Sir Edward Robison, seu
comandante em Dunclathy, seguramente teria algum comentário mordaz a respeito de sua
reação impulsiva às brincadeiras de Will quatro anos atrás, mas sir Edward não sabia nada a
respeito e nunca saberia, se isso dependesse de Rob. Nem tampouco Hugo ou Michael.
Seus dois melhores amigos estavam sempre dispostos a oferecer conselho ou censura.
Enquanto ele lutava para recuperar a paz mental, sir Ian declarou:
—Pois se esqueça dessa moça agora mesmo… — A expressão de Will se tornou ainda
mais petulante, percebendo Rob do que se aproximava —… porque se não tiver nada
melhor a oferecer a sua dama que suas belas esporas novas, acredito que lhe convirá mais
casar-se com nosso Will.
—Mas ela não quer casar-se com ele! —as palavras lhe escaparam antes de poder
controlar-se.
—A jovem é quem deve dizer— riu William —Eu sou o herdeiro de Lestalric, não você, e
ela é lady Ellen Douglas, filha do homem mais poderoso de toda Escócia.
Rob quis responder, mas desta vez conseguiu fechar a boca a tempo.
—Will tem razão — opinou o barão —Por outro lado, se você não tiver nada mais que
lhe oferecer, inclusive para mim você não representa mais que uma terrível decepção. Não
vale a pena que faça nenhum esforço em seu favor.

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Ainda sorridente Will adicionou:
—Não deve ter visto a moça mais de três vezes em sua vida. Se acha que vai preferir um
cavaleiro recém-renomeado, quando em seu lugar pode ter tudo o que Lestalric oferece,
ainda é o mesmo tolo insensato que era aos treze anos Robbie. Mesmo se lady Douglas o
quisesse, seu pai iria querer algo melhor e ela o obedeceria. Mas não temos que chegar a
isso. Ellen já me aceitou.
Decepcionado, Rob olhou para seu pai, mas sir Ian deu de ombros.
—Diga-me milord — disse secamente Rob —Se eu tivesse respondido a sua pergunta a
respeito desse misterioso segredo, o que teria feito? Se Will já propôs casamento à lady
Ellen, e ela já aceitou, então…
—Frescuras — o interrompeu seu pai —Se você merecesse a moça, eu teria falado com
Douglas que você queria casar com ela. Um homem deve agir com diplomacia, jovenzinho.
Will já sabe.
—Então, se eu tivesse compartilhado o suposto segredo com você, teria dito a Douglas
para que desse a sua filha para mim, em vez de dá-la para Will. Não é assim? Ou teria feito
que Will lhe contasse o segredo, para assegurar seu casamento com lady Ellen?
Com as mãos nos quadris, o peito para frente, o queixo para cima, seu pai respondeu-
lhe:
—Qual é o problema? É obvio que o teria usado para aumentar o interesse pelos Logan o
mais possível. Com a informação correta, vocês dois poderiam casar com moças Douglas.
Seja qual for o segredo de seu avô, sem dúvida Douglas deveria conhecê-lo. Tem direito,
como o descendente mais poderoso de sir James.
—Então lamento não poder satisfazê-lo — sentenciou Rob, com uma rígida inclinação de
cabeça e dando a volta para retirar-se.
—Aonde acha que vai? —perguntou-lhe sir Ian.
—Estou me despedindo, milord. Não retornarei.
—Bem, bem. Da mesma maneira que não retornará — o arremedou sir Ian —Tampouco
espere receber minhas notícias no futuro.
Furioso, mas ainda lutando para conter-se, Rob esclareceu:

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—Eu não espero nada. O decepcionei tanto que deveria se alegrar de não ter que me ver
mais.
—Pois sim, sim que me alegro! —gritou-lhe sir Ian.
Enquanto se afastava de Lestalric, Rob não olhou para trás, mas pensava na áspera troca
de palavras. Um forte sentimento de culpa o invadiu mais intenso ainda quando percebeu
que embora o primeiro segredo que lhe tinha confiado seu avô não tinha nada a ver com
Lestalric, o segundo sim. A chave estava no castelo, e agora que tinha jurado não retornar
mais, talvez nunca pudesse se inteirar do conteúdo do segredo.
Por outra parte, sem dúvida se tratava apenas de algum tesouro da família. Mesmo se o
encontrasse, seu pai ou Will o reclamariam. De todos os modos, apesar de seus esforços
para controlar seu maldito gênio, seu temperamento o tinha levado a ruína uma vez mais.
No futuro devia aprender a ser mais humilde.
Robert sabia com exatidão aonde se dirigia, porque embora seu pai e seu irmão nunca o
tivessem feito sentir que estava em seu lar, havia outra família na Escócia que sempre
conseguia.

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Capítulo 1

Castelo de Stirling,
Stirling, abril de 1380.

O conde de Fife, guardião e herdeiro do castelo de Stirling e terceiro filho do rei da


Escócia, estava sentado atrás de uma grande escrivaninha em sua sala de audiências,
contemplando severamente o elegante jovem que estava parado diante dele. Fife sabia
julgar aos homens, e este parecia ter mais confiança em si mesmo que a maioria dos
mortais. A formidável personalidade de Fife e seu poder intimidavam a quase todos, e com
bons motivos.
—Quem o enviou?
—Vim por decisão própria, milord — informou seu visitante —Acredito que podemos nos
ajudar mutuamente. Disseram-me que reivindica o trono da Escócia de maneira legítima,
mas que deve se inclinar ante alguém inferior a você.
—É verdade que sou muito mais apto para governar este país que meu irmão Carrick,
mas Robert Bruce estabeleceu a linha sucessória anos atrás e ordenou que a coroa fosse
entregue ao filho mais velho.
—Mas o Parlamento escocês pode alterar essa ordem, não é verdade?
—Se alguém puder convencê-los a fazer…
—Também me disseram que é um homem religioso, um partidário da Igreja de Roma.
—Com efeito — afirmou Fife.
—Se a Igreja o apoiasse como próximo rei da Escócia, não aumentariam suas
possibilidades de persuadir ao Parlamento?
—Sem dúvida, mas o que me pediria em troca Sua Santidade?
—Necessitamos informação a respeito da morte do filho do falecido irmão de meu pai.
Desapareceu enquanto tentava recuperar para a Igreja de Roma algo valioso que lhe
pertencia. Seus homens acreditam que morreu às mãos de certos nobres escoceses.
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—Como se chamava seu primo?
—Waldron de Edgelaw, milord.
Fife se inclinou para frente.
—E esses nobres escoceses, sabe seus nomes?
—Os Sinclair, milord, também primos de Waldron por parte de mãe.
—Escutei rumores relacionados com sua morte — recordou Fife —mas minhas fontes
asseguraram que tinha morrido em legítimo combate. Diga-me algo mais a respeito disso
que queria recuperar e por que pensa que os Sinclair estiveram envolvidos em sua morte.
—Primeiro deixe-me garantir que se me ajudar, Sua Santidade estará extremamente
agradecido. Receberá uma vultosa recompensa além de sua gratidão.
—Então há algo de grande valor em todo este assunto — deduziu Fife —O que é?
Seu visitante assentiu.
—Disseram-me que era ardiloso milord. Por certo, Waldron procurava algo valioso que
pertence à Santa Igreja.
—E me encarregarei de que volte para ela prometeu Fife —Mas o que é?
—Um tesouro, milord, roubado quase um século atrás pelos cavaleiros templários. Os
que me enviaram acreditam que agora os Sinclair o custodiam. De fato, uma mulher que
está sob seu amparo, mas que logo partirá para as Terras Altas da Escócia para casar-se
passou duas semanas com meu primo logo antes de sua morte. Seu nome é Adela Macleod.
—Sir William Sinclair foi um dos homens que tentaram levar o coração de Bruce a Terra
Santa — mencionou meditativo.
—Sim, milord, e também era um templário.
—Talvez, mas é a segunda pessoa em duas semanas que me fala de um tesouro
escondido. Devo considerá-lo. Retorne amanhã, e seguiremos discutindo o assunto.

Castelo de Roslin, quinta-feira 10 de maio de 1380.

—Sorria Adela! As noivas devem luzir radiantes no dia de suas bodas!

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Lady Adela Macleod se voltou para olhar sua irmã Sorcha, que sorria exultante de
felicidade. Mas embora Adela tentasse agradá-la, seu sorriso estava tinto de tristeza.
Tinha achado que seu segundo casamento, a diferença do primeiro, teria lugar sem
escândalo nem drama. Entretanto, embora os treinados guardas do Castelo de Roslin
evitassem o tipo de problemas que tinham interrompido a primeira cerimônia, já tinha
percebido mais alvoroço de que gostaria. E antes de finalizar o dia se veria obrigada a
presenciar ainda mais confusão. Nervosa, brincava com a corrente de ouro, um legado de
sua mãe.
Sorcha colocou em seu lugar uma mecha loira da murcha cabeleira de Adela, que tinha
deslizado por cima de seu ombro sobre o apertado vestido de veludo dourado. Adela soltou
a corrente e ficou tranquila, ou quase. O lenço orlado de pérolas de Sorcha e o véu azul que
lhe chegava até os ombros e que combinava com seu vestido de seda ocultavam seu
próprio cabelo, um pouco mais encaracolado, de um dourado âmbar.
Certamente o alvoroço era inevitável. Não só havia duas noivas e dois noivos, mas
também se hospedavam no castelo de uma poderosa condessa. Nessas circunstâncias, era
de esperar-se que a ocasião fosse motivo de pompa e solenidade, sobre tudo porque
quinze dias antes sua irmã mais nova se casou "por procuração" com o sobrinho favorito da
condessa. Não pudera negar-se quando a afetuosa tia insistira em um duplo casamento
para celebrar adequadamente ambos os enlaces.
Inclusive seu pai, Macleod de Glenelg, quase não tinha podido participar do
planejamento das bodas. Sua palavra era sagrada ali em seu lar nas Terras Altas da Escócia,
mas Adela não esperava que ele apresentasse nenhuma objeção, porque ele mesmo por
sua vez estava por casar-se com uma viúva rica, que incluía entre seu dote uma bela casa
em Edimburgo, a sete milhas de distância. Neste momento a Corte se alojava nessa cidade,
e ela sabia que Macleod não faria nada que pudesse provocar rumores ou arriscar seus
próprios projetos matrimoniais.
Desde o início, Adela tinha compreendido que seu segundo casamento seria um sucesso
muito mais relevante que o primeiro, que tinha tido lugar nas Terras Altas umas poucas
semanas depois da morte do primeiro lorde das Ilhas. Mas o resultado superava todas suas

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previsões. A proprietária do castelo, Isabella, condessa do Strathearn e Caithness, e o resto
da poderosa família Sinclair não tinham poupado gastos.
Mas depois de todos os esforços, e apesar de estar profundamente agradecida, por
desgraça não podia sentir mais entusiasmo.
Enquanto esperava na entrada da capela com Macleod e alguns outros convidados, e à
medida que as pessoas se amontoavam na sala, perguntou-se por que não sentia mais
interesse. Além de tudo, nada tinha mudado, salvo o cenário… e o papel de Sorcha, é obvio,
e a presença de sir Hugo Robison junto a sua irmã mais nova.
O noivo de Adela era o mesmo do primeiro casamento: Ardelve, um homem generoso e
bom, que a amava. Estava disposta a satisfazer de boa vontade as poucas coisas que lhe
pediria. Até o momento, só lhe tinha solicitado que cuidasse da administração de sua
grande mansão em Kintail, perto de Chalamine. Uma responsabilidade que esperava gostar
muito mais que dos quase dez anos nos quais cuidara da casa de seu pai, bastante mais
difícil de dirigir.
Embora Sorcha insistisse na avançada idade de Ardelve, a quem chamava "lorde
Pomposo", Adela gostava dele. Na realidade, tinha quase a idade de seu pai, e tinha casado
e enviuvado duas vezes, inclusive tinha um filho mais velho que ela. Mas seus herdeiros não
tinham objeção a este terceiro casamento. Sua prima, lady Clendenen, a rica viúva com
quem Macleod tinha a intenção de casar-se, estava de pé na primeira fila com um sorriso
de aprovação, esperando o começo da cerimônia.
Adela acreditava que seu casamento com Ardelve poderia ser tão feliz como qualquer
outro.
Então por que não sentia nada? Emoção, nostalgia, expectativa… nada.
Ela estava acostumada viver as emoções com intensidade e achava fácil expressar seus
sentimentos. A pessoa devia comportar-se assim se tinha que administrar um castelo cheio
de serventes e lutar com uma irmã mais nova tão rebelde como Sorcha ou com um pai tão
tempestuoso como Macleod. Inclusive a mais nova das irmãs, a escorregadia Sidony,
espelhou-se nessa capacidade de Adela para expressar-se. Mas agora…

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Estava tão perdida em seus pensamentos que quando Sorcha voltou a tocar seu braço,
sobressaltou-se.
De repente o sorriso de Sorcha se esfumou e franziu o cenho preocupada.
—Belisque as bochechas — sussurrou baixinho —Está mais pálida que giz. Ocorre algo?
O ombro ainda dói?
—Não, já se curou totalmente — respondeu Adela, negando a dor que ainda sentia pela
ferida de quinze dias atrás —Estou bem.
—Não parece — desconfiou Sorcha, com sua habitual sinceridade.
—Calma jovenzinha — apareceu sir Hugo, tocando-a no ombro para contê-la. Mas Adela
sabia que ninguém, nem sequer Hugo, com sua grande estatura, imperioso e atraente,
conseguiria conter sua irmã, a menos que Sorcha permitisse —Sem dúvida teme que
aconteça algo similar ao que passou a última vez, lady Adela. Mas nenhum assaltante vai
interromper hoje a celebração, garanto-lhe isso.
Como ele controlava a segurança do Castelo de Roslin, Adela não duvidou de suas
palavras. Devolveu-lhe o sorriso, de uma maneira automática mas cortês, e respondeu:
—Não tenho medo.
Não podia explicar que não sentia absolutamente nada, que se sentia inerte, como se
estivesse vendo quatro personagens desconhecidos em seu caminho para o altar.
Hugo a contemplou perplexo, Sorcha franzia cada vez mais o cenho. Adela notou que a
mão dele apertava com mais força o ombro de sua irmã, como se adivinhasse que ela
estava a ponto de dizer algo. Mas, para surpresa de todos, Sorcha permaneceu calada.
Então Hugo falou:
—Não deveria ficar admirada se não sentir a excitação que as noivas normalmente
sentem. É natural que agora veja a cerimônia com certa desconfiança. Observei reações
similares em homens valentes que, depois de uma batalha, têm que enfrentar outra. Juraria
que a você ocorre algo um pouco parecido.
—Por favor, não se preocupe — tentou tranquilizá-lo —Isto não tem nada a ver com
uma batalha. Não acredito que meu futuro esposo possa me machucar.
A careta de Hugo expressou seu desacordo, mas não a contradisse.

15 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Parece-me que o gaiteiro vai começar —comentou.
Macleod tinha escutado tudo, sem participar da conversa até então:
—Vamos, moça, é nossa vez, depois de suas damas de honra. Mantenha a cabeça
erguida. Está linda, embora não leve o azul da boa sorte.
Adela inspirou profundo antes de responder com fingida calma:
—Por favor, senhor, não me diga que o azul traz mais sorte que o dourado, porque não o
escutarei. A última vez segui todos os seus absurdos conselhos para não contradizer suas
superstições. Bem, não poderia ter tido pior sorte.
—Mas talvez as coisas tivessem sido piores se não tivesse usado um vestido azul. Agora
isso já não tem importância — retrucou em seguida —Este vestido a deixa maravilhosa. Faz
reluzir o verde de seus olhos e faz que seus cabelos pareçam mel dourado derramando-se
sobre suas costas — adicionou tentando imitar aos trovadores que rendiam homenagem à
beleza das damas.
Adela tentou ignorar a ideia do mel pegajoso derramando-se sobre suas costas, tendo
presente que seu pai raramente fazia elogios e, portanto lhe faltava prática.
As damas de honra já avançavam pelo estreito corredor entre as fileiras de convidados.
Dócil, Adela pousou sua mão direita no braço de seu pai e esperou.
Sorcha e sua irmã mais nova Sidony tinham sido as damas de honra de Adela em sua
primeira boda, desta vez ela e Sorcha caminhavam precedidas por três damas que mal
conhecia e Sidony, é obvio. Loira e de olhos azuis, Siddy estava formosa e serena enquanto
encabeçava o cortejo, com seu vestido de um rosa pálido. As duas damas que a seguiam
eram as irmãs mais novas de sir Hugo, vestidas de lavanda e verde pálido. A última era sua
prima, outra sobrinha da condessa Isabella, que usava um vestido trigo. As três tinham
chegado no dia anterior.
Por fim Sorcha e sir Hugo já estavam legalmente casados. «Não posso entender por que
diabos devemos nos casar outra vez», queixou-se a jovem ante a insistência da condessa
em celebrar a cerimônia. Mas Isabella, face às gargalhadas de seu sobrinho, tinha afirmado
que ela queria vê-los casados como correspondia por seu próprio sacerdote, e o assunto
ficou resolvido.

16 GRH - Grupo de Romances Históricos


Quando as quatro donzelas ocuparam seus lugares perto do altar, onde Ardelve e o
capelão de Isabella aguardavam, Adela e Macleod avançaram pelo corredor. Seguiam-nos
Sorcha e sir Hugo, acompanhados pela gaita de fole.
Embora fosse apenas uns poucos anos mais novo que Macleod, Ardelve era mais
elegante e atraente com sua barba bem recortada e seu escuro cabelo grisalho. Para a
ocasião usava um chapéu alto com uma pluma branca, uma jaqueta de veludo negro, uma
túnica debruada em negro ajustado sobre meias de cor brilhante e sapatos em ponta como
ditava a moda. Ereto e orgulhoso, Ardelve contemplava sua noiva avançar para ele, e
quando seu olhar se encontrou com a dela, sorriu-lhe.
Adela lhe respondeu com o mesmo sorriso triste que tinha dirigido antes a sir Hugo, mas
não afastou seus olhos, agradecida de ter um pretexto para evitar o olhar de qualquer dos
convidados. Faltava-lhe energia para sorrir e saudar inclinando a cabeça, e só queria deixar
atrás a cerimônia e o inevitável banquete.
Chegou à metade do trajeto consciente de que sua mão descansava sobre o braço de
Macleod e do rosto sorridente de Ardelve frente a ela. Em seguida, um brusco movimento a
sua direita e o ruído metálico de algo que caía no chão de pedra distraíram sua atenção.
Quando se voltou, encontrou-se com os olhos verde jade de um dos homens mais
bonitos que jamais vira. Seus traços eram finamente delineados, tinha um reluzente cabelo
castanho levemente ondulado nas pontas, ombros largos, cintura estreita e pernas
musculosas. Seu casaco de veludo verde acentuava as atraentes proporções de seu corpo.
Tinha começado a agachar-se para recolher o que tinha caído, mas ficou a meio
caminho, pois os olhos de Adela se encontraram com os seus, e ele ficou petrificado. Em
seguida, com muita lentidão, ergueu-se, seu olhar ainda preso no dela. Seus notáveis olhos
verdes cintilaram. Depois, com total descaramento, deu-lhe uma piscada.
Sobressaltada, ela afastou o olhar e procurou outra vez o de Ardelve, serena.
O som da gaita de fole cessou quando ela chegou ao altar, frente ao qual dois
genuflexórios esperavam aos casais de noivos.
—Quem entrega esta donzela em casamento? —perguntou o sacerdote.
—Eu, Macleod de Glenelg, seu pai —disse em voz alta e clara Macleod.

17 GRH - Grupo de Romances Históricos


O sacerdote fez um gesto a Adela para que se adiantasse, e ela subiu os degraus e se
colocou ao lado de Ardelve. Sorcha e Hugo a seguiram, e ocuparam os lugares a sua
esquerda.
Depois de um longo silencio, o capelão declarou:
—Há alguém entre os aqui presentes que conheça alguma causa justa ou impedimento
para o casamento entre o barão Ardelve e lady Adela Macleod? Se alguém tiver algo a
dizer, que fale já ou cale-se para sempre.
Adela fechou os olhos e conteve a respiração: esse tinha sido o momento, em sua
primeira tentativa de casar-se com Ardelve no que a tinham raptado.
Como Sorcha e Hugo estavam apenas abençoando uma união já consumada, o sacerdote
não fez a mesma pergunta em relação a eles, e Adela se alegrou ao comprovar que ambos
pareciam cobertos de uma beatífica felicidade.
Ela os tinha visto só uma vez depois de seu compromisso, porque assim que Hugo tinha
declarado que estavam casados, tinham partido para o castelo de Hawthornden, uma milha
ao norte de Roslin Glen. Três dias depois, Adela tinha acompanhado sua irmã Sidony, sua
irmã mais velha Isobel e à condessa, para visitá-los. Mas não havia tornado a vê-los até essa
manhã. Isobel, esposa de sir Michael Sinclair e portanto nora da condessa, estava entre os
assistentes com seu marido e sua mãe. Não houve tempo para que suas outras três irmãs
viajassem para as bodas.
Quando o sacerdote pronunciou o nome de Adela, ela se esforçou por concentrar sua
atenção na cerimônia, lhe respondendo com voz serena e clara. A cerimônia teve a virtude
de ser breve, só restava a missa de bodas, embora a jovem pudesse repetir de uma maneira
mecânica suas respostas sem ter que pensar.
Quando o sacerdote os declarou marido e mulher ante os olhos de Deus, Ardelve tomou
a mão de sua flamejante esposa e não a soltou até que chegou o momento da comunhão.
Ao término da missa, Adela confiou em que ninguém lhe perguntaria se tinha gostado do
seu casamento. De toda a cerimônia e do serviço religioso só tinha ficado registrado em sua
mente o passar do tempo.

18 GRH - Grupo de Romances Históricos


Isabella não permitiu que os casais de recém-casados se perdessem no tumulto de
gente, e os levou até o grande salão para saudar os convidados de honra e começar o
banquete de casamento. As risadas e a música lhes deram as boas vindas muito antes que
entrassem no salão. Os músicos se localizaram no soalho tocando alegres melodias até que
os casais apareceram na soleira. Então o chambelán de Isabella se adiantou:
—Milords, miladies e todos os presentes neste recinto —gritou a voz empostada —Por
favor, fiquem de pé para dar as boas vindas a lorde e lady Ardelve, e a sir Hugo e lady
Robison!
Brotou uma aclamação da multidão e recomeçou a música. Adela viu que havia duas
longas mesas sobre cavaletes para os convidados, que se estendiam da plataforma onde
estava a mesa de honra até o final do salão. Havia um espaço livre para os artistas que
Isabella tinha contratado para animar a festa.
Enquanto avançavam, Ardelve inclinou sua cabeça para murmurar no ouvido de Adela:
—Eu gostaria de falar de um assunto em particular com você, minha senhora esposa,
antes da festa. Se me permitir, Isabella me ofereceu o uso de seu quarto.
—Como desejar, milord — respondeu ela, temerosa de ofendê-lo de algum jeito.
Ao recordar como tinha reagido ao encontrar-se com o olhar do homem de olhos verdes,
tratou de desprezar a imagem. Ardelve não tinha mostrado nenhum indício de ser um
marido possessivo ou ciumento. Cruzou a plataforma cheia de gente e se aproximou da
porta, rodeando a mesa principal, que logo rangeria sob o peso das terrinas e bandejas de
ouro e prata cheias de comida, jarras de uísque e de vinho, para não mencionar as taças e
as pranchas para trinchar que já estavam dispostas em seus lugares para os convidados.
Um servente dos Sinclair lhes abriu a porta do quarto.
Ardelve fez uma indicação com a cabeça para que o rapaz fechasse a porta, depois levou
Adela até o outro extremo do quarto e falou sem preâmbulos:
—Não se deve falar a uma dama nada a respeito de seu aspecto a não ser para lhe fazer
um elogio, querida minha. Mas toda esta magnificência parece tê-la cansado. Se quiser
evitar o banquete, posso me despedir dos convidados e me retirar com você a nossos
aposentos.

19 GRH - Grupo de Romances Históricos


—É muito amável de sua parte, senhor, mas seria uma falta de gentileza, por não dizer
uma ingratidão, fazer algo semelhante depois que a condessa Isabella se esforçou tanto por
nos honrar.
—Tolices! —soprou ele —Os atos da condessa só correspondem a seus desejos pessoais:
faz tudo isso por si mesma ou por Roslin. A verdade é que eu também estou cansado. Mas
se me assegura que está bem…
—Sim, senhor — respondeu ela —Estou um pouco cansada, nada mais.
Dirigiu-lhe um olhar escrutinador.
—Se a alivia saber, quero dizer que não têm nada a temer esta noite nem nenhuma outra.
Se necessitar de tempo para se acostumar a minha presença antes de cumprir com suas
obrigações de esposa, entenderei. Não tenho pressa, Adela, e também compreendo que
prefira um lugar mais tranquilo para começar a conhecer seu marido. Entendeu milady?
—Sim, senhor, perfeitamente — balbuciou ruborizada —Minha irmã Isobel me explicou
no que consistiam minhas obrigações. É muito cavalheiresco, mas quero ter filhos e estou
disposta a cumprir meus deveres conjugais quando você desejar. E mais, se você não quiser
ficar no banquete, tem apenas que dizer.
Ardelve lhe deu umas tapinhas na mão.
—Celebro este casamento — declarou ele, feliz —Minha casa necessita um toque
feminino, e eu também. Sua bondade aumenta minha esperança em relação a nossos anos
de vida em comum. Têm razão, entretanto, em me recordar que todos aqui trabalharam
duro para nos oferecer nossa festa de casamento.
—Eu também, senhor, estou impaciente por voltar para a paz das Terras Altas.
Ele sorriu de novo. Ela achou esse sorriso especialmente encantador, e o retribuiu com o
primeiro sorriso espontâneo e natural de todo o dia. Não importava que Sorcha pensasse
que estava cometendo um engano. Além de tudo, sua irmã se casou com Hugo, um homem
temperamental que sempre fazia as coisas a sua maneira. Como Sorcha tinha um caráter
muito similar, sem dúvida ambos se enfrentariam com frequência. Com Ardelve, Adela
desfrutaria de uma vida mais pacífica e confortável.

20 GRH - Grupo de Romances Históricos


Seu marido apoiou uma mão nas suas costas para acompanhá-la até a porta.
Surpreendeu-lhe a sensação de segurança que ele transmitia enquanto se dirigiam ao
grande salão para reunir-se outra vez com a ruidosa multidão. Ocuparam seus lugares junto
à Sorcha e Hugo. Contemplando os convidados que tinha mais perto, Adela se felicitou por
sua decisão de casar-se com Ardelve.
Os membros da família Sinclair preponderavam entre os convidados. Graças à insistência
da condessa Isabella, a disposição dos comensais era incomum. Em vez do tradicional
acerto que consistia em se localizar a todos os homens no extremo esquerdo da mesa e a
todas as mulheres à direita, a condessa tinha decidido que os casais de noivos ocupassem o
lugar central, e todos os outros se colocassem ao redor deles. Portanto, Isabella estava à
direita de Ardelve, e seu filho mais velho, Henry Sinclair, o proprietário de Roslin, a sua
direita.
Henry era também príncipe de Orkney, um título norueguês herdado da família de sua
mãe. Na Escócia, entretanto, inclusive o herdeiro ao trono — para não mencionar a
membros menos importantes da família real— também era conde, pelo qual não viam com
muita simpatia que no país alguém mais ostentasse o título de príncipe. Portanto, Na
Escócia, Henry era simplesmente conde de Orkney.
Além de Henry estava Macleod com sua futura esposa, lady Clendenen. A dama, que
estava para completar os cinquenta anos a contra gosto, era uma mulher afável e gordinha,
de pele suave, cabelos castanhos e feições agradáveis, e dizia estar vinculada a todas as
pessoas importantes da Escócia. Seus vivazes olhos castanhos cintilavam com frequência,
mas, muito a seu pesar, faltava-lhe estatura. Inclusive Adela, que mal superava o metro e
cinquenta, era alguns centímetros mais alta. De pé agora ao lado de Henry, que superava
amplamente o metro e oitenta, a gordinha mulherzinha parecia diminuta.
Sorcha estava localizada à esquerda de Adela e sir Hugo mais à frente, depois Isobel, sir
Michael Sinclair e o pai de Hugo, sir Edward Robison, flanqueado por uma de suas filhas do
lado de Hugo, e ao final havia um lugar vazio. Todos na mesa principal estavam sentados
frente a frente.

21 GRH - Grupo de Romances Históricos


Depois de que o capelão abençoou a mesa, os convidados se sentaram de maneira
estrepitosa, os trinchadores entraram acompanhados pelos gaiteiros do príncipe Henry e os
serventes começaram a passar com as jarras de vinho, cerveja e uísque.
Adela se sentou tranquila, falando só quando alguém lhe dirigia a palavra. Depois de um
momento, percebeu a presença do belo jovem que tinha visto na capela, que conversava
com uma das irmãs de sir Hugo.
Não se surpreendeu ao perceber o olhar intenso de Hugo sobre eles. Seu novo cunhado
devia ser um irmão autoritário, sem dúvida dirigiria palavras severas a sua desafortunada
irmã. Adela suspirou. Pensar que suas próprias irmãs tinham esperado que ela se casasse
com ele!
Voltando-se para Ardelve, sorriu enquanto se afastava para permitir que um criado
servisse vinho em sua taça. A jovem estava a ponto de tomar a taça quando recuou ao
recordar que teria que esperar o brinde.
—Beba um pouco, moça —sussurrou Ardelve a seu lado —Ninguém notará. O trinchador
está afiando suas facas, estarão distribuindo comida de um extremo ao outro do salão
durante um bom momento, então aconselho que coma um pedaço de pão com seu vinho.
Outro servo, ao ouvi-lo, imediatamente lhe ofereceu pão de uma cesta. Adela se serviu
de um, agradecida, e partiu um pedaço e o comeu antes de provar seu vinho. Mas seu
paladar parecia havê-la abandonado junto com todos seus demais sentidos.
Ardelve também bebeu de sua taça, e quando terminou a apresentação formal do
primeiro prato, por fim Adela pôde comer tranquila. O vinho enjoou logo aos que não
estavam acostumados a beber, e Adela começou a sentir-se mais relaxada.
A sua esquerda, Sorcha conversava alegremente com Hugo, sem dúvida de uma maneira
imprópria. Adela tinha percebido que o casal parecia conversar sobre qualquer assunto que
lhe passasse pela cabeça. Em sua opinião, as pessoas, ou ao menos as damas, deviam
mostrar mais decoro. Mas fazia tempo que tinha deixado de tentar influenciar Sorcha. Só o
que esperava de sua indômita irmã era que não fizesse nada que obrigasse à condessa a
lamentar ter imposto sua inovadora disposição das localizações à mesa.

22 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Onde está Sidony? —perguntou quando Sorcha se voltou para ela —Não a vi desde
que entramos no salão.
—Deve estar lá em cima cuidando de nosso novo sobrinho —arriscou Sorcha com um
sorriso, referindo-se ao primeiro filho de Isobel e Michael.
—Passa mais tempo com ele que com qualquer outra pessoa, e veja como Isobel está
tranquila. Se seu garotinho estivesse sozinho lá em cima todo este tempo, estaria inquieta.
OH, mais vinho, por favor — deteve um criado que estava passando.
—Querida, deveria deixar que Hugo lhe desse a ordem — sugeriu Adela.
—Está falando com minha cunhada Kate — assinalou Sorcha.
Adela notou que a moça que tinha visto paquerando com o belo estranho estava sentada
agora entre sir Henry e Hugo, que falava com sua irmã com muita severidade. Kate também
parecia zangada, e Adela pensou que com toda razão, recordando aquela vez quando ela
tinha esvaziado uma terrina de água benta sobre a cabeça de Hugo cansada de seu sermão.
Não tinha direito a repreender a sua irmã por paquerar um momento do modo mais
inocente.
Adela recordou também que outras mulheres, além de suas irmãs, tinham querido casar-
se com Hugo e inclusive ela mesma o tinha considerado uma vez. Era um bom rapaz,
encantador e muito hábil com a espada, mas tinha uma fastidiosa tendência a dar ordens
aos outros, e ela preferia que ninguém lhe dissesse o que tinha que fazer. Sorcha o dirigia
melhor do que ela teria podido fazê-lo.
Ardelve era um candidato mais adequado. Poderia viver perto da casa onde crescera,
visitar velhos amigos e sua família quando quisesse. Além disso, era rico o bastante para lhe
oferecer todas as comodidades que pudesse desejar. E, também, nunca lhe dava ordens. A
moça se voltou para dedicar-lhe outro sorriso.
Ele estava contemplando sua taça como se meditasse se devia voltar a enchê-la ou não,
mas percebeu seu olhar e comentou:
—Parece-me que este vinho me subiu à cabeça, querida. Mas não me queixo, porque é
tão formosa que acredito que devo ser o mais afortunado de…

23 GRH - Grupo de Romances Históricos


Para a surpresa de Adela, seu rosto ficou petrificado, exceto seus lábios, que se abriam
como se quisesse recuperar o fôlego para terminar a frase. De repente levou sua mão
direita ao peito. Então, desabou em cima de Isabella.
—OH, Meu deus! —gritou a condessa e tentou sustentá-lo, mas ele caiu no chão.
Adela presenciava a cena consternada.
—Meu Deus, nem sequer me dei conta de que seu marido estava ébrio. — Riu Sorcha.
—Não está — saltou Hugo de seu assento.
—Adela, querida, não olhe — aconselhou a condessa, com voz firme —Por favor, conserve
a calma, não queremos outro escândalo. Não tema, não deve ser grave.
—Tem os olhos abertos, mas não parece que me veja —disse Adela, sem afastar o olhar.
Hugo ainda estava ajoelhado ao lado de Ardelve, e depois de um exame rápido, olhou
para cima e lhe disse com a maior suavidade:
—Lamento milady…, se foi.
Ela ficou sem fôlego e os olhos começaram a encher de lágrimas.
Isabella fez um gesto aos histriões no soalho para que tocassem uma animada melodia.
Assombrada, Adela viu um trio de malabaristas que corriam pelo espaço livre da parte
inferior do salão. Seguiram-nos os acrobatas, dando cambalhotas.
Quando voltou a olhar para Ardelve, percebeu que embora a maioria das pessoas se
voltasse para contemplar o espetáculo, havia uma que estava cravando a vista nela. O
homem dos olhos verdes.

24 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 2

A toalha de linho branco cobria a mesa até o chão, de maneira que a atividade que se
desenvolvia detrás dela ficava oculta aos comensais. Mas a Adela não cabia a mais mínima
dúvida de que o estranho tinha percebido o desmaio de Ardelve. Se ele percebera, talvez
outros também tenham percebido. Agora, o estranho estava ficando de pé. «meu Deus,
que não se aproxime até aqui», rogou para si.
Um criado e um dos soldados de Hugo se ajoelharam ao lado de Ardelve. A figura
musculosa e magra do soldado, e sua barba escura e abundante, eram vagamente
familiares a Adela, mas ela não deu importância ao assunto. Manteve sua atenção
concentrada no homem que tinha sido seu marido durante tão pouco tempo. Jazendo no
centro de um caos que se mantinha sob um precário controle, Ardelve parecia estar em
paz.
Os serventes não deixaram de servir vinho, comida e oferecer seus serviços. No salão
inferior, os histriões faziam malabarismos enquanto os acrobatas continuavam com suas
piruetas e cambalhotas. As pessoas riam e aplaudiam. Isabella conversava com o príncipe
Henry como se Ardelve tivesse se desculpado e se retirado por alguns minutos.
O soldado de Hugo reparou em Adela nesse momento, e ela voltou a sentir a sensação
de algo familiar. Em seguida o soldado tocou o braço de Hugo e lhe sussurrou algo no
ouvido.
Hugo a olhou por cima do ombro antes de voltar-se para sua esposa.
—Sorcha — disse em voz bem audível apesar do estrépito circundante —acho que talvez
Adela e você…

25 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não, Hugo —o interrompeu Isabella —Não podem sair as duas. Nem tampouco Isobel.
Deveriam levar Ardelve para o quarto agora, entre os três podem fazê-lo com facilidade
sem despertar suspeitas.
—Mas a dama não deveria ficar aqui, senhora — objetou Hugo —Não é justo. Nem
tampouco deveria esperar que ficasse com… Com ele no quarto até que terminemos de
arrumar as coisas da maneira mais conveniente.
—Estou de acordo — concordou Isabella, fazendo um leve gesto a lady Clendenen, que
se apresentou imediatamente, sorridente como se nada tivesse acontecido. Sem
pestanejar, fez um rodeio para não tropeçar com sir Hugo e os que o estavam ajudando.
—O que posso fazer para ajudar, senhora? —perguntou-lhe, dando um olhar de soslaio a
Adela. Sua expressão se mantinha risonha, mas revelava sua preocupação.
—Acompanhe lady Ardelve a seus aposentos, Ealga. Uma partida despreocupada fará
pensar a qualquer que tenha percebido a queda de Ardelve que desmaiou pelo excesso de
vinho, sobre tudo quando virem Hugo ajudar Einar e Ivor a levá-lo a meu quarto.
O nome Einar também era familiar a Adela, mas perdeu interesse no soldado de Hugo
quando lady Clendenen respondeu:
—Mas quando virem que Adela não retorna…
—Até então, já terão esquecido o incidente. Suporão que os noivos encontraram um
pretexto para escapulir.
Adela escutava suas palavras mas não prestava atenção, não podia deixar de observar
aos homens que estavam se preparando para levar o corpo de Ardelve. Lady Clendenen lhe
tocou o ombro um instante depois, e ela se sobressaltou de tal modo que quase caiu da
cadeira.
—Perdoe meu sorriso logo depois de um acontecimento tão trágico, querida Adela —se
desculpou —Mas devemos tentar parecer despreocupadas a menos que queiramos que
todos se inteirem do que ocorreu.
Adela assentiu, agradecida pela oportunidade que lhe ofereciam para ir-se. Enquanto
ficava de pé, Sorcha se ofereceu para acompanhá-la, mas ela respondeu:
—A condessa disse…

26 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Se quiser que vá com você, não me importa o que ninguém diga — replicou sua irmã
mais nova com firmeza.
—Não.— recusou Adela —Ela tem razão. Produziria uma confusão.
—Muito bem. Então irei a seus aposentos logo que possa.
—Sorria Adela — lembrou lady Clendenen em voz baixa.
Fazendo um esforço, ela obedeceu e em seguida se voltou para acompanhar lady
Clendenen, percebendo com alívio que Hugo e seu ajudante tinham conseguido levantar
Ardelve e o estavam levando ao quarto.
—Olhe pra mim querida — aconselhou lady Clendenen enquanto passavam em frente
aos outros.
—Obrigada por sua bondade, senhora.
—De nada, querida, não precisa ser tão formal comigo. Seremos família quando me casar
com seu pai, de fato já penso em você como uma filha.
—Se… perdão, agradeço sua bondade — se corrigiu Adela, a quem era difícil seguir
contemplando a sua interlocutora, porque tinha o mais inoportuno desejo de averiguar se o
belo estranho ainda a olhava ou se já tinha deixado a sala.
Um brusco movimento de sua acompanhante a fez notar que lady Clendenen estava
fazendo um enérgico gesto a alguém. Adela viu então a alta figura de ombros largos com o
casaco de veludo verde e as meias amarelas que estava a ponto retirar-se.
Ele olhou por cima de seu ombro e se deteve o encontrar-se com seus olhos.
—Não deve falar com ninguém —lhe recomendou lady Clendenen, que a segurou com
sua mão pequena mas firme por debaixo do cotovelo, insistindo-a a que caminhasse mais
rápido para o próximo passadiço.
—Conhece esse homem? —perguntou-lhe Adela, acreditando que sua acompanhante
não necessitava de mais dados para identificá-lo —Eu não, embora o visse antes na capela.
Também o vi falando brevemente com a irmã de sir Hugo, Kate.
—Certamente —lhe respondeu lady Clendenen com seu alegre sorriso —É Étienne de
Gredin, um de meus parentes. É um primo longínquo por parte de minha mãe e parente

27 GRH - Grupo de Romances Históricos


também do duque D'Anjou. Tem uma tendência a ser um pouco impulsivo, mas é a pessoa
mais encantadora e divertida que existe.
—Então é francês.
Lady Clendenen deu de ombros.
—A maioria de nós tem sangue francês, não é verdade? De todos os modos, seus
antepassados chegaram com Guilherme o Conquistador, como os Sinclair e minha própria
família. Seu pai, antes de morrer, foi embaixador na França. Étienne tem parentes tanto na
França como aqui. De fato, viaja para lá frequentemente. Ele deseja conhecê-la, por isso
teve a ousadia de aproximar-se. Embora não saiba que foi uma ousadia, porque ignora
ainda a morte de Ardelve. De todos os modos, não posso permitir que a incomode em um
momento tão difícil.
—Obrigada — se adiantou Adela, antes que a faladeira mulher continuasse falando —
Não quero conversar com ninguém.
—O apresentarei em outro momento —resolveu lady Clendenen, depois disse —Espero
que não fique de luto muito tempo, querida. Ardelve não ia querer isso para uma moça de
sua idade e sua beleza. Por certo — continuou, antes que a sobressaltada Adela pudesse
abrir a boca —não deve se encerrar e desperdiçar seus atrativos. Uma mulher com sua
juventude necessita um marido respeitável. Mas não direi nada mais a respeito agora.
Adela na realidade não sabia o que dizer. Mal podia pensar com clareza. «Dois
casamentos, um rapto, um resgate e nenhum marido», repassou as últimas semanas de sua
vida, «O que me proporcionará o destino agora?», perguntou-se contrariada.
—Que maneira mais estranha de deixar este mundo —continuou a dama —De todos os
modos, acredito que Ardelve aceitou o plano de Deus sem objeções. —Fazendo com que
Adela a precedesse na ascensão da escada, adicionou sem deter-se —Bem, teve uma morte
melhor que a de meu defunto marido. Foi ferido em uma batalha, sabe? O pobre homem.
Ficou meses moribundo. Ardelve teve uma morte muito mais amável. Não me agradeça por
lhe dizer isso. Sem dúvida, sua mente está confusa neste momento, mas voltaremos a
conversar quando puder pensar com clareza. Enquanto isso seguirei falando para dissuadir
qualquer aproximação.

28 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela não a interrompeu, aturdida com tanto falatório. Não encontraram com ninguém
exceto com uma criada que lhes fez uma rápida reverência antes de chegarem ao
dormitório, que, até essa manhã, tinha sido exclusivamente de Adela desde sua chegada a
Roslin.
Quando abriu a porta, chamou-lhe a atenção imediatamente o vigoroso fogo da lareira.
Como supunha que uma donzela tinha acendido o fogo para esquentar o aposento, a visão
de um homem que se voltava bruscamente da cama a deixou sem fôlego e a fez levar as
mãos ao coração.
Fazendo uma rápida e profunda reverência, disse-lhe:
—Rogo-lhe que me perdoe lady Ardelve. Não esperava que…
—Meu Deus! —exclamou lady Clendenen, empurrando Adela para dentro do quarto —É
um milagre que não tenhamos morrido do susto, Angus. Não me ocorreu que deveria por
tudo em ordem para seu amo e sua dama.
—Sim, é obvio lady Clendenen. Como a festa mal…
—Angus aconteceu algo terrível — o interrompeu a dama. E contou o que tinha
acontecido.
—O senhor está morto? Mas ele não tinha nenhum problema de saúde, sei bem, servi-o
durante trinta anos.
—De todos os modos — respondeu lady Clendenen, com um tom quase ameaçador na
voz —Ardelve está morto, Angus, e agora devemos cuidar de sua jovem senhora.
—Sim, é obvio milady — respondeu Angus fazendo uma reverência —Agora, se me
desculparem, devo atender a meu amo pela última vez.
—Certamente, pode ir até ele imediatamente. Mas ninguém deve suspeitar nada da
tragédia. Posso assegurar que a maioria acredita que só bebeu muito.
—Me desculpe milady, mas o amo tinha parentes aqui. Algum deles notará sua ausência,
talvez deva avisa-los em seguida.
—Depois haverá tempo para avisos —o interrompeu lady Clendenen, Com secura —
Ninguém poderá vir a seu funeral a tempo, o falecimento foi muito repentino.

29 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Como se o diabo tivesse vindo buscar sua alma— franzindo o cenho o homem e fez o
sinal da cruz —Vamos leva-lo para casa, é obvio.
—Acerte as coisas como achar melhor — o autorizou a mulher, querendo livrar-se dele
—Sei que te encarregará de que tudo se faça como é devido.
Adela estremeceu ante a ideia de que todos esperassem que acompanhasse o cadáver
de seu marido em sua longa viagem até Loch Alch.
—Como… como seria isso? —perguntou quando Angus saiu do quarto
—Você, querida minha — replicou lady Clendenen bruscamente —deixe que Angus se
ocupe de Ardelve. Não sou sua verdadeira mãe, mas aceite meu conselho.
—Agradeço muito, milady. Sem dúvida tem muito mais experiência que eu neste tipo de
situação. —Ao ver o olhar de assombro de lady Clendenen, Adela fez uma careta —Perdoe
—hesitou —Não devia…
—Por Deus — lhe respondeu sua futura madrasta com uma risadinha —Não deve se
inquietar se me disser abertamente o que pensa. Eu sou desse tipo de pessoas.
—Mas eu não deveria…
—Não precisa que se desculpe, porque eu também vou falar com toda sinceridade —a
interrompeu —Alarma-me sua palidez, menina. Sei tudo sobre o terrível rapto que sofreu
faz poucas semanas. Por isso temo que considere este trágico incidente como uma
desculpa para te enclausurar no castelo de Ardelve. Isso não funcionará absolutamente.
—Mas meu dever é acompanha-lo na volta para casa, senhora, e assistir a seu enterro.
—Não aconselho isso. Agora sugiro que lave o rosto e as mãos. Sentir-se-á melhor. Trarei
um pano limpo.
Percebendo que as coisas lhe tinham escapado das mãos, se é que alguma vez tinha tido
o controle da situação, Adela obedeceu, notando, ao sentir o calor do fogo, que suas mãos
e seus pés estavam congelados. Estendendo-os frente às chamas, não abriu a boca até que
lady Clendenen retornou com o pano úmido.
—Aqui tem, querida — lady Clendenen estendeu o pano, antes de aproximar-se da
janela —Meu Deus, o que aconteceu ao nosso sol? —exclamou, correndo as cortinas —
Juraria que não havia nem rastro destas trevas quando cruzei o pátio mais cedo.

30 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela deixou de lado o tecido úmido e se aproximou da janela.
—Parece densa.
—O bastante para que Isabella se encontre esta noite com mais hóspedes do que
esperado.
—OH, isso não será um problema para ela — sorriu Adela —Mas se a névoa se tornar
muito espessa, Hugo terá que tirar os guardas das muralhas e enviá-los junto com mais
soldados ao exterior para vigiar o castelo.
Lady Clendenen deu de ombros.
—Vi névoas tão densas nesta região que a pessoa quase não podia ver a própria mão a
plena luz do dia. É pior perto dos rios e em especial aqui onde flui o Esk. Os moços não
encontrarão tanta escuridão no bosque.
Adela umedeceu a testa. A pesar do frio, resultava-lhe agradável. E com o tecido sobre
as pálpebras, deu-se conta de que necessitava urgentemente ficar sozinha, ou, ao menos,
que sua acompanhante guardasse silêncio. Ao ouvir que sua futura madrasta voltava a
aproximar-se da lareira, tirou o pano do rosto.
—Tem vontade de conversar um pouco agora? —Perguntou lady Clendenen enquanto
voltava a umedecer o tecido —Não acredito que devamos adiar isso. Seu futuro é o que
está em jogo.
A ultima coisa que Adela tinha vontade de escutar eram mais conselhos. Suas têmporas
começaram a pulsar, como se a cabeça estivesse a ponto de explodir. Perturbava-lhe que a
dama seguisse tendo consideração para seus sentimentos quando a verdade era que ela
não sentia nada. Certamente, a morte de Ardelve a tinha impressionado, mas a sensação
tinha desaparecido com surpreendente rapidez. E, por mais bondosa que fosse a mulher
com ela, não queria admitir sua carência de emoções ante a prima de Ardelve. O que
poderia pensar lady Clendenen de uma noiva tão insensível?
A dama se acomodou em seu assento acolchoado para contemplar as chamas.
—Tudo aconteceu com tanta rapidez que mal tiveste alguns minutos para refletir, mas as
pessoas vão começar a perguntar, querida, assim seria prudente que tivesse um plano.
Disse-te Ardelve se tinha deixado alguma disposição, ou quis que você tomasse as

31 GRH - Grupo de Romances Históricos


decisões? Não é que ele esperasse que algo assim acontecesse hoje, mas era um homem
prático. Sei que te deixou o suficiente para assegurar seu bem-estar.
—Não conheço suas disposições — confessou Adela —As arrumou com meu pai. Como
está acostumado a fazer-se, parece-me.
—Sim, claro, discutiram algumas delas comigo — se gabou a dama —Por exemplo, algo
relacionado com uma atribuição…
Ouviram dois golpes na porta e imediatamente lady Sidony Macleod entrou como uma
tromba na habitação.
—Acabo de me inteirar, Adela, disseram que tinha vindo… —Se deteve de repente
visivelmente perturbada, fez uma rápida inclinação de cabeça a lady Clendenen e adicionou
—Perdão, milady. Não deveria ter interrompido, mas é que acabo de escutar a notícia e
temia que Adela estivesse sozinha. Deveria ter pensado que alguém ia acompanha-la,
querida — adicionou, enquanto se aproximava para abraçar a sua irmã.
—Sente-se conosco, — pediu Adela, sabendo que machucaria Sidony se lhe pedisse que
se fosse —Como soube?
—Estava cuidando do bebê de Isobel, mas sua babá retornou. Então desci e em seguida
me informaram. Isobel me disse que ela e Sorcha viriam logo que pudessem. Algumas
pessoas começaram a fazer perguntas. Não sei quem achou que podiam ocultar
indefinidamente a morte de Ardelve.
Adela conteve um suspiro. Apesar de amar suas irmãs e respeitar lady Clendenen,
desejava estar sozinha com desespero.
Sidony olhou com ar culpado para lady Clendenen.
—Interrompi a conversa, senhora, mas espero que aceite minha presença.
—É obvio querida. Talvez possa me ajudar a convencer a sua irmã de que não precisa
retornar imediatamente às Terras Altas.
—E por que deveria fazê-lo?
—Devo acompanhar Ardelve, é obvio —esclareceu Adela —Será enterrado em suas terras
que agora me pertencem, apesar de tudo.
—Acha mesmo? —Lady Clendenen franziu o cenho —Deve ir tão cedo?

32 GRH - Grupo de Romances Históricos


—É obvio. Ele é… foi… meu marido.
—Com respeito a isso — acrescentou lady Clendenen —pergunto-me se é verdade.
Desculpa que te fale com tanta franqueza, Adela, mas notei que Ardelve e você entraram
no quarto antes de se reunir conosco para o banquete. Você estava sozinha com ele,
verdade?
—Sozinha por completo. Por quê?
—Pois ele…? Quero dizer… vocês dois…? OH, meu Deus, simplesmente o direi.
Consumaram seu casamento?
—No quarto da condessa Isabella? —chiou horrorizada.
Lady Clendenen fez uma careta.
—Suponho que não.
Sidony olhou primeiro à uma e depois à outra.
—Ninguém se atreveria a fazer algo semelhante no quarto da condessa com toda a
servidão ao outro lado da porta, senhora.
—Tinha que perguntar, sinto muito — se desculpou lady Clendenen —Posso assegurar
que as disposições mais importantes não se veriam afetadas agora por uma anulação.
—Anulação? —olhou-a surpreendida —Eu não poderia. O que diriam as pessoas?
—Não dirão nada quando se inteirarem de que eu estou a favor do assunto — esclareceu
lady Clendenen —Em especial quando compreenderem que Ardelve considerou desde o
começo essa possibilidade. Sua morte antes que tivessem filhos era um risco a ter em
conta. Nenhum de nós escolhe sua hora, mas ele queria certificar-se de que você estivesse
segura. Conhece seu filho, Fergus?
—Vi-o uma vez — recordou Adela —Tem um ano ou dois mais que eu.
—E vai se casar este ano — acrescentou lady Clendenen —Não ficaria confortável
vivendo com ele e sua esposa.
—Sempre ficaria a opção de retornar a Chalamine —retrucou Adela.
—Quer deixar de ser a esposa de alguém para voltar a ser a filha de seu pai na casa de
seu pai?
Sidony opinou serenamente:

33 GRH - Grupo de Romances Históricos


—E não viveria igualmente infeliz, Adela? Perdão, lady Clendenen, mas Sorcha assegurou
que resistia a se casar com meu pai se tivesse que compartilhar a casa com suas filhas.
—Isto não tem nada a ver comigo — espetou lady Clendenen, sem ofender-se nem um
pouco —Você tem vinte e cinco anos, Adela, é toda uma mulher. Estiveste casada… apenas
uma hora! Não precisa pedir a anulação se a ideia a perturbar, mas se não usar o dinheiro
que te deixou para assegurar o lugar que te corresponde na nobreza escocesa, direi o que
vai acontecer. Quer ver-se em uma situação cada vez mais desventurada dependendo de
seu pai ou de seu enteado?
—Senhora, inclusive se fizesse isso, não me esquecerei de Ardelve como se nunca tivesse
significado nada para mim. Não o farei.
Adela ficou sem fôlego. Antes que pudesse encontrar as palavras para expressar sua
indignação, a porta voltou a abrir-se e entraram Sorcha e Isobel. Procuraram uns
almofadões e se sentaram no chão, ansiosas por contar as novidades do grande salão, onde
a notícia da morte de Ardelve explodiu como um barril de pólvora.
Sorcha disparou:
—Um homem espantoso disse que Adela está sob os efeitos de algum terrível feitiço.
—Que insolência! —exclamou Sidony —Como se atreve?
—Algum cortesão arrogante — opinou Isobel —Diz que por seu rapto e agora por esta
nova tragédia, Deus não quer que Adela se case.
Compartilharam outras noticias do salão antes que Sorcha comentasse:
—Quase não disse uma palavra, Adela. A morte de Ardelve deve ter sido um duro golpe
para você, mas sem dúvida não é a dor o que a matem calada. O que é que a preocupa
tanto?
A jovem sacudiu sua cabeça, mas lady Clendenen respondeu em seu lugar:
—Temo ter tomado a liberdade antes que chegassem de lhe falar com franqueza. —As
três irmãs trocaram olhares de assombro. Ela adicionou com um sorriso —Não disse nada
ofensivo, juro. Só lhe assinalei que deve tomar algumas decisões e lhe sugeri que
considerasse com cuidado seus próximos passos.

34 GRH - Grupo de Romances Históricos


Sua futura madrasta explicou a questão, e a conversa seguiu seu curso outra vez sem a
participação da viúva vestida de noiva. Suas irmãs discutiam acaloradamente o que devia
fazer, embora as três concordassem que seu futuro parecia bem sombrio.
—Mas se ela tem dinheiro próprio agora… — começou a dizer Sidony, pensativa.
—Sim, claro, isso fará as coisas mais fáceis —concordou Isobel —E sempre pode ficar aqui
em Roslin comigo e com Michael, Adela.
—Também poderia ficar em Hawthornden com Sorcha e Hugo, se assim o preferisse —
demarcou Sidony.
—Quanto a isso — disse Sorcha, mordendo o lábio —não acredito que fiquemos em
Hawthornden muito mais tempo. Sir Edward mencionou que Hugo deveria partir com
Donald das Ilhas quando este deixar a Corte para retornar a seu lar, e eu quero ir com ele.
Tenho que levar algumas coisas de Chalamine, e sir Edward nos convidou para passar um
tempo em Dunclathy em nosso caminho de volta, para comprovar que tudo esteja em
ordem. Acredito que estaremos ausentes a maior parte da primavera e do verão.
—Mas Adela pode ficar em Hawthornden mesmo se vocês não estiverem não é assim?
—insistiu Sidony.
—Se ela desejar suponho que sim. Consultarei meu marido.
—Tem outras opções — interveio lady Clendenen —Além de uma generosa atribuição
econômica, Ardelve lhe deixou uma casa em Stirling. Ou, se assim o preferir, pode ficar
comigo em Edimburgo. Eu desfrutaria de sua companhia.
—Muito obrigado, milady — murmurou Adela —Entretanto…
—Por favor, não descarte o convite sem pensar antes —a interrompeu Isobel, e logo
estavam todas outra vez discutindo como se ela não estivesse presente.
Adela deixou de escuta-las, e contemplava a dança das chamas, até que Sidony perguntou
bruscamente:
—E você o que quer Adela?
E talvez pela primeira vez em sua vida, Adela não hesitou em dizer exatamente o que
pensava:
—Quero que todas saiam e me deixem em paz.

35 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Mas…
—Não quero viver em Edimburgo, nem em Stirling, nem em nenhuma outra cidade. Não
quero impor minha presença nem a você, nem a Sorcha, Isobel. Cumprirei com meu dever
para meu defunto marido e depois retornarei para casa. Mas agora tudo o que quero é ficar
sozinha, assim saiam e me deixem em paz.
Uns instantes depois, a porta se fechou atrás delas. Por fim Adela conseguiu o que
queria.
Ao princípio, sentiu-se agradecida, mas em pouco tempo seus pensamentos e suas
emoções começaram a assediá-la. O que tinha acontecido muitas vezes, voltava a
envenená-la. Embora soubesse que era injusto, estava zangada com Ardelve porque
morreu, igual tinha se zangado quando morreram sua mãe e sua irmã Mariota.
Uma voz em seu interior lhe recomendava que não dependesse de nada nem de
ninguém. As pessoas não podiam controlar o destino. A voz parecia tão forte que começou
a perguntar-se se não estava enlouquecendo.
Por que as tinha expulsado de um modo tão descortês? O que pensariam dela? O férreo
controle que tinha conseguido impor-se esfumou sem prévio aviso. Tinha que recuperar a
compostura.
Deitou-se na cama, sem tirar sequer o vestido. Assim que fechou os olhos, caiu
profundamente adormecida.
Despertou de um pesadelo. Não recordava os detalhes, só que se assustou muito, como
de costume, e que sentia que se afogava. Tinha tido pesadelos com frequência depois de
seu rapto, mas esta vez seu colar lhe apertava a garganta enquanto dormia.
O quarto estava às escuras, as brasas na lareira brilhavam tenuemente. Não sabia
quanto tempo tinha dormido. Mas se fazia horas que suas irmãs a tinham deixado sozinha,
talvez estivessem para retornar. Levantou-se de um salto, encontrou a capa de veludo
lavanda que lhe tinha dado Isobel e a pôs enquanto se dirigia para a porta.
Abriu-a com cautela, olhou a seu redor, saiu para o corredor e se lançou escada acima. Já
na parte superior do castelo, fechou a porta atrás de si. Sentiu-se como fora do mundo. O

36 GRH - Grupo de Romances Históricos


inquietante silêncio e a misteriosa escuridão das ameias envoltas na névoa a
sobressaltaram. Misteriosamente uma nova sensação de paz a invadiu.
Uma onda de soluços a sacudiu até que se apoiou com força contra o muro de pedra,
como se quisesse achar consolo em sua solidez em meio da escura neblina. Secou as
lágrimas com a manga e desfrutou de sua repentina liberdade. O ar úmido gelava suas
bochechas, mas não se importava. A capa de veludo a mantinha abrigada, e seu capuz
protegia seus cabelos da bruma. Mas ainda a assustava pensar no futuro.
Embora houvesse dito que cumpriria com seu dever, não queria acompanhar um
cadáver no longo trajeto até as Terras Altas. A viagem duraria duas semanas.
Um chiado a sobressaltou.
—Quem está aí?
Uma voz masculina, profunda e desconhecida, respondeu-lhe oculta na escuridão:
—Não se assuste, milady. Ninguém lhe fará mal.

37 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 3

A voz soou profunda, tranquilizadora, quase sensual.


—Quem é você? —perguntou-lhe, alarmada.
—Só um homem, milady, que se entristece ao escutar os soluços de uma jovem. Há algo
que possa fazer para ajuda-la a apaziguar seu pesar?
—Não, senhor, nada — disse, envergonhada de que ele a tivesse ouvido chorar.
—Não vai me contar o que tanto a aflige, lady Adela?
—Por Deus! Sabe quem sou! —apesar da fria umidade sentiu que suas bochechas ardiam.
—Reconheci sua voz. Tendo em conta o acontecido, tem suficientes motivos para chorar.
É evidente que seu casamento não era um desses enlaces de conveniência se lamenta tanto
a perda de seu marido.
Adela intuiu a identidade desse homem misterioso, porque só um cavaleiro além de
Ardelve tinha demonstrado interesse nela esse dia, mas duvidava de que os hóspedes de
Roslin perambulassem sozinhos pelo castelo, e menos ainda ali acima.
—Imploro, senhor, que me diga seu nome — pediu ela.
—Meu nome não é importante — disse ele —Pense em mim só como uma voz amiga na
escuridão.
—É amigo da família Sinclair?
—Sim, um bom amigo.
—Supunha-o, porque os estranhos não podem subir sozinhos aqui acima.
—Talvez não — concordou ele —Mas esta noite mesmo os prudentes Sinclair não
esperam que um inimigo ronde pelo caminho de vigia. Hugo Robison é famoso por sua
mestria para proteger este castelo.

