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Apresentação
As Irmãs Winter nos apresenta a história de três irmãs que foram vendidas
pelo pai para diferentes homens que buscam por esposas de uma maneira
pouco convencional. Cada uma das irmãs é entregue a um homem diferente
e, por diferentes motivos, partem em busca de seus destinos sem saber ao
certo como se portarem ou o que devem esperar de seus maridos.
Assim cada irmã traz uma história diferente e cada história é contada por
uma autora:
Silvana Barbosa, por sua vez, com um enredo muito romântico e preciso,
nos apresenta a doce e meiga Delilah, a irmã do meio, cujo casamento
forçado com um indiano a faz descobrir uma nova cultura e um homem com
valores e princípios diferentes do que estava acostumada.
Por fim, Diane Bergher e seu texto delicado e sensual conta a história de
Barbarah, a protegida caçula dos Winter, que é enviada para a Cornualha
com o objetivo de ser esposa de um nobre de vida reclusa e atitudes
suspeitas e que a levam a investigar os segredos que o castelo esconde.
Sinopse
Ao ficar viúvo John Winter decide se livrar das filhas e as vende em Londres
para cavalheiros que não se importam em comprar uma esposa.
Solteiras e em idade para casar, as três senhoritas veem seus caminhos
mudados para sempre. Sarah é vendida a um fazendeiro americano. Delilah é
comprada por um mercador indiano. E Barbarah parte ao encontro do dono
de uma misteriosa propriedade na Cornualha.
Zamir Maddala apenas precisava de uma esposa para ser aceito pelos
ingleses e assim prosperar nos negócios e viu na jovem Winter a
possibilidade perfeita de resolver seus problemas, acreditando que o respeito
mútuo seria suficiente para um casamento dar certo. Mas a convivência os
aproxima e o amor talvez faça Delilah se mostrar de uma forma única,
transformando-a na mulher dos seus sonhos.
O Acaso de Delilah
LIVRO II
Silvana Barbosa
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Epílogo
Prólogo
Londres,
17 de setembro de 1790
18:30 horas
O som dos passos ecoava pela Rathcliff Street. A noite começava a abraçar
um dos lados mais pobres de Londres, enquanto bêbados e prostitutas se
misturavam nas sombras dos arcos de bronze que sobrepunha os prédios de
paredes descascadas e mal construídos. O frio aumentava a cada segundo, e
a névoa seca avançava sobre a lama que se misturava ao lixo e ao perigo
disfarçado de penúria.
John Winter tentou fechar o casaco, mas a barriga protuberante não permitia.
Sua aparência desleixada, bem como o rosto rude e feio, refletia o mais
profundo de sua alma. O cabelo branco crescia apenas dos dois lados da
cabeça, como duas faixas que se encontravam na nuca e formavam um
pequeno rabo de cavalo que de tão sujo, não necessitava tira de couro para
prendê-lo. As prostitutas lhe torciam o nariz. Preferiam dormir com os
bêbados imundos do que com o miserável Winter.
filhas: Sarah, Barbarah e Delilah. A vida lhe fora tão ingrata, que não lhe
dera um filho varão para ajudar nas despesas e sim três insuportáveis
mulheres que não se esforçavam sequer para encontrar um marido decente.
Edith lavava roupa para sustentar a casa, contudo, com sua morte, não
acreditava que as filhas seguiriam o mesmo caminho em ajudá-lo a pagar as
dívidas de jogo. Sua esposa entendia a importância de ser submissa à
autoridade dele, enquanto suas filhas eram mal-agradecidas e o viam como
um homem desagradável que não conseguia sustentar a própria casa,
vivendo bêbado na companhia das meretrizes e perdendo até mesmo o
dinheiro que não possuía. Por isso, não ia sustentá-las mais um dia. Sua
obrigação terminara há muito tempo, quando se tornaram mulheres e
poderiam ter encontrado um bom casamento, se não fosse a ideia infame de
amor e destino.
diante de qualquer ideia que viesse do velho John, ele poderia tirar algum
proveito. Era magro demais, e durante a infância tornou-se um dos melhores
ladrões de East End por causa de sua agilidade e a facilidade em fugir da
polícia. Os cabelos escuros pendiam oleosos sobre o rosto cavado, olhos
grandes e azuis e dentes muito amarelados. De ladrão tornara-se um
importante gigolô daquele lado da cidade. A prostituta que não trabalhasse
para ele, bem como os garotos que roubavam nos portos e pelo centro da
cidade que não lhe dessem lucros, não podiam morar daquele lado do bairro.
E Klain matava sem piedade. Não lhe custava tirar a vida de quem quer que
fosse.
Quanto mais daquele verme parado a sua frente. Estava se cansando das
desculpas de John que apenas lhe trazia problemas.
— Espero que seja algo inteligente, John. Não quero ter que jogá-lo em uma
vala. — Seria um alívio fazê-lo, Roger refletiu com honestidade.
— Claro que não — assegurou. — Tenho uma ideia que fará de nós dois
homens muito ricos.
— E o que vai dizer a elas, John? Não posso fazer um leilão e depois suas
filhas se recusarem a vir.
— propôs pensativo.
— Acha mesmo? Homens nobres não se casam com mulheres sem origem
— duvidou.
— Deixe isso comigo, John. Cuide apenas para que suas filhas não
desconfiem de nada. Atentarei para que nosso negócio dê certo. — E sorriu
feliz por saber que se tornaria um dos homens mais ricos em East End em
poucos dias.
Capítulo 1
— Eu sou um pai muito bom! E agora, depois de tantos anos, você decidiu
ser questionadora?
— Sabe como é difícil uma moça pobre conseguir um marido? E sabe como
foi difícil para mim conseguir um marido para você?
Oh, ela sabia que devia ser difícil. Nunca tivera um pretendente! Não
conseguia entender como o pai conseguira um tão de repente, e embora fosse
a mais calada entre as três irmãs, gostaria de perguntar como ele havia
realizado a proeza. Mas, com ele falando tão alto diante dela, após jogar a
informação brutal que ia embora para viver com o marido que ele lhe
arranjara, sua voz estava presa na garganta.
— Você e suas irmãs não serão mais minha responsabilidade. Todas terão
maridos. E ai de alguma de vocês tentar me causar qualquer tipo de
problema! Se você ou elas se atreverem a voltar, terão que procurar emprego
num bordel!
— Esteja avisada, Delilah, eu não quero que tente voltar para casa, entendeu
bem?
— A carruagem dele?
Seu pai chegou até a porta, e colocou a mão no trinco, enquanto esperava
que a filha do meio se aproximasse. A garota nunca foi de falar muito com
ele, mas parecia querer criar caso justamente agora! Estava pronto para dar
mais um grito para fazer com que o obedecesse, mas então ela se mexeu.
Ainda bem!
Delilah sentou-se, sem largar sua bolsa. Não conseguia olhar para nada em
volta, a princípio. Mas não poderia evitar a realidade por muito tempo, por
mais que assim quisesse.
Ela sabia que dentro do veículo, sentado diante dela, estava o homem que
seu pai escolhera para ser seu marido. Sem consultá-la, sem dar-lhe a chance
de vê-lo antes. E pelo comentário do pai, o “apesar de tudo” imaginou que
tivera seu destino selado junto a um homem muito velho, assustador, ou
algum tipo horrendo de pessoa que escolhia uma noiva sem sequer cortejá-la
antes. Não que ela entendesse alguma coisa de cortejo. Mas as amigas
comentavam, e Delilah as ouvia, como quem escuta histórias de fadas.
Tão cedo não poderia trocar ideias com as irmãs novamente, abraçá-
Não havia nada de monstruoso nele. Também não era velho, nem
Entendeu que seu pai achara engraçado o fato dele ser estrangeiro, o que era
bem óbvio, apesar de estar vestido ao estilo europeu, impecável. Ele usava
paletó, gravata muito bem amarrada, colete. Havia um chapéu ao seu lado no
banco, e ele tinha as duas mãos apoiadas numa bengala que certamente
servia-lhe apenas de complemento para assegurar total elegância.
O cabelos dele, negros, estavam presos num rabicho com fita, como ditava a
moda. A luz que rescendia no interior da carruagem não permitia ter a
certeza da cor dos seus olhos, mas sendo ele indiano, como parecia ser, o
tom deveria ser o mesmo do cabelo, totalmente escuro. A pele era morena.
E ele era bonito. Não a beleza tradicional a que as pessoas apegavam-se, mas
a uma menos óbvia. Ele tinha sobrancelhas grossas demais, o maxilar era
muito marcado, e o nariz parecia um pouco mais longo do que deveria.
Seus olhos eram profundos, e sua boca, larga. Mas todo o conjunto
harmonizava de forma a dar-lhe uma aparência tão masculina que beirava o
rude. Em poucos segundos ela percebeu que emanava dele uma força
poderosa, atraente, e remexeu-se, inquieta, enquanto a perplexidade dava
lugar à curiosidade.
— Eu tenho uma licença especial para nos casarmos, e iremos até uma igreja
fazer nossos votos, hoje mesmo.
— Sei que isso é muito novo para você, e para mim, acredite, também é.
Nunca fui casado.
Ele sorriu, e Delilah teve uma sensação estranha ao ver o sorriso dele, com
dentes muito claros e alinhados.
— Casar com uma pessoa de origem diferente será uma aventura para nós
dois.
— Por que o que? Por que nos casarmos? Por que um casamento entre
estrangeiros?
Delilah reprimiu um sorriso ao ouvir seu nome ser dito. Todas as vezes que
ele falava, com seu inglês sem erros, pronunciado numa voz levemente
cantante, soava interessante, agradável aos ouvidos. Devia ser o suave
sotaque que fazia o nome “Delilah” parecer mais bonito...
***
Depois que foram levados à uma mesa, e sentaram-se, Zamir voltou a falar:
Delilah balançou a cabeça, aguardando que ele continuasse, e assim ele fez:
— No entanto, por mais que eu seja conhecido aqui, por mais que eu tenha
clientes em potencial, sou um estrangeiro. Nenhum estrangeiro chega a outro
país e consegue angariar simpatia imediata, mesmo sendo rico. E eu sou.
Isso confundiu ainda mais Delilah. Sua expressão devia ter ficado
— Seu pai queria casar a filha. Eu queria uma noiva. — Zamir abriu as duas
mãos diante dela, mostrando assim como tudo lhe parecia bem simples.
Delilah continuou olhando para ele. Aguardando, pois tinha certeza que a
conversa não acabara.
Certamente aquilo não era um elogio, pensou ela. Depois de tantas emoções
desagradáveis, algo dentro dela enfim explodiu:
— Eu não sou versada na arte de dissimular, por maior fama que os ingleses
tenham de conseguir manter seus pensamentos distantes do que seus rostos
dizem.
— Ora, ora, se não temos aqui uma frase longa, com verbos e pronomes!
