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Lorraine Heath
Desejando o Demônio
2º da Série Orfãos de St.James
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Tradução/Pesquisa: GRH
ARGUMENTO:
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Mas este não demora a descobrir um amor que não
conhece limites quando acaba apaixonando-se por
Olívia e se dá conta de que renunciaria a tudo o
que possui só para fazê-la feliz.
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PRÓLOGO
Não estive sozinho muito tempo. Logo me uni a uma famosa turma de
meninos ladrões dirigida por um ardiloso e descarado trapaceiro conhecido
pelo nome de Feagan. Sob sua tutela, aprendi que não havia nada que não
pudesse roubar, sempre que tivesse a preparação adequada. Minhas
habilidades, minha firme determinação de aprender e, portanto, de
sobreviver, eram inigualáveis, e logo ganhei seu afeto. Carinhosamente
estava acostumado a me chamar Dodger1 e quando fiz oito anos já passava
a maior parte das noites sentado diante do fogo junto a Feagan; fumando meu
cachimbo de argila, bebendo genebra e me empapando das pequenas pérolas
de sabedoria que ele compartilhava só com os poucos a quem respeitava de
verdade.
O menino se chamava Lucian, mas esse nome soava muito fino, assim
que o apresentei como Luke. Feagan me deu três peniques pelo novo recruta.
Não era uma soma nada ruim para um só dia, mas aquela noite não consegui
pregar o olho.
Para minha irritação e apesar de que eu só era dois anos mais velho
que ele, sentia-me responsável por aquele menino. O dia que o
surpreenderam roubando, fui tão estúpido para voltar e resgatá-lo. Passamos
três meses no cárcere. Esse tempo que estivemos na prisão serviu para
fortalecer nossa amizade e, a partir de então, ficamos inseparáveis.
Luke tinha quatorze anos e estava esperando que o julgassem por esse
delito, quando o conde de Claybourne declarou que meu amigo era seu neto
que estava perdido há vários anos. Soltaram-no e o deixaram sob a tutela do
conde. A boa sorte de Luke logo se transformou na minha. O ancião me
adotou também. Sempre estávamos em desavenças. Ele se esforçou muito
para me transformar em um cavalheiro, mas eu preferia continuar sendo um
malandro. Parecia-me muito mais honrado.
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Quando fiz dezenove anos, um advogado me informou que tinha um
benfeitor anônimo. Pelo visto, esse desconhecido tinha muitas esperanças
em mim e queria me dar dez mil libras para assegurar meu futuro. Jamais
perguntei quem era, porque não tinha nenhuma dúvida de que se tratava do
avô de Luke: estava convencido de que queria desfazer-se de mim sem
decepcionar seu neto.
Eu tinha vivido nas ruas tempo suficiente para saber que para ganhar
dinheiro tinha que investir em vício, então comprei um edifício e o
transformei em um exclusivo clube para cavalheiros.
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CAPÍTULO 01
Londres, 1851
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O demônio estava em sua casa. Olívia Stanford, duquesa de
Lovingdon, estava sentada junto a ele em sua biblioteca e se debatia entre o
horror e a fascinação. Aquele homem era uma criatura muito interessante e,
embora tivesse escutado muitos dos sórdidos rumores que circulavam sobre
ele, jamais o tinha visto pessoalmente até aquela noite.
Afastou o olhar do perfil que a tinha encantado desde que tinha entrado
em sua biblioteca e se encontrou cara a cara com o delicioso cafajeste Jack
Dodger.
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entretanto, nenhuma delas podia negar a fascinação que sentiam por alguém
tão unido ao pecado.
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conhecia esse descarado? Não tinha notícia de que seu marido tivesse ido
alguma vez ao clube Dodger. Em troca, seu irmão, o falecido duque de
Avendale, tinha frequentado e muito, proporcionando a invejável
oportunidade de poder contribuir de forma ativa ao grande repertório de
escandalosos rumores que circulavam entre as damas.
Fazia muito tempo que Olívia não pensava em beijos; talvez porque
Lovingdon parecia ser completamente contra eles. E, entretanto, ali estava
imaginando aqueles lábios brincando com os seus e tentando-a de forma que
Lovingdon jamais houvesse nem imaginado.
Voltou a se perguntar por que seu marido teria querido que Jack
Dodger estivesse presente durante a leitura de seu testamento.
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desagradáveis que parecessem. A devoção pelo dever tinha governado sua
vida desde o dia em que nasceu. Por esse motivo, quando tinha dezenove
anos, casou-se com um homem que era vinte e cinco anos mais velho que
ela. Seu pai arranjou o casamento e uma filha obediente não ia contra os
desejos de seu pai, apesar de seus próprios apaixonados desejos.
Se seu marido não tinha legado a ela a mansão, então seria seu filho
quem deveria decidir o lugar onde ela residiria; embora isso fosse quando
Henry fosse o suficientemente mais velho para poder decidir essas coisas,
porque no momento tinha cinco anos e a única coisa que o interessava era
que sua mãe lesse uma história antes de dormir.
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maiores devido aos óculos, o que dava a sensação de que poderia ver mais
do que viam outros.
A voz de Jack Dodger era muito áspera, dava a sensação de que grande
parte do dia passava gritando até que a garganta ficasse em carne viva.
Entretanto, nela se adivinhava também um agradável tom que Olívia era
incapaz de explicar. Imaginava sussurrando palavras ao ouvido de uma
mulher e tentando-a para que se deixasse levar por vergonhosos
comportamentos.
—Você limite-se a me dizer por que diabos estou eu aqui, para que eu
possa ir.
Olívia pigarreou e Dodger a olhou com desdém; era a primeira vez que
se dignava a prestar atenção nela desde que a tinham apresentado.
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—Devo insistir em que não utilize linguagem vulgar em minha casa.
Se você for falar assim, não poderei ficar.
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Olívia mal teve tempo de assimilar a decepção que sentiu ao descobrir
que seu marido não tinha deixado a casa para ela, porque centrou toda sua
atenção em descobrir, por fim, o motivo de que Jack Dodger tivesse sido
chamado àquela tarde.
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—Este relatório contém uma lista de todos os ativos não associados
aos títulos que...
—Desde que tomou posse dos títulos, seu marido levou um preciso
arquivo no que foi indicando que propriedades e ativos estão associados aos
títulos e...
—Não, não. Refiro-me ao testamento; deve tê-lo lido mal. Disse que
o senhor Dodger foi nomeado tutor?
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estivesse lendo um documento do Parlamento—. Lamento, sua excelência,
mas a decisão de seu marido é irrevogável.
Olívia quase perdeu a compostura por completo. Não podia ser sua
casa não, ela tinha trabalhado duro para criar ali um lar.
Jack Dodger se inclinou para frente, deixou cair o livro sobre a mesa
com um sonoro golpe na madeira e se aproximou do senhor Beckwith de um
modo inquietante.
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—Posso assegurar, senhor Dodger, que isto não é nenhuma
brincadeira.
—E esse último objeto tem mais valor que tudo o que há listado aqui?
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—Ele lhe confiou algo de valor incalculável?
—Se eu tivesse que decidir seu valor, diria que é o mais valioso que o
duque possuía.
—Quer que peça a algum servente que traga uma taça de chá? Ou
talvez um pouco de limonada?
O senhor Dodger a olhou com uns olhos tão escuros como sua alma.
—Eu não gosto do tom com que se dirige para mim, senhor.
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OH, aquele homem era irritante. Então, ele fez algo muito estranho.
Começou a caminhar pela sala observando com avidez o que havia a seu
redor; parecia como se fosse meter tudo nos bolsos. Embora fosse evidente
que não tinha nenhuma necessidade de roubá-lo. O tinham entregado tudo
em bandeja.
Olívia não podia deixar passar essa afronta, mas naquele momento não
lhe ocorreu uma resposta o bastante contundente para pô-lo em seu lugar.
Sentia-se como uma parva. Como podia ter feito isso Lovingdon com ela?
E, mais importante ainda, como podia ter feito isso a seu filho? Acaso não
se importava em que classe de homem poderia chegar a se transformar?
—Pelo visto, não se deu conta que estou de luto. Não posso aceitar
nenhum pretendente.
—Senhor Beckwith...
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—Lamento muito, sua excelência, mas se o senhor Dodger aceitar ser
o tutor de seu filho, não há nenhuma possibilidade de negociar este assunto.
—Faz muitos anos que trabalho para o duque, sua excelência, e jamais
me permiti questionar suas decisões. Estranha vez comentava comigo seus
pensamentos e não posso saber os motivos que o levaram a esta decisão, mas
estou certo que, no que a este assunto se refere, fez o que lhe pareceu mais
conveniente.
Olívia não se atrevia a perguntar, mas tinha que saber. Pareci pouco
provável que seu marido tivesse escolhido alguém pior que Jack Dodger,
mas se este era a primeira opção do duque, qual seria a segunda? O demônio
em pessoa?
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—A quem assinalou como tutor de meu filho nesse segundo
testamento?
—Nada deve influir? E como chama você a dar-lhe tudo? Se isso não
for uma influência, então não sei o que pode ser.
—O que queria dizer é que seu marido não desejava que a pessoa que
pode se converter no tutor de seu filho possa influir no senhor Dodger.
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que só podia ter saído das profundidades do inferno, um ardor que lhe
provocava um involuntário calor no centro de seu ser, que fazia que
tremessem os joelhos, que umedecia as palmas das mãos e secava sua boca.
—Desculpe?
Sua voz era tão poderosa como uma carícia e conseguiu que Olívia
imaginasse que nessa «adequada» recepção estariam implicadas sua boca,
suas mãos...
—Parece-me, senhor Dodger, que sua atitude para a duquesa não tem
justificação, e estou certo que não era o que o duque tinha em mente quando
o incluiu em seu testamento.
Ele se virou em sua direção e, de repente, ela desejou não ter aberto a
boca. A verdade era que não queria enfrentar aquele homem. Não encontrava
a maneira de tirar vantagem. Tinha a sensação que ganhar dele era algo
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completamente impossível. Com certeza sempre conseguia arrastar todos os
que o rodeavam até o buraco onde ele vivia.
—Já imagino o que terá que fazer para ganhar seu respeito.
Em seus olhos viu uma emoção que não pôde identificar. Seria
remorso?
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claro que não podia interferir enquanto eles solucionavam suas diferenças.
Só um idiota tinha esperado que a duquesa aceitasse com serenidade aquela
ridícula escolha de tutor, e o duque não era nenhum idiota.
Não costumava questionar a quem pagava tão bem por seus serviços,
mas se perguntou se Lovingdon teria compreendido as possíveis
consequências de suas decisões. Para Charles Beckwith, tudo aquilo só
alcançaria um propósito: que tudo fosse um desastre.
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CAPÍTULO 02
Jack Dodger ignorava por completo à viúva, que o seguia a toda pressa
enquanto ele percorria a passo rápido os corredores e cômodos da casa em
busca de algo que fosse familiar, de algo que indicasse que já tinha estado
antes ali. Fazia muito tempo que sabia que nada se conseguia com facilidade,
e toda aquela situação parecia muito simples. Bom, exceto a parte de ter que
relacionar-se com a viúva. A duquesa era a definição exata do tipo de mulher
que ele evitava a todo custo. Julgava-o através de um caleidoscópio de pura
indignação e não tinha problema em deixar bem claro que não era digno de
tudo aquilo.
Era evidente que a duquesa não tomou nada bem o testamento. O fogo
da indignação que tinha visto arder em seus olhos o tinha golpeado como um
poderoso murro no estômago, e tinha desejado transformá-lo em um fogo de
paixão...
Maldição!
Por isso tinha decidido sair da biblioteca, porque tinha aprendido que,
às vezes, a retirada podia supor uma vitória. Frequentemente, uma estratégia
eficaz requeria um reabastecimento de arsenal ou conseguir um pouco de
espaço para respirar e poder pensar com claridade.
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Tinha bom olho para identificar objetos de valor e se deu conta em
seguida que o duque tinha acumulado uma autêntica fortuna. Também era
evidente que a família, do primeiro duque até o último, tinha uma grande
opinião de si mesmo. Se não, por que iam ter todos aqueles retratos de
distintas etapas de suas vidas, que os imortalizavam desde seu nascimento
até a velhice? Deus, a nobreza era incrível... Como podiam pensar que
alguém se interessaria em saber que aspecto tinham? Entretanto, a julgar pelo
grande número de quadros que penduravam das paredes por toda a casa, era
evidente que havia alguém a quem sim importava. Jack talvez pudesse
vendê-los por uns peniques.
—Estou certa que quando o senhor Beckwith disse tudo da casa, não
se referia exatamente a tudo. É evidente que os retratos formam parte das
propriedades associadas aos títulos.
—Já veremos.
Era um bom argumento, mas Jack tinha decidido que deveria estudar
o disforme detalhe e memorizar todos e cada um dos objetos que apareciam
nele. Não pensava deixar que ela ficasse com nada que o duque tivesse
legado a ele; pelo menos, não sem pagar um preço justo por isso. Não é que
tivesse intenção de aproveitar-se, mas tampouco era um homem de natureza
caridosa.
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—Pergunto-me com que recursos pagaria sua roupa — murmurou ele.
—Desculpe?
Jack parou ao deixar atrás o terceiro salão que ela quase se chocou
com ele quando o fez. Sua fragrância o provocava com a mesma intensidade
com que tinha feito na biblioteca. Quando estavam ali sentados, tinha
desejado aproximar-se para deleitar-se nela. Desprendia um sutil aroma de
lavanda que não tinha nada a ver com a enjoativa essência almiscarada que
utilizavam as prostitutas para esconder o aroma de seu negócio e dos outros
homens.
A mulher mal lhe chegava à altura dos ombros. Era muito jovem para
ser viúva. Devia ser só uma menina quando o duque se casou com ela. Havia
uma grande diferencia de idade entre os dois e era evidente que para a
duquesa aquele homem devia ter parecido um ancião. Casou-se com ele
porque o queria? Ou só se casou pelo título e os privilégios associados?
Jack deu meia-volta e se afastou, tentando que ela não notasse o quanto
ele que gostava de fazê-la zangar. Aquilo não era muito cavalheiresco de sua
parte, mas a verdade era que ele não tinha afirmado nunca ser um cavalheiro.
Jamais tinha conhecido algum que não fosse um completo hipócrita. Era
muito melhor admitir ser um cafajeste, era mais honesto. Jack não era o tipo
de homem que fingia ser algo que não era.
Voltou sobre seus passos com impaciência. Não tinha mais remédio
que admitir que o duque tinha gasto seu dinheiro com inteligência.
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tivesse tirado o tema da roupa, pois era evidente que não tinha nenhum
interesse em despi-la.
Aquele vestido negro que usava tinha muitos botões para que Jack se
interessasse. Chegavam-lhe da cintura até o queixo e dos braços até os
cotovelos. E estava convencido que, quando não estava de luto, sua roupa
era igualmente aborrecida. Dava toda a sensação de ser uma mulher que
acreditava que a tentação era o atalho que conduzia ao inferno e que esse era
um caminho pelo que não devia aventurar-se sob nenhum pretexto. Usava
presa a apagada cabeleira castanha sob uma touca de viúva; era impossível
saber o seu comprimento. Jack se amaldiçoou por perguntar-se por essas
intimidades.
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Jack percorreu um amplo corredor que desembocava no vestíbulo.
Cruzou-o a toda pressa e começou a subir a escadaria de mármore negro.
—Para um homem como eu, e estou certo que já se deu conta, não há
nenhum lugar que não seja importante.
Esforçou-se para não rir quando a ouviu resmungar atrás dele. Deus,
o que tinha visto o duque nela? Pelo que pode deduzir, era evidente que não
tinha senso de humor. Era tão rígida como o atiçador da chaminé, embora
não podia deixar de admirar a valente atitude com que brigava para conservar
o que acreditava que era dela. Aquela minúscula mulher se tinha convertido
em uma autêntica leoa ante a ideia de que Jack fosse ocupar do cuidado de
seu cachorrinho. Se sua mãe tivesse sido igual e obstinada, talvez sua
infância não tivesse sido tão dura.
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—Este é o quarto do duque? —perguntou, surpreso ele mesmo pela
voz rouca que saiu.
—Sim.
Ouviu-a tragar.
—Sim.
Assim que o duque queria tê-la perto. Jack não sabia por que se
incomodava essa ideia, mas o fazia. Olhou-a nos olhos.
Jack não acreditava ter visto nunca a uma mulher tão pálida como a
duquesa, mas de repente o rubor apareceu em suas bochechas e ele voltou a
se perguntar se essa cor a teria visitado também no leito do duque. Por que
não podia deixar de imaginá-la naquela maldita cama?
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—Suponho que fazem porque podem — respondeu a si mesmo com
brevidade, convencido que ela não ia fazê-lo.
Seguro que aquela mulher se metia na cama tampada dos pés à cabeça
com algo parecido a uma mortalha. Deu um passo em direção a sua porta...
—Por favor, não entre em meu quarto — pediu ela com suavidade.
—Todos os quartos são iguais — disse ela, uns passos atrás dele—.
Não entendo por que necessita...
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Ele a olhou por cima do ombro e lhe piscou um olho.
A duquesa assentiu.
—Sim.
—Henry, verdade?
—Sim.
—Acaso é mudo?
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—Está aterrorizando-o.
—Não olhe sua mãe para que te diga a resposta. Pense por si mesmo.
—Não fale nesse tom — ordenou a mulher—. Ainda não é seu tutor.
Jack não sabia se sentia inveja do menino por ter uma mãe tão
protetora —um amparo que ele teria gostado que sua própria mãe tivesse
mostrado com ele—, ou compadecia dele: era evidente que o educando
daquela forma ia convertê-lo em um fraco. Aos seis anos, Jack era
perfeitamente capaz de sobreviver nas ruas graças a seu engenho, sua
inteligência e a destreza de seus dedos. Nunca tinha tido medo de arriscar-
se. Tinha aprendido a esquivar com habilidade aos que queriam apanhá-lo.
Teve a sorte de ter uns pés rápidos, mas mais sorte ainda de ter uma mente
rápida.
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ao nariz sozinho. Seria essa a razão pela qual o duque tinha deixado sua
educação em suas mãos?
Deus, aquela mulher era muito rápida. Se não fosse porque Jack tinha
as pernas muito longas, não acreditava que pudesse tirar muita vantagem.
—Não é que seja de sua incumbência, mas quero falar com Beckwith.
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uniformizado abriu a porta que dava acesso à biblioteca. Jack entrou na
biblioteca e se virou rapidamente para encarar à duquesa e lhe deter o passo.
Embora nada disso tivesse sentido, essa era a única conclusão a que
Jack tinha chegado para explicar o aparente ataque de loucura do duque.
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—Eu trabalho para muitos lordes e cavalheiros que possuem uma
considerável riqueza, senhor Dodger. Seu benfeitor desejava permanecer no
anonimato e assim será.
—Estou dizendo que até que seu benfeitor não me dê permissão para
revelar essa informação, guardarei o segredo o melhor que possa.
—É importante que entenda por que um homem com o que falei tão
poucas vezes em minha vida considerou oportuno me dar tanto em troca de
tão pouco.
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—Maldito seja, homem! Aí é exatamente aonde quero ir parar. A
duquesa tem razão. Eu sou a última pessoa que deveria ser tutor e protetor
de seu filho. Detesto a aristocracia.
Jack passeou o olhar pela sala. O único lugar onde tinha visto mais
livros que ali era na biblioteca de Claybourne. Embora lesse um livro cada
um dos dias que ficavam de vida, não conseguiria lê-los todos. Só os
encadernados em pele já valiam uma fortuna.
CAPÍTULO 03
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necessitava mais disso. Agora tinha sua própria carruagem e seus próprios
cavalos. Além de uma residência com serventes e dúvidas, muitas dúvidas.
Assinou com reservas o documento que Beckwith tinha estendido. Apesar
dos intentos que tinha feito por questionar-se e tentar convencer-se do
contrário, no mesmo momento em que o advogado tinha lido os términos do
testamento, sabia que não daria as costas a tudo o que havia caído em suas
mãos por sorte.
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Embora não se considerasse a melhor opção para ser tutor do amado
filho da mulher, também era verdade que existiam alternativas muito piores.
Talvez o próprio duque formasse parte desta categoria.
Só o que Jack recordava era que aquele homem lhe deu de comer,
banhou-o e o colocou na cama. Logo, deitou-se também entre os lençóis...
Fez coisas com ele...
Começou a andar mais depressa; parecia que voltava a ter cinco anos
e tinha que escapar...
Depois, o homem chorou, pediu perdão e lhe disse que nunca voltaria
a fazer...
Jack fugiu, parou ante um enorme olmo e golpeou o tronco com todas
as suas forças; sentiu a dureza da madeira na mão e a dor subiu pelo braço.
Não queria voltar ali, não queria voltar a sentir-se assustado, doído... e
envergonhado.
Seu amigo estava sentado frente a ele. A janela que ficava junto a sua
poltrona dava a um impressionante jardim: quando não estava envolto pela
névoa, era uma paisagem magnífica. Luke bebeu um gole de seu uísque.
Tirou a jaqueta e usava os últimos botões da camisa desabotoados. Seu
escuro cabelo estava revolto, e Jack suspeitava que não tinha se despenteado
sozinho. Entretanto, e apesar disso, tinha o aspecto de um homem que
controlava sua vida, que sabe qual é o seu lugar no mundo e que por fim está
cômodo nele. Jack não gostava de admitir, mas não tinha mais remédio que
reconhecer que Lucian Langdon usava muito bem o título de conde.
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Seu amigo encolheu os ombros.
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Ele esticou o braço para agarrar a garrafa que havia sobre a mesa e se
serviu de mais uísque. Bebeu o conteúdo de um só gole, deleitando-se com
a ardente sensação que deslizou por sua garganta e que acabaria mesclando-
se com seu sangue. O problema de levantar muros era que sempre seria muito
complicado escalá-los depois, quando se necessitava da ajuda de alguém.
—Acaso o conhecia?
—Mal. Falei uma vez com ele neste jardim. Acredito que veio visitar
seu avô. Então o vi uma ou duas vezes no clube.
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pessoas são assim: são voyeurs do pecado. Não estou dizendo que me pareça
mal.
Jack ficou de pé. A amizade que o unia a Luke estava um pouco tensa
ultimamente. Apesar de que houve um tempo em que confiaram a vida de
um ao outro, agora tinham se afastado por causa do remorso e dos segredos.
Não tinha que ter ido vê-lo, mas as ruas os tinham convertido em irmãos.
Negava-se a admitir que necessitasse de ajuda, mas de repente estava
desesperado para encontrar alguém que acreditasse nele.
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—Como recebeu a notícia a viúva?
«Em vir a minha cama.» Jack pensou que tinha omitido essas últimas
palavras. Catherine Langdon, condessa de Claybourne, era uma mulher
linda. Como já tinha se preparado para deitar-se, tinha o cabelo solto: sua
longuíssima cabeleira tinha a mesma cor dos raios da lua. Por algum motivo,
Jack se perguntou que aspecto teria a viúva quando soltasse o cabelo, e o que
sentiria se deslizasse os dedos por ele.
«Não é verdade — pensou ele, irritado —”. É você quem quer que lhe
faça algumas perguntas.»
Mas ficou onde estava, porque, se saísse, daria a impressão de que ela
o incomodava e, por muito certa que fosse essa afirmação, não queria que
Catherine se desse conta. Aquela mulher já tinha muita influência sobre
Luke. Não havia nenhum motivo para que acreditasse que também podia
controlar outro homem.
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Observou-a enquanto se deslizava com elegância pelo quarto e se
sentava na poltrona que Luke tinha cedido. Este se sentou no braço da mesma
e começou a acariciar Catherine no cabelo; parecia que não podia evitar tocá-
la quando estava perto. Tinha sido muito estranho observar como seu amigo
caía preso de seu feitiço. Luke faria tudo por ela, inclusive matar. Jack era
incapaz de imaginar-se amando tanto uma mulher; em realidade, era incapaz
de imaginar-se amando uma mulher qualquer absolutamente. O amor tornava
as pessoas vulneráveis e ele não tinha nenhuma intenção de sentir-se assim
de novo.
—Olívia?
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—Não, claro que não. Não a conheço muito bem. Seu pai era o duque
de Avendale. Tinha dezenove anos quando se casou com Lovingdon. Para
ser sincera, acredito que todo mundo se surpreendeu um pouco que se
casasse com um homem tão velho. Não acredito que tivesse nenhum
interesse em ter pretendentes. Suspeito que o casamento tinha muito mais a
ver com os desejos de seu pai que com os seus. —Deu um afetuoso golpe em
seu marido na coxa—. Nem todos temos a sorte de amar a pessoa com a que
nos casamos. —Pensativa, elevou a cabeça—. Vai aceitar ser o tutor do
menino?
—É obvio.
—A necessidade não tem nada que ver com minha decisão. Como bem
sabe, jamais dou as costas à oportunidade de ser mais rico do que sou. Além
disso, agora seremos vizinhos. Herdei sua residência de Londres.
—Não acredito que seja tanto. Além disso, só estou obrigado a sê-lo
até que a viúva se case; então, essa obrigação recairá sobre seu novo marido.
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—Vai procurar-lhe um marido? —Catherine parecia horrorizada com
a ideia.
Jack deu de ombros. Sabia que não importava o que fizesse, à mulher
de seu amigo sempre pareceria mal o que acabasse decidindo.
—Não vejo por que não. Não sou eu quem está de luto.
Henry piscou e abriu os olhos. Era um menino bonito: loiro como seu
pai, e com os olhos de sua mãe. Era muito curioso, sempre estava observando
tudo para descobrir como funcionava cada coisa.
Lovingdon tinha dedicado muito pouco tempo a ele, mas o certo era
que poucos pais o faziam. Essa era a forma que tinham os aristocratas de
fazer as coisas, e os pais acostumavam a deixar a educação de seus filhos nas
mãos de outras pessoas. Talvez, porque Lovingdon tenha se envolvido tão
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pouco nesse assunto, pensou que não tinha por que dar muita importância à
escolha do tutor, mas essa explicação não bastava para que Olívia
conseguisse justificar sua escolha.
—Por favor, Helen, prepare uma mala com as coisas que Henry e você
precisarão. Eu vou pedir que tragam a carruagem. Não podemos nos
demorar.
—Bem. Vamos.
Entrou na noite seguindo o lacaio que levava seu filho e a outro que
sustentava uma lanterna. Desceu os majestosos degraus que a afastavam da
casa da que se apaixonou. Enquanto se deixava devorar pela escuridão da
noite, sentiu uma pontada no peito. Se fosse uma mulher mais fraca, estava
certa de que sucumbiria às lágrimas, mas o pranto não mudaria a situação.
Tinha que ser forte por Henry. Tinha que protegê-lo a todo custa. Ela
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conhecia muito bem a que índole pertencia Jack Dodger. Era um homem que
o queria conseguir tudo da forma mais simples, sem esforçar-se. Quando
estivessem longe, não se incomodaria em ir atrás deles. Tinha conseguido a
residência e tudo o que continha e estava convencida de que isso era quanto
desejava.
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Henry, que estava na porta da carruagem, nos braços de um lacaio,
gritou ao ouvir o grito de sua mãe e logo se pôs a chorar. Olívia levou os
braços para agarrá-lo e o apertou contra seu tremente peito.
—Chist, Henry, não foi nada. Mamãe se assustou, isso é tudo. Mas
este homem não te fará nenhum mal, carinho. Prometo isso.
—O que está fazendo aqui? —inquiriu, adotando seu tom de voz mais
seco; que empregava quando descobria que algum de seus serventes não
estava fazendo as tarefas que tinha atribuído.
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—Acredito que tem razão. Farei que o tirem imediatamente, porque
poderia provocar confusão.
—Já faz muito tempo que aprendi que as pessoas dão muitas
explicações quando se dão conta de que se puseram em evidência.
—Eu não tenho feito nada errado. —Mas suas palavras soaram
defensivas e fracas inclusive a seus próprios ouvidos.