38 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Sir Michael Sinclair também — acrescentou a jovem, sabendo que Michael se
encarregava de Roslin quando Henry estava ausente.
—Em efeito. Mas está mudando de assunto, milady. Disseram-me que quase não
conhecia seu marido. Lamenta sua perda ou chora por algum outro motivo?
—A verdade é que não sei por que estava chorando — admitiu Adela e tentou clarear
seus pensamentos —O mais provável é que chore porque não posso chorar por Ardelve.
—Confunde-me. Chora, mas não pode chorar por ele, então por que está chorando?
—Faz isso parecer uma charada. A verdade é muito mais simples. Veja, esta manhã me
sentia muito estranha, porque uma mulher deveria estar contente no dia de suas bodas e,
entretanto, não sentia nada.
—E qual acha que é o motivo?
—Por Deus, senhor, não sei. Tampouco sei por que estou lhe contando coisas que
normalmente não diria a ninguém. Se pudesse vê-lo, nunca teria começado esta absurda
conversa.
—Pode retornar a seus aposentos se desejar —recordou ele, sempre com o mesmo tom
sereno e tranquilizador. Sua voz lhe produzia um estranho efeito calmante. Desejava que
essa sensação se prolongasse.
—Ao menos não me ordena que vá a meus aposentos —assinalou ela —A maioria dos
homens que conheço me diriam que devo retornar imediatamente e me encerrar. Me
repreenderiam por ter ficado conversando aqui com você como se o conhecesse.
—Está segura comigo.
—Pode ser —suspirou a jovem viúva —mas dificilmente sir Hugo estaria de acordo.
—A opinião de sir Hugo neste caso me importa um rabanete.
Mais segura que nunca da identidade do cavaleiro e divertida de que se atrevesse a
desafiar Hugo, permitiu-se um leve sorriso.
—Não acredito que se atravesse a dizer-lhe isso na cara.
—Talvez não —concordou ele, e ela percebeu seu sorriso —Soube de seu rapto, é obvio.
Deve ter sido uma experiência terrível.

39 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Foi horrível — estremeceu de repente —Me sequestraram nos degraus da igreja no
dia de minhas bodas. O sacerdote acabava de perguntar se havia alguma objeção para
nossa união quando quatro homens irromperam cavalgando do bosque próximo. Todos
pensaram que eram convidados, salvo que usavam máscaras e que seu chefe…
—Waldron de Edgelaw.
—Exato, ele me capturou.
—Espantoso —murmurou ele.
—Sim, mas não me machucou. E acredito que não teria me machucado em nenhum caso.
—Estou seguro de que o conhece melhor que eu, milady.
Certa brutalidade em seu tom a fez ficar em guarda.
—Bem, não me machucou — repetiu a moça, evitando a dolorosa lembrança de quanto
a tinha aterrorizado o ameaçador Waldron… em especial ao princípio.
—Não acredito ter escutado nenhuma explicação de por que a raptou —prosseguiu o
cavaleiro entre as sombras —Alguma vez esclareceu a razão de sua insolência?
—Disse que era uma vingança pelo que tinha sofrido, e também a Igreja. Eu nunca o
entendi e… Eu não gosto de falar sobre isso, assim se você…
—Me perdoe — a interrompeu, enquanto Adela procurava as palavras para explicar-se
—Não deveria me haver intrometido em um assunto tão pessoal. É um defeito meu não
poder controlar minha curiosidade, quando algo, ou alguém, interessam-me — acrescentou
outra vez com esse leve e brincalhão senso de humor.
—Deveria conhecer minha irmã Isobel, senhor. É impossível que sua curiosidade supere
a sua. Fez-me tantas perguntas que quase a esbofeteei para que se calasse.
Imediatamente se arrependeu de haver dito algo assim. Era fácil soltar a língua com ele,
e tinha falado com Isobel com mais grosseria que a nenhuma outra pessoa desde sua
chegada a Roslin.
—Viver com essas lembranças não deve ser fácil.
Uma avalanche de lembranças, cenas e emoções misturadas passou por sua mente antes
que dissesse de maneira cortante:
—Vi como enforcou um homem.

40 GRH - Grupo de Romances Históricos


As palavras escaparam de sua boca. Outros já tinham perguntado o que recordava, mas
ela só tinha encontrado um vazio em sua memória. Suas palavras ficaram flutuando entre
eles. Adela sentiu um nó no estômago.
O cavaleiro deixou que o silêncio se prolongasse até que a moça ardeu em desejos de
perguntar o que estava pensando. Mas não podia. Não podia recordar que se intrometesse
nos pensamentos de ninguém exceto nos de alguma de suas irmãs, embora só para
inteirar-se de que travessura estavam tramando Sorcha ou Isobel e lhes evitar uma
reprimenda.
Justo quando Adela começava a incomodar-se pelo silêncio, ele falou:
—Algo na realidade muito desagradável de presenciar. Por que ele fez isso?
Nunca tinha pensado antes no motivo. Na realidade, não queria pensar em nada
relacionado com sua terrível experiência. Mas, sem vacilar, explicou:
—Fez para castigar um homem, mas acredito que também para me assustar. Queria me
mostrar do que era capaz, para estar seguro de que eu o obedeceria sem pestanejar.
—Alguns homens tentam dominar por meio do terror, e Waldron era um vilão —
murmurou —O pobre homem merecia esse castigo?
A jovem estremeceu ao invocar a imagem do pobre homem balançando-se do ramo de
uma árvore.
—Ele me disse que me ajudaria… Disse-me que tudo o que tinha que fazer era… —
inspirou fundo e a percorreu um calafrio. Ao final, adicionou precipitadamente —Primeiro
tentou me beijar. Era um homem horroroso!
—Então merecia ser enforcado — sentenciou ele com firmeza —Não deve se preocupar
mais por seres tão aberrantes, milady. Esse homem não era melhor que seu sequestrador.
Ambos mereciam o final que tiveram.
—O que sabe da morte de Waldron? —Muito poucas pessoas conheciam a verdade a
respeito.
—Suponho que sei o mesmo que a maioria — parecia surpreso pela pergunta, mas soava
tão sereno como antes —que desapareceu depois de seu resgate, que está morto. Hugo e
os irmãos Sinclair são cavaleiros destros.

41 GRH - Grupo de Romances Históricos


De repente, a jovem escutou em sua consciência a voz de Hugo, ou de Sorcha, a
advertindo que não devia confiar em um homem que não podia ver, um homem que não
poderia reconhecer se o visse no dia seguinte, a plena luz.
Reconheceria sua voz, entretanto. Além disso, suspeitava quem era, mas não se animava
a dizer-lhe, não ainda. Havia uma coisa que queria esclarecer antes que sua conversa
terminasse.
—Equivoca-se em relação a meu sequestrador — disse —Não era uma pessoa vil. Fez
coisas horríveis, mas tinha fortes convicções, muito distintas das nossas.
—Sua memória é mais bondosa com ele do que merece.
Percebeu agora algo em seu tom que lhe advertia que era melhor não seguir discutindo
esse ponto com ele. Entretanto, ninguém tinha chegado a conhecer a mente e o coração de
Waldron como ela. Não acreditava que sua opinião sobre ele se devesse a sua ingenuidade
ou a um excesso de bondade.
—Ele é quem foi bom comigo, senhor, em muitos aspectos. Compartilhava suas
preocupações comigo. Dizia-me que eu sabia escutar.
—Acha que necessitava que alguém o escutasse?
—É provável.
—Precisava de você?
De repente compreendeu que isso era exatamente o que Waldron a fizera acreditar.
—Talvez quisesse que eu acreditasse — refletiu —Mas então me deixou em liberdade
como se já não lhe servisse, como se não tivesse sido nada para ele, nem sequer uma
simples refém.
—E você queria ser algo para ele?
—Não! —A conversa tinha tomado um rumo perigoso. A tensão reinava nos altos muros
de Roslin —Ele era uma pessoa horrorosa! Ele era…
—Malvado?
—Deforma o sentido de minhas palavras — sussurrou —Não é cavalheiresco.
—Talvez — reconheceu ele, equânime —Discutiremos mais sobre este ponto em outra
oportunidade, se quiser, temo que esteja esfriando muito aqui acima.

42 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não tinha notado — ela admitiu. De bom ânimo, adicionou —Mas agora sim tenho
frio, e de todos os modos, não devo ficar aqui mais tempo. Agradeço este momento de
liberdade de que desfrutei, mas pode que alguém já esteja me buscando.
—Acha isso? —perguntou-lhe ele —Imagino que há esta hora todo mundo deve estar
profundamente adormecido.
—Tão tarde é? Confesso que não tenho a menor ideia da hora.
—Terminaram de servir o jantar faz um tempo. Os espetáculos estavam em seu apogeu
quando saí, e é provável que ainda sigam, mas a maior parte das damas já se retirou. Sem
dúvida dentro de pouco escutaremos os sinos da capela tocando a meia-noite.
—A meia-noite! Meu Deus, não tinha ideia de que tinha dormido tanto.
—Deveria estar agradecida. É bom que tenha podido descansar.
—Bem, agora devo ir. De nada serviria o descanso se ficasse acordada agora só para estar
exausta durante o dia. Amanhã todos voltarão a me acossar me aconselhando o que tenho
que fazer. Devo estar lúcida quando o fizerem.
—Quem se atreve a acossa-la?
Outra vez havia dito o que pensava abertamente. «Maldição», mordeu o lábio, zangada.
Na realidade, sua relação com ele estava demonstrando ser perigosa. Não deveria revelar
sua alma a um desconhecido, muito menos a um homem que se negava inclusive a lhe dizer
seu nome.
—Não me queixo. Sei que o fazem porque lhes preocupa meu futuro. Têm medo de que
cometa algum engano irreparável.
—De todos os modos, o dia mal começou e não é justo que a perturbem com sermões.
Diga que se vão ao diabo.
—Isso é o que faz você quando o chateiam? —perguntou-lhe ela, divertida.
—Nem sempre —admitiu ele —Mas a menos que deva minha lealdade, meus serviços
ou meu especial respeito à pessoa que me oferece conselhos sem que os peça, conhecem-
me por reagir dessa maneira.
Ela suspirou.

43 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Acredito que seria maravilhoso ser capaz de dizer o que penso às pessoas que revoam
ao meu redor como moscas, mas eu não posso fazê-lo.
—Pensava que todas as irmãs Macleod diziam o que pensavam.
—Então é que ouviu falar de Isobel e de Sorcha, e não das outras cinco —replicou em um
tom cortante.
—Ah, é certo. Mas nenhuma parece muito submissa.
—Eu tampouco acredito ser submissa — se indignou Adela —Tento ter tato e de não ser
muito categórica, a menos que esteja de verdade indignada. Hoje disse a todos que me
deixassem sozinha, mas só porque estava sob o impacto da morte de Ardelve, e estava tão
cansada que não podia pensar. Mesmo assim, acredito que eu mesma estava tão
surpreendida como minhas irmãs e lady Clendenen por lhes haver falado com tanta
brutalidade.
—E se foram?
—Sim.
—Bem, então.
Adela decidiu despedir-se antes que alguém a encontrasse ali a sós com o cavaleiro.
Seguramente ele desapareceria como a fumaça em meio da densa névoa, sem fazer o
mínimo ruído que delatasse sua presença.
—Vai ficar aqui acima? —perguntou-lhe ela por fim.
—Acredito que seria o mais prudente, não acha?
—Queria saber seu nome.
—Alegra-me — respondeu ele —Também gostei de conversar com você. Admiro muito
sua valentia.
—Eu não sou valente, senhor. Só fiz o que tinha que fazer. Confesso que embora pense
agora que não tinha muito que temer de Waldron de Edgelaw, estive aterrorizada todo o
tempo que durou o sequestro e durante bastante tempo mais depois.
—Mas, milady, isso é próprio da valentia.
—O que?

44 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Fazer o que deve apesar do medo. Agir com sensatez em um momento crítico é digno
de admiração. É uma mulher virtuosa. Eu gostaria de conhecê-la melhor e ser seu amigo.
O coração de Adela deu um salto. Tentou recordar se alguém alguma vez lhe havia dito
algo parecido antes. Ninguém a tinha definido dessa maneira, jamais. Não sabia o que
responder. Então, sem pensar, as palavras vieram a sua boca com facilidade.
—Eu gostaria, mas como posso ser amiga de um homem cujo nome desconheço?
—É um estranho desafio, mas acredito que está a sua altura. Bem agora demonstre seu
bom senso indo para cama.
—Sim, deveria — mas sua relutância em se retirar tornou-se mais intensa.
—Voltaremos a nos encontrar, prometo —antecipou ele —Até então, quero que saiba
que se necessitar de um amigo, estou a suas ordens.
—É um oferecimento estranho, tendo em conta que não tenho forma de avisa-lo.
—Se precisar de mim, ali estarei.
Talvez parecesse uma promessa falsa, mas as palavras soavam convincentes e, sobre
tudo, tranquilizadoras.
—Boa noite, senhor.
—Que durma bem, minha amiga.
Medindo o caminho de volta até a porta que dava à escada, temerosa de topar-se com
alguém que lhe perguntasse que demônios estava fazendo ali, o que acontecesse a seguir
dependia, como é óbvio, de quem a encontrasse. O pior era que a repreendessem, embora,
sendo agora uma dama casada, só seu marido tinha verdadeiro direito de fazê-lo.
Com outro suspiro, compreendeu que com a morte de Ardelve muitas pessoas iam
querer tomar o lugar de seu defunto marido para cuidar dela.
Desceu as escadas, alerta. Como nunca tinha explorado o passadiço, não sabia quantos
acessos a ele havia. O homem que tinha encontrado nas ameias seguramente as conhecia
bem.
Aquela voz grave ainda ressonava no mais profundo de sua mente.
«Tem que ser Étienne de Gredin», disse-se, convencida. Inclusive recordou que lady
Clendenen tinha mencionado que seu primo tinha chegado da França. O homem oculto na

45 GRH - Grupo de Romances Históricos


névoa falava como um escocês nobre. Entretanto, não era das Terras Altas. Embora Na
realidade lady Clendenen não tivesse comentado nada a respeito de que sua primeira
língua fosse o francês, ou de que ele mesmo fosse francês, sim que seus antepassados eram
franceses.
Uma vez confirmada sua intuição, Adela entrou em seu quarto, e encontrou alguns
abajures acesos e o fogo ardendo.
A donzela de cabelos vermelhos que a tinha atendido desde sua chegada a Roslin saltou
de um banquinho junto ao fogo.
—OH, milady—exclamou —Desculpe-me, ausentou-se tanto tempo que adormeci!
—Bem, já estou de volta, Kenna — disse Adela com calma.
—Milady deseja jantar ou alguma outra coisa?
—Agora só quero me deitar, obrigada.
—Preparei sua camisola, e há água quente na bacia.
Enquanto Adela se preparava para deitar-se, a imagem do homem das ameias irrompeu
de novo em sua mente. Para sua surpresa, alarmou-se ao descobrir que desejava voltar a
encontrar-se com o primo de lady Clendenen com muito mais ansiedade do que
correspondia sendo uma viúva tão recente.

O homem que acabava de conversar com Adela abriu a porta da escada, escutou os
ligeiros passos da moça e esperou até que entrou no quarto. Com guardas por toda parte,
se chegasse a seu quarto sem tropeçar com ninguém, ao menos só uns poucos saberiam
pela manhã que ela tinha estado perambulando pelo castelo.
Se já estavam preocupados com seu estado emocional, algo lógico tendo em conta as
circunstâncias, seu passeio noturno podia causar mais rebuliço de que podia imaginar. Mas
confiava em que ela se recuperaria mais rápido das provas às que se viu submetida se
conseguisse que as bem-intencionadas mulheres a deixassem um pouco em paz.
A beleza de lady Adela era conhecida em todos os rincões das Terras Altas. Mas quando
a viu com seu apertado vestido de bodas de veludo e seus cabelos cor de mel derramando-
se sobre suas costas, ficou mudo de admiração. Seus seios suaves cobertos de veludo

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dourado, como se clamassem pelas mãos ávidas de um homem. Seu corpo se excitou
imediatamente ao vê-la e voltava a excitar-se agora ao recordá-la.
As irmãs Macleod eram célebres por sua beleza, mas quando o povo de Roslin as
mencionava, falavam primeiro da formosa Isobel, que tinha casado com sir Michael Sinclair,
e em segundo lugar da esposa de Hugo, a intrépida lady Sorcha. Muito poucos falavam de
sua irmã mais nova, a tímida lady Sidony.
Sem dúvida Sorcha era muito atraente por seu caráter e seu porte, mas não podia negar
que havia algo em lady Adela que o tinha atraído desde a primeira vez que a vira, no verão
anterior na cerimônia de posse do príncipe Henry de Orkney. No meio do caos da
celebração, ela tinha se mantido tranquila… até que decidiu jogar uma terrina de água na
cabeça de Hugo. Michael lhe havia descrito o fato com detalhes dos mais divertidos.
Céus, como desejava ter estado ali nesse momento para poder ser testemunha do
esplêndido gesto! Com esse só ato ela tinha ocupado para sempre um lugar em seu
coração, mesmo que fosse só por haver posto um limite à prepotência de Hugo. Mais tarde,
depois da cerimônia, ele só a viu depois de seu cativeiro, machucada, aterrada. Mas agora…
Fechou a porta e voltou para as ameias, sacudindo a cabeça. Devia estar louco por
pensar nela, em qualquer delas. Essas mulheres não pertenciam a um homem como ele.
Sem terras próprias ou perspectivas de adquiri-las, não tinha nada que lhe oferecer. As
terras, além de tudo, eram herdadas, recebidas como recompensa do rei ou adquiridas por
casamento. Mas seu pai não lhe deixaria nada, a atual família real provavelmente lhe
tirasse terras ao invés de dá-las e em qualquer enlace com terras no meio, o pai da noiva
quereria obter do consorte algo equivalente em troca.
Quão único ele tinha para oferecer eram suas habilidades como cavaleiro e a confiança
de que os últimos nove anos o ensinaram a controlar seu ardente temperamento… quase
sempre. Nove anos antes, quando tinha devotado seus serviços a Sinclair e a Hugo, tinha-o
feito como um simples escudeiro a serviço de um senhor, sem pensar nem preocupar-se
com seu futuro imediato. E durante nove anos, tinha desfrutado dessa vida. Mas agora…
De pé na impenetrável escuridão, com os braços apoiados sobre o úmido parapeito
enquanto escutava o rumor da água, lutou com seus pensamentos e suas lembranças. Por

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último, percebendo que a neblina tinha transpassado sua grosa capa e que logo estaria
impregnado até os ossos, sir Robert Logan exalou um profundo suspiro de resignação, e se
foi a seus aposentos.

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Capítulo 4

Adela despertou ao escutar uns passos abafados no quarto, seguidos do ruído familiar da
pá raspando o chão da lareira. Abriu as cortinas de sua cama e viu Kenna agachada junto a
uma pilha de brasas, tentando reavivar o fogo.
—Bom dia, milady. Espero que não se importe que tenha vindo tarde, mas como esteve
acordada até tão altas horas da noite, pensei que seria melhor deixá-la dormir um pouco
mais. De todos os modos, a condessa assegurou que você preferia se levantar cedo para
poder receber quem viesse render seus respeitos a lorde Ardelve.
—É verdade — bocejou Adela, afastando as mantas. Teria que cumprir com certas
obrigações, e ela tinha aprendido que as afirmações da condessa deviam ser interpretadas
como ordens mais que como sugestões.
Ao menos se sentia descansada e, por uma vez, não tinha tido nenhum dos terríveis
pesadelos que a tinham acossado desde seu sequestro. Obrigando-se a recordar uma vez
mais que estava a salvo, Adela recordou que o Castelo de Roslin era uma das fortalezas
mais bem guardadas do país. Erguido no topo de um promontório que caía sobre uma
profunda garganta por onde corria o rio North Esk, era inexpugnável mesmo para o inimigo
mais decidido.
O rio rodeava quase todo o promontório, que olhava ao sul, e deixava apenas uma
estreita e aterradora ponte de terra que o conectava a uma traiçoeira região boscosa ao
norte. Dali, alguns caminhos descendiam seguindo a margem oeste do rio, para o norte até
Edimburgo ou para o sul até Roslin Glen. Havia outro caminho que podia alcançar-se
vadeando o rio um pouco mais abaixo do castelo e que continuava ao longo desta margem.
Mais tranquila já, ao repassar as virtudes da fortaleza, a jovem se moveu com rapidez
pelo quarto gelado, lavou-se e depois aceitou a ajuda de Kenna para vestir uma singela
túnica e uma saia de um suave tecido verde.
49 GRH - Grupo de Romances Históricos
—Necessita uma boa touca hoje — sugeriu Kenna enquanto lhe escovava o cabelo.
Adela estava de acordo. Tanto Isabella como lady Clendenen esperavam que se
comportasse como uma viúva decorosa e, como tal, não podia mostrar-se em público com
apenas um curto véu cobrindo seus cabelos.
—Só trance-o, Kenna — pediu —Mas primeiro escove bem para trás. Usarei a touca
branca e o véu de seda que me deu de presente Isobel.
A maior parte da roupa que usava em Roslin provinha da generosa Isobel. Graças à
condessa, tinha o vestido de veludo dourado e uma túnica de seda debruada com fitas
brilhantes na barra, no profundo decote e na borda de cada manga.
Mais tarde, enquanto se dirigia ao salão para tomar o café da manhã, disse-se que talvez
lhe custaria manter-se fiel a sua decisão de comportar-se de maneira cortês. Hesitou ao
chegar à soleira e ver que Isabella, lady Clendenen, Isobel, Sorcha e Sidony estavam
sentadas à mesa conversando.
«OH, Por Deus, aqui vamos de novo», suspirou. O mais provável era que estivessem
falando dela. Ninguém pareceu perceber sua presença, entretanto, e Adela exalou um forte
suspiro para desafogar seu nervosismo. Ergueu-se e caminhou com passo firme para elas.
Exceto dois serventes, não havia nenhum homem presente, até que seu pai entrou no
salão pelo corredor sudeste que conduzia à entrada principal.
—Aguarde moça — a deteve com sua voz estrondosa —Quero te dizer umas palavras.
—Como quiser senhor — soprou ela. Virou-se para enfrenta-lo, e sentiu todos os olhares
sobre ela.
Macleod era um homem robusto, com uma voz potente e um humor imprevisível. Mas,
para sua surpresa, pôs uma mão sobre seu ombro e disse em tom alegre:
—Alegra-me vê-la de pé. Não deve se encerrar.
—Não tenho intenções de me encerrar, senhor — declarou a jovem em voz baixa, apesar
de que sua irritação cresceu ao precaver-se de que seu pai estivera conversando a respeito
dela com lady Clendenen —Conheço minhas obrigações — adicionou em voz bem alta.
—Sei, querida. É uma de suas características mais admiráveis. Confio em seu bom senso
e em que agirá como é devido.

50 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Isso espero, senhor, embora confesse que ainda não sei o que devo fazer. Talvez você
também tenha algum bom conselho a me dar —adicionou com sarcasmo.
Quando ele dirigiu seu olhar para a mesa, inquieto, ela antecipou a resposta de seu pai e
quase exalou um suspiro, humilhada, quando se confirmaram suas suspeitas.
—Bendita seja, minha criança —exclamou —Deveria ficar aqui em Roslin com suas
irmãs… e outras pessoas nas quais pode confiar e que se preocupam com você.
—Por certo, senhor, não acha que a família de Ardelve pode ofender-se se não
acompanhar a meu defunto marido de volta a seu lar?
—Céus, acredito que nem sequer sabem que Ardelve morreu.
Fazendo um grande esforço para ser paciente e não irritá-lo, a moça comentou:
—Logo se inteirarão de sua morte, esse tipo de notícias viaja mais rápido que os ataúdes.
Não esperarão que eu tome parte da comitiva em seus funerais?
—Ealga, quer dizer, lady Clendenen, se ocupará disso, não se preocupe — respondeu,
olhando outra vez para a mesa —Ela enviará uma mensagem dizendo a Fergus que a
convidaram a permanecer alguns meses em Roslin.
Adela teve que refrear o impulso de discutir com seu pai. Mas não podia render-se com
tanta facilidade, não sem defender-se. Para não perder sua liberdade, devia escolher por si
mesma. Então anunciou em uma voz bem alta para que a ouvissem da mesa:
—Estou muito agradecida a lady Clendenen por sua hospitalidade, pai, e, embora
valorize todos seus conselhos, eu decidirei meu futuro.
Seu pai voltou a franzir o cenho.
—Acha prudente, moça? Eu não rechaçaria a oportunidade que te está brindando
milady.
—Sou uma mulher casada, senhor, uma viúva, e tenho meus próprios recursos — contra-
atacou —ou logo os terei. Acredito que tenho o direito de decidir isto por mim mesma.
—Recursos? Que recursos?
—Lady Clendenen mencionou que Ardelve me deixou dinheiro para que eu pudesse viver
com independência. Você esteve de acordo com essas disposições, senhor. Não é assim?
—Ela não deveria ter-lhe dito essas tolices! —grunhiu Macleod.

51 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Por Deus! Então não é verdade?
—OH, sim, é verdade, mas é apenas uma mocinha, Adela, e não pode viver com
independência. O que sabe da vida? Eu me ocuparei de seu dinheiro, ou, se não confiar em
seu pai e escolha estabelecer seu lar em Loch Alsh, espero que Fergus seja capaz de cuidar
de seu dinheiro.
—Acredito que é a pessoa em quem mais posso confiar para que se ocupe de meus
assuntos, pai. É um administrador muito cuidadoso.
—Certamente — concordou em um tom calmo. Parecia menos predisposto a brigar —
Mas se não quer viver em Chalamine…
—Estou segura de que sempre serei bem-vinda em casa, apesar de me haver deixado
bem claro que lady Clendenen não se casaria com você até que tivesse casado a suas filhas.
Ela se referia em primeiro lugar a mim, como bem sabe — adicionou, baixando a voz ainda
mais —Por certo, conhece bastante bem a Sidony para estar segura de que minha irmã
nunca interferiria em sua administração da casa.
—É verdade — reconheceu Macleod —Essa moça é incapaz de tomar uma decisão
embora sua vida dependesse disso.
—Tampouco eu interferiria intencionalmente com lady Clendenen — adicionou Adela,
quase em um sussurro —Mas entendo sua preocupação, cada mulher administra a casa a
sua maneira.
—Bom — pigarreou —Duas mulheres tentando dirigir a mesma casa podem convertê-la
em uma saco cheio de gatos —o percorreu um calafrio —Recordo o que acontecia a minha
mãe e minha esposa. Céus, até que seu tio levou a sua avó para viver com ele na ilha de
Lewis foi algo espantoso. Minha mãe tinha um caráter de mil demônios e provocava a
minha esposa todo o tempo.
—Não acredito nem por um momento que lady Clendenen vá gerar discórdia. Mas tente
entender minha posição, aceitarei conselhos de quem me ofereça isso. Por favor recorde,
também, que estou acostumada a administrar uma casa. Não quero ver-me reduzida a…
Hesitou, não queria desgostá-lo, mas para sua surpresa, ele sorriu.

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—Não quer se tornar como sua tia Euphemia —terminou a frase sem rodeios —Por
favor, querida, não poderia ser como ela embora tentasse.
—Entretanto, temo que possa terminar meus dias como ela — murmurou Adela —
Quando a tia vivia conosco, quase não abria a boca por medo de zanga-lo ou que a
expulsasse, embora você fosse seu irmão e nunca tivesse feito algo semelhante. Não gosta
de ter responsabilidades. Mas eu sim. Sentir-me-ia afogada se tivesse que viver com alguém
que espera que me comporte sempre de um modo submisso.
—Mas as mulheres deveriam ser mansas e submissas — opinou Macleod.
—Talvez algumas deveriam ser —escutou dizer a outra voz —Mas, graças a Deus, a
maioria das mulheres nobres que conheço não é.
Adela tinha esquecido de que havia outras pessoas que seguiam sua conversa em
silêncio. Isabella tinha as bochechas ruborizadas, pois temia o que lady Clendenen pensaria
de sua intervenção repentina.
Não obstante, Macleod, como era característico nele, não tinha prestado a mínima
atenção às mulheres da mesa até que os interromperam. Então deu a volta com o cenho
franzido outra vez, até que identificou a que tinha falado. Então, fez-lhe uma reverência.
—Bom dia, milady — saudou com cortesia à condessa Isabella —Considero afortunado
que uma mulher de sua classe não se submeta com facilidade a ninguém a não ser ao seu
rei. De todos os modos, espero que não esteja influenciando a minha moça com ideias que
se oponham à autoridade que tem que respeitar.
—Nossa Adela tem muito bom senso para não acatar a verdadeira autoridade, meu
querido Macleod —respondeu Isabella, já recuperada —Mas venha conversar conosco
enquanto ela toma o café da manhã. Quase não comeu ontem à noite. Por outra parte —
adicionou enquanto ele vacilava, fazendo uma careta —todos pensamos igual a você. De
modo que podemos te ajudar a persuadi-la. Aproximem-se, estarão mais cômodos se
sentarem-se à mesa conosco.
—Façamos o que nos pede, Adela — murmurou Macleod. Depois em voz mais alta,
agradeceu à condessa e apoiou sua mão no ombro de sua filha.

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Sabendo que não havia outro jeito que obedecer à condessa, a jovem viúva levantou a
vista e topou com a imagem de lady Clendenen, não a de Isabella. Seus olhos cintilavam,
estava sorrindo com muita simpatia como se não tivesse escutado uma palavra da
conversa.
Adela exalou um suspiro de alívio, esperando não haver dito nada que a tivesse
ofendido. Lady Clendenen sempre tinha sido bondosa. Talvez fosse verdade que sentia um
verdadeiro interesse maternal por ela. Adela brincou com a corrente de ouro que
raramente tirava do pescoço.
Quando duas servas chegaram correndo, Isabella enviou uma à cozinha para buscar
comida quente para Adela e à outra à adega buscar cerveja para Macleod. A conversa
continuou enquanto Adela comia, e embora as outras damas estivessem de acordo em que
devia seguir seus conselhos, não parecia haver um consenso geral a respeito.
—É uma parva se insistir em fazer toda essa viagem até Loch Alsh —opinou Sorcha —
Não precisa fazê-la, Adela. Viajar com um morto…
—Por favor, Sorcha, não seja tão desagradável — lhe rogou Sidony —Toda esta situação
já é bastante dura de suportar para ela, embora… eu tampouco gostaria viajar com uma
pessoa morta — adicionou estremecendo —O que é o que você quer fazer, Adela?
Interrogada desse modo, e sem querer desprezar a sua irmã mais nova, Adela respondeu:
—Nossas obrigações às vezes podem ser desagradáveis, Sidony. Mas devemos cumpri-
las de todos os modos.
—Tome um pouco de cerveja, querida — sugeriu Isabella —Ivor está atrás de você com a
jarra.
—Obrigada, senhora —aceitou Adela, fazendo um gesto com a cabeça ao criado. Não
gostava de tomar cerveja no café da manhã, mas era mais fácil aceitá-la que discutir com
Isabella.
Embora houvesse dito a seu pai que receberia com beneplácito qualquer conselho, a
moça deixou que seguissem falando até que lady Clendenen declarou rotundamente:
—A viuvez não é para as jovens ou as de coração terno, querida. Eu já tinha quarenta
anos quando o pobre Clendenen morreu. Ao princípio, inclusive para mim, a vida era cinza

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e deprimente. Mais de uma pessoa me advertiu que a sociedade se escandalizaria porque
eu vivia sozinha em Clendenen. A maioria insistia em que devia viver com um parente
respeitável, o que significava que tinha que me mudar para morar com meu primo Ardelve
ou com meu irmão. Ambos viviam longe da cidade; então, quando uma amiga me convidou
a ficar com ela e com seu marido em North Berwick, aceitei encantada. De todos os modos,
depois de um mês de intolerável solidão ali, aceitei um convite para acompanhar a meus
amigos a uma festa de vários dias em uma casa em Linlithgow.
—Realmente? —perguntou Sidony, sorrindo —A uma festa?
—Sim, e voltaria a fazê-lo — ratificou lady Clendenen —Embora é verdade que a maioria
das pessoas, sobre tudo nas Terras Baixas, acredita que a Igreja de Roma nos ensina que
devemos observar um «conveniente período de luto», muitos outros, perto da fronteira e
nas Terras Altas, acreditam que tem que seguir vivendo enquanto se pode. Temo que meus
amigos de North Berwick compartilhavam a opinião dos primeiros.
—Por conseguinte, a solidão — concluiu Sorcha com um tom seco.
—É verdade. Mas acredito que nosso tempo neste mundo é muito breve para desperdiçá-
lo em prantos. Assim quando o rei se mudou de Stirling a Edimburgo um mês depois, com
toda cortesia ignorei os insistentes convites de meus amigos e suas advertências, e retornei
a Clendenen House. A vida continuou com mais animação e alegria.
—Eu tampouco acredito nos lutos muito longos —interveio Macleod —Mas não corria
nenhum perigo enquanto estava com seus amigos, além disso, era mais velha e mais
prudente que minha moça. Graças a Deus, ela não conta com nenhuma casa aonde ir
sozinha como fez você.
O olhar divertido de lady Clendenen se encontrou com o solene de Adela.
—Acaso eu não tenho uma casa, senhor, em Stirling? —perguntou ela.
—Quem disse isso? —perguntou-lhe. Mas era evidente que já tinha descoberto, antes
que as palavras lhe escapassem da boca, porque dirigiu um olhar furioso a sua futura
esposa.
—Eu disse — afirmou lady Clendenen —Pensei que devia saber.

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Adela se concentrou em seu café da manhã enquanto o humor de Macleod entrava em
ebulição. Isabella sorria e Sorcha e Isobel logo participaram da luta. Ambas concordavam
em pensar que lady Clendenen tinha cometido um grave engano ao mencionar a casa de
Stirling, mas Adela se sentia agradecida pela informação. Perguntou-se que outras coisas
lhe teriam ocultado das disposições de Ardelve.
O que pensaria seu misterioso amigo sobre o debate? De repente, desejou poder contar-
lhe tudo. Confiava em que, de um modo ou outro, ele poderia ajudá-la a decidir o que era o
melhor para ela.
Quanto mais tempo permanecia sentada ali, no meio do campo de batalha, mais se
convencia de que não queria retornar a Loch Alsh ou a Chalamine. As obrigações eram
importantes, sem dúvida, mas se todos à mesa estavam de acordo em que não tinha
nenhum dever para Ardelve, com certeza ele tampouco esperaria que ela acompanhasse ao
cortejo fúnebre e pedisse hospitalidade a um enteado que tinha visto uma só vez em sua
vida.
Nesse preciso momento, sir Hugo entrou no salão com vários de seus homens.
Evidentemente surpreso de encontrar tantas pessoas ainda à mesa, deteve-se para saudá-
las.
—Dissipou-se já a névoa? —perguntou-lhe Isabella.
—Não, milady. Ainda assim, sir Edward e a maioria de nossos hóspedes planejam partir
depois do almoço. Enviarei dois de nossos homens com cada grupo de maneira a me
assegurar que não sofram contratempos no caminho.
—Uma boa ideia — celebrou Isabella —Muito obrigada, Hugo.
Ele inclinou a cabeça, depois olhou para Adela e sorriu para Sorcha antes de retirar-se
com seus homens para as escadas do noroeste.
Ao vê-lo, Adela recordou a sugestão de Sidony de que ficasse no castelo de Hawthornden.
Isso lhe permitiria ficar tranquila e pensar com clareza.
Hawthornden estava a uma milha de distância de Roslin. Recordava-o vagamente, tinha-
o visitado uma só vez com Isobel, Sidony e a condessa, mas recordava que estava sobre o

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rio Esk em um escarpado alto e íngreme. Os homens de Hugo o tinham usado como
fortaleza até que ele levou Sorcha para lá, mas lhe tinha parecido um lugar acolhedor.
Perguntou-se se sua irmã teria comentado seu oferecimento com Hugo. «Quanto mais
terei que esperar para poder falar com ela em privado? —perguntou-se enfastiada da
situação —Muito bem, chegou o momento de tomar decisões por mim mesma». Adela
esperou uns minutos antes de pedir permissão para retirar-se.
—Subirei contigo — disse Isobel, levantando-se.
—E eu também — adicionou Sorcha.
Adela estava segura de que tinha mantido uma expressão neutra, mas foi consciente de
um olhar de compreensão de Isabella antes que a condessa dissesse ao passar:
—Não fuja de mim, Sorcha, você tampouco, Sidony. Quero mostrar às duas uns tecidos
que chegaram ontem de Paris. Venham comigo agora. Estão no quarto.
Adela exalou um suspiro de alívio.
—Estamos asfixiando você, querida? —perguntou-lhe Isobel enquanto desciam da
plataforma.
Adela sacudiu sua cabeça, sentindo-se um pouco culpada.
—Sei que todos têm boas intenções. É só que não estou acostumada a que haja sempre
tanta gente a meu redor. Nem sequer posso pensar.
—Quer dizer que não está acostumada a que todo mundo esteja dizendo o que deve
fazer.
—Sim, é isso —admitiu ela —Além disso, aconteceram tantas coisas que necessito
tempo para pôr em ordem minhas ideias antes de decidir.
—Eu a entendo—disse Isobel fazendo uma careta —Eu nunca obedeci a ninguém até
que apareceu Michael em minha vida. O escuto porque sabe me escutar. Papai nunca o fez.
—Está tentando me dizer que nunca obedeceu a Hector? Porque se você…
—Não me acreditaria —riu Isobel —E teria razão. Não o chamam Hector o Feroz sem
motivo, mas faz um par perfeito com Cristina, o que demonstra que às vezes as aparências
enganam. Ela nunca imaginou que seu casamento com ele seria feliz, mas é.
—E agora está tentando me dizer que deveria ouvir papai não é assim?

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Isobel se serenou.
—Não só a papai, Adela. Também considero que não é prudente que retorne às Terras
Altas se tiver que recorrer à hospitalidade do novo lorde Ardelve. Mal conhecemos Fergus,
mas lady Clendenen me disse que vai se casar logo, e duvida de que a sua noiva fique feliz
com sua presença.
—Ardelve a mencionou algumas vezes — afirmou Adela, recordando suas palavras —
Também me disse que é uma herdeira, o qual foi um fator determinante para que ele a
considerasse uma esposa conveniente para Fergus.
—Bom, as irmãs Macleod também se casaram bem.
—Começo a acreditar que estou destinada a morrer solteira — suspirou Adela —Veja o
que aconteceu cada vez que tentei me casar.
Isobel fez uma careta.
—Por favor, supõe-se que é sensata. Pensa no que me diria ou a Sidony se nos víssemos
na mesma situação.
—Sei — afirmou a jovem viúva, levantando com uma mão suas saias e com a outra
medindo o muro de pedra enquanto subiam pela escada em caracol —É estranho como os
conselhos que alguém dá a outros com tanta frequência diferem da própria conduta, não
é?
A risada de Isobel ressoou no vão da escada.
—Deixo-a aqui —anunciou quando chegaram ao primeiro patamar —Quero ver meu
bebê, e Isabella me espera para se despedir de nossas hóspedes. Disse-me que não tinha
que comer com todos os outros ao meio dia, a menos que queria fazê-lo. A maioria não
espera vê-la.
—Então não irei — resolveu a moça, agradecida.
—Talvez possamos seguir conversando esta tarde — propôs Isobel —Prometo que não te
darei nenhum conselho a menos que o solicite, mas se quer falar para por em ordem suas
ideias, estarei feliz de te ouvir.
Adela agradeceu seu oferecimento sem lhe assegurar nada e subiu as escadas além de
seus aposentos até o nível superior, onde se achava o pequeno quarto que Hugo usava

58 GRH - Grupo de Romances Históricos


quando estava em Roslin. Frente a ela havia outro quarto, do outro lado do patamar de
pedra, e a um nível inferior ao acesso às fortificações e à muralha.
Quando Hugo vivia em Roslin antes de casar-se, tinha usado esse aposento como
dormitório. Agora a destinava para todo tipo de atividades. Esperava encontrá-lo ali.
Essa parte das escadas era geralmente bastante escura. Como ainda estava a certa
distância do acesso à muralha, teve a esperança de que a porta do quarto de sir Hugo
estivesse aberta.
Escutou vozes de homens, estranhamente distorcidas. Imediatamente reconheceu a voz
de Hugo.
Ao princípio não entendeu suas palavras. Mas logo depois de dar dois passos sua voz lhe
chegou com toda claridade: «… assassinado, mas não só sir Ian, mas também Will».
Maldição, tinha escolhido um mau momento para encontrar-se com Hugo.
—Então suponho que está pensando em acabar também com Einar Logan — disse outro
com o áspero sotaque dos fronteiriços.
—Temo que sim — concordou Hugo, e sua voz soava mais próxima.

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Capítulo 5

Sob o impacto do que acabava de ouvir, Adela ficou imóvel recordando ao soldado
barbudo que tinha ajudado Hugo depois da queda de Ardelve. Einar Logan era capitão das
tropas de Hugo, que tinha colaborado em seu resgate logo depois de seu rapto. De fato, à
exceção de Hugo e de Sorcha, tinha arriscado sua vida por ela mais que ninguém. Waldron
o tinha derrubado com uma flecha, mas por sorte sua cota de malha o tinha protegido e
não tinha sofrido feridas graves, embora ela mesma tivesse sido ferida nesse dia. Quando
terminou de recuperar-se, Ardelve, Macleod e a condessa já tinham arrumado suas bodas.
Em meio aos preparativos e incapaz até de pensar nas coisas espantosas que lhe tinham
acontecido, esqueceu-se de Einar Logan. Percebia agora, muito a seu pesar, que nunca o
tinha agradecido.
Ansiava escutar algo mais, mas a porta de cima se fechou de uma portada, e já não pôde
ouvir suas vozes. Uma parte dela queria precipitar-se escada acima, abrir a porta de
repente e perguntar por que diabos Hugo estava pensando em trair a um de seus chefes e
de seus soldados mais fiéis. Acabar com Einar Logan, isso sim que era terrível!
Outra parte mais prudente de seu ser a convenceu de renunciar a essa ideia. Tampouco
seria conveniente que algum dos soldados de Hugo a encontrasse na escada logo debaixo
dessa porta fechada, farejando.
Já em seu quarto, correu o passador para assegurar tranquilidade e assim poder pensar.
Embora assim que terminou de fazê-lo, lhe ocorreu outra ideia. Uns minutos depois pos sua
capa lavanda e correu escada abaixo.
Podia encontrar-se com Sorcha e lhe contar o que tinha escutado. Sua irmã conhecia
Einar muito melhor que ela, porque como capitão da retaguarda de Hugo, tinha-os
acompanhado a todas as partes.

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Mas Sorcha insistiria em que falassem com Hugo. A discussão começaria e só Deus sabia
como terminariam. Adela estremeceu ao imaginar isso, era o tipo de cena que ela
detestava. Já tinha decidido por um plano mais ardiloso: encontrar Einar e lhe contar ela
mesma a ameaça que tinha ouvido.
Atravessou depressa o salão vazio e desceu pela escada sudeste até a entrada principal
do castelo. No recinto de entrada, a pesada grade de ferro estava aberta e presa contra o
muro. Não se via guardas em nenhum lugar. Adela desceu os poucos degraus até o pátio
empedrado, ainda úmido e cheio de névoa.
Envolvendo-se em sua capa, cruzou o pátio até os estábulos sob a torre da lareira no
muro nordeste. Chamou um criado:
—Desejo falar com Einar Logan.
—Não sei onde está, milady — respondeu o rapaz, coçando os cabelos castanhos —Mas
o procurarei. Milady o esperará aqui ou deseja entrar?
Seu plano era tão claro, tão singelo de levar a cabo que não lhe tinha ocorrido que
pudesse não encontrar o capitão de Hugo.
—Não é necessário — disse ao solícito criado —Só queria lhe agradecer um favor que me
fez. Falarei com ele depois.
Despediu-se do rapaz e retornou ao salão tão depressa como saiu, temerosa de
encontrar-se a qualquer momento com Macleod, com Hugo ou com alguma de suas irmãs.
Apressou-se a cruzar o salão, ainda havia vários obstáculos perigosos que ultrapassar.
Tinha visto poucos hóspedes. Talvez os outros estivessem se vestindo ou fiscalizando a
partida de sua bagagem. Dois serventes desconhecidos passaram a seu lado conversando.
Seguiu seu caminho até seu quarto.
Assim que abriu a porta de seu dormitório, encontrou Kenna arrumando a cama.
Também tinha alimentado o fogo, que chispava alegremente.
—Lady Isobel enviou-me, senhora, deseja comer a sós? —perguntou a criada, enquanto
Adela esquentava suas mãos no fogo.
—Agradeça-lhe de minha parte, mas diga que quero descansar. Sem dúvida voltarei a ter
fome antes da hora do jantar.

61 GRH - Grupo de Romances Históricos


—De acordo — obedeceu Kenna, a ponto de retirar-se.
—Espera um minuto — a deteve Adela —Conhece Einar Logan?
—Certamente, milady —respondeu Kenna, abrindo muito seus olhos —É amigo de meus
irmãos.
—Então, pode-lhe dizer que agradeço sua ajuda e que quero lhe devolver esse favor na
modesta medida de minhas possibilidades? —Em seguida, baixando a voz, adicionou —Eu…
eu escutei sem querer algo que ele deveria saber, Kenna. Sem dúvida estou exagerando,
mas assim mesmo diga que quero falar com ele.
A criada franziu o cenho.
—Não acredita que deveria dizer a sir Hugo o que escutou, milady? Ele sem dúvida
esclarecerá o assunto imediatamente.
Adela podia ser tudo menos uma consumada mentirosa. Entretanto, não queria confiar
nada mais a jovem donzela. Nem tampouco admitiria que não podia contar nada a Hugo
sem pôr Einar ainda mais em perigo.
—É simplesmente um rumor que escutei.
Estava o bastante perto da verdade para tranquilizar sua consciência.
—Bem, então transmitirei sua mensagem, milady —aceitou Kenna.
—É muito amável. —Adela agradeceu a discrição da moça —Ele atuou como um bom
amigo, e necessito amigos agora mais que nunca. Não quero que lhe aconteça nada de
mau.
—É um bom homem — concordou Kenna —Meus irmãos dizem que embora haja outros
mais fortes, ninguém o supera com uma espada.
O sorriso íntimo da donzela fez que Adela se perguntasse se a moça não teria algum
interesse em Einar Logan.
Adela ficou tranquila por alguns instantes, mas pouco depois de que a criada partisse,
alguém bateu à porta.
—Adela, está aí?
Reconheceu a voz de Sorcha e seus vigorosos golpes.
—Diabos! —exclamou Sorcha entrando —Por que fechou?

62 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Porque as pessoas parecem pensar que desfruto tanto de sua companhia que acreditam
que podem entrar e sair quando desejar. Queria descansar tranquila — se queixou.
—Está zangada conosco? É certo que a estivemos importunando com nossos conselhos,
mas estou de acordo com lady Clendenen em que…
—Sei que está de acordo com ela — a interrompeu com um tom muito cortante —
Explicou-me isso com detalhe enquanto tomava o café da manhã esta manhã.
—Não acreditei que estivesse escutando.
—Você, entre todos, deveria ser a primeira em defender minha privacidade. Sabe que
não estou acostumada a ter tanta gente ao redor interessada em meus assuntos. Estaria
mais disposta a escutar se alguma de vocês parecesse estar mais interessada em minhas
emoções que em me afligir com seus conselhos e me exigir que os aceite. Sem dúvida, a
condessa será a próxima em me ordenar o que devo fazer.
—Talvez — hesitou Sorcha, magoada —Mas te equivoca. Papai me enviou para busca-la.
Logo servirão o jantar. Lady Clendenen o convenceu a mandar chama-la.
—Meu Deus, por que ela?
—Não sei. Parecia muito misteriosa.
—Quem mais jantará conosco?
—Só a família. Assim não precisa trocar de roupa. Mas lave o rosto e se penteie.
Adela obedeceu, e se Sorcha tivesse entendido errado, não era culpa dela, porque
segundo o ponto de vista de lady Clendenen, a família abrangia a muitas mais pessoas do
que qualquer delas supunha. Mas só Hugo, sir Michael e Macleod estavam no salão.
Entretanto, quando Sorcha e Adela se aproximaram da plataforma, abriu-se a porta do
quarto e saíram Isabella com lady Clendenen, Isobel e Sidony.
Atrás de Sidony apareceu o bonito cavaleiro de olhos verdes, Étienne de Gredin.
O coração de Adela começou a pulsar com violência. Deteve-se abruptamente e segurou
a sua irmã pelo braço.
—O que ele faz aqui? —perguntou a Sorcha.
—Não sei — disse Sorcha —É primo de lady Clendenen, o Chevalier.

63 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Sei quem é — Adela sentiu que lhe ardiam as bochechas ao recordar seu encontro nas
ameias —Tem título francês.
—Sei muito pouco dele — respondeu Sorcha aborrecida —Ninguém o apresentou a mim,
mas é provável que se aloje em sua casa de Edimburgo. Aposto que ainda está aqui porque
ela não quis que retornasse sozinho com esta neblina.
—Suponho que sim — murmurou Adela, percebendo que o cavaleiro a estava olhando.
—Por que a olha dessa maneira? —perguntou Sorcha com o cenho franzido —Direi a meu
marido que fale…
—Não, não incomode Hugo — a interrompeu sua irmã —Não vai aproximar-se aqui.
Quis detectar algum indício de que ele também estava pensando em seu encontro na
muralha, mas não se atreveu. Remoia-lhe a consciência ao recordá-lo. Depois de tudo, era
uma viúva.
Tinha estado em companhia de Ardelve em tão poucas ocasiões que as podia contar com
os dedos de uma mão. Mas isso não justificava que estivesse pensando em outro homem
apenas um dia depois de sua morte. Que tipo de mulher se via tentada a fazer semelhante
coisa? Talvez…
—O que acontece? Parece… Não saberia como descrevê-lo. Algo está errado Adela. Diga-
me o que é.
A jovem mordeu o lábio. De suas seis irmãs, Sorcha era a mais difícil de evitar.
—Pensa que uma pessoa possa enlouquecer depois de ter vivido uma série de
acontecimentos terríveis? —perguntou-lhe.
Qualquer de suas irmãs teria respondido que não. Mas Sorcha ficou calada tanto tempo
que um calafrio percorreu as costas de Adela.
—Isso é o que pensa? —inquiriu Sorcha, por fim —Por isso estiveste tão silenciosa
depois de seu resgate? Tem medo de estar enlouquecendo?
Adela engoliu saliva.
—Não sei. Às vezes…

64 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Me desculpem por interrompe-las —apareceu lady Clendenen, de um nada —Mas a
condessa Isabella está impaciente para começar o jantar e eu quero apresentar-lhes meu
primo antes que nos sentemos à mesa.
—Não precisa se desculpar, milady —Respondeu a jovem viúva.
—É obvio que não — adicionou Sorcha —Estamos ansiosas para conhecer seu primo.
—Tão ansiosas como eu para conhecer vocês —disse o belo jovem com um sorriso
encantador e um marcado sotaque francês.
—Por favor, me permitam lhes apresentar ao Chevalier Étienne de Gredin, que desejou
conhecê-las desde sua chegada aqui ontem.
O cavaleiro fez uma reverência, sustentando o olhar de Adela.
—É isso verdade? —perguntou Sorcha —Então me pergunto por que desapareceu tão
logo depois da refeição. Juraria que estive toda a tarde com você, milady. Poderia tê-lo
apresentado em qualquer oportunidade.
—Desmascarou-me, lady Robison — sorriu o cavaleiro —Devo confessar que aceitei um
convite para ir caçar.
—Em meio a névoa?
—Mas oui. A névoa se acumula no topo dos penhascos, para um açor não há nenhuma
diferença. Os Açores a diferença da maioria das aves de rapina, são excelentes caçadores
em áreas boscosas.
Adela permanecia em silêncio, tentando comparar esta voz que falava com ligeireza e
com um forte sotaque, com a voz mais firme e clara que tinha escutado a noite anterior.
Embora estivesse segura de que reconheceria essa voz assim que a escutasse, não podia
detectar nenhuma semelhança. Mas se o homem da muralha não era Étienne de Gredin,
quem era então? Talvez o Chevalier tinha uma insuspeitada habilidade para mudar de
sotaque.
—Disse algo que a ofendeu, lady Ardelve? —perguntou-lhe muito amavelmente.
Levada por uma curiosidade pouco comum nela, Adela replicou:

65 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não queria parecer descortês, senhor, mas sua senhoria mencionou que não era
francês de nascimento. Mas seu título… e o sotaque… — hesitou, temendo estar na
realidade cruzando a linha entre a boa educação e a rabugice.
Dirigiu-lhe outra vez seu encantador sorriso:
—Mas non, madame, outorgaram-me o título sendo muito jovem, quando acompanhei
meu pai a corte francesa. Meu desafortunado sotaque é o resultado do hábito e de uma
recente estadia em Paris. Confesso, embora talvez não devesse fazê-lo, que as damas na
Corte de Sua Excelência o acham muito encantador. Lamento que a você desagrade isso,
porque desejava causar uma boa impressão à irmã Macleod mais famosa por sua beleza. Se
lhe desgosta —adicionou com malícia —farei um esforço para falar como um escocês.
—Por favor, senhor, veja suas maneiras — o advertiu Sorcha antes que Adela pudesse
responder —Minha irmã acaba de enviuvar faz dois dias. Quem se atreveria a lhe fazer a
corte?
Arrependido de sua falta de tato, o cavaleiro se desculpou imediatamente:
—Lady Ardelve, imploro que me desculpe. Odiaria que minha impulsividade pudesse tê-
la ofendido. Só o que desejo é fazê-la sorrir e oferecer uma simples amizade. Tampouco
quis ofender a você, lady Robison. Ou estou além de toda possibilidade de perdão?
—Não, é obvio que não — tranquilizou-lhe Adela, registrando sua referência à
«amizade», mas de todos os modos aliviada ao perceber a chegada de Hugo.
Impulsivamente, adicionou —Uma pessoa necessita amigos, senhor. Espero chegar a ser
um dos seus.
—Se me sorrir agora para me garantir que me perdoa, seremos muito bons amigos.
—Por favor, não diga coisas absurdas, sir — o repreendeu Sorcha, irritada por tanta
breguice —Precisaria algo mais que uma descortesia não intencionada para me zangar. Mas
espero que não peça sorrisos a minha irmã.
—Sorcha! —Adela deu uma cotovelada em sua irmã e ruborizou.
—Não o farei, mas se necessitar um amigo, lady Adela, estou a suas ordens.
Era evidente que desejava adicionar algo mais, mas sir Hugo se aproximou e disse
olhando com severidade a De Gredin:

66 GRH - Grupo de Romances Históricos


—A condessa me pediu que convidasse a todos a sentarem-se à mesa.
—Onde está Henry? —perguntou-lhe Sorcha.
—Retornou a Edimburgo com todos os outros. Desde que o rei retornou, Henry esteve se
divertindo na Corte o bastante para não querer ficar aqui por mais tempo. Mas vamos
agora ou minha tia me cortará a cabeça.
Sorcha riu, o pegou pelo braço e com um sorriso disse a Adela:
—Suponho que devemos ir. Seguiremos conversando mais tarde, se quiser.
—Retornamos a Hawthornden pela manhã — comentou Hugo —Espero que nos visite
outra vez antes de irmos às Ilhas na próxima semana.
Sua mente saltou para Einar Logan e o terrível destino que Hugo e o homem invisível lhe
tinham preparado. Atinou a fazer uma indecisa inclinação de cabeça, sem revelar a Hugo o
que sabia.
Antes que a boa educação a obrigasse a explicar seu vago gesto de assentimento,
Isabella falou:
—Espero que tenha podido descansar bem esta tarde, Adela, querida, e que agora esteja
esfomeada.
—Sim, madame —respondeu com a maior cortesia, enquanto se sentava no lugar que
Isobel indicava.
O olhar de Adela se atrasou pensativo em Gredin. Sem dúvida, ele tinha falado com esse
sotaque francês para manter em segredo sua identidade um pouco mais de tempo.
Os músicos de Isabella amenizaram a refeição, mas como não houve outros espetáculos,
a jovem viúva pediu permissão para retirar-se logo que terminou o jantar.
—Vá, vá, querida —a autorizou Isabella com um sorriso cheio de calidez —E que durma
bem.
Sem mais rodeios, a moça partiu. Sentiu que o Chevalier lhe sorria, mas confiou em que
não tivesse a intenção de segui-la. Sorcha não seria a única que consideraria improcedente
uma conversa privada entre eles. Embora, devesse admitir que não tinha sentido a mesma
inibição na muralha.

67 GRH - Grupo de Romances Históricos


Gredin parecia muito seguro de si mesmo essa noite. Que maravilhoso seria que ele
fosse seu amigo! Embora a amizade entre um homem e uma mulher que não tivessem um
laço de parentesco fosse tão estranha que não podia recordar nenhum caso. Talvez depois
de que lady Clendenen se casasse com Macleod, poderiam desenvolver uma amizade.
Chegou a seu quarto esperando que suas irmãs não se sentissem obrigadas a segui-la.
Depois de seu rapto, conversar cortesmente com pessoas estranhas era um esforço, já não
lhe dava prazer como em Chalamine. Inclusive conversar com pessoas que conhecia bem
significava um esforço. De repente lhe assaltou o temor à loucura.
Revolveu as brasas e tirou um pouco de lenha de um cesto de vime para jogá-la ao fogo
e reavivá-lo para esquentar as mãos que tinham gelado na escada. A água na bacia também
estava fria, e Kenna não traria água quente até que viesse ajudá-la a preparar-se para
deitar-se. Aproximou um banquinho da lareira e se sentou com as mãos estendidas para as
chamas.
A dança das chamas não colaborava para ordenar seus pensamentos. Ainda estava
contemplando-as, a mente em branco, quando escutou a porta. Esperava encontrar Sorcha,
mas em seu lugar viu Kenna.
—Por Deus, já é hora de ir-se à cama?
—Não, milady — disse Kenna aproximando-se com uma mão estendida —Trouxe uma
mensagem.
—Uma mensagem? Da parte de quem?
—Meu irmão Tam me disse que não fizesse perguntas.
—Por favor, não mencione isto a nenhuma de minhas irmãs. Talvez seja de Einar Logan.
—Não, milady, não acredito que saiba ler ou escrever, tampouco sabemos meus irmãos
nem eu.
Adela se envergonhou de sua ingenuidade. Mas um momento mais tarde, agradeceu que
Kenna tampouco soubesse ler.
Disse que necessita de um amigo. Vá à capela quando estiver vazia, entre as vésperas e
meia-noite. Deixe uma vela acesa perto da entrada se estiver sozinha. Depois se ajoelhe
frente ao altar e espere. Estará a salvo.

68 GRH - Grupo de Romances Históricos


A mensagem não estava assinada, mas Adela não necessitava uma assinatura. A
expectativa de reencontrar-se com o Chevalier a encheu de felicidade, mas hesitou. Uma
coisa era a muralha escura em uma noite de densa névoa e outra muito distinta era cruzar
o pátio uma hora e meia antes da meia-noite para ir à capela. Nem sequer estava segura de
que a encontraria aberta.
Não se incomodava com a falta de decoro por encontrar-se com Étienne. Confiava nele.
Além disso, nada terrível podia acontecer na capela. O pátio não estaria deserto. Só teria
que gritar.
Ocorreu-lhe que podia encontrar-se com Hugo, com Michael ou com seu pai. Nenhum
aprovaria sua presença ali a essas horas da noite.
Olhou para Kenna fingindo despreocupação.
—Desejo ir à capela mais tarde. Ultimamente descuidei minhas orações noturnas, quero
rezar a sós depois que minha família tenha retornado do serviço religioso. Acompanhar-me-
ia até o pátio e esperaria minha volta?
—É obvio milady. E não mencionarei uma palavra a respeito.
—Obrigada — disse Adela. Talvez pudesse pedir a Kenna ajuda para ir até a capela e
encontrar-se com seu misterioso amigo.
—Acredito que primeiro devo ir preparar as coisas para que lady Isobel se deite —
acrescentou Kenna, pensativa —Não se importará se mencionar que você precisará de mim
mais tarde, em especial se sir Michael subir ao quarto dela como faz frequentemente. Mas
devo lhe dizer que vou estar com você, porque não devo faltar a minhas obrigações a
menos que seja imprescindível.
—Por Deus, não! —exclamou Adela —Eu tampouco quero que o faça, espero que dentro
de duas horas, no máximo, a capela esteja vazia. Cumpra suas tarefas, Kenna, e retorne
quando puder. Esperarei você.
Passaram mais de duas horas, mas Adela não tinha motivos para queixar-se. O quarto
estava em silêncio, o fogo ardia alegremente, e quando Kenna retornou, informou
orgulhosa:

69 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Fui à cozinha, milady, e espiei pela porta traseira até me assegurar de que todos
saíssem da capela. Se esperarmos uns minutos mais, não haverá ninguém, nem sequer o
sacerdote. Se milady concordar, retornaremos pelo mesmo caminho para não topar com
ninguém.
A jovem viúva agradeceu a sugestão, não tinha ocorrido a Adela passar pela cozinha.
Diminuía grandemente a possibilidade de encontrar-se com alguém que a enviasse
imediatamente a seu dormitório.
Vinte minutos mais tarde, Adela e Kenna escapuliram pela porta da cozinha sem serem
vistas por ninguém, exceto por uma mulher que estava preparando a massa para os pães
do dia seguinte, e um rapaz que cuidava do fogo a seu lado. As tochas iluminavam o pátio,
teria que mover-se com a habilidade de um felino.
—Espero aqui, milady?
—Sim.
Adela deslizou pelos muros até a porta da capela e sentiu uma estranha mescla de alívio
e desassossego quando conseguiu levantar a trava sem problemas.
Um brilho laranja provinha da capela propriamente dita.
Havia uma vela acesa dentro de um nicho, que parecia dar as boas vindas. Caminhou até
o altar com segurança.
Não teve que esperar muito. Sem um só ruído de advertência, a vela se apagou, e a
escuridão a envolveu outra vez.
Sua voz era profunda, firme e tranquilizadora igual à noite anterior.
—Não tema — ele disse —Sou eu.