— Veja bem, Delilah, não pretendi insultá-la quando disse que suas
expressões são claras. Não é isso. O que me preocupa é o que você pensa
sobre essa situação, e como poderá agir em relação à ela. Preciso de uma
esposa colaborativa.
Delilah ruborizou.
— Farei uma festa de inauguração, e você deverá estar ao meu lado nessa
festa. Durante a primeira semana de funcionamento estará presente comigo
na recepção aos clientes. É uma loja destinada a um público distinto, e tenho
feito tudo para que receba pessoas muito especiais e se torne o local favorito
da boa sociedade londrina. Para isso preciso de uma esposa que aparente
estar feliz ao meu lado, não uma que tenha intenções de sair correndo à
primeira oportunidade.
Delilah ficou pensativa. Sim, ela tinha escolha, mas era péssima.
— Que tal me ouvir com atenção, Delilah? Eu tenho uma proposta para
você.
— Uma proposta?
Delilah sabia que ele não precisava negociar nada. Que seu pai já havia
acertado o que era necessário, sendo seu responsável e tutor. E que um
marido passaria a ter direitos totais sobre ela. O que Zamir começava a
demonstrar era uma generosidade inesperada, e isso fez com que ela se
sentisse grata, pela primeira vez naquele dia, com a escolha do homem que
seria seu marido.
— Pois bem. Darei a você tudo o que o dinheiro pode comprar para uma
esposa: joias, roupas, sapatos, chapéus, um cavalo, uma carruagem à sua
disposição, um animalzinho de estimação. Terá criados que a sirvam. Viverá
numa ótima casa. Em troca você será uma boa esposa, de verdade. Se
esforçará para ser cordial com os clientes, com meus parceiros comerciais, e
com todos à nossa volta. Demonstrará, por expressões e ações, que está
satisfeita em ter se casado comigo. De forma alguma dirá a alguém, ou
insinuará, que esse casamento aconteceu à sua revelia. Perceba, Delilah, que
se eu fosse inglês ninguém se incomodaria por eu conseguir uma esposa sem
antes cortejá-la. Mas sendo eu nascido na Índia, serei julgado de forma
diferente. Com muita rapidez poderei parecer um tirano que obrigou uma
mocinha a um casamento ruim, e serei apontado como um cruel vilão. E
— O que teme?
— Eu?
Delilah pesou as palavras dele, mas antes que falasse qualquer coisa, ele
continuou:
O que ele disse tocou fundo a Delilah. Havia não somente uma obrigação a
cumprir diante dela, mas também uma oportunidade! Zamir sabia mesmo
como provocar uma reação.
juntando todos os fatores que ele apresentara, e sua situação atual, não tinha
mais dúvida de qual deveria ser sua resposta.
— Eu aceito.
A voz que respondera era mesmo dela? Parecera vir bem de longe,
enrouquecida, mas firme. Delilah estava pasma consigo mesma.
Ele esticou sua mão sobre a mesa, para que ela apertasse, do modo que se
fazia entre cavalheiros. Delilah levou alguns segundos antes de estirar sua
mão, e apertar a dele.
— Temos um acordo!
Delilah fez um pedido, sem olhar muito as opções. Estava ainda tão abalada
com a virada que sua vida dera, que mal conseguia pensar em comer.
Quando a comida chegou ela mastigou tudo com calma, permitindo que se
assentasse devagar, temendo que voltasse em ânsias constrangedoras. No
final, se alguém lhe perguntasse o que comera, não saberia dizer. Seus
pensamentos iam longe, perdidos e emaranhados, sopesando sua nova
situação.
Olhando os dedos presos uns aos outros, o contraste de pele, cor e tamanho,
Delilah deu-se conta definitivamente da mudança radical que estava
vivendo. E que não havia volta, nem mudança que pudesse deter os novos
rumos que se abriam.
Provérbio indiano.
Capítulo 2
O que lhe chamara mais atenção foi o momento em que um anel foi posto
em seu dedo.
Um anel!
Que pergunta! Claro que era. O senhor Zamir Maddala não mediria esforços
para garantir que todos vissem que era casado com uma inglesa, e uma das
formas de ostentar isso era que ela exibisse um anel de casamento muito
vistoso e valioso.
O anel não era apenas para os outros, mas um sinal indelével para ela:
pertencia à Zamir.
Não apenas porque seu pai decidira, mas porque ela assim também quisera.
Um pensamento estranho a tomou: o que ele responderia se ela negasse o
acordo? Teria a colocado na carruagem outra vez, e parado diante da porta
dos Winter, para devolvê-la?
A pergunta era tola, posto que nunca teria coragem de fazê-la. Ela havia
decidido tomar parte daquele casamento, fosse farsa ou fosse real, e estava
ligada para sempre ao senhor Maddala. Levava seu nome, seu anel, e em
breve teria que entregar-lhe também seu corpo.
***
Zamir era ciente que sua esposa estava apavorada. Era uma moça muito
jovem, totalmente inexperiente, e o pai só contara para ela que teria que se
casar quando o noivo já estava à porta. Ele compreendia que tudo podia
parecer muito assustador para uma jovem inocente. E ela era muito inocente.
Essa havia sido uma das razões para que comparecesse àquele estranho
leilão, do qual ouvira por acaso, entre conversas na mesa do lado quando
jantava num restaurante. Um leilão de virgens, adequadas ao casamento!
Atento à troca de informações entre os outros homens, sobre endereço e
local, dirigiu-se a local e fez um lance.
Depois de ver a noiva que comprara, ficou ainda mais satisfeito com a
decisão que tomara. Delilah possuía formosura discreta, e mesmo em seu
estado bruto transmitia meiguice e sobriedade. Foi esse jeito meigo, seu
semblante tristonho, que o levou a propor um acordo para ela, algo que a
ajudaria a ter confiança nele, e a sentir-se mais à vontade em sua presença. A
intimidade entre eles viria com o convívio, mas era preciso começar com
alguma coisa, e ele acreditava que o caminho tomado era o certo. Até a
inauguração teriam se ajustado adequadamente, e os ingleses o aceitariam
— Senhor Maddala.
Delilah não sabia muito sobre como eram as coisas entre um homem e uma
mulher, mas aquilo... Aquilo lhe pareceu tão... Íntimo e tão cheio de
promessas...
Delilah sorriu:
***
Era o primeiro sorriso que ela dava para ele, e tocou-lhe de forma estranha,
mais agradável do que poderia imaginar ser receber um mero sorriso da sua
mulher. Ela ia dizer-lhe algo... Perguntar alguma coisa... Mas então...
— Delilah?
Sem obter resposta, tateou com a mão entre as almofadas dos bancos, que
haviam saído do lugar. A esposa estava abaixo delas, meio encoberta pelas
saias do vestido, que haviam ficado como tudo ali, de pernas para o ar.
Desesperado Zamir puxou-a, trazendo-a para seus braços. Entre seus cabelos
escuros um corte sangrava.
— Ajude-me aqui!
Zamir passou seu corpo pela porta, e içou Delilah com cuidado para fora,
sendo ajudado pelo cocheiro.
A visão dos olhos castanhos fitando-o foram um alívio, e Zamir fez uma
prece silenciosa. Que tremendo susto!
O cocheiro parou, súbito. Fitou o patrão. Ele ia dizer algo, mas, como um
bom empregado, não estava habituado a discutir com seus superiores. E o
senhor Maddala o pagava muito bem para que arriscasse uma discussão tola
tendo um cachorro vadio como tema.
— Apenas traga o animal aqui, Oscar.
— Não! — Delilah deu um grito, e voltando o rosto para Zamir, falou com
ele — Disse que me daria um animalzinho.
— Sim, eu disse.
Mas que coisa! Ele tinha uma esposa ferida, com a cabeça sangrando, e ao
invés de preocupar-se com ela mesma, estava pedindo por um cachorro!
Ou destrambelhada.
Mas assim que o riso cessou, Delilah fez algo que surpreendeu a Zamir ainda
mais que o pedido de ficar com um cachorro de rua. Ela tocou seu rosto, e
seu olhar o esquadrinhou.
— Você machucou-se?
Ficou olhando para ela mais um pouco, com o rosto tão próximo ao seu,
percebendo a delicadeza de seus traços, e como seu nariz arrebitava
levemente na ponta.
O cocheiro gritou:
— Espere um instante.
A tarefa de virar a carruagem não foi simples e nem muito fácil, mas
felizmente alguns homens que passavam dispuseram-se a ajudar, e depois de
algum empurra daqui e puxa de lá, o veículo voltou a ter suas rodas no chão.
Mas dois aros estavam quebrados, e seu eixo talvez não estivesse também
muito confiável
Então, pelo jeito aparentemente doce com que ela movia o rosto, ele
entendeu.
Provérbio indiano
Capítulo 3
Zamir saltou do veículo antes, dando a mão à esposa para que descesse em
segurança. Ela carregava a velha bolsa e o animal ferido, ainda enrolado no
cobertor, mas o esposo tomou-lhe as duas coisas para que ele mesmo as
carregasse, e ainda conseguiu dar-lhe o braço como apoio, com toda a
cortesia que um cavalheiro perfeito deveria apresentar.
Mas, de tudo que sucedera, o cuidado com que estava sendo tratada era mais
do que podia esperar de alguém a quem não conhecia. Seu marido.
ela não deveria esperar ter intimidade com alguém para então falar com ela.
Delilah sentia a cabeça latejar, mas pode apreciar a visão de sua nova casa
quando chegaram. Seu velho lar devia caber várias vezes ali dentro! Era uma
residência semelhante a tantas outras naquela parte boa da cidade, com
fachada cor de creme, dois andares, e pilastras romanas ladeando a porta
principal. Na frente da casa havia grade e portão, com ampla visão de um
jardim gramado repleto de flores coloridas, que serviam como alegres
recepcionistas na entrada.
Mas lá estava a casa dos sonhos! Os olhos voltaram a umedecer, como havia
acontecido algumas vezes mais cedo. O que estava acontecendo?
Lydia, e era uma moça agradável, que devia ter a mesma idade de Delilah, e
rapidamente pegou a bolsa com os pertences da nova patroa, aliviando-a do
peso e mostrando-se muito alegre por ajudar. Também a acompanhou até o
seu quarto.
Ela tinha uma criada! Esperava que sua expressão de aparvalhamento não
fosse tão óbvia. Realmente precisava treinar suas emoções.
Delilah foi colocada numa cama confortável, num quarto grande e bonito, e
não demorou muito para um criado batesse à porta, e introduzisse um
médico no recinto. Zamir acompanhava a tudo, silencioso.
Ela não deveria fazer esforço. O doutor também deixou algumas outras
instruções, em voz baixa, para o marido de sua paciente. Pegando sua valise,
estava pronto para sair, quando Delilah pigarreou.