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Olívia poderia ter jurado que detectava certo humor em sua voz. Acaso
aquele homem pensava que tudo aquilo não era mais que uma piada e que o
que tinha ocorrido essa noite só tinha o propósito de diverti-lo? Decidiu
guardar essas duras palavras, porque estava certa de que só conseguiria irritá-
lo mais.
—Como tutor, não tem por que protegê-lo de nada. Só tem que
preocupar-se com seu bem-estar, e isso pode fazer me confiando seu cuidado
e deixando que o leve ao campo.
—Não estou certo de que isso seja o que mais lhe interessa.
—Acredito que você sabe muito bem que não sou precisamente
decente. —Teve o descaramento de sorrir enquanto dava golpezinhos ao
maldito livro.
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—Por desgraça, para você, duquesa, sou um homem de palavra.
Prometi me ocupar do cuidado e da educação de seu filho e assim farei. E
farei aqui, em Londres, porque meus interesses econômicos e meus negócios
estão aqui. Embora tenha razão em uma coisa: temos que chegar a um acordo
e arrumar as coisas entre nós. Sugiro que voltemos para a residência, onde
poderemos falar do tema com mais comodidade.
—São mais de dez da noite. Não é uma hora decente para visitas.
Suponho que não estará sugerindo que tem a intenção de passar a noite aqui.
—Você é viúva, não uma mulher solteira. Não é obrigatório que tenha
dama de companhia. Embora suponha que tem muitas faxineiras que se
ocupam de satisfazer suas numerosas necessidades. Se tiver medo de sentir-
se tentada a vir à minha cama, pode pedir que a vigiem.
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pelas noites, por isso o mais habitual é que esteja em meu clube. Não ocorrerá
nada indecoroso.
—Que vai me levar sobre seu ombro? Como se fosse uma prostituta
qualquer... Não se atreveria.
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—Já lhe disse antes que se me desafiar só conseguirá que o faça. —
Levou os braços para agarrá-la...
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—Primeiro tenho que ler um conto a Henry. Não dorme se não leio
para ele antes.
—Estou convencida de que você tem uma opinião muito boa de suas
habilidades. Está claro que em algum momento o agarraram. Vi a marca que
leva na mão.
Olívia não via nenhum sentido em dizer que ela não era nenhuma
ladra. Como iria saber que ele tinha herdado a carruagem? Teria que dar uma
olhada na sua cópia do relatório ou estudar o de seu filho com mais detalhe.
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Então saltou da carruagem provocando que esta se balançasse e disse
aos serventes que continuavam ali:
CAPÍTULO 04
Maldita fosse! Teria que ter deixado que levasse a menino ao campo.
Limitar-se a fingir que era seu tutor. Passou boa parte da infância fingindo
ser uma coisa ou outra para enganar a alguém e poder lhe roubar algo.
Quando se dedicava a colocar a mão nos bolsos alheios, estava acostumado
a vestir-se com um traje elegante que tinha roubado para passar despercebido
entre os ricos, para parecer um dos seus, para que pensassem que era o filho
de algum deles e só estava passeando. Todos os meninos de Feagan eram
muito hábeis se misturando com o meio: sempre conseguiam encaixar,
embora não fosse verdade.
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Então teve um mau pressentimento. Olívia era uma garota muito
esperta; já tinha demonstrado ao empregá-lo tão rápido. Ele tinha conseguido
cortar uma via de escape, mas poderia ter encontrado outra.
—Não, senhor.
Sim, deveria deixá-los partir. O que sabia ele de crianças? Era verdade
que tinha protegido alguns em algum momento; tinha o corpo cheio de
cicatrizes que demonstravam isso, embora não todas elas fossem visíveis e
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estava acostumado a ensinar aos outros meninos a sobreviver quando não
tinham mais ninguém que os protegesse. Em seu clube, trabalhavam vários
meninos: de recados, levavam as bebidas aos cavalheiros, ajudavam a levar
as fichas de um lado a outro... Jack se perguntou se Lovingdon viu a
segurança que ganhavam esses meninos quando começavam a trabalhar para
ele. A princípio, sempre tinham medo, não confiavam em sua boa sorte e
suspeitavam dos motivos pelos quais Jack queria contratá-los. Mas em pouco
tempo acabavam convencidos; começavam a andar com a cabeça bem alta,
falavam sem vacilar e começavam a entender o muito que valiam. Seria essa
a razão pela que Lovingdon ia a seu clube e não participava de suas variadas
ofertas de ócio? Teria ido ali para observar e aprender, para poder decidir
quem seria o mais indicado para preparar seu filho para o mundo?
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Normalmente, não tinha nenhum interesse particular em exercer a
função de tutor do menino, e se o menino não estivesse chupando o dedo,
talvez não tivesse gritado mais forte que sua mãe, Jack teria questionado
seriamente a necessidade de ficar. Um pirralho não deveria estar tão
assustado. Ninguém deveria. O que era que lhe provocava tantos medos? E
como podia Jack começar a lhe dar a confiança que necessitava para fazer
honra a seu título? Não podia fazê-lo sentando-se junto a ele diante do fogo
enquanto a genebra esquentava seu estômago e o cigarro fazia o mesmo com
seus pulmões. Estava convencido que a duquesa jamais aceitaria, o que fazia
que lhe desse vontade de pensar mais na ideia. Fazê-la zangar poderia
converter-se facilmente em seu último vício. Ela conseguia irritá-lo por
motivos que não era capaz de entender e ele prestava uma estranha atenção
em alguns detalhes sobre aquela mulher nos quais jamais pensou antes.
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Deslizou os braços por debaixo de seu corpo com muito cuidado: um
à altura de seus ombros e o outro por debaixo de seus joelhos. Estava
convencido que suas costas se ressentiriam do peso, mas quando a levantou,
deu-se conta de que era tão magra como eram seus dedos quando menino
metia-os nos bolsos de outros para roubá-los. Olívia emitiu um pequeno som
parecido a um miado ao mesmo tempo em que apoiava a cabeça sobre o
ombro de Jack. Então, ele percebeu uma fragrância que reconheceu em
seguida: láudano. Talvez tivesse tantos problemas para dormir como ele.
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abajures do corredor e a pouca que entrava pela janela dos abajures de gás
que iluminavam o caminho de entrada lhe proporcionavam a claridade
suficiente para que pudesse intuir a silhueta da enorme cama. Aproximou-se
dela e depositou Olívia em cima com a maior suavidade possível.
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que outras partes de seu corpo a duquesa provocaria um homem? Porque o
provocaria, disso estava completamente certo.
73
mulheres se quisessem ganhar um pouco mais, sempre e quando a decisão
fosse completamente dela. Todo mundo sabia que Jack Dodger não olhava
para o outro lado se alguém tratasse mal seus empregados.
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Olhou para uma mulher sentada no colo de um homem. Prudence era
a garota que mais tempo estava com ele. A juventude estava começando a
abandoná-la, mas possuía muita experiência. Sussurrou algo ao homem com
quem estava, logo levantou seu ligeiro corpo e começou a andar
provocantemente para Jack. Usava a cabeleira loira solta e o cabelo caía em
cascata sobre as costas. Nunca tinha sido pudica e ia coberta só por uma fina
capa de seda.
Jack a olhou com atenção; seu olhar era uma mescla de apreciação
pelo que lhe oferecia fisicamente e outro pouco de remorso. Era importante
não deixar que uma mulher soubesse que não a desejava. Era melhor
conseguir que pensasse que havia outros motivos pelos quais não queria estar
com ela.
—Já faz muito tempo, Jack. Não terá encontrado outra, verdade?
—Tudo vai bem, mas acredito que vamos perder Annie. Um dos lordes
quer que seja sua amante exclusiva.
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—É isso o que ela quer?
Prudence assentiu.
—É um bom tipo.
—Assegure-se de que ela entenda que ele nunca se casará com ela.
Piscou-lhe.
—Pois quando você necessitar, faça-me saber. Sigo sendo sua garota.
Abriu a porta que conduzia à parte detrás, de onde ele dirigia seu
negócio. Parou ante um quarto aberto, olhou o interior e observou enquanto
Frannie Darling pegava algumas precisas notas em seus livros de
contabilidade. Ela também tinha sido uma das meninas de Feagan, a única
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cujas hábeis mãos podiam comparar-se com as de Jack. Ninguém tinha
conseguido superar as recompensas que conseguiam eles dois.
—Por quê?
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—Que me pendurem se caso eu sei. —Afundou os dedos na pele do
respaldo—. Falou com ele alguma vez?
—Já sabe que evito tudo o que se passa na zona de jogo. —O bom
licor fazia que seus clientes fossem mais simpáticos que de costume e se
acreditassem mais atraentes do que eram em realidade. A zona de jogo não
era um bom lugar para uma dama que não desejava a atenção dos homens.
—Que medalhão?
Que continha uma foto em miniatura de sua mãe. A noite que ela o
vendeu, o deu enquanto dizia:
«Queria.» Ele nunca soube o que tinha feito para perder seu amor.
Com o tempo, deixou de perguntar-se. Começou a empregar toda sua
capacidade mental em sobreviver.
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—Não importa. Tinha pensado que talvez você tivesse falado com ele
alguma vez na casa de Claybourne.
—Essa parece ser a pergunta que se faz todo mundo, e de novo tenho
que dizer que não tenho nem a mais remota ideia.
Jack riu. Apesar de ter se criado na rua, Frannie ainda via os meninos
de Feagan com muita inocência. Sempre acreditava que neles havia bondade;
embora esta estivesse enterrada a tanta profundidade que nem eles mesmos
fossem capazes de encontrá-la.
—Não foi sua culpa. Você só era um menino. Não sabia que intenções
tinham aquele homem quando te pagou para enganá-los e que o seguissem
até aquele beco.
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Isso era o que Jack tinha explicado, e não era do tudo falso. Quando
ocorreu, não sabia o que se propunha aquele homem exatamente, mas sim
sabia reconhecer o mal quando o tinha ante os olhos. Entretanto, ignorou
suas suspeitas porque queria os seis peniques. Jamais conseguiu livrar-se dos
remorsos. Esperava que não ocorresse o mesmo com o trato que tinha
fechado naquela noite.
CAPÍTULO 05
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Henry Sidney Stanford, sétimo duque de Lovingdon, sabia que
estavam esfriando a papa. Ele odiava a papa fria, porque adquiriam uma
textura viscosa e não gostava de sentir como se deslizavam por sua garganta.
Tinha medo de engasgar-se com a comida e morrer.
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da saia. Por isso evitava dizer o nome da babá a menos que fosse
absolutamente necessário.
Só lhe batia quando não havia ninguém. Henry sabia que era porque
ela se preocupava com ele e o fato de que não fosse um bom menino era seu
segredo. A babá não queria lhe bater, mas não lhe dava outra opção. Henry
tampouco entendia isso. Só o que sabia era que não queria que sua mãe
soubesse que fazia coisas pelas que a babá tinha que lhe bater. Sua mãe
acreditava que era um bom menino e, embora não fosse verdade, queria que
continuasse pensando para que continuasse querendo-o.
—Sim, senhor.
—Não é lorde Henry, senhor. Na realidade, nunca foi até agora. Antes
era lorde Ashleigh. É obvio, agora é duque. Sua excelência.
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Ele pousou os olhos no bolso da saia de sua babá onde ela guardava a
vara da qual não podia falar com ninguém e negou com a cabeça.
O homem riu.
O homem era alto, igual o seu pai. Supunha-se que, como seu pai tinha
morrido, todos deviam vestir de negro, mas aquele homem usava um colete
de um tom violeta muito escuro. Henry se perguntou se devia lhe explicar
aquela norma.
Ele assentiu e logo negou com a cabeça. Tinha uma ligeira ideia.
Aquele homem fazia zangar-se a sua mãe, mas ele tinha visto o modo em
que a agarrava em braços, com muito cuidado. E a tinha tocado como se
gostasse tanto dela como ele mesmo gostava.
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— Olhe, encanto, eu não sou alguém que se atenha a muitas normas e
o certo é que já adquiri algum ou outro mau hábito. —Não deixava de olhar
a Henry enquanto falava—. Já temos algo em comum, menino. Tampouco
eu gosto das normas. Seu pai me pediu que fosse seu tutor. Sabe o que é um
tutor?
O menino assentiu.
—Não menino, não voltará. Mas me pediu que cuidasse de você, assim
se precisar de algo... —começou a levantar.
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—Um cãozinho! —espetou Henry.
Jack parou.
—Quer um cãozinho?
Apesar de que a papa estava viscosa, fez o que tinha ordenado, porque
já havia colocado a mão no bolso.
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Mas não era sua mesinha de noite. Deus..., não estava em sua cama.
Antes daquela noite, só tinha entrado uma vez naquele dormitório. Foi
em um absurdo intento de seduzir ao seu marido, quem, inclusive um ano
depois do nascimento de Henry, não havia tornado a procurar sua cama.
Olívia pensou que talvez não se desse conta de que estava completamente
recuperada do parto e que podia voltar fazer frente a seu dever como esposa.
Mas descobriu que ele já não a desejava. Já tinha o herdeiro que tanto queria.
Tinha olhado-a com lástima e ela temia tê-lo olhado com desespero. Não
estava muito certa de como tinha conseguido armar do valor para ir buscá-
lo. Ele jamais tinha sido um homem carinhoso na cama. Talvez Olívia o
tenha feito porque uma breve carícia era melhor que nenhuma. Lovingdon
nunca tinha sido um homem muito apaixonado.
Céu santo, talvez não fosse seu marido quem havia se tornado louco a
não ser ela. Não se lembrava de como tinha chegado ali. Estava
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completamente vestida, embora sem sapatos. Recordava ter tomado uma
pequena quantidade de láudano para aliviar sua dor de cabeça e então ter ido
ler para Henry. Depois, supunha-se que devia reunir-se com o senhor Dodger
para convencê-lo de que o melhor para todos era que os deixasse partir para
o campo. Só tinha querido uma breve pausa antes de enfrentar a ele. Tinha
fechado os olhos...
A teria levado Jack Dodger até ali? A teria deitado ele em sua cama?
Teria se aproveitado dela? Não tinha a sensação de que ninguém a houvesse
tocado. Não sentia nada anormal entre as pernas. A verdade era que, depois
de quase seis anos de não ter tido contato com nenhum homem, saberia se
tinha se deitado com um. Teria alguma pista. Como não havia nenhuma, só
podia deduzir que se o senhor Dodger a tinha levado a sua cama, não tinha
ocorrido nada inapropriado entre eles. Tinha mantido sua palavra. Quem ia
dizer.
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E Henry. Céu santo, e se o senhor Dodger tinha decidido tomar suas
responsabilidades a sério e tinha ido procurar Henry? Tinha que ir ver como
estava seu filho. Desceu da cama e se dirigiu à porta. Abriu-a e apareceu a
cabeça para dar uma olhada. Não havia nem rastro do espantoso senhor
Dodger.
Ele assentiu.
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—A que se refere?
—Bom, não acredito que haja nenhuma só pessoa que não tenha
ouvido falar de Jack Dodger. É um homem muito famoso em algumas partes
de Londres. Mas esta manhã me pareceu bastante simpático.
—Disse palavrões?
—Já sei que o faria. —Suspirou—. Falarei com ele sobre este assunto.
Henry esboçou um doce sorriso e ela o abraçou com força. Era tão
bonito... Estava certa de que mudaria muito sob a tutela de Jack Dodger.
Foi a seu quarto e puxou da corda para chamar Maggie. Sua donzela
já havia tornado a pôr em seu lugar as coisas que tinha preparado para a
91
precipitada fuga da noite anterior. Olívia viu seu livro encadernado em pele
sobre a escrivaninha de seu quarto. Tinha-o posto com as coisas que queria
levar ao campo porque desejava lê-lo atentamente quando chegassem ali.
Aproximou-se da mesa e abriu a tampa de pele. Tudo estava
meticulosamente cotado e acompanhado de precisas descrições...
—Sua excelência...
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—Não me fale nesse tom.
—Mostre então.
Jack a levaria aos tribunais antes que pudesse fazer tal coisa.
Olívia o observou durante uns segundos; parecia ver algo mais em suas
palavras e não estava seguro de se seria muito bom que advertisse segundas
intenções nele. Jack não estava acostumado a seduzir a mulheres para levá-
las à cama. Pagava pelas mulheres que queria e elas só esperavam que fosse
o preço marcado. Mas com a duquesa tinha a incômoda sensação de que
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havia algo mais entre eles e que isso o podia levar por um caminho que não
desejava seguir.
Ela pareceu decidir-se: deixou cair seu livro sobre a mesa, abriu a
coberta e assinalou a primeira página.
—Aqui.
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Jack a ouviu dar golpes com o pé no chão e teve a sensação de que
queria voltar a lhe bater. Para falar a verdade, desejava que o fizesse. Ele
merecia. Em que diabos estava pensando para lhe fazer uma pergunta tão
íntima? Que importância tinha como tratava Lovingdon a sua mulher na
cama? Se Jack não se conhecesse, pensaria que estava sentindo um pouco de
inveja.
—Não acredito que esteja tão mal informado, mas em qualquer caso,
agora que sei que a carruagem é de Henry, posso utilizá-lo quando me
agradar sem temor a ser presa por roubo.
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—na realidade não pode. Como tutor de Henry, também sou
responsável por todas suas propriedades.
—Para que saiba o que herdará seu filho quando fizer os vinte e um
anos, mas não porque tenha recaído em você o cuidado de nenhuma dessas
coisas.
Essa pequena derrota a fez fraquejar, mas Jack não desfrutou nisso.
Em realidade, sabia que a duquesa seria muito melhor tutora para seu filho
que ele. Ela brigaria até a morte por protegê-lo, enquanto que Jack só brigaria
até sangrar. Entretanto, suas finanças era um assunto completamente
diferente. Duvidava muito que ela estivesse preparada para cuidar desse
assunto.
—Não recordo ter dado permissão para que se dirija para mim desse
modo tão familiar.
—Ah, não? Foi você quem me pediu que não a chamasse por seu
título, portanto, só posso fazê-lo chamando-a por seu nome.
—Senhor Dodger...
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—Se tivesse pai, ele seria o senhor Dodger, mas como nunca o tive,
não existe nenhum senhor Dodger. Pode me chamar de Jack.
Muito temia que não pudesse dizer o mesmo dos temas de conversa
que pudesse escolher o senhor Dodger. Talvez ela pudesse insistir em que se
limitasse a falar de Henry.
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O senhor Dodger se sentou com os elegantes movimentos de um
predador que se posiciona à espera da oportunidade de saltar sobre sua presa.
Deu a sensação que, embora ele voltasse a centrar sua atenção em seu
relatório, nada naquele homem era como parecia. Estava completamente
atento a tudo quanto ocorria a seu redor. Todo mundo sabia que tinha
sobrevivido à vida na rua, e Olívia imaginava que sua sobrevivência se devia
à perspicácia de seus sentidos. Lovingdon sempre tinha dado a impressão de
estar distraído enquanto lia o periódico. Ela estava convencida que as
distrações eram tão alheias a Jack Dodger como seguir as normas sociais.
—Senhor Dodger.
Seu tom zombador não deixava a mínima dúvida que não tinha
nenhum respeito por seu título.
—Se insistir em que o chame por seu nome, então me verei obrigada
a deixar de utilizar qualquer apelativo para me dirigir a você. Talvez possa
fazer a mim o mesmo favor — sugeriu ela, adotando um tom inócuo.
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Ele inclinou a cabeça para um lado. Não se incomodava em esconder
o muito que estava se divertindo.
—Está me corrigindo?
—Sou seu tutor. Não tenho por que discutir nada referente a seu filho
com ninguém.
Olívia pensou que se tivesse comido algo do que tinha no prato, teria
o risco de vomitá-lo.
— Comprarei outro.
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Sentiu o peso do olhar do Jack enquanto dava uns golpes a uma página
do maldito registro.
—Não penso falar sobre meus sentimentos com um homem que não
duvidaria em utilizá-los conta mim. —Levantou as mãos para dar o tema por
resolvido. Jamais lhe falaria do que sentia—. Prometeu um cão ao meu filho,
mas não o conhece. É um menino muito sensível. Devo insistir em que, de
agora em diante, consulte-me todas as decisões que pretenda tomar em
relação com Henry antes de comunicar a ele.
Olívia não sabia se, se sentia aliviada porque já não teria nenhum cão
ou zangar-se ao ver quão rápido aquele homem esquecia as promessas que
fazia a seu filho. Quando falou sobre o assunto, não estava muito certa de
como queria que desistisse; achava que o que pretendia era que ele se desse
conta que não tinha nem ideia de como cuidar de seu filho. Ao contrário de
muitas mães, ela não queria ser uma simples testemunha da vida de seu filho.
Em realidade, por sua vez ela já tinha discutido com Lovingdon sobre a
necessidade de contratar a uma babá. Olívia sabia que todos os meninos da
aristocracia eram criados por babás, mas não estava muito de acordo com
100
essa norma. Ela queria ter um papel mais ativo, e agora aquele homem estava
ameaçando afastando-a por completo da vida do Henry.
—Eu não quero que tenha um cão, mas seria muito pior se quebrasse
sua promessa. A confiança é algo muito frágil e se o fizer estará ensinando
que as promessas não têm nenhum valor.
—Jack.
101
—Ontem à noite tinha que me reunir com você na biblioteca...
—Assim é. Prometeu.
—Disse que faria. Em meu mundo, quando alguém diz que vai fazer
algo, a promessa está implícita.
—Esta manhã despertei em, bom, não despertei em minha cama e não
recordo como cheguei até ali. Acaso você...? —envergonhou-se e olhou os
serventes. Não parecia que estivessem prestando atenção, mas sabia muito
bem que não eram surdos. Inclinou-se para frente com a esperança de que
Dodger pudesse ouvi-la embora falasse em voz baixa, mas a mesa era muito
longa. Por que precisavam ter uma mesa tão longa naquele salão? Não
estavam acostumados a receber convidados ali.
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—Pedimos aos serventes que se vão?
—Quando vi que não vinha, tal como tinha prometido, fui procurá-la.
—Isso mesmo. Como me pediu que não entrasse em seu quarto, não
ficou mais remédio que levá-la ao meu.
Disse como se tivesse feito algo digno de admiração. Olívia não tinha
nenhuma dúvida de que ele costumava a levar mulheres a seu dormitório
cada dia; bom, cada noite.
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Olívia desceu o olhar e o fixou em seu prato; queria esconder a
vergonha que sentia por desejar saber o que seriam capazes de fazer aqueles
hábeis dedos.
—Jack.
—Jack.
104
tranquilo e, quando tiver acabado, venha à biblioteca para que possamos falar
da insólita situação em que nos deixou seu falecido marido.
Olívia o olhou com surpresa enquanto ele pegava seu livro negro e
saía do salão. Era incapaz de compreender que uma parte dela não gostasse
que partisse, mas pensou que só sentia isso porque tinha que ficar a sós com
seus pensamentos.
Ela tinha pensado que Jack - não, não podia pensar nele como Jack—
também preferiria estar rodeado de sombras.
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CAPÍTULO 06
106
Não estava preparado para as sensações que tinha despertado nele o
som de seu nome na boca da viúva. Tinham sentido o desejo de pedir que
voltasse a dizer. Tinham lhe dado vontade de aproximar-se dela e sussurrar
ao ouvido para que os serventes não pudessem ouvi-los. Queria saber por
que não queria que seu filho tivesse um cão. Queria lhe perguntar o que sabia
sobre corações partidos.
Ouviu a porta que se abria, mas ficou onde estava. Os passos de Olívia
eram mais audíveis à medida que se aproximava e em seguida percebeu sua
suave fragrância. Não queria nem pensar em como seria agradável descobrir
as secretas partes do corpo nas quais aplicava o perfume. Parou em frente a
ele. A maldita luz do sol se refletia em seu cabelo, provocando nele um
incrível desejo de acariciá-lo, de afundar os dedos em sua cabeleira e não
fosse nem de longe tão cuidadoso como tinha sido na noite anterior quando
tirou os grampos.
107
—É verdade que não sabe quem é seu pai? — ela perguntou-lhe em
voz baixa.
Esse tema já fazia bastante tempo que tinha falado dele e Jack não via
a necessidade de voltar a ele, embora de repente pensasse que possivelmente
Olívia tinha estado pensando tanto nele como ele nela desde que saiu da sala
do café da manhã. Entretanto, suspeitava que os pensamentos da duquesa
estavam mais focados em suas faltas, enquanto que ele, muito a seu pesar,
estava começando a reconhecer seus méritos.
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Jack conteve a necessidade de perguntar se o duque também era
reservado na cama. Por que teria tanta curiosidade pelos detalhes íntimos de
suas vidas?
—A outra noite disse que mal conhecia meu marido. Como sabia
sequer quem era? Acaso ia a seu clube?
—Vê? Seu tom de voz implica, uma vez mais, que é algo mau. Não se
pode deter as pessoas que gostam de deixar-se levar. Iriam à busca dos becos
mais escuros até encontrar um local de jogo, licor ou mulheres. Se o lugar
não fosse confiável, acabariam lhes tirando todo o dinheiro que tivessem,
inclusive embora ganhassem; possivelmente perderiam até a vida. Quando
comprassem uma garrafa, não saberiam o que esta poderia conter. Às vezes
não é mais que urina. —Elevou a mão para deter os protestos que estava
certo que Olívia ia fazer ante sua linguagem—. E as garotas... Com as garotas
poderiam contrair todo tipo de enfermidades; poderiam ficar cegos ou
inclusive tornarem-se loucos. Assim , eu proporciono a esses cavalheiros um
refúgio seguro onde o jogo é honrado, o licor é o melhor que se pode tomar
e as garotas estão limpas.
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—Dá a impressão de que pensa que seu comportamento é nobre.
—Suponho que você provoca danos sem dar-se conta — disse ela.
—Seja como for, não tenho nenhuma intenção de machucar seu filho.
Olívia olhou o lugar onde, no dia anterior, havia uma mesa cheia de
relógios; o duque sempre pareceu querer fazer provisão de tempo. Agora,
esse mesmo espaço estava ocupado por uma grande variedade de garrafas e
decantadores que esperavam perfeitamente alinhados ao alcance da mão.
—Jamais o faria.
110
Por algum motivo, Jack preferia que se mostrasse brusca com ele.
Talvez fosse o incentivo que necessitava, ou possivelmente desse modo se
sentisse aliviado ao saber que não tinha nenhuma simpatia com ele. Pensava
que poderia ser muito desafortunado que entre os dois se estabelecesse certa
camaradagem. Não lhe cabia nenhuma dúvida de que Olívia sabia que em
algum aspecto não eram iguais, mas Jack sabia perfeitamente que as
diferenças entre eles eram muitas.
—Agora são meus relógios. Estão na página sete de meu registro. Pedi
aos serventes os repartam pela casa como melhor lhes pareça.
Ela vacilou antes de ficar bem direita e dirigir-se à poltrona que havia
frente à de Jack. Se ele tivesse sido um homem fraco, teria se sentido
111
intimidado pelo olhar de Olívia. Era evidente que estava decidida a manter-
se firme. Jack devia lhe reconhecer o mérito por isso, e por preocupar-se
tanto por seu filho.
—Está sugerindo que não foi até agora? Em meu mundo, senhor
Dodger, dá-se por feito que as pessoas falam sempre com sinceridade, por
isso suas palavras não necessitam nenhuma elucidação.
112
—Supus que assim seria. Portanto, deixarei que leve a casa como
melhor lhe agradar.
Olívia sorriu e foi o mais fascinante sorriso que já viu. Esse gesto a
transformou em uma moça despreocupada. Sentiu vontade de deslizar o
polegar por seus lábios; vontade de levantar-se, rodear o escritório e agarrá-
la entre seus braços.
—Desculpe?
Assim que acabou de dizer isso, deu-se conta de que não estava muito
certo do que estava pensando para lhe oferecer essa alternativa, embora fosse
muito atraente. Se aquela mulher conseguisse levar a sua cama a metade do
fogo que imprimia às suas palavras, estava convencido de que passariam uma
noite inesquecível.
113
—Não tenho uma alma caridosa. Hoje tem um teto, roupa e comida.
