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VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA e pro t"es-
. . o

1 sor Titular de Direito Constitucional e


teoria & direito público ~----
IDireitos Fundamentais na Faculdade de
IDireito da Universidade de São Paulo
•usP.
• É Mestre em Direito do Estado pela
•universidade de São Paulo, Doutor em
•Direito pela Universidade de Kiel, Ale-
•man~a, e Livre-Docent~ en: Direito •
•constitucional pela Umverstdade de
•são Paulo.
• É autor de vários trabalhos -artigos, DIREITOS FUNDAMENTAIS
•monografias e coletâneas- no Brasil e
•no Exterior, dentre os quais:
conteúdo essencial, restrições e eficácia
~ Grundrechte und gesetzgeberische
• Spielriiume, Baden-Baden 1
Il
••e
• (Alemanha), Nomos, 2003.

Pela Malheiros Editores publicou,



~

lanteriormente:
e A constitucionalização do direito
e (1 il ed., 4ª ti r., 2014 );
• Interpretação constitucional (Org.),
e (1 ª ed., 3ª ti r., 20 IO);
.. Sistemas eleitorais ( 1999);
: Teoria dos direitos fundamentais,
de Robert Alexy (tradução e notas,
: 3ª ed., 2014) .

••
Obras da Coleção* teoria & direito público - - - - ·
coleção dirigidn por
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA JEAN PAUL C. VEIGA DA RocHA

Faculdade de Direito Faculdade de Direito


da Universidade de São Paulo
da Universidilde de São Paulo
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
1. t RoBERT ALEXY- Teoria dos Direitos Fundnmentais •
2. WILSON STEINMETZ- A Vinculnção dos Particulares a Direitos
Fundamentais

3. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA (org.)- Interpretação Constitucional


4. A Constitucionalização do Direito
VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA-
DIREITOS FUNDAMENTAIS
s. MARCO AuRÉLIO SAMPAIO -A Medida Provisória no
Presidencialismo Brasileiro conteúdo essencial, restrições e eficácia
. 6. MARCOS NoBRE E RICARDO TERRA (orgs.)- Direito
e Democracia - Um Guia dl Leitura de Habermas
7. VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA- Direitos Fundamentais- Conteúdo 2ª edição, 3ª tiragem
Essencial, Restrições e Eficácia
DIREITOS FUNDAMENTAIS
conteúdo essencial, restriçües e eficácia
© VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA

/" ediçlio: 2009; 2" ediçüo, /" tirage111: 20/0; 2" ediç·clo. 2'' tiragc111: 201 f.

ISBN: Y78.X.:'dlJ2.003 I __,

Direitos reservados desta edi\·üo por


MALHEIROS hDITORl:S UVA.
Rua Paes de Anuíio. 2\!. ('()}littllto 171
CEI' 0453 1-\!40- Súo Paulo - Si'
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CottlfHJsiçrlr'
Acqua Estúdio Gráfico Ltda.

Capa
Criacüo: Vünia Lúcia Amato
Arte: PC Editorial Ltda.
À MMii>A,
conteúdo essencial e abso/lt{o
da minha vida.

"lch wollte Dir,


nur mal eben sagen,
Impresso no Brasil
Prinred in Bra::.il daf3 du das Grof3te für mie h bist."
OX.20 14 (Sportfrcunde Stiller)
SUMÁRIO

Agradecimentos .....................................~...................................... 15

CAPíTUJ.fJ 1- INTRonuç/io

I .1 Delimitação do tema ... . . .. . .. .. . .... .. . .. . .. .... .... . .. ... ....... . . ... .. ... .. ... . 21
1.1.1 Conteúdo essencial e con.1tituiçúo rigida .... .................. 23
/.1.2 Previsões constitucionais............................................... 25
1.1.3 Teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos funda-
nzentais ........................................................................... 26
1.3.1.1 Enfoques objetivo c subjetivo........................... 26
1.1.3.2 Conteúdo essencial absoluto e relativo.............. 27
1.1.3.3 Conteúdo essencial e objeto da pesquisa........... 27
1.2 Esclarecimento quase desnecessário..................................... 28
1.3 Método.................................................................................... 30
1.3.1 O papel da jurisprudência............................................. 32
/.3.2 O papel da doutrina....................................................... 34
1.3.3 Elaboração de modelos................................................. 37
/.3.4 O método analítico e a proteçüo dos direitos fundamen-
tais.................................................................................. 37
1.4 Desenvolvimento do trabalho ... .. . . . . ... ... ...... .. .... .......... ... ... ..... 38
1.5 Tese......................................................................................... 40