— Bem... Eu sei que não é sua especialidade, mas poderia dar uma olhada na
minha cadela?
Depois ela voltou-se ao médico, esforçando-se para que sua voz soasse
firme:
— Por favor, não deve tomar muito do seu tempo. Ela se feriu no mesmo
acidente que eu.
O médico tinha os olhos arregalados por trás das lentes dos óculos que
usava, e via-se que fora apanhado de surpresa com o pedido tão inusitado.
Zamir decidiu intervir.
Lydia correu para atender ao pedido, e em pouco tempo a cadela ferida, que
repousava num cesto da cozinha, foi trazida para o quarto. Não estava tão
suja como Zamir esperava, e nem cheirava mal. De fato após um bom banho
deveria ficar apresentável.
O médico pôs de lado sua surpresa inicial, e como possuía um bom coração,
afinal de contas, decidiu examinar cuidadosamente a cachorrinha
machucada. Verificou que uma de suas patas necessitava cuidado especial.
Pedindo um pedaço de madeira fina, das que poderia ser usada como lenha,
improvisou uma tala e amarrou-a, para que a cadela pudesse firmar-se nas
quatro pernas.
— Delilah!
— Bem, se não houver mais nenhum paciente, humano ou canino, creio que
terminamos por hoje. — O médico fechou sua valise.
— Posso levar Estrela agora? Ela deve estar com fome, já que come por... —
Lydia balançou a cabeça, incerta — vários.
— Oh, sim, sim. Deixe uma vasilha com água ao lado dela também.
A criada fez uma reverência antes de pegar a cesta com a cadela e sair.
Puxando uma cadeira que estava num canto, aproximou-a da cama onde
Delilah continuava, e sentou-se.
— Não devo?
Aquela mocinha a quem ele levara para casa e dera seu sobrenome estava
lhe causando sensações das mais estranhas. Também muito daquele dia
havia saído do caminho que ele planejara. Um acordo, um acidente, e uma
cadela prenha... Se alguém lhe contasse tudo que havia acontecido ele
acharia graça.
E agora ele teria que ficar ao lado da esposa cuidando para que não
adormecesse. Claro, poderia relegar essa função à uma criada, mas algo
dentro dele era contrário a tomar essa atitude.
— Não. E também não deve fazer esforço por dois dias inteiros. E
— Sim, mas significa também que não cobrarei de você seus deveres como
esposa essa noite, e nem na próxima.
Daisy havia lhe explicado tudo o que ocorria, com conhecimento de causa. E
Daisy nem sequer era casada! Algumas moças levavam uma vida bastante...
moderna, por assim dizer. A amiga tinha um namorado com o qual planejava
casar-se, mas enquanto o dinheiro não permitia, eles entregavam-se ao
prazer, escondidos dos pais dela. Talvez Delilah, agora numa posição
melhor, pudesse oferecer para Daisy um lugar na cozinha de sua casa. Um
emprego fixo, e a garantia de pagamento regular poderia ajudar muito.
Como ambas gostavam de aventurar-se junto ao fogão, essa poderia ser uma
forma de ajudar a amiga a conseguir dinheiro para casar-se e ainda
proporcionar para ela um trabalho do qual se agradaria. Pensaria melhor
nisso, depois.
— Ah, que bom. — Zamir juntou as mãos, enquanto seus dedos batiam
devagar um no outro.
— Zamir...
— Sim?
— Sobre Estrela...
— Estrela, a cadela.
— Sim.
— Ah...
— Delilah, embora pareça ter passado muito tempo desde nosso acordo, foi
há apenas algumas horas. E recordo-me bem de ter oferecido a você UM
animalzinho.
Delilah podia não ser uma pessoa de muito falar, mas nunca lhe agradara
assistir uma injustiça sem fazer nada. Portanto defendeu seu ponto:
— Mas não está certo fazer isso. Por favor deixe-me ficar com ela.
— Quanto a isto não se preocupe, já está decidido e não voltarei com minha
palavra. Ela é sua.
— Mas ela terá filhotes, e não posso abandoná-los. A maioria das pessoas
não quer cachorrinhos vira-latas...
— Serão apenas dois ou três, tenho certeza que não passarão disso.
— A casa é grande...
Zamir parecia irredutível, e Delilah lembrou-se que ele havia dito que
gostava de negociar. Respirando fundo, juntou coragem para nova tentativa:
— E?
— Como “e”?
Não lhe ocorreu também nenhuma ideia prática. O que sabia fazer, como
bordados ou pães seriam inúteis para alguém como Zamir. Talvez contar-lhe
uma história? Ela sabia algumas boas de cor... Sacudindo a cabeça afastou
também essa opção.
Zamir estava gostando do fato de Delilah começar a soltar-se com ele, e até
poderia deixar que ela ficasse com os cachorros, afinal Estrela era de
pequeno porte, e seus filhotes não deveriam crescer demais também, o que
tornaria menos complicado mantê-los. Mas não poderia furtar-se a provocar
a esposa para que continuasse falando. Além disso, era sua função mantê-la
acordada e alerta, não era?
Delilah aguardou.
— Alguma ideia?
— Fale.
— Bem... Eu sei fazer pão. Posso fazer pães gostosos para você.
Zamir sorriu.
— Eu gostaria de experimentar seu pão, no futuro. Mas não creio que seja o
bastante para que compense os latidos e inconveniências a mais que a sua
proposta trará.
Ela suspirou, e ele percebeu que o suspiro soou um pouco cansado.
— Sobre mim?
— Sim, Delilah. Você não deve dormir. Então vamos conversar para que
fique acordada.
— Está bem.
Ela piscou, começando a sentir que ficar de olhos abertos estava um pouco
mais difícil. Após um dia inteiro de emoções extremas naturalmente seu
corpo cobrava o preço, rendendo-se ao cansaço.
— Eu gosto de cachorros.
— E gosto de ler.
Zamir ficou satisfeito porque ela sabia ler. Muitas pessoas não sabiam, e a
falta de estudo era maior entre as mulheres.
— Compreendo. Aqui nós temos uma biblioteca, pode ser bastante agradável
para você, e você terá acesso a vários autores.
O comentário dele a animou, e seus olhos brilharam. Olhos castanhos com
rajadas mais escuras, protegidos por cílios negros e longos. Não havia
prestado muita atenção ao tom dos olhos da esposa antes, mas agora Zamir
admirou-os com interesse. Então voltou a atiçar a conversa:
— E o que mais?
— Bem, gosto de bordar. Não sou exímia bordadeira, mas faço flores lindas.
— Gosto de cavalgar.
— Ah, espirituosa...
Mas agora ela estava mais alerta, e seus olhos não se fechariam tão
rapidamente.
— Ainda bem...
Ela gostava de tudo. Mas havia uma coisa a qual tinha predileção:
— Gosto de doces.
— Minha favorita.
— Também a minha!
— Pedirei que o cozinheiro faça uma para nós essa semana, mas só se
mantiver-se acordada por mais algumas horas, Delilah.
— Sobre o que?
— E onde moram?
— Em Londres?
— Não. Moram no campo. Mas tem planos de vir para Londres em breve.
Vai gostar deles.
— Não.
Delilah ficou rubra. Adorável, ela? Oh, ele era muito gentil...
— Não sou.
— Então já aceitou todos? Mesmo sem que eu tenha uma boa proposta em
mente?
estava fazendo por ela... Poderia ter ido dormir, dando ordens à criada para
tomar conta dela, mas estava ali, pessoalmente, comportando-se como um
marido de verdade.
Não com todo o significado da palavra, mas diante de Deus e dos homens
era. Só faltava a consumação. Recordou-se do que Daisy lhe contara.
— Beijos.
— Beijos?
Delilah sentiu-se exultar. Zamir não precisava colocar isso num acordo.
Como marido ele teria direito aos beijos que quisesse, como tudo o mais. O
fato de apresentá-los como se fossem algo que ela pudesse escolher fazer era
maravilhoso. Como poderia negar-lhe o que pedia?
E como poderia negar-se se apenas um instante antes que ele fizesse tal
proposta, era exatamente sobre beijos que ela pensava?
Mas agora ela havia sido escolhida para ser uma esposa, escolhida para ser
beijada, e desejada para ambas as coisas.
Então, diante de uma boca bonita, e do seu marido, ainda por cima, não
poderia sentir nada mais do que desejo de lhe dizer sim. E sim, e sim.
Na igreja, mais cedo, ele havia beijado a esposa. Um toque leve, adequado a
um templo religioso e inadequado para os desejos de um homem.
E ele desejava a esposa. Claro, isso era de se esperar, mas ele realmente a
desejava!
Com o tempo ela aprenderia que não precisavam de acordos, mas ainda era
cedo, e antes de tudo Zamir fazia questão que a esposa se sentisse segura em
sua presença, confortável perante o marido. Estavam só começando.
Ele contornou seu lábio inferior com a língua, e através de mordidas suaves,
fez com que a boca de Delilah abrisse. Sua língua entrou devagar, tateando
até encontrar a dela, e provocando-a até conseguir resposta.
E que resposta!
Delilah tinha sabor doce, a maciez de seus lábios, e o contato de sua língua o
encantaram. Como supunha tornou-se maravilhoso ensinar-lhe como era um
beijo de verdade. O ritmo que ele imprimia, provocativo e lento, não custou
muito a ser imitado por Delilah.
Zamir tinha uma boa aluna, aplicada, e que ele incentivaria a dedicar-se
integralmente a cada tipo de beijo que ousasse mostrar. Delilah não poderia
adormecer nas próximas horas e ele estava empolgado com a perspectiva de
distraí-la o bastante para que ficasse muito desperta. E foi o que fez,
arrancando as botas e deitando-se com ela sobre o grande e macio colchão.
através da chuva.
Provérbio indiano
Capítulo 4
Enquanto tinha seu olhar perdido entre as cortinas de dossel da grande cama
que ocupava, percebeu que estava sozinha.
Em algum momento durante as primeiras horas do dia, Zamir, que estivera
deitado ao seu lado, partira. Certamente ele tinha muitos afazeres, e não
poderia pajear-lhe todo o tempo. Era compreensível.
Estirando o olhar em volta percebeu uma porta que a qual não reparara na
noite anterior. Movendo-se com cuidado afastou os cobertores e levantou.
Caminhou até a tal porta, girando a maçaneta.
Encostando a porta, voltou para sua cama sem fazer qualquer ruído.
Ela não dividiria o leito com o esposo, como acontecia nas casas simples do
lugar de onde viera. Bem, e por que isso deveria causar qualquer espanto?
Desde o princípio foi informada que Zamir Maddala era rico, e os ricos
tinham o hábito de manter quartos separados do cônjuge, coligados por uma
portinha — como a que acabara de abrir — que poderia permitir visitas
noturnas. Todos sabiam disso, até ela.
Um acordo.