O teto e a comida são meus, a roupa ainda não tenho certeza, porque tenho
que localizá-la em meu registro. Você recebe muitas coisas de mim, duquesa,
sem me dar nada em troca. Se deixar que isto siga assim, isto será um negócio
muito pouco proveitoso. Se quiser continuar vivendo nesta casa, terá que
ganhar esse privilégio.
—Como pode ser tão insensível? Acabo de perder meu marido, minha
casa e, conforme a lei, também a meu filho. Acaso é incapaz de mostrar um
pouco de generosidade?
Jack amaldiçoou entre dentes. Por que ela o estava tornando tão
difícil?
114
Jack negou com a cabeça. Ele jamais imaginava as mulheres vestidas.
Imaginava sem roupa, não com roupa. O que estava ocorrendo?
Brittles ficou ali de pé até que Jack o olhou e então fez uma pequena
reverência.
115
Assim que o homem saiu da biblioteca, a duquesa se dirigiu a ele.
—Preferi não mentir dizendo que não estava em casa. Pensei que
aplaudiria minha honradez.
Antes que pudesse acabar de dizer o que Jack estava certo que seria a
ameaça de ir correndo dizer a Beckwith, a porta voltou a abrir. Desta vez foi
James Swindler quem entrou na sala. Jack sempre tinha se incomodado que
Swindler tivesse o misterioso dom de dar a impressão de pertencer a qualquer
lugar a que ia. Estava convencido que também se sentiria completamente
cômodo percorrendo os corredores do palácio de Buckingham.
116
—Duquesa, me permita a honra de a apresentar a James Swindler,
inspetor da Scotland Yard.
—Inspetor.
Jim fez uma reverência, sem dúvida impressionando à viúva com suas
perfeitas maneiras. Resultava surpreendente que um homem tão alto e
corpulento não fosse desajeitado. Era um ou dois centímetros maior que
Jack, tanto em altura como em corpulência.
117
que tinha suas preciosas garrafas cheias de licor. Já não se ouvia nem um só
tic-tac.
—Para um homem que não permite que os horários rejam sua vida,
nenhum momento é pouco apropriado para um gole — respondeu Jack
enquanto servia um copo de uísque.
118
—Talvez queira um pouco de chá, inspetor — disse ela.
Olívia se virou em direção à porta e Jack se deu conta que não tinha
prestado suficiente atenção a sua retaguarda. Tinha um traseiro pequeno.
Perguntou-se em que medida contribuiria as anáguas ao ardente aspecto de
seus quadris. Por que as mulheres não usavam uma roupa que oferecesse
uma visão mais realista de sua figura?
Sua técnica tinha sentido. Não era de estranhar que Swindler gozasse
de uma excelente reputação; todo mundo sabia que sempre conseguia
resolver seus casos. Jack estava certo que aquele homem poderia ganhar
muito mais dinheiro se aceitasse trabalhar para ele investigando assuntos
privados. Mas ao contrário que Jack, Swindler parecia ter muito pouco
interesse no dinheiro.
—Não pode falar a sério! Isso é uma barbaridade. Não penso permitir
que...
120
Olívia deu um pequeno grito, mas o reprimiu em seguida, como se
acabasse de recordar que era uma dama de alto berço.
—É um desprezível senhor.
Jack não pôde evitar sorrir ao ver o olhar que lhe dedicou a duquesa.
Maldição! Estava começando a achá-la muito divertida. Olívia voltou a se
sentar. Como conseguia permanecer tão direita e rígida tanto tempo?
—Não posso dizer que a culpe. Tem uma boa reputação por..., bom,
por não respeitar a lei tanto quanto deveria. —Jim levantou a mão antes que
Jack pudesse protestar—. Mas não tenho muito tempo, assim voltemos para
o assunto que nos ocupa. Quando conheceu Lovingdon?
Jack olhou à duquesa. A julgar pela rigidez de seu rosto, era evidente
que ainda não tinha o perdoado pela brincadeira que tinha feito há um
momento. Na realidade, pretendia fazê-la zangar o suficiente para que se
fosse da sala.
121
—Não deveria verificar o chá?
Nos olhos de Swindler, Jack viu que seu amigo tinha entendido
perfeitamente a conexão. O pai de Luke tinha sido assassinado por seu irmão
em um intento de conseguir tomar o condado. Foi o tio de Luke quem pagou
seis peniques a Jack para que enganasse seu irmão e sua cunhada e os levasse
ao beco. Tinha contratado alguns homens, que fizeram uma emboscada. As
ações de Jack tinham mudado a vida de todos eles de forma irrevogável.
—O duque não tinha irmãos. Mas Beckwith me disse que tem dois
primos. —Jack lhe deu um pedaço de papel—. O primeiro da lista é o
próximo na linha sucessória e o outro primo está logo atrás. Quero que
averigue tudo o que possa sobre eles.
122
—Aqui há algo que não encaixa, duquesa — respondeu Jack com total
franqueza—. O duque queria que eu protegesse o Henry. Mas protegê-lo do
que? De uma mãe excessivamente protetora? Não acredito que seja esse o
motivo.
123
Como todos os meninos de Feagan, Swindler estava acostumado a
Jack lhe dando ordens; por isso não se sentiu ofendido. Levantou-se,
aproximou-se da Olívia e se inclinou ante ela.
Olívia negou lentamente com a cabeça; parecia que não acreditava que
tudo aquilo estivesse acontecendo.
124
Olívia vacilou e Jack se deu conta que estava considerando diversas
possibilidades e pensando qual era a melhor resposta. Ela tinha visto como
caía; provavelmente era a única pessoa que tinha visto, e se alguém
questionava sua palavra...
—Na realidade sim, era. Diria que tinha uns cinquenta anos.
125
—Dentro de vinte anos não achará que um homem de cinquenta seja
tão velho. Por que acha que se casou com ele? —perguntou Jim.
—Tem razão; mas, além disso, há outro assunto ao que eu gostaria que
te dedicasse. —Percorreram o corredor até chegar ao vestíbulo, onde não
havia nenhum servente—. Tente descobrir se o duque tinha predileção por
alguma perversão.
—Perversão?
126
lo em tudo aquilo, acabaria descobrindo a parte de seu passado que sempre
quis manter em segredo, mas estava disposto a correr o risco em troca de
averiguar a verdade. Embora suspeitasse que Lovingdon não era o homem
que o comprou e abusou dele, necessitava da confirmação para enterrar as
poucas dúvidas que pudessem ficar.
—Já sei que nunca fui seu favorito entre os meninos do Feagan, mas
me faça este favor. Averigue se seu filho está em perigo.
—Farei algumas investigações, mas não farei por você; farei por que
Frannie gostaria que o fizesse.
—Vá ao inferno.
Jack riu.
—É um pouco tarde para isso, amigo. Vivo ali desde que nasci.
127
—Não acredito que de verdade seja um inspetor da Scotland Yard.
—Ainda não sei bem o que pretende conseguir com tudo isto. Talvez
espere que o deixe em paz.
—Não.
—Sim posso, pelo menos até que esteja certo que estão a salvo.
128
—Por que se preocupa tanto?
—Meu mundo é muito mais civilizado que o seu. Posso lhe assegurar
que não estamos em perigo —disse com absoluta segurança.
—Então, por que me escolheu? —Jack se virou e se deu conta que ela
tinha se aproximado sem fazer ruído. Olívia deu um passo atrás enquanto ele
se esforçava por não fazer o mesmo. Que surpresa. Quem ia dizer que aquela
mulher tivesse as habilidades de um ladrão?—. Por que me escolheu ? —
repetiu, sem preocupar-se em esconder sua fúria e esperando que Olívia não
se desse conta de com ficava nervoso ao tê-la tão perto. Por que tinha que
cheirar tão bem? Céu santo, mas se estava de luto. Não deveria cheirar a
outra coisa?—. Eu estou intimamente vinculado com a parte mais escura de
Londres. Por que pensaria seu marido que seu filho necessitava de um tutor
como eu? Sei como sobreviver. Comecei a viver sozinho na rua quando tinha
cinco anos. Reconheço o perigo assim que o vejo e me é muito fácil analisar
as pessoas. Se não houver nenhum perigo, por que me escolheu?
—Você disse que meu marido tinha ido a seu clube. Foi em busca de
mulheres? — entrecortou-lhe a voz ao final da frase; parecia que tinha tido
que empurrar a palavra do mais profundo de seu ser.
129
—Já tinha a você, para que iria procurar consolo em outra parte? —
foi muito estranho que aquelas palavras tranquilizadoras saíssem de seus
lábios, mas não lhe pareceu tão estranho como o nó que se fez em sua
garganta ao imaginá-la na cama de Lovingdon, em seu salão, em sua
biblioteca, a seu lado.
Maldita fosse! Só o que Jack sabia era que Lovingdon não brincava.
Em seu clube havia um meticuloso registro dos homens que compravam
fichas e as quantidades que gastavam.
—Observava o que?
Não queria dizer, não queria admitir que Lovingdon tivesse estado
observando a ele. Sempre que o olhava, dava-se conta que o duque o
130
contemplava como se tratasse de alguma estranha criatura. Talvez tudo
aquilo fosse alguma tipo de experimento. Possivelmente queria pôr um
homem no topo do mundo e ver se assim se convertia em alguém melhor.
Entretanto, a ironia era que, como Lovingdon estava morto, jamais poderia
ver os resultados.
—Por quê?
—Porque não têm guelra de fazer nada. Terão medo dos julgamentos
morais. Como você ou ele? Vá à casa de sua cunhada e me deixe em paz.
Mas não volte a pensar nem por um momento em ir ao campo. Se me obrigar
a ir procurar o menino, amargarei sua vida.
—Parece-me que posso dizer, senhor Dodger, que não acredito que
fosse notar a diferença, porque já me amarga agora.
131
CAPÍTULO 07
132
Olívia reconheceu que tinha sido um erro ir visitar a duquesa do
Avendale, porque agora Henry tinha uma curiosidade feroz para visitar a
Grande Exposição, depois que seu primo contou de todas as curiosidades que
tinha visto lá. Para piorar a situação, quando chegou em casa descobriu que
uma visita a esperava no salão.
—Lorde Briarwood, muito obrigada por nos visitar. Espero que não
tenha tido que esperar muito.
133
faltava nesse sentido, compensava-o em amplitude; tinha uma constituição
que lhe outorgava um aspecto intimidante.
—Agradeço-lhe muito tudo o que tem feito. Não sei como poderei
compensar sua amabilidade.
134
Uma donzela entrou no salão com o serviço de chá. Quando partiu,
Olívia e Briarwood se sentaram ante uma pequena mesa. O visconde não era
tão leve como Lovingdon e, quando se sentou, a poltrona rangeu sob seu
peso.
Olívia esperou que lorde Briarwood pegasse sua taça das mãos para
começar a falar.
Ela aproximou sua taça aos lábios e tomou um pequeno gole de chá.
Briarwood ficou tão surpreso que parecia que Olívia o tinha golpeado
com o atiçador da chaminé.
—O do clube Dodger?
136
—Temo que não tenha a mais remota ideia, mas Lovingdon se
assegurou de despertar seu interesse lhe legando todas as propriedades não
associadas ao título.
Pensou que Briarwood tinha direito de saber tudo, dado que, em efeito,
era o seguinte na linha de sucessão. Se não estivesse ocupando-se dos restos
mortais de seu marido, com certeza teria assistido à leitura do testamento.
137
—O senhor Beckwith disse que o testamento era irrevogável.
—Não preciso de nenhum convite, já que este é meu salão. Boa tarde,
milord.
138
Sente-se, Briarwood. Assim poderemos falar tranquilamente de todos os
motivos pelos quais não faremos o que acaba de sugerir.
139
irremediável amor e todo mundo esquecerá o assunto. As mulheres
desculpam qualquer indiscrição quando se cometem em nome do amor.
—Não, eu não tinha pensado sequer nisso. Não quero dizer que não o
faria, mas até agora não tinha pensado nesse tema. —dirigiu-se a Dodger—:
Acredito que o que você pretende é nos distrair com toda esta tolice do
casamento. Como conseguiu convencer meu primo para que o nomeasse
tutor do Henry?
140
—Ameaças? Que tipo de ameaças?
—Minha classe está muita por cima da dele, senhor. E, para mim, com
um é suficiente.
141
—Não seja tola, Olívia — a interrompeu este com grosseria—. Não
pode se desculpar por algo que não é culpa sua. Além disso, meu
comportamento não necessita nenhuma desculpa.
—Então não tenho por que me preocupar. O menino não tem nada que
temer de mim. Entretanto, não estou certo que de você vá estar a salvo.
Nunca gostou de mim.
—Vá ao inferno!
142
— Isso eu já fiz há muito tempo e não faça nenhuma ameaça para mim.
Eu tampouco temo a você.
—Por que terá tanto interesse em ser tutor de Henry? Veio vê-la para
isso, concorda? Para averiguar sobre quem tinha recaído a grande honra de
fiscalizar a viagem de seu filho para a maturidade.
—Pensava ou esperava?
143
Estava desesperada por averiguar seus pensamentos e suas intenções.
Não queria recuar, mas de repente suas fracas pernas decidiram em seu lugar.
Afundou-se na poltrona e apertou as costas contra o respaldo da mesma
forma que o tinha feito na carruagem. Ele apoiou as mãos nos braços da
poltrona deixando-a completamente presa.
Não era um bom momento para perceber que ele tinha os cílios mais
longos que tinha visto em um homem. Espessos e sem um ápice de
delicadeza e, entretanto, eram atraentes demais. Olívia se perguntou se
fariam cócegas na pele de uma mulher quando a beijava.
—Eu não estou desesperado, duquesa. Sim, sou avaro. Sim, quero que
me enterre coberto de moedas de ouro. Sim... —Levantou a mão para que
ela pudesse ver bem aquela horrível marca—, roubei no passado. Mas
descobri que um homem pode ganhar mais dinheiro por meios legítimos e,
além disso, evitar ter que olhar às suas costas ao fazê-lo. E talvez a
explicação do motivo pelo que seu marido me escolheu como tutor seja assim
simples. Se necessitar que alguém te guarde um cofre de tesouro, tenha
certeza que seja alguém que não necessite do que tenha dentro desse cofre.
—Não, só sei que esse é o motivo pelo que não escolheu Briarwood.
145
—Não o conheço.
—Agora é possível que eu não possa voltar nunca mais. Cancelou meu
crédito! E tudo porque deixei que a fúria se apoderasse de mim. Como acha
que devia reagir, me diga? Não podia deixar que me insultasse. Insinuou que
queria matar o menino para ficar com os títulos.
—Leva tanto tempo jogando esse jogo, que acredito que se esqueceu
que pedir emprestado significa que, em algum momento, tem que devolvê-
lo.
—Quantos anos têm Henry agora? —perguntou Rupert sem perder seu
ar de aborrecimento—. Não posso dizer que tenha me preocupado em manter
o contato com a família.
—Motivo pelo qual pensei que me nomearia tutor de seu filho. No que
estaria pensando Lovingdon? —repetiu—. Jack Dodger poderia acabar
empregando o menino em seu estabelecimento.
147
—Isso é um pouco estranho. Rodear-se de tantos meninos... Não
parece natural.
—Não há nada natural em Jack Dodger, asseguro isso. Mas agora que
penso, é verdade que parece ter um interesse especial por meninos. Embora
essa não seja a espécie de assunto que se fala a uma dama. Suponho que terei
que ir ver o advogado.
Edmund não abriu a boca, mas Rupert era consciente das ideias que
estavam cruzando por sua mente. Se primo estava acostumado a intimidar às
pessoas, enquanto que o ponto forte de Rupert era a persuasão. Possuía a
língua do demônio .
—Eu teria muito cuidado iniciando um rumor que não possa provar
— avisou com suavidade.
—Ah, mas se justo aí está a graça. Talvez eu não possa provar que é
verdade, mas ele não poderá provar que não é. E na corte dos rumores, em
quem as pessoas acreditarão? Em um cavalheiro com título ou no pecador?
CAPÍTULO 08
148
Jack tinha desejado apoderar-se da boca da Olívia com uma ferocidade
que o deixou assombrado. Ao inclinar-se sobre ela no salão, tinha esquecido
momentaneamente o motivo pelo que se levantou para aproximar-se.
Briarwood tinha desaparecido de sua cabeça por completo e só o que era
capaz de fazer era absorver a fragrância de Olívia, de perder-se em seus olhos
dourados, de perguntar-se o que sentiria se pudesse conseguir lhe acelerar a
respiração, e de imaginar o sabor de seus lábios quando os devorasse. Mas
se tivesse se deixado levar por seus desejos, teria criado expectativas que não
estava preparado para cumprir. Suspeitava que a duquesa, tão correta e
formal, não era o tipo de mulher que perderia tempo com um homem com o
que odiaria ter que casar-se.
Mas embora tenha passado toda a tarde reunido com os homens que
se encarregavam de fiscalizar suas propriedades, tanto as vinculadas ao título
como as que não estavam, não tinha sido capaz de deixar de pensar em
Olívia. Aqueles homens o deixavam examinar os livros de contabilidade com
expressão sombria. Jack garantiu a todos que conservariam seu trabalho,
desde que não encontrasse irregularidades nos registros.
149
A porta se abriu e Brittles entrou com seus irritantes passos
silenciosos.
—Excelente.
Seguiu o mordomo até o que imaginou que era a sala de jantar familiar.
Quando chegou, viu dois lacaios esperando para servir o jantar, com a mesa
posta para uma só pessoa. Não queria admitir a decepção que sentiu ao dar-
se conta de que ia jantar sozinho.
150
Parou de repente. Companhia? Desde quando Ele precisava de
companhia enquanto comia? Além disso, quando foi a última vez que comeu
sentado a uma mesa? Costumava comer em seu escritório. Um filé de carne
e uma batata eram o que necessitava para saciar seu apetite, enquanto bolava
novas formas de aumentar seus ganhos.
Mas agora não podia voltar para a mesa sem que parecesse que tinha
perdido o juízo. Além disso, a duquesa e ele tinham alguns assuntos que
discutir. Podiam perfeitamente conversar no quarto do menino.
O jovem duque estava sentado à cabeceira da mesa, com sua mãe junto
a ele. A babá, que dedicou a Jack um coquete sorriso, estava na outra ponta.
151
Ela se levantou e fez uma reverência.
—Darei dez minutos de intervalo sem ter que falar comigo. A partir
de então, sua digestão já deixará de me importar.
—É um autêntico bárbaro.
—Nove minutos.
152
Olívia suspirou com delicadeza e o olhou com aversão. Jack pensou
que no futuro teria que assegurar-se que não envenenaria a comida. Estava
pressionando muito e o certo era que não conseguia entender o porquê.
—Doeu isso?
Jack centrou sua atenção no menino, que estava olhando fixamente sua
mão. Era evidente que a descolorida pele do interior do polegar tinha
chamado a atenção. A marca era bastante feia, mas sempre tinha parecido
uma honra que o assinalassem como ladrão. Seu passado o tinha convertido
no homem que era. Não sentia nenhuma vergonha.
—Não. E você?
153
Ele negou com a cabeça com o olhar de um cãozinho espancado. Logo
olhou sua mãe.
—Sou viúva e estou de luto. Não posso sair passeando por aí.
—Foi uma saída muito discreta, para visitar minha cunhada que
também está de luto. Não saí passeando por aí.
—Não tem muito sentido que você diga isso, quando acredita que há
perigos à espreita. Além disso, Henry também está de luto. Não seria
apropriado.
154
—Sobre meu quarto.
—Se insistir.
—Insisto.
—Senhor Dodger.
—Ah, sim. —Jack se levantou, caminhou até a porta e a abriu para que
Olívia pudesse sair.
Ela o fez, virou-se e o olhou nos olhos antes que ele fechasse de tudo.
155
Jack pôde ouvir como ela rangia os dentes. Era muito fácil fazê-la se
zangar. Os meninos de Feagan teriam feito muitíssimas brincadeiras.
—Imaginei que não queria falar sobre os detalhes de seu sono, a não
ser sobre os meus, à noite passada — respondeu ela.
—Na verdade, queria falar sobre o armário de seu marido. Preciso que
alguém leve sua roupa. Dê aos serventes. Acredito que é o que se costuma
fazer, não? OH, e para que saiba, tenho uma memória excepcional e lembro
até os detalhes mais insignificantes. Assegure-se de que só se levam a roupa.
—Muito certo, mas para você sim, significam algo. Portanto, têm
valor. —deu-se conta que ela ficava furiosa e, antes que pudesse responder,
disse—: Pense no valor que tudo isso tem para você. Podemos negociar. No
momento, vou ao clube, mas quero que saiba que amanhã tenho intenção de
me mudar para cá de forma oficial.
—Para que vai se incomodar? Já disse que não penso ir à sua cama.
Embora deva dizer que não tenho objeção alguma em permitir que você
venha à minha. Acaso é isso que tem em mente? Não ser capaz de resistir a
meus encantos me tendo tão perto?
—Eu não tenho medo de você e não acredito que você possua nenhum
encanto. Além disso, jamais me deitaria com um homem com o que não
estivesse casada e, certamente, nunca me casarei com você.
—Acredita que vai me manter a raia com essa língua viperina que tem,
e só o que consegue é que não deixe de pensar que eu adoraria sentir como a
deslizaria por minha pele.
157
—Veja bem, eu não gosto de jantar sozinho, assim seja amável e venha
comigo. Se quiser, pode trazer seu filho.
—É que não está escutando? Ele não deveria comer nunca com você.
—Contrataremos professores.
Jack não sabia por que insistia em que comessem com ele. Talvez
porque quando tinha entrado no quarto de Henry estava sorrindo e os sorrisos
tinham desaparecido assim que o viram.
158
O menino o tinha olhado com receio e não gostava de provocar essa
desconfiança em uma criança. Havia uma causa para isso e não acreditava
que fosse por algo que ele tivesse feito. Talvez fosse porque tinha prometido
um cão e ainda não o tinha dado. A verdade era que não tinha nem ideia de
onde encontrar um vira-lata. Supunha que na rua. Tinha que pensar um pouco
mais nisso. Mas não aquela noite. Aquela noite tinha assuntos mais
importantes que tratar.
Olívia não podia dormir. Era incapaz de deixar de imaginar sua língua
deslizando pela pele de Jack Dodger. O que sentiria exatamente? Que gosto
teria?
159
de seu pescoço e, depois de ter se satisfeito, retomaria a viagem para baixo
para experimentar com outras zonas.
160
tinha prestado muita atenção. Tinha deixado-a com a profunda tristeza de
saber que não se deram nada o um ao outro. Reprimiu as lágrimas. Como
podia sentir falta da alguém que, desde que ficou grávida, não tinha sido mais
que um estranho para ela?
—Ah, Olívia, é um pouco tarde para estar acordada, não? —disse ele,
arrastando as palavras.
Ela se aproximou.
161
—Não penso deixar que você traga mulheres estranhas a esta casa.
Terá que levá-la a outro lugar para saciar sua luxúria.
—Esta é minha casa e ela está aqui porque eu quero que esteja. Vamos
nos ocupar de nossos assuntos na biblioteca. —aproximou-se da Olívia—.
Se quiser ficar para olhar, é bem-vinda. Estou certo que verá coisas muito
imaginativas e entretidas.
—Não se meta nisto, Frannie — grunhiu ele sem deixar de olhar Olívia
nem um momento.
Esta se esforçou por não afastar a vista. Era evidente que existia certa
familiaridade entre os dois, e não queria pensar que talvez a jovem não fosse
só uma prostituta que ele tinha recolhido na rua para entreter uma noite; não
queria pensar que pudesse ser sua amante, alguém que costumava a esquentar
sua cama. Jack possuía uma virilidade magnética que seu marido não
possuía, e Olívia suspeitava que precisasse deitar-se com mulheres
frequentemente para manter sua luxúria a raia. Esses pensamentos lhe
provocaram um calor que subiu até suas bochechas e soube que estava
ruborizando, porque podia ver a satisfação nos olhos do Jack.
162
—Peça desculpa a minha convidada.
—Jack...
—Jack!
A mulher repetiu seu nome como se fosse uma ordem e, para surpresa
de Olívia, ele obedeceu. Retirou-se e, embora seguisse apertando os dentes,
a fúria que ardia em seus olhos diminuiu.
—Não é verdade. O que vai pensar se trás à sua casa uma mulher a
estas horas da noite?
—Talvez não, mas está dando a impressão que estou aqui por motivos
desonestos. Eu não mereço isso, Jack.
Olívia pareceu cair então na conta que estava de camisola e que não
era um traje muito adequado para receber visitas.
164
Olívia os observou enquanto foram em direção ao corredor. Dodger
parecia muito concentrado em deixar uma discreta distância entre ele e a
jovem. Olívia se deu conta que Frannie Darling era alguém especial para ele
e se perguntou o que se sentiria ao receber os cuidados de um homem tão
jovem, viril e estranhamente generoso como Jack Dodger.
Fazia muitos anos que conhecia Jack. Tinha sido como um irmão mais
velho para ela: sempre a protegia e se assegurava que ninguém a machucasse
nem ferisse seus sentimentos. Por isso a tinha surpreendido tanto aquela noite
ver que ele deixava, a propósito, que a duquesa acreditasse que entre eles
ocorria algo inapropriado. Isso a fez perguntar-se por que lhe importaria o
que a duquesa pensasse dele e por que tinha tanto interesse em que essa
opinião fosse negativa. Frannie sabia que Jack não tinha medo de nada, mas
também sabia muito bem que sempre tinha evitado qualquer situação em que
seus sentimentos se vissem implicados.
Jack jamais falava de seu passado, de suas origens ou de sua mãe, mas
Feagan tinha explicado a Frannie que esta o tinha vendido.
165
Também acreditava que algo terrível aconteceu a Jack quando esteve
na prisão com Luke. Antes de ir ao cárcere, estava acostumado a rir muito
frequentemente e, quando o fazia, os meninos de Feagan riam com ele. Mas
quando retornou para casa depois daquele período de encarceramento, o som
de sua risada tinha mudado. Já não continha a mínima faísca de alegria.
Frannie tinha perguntado sobre isso em uma ocasião, mas ele se negou
a falar sobre o que chamou «os tempos obscuros». Luke também guardava
silêncio sobre o tema, mas quando via como se olhavam um ao outro, tinha
a certeza que o que tinha acontecido ali tinha afetado aos dois, tinha-os unido
para sempre e os tinha separado do resto.
Jack tinha levantado muros a seu redor e, em certo modo, Frannie tinha
a sensação que continuava no cárcere; uma prisão que ele mesmo construiu,
mas uma prisão do começo ao fim.
166
Jack, que pareceu dar-se conta que ela queria deixá-lo por aquela noite,
aproximou-se e se sentou em uma ponta da mesa.
—O que te parece?
—Não está mau. Mas tem razão; o dinheiro não está sendo investindo
da melhor forma.
—Mas não seria muito melhor que fosse mais simpático do que ela
merece? Assim talvez pudesse chegar a gostar de você.
—Sua vida acaba de dar um giro drástico. Não posso nem imaginar a
força que terá que ter para superar a morte do marido.
167
—Suponho que esse encontro no vestíbulo não era um de seus intentos
por se mostrar cordial.
—Jack...
—É minha.
—Você não precisa dela. Já me disse muitas vezes que não tem
nenhum interesse em se casar nem em ter filhos.
—Por que queria que ela pensasse que íamos fazer travessuras aqui
dentro?
168
—Não diga tolices, Frannie. Não se dá bem.
—É absolutamente desagradável.
—Na realidade não a consegui por meus próprios méritos, assim não
conta.
—Teve uma vida muito dura, Jack. Talvez tenha chegado a hora de ter
boa sorte.
169
CAPÍTULO 09
Tal como havia dito para Frannie, tinha dormido muito pouco desde
que assistiu à leitura do testamento, por isso, quando chegou à residência do
duque e se deu conta do caos que havia na casa, sentiu-se completamente
exausto. Ouvia-se ruído de móveis que alguém arrastava, e lhe chegavam
gritos de diferentes vozes:
170
—Henry! Sua excelência! Jovem amo!