70 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 6

Antes de apagar a única vela, Rob ainda sentia a presença de lady Adela como uma suave
brisa cálida na capela. Escutou o débil rumor de seus movimentos enquanto se voltava para
ele.
—O que houve com seu sotaque francês? —perguntou-lhe, um pouco tensa. Ele hesitou
—Como vê… adivinhei quem é.
—Realmente?
—Sim, mas não deve ter medo. E embora eu não aprove os segredos ou os
comportamentos clandestinos, queria lhe pedir um conselho.
—Verdade? —ainda medindo a parede para avançar, adicionou —Perdoe-me, acredito
que não compreendo lady Adela.
—Acaso vai negar que fingiu ter um forte sotaque francês, sir?
Embora tentado a negar categoricamente, respondeu em troca:
—Admitirei que de vez em quando acho útil fingir esse sotaque, e outros também, em
todo caso.
—Sabia! —exclamou aliviada.
—O que sabia? —perguntou ele divertido.
—Sua identidade, é obvio. Não sou tola, sir. Delatou-se imediatamente, sabe?
—Fiz isso?
—Certamente. Se não tivesse me olhado na capela de uma forma tão chamativa, nunca
teria adivinhado. E depois, me cortejar como fez esta noite… Sua voz soava completamente
distinta, isso é tudo.
Rob apertou os punhos ante a ideia de que alguém a tivesse estado olhando e que
também se atreveu a lhe fazer a corte, mas fez um esforço para relaxar e deixar passar sua
irritação. Com suavidade, disse-lhe:
71 GRH - Grupo de Romances Históricos
—Hoje manifestou sua necessidade de um amigo, milady. E, além disso, expressou sua
preocupação por outro homem.
—Em efeito — admitiu ela, surpreendendo-o.
Ele tinha imaginado que a jovem iria fazer uma pergunta tímida para descobrir se estava
ciumento, mas depois de pensar, reprovou sua vaidade masculina.
Adela não tinha dado nenhum motivo para que ele esperasse essa reação de sua parte.
Na realidade, tinha revelado muito pouco de si mesma, além de manifestar sua confiança e
lhe fazer uma ou duas confidências. Esteve tentado a lhe advertir que essa inocente
confiança podia resultar perigosa, mas não quis assustá-la. Em troca, perguntou-lhe:
—O que aconteceu para que se preocupe tanto por ele?
—Eu… eu escutei duas pessoas conversando. Diziam que tinha chegado o momento de
acabar com ele. Ele me fez um favor muito especial, e não desejo que lhe aconteça nada de
ruim. Mas não sei como posso ajudá-lo. Você nem sequer o conhece, não é?
—Sei quem é. —Rob estava afundando cada vez mais no poço de seu engano. Mas tinha
que averiguar o que ela pensava fazer com respeito a Einar Logan —Quem são os homens a
quem ouviu falar?
—Não sei. Só escutei vozes no vão da escada.
Imediatamente notou que mentia pelo tom de sua voz e poderia ter percebido inclusive
se não soubesse a verdade. De todos os modos, aprovava que a jovem fosse capaz de
guardar segredos. Adela não tinha reconhecido a voz de Rob, mas sem dúvida tinha
reconhecido a de Hugo.
O cavaleiro seguiu o jogo e perguntou:
—Que mais disseram esses desconhecidos?
—Um deles disse que alguém tinha morrido. Não, que duas pessoas tinham morrido. Isso
é… — vacilava. Por fim, com um forte suspiro, concluiu —A verdade é senhor, que não
estou de todo segura. Ele disse que alguém tinha morrido, sir Ian. Isso acredito… Mas o
único nome conhecido que escutei foi o de Einar Logan.
—Que mais disseram a respeito dele?
—Isso foi tudo. Ouvi um golpe forte, como de uma porta fechando-se, e nada mais.

72 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Então não viu ninguém.
—Não, nem tampouco tentei me aproximar.
Então ela queria fazê-lo acreditar que não sabia com exatidão onde tinham estado os
dois homens. Bom, tampouco a pressionaria.
—Foi prudente ao se manter afastada —a felicitou.
Adela permaneceu em silêncio, imersa na penumbra até que por fim declarou:
—Não deveria incomoda-lo com meus problemas.
—Um amigo sempre está desejoso de escutar.
Outro silêncio. Que estranho, a jovem parecia vacilar. Acaso já não confiava nele como
antes?
—Não é importante — sentenciou ela, como se falasse para si mesma. Voltando a exalar
outro forte suspiro, disse —Sei que se preocupam comigo, mas todos me afligem com
tantos conselhos que não posso pensar. Tinha a ilusão de que falando com você as coisas
me pareceriam mais claras, não tenho direito…
—Estou ao seu serviço, milady — a interrompeu com galanteria —Não vou pretender
oficiar de conselheiro, mas saberei escutar, se você quiser falar.
—Eu gostaria — concordou ela —Sinto-me cômoda falando com você, mas não posso
ficar muito tempo. A donzela de lady Isobel me acompanhou até a porta traseira da cozinha
e espera minha volta. Não quero que precise explicar a alguém o que está fazendo ali.
—Sem dúvida a moça poderá pensar em alguma desculpa para não delata-la.
Adela decidiu tranquilizar-se e confiar a seu amigo secreto todas as suas preocupações.
Sentou-se num banco da capela e começou seu relato. Antes que terminasse, ele
comentou:
—Pelo que ouço, lady Clendenen esteve bastante ocupada.
—Não me admira que pense isso. Estou segura de que a conhece muito melhor que eu.
Ele deixou passar a frase, e só disse:
—Pergunto-me por que se intromete tanto em seus assuntos.
—Acredito que já escolheu um bom marido para mim —suspirou resignada —Por isso me
convidou a sua casa em Edimburgo.

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—Sei — na realidade não sabia nada, mas soava ao tipo de coisas sem sentido que as
moças costumavam dizer, e ele não queria desviar-se de sua preocupação central —Se
realmente quer meu conselho —continuou ele —penso que é prudente aceitar seu convite.
Se Ardelve dispôs que tivesse seus próprios ganhos, não precisa recorrer ao seu filho para
que a mantenha. Nem tampouco precisa voltar a se casar. De fato, aconselho-a que evite o
casamento até que ache que está preparada.
—É obvio que está de acordo com lady Clendenen. Não devia ter falado disto com você…
—Por que diz isto? —perguntou-lhe desconcertado.
—Preciso falar com sir Hugo — declarou de maneira terminante, tentando levar a
conversa a seu ponto original.
—Deve falar com ele de todos os modos — ratificou com gentileza, enquanto uma mão
vigorosa roçava o ombro dela na escuridão.
Ela ficou imóvel, quase sem poder respirar. Com esforço, conseguiu articular:
—Por quê?
—Deve lhe dizer o que escutou nas escadas. Ele saberá o que fazer a respeito. Einar Logan
é um dos capitães de suas tropas, e Hugo pode protegê-lo melhor que ninguém. Deveria ter
lhe informado imediatamente.
Adela não quis dizer a ele que Hugo sabia tudo a respeito da conversa, simplesmente
replicou:
—Falarei com ele.
—Bem — afirmou, sem retirar a mão de seu ombro.
—Quero confiar em você — prosseguiu a moça timidamente —De fato, sei que não me
fará nenhum mal, mas estava me fazendo a corte faz um momento, e… — mordeu com
força o lábio inferior —… e, por certo, não sei que direito têm de me fazer a corte quando
mal nos conhecemos… e em minha atual situação…
Fazendo um esforço por soar calma, afastou-se dela e a interrompeu:
—Antes que continuemos com esta conversa, milady, devo perguntar quem acha que sou.
—Mas… — hesitou, em seguida suspirou de alivio —OH, entendo. Pensa que posso me
equivocar que posso confundi-lo com outra pessoa. Eu temia o mesmo até que me explicou

74 GRH - Grupo de Romances Históricos


que podia usar diferentes sotaques. Não me ocorreu até esse momento que podia ter
motivos para ocultar sua identidade além de querer me parecer mais misterioso… mais
interessante. Isso foi uma tolice, porque lembrei que seu pai…
—Meu pai? —as palavras lhe escaparam.
—Sim, porque sua prima me disse…
—Lady Adela, por favor, só me diga quem pensa que sou.
—Desculpe. Deve pensar que estou louca, falando sem parar na escuridão. Em ocasiões
acredito que enlouqueci. A única coisa que tenho certeza é de sua identidade, e se agora
descubro que estou equivocada, que não é quem eu acredito, então sem dúvida terei
perdido a razão.
Tremeu-lhe a voz. O cavaleiro se sentiu um vil verme por ter levado a conversa até esse
ponto. Embora não pudesse vê-la, tinha muito clara sua imagem em sua mente. Adela era
pequena e magra, de aspecto frágil. E sem dúvida luzia esse olhar triste que havia nublado
seu fulgor depois de seu rapto.
De repente desejou rodeá-la com seus braços e rodeá-la estreitamente.
— Sinto muito —se desculpou a jovem com um fio de voz —Mas se você não é Chevalier
de Gredin, então estive me confessando com um completo estranho.
Rob sentiu como se lhe tivessem dado um chute no estômago. Por todos os diabos,
tinha-o confundido com esse francesinho efeminado. Quis tomá-la intempestivamente e
beijá-la para que não tivesse dúvidas do tipo de homem que era. Mas se conteve,
amaldiçoando sua boa educação.
Não podia lhe dizer toda a verdade, até tramar com precisão seu plano.
—E bem? —perguntou-lhe ela, impaciente.
—Espero que não transmita suas suspeitas a ninguém —respondeu de maneira ambígua.
—Não, é obvio que não o farei!
É obvio, Adela não percebeu a ambiguidade e interpretou a resposta como uma
confirmação. De todos os modos perseverou, e acrescentou com firmeza:
—O Chevalier de Gredin não deveria estar cortejando-a. Nem tampouco deveria estar
vivendo sob o mesmo teto que você. Se você disser a lady Clendenen, garanto-lhe que ele

75 GRH - Grupo de Romances Históricos


terá que mudar de residência para agrada-la. Deveria evitar sua companhia exceto em
situações públicas, evitar falações.
— Se… sim, sei… —balbuciou ela —Tentarei evitar outro tipo de encontros. Sem dúvida,
há detalhes que não está me dizendo, mas me parece que compreendo o que devo fazer.
—Realmente? —ele ficou tenso, com a esperança de que ela não tivesse decidido
acompanhar ao defunto.
—Ficarei onde seja bem recebida.
—Me alegro — afirmou ele, aliviado.
—Acha que se voltar a sentir a necessidade de conversar com um amigo, posso contar
com você?
—Quando quiser, milady.
—OH, é muito amável — paquerou ela —Agora devo ir, antes que Kenna venha me
buscar.
—Consegue chegar até a porta?
—Acredito que sim. Deseja sair primeiro?
—Não, vou ficar um momento ainda.
Adela passou perto dele, sem perceber, e o corpo do cavaleiro reagiu imediatamente. O
perfume da jovem despertou seus sentidos e se perguntou se não seria ele quem tinha
perdido a razão.
A jovem caminhou na escuridão para o lugar de onde provinha sua voz. Mas no meio do
silêncio, depois de um passo ou dois, sentiu-se perdida entre as sombras.
—Me diga algo —lhe pediu —Não posso ver nada, me oriente com sua voz.
—Estou aqui — disse ele —Apenas caminhe para mim. Não deveria haver nada em seu
caminho.
—Sei. Sem os genuflexórios, o chão está livre de obstáculos.
Rob se aproximou dela silenciosamente e a tocou na cintura. Adela não tentou afastar-
se.
—Não deveria confiar com tanta facilidade em homens que não conhece, mocinha —
murmurou, seu tom tinha uma estranha aspereza.

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—Sinto como se o conhecesse — sua voz saiu do mais profundo da garganta, mas o
corpo tremia, e se sentia mais viva que nas últimas semanas, talvez mais que nunca.
—Não deveria fazê-lo, de todos os modos —insistiu ele.
—É estranho, sei — adicionou ela —Mas desde o primeiro momento, a outra noite na
muralha…
—Por Deus, isso foi ontem à noite.
—Ontem à noite? Parece-me como se tivesse passado mais tempo. Mas desde esse
momento, tive a sensação de que o conhecia de toda a vida.
—Verdade?
Dedos quentes roçaram sua bochecha. Adela umedeceu os lábios, nervosa. Ficou imóvel,
até que ele levantou seu queixo e sentiu o suave contato dos lábios dele sobre os seus. E
quando a mão em sua cintura a estreitou ainda mais, ela não ofereceu resistência.
Beijou-a durante alguns instantes, depois ele se afastou. Ainda a mantinha em seus
braços quando disse com doçura:
—É deliciosa.
Por resposta, ela se estreitou contra ele e apoiou sua bochecha sobre seu peito. Percebeu
o aroma de sua casaca de couro, tão viril. Sentia-se pequena contra seu peito musculoso.
Escutou o batimento de seu coração, primeiro lento e rítmico, depois mais rápido. Seu
abraço se estreitou antes que suas mãos subissem pelas costas de Adela e acariciassem sua
nuca.
—Perdoe minhas maneiras bestiais — sussurrou com a voz enrouquecida —Você procura
segurança e se encontra comigo, um homem que não pode resistir aos seus encantos.
—Não há nada que perdoar, acaso não estou a salvo contigo? —perguntou-lhe,
insinuante.
Ele se separou de maneira abrupta.
—Este mundo é um lugar perigoso, você mesma pode comprovar. Se as pessoas
equivocadas começam a suspeitar que há algum vínculo entre nós, pode voltar a se
encontrar em uma situação de risco.
—É por isso que finge ser outra pessoa?

77 GRH - Grupo de Romances Históricos


Rob suspirou.
—Não me peça que compartilhe meus segredos contigo. Ninguém os conhece.
—Jamais o trairia.
—Sei — respondeu ele, sua voz outra vez cheia de doçura —Mas a única forma de
protegê-la é que meus segredos morram comigo.
Adela se sentiu ferida. Tinha-lhe confessado até sua preocupação mais íntima como uma
menina inexperiente e ele demonstrava quão imprudente era revelar os segredos a um
estranho. Isso era para ele: uma estranha. Tentando recuperar sua dignidade, anunciou:
—Agora tenho que ir. Kenna deve estar impaciente.
—Me alegro de que tenha decidido não retornar às Terras Altas.
—Eu também — murmurou ela —Boa noite.
Enquanto se afastava, a jovem sentiu o peso de seu olhar. Quando estava a ponto de
atravessar a soleira, ele voltou a lhe dirigir a palavra:
—Mantenha-se afastada de Gredin, milady.
Não respondeu. Tudo o que podia fazer era não olhar para trás para tentar distinguir suas
feições a débil luz que se filtrava no vestíbulo.
Enquanto cruzava o pátio, Adela se perguntou como faria para evitá-lo se aceitasse o
convite de lady Clendenen. Inclusive se ele se mudasse, se encontrariam em reuniões
sociais, sobre tudo se ambos fossem a Corte.

Rob ficou de pé junto à porta entreaberta da capela, observando como Adela cruzava o
pátio até encontrar-se com a paciente Kenna. Amaldiçoou-se por ter cedido a seus impulsos
mais baixos, complicando a situação.
Recordou de repente as palavras de seu avô:
—É capaz de manter a boca fechada como corresponde, rapaz — o elogiara sir Walter ao
revelar o primeiro segredo. Orgulhoso pela importância que lhe adjudicavam, um Rob de
treze anos aguardava sem fôlego as ordens de seu avô. —É forte e veloz, como fui eu e foi
meu pai antes que eu. Seu pai nunca foi muito hábil com a espada, mas você já está

78 GRH - Grupo de Romances Históricos


demonstrando ter a destreza dos Logan. Seu pai pensava te enviar para os Douglas, mas,
em troca, eu o enviarei a Dunclathy. Terá que se esforçar, mas a recompensa valerá a pena.
—Dunclathy? —perguntou decepcionado, nunca tinha ouvido falar desse lugar. O
pequeno Rob tinha ansiado aprender a lutar com o conde Douglas.
Os vínculos de sua família com os Douglas se fortaleceram ao longo dos anos. De fato, o
bisavô de Rob e seu irmão, sir James Douglas, tinham morrido na tentativa levar o coração
de Robert Bruce a Terra Santa. Seus laços com os Sinclair também eram estreitos por ter
empreendido a aventura em companhia de sir William Sinclair.
—Aprenderá a arte de combater com a espada em Dunclathy — repetiu —e todas as
virtudes que deve ter um cavaleiro.
Rob queria ser um cavaleiro. Queria aprender a arte de combater com a espada e outras
virtudes guerreiras sob as ordens do conde Douglas, sobre tudo desde que se inteirou de
que Douglas tinha a intenção de ser rei da Escócia, aliando-se com Robert Stuart. Douglas
considerava Stuart um homem de paz, alguém que não desejava o poder dos Douglas na
fronteira, e seu apoio lhe tinha aberto o caminho para converter-se em Robert II da Escócia.
Uma segunda razão tinha despertado as ambições de Rob: Douglas tinha uma filha
incrivelmente bela. Apesar de ter apenas treze anos, abrigava em segredo sonhos de
realizar um esplêndido casamento.
—Tinha pensado ir para os Douglas — disse com audácia a seu avô.
—É uma honra imensa ir a Dunclathy. Mas deve manter em segredo entendido?
—Sim, senhor — respondeu o menino com um suspiro.
De todos os modos, quando seu irmão mais velho Will se inteirou de que Rob não serviria
aos Douglas, zombou tanto dele que um dia, enfurecido até a indigestão, Rob lhe tinha
gritado que ele faria algo muito mais importante que ir aprender com os Douglas, como seu
tolo irmão. Inclusive, adicionou, sabia um segredo que Will não conheceria nunca.
Como resultado, os irmãos brigaram até que sir Ian os separou. A notícia chegou a sir
Walter. Foi a única vez, recordava Rob que seu avô o tinha surrado. A lição surtiu seu efeito.
Mas enquanto observava Adela que falava com Kenna, recordou outra lição duramente
aprendida. Um cavaleiro nunca deve agir de maneira pouco honorável. Um cavaleiro não

79 GRH - Grupo de Romances Históricos


deve enganar. Um cavaleiro nunca abandona alguém em uma situação de necessidade,
nem maltrata alguém mais fraco.
E Rob tinha quebrado todos os códigos com Lady Adela. Se em algum momento queria
retificar sua má conduta, tinha que começar por falar com Hugo.

80 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 7

Como não gostava de adiar as tarefas desagradáveis, Rob partiu em busca de Hugo.
Quando o informaram que estava no quarto da condessa, mandou Ivor com uma
mensagem: «Desejo te falar de um assunto privado».
O criado logo retornou com Hugo, que elevou as sobrancelhas ao ver Rob.
—O que acontece?
—Prefiro discutir a sós. —Compreendendo a alusão, Ivor se retirou com uma solene
reverencia. Em seguida Rob se voltou para Hugo e lhe disse sem mais preâmbulos —
Acredito que chegou o momento.
Hugo o olhou divertido.
—Estou de acordo, embora antes não pensasse o mesmo. Não te ocorreu que depois de
tantos anos a ignorar sua família e à maioria de suas relações, pode ser difícil provar quem
é?
—Não, por que teria que ser? Não mudei tanto que não possa voltar a por as coisas em
seu lugar. Necessito a roupa adequada, é obvio, e um bom cavalo ou dois. Mas se você,
Michael, Henry e a condessa me reconhecem…
—Milady e eu teremos partido para as Ilhas antes. Mas tem razão. A palavra de Henry é
suficiente. Não vai primeiro a sua casa?
—Para que? Encontrar-me-ei com algumas dificuldades ali. Para começar, nem sequer sei
quem está a cargo do lugar. Meu pai só tinha um irmão, que morreu faz tempo, e como a
propriedade inclui a maior parte das terras entre Holyrood Abbey e Leith Harbor, apostaria
a que uma boa quantidade de pessoas que pensam que estou morto provavelmente
também está tentando proclamar-se terceiro barão Lestalric. Quero ver quem aparece.
Hugo se apoiou na pesada mesa que usava para revisar sua contabilidade.
—Tem ideia de quem poderia aparecer?
81 GRH - Grupo de Romances Históricos
—Douglas, talvez, em defesa dos direitos de lady Ellen, mas duvido de que ele me
desafiasse ou tentasse ocupar as terras de Lestalric. Depois da morte de Will, o mais
provável é que tenha mandado buscar Ellen e a tenha escoltado até Hermitage ou
Tantallon.
—E quem mais?
—Céus, Hugo, Ealga Clendenen é minha parente, em certo grau. De modo que qualquer
um parente dela pode reclamar Lestalric.
—Pensava em algo mais concreto—assinalou Hugo —Os Stuart, por exemplo. As pessoas
os consideram arrivistas porque não têm terras próprias além de Carrick em Galloway.
—Exceto o castelo de Stirling e de Edimburgo —lhe recordou Rob secamente.
—Essas são posses reais que adquiriram com a coroa —esclareceu Hugo —Pertencem-
lhes porque recentemente se estabeleceu que o filho mais velho do rei herde a coroa em
lugar de que a nobreza escocesa escolha a seu monarca. Sua Alteza tem mais vergônteas
que terras, e vários de seus filhos estão decididos a aumentar suas propriedades. O conde
de Fife é um deles, e Lestalric está a menos de duas milhas de Edimburgo. Isso o converte
em uma sede importante para qualquer príncipe com ambições de acrescentar seu poder.
Fife não oculta a ninguém seu desejo de converter-se em rei da Escócia.
—Os Stuart não têm nenhum direito legítimo a aspirar Lestalric.
—Só estou dizendo que talvez deva enfrentar a interesses muito poderosos.
Rob suspirou.
—Meu avô esperava que Will e Ellen tivessem um montão de filhos. Desgostar-lhe-ia
muito inteirar-se de que não nasceu nem uma filha. Por certo, ele nunca esperou que eu
herdasse. Tampouco eu. Deve haver-se enfurecido comigo quando sai de casa —adicionou,
pensando com carinho em sir Walter.
—Não pode culpa-lo por isso.
—Certamente —concordou Rob —Mas eu era muito jovem e iracundo, e me senti traído.
Talvez se tivesse me dado melhor com meu pai ou com Will, as coisas teriam resultado
diferentes, mas não respeitava muito a nenhum dos dois. Mantive meu sobrenome porque

82 GRH - Grupo de Romances Históricos


sou orgulhoso dele, mas me desfiz do resto, para não ter nenhum vínculo com eles e para
que não pudessem me encontrar se me buscassem.
—Ou, em caso de que não o buscassem, evitaria se sentir ferido por sua falta de
interesse em você —atravessou Hugo com perspicácia.
—Pensa que foi por isso? —perguntou-lhe Rob, coçando o queixo.
—Isso não importa agora. Transcorreu muito tempo já. Mas quando te contei que tinham
morrido, ainda parecia resistente a ocupar seu lugar.
—Bem — pigarreou —acostumei a minha vida aqui. Nunca me preparei para ser um
suserano, além de tudo, nunca tive nenhuma propriedade pela qual me preocupar. E
embora estive negociando com Sinclair para conseguir uma esposa rica…
Hugo sorriu.
—O que o fez mudar de ideia?
—O que acha de nos sentarmos e conversarmos como gente civilizada? —propôs-lhe
com cautela —Vou atiçar essas brasas e adicionar lenha ao fogo.
Rob tomou fôlego. Não era nenhum segredo que as pessoas tinham esperado que
houvesse um casamento entre Hugo e lady Adela antes de seu rapto. Mas tampouco era
um segredo que Hugo estava tão apaixonado por sua esposa como pode estar um homem.
De todos os modos…
—Vamos, cospe — o açulou Hugo com impaciência —Não vou comê-lo.
—OH, fico tranquilo então — respondeu, com um sorriso irônico —Então começou —
Acabo de falar com sua cunhada.
—Sidony?
—Não, deveria ter recordado que tem umas quantas cunhadas por aqui. Falei com lady
Adela.
—Acreditava que se retirou a seus aposentos faz uma hora.
—Encontramo-nos na capela — Quando Hugo franziu o cenho, Rob, o cavaleiro, relatou
vagamente esse encontro e o da muralha —Não lhe revelei minha identidade porque…
—Não queria dizer quem é — sentenciou Hugo em um tom grave.

83 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não me atrevi, não sem explicar-lhe tudo — admitiu Rob —Irei a Corte, jurarei
fidelidade ao Velho Bleary e reclamarei minha herança. Logo saberei como proceder.
—Alguém daqui te reconhecerá, não acha?
Agradecido de que Hugo não manifestasse mais interesse, ao menos por enquanto, nos
detalhes de sua conversa com Adela, Rob avivou o fogo pela última vez e aproximou mais o
banco.
—Não acredito. Vão me reconhecer como sir Robert de Lestalric. A pessoa vê o que quer
ver, e com a roupa apropriada e um ar de importância e riquezas, representarei bem meu
papel.
—De todo modo, sua aparição na Corte pode irritar aos que cobiçam Lestalric.
—Talvez, mas me ocorre um só homem capaz de interpor-se em meus assuntos: o
Chevalier de Gredin.
—Diabos, por que o faria?
—Se não me equivoco, está muito interessado em lady Adela. E ela me disse que planeja
aceitar o convite de lady Clendenen.
—Começo a acreditar que De Gredin não é o único que tem interesses em jogo…
—Tolices — Rob fez um gesto depreciativo —A moça está muito confusa, e eu necessito
tempo para me assegurar Lestalric. Se algo mais surgir entre nós, o futuro dirá. Mas De
Gredin parece muito decidido a conquistá-la.
—Na realidade, o sujeito me desagrada —reconheceu Hugo.
—Eu também não gosto dele, sobre tudo pelas coisas que fui descobrindo a respeito dele
—adicionou Rob.
—Começo a acreditar que devo cancelar a viagem ao oeste —hesitou Hugo —Mas agora
que o novo senhor das Ilhas já rendeu seus respeitos ao rei, retornará logo, e milady e eu
temos que viajar com ele.
—Lady Sorcha espera com ansiedade a viagem —sorriu Rob.
—Porque enquanto isso pode levar de Chalamine tudo o que necessita. De todos os
modos, não só quereria vê-lo no papel de barão, mas também talvez possa precisar de
mim, em especial se Henry também partir logo para Orkney.

84 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Michael estará aqui —recordou Rob.
—E fará tudo o que possa, mas me ocorreu algo mais. Qual será a reação de Adela para o
novo barão? Depois de tudo, ela te viu.
—Na realidade, não me viu bem. As damas não se fixam nos cavaleiros que se comportam
como simples soldados, e recordará que inclusive depois de que me recuperei em
Hawthornden, reteve-me ali até faz uns poucos dias. Ela só me viu uma vez no dia que a
resgatei por alguns instantes, de longe. Duvido que me reconhecesse quando tiramos o
corpo de Ardelve da plataforma.
—Está seguro de que não te viu na muralha ou esta noite na capela?
Rob sacudiu a cabeça.
—Nem eu podia ver as mãos na névoa. E esta noite apaguei a vela na capela antes que
ela pudesse me olhar.
—Assim que deu um susto terrível a pobre moça enquanto rezava, não é certo? —disse
Hugo, quase com um grunhido.
—Na realidade… enviei-lhe uma mensagem para que nos encontrássemos ali.
—Demônios! Por todos os céus, é um…!
—Calma, Hugo — Rob levantou as mãos em um gesto pacífico —Não é o que acha.
Tinha começado a explicar-lhe quando apareceu sir Michael Sinclair sem prévio aviso e
perguntou:
—Que demônios estão tramando?
—Feche a porta —respondeu Hugo e adicionou, sorrindo —Aparentemente, sir Robert
de Lestairic decidiu reclamar sua herança.
—Realmente? —surpreendeu-se —Então desfrutaremos do rebuliço, nosso Robbie
sempre dá um jeito de provocar um.
—OH, sim, é claro que sim — riu Rob —Além de tudo, tenho que entreter a Corte.
—Só preocupe-se de não entretê-la muito. Causou muitos problemas — advertiu Michael
—Vim dizer que descobrimos que os assassinos de seu pai e seu irmão não eram ingleses.
Não eram parte do exército inglês, ao menos.
—Quem lhe disse isso? —perguntou-lhe Hugo.

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—Douglas. Os malditos ingleses estão avançando sobre a fronteira. Ele e sir Ian estavam
rastreando uma área entre Jed Forest e Carter Bar para interceptar aos invasores.
—E Will ia com eles?
—Sim, como bem sabe, seu irmão procurava sempre o modo mais fácil de impressionar
os outros com suas proezas. Sem dúvida teria retornado a Corte carregado de incontáveis
façanhas, luzindo seus melhores ornamentos e contando milhares de histórias para
deslumbrar as moças. Mas não me parece bem falar mal dele agora — adicionou Michael,
pedindo desculpas com o olhar —De todo o pequeno grupo, só sir Ian e Will foram
assassinados.
—O melhor seria não falar dele absolutamente — concluiu Rob —Desejaria poder sentir
pena pelo destino de ambos, mas além de indignação contra os que se atreveram a
assassiná-los, não sinto nada.
—O que aconteceu com os outros? —perguntou Hugo.
—Nem um arranhão — afirmou Michael —Viram quatro homens vestidos de negro,
armados até os dentes, e que usavam uma cota de malha leve. Depois, ninguém tornou a
encontrar aos quatro assassinos.
—Eu não gosto de como isto soa — grunhiu Hugo —Terá que estar muito atento, Rob.
—Se tiver que ocupar o lugar de meu pai e cumprir com meu papel de barão — fez uma
careta, mudando o tom lúgubre da conversa —Divertir-me-ei tudo o que possa. Eu não
gosto de deixar de lado minha espada. —E, dirigindo-se a Michael —Diga ao Douglas que
necessito um pouco de tempo para escolher meus homens antes de saber quantos
soldados posso lhe oferecer. Estou seguro de que meu pai não foi muito cuidadoso na
defesa de suas fronteiras. Ele queria proteger Lestalric, mas não compreendia que a melhor
maneira de fazê-lo era apoiar Douglas. Há outra coisa que deveria discutir com vós, de
todos os modos —adicionou a contra gosto.
Ambos o olharam curiosos.
—Pergunto-me se é algo ainda mais importante do que estivemos falando.
—Em efeito — antecipou enigmático —Pode ter a ver com a Ordem, algo que
encontramos sem procurar, algo que custodiamos…

86 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Deixe já de mistérios — se queixou Michael —Explique de uma vez.
—Espere — se adiantou Hugo, levantando-se sigilosamente. Abriu a porta, esquadrinhou
o vão da escada, e depois voltou a fecha-la e correu o ferrolho —Agora sim. Do que se
trata?
—Preciso falar também com Henry — anunciou Rob —Meu avô me deu uma pista e
penso que Henry poderia me ajudar.
—Necessita-o agora? —perguntou-lhe Michael —Retornou a Edimburgo.
—Então falarei com ele ali — resolveu Rob.
—Que tipo de informação te deu seu avô? —perguntou-lhe Hugo.
—Disse-me duas coisas — respondeu solene —A primeira, que ia aprender coisas muito
especiais em Dunclathy e que formaria parte de um grupo secreto e de vital importância.
—Referia-se à Ordem, sem dúvida — atravessou Michael.
—Não especificou. Também se mostrou crítico em relação com o outro assunto, dizendo
que ia me deixar informação em um lugar seguro, mas tenho a impressão de que o mais
provável é que se referisse a um mapa. Já estava doente quando me enviou para que seu
pai me educasse, Hugo, temia morrer antes de voltar a ver-me. Nunca confiou em Will que,
depois que soube que herdaria Lestalric, só se preocupou de pavonear-se com seu título.
—E o que te faz pensar que se referia a um mapa? —perguntou-lhe Michael.
—Talvez sejam meras conjecturas de minha imaginação —hesitou Rob —Mas o avô me
assegurou que, quando chegasse o momento oportuno, encontraria a chave diante de
meus olhos.
—E como pode vaticinar tudo isso? —quis saber Michael, interessado, aproximando
outro banquinho para sentar-se.
—«Compreenderá tudo quando conhecer aos irmãos Sinclair» — citou Rob as palavras
de sir Walter —Foi então quando me inteirei de que íamos treinar juntos. Mas quando sir
Edward me revelou que nossa herança incluía os cavaleiros templários e todas as
obrigações que isso implicava, comecei a pensar que o segredo devia relacionar-se com a
Ordem e seu mítico tesouro.

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—Talvez Logan arrebatou uma segunda parte do tesouro dos templários — opinou
Michael —Sabemos que era magnífico. Talvez haja partes do tesouro dispersas por toda
Escócia.
Rob sacudiu sua cabeça.
—Recordem que em 1307, quando chegaram os navios com o tesouro às Ilhas, minha
família vivia aqui em Lothian. E meu bisavô e seu irmão, ambos templários, eram amigos de
sir James Douglas e sir William St. Clair.
—Os ingleses penetraram na região nesses dias — lhes recordou Hugo —E a invadiram
duas vezes mais depois de que Bruce os expulsou. Não pode saber com quem se aliaram
seus antepassados.
—Tudo isso é certo — reconheceu Rob —Entretanto, penso que se trata de algo
diferente. Não esqueça que a Ordem custodiava todo tipo de tesouros das casas reais do
mundo.
Michael e Hugo se olharam, e quando Hugo arqueou suas sobrancelhas, Michael
acrescentou:
—Sabemos que a Ordem também custodiava mapas e documentos dos chefes de Estado
— e dirigindo-se a Rob, adicionou —Seu avô disse que saberia quando seria o momento.
Por que pensa que chegou?
Rob fez uma careta.
—Se algo me acontecer, o segredo morrerá comigo, e agora que os ingleses estão a ponto
de nos invadir de novo, decidi que os homens em quem mais confio devem saber tanto
quanto eu a respeito. Além disso, alguém parece muito interessado em acabar com todos
os barões Lestalric — pigarreou secamente —E como ainda não estou preparado para
morrer…
—É compreensível —demarcou Michael.
—Mas esqueceu de ao menos um detalhe, Rob — respondeu Hugo.
—Qual?
—A bela viúva de Will. Garanto-te que lady Ellen ficará encantada com sua volta. Pensou
nisso?

88 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não, por certo, não tinha pensado — murmurou Rob.
Embora a viúva de seu irmão tivesse sido uma vez o amor de sua vida, fazia muito tempo
que tinha deixado de pensar nela.
Os três continuaram discutindo detalhes de sua partida até que Rob juntou seus
escassos pertences e se retirou a seus aposentos. Em seguida dormiu profundamente. À
alvorada, selou seu cavalo, disse algumas palavras amáveis aos rapazes do estábulo e
deixou para trás o Castelo de Roslin.

Adela despertou mais tarde que de costume, tomou o café da manhã na intimidade de
seu dormitório e perguntou a jovem criada se seus irmãos já tinham falado com Einar
Logan.
—Tam acredita que quero paquerar com esse homem —se queixou a moça, ruborizando-
se —Mas eu não estou apaixonada por ele, milady. Além disso, ele não tem interesse em
mim.
Então Adela voltou para o estábulo. Mas o rapaz disse que Einar partira.
—Partiu ao amanhecer com uma mensagem de sir Hugo para Douglas — comentou —
Mas me pediu que lhe dissesse que não têm nada que lhe agradecer. Que é feliz de ter
podido ajudá-la.
—Sei — murmurou Adela, desiludida e mais preocupada com ele que nunca.
Agradeceu ao rapaz e foi em busca de Sorcha, mas sua irmã ainda não tinha retornado a
Roslin.
—Mas… sir Hugo está aqui, milady — adicionou o criado —Ele deve estar com… OH,
não… já vem.
Hugo saía do quarto da condessa. Adela reuniu coragem para enfrenta-lo e se dirigiu a
seu encontro com passo firme.
—Por favor, senhor, desejaria falar contigo.
—Qual é o problema? —perguntou-lhe.
A jovem olhou preocupada a vários serventes que cumpriam suas tarefas.
—Venha, nos aproximemos do fogo. Ali poderemos falar a sós.

89 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela assentiu obediente embora tivesse preferido discutir o assunto em seu escritório
particular.
—Agora bem, no que posso servi-la? —perguntou Hugo, uma vez que estiveram parados
junto ao fogo.
—Quero te pedir um grande favor, sir.
—Peça o que quiser —sorriu —Se estiver dentro de minhas possibilidades, farei o possível
para atendê-la.
—Minha irmã comentou algo em relação a Hawthornden?
Ele negou com a cabeça.
—O que é exatamente que tinha que me dizer?
Chateava-lhe que Sorcha se esquecesse de lhe perguntar, mas talvez estivera esperando
o momento oportuno.
—Bem — titubeou —todos acreditam que não devo acompanhar o cortejo fúnebre.
Entretanto, hesito em aceitar o convite de lady Clendenen para ir a Edimburgo, não me
parece bem ir a Corte tendo enviuvado faz tão pouco tempo. Embora ela insista em que o
faça.
—Não vejo nada incorreto nesse plano, mas faz o que te agrade. Mas decida logo, o
cortejo não demorará a partir.
Ela estremeceu:
—Penso ficar, mas… — inspirou profundamente e depois disse rapidamente —… se me
permitir isso, eu gostaria de ficar em Hawthornden. Não estou acostumada a viver entre
muita gente. Roslin está muito abarrotado. Preciso estar em paz.
—Eu gostaria de poder te fazer esse favor, Adela.
—Por favor, senhor, levaria uma donzela comigo, e…
—Eu te proporcionaria todos os serventes que necessitasse se pudesse — interrompeu
ele —O problema é que já prometi a um amigo meu que poderia ficar ali. Quer apresentar
seus respeitos ao rei, sem permanecer muito tempo em Edimburgo. Ele também prefere
um lugar mais calmo.
—Entendo —mordeu o lábio inferior.

90 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Há algo mais que queira conversar comigo?
—Pois, agora que o menciona… — se ergueu, cobrando ânimos —O que aconteceu a
Einar Logan?
O guerreiro arqueou as sobrancelhas.
—Está sob minhas ordens, asseguro-te que posso fazer com ele o que quiser, inclusive
sem dar explicações. Por que me pergunta isso?
—Preocupa-me sua segurança.
—Por que diabos se preocupa com Logan? O maldito sabe cuidar-se sozinho.
Sua firmeza a desconcertou. Ela não percebeu em seu cunhado a mínima sombra de culpa
ou de inquietação. Acaso se equivocava? Algo em seu interior lhe dizia que não.
—Ontem o escutei falando com outro homem —balbuciou —um fronteiriço, parece-me.
Ele disse que teria que acabar com Einar Logan e você concordou. E agora Einar se foi, sei
porque perguntei por ele nos estábulos. Queria agradecer-lhe por ter ajudado no meu
resgate. Nunca o agradeci, sabe, e deveria fazê-lo. Onde está, Hugo?
—Não lhe disseram isso quando perguntou por ele? —perguntou aborrecido.
—Mencionaram que levava tua mensagem para Douglas —o olhou de frente, se por acaso
ele se atrevesse a lhe mentir.
—Só posso dizer que está a salvo, moça, e que não corre nenhum perigo. Mas deveria
saber que farejar nos assuntos alheios raramente contribui com a informação correta. O
que escutou foi só uma pequena parte de uma conversa. O resto não te concerne.
Envergonhada, Adela só respondeu:
—Acredito em sua palavra, sir. Não acredito que mentiria em um assunto assim.
—Muito bem — suspirou ele —Agora, devo pedir-lhe que não fale disto com ninguém,
sobre tudo com suas irmãs. Não tenho tempo para discutir com minha esposa agora, e se
Sorcha desse rédea solta a sua fantasia, acabaria fazendo você temer pela vida de Einar.
—Não direi nenhuma palavra. Confio em que não lhe acontecerá nada. Suponho que irá
contigo às Ilhas.
Elw sorriu com carinho:
—Não tema, estará bem.

91 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Sei —suspirou aliviada e em seguida adicionou —Lady Clendenen está com a condessa?
—Assim é, e também com esse primo dela.
—Você não gosta De Chevalier?
Ele fez uma careta.
—Não é o homem que escolheria como companheiro. Mas sei que fascina às damas.
Já em seu quarto, Adela encontrou lady Clendenen conversando com a condessa, Sidony,
Isobel e o Chevalier.
—Parece muito melhor, querida — exclamou lady Clendenen, com um sorriso de
aprovação —Vejo que tem outra vez as bochechas rosadas.
—Obrigado, milady, sinto-me mais descansada. Vim dizer que, se ainda quiser, honrar-
me-ia aceitar seu bondoso convite.
Lady Clendenen se desfez em exclamações de entusiasmo, mas os olhos de Sidony se
abriram de assombro, e assim que a dama fez uma pausa para tomar fôlego, disse:
—Mas pensava que se uniria ao cortejo, Adela! O que a fez mudar de ideia?
—Seu bom senso—interveio Isabella —É obvio, irá a Edimburgo, querida. Devemos
planejar a viagem imediatamente, necessitamos capas extras, vestidos… Agora, se nos
desculpar, Chevalier —adicionou bruscamente —Tais conversas não têm interesse para os
homens.
—Asseguro-lhe, madame, que me sentiria muito honrado de participar dessa conversa
—lhe disse, com seu sorriso sedutor —Tenho um gosto excelente para a roupa feminina.
—Temo que devo declinar tão generoso oferecimento —se negou Isabella, de um modo
cortante —Aqui na Escócia as damas são mais pudicas e conversamos melhor sem a
presença de cavalheiros.
Adela afogou uma risadinha. Era a primeira vez em quinze dias que tinha vontade de rir,
a sensação a surpreendeu. Ter sido capaz de enfrentar Hugo também a tinha surpreendido,
e o fato de ter estado tão preocupada. Talvez estivesse começando a sentir outra vez.

Rob decidiu evitar a visita ao conde Douglas. A insinuação de Hugo em relação ao


possível interesse de Ellen nele o tinha impactado.

92 GRH - Grupo de Romances Históricos


Tampouco quis ficar em Hawthornden. O melhor seria ir diretamente a Edimburgo
procurar Henry.
Como tinha dirigido grandes propriedades desde muito jovem, Henry era um perito em
temas dos quais Rob sabia muito pouco. Possivelmente inclusive lhe poderia dizer que
demônios fazer com lady Ellen. Mais importante ainda era o conhecimento de Henry dos
velhos mapas. Mas fazia mais de nove anos que não visitava o castelo de Lestalric. E talvez
o esconderijo que tinha mencionado seu avô já não existisse.

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Capítulo 8

Suas irmãs lhe emprestaram tanta roupa que parecia que Adela permaneceria uma
década na Corte. Mesmo assim, passou quase uma quinzena antes que lady Clendenen se
considerasse pronta para partir.
Sorcha e Hugo foram a Glasgow uns dias antes, e tinham levado Macleod com eles, para
fiscalizar os preparativos da volta do senhor das Ilhas. Donald se encontraria com eles em
Dumbarton durante o fim de semana, depois de despedir-se formalmente do rei e da Corte.
Adela quase não pôde dissimular sua consternação quando a condessa insistiu em
acompanhá-la até Edimburgo.
—Quero me despedir de Donald. Mas ficarei na casa de Sinclair, é obvio, com Henry. Ele
adora receber visitas.
Sir Michael tinha ordenado que um grande contingente de soldados os escoltasse. Lady
Clendenen levava inumeráveis baús e bolsas, todos seus serventes, montanhas de bagagem
e alguns de seus móveis favoritos. Parecia um cortejo real, pensou Adela contrariada.
A viagem de Roslin não foi muito longa. Quando chegaram ao último topo, uma ampla
planície se estendeu ante eles, com serras a nordeste cujo escarpado relevo se assemelhava
a um leão adormecido.
—Essa é a Poltrona de Artur — assinalou lady Clendenen —E a oeste, pode divisar Castle
Hill. A cidade real de Edimburgo se encontra entre ambas as colinas.
Começou a identificar as demais montanhas, as águas azuis do Firth of Forth, e, mais à
frente, a distante costa de Fife. Mas o olhar de Adela se deteve no castelo de Edimburgo,
que resplandecia imponente à luz do entardecer. Estava localizado no topo de uma
elevação escarpada e seus muros continuavam nos penhascos da montanha.
Parecia impossível de conquistar, mas ela sabia que os ingleses o tinham tomado em
várias ocasiões. De fato, tinham dominado a região durante quase dezoito anos e levaram
94 GRH - Grupo de Romances Históricos
com eles os arquivos reais, o tesouro e a pedra de Scone. E agora ameaçavam voltar a
invadi-la.
Enquanto se aproximava a comitiva, a cidade real se erigia majestosa. Suas ruas largas
impressionaram lady Ardelve. Segundo a condessa, todas as casas tinham jardins.
—Agora temos quatrocentas casas — se gabou lady Clendenen.
—Meu Deus! —exclamou Adela —Quantas pessoas há?
—OH, quase dois mil, acredito, contando os habitantes do castelo e os da abadia. Essas
agulhas ali adiante são as da catedral de St. Giles, que está na metade do caminho entre o
castelo e a abadia. Essa torre alta e solitária, a leste, pertence à abadia.
—Holyrood Abbey?
—Com efeito. Dentro da cidade todas as ruas são chamadas Gates, ao velho estilo
escandinavo. Entraremos pela Cowgate. Minha casa é perto da dos Sinclair na Cannongate,
a oeste da abadia.
Aspirando profundamente, Adela exclamou:
—Que bom é voltar a cheirar o aroma do mar!
—Ah, claro que sim — suspirou Isabella, sorrindo —O porto de Edimburgo está perto,
em Leith, um pouco ao nordeste.
—OH, Leith me faz pensar no pobre barão de Lestalric e em seu herdeiro, assassinados
de uma maneira tão trágica — suspirou lady Clendenen, de maneira dramática —Foi algo
espantoso. Pergunto-me quem reclamará agora suas vastas posses.
—Não me assombraria encontrar a um príncipe de sangue real entre eles — opinou
Isabella, depreciativa —Ultimamente Sua Excelência se deixa persuadir com facilidade,
inclusive com argumentos muito débeis, de que pode reclamar terras para os Stuart ou
para a coroa. Mas necessita o apoio do Parlamento escocês. Embora seus filhos mais
ambiciosos estejam tentando dominar não só ao rei, mas também ao Parlamento.
—Refere à Fife, não é? —disse lady Clendenen. E dirigindo-se a Adela, adicionou —
Ninguém o quer sabe? É capaz de fazer qualquer coisa para subir ao trono. Mas, sem
dúvida, Isabella, deve haver aspirantes com mais direitos a Lestalric que qualquer desses
Stuart arrivistas.

95 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela voltou a inspirar o ar refrescante do mar sem intervir na discussão. O ritmo
vertiginoso da cidade a subjugava, e não fazia mais que olhar a direita e a esquerda. Havia
carros por toda parte. Muitos levavam passageiros vestidos com grande elegância.
A Cannongate, a continuação da rua principal da cidade real, era ainda mais larga que a
Cowgate, com grandes casas de madeira e pedra a cada lado.
—São magníficas! —exclamou Adela, enquanto iam para o este pela Cannongate —
Quem vive ali?
—Por lei, os mercadores que usam o porto para seus embarques tem que viver em
Edimburgo — explicou Isabella.
Despediram-se dela em frente a uma imensa casa de pedra e, alguns minutos mais tarde,
lady Clendenen apontou sua própria casa, tão majestosa como as outras.
Um pouco depois, Adela se encontrou em um agradável aposento que dava a um grande
jardim, com uma alegre donzela para atendê-la. Enquanto observava o jardim cheio de
canteiros em flor, abriu-se a porta.
—Não fique aí sonhando, minha querida — disse a proprietária de casa —Devemos nos
vestir imediatamente se não quisermos chegar tarde.
—Tarde?
—Não escutou nossa conversa? Devemos ir procurar Isabella imediatamente depois de
vésperas. Iremos jantar na Corte.
Consternada, Adela fez um esforço para sorrir e assentir. Não as escutara. Acreditou que
teria tempo de adaptar-se a esse lugar antes de ter que precipitar-se à vida da Corte.

A chegada da condessa à casa dos Sinclair provocou uma grande comoção. As donzelas e
os criados se apressaram a dar as boas vindas e logo se dispuseram a carregar tudo o que
havia trazido consigo.
Henry a esperava com Rob no extremo norte do salão principal, que ocupava a maior
parte do segundo piso. Quando a ouviram subir para o primeiro piso, Henry se adiantou
para saudá-la. Esperando na soleira, vestido com mais elegância que nunca, Rob observava
com cautela o encontro,

96 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Milady, bem-vinda! —abraçou-a Henry —Acredito que já conhece sir Robert de
Lestalric.
A condessa estudou Rob pela extremidade do olho enquanto abraçava Henry.
—Custa-me reconhecê-lo, sir — o saudou sorridente —Alegra-me que por fim reclame o
que lhe corresponde.
—Obrigado, madame — disse, com um profundo alívio.
—Agora devem me desculpar. Devo me arrumar e me vestir para ir a Corte. Ealga e eu
pensamos jantar no castelo esta noite, com Adela também — adicionou e desapareceu
escada acima.
—Chegou o momento — anunciou Henry —Acredito que está preparado.
—Espero que sim — respondeu Rob, preso de um repentino nervosismo.
—Uma vez que o reconheçam, pode dar o seguinte passo.
—Só espero não me equivocar ao pensar que a chave está escondida em Lestalric —
confessou.
—Então o passo seguinte é cavalgar até Lestalric e fixar-se lá. Ao menos lady Logan não
está lá. Está com seu pai.
—Me alegro — Rob esquecera outra vez de Ellen. Fazendo uma careta, adicionou —Mas
primeiro tenho que me apresentar na Corte, Henry.
—Garanto que vai causar sensação — riu.
—Certamente — se vangloriou Rob, enquanto seus pensamentos voavam para Adela —
Se não me cortarem a cabeça primeiro.

Lady Clendenen tinha um carro fechado, puxado por dois cavalos, que ela chamava «sua
carruagem». Como tinha vivido toda sua vida nas Terras Altas, sem estradas, Adela nunca
tinha visto um antes, mas lhe pareceu um veículo prático.
—O castelo fica muito longe para ir caminhando, e, além disso, o caminho é muito
íngreme — explicou a dama —E chegaria ensopada se decidisse ir a cavalo, aqui chove a
maior parte dos dias.

97 GRH - Grupo de Romances Históricos


Então Adela e sua senhoria subiram à carruagem, mas sem o Chevalier. Aparentemente
ele se mudou para outro lugar. Adela não o tinha visto na casa dos Clendenen e não
acreditava adequado perguntar por ele.
O breve trajeto até a casa dos Sinclair foi muito interessante, inclusive divertido. Mas
depois de que Isabella e o príncipe Henry se uniram a elas no ruidoso veículo que avançava
balançando, seu interior estava muito cheio de gente para ser cômodo. Para piorar as
coisas, a última parte do trajeto, subindo pelo caminho estreito e escarpado que conduzia à
torre de entrada do castelo, resultou a Adela mais aterradora que navegar em um mar
tormentoso.
Temendo que a qualquer momento a carruagem, os cavalos e demais se precipitassem
ravina abaixo pelo íngreme aterro, conteve o fôlego e fechou os olhos.
Chegaram a salvo ao pátio de calhaus e caminharam para o ruidoso salão do castelo na
imensa torre de quatro pisos no extremo oeste do pátio.
—Esta é a Torre de David — assinalou Isabella —Terminaram de construí-la faz treze
anos. Inclui os aposentos reais, como também aposentos para os visitantes mais ilustres.
—Eu tenho aposentos aqui — se gabou Henry, enquanto esperavam que o chambelán os
anunciasse —Senhoras podem usa-los quando quiserem. Por desgraça, não se pode confiar
no tempo nesta época do ano.
—É o que acabo de dizer — concordou lady Clendenen —E embora mantenham bem o
caminho, não confio em nenhum veículo com rodas em meio de uma tormenta.
—Faz bem em não confiar — a felicitou Henry, sorrindo enquanto colocava para trás
uma mecha de seus cabelos loiros e acomodava o chapéu que tinha uma pluma, ansioso
por reunir-se com outros farristas. Adela os escutava falar, mas não fez nenhum
comentário. Não só não lhe ocorria nada adequado que adicionar a respeito dessa
carruagem que tinha sacudido todos os seus ossos, e que, além disso, estava pendurada na
encosta.
O ar dentro do salão estava um pouco velado por causa da fumaça de duas enormes
lareiras. A música dos histriões competia com o ruído das conversas, salpicadas de estalos
de risadas, latidos de cães e a voz estridente de uma mulher. O estrépito era ensurdecedor,

98 GRH - Grupo de Romances Históricos


sobre tudo para alguém que não estava acostumada a esse tipo de reuniões. Os músicos
ocupavam a área central, mas em meio deles os acrobatas faziam cambalhotas e piruetas
de todo tipo. Suas palhaçadas e uma briga de cães arruinavam toda possibilidade de
escutar aos músicos.
Mas era evidente que o alvoroço não incomodava a ninguém. Ninguém prestava atenção
aos acrobatas nem aos músicos. Alguns iam e vinham pelos lados do salão. Outros comiam
desaforadamente; outros, a maioria homens, estavam deitados perto de uma das lareiras
jogando dados, e com jarras ou taças na mão livre.
O som de um trompetista sobressaltou Adela até o ponto de que lhe escapou um grito.
Embora duvidasse de que alguém a tivesse escutado, olhou nervosa a seu redor, à medida
que o ruído diminuía, e o chambelán uivava:
—Sua Majestade, rogo-lhe que me permita apresentar o conde de Orkney, a condessa
de Strathearn e Caithness, lady Clendenen de Kintail e lady Ardelve de Loch Alsh e Glenelg.
Enquanto as mulheres se adiantavam com Henry para fazer suas reverências, Adela
espiava através da fumaça tentando discernir qual dos homens da mesa principal era o rei
da Escócia.
A seu lado, Isabella sussurrou:
—Sua Majestade é o do meio, o mais velho. A sua direita, está MacDonald, segundo
senhor das Ilhas. O seguinte é o conde de Carrick, o filho mais velho do rei e herdeiro do
trono da Escócia, e o homem mais bondoso de sua numerosa família, mas procure manter a
distância de todos os filhos do rei. São homens ambiciosos, perigosos, e a maioria devora
damas inocentes como você.
—Realmente, milady? Então, asseguro-lhe que terei muito cuidado — respondeu Adela,
interessada nesse grupo de selvagens cavalheiros.
Um momento mais tarde, estava fazendo sua mais profunda reverência ao rei, embora
ele não parecesse perceber. Só piscou com seus olhos avermelhados em sua direção antes
de voltar a cabeça para outro lado.
—Nosso amado rei não vê muito bem, temo—explicou uma voz conhecida detrás dela. O
Chevalier de Gredin se uniu a eles.

99 GRH - Grupo de Romances Históricos


Dirigiu-lhes seu encantador sorriso e a encarou com intensidade.
—Boa noite, milady.
Adela se perguntou por que ele ignorava seu próprio conselho de manter-se longe. De
repente teve um mau pressentimento, mas rechaçou a estranha sensação e disse:
—Seu sotaque diminuiu.
—Oui, madame — brincou ele —Disse que meu sotaque francês não a agradava, e quero
demonstrar quão predisposto estou a agrada-la. Alegra-me que tenham vindo esta noite.
Temia que não se recuperasse da fadiga da viagem até amanhã.
—Roslin está só a sete milhas, sir. De todos os modos, a condessa queria falar com o
Donald das Ilhas antes que ele retornasse a seu lar.
—Está incrivelmente formosa esta noite — a elogiou —Esse vestido é encantador. Quer
dar um passeio comigo ou prefere comer algo primeiro? A comida é excelente aqui.
—Jantaremos primeiro — declarou lady Clendenen, interrompendo seu bate-papo —
Mas pode se sentar conosco à mesa, Étienne. Obrigado por retirar seus pertences da casa
dos Clendenen como pedi. Lamento ter tido que te expulsar, jovenzinho, mas não era
adequado que ficasse. Sem dúvida encontrou um alojamento aceitável.
—Bem sim — respondeu ele —Um amigo me conseguiu aposentos aqui no castelo.
Estarei quase tão cômodo como contigo.
—Magnífico, mas —advertiu em tom cúmplice —devo recorda-lo outra vez que não
insista em suas atenções a lady Ardelve. A jovem viúva deve cuidar das aparências.
Ao ver uma mulher que se sentava no colo de um homem, rodeava-lhe o pescoço com os
braços e o beijava ruidosamente, sem que ninguém parecesse escandalizar-se, Adela se
perguntou que diabos poderia chegar a fazer para desgostar a alguém acostumado a esse
tipo de espetáculos. Inspirou fundo e desejou que o jantar terminasse logo.
Entretanto, os espetáculos se prolongaram e se tornaram mais grosseiros e ruidosos. Até
os serventes pareciam ter bebido de mais. Mas seus acompanhantes, provavelmente já
habituados a essas situações pareciam alheios ao que acontecia a seu redor.
Lady Clendenen se sentou entre De Gredin e Adela, para salvar a jovem dos elogios
excessivamente efusivos De Chevalier.

100 GRH - Grupo de Romances Históricos


Henry tinha desaparecido na multidão.
A serena dignidade de Isabella lhe dava a tranquilidade que necessitava, mas cada vez
que alguém passava muito perto, Adela saltava como uma gatinha nervosa. Mordiscou um
pedaço de pão e umas rodelas de maçã, mas o resto da comida não a entusiasmou.
Quando De Gredin a convidou uma vez mais para dar um passeio pelo salão, Lady
Clendenen interveio:
—Ambas desfrutaríamos de um passeio, Étienne, agradeço-lhe isso.
—OH, vão sem mim — disse Isabella, que estava conversando animadamente com a
mulher sentada à frente.
Então Adela se levantou e aceitou com uma reverência.
Quando De Gredin ofereceu um braço a cada uma, sua parente aceitou imediatamente,
mas Adela sacudiu sua cabeça.
—Esqueci-me que vem das Terras Altas, milady — o Chevalier lhe sorriu compreensivo e
acrescentou com um tom frívolo —Geralmente, a vida é muito mais tranquila por lá, não é?
—Em efeito, sir, é… — se interrompeu, sobressaltando-se outra vez quando voltou a soar
o trompete e o chambelán anunciou:
—Sua Majestade, rogo-lhe me permita anunciar a sir Robert Logan, terceiro barão de
Lestalric, que se apresenta esta noite para jurar lealdade a Sua Alteza.
A última parte do anúncio soou muito alta, porque o salão ficou de repente em um
surpreendente silêncio.
Intrigada, Adela contemplou a um jovem de feições enérgicas incrivelmente belo, de
ombros largos, quadris estreitos, pernas bem formadas e um olhar tão intenso que podia
dobrar a um exército. Vestia um apertado casaco de veludo escarlate, preso à frente com
cordões de ouro. Levava uma boina escarlate com uma pluma branca e meias de seda com
sola de couro e terminadas em ponta.
Ao redor de seus quadris tinha um cinturão de elos de ouro resplandecentes, coberto de
joias e uma espada ornamental. Seu manto de seda lavanda, preso sobre seu ombro direito
e jogado para trás, caía-lhe em dobras elegantes até os tornozelos. O manto ondeava
enquanto ele avançava. Tirou o gorro da cabeça e se ajoelhou diante do rei dos escoceses.

101 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Sacrebleu! C'est parei dê plumes du paon!
Adela escutou a exclamação de Gredin, que entrecerrou os olhos e apertou suas
mandíbulas até que lhe tremeu um músculo na bochecha.
—O que ocorre, sir? —perguntou-lhe —Não conheço essa expressão.
—Hei dito que é um maldito pavão, isso é tudo — balbuciou o Chevalier —Esse sujeito
zomba da moda da Corte.
—Acaso os cavaleiros não se vestem com distinção?
—Não dessa maneira.
Adela deu uma segunda olhada ao recém-chegado: era verdade, a indumentária do
cavaleiro produzia um efeito um pouco excessivo.
Sir Robert disse umas palavras ao rei, com o mais curioso dos acentos:
—Lamento não ter um punhado de terra de Lestalric para jogar em seus pés, Sua
Majestade, mas a casa de Lestalric jura fidelidade a Sua Excelência e à casa Stuart, agora e
para sempre.
A voz lhe soava familiar, mas antes que Adela pudesse identificá-la, distraiu-a a visão do
rei dos escoceses despertando de sua letargia e inclinando-se para estudar sir Robert com
seus olhos entrecerrados.
—Robbie, rapaz, realmente é você? —perguntou-lhe o rei, a voz áspera e insegura —
Pensamos que tinha morrido!
—Confio que não o desiluda ver-me ainda são e salvo, Sua Majestade.
O rei riu e o mesmo fizeram uns quantos no salão. Depois pediu ao barão que se
aproximasse, aparentemente para conversar com ele em privado.
—Conhece-o, Isabella? —perguntou-lhe lady Clendenen à condessa quando ela se uniu a
eles no meio do crescente estrépito das conversas —Deve ser meu parente, o filho mais
novo de Lestalric, mas me parece que nunca o tinha visto. E você, Étienne?
—Non — respondeu De Gredin cortante. Depois, percebendo que a dama esperava algo
mais, sorriu-lhe falsamente e acrescentou —Desculpe minha sobriedade, prima. Me Porto
como um patife contigo, que foste sempre tão boa comigo.
—Bem, estamos todos chocados com isto, depois de tudo.