Se cada parte era pobre, a união seria, no máximo, para unir forças. Então
acreditava que os casamentos eram por amor. E o amor muitas vezes
acabava mal. Ela vira isso na própria casa. A mãe até o fim da vida amou o
pai, mesmo quando ele dava mostras que de sua parte não havia o mesmo
sentimento. Então por que, tendo ciência de todas essas coisas, seu peito
Não havia aceitado tudo o que era oferecido no dia anterior, apresentado
como antepasto numa mesa de restaurante? Não havia concordado, e selado
tudo com um aperto de mãos? Que bobagem era essa agora de ficar triste
porque não teria o marido agarrado com ela na cama durante a noite, como
se fossem um casal apaixonado?
Em momento algum a palavra amor havia sido dita. Nem entre as conversas
à mesa, nem entre os beijos à cama.
Ela não deveria ser tonta e imaginar que estava vivendo algum conto de
fadas, pois não estava. Sua função era ajudar ao marido, que a escolhera para
essa finalidade, a mostrar-se como um cidadão íntegro que tinha a melhor
loja de produtos indianos do país.
Não, claro que não era nada disso! Não era. Estava apenas confusa.
Tudo o que antes conhecia mudara. Levara uma pancada na cabeça. Se essas
duas coisas não fossem o suficiente para deixar uma pessoa fora de si, não
sabia mais o que pudesse ser. Quando conseguiu controlar melhor seus
sentimentos, Delilah puxou a corda para chamar Lydia.
— Sim, obrigada.
Estava saboroso.
Após ajudar Delilah a vestir-se, ainda com um dos velhos trajes que trouxera
de casa, Lydia tratou de levar a bandeja com os restos de desjejum para a
cozinha, e trouxe Estrela para a inspeção.
Abraçando-a com muito afeto e cuidado, pensou que ambas tiveram sorte
por estarem bem, aquecidas, e protegidas das maldades que haviam do lado
de fora. Essa certeza devia ser o bastante para elas. Pegando Estrela no colo,
roçou seu nariz no focinho dela, fazendo com que o animal balançasse o
rabo, alegremente.
Delilah largou Estrela no chão, e voltou sua atenção à criada. A moça havia
colocado os braços para trás das costas, numa postura humilde.
Delilah franziu as sobrancelhas. Cartas escritas que não deviam ser enviadas
a alguém?
— Sim. Pensei então se a senhora gostaria que lhe trouxesse papel e tinta,
para distrair-se de modo semelhante.
— Sim, eu adoraria!
Lydia ficou satisfeita, e buscou o material necessário para que Delilah
pudesse escrever quando quisesse, colocando tudo na primeira gaveta da
cômoda.
combinariam com os tecidos mais indicados para seus novos vestidos, e até
recebeu o adiantamento de três trajes, para eventuais emergências. Eram
peças simples e práticas, mas guardavam suave elegância.
Por fim Delilah decidiu passear pela casa. A sala de jantar era um cômodo
espaçoso, com uma mesa grande, feita de madeira que brilhava graças ao
capricho dos criados. Toda a casa reluzia, apresentando um refinamento
austero, e uma dignidade que não poderia deixar de orgulhar ao seu dono.
Também havia nas peças que compunham o primeiro andar uma
impessoalidade fria, resultado óbvio da falta de uso. Um lugar que não era
usado por pessoas não era somente vazio, mas pouco aconchegante, pensou
Delilah, colocando as mãos na cintura e olhando atentamente os móveis e as
tapeçarias. Zamir vivia sozinho ali com criados, ela não sabia há quanto
tempo, mas não restava dúvidas que pouco usufruía do seu lar. Devia fazer
as refeições rapidamente, talvez até em seu quarto, ocupado demais com
planos e cálculos para perder tempo num longo jantar, ou para tomar chá
despreocupadamente no confortável sofá de uma de suas salas de visitas.
Era uma pena que ele não valorizasse tudo o que tinha ao seu dispor.
Quem estava habituado a ter tudo não poderia dar a real importância a ter o
que vestir, o que calçar, o que comer. Nem mesmo entender o quanto era
maravilhoso ter um teto sobre sua cabeça. Supunha que Zamir nascera rico,
quase certamente vindo de uma linhagem de mercadores indianos, como ele.
outro, encantados. O aposento não era muito grande, mas bastou para que
lhe parecesse um refúgio paradisíaco.
Zamir devia ter trazido alguma coisa da Índia. Teve a certeza disso ao
descobrir alguns exemplares escritos em outra língua sob belas
encadernações com arabescos.
***
Zamir tivera um dia longo, mas proveitoso. O irmão Arun havia garantido
que o pai de sua esposa, um barão, usasse de influência para
beneficiar a loja Maddala. Sendo Arun sócio, ainda que minoritário, dos
empreendimentos de seu irmão, levaria vantagem no sucesso do novo
negócio.
A esposa de Arun era bastarda, mas o barão seu pai a tratava com carinho e
zelava pelo seu conforto, e a deferência dedicada a ela se expandia aos
familiares que ela adquirira através do matrimônio. Ainda bem!
Passar a noite nos braços de Delilah, mesmo que totalmente vestido, havia
sido um imenso prazer. Hoje teria mais, e na noite do próximo dia teria sua
satisfação completa, dando enfim vazão aos seus desejos. Pensar nisso fazia
sacudir seu membro, do mesmo modo que acontecera muitas vezes na noite
anterior, e até algumas vezes durante o dia, mediante as recentes lembranças
acumuladas. Ah, que boas lembranças...
Ela estava sentada numa cadeira perto da lareira, e sorriu quando o viu.
Zamir achou que havia subido as escadas rápido demais. O coração estava
acelerado. Abrindo os braços, foi até a esposa.
— Ótimo, e o seu? — Não a soltou, deleitado por sentir o corpo quente junto
ao dele.
— Conte-me mais.
— Como foi?
— Ela tirou minhas medidas. E deixou três vestidos. Estou usando um deles.
Zamir afastou-se apenas o bastante para admirar a roupa nova que Delilah
usava, e tornou a puxá-la para seu abraço.
Um homem nunca a havia elogiado como Zamir fazia! Não um que valesse a
pena. Claro que ela havia ouvido uma ou duas bobagens dos vadios e
bêbados que circulavam pelo East End, mas nunca poderia levar isso em
conta.
Zamir então beijou-lhe o ouvido, e mordeu de leve seu lóbulo, quase fazendo
Delilah flutuar.
— A modista disse...
Zamir parou de beijar a esposa por um instante e sorriu, com seu rosto
pairando sobre o dela.
— Que esperta...
Ele continuava sorrindo, e Delilah percebeu quando ele colocou uma perna
entre as suas, separando-as. O ar parecia estar faltando no quarto, e a
garganta subitamente ressecou quando tentou engolir saliva. Sua voz soou
ligeiramente desafinada ao continuar a conversa:
Zamir empurrou um pouco mais para que suas duas coxas ficassem entre as
pernas de Delilah.
— Sim, pode. Quando ela vier trazer o restante dos vestidos, diga-lhe que
sim.
— Ela deve pedir que alguém entregue... — Sentindo a pele dos ombros ser
mordiscada pelo marido, contorceu-se — Não é o habitual?
Uma risadinha travessa foi a primeira resposta de Zamir, antes que ele
voltasse a falar:
— Tenha certeza que ela virá pessoalmente entregar os vestidos, para poder
encontrar você novamente. Provavelmente fará questão de pedir-lhe que
experimente um ou outro para certificar-se que o caimento está perfeito.
Enquanto falava, a mão de Zamir baixava com cuidado uma das mangas do
vestido de Delilah. E sua boca descia, regando cada pedacinho desnudo com
seus beijos.
Delilah ofegava. Já não ouvia nada, mal sentia as pernas. Toda sua atenção
se concentrava em Zamir, em sua boca, e em sua mão. Quando ele surgira à
porta ela esquecera tudo o mais que pensara durante o dia, sobre noivados
arranjados, casamentos por conveniência, e relacionamentos sem amor. A
única coisa que importou foi atirar-se nos braços que se abriam para ela. E
agora...
— Preciosa...
A boca quente de Zamir já não conseguia ser tão gentil. O mamilo rosadinho
diante dele clamava atenção e ele não pode deixar de sugá-lo com
— Não me tente novamente, minha esposa. Nós vamos esperar até amanhã.
— Não imagina a intensidade que é fazer o amor, doce Delilah, senão não
me incitaria a prosseguir.
A fera dentro dele queria rugir, como um tigre que salta sobre a presa.
Ele quase fizera isso. Delilah não podia supor o quão perto esteve de ser
tomada ali mesmo, sem preparo ou cuidado, por um homem movido pelo
desejo.
Não desejando dar atenção à pergunta, e muito menos saber sua resposta,
levantou-se da cama, e voltou ao seu lugar junto à lareira, para concentrar-se,
ou ao menos tentar, na leitura de um manual de boa conduta nos salões
europeus. Ao perceber que sua atenção ao livro havia sido comprometida,
levantou-se, indócil.
Então lembrou-se dos papéis de Lydia trouxera um dia antes. Escrever podia
ser o que lhe ajudaria a distrair-se. Indo até a cômoda olhou mais
atentamente o que a criada guardara. Não eram folhas soltas, mas
encadernadas, tal qual um livro, porém com folhas brancas, como um diário.
Delilah correu os dedos pela capa, sentindo a textura do couro. Nunca tivera
um diário. Nem sabia como escrever um. Achou um pouco tolo escrever
algo como "Querido diário" antes de qualquer coisa. Talvez devesse mesmo
seguir a sugestão dada, e criar cartas. Mas cartas para si mesma? Seria tão...
Ridículo. Ela suspirou, pensativa. Para quem escreveria cartas que nunca iria
mandar? Não para as irmãs, por certo. Quando escrevesse para elas seria
para valer. Pensando melhor, decidiu para quem direcionaria as cartas que
jamais enviaria. Pegando a pena molhou na tinta e começou:
"Caro Zamir..."
Provérbio indiano
Capítulo 5
Delilah estava agitada demais para manter-se parada. A criada Lydia corria
para todos os cantos atrás dela, preocupada.
— Senhora, por favor, senhora, faz apenas três dias que se acidentou...
— Estou bem, Lydia. — Ela olhou para a mesa de canto da sala de jantar e
apontou. — Acho que aqui iriam bem umas flores amarelas.
Lydia não entendia nada de decoração, todas as flores para ela eram lindas,
mas fez um sinal para um dos criados que aguardava na porta. O rapaz saiu
rapidamente para atender ao pedido da senhora Maddala.
observava
os
humanos
apressados
desdobrarem-se
para
Mas ela precisava ocupar-se, distrair-se ou qualquer outra coisa que valesse,
e não se importaria de fazer a maior parte da nova arrumação sozinha se lhe
servisse para a tranquilizar.