Era evidente que o menino tinha causado algum tipo de revoo. Jack
não o acreditava capaz de fazer algo que não fosse sentar-se em silêncio e
comportar-se perfeitamente. Alegrava-se por ele. O natural era que um
menino fizesse alguma travessura de vez em quando.
—OH, graças a Deus que por fim você aqui — disse ela muito
apurada.
Sorriu.
—Porque não está. Quando sua babá despertou esta manhã, meu filho
não estava em sua cama. Ninguém o viu. Pensamos que talvez você o tivesse
levado. Foi você?
—Não.
171
—Então, onde está? Você acredita que o sequestraram? É tal como
você suspeitava? Está em perigo?
—Tranquilize-se, Olívia.
—Sim, sim, sim. —Era verdade que ele pensava que o menino podia
estar em perigo, mas como podiam tê-lo sequestrado enquanto estava com
sua atenta babá? Bom, pelo visto não tão atenta. Entretanto, continuava lhe
parecendo muito estranho que alguém entrasse na casa para sequestrar Henry
e houvesse tornado a sair sem que ninguém o visse—. Onde procuraram?
—Em todas as partes. Não será isto uma de suas brincadeiras absurdas
ou uma de suas táticas para me fazer entrar em razão?
172
Olívia ofegava; era evidente que tinha estado correndo por toda a casa
e que ficou sem fôlego. Desconcertava-o ver naquele estado aquela mulher
que sempre parecia ter tudo sob controle.
Jack ouviu o eco das pegadas dela enquanto o seguia escada acima.
Surpreendia-o muito a grande quantidade de detalhes dela que estavam
começando a ser familiares: o som de suas pegadas, sua fragrância...
—Claro que não. —Jack chegou ao patamar—. Pode ser que tenha ido
a Grande Exposição. Ele não tinha muita vontade de vê-la?
Sua voz soava ao limite da histeria. Jack sabia que a única maneira de
tranquilizá-la era encontrar a seu filho.
173
não tivesse estado tão nervosa, Jack teria aproveitado para aborrecê-la um
pouco.
—Tranquilo, menino.
Estupendo.
174
continuava olhando com ódio a Jack enquanto rodeava protetoramente ao
seu filho com um braço e mantinha o atiçador preparado na outra.
—Não, não o fará — espetou Jack com secura. Todo mundo ficou
olhando. Pelo menos, tinham deixado de gritar—. Não até que eu entenda o
que está acontecendo aqui.
175
—Deixe-o em paz — ordenou sua mãe, voltando-se para a porta com
seu filho em braços.
—Não. —A ameaça deve ter sido evidente na voz de Jack, porque ela
parou e o olhou aos olhos—. Parece esquecer que sou seu tutor. E obterei a
resposta a minha pergunta embora tenha que ficar aqui todo o dia.
Henry assentiu.
—Por quê?
176
—Queimará- m-meu o po-polegar.
Assim que despertou, tinha sentido que tinha o dedo na boca e tinha
decidido esconder-se. Aquilo estava começando a ter sentido.
—É seu dedo. Não me importa se o quer chupar até que seja adulto.
Recolha suas coisas.
177
—Se me contrariar nisto, você também pode ir recolhendo suas coisas
— espetou ele, empregando um tom de voz tão firme que não permitia muita
réplica.
—Muito bem.
—Senhor Dodg...
178
Olívia levou Henry até a saída, agarrou o pomo da porta e ficou quieta.
179
noite anterior. Não era muito mais alto que Olívia e era um homem bastante
grande. Mas continuava tendo um semblante orgulhoso.
—Cuidados?
—Estou bem.
—Já disse que estou bem. Se quiser ficar trabalhando para mim, não
me faça repetir as coisas.
—Sim, senhor.
180
Jack nunca tinha tido um ajudante de câmara. E não estava muito certo
de querer ter nenhum.
—Eu não sou duque. Sei que poderia perder sua categoria se ficar a
meu serviço. Se preferir ir, escreverei uma boa carta de recomendação.
—Obrigado, senhor, mas tive a honra de servir ao duque desde que ele
era muito jovem. Sinto-me muito cômodo nesta casa e eu não gosto das
mudanças. Prefiro ficar, se não for inconveniente.
181
—Sim, senhor. Já me dei conta que parece ter um estilo muito pessoal
com os coletes.
—Muito, senhor.
—Me diga, Stiles, outros serventes aceitaram tão bem como você que
eu seja o novo senhor da casa?
—É uma lástima que a duquesa não tenha sido capaz de fazer o mesmo
— murmurou. Antão fez um gesto com a mão ao homem indicando que
podia retirar-se—. Vá cuidar de seus assuntos enquanto eu tomo um banho.
—Sim, senhor.
182
Seu corpo reagiu imediatamente às eróticas imagens que o
bombardeavam e Jack grunhiu. Menos mal que tinha pedido a seu servente
que partisse. Não necessitava público quando seu corpo estava nesse estado.
183
conformaria com que, de vez em quando, lhe concedesse o benefício da
dúvida.
Olívia não queria pensar que naquele preciso momento Jack Dodger
estava em seu quarto de banho... Banhando-se. Como ia entrar na banheira
depois, sabendo que seu corpo nu havia tocado o mesmo cobre? Por gosto,
Olívia só compartilharia o banheiro com alguém a quem conhecesse muito
bem. Embora não iriam estar na banheira ao mesmo tempo, continuava lhe
parecendo algo muito íntimo e delicioso.
Mas não era na nudez de Jack Dodger no que deveria estar pensando
nesse momento. Tinha que centrar-se em encontrar outra babá para Henry.
Olívia sabia que tinha que tirar esse costume dele, mas era incapaz de
compreender porque Helen tivesse empregado aquele meio tão cruel para
isso. Entretanto, por muito preocupada que a tivesse deixado a atitude da
babá, não podia competir em como a tinha deixado Jack Dodger. A opinião
que tinha a respeito dele tinha mudado durante aqueles tensos momentos;
tinha mudado a seu favor. Ela já tinha recebido alguns de seus abrasadores
olhares, mas jamais tinha visto tanto ardor em seus olhos como quando olhou
a Helen. Surpreendeu-a que a jovem não começasse a arder ali mesmo.
Tinha temido que Dodger se mostrasse tão cortante com Henry como
era com ela. Olívia esperava que não levasse em conta os sentimentos de seu
184
filho, que fosse tão duro e implacável como parecia ser com todo mundo.
Realmente a tinha pego de surpresa.
Tinha julgado Jack Dodger segundo as conversas que tinha tido com
outras damas. Estas tinham falado de homens que chegavam a casa a altas
horas da madrugada, cheirando a álcool e mulheres e ela tinha dado por certo
que Jack bebia muito e fornicava a todas as horas. Uma conhecida tinha
contado que seu marido vendeu suas jóias para conseguir dinheiro e poder
continuar jogando, assim Olívia tinha dado por certo também que Dodger
passava muito tempo nas mesas de jogo. Tinha visto que nunca se sentava
com correção e tinha assumido, portanto que estava sempre sujo. Mas em
troca sempre o via impecável e, nesse preciso instante, estava-se tomando
um banho.
Tinha dado por certo que era má pessoa e, entretanto, não tinha tentado
brigar com ela quando o estava golpeando com o atiçador. Limitou-se a
afastar-se para que não pudesse acertá-lo, quando, e disso estava convencida,
poderia tê-la atirado ao chão sem problemas. Dirigiu-se a Henry com tom
contundente, mas tinha feito muito bem para não minar a confiança do
menino e tinha conseguido que confessasse tudo.
Estava certa que era um homem que faria tudo por uma moeda. As
finanças de seu filho estavam em suas mãos e poderia tirar tudo; entretanto,
já tinha deixado claro que não tinha nenhuma intenção de fazê-lo. Talvez
fosse uma mutreta para que ela baixasse a guarda. Se conseguisse que Olívia
185
confiasse nele, poderia levar uma quantidade de dinheiro ainda maior. Mas
se começasse a confiar nele, poderia também chegar a desfrutar de sua
presença? Não, jamais. Só o que tinham em comum era Henry, e eram
incapazes de ficar de acordo em nada que lhe concernisse.
186
O menino começou a afastar-se dela, mas Olívia voltou a aproximar-
se dele.
—Aonde o leva?
—Tendo em conta que sou seu tutor, não acredito que lhe deva
nenhuma explicação; mas como é sua mãe e não cabe dúvida que se preocupa
com seu bem-estar, explicarei. Levo-o para dar um passeio em minha
charrete.
—Cuidar do que?
Ela se deu conta que Henry tremia de pés a cabeça quando se afastou
e ficou de pé.
187
—Não posso deixar que o leve a nenhuma parte sem mim — disse
enquanto se levantava—. Irei também.
—Pedi a uma de minhas donzelas que ocupe esse posto até que possa
reunir as recomendações suficientes.
188
apertados. Não deixou de ver com tensa estava ela. Mal respirava. Era o
mesmo que fazia Henry quando tinha medo pelas noites: ficava quieto na
cama e aguentava a respiração como se, de alguma forma mágica, as coisas
más não pudessem encontrá-lo se não respirasse.
O senhor Dodger não usava cartola como seu pai, mas usava uma
jaqueta negra muito bonita. E seu colete era de cor verde escura, com botões
dourados; não era o de cor violeta que usava no dia anterior.
189
—Esta é a casa de lorde Chesney — disse sua mãe—. É muito cedo
para vir visitar.
—Para que?
—Cachorrinhos?!
Ele não o viu mover a mão, mas de repente se deu conta que estava
lhe entregando um cartão.
190
Sua mãe piscou várias vezes, da mesma forma que o fazia sempre que
se esforçava por não chorar.
—Venha, duquesa?
—Vamos, menino.
Henry fez o que lhe dizia. O mordomo o pôs sobre uma bandeja de
prata e se foi. Ele se esforçou por ficar bem firme, tão firme como o senhor
Dodger. Tinha vontade de saltar e bater palmas. Por fim ia ter um
cachorrinho!
191
—Ah, sua excelência. O senhor Dodger me informou que você
necessita de um cachorrinho.
—Sim, é-senhor.
O homem sorriu.
—Eu sou Chesney. Sinto pelo seu pai. Era um bom homem. Muito
bom homem.
Enquanto os guiava pela casa, lorde Chesney não deixou de falar nem
um momento, contando a Henry todos os detalhes da história dos cães, mas
ele mal prestava atenção. Só o que lhe importava era que ia ter um.
—Vá com eles, sua excelência. Toque aos cachorrinhos e diga qual é
o que mais gosta.
192
Henry se sentou no chão e os cachorrinhos se aproximaram dele em
seguida. Ele ria. Lorde Chesney se agachou a seu lado.
—Qual quer?
—Este!
—Custou muito.
—Na realidade, não. Além disso, acredito que com o tempo me fará
ganhar dinheiro.
—Como?
193
—Pode guardar um segredo?
—Quando tem os bolsos cheios, lorde Chesney arrisca muito mais nas
mesas de jogo. Esta noite gastará o que acabo de dar e um pouco mais, assim
que o dinheiro voltará para minhas mãos.
—Obrigado, senhor.
Sabia que sua mãe não estaria de acordo com ele, mas pensou que o
senhor Dodger era um tutor estupendo.
194
CAPÍTULO 10
Olívia avançou pelo tapete com o máximo cuidado que foi capaz e
deixou a bandeja sobre a mesa. Picou-lhe a curiosidade e se aproximou com
cautela ao homem em cujas mãos Lovingdon tinha decidido deixar a
educação de seu filho. Não estava preparada para admitir que tivesse sido a
melhor escolha, mas, embora seguisse sendo receosa, estava começando a
reconhecer que tampouco tinha sido a pior.
Dodger moveu a mão e ela quase deu um grito. Tinha-a sobre uma das
páginas abertas do relatório, ligeiramente fechada e se via muito bem aquela
196
horrível marca. Nunca tinha pensado no muito que tinha que ter doído; só se
tinha preocupado do que representava. Imaginava que não teria devotado a
mão por própria vontade. Certo que teria se defendido. Embora tivesse
roubado, merecia que lhe fizessem aquilo? Merecia alguém?
Decidiu que o que merecia era descansar tranquilo. Recordou que ele
se preocupou ao pensar que ela se levantaria dolorida se tivesse ficado toda
a noite na cama de Henry. Ao Dodger ia ocorrer o mesmo, mas Olívia não
podia levá-lo a cama. Entretanto, pensou que sim podia fazer que estivesse
um pouco mais cômodo. Se pudesse lhe tirar o relatório...
197
Ela tragou o nó que tinha formado na garganta.
Ele deslizou o olhar para seus lábios e Olívia se deu conta que fazia
muito tempo que não estava tão perto de um homem, que fazia muito tempo
que seus lábios não estavam tão perto de receber um beijo. Percebeu a paixão
que ardia nos olhos do Jack. Acelerou-lhe o coração, começaram-lhe a
tremer os joelhos e pensou que estava a ponto de acabar sentada em seu colo.
Desejou que a aproximasse mais dele para que aquela boca tão perfeita,
aqueles generosos lábios se pousassem sobre os seus...
Então, Dodger levantou a mão que tinha livre e cobriu a bochecha com
ela. Sua palma era muito mais áspera que a de Lovingdon. Mais áspera e
grande. Deslizou o polegar pelos lábios de Olívia e logo a olhou nos olhos.
198
para manter a dignidade, conseguiu levantar-se e retroceder enquanto alisava
a saia com as mãos.
—Brittles me há disse que ainda não tinha comido, então trouxe algo.
Olhou-a de uma forma que a fez pensar que estava pensando em comer
a ela. Olívia se virou, dirigiu-se à mesa e aproximou a bandeja à poltrona.
—Deveria?
199
prazeres, mas aquela mulher supunha mais perigos para ele dos que estava
disposto a aceitar.
—Bebo desde que tinha oito anos. Não vejo nenhum motivo pelo que
deva deixar de fazê-lo agora. —aproximou-se da mesa e levantou a tampa
que cobria o prato. Quando percebeu o delicioso aroma se deu conta que
estava morto de fome. Sentou-se em sua poltrona.
—Brittles diz que ontem não jantou. Costuma trabalhar sem tomar o
tempo necessário para comer? —perguntou ela.
201
Ela se virou para olhar as mãos, como se tivesse a resposta escrita entre
os dedos.
—Quando estou com uma mulher, minha boca está acostumada a estar
ocupada fazendo coisas que não têm nada a ver com conversa.
Ela ruborizou. Jack não sabia por que gostava tanto de fazer com que
suas bochechas avermelhassem. Desejava poder lhe provocar esse rubor
utilizando algo mais que palavras. Mas ela era uma dama nobre e ele sabia
que só por tocar uma, um homem corria o perigo de acabar ante o altar, e não
tinha nenhuma intenção de acabar ali. Além disso, não queria nada dela. Só
queria que se casasse com outro para poder tirar de cima a responsabilidade
de ter que educar seu filho.
202
—Parecia estar muito certa que não queria casar-se com Briarwood.
—OH, venha! Tenho certeza que durante todos estes anos houve
alguém que tenha gostado um pouco. Em algum jantar ou em um baile.
Talvez dançou com ele e pensou que gostaria que houvesse algo mais.
—Estava casada.
—Não estou sugerindo que tivesse uma aventura, porque Deus sabe
que você jamais faria algo tão inapropriado, mas pensar nisso não é nenhum
crime. Estou certo que alguma vez pensou.
Para enorme surpresa de Jack, deu-se conta que Olívia estava dizendo
a verdade. Não fantasiar alguma vez com o proibido? Não podia nem
imaginar.
203
pareceu o suficientemente agradável para que tenha desejado passar mais
tempo com ele. Eu poderia me encarregar de que viesse visitá-la aqui para
que pudesse conhecê-lo melhor...
—Estou de luto.
—Quando uma mulher está de luto, não deve convidar ninguém à sua
casa.
Olívia se levantou.
E ele não sabia por que não deixava de tentar que não ocorresse.
204
—Sente-se.
Ela vacilou.
—Por favor.
—Desculpe?
205
—Helen. A babá de Henry. Suspeitou dela desde o começo. Meu filho
me disse que levava uma vara no bolso e que lhe batia nas mãos cada vez
que a fazia zangar-se. Não disse com estas palavras, claro, mas resumo bem
o que me contou. Como sabia que o estava assustando?
Algo estava mudando entre eles, algo com o que ele não se sentia de
tudo cômodo. Mas também estava se cansando de passar todo o dia
discutindo. Se tiverem que viver juntos sob o mesmo teto até que pudesse
convencê-la de se casar com alguém, o melhor seria que se dessem o melhor
possível.
—Quando era menino vivi alguns dias com uma pessoa que me fez
muito mal. Quando estava assustado, gaguejava. Sei que as pessoas
gaguejam por motivos diversos, assim possivelmente uma coisa não tenha
nada a ver com a outra. Mas Henry é um menino e por natureza, e meninos
não acostumam comportar-se tão bem.
—Antes havia dito que pensava levar muito sério sua responsabilidade
como tutor. As coisas entre nós poderiam não ter sido tão complicadas se
houvesse isso dito antes.
—Tentarei agir melhor com você; sempre que você seja bom com
Henry.
Jack não tinha certeza se queria que Olívia fosse boa. Preferia-a com
um pouco de fogo.
206
—É irmã do falecido conde de Avendale.
—Sim. Meu pai morreu um mês depois que me casei e meu irmão
herdou o título. Recentemente morreu e seu filho herdou o ducado. Não
tenho nenhum outro familiar próximo. E você?
Não era habitual que ela contasse tantas coisas de si mesmo e Jack
demorou um pouco em dar-se conta do que estava perguntando. Quando o
fez, riu e levantou o copo.
207
—Você se preocupa com Henry.
208
CAPÍTULO 11
209
Tinha mandado entregar uma nota a última hora da tarde, para
informá-la que não podia jantar com ela e que era livre para jantar com
Henry. Olívia não gostava que pensasse que podia lhe dizer o que podia ou
não podia fazer. Também tinha sido muito interessante que tivesse escolhido
não dizer ele mesmo. Estava evitando-a? Acaso não estava satisfeito com o
novo rumo que tinha tomado sua relação para um trato mais agradável?
Não sabia o que pensar daquele homem, mas sim, estava certa de uma
coisa: ele jamais entraria em seu dormitório. Apesar de tudo o que diziam as
mulheres, ela estava se dando conta que se regia por uma espécie de código
moral. Talvez fosse um código um pouco diferente do habitual, mas o certo
era que, às vezes, parecia apontar na direção adequada. Pelo menos, no que
se referia a Henry.
Estava certa que se manteria fiel a sua palavra e não procuraria sua
cama. Tentou ignorar o comichão da decepção. Tampouco é que ela quisesse
que abrisse aquela porta e entrasse em seu dormitório lentamente...
Gemeu baixo e apoiou a testa nos joelhos. Ele nunca cruzaria aquela
porta. Era absurdo que deixasse que aqueles carnais pensamentos corressem
livremente por sua mente. Que importância tinha que Jack estivesse
dormindo no outro quarto? Estavam separados por duas portas. Olívia não
poderia ouvi-lo respirar ou dar voltas na cama. Não poderia ver seus pés
descalços, quando passeasse com sua camisa de dormir.
210
Levantou um pouco a cabeça e apoiou o queixo nos joelhos. Utilizaria
camisa de dormir? Claro que sim. Todos os cavalheiros a utilizavam. Mas
Jack Dodger não era um cavalheiro.
Olívia riu.
212
Ele não pareceu ofender-se. Em lugar de zangar-se, fez um sinal em
direção ao sofá que havia junto à janela.
—É meu melhor brandy. Venha, que dano pode fazer? Não irá ao
inferno por dar um pequeno capricho.
213
—Não sei por que não me surpreende. Suponho que são velhos
amigos.
—Está tremendo.
Ele levou o braço e deu uns tapinhas nas costas; o calor que irradiava
sua palma atravessou o tecido da camisola. O que sentiria se estivessem pele
contra pele? Olívia se esforçou para não considerar as possibilidades.
—Faz muito tempo que avalio a qualidade. Por que acredita que
trabalhei tanto para conseguir me rodear dela?
214
Jack se sentou no outro extremo do sofá e estirou as pernas para frente.
Logo, deixou cair um braço sobre o respaldo do sofá com ar despreocupado:
seus dedos estavam provocadoramente perto dos ombros da Olívia. De
repente, o sofá parecia muito pequeno e dava a sensação que não pudesse
albergar nem a uma só pessoa.
—As damas?
215
—Ah, sim, sua economia. Recordará que seu falecido esposo legou a
você um fundo de investimento que lhe proporcionará duas mil libras por
ano.
—Ao ano.
—Estou certo que, embora faça pouco tempo que me conhece, já terá
dado conta que não há nada que considere desagradável se contribuir para
aumentar meus ganhos.
216
—Claro que sim. É um menino encantador. Isso não significa que não
prefira minha liberdade.
—Sei que, em mais de uma ocasião, meu irmão voltava de seu clube
sem mal poder andar. Acredito que adoraria conseguir que caísse de joelhos,
para poder difundir rumores sobre meu escandaloso comportamento.
217
Jack brincou com a ponta de sua trança e a deslizou sobre o polegar.
Ela não tinha nenhuma intenção de fazer nada disso, mas não se
queixou quando lhe serviu mais brandy. Sentia-se muito mais relaxada do
que o tinha estado em muito tempo; fez girar o líquido no interior da taça e
o observou.
—E como o faria?
—Fazer o que?
218
Ela negou com a cabeça.
—Você é rico.
Parecia incorreto que investisse seu capital em coisas que ela não
aceitava, mas cinco mil libras ao ano... Essa soma lhe daria muita
independência e era uma tentação muito grande para resistir. Terminou a
taça; por algum estranho motivo, era capaz de tolerá-lo em quantidades
maiores. Assentiu.
219
—Esplêndido — disse ele. E voltou a servir brandy—. Agora
passemos ao próximo tema.
—Seu marido.
—Lovingdon?
—Com um pouco de brandy e uma massagem nos pés? OH, sim, sou
mesmo o demônio .
—Isso é o que pensei a primeira noite que veio a esta casa: que o
demônio tinha vindo de visita.
—E agora?
220
As grandes e ásperas mãos de Jack começaram a massagear a planta
dos pés. Era absolutamente delicioso. Ao olhá-lo através da névoa do licor,
decidiu que era bastante atraente.
—Como não quer me dizer de quem gosta, me diga pelo menos que
qualidades prefere em um homem e eu investigarei pela zona e verei o que
posso conseguir —disse ele.
Ela negou com a cabeça. Não queria falar dessas coisas. Não queria
que ele soubesse...
Ela fechou os olhos e deixou que o brandy deslizasse por sua garganta.
O calor da bebida pareceu subir até sua cabeça para obrigá-la a confessar. A
fazia sentir-se atrevida e valente, e não ter medo do que desejava. Passou a
língua pelos lábios e absorveu até a última gota de brandy. Quando abriu os
olhos, deu-se conta que Jack havia se aproximado dela; de fato, estava tão
perto que pôde pôr umas mechas de cabelo que tinham escapado de sua
trança atrás da orelha.
—Diga-me Olívia.
221
—Não quero um homem que se esqueça de mim quando tiver
conseguido um herdeiro. —Agarrou a taça com ambas as mãos e a observou
como se nela se estivessem projetando imagens de seu passado—.
Lovingdon o fez. Quando fiquei grávida, jamais voltou a me tocar.
Teve que fazer provisão de todo seu valor para levantar os olhos e
olhar a Jack. Não esperava compaixão de um homem como ele, e não a
decepcionou nesse sentido. Não estava muito certa do que estaria pensando,
mas a julgar por como apertava os dentes, suspeitava que Lovingdon tinha
muita sorte de estar morto.
—A parva fui eu. Uma vez, entrei em seu quarto pensando que poderia
seduzi-lo. —Aquela noite se sentiu tão estúpida que jamais tinha confessado
a ninguém, mas ali, na penumbra, enquanto deixava que o brandy lhe
percorresse as veias, a vergonha parecia uma lembrança muito longínqua—
. Desprezou-me. Tentou ser amável. Disse-me que conheceu uma mulher
quando era jovem e que quando ela o deixou levou também seu coração.
Explicou-me que a tinha traído e que não podia continuar traindo-a. A
verdade é que não sabia do que me estava falando. Sentia-me tão humilhada
que mal o escutei.
Foi um pouco estranho ver como Jack ficava imóvel; imóvel e tenso.
Olhou-a e Olívia pôde observar como aumentava a intensidade que
vislumbrava em seus olhos.
—Já te disse que não sou o tipo de homem que se conforma com um
beijo.
223
Umedeceu os lábios para notar o sabor do brandy e viu como Jack
obscureciam os olhos. Essa reação estimulou seu atrevimento.
Antes que pudesse dar-se conta, Jack tinha deslizado a mão por trás de
seu pescoço e a segurava com firmeza enquanto colava os lábios sobre os
seus. Não foi delicado nem cortês, mas bem um tanto selvagem, cegado pelo
desejo de proporcionar o que tinha pedido. Olívia se rendeu a ele e não
resistiu quando sua língua conseguiu que abrisse os lábios para deslizar no
interior de sua boca. Uma espiral de calor percorreu seu corpo e derreteu os
ossos como se fossem de cera. Jack só a tocava com uma mão e a boca e,
entretanto, tinha a sensação que a estivesse tocando por toda parte; por dentro
e por fora, profunda e levianamente. Como podia ser tão poderoso um só
beijo e provocar tal desejo?
Ele fechou um pouco mais a mão que tinha na nuca de Olívia; parecia
que queria agarrá-la desse modo para sempre, enquanto saqueava a boca com
os lábios. Ela se perguntou se estaria percebendo o sabor do brandy em sua
língua da mesma forma que ela. De repente, sentiu esse sabor muito mais
poderoso, mais intenso, mais prazeroso. Queria absorvê-lo tudo, embebedar-
se dele.
224
deitar-se a seu lado e abraçá-lo. Deslizou os dedos pelo cabelo e se deixou
levar por sua suavidade.
—Já te disse que não sou o tipo de homem que se conforma com um
beijo. Está avisada: cobrarei o que me deve. Manterei minha promessa e não
irei a sua cama, mas esteja certa que você sim virá à minha. Deixo que
escolha o momento que mais te agrade, mas faça-o.
Com uma força que fez cambalear o sofá, virou para trás e se
encaminhou para a porta.
Mas Olívia não conseguia encontrar forças para falar. Mal era capaz
de sentar-se direita. Sentia a debilidade em todo seu corpo e os tremores a
percorriam de pés a cabeça enquanto tentava respirar. Só queria um beijo,
mas tinha dado muito mais.
Jack sabia quão intenso podia chegar a ser seu olhar; sabia que podia
conseguir que alguém a sentisse e captar sua atenção. Finalmente, ela o
olhou. Fez-lhe um gesto com a cabeça em direção a seu escritório. Prudence
assentiu e logo se virou para dizer algo a seu cliente: não queria que se
ofendesse ao ver que saía de repente.
227
rápida. Seu escritório bastaria. Pru poderia voltar para seu cliente antes que
este sentisse falta dela. Levou o braço para trás e agarrou uma garrafa de
uísque, serviu um pouco em um copo e o bebeu de um só gole.
228
A jovem agarrou o braço e pressionou seus seios — muito mais
generosos que os de Olívia — contra seu corpo de um modo muito sugestivo.
—Olá, amor, faz muito tempo que não vinha me buscar. Vamos a seu
quarto?
Jack jamais havia sentido nada por ela. Não sentia nada que fosse mais
à frente do plano físico com nenhuma das mulheres às que pagava. Sempre
tinha pensado que era incapaz de sentir nada mais, que havia algo em seu
interior que não lhe permitia experimentar nenhuma emoção. Mas de
repente, o que podia lhe oferecer aquela mulher não era suficiente.
—Jack?
—Jack, não posso ficar com seu dinheiro por não fazer nada.
—Como queira.
Prudence não se sentia mal porque ele a tinha recusado. Ela formava
parte de seu negócio, como Jack também formava parte do negócio do
Prudence. Nada mais.