102 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Eu reconheço sir Robert — interveio Isabella —Quer dizer, recordo-o muito bem.
Educou-se em Dunclathy em Strathearn, sabe, com sir Edward.
—Sir Edward Robison? Com o pai de Hugo? —perguntou Adela intrigada.
Isabella assentiu. Ambas as irmãs observaram um homem que se levantou de repente a
uns poucos assentos de distância do rei.
Era alto e magro, e estava vestido de veludo negro debruado com renda dourada. Levava
só as cores que provinham do brilho de um cinturão cravejado de pedras preciosas. Seus
cabelos eram quase tão escuros como o veludo, seu rosto magro e suas feições severas.
Levantou a mão, pedindo silêncio.
—É o conde de Fife — sussurrou lady Clendenen a Adela —O segundo filho do rei. Mas
se rumoreja que é quem possui realmente o poder. Dizem que cobiça a coroa da Escócia
desde o dia em que chegou a este mundo. Decretou que todas as propriedades de todos os
nobres que careçam de um herdeiro direto deverão passar à coroa.
—Perdão, Sua Majestade — falou Fife —Mas que prova têm de que este sujeito na
verdade seja quem diz ser? Não faz quinze dias que o segundo barão e seu filho morreram.
De onde saiu este deslumbrante cavaleiro que se apresenta com tanta rapidez?
—Eu falarei por Lestalric, Sua Majestade — se adiantou Henry.
—Não precisa Henry—o deteve o rei —Até eu posso ver que é o vivo retrato de seu
defunto avô, o primeiro barão que recebeu o título do próprio Robert Bruce.
—Venha, caminhe comigo, lady Adela — De Gredin tomou-lhe o braço —Esta paródia
não deve ter muito interesse para você.
Mas Adela estava muito interessada observando sir Robert e o rei. Falavam em voz
baixa, mas o que sir Robert estava dizendo ao rei sem dúvida era muito divertido, porque
Sua Majestade ria às gargalhadas. Henry se uniu a eles, e seus olhos também brilhavam de
alegria.
Entretanto, a jovem aceitou com cortesia a proposta De Chevalier, achando que lady
Clendenen os acompanharia. Mas a dama, ou tinha esquecido a proposta, ou tinha decidido
que Adela não necessitava amparo, pois manteve a vista cravada na mesa do rei.

103 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela e o Chevalier deram só uma volta completa ao salão quando se aproximou Henry
junto com o barão.
—Lady Ardelve, me permita apresenta-la meu bom amigo Robert de Lestalric.
A jovem lhe fez uma reverência.
—É uma honra, sir.
—A honra é minha, lady Ardelve — a saudou o barão, tirando o chapéu e inclinando-se
tanto como o tinha feito ante o rei.
Adela ficou gelada. Essa voz… meu Deus! Sentiu que suas bochechas se acendiam. De
repente lhe faltou o ar. Só sua boa educação e seu temor de chamar a atenção evitaram
que desse uma bofetada ao elegante barão ou que lhe tirasse o chapéu de um tapa.
Percebeu o brilho nos olhos castanhos do barão, que haviam se tornado quase dourados
pelo reflexo das velas que iluminavam o salão.
—De Gredin, queria ter umas palavras contigo — pediu Henry —Minha mãe me
comentou que acaba de retornar de Paris e que conhece bem o duque d'Anjou. Decidi ir a
França este ano e confio em seus conselhos.
De Gredin aceitou a contra gosto. Isabella afastou lady Clendenen, também, embora
Adela notasse que Henry ainda não tivesse apresentado formalmente o barão a nenhuma
das duas.
Deste modo ela ficou sozinha com o barão, em meio da multidão, essa voz tão familiar
murmurou:
—Quer caminhar comigo, milady, ou já decidiu que vai me matar?
—Preferiria mata-lo.
—Temia isso.
—Por que está brincando comigo, sir?
—Calma milady — murmurou ele —Temos um público muito interessado, que deve estar
se perguntando por que me dirige esse olhar fulminante. Aceite caminhar comigo, e talvez,
quando aumentar o ruído, possamos falar com maior liberdade.

104 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela percebeu que todos no salão os estavam olhando, e assentindo com a cabeça com
a maior graça possível, posou sua mão sobre o antebraço dele, reparando no único anel da
mão esquerda.
Quando as conversas alcançaram o volume estrondoso, lady Ardelve se atreveu a falar:
—O que posso dizer? Sinto-me uma estúpida.
—Pensei que meu sotaque, que meu disfarce… — Tentou explicar-se.
—Era um sotaque absurdo — o interrompeu —De onde pretendia ser?
—Orkney — esclareceu um tanto envergonhado —Orkniano? Meu Deus, nem sequer sei
como se chamam os oriundos dessa região. Só escutei seu sotaque uma vez, sabe, quando
eu… quando visitei a ilha de Orkney o verão passado.
—Para a posse de Henry?
—Isso mesmo.
—Eu também estive ali.
—Sei. Foi a primeira vez que a vi. Então pensei que era a jovem mais…
—Não, por favor — o interrompeu —Não estou acostumada aos elogios, sir. Além disso, o
Chevalier de Gredin já encheu minha paciência com as lisonjas por hoje.
—Discutiremos sobre sua beleza em outra oportunidade — resolveu —Mas agora, queria
saber por que aspira as atenções desse vergonhoso sujeito.
—Eu não aspiro — se defendeu a dama —Acreditei que ele era um amigo em quem
podia confiar. De fato, senhor, disse isso a você naquela noite.
—Perdoar-lhe-ia quase tudo, milady, e mereço suas recriminações por tê-la enganado.
Mas que me tenha confundido com esse canalha… Bom, representa para mim um golpe
muito duro, posso assegurar isso.
—Acaso espera que me desculpe?
—Certamente que não. Todas as faltas são minhas, e você é uma mulher perfeita.
Adela afogou uma risadinha. De todas as maneiras, não perdoaria com facilidade seu
engano, embora seu humor tivesse melhorado muito, e a tensão que lhe produzia a ruidosa
multidão se ia desvanecendo.
—Conheceu a tantas mulheres que pode avaliar a perfeição? —perguntou coquete.

105 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Conheci algumas — reconheceu, com um sorriso.
Ele tinha um belo sorriso, um sorriso cativante.
—Orkney, verdade? Parece-me levemente familiar, talvez nos tenhamos visto ali, mas não
posso recordar onde. Espero que não se ofenda.
—Absolutamente — ele respondeu —Ninguém teve a bondade de nos apresentar.
Confesso, entretanto, que teria dado tudo para vê-la jogar a terrina de água benta na
cabeça de Hugo.
—Então também conhece sir Hugo — sentiu fogo em suas bochechas ao recordar a cena
que ele acabava de descrever. Esse não tinha sido um de seus melhores momentos.
—Conheço-o. E também ao Michael Sinclair. Todos nos educamos juntos em Dunclathy.
—Educaram-se juntos?
—Como a maioria dos rapazes de nossa classe, estávamos ávidos por nos converter em
cavaleiros para proteger a Escócia dos ingleses ou de qualquer outro invasor. O pai de Hugo
é um extraordinário professor, embora extremamente exigente.
—Conheço sir Edward. Sempre foi muito bom comigo.
—Muito bom até que te vê com uma espada na mão, ou com uma lança. Quando ensina
a brandir uma arma corretamente, converte-se em um ogro.
—Está dizendo disparates! —riu surpreendida.
—Disparates, eu? Bom, de todas as formas, meus comentários tiveram êxito.
—Êxito?
—Porque a fiz rir.
Sentindo outra vez uma labareda em todo o corpo, a jovem o olhou fixamente.
—Mas por que desejava me fazer rir?
—Porque durante todo o tempo que esteve em Roslin, não a vi sorrir nenhuma só vez.
—Na realidade, nunca me viu — retrucou ela —Só nos encontramos na escuridão.
—Não quero contradizer a uma dama, mas devo confessar que a vi em numerosas
ocasiões em Roslin. Têm uma forma em especial fascinante… — Dando um exagerado golpe
na testa, adicionou —Perdoe-me! Elogios outra vez! Surgem-me espontaneamente, peço-
lhe desculpas.

106 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Por favor, sir — suplicou, lutando para não voltar a rir, e falhando na tentativa —Fará
com que recaia a atenção em nós desta vez. Além disso, não deveria estar rindo com você
desta maneira. Não passaram nem sequer quinze dias desde…
—Desde que morreu seu marido? —terminou a frase —Rir ou não rir não vai mudar as
coisas, como tampouco pode mudar nada no caso de meu próprio pai e de meu irmão.
Adela sentiu um nó na garganta.
—Você! —exclamou acusadora, mais alto do que teria querido —Por Deus! Não me dei
conta da relação quando escutei pela primeira vez seu nome, mas a morte de dois
homens… Era você que estava com sir Hugo… a conversa que escutei sem querer, a mesma
que contei a você na capela…
—Sim, era eu — admitiu —Mas…
—Como pode!
—Queria contar, mas naquele momento…
—Não me refiro a isso — o interrompeu ela, fazendo um esforço por controlar sua
crescente indignação —Refiro-me a como puderam decidir acabar com a vida do pobre
Einar Logan. O que fizeram com ele? Não acredito nem por um segundo que simplesmente
partiu com um encargo de Hugo.
—Pode me matar depois, se assim o desejar, milady, mas vos rogo que deponha as
armas por um momento. Lady Clendenen se dirige para nós.
Adela queria gritar, mas se conteve ao ver que lady Clendenen e o Chevalier avançavam
para eles.

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Capítulo 9

Rob não sabia se amaldiçoava lady Clendenen, que se dirigia para eles com um sorriso
resplandecente, ou lhe dava um beijo. Odiou-se por ter acreditado estupidamente que a
moça não reconheceria sua voz imediatamente.
Tinha pretendido apresentar-se a ela à vista de uma multidão fascinada por sua aparição,
de maneira que todos acreditassem que era a primeira vez que se viam. «E foi uma bela
apresentação», disse a si mesmo.
Tinha preparado sua indumentária com a generosa ajuda de Henry e de seu alfaiate. Mas
talvez por causa dessa confiança, não tinha considerado a inteligência de lady Adela. De
fato, subestimou sua capacidade para reconhecer uma voz que só tinha escutado na
escuridão, mesmo no meio do tumulto da Corte.
Mas ter feito o comentário sobre seu pai e sobre Will sem ter em conta o preço que teria
que pagar: esse tinha sido seu pior engano. Confiava em que ao seu devido tempo poderia
explicar-lhe tudo, mas preferia poder escolher o momento. Só um imbecil acreditaria que
poderia seguir enganando-a durante tanto tempo.
Ela voltou a surpreendê-lo quando lady Clendenen e De Gredin os alcançaram, e os
saudou com alegria, como se não tivesse estado cinco minutos antes a ponto de arrancar-
lhe os olhos.
—Espero não interromper, queridos, e que não se ofenda milord, se o trato como a
alguém da família — se adiantou lady Clendenen. E sem esperar resposta, continuou —
Isabella está falando com Donald das Ilhas agora. Logo estará pronta para partir. Talvez
deseje conhecê-la primeiro, milord? Para refrescar a lembrança que tem de você.
—Agradeço sua amabilidade, milady — disse Rob, com esse tom curiosamente agudo
outra vez, embora agora o suavizasse um pouco e tentasse não olhar para Adela. Enquanto
não reparasse em seus magníficos olhos, ele poderia manter a compostura. Perguntou-se,
108 GRH - Grupo de Romances Históricos
de todos os modos, se lady Clendenen ou o irritável De Gredin teriam notado o rubor nas
bochechas da jovem.
Deu uma olhada ao sujeito, o maldito não lhe tirava os olhos de cima.
—Por Deus! Que descortesia a minha! —exclamou lady Clendenen —Deveria ter
apresentado meu primo, o Chevalier de Gredin. Por favor, me perdoe.
Rob lhe fez uma leve inclinação de cabeça e decidiu falar com o canalha com um tom de
superioridade.
Assim que De Gredin murmurou algumas palavras corteses, a dama prosseguiu:
—Estou segura de que Étienne deve ser seu primo por algum lado, sir, como ambos são
meus parentes… A verdade é que todos os escoceses são parentes entre si — seus olhos
cintilavam excitada por poder expor uma vez mais sua teoria sobre os parentescos
escoceses —Também, e têm direito de saber: o sequestrador de nossa pobre lady Ardelve
era outro primo meu. OH, pensem quão repugnante é ter que admitir ser parente do
arrivista…
—Cuidado, milady — Rob a interrompeu com rapidez, enquanto olhava de esguelha à
plataforma real. Ele sorriu, como se estivessem compartilhando uma brincadeira, mas disse
com toda seriedade —Não diga aqui nada que não queira que se repita em todas as casas
da cidade.
—Temo que tenha razão, prima — concordou De Gredin, sorrindo.
Arrependida, lady Clendenen se voltou para Adela:
—Eles têm razão, querida. Não deveria dizer uma palavra, mas às vezes não seguro a
língua. Não devemos criticar a ninguém que tenha o poder de nos enviar ao cadafalso. E
menos neste salão, que inclui a metade dos homens desse tipo e mais mulheres do que
alguém poderia supor.
—Por favor, senhora — murmurou Adela —Me assusta.
—A Corte Real pode converter-se em um lugar perigoso para alguém que carece de
experiência com os homens poderosos, milady — explicou De Gredin —De todos os modos,
tenho muita experiência com esse tipo de pessoas e estou ao seu serviço. Não vacile em me
pedir qualquer coisa.

109 GRH - Grupo de Romances Históricos


—É muito amável, sir — disse ela, voltando a olhar de esguelha para Rob.
Sua facilidade de palavra falhou. Teria gostado de fazer alguma observação brilhante para
impressioná-la e deixar como um idiota a De Gredin. Mas antes que pudesse abrir a boca, o
canalha adicionou:
—Acredito que minha prima exagera nosso vínculo, sir Robert. Duvido que tenha alguma
conexão com sua família.
—É difícil saber— disse Rob, recuperando-se —Meu pai se queixava de que eu não tinha
nenhum sentido de orgulho familiar. Tenho-o, é obvio. Quem não teria, considerando o
heroísmo de meus antepassados em Bannockburn e depois? Mesmo assim, algumas
pessoas hesitam antes de gabar-se dos ancestrais, no caso de outros esperam que seus atos
sejam dignos deles. Não está de acordo?
De Gredin sorriu com malícia.
—Entendo o que quere dizer. Mas para ter ganhado seu título de cavaleiro tão jovem,
imagino que teve que demonstrar suas habilidades com a espada.
—Absolutamente — replicou Rob com modéstia, desculpando-se em silencio com sir
Edward. «Quem diabos terá falado a De Gredin de meu título de cavaleiro?»— perguntou-
se aborrecido —Tem que praticar todos os dias para não perder a destreza, e eu não o faço
há anos. Perdi o hábito, temo.
O Chevalier sorriu com superioridade, e Rob se felicitou por enganar esse idiota. Esperava
que De Gredin se acreditasse o mais destro com a espada; talvez seus caminhos se
cruzassem no campo de batalha e se visse obrigado a provar.

Donald das Ilhas se despediu de seu avô, o rei, um pouco mais tarde, em meio de solenes
fanfarras.
Como Donald geralmente não usava chapéu quando ia a Corte, um ardil que tinha
aprendido de seu pai para evitar ter que tira-lo na presença do rei, ambos os homens
pareciam compartilhar igual poder. O mais velho era o rei da Escócia; o mais jovem, o
senhor das Ilhas.
De todos os modos, ao rei não parecia importar muito a diferença.

110 GRH - Grupo de Romances Históricos


Até o momento, Adela não tinha conhecido nenhum integrante dessa vasta família que
parecesse na verdade nobre ou cortês. De todos os modos, guardou sua opinião, sabendo
que sua irmã mais velha, Cristina, era muito amiga da filha do rei, a princesa Margareth
Stuart, viúva do primeiro senhor das Ilhas e mãe do atual. Cristina amava à princesa.
Sua opinião desfavorável a respeito dos Stuart se intensificou assim que os príncipes
retomaram a partida do jogo de dados antes que MacDonald deixasse o salão. Mas sua
atenção, na verdade, concentrava-se em sir Robert de Lestalric.
Ele estava de pé em silêncio perto de lady Clendenen e Étienne.
Algo nele a perturbava, sentia uma forte atração que não podia controlar. Adela fez o
esforço de continuar comportando-se com uma cortesia quase ao limite de suas
possibilidades, quando tudo o que desejava era agarrar sir Robert de Lestalric pelo braço e
terminar sua importante conversa com ele.
Essa ideia quase a fez sorrir. Surpreendeu-se com seu desejo impulsivo. Recordou
quando se zangou com Sorcha, em um passado que parecia muito remoto, antes de seu
sequestro.
Ela tinha governado a casa de seu pai, tinha sido capaz de dominar com facilidade a sua
irmã mais nova, Sidony, e tinha conseguido orientar, se não sempre controlar, a sua
obstinada irmã Sorcha. Mas nestes últimos tempos se sentia como se não pudesse
controlar nem sequer seus mais baixos instintos.
A atração que sentia por sir Robert era tão forte que quase não tinha percebido que lady
Clendenen tinha mencionado Waldron.
—Bem, é hora de partir. Agora que Donald deixou o salão, a noite se tornará mais
escandalosa —bocejou Isabella, unindo-se a eles —Eu também irei, mas Henry me ofereceu
uma escolta se por acaso você quer ficar, Ealga, assim…
—Por Deus, não! —exclamou rindo —Quão únicos podem ficar são os bebedores
capazes de seguir o ritmo de farra de Fife e seus homens. Essas mulheres que estão ali
entre os jogadores estão se comportando de uma maneira intolerável —E voltando-se para
sir Robert, disse —Lamento que tenhamos que nos despedir tão cedo, sir, acredito que
devemos nos retirar antes que lady Ardelve se encontre em alguma situação incômoda.

111 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Eu também estou a ponto de me retirar, milady — assegurou sir Robert —Sir Henry
me ofereceu hospedagem na casa dos Sinclair esta noite.
—Por certo — comentou Isabella —meu marido espera conversar com você antes que
parta amanhã.
—OH, não! — Queixou-se lady Clendenen —Não deve partir de Edimburgo. Tinha a
esperança de que me fizesse a honra de jantar com lady Ardelve e comigo amanhã antes
que retornemos aqui para os festejos noturnos.
—Minhas desculpas, milady — rechaçou a oferta com amabilidade —Devo atender
alguns assuntos. Estive ausente de Lestalric durante quase uma década, quero dar uma
olhada no lugar amanhã mesmo.
—Então, talvez aceite jantar conosco na casa dos Clendenen —sugeriu a dama
esperançosa —De Gredin, incluo a você no convite. Depois os cavaleiros podem fazer o que
lhes agrade, é obvio. Prefiro desfrutar da Corte na hora do jantar ou antes. Aparentemente,
à medida que avança a noite o ser humano tende a aproximar-se do pecado. Mas
tampouco temos a obrigação de vir aqui todos os dias.
Isabella sorriu a Adela:
—Acredito que não conhece a abadia de Holyrood, querida. Deveria visitá-la enquanto
está aqui.
—Sim, deveria ir, lady Ardelve — concordou sir Robert —Lestalric não fica longe da
abadia. Talvez possamos arrumar uma viagem até ali, se as damas nos acompanharem. Eu
adoraria lhes mostrar minha propriedade.
De Gredin riu entre dentes.
—Tome cuidado, milord, as damas podem pensar também que seu convite me inclui,
embora duvide de que fizesse parte de seus planos.
—Ofende-me, monsieur —respondeu o barão imediatamente —Honrar-me-ia se todos
me acompanhassem amanhã. Sua companhia tornará muito mais agradável um dia que eu
imaginava cheio de obrigações e de desencantos. Temo que Lestalric, que foi uma vez uma
bela propriedade, tenha estado descuidada nos últimos tempos. Meu irmão ficava ali
quando a Corte estava em Edimburgo, mas meu pai preferia a casa dos Logan.

112 GRH - Grupo de Romances Históricos


—A casa dos Logan? —perguntou Adela, de repente.
—Sim milady —confirmou, lhe dirigindo um olhar cauteloso —É a fortaleza de minha
família nas Pentland Hills.
—Então seu sobrenome é Logan?
—Sim, e assim me anunciou o chambelán —o barão a estudou com extrema atenção.
—Lembro — murmurou Adela —Mas nesse momento não me dei conta…
—Entendi bem, sir, que convida todas a ir com você a Lestalric e talvez à abadia amanhã?
—interrompeu-a Isabella.
Ele sorriu.
—Assim é, milady, seria uma honra.
—Vou pensar nisso —concluiu com um toque de picardia —Pensava ficar só um dia ou
dois para ver Donald. E como ele vai a Glasgow amanhã, para embarcar para as Ilhas, quase
tinha decidido retornar a Roslin amanhã mesmo.
—Céus, Isabella — protestou lady Clendenen —Acabou de chegar! Além disso, trouxe
bagagem para um mês.
—Decidi ficar um pouco mais de tempo aqui depois que Henry retornar a Orkney. Nossa
Isobel não quer ir de Roslin enquanto seu filhinho for tão pequeno, e quero passar também
um tempo com eles. Garanto-lhes que de todas as maneiras estarão muito bem sem mim.
—E você que deseja lady Ardelve? —perguntou-lhe sir Robert, surpreendendo-a. Ela tinha
estado se perguntando se os outros quereriam ir com ele ou não.
Quando seu olhar se encontrou com os olhos quentes dele, Adela o notou ansioso.
—Suponho que farei o que outros decidirem —declarou, esperando que sua voz soasse
calma e indiferente, mas não gélida —Sou hóspede de milady, depois de tudo.
—Estaremos encantadas de ir com você, sir — resolveu lady Clendenen imediatamente.
Quando sir Robert sorriu contente, Adela afastou seu olhar envergonhado.
—Talvez deva ir procurar Henry agora —sugeriu sir Robert.
—Não é necessário — disse Isabella —Henry saiu com a comitiva de MacDonald em busca
da carruagem de lady Clendenen. Reunir-se-á conosco na porta da torre. Como veio até
aqui esta noite, Lestalric?

113 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela aguçou seus ouvidos, pareceu-lhe voltar a notar sua expressão de regozijo quando
ele falou com esse insuportável sotaque afetado:
—Cavalgando, condessa. Não confio em artefatos criados pelo homem, sobre tudo se
nos fazem bater os dentes. E você o que acha, De Gredin?
—Não preciso pensar em carruagens —respondeu depreciativo —Fico no castelo. Mas,
no que a conforto se refere, estou por completo de acordo com você.
—Nos acompanhará então, sir? —perguntou-lhe sir Robert —Duvido de que eu seja
suficiente escolta para três damas tão sedutoras. Mas bem temo que seja superado por
ansiosos pretendentes que desejarão desfazer-se de mim.
—Com prazer os acompanharei — aceitou De Gredin.
—Que amável é, meu queriDe Chevalier — exclamou Isabella —Poderia me oferecer seu
braço? Os corredores aqui parecem ter um piso bastante traiçoeiro. Não te parece, Ealga?
Talvez você deva tomar seu outro braço. Adela não se importará de caminhar com Lestalric.
Decepcionado, De Gredin se voltou para a Adela, mas imediatamente pôs seu braço a
disposição da condessa.
—Se tiver que seguir fingindo que estou me dando bem com você por muito tempo mais
—murmurou ela —terminarei por perder o controle.
—E sem dúvida se sentirá muito melhor se o perder — balbuciou —Cuidado onde pisa,
aqui. É uma dessas partes desniveladas que preocupam à condessa. Se não aceitar meu
braço, ao menos me faça o favor de não cair. Devo conservar minha reputação de cavaleiro.
A jovem viúva soprou e decidiu desviar a conversa para terrenos mais interessantes.
Então, perguntou laconicamente:
—O que aconteceu a Einar Logan?
—Saciarei sua curiosidade em outro momento, milady — ele disse com firmeza —Se não
convencer à condessa ou a lady Clendenen de que proíbam nossa saída de amanhã,
procurarei a ocasião de falar com você em privado então.
—Mas disse que se chamava Logan.
—Em efeito.
—Acaso Einar Logan é seu parente? —titubeou ao perguntar.

114 GRH - Grupo de Romances Históricos


—A maior parte dos Logan são parentes entre eles, moça, mas responderei amanhã a
suas perguntas. Este castelo tem ouvidos em todas as partes.
—Preciso saber algo mais, senhor — insistiu.
—O que é?
—Einar Logan está vivo?
Ele hesitou, mas logo respondeu:
—Vive. É tudo o que vou dizer por enquanto.
Adela notou que ele tinha vacilado e duvidou da veracidade de suas palavras. Tinha
conhecido gente mentirosa, não muita, para falar a verdade, porque a maior parte das
pessoas nas Terras Altas, nobres ou não, desdenhavam a mentira. Embora às vezes
usassem evasivas ou subterfúgios e ela teve a clara sensação de que sir Robert estava se
evadindo… uma vez mais.
Mas uma evasiva não era uma mentira. E embora sua conduta lhe desse o que pensar, já
não temia pela segurança de Einar.
Fora, à luz das tochas, na bruma úmida do pátio, encontraram a carruagem e Henry, que
os esperava com o cavalo de Lestalric e, para sua surpresa, outro corcel para ele.
—Peguei-o emprestado dos estábulos do rei — explicou, com um de seus simpáticos
sorrisos —Sua carruagem é um elegante veículo, Ealga, mas minhas costas não resistem
tanta elegância. E a cabeça ainda me dói de um golpe contra o teto.
—Não diz mais que tolices, sir — se ofendeu lady Clendenen —Usava seu chapéu, assim
se algo ficou amolgado, não foi sua preciosa cabeça. De todos os modos, cavalgue com
Lestalric. Assim haverá mais lugar para nós.
Despediram-se De Chevalier e as damas subiram à carruagem. As duas mulheres mais
velhas conversavam baixinho, e deixaram Adela perdida em seus pensamentos e sentindo
um comichão pela proximidade de Lestalric, que cavalgava muito perto dela.
Rob deixou que Henry levasse o peso da conversa. Compassado pelo trote de seu cavalo,
falou dos membros da Corte Real e da rápida deterioração das faculdades físicas e mentais
do rei.

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—Alegra-me que o tenha reconhecido — disse Henry, enquanto passavam através da
porta para o túnel debaixo da torre.
—Acha que me pareço tanto com meu avô? —perguntou-lhe Rob.
—Na realidade, mal me lembro dele — confessou Henry —Devo tê-lo visto só uma vez,
sem contar as visitas que deve ter feito a Roslin quando eu era apenas um menino. Seu pai
nos visitava mais frequentemente, mas nunca voltou depois que você saiu de sua casa.
—Ele temia que você quisesse averiguar a causa de minha partida — continuou Rob —
Não gostaria de ter que explicar o porquê.
—Porque sabia que nós ficaríamos do seu lado — assinalou Henry.
Ficaram um momento em silêncio, mas quando a carruagem se afastou um pouco, Rob
mencionou:
—Convidei às damas para ir amanhã a Lestalric. Talvez nos detenhamos também um
momento em Holyrood.
—Uma magnífica ideia — o felicitou Henry —Servir-lhe-ão de amparo, se tiver inimigos
rondando o lugar esperando para envia-lo à tumba. Quer que eu vá também?
—Na realidade não quero que venha ninguém exceto lady Ardelve.
Henry se voltou com rapidez para ele.
—Assim estão as coisas?
—Meu Deus, nem sequer sei que perigos me aguardam —soprou Rob —Não posso negar
que essa mulher me atrai como nenhuma outra, mas preciso me assentar em Lestalric
antes de pensar em outra coisa. Além disso, a pobre moça sofreu vários golpes. Primeiro, o
maldito de seu primo Waldron que a aterrorizou durante toda a viagem das Terras Altas até
Lothian. Depois Ardelve cai morto a seu lado. Te ocorreu pensar que essa morte é suspeita?
—Está me perguntando se acho que alguém pode ter assassinado Ardelve?
—Alguém assassinou meu pai e Will, não é verdade? Não poderia haver uma conexão
entre suas mortes e a de Ardelve?
—Por exemplo?
Rob deu de ombros.

116 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não sei. Ele estava aqui só por Adela. Talvez relacionassem o sequestro de Adela com
a busca do tesouro feita por Waldron, e quiseram evitar que ela retornasse às Terras Altas
antes de poder interrogá-la.
—É possível, mas estando morto Waldron, não me ocorre quem possa ser esse inimigo.
Nenhum fora da Ordem e de minha família conhece a existência do tesouro.
—Mentira — objetou Rob —Waldron sabia, e seus homens devem intuir que temos algo
que custodiar. E graças à imprudência de minha língua anos atrás e à tendência de Will a
alardear, aposto que há várias pessoas que sabem que os Logan têm um segredo. O que
aconteceria se alguém acreditasse que todos o conhecemos?
Henry fez uma careta.
—Pensava passar por Roslin antes de partir para o norte. Mas talvez deva viajar contigo
a Hawthornden. Provavelmente seu avô escondeu ali seu grande segredo. E dali posso
alcançar meus mapas com facilidade, se é que os necessitamos.
—Estão em Roslin?
—Sim, muitos deles estão no cofre de lá. Alguma vez os mostrei a você?
—Não, e é evidente que não tenho muito a ver com velhos mapas e coisas pelo estilo,
milord — disse Rob, com o sotaque que tinha desenvolvido durante seu exílio voluntário.
—É um bom cavaleiro, meu amigo. Eu gosto muito do conforto para fazer o que você fez,
mas parecia gostar disso.
—A maior parte do tempo — admitiu Rob com um sorriso irônico —Eu gosto desse tipo
de vida, e Hugo não era tão exigente comigo como sir Edward.
—Me conte algo mais deste assunto com Adela — pediu Henry um momento mais tarde
—Se não pensa em fazer a corte à moça, quais são suas intenções?
—Por enquanto, espero poder conhecê-la. Mas para isso, necessito tempo a sós com ela
sem que ninguém nos interrompa e sem comprometer sua reputação. Seu sequestro já a
afetou bastante para que eu agora piore as coisas.
—Certamente. Alguns lhe dirigiam olhadas turvas esta noite. Esta região pode ser
perigosa para ela, com essa infame ninhada de Stuart arrancando os olhos por questões de

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prestígio ou de poder, e com Fife decidido a dominar a todos apesar de Carrick ser o
legítimo herdeiro. É um terreno infestado de armadilhas para os incautos.
—Mas não posso fazer nada a respeito. Também, Henry, ela está um pouco inquieta a
respeito de Einar Logan.
Henry reprimiu uma gargalhada.
—E por que diabos interessa a uma dama o destino de um simples escudeiro?
Rob ergueu a cabeça.
—Ajudou-a em seu resgate, e… — recordou sua resolução de não traí-la —Ela me ouviu
dizer a Hugo que tínhamos que acabar com o sujeito.
Henry riu com vontade.
—Pode ser engraçado —suspirou Rob —mas para lady Adela é importante. Tampouco
acredito que ache divertido inteirar-se da verdade.
—Então pensa dizer-lhe.
—É obvio —afirmou Rob —Que o céu me ajude.
Henry franziu o cenho:
—Até agora sempre pensei que as irmãs Macleod são dignas de uma total confiança, e
não tenho por que pensar diferente de Adela. Em todo caso, ela tem um caráter mais
estável que Isobel ou Sorcha. Mas é consciente de que ao revelar seu interesse por ela a
converte em um alvo de seus inimigos?
—Sim, sou —admitiu Rob —Mas não me ocorre como evitá-lo, Henry, e prometi ser com
ela o mais franco possível.
—Certo. Então, nenhuma palavra mais.

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Capítulo 10

Na carruagem, Adela escutava a conversa da condessa e sua anfitriã a respeito dos


acontecimentos da noite. Perguntou-se se não daria uma boa lição a Lestalric se fingisse
uma dor de cabeça e ficasse em casa.
«A quem pretende enganar?» — reprovou-lhe uma voz em seu interior. O encontro com
ele havia lhe devolvido a vontade de viver, e seus sentidos estavam mais acordados que
nunca.
Quando a carruagem se deteve diante da casa dos Sinclair, a condessa disse:
—Espero que aproveite o convite de sir Robert, querida. A abadia é maravilhosa, e o
castelo de Lestalric é famoso pela magnífica vista que oferece de Firth e do porto de Leith.
—Estou segura de que será um dia muito interessante, senhora.
—Então, não há tempo a perder —exclamou lady Clendenen, cheia de alegria —Está
produzindo um revoo, querida. Não faz nem um dia que está na cidade, e já tem dois
candidatos aceitáveis. Um excelente começo.
Embora a fizesse envergonhar-se, Adela entendia que ela tentava ser amável.
—Espero que não tente colocar essa ideia na cabeça de nenhum dos dois, milady. Lembre
que estou de luto.
—OH, mas eu não preciso fazer semelhante coisa porque…
—Tenha piedade, Ealga — interveio Isabella, rindo, enquanto um criado lhe abria a porta
da carruagem —Seu marido ainda não está enterrado! Por enquanto, minha querida Adela,
sugiro que não pense em nenhuma outra coisa exceto em dormir bem.
—OH, um bom descanso me sentaria maravilhosamente bem — disse Adela, sinceramente
agradecida por sua intervenção.

119 GRH - Grupo de Romances Históricos


Lady Clendenen não falou de candidatos durante a curta viagem até sua casa, nem
tampouco quando chegaram lá. Mas sua radiante expressão revelava o quanto desfrutava
do êxito de Adela; portanto, a jovem viúva se sentiu aliviada quando se retirou para deixá-la
dormir.
Ainda não tinha terminado de fechar os olhos e já estava em um navio cheio de gente
açoitado pelo vento, gente que em momentos era conhecida e em outros completamente
estranha. As ondas ao seu redor cresciam ameaçadoras, e as pessoas começaram a
desaparecer uma após outra, até que ficou ela sozinha e aterrada em um navio muito
menor.
Uma onda longínqua se aproximava ganhando força e tamanho. Parecia tão alta como as
muralhas de um castelo. Antes que a onda rompesse logo em cima dela e despedaçasse o
bote, despertou.
Ergueu-se de um salto na cama, tremendo no quarto às escuras.
Correu até a janela, com a testa suarenta, e abriu as cortinas. Uma brumosa lua iluminava
o pálido jardim. Pouco a pouco, o ritmo dos batimentos de seu coração voltou para a
normalidade. Depois voltou para a cama e ficou profundamente adormecida, até que a
donzela a despertou sorridente:
—Que deseja vestir para o passeio de hoje, milady?
Pouco depois de terminarem de tomar o café da manhã, um criado informou a Adela e
lady Clendenen que sir Robert, a condessa e o conde de Orkney tinham chegado. Desceram
até o amplo salão para lhes dar as boas vindas.
Isabella tinha escolhido um traje de amazona de um rústico e quente tecido de algodão
avermelhado. Adela usava um traje parecido, mas verde musgo. Ambos os cavaleiros
estavam quase tão magníficos como na Corte. Henry usava uma capa verde esmeralda com
cós negros; Lestalric, um casaco púrpura tão escuro que parecia negro. Seus olhos pareciam
dourados ao brilho ambarino das velas.
—Onde está Étienne? —perguntou lady Clendenen, uma vez que saudou suas visitas.
—O Chevalier envia desculpas por seu atraso — explicou Henry —Espera poder reunir-se
conosco em Holyrood ou encontrar-se conosco pelo caminho.

120 GRH - Grupo de Romances Históricos


Lestalric apertou as mandíbulas. Depois se voltou para Adela com a expressão mais
relaxada.
—Que bela e ensolarada manhã faz, não é?
—É verdade, milord —respondeu a jovem com acanhamento.
Sem demora foram procurar seus cavalos que os estavam esperando junto com uma
escolta de seis soldados que tinha disposto Henry.
A manhã era luminosa, mas gélida, e Adela se felicitou por levar sobre suas saias uma
túnica grosa e bem rodada que a manteria abrigada.
Seu cavalo cinza era um belo exemplar e levava a sela simples que usavam os homens:
justo a que Adela e suas irmãs preferiam. Macleod tinha ensinado a todas suas filhas a
cavalgar tão logo aprenderam a caminhar.
A diferença dela, a égua castanha de lady Clendenen estava selada com uma sela
feminina, grande e coberta com uma pele de ovelha.
—Minha Gussy é uma boa moça e de confiança, e seu passo é o mais calmo e macio que
possa pedir a um equino —assinalou, observando as montarias de seus acompanhantes
com desconfiança —De todos os modos, quero algo mais que um par de rédeas e um
molho de crinas para poder me sustentar quando cavalgo.
Adela logo compreendeu que a ideia de lady Clendenen de um bom rodeio distava muito
de exercitar o corpo ou a mente. Mas esse caminho público não era o lugar mais propício
para fazer exercício, o trajeto até a abadia não era longo.
—Conhece a origem do nome Holyrood? —perguntou Henry a Adela.
—Suponho que se refere à cruz em que Jesus morreu, não é assim?
—Realmente, embora David I, que construiu a abadia, chamou-a assim em comemoração
a um fragmento da Santa Cruz conservado em um pequeno porta joia de ébano que sua
mãe trouxe para Escócia quando se casou com seu pai. Chamava-se a Cruz Negra da
Escócia, e se transformou na mais sagrada relíquia de nossa nação.
—Até que os ingleses fizeram David II prisioneiro na batalha de Neville's Cross e a
roubaram — adicionou Lestalric, enquanto entravam no cemitério da abadia.
Henry riu entre dentes.

121 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Alguém se pergunta por que ocorreu ao rei dos escoceses levar ao campo de batalha
uma relíquia tão apreciada.
A imponente abadia emergia ante eles. Em seu lado norte, uma alta torre quadrangular
se elevava para o céu.
—É muito bela — disse Adela deslumbrada ante a maior igreja que tinha visto em sua
vida.
—Você gostaria de visitá-la por dentro? —perguntou-lhe Lestalric.
Ela hesitou, perguntando-se se ele tentaria conversar em particular ali dentro. Não
parecia o lugar apropriado para fazê-lo. Lady Clendenen decidiu o dilema, dizendo
indignada:
—Por Deus, sir, quer que desmontemos quando mal nos pusemos em marcha?
—É uma manhã muito esplêndida para desperdiçá-la em interiores — concordou
Isabella—Há ao menos duas belas paragens campestres no caminho para Lestalric e o
povoado de Leith.
Lestalric levou seu cavalo ao lado do de Adela enquanto cavalgavam ao longo da galeria
do muro norte do cemitério.
—Sua casa é em Leith?
—O castelo fica lá em cima no topo da montanha, uma milha ao norte da abadia —
apontou Rob —O povoado de Leith se encontra uma milha mais à frente.
—Um lugar muito pitoresco — demarcou Henry —Vamos visitar toda Lestalric hoje,
Rob?
Lestalric não tinha a intenção de arrastar todo mundo pela extensa propriedade, mas
lady Clendenen manifestou sua perplexidade.
—A terra além da abadia não pertence à Igreja? Pensei que pertencia inclusive o
povoado de Leith.
—Não é posse da Igreja, mas recebe uma renda de North Leith — esclareceu Henry —a
parte que está do outro lado do rio. Os pescadores os proveem para os dias de abstinência
e se ocupam da manutenção dos barcos. South Leith e as terras que estão ao leste fazem
parte da baronia de Lestalric.

122 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Outras embarcações? —perguntou Isabella com curiosidade.
—A balsa do abade era minha favorita — comentou Rob, feliz pelo interesse que tinha
suscitado sua terra —O único meio seguro para passar deste lado do rio a North Leith.
—Sim — disse Henry, fazendo uma careta —O abade faz um bom negócio com essa balsa,
porque o único porto seguro de Edimburgo é North Leith. Todos os navios dos mercadores
ancoram ali.
—Bem, é suficiente por hoje. A visita da abadia foi o bastante longa para Adela. Vamos
ao castelo descansar — dispôs a condessa. Em poucos minutos estavam no campo, e logo
vislumbraram diante deles o castelo ao qual se dirigiam, em um escarpado promontório
que dominava um grande lago ovalado para o este.
Campos cultivados, bosques e vastos paramos se estendiam em todas as direções. Adela
suspirou agradada pelo panorama.
—Damos rédea solta a estes corcéis, talvez até o bosque de base do promontório? —
murmurou Rob a seu lado.
Ela o olhou esperançosa.
—Podemos fazê-lo? Ninguém porá objeções?
—Duvido — sussurrou ele —Henry está desfrutando do passeio e ele conhece bem o
caminho.
Ela se voltou e topou com o olhar da condessa. Graças a Deus, Isabella lhe fez um sinal
de assentimento com a cabeça.
Rob abençoou a condessa. Assim como Henry, Isabella se esforçaria para atrasar a
marcha do grupo para lhe dar tempo de explicar-se com Adela. Temia que De Gredin
aparecesse a qualquer momento, mas não tinham visto nem sombra dele ainda, e Rob
confiava em que não se apresentaria.
Portanto, quando Adela se voltou para ele com os olhos resplandecentes e suas suaves
bochechas avermelhadas pelo ar frio, esporeou seu cavalo. Assim que lady Ardelve se
inclinou para frente em uma óbvia tentativa de ultrapassá-lo, lhe deixou a dianteira durante
um minuto ou dois.

123 GRH - Grupo de Romances Históricos


Sua destreza para cavalgar igualava a de qualquer outra amazona. Não esperava menos
das irmãs Macleod.
Ele açulou então seu corcel para que se esforçasse ao máximo e deixou os cavalos
decidirem o resultado da corrida. Quando o seu tomou a dianteira, sorriu triunfal a Adela e
voltou a freá-lo, encantado de vê-la rir enquanto galopava a seu lado. Ainda faltava um
pouco para chegar ao bosque.
—Podemos conversar agora, sir? —propôs de repente a dama, muito séria.
Quis lhe dizer que podiam fazer o que ela desejasse, pois seu sorriso podia derreter o
céu. Mas a lembrança da condenação da jovem a seus efusivos cumprimentos o fez calar.
Em troca, respondeu:
—Certamente, mas não se surpreenda se esse De Gredin aparecer de repente de trás de
um arbusto e nos interromper.
—O Chevalier é um homem amável e encantador — opinou ela, olhando-o com
recriminação. De maneira desconcertante, adicionou —Obrigo-me a recordá-lo
frequentemente, porque se não, tendo a considerá-lo um estelionatário. E isso é injusto,
porque não foi ele quem me enganou.
Rob a observou por alguns instantes com cautela. Quando lançou uma gargalhada,
Lestalric relaxou. Jamais teria imaginado que ela tivesse senso de humor, menos ainda em
um momento assim. Por todos os diabos, era incrivelmente sedutora. Mas havia algo mais
que o atraía, algo que o incitava a devorá-la. Rob lutou com esta nova emoção que o
embargava.
Não obstante, e em primeiro lugar, tinha que responder com inteligência a suas
perguntas, deixar sua honra intacta e não transgredir seus votos à Ordem.
—Que desejas saber?
—A respeito de Einar. Quero saber o que aconteceu com ele.
—Ele ascendeu — esclareceu Rob, temeroso de que a jovem indagasse mais a respeito.
Esperava que confiasse nele apesar de sua mentira. A moça possuía a estranha virtude
de lhe provocar novas sensações. Adela o havia devolvido à vida.
—Pode te espraiar um pouco mais, sir?

124 GRH - Grupo de Romances Históricos


Ele suspirou.
—Imaginei este momento uma e outra vez, milady.
—Só deve dizer a verdade — ele respirou —Onde está ele?
—Ele está de pé… quero dizer, está cavalgando junto a você.
Adela quase desmaiou.
—O que me está dizendo? —perguntou-lhe —Me toma como idiota? Não me vai dizer
que você é ele!
—Isso é exatamente o que te quero dizer.
—Mas como pode? Se você…? Einar Logan é um simples soldado.
—Um escudeiro — a corrigiu Rob, com um sorriso —Há uma grande diferença. De todas
as maneiras, foi uma experiência para desenvolver a virtude da humildade.
—Por quê?
—Porque, apesar de meu treinamento, se alguém me provocava, estava acostumado a
perder o controle. Assim aprendi a dominar meu gênio.
—E então subiu a capitão das forças de Hugo?
—Ascendi com rapidez, isso me orgulha.
As bochechas da jovem se acenderam, seus olhos estavam mais resplandecentes que
nunca.
—É um mentiroso, sir —espetou ela —Einar Logan é um rústico fronteiriço que fala
como um homem vulgar. Eu o escutei.
—Possu falar como ele m’adame —disse com o sotaque de Einar —É um fato que não
poderá negar.
—Meu Deus! —exclamou, e logo voltou a franzir o cenho —Mas Einar tinha barba…
Bem, só se necessita uma navalha para arrumar isso.
—E uma mão firme — adicionou ele —Deixei que o barbeiro de Henry me barbeasse, é o
sujeito mais destro com a navalha que já conheci.
—E ninguém o reconheceu? Ninguém como sir Robert antes, e como Einar depois?

125 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Há muitos Logan na fronteira — ele lembrou —Mesmo nas Terras Altas, embora ali
sejam chamados de MacLennans. Só tinha que admitir que era parente do barão. Quem ia
desmentir-me?
—Mas seu pai sabia onde estava? Ou seu irmão?
—Não. Até duvido de que algum dos dois tenha pensado em mim desde que parti.
—OH, pobre rapaz — exclamou ela impulsivamente, aproximando-se dele.
—Não necessito de piedade — replicou, com mais grosseria do que desejava.
Imediatamente se arrependeu quando viu que ela retirava sua mão —Para ser justo —
prosseguiu em um tom mais amável —depois de que morreu minha mãe a relação entre
nós três se deteriorou.
—Educou-se em Dunclathy, então, com Hugo e Michael.
—E também com Henry. Como é mais velho, ao princípio se mantinha a distancia para
marcar a diferença de classe. Teve que encarregar-se de sua família aos treze anos, quando
seu pai morreu na guerra.
—No que consistia seu treinamento?
—Manejo de armas, combate, coisas aborrecidas para as mulheres. Mas praticávamos a
arte da cavalaria quando as filhas de sir Edward vinham de visita. Lady Robison morreu
vários anos antes que eu fosse viver ali.
—Resulta-me difícil acreditar que as irmãs de Hugo não o reconhecessem.
Estremeceu-se internamente ante certas lembranças, mas disse:
—As mais novas, Kate e Meg, tinham seis e sete anos quando fui a Dunclathy. Além disso,
como sua mãe morreu por essa época, criaram-nas uns parentes. Teriam nove e dez anos a
última vez que as vi antes de ganhar minhas esporas.
—Entendo — fez uma pausa —Alguém me comentou uma vez que Hugo tem uma
terceira irmã.
—Lady Elizabeth, mas ela se casou pouco depois que eu cheguei. Vi-a em contadas
ocasiões e, asseguro-te que não perdeu tempo olhando para um simples escudeiro.
Tinham chegado ao bosque que se estendia do leste do promontório até o castelo em
seu topo. Antigamente, o castelo de Lestalric tinha funcionado como uma fortaleza, mas ao

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vê-lo agora, depois de seus anos em Dunclathy, Roslin e outros lugares fortemente
fortificados, Rob compreendeu por que os ingleses o tinham ocupado com tanta facilidade,
meio século atrás, e também por que, logo depois de havê-lo conquistado, tinham-no
usado só para armazenar provisões.
Olhando por cima de seu ombro, verificou que o resto do grupo ainda estava muito
atrás:
—Melhor esperamos aqui. Isabella nos deixará conversar tranquilos enquanto nos
mantenhamos à vista, mas não acredito que lhe agrade nos ver entrar sozinhos no castelo.
—Se quer te adiantar para ver o castelo, eu os esperarei — sugeriu ela.
—Não moça, organizei esta saída só para que nós pudéssemos falar. Que mais deseja
saber de mim?
Adela hesitou. Havia tantas coisas que desejava saber. Embora mal tenha visto Einar
Logan, formou uma impressão muito clara do homem.
—Por que fez isso? Por que se transformou em Einar Logan?
Reprovou sua estúpida pergunta. Que outra razão podia haver a não ser algo do que ele
se envergonhava?
—Perdi os estribos — confessou arrependido —Tinha chegado a minha casa ao meio dia,
orgulhoso por meu título de cavaleiro, e estávamos falando de batalhas e de feitos heroicos
enquanto comíamos. Depois meu pai me pediu certa informação que eu não podia lhe
proporcionar. Tivemos um desacordo, e Will se entrometeu na disputa. Isso me zangou
mais ainda embora nunca estivemos mais de dez minutos juntos no mesmo aposento sem
brigar —Adela percebeu a luta interna que mantinha o cavaleiro —Meu pai disse então que
eu representava uma desilusão para ele e que não valia nada, portanto parti.
—Que horrível!
—Jurei não vê-lo nunca mais. E mantive minha palavra, mais por orgulho que por outra
coisa. Fiquei com Hugo e Michael em Roslin, porque sempre os considerei família, muito
mais que a meu próprio pai ou que ao Will. Mas, é obvio, não eram meu sangue, e eu não
tinha nada que me pertencesse. Disse-lhes que queria abrir meu próprio caminho e que
não queria que ninguém me chamasse sir Não Sei O que enquanto isso. Meu título de

127 GRH - Grupo de Romances Históricos


cavaleiro tinha perdido seu brilho. Mas aos rapazes de Hugo parecia uma insolência me
chamar de Rob, então lhes sugeri que me chamassem Einar e que me tratassem como a um
deles. Era um bom nome escandinavo da família de minha mãe.
Ela inclinou a cabeça para um lado e entrecerrou os olhos.
—Realmente não queria que sua família o encontrasse?
Ele sorriu com ironia.
— Parece Hugo. A estas alturas não tem mais importância o que é que eu pensava então.
Já nos estão alcançando — adicionou, assinalando aos cavaleiros que se aproximavam —
Seguiremos falando em outra ocasião, eu também quero saber muitas coisas a respeito de
você. Deveria saber, entretanto, que já paguei minhas faltas, e…
—O que? —perguntou ela curiosa. Olhou para o grupo que se aproximava, talvez De
Gredin tivesse chegado, ou tinha acontecido alguma outra coisa que o incomodava.
—Possivelmente me equivoquei ao dizer que paguei todas as minhas faltas— admitiu
abatido —Às vezes penso que talvez não o tenha feito.
Adela quis lhe dar uma boa sacudida, mas ele estava muito longe. Além disso, o resto do
grupo já estava muito próximo a eles.

Rob viu a faísca da ira, mas não pôde pensar em nada que dizer para evitar que se
produzisse o incêndio. Suas palavras talvez soassem falsas.
A culpa pelo assassinato de seu pai e de seu irmão podia recair sobre ele. Seria possível
que aquela briga com Will anos atrás se convertesse com o tempo em algo muito mais
importante? Ou estava exagerando?
O grupo cavalgou pelo bosque até as portas do castelo. O administrador do castelo saiu
para receber seu senhor.
—Espero que não tenha esquecido Tam Geddes, rapaz —o saudou o homem de uma
maneira afável, enquanto olhava Henry e à meia dúzia de soldados que cavalgavam atrás
deles —Um de meus moços escutou no povoado que estava de volta. Estou tão contente
de vê-lo. Imagino que haverá muitas mudanças, não é verdade?

128 GRH - Grupo de Romances Históricos


—OH, espero me ocupar de tudo — suspirou Rob, enquanto dava uma olhada a seu
redor. O pátio parecia ordenado e limpo, mas se notava que o lugar não estava bem
conservado. De todos os modos, não queria dizer muito antes de ter investigado todo o
lugar —Mas suponho que sabe mais a respeito que eu mesmo, Tam Geddes.
—Bom, você esteve ausente por anos. Seu pai ficaria contente com sua volta — se
emocionou —O jovem Will só estava interessado em gastar o dinheiro de sir Ian para
impressionar às damas de Stirling ou do castelo quando a Corte se alojava ali.
—Quero ver as contas antes de deixar Edimburgo —pediu Rob —As revisarei a próxima
vez que vier. Não quero fazer perder tempo às damas.
—Como goste, senhor — disse o homem, voltando a olhar Henry, que estava magnífico
com sua elegante capa. E também banal, pensou Robert.
Recordava Tam Geddes desde sua infância, quando era um jovem servente. O homem
parecia nervoso.
Entraram no grande salão. Por todos os diabos, era evidente que certa quantidade de
homens tinha estado vivendo ao menos durante uma quinzena sem que os serventes
limpassem o lugar.
—Quanto tempo faz que lady Logan partiu? —perguntou Rob a Geddes.
Franzindo o cenho, respondeu-lhe:
—Acredito que há mais ou menos dois meses. Foi ficar com sua mãe quando sir Ian e
nosso Will partiram para reunir-se com Douglas.
Se quisesse viver com comodidade em Lestalric, devia introduzir mudanças terminantes.
Pesaroso, Rob percorreu o lugar, sem saber por onde começar. Isabella e lady Clendenen
declinaram a proposta de inspecionar os pisos superiores.
—Por Deus, ainda me parece estar sentada na sela, temendo cair de um minuto ao outro
— comentou lady Clendenen, com humor, tentando amenizar a tensão —Prefiro ficar aqui
sentada até que empreendamos a volta.
—Então as deixaremos por um momento, se não lhes importa nos esperar — decidiu sir
Robert —Talvez Tam lhes possa trazer algo para beber.
—Imediatamente, senhor — obedeceu o homem, ainda visivelmente nervoso.

129 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Eu gostaria de acompanhá-los, sir Robert — se ofereceu Adela —A condessa Isabella
assegurou que Lestalric goza de uma vista privilegiada de Firth.
—É verdade — admitiu Robert, ignorando o brilho nos olhos de Henry. Como não tinha
nenhum pretexto cortês para negar a seu pedido, disse-lhe —Vamos por aqui, milady.
Conduziu-os pela escada principal para o primeiro piso, e em seguida ao longo de um
corredor que se abria a numerosos aposentos, até chegar ao último. O dormitório de sir
Walter estava tão desordenado como o grande salão.
—Diabos! —exclamou —Esses homens também dormiram aqui?
Adela entrou atrás dele.
—Este caos não é mera desordem, sir —opinou com delicadeza —Parece ter sido
remexido intencionalmente.
—Ela tem razão, Rob — concordou Henry da porta do quarto. -O quarto ao lado se
encontra no mesmo estado. Tudo está revolto. Inclusive desarmaram a cama.
—Alguém esteve revistando o lugar —concluiu Rob, sentindo que a fúria o consumia —
Milady, vigie a escada. Se alguém se aproximar, saúde-o em voz bem alta.
Ela obedeceu sem objeções. Rob, então, dirigiu-se para a cama de madeira contra a
parede. Tinha dois pilares, um dossel e luxuosas cortinas de veludo, mas o que mais o
interessava eram os painéis de madeira da cabeceira.
Apalpando a borda inferior de um painel sem adornos entre outros dois lavrados,
encontrou uma longa e estreita cunha em sua base. Puxando-a, extraiu o painel, procurou
dentro do espaço que ficava atrás e encontrou um cilindro de couro que guardou dentro de
sua manga. Depois voltou a pôr em seu lugar o painel e a cunha, e se dirigiu a procura de
Henry que estava examinando o quarto ao lado.
—Vamos — disse Rob.
—Encontrou o que procurava? —perguntou-lhe Henry.
—Espero que sim — murmurou, olhando Adela que estava perto das escadas —Mas
temo que seja só a metade de um mapa. Olhe isto. —Entrou no quarto e desenrolou o
documento —O que te parece?

130 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Incompleto —concordou Henry —Esse lado parece rasgado, apesar de suas curvas.
Mas te alegrará saber que eu encontrei algo similar entre meus mapas na arca.

Adela tinha estado se enganando ao considerar-se uma pessoa pouco curiosa. Ela tinha
sentido curiosidade em relação a Lestalric e tudo o que o rodeava desde o primeiro
momento. Agora, enquanto vigiava de uma das janelas do corredor com seus ouvidos
alerta, morria por saber o que tinham encontrado.
Isabella tinha razão: a vista de Firth of Forth era magnífica. Mas sua mente não estava
concentrada no panorama. Como tinha administrado uma casa com irmãs muito pouco
ordenadas e um pai que deixava seus pertences esparramados em qualquer parte,
imediatamente notou, mesmo antes de ver os aposentos, que alguém tinha estado
revistando o grande salão.
Mas Lestalric não fez nenhuma pergunta. Ao escutar que chegavam os dois homens,
voltou-se.
—Acredito que vou fazer algumas pergunta mais, sir Robert —anunciou a jovem.
—Como quiser, milady. Eu também tenho que te fazer algumas — replicou em um tom
severo.
Ao encontrar-se com Geddes no salão, Rob lhe disse com afabilidade:
—Os quartos estão muito desordenados. Quem esteve revolvendo no quarto de sir Ian?
O homem se ruborizou.
—Ah, desculpe milord. Não foi nenhum de nós! Vieram algumas noites atrás com um
estandarte real. Disseram que tinham morrido os herdeiros e que a propriedade tinha que
voltar para o rei…, não pude lhes negar a entrada.
—Confio em que tenha a coragem de fazê-lo se voltarem.
—Sim, senhor, com certeza.
—Bem. Quero que o lugar esteja limpo e ordenado antes que eu retorne. Pode utilizar
todos os homens que necessitar e também mais soldados para custodiar o castelo. Se não
puder cuidar disto com rapidez, terei que procurar um novo administrador.

131 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Acredito que seria bom contratar uma governanta — sugeriu Adela —Parece que
ninguém cuidou do lugar durante muito tempo.
—Sem dúvida, pode também se encarregar disso, não é? —disse Henry a Geddes.
—Sim, senhor. Farei o possível, mas vai custar dinheiro.
—Se necessitar de recursos, mande as pessoas que contratar à casa dos Sinclair em
Cannongate, onde está vivendo agora sir Robert. Ele se ocupará de seu pagamento.
—De acordo, milord.
—Confio em você, Tam Geddes.
—Mas devo mandar aos moços à cidade para procurar o dinheiro? Poderia deixar que eu
cuidasse disso — sugeriu —Seria mais cômodo para os moços, não lhe parece?
Fazendo um esforço para não olhar para Henry, Rob lhe respondeu com fingida afetação:
—Mas é mais cômodo para mim na casa dos Sinclair.

—Diabos! —exclamou Rob, enquanto retornavam —Do que se trata tudo isto, Henry?
Não tinha pensado no dinheiro, mas me diga como vou fazer para pagar a todos esses
homens antes de saber qual é minha renda por Lestalric e…
—Eu emprestarei o dinheiro — o interrompeu Henry, sem pedir desculpas —E antes de
ir ao norte, deixarei estabelecido que pode dispor de meus recursos com liberdade. Não
fique nervoso, Rob. Foi prudente no castelo ao não deixar transparecer suas suspeitas. Mas
se não se deu conta pelo estado das terras de que suas rendas devem ser enormes, não é
meu problema que esteja tão cego.
Rob franziu o cenho.
—Sabe que estou preparado para administrar minhas finanças. Todos nós fomos
preparados para fazê-lo, um homem não pode lançar-se ao combate sem estar seguro de
que tem os recursos necessários para pagar seus homens. Mas não sei muito de rendas.
Posso ver que estas terras estão em melhor estado que o castelo, mas suponho que Tam
entregou a renda a meu pai ou a Will e eles a gastaram em luxos.
—Pode ser — reconheceu Henry —Mas foi um parvo ao não examinar as contas.
Recordo-te que alguém já se intrometeu em seus assuntos. E isso significa que seu pai e seu

132 GRH - Grupo de Romances Históricos


irmão podem não ter sido os únicos a quem Geddes entregou uma renda. E se me permite
adicionar algo mais…
—Tudo o que quiser — suspirou Rob, enquanto entravam no sombrio bosque —Embora
preferisse não estar em dívida contigo de uma maneira tão excessiva.
—Recuperarei tudo — asseverou Henry —Mas faria bem em permitir que envie meu
administrador para visitar o Geddes com alguns de meus soldados para apoiar seus
esforços. Assim, poderá ter a certeza de que receberá uma prestação de contas completa.
—Céus, Henry, teria que ser um idiota para rechaçar seu oferecimento — disse Rob com
total sinceridade —Se importaria compartilhar alguns de seus conhecimentos comigo?
—Absolutamente — disse Henry com um sorriso nostálgico —Mas pense o que terá sido
para ele ensinar a um rapazinho de treze anos que estava zangado com o destino por haver
tirado a seu pai e seu orgulho além de sua classe social!
—Fui assim alguma vez? —perguntou-lhe Rob —Não lembro.
—Foi prudente de sua parte ter esquecido — assinalou Henry, com um sorriso.
Rob estava rindo às gargalhadas quando a flecha o alcançou.