Foi frustrante perceber que todo o esforço da tarde só lhe deixara cansada,
mas não apaziguara seu nervosismo.
Não era justo de sua parte agir de modo grosseiro com pessoas que
Delilah também sorriu. De algum modo não achou muito difícil falar com o
grupo que a servia. Que engraçado isso!
***
Ela ergueu o rosto do livro que tinha em mãos. Ela sempre parecia ter um
livro em mãos, constatou o esposo.
fato dela estar num cômodo aberto, acessível demais aos criados, inibiu-o.
— Na sala de jantar.
— Em uma hora.
***
Zamir viu a bela louça sobre a mesa, a refeição caprichada disposta em cada
travessa, as flores a um canto e as velas acesas iluminando o ambiente e a
surpresa o atingiu. Parecia estar chegando pela primeira vez ao cômodo. Em
sua própria casa! Delilah e os criados haviam feito alguma magia... Voltou à
porta, de súbito, estalando a língua. Deveria buscar a esposa e acompanhá-la
até a sala de jantar, como um marido cortês faria. Que falha!
Mas ela já estava entrando, e sua presença pareceu aquecer ainda mais a
sala.
Com um menear bem-educado, ela aceitou que ele lhe puxasse uma cadeira,
e sentou-se, ao lado da cabeceira, como o esperado da esposa do anfitrião.
As primeiras garfadas dadas ainda levavam a tensão do casal que comia, mas
à medida que o alimento começava a assentar-se, e uma troca suave de
impressões acontecia, eles começaram a relaxar e fazer do jantar um
momento agradável.
— Eu a levarei até lá um dia desses. — Zamir não sabia porque dissera isso.
Uma área de obras não era o lugar para uma esposa. Mas, por alguma razão
o agradara a perspectiva de dividir com Delilah seu ambicioso projeto. E ele
estava tão comprometido que literalmente arregaçava as mangas e trabalhava
junto com os operários, vendo a evolução de seu empreendimento acontecer
diante de seus olhos, fruto de seus ideais e de suas mãos.
— Eu vou adorar!
Zamir ergueu sua taça em direção à esposa, num brinde mudo.
— Ela está andando bem com a tala. E me seguindo por todos os cômodos.
— Delilah sorriu — Mas como ainda não aprendeu a comportar-se muito
bem na presença de qualquer tipo de comida, a sala de jantar é um lugar
proibido para ela.
A risada de Zamir era cheia, num timbre alto e grosso, tão masculina e
perturbadora que pareceu reverberar e lançar borbulhas quentes no ventre de
Delilah, que subiam em seu peito e seguiam acima, atingindo o pescoço e
queimando no caminho, sem dúvida deixando marcas rubras em sua face. O
Delilah jamais havia se destacado em nada. Sempre fora apenas uma garota
simples, nunca muito interessante, e com certeza a menos atraente entre suas
irmãs. Descobrir que havia sido escolhida para tornar-se esposa de um
homem inteligente e próspero havia sido a única coisa digna de nota que lhe
acontecera.
O relaxamento anterior começou a dar lugar a uma tensa ansiedade, que não
lhes era nova. Ambos haviam sido atingidos por ela, em diferentes graus,
mais cedo, e sabiam que em algum momento ela os cercaria outra vez.
Provérbio hindu
Capítulo 6
Zamir deu duas pequenas batidas na porta antes de entrar.
Delilah o aguardava em pé, perto da janela. Ela havia pedido que Lydia fosse
buscar junto à Madame Louisa, a modista interessada em agradá-
Zamir parou diante da esposa, e suas mãos elevaram-se para segurar o rosto
feminino e aproximá-la do seu para um suave beijo, o primeiro de muitos a
partir de então, cada vez mais longos, e calorosos. Delilah cerrou os olhos,
permitindo que ele tomasse sua boca, e aprofundasse os beijos na carícia
sensual que havia ensinado a ela tão cuidadosamente, fazendo-a acender-se
devagar, até arder de paixão.
O robe fino que Delilah usava escorregou pelos seus braços a um toque de
Zamir, seguida pela camisola, que desabou no chão deixando-a exposta e
acalorada a despeito da nudez total em que se encontrava. As pernas
enfraqueceram ante os beijos que desciam tomando colo, seios, ventre, e um
deslizar de mãos que acompanhava o insinuante percurso, fazendo-a
retorcer-se a ponto de pensar que cederia sob seu peso, entre suspiros e
ofegos.
Debruçando-se sobre Delilah, com uma mão a cada lado do corpo dela para
servir de apoio, voltou a explorar-lhe a boca, entorpecendo a ambos com a
força do desejo que os consumia.
Retirando suas calças posicionou seu membro onde antes estavam seus
dedos e pressionou, afundando-se devagar no interior convidativo de sua tão
doce Delilah.
***
A mão de Delilah pousou sobre o peito de Zamir. Ele tinha poucos pelos
sobre o peitoral largo e forte, e ela gostou disso, embaralhando os dedos
entre os pequenos cachos que se formavam em volta dos mamilos escuros.
— Sim.
— Então eu ficarei.
***
Horas antes Zamir levantara-se, buscara uma toalha e a embebera com água
limpa, trazendo-a para limpar a esposa. Delilah tomou-lhe a toalha das mãos,
impedindo-o de limpá-la de modo tão íntimo. Ele havia rido, dizendo que
seria um grande prazer ajudar. Delilah sorriu, mas o rosto aqueceu de
constrangimento, enquanto o esposo a observava lavar-se, retirando os
resquícios do prazer que haviam lhe custado a virgindade.
Sabedoria indiana
Capítulo 7
— Terei que pagar uma libra a mais para cada criado no próximo
pagamento, porque colocaram flores coloridas dentro de vasos? — Os olhos
de Zamir estavam arregalados, e havia parado o processo de vestir-se,
estando ainda com as calças na mão.
— Vai pagar uma libra a mais para cada um porque eles transformaram uma
casa fria num lar aconchegante!
— A única coisa em que reparei ontem, minha formosa esposa, foi em você.
— Antes de sair para o trabalho, por favor, olhe para sua casa.
— Nossa casa.
— Eu... Realmente não entendo nada sobre esse assunto. Nunca fui sequer a
uma exposição.
— Nunquinha.
O marido sorriu.
— Sim?
— E inocente.
O marido riu:
— Se continuar fazendo acordos até para cobrir despesas, cara esposa, ficará
melhor em negociações do que eu. E se conseguir de algum modo que
compense libras e xelins, a levarei comigo em minha próxima visita ao
alfaiate, para que trate com ele a conta dos meus trajes novos.
enterneceu Delilah.
***
A visita ao museu foi incrível, e como tudo era tão absolutamente novo para
Delilah, ela quis observar cada detalhe demoradamente. A paciência de
Zamir era enorme, e ele em nenhum momento apressou-a para que
seguissem adiante. Ao contrário, compartilhou com ela todos os minutos de
descoberta, divertindo-se com suas expressões, e respondendo ao que podia
diante da curiosidade despertada por antigos manuscritos, quadros e outros
objetos expostos. Combinaram que a visita à Royal Academy ficaria para
outro dia.
apenas em trabalho. Saía de casa pela manhã, voltava tarde, e dormia, para
repetir o mesmo ciclo ao amanhecer seguinte, e assim sucessivamente.
Quando recebia algum convite para festa, jantar ou sarau, proveniente dos
parceiros comerciais, novos amigos ou do barão que era sogro de seu irmão,
nunca recusava. Comparecia, mostrava-se simpático, mas quase sempre
encarava as reuniões apenas como mais um caminho para se chegar a um
fim, e este era a inauguração de sua grande loja.
Conduziu a esposa para casa, dessa vez sentado ao seu lado na carruagem,
após deixar instruções expressas ao cocheiro para que ficasse atento a
qualquer cachorro que pudesse cruzar-lhes o caminho.
***
Após o jantar recolheram-se na sala de estar dos fundos da casa. Era menor
que a da frente, e as paredes pintadas em tom de rosa deixavam-na bastante
feminina. Quando alugou a casa foi informado que aquele aposento era o
preferido da lady que vivia ali anteriormente, e que qualquer dama faria
daquele seu espaço pessoal. Ali foi plantada a ideia de conseguir uma
esposa.
Ah, o coração de Delilah saltitou de alegria! Zamir valorizou o que ela fez!
— Tem certeza?
Delilah sorriu.
— Bem, eu não estava até você tocar no assunto. O que iria propor?
— Um hábito inglês?
— Um jogo?
— Mostre-me.
***
Eles ainda estavam na pequena sala rosa, entretidos numa brincadeira com
dois jogadores que consistia em bater com força uma castanha assada em
outra(perfuradas e transpassadas por uma corda) até que uma das peças
quebrasse.
Havia uma sombra de sorriso no rosto dele. Como quem acertava tinha
direito a continuar tentando quebrar a castanha do adversário até parti-la ou
até errar, Zamir fez outro movimento com a castanha dependurada pela
corda.
— Trapaça!
— Oh! Você disse que eu não precisava negociar mais nada a esse respeito!
Zamir bateu a castanha com força, mas o golpe não foi certeiro, e as cordas
das duas peças se enrolaram.
— Revanche!
— Não.
— Sim. Revanche.
— Nunca.
— Vamos, sim.
— Ah! E você é uma teimosa! Não sei se é ciente de que uma esposa deve
acatar as ordens de seu marido. — Zamir ergueu uma sobrancelha, e cruzou
os braços.
— Não no Conkers?
— Em jogo algum?
Então ele abriu a porta, colocou Estrela para fora do aposento, e passou o
trinco na porta.
Ela não notou que seus dedos buscavam encontrar a pele do marido, que
puxavam sua camisa de dentro das calças, que procuravam abrir os botões de
seu colete. Não notou até que ele já estivesse meio desnudo sobre ela,
deitando-a no sofá que parecia pequeno demais até mesmo para uma só
pessoa. Não soube como seu vestido sumiu, como seus cabelos soltaram-se
dos grampos, ou porque estava calçando apenas um sapato.
Tinha ciência que ele beijava e mordiscava seu ventre de uma forma que a
estava levando ao delírio.
E que a língua do esposo, atingindo o ponto mais sensível e oculto que ela
possuía, era devastadoramente sensual!
Estava por cima, e precisou levantar-se primeiro, para então ajudar Delilah a
recompor-se. Agachando-se pegou um sapato que havia ido parar longe, e
calçou no pezinho delicado dela. Percebeu o rosto feminino muito
afogueado, os cabelos castanhos descendo em ondas livres, e os olhos
escuros ainda pesados pela paixão, e foi atingido pelo desejo outra vez.
***
No meio da noite Delilah voltou a despertar e admirar o esposo deitado ao
seu lado. Estava se tornando um hábito fazer isso. Acordar e ficar olhando
Zamir, sem que ele pudesse imaginar o teor da avaliação a qual estava sendo
submetido.