229
Nunca tinha havido nada mais em toda sua vida.
CAPÍTULO 12
Olívia se virou na cama e fechou os olhos para não ver a luz que
penetrava por uma pequena abertura entre as cortinas. Recordou o mal que
se encontrava seu irmão quando por fim se levantava, depois de ter passado
a noite no clube Dodger. Aquilo acaso era a maldição do brandy? Aquela
terrível dor de cabeça, a garganta seca e um redemoinho de pensamentos que
se deslizavam por sua mente como a névoa?
230
Jack. Assaltou-a a lembrança de seus lábios abrindo caminho sobre os
seus. Como o enfrentaria? Não sabia, mas enfrentaria. O que aconteceu na
passada noite tinha sido uma aberração e o brandy tinha destruído sua moral.
Olívia evitaria o álcool no futuro e deixaria perfeitamente claro que também
evitaria sua cama. Não lhe devia nada. Ele tinha aceitado beijá-la e teria que
aprender a viver só com isso. Estava certa que não teria nenhum problema
em procurar consolo em qualquer outra parte. Por que ao pensar isso sentia
uma dor perto do coração?
231
Quando se deu conta do que ocorria, começou a sentir mais e mais
calor por culpa da vergonha e do calor.
Pelo visto, aquele homem não tinha nenhuma vergonha. Por que não
estava surpreendida? Ele se virou com o desafio no olhar e um sorriso nos
lábios. Olívia não estava familiarizada com a anatomia masculina, pois seu
marido se deitou com ela da forma mais respeitosa e sempre com camisa de
dormir. Ela havia sentido, mas nunca tinha visto... E, embora o tivesse feito,
não acreditava que Lovingdon fosse tão... Provocador. Era a única palavra
que lhe ocorria para descrever o que Jack Dodger mostrava com tanto
orgulho. Até o último aspecto dele era mais que um convite a deixar-se levar
pelo prazer.
232
—Céu santo! —As palavras escaparam de seus trementes lábios.
Maldita seja!
Mas quando a agarrou entre seus braços e a cabeça dela caiu sobre seu
ombro nu, deu-se conta que seu desmaio tinha algum outro motivo.
233
Quando acabou de abotoar e teve a camisa bem posta, decidiu que o
resto da roupa podia esperar. Seria muito mais fácil explicar que estava meio
vestido em lugar que ter que admitir que estava nu.
—Já pode sentir. Não deveria ter entrado sem bater na porta. —Por
um glorioso segundo, Jack acreditou que ela tinha decidido ir à sua cama. E,
seu corpo, por mais que o chateasse admitir sua debilidade, tinha reagido
imediatamente ante a expectativa.
234
—Desmaiou. Tentei reanimá-la. Temos que avisar a meu médico.
Embora ela tivesse seu próprio médico, Jack não pensava chamá-lo.
Queria que a visitasse alguém em quem ele confiasse. Não queria pensar no
repentino ataque de terror que tinha experimentado ao pensar que Olívia
pudesse morrer.
Olívia despertou e viu um anjo flutuando sobre sua cama. Seu loiro
cabelo encaracolado formava um halo ao redor de sua cabeça. Em algum
remoto lugar de sua mente, formou-se um pensamento: deveria assustá-la
que houvesse um estranho em seu dormitório. Mas seu sorriso era tão amável
e tão tranquilizador que só foi capaz de sorrir.
—Quem...?
235
—Sou o doutor Graves. O senhor Dodger me pediu que viesse. Como
se encontra?
—Ah, sim?
—Sim, bom, temos coisas mais importantes a que nos preocupar. Dói
alguma parte do corpo?
—Henry...
236
—Ele está bem.
Lovingdon jamais tinha sido terno. Quando se deitava com ela, o fazia
por puro dever. Nunca havia dito nada bonito antes de fazer e nem tinha
sussurrado nada depois. Às vezes, Olívia tinha a sensação que se desculpava
por lhe impor seu corpo. Sempre ia a seu quarto, deslizava-se entre os
lençóis, logo dentro de seu corpo e depois partia deixando-a nas mãos de
uma dolorosa solidão. Sempre tão sozinha...
Graves o olhou.
237
—É jovem. Não posso dar fé de sua força porque está muito magra.
As mulheres aristocráticas costumam comer muito pouco. Têm os meios
suficientes para comprar comida, mas não os aproveitam. Acreditam que ter
apetite é vulgar.
—Eu adoraria que fosse de outra maneira, mas não existe cura para a
doença que enfrentamos. Sinto muito.
238
Só quando o amor também entra na equação, pensou Jack. Significava
isso que Olívia amava a seu marido? A um marido que tinha deixado só duas
mil libras ao ano? Um marido que jamais lhe tinha dado um beijo de
verdade? Que coisas conseguiam que as pessoas sentissem amor? Como
aparecia essa emoção? Jack tinha amado sua mãe, mas após nunca tinha
amado a ninguém mais. Sentia uma terna consideração por Frannie, mas isso
não era amor.
—Porque perdeu uma aposta. Isso não significa que te deva nada.
239
havia algo que confiar. Todos temiam que Jack conhecesse seus mais
profundos e escuros segredos.
—Por favor.
240
habilidade de ver o interior de uma pessoa sem instrumental médico de
nenhum tipo.
—Isso não significa que não se preocupe por ela. —Graves levantou
a mão—. Sei. Sei. Você só se preocupa com Jack Dodger. Encontrarei uma
forma de vir esta noite. —Quando se pôs a andar em direção à porta, parou
junto a Jack e, em voz baixa, sussurrou: - Deveria abotoar as calças.
—Com carinho.
—Ainda tem febre. Murmura muitas coisas. Mas acredito que está
bem. Irei àquele canto se por acaso quer dispor de um momento a sós com
ela.
242
Jack quase lhe perguntou por que acreditava que ele queria passar um
momento a sós com Olívia. Já tinha a informação que necessitava, já podia
ir. Mas assentiu antes sequer de poder pensar nisso.
—Sim, obrigado.
Pensou em segurar a mão, mas por algum motivo, esse gesto lhe
pareceu mais íntimo que um beijo. Nem sequer sabia por que estava ali. Não
podia fazer muito por ela, mas sentia a necessidade de fazer algo. Odiava
sentir que não podia controlar a situação. O som de todos aqueles malditos
relógios não ajudava...
243
para não poder ouvir os sussurros. Embora tampouco ele quisesse sussurrar
nada a Olívia.
Isso também tinha sido muito irritante: ter que pedir ajuda para
Catherine. Jack estava acostumado a cuidar de seus próprios assuntos, mas
não estava tão familiarizado com esse mundo como estava com o seu. E não
queria decepcionar Olívia tomando uma má decisão. Outra coisa que era
muito irritante: que se preocupasse com satisfazê-la.
—Você gostará da nova babá. Chama-se Ida. Henry gosta muito dela.
—Cansada.
—Hora?
—Dei-os... a ele.
—Que assuntos?
245
Olívia negou muito devagar com a cabeça, fechou os olhos e logo os
voltou a abrir.
—Lovingdon. Eu o matei.
246
CAPÍTULO 13
Jack ficou olhando fixamente Olívia. Ela fechou os olhos justo depois
de dizer essas palavras; parecia como se a confissão levou a pouca força que
tinha. Acaso acreditava que estava morrendo e por isso precisava confessar?
Por que teria dito algo assim? Jack não teria ficado tão surpreso se ela se
levantasse da cama, tirado a roupa e começado a correr completamente nua
pelas ruas de Londres.
—Não.
Jack riu para si. Esse último era muito improvável. Agora tinha a
oportunidade de casar-se com um homem mais jovem e tinha recusado todos
seus intentos por casá-la com alguém. Entretanto, o fato de que não parecesse
querer casar-se não significava que não queria desfazer-se de seu marido.
Mas assassiná-lo? Não dava o tipo de assassina.
248
Colleen alargou o braço para chamar à donzela.
Ele assentiu.
—Ao diabo com o pudor! Não pode fazê-lo ela sozinha e você não
tem a força necessária para levá-la. E certamente não penso deixar que o faça
nenhum dos homens que trabalham aqui. Eu pago seu salário e fará o que eu
te digo. Prepara o banho.
—Sim, senhor.
Tirou a jaqueta e se virou para deixá-la sobre uma das poltronas que
havia perto da cama. Então viu uma cabeça loira que aparecia pela porta.
Jack saiu ao corredor enquanto arregaçava a camisa. O jovem Henry estava
sentado, com as costas apoiada na parede; abraçava com força seu
cachorrinho e tinha o medo escrito nos olhos.
249
Era evidente que tinha ouvido a agitação e que estava esperando o pior.
Jack assumiu que a noite em que morreu o duque também deve ter produzido
muito alvoroço.
—É melhor que não; pelo menos, agora não. Ela nunca me perdoaria
se você também ficasse doente. —Jack mal teve tempo de pensar por que o
preocupava fazer algo pelo que Olívia pudesse não perdoá-lo.
—E se mo-morre?
—A quem?
Jack riu.
250
Ele se apressou a desabotoar o colete, que deixou sobre a jaqueta.
Tirou o lenço. Logo se aproximou da cama e retirou as mantas. Olívia tinha
posto só a camisola. Jack a agarrou nos braços e a levou ao quarto de banho.
Vacilou. Da água não procedia o agradável vapor de costume. O gelo
flutuava na superfície. Ele sabia muito bem como era desagradável um banho
de água fria. Já fazia muitos anos que o tinham submerso em um no cárcere
e o tinham esfregado sem piedade, mas não era uma experiência que se
esquecesse com facilidade.
—Olívia.
Alguém a agarrou pelos pulsos e a imobilizou com uma mão tão firme
como o aço, enquanto com a outra a segurava pela nuca.
251
—Tenho muito frio.
Ele soltou-lhe os braços e segurou seu rosto. Sua mão estava quente,
muito quente. Ela queria aconchegar-se inteira dentro daquela mão.
—Já sei, mas não há outro remédio para baixar a febre, carinho —
disse ele.
—No que?
—Não me divirto.
Olívia olhou ao redor. A única pessoa que havia ali além deles dois
era a enfermeira. Como se chamava? Seu nome revoava nos limites de sua
mente.
252
A mulher deslizou até o outro extremo da banheira.
—Co-como sabe?
Olívia estava certa que tinha tentado insultá-la, mas não se importava.
—Me fale.
253
—Sobre o que? —perguntou ele.
—Nada.
—Era inocente?
—Fale.
Ele suspirou como se Olívia tivesse acabado com sua paciência, mas
então disse:
254
Parecia muito orgulhoso disso. Olívia assentiu, insistindo-o a
continuar. Quando ele falava, ela podia se perder em sua profunda voz e
quase esquecia a agonia pela que estava passando.
—Não, senhor.
Adorou sentir como passava um braço por debaixo dos joelhos e outro
por atrás das costas e a levantava com um pequeno gemido. Talvez não fosse
tão leve, depois de tudo.
—Traz as toalhas.
255
Jack se afastou e Olívia pôde ver que tinha a camisa quase tão
empapada como a sua.
Quase recordou que necessitava que a abraçasse para lhe dar calor,
mas continuava tendo o pano na boca e tinha medo de tirar se por acaso
mordia a língua. A enfermeira estava tentando ajudá-la a tirar a camisola e
Olívia estava certa que logo se aqueceria de novo. Entretanto, não podia
negar que se sentia decepcionada de que não fosse Jack quem conseguisse.
Assim que começou a resistir para que não a metessem na água, Jack
teria tornado a levá-la à cama, mas tinha prometido a Henry que não
256
morreria, e se a enfermeira acreditava que necessitava um banho de água
fria, isso era o que ia ter. Esfregou a testa. No que estava pensando quando
prometeu isso ao menino?
—-Ela morreu?
Jack se virou. Henry estava ali de pé, com sua camisa de dormir;
parecia tão pequeno, tão assustado... Tinha os olhos abertos como pratos.
—Não.
Sua voz era muito baixa. Parecia temer incomodar a sua mãe e Jack
mal o ouvia.
258
—Uma coroa.
O homem sorriu.
Deu a coroa a Jack que, assim que ele a teve na mão, sentiu desejos de
pôr-se a correr. Agarre o dinheiro e corre. Mas em vez de escapar, e com a
garganta tão fechada que acreditava que ia se afogar, deixou-o observar sua
apreciada posse.
259
Quando Jack acabou de contar a história, Henry tinha dormido.
Recuperou o medalhão de entre suas pequenas mãos com muito cuidado,
abriu-o e observou a fotografia em miniatura de sua mãe. Tinha o cabelo e
os olhos escuros, igual a ele. A Jack sempre tinha parecido muito bonita.
Não, Jack resistia a pensar que o duque fosse esse homem. Tornaria-
se louco pensando que havia tocado em Livy e que era o pai de Henry.
Tinha que ter algum motivo que ia mais à frente do testamento. Mas
como diabos ia saber seja ele qual fosse? E por que tinha a sensação de que
era importante averiguá-lo? Deveria esquecer-se do tema, mas era incapaz
de deixar de suspeitar que algo não ia bem e que estava passando por cima
de algum aspecto muito importante.
Jack não voltou a ver como estava. Ela assumiu que ele tinha perdido
o interesse quando se deu conta que sobreviveria e continuaria ali para ficar
260
com a casa. Sentia espantosamente a falta Henry, mas sabia que o assustaria
vê-la tão fraca.
O médico sorriu.
—Sim.
—Não veio ver-me. —Parecia uma menina tola que pouco tinha a ver
com ela mesma.
—Quero que fique na cama um par de dias mais para recuperar forças
— disse o doutor Graves.
263
—Comportou-se como um autêntico cavalheiro.
—Conhece-o bem?
—Apenas o conheço. Ouvi falar dele, é obvio, mas não o tinha visto
nunca até que comecei a trabalhar para ele. Por muito que me surpreenda,
tenho que admitir que tenho muito boa opinião desse homem.
Olívia se tornou para trás e olhou pela janela. Estava muito cansada
para discutir ou fazer mais perguntas. Perguntou-se se Jack gostaria de
Colleen e se o fato que tivesse estado em seu quarto teria mais a ver com a
enfermeira que com ela. Acaso agora que a tinha beijado se cansou? Sentia-
se um pouco estranha, preocupando-se por isso, especialmente porque não
tinha nenhum interesse em que Jack lhe prestasse nenhuma atenção.
Viu como o doutor Graves subia a sua carruagem. Era bastante bonita.
Olívia não esperava. Perguntou-se como teria chegado a ter coisas tão
bonitas.
Era mais fácil comer sentada em uma poltrona, assim que se tomou
um tigela de caldo. Até que começou a comer, não se deu conta de como
faminta estava.
Não ficou na poltrona muito tempo. Talvez uma hora. Logo voltou
para a cama com muito cuidado e ficou dormindo em seguida. Quando
despertou de novo tinha escurecido. O abajur da mesa de noite projetava uma
luz tênue. Obedeceu a Colleen e tomou um pouco mais de caldo. Depois
voltou a cair no sono profundamente.
264
Quando tornou a despertar, o abajur estava aceso, mas Colleen estava
deitada em uma pequena cama e roncava com suavidade. Olívia olhou o
relógio. Eram quase nove. Henry estaria dormindo. Odiava pensar que teria
ido dormir todas aquelas noites sem que ninguém lesse para ele. Nem sequer
tinha uma babá adequada.
Franziu o cenho. Havia-lhe dito alguém que já tinha babá? Tinha uma
vaga lembrança... Não, provavelmente não. Não queria nem imaginar o tipo
de mulher que contrataria Jack. O doutor Graves lhe havia dito que ficasse
um dia mais na cama, mas já ficou tudo o que podia. Estava desesperada por
ver Henry. Aquele era o momento perfeito, porque estaria dormindo e não
teria que preocupar se por acaso a visse. No dia seguinte passaria um pouco
de tempo com ele e leria. Ele gostava muito que lessem para ele.
265
Jamais tinha visto Henry tão interessado. Estava sentado na cama junto
a um estranho vulto que havia sob os lençóis. Não queria nem pensar que
pudesse estar dormindo com seu cão.
—Sim.
Henry negou com a cabeça. Olívia nunca o tinha visto tão animado e
com tão pouco medo.
—O melhor.
266
OH, ali estava aquela atitude tão presunçosa, mas Olívia mordeu a
língua porque não queria alertá-los de sua presença. Henry não tinha
gaguejado nenhuma só vez.
—Não acredito que seja uma habilidade que necessite nenhum lorde,
mas não vejo nenhum mal nisso.
—Agora?
—Não. —Jack riu—. Quando sua mãe estiver o bastante forte para
poder sentar-se no jardim. Agora será melhor que durma. Se sua mãe souber
que deixei que ficasse acordado até tão tarde, estarei a escutando até o fim
de meus dias.
Henry riu. Olívia não se lembrava da última vez que tinha ouvido um
som tão doce. Continuou rindo até que esteve deitado na cama. O vulto que
havia sob os lençóis se moveu e de repente apareceu o nariz do cão. Deitou-
se junto a Henry.
—Fecha os olhos e lerei um pouco mais até que durma — disse Jack.
267
Ouviu a voz de Jack prosseguindo com a história e ela voltou a
deslizar-se pelo corredor até seu quarto, contente que ninguém a tivesse
visto. Não sabia muito bem o que pensar de tudo aquilo.
268
CAPÍTULO 14
269
estranho desejo de entrar naquele quarto, encher as mãos de sabão e as
deslizar lentamente por seu peito e seus ombros. Por suas costas e seus
braços. Aquele homem a atraía de formas que não deveria, a fazia desejar
comportar-se de forma incivilizada. Ela sempre tinha sido boa e, de repente,
estava-se começando a perguntar que dano poderia fazer que começasse a
ser má.
—Está acordada.
—Muito obrigada por cuidar de mim. Tem que ter muito valor para
arriscar a própria saúde cuidando de outras pessoas.
270
—Não sei se poderei influir em algo, mas darei boas referências de
você.
271
—Não, prefiro descer e tomar o café da manhã no salão. Tenho
bastante fome. Temo que estaria me trazendo bandejas toda a manhã.
Apesar de que seu ritual sempre incluía uma visita ao quarto de Henry
antes de nada, decidiu que primeiro precisava comer. O entusiasmo de seu
filho poderia atirá-la ao chão se não recuperasse primeiro as forças. Desceu
a escada agarrando-se com força ao corrimão; parecia ficar sem fôlego a cada
passo. Quando chegou ao vestíbulo, só o que queria era voltar para a cama.
Tomou um momento para armar-se de coragem; logo ficou bem direita e
entrou no salão.
Foi a imagem de seu filho sentado junto a ele. Henry também tinha um
relatório com tampas negras junto a seu prato, o qual era um pouco estranho,
porque ainda não sabia ler. Quando Jack passava uma folha de seu livro, ele
passava também uma do dele. Era comovedor e desconcertante ao mesmo
um tempo. Se seu filho estava tão disposto e encantado de imitar um ato tão
inocente, estaria igual de aberto a imitar outros atos não tão inócuos? Nem
sequer estava certa de que ela mesma servisse como exemplo de bom
comportamento.
272
Olívia estava assombrada de que Jack não parecia se importar com esses
constantes golpes, especialmente quando havia dito que o som de seus
relógios era insuportável. Jamais teria pensado que fosse um homem com
muita paciência com as crianças e, entretanto, parecia ter muita; pelo menos
com Henry.
Olívia não tinha consciência de ter feito nenhum ruído, mas de repente,
Jack levantou a vista e esboçou aquele travesso sorriso que ela tinha chegado
a reconhecer como o gesto prévio a algum comentário suscetível de acender
sua fúria.
Ficou de pé.
Antes que pudesse decidir como tomar aquele giro inesperado, Henry
se levantou da cadeira.
—Mami!
Ele assentiu.
Olívia não se deu conta que Jack se aproximou, mas de repente tinha
sua mão sob o cotovelo e a estava ajudando a ficar outra vez de pé.
Estudava-a com aqueles olhos escuros e ela não estava certa de que
gostasse do que estava vendo.
Antes que Olívia pudesse responder que o apropriado era que ela se
sentasse ao outro extremo da mesa, Jack disse:
OH, mas Olívia sim o fazia. Importava-se o que ele pensasse. Seguiria
sentindo que lhe devia algo? Ou por causa de sua enfermidade teria decidido
lhe perdoar a dívida?
—Ah, sim?
O menino assentiu.
—É nosso segredo.
275
—Pensava que era pelo luto. Sinto muito todas as moléstias que te
tomaste para garantir minha sobrevivência.
276
Olívia estava deitada em um sofá perto do jardim, enquanto observava
como Henry tentava ensinar ao seu cão a pegar um pau. Embora na realidade
era a babá quem o pegava enquanto o cão ignorava continuamente as ordens
do menino e se limitava a brincar de correr pela erva. Era uma tarde
anormalmente cálida e Olívia se sentia estupendamente bem sob o sol.
277
Ele assentiu lentamente; parecia estar esforçando-se por aceitar a
verdade daquelas palavras. Então abriu os olhos de par em par, ficou muito
contente e começou a saltar.
—Voltou!
Olívia olhou por cima de seu ombro e viu que Jack se aproximava
deles. Levava três caixas de madeira.
—Importa-se?
278
Jack chamou à babá e, quando se aproximou, disse:
Olívia não queria nem pensar que talvez Jack tivesse começado a
interessar-se por Ida enquanto ela estava doente. Sabia que acostumava
cortejar várias mulheres de uma vez. Por que queria significar mais para ele
do que significava? Seria porque ele estava começando a significar para ela
muito mais que ser o tutor de seu filho?
—Então, você vai ter uma surpresa. —Animou ao Henry a que ficasse
diante dele, lhe dando as costas. Mas o pequeno era muito curioso e, assim
que esteve em seu lugar, virou-se para ver o que ocorria. Jack sorriu
divertido, abriu a caixa e tirou um cilindro—. Até aqui está claro. Agora tem
que olhar por este lado — disse, assinalando o buraquinho—, e ir girando o
outro extremo para que o que está vendo vá mudando.
279
—Quero ir olhar o Pippin.
—Para você.
—Vá, obrigada senhor. Será melhor que vá ver o que faz o jovem
duque. —levantou-se e correu atrás de Henry, quem, incapaz de conseguir
que Pippin estivesse quieto, tinha decidido ir olhar as flores.
—Vá! Isso significa que o inferno estará congelado quando chegar ali.
E eu não gosto muito do frio...
—Suponho que está sugerindo que pensou que esse abominável lugar
se congelaria antes que eu estivesse de acordo contigo em algo.
—Exato.
Ele riu e ela se deu conta que estava começando a gostar da aspereza
daquele som, que removia algo em seu interior.
280
—Ser muito, muito bom me aborreceria mortalmente. —piscou-lhe e
deu um golpe na caixa—. Abre a tua.
—Muito.
—Contigo?
Jack a observou. Não estava certo de que ela acolhesse sua companhia
com agrado, mas necessitava resposta a algumas perguntas e o jardim parecia
o melhor lugar para isso. Esperava que seus presentes a tivessem feito baixar
a guarda.
E assim seria. Ele se sentiu muito mal quando Olívia ficou doente. A
princípio se perguntou se o que tinha feito ele na noite anterior a que
desmaiasse, tentá-la com brandy e logo lhe dar um beijo, a lembrança do
qual ainda tinha o poder de fazer reagir a seu corpo, teriam tido alguma
incidência sobre sua saúde. Não podia perguntar ao doutor Graves sem lhe
282
explicar o que tinha feito. Não estava envergonhado, mas não era um homem
que acostumasse a contar a ninguém suas intimidades.
Palavras que Jack jamais pensou que ouviria dela. Não estava seguro
do que pensava sobre sua nova camaradagem. Só sabia que as coisas tinham
mudado entre os dois. Embora não sabia se, se devia ao beijo, à enfermidade
ou, simplesmente, à aceitação de que agora um formava parte da vida do
outro. Continuava querendo que Olívia se casasse, mas também continuava
desejando quase de forma incontrolável tê-la em sua cama.
283
Acompanhou-a para o estreito e serpenteante caminho empedrado que
os afastaria do lugar onde Ida e Henry continuavam explorando seus novos
brinquedos. Ali havia abundantes sebes e flores que proporcionavam certa
sensação de privacidade.
—Eu cresci nas ruas, que estão sujas e cheias de gente, ali não há nada
que se pareça absolutamente a prados verdes, nem se veem as cores vibrantes
nem se cheiram as agradáveis fragrâncias de um jardim. Assim sim, eu gosto
muito dos jardins. Além disso, minha mãe vendia flores, assim estar perto
delas me faz lembrar isso.
—Por muito surpreendente que resulte, até o filho de Satanás deve ter
uma mãe.
Ele sorriu.
—Já imagino que não. Que Deus benza a sua mãe por te suportar.
—na verdade não o fez. Não durante muito tempo, ao menos. Vendeu-
me quando eu tinha cinco anos.
284
A compaixão e o horror apareceram nos olhos de Olívia e ele se
amaldiçoou por ter revelado essa informação tão pessoal. Não sabia no que
estava pensando para ter confessado aquilo. Só tinha contado ao Luke. E, é
obvio, Feagan também sabia. Feagan sabia tudo.
—Não imagino que pudesse fazer algo que provocasse que ela
reagisse dessa forma tão cruel.
—Bom, sim, suponho que há muitas coisas que você não pode
imaginar. O mundo do que eu provenho é muito diferente deste.
—A quem te vendeu?
285
—Não sou. Perdi uma aposta.
—Um botequim.
Ela riu.
—Como sabia?
286
Ele assentiu.
—Igual a você.
287
De repente começou a sentir náuseas.
—Quem o ouviu?
—Só eu.
Olívia se deixou cair sobre o banco. Era pequeno e, por estranho que
parecesse, queria que Jack se sentasse ao seu lado e a abraçasse. Em vez
disso se agachou frente a ela da mesma forma em que o tinha feito o inspetor
Swindler; parecia que aquela postura tinha o poder de provocar confissões.
288
—Sou muitas coisas, Livy, mas não sou nenhum hipócrita. Fiz coisas
muito piores das que terá feito você.
O olhar de Jack era muito penetrante e ela teve a sensação de que ele
podia ver o interior de seu coração.
—Se por acaso for mais fácil, me deixe te dizer que não acreditei nem
por um momento que o assassinasse, em qualquer caso, não com
premeditação.
289
como obcecada que estava com os relógios. Ele não acostumava a dizer
coisas desagradáveis e suas palavras não me sentaram bem.
Jack entrelaçou as mãos com força. Olívia viu a tensão da pele de seus
nódulos e se perguntou se estaria s esforçando por não tocá-la. Pelo visto,
quando a situação o requeria, os dois podiam ser extremamente fortes.
Naquele momento não havia nada que ela desejasse mais que deixar-
se abraçar pelo Jack, mas este se manteve distante.
Olívia assentiu.
290
—Descemos a escada a toda pressa e nesse momento me pareceu ouvir
Henry chorar. Dei meia volta para ir ver o que acontecia e Lovingdon me
agarrou pelo braço. Disse-me que não o fizesse. Que o menino estava bem.
Mas eu continuava zangada pelo estúpido comentário que tinha feito sobre
os relógios, assim puxei o braço para que me soltasse, e quando o fiz...
OH, Deus, podia vê-lo com tanta claridade... Cada segundo pareceu
durar eternamente. A surpresa no rosto de seu marido. Seus braços agitando-
se. Seu pé medindo o degrau que esperava encontrar ali, procurando o
equilíbrio... sem encontrá-lo.
Ele conseguiu lhe arrancar o lenço das mãos e, com muita ternura, com
muita mais ternura da que ela jamais acreditou que pudesse possuir, secou-
lhe as lágrimas.
—Não foi sua culpa — disse Jack muito devagar—. Foi um acidente.
—Foi tão absurdo. Ele nem sequer queria ir a esse jantar, mas era com
a rainha. O príncipe e ela celebravam o êxito da Grande Exposição. Você
provavelmente não saiba, mas ninguém rechaça um convite da rainha.