CAPÍTULO 2- PONTO DE PARTIDA: A TEORIA DOS PRINCÍPIOS


··A essência da essência é desconhecida."
2.1 Introdução.............................................................................. 43
(NIKLAS LUHMANN, Grundrec/zte a/s fnstitution.
Berlim, Duncker & Humblot, 1965). 2.2 A distinção entre regras e princípios..................................... 44

X lll RI li OS Jl I"IM~lE:\TAIS <"UNTE LIDO ESSI'I\:CIAL. RESTRIÇÜES E EFICACIA SUMÁRIO

2.2.1 Direitos definitivos e direitos prima facie ...................... 45 3.3.1. 1.4 Laurence Tribe e os dois caminhos da
2.2.2 Mandamentos de otimizaçclo ......................................... 46 liberdade de expressâo............... .... .. .. 92
2 ..? .3 Co n/li tos normativos...................................................... 47 3.3.2 Suporte fático amplo...................................................... 94
2.2.3.1 Conflitos entre regras......................................... 47 3.3.2.1 Ponto de partida: problemas do suporte fático
2.2.3.2 Colisão entre princípios..................................... 50 restrito............................................................... 95
2.2.3.3 Colisão entre regras e princípios....................... 51 3.3.2.1.1 Conservadorismo............................... 95
2.3 A crítica de Humberto Ávila.................................................. 56 3.3.2.1.2 Exclusão a priori de condutas............ 97
2.3.1 Ponderaçâo de regras.................................................... 56 3.3.2.1.3 Regulação ~restriçâo ......................... 100
2.3.2 O "peso·· das regras...................................................... 60 3.3.2.1.3.1 Análise de caso: direito de reunião e
2.3 .3 Conc/usâo .... . .. .... .. .. ... .. .. .. . .. . ... .. .. .. . .. .. .. . .. .... .. .. .. . . .. .. ... . .. . 62 ADI 1.969 ........................................ 101
3.3.2.1.3.2 Regulamentações restritivas ............ 102
CiPÍTUIJ) 3- 0 SUPORTE FÁTICO DOS DIRHTOS FUNDAMENTAIS
3.3.2.1.3.3 Restrições permitidas...................... I 04
3.3.2.2 Suporte fático amplo: características e conse-
3.1 Introdução.............................................................................. 65 qüências ............................................................. 108
3.2 Conceitos de suporte fático.................................................... 67 3.3.2.2.1 Características ................................... I 09
3.2 .I Elementos do conceito de suportefático ............ .... ...... . 69 3.3.2.2.2 Efeitos ................................................. 111
3.2 .2 Suporte fático, âmbitfJ de proteçâo e intervençâo ...... .. . 70 3.3.3 Análise de casos ............................................................. 113
3.2.2.1 Âmbito de proteção........................................... 72
3.3.3.1 Liberdade de imprensa (ADI/MC 2.566) .......... 114
3.2.2.2 Intervenção estatal............................................. 73
3.3.3.1.1 Suporte fático restrito ......................... 114
3.2.2.3 A composição do suporte fático......................... 73
3.3.3.1.2 Suporte fático amplo .......................... 116
3.2.3 Um modelo alternativo.................................................. 74
3.3.3.1.2.1 Suporte fático amplo e vedação de
3.2.4 Direitos a prestaçàes ..................................................... 76 censura............................................ I 16
3.2.4.1 Direitos sociais.................................................. 77 3.3.3.1.2.2 Suporte amplo e possibilidade de
3.2.4.2 Direitos a prestações em sentido amplo............ 78 restrição.......................................... I I 8
3.3 Suporte fático amplo e suporte fático restrito....................... 79 3.3.3.2 Sigilo bancário (MS 21.729) ............................. 119
3.3.! Suportefático restrito.................................................... 79 3.3.3.2.1 Suporte fático restrito ......................... 120
3.3. I. 1 A definição do conteúdo do suporte fático res- 3.3.3.2.2 Suporte fático amplo .......................... 121
trito.................................................................... 82
3.3.3.3 Análise de casos: conclusão ............................... 123
3.3 .1.1 .1 Interpretação histórico-sistemática ... 83
3.3.1.1.2 Âmbito da norma e especificidade
CAPÍTULO 4- RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS
(Friedrich Müller)............................. 86
3.3.1.1.3 A prioridade das liberdades básicas 4.1 Introdução.............................................................................. 126
(John Rawls)...................................... 89 4.2 As teorias externa e interna................................................... 127
lO DIRU ros FI !NDA\1F:-J IAIS <·oNTEl.!DO FSSENC!AL. RESTRI~'ÜI-.S E EFICACIA SUMÁRIO li