133 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 11

Adela ouviu um grito e quase desmaiou quando ao voltar-se viu Lestalric ferido caindo
de seu cavalo. Só um rápido movimento de Henry evitou que desabasse entre os cavalos.
—Vocês duas com a condessa! —gritou Henry.
De algum modo obteve com uma só mão segurar a manga do casaco de Lestalric.
Enquanto Henry lutava para controlar aos dois nervosos cavalos e tentava ajudar Lestalric,
o tecido começou a rasgar por onde o tinha atravessado a flecha. Adela viu tudo isto em um
instante, e esporeou a sua montaria para poder chegar antes possível ao corcel a ponto de
desembestar. Sustentou-o com firmeza, rogando que o animal não se espantasse, falou
com ele para tranquiliza-lo, até que Lestalric de repente deu um puxão para afastar-se de
Henry.
—Não lute contra ele, tolo! —gritou ela quando seu cavalo tentou encabritar-se outra
vez. E adicionou com rapidez, mas desta vez com tom tranquilizador —Posso ver a ponta da
flecha, milord. Não se mova, ou aprofundará a ferida. Bom rapaz! —murmurou ao cavalo,
que se serenava.
—A dama tem razão — demarcou Henry —Terei mais cuidado, mas deve descer do
cavalo já para que examinemos essa ferida.
—Primeiro ponha às mulheres a salvo — grunhiu Lestalric, enquanto Henry o ajudava a
sentar-se outra vez direito sobre sua montaria. Parecia zangado, Adela não sabia se com o
arqueiro ou consigo mesmo por deixar transparecer sua dor.
—Não iremos a nenhuma parte — respondeu ela —Dois dos soldados de Henry estão
protegendo à condessa e lady Clendenen, e já estão fora da linha de fogo. Sem dúvida,
estamos mais seguras aqui com os soldados de Henry que se tentássemos nos afastar sem
eles.
134 GRH - Grupo de Romances Históricos
—Tem razão uma vez mais, Rob — disse Henry dando uma olhada em torno —Tem o
cérebro embotado, rapaz. Assim me escute, a menos que queira receber um bom murro.
—Por favor não, Henry. Esta maldita coisa me arde como um fogo.
—Certo — respondeu Henry, fazendo um sinal a um de seus homens para que
desmontasse e viesse a ajudá-lo.
—Está sangrando muito, sir — assinalou Adela —Devemos tirar essa flecha e enfaixar a
ferida o antes possível.
—Sim, mas estou pensando em enviar a um par de meus homens…
—Escute! —gritou Adela —Se aproximam cavaleiros!
Trocando um olhar com Lestalric, Henry fez um sinal a outros dois homens. Um penetrou
no bosque, o outro se dirigiu ao encontro dos recém chegados.
Um instante depois se ouviu um grito:
—São mais ou menos uma vintena, milord, e levam o estandarte real e o do conde de
Fife.
—Graças a Deus! Agora estaremos a salvo — suspirou Adela.
—Estou sangrando muito, Henry? Não posso ver minha ferida — perguntou Rob.
—Sangra o bastante para arruinar seu precioso casaco — resmungou Henry —Mas ao
menos o veludo escuro impedirá que alguém note de longe que está ferido.
—Por favor, sir, desça do cavalo — rogou Adela —Devemos tratar a ferida.
—Talvez seja mais importante escondê-la —opinou Rob —Usa uma anágua de cambraia,
moça?
Ela franziu o cenho, mas entendeu em seguida o sentido de sua pergunta e começou a
rasgar tiras da cambraia de sua anágua.
—Use o tecido como atadura. Henry, meu casaco é escuro, mas as ataduras vão ser
vistas. Terá que me emprestar essa esplêndida capa que está usando.
—Maldição, vagabundo, vai sujar tudo! —queixou-se Henry, tirando a capa.
—Não se preocupe por isso —tirou o cilindro de sua manga esquerda —Tome isto, moça,
e guarda-o dentro de seu sutiã.

135 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Homens! —falou Adela, enquanto sustentava as tiras de tecido, mantinha seu cavalo
calmo e guardava o documento dentro das rendas de sua túnica sem perguntar o que era
—Sabe que não posso enfaixar a ferida tal como está. Tem que tirar primeiro a flecha.
—Henry, veja se pode fazê-lo sem me deixar inconsciente —resmungou Rob.
—Céus, sir —se queixou ela —Não vai poder tirá-la está muito profunda.
—Deve fazê-lo. Não quero que descubram que me feriram.
—Duvido que a pessoa que disparou essa flecha ache que falhou.
Henry não perdeu tempo discutindo
—Fecha os olhos e tenta relaxar. Tenho que empurrar essas malditas puas para poder
cortá-las.
—Não se preocupe pela limpeza —Lestalric conteve o ar —Só corte-a e tente não deixar
lascas em minha carne. E pelo amor de Deus, Henry, faça logo. Diminuíram o passo. Estão
entrando no bosque.
Lady Clendenen e Isabella tinham retornado ao atalho. Assim como Adela, sentiam-se
seguras sabendo que se aproximava uma comitiva real. Ao menos nenhum deles se negaria
a seguir as indicações delas ou de Henry.
Sir Robert percebia o perigo. E sabia que Henry, que entendia a política e as intrigas que
se produziam no círculo real muito mais que ele, não estava nada calmo sabendo que Fife
estava ali.
Henry operou com agilidade: empurrou o haste através da ferida até que as puas
ficaram fora da área de saída da flecha. A velocidade de suas mãos surpreendeu Adela.
ouviu-se um grito abafado, mas Rob não perdeu a consciência.
Com grande habilidade, Henry extraiu a haste, tomou uma das longas tiras de cambraia e
enfaixou destramente o ombro e a parte superior do braço. Dois homens o assistiam,
sustentando as puas e segurando o paciente. Ao analisar como a flecha tinha atravessado o
ombro esquerdo e emergido por trás da parte superior de seu braço esquerdo, Adela
declarou preocupada:
—Dispararam-na de cima. Ali de trás —assinalou —daquelas árvores.

136 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Sei —disse Henry —Segura esse nó com todas suas forças, jogarei minha capa sobre
seus ombros. Não resta mais tempo —soava calmo.
—Faça desaparecer isso —ordenou Lestalric a um dos homens que sustentava as puas —
Esconda a haste também, mas enterre-a sob um arbusto se puder. Apresse-se, homem.
Estão nos alcançando.
Em efeito, uns instantes mais tarde, tinham-nos alcançado. Mas antes que Adela
reconhecesse a alguém da comitiva real, Isabella exclamou com uma voz muito clara:
—Olhe, Ealga. É seu encantador primo, o cavaleiro De Gredin, com o conde de Fife!
Adela ficou extremamente intrigada quando Henry arrebatou a um de seus homens uma
flecha que parecia igual a que acabavam de quebrar. Estudou-a com muita atenção quando
os primeiros cavaleiros da comitiva real se reuniram a eles.
—Suas saias, milady —indicou Lestalric.
Fingindo o gesto mais despreocupado que pôde, escondeu a anágua rasgada que se
sobressaía de sua saia. Depois saudou os recém chegados, embora mantendo-se sempre
perto do cavalo de Lestalric.
Rob estava pálido, mas conservava a compostura. Tinha afrouxado as rédeas que levava
na mão esquerda e com a direita tirava umas folhinhas que tinham caído sobre sua capa.
—Alegra-nos muito vê-lo, milord —saudou Isabella ao conde de Fife.
—Bom dia, madame. Tiveram algum problema por aqui?
—Que ardiloso é, milord! —respondeu-lhe lady Clendenen, levando uma mão ao
coração—Juro que nunca fui mais feliz de ver alguém. Meu pobre coração ainda está
agitado. Dispararam-nos flechas!
—Que terrível —sibilou Fife, desviando seu arrogante olhar para Lestalric —Espero que
ninguém tenha sido ferido.
Henry levantou a flecha de modo que todos pudessem vê-la:
—Alegra-nos poder tranquilizá-lo, sir. A pontaria do arqueiro não era boa. Confio que
este tipo de coisas não ocorram frequentemente nestas paragens.

137 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não frequentemente —respondeu Fife, esquadrinhando Lestalric —Informaram que
ainda não tinha visitado estas terras. Se me tivessem antecipado sua chegada, teria evitado
que se produzissem incidentes.
—Diabos, então devia haver informado a toda a Corte —replicou Lestalric, no mesmo
tom falso que tinha usado a noite anterior e também com Geddes.
Adela notou, entretanto, que seu estranho sotaque era menos marcado ao falar com
Fife.
—Por fortuna tinha pedido a De Gredin que se reunisse comigo esta manhã para
conversar sobre sua recente visita a França. Estamos tentando conseguir a ajuda da Velha
Aliança se os ingleses nos seguem provocando.
—Uma excelente ideia — disse Lestalric.
—Em todo caso —disse Fife, com um ar cínico —quando De Gredin anunciou que se
uniria a nossa expedição, sugeri rastrear o lugar se por acaso vocês se encontrassem com
esses canalhas. Ele não sabia que contavam com uma escolta tão numerosa.
—Sem dúvida, deveria ter exposto primeiro meus planos, milord —simulou desculpar-se
Lestalric —Me parece que não estou a par de minhas obrigações.
Adela temeu que Fife percebesse o sarcasmo, então se alegrou quando ouviu um grito
no bosque atrás deles. Henry e sua escolta ficaram em alerta.
—Tomei a liberdade de enviar alguns homens em busca desses canalhas —explicou Fife
—Juraria que eles ordenaram ao arqueiro que os atacou para esconder-se nas árvores.
Tal como Adela, Rob acreditava que o arqueiro tinha disparado da copa de uma árvore e
depois tinha fugido. Os homens de Fife jamais o procurariam ali. Estudou o nobre com
desconfiança.
—O pegamos milord —anunciou um dos cavaleiros provenientes do bosque —Saltou de
uma árvore para fugir, mas o abatemos.
—O que fizeram ao homem? —perguntou-lhe amavelmente Henry —Eu gostaria de lhe
perguntar por que nos atacou.
O esbirro olhou para seu amo antes de responder:
—Não vai poder dizer nada, milord. O diabo já o tem em seu poder.

138 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Mas por que queria nos atacar? —perguntou Lestalric com um tom queixoso, estranho
nele.
Fife deu de ombros.
—Talvez porque sir Ian descuidou de seu povo. Sem dúvida, isso vai mudar a partir de
agora, se pensa em cuidar de tudo. Mas até que chegou, tão de improviso, o rei temia ter
que ocupar-se ele mesmo deste lugar.
—Alegra-me poder evitar ao rei semelhante preocupação —respondeu Lestalric —Mas
embora esteja aprendendo muito, temo que o estamos distraindo de suas importantes
obrigações, lorde Fife. Agradecemos de todo coração seu tempo e sua ajuda.
—Os veremos no castelo esta noite? —perguntou Fife.
Adela ficou tensa, mas conseguiu evitar dirigir um olhar severo a Lestalric.
—OH, sim, suponho que sim —prometeu ele, para seu profundo desgosto —Jamais
perderia uma festa tão encantada como a da outra noite.
Esperando que ele procurasse um pretexto para não comparecer, Adela teve que fazer
um esforço para não contradizê-lo ali mesmo.
Fife e seus homens se afastaram.
—Lady Adela, deve ter se sentido aterrorizada, em especial depois de sua horrível
experiência de umas poucas semanas atrás —comentou o Chevalier.
—É muito amável em se preocupar —agradeceu a jovem, aproximando seu cavalo ao
dele —Lamento que tenha perdido a primeira parte de nossa expedição. Foi um dia
esplêndido.
O interesse De Chevalier em cada palavra que ela dizia lhe resultava uma novidade, pois
seu pai desdenhava a conversa com mulheres. Suas atenções tinham começado a alimentar
sua vaidade, até que percebeu que suas perguntas, de amplas e variadas, foram-se
restringindo a um só interesse: obter informação sobre o castelo de Lestalric.
—Sinto muito, sir, mas quase não vimos mais que o grande salão —disse —Se Lestalric e
Orkney fizeram pouco mais que aparecer suas cabeças pelo mofado vão da escada,
surpreender-me-ia, porque o lugar está abarrotado de homens, cães e sujeira. Todos
necessitávamos ar puro. Os habitantes das Terras Altas são muito mais cuidadosos.

139 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Inteirei-me que o lugar está muito desordenado —riu —O novo barão tem uma árdua
tarefa por diante. Espero que não me considere vil se opinar que não me parece capaz de
resolver os problemas de sua propriedade.
Quando estava a ponto de dizer que Lestalric era capaz de fazer bem tudo que se
propusesse, tomou consciência da armadilha. Então, com um sorriso inocente, suspirou:
—OH, eu não entendo desses assuntos, sir, e jamais me atreveria a chamá-lo vil. Além
disso, mal conheço sir Robert.
—Pensei que você, ele e Orkney estavam juntos como bons amigos.
—Conheço Orkney, é obvio —comentou ela com uma voz cristalina —Além do mais, é o
cunhado de minha irmã. Mas nem sequer sabia que existia sir Robert até que o lorde
chambelán anunciou sua chegada a Corte.
Isso, disse a si mesma, era rigorosamente verdade.
Recordou com quanta veemência tinha assegurado a Lestalric que detestava os segredos,
e disse a si mesma que ainda os odiava, mas odiava ainda mais a baixeza. E começava a
acreditar que se encontrou outra vez com um homem falso. Se De Gredin era um
mentiroso, Adela teria que conduzir-se com ele com muita cautela.

Rob apertava os dentes enquanto via a moça cavalgando adiante com o maldito francês.
Cada passada do cavalo representava uma tortura, e não era o intenso golpe que havia
sentido quando Henry tinha tirado a flecha, nem tampouco a dor da ferida aberta. Todo o
ombro e a parte superior de seu braço esquerdo doíam, quase não podia segurar as rédeas.
Por sorte, seu cavalo necessitava pouca guia, inclusive quando Henry lhe indicou que se
atrasasse um pouco.
—Maldito seja De Gredin! Não confio em um homem que anda com Fife, Rob, e
tampouco deveria confiar você. Só lhe interessa aumentar seu poder. A única razão pela
qual seu irmão Carrick segue vivo é que todos responsabilizariam Fife se algo lhe
acontecesse.
—Entretanto, deve haver umas quantas pessoas que estão de acordo com Fife em que
Carrick não é o homem ideal para converter-se no próximo rei da Escócia —opinou Rob.

140 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Certamente. Qualquer pessoa que saiba um pouco de guerra pensará o mesmo. Ao
seu devido tempo, Carrick poderia chegar a ser um bom rei para os escoceses. Mas não
enquanto a Inglaterra seguir querendo conquistar a Escócia, nem tampouco com a família
real ambiciosa e déspota que temos. Todos querem mais poder, mais terras, mais de tudo,
embora não seja mais que para jogar na cara dos que alguma vez disseram que os Stuart
eram uns arrivistas.
—É suficiente, Henry, cuidarei de Fife. Mas como acha que fizeram seus homens para
saber quem demônios era o arqueiro?
—Já o descobriremos —asseverou Henry, olhando por cima do ombro —Enviei um de
meus homens para dar uma olhada. Agora vem para nós.
O cavaleiro se aproximou com tanto sigilo que Rob não o ouviu chegar.
—Alguém deve ter dito que ficasse onde estava, porque ainda se encontrava na árvore
quando chegaram os outros. Escondi-me e os ouvi chegar.
—Então, acha que o conheciam? —perguntou Rob.
—Certamente, além disso, usava a mesma libré negra que eles, até que o despiram e o
vestiram com uma calça e uma jaqueta puídas. Escutei que diziam que Sua Senhoria ia ficar
furioso porque não tinham enviado um arqueiro com melhor pontaria.
—Então Fife enviou o arqueiro —concluiu Rob —Me pergunto que diabos se propunha.
—Obrigado, John —disse Henry, despedindo-se de seu homem —Estou pensando… —
adicionou alguns minutos mais tarde —Suponha que o arqueiro obedecia as ordens de Fife.
—Que apenas me ferisse, quer dizer?
—Sim. Devem te necessitar com vida. Talvez ambicionem algo que você possui… ou que
os Logan têm. E…
—E um Logan acaba de visitar Lestalric — Rob completou a frase —Acha que Fife planejou
tudo isto para apoderar-se do objeto em questão ao aparecer casualmente para me ajudar.
—Exato. Não importa agora como fez o arqueiro para se localizar em seu posto. É melhor
pensar quando o fez. De Gredin pode ter contado ontem à noite a Fife o que planejávamos
fazer hoje. E como eu não me decidi a te acompanhar até esta manhã, o número de

141 GRH - Grupo de Romances Históricos


integrantes de nossa comitiva o surpreendeu. —Rob assentiu —Seu amigo Tam Geddes
pode estar também ao par do assunto —adicionou com precaução.
—É possível. Embora intua que não e, em todo caso, o resto de Lestalric deveria estar do
meu lado. Apesar de todos os defeitos de meu pai, o avô era uma pessoa muito querida.
Além disso há toda uma tradição de lealdade a minha família.
—Realmente vai a Corte esta noite?
—Devo fazê-lo —suspirou Rob —Mas teremos que renunciar ao convite para jantar de
lady Clendenen. Posso mover todos meus ossos, assim penso que essa maldita flecha não
me causou nenhum dano grave, mas duvido que possa comer com elegância.
—Eu direi a minha mãe. Inclusive, talvez possa ajudá-lo. Conhece as artes das feiticeiras
para sarar feridas sabe? E pode deixar de fulminar Adela com o olhar —adicionou com um
sorriso —Está fazendo tudo o que pode para te proteger.
Rob desviou o olhar para Henry, e este soltou uma gargalhada.
—Fez bem em agir como um parvo com Fife, Rob. Como dizia sir Edward frequentemente:
para ter vantagem em uma batalha, inclusive em uma batalha de mentes, é melhor parecer
incapaz.
—E se a pessoa for incapaz — continuou Rob secamente, pensando na dolorosa noite
que o aguardava —deve parecer capaz.

A pressão por cumprir obrigações começava a asfixiar a jovem viúva. Não só se sentia
obrigada a deixar que De Gredin cavalgasse ao seu lado durante a viagem de volta lhe
dizendo todo tipo de frivolidades, mas também recordou o convite de lady Clendenen para
jantar com eles. «Maldição — se queixou Adela para si —Esperava que ele o tivesse
esquecido».
—Espero ansioso outro jantar maravilhoso — exclamou o Chevalier, enquanto se
aproximavam da mansão —Em minha opinião, esse cozinheiro é um dos melhores de
Edimburgo.
—Acreditei que você gostava mais da comida do castelo — comentou Adela, sorrindo,
mas desejando que o diabo o levasse.

142 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Certamente. Mas a companhia não é tão admirável — rebateu.
—OH, nesse caso confio em que possamos estar hoje à altura de suas expectativas —
respondeu coquete.
—Com certeza superará minhas expectativas — replicou, estendendo sua mão para
apertar a dela.
Ficando tensa, mas mantendo um tom amável, lady Ardelve pediu:
—Rogo que não faça isto. A condessa não aprovaria.
—Não está olhando — afirmou, voltando a apertar sua mão.
Adela o olhou com severidade. Com um suspiro, ele retirou sua mão.
—É cruel, madame.
Um sexto sentido advertia a jovem que Lestalric os estava observando. Logo deveria lhe
prestar contas por permitir que semelhante sujeito tomasse liberdades com ela. Para sua
surpresa, a ideia lhe resultou estimulante. Bem. Ela também tinha umas quantas coisas que
dizer a ele.
Ao chegar à mansão Clendenen, a anfitriã insistiu em que todos ficassem para jantar.
—Acho que estou com dor de cabeça, Ealga — suspirou a condessa, com exagerado
pesar—Se tivermos que ir a Corte esta noite, primeiro devo descansar um pouco. De fato,
surpreende-me que você não necessite também um pouco de repouso. Depois de uma
aventura tão terrível, fiquei exausta.
De Gredin não captou que a condessa, geralmente tão vivaz e corajosa, mostrava-se fraca
porque não suportava sua presença. Ele só disse que esperava que ela se recuperasse logo.
—Com certeza lorde Henry ficará conosco — adicionou Étienne.
—Devo rechaçar sua generosa oferta, sir, urge-me me ocupar de certo assunto antes de
partir para o norte — disse Henry —E levo Lestalric comigo, Ealga. Lamento privá-las de sua
companhia, mas me solicitou conselho a respeito de algumas mudanças que quer fazer em
sua propriedade. E esta talvez seja a última ocasião que tenha para atender seu pedido.
—Não se preocupe sir, Adela e nosso querido Étienne me manterão entretida.
Distraída observando como De Gredin desmontava torpemente, Adela não percebeu que
Lestalric tinha levado seu cavalo até o lado do dela até que o animal soprou.

143 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Céus, milady — murmurou ele —Salta como um gato escaldado.
—Assustou-me —o repreendeu ela, lhe passando o cilindro que tão bem tinha custodiado
—Realmente vai esta noite?
—Sim — escondeu o cilindro em sua manga —E espero que você também.
—OH, não tenho alternativa — suspirou —Mas acho que está louco.
—Se vai falar de loucura, devo assinalar que só uma lunática permitiria que esse canalha
lhe pusesse a mão em cima.
Ela ergueu a cabeça.
—Isso não é da sua conta, milord.
—Pode pensar o que quiser. Mas não digo isso por ciúmes. Não quero que se envolva em
meus assuntos, nem que me prejudique cometendo enganos de jovenzinha tola. Uma coisa
é que uma viúva vá a Corte com duas poderosas mulheres de sua família como
acompanhantes e outra muito distinta é permitir as liberdades de um libertino
escorregadio como De Gredin.
—Libertino escorregadio? —repetiu divertida.
—Não zombe, milady. Costuma confiar seus assuntos particulares até mesmo a estranhos
ocultos na escuridão.
Suas palavras a impactaram, mas levantou graciosa o queixo.
—Suponho que fui muito imprudente ao confiar nessa voz.
—Não, moça — quis tranquilizá-la —Nunca quis dizer isso, e você sabe — adicionou com
o mesmo tom quente daquelas vezes —Tento te explicar que há algo que nos une. Um laço
de confiança difícil de definir, embora saiba que não deve ser fácil para você confiar em
mim agora que admiti que a enganei. Quero que sejamos amigos, nada mais, ao menos por
enquanto.
—Eu adoraria milord! —exclamou ela impulsivamente, lhe estendendo a mão em sinal
de paz. Arrependida de sua reação retirou sua mão imediatamente, pois ele tinha que
estender seu braço ferido para tomá-la. Então, para que não lhe desse uma importância
excessiva a seu gesto, disse com firmeza —Mas não acredito que uma crescente amizade
lhe dê direito a me criticar, sir.

144 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não a estou criticando, só a esse mequetrefe De Gredin. Não confie em seu olhar de
carneiro degolado.
Adela sacudiu sua cabeça, rindo até que Henry disse atrás dela:
—Me permita que a ajude a desmontar, milady. Lestalric não pode fazê-lo por enquanto.
E minha mãe deve estar ansiosa por dormir sua sesta.
Escondendo um sorriso e cuidando de não olhar a Lestalric, quem sem dúvida conhecia
os hábitos da condessa tão bem como ela, Adela aceitou a ajuda de Henry para desmontar.
—Queria acompanha-la para dentro, lady Adela — pediu De Gredin.
Percebendo a desaprovação de Lestalric, dirigiu um amplo sorriso ao Chevalier, que a
pegou pelo braço.

Lady Clendenen estava radiante, mas o jantar foi terrivelmente aborrecido. De Gredin
falou apenas dos Sinclair e dos Lestalric e a anfitriã comentava trivialidades controlando-se
todo o tempo para não dar informações demais, conforme tinha recomendado Isabella.
Quando terminou o jantar, via-se tão esgotada mentalmente como a própria Adela.
Quando lady Clendenen se levantou por fim de seu assento, deu por terminada a noite
dizendo:
—Foi um prazer, Étienne, mas agora deve nos deixar, pois devemos ter o melhor aspecto
possível esta noite na Corte. Necessito um banho. —Quando o Chevalier se foi, Ealga
confiou a Adela em tom cúmplice —Esta obrigação de ser discreta representa um esforço
muito grande para mim. E é muito injusto, também, da parte de Isabella, ter insistido em
que não contasse a meu queridíssimo Étienne o que aconteceu realmente. Ele não diria a
ninguém se pedíssemos que mantivesse em segredo.
—Está segura disso, senhora? Você mesma recomendou que deveríamos ser cautelosos
com Fife, não foi? O Chevalier parecia estar em muito bons termos com ele.
—Por Deus! Não pode ser de outro modo! Fife não é alguém com quem alguém possa
desgostar, querida —se desconcertou e não disse nada mais em defesa de De Gredin.
Suas palavras não tranquilizaram Adela, sobre tudo porque a anfitriã estava mais
preocupada com seu bom aspecto que pelos acontecimentos violentos do dia. Em todo

145 GRH - Grupo de Romances Históricos


caso, não tinha se equivocado em relação ao tempo que necessitariam para preparar-se
para a festa.

Quando a carruagem de lady Clendenen chegou à casa dos Sinclair duas horas mais
tarde, descobriram que Henry e Lestalric também viajariam ao castelo em um veículo.
Henry tinha uma elegante carruagem de duas rodas puxada por um só cavalo, com um
assento adiante para o condutor. Henry disse que estava exibindo-a para benefício de
Lestalric.
—Acabo de adquiri-la — confessou orgulhoso, enquanto ajudava à condessa a subir na
carruagem —Mas não podem viajar mais de duas pessoas, assim mamãe terá que ir com
vocês.
—Como vai? —perguntou lady Clendenen a Isabella, assinalando Lestalric com a cabeça.
—Está bem. Foi uma lesão séria, mas não atingiu os ossos do ombro nem do braço. Sem
dúvida é uma ferida dolorosa, mas não vai deixá-lo inválido.
—Maravilhoso —exclamou aliviada —Então só precisa descansar para repor-se.
Mas assim que o lorde chambelán anunciou o nome de Lestalric, uma formosa mulher de
cabelos escuros saiu da multidão e se dirigiu rápida para ele. Ele se deteve para observá-la
e não teve tempo de fazer nenhum movimento para proteger-se quando a dama abriu os
braços e o estreitou com todas suas forças.

Rob ficou sem fôlego, uma onda de dor ameaçava domina-lo, mas se recuperou em
seguida. Pôs sua mão direita sobre o ombro da jovem e a afastou para contemplar melhor
seu rosto. Mesmo depois de uma década, reconheceu-a imediatamente.
—Lady Ellen — disse, entrecerrando os olhos como se lhe resultasse incrível.
—Sim, Robbie, eu mesma — respondeu contente.
—O que está fazendo aqui?
—Vim com meus pais — explicou, fazendo um gesto impreciso em direção à mesa
principal.

146 GRH - Grupo de Romances Históricos


Percebendo o aroma de álcool, suspeitou que a dama tivesse bebido mais do que o
conveniente, e esperava que isso tivesse diminuído sua capacidade de percepção e não
tivesse notado que o tinha machucado. Fazendo-se de distraído, disse
desinteressadamente:
—Parece não ter passado nem um dia desde a última vez que a vi. Mas me desculpe; em
meu assombro, esqueci minhas maneiras. Me permita apresenta-la à condessa de
Strathearn e Caithness. Madame, esta é lady Ellen, a viúva de meu irmão.
Lady Ellen se voltou para Isabella e com a leve inclinação de cabeça que correspondia a
filha de um duque a outra, disse-lhe:
—Já nos conhecemos antes, mas é uma honra voltar a encontra-la, madame.
—Também para mim, querida — respondeu Isabella —Permita-me te apresentar a nossa
queridíssima lady Ardelve. Ela também sofreu a recente e trágica perda de seu marido.
—OH, sim, escutei falar muito de você, lady Ardelve — a olhou com malícia quando a
saudou, com uma inclinação de cabeça. Depois acrescentou com tom melodramático —
Devo adicionar, entretanto, que não acredito em nenhuma das coisas que dizem que lhe
fez seu espantoso captor. E quanto a que envenenou seu marido — baixou a voz —
Asseguro-lhe que tampouco acredito absolutamente.

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Capítulo 12

Adela ficou petrificada, incapaz de acreditar no que estava escutando. Quis esbofetear
essa mulher por difamá-la com tanta desfaçatez. Em troca, tomando fôlego para controlar
suas emoções, respondeu:
—Que prazer conhecê-la. Peço que aceite minhas condolências por sua grande perda.
—Imagino que as pessoas não acreditarão nesses falsos rumores, Ellen —replicou
Isabella com severidade.
—OH, armou-se um grande rebuliço —respondeu entusiasmada —Dizem que aquele
homem horrível não só a raptou no dia de suas bodas mas também, também… —se
ruborizou —lhe roubou sua virgindade. Dizem, além disso, que quando Ardelve descobriu o
rapto, ameaçou devolve-la a seu pai pela desonra. Então, para evitar o escândalo ela
envenenou o pobre homem durante o banquete de bodas.
Parecia uma maldita lenda de histriões. Quem diabos era essa mulher? Adela não cabia
em si de indignação.
—Em Roslin? —perguntou Isabella consternada.
Adela se sentiu enjoada e começou a cambalear, mas uma mão firme lhe devolveu a
estabilidade.
—Quem demônios está difundindo esses rumores infames? —perguntou Lestalric.
—OH, ignoro-o, querido — respondeu Ellen —Não são mais que falatórios que se ouvem
por ai — se abanou com a mão.
Recuperando-se enquanto a firme mão abandonava seu cotovelo, Adela respondeu com
cuidada dignidade:
—Muito obrigada por ter me advertido, madame.

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—Não têm nada que me agradecer, querida — lhe deu um par de batidinhas no ombro e
se voltou para Lestalric com aparente inocência —Mas venha, vamos conversar Robbie.
Pode me acompanhar até onde me espera minha mãe. Morro por me inteirar de tudo o
que fez desde sua partida. Imagine meu assombro quando soube de sua volta. Lamento
realmente ter perdido seu brilhante retorno. Dizem que produziu uma grande confusão.
Até esse momento, todos acreditavam que estava morto.
—Concede-me muita importância —afastou ele —Não acredito que «todos» tenham
pensado em mim durante esses anos.
—Me diga a verdade, Robbie, está zangado comigo porque me casei com Will? Deve
saber que embora não tivesse casado com ele, meu pai teria me proibido de casar contigo.
—Entendo, mas de fato, você sim queria se casar com ele… ou com tudo o que ele podia
te proporcionar.
—Bom, uma dama de minha posição merece certas comodidades. Teria que ser louca
para me casar com alguém que não tinha nada —comentou, sorrindo de uma maneira
encantadora —E você não queria se casar com uma louca, não é assim, Robbie? De todos
os modos, Deus quis nos reunir de novo para nos dar uma segunda oportunidade. Venha e
passeie comigo. A condessa saberá nos desculpar.
Adela começou a ficar nervosa e levantou os olhos desconcertados para Lestalric.
—Céus, madame não pode deixar que todos a vejam ao lado de alguém tão pouco
distinto como eu. A pouparei de minha companhia e te proporcionarei em troca a de um
príncipe escandinavo. Se for tão amável, Orkney — adicionou, voltando-se para Henry.
—Será um prazer — aceitou Henry, oferecendo seu braço. Mas lhe arruinou o prazer que
podia ter sentido ao passear ao lado do homem mais rico do salão ao adicionar —De todos
os modos, preciso falar com seu pai, jovenzinha.
—Como pode dizer semelhante coisa! —exclamou Adela, quando os dois se afastaram.
—Que quer falar com Douglas? —perguntou Isabella, com um sorriso.
—Refere-se a esses espantosos rumores — replicou imediatamente lady Clendenen —
Étienne mencionou que tinham começado a correr certos rumores desagradáveis. Mas não
sugeriu nada tão horrível.

149 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não refiro ao que disseram Henry ou lady Ellen —adicionou zangada Adela, incapaz de
acreditar nem por um instante que alguém tão idiota pudesse imaginar que tinha
envenenado Ardelve no meio de um salão cheio dos nobres convidados ao banquete de
bodas —Mas a crueldade com que falou a sir Robert. Gostaria de lhe dar uma boa sova.
Como se atreve!
Quando notou o brilho de picardia nos olhos de Rob, a jovem se arrependeu de sua
ousadia.
—Condessa, com sua permissão, gostaria de dar uma volta com lady Ardelve para lhe
explicar que não precisa me defender de lady Ellen ou das de sua classe.
—Milord, não deve lhe dispensar tantos cuidados. Não neste momento, ao menos. Se
esses rumores estão percorrendo a Corte, devemos ser muito prudentes. Você, sir, deveria
inten… — se interrompeu bruscamente, enquanto seu olhar se dirigia a um ponto atrás
deles.
Lady Clendenen, seguindo seu olhar, imediatamente fez uma profunda reverência.
—Boa noite, condessa, senhoras — saudou muito amavelmente o conde de Fife —
Agrada-me comprovar que todas se recuperaram da terrível prova de hoje.
—Obrigado por sua preocupação, milord — disse lady Clendenen, levantando-se
enquanto Adela fazia uma reverência ao conde —E agradeço também sua oportuna
intervenção.
—Escutamos certos rumores preocupantes, milady —se dirigiu a Adela —que Sua
Excelência gostaria que eu investigasse.
—Realmente, senhor? —Adela ficou tensa, e ergueu a cabeça.
—Se quer conversar com milady, Fife —interveio Lestalric —deverá esperar sua vez.
Prometi a Sua Alteza que a levaria para que conversasse com ele esta noite e estou a ponto
de fazê-lo. Onde podemos nos encontrar contigo mais tarde?
—Não se preocupe, Lestalric, eu os encontrarei — disse Fife. Voltando-se para Adela,
disse —Se dará conta, milady, que somos uma nação com leis, e que castigamos as
mulheres que envenenam seus maridos, e da maneira mais severa. Além disso, se tiver
vindo a Corte com a esperança de convencer a algum outro pobre diabo de que se case

150 GRH - Grupo de Romances Históricos


com você, descobrirá que nenhum homem aqui tem a menor intenção de ocupar o lugar de
Ardelve.
Adela apertou os punhos com força enquanto Lestalric dizia, sempre com o mesmo tom
lânguido:
—Equivoca-se, Fife. A maioria dos homens aqui presentes se sentiriam muito honrados
de obter sua mão. Eu, ao menos, estaria.
—É mais parvo do que eu acreditava —zombou Fife —Nenhum homem inteligente ou
sensato quer casar-se com alguém que é capaz de envenená-lo.
—Em efeito, muitos preferem mulheres que lhes deem condados — rematou Lestalric —
Vamos, milady. Não devemos fazer esperar a Sua Excelência.
Ofereceu-lhe seu braço, mas Adela esperou que o conde se afastasse.
—Como se atreveu a lhe dizer isso? Não obteve seu primeiro condado ao casar-se com a
condessa de Monteith e o segundo ao herda-lo da viúva de seu irmão, a condessa de Fife?

Ele sorriu.
—Como é que sabe tanto dessas coisas?
—Meu pai comenta sempre o que escuta dos frades mendicantes — respondeu ela —E
antes que minha tia Euphemia fosse viver com minha irmã Cristina, frequentemente nos
explicava o parentesco entre as famílias nobres. Mas não respondeu a minha pergunta.
—Pensei que era melhor baixa-lo de seu pedestal provocando sua irritação. Madame —
adicionou, voltando-se para Isabella —Levarei lady Adela para conversar um pouco com
Sua Alteza. Logo se iniciará o baile e talvez o ruído do folguedo lhe cause outra dor de
cabeça. Se virem Henry, lhe façam saber que quero vê-lo. Decidi tirar a viúva daqui antes
que Fife tente nos deter.
—Acha que se atreveria a prendê-la aqui? —perguntou-lhe Isabella —Os Sinclair
também têm um poder considerável, apesar de tudo.
—De acordo, mas mais em Midlothian que em Edimburgo. Esta cidade se converteu em
seu território. Se devemos lutar, será melhor que o façamos em nossas próprias terras.
—O que lhe parece o castelo de Lestalric? —perguntou-lhe Adela —Não o defenderiam?

151 GRH - Grupo de Romances Históricos


—O administrador de Henry já partiu para ali com um grupo de soldados a suas ordens.
Além disso, seu tamanho e suas riquezas representam uma vantagem para sua defesa. Não
esqueça que o rei da Escócia não tem um exército real que Fife possa comandar. Ele conta
só com sua própria gente e a dos nobres a quem possa convencer para que colaborem com
ele. Neste momento está fingindo que é um irmão e um filho preocupado, inquieto pela
debilidade de seu pai e pela incapacidade de seu irmão para governar. Mas muitos nobres
já descobriram sua verdadeira natureza. Não se oporão a ele enquanto continuar fingindo
seu papel, mas se anseia apoderar-se pela força das propriedades dos nobres, o devorarão
como leões famintos. Ele é muito ardiloso para não sabê-lo, mas poderia criar sérios
problemas a você, em apenas simular acreditar nesses sujos rumores.
—Vá com ele, Adela —recomendou Isabella —Ealga, você e eu iremos em busca de
Henry.
Adela, obediente, aceitou o braço de Lestalric, embora na realidade não considerasse
que Fife representasse uma ameaça para ela.
—Ninguém pode acreditar de verdade que eu envenenei Ardelve — comentou enquanto
abriam passo entre os convidados —Como poderia ter feito algo semelhante?
—Não importa o que as pessoas acreditem — murmurou ele ao seu ouvido —O que
importa é como Fife manipula o assunto em seu próprio benefício. Seu pai se foi com
Donald das Ilhas. Todos sabem aqui que Henry pensa partir para o norte, e Isabella, para
Roslin. Se Fife acreditar que a única pessoa que fica para protegê-la é lady Clendenen,
deveria estar mais bem informado.
—Mas que interesse pode ter em mim o conde?
—A verdade, pensei que eu era seu objetivo —admitiu —mais precisamente, Lestalric.
Quer adquirir mais terras, mas também suspeito que escutou rumores a respeito de um
segredo que alguns acreditam que guarda minha família. E agora me pergunto que mais
pode estar em jogo.
Um bêbado os empurrou, e ela escutou que Lestalric afogava um grito.
—Para que necessita de Henry? —perguntou-lhe em voz baixa.

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—Estamos em uma situação muito vulnerável aqui em Edimburgo, ultrapassam-nos muito
em número. Sentir-me-ei mais seguro se conseguir pôr distância entre esta cidade e nós.
—Robbie, aqui está!
Lestalric fez uma careta, mas se recompôs e disse com um sorriso:
—Lady Ellen, vais ter que nos desculpar. Nós estamos…
Interrompendo-o sem nenhuma desculpa, adiantou-se:
—Não vou desculpa-lo. Está se formando uma arena e eu quero dançar contigo. Lady
Adela não vai se importar. —Sem dar tempo a Adela para responder, adicionou —De fato,
ambos devem vir. Vamos nos divertir!
—Não, milady, não podemos. Sua Excelência espera por nós, mas… De Gredin! Que boa
sorte!
—Boa noite, Lestalric — saudou o Chevalier, com um sorriso resplandecente —Acredito
que desprezará sua boa sorte, pois venho rogar a lady Adela que me conceda esta peça.
—Então é justo o homem que necessitamos. Primeiro, devo lhe apresentar lady Logan, a
filha mais nova de Douglas e recente viúva de meu irmão. Deseja unir-se aos bailarinos, mas
como Sua Excelência convidou-nos a sua mesa, não podemos acompanhá-la. Assim
considerarei um grande favor se você puder escolta-la.
—Será uma honra, sem dúvida, mas vos rogo, milady — adicionou, dirigindo-se a Adela e
lhe fazendo uma reverência —que não seja cruel e negue-se a dançar comigo mais tarde.
Faremos um par encantador, vestidos ambos com seda dourada— adicionou, acariciando
seu casaco bordado.
Adela lhe sorriu com cortesia mas cedeu a palavra a Lestalric, para que lhe prometesse
que se uniria a ele no baile logo que o rei o permitisse.
Enquanto se afastavam, Adela o repreendeu:
—É um perfeito mentiroso, sir. Espero que não adquira o costume.
—Descobrirá que sou íntegro em tudo o que te concerne, moça — asseverou com um de
seus mais cálidos sorrisos —Logo se daria conta se tentasse engana-la. Em todo caso, não
tenho interesse em te dizer nenhuma mentira. Agora venha, devemos ganhar esta
escaramuça.

153 GRH - Grupo de Romances Históricos


Para sua surpresa, levou-a diretamente até a mesa principal, onde o rei, mais dormitado
que de costume, bocejava ao lado do conde de Carrick. Ambos pareciam estar pensando só
em ir para cama.
—Sua Excelência — disse Lestalric —Aqui lhe trago lady Ardelve, tal como me tinha
pedido.
Olhou-a com seus olhos míopes fazer uma reverência.
—Conheço-a, madame. —Estendeu sua mão para permitir que se levantasse. Moveu a
cabeça, pensativo e adicionou —Nos encontramos antes.
—Não é agradável contradizer a Sua Excelência —balbuciou a jovem viúva —mas…
A seu lado, o conde de Carrick, magro, loiro e de expressão solene, interrompeu-os com
amabilidade:
—Lady Ardelve é uma das famosas belezas Macleod, sire. Você conheceu sua irmã
Cristina em Ardtornish pouco depois de que se casasse com Hector Reaganach.
—Sim, exato! É isso—aplaudiu o rei —Se parece muito a ela, moça.
—Me desculpe, Sua Majestade —interveio sir Robert —mas lhe rogamos que nos
permita nos retirar. Isabella, a condessa de Strathearn e Caithness, que nos acompanha
esta noite, não se sente bem. Se você autorizar, deveríamos leva-la de volta a sua casa.
—Adiante —concedeu o rei —Me alegra vê-lo por aqui, Robbie, rapaz.
—Obrigado, Sua Excelência. Vamos, milady.
Alguns minutos mais tarde, não eram mais que duas pessoas perdidas no meio da
tumultuosa multidão.
—Agora, rápido — disse Lestalric a Adela —Fife não espera que vamos até que Sua
Majestade se retire, embora intua que o rei vai desaparecer antes de dez minutos. Quero
estar fora das portas do castelo antes que isso aconteça.
Ela aceitou em silêncio, sobre tudo porque notava que ele estava muito mais dolorido
que antes e que haveria mais golpes e empurrões antes de chegar à porta mais próxima. No
momento, percorriam o vasto labirinto interior da torre de David, mas Lestalric a guiava
com passo firme. Minutos mais tarde tinham chegado a uma estreita e pesada porta que se

154 GRH - Grupo de Romances Históricos


abria ao pátio interior. Atravessaram com rapidez e em silêncio uma galeria, e se
encontraram com Henry e os outros que os esperavam em suas carruagens.
—Posso protegê-la se conseguimos levá-la à mansão Sinclair —declarou Henry —Vão
procura-la, sem dúvida, ali, ou na casa de Ealga. Céus, é possível que já nos estejam
esperando.
—Então iremos à abadia — propôs Lestalric.
—Tem um plano — deduziu Henry, trocando com ele um olhar de inteligência.
—Um plano pela metade. Iremos em sua carruagem nova, Henry, porque ninguém a
conhece. Diga a seu chofer que siga em frente ao passar por sua casa se eu lhe fizer um
sinal ou se vir os homens de Fife ali. Em último caso, deve seguir até o refúgio no cemitério
da abadia.
Adela se surpreendeu de que nem Isabella nem lady Clendenen objetassem nada a que
fosse só com Lestalric. A intimidade da carruagem fechada a perturbou. Podia sentir o
suave e agradável aroma a romeiro que emanava de sua roupa e de sua pele. Enquanto
passavam por debaixo do pesado portão do ferro, perguntou-lhe se o ombro doía,
esperando que ele respondesse como a maioria dos homens teria feito: que estava bem,
«que não era nada».
Em troca, ele confessou:
—Dói como mil demônios. Mas Isabella me aplicou um de seus unguentos e me deu algo
para beber que me aliviou um pouco a dor, até que as pessoas começaram a me esmagar.
Sobreviverei, mas agora tenho algo importante que te dizer, milady, assim me escute bem.
Outra vez surpreendida de quão fácil lhe resultava estar e falar com ele, como se
tivessem crescido juntos ou tivessem conversado sempre assim, perguntou-lhe o que
acontecia. Ele permaneceu em silêncio um longo tempo, sem dúvida tentando ordenar suas
ideias. Depois, lançando um olhar de soslaio ao chofer, falou em voz baixa:
—De algum modo te converteste em parte de uma complicada trama. Talvez te esteja
interpondo nos planos de alguém. Não posso imaginar outra explicação para as acusações
contra você que se estão difundindo na Corte.
—Sua Majestade não as mencionou.

155 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não acredito que as conheça. Fife controla o rei mais do que o rei controla a Escócia.
Não tem nenhum cargo que o autorize, mas isso não o detém, e Sua Excelência parece mais
fraco cada vez que o vejo. Tampouco nada vai mudar quando o trono passe a Carrick,
porque Fife também vai domina-lo com toda facilidade. Sabe que Fife em pessoa coroará
Carrick quando o rei morrer?
—Como é possível?
—Porque durante muito tempo foi o direito dos MacDuff colocar a coroa da Escócia na
cabeça do rei. E embora Fife não seja um MacDuff, reclama esse direito por seu casamento
com sua falecida esposa MacDuff. Estamos nos aproximando de St. Giles — assinalou —A
mansão Sinclair está exatamente atrás, não permita que ninguém veja seu rosto.
—Como vamos fazer para chegar à abadia?
Ele respirou fundo, analisando o que acontecia fora da carruagem.
—Se Fife tentar criar-lhe problemas, só posso pensar em um motivo para isso: espera
chegar a alguém ou a algo através de você.
—A você?
—A mim ou aos Sinclair. Todos notaram nosso vínculo especial. Além disso, todos sabem
o que aconteceu a você.
—Refere-se a meu sequestro e a morte de Ardelve? Mas o que tem isso a ver?
—Faz-te mais vulnerável. Um homem como Fife percebe essa vulnerabilidade e sabe que
os que cuidam de você farão o impossível para protegê-la.
—Já…Entendo…
Na realidade, não via nada claro. Não até que ele adicionou:
—Waldron de Edgelaw pode ter deixado instruções para que outros continuem com sua
missão.
As peças encaixaram em seu lugar.
—Então estão procurando o tesouro —concluiu ela, estremecendo.
Rob não quis aprofundar-se sobre o assunto nesse momento, o chofer podia escutá-los.
Como ele tinha suposto, havia homens esperando-os nos arredores da mansão Sinclair.
Para dar-se tempo para pensar, ordenou ao chofer com firmeza que continuasse

156 GRH - Grupo de Romances Históricos


avançando. Quando os cavalos retomaram sua marcha, informou Adela a respeito dos
homens que os estavam esperando.
—Realmente vamos nos refugiar na abadia? —perguntou-lhe ela.
—Veremos como se desenvolvem os acontecimentos. Embora tenha outra ideia.
—Qual?
—Aqui já não está segura. Deve te decidir imediatamente: pode retornar à casa de seu
pai, procurar asilo com seu enteado em Loch Alsh, ou ficar em Roslin com a condessa,
Michael e Isobel.
—Ou? —incentivou-o a continuar, adivinhando que ele tinha outra ideia.
—Ou poderia se casar comigo e deixar que eu a protegesse — sugeriu, com mais
serenidade do que ele imaginava possuir. Algo o fazia pensar que pelo menos isso a
distrairia do tema do tesouro.
Fez-se outra vez silêncio, e uma grande tensão se interpôs entre eles. À débil luz dos
faróis que iluminavam as casas ao longo da Cannongate, ele pôde ver que ela mordia o
lábio inferior.
—E então? —perguntou com suavidade.
—Por Deus, sir, não pode estar falando a sério — sua voz soava alta e nervosa.
—Sempre falo a sério — se defendeu, o coração desbocado dentro de seu peito.
—Mas tão cedo! Mal me conhece, e meu marido…
—Ardelve está morto e não pode te proteger. Eu estou vivo e posso fazê-lo.
—Mas outras pessoas também podem fazê-lo, e você não pode desejar se casar comigo.
Rob sentiu um nó na garganta porque compreendeu que na verdade a desejava, muito
mais do que tinha desejado nada em sua vida. Exceto, talvez, chegar a ser um cavaleiro. Ele
tinha pensado, todo esse tempo, que perder Ellen Douglas o tinha devastado, agora
entendia que o problema não tinha sido o que tinha perdido, mas a forma como tinha
perdido.
Até esse momento, ele tinha acreditado que importava o bastante a seu pai para que se
orgulhasse de vê-lo convertido em um cavaleiro, inclusive porque Will jamais o seria. Havia
sentido como uma vil traição que sir Ian, sabendo que ele queria casar-se com Ellen, tivesse

157 GRH - Grupo de Romances Históricos


arrumado essas bodas para Will. E que sir Ian sugerisse que podia mudar de ideia se Rob
compartilhasse com ele seus segredos só tinha servido para piorar as coisas.
Como não se sentia com ânimo de contar nada de tudo isto a Adela, mas urgido pelo
fato de ter que responder algo, acrescentou:
—É mais importante saber se você quer se casar comigo.
Ela permaneceu em silêncio.
Seu perfil era encantador, mas a via tensa e extenuada.
—Adela? Por favor, rogo-te que me olhe.
Ela se voltou para ele e o olhou diretamente aos olhos, como se estivesse esquadrinhando
sua alma.
—Não sei o que pode ter ouvido a respeito de mim.
—Esses rumores são falsos — replicou ele.
—Não em relação com os rumores, mas que se diz a respeito de minha natureza. Minhas
irmãs falam, sei. Eu sei que elas acreditaram… — se deteve —Não. O que elas acreditaram
de mim era verdade, assim não devo fazê-lo pensar que não era.
—O que era verdade?
—Que me casei com Ardelve por comodidade e por conveniência — confessou,
umedecendo seus lábios —Além disso, parece-me que preferiria se casar com lady Ellen.
Ele sorriu feliz de poder lhe dizer a verdade.
—Nem sequer se desaparecessem todas as demais mulheres da terra.
Ela não conteve uma gargalhada.
—Que maneira de expressar-se!
Rob tomou a mão de Adela.
—Milady, já deveria saber que nunca digo coisas que não penso ou que não sinto. Mas já
nos estamos aproximando das portas da abadia. Como não disse que não quer se casar
comigo, posso ter ao menos a esperança de que aceite meu oferecimento?
—Por favor, sir, se vamos falar com sinceridade, casei-me com Ardelve porque estava
cansada de administrar a casa de meu pai, cansada de tentar educar a minhas irmãs que

158 GRH - Grupo de Romances Históricos


desacatavam abertamente minha autoridade. Aceitei me casar com ele porque me oferecia
um lar confortável e tinha prometido que me pediria muito pouco em troca.
—Mas eu vou pedir-lhe muito em troca —vaticinou, acariciando sua mão.
Seus olhos pareciam lançar faíscas douradas. Quando ela voltou a umedecer os lábios, o
sangue de Rob se acendeu. Céu santo, quanto a desejava!
—Então, se me propuser isso a sério, aceitarei com prazer.
—Não te importa que seja um casamento precipitado?
Com um sorriso repleto de ironia, acrescentou, assim que a carruagem se deteve no
cemitério:
—Meus casamentos não deram muito certo, então quanto mais rápido, melhor.

O conde de Fife caminhava furioso de um lado a outro. O homem que lhe trouxe notícias
de lady Adela e se encontrou com ele no austero aposento que usava para ocupar-se de
seus assuntos no castelo ousou questionar seus métodos. Logo depois de fazê-lo calar com
uma ordem colérica, Fife bramiu:
—Vos disse que não viesse a menos que chamasse por você, Chevalier. Não é bom para
nenhum dos dois que nos vejam juntos.
—Sem dúvida têm razão, milord — disse De Gredin, olhando-o com cautela —Mas não
entendo as decisões que está tomando.
—Não têm por que entender meu modo de agir, sir — replicou com frieza.
—Não me opus a que ordenasse que atirassem em Lestalric — recordou Étienne —
Realmente, não me importaria se o matassem. Mas o que espera ganhar acusando lady
Adela de ter envenenado Ardelve? Pensava que estávamos de acordo em que o melhor
caminho era que eu ganhasse sua confiança. E o farei, asseguro-lhes isso, porque inclusive
Ealga parece favorecer minhas tentativas.
—Sua prima Ealga é uma parenta tão longínqua que não pode esperar influir nela mais
que a condessa Isabella, e não percebi indícios de que Isabella a favoreça. Meus métodos
para obter informação são muito mais eficientes.
—Mas ambos sabemos perfeitamente que a jovem não matou Ardelve.

159 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Mas outros podem ter suspeitado — assegurou Fife —Eu só me adiantei à natureza
humana sussurrando tal possibilidade ao ouvido de uma ou duas pessoas. Quanto às
provas, podemos substituí-las com seu testemunho.
—Suponho que tenha razão.
Fife riu zombadoramente.
—Ambos temos o mesmo objetivo, não é, mon ami?

160 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 13

Já tinham cruzado a linha que delimitava a área do cemitério que se considerava


legalmente um lugar de asilo.
—Então, mesmo se Fife nos perseguir, agora estamos a salvo— particularizou Rob.
—Espero-o aqui, milord? —perguntou-lhe o chofer.
—Conduza até o lado leste da abadia, onde não seja visível da Cannongate —ordenou —
O chamaremos quando for necessário.
O homem açulou o cavalo para que se adiantasse, e o carro se afastou estalando sobre a
pavimentação. Adela aceitou o braço direito de Lestalric a caminho da abadia. Então, um
dos monges se aproximou a toda pressa, com uma longa túnica negra com capuz e sua
branca batina enredando-se o entre as pernas.
—Quem nos honra com sua presença? —perguntou, com uma voz tranquila mas
vigorosa.
—Sir Robert de Lestalric — se apresentou —Preciso falar com o abade.
Sem dizer mais, o monge deu meia volta para precedê-los para o interior da abadia.
—Por Deus! —exclamou Adela, apressando o passo —Não pensei que nos receberiam
com tanta facilidade.
—Minha família é muito respeitada aqui — comentou Lestalric —A abadia de Holyrood
segue em pé só porque, quando Eduardo da Inglaterra tomou o castelo de Edimburgo em
1296, e todas as terras ao sul de Firth incluindo as da abadia, o abade era um sacerdote da
família Lestalric que lhe jurou fidelidade. Desse modo salvou a abadia e suas terras.
—Os ingleses destruíram a abadia de Scone durante sua ocupação, não é? —perguntou
Adela cada vez mais perto da imponente entrada da igreja da abadia.
—Sim, e ameaçaram destruir ou destruíram outras abadias, também.
161 GRH - Grupo de Romances Históricos
—Aguarde aqui um instante, por favor, milord — pediu o monge —Procurarei o abade.
—Certamente muitos acreditam que o abade deveria ter mantido sua lealdade a Escócia
— comentou Adela, observando o homem que se dirigia para o altar, onde outro monge
estava levantando depois de rezar suas preces —Muitos homens morreram lutando contra
os ingleses para recuperar nossa liberdade.
—Certo, mas o abade deve sua lealdade a abadia, acima de tudo. Muitos dos que
lutaram contra os ingleses, incluindo à família de Lestalric, perderam tudo. Eduardo se
apoderou de suas terras e de seus castelos. O abade Adam cumpriu com seu dever quando
salvou Holyrood.
—É verdade, e lhe devemos estar todos muito agradecidos —afirmou uma voz
ensurdecedora da entrada da igreja. Um monge corpulento, vestido com o mesmo hábito
negro e branco dos agostinhos, adiantou-se. Era o mesmo homem que lady Adela tinha
visto rezando —Sou o abade, meu filho. Meu ajudante, o irmão Joseph, disse-me que é sir
Robert de Lestalric. De fato, posso comprová-lo por mim mesmo: é a viva imagem de sir
Walter. Para que necessitam de mim, milord?
—Necessito amparo, padre, mas temo que sua ajuda pode despertar a ira do conde de
Fife. Odiaria se você ou a abadia sofressem algum dano por minha culpa.
—Acredito que posso arrumar isso com o altivo conde — pronunciou o abade, com uma
expressão de desagrado —Afirma ser um homem religioso, mas… tenho minhas dúvidas.
Digam-me no que posso ajuda-los.
—Queremos nos casar, padre, imediatamente. Estou disposto a retribuir à abadia por
sua generosa ajuda.
—Nunca rechaço doações, meu filho, mas, neste lugar, um Lestalric não precisa fazer
nenhum presente em troca de um favor. Espero que estejam livres para se casar e que o
apuro responda a uma autêntica urgência.
—Ambos estamos livres, e preferiria ter o selo da Igreja junto com a bênção.
—Então farei o que me pedem — concordou o abade —Irmão Joseph, vá procurar outro
dos irmãos para oficiar de testemunha. Como é quase a hora das matinas, todos os outros
virão também e nos brindarão com sua companhia.

162 GRH - Grupo de Romances Históricos


Os monges chegaram em pouco tempo e, enquanto ocupavam seus lugares no lado
esquerdo do corredor em forma de cruz, o abade levou Adela e Lestalric para uma pequena
capela. Começou o serviço com uma breve bênção, e em seguida adicionou:
—Há alguém entre os presentes que tenha alguma objeção para que este homem e esta
mulher se unam em sagrado casamento?
Adela conteve o fôlego. «meu deus, não esta vez, por favor». Tomou a mão de Rob, e só
quando o abade começou a pronunciar as palavras rituais, animou-se a voltar a respirar,
escutou Lestalric, a seu lado, que dizia:
—Um momento, por favor.
Surpreso, o abade se interrompeu e o olhou.
—O que acontece, meu filho?
Lestalric se voltou para olhá-la.
—Está segura, querida?
Ela sorriu, pensando quanto tinha melhorado sua vida no momento em que ele tinha
aparecido nela.
—Sim — afirmou com suavidade e firmeza —Estou segura.
Sem mais demora, sir Robert lhe prometeu tomá-la como esposa para o resto de sua
vida, «te amar e te respeitar, na prosperidade e na adversidade, nas alegrias e nas tristezas,
na saúde e na enfermidade, todos os dias de minha vida, até que a morte nos separe, se a
Santa Igreja assim o decretar».
—Tem uma aliança, meu filho?
Sir Robert extraiu um singelo anel de ouro do dedo mindinho de sua mão esquerda.
—Era de minha avó — disse, deslizando-o no dedo de Adela.
Ela repetiu a fórmula, idêntica a dele exceto, como esposa, também prometia ser dócil e
obediente aos mandatos de seu marido. Enquanto repetia as palavras, recordou aqueles
tempos quando se perguntava em Roslin o que tinha pensado Sorcha desses votos, e se
Hugo supunha que sua irmã seria capaz de submeter seu caráter à vontade de seu marido.

163 GRH - Grupo de Romances Históricos


Ajoelhou-se ao lado de Lestalric para receber a bênção do abade. Ela não teria
problemas em cumprir seus votos. Lestalric parecia ter um caráter sereno, inclusive afável,
em comparação com homens como sir Hugo ou Hector o Feroz.
—Podem levantar-se e olhar às testemunhas — declarou o abade, sorrindo —É um
prazer para mim lhes apresentar sir Robert e lady Logan de Lestalric, agora marido e
mulher. Pode beijar à noiva, meu filho.
Enquanto Lestalric dava em Adela um doce beijo nos lábios, uma voz conhecida ressonou
no fundo da nave.
—Juro-te, Rob, que não esperava isso! —rugiu Henry, dando grandes passos para eles —
Pode uma pessoa com um mínimo senso de responsabilidade te perguntar como fez para
convencer a esta dama de que cometesse semelhante loucura?
Adela sorriu.
—Acaso não abençoa nosso casamento, sir?
—Como poderia me opor quando a vejo sorrir desse modo, querida — sua expressão se
distendeu —Mas realmente está feliz de ter dado este passo?
—Certamente, sir. Embora tema a reação de sir Hugo e Sorcha quando se inteirarem.
—Minha mãe também porá o grito no céu.
—Meu Deus, de verdade o acha? —não tinha calculado a reação da condessa —Isto vai
tira-la do serio?
—Não demoraremos a saber.
—Não torture a minha esposa — o repreendeu Lestalric —Tenho a sensação de que sua
mãe ficará encantada com nossa união. Trouxe os cavalos, Henry?
—Não, porque na realidade eu não estou aqui.
—É um fantasma que veio no lugar do verdadeiro Henry?
—Assim é — riu Henry, fazendo um gesto misterioso —Ao ver os homens que aguardavam
frente à mansão Sinclair, minha mãe insistiu em que nos detivéssemos para que
justificassem semelhante insolência. Quando o capitão disse que Fife queria interrogar à
hóspede de lady Clendenen sobre certos temas, mamãe afirmou com altivez que Adela

164 GRH - Grupo de Romances Históricos


tinha padecido uma forte indisposição e não devia ser incomodada ao menos até o meio-
dia do dia seguinte.
—Excelente — aprovou Lestalric —Mas acha que funcionará?
—Esperemos que funcione ao menos até manhã ao meio dia.
—Por Deus! —exclamou Adela, tentando dissimular um calafrio de temor —O que
acontecerá quando não me encontrarem?
—Sem dúvida, mamãe pedirá explicações e acusará Fife de fazê-la desaparecer —
apontou Henry, olhando ao abade, que parecia fascinado —Não vai repetir nada disto,
suponho, padre.
—Manterei em segredo tudo o que estou escutando como um segredo de confissão.
—O importante é que não diga nenhuma palavra de tudo isto a Fife.
—De maneira nenhuma!
—Mas necessitamos ao menos dois cavalos — assinalou Lestalric.
—Penso que é melhor pedi-los emprestados ao abade — propôs Henry —Quero enviar
minha mãe a Roslin com uma boa escolta montada. Com sorte, Fife e seus ajudantes não
terão a menor ideia do que aconteceu com vocês.
—Você viajará com a condessa, é obvio.
—Deve saber que os homens de Fife tentaram entrar na mansão Sinclair.
—Sem dúvida não puderam fazê-lo.
—Não, mas tentaram.
—E na mansão Clendenen? Tentaram franquear suas portas também?
—Parece que não. Suponho que acreditam que não encontrarão nada ali — Henry
esfregou o queixo —Você estava hospedado comigo, depois de tudo, e se estão procurando
até mesmo em Lestalric, duvido que pensem que vai confiar a Adela ou a Ealga um segredo
que não confiou nem a seu pai ou a Will.
Sorriu para Adela, e em seguida riu quando viu que ela levantava os olhos ao céu.
—Não é nada importante, juro pela minha vida —se apressou a dizer Lestalric —Mas
estamos esquecendo de algo, Henry. Fife não tentou me prender. Está interessado em
Adela.