—Agora parece uma tolice, mas quando leu o testamento, pensei que
você foi meu castigo. Pensei que talvez Lovingdon sabia que eu acabaria
sendo a causa de sua morte e por isso tinha redigido aquele ridículo
testamento para me castigar.
—É que foi algo tão inesperado... Não quero que pareça que não lhe
agradeço o que me legou, mas eu sempre tinha tido a esperança de que me
deixaria a casa. Já sei que é muito grande para uma viúva, mas quando vim
viver aqui era tão sombria... Ele nunca deixava que entrasse a luz. Só tinha
uma quarta parte dos serventes que necessitava. Todo o resto da casa estava
desatendido. Eu mudei tudo. Para ser sincera, tomei como uma traição que
deixasse ela a você e, além disso, nomeasse a você, um conhecido libertino,
tutor de nosso precioso filho. Simplesmente, foi muito. Temo que paguei
contigo minha decepção e minhas frustrações. Sinto muito.
Ela riu porque, de repente, ele parecia estar escandalizado. Jamais teria
imaginado Jack escandalizando-se ante nada.
293
—Está tentando me absolver de minha culpa, e lhe agradeço
sinceramente, mas por desgraça, isso só serve para demonstrar que além de
uma terrível esposa, também sou uma mãe espantosa.
—Não pode se culpar por não saber de Helen. As pessoas que gostam
de machucar as crianças têm muita habilidade para esconder.
Olívia não tentou pressioná-lo para que lhe contasse mais detalhes,
embora morria de vontade de saber absolutamente tudo sobre ele. Secou as
lágrimas pela última vez antes de lhe devolver o lenço.
Ele não fez nenhum gesto de voltar para a casa. Seu olhar deslizou até
os lábios dela, que se perguntou se estaria pensando em outros prazeres.
—Não sabia que estava dentro — o interrompeu ela, ansiosa por detê-
lo antes que falasse muito.
294
—Pensei que talvez vinha me pagar o que me deve.
—Não acredito que te deva nada. —Olívia tinha ficado sem fôlego e
começava a ter calor de novo—. Você aceitou meu desafio com todas as
limitações.
Antes que ela pudesse rebater sua afirmação, Jack estendeu o braço.
Olívia se deu conta que estava oferecendo uma trégua.
CAPÍTULO 15
295
Os jogos de dados não o interessavam. Tampouco tinha nenhum
interesse em jogar cartas. O quarto em que estavam as mulheres parecia
aborrecido. E tampouco tinha obtido nunca nenhum prazer no álcool.
Olívia sabia que devia levantar-se e começar o dia. Mas em vez disso,
permitiu-se o luxo de ficar onde estava, escutando como se banhava Jack.
Durante os quatro dias transcorridos desde que superou sua enfermidade,
deu-se conta que ele a observava com atenção; parecia estar observando se
estava preparada para confrontar algo, e isso a incomodava um pouco.
Talvez tivesse contado sua confissão ao Swindler e acabasse na Scotland
Yard. Cada manhã, Jack perguntava como se encontrava, queria saber o forte
que se sentia e a submetia a uma inquisição que ela imaginava muito similar
a que teria sofrido Graves. De repente, sentiu compaixão pelo médico. Estava
tão ansiosa por saber por que Jack estava tão preocupado por sua saúde, que
no dia anterior pela manhã havia dito:
296
—Encontro-me tão bem como antes de me pôr doente.
297
porque em realidade nos vem muito bem, não têm que respirar o mesmo ar
que os pobres. Os que visitarão hoje a exposição não são o tipo de gente com
o que costuma se relacionar, portanto, é muito improvável que a reconheçam.
—Lançou um pacote sobre a cama—. Para que esteja mais tranquila, trouxe-
lhe esta roupa. Com ela não chamará a atenção. Vamos em meia hora.
Jack fechou a porta antes que pudesse objetar nada. Olívia agarrou o
pacote, desfez o nó e tirou um montão de roupa usada: uma jaqueta, uma
camisa, calças, sapatos e uma boina. Estava insinuando que se vestisse como
um menino?
Não queria pensar no muito que devia tê-la observado para ter podido
escolher com tanta precisão a roupa que ficaria bem. Não sabia se, se
inquietava ou sentia-se adulada, se agradecer-lhe ou xingá-lo. Não tinha
nenhuma dúvida que ele esperava mas bem o último. Com certeza estava
298
aguardando do outro lado da porta com um montão de argumentos
preparados para lhe responder.
—Por que não? —perguntou-lhe uma tênue voz parecida com a sua.
Procedia de um rincão remoto de sua mente. Talvez estivesse perdendo a
cabeça. Falar sozinha era preocupante, mas responder a suas próprias
perguntas era uma autêntica loucura.
—Não.
—Está apresentável?
—Não.
299
—Não.
300
—Ninguém olha o rosto das pessoas pobres. Com essa roupa parecerá
um indigente.
Ele suspirou.
Quase lhe recordou que o tinha beijado, e isso era muito indevido, mas
tendo em conta que ele não tinha feito nenhuma só referência a seu encontro
do passeio pelo jardim, suspeitava que, ou queria esquecê-lo, ou tinha
decidido que não significava nada absolutamente. Depois de chegar a essa
conclusão, tentou não sentir-se decepcionada.
Se houvesse dito isso antes de beijá-la, Olívia teria pensado que estava
tentando ofendê-la, mas agora acreditava que só o que pretendia era tomar o
cabelo e fazê-la rir para que se desse conta do absurdo era seu dilema.
301
—Se for ao inferno por culpa disto...
Ela percebeu algo em seu tom de voz e em seu olhar que a fez pensar
que dessa vez não estava tirando o sarro e a assaltaram umas vontades
absurdas de pôr-se a chorar. Possivelmente ainda não tivesse superado de
tudo a enfermidade, ou talvez se devesse, simplesmente, a que reconhecia
que tinha muito medo de estar sozinha.
302
Aquela roupa tinha sido um engano, um terrível engano. Jack era
incapaz de deixar de olhar a preciosa silhueta do traseiro de Olívia enquanto
faziam fila para entrar em Palácio de Cristal. Devia ter pedido a sua donzela
que lhe enfaixasse o peito, porque a via tão plaina como uma tabela. Ou
talvez só fosse pela largura da jaqueta. Aquela curta jaqueta que lhe permitia
ver perfeitamente como a calça lhe marcava o traseiro.
Jack jamais tinha visto tanta alegria nos olhos de Olívia. Não parava
de agachar-se e falar com Henry e de assinalar coisas a um lado e a outro.
Embora sabia que não devia, Jack desejava que ela compartilhasse tudo
aquilo com ele, que lhe tocasse o braço, que ficasse nas pontas dos pés e lhe
sussurrasse ao ouvido tudo isso que parecia emocioná-la tanto.
Maldição!
303
Meteu a mão no bolso do casaco e olhou rapidamente ao seu redor.
Não viu nenhum ladrão.
—Maldito seja!
Jack se virou e olhou o homem que tinha falado. Era bastante velho e
sua mulher era muito pouco atraente, mas parecia que ele se preocupasse
com ela, que fossem um casal de verdade.
—O que ocorre? —repetiu ela, com uma voz que acreditava que se
parecia com a de um menino, quando em realidade não se parecia em nada.
304
—Sempre o levo comigo —respondeu ele com secura, deixando muito
claro que não queria que ninguém o recordasse quão tolo tinha sido—.
Tinham tentado roubar isso uma meia dúzia de vezes, mas sempre fui o
bastante rápido para pegar o safado. —deu-lhe vontade de voltar a
amaldiçoar, mas não queria acabar brigando com o homem que tinha atrás.
Talvez fosse mais velho, mas também era muito mais corpulento e tinha uns
enormes punhos que sabia que podiam fazer bastante dano. Se estivesse
sozinho, poderia escapulir facilmente, mas o preocupava que Olívia ou o
menino levassem um golpe que devesse receber ele.
—Então o roubou alguém tão hábil como você — afirmou ela em lugar
de perguntar.
Olívia se aproximou de Henry, que estava entre eles dois como uma
inocente barreira, e tocou o braço de Jack. Apesar do casaco e da camisa,
sentiu o calor da palma de sua mão como se nada separasse seu corpo da pele
de Olívia. Se não soubesse qual era o motivo daquela temperatura, Jack
poderia pensar que ela ainda tinha febre. Ou talvez fosse ele quem a tivesse.
Queria sair correndo; queria aproximar-se mais de Olívia.
305
—Sinto — disse ela com tranquilizador sussurro que penetrou o
compacto muro de Jack.
306
—Venha! Venha! —gritou Henry.
Jack se deu conta que a fila começou a mover e que ele não se deu
nem conta.
Jack não sabia se estava falando com seu filho ou estava dizendo a ele,
se teria se dado conta que de repente queria sair correndo. Entretanto, não se
separou dela. Ficou ali absolutamente convencido que não encontraria nada
naquele edifício feito de cristal e metal que o fascinasse tanto como a mulher
disfarçada de menino que caminhava a seu lado.
Logo olhou para Jack e ele viu o pânico em seu rosto ao dar-se conta
que as pessoas estavam começando a prestar atenção nela e a advertir que
não era nenhum menino. Antes que pudesse tranquiliza-la assegurando que
não tinha nenhuma importância, Olívia disse:
—Maldito seja! —com o tom de voz grave que parecia que adotaria
um jovem.
307
Olívia não teria horrorizado tanto se Jack a tivesse pego entre seus
braços e a tivesse beijado ali mesmo. Então começou a rir e teve que tampar
boca.
—Eu não acredito que seja um menino, Jonah. O que está acontecendo
aqui?
—Vamos.
—Vamos perder nosso lugar — disse Olívia; embora não parecia estar
zangada.
—Já te disse que faz muito tempo que não faço isso. —Olhou-a e
sorriu—. O de roubar.
Jack não queria ir até o princípio da fila porque seria muito evidente.
Mas queria que estivessem mais perto do que estavam. Então viu um homem,
uma mulher e uma menina. Jack se aproximou deles puxando Olívia e Henry.
308
—E a você o que importa?
—Eu não...
Ela abriu os olhos como pratos, apoiou a mão no braço de seu marido
e se foram muito contentes.
—Exatamente o que tem feito. Teria que ter feito isto muito antes.
Sim, quase estavam. E Jack já estava desejando que aquele dia não
acabasse nunca.
309
Olívia nunca tinha prestado muita atenção às massas. Não formavam
parte de seu mundo. E agora que estava se mesclando com toda aquela gente,
dava-se conta que não pareciam tão diferentes dela. Jack passava
completamente despercebido, mas sabia que era porque estava se esforçando
por fazê-lo. Sem conhecê-lo, tinha pensado que procedia da escória da
sociedade, mas estava claro que aquele não era seu lugar. Olívia acreditava
que seu lugar era exatamente o que ocupava.
310
posição e seu título. Ou talvez não tivesse havido diferença. Possivelmente
Jack tivesse mostrado que não devia se importar o que pensasse as pessoas.
Sim, isso era muito mais provável. Se não se casasse, não encontrasse
um marido que usurpasse a posição de Jack como tutor de Henry, não lhe
cabia nenhuma dúvida que este cresceria sem temer as opiniões de outros.
Olívia não estava segura que isso fosse tão mau.
—Nenhuma vez?
311
Ele encolheu os ombros, despreocupado.
—Simplesmente, sei.
Ela sabia perfeitamente o que estava dizendo com aquele olhar. Como
podia repreendê-lo por julgar o que não tinha experimentado se ela era
culpada do mesmo? Olívia nunca tinha pecado e, por muito que a
envergonhasse reconhecê-lo, estava começando a se dar conta que jamais
tinha desejado de verdade a seu marido. A princípio, pensava nele antes de
312
adormecer, sentia falta dele e se sentia sozinha quando ele abandonava sua
cama. Não ansiava vê-lo pelas manhãs durante o café da manhã. Nunca tinha
pensado que as demoras sem ele se fizessem muito longas, e as noites em
sua companhia, muito curtas.
Não pensava nele com desejo. Suspeitava que se não andasse com
muito, muito cuidado, poderia acabar desejando muito mais que um beijo
dos lábios de Jack.
—Poderemos ir em tre-trem?
313
podia negar que o que estava começando a sentir por Jack era assombroso
em sua vastidão e aterrador em sua intensidade.
Queria estar com ele de formas que sabia que não deveria. Formas
escandalosas, formas pecaminosas. Devia apelar a toda sua determinação
para resistir a algo que sabia que acabaria em desastre. Não podia abandonar
toda sua educação para passar uma noite de paixão na cama de um homem
com o que não estava casada, um homem que queria casá-la com outro... Só
uma insensata se exporia entrar por esse caminho.
314
Ele a olhou com preocupação nos olhos.
—Eu tenho que ir. E a verdade é que vou vestido à perfeição para o
lugar ao que vou.
—Aonde vai?
Ele agarrou-lhe o queixo e fechou a outra mão sobre sua nuca. Ela
ficou sem fôlego ao pensar que talvez fosse lhe dar um ardente beijo antes
de ir solucionar seus assuntos.
O olhar de Jack deslizou por seu corpo: começou nos pés para acabar
posando-se em seus olhos.
—Devo confessar que não esperava que estivesse tão deliciosa com
calças.
315
—Não posso acreditar que consiga me fazer desejar ser o tipo de
homem que se conforma com um beijo.
Mas o que sentiu parecia ser mais que um beijo. Do preciso momento
em que sua boca tocou a de Olívia, ela se perdeu nas sensações que lhe
provocava. Deu-se conta que ele tentava manter seu apetite sob controle, de
que estava se dominando; parecia ter medo de não poder refrear-se naquela
ocasião e não poder conformar-se com nada que não fosse tê-la sob seu
corpo.
Mas o beijo foi tão maravilhoso como o primeiro. Uma parte de Olívia
que parecia estar muito longe dali foi consciente que tinha caído a boina.
Enquanto ela deslizava os braços pelas costas de Jack até chegar a seus
ombros, e ele a estreitava entre seus braços, o cabelo da Olívia se desprendeu
316
ao seu redor. Aquele homem tinha tanta destreza nos dedos como nos lábios.
Conseguia distraí-la com tanta facilidade que no final só o que lhe importava
era ele.
Não, não, tinha que ser forte. Tinha que conformar-se com aquele
beijo que estimulava seu desejo. Os dois deviam conformar-se com isso.
Ouviu uma áspera súplica e temeu que tivesse escapado de seus lábios.
317
Depois de dizer isso, virou-se e se foi em direção à escada. Ela fechou
os olhos e se recostou contra a parede.
Que tipo de triste vida levava para que fosse entre toda aquela porcaria
onde se sentia mais cômodo? Agarrou o saco de estopa da carruagem e o
jogou ao ombro. Sabia que se a charrete ficasse ali, quando retornasse não
restariam nem as rodas.
—Sim, senhor.
318
Ao final, chegou à casa que procurava. Era difícil abrir a porta porque
não estava presa com todas as dobradiças. O interior era escuro e sombrio, e
ali dentro o fedor da decadência era, se pudesse, mais denso. Começou a
subir os degraus: sabia muito bem quais estavam quebrados, quais rangiam
e quais devia evitar. Naquela zona de Londres as coisas não melhoravam.
Jack descobriu que em um dos degraus havia um buraco novo quando
afundou o pé. Conseguiu tirar a bota enquanto amaldiçoava e seguiu subindo
com um pouco mais de cuidado. Quando chegou ao final da escada, dirigiu-
se a um escuro passadiço, esquivando com atenção tudo o que, apesar de não
poder ver, sabia que era lixo.
Assim que saísse daquele lugar, queimaria a roupa que usava. Era a
única forma de assegurar-se que não levava dali nenhuma enfermidade ou
algum inseto: piolhos, pulgas, insetos que se arrastavam... Sempre tinha
odiado a sensação de ter pequenos insetos pelo corpo.
—Vá, mas não é meu Dodger. —Fez um gesto com os dedos torcidos,
convidando-o a entrar—. Entra, menino. Vejamos o que o traz para o velho
Feagan.
319
Jack entrou na imunda estadia e recordou um tempo em que dormia
no chão da mesma, como um cão, deitando-se contra quem fosse que
dormisse junto a ele para oferecer e receber calor. Quase nunca se deitava
com fome. Feagan sempre se ocupou em dar de comer à suas crianças. De
nada lhe servia um menino desnutrido.
320
—Teria que vir comigo e viver em um dos apartamentos de meu clube.
O homem tomou um gole e passou a língua por seus lábios para não
desperdiçar nenhuma gota.
—A generosidade não tem nada a ver com isto. Eu não gosto de ter
que andar entre o lixo cada vez que quero falar contigo.
—Está bem.
—Casou-se?
—Não.
321
—Mas ela não é o motivo pelo que está aqui.
—Estava distraído.
—Isso não é muito próprio de você. Ela deve ser realmente preciosa...
Jack não tinha nenhuma intenção de falar de Olívia. Era uma dama
muito refinada para que Feagan imaginasse naquela fossa séptica.
—Já sei que já não trabalha com crianças, mas você sabe quem me
roubou isso, e suspeito que segue tendo mão no mercado negro. Pagarei cem
libras se o encontrar.
Era uma quantidade enorme, mas aquele medalhão era a posse mais
apreciada de Jack; talvez fosse a única coisa que o importava mais que o
dinheiro.
322
—Isso é verdade.
—Vemo-nos logo.
—Com certeza que sim, meu Dodger. Com certeza que sim.
323
CAPÍTULO 16
Olívia, sentada no terraço, observava como seu filho caía pela erva;
não sabia como aceitar aquilo. Supunha que não era nada de mais, sempre
que Jack não estivesse ensinando a melhor forma de colocar a mão nos
bolsos alheios sem que ninguém se desse conta.
324
minutos, Claybourne tinha seguido o exemplo do Jack e tirou a jaqueta, o
lenço e o colete; logo, arregaçou a camisa para poder correr com toda
liberdade pela erva e tentar apanhar o Henry, que ia de um extremo a outro
com a bola entre as mãos, tentando que não o apanhassem.
—Ganhei! Ganhei!
325
—Eu não duvidei nem um momento — havia dito Lovingdon um dia
que por acaso falaram do tema—. Se parece muito ao seu pai para não ser
seu filho.
—Viemos visitá-la faz alguns dias, mas nos disseram que estava
doente — disse Catherine com um tom de voz muito mais depravado—
.alegro-me que já esteja recuperada.
Olívia voltou a cabeça para olhar Catherine. Não viu censura em seu
olhar, só cumplicidade. Entretanto, não tinha nenhuma necessidade dela.
Jack estava demonstrando quão idôneo era para esse posto de uma forma
bastante admirável.
326
—Sterling esteve muito tempo fora. E agora que por fim retornou,
tenho a sensação que mudou muito. Embora não posso explicar por que.
Além disso, Claybourne não o conhece nada e não se sentiria cômodo
pensando que Sterling pudesse converter-se no tutor de seus filhos. Ele
confia em Jack Dodger. Pelo visto, o senhor Dodger salvou sua vida em mais
de uma ocasião.
327
Catherine deixou de olhar os homens e o menino que brincavam de
correr pela erva e pôs os olhos sobre Olívia.
—Se te for sincera, devo admitir que quando o conheci eu não gostei.
Comportou-se de uma forma muito insolente e tem uma opinião
excessivamente negativa da nobreza. Mas confio em Claybourne e em seu
bom julgamento. Em realidade, também cabe a possibilidade de que não me
preocupe, porque estou convencida que será Luke quem educará nossos
filhos. Não sei por que, mas estou certa que quando uma pessoa passa uma
infância tão dura, sua vida adulta só pode estar cheia de felicidade.
Olívia sentiu uma pontada de inveja. Não podia imaginar nada mais
maravilhoso na vida que estar casada com o homem do que está apaixonada;
bom..., e que seu marido correspondesse a esse amor.
Observou Jack correr pela erva. Era tão atlético como ela gostava.
Observá-lo era fascinante e esperava que sua acompanhante não se desse
conta do tanto que ele chamava sua atenção.
Jack agarrou Henry e o levantou por cima de sua cabeça enquanto ria,
contente. Henry, encantado, ria deste modo a gargalhadas e Olívia sorriu. Ela
tinha crescido em um ambiente muito formal e se casou com um homem que
também era. Jamais tinha posto em interdição que o comportamento devesse
ser calmo, reservado e adequado. Agora era quando realmente estava
começando a se dar conta que a risada era tão embriagadora como o brandy.
Também se deu conta que aquele momento lhe brindava uma grande
oportunidade para saber mais coisas sobre Jack sem ter que bombardeá-lo
328
com perguntas que ele evitaria responder, fazendo ornamento de sua astúcia
habitual.
—Já sei que isto é muito inapropriado porque estou de luto e não
deveria convidar a ninguém —disse Olívia, olhando Catherine,
envergonhada—, mas vocês gostariam jantar esta noite conosco?
—É obvio. Eu só...
—Mas estaria encantada. Para ser sincera, acredito que todas nossas
normas sobre o período de luto são absurdas.
—Tem certeza?
—Só estaremos nós, quem vai notar? Para te ser justa, estou farta
do negro.
Olívia sorriu.
—Estupendo.
329
Jack custava muito em acreditar que Olívia tivesse convidado Luke
e Catherine para jantar com eles.
Pelo visto, a pequena duquesa não era tão reticente a saltar as normas
de etiqueta, sempre e quando a ideia fosse dela. Agora que estava recuperada
de tudo, ele deveria esforçar-se para convencê-la de que sua obrigação era ir
para sua cama. Estava impaciente por desafiá-la, mas tinha tido que ser
paciente enquanto esperava que recuperasse as forças. Na realidade,
acreditava que deviam santificá-lo a conta da benevolência que tinha
demonstrado.
Catherine e ele acabavam de chegar. Tinham ido a sua casa para vestir-
se para o jantar. Jack se sentia nu junto a Luke, que tinha posto seus melhores
ornamentos. Ele nunca tinha investido nesse tipo de roupa, pois sabia que
nunca iria a bailes nem a jantares, o que parecia estupendo. Jack despertava
a curiosidade da aristocracia, mas esta preferia manter as distâncias.
330
Jack olhou a Catherine.
—Condessa?
—Nada, obrigada.
Luke segurou a mão de sua esposa, a aproximou dos lábios e lhe beijou
os dedos. Estava perdidamente apaixonado. Jack nunca permitiria que uma
mulher tivesse tanto poder sobre ele.
—Deveria pedir a Graves que lhe desse uma olhada e se assegurar que
não está incubando o mesmo que teve Olívia. Foi muito desagradável.
—Disse-me que não queria que ninguém soubesse. Pelo menos ainda
não.
—O que celebramos?
331
Jack se virou na direção à voz de Olívia e ficou gelado.
—Não. —Jack pigarreou para que não parecesse que alguém o estava
estrangulando—. Não tem nada. Está preciosa.
Ela ruborizou.
—Sim. —Jack lhe deu sua taça e serviu outra para ele. Logo fez um
gesto a Luke com a cabeça—. Faça você as honras.
332
—O seu herdeiro — corrigiu Catherine.
Jack viu que seus olhos se enchiam de uma sincera alegria. Teria se
sentido também feliz quando descobriu que era ela quem estava grávida? Se
conseguisse que se casasse de novo, ficaria contente ao saber que esperava
um filho de seu novo marido? E por que de repente tinha vontades de quebrar
algo?
—É o médico da rainha?
—Um deles. —Jack se serviu mais do porto—. Graves diz que é uma
hipocondríaca.
333
Aquela mulher jamais deixaria de corrigir suas maneiras. Por algum
motivo, essa noite isso o incomodava mais do habitual. É que era incapaz de
aceitá-lo com suas imperfeições?
—Não me atreveria nem a sonhar. Mas uns dedos ágeis podem servir
para muitas coisas.
334
Jack ofereceu o braço a Olívia, aproximou-se dela e sussurrou:
—Não se surpreenda tanto, Livy. Cedo ou tarde terá que render contas
ao diabo, e eu prefiro que ocorra mais cedo que tarde.
335
bastante com a situação—, Olívia era muito consciente que uma boa anfitriã
não devia permitir que o silêncio reinasse em sua mesa.
Olívia ficou dura. Teria sido Frannie amante de Jack? Jack tinha
filhos? Tragou saliva para tentar desfazer o nó que tinha na garganta.
—Que meninos?
336
—Tem órfãos em seu clube? —Olívia não sabia se o aplaudia por sua
generosidade ou mostrava-se escandalizada ao saber que permitia que
crianças estivessem naquele ambiente.
—Sim.
—Jack trouxe um pouco de roupa para que Henry brincasse com ela.
337
—Além disso... —disse ele, ao parecer muito orgulhoso de si
mesmo—, fomos a Grande Exposição e Livy e Henry se disfarçaram de
crianças de rua.
Olívia se surpreendeu ao ouvi-lo dizer isso, porque por sua mente tinha
cruzado o mesmo pensamento.
338
repente estava ansiosa para ver partir seus convidados. Queria passar um
momento a sós com Jack antes que fosse ao clube... Porque estava certa que
iria. Ele sempre ia ao clube.
—Qualquer dia terá convidado toda a turma de Feagan para jantar sem
se dar conta.
Olívia duvidava muito, mas não queria ser grosseira. No fim de contas,
eram os amigos do Jack.
339
—Vem tomar um pouco de brandy — propôs Jack em voz baixa—. A
ajudará a dormir.
Possivelmente não fosse o mais poético dos elogios, mas ela gemeu e
facilitou o acesso a seu pescoço.
—Não.
—Beijarei você dos pés a cabeça. Beijarei em lugares aos que duvido
que Lovingdon chegou a tocar.
340
O calor abrasava todo o corpo de Olívia fundindo os ossos;
surpreendeu-se de que não lhe dobrassem os joelhos. «Sim. Sim. Sim.»
—Não.
—Sinto muito.
341
fazer tudo quanto quisesse. Mas Olívia sabia que se cedesse, perderia seu
respeito. Suspeitava que ele só estivesse brincando com ela, que só o que
pretendia era incluí-la em sua longa lista de conquistas.
Assim que o lacaio entrou na casa, Jack lhe ofereceu o braço. A noite
era linda. A névoa ainda não tinha feito ato de presença. Olívia não se
preocupava com o gélido vento, porque sempre que Jack estava perto dela se
sentia incrivelmente cálida, como se a paixão que sentia por ele fervesse sob
a pele.
—Já decidiste o que quer? Ou, melhor ainda, com que lorde prefere se
casar?
Olívia se esforçou por não pensar na decepção que sentia ao saber que
ele seguia pensando em desfazer-se dela. Embora não deixava de lhe repetir
que a queria em sua cama, suas palavras confirmavam que só queria era ter
uma aventura.
—Em realidade, não, mas sentia curiosidade por saber o que quer para
si mesmo.
—Nenhuma vez?
342
—Se te propor a mudar...
Estava louca de desejo e não pôde evitar agarrar o rosto de Jack com
a mão. Não era suficiente. Queria sentir sua pele sob as gemas dos dedos,
mas não podia permitir-se pedir mais, nem deixar-se levar pelo que tanto
desejava. Estava certa de que ele podia sentir como o desejo fervia sob sua
343
pele, do mesmo modo que ela sentia como esse mesmo desejo esticava os
músculos de Jack quando deslizou o joelho entre suas coxas.
Olívia esperava que ele parasse, que a liberasse daquela tortura, mas o
que fez Jack foi deslizar a boca um pouco mais para baixo e passear seus
lábios e sua língua por sua clavícula, entretendo-se no vale que se formava
na base de seu pescoço. Como podia um gesto tão pequeno gerar tanta
debilidade em seu corpo, ao mesmo tempo em que lhe provocava tanto
agrado?
Olívia se deu conta do movimento sob sua saia pouco antes de sentir
os dedos de Jack deslizando-se por suas coxas. Gemeu, agarrou-o pelo
queixo e o guiou outra vez para seus próprios lábios, para silenciar com sua
boca a escura risada de Jack. Estava tomando aquilo como uma vitória sobre
ela? Ou só estava encantado de vê-la tomar a iniciativa e de ter conseguido
lhe provocar sensações que por fim Olívia era incapaz de controlar?