4.2.1 Teoria interna ................................................................ I28 4.4.6 Proporcionalidade, limites imanentes, restrições e regu-
4.2. I.I Limites imanentes .............................................. I30 lamentaç6es .................................................................... 180
4.2.I.2 Teoria institucional dos direitos fundamentais .. I33 4.4.7 Proporcionalidade e conteúdo essencial dos direitosfun-
dmnentais ....................................................................... 181
4.2 .2 Teoria externa ................................................................ 138
4.2.2. I Ponto de partida: a teoria dos princípios como
CAPÍTULO 5-0 CONTFÚDO ESSENCIAL DOS DIREITOS
teoria externa ..................................................... 139
FUNDAMENTAIS: TEORIAS E POSSIBILIDADES
4.2.2.I.I Restriç6es por meio de regras ............ 14I
5.1 Introdução ......................................•....................................... I83
4.2.2.I.2 Restrirôes baseadas em princípios .... 142
5.2 Ponto de partida: possíveis dimensões do problema ............. I85
4.2.2.2 Críticas à teoria externa ..................................... 143
5.2.1 Dimensâo objetiva ......................................................... 185
4.2.2.2.1 Contradiçüo lógica ............................ I44 • Dimensâo subjetiva ........................................................ 186
5.2.2
4.2.2.2.2 J!usâo desonesta ................................. 145
5.3 Conteúdo essencial absoluto.................................................. 187
4.2.2.2.3 Racionalidade .................................... 146
5.3.1 Conteúdo essencial absoluto-dinâmico ......................... I88
4.2.2.2.4 Segurança jurídica ............................. 148
5.3.2 Conteúdo essencial absoluto-estático ............................ 189
4.2.2. 2.5 Inflação judiciária.............................. 150
5.3.3 Conteúdo absoluto e dignidade ..................................... 191
4.2.2.2.6 Direitos irreais ................................... 153
5.4 Conteúdo essencial relativo ................................................... 196
4.2.3 Diferentes teorias e .'lt'llS efeitos ..................................... I 56 5.4. f Conteúdo essencial relativo e proporcionalidade ......... 197
4.2.4 Teoria externa c suporte fático ...................................... I 58 5.4.2 Conteúdo essencial relativo e dignidade ....................... 200
4.2.4. I Pieroth/Schlink .................................................. I 59 5.5 Sobre o caráter constitutivo ou declaratório das previsões
4.2.4.2 Jurisprudência: o caso Osho .............................. 162 constitucionais . .. .. ... ... .. .. . . ... ... .. . . .. .. .. ........ .. . ..... ....... . . .. .. ....... .. 202
4.3 Limites imanentes, direitos prima fade e sopesamento. .. .. .. 164 5.6 Direitos sociais, conteúdo essencial e mínimo existencial ... 204
4.3. f Canotilho e os limites imanentes................................... 166 5.7 Resultado ................................................................................ 206
4.4 A regra da proporcionalidade................................................ 167 5.8 Desenvolvimento .................................................................... 207
4.4. f Questôes terminológicas: princípio, máxima, regra
ou postulado ................................................................... 168 CAPÍTULO 6- EFICÁCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
4.4.2 Adequaçüo ..................................................................... 169 6.1 Introdução .............................................................................. 208
4.4.3 Necessidade ................................................................... 170 6.2 Aplicabilidade e eficácia . .. .. ... .. . .. . ... . .. ...... .. ... .. .. ..... .. .. . .......... . 21 O
4.4.3. I Necessidade e grau de eficiência....................... 173 6.3 Eficácia das normas constitucionais segundo José Afonso
4.4.4 Proporcionalidade cnz sentido estrito............................ 174 daSilva ................................................................................... 21I
4.4.4.1 Proporcionalidade em sentido estrito e subjetivi- 6.3.1 Normas de eficácia plena ............................................... 2I2
dade .................................................................... I77 6.3.2 Normas de eficácia contida ........................................... 213
4.4.5 Regra da proporcionalidade e sopesamento ................. 178 6.3.3 Normas de eficácia limitada .......................................... 214
12 DIREI ros FUNDAMENTAIS: CONTEÚDO ESSENCIAL, RES IRI('ÜES E HIC'ACIA SliMÁRIO 13