165 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Talvez queira usá-la para chegar até você.
—Mas por que? Pelo que lhe concerne, mal nos conhecemos.
O abade os interrompeu desculpando-se:
—Já é quase meia-noite, meus filhos. Se não pensam em ficar para a oração…
Lestalric sacudiu a cabeça.
—Não acredito que costumem incluir estranhos, padre. Mas se puder nos emprestar um
par de cavalos e nos permitirem partir para o sul através de seus territórios, estaremos
muito agradecidos.
—Para o sul? Então não vão ao castelo de Lestalric.
—Não, o castelo ainda não está preparado para minha esposa. Levá-la-ei ali quando
souber que estará segura.
—Podem pegar os cavalos —autorizou o abade —Talvez também desejem aceitar um
guia para que os acompanhe pelos bosques da abadia para o sul da Poltrona de Arthur. Há
pântanos perigosos. Mas convém que evitem as rotas principais ao menos durante as
primeiras milhas. Entendo que se dirigem a Roslin.
—Agradecemos o guia, milord — aceitou sir Robert.
Havia documentos a assinar, com Henry e o irmão Joseph como testemunhas das bodas.
—O irmão Joseph os guiará durante o trajeto — anunciou o abade, estendendo uma
mão—Que Deus os acompanhe. Espero voltar a vê-los sãos e salvos.
A névoa se espessava ao redor da lua enquanto Adela e Rob seguiam ao irmão Joseph a
caminho dos estábulos. O sino que convocava à oração das matinas sobressaltou a jovem. A
seu lado, Lestalric lhe pôs um braço protetor sobre o ombro.
—Esperemos que a névoa não se intensifique — observou Henry, quando o sino parou
de repicar —Talvez devêssemos levar tochas além de um guia.
—Estaremos bem — assegurou Lestalric. Mas quando o irmão Joseph os deixou para ir
procurar um servente, adicionou em voz baixa —Qual é seu plano, Henry? Sei que deve
estar impaciente para ir ao norte, mas…

166 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Aguarde, primeiro o mais importante: a condessa te envia isto — Henry lhe passou um
frasco e uma pequena jarra —Infusão de casca de salgueiro, e a jarra contém mais desse
unguento que te aplicou sobre a ferida.
Lestalric abriu o frasco e bebeu antes de perguntar:
—Não vai?
—Dei ordens a meu capitão de levar meu navio até o St. Andrews por uns poucos dias
para que se ocupe de uns assuntos meus ali. Mas também o adverti que se alguém
perguntar por mim, deve dizer que estou no navio. Assim, Fife pensará que estou a
caminho de Orkney ou de Caithness.
—Mas escoltará Isabella.
—Penso fazê-lo, vestir-me-ei como um de seus criados com elmo e cota de malha.
Nenhum de meus homens me delatará. Encontrar-me-ei contigo uma vez que a tenha
levado a salvo para casa. Aqui retorna nosso homem — adicionou, em tom de
advertência—Voltarei pelo mesmo caminho, despedir-me-ei de Ealga e depois
acompanharei mamãe até a mansão Sinclair, antes me dirigir ao navio. Isso vai funcionar
muito bem se estão me vigiando.
—Santo céu, esqueci-me de lady Clendenen! —exclamou Adela —Não posso ir assim
sem mais…
—Calma, moça —a interrompeu Lestalric, fazendo um sinal com a cabeça em direção ao
irmão Joseph —Henry se desculpará com ela.
—Mas não há nenhuma desculpa para uma partida tão inoportuna —objetou Adela,
controlando seu tom de voz —Ela foi tão boa comigo. Ir de uma maneira tão descortês…
—Rob tem razão, Adela. Eu lhe explicarei o motivo de nossa urgência. Ealga o entenderá
não se preocupe. Não acredito que tenha consciência do perigo que corre. Obedeça a seu
marido, milady.
Ela o olhou com o cenho franzido, por todos os diabos tinha esquecido que tinha marido!
Rob começou a rir e isso terminou de enfurecê-la.
—O vivo retrato de Sorcha —murmurou Henry para provocá-la.
—Sim — concordou Lestalric —E de lady Isobel também.

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Adela queria esbofetear a ambos. Entretanto, terminou rindo de si mesma. Seu marido a
abraçou e lhe deu um morno beijo na testa.
—De todos os modos, Henry — suspirou lady Lestalric —Rogo-te que não dê desculpas
frívolas. Diga que me sinto desolada por partir desta maneira e que rogo a Deus voltar a
me encontrar com ela o quanto antes para me desculpar pessoalmente.
—Explicarei tudo, prometo. Bem, aqui está sua ansiosa escolta, assim devo me despedir.
—OH! —recordou de repente sir Robert —Seu chofer está nos esperando pacientemente
atrás da abadia.
—Esqueci, pedirei que permitam-lhe ficar aqui e guardar a carruagem nos estábulos até
que seja seguro tirá-la.
—Você não está vestida de um modo apropriado para cavalgar, minha senhora esposa
—assinalou Rob quando trouxeram os cavalos para a viagem —Sei que você não gosta de
usar sela de mulher, mas essas saias são o bastante amplas para te permitir sentar cômoda
escarranchada?
—Posso convertê-las em saias amplas se virar-se um momento. —Com um hábil
movimento, Adela enrolou a anágua na cintura e liberou suas saias de seda. Usava sua capa
favorita, de veludo lavanda, que a manteria abrigada da gélida noite —Já estou preparada.
Adela estava muito bela sobre o corcel, de repente Rob sentiu a urgência de consumar
seu casamento. Logo se despediram de Henry e empreenderam a marcha.
A lua brilhava fracamente sobre o musgo que bordejava um lago. Em pouco tempo
chegaram ao pé da Poltrona de Arthur, que os habitantes de Edimburgo chamavam com
afeto seu «leão adormecido».
O guia lhes indicou que se aproximassem da montanha por seu lado oeste:
—Aqui começa o caminho por onde devem prosseguir. Saberá se orientar, senhor?
—Certamente — Lestalric extraiu de sua bolsa umas poucas moedas —Obrigado pela
ajuda.
Balbuciando algumas palavras de agradecimento, o rapaz se despediu deles e voltou para
a abadia.
Então, Adela ficou sozinha pela primeira vez com seu novo marido.

168 GRH - Grupo de Romances Históricos


Rob a olhou, relaxada e serena sobre sua égua baia. Jogou para trás o capuz. Agora
começava a tirar as presilhas de sua touca.
—Melhor que continue com a touca, querida — recomendou —Falta bastante caminho
por percorrer.
Adela seguiu tirando as presilhas da touca. «Quantas presilhas e alfinetes usavam as
mulheres para manter essas coisas em seu lugar?» Rob a observava com o cenho franzido.
—Estou tirando porque vai me dar dor de cabeça. Uma coisa é usar uma touca quando
se vai a um jantar ou a um baile, embora o mais provável é que tivesse tirado se tivesse me
unido aos bailarinos no salão.
—Não tem frio? — ele perguntou, pensando que parecia encantadora, fresca, com seus
cabelos de prata derramando-se sobre suas costas. De repente ansiou acariciar essa
cabeleira de seda.
Só de pensar em tocá-la excitou-se tanto que ansiou galopar sem parar até
Hawthornden. Embora pudesse ser imprudente e doloroso. O bálsamo de Isabella tinha
surtido efeito, mas não estava seguro de que seguisse funcionado se forçasse sua ferida.
De todas as maneiras, esperava poder tomar sua esposa logo que chegassem.
—Estou bem, sir — sorriu a jovem —Não precisa se preocupar. O tempo nas Terras Altas
é muito mais cru que as temperaturas que houve durante minha estadia aqui.
—Então não nos demoremos — concluiu —Anseio encontrar uma cama quente ao final
desta viagem.
«E muito mais que isso», adicionou para si.
Ela ficou séria.
—Não me perguntou isso —o acusou.
—O que é o que não te perguntei?
—Se eu sou… quero dizer… se Waldron do Edgelaw tomou…
—Por todos os céus, mulher, acreditei que estava claro que não albergo nenhuma dúvida
a respeito. E me deixe te dizer que no caso improvável de que descobrisse que não é
virgem, suporia que Ardelve de algum modo encontrou o tempo suficiente entre a

169 GRH - Grupo de Romances Históricos


cerimônia e a festa para reclamar seus direitos como marido. Embora deva confessar que
me surpreenderia que aquele ancião pudesse reclamar algo mais que uma taça de vinho.
Ela voltou a sorrir, esta vez com mais acanhamento.
—Ninguém reclamou nada, milord.
—Pode me chamar Rob, sabe.
—Não Robbie?
Ele sorriu, recordando a escandalosa cena que tinha montado Ellen.
—Me chame como quer. Quero ser um bom amigo de minha esposa.
—Foi um bom amigo de lady Ellen?
—Não quero falar de lady Ellen em minha noite de bodas — respondeu terminante.
Ela o esquadrinhou entrecerrando os olhos, mas ele estava se acostumando à maneira
em que ela parecia penetrar em seus pensamentos mais profundos, e lhe sustentou o
olhar. O que sentia por lady Ellen estava tão claro como sua consciência.
—Bem, deveria saber que Ardelve nunca me tocou. Estivemos um momento a sós no
quarto da condessa, mas porque ele queria me dizer que não se propunha reclamar seus
«direitos como marido», como você diz, até que eu estivesse preparada para o assunto.
Dirigiu-lhe um olhar limpo, esperando sua resposta. Rob sorriu com malícia.
—Espera que eu te ofereça o mesmo? Mal posso esperar completar estas cinco milhas
finais do trajeto, assim que cheguemos…
Ele a observou aceso de desejo, deixando que ela terminasse por si mesma a frase.

Não entendia por que diabos tinha contado sua conversa com Ardelve no dia de suas
bodas. Talvez porque era fácil lhe contar tudo. Mas tinha parecido correto dizer-lhe
inclusive para fazê-lo ter um pouco de ciúme.
Claro que não imaginava que sua resposta despertaria sentimentos tão profundos nela.
Recordou o beijo apaixonado da capela de Roslin. A jovem noiva estremeceu.
Permaneceu em silêncio então, pensando no que estava por enfrentar… De repente,
recordou o misterioso mapa e todas suas preocupações virginais se desvaneceram.
Repassou em sua mente o momento em que Rob tinha entregado o cilindro para que o

170 GRH - Grupo de Romances Históricos


escondesse. Que segredo ocultava sir Robert de Lestalric? Esperava que seu marido
confiasse nela e lhe contasse tudo a respeito.
O ar estava sereno, e se escutava a monótona batida dos cascos dos cavalos. Ouvia-se o
coaxar das rãs e o canto dos grilos. Esses sons, mais o inoportuno grito de algum pássaro ou
o uivo de um lobo, enchiam a noite com a música que ela mais amava.
De repente ele disse:
—Me conte mais a respeito do que aconteceu.
Adela hesitou apenas uns instantes antes de começar:
—Raptaram-me no átrio da igreja, estava ao lado de Ardelve quando Waldron me
levantou do chão e fugiu cavalgando comigo.
Depois disso, foi mais fácil continuar o relato.
—Nunca me machucou —sussurrou, e depois estremeceu, ao recordar —Embora… uma
vez me deu uma bofetada para que aprendesse a tomar cuidado com a forma como me
dirigia a ele.
—Deu-lhe uma bofetada? —perguntou sir Robert, apertando os punhos.
Ela tremeu ao escutar seu tom de voz.
—Isso foi no primeiro dia. Nunca mais voltou a me bater.
—Parece defendê-lo. Ainda pensa que não era verdadeiramente malvado?
—Não o defendo — se zangou —Sei que assassinou gente em nome de sua causa. Ele
acreditava nas coisas que dizia, mas talvez se tivesse estado mais tempo com ele…
—Foi um tempo bastante longo, duas semanas menos dois dias.
—Como sabe com tanta exatidão?
—Não passou tanto tempo desde seu rapto.
—Não. — mordeu o lábio inferior, tentando conter a maré de lembranças desagradáveis.
Rob notou que sua esposa tremia e se odiou por submetê-la a um interrogatório. O
ciúme o carcomia, só de pensar que tinha estado sozinha com esse canalha tantos dias,
suportando maus tratos e ameaças. Tentou serenar-se para acalmar a sua amada.
—Não tema, agora nada mau poderá te acontecer. Seu marido a protegerá sempre.
—OH, isso me tranquiliza, milord — suspirou ela, coquete.

171 GRH - Grupo de Romances Históricos


—É um prazer — replicou ele orgulhoso —Mas penso que não te fará mal aprender
algumas formas de se proteger no futuro. As mulheres sempre são mais vulneráveis que os
homens. Mas nenhuma mulher está por completo indefesa, como descobriu por si mesma.
Soube manter a compostura enquanto esteve com Waldron. Apesar do medo, conservou
sua capacidade de pensar e de agir. Muitos homens não o teriam feito tão bem.
Suas palavras a inspiraram e despertaram a lembrança de seu antigo orgulho.
Então, uma alta torre de pedra emergiu diante deles, brilhando com um brilho de prata.
Inclusive podia ver partes do rio North Esk abaixo, na distância, fluindo na base do alto pico
escarpado sobre o qual se erguia o castelo.
—Esse é Hawthornden — anunciou —Bem-vinda a seu novo lar, milady, ao menos até
que possamos nos mudar ao nosso.

172 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 14

A entrada ao castelo de Hawthornden havia uma alta arcada fechada por duas portas
maciças, que se abriram imediatamente quando Lestalric assobiou e gritou seu nome. O
pátio interior iluminado com tochas exibia os estandartes, a torre maior, os estábulos, a
padaria e a carpintaria, três pequenas construções em pedra que se alinhavam contra as
muralhas.
Adela observou seu marido desmontar, tentando descobrir se a ferida afetava seus
movimentos.
Em comparação com Roslin ou Chalamine, Hawthornden era pequeno, mas quando
entraram na torre principal, descobriu que o interior era muito parecido ao de Roslin.
Tal como no castelo de Lestalric, faltava ordem e asseio. Sua primeira ideia foi culpar
Sorcha pela falta de cuidado, mas recordando que sua irmã tinha residido ali só um mês
antes de voltar a partir para as Terras Altas, reprovou-se por critica-la de maneira tão
precipitada. Sorcha e Hugo ficavam em Hawthornden só durante as noites e retornavam a
Roslin pela manhã.
Havia alguns homens descansando no chão do salão, mas quando tentaram levantar-se,
Rob lhes fez um sinal para que não o fizessem. O cavaleiro conduziu a sua donzela pela
escada até um aposento na penumbra.
Rob cruzou o quarto e abriu as portinhas de uma alta janela para deixar entrar a luz
pálida da lua que já se via muito mais baixa a oeste que quando tinham deixado a abadia.
—Venha — disse afetuosamente —Venha ver o panorama.
Ela fechou a porta e obedeceu, passando junto à grande cama que ocupava quase toda a
parede a sua direita, com os pés para a janela.
—Que belo!
173 GRH - Grupo de Romances Históricos
Do castelo ela podia divisar Roslin, a mais de uma milha de distância e também o curso
do rio.
Quando sir Robert a pegou pela cintura, Adela se voltou exultante, ditosa de receber o
beijo de seu marido. Os lábios de Rob roçaram os seus com suavidade, mas logo seu braço a
estreitou com mais força e entreabriu sua boca com a língua, abrindo caminho com avidez.
O belo guerreiro deslizou sua mão até o seio dela. Começou a acariciá-lo com intensidade,
despertando todos os sentidos da jovem.
Os beijos de Lestalric se tornaram mais exigentes. Sua língua a devorava. Assombrada, já
que nunca ninguém a tinha beijado assim antes, Adela ficou tensa e teria se afastado se não
tivesse sido pela mão que retinha sua nuca. Depois seu marido se apertou contra ela, e
sentiu novas sensações, que a fizeram esquecer seu assombro. Gemendo com suavidade,
começou a lhe desatar a capa, e logo o veludo lavanda caiu a seus pés.
—Não te dói o ombro? —perguntou-lhe em um murmúrio.
—Me acredite, meu ombro não é o que mais me incomoda neste momento — ele
sussurrou com voz rouca, logo seus lábios voltaram a tomar posse dos dela.
Um casaco de seda seguiu à capa, e em seguida as saias. Sua única roupa agora era sua
anágua enrugada, o colar de ouro que lhe tinha dado sua mãe e o anel de seu marido.
Tentando alisar a anágua, perguntou contrariada:
—Despe as mulheres frequentemente, sir? Parece que tem muita prática.
Seus olhos brilharam.
—Juro que não é mais que instinto masculino.
—Suspeito que essas palavras estejam cheias de falsidade — o acusou com severidade,
elevando suas sobrancelhas.
—Jamais despi uma dama tão bela — se evadiu com um sorriso sedutor —Nem tão
sensual.
Segurou-a com força pela cintura e voltou a possuir sua boca. E Adela logo esqueceu
suas preocupações pelo passado de Robert.
Ele se deteve beijando seu pescoço de marfim, tão suave como o veludo. Seus seios se
incharam pelas carícias. Robert desejava possuí-la ali mesmo, contra a janela, simplesmente

174 GRH - Grupo de Romances Históricos


lhe levantar as anáguas e fazê-la sua. Mas também queria saborear todo seu corpo, pouco a
pouco, até que ela rogasse por mais carícias.
Afundou sua cabeça na espessa cabeleira. Céus, seus cabelos cheiravam a lavanda, o
perfume de sua pele o embriagava. Afastou o colar para poder beijá-la melhor.
Ao sentir o áspero casaco contra seus seios, Adela sugeriu com voz sensual:
—Devolverei suas gentilezas, milord, me permitir despir-lhe.
Rob gemeu e a liberou por uns instantes, deixando que ela agisse com liberdade.
—Por favor, meu amor. Começo a pensar que este casamento me trará grandes prazeres.
Adela riu e se atirou à tarefa de despir a seu flamejante marido. Acariciou seu peito
musculoso e seus fortes braços antes de tirar-lhe a camisa. Quando Rob levantou os braços
para que puxasse a peça de roupa, um relâmpago de dor atravessou seu semblante.
—Não deveríamos limpar e tratar sua ferida enquanto está sem camisa? —sugeriu Adela
preocupada.
—Venha aqui agora, necessito que te ocupe de outros assuntos antes.
Obediente, a moça continuou lhe tirando o casaco e as meias. Explorou seu abdômen
plano, as pernas torneadas. Ele não fez nada que pudesse atrasá-la.
Uma vez concluída a tarefa, Adela admirou seu marido extasiada. «Parece um herói
grego», pensou. Depois olhou de esguelha a enorme cama que os aguardava no outro lado
do quarto.
—Esta é a mesma cama em que dormem Sorcha e Hugo? —perguntou ela, enquanto
retiravam a manta e o edredom, e ele fazia um gesto convidando-a a deitar-se.
—É a cama dos senhores do castelo — a corrigiu —Importa-se?
—Absolutamente, mas me parece estranho estar na cama deles — ruborizou, enquanto
subia pelo outro extremo.
—Asseguro-te que pareceria mais estranho ainda e muito mais incômodo, estar na cama
que Hugo me destinou enquanto vivi aqui com eles.
—Por Deus, deu-te uma cama pouco confortável?
—Mesmo sendo o capitão, dormia em um catre de palha no salão, com todos outros.

175 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Custa-me pensar em você como Einar Logan —franziu o cenho —Quando penso nele,
lembro-me de sua barba.
—Agora não tenho barba — tocou o queixo, enquanto se aproximava dela. Outra pontada
no ombro o recordou de sua precária situação atual —Posso estar um pouco torpe,
entretanto. Tire a anágua, minha vida, quero te olhar.
Obedecendo, ela disse:
—Se deseja esperar a…
Ele sacudiu a cabeça.
—Diabos, combati em batalhas com feridas piores.
Em um instante, acomodou-se em cima dela, apoiando-se em seu cotovelo direito e
tampando assim a luz da lua que entrava pela janela, embora ainda lhes chegasse um leve
brilho. Acariciou um de seus suaves seios com delicadeza e em seguida deslizou a mão por
seu ventre e outra vez por seu seio, brincando com seu mamilo, inclinando-se para lambê-
lo e saboreá-lo. Breves calafrios estremeciam a jovem.
Rob pressionou sua masculinidade contra as coxas dela e começou a beijá-la com paixão.
Todo seu corpo pulsava de desejo.
—Vai doer? —perguntou-lhe ela, de repente.
—É provável —a olhou com ternura —Mas se formos devagar, talvez não doa, inclusive
pode ser que goste.
—Eu não sei o que fazer.
—Esta vez não precisa fazer nada, meu amor. Só relaxe e não se assuste se eu fizer algo
que a surpreenda.
—O que poderia surpreend…?
Um grito afogado pôs fim a suas palavras, quando ele começou a acariciar seu centro de
prazer enquanto lambia o mamilo com o qual tinha brincado antes. Adela ficou tensa no
começo, até que as carícias de seu marido se intensificaram. «meu Deus, que maravilhosa
sensação!» pensou a jovem, tonta por esse prazer desconhecido até o momento.
Com um ágil movimento, ele separou suas coxas e deslizou um dedo dentro dela. Estava
úmida e pronta.

176 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela estava fascinada pelas sensações que despertava nela seu mais leve toque, abriu
mais as pernas incentivando-o a que continuasse com as carícias. Todo seu corpo clamava
por mais. Se alguém lhe houvesse dito que ia sentir semelhante prazer com um homem que
conhecia fazia poucos dias, nunca teria acreditado possível.
Arqueou as costas para receber seu marido. E quando ele se acomodou em cima dela
para penetrá-la, afogou um grito. Um estremecimento de medo a percorreu. Logo sentiu
uma dor surda. Mas ele ficou imóvel alguns segundos, e a dor passou. Então Rob começou
a mover-se outra vez, lenta e ritmicamente, e ela perdeu toda noção do mundo exterior,
exceto dos movimentos dele e suas próprias sensações.
Adela se deleitou com cada investida, concentrando-se em cada nova sensação até que
ele começou a mover-se cada vez mais rápido e a afundar-se nela cada vez mais
profundamente.
—É deliciosa —ofegava Rob a seu ouvido.
Quando ele se desabou em cima dela, ambos ficaram imóveis por um longo momento,
até que ele murmurou:
—Pode respirar, meu amor?
—Sim, bastante bem. Como está seu ombro?
—Não sinto nada. Estou dormente —Lestalric se levantou e a contemplou, sorrindo.
—Senti coisas estranhas, coisas novas e maravilhosas —acrescentou.
—Isto foi só o princípio —assegurou entusiasmado —Tenho muito a te ensinar, você
verá, meu amor.
Abraçou a sua esposa com ternura até que adormeceu.

Cavalgava tranquila sob um sol de ouro, montada em seu corcel branco com crinas e
cauda de seda. Parecia-lhe estar sobre almofadões, balançando-se brandamente, como se
navegasse em um pequeno bote sobre um mar em calma. Mas quando se deu conta de que
estava em um bote, e não sobre um cavalo, a embarcação começou a oscilar com rapidez
primeiro e logo com violência.

177 GRH - Grupo de Romances Históricos


O céu já não era azul. As nuvens se acumulavam a seu redor, à medida que o mar se
agitava cada vez mais e a água se precipitava dentro do bote, ameaçando afoga-la.
Tremendo de frio, abandonada outra vez, suportando uma cruel voz interior que zombava
dela dizendo que viveria assim para sempre.
O silêncio a rodeava, escuro, lúgubre.
Estava afundando, mergulhando na água cada vez mais profundamente. Mas podia
seguir respirando, como se a água fosse ar.
De repente um raio de luz a deslumbrou. Provinha de uma fonte desconhecida que
iluminava um cofre de bronze. Assombrada, observou como a tampa se abria e revelava um
valioso tesouro.
Mãos enluvadas recolhiam as pedras preciosas e um colar de pérolas que se elevou em
espiral e se transformou em uma serpente negra como o carvão e com duas ranhuras
verdes por olhos. Sentiu o medo mais terrível de toda sua vida e tão frio como se suas veias
se enchessem de gelo.
Então Waldron de Edgelaw, vestido de negro, enorme e ameaçador, saiu detrás do cofre
e enroscou a serpente ao redor de seu pescoço.
Adela despertou gritando, nua e com frio, aferrando a corrente de ouro que tinha
esquecido de tirar na noite anterior.
Uma sombra se inclinou sobre ela, sobressaltando-a outra vez.
—O que acontece? —perguntou Rob preocupado. A débil luz da alvorada destacava o
contorno de sua figura —Teve um mau sonho, meu amor?
—Um… um pesadelo espantoso — disse ela, envergonhada pelo tremor de sua voz.
—Meu Deus. O que acontecia nele?
A jovem hesitou, e quando escutou um forte golpe na porta voltou a sobressaltar-se.
—Têm algum problema, milord? —gritou um homem.
—Não, minha esposa teve um pesadelo. Pode se retirar — respondeu Rob do outro lado
da porta —Venha, agora conte-me —abraçou a sua esposa —Parecerá uma tolice quando o
fizer, não há melhor maneira de exorcizar a esses demônios que descrever seus horríveis
rostos.

178 GRH - Grupo de Romances Históricos


A calidez de seu corpo a consolava, ela se aconchegou em seu peito e o ajudou a levantar
o edredom para que ambos se cobrissem.
—Tinha frio —começou a moça.
—Moça tola, cobri-te com a manta quando me levantei, e você a afastou — e com mais
firmeza, adicionou —Conte-me seu sonho agora.
—Tinha frio no sonho —começou. Descreveu as cenas com detalhe e quando mencionou
o cofre do tesouro, sentiu que ele ficava tenso —Waldron estava detrás dele. A princípio
não o via, só via mãos brincando com os rubis e as pérolas. Mas quando se aproximou de
mim e as pérolas se converteram em uma serpente. Ele… ele a enroscava ao redor do meu
pescoço — estremeceu com um calafrio.
Ficaram em silencio por um momento, e depois ele tentou tranquilizá-la:
—Não se preocupe, sem dúvida tantas emoções perturbaram seu espírito. No futuro,
procure tirar o colar antes de dormir.
—Sim, suponho que pode ter sido isso — ela disse, dúbia, sem querer contar o quanto se
assustou.
—Agora está a salvo, meu amor. Não vou permitir que nada errado te aconteça.
—Ninguém está a salvo da maldade — observou ela com tom lúgubre —As pessoas
morrem ou acontecem coisas horríveis — então, pela primeira vez desde que o conhecia,
preferiu não dizer o que pensava. Como falando consigo mesma, adicionou —Pode
significar que vai voltar.
—Não pode voltar, mulher. Já está morto.
—Ardelve me disse que se afogou, mas eu não o vi morto.
—Ninguém o viu —admitiu ele.
—Por Deus, sir! Já tinham pensado que Waldron estava morto e, entretanto, retornou.
Por que não poderia acontecer outra vez o mesmo?
Maldição! Rob estava furioso consigo mesmo por ter revelado esse detalhe. Só haviam
dito a Ardelve que Waldron se afogou, sem precisar como, e muito menos onde.
—Tem razão, meu amor. Só queria evitar temores e obtive o contrário. Acredito que é
hora de que conheça um de meus segredos.

179 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Confiou em mim em Lestalric quando chegou o conde de Fife —recordou, em tom de
recriminação —Eu também confiei em você. Nem sequer te perguntei o que era o que
estava me dando.
—Mas a confiança não é sempre um assunto tão simples. Alguns segredos devem
permanecer ocultos. Eu fiz um juramento e não posso quebrá-lo. Este tema de Waldron,
entretanto, excede os limites do juramento.
—Está seguro de que se afogou?
—Absolutamente. Lembra-se da caverna?
—Sim. Também recordo os cofres, e que falavam a respeito de um tesouro roubado à
Igreja.
Sem fazer nenhuma referência ao tesouro, Rob acrescentou:
—Waldron se afogou no lago da caverna. O diabo o levou, porque seu corpo nunca voltou
para a superfície. Hugo e eu fizemos uma balsa e revistamos cada centímetro das margens
do lago. Em muitos lugares, a parede da caverna é totalmente lisa e não há nada a que
segurar-se, mesmo se não se está ferido, e ele estava quase morto antes de mergulhar.
Além disso, esse lago subterrâneo é muito profundo e muito frio, e não devolve os mortos à
superfície.
Para seu assombro, ela declarou:
—É como o mar que rodeia às Ilhas. A água é tão fria que os corpos afundam até o fundo.
Rob sentiu sua esposa tremer, estreitou-a mais forte e lhe beijou os cabelos, aspirando
seu perfume. Quis possuí-la de novo.
Entretanto, ainda restava algo pelo que desculpar-se, lutou para ignorar as exigências de
seu corpo.
—Não me interprete mal, sei que seu pesadelo significa algo importante. O que viveu
com Waldron é uma experiência cujos rastros demorarão a apagar-se.
—Acredito que sim, embora pareça incrível que ainda me persiga depois de tanto tempo,
e quando estou a salvo.
—Há uma regra na arte da guerra — declarou —Se cai derrotado em uma batalha, se
seus homens morrem defendendo sua causa, abatidos pela espada inimiga, levante e lute

180 GRH - Grupo de Romances Históricos


pela honra, que jamais deve ser vencida. Recupera a força do sangue dos caídos, enobrece
seu espírito com o medo à derrota.
—Santo céu! Quer me preparar para uma batalha?
Deixando de lado seu sagaz senso de humor, Rob se manteve sério e respondeu:
—Há mais de uma maneira de travar uma batalha, meu tesouro. Mas ainda é muito cedo.
Não quer dormir um pouco mais?
—Estou totalmente acordada, assim se quer se levantar…
—Antes de me levantar, quero discutir um assunto muito importante contigo.
—De que assunto se trata? —perguntou Adela, com ingenuidade.
Rob acariciou o seio de sua esposa e apoiou sua masculinidade inflamada no seu sexo.
—De algo que não pode esperar.

A segunda lição de Adela foi ainda mais agradável que a primeira. Depois, seu marido a
ajudou a encontrar e a vestir sua roupa que estava espalhada pelo quarto. Ela se sentiu em
perfeita harmonia com ele. O fato de ter que voltar a usar seu vestido de seda da noite
anterior lhe recordou seu sequestro, porque então tinha tido que usar o mesmo vestido
durante vários dias. Entretanto, Isobel tinha enviado roupa a Hawthornden para Sorcha, de
modo que Adela decidiu que depois do café da manhã procuraria algo mais adequado para
esse lugar tão descuidado.
Fez mentalmente uma lista das coisas necessárias para organizar o castelo e se apressou
escada abaixo para ir ao encontro de seu marido. Encontrou-o sem camisa, na sala,
enquanto um jovem soldado corpulento tratava sua ferida e alguns serventes preparavam
uma mesa coberta com uma toalha de linho para o café da manhã.
—Milady — a saudou Lestalric —Quero apresentar-lhe Archie Tayt. Trate-o bem. Seu tio
é um influente burguês de Edimburgo. Faça uma reverência, jovenzinho.
Sorrindo ao «jovenzinho», que, como a maioria dos homens de sir Hugo, era muito mais
alto que ela, Adela respondeu à faísca em seus olhos azuis ao saudá-lo, adicionando um
comentário para seu marido:

181 GRH - Grupo de Romances Históricos


—É obvio, milord, e acredito que seria amável com ele inclusive se não tivesse nenhum
tio.
—Bem, tampouco seja muito amável — advertiu ciumento, com um olhar zombador.
—Como está essa ferida, Archie?
—Sarando — respondeu Rob, fazendo uma careta enquanto Archie seguia aplicando o
bálsamo.
—Estava perguntando a Archie - o repreendeu Adela. Archie lhe dirigiu um olhar
angustiado, expressando seu medo de dizer algo que pudesse zangar sir Robert —Não
importa. Darei eu mesma uma olhada.
—Archie, percebeu o que fiz?
—Sim, milord, casou-se com uma boa mulher, por certo. Será uma boa mãe para seus
filhos.
—Certo — concordou Rob, orgulhoso —Mas eu não quero uma mãe para meu…
—Obrigado, Archie — o despediu lady Lestalric —Afaste-se agora, por favor, e me deixe
ver como progride isso. Até agora só a vi à luz da lua. Fica aquieto, sir — adicionou para seu
marido.
—E bem? —impacientou-se ele —O que acha?
—Acho que foi muito afortunado por uma segunda vez. Está se curando com uma notável
rapidez.
—Sem dúvida graças às poções da condessa. Muitos de nós devemos gratidão eterna a
suas habilidades. Cubra-a agora, Archie, e agradecerei que não diga a toda animália que
anda por aí que minha mulher manda em mim.
—Não o faria por nada do mundo, milord — disse Archie enfaticamente.
—Não se esqueça do outro assunto do qual pedi que se ocupasse.
—Não, senhor, não me esquecerei.
—Que lhe pediu? —perguntou Adela, já sentados à mesa.
—Que me buscasse algo que quero dar a minha mulher como presente de bodas.
—Que coisa?

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—Ficou muito curiosa de repente —sorriu misterioso —Bem, não lhe direi isso, assim
tome seu café da manhã. E não me olhe dessa maneira. E já decidi que te permitirei me
desafiar a um duelo uma vez que terminemos de comer, assim reserve sua irritação para
então.

183 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 15

Adela quase não falou com Rob durante o café da manhã, temendo que seguisse
fazendo brincadeiras, mas continuava sentindo curiosidade. Terminou de comer, e ficou de
pé.
—Necessita roupa mais adequada —observou ele —Não vai querer arruinar esse vestido.
—Bem, se Sorcha usou a roupa de Isobel, eu também posso fazê-lo.
—Acima há um baú com umas poucas coisas. Devia ter pensado nisso esta manhã, mas
tinha outras preocupações em mente.
A jovem se ruborizou e deixou que seu marido a levasse escada acima.
Havia dois vestidos no baú. Escolheu o mais singelo, uma simples túnica azul com laços de
seda vermelha adiante. Quando firmou o laço bordado sobre os quadris, o cavaleiro opinou
encantado:
—Senta-te maravilhosamente. Espero que não se importe em se sujar.
—E por que deveria sujar-se?
—Já verá. Venha comigo —a conduziu até o pátio —Para fazer isto como corresponde,
deveria te levar até aquela colina coberta de erva. Mas até que saiba que riscos podemos
correr no caminho, ficaremos aqui no pátio.
Decidida a não lhe pedir mais explicações, seguiu-o mansamente até o extremo mais
afastado do pátio, onde estavam lutando quatro homens.
Sem lhes dar explicações, enviou-os a ocupar-se de outras tarefas.
—Agora, moça, vamos ao duelo. Inicie o combate.
Adela não cabia em si de surpresa, acaso estava zombando dela outra vez?
—Do que está falando, milord?

184 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Esta manhã, no café da manhã, apostaria que o teria feito de boa vontade quando pedi
que não fosse muito boa com Archie Tayt. Onde está a mulher que disse que eu era um
idiota depois de ser atingido pela flecha, a moça que disse que quereria esbofetear lady
Ellen… quero dizer, lady Logan?
Só a menção do nome dessa mulher bastou para que Adela se enervasse. Entretanto,
manteve a calma.
—Não deveria ter dito isso sobre lady Ellen. Foi errado de minha parte, e se quiser que
lhe peça desculpas, assim o farei.
—Frescuras! Essa mulher necessita uma boa sova. Espero que tenha sido uma boa esposa
para Will, porque te asseguro que não teria sido para mim.
—É injusto, senhor —replicou ela, perguntando-se por que diabos defendia lady Ellen —
Talvez se comportasse de uma maneira diferente se seu pai e o dela tivessem permitido
casar-se como ambos desejavam.
—Por Deus, agora nem sequer estou seguro de que ela queria casar-se comigo. Eu não
tinha nada que lhe oferecer. Não me surpreenderia me inteirar de que preferiu Will desde o
primeiro momento.
—E você não a amava?
Ele franziu o cenho.
—Duvido de que a amasse.
—Mas devia importar-lhe muito para deixar seu lar como o fez.
—Dá muita importância ao passado. Estou mais que feliz com a esposa que tenho. E
agora, me dê uma bofetada.
Era uma ideia tentadora, quase irresistível. Mas Adela não pôde fazê-lo; de fato, olhou-o
como se estivesse louco.
—Vamos, adiante. Imagine que sou Ellen e me dê um bom bofetão.
—Não vou bater em você. Tenta fazer-me ficar como uma parva diante de seus homens.
—Para te educar. Por favor, faz o que te peço.
Adela o fulminou com o olhar e olhou em volta. Nenhum dos homens parecia estar
prestando atenção. Por fim levantou sua mão em tentou golpeá-lo com sua palma aberta.

185 GRH - Grupo de Romances Históricos


Ele a reteve facilmente, tomando seu fino pulso com suavidade.
—Tente outra vez —a desafiou, soltando-a —Faça-o com mais energia.
Três vezes mais ela repetiu o mesmo movimento, cada vez com igual resultado. A quarta,
já enfurecida, apertou os dentes. Sua decisão ou, melhor, sua frustração aumentou, mas
uma vez mais lhe agarrou o pulso com toda facilidade.
—Com mais energia, mulher. Tem a força de um pintinho.
Ela fez uma careta, jogou seu braço para trás tudo o que pôde e o fez voar. Voltando a
atalhar o golpe, Rob disse para provocá-la:
—Ellen poderia golpear mais forte.
—Suponho que sabe por experiência —quase gritou e se precipitou para seu marido
tentando golpeá-lo com ambas as mãos com todas suas forças, mas lhe segurou ambos os
pulsos.
—Não vai conseguir, mas ao menos pode perceber que a defesa e o ataque não
dependem dos impulsos mas sim da reflexão.
—Se acha que assim ganharei confiança em mim mesma, equivoca-se — replicou mal-
humorada.
Rob lhe pôs as mãos sobre os ombros.
—Ganhará confiança em você mesma quando aprender estratégias de combate, e mesmo
que sua estatura seja pequena pode chegar a te servir de ajuda.
—Quais, por exemplo?
—Primeiro, tem que considerar com que vantagens conta — Lestalric por fim iniciou sua
lição. Atraiu-a para si olhando-a aos olhos com intensidade.
—De nada me serviu minha pequena estatura quando estive nas garras de Waldron.
—Engana-se. Como disse ontem à noite, agiu muito bem com ele. A prova está em que
você está aqui comigo e ele está morto.
Ela deu de ombros.
—Não porque eu tenha feito nada.
—Talvez, mas não vamos falar de Waldron agora. É uma mulher sensata, Adela, e entende
os riscos de uma situação perigosa. A melhor maneira de defender-se de um ataque é

186 GRH - Grupo de Romances Históricos


evitar ficar em situação de ser atacado. Se algo lhe parecer estranho, confie em sua
intuição. Não tente se convencer de que tudo está bem, apenas fuja o mais rápido possível.
Em primeiro lugar, nunca fique sozinha em um lugar onde possa ser atacada. Nunca
caminhe nem cavalgue sozinha.
—Não o faria — disse ela.
—Bem —a soltou —Agora pense em mim como se fosse um inimigo. O que vê?
Ela sorriu com ironia.
—Vejo meu charmoso marido, arrogante e valente.
—Muitos homens que querem te fazer mal parecerão assim. Só precisam olhá-la para
supor que você é mais fraca que eles.
—Na maior parte dos casos, teriam razão.
—Na maior parte dos casos, essa é a arma principal com a que conta — ele replicou —
Você quer que seu inimigo pense que está indefesa, que ache que ele tem o controle da
situação. Se vir que ele se aproxima e não pode fugir nem se esconder, deve ser capaz de
surpreendê-lo. Então deixe que veja o que espera ver. A chave é agir com a maior rapidez
possível.
Adela o escutava divertida, enquanto seu marido se deslocava pelo pátio lhe mostrando
diferentes posições de combate, emocionada porque Rob se preocupava tanto com ela. A
ideia de poder defender-se com êxito de um homem que queria fazer-lhe mal parecia
absurda, mas o fato de que Rob acreditasse possível era enternecedor, e que lhe ensinasse
a fazê-lo mais ainda.
—Agora venha. Te mostrarei Hawthornden. Deve conhecer bem seu território. Ficaremos
aqui até que esteja seguro de que não correremos perigo em Lestalric, a menos que Hugo
retorne inesperadamente e nos vejamos obrigados a nos mudar…
—Por que obrigados? —perguntou-lhe ela —Acha que Hugo nos expulsaria?
Sir Robert riu, enternecido pela ingenuidade de Adela.
—O que quis dizer, milady, é que desejo ter mais intimidade com minha bela esposa da
que disporemos se ele retornar. Além disso, devo atender os assuntos de Lestalric. Mas me

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sinto tentado a deixar que o administrador de Henry se ocupe de meus assuntos ali,
enquanto eu tenho tempo aqui para conhecer cada vez melhor a minha mulher.
—E o que acontecerá com lady Ellen?
Seu sorriso desapareceu.
—O que quer dizer?
—Acaso não tem direito a viver em Lestalric, como eu tinha direito a viver em Loch Alsh
com o filho de Ardelve? Lady Ellen não oculta o interesse que tem em você. Talvez não
queira sair do castelo. Alem de tudo, foi seu lar durante muitos anos.
—Sim, mas está com sua mãe agora. Além disso, quando descobrir que me casei,
procurará a outro homem o quanto antes.
—Fará isso?
—Não esperará muito para casar-se outra vez —insistiu —Seu amigo De Gredin parecia
interessado nela. Agora, vamos, querida, darei seu presente de bodas.
A jovem se voltou e viu Archie Tayt que se dirigia para eles carregando com um pequeno
embrulho de tecido.
—Isso é o que te pedi? —perguntou-lhe Rob.
—Sim, sir — respondeu Archie.
—Bem, dê-me e fique um minuto onde está.
Sir Robert lançou um olhar cúmplice a Adela e fez um gesto para que praticasse as lições
de combate com o despreparado servente. Obediente, a jovem perguntou ao criado:
—Você acha que as mulheres são débeis, Archie? —inquiriu com gentileza.
—Deus assim o dispôs, milady, porque…
Suas palavras terminaram em um guincho, pois Adela lhe deu um bom golpe no queixo.
—Aí o tem, milord, espero que esteja satisfeito.
Rob se pôs a rir com tanta vontade que se dobrou em dois, com as mãos sobre os joelhos.
Cada vez mais zangada, Adela caminhou em direção a seu marido. Ele levantou o olhar,
rindo, quase sem fôlego, corriam-lhe lágrimas de riso pelas bochechas. Sem deixar de
caminhar, empurrou-o pelos ombros o mais forte que pôde. Rob deixou cair o embrulho e
tentou segurá-la, mas ela o evitou e ele caiu de costas sobre as pedras cobertas de pó.

188 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Isso é por fazer de Archie o bode expiatório de seu estúpido jogo — gritou furiosa —
Deveria se envergonhar de se aproveitar dele dessa forma tão cruel.
Uma mão grande, mas suave sobre seu ombro a fez desviar o olhar e ver que Archie se
inclinava sobre ela, e parecia sentir-se mais incômodo que nunca.
—Por favor, milady — ele disse, enquanto lançava uma olhar preocupado a Rob —Não
se zangue com ele por me defender.
Rob já estava de pé com o pequeno pacote que tinha deixado cair em sua mão esquerda.
—Afaste-se de minha mulher, Archie — ele ordenou.
Adela deu um passo para trás, imediatamente, notando a expressão enfurecida de seu
marido.
—Não me toque — o advertiu bruscamente.
—Muito tarde para isso — lhe envolveu a cintura com seu braço direito e a levantou do
chão —Archie, diga a esses moços que parem de rir e que voltem a ocupar-se de suas
tarefas.
O servente assentiu e fugiu apavorado.
Lestalric levou a sua mulher nos braços até os degraus da entrada principal do castelo.
Um dos homens teve a presença de espírito de adiantar-se correndo e abrir a porta. Rob
entrou e se deteve no patamar, chutando a porta detrás de si para fechá-la antes de deixá-
la de novo de pé no chão.
—Vamos —ordenou de maneira cortante.
—O que vai fazer? Só fiz o que você…
Ele a estava despindo com o olhar.
—Venha aqui — ele pediu, com a voz muito rouca.
—Pensei que estava furioso —hesitou.
—Shhh — com um rápido movimento, abraçou-a pela cintura até apertá-la contra sua
virilidade já inflamada. Devorou a boca carnuda com sua língua enquanto desatava as fitas
vermelhas de seu vestido.
Uns minutos mais tarde, ambos jaziam nus na cama, estremecendo, gozando de uma
paixão celestial.

189 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Ah, milady, é tão sensual, excita-me como nenhuma outra mulher jamais fez —
murmurou, colocando-se em cima dela. Acariciou seu sexo para acender de novo o fogo.
—Não estou fazendo nada — disse ela, arqueando-se contra ele —Você…
Gritou quando seus dedos a penetraram, gemeu quando a abandonaram e ficou sem
fôlego quando no lugar deles, Rob entrou profundamente nela.
Batidas na porta os surpreenderam. Rob murmurou uma maldição que a fez empalidecer
e depois gritou:
—Que demônios quer?!
—Imploro que me desculpe sir, mas o príncipe Henry de Orkney está lá em baixo e pede
que o receba imediatamente. Houve um assassinato.
—Por Deus! —exclamou Adela —O que pode ter acontecido agora?
Muito mal-humorado, Rob balbuciou:
—A nenhum de vós, insetos descerebrados, ocorreu dizer a Orkney que estava ocupado
com minha esposa?
—Mas, sir…
—Fora! —uivou Rob.
Com as bochechas ardendo, Adela protestou:
—Não podemos deixá-lo esperando enquanto nós estamos aqui!
—Claro que podemos —resmungou Rob, retomando o que tinham interrompido.
—Mas e se na realidade assassinaram a alguém?
Rob pôs seus lábios sobre os dela para fazê-la calar. Brincou com o mamilo enquanto
explorava sua boca. Seu membro palpitante ansiava explorar o voluptuoso corpo de Adela.
Desejava-a mais que nunca.
Ela respondeu, arranhando suas costas, arqueando-se para ir a seu encontro quando ele
se afundou nela. Lestalric se moveu devagar, depois mais rápido, até que o frenesi da
paixão o envolveu por completo. Já estava perto, quase, quase…
—Robert! Maldição, homem, não é momento para pular! Devo falar contigo!
Grunhindo, Rob se deixou cair em cima de sua esposa.
—Por todos os diabos —amaldiçoou —Se alguém não está morto, Henry logo vai estar.

190 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 16

Com um suspiro de resignação, Rob se separou de Adela e gritou:


—Desça Henry, e peça comida para nós. Estou morto de fome. Desceremos em seguida.
Adela refrescou o rosto enquanto Rob recolhia a roupa de ambos. Quando a jovem se
voltou para pegar sua anágua, ele pensou algo que o fez rir para si mesmo.
—O que foi?
—Estava pensando em Archie — lançou uma gargalhada —A expressão de seu rosto…, e
também a sua. A verdade, querida, nunca pensei que conseguiria. Alistarei você em minhas
tropas!
—Fez-me zangar ao zombar dele dessa maneira — espetou com tom severo, enquanto
passava a anágua pela cabeça e a colocava em seu lugar.
—Sem dúvida voltarei a zangá-la frequentemente. Mas espero que não planeje me
tombar de costas frente aos moços.
Parecia arrependida.
—E eu espero que o tenham conhecido como Einar Logan.
—Em efeito, conheciam-me — vestiu as calças enquanto sua esposa atava as fitas do
vestido —Alguns não me tratavam sempre com o respeito devido. Embora tenha ido até
Hugo decidido a aprender a ser humilde. Como eles não sabiam que estavam tratando com
um futuro barão, alguns me humilhavam.
—Deve ter sido difícil para você.
—Não muito mais que quando comecei meu treinamento em Dunclathy.
—O povo de Roslin e de Hawthornden o conhecia antes que se transformasse em Einar?
—Não, só os homens de Hugo. Uns poucos homens de sir Edward em Dunclathy me
conheciam o bastante para me reconhecer mesmo depois de que deixei crescer a barba,
191 GRH - Grupo de Romances Históricos
mas eu me mantinha longe deles. Para todos os outros, tinha me transformado em Einar
Logan. Logo me converti em um dos capitães mais próximos de Hugo. Sem terras de que
me ocupar, minha vida me parecia boa a seu lado.
Adela observou seu marido vestir-se.
—Parece-me que se move com mais soltura — observou aliviada de que por fim a ferida
sarasse.
—Em efeito —sorriu —você representa um excelente estímulo. Além disso, seus
cuidados foram maravilhosos. Aprende rápido, meu tesouro.
Ela sorriu feliz. Uma nova e cálida sensação embargou seu peito: seu marido estava
elogiando seus méritos.
—Por todos os céus, isso me faz recordar algo —exclamou —O que fez com o pacote que
me deu Archie?
— Está ali no chão — assinalou —O que é?
—Olhe e descubra por você mesma — ele disse entregando o presente.
Adela encontrou uma adaga com incrustações de pedras preciosas no cabo dentro de
uma capa de veludo.
—Mais tarde vou ensinar a você como usá-la. Primeiro, me deixe te mostrar como usar a
bainha — com um sorriso lhe pediu que levantasse as saias, e a prendeu um pouco acima
de seu joelho —Sua irmã Isobel tem uma adaga igual a esta.
—Que sensação estranha — hesitou.
—Se acostumará a ela. Agora vamos nos reunir com Henry. Depois passearemos pelos
arredores. Há muitas coisas aqui que quero te mostrar.

No salão, encontraram Henry com expressão sombria. Ao mesmo tempo em que os


criados se moviam ao redor da mesa, o cavaleiro parecia estar avaliando Adela. Quando lhe
sorriu, sua expressão seguiu sendo séria. Então a jovem dirigiu um olhar interrogativo a
Rob, mas ele sacudiu a cabeça, de modo que ela não fez nenhum comentário.
—Veio rápido, Henry.

192 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Mais rápido do que imaginava, tendo em conta os costumes da condessa quando se
muda. Estava ansiosa para voltar a ver seu neto. Também trouxe sua roupa.
Adela o agradeceu fervorosamente. E os três continuaram conversando com pouco
entusiasmo. Uma vez que estiveram seguros de ter tudo o que necessitavam, Rob fez sair
aos serventes.
—Bom —declarou —escutemo-lo. Quem foi assassinado?
—Pensou que estava brincando?
—Por todos os céus! Então é verdade?
—A verdade é que não conheço bem todo o assunto. Devo reconhecer que exagerei
porque seu homem mencionou… — vacilando, deu uma olhada em Adela, e em seguida
adicionou —Escutei que alguém tinha atacado a De Gredin ontem à noite quando retornava
caminhando ao castelo da cidade. Não fiquei para me inteirar de mais, considerei mais
importante levar minha mãe de volta a Roslin.
—Por que estava o Chevalier na cidade? —perguntou-lhe Adela —Nós o deixamos no
castelo.
—Parece que estava tentando te encontrar —comentou Henry —A buscou na mansão
Clendenen, mas lhe pediram que partisse, explicando que você tinha se retirado. De todas
as maneiras, sua visita me intranquilizou e enviei um de meus rapazes para averiguar o que
estava tramando. Aparentemente, De Gredin estava pronto para dizer que você estava
entre os que o tinham atacado.
—Quando se supõe que fiz isso?
—Ah, bom, esse é o problema, não é? —resmungou Henry —Veja, ele diz que sabe a hora
exata, porque pôde contar as doze badaladas das matinas enquanto seu atacante o agredia.
—Mas nós estávamos na igreja da abadia nesse momento —interveio Adela.
—Estávamos nos aproximando dos estábulos quando começaram a soar as badaladas —
continuou Rob —Você se sobressaltou, lembra? Onde teve lugar esse suposto ataque,
Henry?
—Na High Street depois de St. Giles.
—Então me parece que podemos limpar meu nome com muita facilidade.

193 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Se lhe derem a oportunidade — respondeu Henry —O abade pode testemunhar a seu
favor, mas não servirá de muita ajuda se o matarem antes. É obvio, também pode ser leal a
Fife. Se fosse assim…
—Não acredito, o abade deixou entrever seu desprezo por Fife.
—Sim—concordou Adela —Disse que era um conde altivo. Também afirmou que ele se
dizia um homem religioso.
—Bom, o «conde altivo» parece que está difundindo o rumor de que você não é o
verdadeiro Robert de Lestalric. Como ninguém sabe onde esteve estes nove anos, pode ser
um espião inglês.
—Mas o rei o reconheceu! —recordou-lhes Adela.
Henry deu de ombros.
—Fife dirá que o rei está muito velho.
—Também o abade me reconheceu —acrescentou Rob —De todos os modos,
enfrentaremos a eles se isso for o que temos que fazer. Por enquanto… —hesitou —Henry,
seu homem pôde averiguar quão ferido estava De Gredin?
—Segundo o pessoal de Fife que estava ali, o Chevalier estava ferido gravemente e é
provável que não sobreviva.
—Suponho que sua sobrevivência dependerá de quanto convenha a Fife que viva ou
morra — espetou Rob.
Preocupado, Henry observou o casal, de mãos dadas.
—Não mencionei seu casamento com Adela — disse Henry —Pareceu-me melhor mantê-
lo em segredo até que chegássemos a Roslin. Só Ealga sabe.
Adela se surpreendeu ao notar um brilho nos olhos de Rob.
—Quase tenho medo de perguntar o que foi que disse?
—Que ela sabia desde o principio que ia acontecer e que vos deseja a maior das
felicidades.
—Céus —exclamou Adela com um suspiro de alívio —Espero que a reação de meu pai
seja igualmente positiva quando se inteirar do que fizemos. E não quero nem imaginar o
que o povo de Ardelve vai pensar quando escutar falar do assunto.

194 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Ninguém se oporá —asseverou Henry —O filho de Ardelve estará muito contente de
não ter que preocupar-se com uma madrasta viúva de sua mesma idade que mal conhece.
E Macleod só precisa saber quem é Rob, e também estará contente.
—Se continuo estando entre os vivos — adicionou Rob, franzindo o cenho —Não sei o
que é o que se propõe Fife, mas devemos agir com rapidez em relação com o outro tema
que discutimos.
—Se houver algo que não podem discutir comigo, senhores, rogo-lhes que me digam —
pediu Adela, ofendida —Intuo que não confiam em mim.
—É suficiente —a interrompeu Rob —Não podemos discuti-lo aqui. Já lhe disse isso…
—Não aqui, Rob —interveio Henry —Vamos à pequena sala que Hugo usa para seus
assuntos pessoais. Ali ninguém poderá nos escutar.
—Mas prometi a milady que hoje lhe mostraria Hawthornden — atravessou Rob, olhando
com cautela para Adela.
—Acredito que sua esposa deveria vir conosco.
—Henry! —exclamou Rob enfurecido.
—Primeiro teremos essa conversa e depois a levaremos juntos a fazer o percurso pelo
lugar.
Rob sentiu que seu mau gênio voltava a aflorar enquanto seguia Henry e Adela, e
recordou que devia controlar sua ira. Sem dúvida, Henry o estava pondo a prova.
Seguro que o príncipe não tinha a intenção de revelar a Adela nenhum dos segredos da
Ordem. Embora, por outra parte, sua esposa era uma mulher em que se podia confiar. As
emoções se mesclavam com muita facilidade nesses assuntos. E às vezes uma simples
conversa podia derivar para terrenos perigosos e cheios de armadilhas para os incautos.
O problema residia em que ela não só sabia que havia segredos, mas também tinha visto
provas de pelo menos dois deles. Embora Waldron aparentemente não lhe tivesse
mencionado a Ordem, lhe havia dito que procurava o tesouro que os templários
custodiavam para devolvê-lo à Igreja. E Rob mesmo lhe tinha entregue seu mapa. Só
restava juntar os cabos soltos.

195 GRH - Grupo de Romances Históricos


Quando entrou na sala, Henry já se sentara na banqueta de Hugo ao lado da mesa que
ocupava a maior parte da saleta, e Adela se sentou no lado mais afastado da porta.
—E bem? —perguntou Henry, elevando suas sobrancelhas.
—Tem razão, suponho —soprou Rob, percebendo a surpresa no rosto de Adela. Ele viu
algo mais, também, alívio ou talvez algo mais enternecedor, talvez gratidão —Eu não gosto,
de todos os modos — adicionou bruscamente, olhando-a —Quanto mais se compartilha um
segredo, mais vulnerável se torna.
—Concordo com isso, mas não sei se recorda que duas de suas irmãs já estão inteiradas
— assinalou Henry —Além disso, é quase impossível não revelar esse tipo de coisas a uma
pessoa que vive contigo e que conhece seus pensamentos e seus estados de ânimo. E, além
disso… — fez uma pausa, olhando Adela.
Ela devolveu o olhar com toda solenidade.
—Você já sabe mais do que deveria — comentou Rob a sua esposa.
—Realmente? —intrigou-se ela.
—Descobri que as irmãs Macleod são inteligentes e perseverantes — adicionou Henry —
Cedo ou tarde, sua esposa se inteirará de mais coisas por si mesma.
—Já decidi lhe mostrar Hawthornden e algumas formas de defender-se —suspirou Rob
— Devo confessar que eu gostaria de contar também mais coisas a respeito de meu avô e
lhe ensinar onde se esconderam ele e seus companheiros nos velhos tempos. Mas poderia
conduzir problemas se ela não entender por que deve mantê-lo em segredo.
—Eu gostaria que deixassem de falar diante de mim como se não estivesse presente —se
queixou Adela, de maneira cortante —Tudo isto tem a ver com o mapa que encontrou em
Lestalric, Robert?
—Sim — assentiu ele, perguntando-se como teria adivinhado que se tratava de um mapa
e desejando que não seguisse chamando-o de Robert. As pessoas o chamavam assim só
quando estavam zangadas com ele —Encontrou o que procurava em Roslin, Henry?
—Por sorte. —Henry introduziu a mão em seu casaco e extraiu um cilindro de couro
muito parecido ao de Rob —Ainda tem o teu contigo?
—Em minha bota. —Rob se inclinou para tirar sua bota direita.

196 GRH - Grupo de Romances Históricos


Enquanto ele voltava a se calçar, Henry estendeu sua parte do mapa sobre a mesa
esperando que Rob fizesse o mesmo com a sua. As curvas de ambos os fragmentos
encaixavam à perfeição como um quebra-cabeças.
—O que acha? —perguntou-lhe Henry, intrigado —Parece um matagal de linhas e de
símbolos.
Adela se aproximou para ajudar a manter as duas metades em seu lugar. Henry tinha
razão. Se era um mapa, era o mais estranho que já tinha visto. Parecia o desenho de um
menino, com linhas riscadas em todas as direções. O único reconhecível eram alguns
símbolos, dois que pareciam ramos de plantas, uma espada, uma flecha apontando ao
norte, e outras coisas mais difíceis de identificar.
—E isso o que é? —perguntou a jovem, assinalando as duas plantas.
—Aulaga —indicou Rob.
—E ginesta —adicionou Henry.
—Parecem a mesma, exceto a planta de Henry tem uma flor no meio — observou Adela.
—Em efeito, é a mesma planta. Ginesta é outro nome para aulaga.
—Mas ambas são, simplesmente, retama — demarcou Rob —Para o desenho de nosso
escudo heráldico, meu avô se inspirou na metade do mapa que tem uma flor e que agora
pertence a Henry.
—E da metade que tem Rob, meu avô tirou o desenho do seu —explicou Henry.
Adela franziu o cenho.
—Foi para que cada um soubesse quem tinha a outra metade?
—Como podemos saber? Eu só contei a Henry a respeito de meu mapa porque… — se
deteve, fez uma careta, e olhou para Henry.
—Porque ele sabe que me interessam muito os mapas e ultimamente caíram em minhas
mãos uns quantos mapas antigos — o outro terminou a frase.
—E uma vez mais, chegamos ao tema do tesouro —concluiu lady Lestalric.
Rob observou como Henry reagia ante o penetrante olhar de Adela, mas apenas disse:
—Em efeito.
Ainda incômodo ante a perspectiva de ter que revelar outro segredo, Rob declarou:

197 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Este mapa não tem nada a ver com o tesouro, querida. Mais tarde falaremos do
assunto. Agora, o importante é saber aonde nos leva este mapa.
—Mas não sabe o que é o que está escondido?
—Não é importante agora, descobriremos quando chegarmos aonde nos conduz o mapa
— indicou Henry.
Antecipando-se a uma nova pergunta de sua esposa, Rob acrescentou:
—O único lugar que conhecemos com o que nossas duas famílias têm uma forte conexão
é Hawthornden.
—Era parte da baronia originária que foi outorgada a meu antepassado sir William Sinclair
quando chegou a Grã-Bretanha com Guilherme o Conquistador — disse Henry.
—Depois, durante a invasão inglesa de 1335 —continuou Rob —meu avô e outros que se
negaram a submeter-se a Eduardo III se refugiaram nas cavernas dos arredores até que
pudemos enviar todos os ingleses de volta a suas casas. Portanto, suspeitamos que o mapa
esteja relacionado com algo escondido aqui ou nos arredores.
Adela esteve estudando o emaranhados de linhas no mapa enquanto ele falava. Sem
levantar a vista, concluiu:
—Então estas linhas poderiam indicar uma rota de caverna a caverna, ou são todas
cavernas enormes como a de Roslin?
O silêncio subsequente a fez levantar os olhos. Rob parecia pensativo, mas Henry
enfrentou a situação com seu habitual sorriso despreocupado.
—Quanto recorda desse lugar, milady? —perguntou-lhe.
—Pois, não poderia encontrá-lo embora quisesse. Assustei-me muito quando entramos
ali, estava tão escuro… Mas Sorcha encontrou um farol e o iluminou. Achávamo-nos em
uma espécie de corredor que se abria a uma caverna imensa. Lembro o lago, mas não
muito mais do que aconteceu depois.
—Já não tem importância, de todos os modos —interveio Rob —Essa caverna é uma das
centenas que há nesta região, mas a maioria é muito menor. Só a caverna de Wallace é
bem conhecida. As outras apenas uns poucos as conhecem, e sem dúvida há muitas que
ainda não foram sequer descobertas. Todos deveremos pensar com atenção neste mapa,

198 GRH - Grupo de Romances Históricos


mas agora demos um passeio pelo castelo. Podemos começar por aqui e lhe mostrar tudo,
da muralha até o fosso.
Zangada, Adela compreendeu que seu marido queria evadir-se da situação: ele estava
decidido a lhe contar o menos possível, apesar da boa vontade de Henry. Mas controlou
sua irritação, talvez só porque ver todo o castelo lhe permitiria ter uma ideia de como
começar a pôr o lugar em ordem. Fiéis a sua palavra, Henry e Rob lhe mostraram todos os
aposentos, das muralhas até a grande sala debaixo do topo do escarpado onde lhe
mostraram o passadiço subterrâneo. Rob abriu uma porta de madeira e se fez a um lado:
—Dê uma olhada, querida.
Desorientada depois de descer por uma escada em espiral, surpreendeu-se ao descobrir
que o passadiço dava ao escarpado. Estavam quatro metros sob o topo, e embora tivessem
podido escalá-lo, achavam-se logo abaixo da lisa parede da torre principal.
—Para que serve? —perguntou ela —É impossível escalá-lo. Só um lunático saltaria ao
rio daqui.
—Olhe essa corda enrolada na parede atada à argola de ferro — assinalou Rob —É usada
para descer até a água. É só para casos de emergência, é obvio se houver inimigos dentro
ou se o castelo estiver sitiado. Não acredito que alguém a tenha usado nunca exceto os
moços que querem provar suas forças ou que querem nadar. Mas deve conhecer o lugar se
por acaso precisar fugir.
—E as cavernas que mencionou, pode-se acessar daqui?
—A algumas. O caminho está um pouco mais à frente do fosso.
Adela estremeceu quando atravessaram o fosso, cuja entrada consistia em um buraco na
parede tão estreito que mal passavam os ombros de uma pessoa. O outro lado era mais
profundo e íngreme. Uma vez dentro, a única forma que tinha um prisioneiro de sair era
que alguém lhe jogasse uma corda e ser o bastante forte para conseguir subir.
A porta secreta, que Rob afastou, era na própria parede. Antes que a abrisse, não havia
forma de adivinhar sua existência. Deslizou silenciosamente e com aparente facilidade.
Henry tinha acendido uma tocha. Entregou outra a Rob, que se adiantou conduzindo-os
pelo estreito passadiço do outro lado da porta.