Havia uma pergunta que voejava sobre ela, como uma mariposa em torno da
luz, batendo e voltando, insistindo mesmo que aquilo lhe incomodasse a até
ferisse: Apaixonara-se pelo marido?
Ela desejava muito que não, mas dentro do seu coração já sabia que não
adiantava nada desejar que o amor não chegasse, sendo o sentimento
intrometido e fortuito que era.
Provérbio hindu.
Capítulo 8
Zamir estava curioso para saber qual a reação de sua esposa diante da
surpresa que ele havia preparado. Outra semana se iniciava, e ele havia
descoberto uma forma de responder a uma das várias perguntas que Delilah
andara lhe fazendo sobre a Índia nos últimos dias.
Agradar à esposa havia se tornado para ele um grande prazer. Achava isso
engraçado agora. Mas se lhe perguntassem alguns dias antes, quando
descobrira a força do seu desejo por ela, perceberiam que ele não estava
achando a situação nada divertida. Pensar em Delilah o tempo todo o
atrapalhava. Desejar correr para casa e ficar com ela, ao invés de cuidando
de seus negócios, era um tormento. Planejar formas novas de fazer amor
enquanto deveria estar concentrado no que seus clientes diziam tornava seus
dias de trabalho bastante complicados. E lutar contra todas essas sensações e
vontades, mais ainda.
Foi a melhor coisa que fez. Já não se incomodava se era o rosto delicado de
Delilah que via ao lidar com as costureiras que lhe encomendavam sedas
lisas ou brocados, e nem se aborrecia se enquanto um operário fazia-lhe
queixas sobre a obra em andamento seu pensamento viajava para os
momentos agradáveis ao lado da esposa.
A atração que sentia era nada mais que uma coisa que qualquer homem
saudável, recém-casado, sentiria. E durante muito tempo havia
colocado de lado suas necessidades sexuais. Estivera sem uma mulher por
meses!
Era claro que ao ter uma acessível, sob o mesmo teto, e ávida para retribuir
suas atenções, ele reagiria daquele modo!
***
Quando Zamir conduziu a esposa até a sala de jantar àquela noite, não se
decepcionou com a expressão dela diante da mesa farta, cheia de pratos
típicos da Índia.
As porções nas travessas não eram muito grandes, e a visão de tantas opções
coloridas era um regalo para os olhos. Com calma e cuidado experimentou
um pouco de tudo que havia na mesa.
Levava pimenta e condimentos dos quais nunca ouvira falar. Sua língua
ardeu e ela deu uma risada.
Zamir ofereceu-lhe um copo de limonada.
Mas ele sabia o quanto Delilah gostava de doces, e estava ansioso para saber
o que ela acharia daquele. Sem pensar duas vezes levou uma das bolinhas de
cor alaranjada à boca de sua esposa.
Delilah não podia recusar a oferta. Não quando servida daquele modo.
— E então?
— Estou encantada!
Zamir sorriu.
— Iremos para a Índia quando a loja de Londres não precisar tanto de minha
atenção.
— E morar.
— Morar?
— Sim, morar. Não esperava que ficássemos aqui para sempre, não é?
Delilah tentava manter um sorriso no rosto, mas sentia que o rosto doía. Ir
para a Índia!
Por Deus... Já estava sendo difícil conquistar o amor de Zamir ali em
Desde que descobrira-se apaixonada pelo marido ela lutava para seu amor
ser retribuído. Alguns dias parecia que estava tendo resultado, em outros
parecia ter falhado de forma miserável. Acreditava que acabaria ganhando a
batalha pelo coração do esposo, pois tinha muito a seu favor. Ali, onde
estavam.
Delilah parecia fora do seu corpo enquanto andava. A coisa que mais queria
era voltar-se para Zamir e expor-lhe seus temores, e contar para ele, de uma
vez por todas, que o amava. Mas a língua travou, como há muito não
acontecia.
***
Por quê?
Ela mudara.
Delilah voltou a olhar para seu armário, sabendo que o que faltava não
estava ali, nem era palpável.
Será que o que Zamir via não o encantava a ponto de fazê-lo amá-la só um
pouquinho?
Ela desejava ser daquelas pessoas boas e generosas que se dão por
completo e tem tanto amor que não fazem questão de ser amadas, tão
magnânimas que só o amor pelos outros já as faz feliz. Mas não era.
E só de pensar na vida solitária de uma pessoa que não era amada, ela sentia
calafrios.
Deixou de olhar aos vestidos, e deixou de pensar numa viagem para a Índia
que estava longe de acontecer. Iria se concentrar no agora.
Forte!
Provérbio indiano.
Capítulo 9
Estava feliz por poder ajudar alguém. Reencontrando Daisy tentara obter
notícias das irmãs, mas ela nada sabia.
— Ah, Daisy, ele nos separou de forma terrível, mas no final sou grata por
ele ter permitido que Zamir casasse comigo. Ele fez bem.
Sei que as coisas podem parecer meio estranhas, mas garanto que o modo
como ficamos noivos é muito usual.
— Eu sei que não. Talvez... Talvez eu tenha entendido tudo errado, afinal.
— Não, claro que não. Estou feliz por você, por ver que está bem, e que veio
parar bem longe de East End.
— Oh, nosso sonho é Covent Garden, como sabe. Sei que não é como
Mayfair, mas...
— Exatamente!
A conversa desviou-se para o futuro de Daisy e só depois que ela foi embora
Delilah pensou melhor sobre o que falaram. A outra parecia tão espantada
com tudo que Delilah dizia! Que história sobre ela e as irmãs teriam
inventado? Algo escabroso, decerto. Bem, não adiantaria pensar sobre isso
agora, e nem valeria a pena. Não pretendia voltar ao local onde vivera, não
tinha outros amigos lá além de Daisy, e pouco lhe importava o que
pensassem dela. Ademais havia um jantar para comparecer com o marido, e
ela deveria banhar-se agora para que Lydia pudesse fazer o pequeno milagre
de sempre em seus cabelos.
olhava para ela tinha olhos escuros e lábios rosados, e uma pele clara, com
pouquíssimas sardas. Seu nariz era pequeno, e levantava bem levemente na
ponta. Os cabelos castanho-escuros não eram exatamente lisos, mas tinham
um certo volume que ajudava na hora de fazer os cachos tão em moda
ultimamente.
E ela faria sacrifícios por quem ela amasse. A mulher do espelho tinha um
pouco de sua mãe, mas tinha esperança que pudesse ganhar o amor do
homem que a havia escolhido um dia, e escapar do futuro frio que era amar
sem ser amada.
***
Certa vez Zamir dissera a Delilah que não temesse ser indagada sobre seu
casamento pelos clientes ricos que teriam. As pessoas de posses geralmente
não gostavam de conversas que incluíssem detalhes íntimos ou pessoais, e se
interessavam muito mais por fofocas picantes do que algo tão tradicional
como um matrimônio. Ele estava certo.
— Quando vi sir William pela primeira vez eu tive a certeza que era o
Após o jantar, depois de deixarem a casa de seus anfitriões, Zamir achou que
seria uma boa ideia levar Delilah para ver a loja, que estava quase pronta
para receber os clientes. Àquela hora não haveria mais operários
trabalhando, e poderiam circular sem o risco de atrapalhar. Ela aceitou de
bom grado. Havia mais de um mês que aguardava a oportunidade de
conhecer o estabelecimento.
O endereço da Bond Street ainda não apresentava nome na fachada, mas seu
interior já estava concluído, faltando apenas alguns mínimos detalhes, aqui e
ali. A maioria dos produtos que seriam vendidos já estava no depósito,
aguardando a hora de ocuparem seus lugares junto ao salão e às prateleiras.
Era um amplo espaço, e certamente tinha tudo para ser bem-sucedido.
Zamir explicou que aqueles eram os trajes femininos mais usuais na Índia. O
nome daquele tipo de vestimenta era sári. Alguns modelos eram simples,
outros bordados, muitos com extremo requinte, com fios dourados, prata ou
pedrarias. Tradicionalmente os sáris totalmente brancos eram usados pelas
viúvas, e os completamente vermelhos usados pelas noivas. Ele continuava
falando sobre as roupas de seu país enquanto caminhava: dhotis, kurtas,
sherwanis, mas Delilah ainda estava parada diante dos sáris.
Ele sorriu.
Bem, se ela ia morar na Índia, nada mais natural que começar a conhecer os
hábitos do lugar, vestimentas e tudo o mais. Soltou um suspiro resignado.
— O que houve?
— Nada. Não houve nada. Estou muita grata apenas, admirada pela beleza
do traje.
— Que bom.
Zamir sorriu. Uma casa com cachorros, uma boa esposa, flores em cada
cômodo. Só faltava um bebê em casa.
Quando optou por casar-se para tornar-se mais aceitável aos ingleses e se
integrar melhor ao local onde iria residir por algum tempo, não dera-se conta
da extensão e do desdobramento que sua ação causaria. Por mais que
imaginasse tudo que viria atrelado a uma união, não estava preparado para o
que o que aconteceria dentro dele, do seu peito, de sua alma.
Àquela noite, na penumbra do quarto, fazer amor foi diferente. Com lentidão
e cuidado Zamir possuiu a esposa. Em sua língua nativa abriu-se, colocando
todo seu sentimento em palavras que os deuses podiam ouvir e abençoar,
grato à boa sorte que o destino lhe reservara, tornando-o um homem melhor,
completo, para quem o trabalho e a riqueza não ocupavam mais a posição de
mais importantes. Abraçando-a depois do ato, beijou-a com
ter acontecido.
Capítulo 10
— Terá tempo?
Delilah mais uma vez admirou o marido. Algumas vezes, quando saíam
juntos, ela flagrava sobre ele os olhares de outras mulheres. Com sua altura e
aparência exótica Zamir chamava atenção, e sempre seria um tipo que se
destacaria entre os ingleses.
Mais tarde, naquele dia, fez novas perguntas ao marido sobre o lugar onde
um dia deveria viver, enquanto seus animais trotavam calmamente.
— Mexa-se, esposa. Até um idoso apoiado numa bengala é mais célere que
nós.
Delilah soltou uma risada e o marido sorriu ao ouvi-la, sentindo que enfim a
expressão dela se desanuviava. Já bastava que ele não estivesse no melhor
dos humores, e acumulasse preocupações. Não queria que sua mulher
também padecesse desse mal com a proximidade da abertura da loja, ou com
a dificuldade de ter notícias sobre a família. E estavam ali para relaxar, não
pensar no futuro ou no passado.
— Ah, veja, é a senhorita que conhecemos no jantar do seu amigo que tem
as tecelagens!
A voz dele soou indiferente, com uma ponta de desdém até. Delilah
estranhou. Imaginava que Zamir acharia interessante e até se solidarizasse
com a impressão que a jovem tivera, não que se mostrasse esnobe.
insistiu.