6.4 Classificações alternativas ..................................................... 215 CAPÍTULO 7- CONCLUSÃO


6.4. 1 Maria Helena Diniz e Pinto Ferreira ............................ 216 7.1 Introdução .............................................................................. 252
6.4.2 Celso Bastos e Carlos Ayres Britto ................................ 218 7.2 Restrições aos direitos fundamentais ............................ ....... 252
6.5 Os problemas do critério tríplice de José Afonso da Silva ... 218 7.3 Proteção aos direitos fundamentais ...................................... 253
6.5. 1 Problemas relativos às normas de eficácia contida ....... 219 7.4 Eficácia das normas constitucionais ..................................... 254
6.5.1.1 O problema terminológico ................................. 219
6.5.1.2 O problema classificatório ................................. 221 BIBLIOGRAFIA CITADA .................................................................... 257
6.5. I .3 O problema existencial ...................................... 223 •
6.6 A class~ficação de José Afonso da Silva e os limites imanentes .. 224 CASOS CITADOS ............................................................................... 273
6.6.1 Liberdades públicas como normas não-restringíveis .... 225 ÍNDICH ALFABÉTICO REMISSIVO ...................................................... 277
6.6.2 Liberdades públicas como normas não-regulamentáveis .. 227
6.7 Eficácia e efetividade ............................................................. 228
6.7.1 "Capacidade de produzir efeitos jurídicos" ................. 229
6. 7.2 Liberdades públicas, direitos políticos e direitos sociais:
dependência da ação estatal .......................................... 231
6.7.2.1 Exemplo 1: d~eito ao sufrágio e direito à saúde .. 232
6.7.2.2 Exemplo 2: liberdades públicas e direitos sociais .. 234
6.7.2.3 Normas de eficácia plena e de eficácia limitada:
conclusão ........................................................... 238
6.7.2.4 As dimensões da dogmática e a contraposição
entre eficácia e efetividade ................................ 238
6.7.3 Digressâo sobre a efetividade e justiciabilidade dos di-
reitos sociais .................................................................. 240
6.7.3.1 O custo dos direitos, ou por que a efetividade
das normas de direitos sociais é mais baixa ...... 241
6.7.3.2 Justiciabilidade .................................................. 242
6.8 Teoria externa, suporte fático amplo e eficácia dos direitos
fundanzentais .......................................................................... 244
6.9 Conclusão: eficácia e garantia dos direitos fundamentais ... 246
6.9.1 Normas de eficácia plena ............................................... 247
6.9.2 Normas de eficácia contida ........................................... 249
6.9.3 Normas de eficácia limitada .......................................... 249
AGRADECIMENTOS


É comum que se pense que enfrentar um concurso para a titulari-
dade 6 algo que só pode ser feito em total isolação, segredo e em clima
de desconfiança, dadas as situações especiais de concorrência. Embo-
ra fazer uma tese seja, sempre, um trabalho também solitário, isso não
implica necessariamente silêncio, segredo e desconfiança. O presente
trabalho nada mais é que a continuação de uma linha de pesquisa, de
um trabalho que vem sendo desenvolvido ao longo do tempo. Nunca
houve nada de secreto nela, e a linha de pesquisa na qual se insere é
pública e foi aprovada em reunião do Departamento de Direito de Esta-
do e no Conselho Técnico-Administrativo da Universidade de São Pau-
lo. Não é, portanto, a despeito da necessária originalidade, um traba-
lho "inventado" para um concurso isolado, mas algo que vem sendo
pensado e discutido há muito tempo. Nesse sentido, muitas foram as
pessoas e instituições que, ao longo desses anos, contribuíram para o
aperfeiçoamento de minhas idéias. A algumas delas cu gostaria de agra-
decer nominalmente.
Ao professor Dr. Robert Alexy mais uma vez agradeço não somen-
te os ensinamentos durante a elaboração da minha tese de Doutorado na
Universidade de Kiel, feita sob sua orientação, que foram fundamentais
também para o meu desenvolvimento intelectual subseqüente, como.
além disso, a disposição para o diálogo - pessoalmente ou à distância
-durante a elaboração desta tese de titularidade, com relação à qual não
tinha qualquer obrigação formal.
Também mais uma vez tenho que agradecer ao Instituto Max
Planck ele Direito Público Comparado e Direito Internacional Público.
em Heidelberg/ Alemanha, especialmente ao seu diretor, professor Dr.
Armin von Bogdandy. Foi nesse Instituto, graças a uma bolsa a mim
Ih DIREITOS FliNDAMENTAIS: CONTÜIDO ESSENCIAL, KESTRI<J!ES L ITICACIA AGRADECIMENTOS 17