Os hábeis dedos dele abriram caminho através de sua roupa até perder-
se entre seus cachos íntimos, e então insistiu com habilidade a ela responder
a seus requerimentos. Era um ladrão, e estava roubando o pouco poder que
ficava para resistir. O corpo de Olívia se esticou e palpitou. Então, começou
a sentir um prazer que jamais tinha experimentado antes e que a tentava, lhe
sussurrando a promessa do que estava por chegar.
—Não.
345
Olívia teve que esforçar-se para não tornar a chorar. Sabia o muito que
desejava o que ele podia lhe oferecer e amaldiçoou sua implacável força de
vontade.
Jack deslizou um dedo dentro do corpo dela, logo dois... ao tempo que
pressionava o polegar sobre sua pele torcida e a acariciava com intimidade,
lhe provocando sensações incrivelmente doces...
Ele cambaleou.
346
—Livy...
347
CAPÍTULO 17
Jack ficou sentado em um banco: sabia que teria que ter ido atrás dela.
Mas Olívia se recuperou imediatamente, enquanto que ele mal podia
aguentar-se em pé, incapaz de persegui-la. Pensou em ir procurá-la assim
que tivesse recuperado o controle, mas o que ia dizer? Tinha ouvido chorar.
Acaso ela esperava que se desculpasse? Jack não se arrependia de nada.
Embora, para ser sincero, isso não era de tudo verdade. Preocupava-lhe que
estivesse desgostada. Quanto a ele, estava completamente aterrorizado.
Jamais tinha reagido assim com uma mulher. Nunca tinha desejado
mais agradar a ela que ele. E agora se sentia condenadamente vulnerável.
348
Queria meter-se na cama de Olívia, aproximar-se dela e lhe pedir que o
abraçasse.
O sexo era seu negócio. Sua meta sempre tinha sido satisfazer suas
necessidades físicas e logo procurar a seguinte fonte de prazer.
Mas ela não formava parte de seu negócio e, por muito que odiasse
reconhecê-lo, o que tinha acontecido entre eles não tinha sido só sexo.
Deveria ir ao clube, retornar pela manhã e fingir que aquela noite não
tinha existido.
Mas sim tinha existido e não acreditava que fosse a esquecê-la jamais.
Sua voz não tinha seu habitual tom jocoso. Ia completamente vestido
e, entretanto, Olívia se sentia intranquila. Talvez fosse pela forma em que ele
a olhava, fixamente, como se não houvesse nada do que envergonhar-se, ou
porque ela sabia que aquele homem não só conhecia seu corpo, mas também
como reagia a suas carícias. Desceu o olhar e começou a estirar um fio da
colcha.
Era muito difícil, mas não se deixou intimidar. Olhou-o com desafio e
se surpreendeu ao não ver nem rastro de triunfo nos olhos dele. Ela esperava
que desfrutasse de seu vergonhoso comportamento. Mas em vez disso, Jack
Dodger, aquele homem arrogante, seguro de si mesmo e crédulo, parecia
estar — se atrevia a pensar?— arrependido.
Ela desceu a vista e a fixou sobre aquela maravilhosa boca que passeou
por seu pescoço, acariciando sua pele com seu quente fôlego, enquanto...
350
—Mas não me desculparei por isso — prosseguiu ele—. O que posso
fazer é te prometer que jamais voltará a acontecer.
Olívia não estava muito certa de querer que mantivesse sua promessa.
351
Mas Jack não era nenhum menino. Embora Olívia suspeitasse que
agora a vida fosse para ele muito mais despreocupada que quando vivia na
rua, também acreditava que tinha muitas mais responsabilidades.
Ela só o conhecia por sua vida ali. Mas tinha outra muito distinta, e
queria vê-la.
352
Um lacaio abriu a porta. Jack saiu da casa, decidido a fazer o que fosse
para tirá-la da cabeça. Utilizaria Pru se fosse necessário, embora a ideia lhe
provocasse um estranho vazio. Apressou-se degraus abaixo ignorando a
névoa. O tempo encaixava muito bem com seu estado de ânimo.
—Senhor.
—Vai ao clube?
—Maldição!
—Quero ir contigo.
353
é isso no que está pensando? Se for assim, posso te oferecer inclusive um
alojamento.
Olívia deveria saber que ele não aceitaria fácil, mas não pensava em
desistir.
—Por quê?
—Sei que é um bom tutor para Henry e que tem muito bom olho para
os negócios. Quero ver seu negócio.
—Quero ver. Imagino que não será um lugar muito iluminado. Vou
vestida de negro. Meu chapéu tem um véu negro. Teriam que ter a vista
muito boa para me reconhecer, e se todos seus clientes bebem tanto como
bebia meu irmão, parece-me que é muito improvável que se lembre de mim.
Ouviu-o suspirar.
355
—Falo muito a sério, Livy. Meus clientes pagam extremamente bem
para manter suas indiscrições em segredo, e essa confiança que depositam
em mim é vital para o êxito do negócio.
—Aí está — disse Jack por fim, e ela olhou pela janela para ver seu
clube pela primeira vez.
Não tinha tão mau aspecto como tinha imaginado. Ao contrário, estava
muito cuidado. As colunas brancas e os lacaios uniformizados davam uma
luxuosa aparência que Olívia não esperava.
—Não.
—Pois parece...
356
—Você não viu ninguém entrar aí. Esse é o jogo que vamos jogar,
Livy. Não ouvirá nada. E Por Deus que não explicará nada.
—Absolutamente.
357
—Estes são os escritórios. —Fez um sinal com a cabeça indicando um
deles—. Frannie trabalha aí.
—Provavelmente.
—Deveria ir saudá-la.
—Está bem.
358
—É coisa de Jack. Não pode suportar que as coisas não estejam
limpas. Acredito que é porque quando era menino andava sempre muito sujo.
—Só vou deixar que dê uma olhada rápida —interveio Jack, agarrando
Olívia pelo braço.
A fumaça dos cigarros formava uma neblina que cobria toda a cena.
Olívia viu que todos os copos estavam cheios com licores de diferentes tons
359
de âmbar, alguns mais claros, outros mais escuros; e em outros casos
transparente, mas estava certa que não era água. Os meninos vestiam
uniformes de cor violeta e levavam coisas aos cavalheiros. O lugar não era
tão escandaloso como ela tinha imaginado. Em realidade, em alguns casos,
era inquietantemente silencioso.
Olívia conhecia a maioria dos lordes. Por que não estavam em casa
com suas esposas?
—E são. Mas nessas salas não pode olhar, a menos que tenha convite.
—Convite?
360
—Alguns homens gostam que os olhem, assim temos um quarto para
olhar.
—Eu não as obrigo a fazer nada que não queiram fazer. Eu só as pago
para que façam companhia aos cavalheiros e um pouco de conversa, para que
dancem com eles, talvez um beijo... O que fazem em seus dormitórios é
assunto delas e o que ganham é para elas.
Assentiu.
361
Quando estiveram na carruagem, a caminho de casa, perguntou:
—Quem era?
—Sempre acreditei que foi o avô de Luke. Não nos dávamos muito
bem e pensei que viu como uma maneira eficaz de livrar-se de mim. Como
um bom investimento.
—Não acredito que encontre nada, mas acho que não me fará nenhum
dano dar uma olhada.
Jack passou o braço por trás de Olívia, deslizou o polegar por debaixo
do véu e passeou por seu rosto.
—Parece decepcionada.
363
—É uma pena que não haja algum lugar parecido para as mulheres.
364
Limitou-se a deslizar os lábios por seu pescoço até que chegou a
sensível zona debaixo da orelha e sentiu o batimento do coração de seu pulso
sob sua língua.
—Vê? Também posso ser civilizado. Diga-me que não quer que nada.
—Já não sei o que quero. Quando me faz estas coisas não posso
pensar.
—Isso diz tudo, concorda? Seu lugar é... —Jack parou com as palavras
«junto a mim» na ponta da língua—, em minha cama.
365
CAPÍTULO 18
Ele jamais poderia casar com ela. Nunca poderia dar a ela
respeitabilidade. Casar com ele a diminuiria aos olhos da sociedade. Talvez
pudesse tê-la durante dois anos, enquanto estava de luto, mas logo teria que
deixá-la partir; ela e Henry. Jack conseguiria esse último objeto de valor
incalculável e, com o tempo, se esqueceria deles.
Mas no momento não podia pensar em outra coisa que não fosse em
Olívia.
Quando a porta que dava ao quarto de banho foi aberta, seu coração
acelerou e se virou muito devagar. Olívia estava ali, com sua camisola, o
cabelo solto, seus pequenos pés descalços, roçando o tapete com os dedos,
com as mãos entrelaçadas junto ao corpo e uma inquietação evidente no
rosto.
—Não estou muito certa de como tenho que fazer isto — disse muito
devagar—. Não sei o que tenho que fazer para te seduzir.
366
—Me seduzir? —Jack riu a gargalhadas e quando viu a dor no rosto
dela se aproximou em quatro largos passos e agarrou seu suave rosto entre
suas ásperas mãos—. Livy, esteve me seduzindo desde a primeira noite. —
Beijou-lhe a testa—. Sua resistência é muito excitante. —Beijou-a na
têmpora—. Fascina-me seu caráter. —Beijou a bochecha—. O amor que
demonstra por seu filho é emocionante . — Pousou os lábios sobre a ponta
de seu nariz—. Sua risada é encantadora. —Deu-lhe um beijo no canto da
boca—. Seus olhos me hipnotizam e seus beijos têm o poder de me pôr de
joelhos.
Jack sentiu a boca secar ao escutar essas palavras. Jamais tinha feito
amor com uma mulher, embora tivesse se deitado com muitas. O sexo tinha
sido satisfatório. Mas fazer amor... Não sabia por onde começar. Entretanto,
era um presente que ela merecia. Era justo o que ele desejava lhe dar. Olívia
não se parecia com nenhuma das mulheres que conhecia. Tinha ido buscá-lo
sem esperar receber dinheiro. O que estava oferecendo a ele era muito mais
valioso que qualquer coisa que pudesse lhe dar.
—Já te avisei, amor, que nunca me proibisse nada. Só fará com que eu
deseje mais.
E assim que disse isso, colou seus lábios sobre a boca dela com toda a
ternura que foi capaz. Mas a ternura era uma coisa estranha para ele. Assim
que percebeu o sabor da Olívia, o apetite que tinha mantido a raia, tomou o
367
controle com uma ferocidade que o surpreendeu. Queria ver com claridade
o que a roupa e as sombras lhe tinham negado.
—Ah, Livy, Livy... —Sua voz soava grave e sedutora, e Olívia estava
disposta a segui-lo a todos os pecados onde a guiasse.
Sentiu como Jack deslizava os lábios por cima de seus ombros e então
recordou que aquele homem tinha os dedos de um ladrão e mãos
extremamente ligeiras. Tinha desabotoado todos os botões, do pescoço até o
estômago e ela nem se deu conta. E agora a camisola estava escorregando
pelos ombros, deslizando até o chão.
368
Por um momento, pensou que deveria sentir a necessidade de se cobrir,
mas só no que podia pensar era nas maravilhosas sensações que Jack estava
provocando com a boca em seus seios: degustando, lambendo, chupando. E
nem um momento deixava de sussurrar que era linda, incrivelmente linda.
Sem prévio aviso, agarrou-a nos braços e a deitou na cama. Assim que
suas mãos abandonaram o corpo dela, começou a tirar a roupa, desfazendo-
se a toda pressa de cada um dos objetos até que não foram mais que um
montão no chão.
Olívia nem teve tempo de apreciar seu magnífico corpo, porque Jack
em seguida apoiou um joelho na cama e se aproximou como um enorme
felino predador, certo que sua presa não podia escapar.
Deitou-se junto a ela e pôs sua mão marcada sobre o quadril da Olívia:
um gesto que parecia carregado de uma simbologia infinita. Levantou-se um
pouco e a beijou no estômago, fez o caminho até seus seios, beijando a parte
interior de um deles, depois do outro, prestando a mesma atenção a cada um.
Olívia pensou que deveria ter estado mais preparada para o prazer que
começou a sentir.
369
Olívia afundou os dedos nos ombros e nas costas. Abraçou-o com
força enquanto ele devorava seus seios. A incipiente barba roçava a sensível
pele e aumentava seu deleite. Aproximou o quadril ao corpo do Jack.
Passou a mão pelo quadril e seguiu por suas coxas até entre suas
pernas, para deslizar os dedos intimamente...
Ela negou com a cabeça com energia, mas Jack não lhe deu trégua.
Voltou a pousar a boca sobre seus seios enquanto fazia magia com os dedos.
Quando ela estava perto, muito perto do clímax, ele parou para situar-se entre
suas coxas e tomar posse de seus lábios como se lhe pertencessem. Sua
língua investigou e explorou como se já não conhecesse cada íntimo ponto,
enquanto Olívia devolvia o beijo com mais descaramento de que tinha
demonstrado na vida. Adorava seu sabor, adorava a fragrância que
desprendia o corpo masculino, estimulada pela paixão que ambos
desprendiam. A pele de Jack estava quente sob seus dedos, parecia puro
veludo umedecido por uma fina capa de suor.
370
Sentiu como se aproximava e ficou tensa.
Olívia não estava certa se ele dizia essas palavras para ela ou para si
mesmo.
Jack deslizou a mão pelo lado de seu corpo e por cima de seu quadril,
e, rodeando as coxas, incitou-a a abrir mais as pernas.
371
Jack era um demônio , tentava-a, exigia sua rendição com cada uma
das fibras de seu corpo. E ela se rendeu, não só com seu corpo, mas também
com seu coração e sua alma.
372
Preocupava-se tanto com Olívia como suspeitava, isso era exatamente
o que devia fazer. Partir agora que já a havia possuído. E esforçar-se para lhe
encontrar um marido adequado. Mas em vez disso, deslizou o dedo com
imprudência por entre os seios, secou o suor acumulado entre eles e disse:
Ele riu devagar, enquanto deslizava os dedos por seus ombros. Jack
pensou que jamais deixaria de ter vontades de tocá-la.
—Pelo que vi nas respostas de seu corpo, está claro que investi muito
bem meu dinheiro.
—Por quê?
373
—Se deitou antes nesta cama? —Jack não sabia por que tinha feito
aquela pergunta nem por que o interessava a resposta.
Olívia segurou seu rosto com a mão. Ele colocou a mão sobre a dela e
aproximou os lábios a sua palma para beijar-lhe.
Livy se pegou a ele. Jack levou então o braço e afastou o lençol que
ela tinha sobre o quadril. Olívia acabou de afastá-lo com o pé até que nada
separava seus corpos nus.
—Já sei que não deveria te falar de outro homem, mas quero, preciso
que saiba que jamais senti com ele o que senti contigo.
Jack não sabia o que responder, assim voltou a beijar a palma da mão
e logo beijou os dedos.
374
—Como isto parece uma experiência nova para você, acredito que
deveria saber que não me vou me quebrar e que não há nenhuma parte em
mim que não tenha permissão para explorar.
Jack a beijou enquanto deitava de barriga para cima para dar completo
acesso a suas explorações.
375
—Não se arrependa disto.
Olívia negou com a cabeça, mas Jack se deu conta que o dano tinha
sido feito. Deslizou os dedos por seu cabelo e a aproximou de seu peito para
abraçá-la.
—Não.
—Não me arrependo do que ocorreu entre nós, mas uma pequena parte
de mim sabe que está errado.
376
377
CAPÍTULO 19
378
serventes que contratou, os salários que pagava, os benefícios que recebia de
suas distintas propriedades... Inclusive os investimentos que fazia. Já sei que
tenho a informação atual, mas sempre é aconselhável estudar as práticas
passadas.
—Possivelmente sim.
Ela olhou a seu redor e observou todos os livros que havia nas estantes
e empilhados no chão.
—Mas estão em minha residência. Pense no valor que acha que têm.
Negociaremos.
379
Jack se levantou, aproximou-se dela e apoiou as mãos sobre o respaldo
do sofá, deixando-a completamente apanhada.
—Muito a sério. E acredito que esse livro que tem nas mãos vale um
beijo.
Agachou-se para pegar o livro que tinha caído e enrijeceu; seu olhar
ficou preso em umas palavras escritas com precisão com uma elegante
caligrafia.
Ele pôs o dedo sob as palavras e Livy se aproximou para poder ler
melhor.
380
Olívia o ajudou a procurar nos livros. Parecia completamente
obcecado. Não podia culpá-lo, mas a preocupava vê-lo tão ensimesmado.
—Jack, talvez não se tratasse dela. Nem Emily nem Dawkins são
nomes pouco habituais.
—Isso foi há trinta e seis anos. A maioria dos serventes já não está
aqui, e os que estão... Não acredito que se lembre de uma faxineira. —Pôs a
mão sobre a do Jack—. Por que trocou o nome?
381
Ele assentiu sem deixar de lhe beijar os dedos.
—Podia ser que ele também fosse servente na casa dos Lovingdon?
—Não, não era nenhum servente. E tinha uma casa muito grande.
382
Jack tinha ido ao clube pela manhã cedo e não havia voltado a tempo
de tomar o café da manhã.
Olívia o olhou e, antes que ela pudesse falar, pôs um dedo debaixo do
queixo, como se fosse lhe fazer cócegas.
—Já sei que está de luto — disse—, mas é muito improvável que
alguém te veja no lugar ao que quero que vamos.
383
—E que lugar é esse?
—A ferrovia.
—Naturalmente.
384
—Pensei que a diversão que podia nos proporcionar bem valia a pena.
—Aonde vamos?
—Está bem.
385
Jack foi fiel à sua palavra e os levou até o vagão de trem a toda pressa.
Seu lacaio lhes deu uma cesta cheia de comida que poderiam comer pelo
caminho ou em um pic-nic junto ao mar. Olívia tirou o chapéu com véu e
olhou a seu redor para admirar aquele vagão de trem que parecia mais
elegante que a casa de muitas pessoas.
—Não me lembro.
386
momento, estando ali com Jack, teve uma sensação de família que jamais
tinha tido com Lovingdon.
—Não, eu não...
—Não, menino. Tal como muito bem disse sua mãe, isso é errado.
Entretanto, sim, posso te ensinar a ter uns dedos hábeis. Nunca se sabe
quando poderiam te ser úteis.
Antes que Olívia pudesse dizer algo, soou o apito e o vagão começou
a deslizar sobre as vias. Jack voltou a centrar sua atenção no mundo que se
387
estendia fora das janelas. Em seguida abriu as cortinas e ela se deu conta que
já não se via a plataforma. O trem avançava.
Henry subiu por cima de Jack e ficou de joelhos sobre seu colo para
colar o nariz à janela. Tinha ido várias vezes à casa de campo de carruagem,
mas nunca tinha prestado muita atenção à paisagem. Em troca, havia algo no
trem que o fascinava.
—Posso conduzi-lo?
Jack piscou.
388
—Livy, não há nada que não possam comprar algumas moedas.
Jack não pôde evitar pensar que era muito estranho olhar pela janela e
não ver nada além de campos verdes. Não havia casas, edifícios, escuridão
nem sujeira. Não esperava que gostasse tanto. Tinha que reconhecer que
inclusive se pôs um pouco nervoso ao pensar que deixaria para trás o que
conhecia. Embora não pensava admitir ante ninguém que não fosse ele
mesmo. Jack não sabia o que lhes proporcionava aquela viagem. Só sabia
que queria fazer.
—Muito bem — disse Jack. Levantou-se com Henry pego a seu corpo,
como uma espécie de trepadeira—. Em seguida volto. Vamos Ida.
—Completamente.
—Sim, mamãe.
389
Jack saiu à plataforma e segurou a porta para que Ida passasse.
Cruzaram o vagão descoberto, onde os pobres, expostos aos elementos,
viajavam por um quilômetro e meio. Um pouco mais adiante, os serventes
corriam pelos vagões de segunda classe para atender as necessidades de seus
senhores, que viajavam nos vagões de primeira.
—Sim, senhor.
390
O senhor Gurney tocou o chapéu.
—Senhora.
—Senhor.
Enquanto voltava para seu vagão particular, foi deslizando coroas nos
bolsos que ia encontrando. Sim, uns dedos hábeis tinham muitas utilidades.
Só lamentava era não estar ali para ver a cara que poriam ao descobrir a
inesperada moeda.
Abriu a porta de seu vagão, entrou e sorriu quando viu Olívia sentada
no sofá.
391
—Não diz a sério.
—Já te expliquei mil vezes que eu não sou o tipo de homem que se
conforma com um beijo.
—Mas... aqui?
—Ninguém pode nos ver. Ninguém nos ouvirá. É nossa pequena sala
particular. A única diferença é que vai sobre trilhos.
—Ninguém saberá.
Jack não podia acreditar que, a primeira vez que a viu, pensasse que
tinha muitos botões para incomodar-se em desabotoá-los. Tendo em conta o
delicioso corpo que se escondia debaixo, o esforço valia a pena, e graças à
habilidade de seus dedos conseguia desabotoá-los muito depressa. Não
392
pensava lhe tirar toda a roupa, porque não acreditava que tivessem tempo.
Mas sim podia afrouxar alguns laços para poder agarrar um seio e deslizar o
polegar por aquele precioso mamilo escuro. Com a boca sobre os lábios de
Olívia: estava encantado em como ela abria a boca e deixava que sua língua
brincasse com a sua.
—Não temos tempo para tirar isso tudo, carinho — murmurou, antes
de voltar a beijá-la.
Então, Jack desceu a mão e subiu a saia até que ficou ao redor de seu
quadril. Deslizou os dedos por sua coxa deleitando-se naquela aveludada
sensação. Então subiu um pouco até o preciso lugar onde aguardava sua
calidez feminina.
393
entre os dois não tinha sido fácil, um tempo em que ele pensava que não
chegariam a alcançá-la.
Agora, era incapaz de recordar os motivos pelos que tinha sido tão
reticente a haver algo entre eles. Em alguns sentidos, parecia como se tudo
isso tivesse ocorrido anos atrás; em outros, parecia que eram só algumas
horas. Tendo em conta a grande quantidade de irritantes relógios que tinha,
o tempo deveria ser a única coisa que permanecesse estável entre os dois,
mas tudo parecia querer mudar.
394
estirou para trás e um intenso prazer quase doloroso o percorreu de pés a
cabeça. Com Olívia sempre conseguia mais do que tinha tido, mais do que
tinha conhecido.
—Maldita seja.
—Não sei se isto foi uma ideia muito boa ou um muito ruim — disse
ela.
395
Estava deitado junto a ela, apoiado sobre um cotovelo e desfrutando
de uma taça de vinho. Fazia pouco que acabaram a comida e Jack estava
decidido a não ter que carregar o vinho de volta para casa.
—Avendale?
—Sim. Claro que naquela época não era Avendale. Embora sempre
fosse um abusado. Não posso dizer que me entristecesse que morreu.
Entretanto, chorei. Não passo bem quando alguém morre. —Olhou Jack—.
E já que estamos nos fazendo perguntas pessoais, por que se preocupa tanto
com dinheiro?
396
Ele deu voltas ao vinho em sua taça.
—Não. No dia que nasceu, me agradeceu por ter lhe dado um herdeiro,
mas agora me dou conta que provavelmente estava me agradecendo porque
já não tinha que voltar para minha cama.
—Não, faz muitos anos, no jardim dos Claybourne. Acredito que eram
amigos e tinha ido visitar Luke.
397
—Eu estava pensando em deixar Claybourne e viver por minha conta.
Ele me convenceu que não o fizesse.
398
CAPÍTULO 20
Faria-o assim que acabasse o jantar. Já fazia quase uma semana de sua
breve viagem de trem, e embora Livy vestisse de negro durante o dia, cada
noite, antes do jantar, surpreendia-o com um vestido diferente. Ele sempre
esperava sua aparição, ansioso e adorava vê-la sem o rigoroso luto. Aquela
noite o vestido era vermelho. Estava arrebatadora. Jack pensou que no futuro
só deveria comprar roupa dessa cor. Deslizou os lábios pelo pescoço de
Olívia. Ela gemeu e o som ameaçou debilitando a intenção que tinha Jack de
deixá-la ter posto o vestido pelo menos durante o jantar.
—Pago o suficiente para que não digam nenhuma palavra, nem sequer
entre eles.
Jack jamais se expôs a pagar alguém para que não falasse, mas para a
Olívia a discrição era muito importante. Era incrível como, de alguma forma,
o que era importante para ela estava começando a ser importante também
para ele.
399
—Não fomos muito discretos.
Olívia deslizou os dedos com doçura sobre a cicatriz que ele tinha no
rosto.
—E você merecia muito mais dele quando estava vivo. Esse homem
não te valorizava. —Deslizou a boca por cima do ombro nu de Olívia—.
Tem que admitir que esse não é um de meus defeitos.
O suave gemido dela o incitou. Não havia nada que fazer. Não podia
esperar até depois do jantar. Agarrou-a nos braços e a sentou sobre a
escrivaninha.
400
—Eu tenho apetite de outra coisa — sussurrou—. Acredito que
informarei Brittles que esta noite não vamos jantar. Já comeremos na cama
mais tarde. O que te parece?
—Estupendo. Absolutamente...
—Relaxe —ordenou.
—Estou preparada.
—Entre.
—Lorde Briarwood...
401
—Me fez esperar muito — rugiu o primo de Lovingdon enquanto
entrava na biblioteca sem deixar que Brittles acabasse de anunciá-lo
devidamente.
—Sim, conheço muito bem sua reputação. Já sei que cuida muito bem
de seus trabalhadores.
402
—Assim é como você resolve as coisas, não é mesmo? —Briarwood
não se esforçou para esconder seu desprezo—. É um bárbaro. Não tem nem
ideia de como se comporta um homem civilizado.
Ela olhou Jack e este pôde sentir o peso da dúvida em seu olhar; sabia
que estava recordando que não havia percebido que Helen batia em seu filho.
403
A convicção de suas palavras aliviou a opressão que atendia o peito de
Jack.
—Não poderá por dúvidas em seu coração, Briarwood. Não sei o que
tenta conseguir com essas falsas acusações...
404
—Este homem conseguiu que se esqueça do lugar que ocupa na
sociedade — disse Briarwood—. Está de luto e, entretanto, se veste de
vermelho. Não está casada com ele, mas daqui posso ver perfeitamente as
zonas de sua pele por onde deslizou sua áspera barba. Se foi capaz de fazer
com que você, uma mulher de moral irrepreensível, aceite sua pecaminosa
forma de vida, imagine o que poderá fazer com um menino tão
impressionável como Henry. Só me preocupo com seu filho, que receba a
educação adequada para um lorde. Eu posso me encarregar disso. E se não
me apoiar neste assunto, irei aos tribunais, irei ao Parlamento. Céu santo, irei
à rainha se for necessário. Mas minha consciência não permitirá que me
mantenha à margem e deixe que este demônio ...
405
Briarwood estava perdendo a compostura e Jack não tinha nenhuma
dúvida que tinha acertado totalmente com o motivo que o tinha levado a
visitá-los.
Jack a olhou.
—Sim.
406
—Briarwood pensava que você tinha chantageado Lovingdon.
Acreditava que esse era o motivo pelo que te nomeou tutor de Henry.
—Não muito.
—Mas?
—Livy...
407
—Livy, isso é exatamente o que ele pretendia, te fazer vacilar,
conseguir que duvidasse de mim. Assim só dá crédito a sua postura.
—Já tenho caído muitas vezes na tua, não? O que estamos fazendo
Jack?
408
esqueci quem sou. —Ouviu-a tragar saliva—. Jack, amanhã eu gostaria de
levar Henry para o campo — disse com toda tranquilidade.
—Não.
Sozinha. Ela ia deixá-lo com ou sem Henry. Deus... Que tivesse tanta
vontade de desfazer-se dele para ir sem seu filho já dizia tudo. Olhou-a por
cima do ombro. A tristeza que viu em seu olhar quase o fez cair de joelhos.
Tristeza e arrependimento. Jack tinha ensinado-a a desfrutar dos prazeres
imediatos, tinha animado a entregar-se a eles sem pensar no custo. Agora,
Olívia estava pagando um preço muito mais alto do que ele jamais pagaria.