199 GRH - Grupo de Romances Históricos


O ar frio e úmido desagradou Adela. À medida que se internavam na caverna, a jovem
ansiava mais e mais o ar puro e a luz do sol.
Depois se abriu um segundo passadiço.
—O que pensa, Henry? —perguntou-lhe Rob.
—Faz anos que não desço aqui. Você os explorou quando esteve aqui antes?
Rob assentiu.
—Dei-lhes uma olhada enquanto me recuperava da flecha que me disparou Waldron —
sibilou —Era a primeira vez que estava sozinho no castelo. Embora Hugo tivesse me
mandado descansar, pareceu-me uma boa oportunidade para descobrir aqui embaixo
alguma outra coisa dos tempos de meu avô.
—E?
—Bom, esta área coincide com o mapa —concluiu ele —Mas como não o tinha, não pude
precisar o lugar exato.
—Se o quadrado que está desenhado ao norte, ou o que parece ser o norte, neste
emaranhado de linhas, supõe-se que é Hawthornden, deveríamos seguir o passadiço à
direita — deduziu Henry, se nos guiarmos primeiro por minha metade, e se a linha que
parece conduzir para a espada é a que devemos tomar. Muitos dos símbolos parecem
colocados ao azar, mas a espada se destaca entre todos e assinala o final de uma linha.
—Céus, Henry —exclamou Rob —Se nenhum de nós sabe o que está fazendo aqui,
deveríamos estudar melhor o mapa antes de começar a dar voltas. Talvez precisemos
esperar Hugo. Ele deve conhecer estes túneis melhor que nós.
—Mas se os conhece tão bem —observou Adela, pensativa —não deveria ter encontrado
faz tempo o que nós estamos procurando?
—Certamente, se tivesse tido um motivo para buscá-lo —acrescentou Rob —Mas esteja
onde estiver seguramente se acha muito bem escondido, a menos que a gente saiba o lugar
exato ou possa reconhecer algum sinal de sua presença.
—OH, temos que te contar quando Mich…
—Mais tarde —o interrompeu Rob —Por enquanto, retornaremos para planejar com mais
cuidado nossa busca.

200 GRH - Grupo de Romances Históricos


—E com respeitou a Fife? Se ele vier… —Henry deixou a frase inconclusa.
—Teremos que enfrenta-lo—sentenciou Rob —Mas esses passadiços são um labirinto
demoníaco. Se nos internarmos neles sem conhecer bem nossa rota, perambularemos
perdidos durante dias.
A ideia fez que um calafrio percorresse a coluna vertebral de Adela, e se sentiu feliz de
que Henry estivesse de acordo em retornar ao castelo. Uma vez ali, ele insistiu em fazer
uma cópia do mapa inteiro.
—Esconderemos as metades do original como antes e guardaremos as cópias, depois
podemos queimá-las se for necessário.
Rob concordou, e Adela os deixou na saleta de Hugo ocupando-se da tarefa.
A ideia resultou prática; enquanto copiavam os mapas descobriram um atalho que
conduzia para a espada na metade de Rob, no quadrado que supunham que era
Hawthornden e que figurava na metade de Henry. Embora seguir esse caminho
subterrâneo à luz de uma tocha fosse outro assunto.
Rob se despediu de Henry com a promessa de encontrar-se com ele na manhã seguinte,
depois que ambos tivessem estudado suas cópias. Encontrou sua esposa olhando pela
janela de seu dormitório, para o oeste. Ela se voltou ao ouvi-lo entrar.
—Convidou Henry para jantar?
—Sim, mas quis retornar para esconder os mapas e arrumar-se. Eu também preciso me
lavar.
—Me conte mais coisas sobre seu avô — pediu a jovem.
De bom grado, lhe contou várias histórias a respeito dos combates de seu avô contra os
ingleses, e o último o interpretou tão bem que a fez rir às gargalhadas. Rob a abraçou, e
desfrutaram com prazer um do outro.
Mais tarde, ele mostrou sua cópia do mapa e a estudaram juntos, mas concluíram que,
sem pontos de referência mais concretos, seguir as indicações do mapa resultaria
impossível.

201 GRH - Grupo de Romances Históricos


Ao dia seguinte, quando Henry retornou enquanto eles tomavam o café da manhã na
grande sala, Rob sugeriu com cautela que duas pessoas podiam explorar juntos o terreno
em menos tempo que três…
Adela franziu o cenho, mas não disse nada. Henry, examinando as bandejas sobre a
mesa, serviu-se pão, cerveja e umas fatias de cordeiro. Ele tampouco abriu a boca.
—O que acontece, milady? —perguntou-lhe Rob, sabendo perfeitamente, mas com a
esperança de que Adela os animasse a ir sem ela.
Em troca, e sem lhe importar a presença de Henry, ficou de pé para encara-lo muito
zangada:
—O que acontece? Sabe perfeitamente o que acontece, milord.
—Ah, o que sei? —sentiu que sua ira brotava.
—Não brinque comigo, sir!
Henry seguia comendo placidamente, como se estivesse sozinho.
Tentando apaziguar os ânimos, Rob comentou com mais amabilidade:
—Adela, querida, isto é…
—Não me diga «Adela, querida». Em um momento finge que confia em mim e no
momento seguinte só quer esconder seus preciosos segredos. Juro-te que me resultaria
mais fácil que não me dissesse nada absolutamente.
—Muito bem, talvez seja o que deveria fazer — retrucou de maneira cortante —Lembre-
se que é minha esposa e que me deve obediência, milady. Eu decidirei o que te dizer e o
que não. Enquanto isso, como sei que deseja pôr este castelo em ordem, pode começar
hoje mesmo.
—Posso, realmente? —perguntou-lhe, furiosa, inclinando-se para ele com as mãos nos
quadris —Então não se importará que comece aqui mesmo!
Tomou uma terrina ainda meio cheia e a jogou nele, mas como ele evitou o golpe, fez o
mesmo com a bandeja que ainda tinha umas fatias de carne.
—Basta — protestou Henry —Era um cordeiro muito bom.
—Nos deixe sozinhos, Henry — ordenou Rob.
Henry levantou suas sobrancelhas.

202 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Céus, Rob, este lugar é meu.
—Então o deixaremos aqui com sua comida. Quero falar a sós com minha esposa.
—Certo. E depois descubra como o cozinheiro preparou este saboroso cordeiro.
—Só lhe jogou romeiro ao fogo enquanto cozinhava sir — se distraiu Adela.
—Isso não importa —grunhiu Rob —Agora venha comigo.
Lady Lestalric o seguiu da sala, cheia de remorsos. Como diabos se atreveu a lhe jogar a
baixela? Por sorte, não tinha acertado o alvo. De todos os modos, ele tinha alguns
respingos e uma mancha em seu casaco que bem podia ser de gordura.
Esta vez não haveria risadas quando chegassem ao dormitório.
Rob se deteve no patamar fora da porta, e se voltou para sua esposa com expressão
solene.
—Não deveria ter feito isso.
—Não, sir — aceitou arrependida —mas deve decidir se vai confiar em mim ou não.
Nunca sei o que posso esperar e estou cada vez mais zangada porque…
—Sei que é difícil —adicionou quando ela fez uma pausa —Mas há coisas mais
importantes que outras, mais secretas, e o problema é que estão relacionadas de uma
maneira ou outra. É como puxar um fio e desfazer toda a peça.
—Você me diz isso, mas é evidente que Henry pensa que eu deveria saber mais.
—Eu não sou Henry. E eu não gosto que me lancem coisas à cabeça.
—Sinto muito — se desculpou com total sinceridade.
Ele pôs uma mão sobre seu ombro, atraiu-a para si e beijou com suavidade seus lábios.
—Perdoo-te, querida, mas não o volte a fazer.
Aliviada, a moça se animou a perguntar:
—Então, posso ir contigo?
—Não, meu amor, esta vez iremos sozinhos. Não sabemos o que podemos encontrar,
estarei menos preocupado se souber que você está aqui, a salvo. Contarei se encontrarmos
algo.
Consciente de que merecia esse castigo, Adela obedeceu decepcionada.

203 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 17

Durante dois dias Rob e Henry exploraram juntos enquanto Adela organizava à servidão
para uma limpeza sistemática do castelo. Também convenceu Archie Tayt de que a
ajudasse a praticar as artes do combate e também a manejar sua nova adaga. Rob a tratava
com amabilidade, mas sua cabeça estava posta na busca.
Mas ao final do segundo dia, sem ter ainda nenhum indício de cavaleiros de Edimburgo,
nem encontrar nada parecido a uma espada, e com o navio de Henry que retornava a Leith
em dois dias para buscá-lo, os homens se achavam em um ponto morto.
—Posso dedicar um dia mais ao assunto — propôs Henry, durante o jantar —Mas se não
encontrarmos nada, Rob, terá que esperar Hugo.
Rob concordou com ele, e mais tarde, quando Henry já tinha retornado a Roslin, Adela e
ele subiram a seu dormitório.
—Ainda está zangado comigo?
—Não, meu tesouro. O mau humor de ambos já passou.
—Então, posso fazer uma cópia de seu mapa para estudá-lo?
Ele hesitou, dificilmente ela seria capaz de descobrir algo que ele ou Henry não tivessem
visto.
—Céus, teme que lhe aconteça algo enquanto está em minhas mãos? Eu não gosto de
segredos, mas jamais o trairia.
—Sei —suspirou.
Ainda reticente, procurou papel, pluma e tinta para que sua esposa fizesse uma cópia.
Observou-a enquanto reproduzia com supremo cuidado o mapa.
Quase tinha terminado quando disse:
—E este pedacinho daqui, sir? Não posso decifrar sua cópia.
204 GRH - Grupo de Romances Históricos
—Lembro-me dessas linhas estranhas. Pensei que não eram mais que um defeito do
couro, mas estavam em minha metade do mapa. Lhe demos outra olhada.
Um momento mais tarde, ela comentou:
—Não acredito que seja um defeito. Não poderia ser uma cascata?
Ele franziu o cenho, e fixou seu olhar em três linhas onduladas em sua metade do mapa
original.
—A tinta se desvaneceu —assinalou —Entretanto, a textura da vitela pode ter me
enganado, e acredito que é possível que tenha razão.
—Será nas cavernas debaixo de Hawthornden?
—Nenhuma que eu conheça. Mas há numerosas cascatas em Glen, e também existem
entradas em outras cavernas. Há uma coisa que me tem obcecado desde que começamos
esta busca.
—O que é?
—O tamanho… — fez uma careta, depois sacudiu sua cabeça para limpar-se.
Adela suspirou; podia perceber a luta interna que travava seu marido ainda duvidando
se confiava nela ou não.
—Você disse «o tamanho» — o incentivou a continuar —portanto, suponho que se referia
ao tamanho do objeto ao que o mapa nos conduz. Parece-me que acha que o tamanho do
objeto faz muito improvável o fato de que esteja escondido em alguma das cavernas que
vimos. Por que não me diz diretamente o que pensa?
—Porque é muito possível que esteja equivocado —Rob deu um murro na mesa —Posso
me haver detido em detalhes mínimos, produto de uma esperança infantil logo depois de
tantos anos de ter escutado os relatos de meu avô. Ficarei como um parvo, e os Sinclair não
vão esquecer nunca. Já te contei parte do assunto.
—Não me contou nada sobre o tesouro — ela recordou —O que é, exatamente, e de
onde provém?
—Deite-se — ele disse, beijando sua bochecha —Vou apagar as velas.

205 GRH - Grupo de Romances Históricos


Deixando um só candelabro aceso sobre uma mesinha perto da cama, deitou-se a seu
lado, colocou alguns travesseiros a suas costas e depois se recostou, deslizando um braço
afetuosamente sobre seus ombros.
Adela esperou impaciente que ele se acomodasse. Por fim seu marido se atreveu a
continuar:
—Ouviu falar dos cavaleiros templários?
—Sim, é obvio — disse ela, esforçando-se para lembrar-se —Existiram durante as
cruzadas, não é assim? Protegiam os peregrinos que viajavam a Terra Santa, e o rei de
Jerusalém os albergou em seu próprio palácio. Minha tia Euphemia estava acostumada a
nos contar histórias a respeito deles quando eu era pequena. Mas o que têm a ver os
templários contigo ou com o tesouro que procurava Waldron?
—O tesouro pertence aos cavaleiros templários. A história completa é muito longa para
que a conte toda esta noite, mas durante duzentos anos eles foram os banqueiros do
mundo inteiro. Custodiavam os objetos valiosos e emprestavam dinheiro aos nobres e aos
chefes de Estado. Em 1307, o rei Felipe da França, que lhes tinha pedido emprestadas
enormes somas de dinheiro, não quis devolver o que lhes devia. Em um ataque realizado
durante uma só noite, prendeu muitos templários na França e tentou se apoderar do
tesouro que tinham em Paris. Mas a maioria dos templários conseguiu escapar, levando
seus navios e o tesouro com eles. Ao menos uma parte desse tesouro chegou aqui, a
Escócia.
—Mas faz muito tempo disso —comentou a moça —Como entra você nesta história?
—Treinaram-me para ser um cavaleiro templário escocês. Igual a meu avô e meu bisavô
antes de mim, como também Hugo, Michael e Henry. Veja, os Sinclair custodiaram o
tesouro no começo.
—Seu pai também era um cavaleiro templário?
—Meu avô opinava que ele não era um homem que pudesse adaptar-se a esse tipo de
vida. Por outra parte, meu pai não tinha irmãos que pudessem herdá-lo se algo lhe
acontecesse. O avô dizia que era mais importante que protegesse Lestalric. Meu irmão

206 GRH - Grupo de Romances Históricos


tampouco gostava. Will era jactancioso e ocioso. Meu avô dizia que meu pai alimentava a
vaidade de Will mas não seu cérebro, com um resultado desafortunado.
—Mas seu avô estava orgulhoso de você.
—Eu também tenho meus defeitos, como terá notado —replicou secamente.
—Mas te falou do mapa.
—Não do mapa, só de que ele tinha escondido algo importante que eu deveria descobrir
algum dia. Deu-me indícios do lugar onde deveria buscá-lo e prometeu me dar outras
explicações mais adiante. Só que esse momento nunca chegou, porque ele morreu pouco
depois de que eu deixei Dunclathy. Acredito que quando fui para casa ele adiou a conversa
porque eu tinha zombado de Will. Durante muito tempo me perguntei se alguma vez teria
chegado a me inteirar do que se tratava.
—Zombou de seu irmão mais velho?
—Vangloriei-me diante dele em um ataque de fúria. Meu pai nos separou. Depois contou
a meu avô o que eu havia dito, e depois meu avô me fez lhe contar toda a história.
—Estava zangado?
Rob se estremeceu.
—Nunca tinha me levantado a mão antes, mas essa vez me açoitou até quase me esfolar,
recordo-o como se fosse hoje: «Os segredos não são brinquedos para jogar em um ataque
de ira», disse e me assegurou que antes que ele voltasse a confiar em mim, eu devia lhe
demonstrar que era digno dessa confiança. Jurei que nunca mais voltaria a desiludi-lo, mas
ele morreu antes que eu pudesse recuperar sua confiança. Fiz um novo juramento então:
me esforçar por não agir jamais de maneira que pudesse decepcioná-lo.
—Entendi — murmurou Adela - explica sua relutância a compartilhar segredos. Seu
irmão deve ter te tirado do sério. Posso entendê-lo. Ninguém pode me zangar tanto como
minhas irmãs, exceto você, talvez — adicionou pensativa.
Ele riu, e a estreitou contra si.
—Ambos me fizeram zangar, meu amor, mas você não vai gostar da razão. Está segura
de que quer sabê-la?
Ela suspirou:

207 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Lady Ellen.
—Quando voltei feliz para casa naquele dia, orgulhoso porque tinha sido nomeado
cavaleiro, meu pai me perguntou o que significava a briga com Will. Tentei explicar-lhe, mas
terminou me chantageando: se lhe revelasse meu segredo, ele o ofereceria a Douglas em
troca de Ellen.
—Sabia seu pai que seu avô o tinha açoitado pelo que tinha feito?
—É obvio —sorriu com amargura.
—Não posso imaginar o que é o que acha que sabe sobre o mapa. Deveria saber mais
sobre os templários e seu tesouro ou mais sobre seu avô?
—Prefiro não dizer nada mais. Quão único precisa saber é que a conversa com meu pai
teve lugar pouco antes que o atual rei fosse coroado. Papai acreditava que eu sabia algo
que poderia dar mais esplendor à cerimônia.
Adela mordeu o lábio inferior, pensativa, depois perguntou muito tranquila:
—Há uma só coisa que me ocorre que pode estar vinculada a uma coroação e que pode
estar escondida.
—Sim? —perguntou Rob intrigado.
—Seu pai era um homem com muita imaginação?
—Não, mas tinham deslocado rumores no reino durante quase um século, desde que a
pedra de Scone foi levada a Londres por Eduardo.
Ela assentiu, aliviada ao dar-se conta de que ambos pensavam o mesmo.
—Minha tia estava acostumada indignar-se de que os escoceses leais tivessem permitido
que acontecesse algo semelhante, em especial porque ele já tinha antecipado que
planejava leva-la. Não só a levou, mas também depois arrasou a abadia de Scone.
—Mas a arrasou dois anos depois, e dizem que foi porque tinha descoberto que a pedra
que ele levou não era a verdadeira Pedra do Destino.
—Entretanto, os ingleses ainda afirmam que a têm.
—E talvez seja verdade — se aconchegou mais perto de sua esposa —Tudo são lendas.
Não saberemos a verdade a menos que descubramos aonde conduz o mapa. Cavalgarei até
Roslin cedo e direi a Henry e a Michael o que pensamos sobre esse estranho símbolo. Se a

208 GRH - Grupo de Romances Históricos


escala do mapa tiver algum sentido, então você tem razão a respeito da cascata, e não
pode estar longe, mas sim deve encontrar-se em algum lugar entre Hawthornden e Roslin.
—Quero ir contigo.
—Não, minha vida, prefiro que fique aqui.
—Mas…
—Me escute antes de te zangar, mocinha. Dou-te minha palavra de que se encontrarmos
alguma caverna perto de uma cascata, virei buscá-la. Mas não quero me inquietar por sua
segurança se Fife vier a nosso encontro enquanto a estamos procurando. Em todo caso, se
mostrar seu feio rosto pelos arredores, alguém nos advertirá e retornaremos
imediatamente.
—Então, por que não posso te acompanhar?
—Não discuta comigo, meu tesouro — murmurou ele, beijando-a na testa e depois na
ponta do nariz —Não quero brigar esta noite.
Suas mãos começaram a acariciá-la, e embora ela soubesse com quanta rapidez podia
excitá-la e dessa maneira distraí-la, não opôs resistência.
Sempre poderia brigar com ele mais tarde.
Fizeram amor e falaram de outras coisas, voltaram a fazer amor, voltaram a conversar
um momento, e depois guardaram um agradável silêncio até que Rob notou que sua
respiração tinha o ritmo calmo e profundo do sono.
Ele jazia ali, escutando-a respirar e pensando em quão agradável era ter alguém com
quem conversar inclusive com quem discutir, com tanta facilidade como com Hugo e
Michael, mas a respeito de coisas que jamais discutiria com nenhum deles. Ele mal se
lembrava de sua mãe, e não tinha irmãs e Deus saberia por que a condessa Isabella o
aterrorizava.
Conhecia as três irmãs de Hugo; Eliza, a mais velha, tinha um caráter parecido ao de
Isabella, mas era mais altiva. Também gostava das menores, mas tinha falado com elas
muito poucas vezes. Lady Sorcha era divertida, e embora fosse evidente que amava Hugo
com todo seu coração, enfrentava-o como se fosse seu igual em tamanho e temperamento.

209 GRH - Grupo de Romances Históricos


E Hugo, que podia ser tão orgulhoso e teimoso como uma mula, via sua mulher em
alguns momentos como se fosse uma preciosa joia, e em outros com a mesma mescla de
medo, assombro e exasperação que alguém sentiria por uma imprevisível deusa mitológica.
Lady Isobel, a esposa de Michael, era alegre e agradável, mas Rob nunca sabia o que lhe
dizer. E lady Sidony era tão tímida que apenas tinham trocado duas palavras. Mas Adela era
diferente de todas elas.
Ele mesmo se surpreendeu tanto como todos os outros quando lhe propôs casamento.
Mas as palavras surgiram sozinhas. E uma vez pronunciadas, soaram-lhe como o mais
natural do mundo. A cerimônia também tinha sido muito apropriada. Até que a tinha
conhecido a felicidade era algo do que escutava falar com outros, mas que Robert Logan
não conhecia. Nada bastava para explicar o que sentia por ela.
Dormiu com ela nos braços. Apenas um instante depois, a luz cinzenta da alvorada o
despertou. Adela estava enrodilhada a seu lado, com um punho debaixo do queixo e um
doce sorriso nos lábios. Fazia três noites que não a despertava nenhum pesadelo, mas essas
coisas levavam tempo antes de desaparecer por completo. Não importava, ele podia cuidá-
la. E se estivesse segura, recuperaria a paz.
Quando os lábios da jovem se curvaram, Rob se perguntou o que estaria sonhando.
Fosse o que fosse, estava desfrutando, assim que a contemplou em silêncio, primeiro sua
boca carnuda, depois seus ombros de neve insinuando-se na camisola, seus seios movendo-
se ao ritmo da respiração. O sangue de Lestalric começou a ferver e desejou despertar sua
esposa para possuí-la imediatamente. Enquanto o desejo ia tomando forma em sua mente,
ela abriu os olhos e lhe dedicou um sorriso.
—Bom dia — murmurou.
Sem esperar outro convite, respondeu-lhe com um beijo apaixonado, e o assunto
progrediu com rapidez até que ele saciou sua sede. Depois, vestiu-se rapidamente e se
despediu, reiterando sua promessa de vir procurá-la se encontrassem uma abertura perto
de uma cascata. Levou pão ainda quente da cozinha para comer no caminho, pois em Roslin
o receberiam com um abundante almoço.

210 GRH - Grupo de Romances Históricos


Tal como esperava, encontrou-se com Henry e Michael acordados e já sentados à mesa
preparados para começar.
—Quero lhes mostrar algo. —Rob se colocou no meio de ambos —Henry, você tem a
cópia do mapa completo?
—Aqui está.
Quando Henry abriu o mapa, Rob notou que não tinha copiado as três linhas que tinham
chamado a atenção de Adela.
—Olhe isto —assinalou sua cópia —O que acha que poderia ser?
Henry o observou.
—Lembro essas linhas. Pensei que eram um defeito, mas suponho que podem ser algum
tipo de símbolo.
—Adela acha que pode ser uma cascata.
—Está em sua metade —comentou Henry,
—Também trouxe o original — adicionou Rob, se inclinando para tirá-lo da bota. Colocou
o mapa sobre a mesa ao lado da cópia de Henry e observou como os outros dois o
estudavam.
Michael virou a metade de Rob para si, e Henry virou a cópia na mesma direção. Sir
Robert sentiu uma súbita ardência.
—O que acontece, Rob? —perguntou Michael —Descobriu algo?
Ambos o estavam olhando curiosos. Henry parecia divertido.
—Não estou seguro. Mas… Michael posicione essa parte do mapa original de maneira
que fica exatamente entre nós.
—O que vê? —perguntou-lhe Henry, com o cenho franzido.
—A causa do símbolo que assinala o norte em seu mapa, Henry, supusemos que você
tinha a parte superior e eu a inferior.
—É óbvio.
—Mas e se o símbolo do norte não significar nada? E se for a espada a que assinala o
norte?

211 GRH - Grupo de Romances Históricos


Confusos, ambos os guerreiros estudaram o mapa. Foi Michael quem se deu conta
primeiro.
—Então, o mapa está desenhado com o trajeto do rio Esk, e não com o do castelo como
pensamos. Essas cavernas se estendem para o leste do outro lado do rio?
—É possível. Mas recordem a cascata de Adela… aqui — assinalou o lugar —Vejam que a
única linha que chega até ali começa em meu mapa e se estende até essas três raias
onduladas antes de dobrar à direita, para o norte. Não acredito que o corte do mapa
assinale o rio. O rio é a primeira linha, a que pensamos que era o caminho para a espada.
Veem como se curva aqui, ao sul do castelo?
—Por Deus, acredito que tenha razão — exclamou Henry —Por outra parte, presumo
onde pode estar isso. Não é na realidade uma cascata, mas um córrego, mas o escarpado
erodiu e agora há o Little Glen.
—Conheço o lugar —disse Rob —Mas nunca vi uma cascata ali.
—Pode vê-la depois de uma forte nevasca e um rápido degelo — explicou Henry —Mas
agora venham comigo. Vou mostrar a vocês.
—Vem, Michael? —perguntou-lhe Rob.
—Não, tenho coisas que fazer aqui hoje, prometi a minha mulher que passaria um pouco
de tempo com ela. De todos os modos, conheço o lugar. Duvido de que seja o que
procuram, Rob.
—Jamais saberemos se não procurarmos — respondeu Henry.
O coração de Rob pulsava com força. Apesar do pessimismo de Michael, ele estava seguro
de que Henry tinha razão. Por fim, todas as peças do quebra-cabeças pareciam encaixar em
seu lugar.

Durante toda a manhã Adela tinha estado ocupada com suas tarefas. Com Archie como
seu principal assistente, tudo estava funcionando às mil maravilhas. Tayt tinha encontrado
duas mulheres jovens para que a ajudassem e recrutado um exército de peões.
Durante os dois dias anteriores, enquanto Rob e Henry exploravam as cavernas debaixo
do castelo, a servidão tinha limpado os quartos do piso superior e rastelado os velhos

212 GRH - Grupo de Romances Históricos


juncos da grande sala. Agora os estavam repondo. As duas criadas tinham misturado
romeiro e outras ervas aromáticas com os juncos limpos e secos, e dois rapazinhos os
distribuíam com cuidado de parede a parede.
—Não empilhem esses muito alto — advertiu Adela a um que estava rastelando-os para
arrumá-los em seu lugar —Não quero que caia palha pelas escadas.
—Sim, milady.
Archie chegou correndo, com uma expressão de grande preocupação.
—Senhora, uma centena de cavaleiros se dirige para cá!
—Cem homens? E de onde vêm?
—Do norte. Já estão quase aqui.
—Mas quem pode ser? —«O conde de Fife», amaldiçoou para si. Além dos Sinclair, o
conde Douglas ou o próprio rei, nenhum nobre cavalgava com uma escolta tão numerosa
—Ordene que tranquem as portas, Archie — dispôs imediatamente, recordando as
instruções de Rob —Que os guardas lhes digam que sir Robert foi a Roslin e que devem ir
procurá-lo ali.
—Sim, milady — respondeu ele, afastando-se a toda velocidade.
Os trabalhos no salão tinham ficado em suspenso, agora os serventes a estavam olhando
muito nervosos. Então declarou:
—A trabalhar outra vez, todos vocês. Decidi terminar de limpar isto hoje, assim
poderemos continuar com outras tarefas. Deixaremos este lugar como novo. Quando sir
Hugo e sua esposa retornarem, quero que se assombrem com os resultados.
Três deles voltaram a trabalhar outra vez, mas um rapaz hesitou.
—O que acontece? —perguntou-lhe ela.
—E se conseguirem entrar? —balbuciou ele, temeroso.
Lady Lestalric levantou bem alta sua cabeça.
—Então, receberemo-los com cortesia e lhes daremos as boas vindas a Hawthornden em
nome do príncipe Henry, é obvio. Não somos bárbaros.

213 GRH - Grupo de Romances Históricos


Ele assentiu e continuou rastelando. Embora Adela estivesse contente de que suas
palavras lhe tivessem infundido ânimos, na realidade, não tinham conseguido despoja-la de
suas preocupações. Não tinha a menor ideia de onde estavam seu marido e Henry.
Recordando que Rob havia dito que alguém devia conhecer o próprio terreno, desejou
ter tido tempo para percorrer mais atentamente as fortificações. Sem dúvida devia haver
um ponto de onde vigiar com uma boa perspectiva a entrada principal.
Levantou as saias e se dirigiu o mais rápido que pôde para as escadas, mas quando
chegou ali, a porta principal do patamar inferior se abriu e escutou os passos de alguém
que subia correndo.
—Milady —lhe disse o rapaz, ofegando —Lorde Fife não vem cavalgando sob seu próprio
estandarte, mas sim esses demônios vêm sob o estandarte real.
—Não me importa que bandeiras façam ondular —espetou, cortante, Adela —Não os
deixem entrar.
—Mas, milady — hesitou o rapaz a beira das lágrimas —desafiar uma ordem real é
traição.
—Certamente Sua Majestade não cavalgou desde Edimburgo até aqui —atravessou
Adela —Não estão sob as ordens do rei a menos que ele esteja com eles.
—Acha que Archie deve dizer isso ao conde de Fife, milady? O conde considera que ele
representa ao rei. Não vacilaria em acusar ao príncipe Henry, a todos seus chefes e a cada
homem que o obedeça. Archie diz…
—Lhe diga que deixe entrar apenas o conde se insistir — o interrompeu Adela,
impaciente.
Evidentemente, tinham subestimado Fife e ela já não podia fazer nada mais. Inclusive se
as portas de Hawthornden fossem o bastante fortes para resistir a uma tentativa de
derrubá-las, não se atrevia a arriscar-se que Henry ou Rob fossem acusados de traição.
Evitaria a Fife o deleite de fazer enforcar Rob, embora lhe faltasse a coragem para animar-
se a pendurar Henry.
—Não é necessário que deixemos entrar a todos — adicionou —Se o conde insiste em
comprovar por si mesmo que sir Robert não está aqui, pode fazê-lo, mas o façam saber que

214 GRH - Grupo de Romances Históricos


sua esposa está aqui só e que preferiria que a maior parte de seus homens permanecesse
fora das muralhas.
—Céus, senhora — disse o rapaz, abrindo os olhos bem grandes —Acha que
deveríamos…?
—Vá! —ordenou ela, assinalando as escadas —E rápido!
Já era tarde. Adela escutou os sons de cavaleiros que se aproximavam: cascos, vozes de
homens e o entrechocar dos arreios. Agora não poderia deter Fife. Cem cavaleiros não
entravam no pátio, mas podiam evitar que se voltassem a fechar as portas.
—Todos vocês, deixem a sala imediatamente — ela ordenou —Se conhecerem algum
caminho para abandonar o castelo sem serem vistos, façam já.
Provavelmente ninguém conhecia a porta falsa, pois ninguém se moveu.
—Subam —disse, então —Eu falarei com ele quando chegar.
—Milady, não deve fazê-lo — murmurou um servente —O conde de Fife é um homem
extremamente malvado.
—Não discutam comigo. Só subam.
Ao ouvir um ruído de botas nos degraus de pedra, jogou para trás os ombros, respirou
fundo para acalmar seus nervos e se preparou para agir como anfitriã.
A primeira pessoa que apareceu no alto das escadas foi o próprio Fife, com a mão sobre
o punho de sua espada e a arma desembainhada pela metade.
—Por favor, milord, não necessita de suas armas aqui — comentou ela, lhe fazendo uma
reverência —Lhe informou nossa gente que Lestalric está em Roslin hoje?
Seu olhar varreu a sala antes de entrecerrar os olhos e fixá-los nela com lentidão, e
apenas uma cortês inclinação de cabeça, perguntou-lhe:
—Então está sozinha, milady?
A onda de medo que sentiu lhe recordou seu cativeiro. Estar tão perto de Fife era como
estar frente ao próprio demônio.
—Lady Adela?
Afastando seu olhar do conde, viu que não tinha vindo só.

215 GRH - Grupo de Romances Históricos


O Chevalier De Gredin, com seu encantador sorriso e sem nenhum rastro de feridas,
cruzou a soleira da sala.

216 GRH - Grupo de Romances Históricos


Capítulo 18

Rob olhava com ceticismo a escarpada pendente norte, na borda ocidental da garganta
do rio North Esk. Do topo de Glen caía a suposta cascata de Adela.
—Mas ainda estamos na primavera, Henry —protestou Rob —Não vejo como este
pequeno córrego…
—Zombe o quanto queira. Vi-o derramando-se em toda sua exuberância. E, o que é mais
importante: nunca seca, como a maioria dos arroios dos arredores. E olhe também esses
grandes blocos de rocha mais à frente… Se eu quisesse ocultar a entrada a uma caverna…
Os três blocos de rocha estavam em posição vertical. A distância pareciam estar em um
precário equilíbrio. Mas mais de perto, os via sólidos e irremovíveis.
Tinham deixado os cavalos em uma estreita praia de pescadores que corria ao longo da
borda oeste do rio e entraram no Glen, seguindo o quase imperceptível fio de água e o
passo firme de Henry que conhecia bem a zona. A densa folhagem quase não lhes permitia
avançar, o aroma do bosque era delicioso. O lado ocidental do desfiladeiro também tinha
um pendente impressionante.
Enquanto Rob contemplava com o cenho franzido os três blocos de pedra, Henry
começou a rir.
—Diabos, o que esperava que caíssem tão logo os tocasse? Faz quarenta ou quarenta e
cinco anos, seu avô e seus amigos andavam por aqui acossando os invasores ingleses. Tudo
que pudesse mover-se com facilidade já estaria no chão, e o esconderijo, à vista de
qualquer um.
—Tem razão — aceitou Rob, ainda contemplando as rochas, perdido em uma profunda
reflexão.

217 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Muito bem, milord —anunciou Henry de repente —Chegou o momento de me
esclarecer que demônios estamos procurando. A menos que planeje te desfazer de mim se
encontrarmos uma entrada.
Rob tinha temido esse momento. De todos os modos, disse Henry o mesmo que tinha
contado a Adela. E Henry foi tão rápido como ela para seguir o fio de seus pensamentos.
—Por todos os diabos! —exclamou —Não pensará que a pedra esteve escondida aqui
desde que Eduardo invadiu a Escócia!
—Não, mas penso que a podem ter trazido aqui mais tarde —lhe respondeu Rob —Talvez
durante a invasão de 1335, quando perceberam que o neto de Eduardo queria conquistar a
Escócia outra vez e encontrar a verdadeira.
—Então pensa que Eduardo sabia que tinha a pedra errada.
—Por que, então, retornaram e arrasaram a abadia de Scone? Sem dúvida, temeram mais
depredações quando chegou Eduardo III.
—Não era uma tolice deixar a pedra em seu caminho?
—Não estava em seu caminho neste desfiladeiro —opinou Rob —O caminho a Edimburgo
das terras fronteiriças passa muito mais para o este, por Selkirk.
—Mas trazê-la ao sul de Firth me parece uma tolice.
—Sem conhecer as circunstâncias precisas, como pode dizer que foi uma tolice?
Enquanto continuavam com o amável debate, Rob começou a estudar com atenção as
bordas dos três blocos de pedra, tirando o pó da rocha do meio que parecia sustentar às
outras duas. As fendas estavam tampadas com terra, e inclusive tinham enraizado ali
algumas plantas.
—Irei buscar as pás.
—Acompanhá-lo-ei, temos que trazer também cordas e tochas — adicionou Henry.
Em silêncio, Rob seguiu Henry pelo estreito leito do arroio. Ambos os homens levavam
adagas e espadas.
Ao retornar, Rob exclamou:
—Olhe, Henry, parece-me que isto deve ser uma espécie de alavanca.

218 GRH - Grupo de Romances Históricos


Fazendo um esforço por mostrar-se impassível ante o olhar calculador de Fife, Adela disse
a De Gredin, surpreendida:
—Mas acabamos de ouvir que tinha sido gravemente ferido, sir!
—A verdade, milady, é que pensei que ia direto aos braços do Senhor.
—Teve a sorte de recuperar-se muito rápido— adicionou Fife terminando a conversa —
Onde está Lestalric?
—Sem dúvida, meus guardas os informaram que está em Roslin, milord.
—Mencionaram algo. Espero que não planeje evitar seus compromissos: tem que dar
conta de seu crime.
—Que crime? —perguntou consternada.
—Céus, milady, sabe bem que Lestalric atacou De Gredin, certamente ciumento dos
cuidados que lhe prodigalizava o Chevalier, e de sua evidente paquera com ele. Temo que
descobrirá que mulheres de sua índole não são bem recebidas na Corte.
—«Mulheres de minha índole»? —Percebendo o gélido tom de voz, suavizou a expressão.
Tinha que andar com cuidado. Apalpou sua nova adaga e replicou, tentando manter a
calma —Não entendo o que quer dizer com essas palavras, sir.
—Não sabe? —zombou —Como é, então, que veio viver aqui com Lestalric? Ou acaso há
alguma outra dama que viva aqui com vocês dois?
Apesar do pânico que sentia, lhe ocorreu que em vez de dizer que ela e Rob estavam
casados, seria mais ardiloso fingir um inocente assombro, em especial ante a presença de
De Gredin, que ainda podia servir a seus propósitos se não se inteirasse de que suas
esperanças eram vãs.
Então, abriu muito os olhos e disse:
—Não há nenhuma outra mulher aqui exceto um par de faxineiras, milord. Acha que
deveria ter uma acompanhante enquanto estou em sua presença?
Escutou um som abafado e suspeitou que tinha despertado o senso de humor de De
Gredin, embora esperasse que o conde não o percebesse. Duvidava que Fife tivesse senso
de humor.
—Não seja impertinente, moça. Quando espera que retorne Lestalric?

219 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Meu Deus! Não me corresponde esperá-lo, sir. Retornará quando ele quiser e não
antes. Pode aparecer a qualquer momento, mas se tiverem urgência de vê-lo, o
encontrarão no caminho de Roslin.
—Sem dúvida o veremos logo —resmungou Fife —Enquanto isso devo lhe pedir que
retorne conosco à cidade.
Adela sentiu um calafrio em sua coluna, mas o ignorou para manter-se indiferente.
—Eu… não entendo, sir. Por que devo retornar com você? Como pode ocorrer algo
semelhante a um cavaleiro?
—Esqueceu muito rápido as acusações que recaem sobre você. Deveria recorda-las, em
especial porque seu querido Lestalric sugeriu que até chegaria a casar-se com você por esse
motivo. Como se o casamento pudesse salvá-la… — adicionou insidioso —Além do mais não
precisa sacrificar-se para desfrutar de seus evidentes encantos.
—Não entendo o que está dizendo — respondeu Adela, ardendo de fúria ante o insulto.
—O que é o que não entende? —perguntou-lhe, com outra risadinha zombadora.
Com calma e cortesia, ela disse:
—Não entendo como pode pensar que sir Robert e eu não nos casamos.
Pela primeira vez desde sua chegada, ele hesitou. Depois entrecerrou os olhos e sibilou:
—Não tente me confundir, moça. Lestalric nunca seria tão parvo para casar-se com uma
mulher que está a ponto de ser pendurada por assassinato.
Um grito furioso surgiu em seu interior, mas o sufocou com energia e lhe respondeu:
—Outra vez está me confundindo com outra classe de dama, sir. Eu não matei ninguém.
—Vai negar que lorde Ardelve morreu envenenado?
—Não sei se o envenenaram ou não —respondeu ela, com total sinceridade —Desmaiou
sobre a condessa Isabella depois de tomar um pouco de vinho. Tanto ele como eu
estivemos sempre à vista de todos os convidados desde o momento em que entramos na
sala. Nem sequer lhe servi o vinho. Fizeram-no os criados.
—E o que aconteceu enquanto estiveram sozinhos no quarto?
—Que insolência, milord —o repreendeu simulando envergonhar-se —Acaso postou
espiões para que me vigiassem no dia de minhas bodas?

220 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Não me desafie. Eu não postei espiões, mas soube que foi ao quarto com ele e que
ficaram ali um tempo.
—Temo que seus informantes eram pessoas com uma mente perversa.
—De todos os modos, virá conosco para ser interrogada. Lestalric pode nos seguir se
quiser e responder ante a justiça do rei.
—Por todos os céus, se acha que não estamos casados, o que o faz pensar que vai nos
seguir?
—Não me importa se o faz ou não. Posso fazê-lo ser enforcado e que perca seu suposto
direito a baronia de Lestalric sem ter que provar que é seu cúmplice no assassinato de
Ardelve ou que tentou matar De Gredin. O fato é que penso lhe interrogar, lady Adela,
muito detalhadamente, em relação a vários temas. Ardelve é o menos importante de todos
eles. E a esse fim, por ordem do rei, está presa.
Sentiu outro calafrio, não se atrevia nem sequer a imaginar que métodos empregaria
para interrogar detalhadamente a uma mulher. Jogando para trás os ombros e tentando
sentir-se um pouco mais segura graças à adaga em sua perna, replicou:
—Se age por ordem do rei, obedecer-lhe-ei. Me permita antes ir pegar minha capa.
Satisfeita ao sentir o calor em suas bochechas e saber que se ruborizou, fez uma pausa.
Fife franziu o cenho, mas quando De Gredin disse, com um toque de impaciência:
—Mon Dieu, milord, se desejar que eu a acompanhe…
Fife sacudiu a cabeça.
—Tenho centenas de homens nas portas, moça, não tem como escapar.
—Muito obrigada, milord. Aprecio seu cavalheirismo —agradeceu timidamente.
Ele assentiu com um gesto principesco e se afastou para deixá-la subir as escadas.
Depois que deu a volta à primeira curva, levantou as saias e correu para o piso superior o
mais rápido que pôde até as estreitas escadas de serviço no extremo noroeste. Dali, desceu
a toda velocidade até o nível inferior.
Correu para a porta secreta e a abriu. Ignorando a sensação de enjoo que lhe produzia
olhar para fora, lutou para desprender o pesado cilindro de corda da parede e, movendo-se
com cuidado, arrastou-o pelo chão ao outro lado da porta.

221 GRH - Grupo de Romances Históricos


Ficou outra vez de pé, apoiou-se no marco da porta e comprovou que a corda chegava
até o rio. Como a água fluía com rapidez, a ponta da corda se movia com a corrente. Se
caísse, a água a arrastaria para o fundo. Voltou a se sentir enjoada e teve que se sustentar
no marco da porta. Fechou os olhos, respirou fundo e deu um passo para trás para
recuperar o equilíbrio.
Segurou a corda com a mão direita e tentou imaginar que ia navegar… ou melhor,
deslizar até o rio. Sem dúvida, a água ainda devia estar tão gelada como no inverno.
Não importava com quanta veemência dissesse a si mesma que sabia nadar, ou que
podia conseguir, a corda era áspera e difícil de segurar. Nunca tinha nadado vestida,
tampouco teria força suficiente para alcançar a borda. Afogar-se-ia, mas tinha que tentar.

Os dois homens trabalharam duro para limpar os três grandes blocos de rocha da terra e
das plantas que se acumularam sobre eles. Por último, Rob afundou a pá na terra no bloco
principal, para calcular quanto mais iam ter que cavar. Para sua surpresa, a base apareceu a
poucos centímetros da superfície.
—Por Deus! —disse Henry, ajoelhando-se para observá-lo mais de perto —Parece um
trabalho de ourivesaria.
Rob assentiu.
—Acredito que encontramos o que procurávamos.
—Antes de proclamar nosso triunfo, devemos ver se podemos mover esse bloco.
—Prometi a Adela que a buscaria se encontrássemos uma entrada perto da cascata.
—Insisto em seguir trabalhando até que saibamos com certeza que encontramos uma
entrada —sugeriu Henry —Recorda que devo tomar meu navio amanhã. Maldita seja se
vou me inteirar do que está escondido aqui, pelo menos, vejamos se podemos mover esta
rocha antes de ir procurar a sua mulher.
—Muito bem —aceitou Rob —Em todo caso, com a corrente tão forte, teremos que ir
até a ponte para cruzar o rio. Uma pena, porque só nos levaria uns minutos se pudéssemos
cruzá-lo com os cavalos.

222 GRH - Grupo de Romances Históricos


Henry levantou a pá e ambos tiraram o resto da terra da base do bloco. Estudaram a
alavanca que Rob tinha descoberto. Quando puxou com força, percebeu que o esforço fazia
que doesse outra vez seu ombro esquerdo.
—Talvez tenha uma trava escondida como as da caverna —assinalou Henry.
Rob estava já medindo com a ponta de seus dedos. Na parte inferior, havia ainda um
pouco de pó.
—Posso sentir uma cunha de pedra aqui, como o entalhe de madeira de Lestalric.
Tirando a adaga de sua bainha, raspou a terra ainda aderida a borda do bloco até que
limpou a cunha e pôde tira-la. Levantou-se, agarrou o extremo da pedra outra vez e puxou.
Henry se aproximou para ajudá-lo e exclamou:
—Está se movendo!
—Espere! —exclamou Rob —Vem alguém!
A toda pressa, voltaram a correr o bloco de rocha e começaram a lhe jogar terra em cima.
Detiveram-se quando escutaram a voz do Michael, chamando Rob.
—Aqui estou! —gritou sir Robert, tentando fazer-se ouvir por sobre o ruído do rio —Há
algum problema?
—Fife — respondeu Michael, laconicamente —Meus homens acabam de informar que
está em Hawthornden agora, com uma escolta de pelo menos cem soldados.
—Ordenei que os enviassem a Roslin se ele viesse — explicou Rob.
—Pois teve tempo de sobra para fazê-lo.
—Céus, meus homens deveriam ter cavalgado mais rápido para me avisar se Fife e sua
escolta se dirigiam para o sul de Edimburgo —resmungou Henry, zangado.
—Não os culpe até que saibamos primeiro se não se dirigiam para outra parte —opinou
Michael —Fife é muito ardiloso. Teria percebido logo se seus homens o seguissem.
—Devemos ir imediatamente. Adela está em Hawthornden, e se Fife não for a Roslin, ela
corre um grave perigo — rrespondeu Rob, preocupado.
—Vamos —dispôs Michael —Ordenei a nossos homens que se reunissem em Roslin.
Estarão preparados quando retornar.
—Quantos? —perguntou-lhe Henry, secamente.

223 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Há quase oitenta no castelo —calculou Michael —E mandei buscar reforços.
—Mostramos a Adela a porta secreta —recordou Lestalric com um calafrio.
—Nenhuma moça seria capaz de tentar escapar por essa via — opinou Henry —Céus, não
poderá escapar das garras de Fife se ele conseguir entrar no castelo.
—Uma moça Macleod é capaz de fazer ambas as coisas —disse Michael, deixando ouvir
a voz da experiência.
—Adela pode tentar, mas a corda é muito grosa e áspera. Suas pequenas mãos jamais
poderão agarrá-la com a força suficiente. Além disso, não sei se sabe nadar.
—Pode pensar que não tem outra opção —atravessou Michael.
—Henry, venha comigo —pediu Rob quando chegaram ao lugar onde estavam os cavalos
—Michael reúna seus homens e vá a Hawthornden o mais rápido que possa. Distraiam Fife
se ele estiver ainda com ela no interior do castelo quando vocês chegarem.
—E o que vão fazer você e Henry?
—Vamos procurar a minha esposa, se por acaso caiu ano rio — respondeu Rob, enquanto
lhe oprimia o coração ante a possibilidade —Não esqueça de trazer as cordas, Henry —
adicionou, quando o viu esconder as pás, as tochas e a lona debaixo de um arbusto —
Podemos precisar delas.
Não tinham se afastado muito quando o príncipe perguntou:
—Como demônios vamos cruzar o rio, subir o escarpado e chegar a tempo para ajudar
Michael?
—Demônios. Não tenho a menor ideia, mas Adela não poderá manter-se agarrada a
corda em meio da corrente. E não pode sair pela ribeira leste do rio pelos escarpados.
Nossa única esperança é que a água a leve para a ribeira ocidental… com vida. Não há
tempo a perder.

Adela voltou a dar um passo fora da porta secreta, com a esperança de que sua decisão
se fortalecesse.
Enquanto lutava contra a vertigem que lhe produzia olhar para o fundo do abismo,
escutou passos na escada. Finalmente se arrependeu e correu pelo escuro passadiço até a

224 GRH - Grupo de Romances Históricos


entrada oculta das cavernas que havia embaixo. A ideia de estar sozinha nessa fria e úmida
escuridão também lhe resultava aterradora, mas muito menos que enfrentar Fife.
Mas não pôde abrir a porta. Apesar da insistência de Rob para que conhecesse
Hawthornden por sua própria segurança, não lhe tinha revelado seu segredo. Com um
soluço mais de fúria que de medo, se acocorou em um rincão escuro e esperou.
Minutos mais tarde, escutou a voz de De Gredin:
—Sacrebleu! Escapou!
Adela fechou os olhos e começou a rezar.
—Não seja idiota — espetou Fife com frieza —Nenhuma moça desceria por essa corda,
por certo, e menos ainda com a roupa que ela usava. Em todo caso, convém-lhe que não o
tenha feito, porque se o rio a levou terá que informar a seus chefes de que falhou. Pense no
que dirão quando lhes contar que embora tenha encontrado à mulher que seu primo
sequestrou e com quem sem dúvida compartilhou seus segredos, não foi capaz de leva-la
ou de obter informação dela.
Adela abriu os olhos e escutou com atenção, sem atrever sequer a respirar. Consciente
da bainha da adaga contra sua coxa apertou a mão sobre suas saias, perguntando-se se
seria capaz de usá-la.
—Não era eu o que estava impaciente, milord —se queixou De Gredin —Se você não
tivesse interferido desafiando Lestalric como fez…
—Feche a boca! —grunhiu Fife —Só o que nos diz esta porta aberta é que a moça esteve
aqui. Antes de pôr nossos homens a revistar todo o castelo, nos asseguremos primeiro de
que não está por perto ainda. Não toque nessa porta — advertiu um instante depois —
Quero saber onde está o tesouro inclusive mais que você mesmo. Aposto que essa porta
aberta pode incentivar à moça a nos dizer o que sabe.
Adela deduziu imediatamente o que ele queria dizer. Teve que lutar contra outro ataque
de vertigem e apertar-se contra a parede, esperando tornar-se invisível. O esforço resultou
inútil. Escutou-os aproximarem-se, deterem-se junto ao fosso, e depois ouviu um grunhido
de prazer de Fife, suave como a seda. Tentando mostrar-se o mais digna possível, ficou de
pé e sacudiu as saias.

225 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Ah, merci au bon Dieu — sorriu De Gredin atrás de Fife —Temíamos que tivesse se
afogado, madame.
—Como veem, ainda estou viva — disse Adela. E dirigindo-se ao conde, adicionou —
Suponho que não acreditarão que vim aqui procurar minha capa.
—Muito engraçada, milady — fez uma careta —Logo perderá seu senso de humor,
quando a levarmos para interroga-la. Agora… —observou a seu redor —Pergunto para que
serve este lugar.
Adela deu de ombros:
—Faz apenas umas poucas noites que cheguei, não sei. Mas suspeito que se guardam
provisões quando o castelo está normalmente habitado.
—Entretanto, conhecia a porta secreta.
—Estive me ocupando da limpeza do castelo —explicou —O primeiro que fiz foi revistar
todos os aposentos para avaliar a envergadura de minha tarefa.
—Venha comigo agora — ele ordenou, ficando um pouco atrás para deixá-la passar
primeiro —Temos que conversar — puxou-a pelo braço com violência.
A jovem suspirou.
—Teme que volte a escapar, milord?
—Deveria ter me escutado quando a adverti que não me fizesse esperar. Mas antes que
a enforque, responderá a algumas perguntas, não só a respeito de Ardelve, mas também
sobre o que passou quando esteve sequestrada.
—Pode me perguntar tudo o que quiser sir, mas não posso lhe dizer nada que já não
saiba. Waldron de Edgelaw era um homem malvado. Não confiava em mim.
—O mais provável é que esteja dizendo a verdade, milord —afirmou De Gredin —
Waldron não era o tipo de homem capaz de compartilhar um segredo, e muito menos com
uma mulher.
—Entretanto, ela quis nos fazer acreditar que ele não a tinha violado —assinalou Fife.
Adela disse com muita serenidade:

226 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Ele não acreditava que se devia violar às mulheres. Dizia que Deus proibia. Disseram-
me que você também é um homem religioso, milord — recordou o que lhe tinha
comentado o abade.
—Que mais lhe disse Waldron? —perguntou ignorando o último comentário —Não lhe
contou que estava procurando algo que tinha sido roubado faz muito tempo da Igreja e do
Papa? Adela lhe sustentou o olhar.
—Se procurava algo pelo estilo, sir, não o encontrou enquanto eu estive ali.
—Que pena —atravessou Fife —Mas vamos ver se está dizendo a verdade.
Apertando seu braço com mais força, empurrou-a para a porta aberta.
—Milord —protestou De Gredin —Não pode realmente pensar em…
—Silêncio! —ordenou-lhe Fife —Não entendo como seus chefes pensaram que podia ser
de alguma utilidade, pusilânime como é. Vou mostrar como se obtém informação de
alguém relutante a proporcioná-la.
Deixando de lado sua dignidade, Adela resistiu com todas suas forças. Mas Fife
continuou empurrando-a inexoravelmente para a pavorosa queda até o rio.
Embora não pensasse em lhe dar o gosto de ouvi-la gritar, tentou cravar seus
calcanhares e resistir, enquanto ele a levantava e seguia empurrando.
—Bom, me diga agora — a ameaçou em um tom sepulcral —Olhe e me diga se pensa
que vale a pena seguir ocultando o que sabe de Waldron.
—Já lhe disse — afirmou ela, apertando os dentes —Não me contou nada. Por que iria
compartilhar seus segredos com uma cativa?
—Milord, por favor —interveio De Gredin —Não há nenhum motivo para que não
acreditemos nela. Ela era sua prisioneira, depois de tudo. Que sentido tinha que lhe
confiasse seus segredos? —repetiu.
—Ordenei-lhe que mantivesse a boca fechada — o interrompeu Fife —Você acreditaria
em tudo que ela dissesse. Ela esteve com ele noite e dia durante uma quinzena. Como é
possível que não se inteirou de nada? Até mesmo o mínimo indício poderia nos ser útil.
Assim, moça, comece pelo princípio e fale até que nos tenha dito tudo, ou…
Com um movimento brusco, empurrou-a até a borda do abismo.

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Capítulo 19

Da margem do outro lado do castelo, Rob e Henry tinham visto a corda pendurada, a
porta aberta e o Chevalier De Gredin olhando para baixo. Aterrorizado ante a possibilidade
de que Adela tivesse tentado fugir usando a corda, Rob gritou frenético.
—Não posso perdê-la, Henry!
—Repito que sua esposa não pode ter descido por essa corda. Pense! Parece que não a
conhece…
—A conheço como conheço a mim mesmo — o interrompeu Rob —Soube desde a
primeira vez que estive com ela. —O eco de suas palavras seguia rondando na cabeça de
Rob, e começou a tranquilizar-se —Tem razão. Estive comparando-a com Isobel e com
Sorcha, pensando que agiria de um modo tão impulsivo como suas irmãs. Mas ela é
diferente. Pensa antes de agir. Devo cruzar o rio, Henry. Traga-me as cordas, por favor.
Tinham que caminhar rio acima um breve trecho e, enquanto atavam as cordas entre si e
atavam um extremo ao tronco de uma forte árvore, Henry comentou cético:
—Vai ter que nadar com muita energia. Não se esqueça de seu ombro. Poderá fazê-lo?
—Tenho que fazê-lo - respondeu Rob, ajustando a espada em sua bainha de maneira que
o punho impedisse, no possível, que entrasse a água —Céus, quase me esqueci —
adicionou, tirando a bota para extrair sua metade do mapa —Guarde isto. E pelo amor de
Deus, que não deixe que lhe apanhem com o mapa.
Jogou ambas as botas a um lado junto com seu casaco de couro. Fez um laço e deslizou a
corda sobre seus ombros. Henry sustentava o cilindro de corda para ir soltando-a à medida
que ele entrasse no rio. Rob mergulhou e começou a dar braçadas com todas suas forças
para a borda oposta. A água estava tão gelada que parecia que havia adagas cravando-se
em seus pulmões, mas ao final, insensibilizou seu ombro de maneira que deixou de doer.
Teve a porta ante seus olhos justo no momento em que o conde de Fife estava a ponto
de jogar Adela no abismo.
228 GRH - Grupo de Romances Históricos
Gritando ao mesmo tempo em que Fife tentava lançá-la no rio, Adela se aferrou a seu
pescoço com a ideia de arrastá-lo com ela. Mas ele não a empurrou.
De Gredin tinha segurado o conde e tentava afastá-lo da abertura.
—Milord, não seja insensato! Se a matar, não nos inteiraremos de nada.
—Me solte de uma vez — gritou Fife.
—Não, milord — se negou o Chevalier —Passei muito tempo na França. Ali não se
ameaça às mulheres.
—Então retorne a França. Não me serve para nada, bem sabe Deus.
Fife começou a lutar com De Gredin, mas Adela já estava farta: agarrou os cabelos
escuros do conde, que lhe chegavam até o ombro, envolvendo-os em seu punho e puxando
com todas as suas forças.
—Me solte sir, imediatamente!
—Maldição! —uivou ele.
Adela levantou um joelho com toda sua energia. Percebendo sua intenção, ele desviou o
alvo o bastante para evitar nefastas consequências para sua virilidade, mas de todas as
maneiras grunhiu e afrouxou sua mão. Depois a golpeou no rosto com a mão livre e a fez
cambalear perto da porta aberta.
Aterrorizada, pensando que seu próprio impulso a faria precipitar-se, fez um giro
desesperado e caiu no chão.
Fife arremeteu contra ela, mas outra vez De Gredin atuou em sua defesa, retendo o
conde pelo braço.
Enquanto Fife atacava o homem, Adela viu que a corda na abertura estava agora tensa.
Sem pensar em sua própria segurança, levantou-se e se aproximou dos dois homens que
estavam lutando.
Outro golpe de Fife a derrubou, mas agora ela rolou para cair o mais longe possível da
abertura, perto da entrada do passadiço que dava ao fosso. Então, levantou as saias e
extraiu a adaga. Ergueu-se, tomou fôlego para recuperar-se e escondeu a arma em uma
dobra de sua saia.