concedida pela Sociedade Max Planck, que pude cone! ui r, em julho A Odete Medauar agradeço o apoio incondicional c a coragem que
ele 2005, a pesquisa realizada para a elaboração deste trabalho. sempre demonstrou nas lutas mais difíceis na Faculdade de Direito da
Agradeço também à FAPESP- Fundação de Amparo à Pesquisa USP. E a Irany Novah Moraes (in memorianz) agradeço a atenção, os
do Estado ele São Paulo, instituição que sempre me apoiou e que cus- conselhos, a paciência e até mesmo os cochilos, que fizeram com que
teou parte das despesas da viagem a Heidelberg. a cada concurso- desde o meu processo seletivo de ingresso na carrei-
ra acadêmica da USP- eu tentasse me aperfeiçoar cada vez mais. Sem
Muitas forailJ as pessoas- professores, alunos, amigos- que me
tudo isso, eu, com certeza, teria ficado no meio do caminho.
incentivaram a escrever este trabalho - que há muito já vinha sendo
pensado - para participar do concurso ao cargo de Professor Titular Mais uma vez gostaria de repetir o agradecimento aos juristas da
na,Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A todos eles nova geração, que se esforçam em clem<;mstrar - com cada vez mais
tenho que agradecer a solidificação de algumas crenças que eu mesmo sucesso - que é possível e frutífero dedicar-se exclusivamente à do-
já possuía mas que, sem essas pessoas, talvez não fossem fortes o su- cência e à pesquisa.
ficiente para me motivar ainda mais. A principal delas é a certeza de que Aosmeus alunos na Faculdade ele Direito da USP, especialmente
a participação em um concurso acadêmico não pode ter relação direta nos cursos ele Direitos Fundamentais e Liberdades Públicas, tenho que
com antigüidade, mas apenas com mérito e dedicação à pesquisa. agradecer o espírito sempre crítico e a não-satisfação com a "opinião
Aos membros da Banca Examinadora do mencionado concurso ela cátedra". Ao incentivá-los à discordância, recebo em troca, muitas
-Luís Roberto Barroso, Clemerson Merlin Cleve, Ricardo Lobo Tor- vezes, um questionamento de meus próprios pontos ele partida, o que
res, Vicente Greco Filho e Maria Sylvia Zanella Di Pietro- agradeço me leva a sempre refletir sobre eles e nunca me acomodar. Muitas
não apenas a aprovação e, em alguns casos, a indicação de meu nome "correções de rumo" em minhas idéias surgiram ele perguntas ele alu-
· para o provimento do cargo ele ~rofessor Titular de Direito Constitu- nos em sala-de-aula.
cional ela Faculdade de Direito ela USP, mas também a oportunidade O mesmo agradecimento vale também aos meus monitores e aos
que me proporcionaram, cada um a seu modo, de defender meus pon- meus orientandos, que desde cedo- e semanalmente- são incentivados
tos ele vista não apenas sobre este trabalho, mas também sobre minha à discordância. Eu gostaria ele agradecer nominalmente a Thomaz Hen-
linha de pesquisa e minha concepção de carreira acadêmica. rique Pereira e a Paulo Macedo Garcia Neto em razão ele seu interesse
Aos amigos e leitores críticos ele sempre, Marco Aurélio Sampaio, e ela atenta leitura que fizeram deste trabalho. Uma leitura atenta tam-
Jean Paul Rocha, Otavio Yazbek e Diogo R. Coutinho, agradeço a bém foi feita por Gustavo Dantas Ferraz, a quem também agradeço.
leitura e os comentários críticos à versão final deste trabalho. A eles c Às funcionárias e aos funcionários das bibliotecas da Faculdade
a Conraclo H. Mendes, Luís Renato Vedovato e Guilherme Leite Gon- de Direito da Universidade de São Paulo agradeço a disponibiliclacle, a
çalves agradeço também o incentivo, as críticas, as sugestões e, sobre- prontidão e o empenho ele sempre. Uma universidade sem uma boa bi-
tudo, a presença e o auxílio sempre que foram necessários nos últimos blioteca e bons bibliotecários não é uma boa universidade.
anos. A Álvaro Malheiros e a todos na Malheiros Editores agradeço não
Aos amigos da chamada Kieler Bande- Martin Borowski, Mat- somente a paciência que sempre tiveram com meus constantes atra-
thias Klatt, Rodolfo Arango, Peng-Hsiang Wang, Hidehiko Adachi, sos e pedidos, mas sobretudo o apoio que vem desde a publicação
Carlos Bernal Pulido, Alfonso García Figueroa, Carsten Backer, Nils ele minha dissertação ele Mestrado e que culminou com a aceitação em
Teifke e todos os outros-, que sem dúvida constituem, já constituíam patrocinar uma coleção como a teoria & direito público, a despeito ele
ou irão constituir uma importante parte ela comunidade acadêmica todos os riscos que seu caráter pouco comercial implica.
internacionaL fica o agradecimento pelas conversas sempre instigan- Aos amigos Murilo Celebrone, Alexandre Suguimoto, Cassius
tes e o constante apoio mútuo. Es lebe die Kieler Bande! Medauar, Andres Lustwerk Santos e Gustav Lustwerk Santos agrade-
DIRU !OS FliNDi\'V!ENTAIS: CONTEliDO ESSENCIAL, RESTRIC;ÕES E EFICÁCIA AGRADECIMENTOS I 'J
IX