Ela não podia culpá-lo. Quando queria, podia ser realmente encantador
e parecia tratar muito bem com seu filho. Seria por todos aqueles meninos
que tinha no clube?
409
Estava sentada em uma cadeira, junto à cama de Henry, e lia sem ver
o que lia; não conseguia despertar o interesse do menino e o motivo não era
que estivesse cansado. Olívia sabia que não estava. Cada vez que ouvia um
ruído na casa, voltava a cabeça em direção à porta do quarto, como se
estivesse esperando, desejando, que aparecesse Jack e lhe dissesse que não
tinha que ir para o campo.
Fechou o livro. Henry a olhou com culpa. Olívia não acreditava que
pudesse dormir e, se não dormisse, pela manhã estaria de mau humor quando
fossem de viagem.
—Acho que vou sair e passear pelo jardim — disse. Já estava escuro,
mas ainda não era muito tarde. Ela tampouco tinha vontades de dormir e não
queria estar sozinha—. Você gostaria de vir comigo?
O menino assentiu.
410
—Por que Jack não vem conosco?
CAPÍTULO 21
411
Maldição! O que pretendia que ele fizesse? Declarar amor eterno?
Pedir sua mão em casamento? Céu santo, mas se ela era uma duquesa. Olívia
atuava como se esquecesse de quem era ela e quem era ele. Jack não tinha
esquecido. Não poderia limpar suas origens nem com todo o ouro do mundo;
jamais conseguiria que casar-se com Olívia fosse aceitável.
Sem dúvida, depois de passar um bom momento falando com ela. Jack
não sabia por que aquele homem não se decidia de uma vez declarar seu
412
amor a ela, pedir que se casasse com ele e acabar com tudo aquilo de uma
vez.
Por outro lado, talvez ele tivesse que perguntar o mesmo com respeito
à Olívia. O que seria pior que podia acontecer? Que dissesse não e ele a
mandasse ao campo.
—Não acredito que vá averiguar nada sobre esse assunto. Mas quanto
ao outro que me pediu, sobre se Lovingdon tinha alguma afeição perversa...
Houve algo na voz do Swindler que fez que Jack se sentasse mais
direito em sua poltrona.
—Sim?
413
—Não encontrei nada sobre ele, mas seu primo não me dá boa
impressão.
—Briarwood?
—Poderia tê-lo feito, sim. Não tenho nenhuma prova do contrário, mas
me parece preocupante.
414
—Não parece que haja ninguém — comentou.
—Faça você.
—São discretos.
—Isso espero.
—Um dormitório.
415
Jack assentiu e se dirigiu à escada. Jim o seguiu. O abajur que este
levava projetava um brilho horripilante: parecia perseguir as negras sombras
da casa e ir revelando as coisas uma a uma. Para Jack nada era
particularmente familiar.
E de repente voltou há ter cinco anos: sentia falta da sua mãe, mas
estava iludido ante a perspectiva de ter uma cama onde dormir. Era inverno.
Um fogo ardia na chaminé e o quarto estava quente e acolhedor. Sua mãe
tinha começado a falar muito sobre ir a um lugar chamado céu. Jack decidiu
que aquele quarto devia ser esse lugar.
—Senhorita Dawkins?
Ela agarrava Jack pela mão. Era de noite e estavam na rua. Virou-se e
fez uma reverência.
—Senhor Stanford.
416
—Jack? Jack? Está bem?
417
Voltaram para o clube, embora não tão rápido como ele tivesse
querido, porque Swindler insistiu em alertar à brigada anti-incêndio para que
pudessem sufocar o fogo antes que se estendesse além da residência de
Stanford. Jack se consolou pensando que, pelo menos, tinha conseguido
destruir aquela cama.
—Eu confirmarei.
Jack assentiu.
418
A porta se abriu de repente e Thomas Lark, um dos meninos de mais
idade que ajudavam na sala de jogo, entrou a toda pressa.
Brittles
—O que acontece?
419
Jack endureceu.
420
—Sim teria que ter feito. Sabe quem a levou?
—Mas quando saí correndo ouvi mamãe gritar. Acho que bateu nela.
Não teria que ter es-escapado.
—Não, não, você fez tudo o certo, porque assim agora só tenho que
preocupar com sua mãe e não por você.
—Salvará ela?
421
Tenho à duquesa. Vem sozinho e me traga cem mil libras antes da
alvorada ou morrerá. Estaremos no piso de cima, última esquina.
—Se não fizer o que pedi, matarei você e depois irei atrás de seu filho.
422
—Não, Henry não. —Recordou que Henry estava com ela—. Onde
está?
—Sim virá.
Olívia começou a rir, mas tentou controlar-se para não parecer uma
histérica.
423
—Porque o tutor de seu filho esteve me investigando, e estão saindo à
luz certos assuntos que eu não desejava tornar públicos. Preciso escapar e
não tenho o dinheiro necessário para fazer.
—Sim, sou.
Afastou-se dela. Olívia tentou fazê-lo tropeçar com suas pernas, mas
ele se esquivou com facilidade.
Jack conhecia aquelas ruas como a palma de sua mão. Ali viviam
muitos homens maus, mas também muitos homens bons. Levava cem mil
libras em um saco que segurava com firmeza com uma mão e uma lanterna
na outra enquanto caminhava entre os detritos da sociedade sem nada que
424
temer, pois levava uma faca na bota, uma pistola no bolso e, na mão do saco,
uma bengala que ocultava uma espada.
O sequestrador havia dito que fosse sozinho. Não havia dito nada para
que fosse desarmado, o qual fez pensar que Rupert Stanford não estava muito
familiarizado com aquelas zonas de Londres. Conhecia-as o bastante bem
para escolher um lugar onde reunir-se com alguém, mas não tanto para saber
que ali a maioria das pessoas andava armada. Ou talvez soubesse muito
pouco sobre Jack e não tinha ideia de onde se estava colocando.
Jack não era nenhum parvo. Não achava muito provável que Stanford
fosse deixá-los partir com vida uma vez que tivesse seu dinheiro.
Nas ruas havia luz suficiente para que pudesse ver quem o seguia com
apenas virar um pouco a cabeça. As sombras sempre tinham sido muito boas
amigas e aquela noite não era uma exceção.
Por fim chegou ao edifício abandonado; parecia que is cair assim que
soprasse um pouco de vento. Quando fazia mal tempo, as pessoas se
refugiavam entre suas paredes, mas nas noites claras não valia a pena
arriscar-se. Seria muito difícil chegar ao terceiro piso sem ser visto. Jack
supôs que essa era a ideia.
Penetrou no interior com muito cuidado; os ratos fugiam ante ele. Jack
sabia que voltariam. Sempre voltavam. Elevou a lanterna e olhou a seu redor.
425
Nunca tinha estado naquele lugar, mas de todos os modos era familiar. Ali
havia pouca diferencia entre um edifício e outro.
Começou a subir a escada. Os degraus rangiam sob seus pés. Não tinha
nenhum sentido tentar não fazer ruído. Subiu a toda pressa com o coração
acelerado.
—Livy!
—Jack!
—Livy!
—Estamos aqui!
Ela e Rupert Stanford. Nem podia suportar pensar que aquele bastardo
a havia tocado, mas se esforçou para controlar sua fúria, pois devia manter a
cabeça fria.
426
Assim que entrou na sala, um fedor assaltou a Jack. Qualquer outra
pessoa o teria considerado uma fragrância. Era um aroma muito perfumado,
indubitavelmente masculino, mas Jack sentiu revolver o estômago quando o
surpreenderam as lembranças: esse aroma deslizando junto a ele na cama
quando era um menino, para oferecer consolo antes de machucá-lo.
—Rupert Stanford.
427
—Tal como fiz contigo. Sua mãe estava morrendo, a pobre. Eu lhe dei
algumas moedas para facilitar as coisas para ela e te acolhi para que não
tivesse que preocupar-se com você. Mas conseguiu escapar. Foi o único que
conseguiu fugir.
Havia algo na voz daquele homem... Jack sabia que quanto mais tempo
conseguisse que ele falasse, maior seria sua vantagem. Tinha que dar tempo
aos outros para que ocupassem suas posições.
—Matou-os?
428
Olívia acabava de cair ao chão quando ouviu o disparo da pistola e os
dois homens ficaram imóveis.
De repente, alguém entrou pela janela. Antes que ela pudesse gritar,
ouviu:
—Está bem?
—Jack?
—Jack?
429
—Jack, tenho que ver como está — disse o doutor Graves, e Olívia se
deu conta que era um dos homens que tinha entrado com Frannie. O outro
era Claybourne.
—Você..., o primeiro.
—Não... Sei.
—Responda-me, bastardo.
—Teria lhe dado tudo, Livy. Teria dado tudo para poder te recuperar.
430
Jack e Olívia voltaram em seguida a casa, enquanto Swindler e outros
ficavam para solucionar o assunto de Rupert Stanford e informavam o
acontecido à Scotland Yard. A primeira coisa que fez Olívia foi subir a
escada a toda pressa, ir ao quarto de Henry e abraçá-lo.
431
—Não, acredito que não pode. Antes desta noite, não sabia o nome do
homem que me acolheu, mas agora sei que era Stanford. Não sei se alguma
vez soube quem era ou é que simplesmente o esqueci. Já são quase trinta
anos. Suponho que devia conhecer minha mãe. Ela sabia quem era, confiava
nele. Deveriam ter se conhecido quando ela trabalhava aqui. Deixou a seu
cuidado pensando que com ele estaria a salvo. Na primeira noite... —Olívia
o ouviu tragar com força—,Me deu banho, vestiu e me pôs na cama e logo
deslizou sob os lençóis junto a mim. Tocou-me de formas que um homem
jamais deveria tocar um menino... Fez coisas que não só fizeram estragos em
meu corpo, mas também em minha alma.
432
iam matá-lo. Eu em troca já sabia o que queriam e já tinha sobrevivido a isso
antes.
»Te amo, Livy. Sei que não sou digno de seu afeto...
—Que não é digno? Não conheço um homem mais digno que você.
—Agora vive em St. James. Talvez começasse vivendo nas ruas, mas
não conheço ninguém que tenha conseguido o que você conseguiu. É um
433
homem de recursos que não deve nada a ninguém. Tem um coração
generoso. Já sei que você não gosta de escutar, mas é verdade. Henry te
adora. E, maldito seja, eu também.
»Te amo, Jack, com todo meu coração e com toda minha alma. Errei
ao escutar Briarwood. Dei-me conta disso quando estava naquele espantoso
lugar. Recordei todos os momentos passados contigo e com Henry.
—Não...
—Chist. Ele tinha razão. Corrompi você. Acaso não se deu conta do
que acaba de dizer? Agora inclusive amaldiçoa.
Olívia riu.
—A primeira noite te disse que não há nada que uma pessoa não esteja
disposta a fazer quando deseja com todas suas forças. —Soltou um profundo
e doloroso gemido—. Quero que você e Henry sejam meus para toda a
eternidade. Case-se comigo, Livy.
434
Ela riu divertida.
—Delicioso Cafajeste?
Enquanto aquela noite estava com ele na cama, Olívia pensou que não
sabia se aquela tinha sido a intenção de Lovingdon, mas, uma vez morto,
435
tinha conseguido lhe dar o que tinha sido incapaz de lhe oferecer em vida:
felicidade, paixão e amor.
CAPÍTULO 22
—Briarwood.
—Céu santo, já disse que não estava em casa. Não sabe o que significa
isso?
436
—Quero saber se alguma vez ouviu falar de Emily Dawkins — disse
Jack.
—Não.
—Stanford a conhecia.
—Ele tinha doze anos mais que eu. Talvez tivesse algum interesse por
ela. —Grunhiu—. Embora não parece muito provável. Pelo visto, preferia
meninos. A Scotland Yard esteve aqui esta manhã. Encontraram ossos em
seu jardim. Céu santo! Ossos pequenos. Ossos de crianças. Centenas de
ossos. A família está afundada.
—Beckwith também esteve aqui. Pelo visto herdei uma casa que
alguém tentou incendiar. Stanford não tinha dinheiro para poder arrumá-la e
tendo em conta que eu tampouco tenho, para que me serve uma casa
queimada?
437
—Eu a comprarei — respondeu Jack, sem pensar sequer nas
consequências. Podia acabar de destruir a mansão e construir ali o hospital
de Graves. Um hospital em memória desses meninos que não tinha
conseguido se salvar.
Briarwood se levantou.
—Por quanto?
O visconde assentiu.
438
A cerimônia devia ser íntima e particular; só tinham convidado a uns
poucos escolhidos.
—Estou muito contente por você, Jack — disse Frannie, lhe dando um
beijo no rosto. Ele pôde perceber a verdade de suas palavras no brilho de
seus olhos verdes.
—Nervosa?
439
—Absolutamente. Estou muito feliz para estar nervosa.
—Sim, é que tenho que resolver uma coisa. —Deu-lhe um rápido beijo
nos lábios—. Volto logo.
—Olá, meu Dodger. Tenho um presente para você — disse seu velho
mentor, com voz rouca. Feagan estava apoiado em sua bengala e na palma
de sua deformada mão descansava o medalhão de Jack.
—Ora. Não se preocupe com isso. A próxima vez que venha à minha
casa, me traga uma garrafa de genebra.
440
—Como soube onde me encontrar?
—Deveria entrar.
—Não. Deus e eu... Deixamos de nos levar bem quando levou o amor
de minha vida. Não quero que pense que o perdoei, porque não o tenho feito.
—Frannie me disse uma vez que acreditava que você fosse seu pai.
—Nada.
Feagan riu.
Jack o chamou:
—Feagan, pelo menos deixe que minha carruagem te leve para casa.
441
A cerimônia não foi tão espetacular como o primeiro casamento de
Olívia, mas enquanto pensava na cerimônia escovando o cabelo ante a
penteadeira, não encontrou nem uma só falha. Henry tinha sido o padrinho
de Jack. E depois, quando os viu juntos com as cabeças próximas,
conspirando, as lágrimas tinham aparecido em seus olhos. Jack prestava ao
menino mais atenção do que Lovingdon tinha prestado enquanto vivia.
Uma pequena parte dela não podia evitar lamentar tudo o que não teve
com seu primeiro marido. Não estava muito certa do por que pensava, mas
acreditava que ele estaria contente por ela e que aprovaria seu casamento
com Jack. Tendo em conta que o tinha nomeado tutor de seu filho e que tinha
legado uma parte tão grande de seu patrimônio, era evidente que tinha muito
boa opinião dele. Entretanto, pensou que teria sido melhor se Lovingdon
tivesse contado a debilidade de seu primo.
Deu-se conta que às vezes era impossível saber tudo de alguém, mas
esperava que Jack não guardasse segredos tão importantes e que seu
casamento fosse muito diferente do primeiro.
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—Sou perfeitamente capaz de andar.
—Que romântico.
—Não é verdade.
—Sim é. Vou tirar isso tudo e terá que andar nua pela casa.
—Maldito seja!
443
Quando por fim conseguiu desabotoar todos os botões, Jack tirou a
camisa.
—De acordo. —Naquele momento ele poderia ter pedido o que fosse
e ela teria aceitado. Olívia o acariciou nos ombros e nas costas. Pensou que
jamais se cansaria daquilo, ou de estar com ele. Não podia imaginar viver
sem Jack ou que, ao ficar grávida, tivesse que renunciar àqueles encontros.
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saboreava-a profundamente e a animava a fazer o mesmo. Quando deixou de
beijá-la, ela teria ficado sem respiração a não ser pelo apetite que viu nos
olhos de Jack.
445
conhecia um monte de maravilhosas formas de deixar-se levar, e Olívia
dispunha de toda uma vida a seu lado para aprender todas e descobrir novas
formas de dar aprazer a ele.
Então, Olívia começou a gritar seu nome e, antes que o último dos
estremecimentos a tivessem percorrido, Jack se afundou em seu interior.
Olhava-a fixamente ao mesmo tempo em que balançava os quadris contra
ela, e suas fortes investidas conseguiram que as sensações de prazer
começassem a crescer de novo. Olívia deslizou as mãos por suas costas e
agarrou as nádegas para animá-lo a continuar.
Ele aproximou os lábios de sua boca e bebeu dela com avidez, e essa
vez, quando Olívia gritou, capturou o som deixando que o áspero rugido que
lhe arrancou o êxtase se mesclasse com os gritos de Livy. Então se deixou
cair apoiando-se nos cotovelos, para evitar que todo seu peso descansasse
sobre Olívia. Ela deslizou as pontas dos pés pelas panturrilhas de Jack e as
mãos por suas costas.
446
—OH, é um demônio . E estou muito contente que seja — sussurrou
sem energia.
—Você é tudo que poderia desejar. E estou muito contente que seja.
—Acredito que não dormi tão bem em toda minha vida. Claro que,
ontem de noite, me secou.
447
que as pessoas usassem roupa... Bom, excetuando os coletes de cores
berrantes.
448
Jack a agarrou pelo braço e puxou até que Olívia caiu entre seus braços
e conseguiu ficar em cima dela.
—Não me importa nada esse último objeto. Pode ficar com ele.
—O que importa o que for? Nada do que possa me dar, tem agora mais
valor que você. Poderia me tirar tudo que, enquanto posso ter você, não me
importaria.
—Não tenho a força necessária para resistir a você. O proíbo que faça
amor comigo antes que chegue Beckwith.
449
Rindo ante o desafio, Jack procedeu a lhe demonstrar, uma vez mais,
que não era o tipo de homem a quem podiam dar ordens.
CAPÍTULO 23
Jack sabia que, ao casar-se com ele, Livy perdia o título de duquesa.
Entretanto, continuava surpreendendo-o ouvir que alguém a chamasse
«lady», uma honra que ela herdava de seu pai. Mas Olívia havia dito que
estava muito contente com o novo lugar que ocupava na vida e ele faria tudo
quanto estivesse em sua mão para que jamais tivesse que lamentar.
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—Obrigado, senhor Beckwith — disse, enquanto apertava a mão de
Jack como se de repente necessitasse reafirmação.
Olívia lhe deu um golpe no braço e Jack a olhou com o cenho franzido.
—O que?
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Jack não se podia acreditar o que tinha ocorrido em tão pouco tempo.
Sempre tinha querido ter as rédeas de sua vida, mas não podia negar que, de
alguma forma, outras pessoas estavam influindo em seu curso. Se Lovingdon
não o tivesse nomeado tutor de Henry, jamais teria conhecido Livy. Só por
isso, devia eterna gratidão ao duque.
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—Não teria que ter me deixado isso. Teria que ter deixado a seu filho.
Jack notou o sobressalto de Livy e teve a sensação que ficava sem ar.
Era consciente que Olívia apertava sua mão com tanta força que quase fazia
mal e de que estava olhando, mas ele não podia olhá-la, ainda não.
—É minha mãe.
Tinha a voz rouca, tão rouca e áspera como quando gritou que não o
abandonasse.
453
—Senhor Beckwith, por curiosidade, eu gostaria de saber a quem tinha
nomeado o duque tutor de Henry no segundo testamento.
—Tomou muitas precauções por algo que poderia não ter acontecido
— grunhiu Jack, pouco surpreso do aborrecimento que tingia sua voz. A
gelada surpresa que acabava de averiguar estava começando a derreter e em
seu lugar estava crescendo uma fúria selvagem.
454
Mas carinho não era amor. Fez-se o silêncio. Olívia era incapaz de
imaginar o que Jack estaria sentindo. A raiva que sentia por seu primeiro
marido aumentava com cada movimento da agulha daquele relógio.
Lovingdon não tinha sabido apreciar o que tinha.
O silêncio não se foi com ele. Ao contrário, fez-se mais pesado, mais
denso. Por fim, Olívia girou a mão e entrelaçou seus dedos com os de Jack.
—Não tinha nem ideia. Fui casada com ele durante seis anos e não o
conhecia absolutamente. Tenho vontades de me zangar com ele, de bater por
não me ter dito nada disto. Estava morrendo e eu não sabia de nada. Mas isso
era tão típico de nossa relação... Jamais compartilhou nada comigo. Para ele
não fui mais que uma espécie de ventre para parir.
455
—Não diga isso, Livy. Era tolo e não se deu conta da incrível mulher
que tinha a seu lado.
—Mas aqui não. Preciso estar sozinho. Logo te contarei o que tem.
Olívia tomou seu rosto entre as mãos e deslizou o polegar por cima de
seus lábios.
Querido filho:
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Sempre tive grandes esperanças postas em ti. O fato de estar lendo esta
carta, é uma prova que julguei corretamente seu caráter. Nisso se parece com
sua mãe. Ela possuía todas as qualidades das que eu careço.
Sua doce mãe servia nesta casa quando eu me apaixonei por ela. Só
tinha quinze anos quando descobriu que esperava um filho, meu filho. E eu
tão somente tinha dezessete anos, era jovem e estúpido. E fraco,
incrivelmente fraco. Não tive a coragem de enfrentar os desejos de meus pais
e, o que é muito mais imperdoável, não tive o valor de permanecer junto à
minha preciosa Emily quando ela enfrentou à censura da sociedade com a
cabeça bem alta para poder te trazer ao mundo. Para proteger meu nome,
jamais disse a ninguém quem era o pai de seu filho. Tal era sua admirável
força. Jogaram-na de casa para que buscasse a vida como melhor pudesse, e
eu não fiz nada para evitar aquela injustiça.
O que mais desejava no mundo era reconhecer que era meu filho. Em
uma ocasião, fui ao seu clube com esse propósito em mente. Mas por fim,
temendo ver refletido em seus olhos a repugnância por meu horrendo
comportamento, permaneci fiel a meu caráter e continuei sendo um covarde.
457
Não tenho nenhuma dúvida que sob sua tutela meu segundo filho
adquirirá a força que faltava a seu pai.
Não espero que tenha uma boa opinião de mim. Não espero que pense
em mim absolutamente, mas se por acaso minha lembrança passar por sua
mente de vez em quando, espero que entenda que vivi toda minha vida sem
sentir mais que arrependimento, e talvez esse tenha sido meu castigo. Meu
único desejo é que Deus, em sua infinita misericórdia, conceda-me quando
morrer o que minha covardia me negou em vida: um lugar ao lado de sua
mãe. Não mereço isso, mas por isso o chama misericórdia. Graças a esta,
perdoa-se até o pior dos pecados.
Sinceramente teu,
Lovingdon
Jack viu que nem sequer então tinha conseguido assinar a carta como
seu pai. Mas sabia que não era um título que Lovingdon ganhou, e tentou
consolar-se pensando que o duque não tinha tirado importância a essa honra.
—Agora posso ver como são parecidos — disse Olívia muito devagar.
Jack a olhou.
Jack não sabia o que responder a isso. Não estava de tudo preparado
para falar do assunto e não sabia se estaria algum dia.
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—Está bem? —perguntou Olívia—. Está aí sentado quase uma hora.
A Jack não tinha parecido tanto tempo. Tinha a sensação que se não
tinha passado nada de tempo.
—Ele não era meu pai. —Voltou a negar com a cabeça tentando
recusar a verdade—. Minha mãe só tinha quinze anos quando me trouxe ao
mundo. Passei toda a vida pensando que era uma prostituta. Ele fez isso. Foi
por culpa de sua covardia, de sua falta de coragem.
—Sabe o que era que Beckwith estava insinuando? —Não esperou que
ela respondesse—. A lei não permite que um homem se case com a viúva de
seu pai.
Olívia empalideceu.
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Olívia se ajoelhou frente a ele, agarrou-lhe as mãos e as separou da
cara.
Custava tanto olhá-la nos olhos... Tudo era muito mais fácil quando
pensava que seu pai era um estranho, um homem que tinha pagado em troca
de ter o privilégio de passar a noite com sua mãe.
»Te amo, Jack Dodger. Te amo com todo meu coração e com toda
minha alma. Se tiver que viver contigo sem ser casada, assim será. Farei sem
nenhum remorso e com muitíssimo orgulho de saber que me escolheu para
ser a mulher que estará ao seu lado. E quando for ao inferno, estarei
encantada em dançar contigo.
Jack agarrou-a pela cintura até sentá-la em seu colo. Pousou os lábios
sobre sua boca e se deleitou em seu doce néctar. Como podia aquela
extraordinária mulher amá-lo, desejá-lo? Como podia olhar seu passado e,
apesar de saber que era um bastardo, um menino da rua, um ladrão, apreciá-
lo pelo homem em que se tornou?
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—Você é o só o que me importa, Livy. Você e Henry. —Jogou a
cabeça para trás—. Céu santo, é meu irmão! —riu—. Esse é o motivo pelo
que Lovingdon me nomeou seu tutor.
—Só importa é que te amo. E que amo Henry também. Desde que o
conheci, reconheci algo nele que me afetou de uma forma especial.
—Acredito que será melhor que não diga até que seja mais velho.
Acho que é muito pequeno para entender todas as ramificações.
Jack assentiu; estava de acordo com ela. Além disso, Henry era tão
pequeno que certamente se esqueceria de seu pai.
Jack sorriu.
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EPÍLOGO
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preocupou mais pela linhagem de seus títulos do que com minha mãe ou
comigo.
Ainda não o perdoei por permitir que expulsassem minha mãe de sua
casa, e duvido muito que jamais chegue a professar alguma estima a ele.
Acredito que foi uma autêntica bênção não ter crescido sob sua tutela. Jamais
foi um pai para mim. Essa honra o teve outra pessoa.
Quando tinha cinco anos, minha mãe me deixou aos cuidados de outro
homem. Mal recordo o último inverno que passamos juntos, o inverno que
mudou minha vida. Ela começou a ter uma profunda e ruidosa tosse que nos
fazia passar as noites em claro. Manchava os lenços de sangue e comia muito
pouco. Sei que ela sabia que estava morrendo e tentou me proporcionar o
melhor cuidado que pôde; e devia pensar que o primo de meu pai era a
melhor alternativa. Morreu antes que chegasse a primavera e a enterraram
em uma tumba para pessoas pobres; com um pouco de sorte, sem saber a
verdade sobre o demônio que tinha me acolhido.
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Minha mãe descansa agora onde deveria ter descansado sempre, junto
ao homem que amava. Não posso evitar pensar que o amava, porque, em sua
tumba, Graves encontrou um medalhão muito similar ao que me deu, com
um retrato em miniatura do duque.
Não vou muito visitá-la porque a cripta dos Lovingdon está na casa de
campo, que pertence legalmente a meu jovem meio-irmão e enteado. Mas
pago ao jardineiro para que leve flores todos os dias. Mandei construir uma
estufa para que também tenha flores no inverno.
Lembro que minha mãe me disse uma vez que vendia flores porque
era a única forma de tê-las em sua vida durante um momento, e por muito
triste que parecesse ter que separar-se delas, valia a pena pela alegria que lhe
ofereciam pelo pouco tempo que as desfrutava.
Já sei que pode soar arrogante, mas eu gosto de pensar que se pode
dizer o mesmo de mim: que enquanto estive com ela fui uma alegria e não
uma carga.
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vida tem seus problemas e cada uma tem suas recompensas. As pessoas que
merecem meu respeito são as que não estão influídas pelo lugar que ocupam
na vida ou a quantidade de moedas que têm no bolso. São fiéis a si mesmos
e aos que lhes rodeiam apesar do bem, ou mal, que os tenha tratado a vida.
Não estou completamente convencido que o duque tivesse sobrevivido na
rua. Todos nós estamos condicionados por nosso passado. Eu acredito que
sou um homem melhor graças ao meu. Sem lugar para dúvidas, meus filhos
viverão melhor que eu, mas eu cuidarei que aprendam a olhar os pobres cara
a cara.
Livy já não acredita que eu fosse a pior opção. Está satisfeita. Eu diria
que agora que sabe que sempre vou querer e proteger seu filho, a todos seus
filhos; está mais que satisfeita. Se posso dizer que tenho alguma boa
qualidade é esta: protejo com unhas e dentes o que é meu.
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a pessoa que possui meu coração, minha alma e, para toda a eternidade, meu
amor.
FIM
2 – Desejando o Demônio
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