229 GRH - Grupo de Romances Históricos


Com um forte golpe, Fife jogou De Gredin perto das escadas. O Chevalier ficou imóvel
sobre o piso de pedra.
—Meu Deus! O matou?
—E a quem importa? —grunhiu o conde, limpando as mãos nas calças —Agora tem outras
coisas do que se preocupar, minha mocinha.
—Eu não sou sua mocinha, sir — replicou ela com muita dignidade, sem olhar a corda que
seguia repuxada e retorcendo-se, enquanto se afastava uns passos dele.
—Fique onde está — ordenou ele —Sabe que não tem escapatória. Resististe a uma
detenção legal, o que já é um crime que se castiga com a forca.
—Realmente? —deu um passo mais para trás.
Ele voltou a reparar no corpo inerte de De Gredin, e depois disse:
—Quero pensar que está disposta a moderar seu gênio, moça. Apostaria que Waldron lhe
ensinou umas quantas maneiras. Se não, sem dúvida Lestalric ensinou outras. Mas se
ambos fracassaram, eu vou ensina-las quando me houver dito tudo o que quero saber
sobre o tesouro e…
—Tesouro! Que tesouro?
Obcecado, Fife continuou com suas ameaças:
—Também vai me dizer se Lestalric está escondendo o mesmo que Waldron procurava
ou algo ainda mais valioso.
—Está desvairando. O que pode valer mais que um tesouro?
—Talvez algo que me permita obter a coroa da Escócia se o encontrar.
A jovem continuava lhe sustentando o olhar, decidida a reter sua atenção.
—Como pode haver algo que lhe permita acessar ao trono?
—Estamos perdendo tempo — cuspiu e se aproximou dela.
Sustentando a adaga, ela deu outro passo mais para trás. Já o tinha detido antes. Talvez
esta vez pudesse fazê-lo de uma maneira definitiva.
Rob ouviu as palavras de Fife e captou a situação imediatamente. Se o conde se virasse
ou Adela o visse, era seu fim. Mas se esse maldito continuasse concentrado em Adela, e De
Gredin ficasse onde estava ele podia interferir antes que fosse muito tarde.

230 GRH - Grupo de Romances Históricos


Congelado até os ossos, seus músculos resistiam a obedecer as ordens de seu cérebro.
Por sorte o ombro quase não o incomodava. Lestalric não sentiu dor ao subir pela corda.
Só pensava em chegar até Adela e teria subido por essa maldita corda embora tivesse um
só braço. Outorgou algum mérito à beberagem de casca de salgueiro da condessa e a seu
bálsamo, mas além de tudo deu graças ao destino.
Adela buscou na dobra de sua saia. Adivinhando imediatamente o que se propunha, Rob
se assustou mais ainda. Se sua esposa ousasse atacar Fife com essa pequena adaga, o
conde a arrebataria em seguida e a usaria contra ela.
Se isso acontecesse, Rob se culparia pelo resto de sua vida. No entanto Fife a espreitava
como um animal a sua presa, Adela apertou o punho de couro de sua adaga com mais força
e começou a retroceder passo a passo.
—Me dê a arma, mocinha - sibilou, desfrutando da caçada.
—Prefiro ficar com ela - replicou atemorizada.
—OH, vamos, vamos, dê-me isso e lhe ensinarei a obedecer minhas ordens.
—Se quer usar uma adaga, Fife, use a sua… comigo.
O conde deu a volta, e Adela suspirou aliviada ao reconhecer a voz de Rob.
Não obstante, o medo a embargou de novo. Uma coisa era ter tido a vaga intenção de
apunhalar a um filho do rei e outra era que seu marido em efeito o fizesse. Sem dúvida, Rob
ansiava cortar o conde em pedacinhos… o mais breve possível.
Fife desembainhou sua espada e se adiantou para enfrentar Lestalric. Os dois homens
usavam ambas as mãos para sustentar suas armas com força. O lugar era o bastante amplo
para permitir brigar, mas não lhes deixava muito espaço para manobrar.
Além disso a porta, com sua abismal queda para o rio, seguia aberta. Fife arremeteu, Rob
desviou sua espada, e o impulso de seus ataques fez que ambos os homens se cruzassem.
Adela notou que seu marido estava descalço e que vestia só sua camisa.
Agora Rob tinha ficado de frente à porta; Fife, de frente a Adela.
Com um rápido movimento, a jovem levantou as saias e guardou a adaga em sua bainha.
Quando Fife abriu muito os olhos, Rob arremeteu. O conde pareceu vacilar. Mas no último

231 GRH - Grupo de Romances Históricos


minuto, afastou-se, levantou bem alta sua espada e a baixou quando a investida de Rob o
impulsionava para a diante. Adela afogou um grito.
Rob saltou de lado, mas a pesada lamina errou por milímetros. Com um grunhido, seu
competidor voltou a precipitar-se para frente, e outra vez se inverteram as posições. Tendo
Rob frente a ela, e temendo que matasse o príncipe Stuart, Adela se internou no passadiço,
procurando algo para distrair Fife ou fazê-lo tropeçar.
Mediu o muro junto ao poço, ao som das espadas. Então viu que De Gredin começava a
reagir.
Nenhum dos outros dois pareceu percebê-lo.
—Me ajude -murmurou —Vou trespassar com minha adaga a essa lagartixa escorregadia.
De Gredin a olhou com evidente alívio.
Os espadachins eram parecidos, o qual não era muito tranquilizador. Um passo em falso
e qualquer dos dois perderia a vida.
Já de pé, De Gredin se adiantou ameaçador, com ambas as mãos estendidas, e golpeou
Fife nas costas. Ao perder o equilíbrio, o conde cambaleou diretamente em direção à
abertura.
Quando Adela gritou, Rob saltou para empurrar o conde com todas suas forças. A cabeça
do conde bateu contra a argola de ferro. Deixou cair a espada, e sem emitir som algum,
desabou.
—Está morto? —perguntou Adela, adiantando-se para verificar.
—Não, simplesmente deu um bom golpe -esclareceu Rob. Levantou a espada de Fife e a
jogou pela abertura. Depois adicionou, olhando a De Gredin —É melhor que desapareça
antes que desperte.
—De acordo, sir, mas não acredito que obtenha nada. Tem muitos homens lá fora, e
todos me reconheceriam.
—Então volte a se atirar no chão — sugeriu Adela —Não acredito que o tenha visto se
levantar.
De Gredin sacudiu sua cabeça.

232 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Comportei-me como um canalha com você, milady. Não piorarei as coisas deixando
que um príncipe tão poderoso ache que foi você quem tentou empurrá-lo ao outro mundo.
Adela o contemplou com pena. Estava agradecida de que agora quisesse retificar as
coisas apesar de tudo o que tinha feito antes para prejudicá-la, mas tinha medo das
consequências de sua atitude.
Para sua surpresa, Rob disse em um tom cortante:
—Muito nobre, Chevalier, mas duvido que sua confissão nos beneficie mais que se
permanecer inconsciente. Nós saberemos dar a seu desmaio um giro a nosso favor. Mas
primeiro me diga se teve alguma participação na morte de Ardelve ou na de meu irmão e
de meu pai.
—Absolutamente —afirmou —Ardelve não morreu por causas naturais, assim como seus
parentes. Fife tinha muito interesse em você, milady, porque eu lhe falei dos objetivos de
Waldron. Ele pensou que ao menos nos contaria onde e como morreu Waldron.
—Então, não fizeram nenhum tipo de mal a Ardelve? —o tom de Rob seguia sendo
cético.
—Nenhum, mas muitos convidados trouxeram seus serventes, uma horda de jovenzinhos
que não pararam de dar voltas ao redor da mesa principal. Também posso dizer milord —
hesitou uns instantes —que Fife estava decidido a pôr suas mãos sobre lady Adela antes
que Ardelve a levasse a sua casa. Fife não podia ir procura-la ali sem ter problemas com o
senhor das Ilhas. —Fez uma pausa, e depois disse arrependido —Eu lhe contei do quarto,
milady, mas nunca sugeri o veneno. Lorde Fife o fez e me pediu que atestasse em caso de
que fosse necessário. Ele também começou depois a difundir falsos rumores. Exagerei o
tempo que você e Ardelve estiveram no quarto em uma lamentável tentativa de me
congraçar com o conde. Os mesmos homens que treinaram Waldron e o enviaram para
procurar o tesouro roubado à Igreja também me enviaram para tentar averiguar o que é
que ele tinha descoberto. Mas careço do treinamento de Waldron e de sua capacidade de
concentrar-se em um único propósito. Depois, também, devo admitir que a admiro, milady.
Não só é bela e bondosa, mas também…

233 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Basta —grunhiu Rob, com os olhos cintilantes —É suficiente, meça suas palavras,
Chevalier, se deseja conservar sua vida. O que aconteceu a meu pai e meu irmão?
De Gredin fez uma careta e olhou nervoso a Fife.
—Bem, sir, sei que Fife está envolvido, mas não conheço os detalhes.
Nesse momento, o conde começou a queixar-se.
Rob fez um gesto apressado ao Chevalier, que imediatamente voltou para sua posição
no chão perto das escadas, enquanto Adela se ajoelhava ao lado do conde.
—Pode me dizer se o feriu com gravidade, querida? —perguntou Rob com amabilidade.
Surpreendida, ela o viu sorrir de maneira maliciosa. Sem dúvida, ele tinha um plano.
—Não era minha intenção machuca-lo, sir. Juro!
—Já não importa. Agora vá e traga aqui alguns de seus homens. Lhes explique com
precisão o acontecido. Enfrentaremos a qualquer conseque…
—Não!
A palavra foi pronunciada com energia e dor. Fife levou a mão à testa, que estava
avermelhada e deixava ver uma feia ferida.
—Me deixe ajuda-lo a se pôr de pé, meu senhor conde — se ofereceu Rob, solicito.
Fife sacudiu seu braço para afastá-lo.
—Me levanto sozinho. Onde está minha espada?
—No rio, temo. Quando bateu contra a parede, caiu. Sem dúvida podemos encontrar
outra se desejar terminar nossa luta. Ou deseja esperar até que recupere as forças? —
propôs em tom zombador.
Já sentado, e ainda evidentemente desorientado, franziu o cenho olhando para o chão e
murmurou tanto para si mesmo como para eles:
—Eu não tropecei. Alguém me empurrou.
—Temo que fui eu, milord — disse uma vozinha tímida —Depois de tudo, pensei que ia
matar meu marido.
Ainda esfregando a dolorida cabeça com uma mão, enquanto tentava recuperar o
equilíbrio com a outra, o conde disse, sombrio:
—Muito elogiável, sem dúvida, milady.

234 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Estou de acordo —disse Rob, com um tom ligeiro —Estava preparado para perder a
vida, milord, e tendo em conta o esforço que tive que fazer para subir por essa maldita
corda, esperava mais consideração de sua parte a respeito. De todos os modos, minha
esposa se inteirou de que estivera pulverizando as piores acusações contra ela.
—Suponho que tenta me dizer que essas acusações eram falsas.
—Em efeito. Entretanto, ambos devemos estar agradecidos por apressar nossas bodas.
Se não tivesse aterrorizado a pobre moça lhe fazendo temer que a ia prender, nunca teria
aceitado o pedido de casamento de um inútil como eu.
—Então é verdade que estão casados?
—Já vai fazer quase sete noites — confessou Rob —O abade de Holyrood nos casou.
Quanto a assassinar Ardelve, nem sequer falei com o homem. Nem tampouco me encontrei
com minha bela esposa até depois da morte de seu desventurado primeiro marido.
—Não esperará que acredite, quando sei que servia sir Hugo Robison em Roslin antes de
decidir a aparecer e reclamar Lestalric.
—Então, compreenderá por que é muito improvável que eu tenha conspirado com esta
dama para assassinar seu marido. Eu não só não conhecia Ardelve, mas também conhecia
sir Hugo o bastante para estar seguro de que não ia apresentar um ajudante dele como
Einar Logan a sua cunhada. Tampouco o príncipe Henry… perdão, Orkney, ou sua poderosa
mãe iam permitir semelhante coisa.
Fife fez uma careta.
—Bem, poderá apresentar esses argumentos quando…
—Milord Fife, ainda está aí abaixo?
—Me ajudem, maldita seja — grunhiu Fife, estendendo sua mão a Rob antes de levantar
a voz e gritar —Sim, o que acontece?
—Um exército, milord, que se aproxima sob o estandarte de Douglas.
—Reúna a nossa gente! —gritou Fife.
—Céus, senhor, a maioria está fora das portas, exposta a receber as flechas de Douglas.
E também ondulam os estandartes de Roslin. São muitos.

235 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Diga a seus homens que se retirem — disse Rob —Sabe bem que Douglas não
obedecerá a suas ordens.
—E que demônios está fazendo ele aqui?
—Está reunindo um exército, é obvio para manter aos malditos ingleses na Inglaterra,
algo no que poderia ajuda-lo se quer conservar um pouco de território para governar. Ou
preferiria em troca brigar contra suas forças e as de Sinclair, aqui e agora?
Dirigindo a Rob um olhar cheio de ressentimento, Fife ordenou ao soldado que
preparasse sua escolta para partir. Então, com uma expressão sombria, replicou:
—Terá que dar uma lição ao Douglas e a uns quantos mais.
—Talvez você possa fazê-lo — insistiu Lestalric com amabilidade —Quer que o ajude a
subir as escadas?
Rechaçando secamente sua ajuda, Fife se voltou para as escadas, mas se deteve quando
viu que De Gredin ainda no chão. Sem prévio aviso, deu ao Chevalier um forte chute. De
Gredin se queixou.
—Se levante de uma vez! —gritou o conde —Vamos deste odioso lugar.
Adela se adiantou:
—Certamente não vai querer carregar com um estorvo, milord. É evidente que não está
em condições de cavalgar. O alojaremos aqui até que se recupere de suas feridas. Sofreu
uma terrível queda.
—Como preferir. Não me importa — balbuciou Fife.
Escada acima, Rob apertou com carinho o braço de Adela, mas não lhe respondeu. Estava
contente de que ele estivesse a salvo, mas duvidava muito de que seus problemas tivessem
terminado.

Quando chegaram ao pátio, a cena era caótica. Mas Fife, apesar de sua dor e de sua
debilidade evidentes, logo restabeleceu a ordem e a disciplina entre seus homens. Depois,
deu um jeito para montar seu cavalo sem mais ajuda que a que recebia normalmente de
um criado e, sem olhar para trás, tomou seu lugar à frente dos soldados.

236 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela conteve o fôlego até que viu o formidável desdobramento de cavaleiros que
esperavam nas margens do bosque para o sul.
Em filas de oito, as fileiras formavam a vanguarda de um inimigo muito mais numeroso,
todos brandido lanças, espadas e estandartes ante os soldados do rei que se retiravam.
Só quando o último dos homens de Fife desapareceu atrás da primeira colina, vários dos
chefes esporearam seus cavalos para que avançassem.
Adela reconheceu sir Michael e vários rostos familiares, e tentou recordar as feições de
Douglas, a quem tinha visto fugazmente na Corte. Ficou boquiaberta quando reconheceu o
próximo rosto.
—A condessa! E vejo também Isobel e Sidony, cavalgando atrás!
Isobel sorria. Inclusive a serena Sidony parecia satisfeita de si mesma.
Michael lhes contou tudo quando desceu do cavalo de um salto e se apressou para ajudar
à condessa, que via entorpecidos seus movimentos pela cota de malha e as calças de couro.
—Acredito que trouxemos cada cavalo, homem, mulher e menino que pudemos reunir
em milhas à volta — explicou rindo —E tudo o que tivesse algo para fazer ondular também
o trouxe. Foi uma condenada sorte que Fife não ficasse para brigar.
—Henry deve estar por chegar —assinalou Rob —Ficará encantado com esta cena.
—Como conseguiu entrar no castelo? —perguntou-lhe Michael.
—Vimos a corda pendurada, assim caminhamos rio acima até um ponto perto do castelo.
Henry segurou a corda que me prendi enquanto eu cruzava o rio a nado e depois subia pela
corda.
—Aposto que parece mais fácil do que foi na realidade.
—Sem dúvida, mas Adela foi bastante amável para deixar a porta aberta e lançar a corda,
assim parecia um desperdício não fazer uso dela. Assustei-me terrivelmente ao vê-la,
asseguro-lhe isso, pensando que ela tinha tentado usá-la e que caíra. Mas depois vi De
Gredin.
—Então ele estava ali.
—Graças a Deus.
—Nunca em minha vida tive tanto medo —confessou Adela.

237 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Nunca? —perguntou-lhe Rob.
Ela franziu o cenho, recordando com quanta clareza tinha sido capaz de pensar.
—Foi estranho —lhe explicou —Nesse momento, só pensava em como desbaratar o plano
deles, fosse este qual fosse, e fugir. E você, meu querido marido —adicionou com
veemência —tem que responder com respeito às poucas opções que eu tinha.
—Sério, meu tesouro? —disse, pondo um braço sobre seus ombros —Logo que estejamos
sozinhos, pode me dar um bom sermão.
—Acredito que não o farei — respondeu liberando-se do abraço e afastando-se dele.
Rob a olhou com os olhos brilhantes e abriu a boca. Mas aparentemente pensou duas
vezes antes de emitir qualquer comentário. Quando notou que sua esposa o olhava
enfurecida, quis possuí-la para lhe tirar todo vestígio de irritação.
—A julgar pela maneira em que olha a sua mulher, parece-me que quer que vamos logo
—comentou Michael —Portanto, não vou convidar a todos para comer com vocês.
—Necessito de Henry—disse Rob ignorando a insinuação de Michael —Temos mais
trabalho a fazer, e queremos fazê-lo com calma. Não confio em Fife nenhuma gota mais
que antes.
—Henry pensava retornar a Edimburgo esta noite — recordou Michael —Mas enviarei
homens para limpar os acessos ao desfiladeiro e vigiá-los. Duvido que Fife retorne
enquanto ache que Douglas ainda está aqui.
—Onde está Douglas, e como o avisaram?
—Diabos, não sei onde está. Mas o estandarte de Douglas é um coração vermelho em
um campo branco. Minha mãe reuniu vários em menos tempo de que levou reunir o
exército.
Adela estava conversando com suas irmãs e com a condessa, sem dúvida respondendo a
centenas de perguntas a respeito de seu casamento e dos dias transcorridos. Ocorreu a Rob
que havia uma maneira de dissipar sua irritação. Aproximou-se de Michael e lhe disse:
—Vamos levar Adela conosco quando Henry e eu retornemos à cascata, assim se
assegure de que não corramos nenhum perigo.
Michael apertou as mandíbulas antes de suspirar:

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—Está mal da cabeça, meu amigo, se pensar que vou arriscar sua vida, a de Henry ou a
de Adela. Sabe que nossos homens são leais.
—Sei que alguém disse a Fife que Einar Logan e eu somos a mesma pessoa — murmurou
Rob —Mas pode ser que não tenha sido um de seus homens. Além disso quase enlouqueço
ao ver minha esposa nos braços de Fife.
—Entendo-te — disse Michael, e dirigiu seu olhar para sua própria esposa.
—E há uma coisa mais —adicionou Rob —Não quero que vá ninguém mais ao desfiladeiro
conosco, ou que alguém suspeite que estamos ali. Mas quero uma forte escolta disposta a
cavalgar esta noite.
—Parece-me que já está usando seu manto de barão com mais soltura — opinou
Michael com um sorriso irônico —Terá tudo o que necessita, milord. Posso perguntar com
que propósito?
—Porque se encontrar o que presumo, quero ter uma conversa com o bom abade de
Holyrood — respondeu misterioso —Seguramente, minha mulher quererá vir comigo para
falar com ele e, depois de tudo o que fez hoje, merece poder fazê-lo.

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Capítulo 20

Tinha anoitecido antes que Adela, Rob e Henry chegassem até o sombrio desfiladeiro.
Dali em adiante tudo transcorreu com rapidez. O enorme bloco central se separou dos
outros dois com grande facilidade e deixou descoberta uma abertura na base da colina.
—Santo céu, olhem isto! —exclamou Henry, medindo a borda interior da abertura —
Este bloco está colocado sobre dobradiças.
—Toma esta tocha — disse Rob —Acenderemos a minha e conservaremos as suas se por
acaso precisar.
Enquanto ele se adiantava pelo passadiço para acender a sua, Adela olhou para trás o
caminho pelo que tinham vindo. Supostamente, Michael e seus homens estavam vigiando
os acessos a Hawthornden e essa parte do desfiladeiro. Ninguém podia vê-los ali do castelo,
nem sequer da muralha. Tampouco podiam escuta-los a mais de uns passos de distância,
por causa do rugido da correnteza. De todos os modos, estava nervosa, embora muito
emocionada ante a perspectiva do que podiam encontrar.
—Um de nós deveria ficar e vigiar aqui fora — sugeriu Henry.
—Confiaremos em Michael — disse Rob, encabeçando a marcha e sustentando bem alto
sua tocha.
Já mais calma Adela o seguiu pelo passadiço com Henry atrás dela. Quando Rob se
deteve, o profundo silêncio do passadiço os envolveu.
—Aqui se abre um segundo passadiço —assinalou —Segundo o mapa, esse é o caminho
que devemos tomar.
—Tem razão —concordou Henry, observando seu próprio mapa.
A certeza aumentava à medida que avançavam. O passadiço era largo, e o chão era liso,
livre de obstáculos. Embora não tivessem caminhado muito, já tinham virado três vezes.

240 GRH - Grupo de Romances Históricos


Adela não se atrevia a confiar em seu sentido de orientação, e ninguém fez nenhum
comentário.
De repente, o passadiço se abriu a um amplo recinto. Ao levantar a tocha, a luz
resplandeceu sobre umas formações cristalinas.
—Esperem um pouco —os deteve sir Robert —O atalho termina aqui, assim pode haver
poços.
Adela escutava o gotejar da água e perguntou:
—Não há nenhum símbolo no mapa ao final dessa linha?
—Só um pequeno quadrado.
—Como o cofre de um tesouro? —perguntou Henry.
—Só um quadrado, Henry. Deus sabe o que significa. —afastou-se deles com lentidão.
Estava na metade do recinto quando ficou imóvel. Mudo.
—O que acontece? —perguntou-lhe Adela preocupada.
—Venham ver — respondeu.
Rob os escutou caminhar atrás dele, mas embora tivesse sido o próprio Fife que vinha
prendê-lo, não teria podido afastar seu olhar da pedra.
Era escura, de mármore ou de basalto, e tão grande que lhe chegava até os joelhos. Era
esculpida com desenhos dourados que brilhavam fantasmagoricamente à luz da tocha:
espirais, uma harpa, um javali e um leão, entre outros desenhos. Pôde distinguir também
traços visíveis de uma escritura gravada que parecia ser latim ou gaélico. A pedra tinha por
pés esferas lavradas em forma de garras de águia, e em cada ângulo dianteiro algo que se
parecia com a pata de um réptil, talvez de um lagarto.
—E isto o que é? —assinalou Adela, aproximando-se para tocar um par de ganchos.
Havia outro par adornando o lado oposto.
Rob e Henry se olharam.
—Suponho que servem para que possa ser transportada com dois fortes paus.
—Assim então esta é a verdadeira pedra de Scone?
—Sim — respondeu Rob —Olhe aqui, no assento. Tem a marca do rastro de um pé.
—Como a pedra das Ilhas —comentou Adela.

241 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Dizia-se que eram bastante parecidas —adicionou Henry —De fato, esta é exatamente
como a que se vê nos selos oficiais que se faziam depois de uma coroação em tempos
passados.
—Eu vi a pedra do Rastro do Pé —comentou Rob —Donald subiu descalço durante sua
investidura. Parece que esta serve para que alguém se sente, apesar do rastro de um pé.
—Talvez tivesse que fazer ambas as coisas — sugeriu Adela —Teria sentido se o pé do
legítimo rei devesse coincidir com o rastro antes de sentar-se.
Henry sorriu.
—Não acredito que tivesse que coincidir com o rastro. Só que pensavam que se isso
acontecesse, achavam-se frente a um governante que se destacaria. O que é o que quer
fazer com isto, Rob? Acho que já não é seguro deixá-la aqui.
Lestalric franziu o cenho e depois disse, ensimesmado:
—Sempre esteve segura aqui. Entretanto, graças a De Gredin, Fife agora acredita que o
tesouro dos templários está na Escócia. De todos os modos, pensa que Sinclair sabe onde
está e que eu conheço o paradeiro de algo ainda mais importante, algo que lhe permitiria
obter a coroa da Escócia se o encontrasse. Suspeito que se referia à pedra.
—Certamente —concordou o príncipe —Encontrar o tesouro dos templários significaria
algo importante, mas a nobreza da Escócia não apoiaria Fife contra Carrick só por uma
enorme riqueza. De fato, essa riqueza só originaria mais lutas. Se ele encontrasse a pedra,
entretanto, poderia alegar que a ideia de Robert Bruce de que o herdeiro deve ser o filho
mais velho é errônea, e sustentar que o filho que encontra a verdadeira pedra do Scone é o
que tem direito a coroar-se rei pelo mérito de havê-la achado. A maioria dos nobres está de
acordo com que Fife seria um rei mais poderoso que Carrick. Desaprovam seu caráter, mas
quase todos o apoiariam se fizesse aparecer a pedra. Não entendo por que ele acredita que
você pode saber onde diabos se encontra.
—Será possível que pense que está escondida junto com o tesouro dos templários? —
sugeriu Adela —Lembre-se também, sir, que Fife disse ao Chevalier que era o segundo a lhe
mencionar um segredo no seio de uma mesma família.
—Will! —exclamou Rob fazendo uma careta.

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Henry deu de ombros.
—Fife não estava em situação de fazer favores a ninguém até o ano passado, quando
começou a assumir muitas das obrigações do rei.
—E Sua Majestade devia sentir-se muito menos propenso a receber as atenções de um
adulador interesseiro como Will — acrescentou sir Robert com tristeza —Mas pode estar
certa, querida, talvez Fife pense que a pedra e o tesouro são o mesmo.
—Então deveríamos leva-la, recomendou Henry —Se Fife iniciar sua própria busca, os
arredores de Roslin serão o primeiro lugar que revistará.
—Mas como a transferiremos? —perguntou Adela.
—Alguém a trouxe até aqui, também — respondeu Rob.
—Podemos tirá-la esta noite.
—Ainda pensa voltar para Edimburgo esta noite? —perguntou Lestalric ao príncipe.
—Esta noite ou amanhã cedo. Michael me disse que pediu…, acredito que disse «exigiu»,
uma escolta de soldados para esta noite.
—Acaso supõe que Fife tem tanta fé em si mesmo que considera que nem Douglas nem
Sinclair representam uma ameaça?
—Terá tanta fé como você queira que tenha — respondeu Henry, lhe dando uma
piscada.
—É o que eu pensei também.
—Que mais está pensando? —perguntou Adela a Rob com muito tato.
O sorriso irônico de seu marido lhe indicou que ele sabia que Adela ainda estava zangada,
mas apenas disse:
—Acredito que seu galante Chevalier deve retornar a Edimburgo com Henry.
—Espero que tenha uma boa razão para acreditar que eu gosto de sua companhia —
atravessou Henry.
—Decidi lhe inspirar confiança — explicou Lestalric —Direi que quero que viaje contigo
para desviar a atenção, em caso de que Fife nos esteja vigiando. Direi que quero falar com o
abade a respeito de certa informação que obtive em meu castelo.

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—Espera que acredite que você tem a informação que ele precisa — deduziu Henry —
Mas depois tentará matar De Gredin, não acha? De fato, poderia matá-lo agora mesmo.
—Então leve o Chevalier contigo a Orkney — sugeriu Rob —Eu gostaria que partisse para
a cidade em poucas horas. Adela e eu o seguiremos.
—Posso partir quando quiser, mas minha intenção era escapulir até meu navio em Leith
escondido de Fife — recordou a Rob.
—Sei, mas te necessito.
—Tornou-se impertinente, senhor — lhe respondeu Henry com severidade.
—Realmente? —perguntou Rob —Mais que antes? —Henry riu —Não se preocupe, Sua
Alteza —fez uma reverência —Até Fife vacilaria antes de enfrentar-se contigo. Mas vamos,
agora. Devemos voltar a fechar este lugar.
—Mas o que vai fazer com a pedra? —perguntou-lhe Adela.
—Henry e eu devemos resolvê-lo. Mas não agora.
Ela assentiu e se sentiu muito orgulhosa de não pressioná-lo com mais perguntas. Não
queria arriscar-se a que não a levasse a Edimburgo. Manteria a trégua até o momento
oportuno para lhe pedir explicações.

Não lhe surpreendeu que De Gredin aceitasse imediatamente retornar à cidade com
Henry. Assegurou a Rob com tanta veemência que não diria nada a ninguém a respeito de
seus planos, que Lestalric esteve tentado a autorizá-lo a falar deles com quem quisesse.
Mas resistiu a tentação, sem ter mais fé na integridade de Chevalier que a que tinha tido no
princípio.
De Gredin não era mais que um chamariz na armadilha. Mais tarde, quando Rob ajudou
Adela a montar antes de partir para Edimburgo, perguntou-se quando ela diria o que
pensava. Sua esposa tinha conversado com bastante amabilidade enquanto comiam, mas
se percebia certa tensão que ainda não se dissipou.
E embora ele se perguntasse o que teria feito para desgostá-la, estava seguro de que sua
mulher diria no momento oportuno.
Uma névoa leve velava a lua outra vez, mas as noites se estavam tornando mais quentes.

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Ao saltar sobre suas montarias, percebeu que embora ainda lhe incomodava o ombro
como consequência de todos os esforços do dia, a dor quase tinha desaparecido. Adela
tinha posto mais bálsamo sobre a ferida, mas já não precisava tomar a poção de casca de
salgueiro de Isabella. Henry levava consigo um bom número de soldados. Em troca, Rob e
Adela tinham uma escolta de uma dúzia de homens bem armados, incluído Archie Tayt, a
quem Rob tinha decidido pôr à frente do grupo.
—Mantenha-se afastado do caminho principal — ordenou —Queremos saber se alguém
nos espera, assim seja precavido. Ah, e antes de ir, Archie, diga aos outros que fiquem um
pouco atrasados.
—De acordo, sir.
—Bom, e agora você, querida — disse Rob a Adela depois que esteve seguro de que
ninguém podia ouvi-los —Estou preparado para o ataque. Que diabos fiz?

Surpreendida, Adela o esquadrinhou, tentando decifrar se estava zombando dela uma


vez mais ou de verdade estava preocupado. Ainda sob a pálida lua, nos olhos de Rob
dançavam alegres brilhos.
—Está rindo de mim, sir?
—Não, milady. É só que parece tão serena e solene, embora saiba que tem algo que me
reprovar.
—Trata-se outra vez de seus segredos — respondeu ela —Mostrou-me a porta que dá às
cavernas debaixo do castelo, mas não me ensinou a forma de abri-la. Não pude descer pela
corda antes que Fife me alcançasse e não tinha outro lugar onde me esconder. Sua maldita
insistência no mistério quase me mata.
—Suponho que não pensou no fosso —alegou ele.
Adela se engasgou.
—Não, penso que não —Rob fez uma careta —Entendo sua irritação, querida. Foi um
descuido perigoso, e te peço desculpas. Não pode imaginar as coisas que cruzaram por
minha mente quando vi a corda pendurada e a porta aberta. Soube que tinha tentado
escapar e se tivesse caído, jamais me perdoaria por ter mostrado essa corda. Não percebi

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que a tinha posto em um risco ainda maior ao não te ensinar a forma de abrir a porta.
Ensinar-te-ei como fazê-lo quando retornarmos a Hawthornden.
Os remorsos de Rob dissiparam a irritação de Adela.
—Sei que é difícil mudar os hábitos que alguém tem tão arraigados.
—Certamente. Mas ainda não estou convencido de que deva saber tudo, e isso podemos
discutir agora ou em outro momento. Em todo caso, sinto-me tentado a te contar mais
coisas das que acredito que deveria saber.
—OH, sim?
—Porque é cheia de magia, meu tesouro.
—Sim, tenho tanta magia que não posso descobrir o que oculta em seu interior.
Entrecerrou os olhos e a olhou com curiosidade:
—Realmente quer discutir isso agora?
Sentindo uma onda de calor nas bochechas ao recordar-se jogando nele a bandeja e a
terrina, sacudiu sua cabeça.
—Parece-me que não. —Então trocou o assunto de maneira radical —Pensa que Fife nos
espera na abadia?
—Não, se ele acreditar que iremos a algum lugar esta noite, pensará que nos dirigiremos
a Roslin, onde é menos provável que consiga nos apanhar. Não saberá que estamos na
abadia até que o digam De Gredin ou seus espiões. Em todo caso, não quero me enfrentar
com ele enquanto você estiver comigo. Por isso tomaremos o caminho que atravessa o
bosque. Desse modo, teremos também tempo para falar com o abade antes que Fife nos
alcance.
—Se é que o consegue —duvidou ela.
Continuaram conversando até que, de repente, Lestalric exclamou:
—Olhe ali!
Tinham chegado ao ponto mais alto da serra que se elevava sobre a planície boscosa no
caminho para Edimburgo. Mais à frente, viam-se as luzes da cidade resplandecendo como
joias na bruma. O castelo parecia uma coroa de prata no topo da escura ladeira.
—É belo —suspirou a jovem —A abadia, entretanto, parece estar às escuras.

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—Acredito que o cemitério deve estar iluminado. É provável que o abade esteja ali.
Contornaram a Poltrona de Arthur e entraram nos bosques da abadia um pouco depois,
cavalgando em silêncio, exceto pelos ruídos dos arreios e o salpicar dos cascos dos cavalos
no atalho pantanoso. Ao entrar pela parte traseira do cemitério, viram que Archie Tayt os
estava esperando. Rob levantou uma mão para deter os homens que o seguiam.
—Viram o irmão Joseph? —perguntou a Archie.
—Sim, sir. O abade os verá depois de rezar as matinas. Ainda não tocaram os sinos, mas
assegurou que não demorará muito.
—Onde está lorde Orkney?
—Foi à cidade, milord, mas só com a metade de suas tropas. Sua senhoria e o Chevalier
decidiram que se você queria um pouco de animação, eles a proporcionariam.
Rob desmontou e depois ajudou Adela a desmontar de seu cavalo. Enquanto se dirigiam
a toda pressa para a entrada da abadia, ele murmurou:
—Parece-me que Henry está confiando em De Gredin mais do que deveria, embora não
possa culpá-lo.
—De Gredin nos ajudou — recordou Adela.
—Mas ainda não confio nele. Se ele acreditar que corre perigo, pode ir com Henry a
Orkney e ficar a salvo. Lamento que Henry não esteja aqui conosco.
—Não viemos aqui só para provar ao Chevalier ou para estender uma armadilha ao Fife,
não é verdade?
—Talvez tenhamos vindo em vão.

Cruzaram o vestíbulo iluminado com velas da abadia. Era difícil não distinguir a volumosa
figura do abade ajoelhado no mesmo lugar onde o tinham encontrado na vez anterior.
Rob pôs sua mão sobre o braço de Adela para detê-la, depois passou seu braço ao redor
de sua cintura e a estreitou contra si em um quente abraço; perguntou-se o que seria deles.
Não temia Fife, exceto porque o conde ameaçava a sua esposa. E ele faria tudo o que fosse
necessário para mantê-la a salvo. Talvez a ilha de Orkney fosse um bom lugar para
encontrar segurança, não só para De Gredin.

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—Renunciei a ele antes, posso voltar a fazê-lo agora —quando a jovem o olhou, franzindo
o cenho, Rob percebeu que tinha falado em voz alta —Estava falando comigo mesmo —
esclareceu —Não é nada.
Mas, é obvio, não era «nada». Não queria abandonar Lestalric. Apesar de que a vida o
tinha afastado de seu pai e de Will, havia sentido um profundo afeto por seu avô e uma
grande admiração por tudo o que representava sir Walter. Para ele, Lestalric simbolizava sir
Walter. E agora era dele, como algum dia seria de seu filho. Tinha a obrigação de protegê-lo
e evitar que caísse nas mãos de Fife. Mas não ia arriscar a segurança de Adela por isso.
—No que posso ajuda-lo, meu filho?
Rob afastou o olhar do belo rosto de sua esposa, liberou-a de seu abraço, e disse ao
abade:
—Há um lugar onde possamos conversar em particular?
—Sim, dentro de um momento —esclareceu o ancião —Têm algum problema, sir
Robert?
—Não sei, mas não quero dizer mais até estar seguro de que não serei escutado.
—Entendo. Então venha a esta sala — adicionou, abrindo uma porta —A porta não tem
trava, mas se a senhora aceitar vigiar, podemos deixá-la aberta. Os irmãos não entram na
igreja até que começa a soar o sino.
Como Adela hesitou, Rob adicionou imediatamente:
—Desejo que milady esteja presente na discussão, se você não se opuser.
—Absolutamente. Segundo a Igreja, um homem e sua esposa são um só ser. Lady Lestalric
pode vigiar de dentro. —Conduziu-os até a sala e perguntou —Bem, meu filho, o que
acontece?
—Encontramos algo de imenso valor hoje, perto do castelo de Hawthornden.
—Entendo.
A expressão do abade se manteve neutra. A falta de curiosidade do abade evidenciava
que já sabia do que se tratava.
—Você já estava aqui em Holyrood quando os ingleses invadiram Escócia, não é?

248 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Sim. Trabalhava como administrador para o abade, do mesmo modo em que o irmão
Joseph trabalha para mim.
—E conhecia meu avô, não é verdade?
—E muito bem, igual ao abade anterior a mim.
Rob hesitou. Embora tivesse imaginado esta conversa várias vezes, agora lhe custava
falar.
Olhou Adela, mas ela estava vigiando com atenção a igreja.
O abade rompeu o silêncio:
—Esse objeto que encontraram sir Robert… Se me permite lhe perguntar, o que pensa
fazer com ele?
—Vim aqui lhe pedir conselho.
—Entendo. Talvez queira me dizer de que cor é.
—Negro ou de um cinza escuro. Não havia muita luz para ter certeza.
—E de que tamanho é?
—De quase um metro de largura.
—Tem pernas?
—Um tipo especial de pernas. Parecem de réptil. Também tem pés, como se fossem as
garras de uma águia.
O abade assentiu.
—Não precisamos saber mais a respeito dele, então. Não mencionaremos o nome desse
objeto, porque jurei não fazê-lo, embora não seja mais que para proteger a abadia. Foi para
proteger Holyrood e aos que viviam aqui que falei pela primeira vez com seu avô.
—Então estava aqui?
—Sim, quase desde o princípio. O abade de… outra abadia —hesitou —de outro lugar,
acreditando que os invasores de seu tempo iriam diretamente a sua abadia, dirigiu-se ao
abade daqui. O abade daqui, sabe, era de Lestalric, ele nos salvou e protegeu o objeto.
—Então os ingleses voltaram —deduziu Rob.
—Em efeito. Ocuparam esta região desde 1296 até Bannockburn, quando Bruce os
expulsou. Depois ameaçaram voltar a nos invadir quinze anos mais tarde, enquanto ele

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agonizava. Entraram nas terras fronteiriças e atacaram a abadia de Melrose e outras,
deixando claro que fariam o mesmo aqui.
—E vocês o que fizeram?
—Falamos com o rei. Ninguém podia duvidar dos sentimentos de Robert Bruce pela
Escócia e suas esperanças em relação ao seu futuro. Fez todo o possível para preservar
ambas as coisas. Foi ele quem nos encomendou que não podíamos revelar o segredo a
ninguém até que o trono da Escócia estivesse seguro e os ingleses já não representassem
uma ameaça. Entretanto, disse-nos que podíamos confiar em dois homens. Ambos tinham
provado sua lealdade a ele. Mais adiante, ambos sacrificaram suas vidas a seu serviço.
—Eu sei quem foram —afirmou Rob —Orkney estava comigo quando encontramos o
objeto.
—Então também saberão que tanto Sinclair como Logan transmitiram tudo o que sabiam
a seus filhos antes de ir levar o coração do Bruce a Terra Santa.
—O que aconteceu a Douglas? —perguntou-lhe Rob —O bom sir James, não sabia nada?
—Não, porque por mais que Bruce confiasse nele, sabia que junto com Douglas
abrigavam esperanças de reinar eles mesmos a Escócia. E, além disso, havia feições
encarniçadas nesse clã então, como há ainda hoje em dia. Bruce só confiava em sir James.
—De todos os modos, outros devem ter descoberto o segredo —adicionou Rob —Dois
homens sozinhos não teriam podido mover o objeto nem um metro, menos ainda levá-lo
desde Holyrood até o lugar onde se encontra neste momento.
Loquaz, o abade lhe respondeu:
—Sem dúvida, mas havia uma organização de soldados destacados que tinha
demonstrado sua lealdade a Bruce em Bannockburn. Recomendou a vários deles para que
ajudassem Sinclair e seu avô, e eles o fizeram.
—Uma organização? —perguntou Rob, percebendo que Adela tinha girado sua cabeça,
mas sem afastar seus olhos do abade —Acredito que sei de que organização se trata, sir.
O abade lhe devolveu o olhar.
—Isso acreditei —murmurou —Bem, o tempo voa. Pediu-me conselho, então lhe
transmitirei o que nos disse Bruce. Ao menos três homens devem conhecer o lugar oculto,

250 GRH - Grupo de Romances Históricos


mas não podem revelar nada devido aos atuais conflitos dentro da família real, e com os
ingleses outra vez ameaçando nossas fronteiras, aconselho deixar tudo como está, se o
lugar segue sendo seguro.
—É que estou quase seguro de que o conde de Fife suspeita…
Um golpe ao longe o distraiu, e Adela exclamou:
—Alguém está se aproximando!

Fife foi o primeiro a aparecer na soleira do átrio. Sua expressão sombria bastou para que
Adela sentisse um calafrio em todo seu corpo, mas mãos cálidas sobre seus ombros lhe
recordaram que Rob estava ali, e também o abade.
O conde levava uma espada e uma escolta armada. Rob deslocou Adela para um lado e
abriu a porta.
—Busca-me, milord?
Adela voltou a localizar-se na soleira da porta, decidida a observar tudo.
A fúria de Fife aumentava com cada passo que dava.
—Está detido, Lestalric, e também sua esposa.
—Sempre vai à igreja com a espada desembainhada? —perguntou-lhe Rob, com um tom
despreocupado.
Fife estava a ponto de perder os estribos.
—Desembainhe a sua, sir, terminemos nosso combate agora.
—Não vou a desembainhar minha espada na igreja — se negou Rob, com firmeza —Mas
se quiser, enfrentar-me-ei com você no cemitério.
—Onde está Orkney?
—O que acontece? Têm medo de Henry? Ele deve estar a bordo de seu navio rumo a sua
casa, não nos vai incomodar esta noite.
—Mentira, sei que estava na cidade faz um momento e com um numeroso exército.
De repente, escutou-se o tangido do sino da abadia.
Fife se virou, gritando a um de seus seguidores.

251 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Diga a quem quer que está causando esse estrépito, que se detenha até que eu termine
de arrumar meus assuntos aqui.
O soldado saiu correndo, e Adela voltou a sentir um par de mãos sobre seus ombros
outra vez. Não se sobressaltou, pois sabia que eram as do abade.
A fez afastar-se a um lado, da mesma maneira em que o tinha feito Rob.
Como os sinos seguiam tangendo, os monges encapuzados entraram na igreja para
ocupar seus lugares.
Ainda com a espada desembainhada, Fife se aproximou de Rob, ignorando ao abade.
Então, sir Robert pôs sua mão sobre o punho de sua espada.
Mas o abade o deteve, interpondo-se entre os dois competidores. Esperou a que
terminassem de repicar os sinos e ordenou com firmeza:
—Guarde sua espada, milord.
—Afaste-se de meu caminho, ancião — replicou Fife.
—Disseram-me que apesar de suas muitas faltas, é um homem temente a Deus, meu
filho. Acaso um príncipe do reino é capaz de manchar Sua casa com um ato de violência?
—Esse homem e essa mulher estão sob arresto por atos de violência e por assassinato.
Se continuam me desafiando, tirá-los-ei daqui pela força e os farei enforcar.
—Não fará tal coisa, meu filho, porque isto é um santuário. Tirar alguém daqui contra
sua vontade pode ser causa de excomunhão. Quer arder no inferno por toda a eternidade?
Embainhe sua espada.
Fife hesitou, olhou para seus homens, que tinham entrado atrás dele, e em seguida deu
um passo para trás.
Um ruído no coro chamou a atenção de Adela. Voltou-se, para descobrir como os
monges tiravam seus capuzes e deixavam à vista aos doze soldados de Rob.
O abade estava ainda mais surpreso que a jovem. Mas se manteve em seu lugar, e disse
com muita calma a Fife:
—Sua própria família não o perdoará este ato criminoso. Sabe bem que nem Robert nem
sua esposa cometeram nenhum crime.
Sem afastar seus olhos de Fife, Rob adicionou:

252 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Ele acredita que seu amigo dará testemunho do crime de que acusa a minha esposa e
também acredita que para protegê-la eu ataquei a esse amigo na terça-feira passada
enquanto os sinos da abadia chamavam as matinas.
—Na terça-feira passada? —o abade franziu o cenho -É o que você acredita meu filho?
—Sim — espetou Fife —Porque é a verdade.
—Não, não é a verdade — replicou o abade —Eu casei sir Robert e sua esposa na terça-
feira passada diante de todos os irmãos nesta abadia. Os sinos começaram a tanger as
matinas quando eles estavam saindo. Onde teve lugar o ataque?
—Perto de St. Giles — respondeu Fife, com uma expressão rancorosa.
—Poderia essa pessoa testemunhar contra sua senhoria?
—Tem minha palavra de que não o fará.
—Então juro que encontrarei a outras dez que o façam —grunhiu Fife.
O abade o observou com severidade.
—Está se delatando ao fazer essas afirmações, meu filho. Não tem nenhuma acusação, e
não houve nenhum crime.
Um dos homens de Fife lhe sussurrou algo ao ouvido. Depois para surpresa de todos, o
conde girou sobre seus calcanhares sem dizer uma palavra e se retirou.
—Por Deus! —exclamou Adela —Nunca imaginei que partisse tão calmo.
—Sem dúvida, tomou consciência do equivoco de sua atitude — opinou o abade.
—O mais provável é que seu soldado lhe tenha dito que Henry e seus homens estão no
cemitério — esclareceu Rob, com um sorriso —Até seus próprios homens sabem que suas
acusações são falsas. Seu amigo o Chevalier não foi atacado por ninguém mais que pelo
próprio Fife, que está por trás de tudo isto, como também do ataque que sofri perto de
Lestalric. Mas agora acredito que o desarmamos.
—Então, já estamos a salvo? —quis saber Adela, insegura.
—Tão a salvo como alguém pode estar de um príncipe vingativo —respondeu —O conde
de Fife não é um grande guerreiro, mas é ardiloso e sempre será perigoso.

253 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Só espero que demore a planejar sua próxima estratégia — suspirou Rob —Sei que
deve continuar com suas orações, senhor, agradeço-lhe muito sua ajuda. Não
esqueceremos o que fez por nós.
—Tampouco Holyrood se esquecerá de Lestalric — disse o abade afetuosamente.
Uma vez fora, encontraram-se com Henry no cemitério, e um nutrido grupo de suas
tropas que esperava nos arredores, o bastante distantes para estar fora do alcance do
ouvido. Não viram sinais de Fife.
—O que foi feito de De Gredin? —perguntou Rob ao Henry.
Ele sorriu.
—Deveria estar a bordo de meu navio agora. Tomou a precaução de enviar um
mensageiro ao Fife, dizendo que lhe parecia melhor evitar encontrar-se com ele.
—Ainda não confio nesse sujeito, Henry.
—Meus moços o manterão vigiado -assinalou a igreja da abadia —Espero que te tenha
ido bem ali dentro.
—Bastante bem — respondeu Rob, lhe contando em poucas palavras o acontecido.
—E o que vai fazer com respeito à pedra? — perguntou Adela.
—Ainda temos que pensar.
—Poderia levá-la a Orkney — sugeriu Henry.
—Por favor, Henry, eles já suspeitam que tem o tesouro. Não me surpreenderia que Fife
organizasse uma expedição para atacar Orkney e tentar encontrá-lo.
—Estaria declarando guerra ao rei da Noruega nesse caso — concluiu Henry —De todos
os modos, há alguém mais nas Ilhas o bastante poderoso e honesto para confiar-lhe o
segredo.
—O senhor das Ilhas? —adivinhou Adela.
—Não, querida. Donald pode ser honesto, mas é neto do atual rei e sobrinho de Fife. Não
confio em que não lhes conte o segredo. Mas Ronald das Ilhas é um dos homens mais
íntegros de toda Escócia. Além disso — e olhou para Henry —ele é membro do que o bom
abade mencionou como uma organização de soldados especiais que provaram sua
fidelidade em Bannockburn.

254 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Certamente, parece-me uma boa ideia. Mas como podemos pô-la em prática?
—Temos tempo. Embora Fife suspeite que posso saber algo com respeito à pedra, sem a
ajuda de outros nobres poderosos não pode reunir um exército contra mim, em especial
porque não me levará muito tempo aumentar e organizar meu próprio exército em
Lestalric — sir Robert esfregou o queixo —Mas embora deixemos a pedra onde está agora,
com os Sinclair para vigiá-la, preocupa-me a ameaça de outra invasão inglesa.
—Seguiremos pensando, então. Vem comigo? —adicionou, enquanto dirigia seu cavalo
para as portas de Holyrood.
—Ao menos por um trecho.
Surpreendida, Adela lhe perguntou:
—Mas Henry não se dirige a Leith?
—Sim, meu tesouro — disse Rob com um sorriso —E vamos para casa.

255 GRH - Grupo de Romances Históricos


Epílogo

Perto do porto de Leith, seis semanas mais tarde.

—Ali — assinalou Rob, apontando para uma série de formações rochosas que se
divisavam de Firth of Forth —Atrás dessas rochas há uma saliência que nos protegerá do
vento e onde nossos cavalos poderão pastar.
Resultou um lugar agradável para apoiar as costas, algo que Rob recordava ter feito
durante prévias excursões em sua juventude. Tinha sido seu lugar secreto, aonde ia para
ficar sozinho. Gostava de contemplar os navios enquanto refletia. Agora, parecia-lhe justo
compartilhá-lo com sua esposa.
Com um esplêndido panorama e um diáfano céu azul sobre suas cabeças, salpicado por
movediças nuvens brancas, ficaram sentados, com as costas apoiadas, felizes suspensos em
um mundo próprio entre o céu e o mar.
—Você gosta, meu amor?
—OH, é maravilhoso! Mas me sinto culpada de ter vindo aqui desta maneira, Rob. Podem
chegar a qualquer momento, e deveríamos estar ali para lhes dar as boas vindas.
—Não pensou mais que em seu bem-estar durante quinze dias — recordou ele —Graças
ao administrador de Henry e meu esforço titânico, agora temos a nosso próprio
administrador, mordomo e uma força de segurança considerável. De todos os modos, Fife
se acha nas terras fronteiriças, fingindo que está ajudando Douglas a manter os ingleses
fora da Escócia. E —adicionou como fator decisivo —sabemos que Tam Geddes não nos
estava roubando; era meu pai quem dirigia mal seus ganhos.
—Nós o faremos bem —assegurou a jovem.

256 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Certamente. Porque tive a sorte de me casar com uma mulher que sabe administrar
um grande castelo, coisa que eu ignoro. E embora tenha recebido uma boa formação como
soldado, e não como granjeiro ou comerciante, estou aprendendo bastante rápido. Então
mereço uma tarde de descanso com minha esposa.
—Mas nossos hóspedes!
—Nossos hóspedes ficarão assombrados ao ver tudo o que obtivemos.
—A condessa nunca se assombra com nada.
—É verdade. Inclusive, lady Clendenen fará uma série de sugestões para melhorar o
castelo.
—E também Sorcha. Realmente acha que ela e Hugo chegarão hoje a Leith?
—Assim prometeu Hugo.
—Mas não sabem nada a respeito da pedra. Você contará?
—Acredito que devemos fazê-lo. Compartilhamos muitos segredos, todos relacionados,
que seria impossível deixar uma parte de lado. Além disso, necessitamos a ajuda de outros
templários para muda-la de lugar.
—Fife vai vigiar os navios de Henry, não é?
—Não se preocupe, encontraremos uma saída — a abraçou, para lhe inspirar confiança.
—Hugo não virá nos procurar aqui. Não deveríamos ir ao porto?
—Não, meu tesouro. Já tivemos bastante vida social durante o almoço. Além disso,
planejam ficar conosco uma quinzena. Quero estar uma hora a sós com minha esposa
agora. E quero que ela relaxe e se esqueça de todas suas obrigações, exceto de uma.
Adela lhe sorriu.
—E qual é essa obrigação, milord?
—Honrar a seu marido, amá-lo e respeitá-lo…
—Faço-o —lhe disse com doçura —Sabe que é assim.
—Lembra quando disse a Fife quanto eu te importava — suspirou.
—E sabia que dizia muito a sério.
—Realmente? —fingiu duvidar —Lembra também que estava um pouco mal-humorada
comigo então.

257 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Merecia isso.
—Talvez, mas agora mereço seus ternos cuidados.
—Muito bem —aceitou, apoiando-se contra ele —Eu gostaria de sentir o sol e a brisa
sobre meu rosto durante um momento.
Adela fechou os olhos e ficou em silêncio. Rob se tornou para trás, sentindo um agradável
calor e desfrutando do voo das gaivotas sobre sua cabeça. Quando se voltou para olhá-la,
ela tinha ainda os olhos fechados e os lábios ligeiramente separados. Parecia muito feliz.
O sol fazia resplandecer suas bochechas. Respirava serena e profundamente, e seus
suaves seios subiam e baixavam atraentes e próximos. Parecia tão inocente, frágil, tão
terrivelmente sedutora. Desejou-a com uma força irresistível. Seu corpo voluptuoso o
enlouquecia, mas tinha descoberto que ela satisfazia algo mais que sua luxúria. Adela
satisfazia sua alma. Ele tinha pensado que só necessitava de alguém de quem cuidar, uma
família própria. Mas era mais que isso. Ele necessitava amor, tanto dar como receber amor.
E Rob a amava, céu santo quanto a amava!
Ergueu-se apoiando-se em um cotovelo. Fazia tempo que tinha desaparecido a dor de
sua ferida, e a contemplou apaixonado até que já não pôde conter-se mais: a palpitação de
seu pescoço e a suavidade de seus seios. Inclinou-se mais perto ainda, até que seus lábios
quase roçaram os dela. Adela abriu os olhos, recebendo feliz o beijo.
—Não se assustou — disse ele com doçura.
—Não, não contigo —murmurou ela —Nunca contigo, meu amor. O amo tanto.
—Sei —murmurou ele —Sinto todo o tempo, a cada dia.
—E você?
—Acredito que me apaixonei por você quando ta vi pela primeira vez em Orkney.
—Não é verdade.
—Tem razão. Apaixonei-me antes. Quando escutei que tinha jogado água benta em Hugo.
—Brinca, sir, o amor é algo sério.
—É, meu amor? Devo reconhecer que nunca acreditei saber muito sobre o amor até que
a conheci.
—Bem, agora já sabe algo. Não deve haver segredos entre nós.

258 GRH - Grupo de Romances Históricos


—Já não mais —a estreitou com força.
—Eu tenho um que devo te contar —disse em tom misterioso.
Ele adivinhou do que se tratava e sentiu que lhe saltava o coração dentro do peito.
—Está segura, minha vida?
—Quase segura —lhe respondeu —Minha donzela está segura, em todo caso.
—Então deve ser assim — ele disse, lhe dando um beijo terno e lhe apoiando uma cálida
mão no ventre.
No instante em que seus lábios tocaram os dela, inflamou-se seu corpo e se sentiu
perdido. Não deixou passar nem um segundo. Suas mãos se deslizaram velozes para
desatar o vestido, e as mãos dela trabalhavam rapidamente tão ansiosas como as suas.
Adela o envolveu com seus braços até que voltou a apoiar-se, relaxada, contra o
pendente rochoso deixando que seu marido a despisse. Ele desatou sua anágua para
desfrutar de seus suaves seios.
Seus mamilos se endureceram. Saboreou-os, beijando-os, e acariciando-a até que o
desejo se tornou intolerável.
Adela lhe acariciava os cabelos, enquanto ele se acomodava para beijar e acariciar seus
seios. Ela desfrutava das sensações que despertavam seus lábios viris por todo seu corpo.
Quando abriu as coxas para receber a seu excitado marido, divisou um navio longínquo.
—Acha que nos podem ver do navio? —perguntou preocupada.
Não lhe respondeu, mas lhe sorriu, acariciou seu ventre e levou suas mãos cada vez mais
tentadoramente para baixo. Depois afastou suas saias e a acariciou entre as coxas, e ela já
não pensou em nada mais. Adela murmurou algo a respeito de navios que passavam, mas
Rob não prestou atenção. E quando ela reagiu, arqueando-se para ir a seu encontro,
emitindo pequenos gemidos, Lestalric a acariciou no ponto mais sensível, excitando-a mais
e mais. Depois diminuiu o ritmo, para atormenta-la de prazer. Explodiram juntos,
extasiados, suarentos. Adela ainda respirava agitada quando apoiou sua cabeça no peito de
seu marido. Rob a acariciou com ternura pensando na criança que levava no ventre.
Seria um menino e se pareceria com ele ou seria uma muito bela moça como sua mãe?

259 GRH - Grupo de Romances Históricos


Ao final surgiu de sua imaginação uma mocinha que tinha uma espada em uma mão e
uma adaga na outra, e a imagem o fez rir.
—Do que ri? —murmurou ela.
Quando contou, ela sacudiu a cabeça.
—É uma besta, sir Robert. Minha filha será uma dama ou meu filho um cavaleiro,
embora… ambos serão guerreiros.
Rob voltou a rir.
—Já devem ter chegado os outros — suspirou a jovem —Deveríamos ir.
—Sua cabecinha deveria estar com seu marido, milady. Dê-me um beijo, e faça de
maneira correta ou vou ter que castigá-la.
Ela riu e o obedeceu com o maior prazer. Quando seu corpo voltou a excitar-se, ele
decidiu que Hugo e os outros, inclusive a condessa, poderiam ir todos ao inferno, ou — ao
menos — esperar uma hora mais… ou duas.

F im

1. O título de Alto Administrador ou Grande Senescal (em inglês: High Steward ou


Great Steward) foi dado no século XII ao Walter Fitzalan, cujos descendentes
conformaram depois a Casa do Stuart. (N.de T.)

260 GRH - Grupo de Romances Históricos


Querido leitor…

Espero que tenha desfrutado do Cavaleiro das Sombras. Os mistérios da


história sempre me fascinaram, e encontrar a oportunidade de vincular dois
deles em um só relato representava um curioso desafio.
Sir Robert Logan de Lestalric é um personagem de ficção. Embora apoiei
grande parte desta narração nas aventuras do primeiro sir Robert Logan de
Restalrig, não encontrei nenhum indício de que fosse um cavaleiro templário.
Entretanto, em relação com os irmãos Logan que acompanharam sir James
Douglas e sir William Sinclair quando tentaram levar o coração de Bruce a Terra
Santa e compartilharam sua sorte, podemos conjeturar que também
participavam da conexão de Sinclair com os templários.
E algo interessante para os que amam os detalhes: enquanto os ingleses e os
países do resto da Europa rodeavam suas cidades com muralhas e tinham
portas para fecha-las de noite, os escoceses não. Suas cidades simplesmente
confiavam no castelo que as protegia ou as deixava desprotegidas.
Quanto às descrições de Edimburgo, apoiei-me em um desenho que tenho
do castelo tal como se via desde 1377 até 1571, quando um canhão destruiu a
Torre de David durante um assédio de dois anos. A torre tinha vinte e sete
metros de altura e três pisos preparados para o alojamento dos hóspedes do
rei. Ficam dela umas ruínas com parte do piso inferior e da parede de pedra.
261 GRH - Grupo de Romances Históricos
Também tenho um mapa das ruas da cidade e da Cannongate uns poucos anos
posterior. Ambas as coisas me resultaram de grande utilidade.
Com respeito à pedra de Scone, muitos dos detalhes que utilizei provêm do
livro A pedra do Destino de Pat Gerber. Mas também estou em dívida com o
grande escritor escocês Nigel Tranter por despertar meu interesse pelo tema
com seus livros. O trabalho de Pat Gerber me contribuiu sua descrição e muitos
detalhes de sua história.
O castelo de Hawthornden é conhecido pelas numerosas cavernas nas serras
dos arredores, que os homens da zona usaram como esconderijo de onde
atacar aos ingleses e saquear suas provisões durante a invasão inglesa de
1335. Perto do castelo se encontra a caverna de Wallace, que também era
conhecida na época, e se chama assim por causa de William Wallace, que se
refugiou nela.
Meu agradecimento a Donald Sean MacRae por sua generosidade ao
compartilhar seus vastos conhecimentos sobre tudo relacionado a Escócia,
neste caso, em especial, todo o concernente a títulos nobiliários e aos
costumes relacionados a eles. E também por seu haggis anual e seu licor de
Atholbrose, delícias incomparáveis.
Se gostaram do Cavaleiro das Sombras não deixem de ler o último livro
desta saga, que é sobre a escolha que tem que fazer a doce e indecisa lady
Sidony Macleod quando encontra o homem que muda sua vida.
Afetuosamente,
Amanda Scott

262 GRH - Grupo de Romances Históricos


Resenha Bibliográfica

Amanda Scott, uma escritora prolífica


com mais de quarenta livros escritos,
publicou no ano 2006 pela primeira vez em
espanhol, no selo Rubi - O Ateneu, com o
livro O príncipe do Perigo.
Começou a escrever por um desafio com
seu marido. Ela vendeu todos os manuscritos
que tem escrito. Publicou sua primeira novela, The Fugitive Heiress, em 1982 e
em 1986 sua novela Lorde Abberley's Némesis ganhou o prêmio Rita na
categoria Melhor Novela Novel.
Mais de vinte e cinco de seus livros se estabelecem no período da Regência
Inglesa (1810-1820), outros se fixam na Inglaterra do século XV e na Escócia
do século XVI ao XVIII. Três são novelas contemporâneas.
Amanda vive com seu marido e seu filho no norte da Califórnia.

263 GRH - Grupo de Romances Históricos


Série Macleod

1.Highland Princess
2. Lord of the Isles
3. Prince of Danger
4. O Resgate da Donzela
5. O Cavaleiro das Sombras
6. O Rei das Tormentas

GRH
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264 GRH - Grupo de Romances Históricos

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