ço a amizade de longa data e o fato de não terem qualquer relação À minha família, que me acompanha nos diversos passos da mi-
com a área jurídica. É sempre bom continuar a poder sair com os ami- nha carreira acadêmica, agradeço o apoio e o incentivo que nunca
gos e falar sobre qualquer outra coisa, menos sobre Direito, teses e faltaram. Sem ela, nada teria sido possível. Os momentos ele ansieda-
concursos. de, nervosismo e apreensão valeram a pena.
A Lennon, McCartney, Harrison e Starr, a Jagger, Richards, Wy- À Magda, por fim. porque nenhum agradecimento seria suficiente,
man e Watts, a Page, Plant, Jones e Sonham, a Joey, Johnny, Dee Dee dedico todo este trabalho. Desde os invernos cinzas, gelados e chu-
e Tommy c a todos os outros que me acompanham desde a infância vosos ele Kiel. onde nos conhecemos, até os verões ensolarados, quen-
agradeço as horas intermináveis de muita música. O mesmo vale para tes e ainda mais chuvosos de São Paulo, é alguém que sempre me
apoiou, a despeito de todas as privaçõe~ que uma carreira acadêmica
~ingus, Miles, Coltrane e outros. descobertos um pouco mais tarde.
e, sobretudo, a elaboração de teses sempre significam. Abrir mão de
Embora não exista melhor forma de liberar as tensões que antecedem
todas as oportunidades que a Alemanha poderia lhe proporcionar, para
a um concurso do que ouvir Wart Hog (Ramones), Holidays in the Sun
começar.uma vida nova no Brasil, demonstra, por fim, que sopesar e
(Sex Pistols) ou Helter Skelter (Beatles) no volume máximo, a elabo-
decidir o que é essencial é algo inafastável em nossas vielas.
ração deste trabalho ocorreu, em seus momentos decisivos, ao som de
algo mais suave e quase minimalista: Afina, do estoniano Arvo Part.
Em todos os casos, porém, é possível acompanhar Sancho Panza e São Paulo, verão de 2008
afirmar: "Donde hay música no puecle haber cosa mala" (Miguel ele VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA
Cervantcs, Don Quijote de la Mancha, II, XXXIV).
O espírito crítico e o prazer por novas descobertas são, na minha
opinião. dois elementos essendais de todo trabalho acadêmico. A Qui-
no, Bill Watterson, Goscinny, Uderzo, Sempé, Hergé, Morris, Will
Eisner, Laerte, Angeli e Fernando Gonsales, a Júlio Veme, Mark Twain,
João Carlos Marinho, Robert Louis Stevenson, Jack Lonclon, Ferenc
Molnár. Arthur Conan Doyle, Herman Melville e Alexandre Dumas
agradeço mais horas intermináveis, desta vez de muita contestação,
prazer, aventuras e descobertas. Enfrentar os problemas e as bibliogra-
fias mais complexas que o trabalho acadêmico exige só foi -e conti-
nuará sendo- possível graças à sólida "base teórica" que esses autores
me proporcionaram. E isso não teria sido possível sem o incentivo à
leitura desde cedo e sem as maravilhosas visitas com meu pai à Livra-
ria Brasiliensc ela rua Barão ele Itapetininga, nas manhãs de sábado.
À comunidade Linux e àqueles que apóiam o software livre agra-
deço mais uma vez o apoio e, mais que isso, a luta incansável para
oferecer alternativas a programas de computador ele empresas mono-
polistas. Trabalhar com programas gratuitos e, sobretudo, estáveis,
como o sistema operacional Linux e programas como o OpenO.ffice c
o Mozi/la, continua economizando tempo e momentos de mau humor.
Capítulo I
INTRODUÇÃO