Mas Delilah estava incomodada com a atitude do esposo. Ele dissera, tempo
atrás, que quando a vira a achara adequada para ser sua esposa. Mas não
acreditava no julgamento dos outros para que também se sentissem assim em
relação aos seus parceiros? Estava confusa com isso. E como havia muito
que represava seus pensamentos e falas a respeito do relacionamento que
tinham, assim que puseram os pés dentro de casa não se conteve mais:
— Por que aquela pobre senhorita apaixonada é uma tola? Ela não tem
direito de achar que encontrou a pessoa certa?
— Não, não acredito. Mas qual a importância disso? Nem sequer recorda-se
do nome da moça, por que parece querer discutir por ela? E por algo tão
fútil?
— Fútil?
— Delilah, não compreendo por que parece desejar que nossa primeira briga
de casados seja por uma desconhecida.
— Não quero brigar. Apenas entender porque você pode avaliar tão bem
alguém que vê uma vez, e ninguém mais pode.
— Quando você me viu pela primeira vez e depois decidiu falar com meu
pai sobre mim... — Ela respirou fundo, organizando seus pensamentos e
palavras — Diga-me o que pensou.
Você disse que me viu e me achou adequada e depois então veio pedir minha
mão.
— Disse.
— Quando?
— Recordo-me que disse que eu era adequada para ser sua esposa!
passatempo favorito, ao lado da esposa, mas agora ela queria enveredar por
uma conversa a qual ele não desejava nem um pouco manter. Farejava
confusão ali, que poderia facilmente sair do controle para quem, como ele,
andava passando por dias de apreensão e fácil irritabilidade.
— Não se amofine mais com isso. Se lhe perturbei ao não dar fé suficiente
ao romance vivido pela senhorita Kristen, peço-lhe desculpas.
Zamir entrou em seu quarto, e ia fechar a porta, mas a esposa entrou atrás
dele.
— Mas não insisti nesse ponto por alguma suposta afinidade entre as pessoas
do sexo feminino, mas por uma questão de justiça.
O criado pessoal de Zamir entrou no quarto após uma leve batida na porta,
mas ficou constrangido ao perceber a presença da senhora da casa.
Zamir fez um sinal para que o criado deixasse o quarto, e ele o obedeceu.
Em seguida respondeu à esposa.
durante todo esse tempo em que temos de casados. Quanto à senhorita que a
motivou a uma defesa tão passional sobre primeiras impressões, lamento
dizer-lhe que é um engodo.
— Um engodo?
— Oh...
Delilah pensou um pouco. A jovem era bonita, educada, e parecia vir de boa
família. Se havia flertado antes com Zamir ele poderia muito bem tê-la
escolhido como esposa. Mas não o fizera.
— Desejava uma esposa inglesa que fosse devotada a mim, não uma com a
qual não pudesse contar. Além do mais sou um homem antiquado em muitos
aspectos, e não admitiria ter como companheira uma desfrutável. —
Zamir deu-lhe as costas, voltando-se para o espelho e desfazendo sozinho o
intrincado nó de sua gravata.
— E o que lhe garantiria que eu seria devotada, e que não poderia me tornar,
como você mesmo diz, uma desfrutável?
Zamir virou-se, encarando-a. O olhar dele foi tão significativo que Delilah
pode traduzi-lo rapidamente:
— De que adianta apregoar aos sete ventos que encontrou a pessoa certa se
essa certeza só vai durar até a próxima temporada? O que temos é mais real
que muitas uniões iniciadas por um suposto amor à primeira vista.
— Por favor, preciosa, vamos mudar o rumo dessa conversa. Não quero
problemas.
— Eu também não queria. Mas já que começamos, Zamir, vamos até o fim
dessa conversa.
Geralmente a sedução daria certo, mas não dessa vez. Delilah levantou-se,
escapulindo do abraço.
— E se o que eu quiser falar nada tiver com outras pessoas?
O coração dela estava disparado, não podia mais calar-se agora que havia
começado. Precisava por à limpo tudo o que parecia-lhe obscuro e que não
se interessara antes em averiguar, talvez temendo, bem lá no fundo, que
quando a verdade surgisse, seria por demais feia.
Zamir suspirou.
— Não deveria sequer questionar-me quanto a isso. Jamais lhe faltei com
franqueza.
— Nunca.
— Explique-me.
Zamir amaldiçoou o pai de Delilah. John Winter não contara à filha o que
havia feito, como um homem viera parar à sua porta para buscar-lhe tão de
repente. Ele deixara a informação sórdida para ser dada por Zamir,
provavelmente achando que seria divertido jogar esse tempero a mais numa
união que estava começando. E agora não havia como contornar o assunto,
nem tentar enfeitá-lo para que parecesse menos pérfido. Então contou tudo
sobre o leilão, como foi apresentado aos clientes, e aonde aconteceu.
Quando o relato terminou, Delilah havia tornado a sentar-se, estava muito
pálida, com os lábios entreabertos e olhos que não piscavam.
— Não atrapalha nada. Delilah! — Zamir tentou pegar a mão da esposa, mas
ela fugiu do seu toque como se ele pudesse queimá-la.
***
Mas perceber que apegara-se a uma fantasia para tomar uma atitude e forçar-
se a crer que tudo que estava lhe acontecendo era uma maravilhosa e
imperdível oportunidade de ser feliz, era ainda pior. Como pudera,
conscientemente, crer que Zamir algum dia a escolhera por ser ELA?
Acreditara que Zamir vira numa garota do East End algum atributo
miraculosamente mágico que a tornava diferente de todas as outras? Tão
irresistível que ele precisasse bater à porta dos Winter implorando que a ele
fosse dada a honra de receber a mão da filha do meio do senhor John?
Francamente!
Eles eram nada! Agora via as coisas de forma bastante clara: Havia sido
escolhida, sim, apenas porque era prático, rápido e fácil conseguir daquele
modo uma noiva inglesa necessária aos planos de Zamir Maddala.
E o fato de ser virgem era uma bonificação que devia ter agradado a um
homem que admitira ser "antiquado em muitos aspectos". Quanto ao resto
ele mesmo se encarregaria de resolver, usando as palavras adequadas, e
puxando os fios certos para mover e moldar a marionete que traria para casa,
para interpretar o papel de esposa bem-educada, grata e bem-comportada.
No entanto, a despeito de como se sentia, não podia culpar a Zamir por nada.
Seu destino havia sido traçado pelo pai e ela seguira o caminho indicado por
ele, saltitando de bom grado pela rota apontada e abraçando o que lhe era
oferecido como uma tábua de salvação.
Não deveria ficar com raiva, nem sentir rancor. E não era o esposo a quem
devia direcionar sentimentos tão ruins. Na verdade não queria guardar
rancor de ninguém, pois isso matava aos poucos um ser humano, comendo
por dentro e destruindo seu espírito. Não era de sua natureza remoer-se, e,
portanto não alimentaria esses sentimentos. Não mesmo.
E havia mais. Havia o buraco no peito. Se antes parecia difícil fazer-se amar,
agora via mesmo que era impossível. Uma coisa era lutar pelo amor de um
marido que a admirava, fosse por qual razão. Outra bem diferente era tentar
lutar pelo amor diante de um marido que a via com os olhos de um mercador
que visava apenas lucro, para quem era uma peça útil, com a vantagem de
proporcionar-lhe algum prazer à cama. Oh, ela não tinha dúvida que ele
gostava do que faziam sobre o colchão, mas ela também não era tão ingênua
a ponto de não saber que para animar um homem viril bastava vestir saias e
erguê-las de vez em quando.
Provérbio hindu.
Capítulo 11
— Delilah?
— Sim?
Ela continuava bastante pálida, e seus olhos pareciam ter perdido um pouco
do brilho.
— Estou.
— Como sempre sua franqueza foi valiosa. Não precisa lamentar nada, e
nem se preocupar que eu aja diferente após saber a verdade. Temos um
entendimento e vou cumpri-lo.
— Um entendimento?
— Não, não estou. E já disse que não precisa se preocupar. Não gaste seu
tempo incomodando-se com coisas pequenas, Zamir. Temos uma meta e não
serei eu a fazer nos desviarmos dela.
Zamir respirou fundo. Delilah estava aborrecida com o pai e como ele havia
sido o portador das más notícias, a irritação da esposa respingara nele.
Seria paciente e não insistiria no assunto, por mais que estivesse se sentindo
injustiçado, apenas em consideração ao amor que sentia.
— Sim, eu preferia e ficarei grata, se puder. Claro, contanto que isso não seja
um problema.
***
Mais tarde, à hora do jantar, Zamir foi notificado por um criado que a
senhora Maddala havia se recolhido mais cedo.
Pois bem. Se Delilah precisava de mais tempo para lamber suas feridas, ele
lhe daria a noite toda. Esperava que a mágoa diminuísse pela manhã, e ela
pudesse voltar a ser a esposa amorosa de sempre.
***
Mas que dor de cabeça! Precisaria trazer as caixas por terra, mas esse não
era o maior dos problemas. Ir e voltar a Poole levaria pelo menos três dias,
se fosse ágil e não precisasse pernoitar mais de uma vez no local. Era uma
hora ruim para afastar-se de Londres, não somente porque estava
desembaraçando vários detalhes importantes na loja, mas também porque
Delilah estava sofrendo e não queria deixá-la sozinha.
— Eu posso cavalgar.
— Você ainda não está treinada o suficiente e não a obrigarei a passar horas
sobre o lombo de um cavalo sem a menor necessidade.
— Desculpe. O tom da minha voz foi incluído no acordo que fizemos? Não
me recordo. — Delilah não resistiu a replicar.
O rosto de Zamir endureceu.
— Penso que nem tudo precise ser acordado para que se compreenda o
quanto é óbvio dentro de um casamento.
— Não se faça de boba. Estou perguntando porque está falando essas coisas
para mim. Deseja atacar-me?
— Sobre nós?
— Delilah, o que seu pai fez afetou tanto você assim, que se volte até
mesmo contra seu marido?
— Mas não foi para isso que e trouxe para dentro de sua casa? Eu vou
honrar todo o gasto que teve!
Ele também levantou-se, e controlou sua voz com dificuldade, ainda irritado
consigo mesmo por ter gritado antes:
Viu quando ela entrou na sala de estar feminina, batendo a porta e passando
o trinco de forma barulhenta.
Mais essa!
— Não irei enquanto não puder falar com você frente a frente.
As barreiras entre eles eram muito maiores que as visíveis, pensou Delilah,
desconsolada.
— Não acho que estejamos no nosso melhor momento e talvez passar uns
dias separados seja o melhor para ambos agora.
— Sua revolta tem que passar durante esse tempo. Não sou culpado das
atitudes do vosso pai.