f. f Delimitacclo do tema: f. f. f Conteúdo essencial e constituiçiio
rígida - f. f .2 l'rn·isiJes constitucionais- /.f .3 Teorias sobre o um-
• le!Ído essencial dos direitos jioulamentais: 1.1.3. f Enj()(jUes objetivo
e subjetivo -- f. f .3.2 Conteúdo essencial ahsoluto e relativo- f ./.3.3
Conteúdo essencial e ohjeto da pesquisa. /.2 Esclarecimento quase
de.mecessârio. 1.3 A1étodo: /.3.1 O papel da jurisprudência - f .3.2
O papel da doutrina - 1.3.3 Elahoraçüo de modelos- 1.3.4 O método
analítico e a protecüo dos direitos fundamentais. f .4 Desenvolvimen-
to do trabalho. f .5 Tese.

1.1 Delimitação do tema


A idéia de que os direitos fundamentais têm um conteúdo essen-
cial é algo que vem sendo sustentado pela doutrina e pela jurisprudên-
cia brasileiras com freqüência cada vez maior. Em um dos casos mais
polêmicos na jurisprudência do STf~ o chamado "caso Ellwanger",
decidido em 2003, o Min. Celso de Mello fez menção a essa idéia nos
seguintes termos: "Entendo que a superação dos antagonismos exis-
tentes entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pe-
lo STF, de critérios que lhe permitam ponderar e avaliar, hic et nunc,
em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica
concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a
situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, a utilização do
método da ponderação de bens e interesses não importe em esvazia-
mento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, tal como ad-
verte o magistério da doutrina''. 1

I. RTJ 188/858 (912) (sem grifos no original). Referências idênticas podem ser
encontradas em: lnq. 1.957 c MS 24.369.
DIREITOS 1Ti'<DAMI:0/TAIS: CONTE(JDO ESSENCIAL, RESTRI<,'(JFS L EFICACI.\ 11\:TRODl ;ç Ao 23