Ele não entendia nada! Delilah apertou os lábios não força. Não discutiria
mais. Iria acabar revelando mais do que gostaria, e gritar para Zamir que sua
angústia provinha muito mais do amor que sentia e que estava sufocado em
seu peito, do que pelas atitudes de um velho sem moral ou afeto por suas
filhas.
Era claro para Zamir o ressentimento, a dor e a angústia nos olhos da esposa.
Ele desejava tranquilizá-la, estreitá-la em seus braços murmurando palavras
carinhosas, declarar-lhe seu amor.
Porém não queria correr o risco de pronunciar palavras tão importantes e ser
mal compreendido. Se Delilah achasse que sua declaração era apenas um
consolo às suas tristezas, ficaria seriamente ofendido.
Zamir deixou-a ir, percebendo que ela estava perto demais de sufocar.
Ele mesmo estava sentindo-se mal. Jamais haviam brigado, e ele jamais
elevara a voz para Delilah, fazendo-a assustar-se e temê-lo. Não era isso que
desejava: medo, briga, choro, nada disso. Circulando pelo aposento onde
Provérbio hindu
Capítulo 12
Lembrou-se então que pegara um livro e o havia colocado entre suas coisas
antes de partir, e achou que poderia ser boa ideia fazer uso dele agora, para
desanuviar um pouco suas preocupações.
Cada página era escrita em formato de missiva, e em cada uma delas Delilah
conversava com ele sobre seus sentimentos. Na primeira delas havia vários
questionamentos sobre a própria pessoa que escrevia, e suas considerações
sobre tudo o que estava acontecendo, seus sentimentos perante às novidades,
e suas impressões.
Ele compreendeu assim porque ela estava tão aborrecida. Imaginara uma
situação, e vivia outra. E se apaixonara pelo marido.
A última página escrita transmitia a angústia que ela sentia por não avistar
reciprocidade em seus sentimentos:
E anseio tanto pelo seu amor que fere-me a alma não conseguir alcançá-lo.
Envergonha-me que meu desejo pelo teu amor suplante tudo o mais
Queria dizer-lhe que o amo tanto que posso dividir para nós dois esse
sentimento, e mesmo assim ainda teria de sobra. Por tantas vezes estive a
ponto de abrir-me e colocar em suas mãos meu coração...
Mas eu não precisaria ter que dar algo que já lhe pertence.
Tudo que é meu é teu.
Por amor, não por gratidão. Por amor, não por obrigação.
A alegria então o tomou por inteiro, e seu amor por Delilah cresceu
ainda mais. Assim que chegasse à Londres diria para a esposa o quanto
estava apaixonado por ela, e há quanto tempo. A felicidade de ambos estava
garantida!
***
Os olhos dela já não estavam mais tão opacos, e o sorriso que endereçou a
ele pareceu sincero. Zamir sentiu o alívio tomar-lhe.
— Sim, claro.
***
***
E com isso a conversa que deveria ter com ela foi novamente adiada.
***
Nesse caso ela deve estar procurando um local tranquilo para ficar, onde os
filhotes possam nascer sem problemas.
— Acredito que seja bem possível. Então, Arun, vamos? — Zamir ergueu-se
da mesa após tomar um pouco de café.
— Sim, vamos.
O amado estava certo quando disse que alguns dias separados podiam fazer-
lhes bem. Para ela haviam sido. Foram bons para que ela refletisse o quanto
sentia falta de Zamir e como seria triste para sua existência nunca tê-
Não daria mais poder ao pai, permitindo que ele lhe causasse maiores danos.
Decidira pensar em John Winter apenas como um homem com o qual
precisara conviver por um tempo, mas que agora se tornara parte do seu
passado. E quanto à Zamir, continuaria mantendo sua postura de esposa
dedicada. Era o que era! O amava, desejava seu amor, e não mais se
torturaria com o engano que cometera. A vida seguia, e ela faria o mesmo,
sem se apegar às fantasias que criara, mas traçando novos caminhos para o
coração de um certo indiano. E quando ele entrara na sala do dia anterior,
ainda agitado pela viagem, o coração dela transbordara, enchendo-se ainda
mais pelo esposo. E foi tão bom!
***
À tarde Lydia foi ter com a patroa.
— Temos?
— O que foi?
Largando o bordado que tinha nas mãos, e levando consigo o caderno com
seus escritos, que finalmente reencontrara, fez sinal para Margret para que
também seguisse Lydia. As três mulheres subiram até o quarto de Delilah.
— Acho que vou levá-la para meu quarto — Delilah começou a abaixar-se
para pegar a cadela.
— Sempre ouvi falar que não devemos trocar um animal do lugar quando
está dando cria. Pode comprometer os filhotes.
***
— Mas tinha que ser no meu quarto? — indagou Zamir, quando percebeu o
que estava acontecendo. Então arregalou ainda mais os olhos quando sua
atenção se deteve sobre o que era o leito de Estrela e seus filhotes
— São, sim.
— Quem diria que uma coisinha pequena como Estrela poderia ter tantos
filhotes?
— Eles podem ficar, Delilah. Faço tudo pela a esposa que amo.
Delilah piscou.
— Que faço tudo pela esposa que amo. Eu te amo, Delilah. — Ele sorriu. —
Não era assim que eu planejava me declarar a você.
— Repita!
— E eu amo você!
— Mostre-me.
E ela o beijou com todo o amor que sentia. E foi um longo beijo...
Provérbio hindu.
Capítulo 13
Ele riu e baixou seu rosto para que suas bocas se encontrassem.
Depois murmurou:
— Oh, Zamir...
— É verdade. Antes eu vivia apenas para meu trabalho, e agora eu sei que
existe muito mais. Eu quero tudo o que você puder me dar, eu quero tudo
junto com você.
— Tenha certeza que tudo o que mais quero no mundo é compartilhar minha
vida com você.
— Margret ama a Índia, e me contou muitas coisas sobre lá. Uma coisa
interessante que ela me disse é que é habitual pintarem a noiva
especialmente para seu casamento e colocar uma pintura numa parte do
corpo dela onde só o noivo pode ver...
— Hum... Não me diga que oculta em você está uma tatuagem só para meus
olhos.
Levando a esposa pela mão Zamir subiu as escadas, disposto a brincar com
Delilah em seu quarto, até que a exaustão os fizesse adormecer nos braços
um do outro.
***
Delilah circulou pela casa onde vivera nos últimos anos, procurando
apreender na memória seus pontos principais. Ela não voltaria para lá. A
construção em breve seria alugada para outra pessoa, já que Arun e Margret
tinham montado sua própria residência, há apenas alguns metros daquela,
levando vários dos criados que antes serviam a Zamir, inclusive a querida
Lydia.
Delilah passou os dedos por uma das paredes. Naquele local havia sido
muito feliz.
Por aqueles corredores Estrela, que havia se tornado uma estrelinha no céu
na primavera anterior, corria para fazer-lhe festa quando chegava da rua,
acompanhada por seus filhotes, que cresceram muito mais que o esperado
por todos.
Ela sorriu ao recordar-se de Zamir sendo derrubado por eles uma vez, e suas
gargalhadas diante da enxurrada de lambidas alegres que recebera.
Os animais ficariam todos com Arun, que era proprietário também de uma
casa de campo, e ficou satisfeito de levar os cachorros para um lugar onde
poderiam usufruir de bastante liberdade ao ar livre.
Ali, naquelas salas, ela e o marido receberam vários amigos que surgiram ao
longo do tempo, e foi na sala de estar da frente que comemorou com alegria
o noivado da velha amiga Dayse, agora casada, vivendo bem ao lado do
marido.
No quarto que dividia com o marido, depois que o quarto dele foi
definitivamente desativado e transformado num quarto de banhos, fortificara
seu casamento e gerara seu primeiro herdeiro.
Cyril havia nascido à noite, após algumas horas de esforço que valeram
muito a pena. Seu menino tinha os olhos e os cabelos de Zamir, era amoroso,
sorridente, e enchia seus pais de orgulho. Com o terço de Sarah preso em
suas mãos, ela agradeceu mais uma vez a maravilhosa dádiva recebida.
Por causa de Cyril haviam acabado por ficar em Londres mais tempo que o
previsto, mas agora era hora de retornar à Índia e só depois de algum tempo
pensariam quais novos rumos tomar, e quais locais iriam desbravar, juntos,
evidentemente.
O lugar não era tão importante quanto a companhia, e, portanto não havia
muito pesar em seu coração quando deu a mão ao filho, e o braço ao marido,
e deixou Londres para trás.
***
Delilah piscou, e deu uma volta, impressionada demais com tudo o que via,
aturdida e deslumbrada com toda a diferença que aquele lugar apresentava,
num contraste absurdo com Londres e sua austeridade acinzentada.
***
Oferecendo a mão à sua esposa, Zamir mais uma vez entrelaçou seus dedos.
¹ mehndi é a tintura conhecida por nós como henna. Não é definitiva, e sai
em aproximadamente dez dias, ou mais rápido, dependendo também do
contato com a água. É
Epílogo
Querida irmã:
Dessa vez escrevo cartas iguais tanto para você como para Barbarah.
É que o amor que sinto pelas duas é igual, e o desejo de lhes dar a mesma
notícia, ao mesmo tempo, também.
Gostaria de frisar também que diante dessa nova gravidez qualquer plano
de viagem para breve está descartada, e ficaremos por aqui ainda um bom
tempo. Posso, portanto, sonhar com sua visita.
Seria possível?
A mim agradaria muito receber você, Sarah, em meu lar, junto com seu
marido. Evidentemente, se as cartas que escrevi são iguais, estendi meu
convite também à Barbarah e o esposo.
Ele não segue os padrões aos quais estamos habituadas, mas garanto-lhe
que Zamir tem mais nobreza do que se ostentasse uma coroa.
Fim
O destino de Sarah: Sarah Winter sempre quis ser freira. Depois de ver a
mãe apaixonada sofrer na mão do pai indiferente, ela decidiu que jamais
seria esposa de alguém.
Cega em seu objetivo, ela nunca desejou um casamento, mesmo quando seu
coração encontrou o amor. O americano Hayden Hard Castle vai à Inglaterra
para tratar de negócios, quando tem a vida salva pela jovem Sarah por quem
ele se sente imensamente atraído. Quando John Winter decide leiloar as
filhas, tudo pode mudar na vida de Sarah e Hayden e a paixão que se revelou
como uma brisa fresca pode se tornar um amor em meio a mais fria das
tempestades.
Preocupado com o futuro de seus três filhos, decide dar um basta nas suas
vidas boas e lhes dá uma ordem: cada um teria que partir para o Oeste com
apenas dez dólares no bolso e quem conseguisse ser mais bem-sucedido, no
prazo de um ano, ficaria com a fábrica de cerveja. Os irmãos então partem
dispostos a vencer o desafio e viverem suas próprias aventuras.