Em decisão ainda mais recente. o Min. Gilmar Mendes, ao tratar essencial [que] traduz o "limite dos limites'. ao demarcar um reduto
do embate entre a individualização da pena, garantida pelo disposto inexpugnável, protegido de qualquer espécie de restrição". 7 No âmbi-
no art. 5". XLVI, da constituição, e a previsão do art. 2". ~ 1°, da Lei to do chamado "mínimo existencial" a referência obrigatória é sempre
8.072/1990, que exige que os condenados pelos crimes chamados aos trabalhos de Ricardo Lobo Torres, que defende ser esse o conteú-
"hediondos" cumpram toda a pena em regime fechado, afirmou: ··o do dos direitos sociais. 8 Mas trabalhos mais extensos sobre a questão
núcleo essencial desse direito, [à individualizaçiio da pena] em rela- são quase inexistentes. 9
ção aos crimes hediondos, resta completamente afetado. Na espécie, é Que direitos, em geral, contenham um conteúdo mínimo pode ser
certo que a forma eleita pelo legislador elimina toda e qualquer possi- algo intuitivo, que decorre da própria noção de que, sem a garantia
bilidade de progressão de regime e, por conseguinte. transforma a desse mínimo, a garantia do próprio dw·eito seria de pouca valia. Na
itféia de individualização enquanto aplicação da pena em razão de forma como utilizada pelo Min. Celso de Mello. o recurso a um supos-
situações concretas em maculatura". 2 to conteúdo mínimo dos direitos fundamentais parece decorrer desse
Mesmo quando o STF não fala, expressamente, em '"conteúdo pensamento. Mas há questões extremamente complexas, ligadas a essa
essencial" ou "núcleo essencial", a idéia é utilizada em um sem-núme- idéia simples, que não podem passar despercebidas nem pela doutri-
ro de julgados, quando alguns votos ressaltam, por exemplo. que "na na, nem pela jurisprudência. O objetivo deste trabalho é analisar essas
ponderação de valores contrapostos, ( ... ) a restrição imposta nunca questões.
pode chegar à inviahilização de um deles"; 3 ou que "( ... ) a garantia
constitucional da ampla defesa tem, por força direta da Constituição,
1.1. I Conteúdo essencial e constituição r(r;ida
um conteúdo mínimo essencial, que independe da interpretação da lei
ordinária que a discipline"; 4 ou Ruando se fala em um direito a um "mí- É importante ressaltar que a existência de um conteúdo essencial
nimo existencial". 5 • dos direitos fundamentais, o qual deve ser respeitado pelo legislador.
Também na doutrina o recurso ao conceito de "conteúdo essen- não é contra-senso algum, ao contrário do que afirmava Mortati, se-
cial dos direitos fundamentais" não é desconhecido. Já há algum tem-
po Carlos Ari Sundfeld fazia menção ao "princípio da mínima inter- 7. Daniel Sarmento, A ponderaçüo de interesses na Constillliç-üo Federal. Rio
venção estatal na vida privada", que exigiria, entre outras coisas. que a de Janeiro: Lumen Juris. 2000. p. 111. Cf. também Daniel Sarmento. "'Os princípios
interferência estatal não atingisse "o conteúdo essencial de algum di- constitucionais e a ponderação de bens'", in Ricardo Lobo Torres (org.). Teoria dos
reito fundamental". 6 Mais recentemente, Daniel Sarmento, tratando de direitosfundamentais, 2" ed., Rio de Janeiro: Renovar, 200 I, p. 60.
X. Ricardo Lobo Torres, "Fundamentação, conteúdo e contexto dos direitos sociais:
tema conexo ao do presente trabalho, manifestou-se sobre a existência a metamorfose dos direitos sociais em mínimo existencial'", in Ingo Wolfgang Sarlet
de um conteúdo mínimo dos direitos fundamentais, de um ··núcleo (org.). Direitos fundamentais sociais, Rio de Janeiro: Renovar. 2003. pp. li e ss.
9. Hü algumas poucas exceções, como a monografia de Cláudia Pcrotto Biagi. A
~arantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais !!li jurisprudência ronstitu-
2. HC 84.862 (sem grifos no original), j. 15.4.2005. Cf. também HC 82.959 cional brasileira, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2005. Al~rn disso. há alguns
(D.!U 4.10.2005) e HC 85.687 (DJU 5.8.2005) e MS 24.045 (DJU 5.8.2005- voto artigos, em geral bastante resumidos, como os de Ana Maria D' A vila Lopes, "'A ga-
Min. Joaquim Barbosa). rantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais"', Revista de lnformaçiio Legis-
3. ADI 1.969- Ememário STF 2. 142. 282 (319)- voto Min. Sepúlveda Pertence. latim 164 (2004): 7-15 e Sandro Nahmias Melo, "A garantia do conteúdo essencial
4. RE 427.339 (DJU 27.5.2005). Cf. também RE 431121 (DJU 2X 10.2004). dos direitos fundamentais". Revista de Direito Constitucional e /ntemaciona/43 (2003):
RE 345.580 (IJJU 17.8.2004), RE 266.397 (RTJ 190, 724[7271) c RE 255.397 (D.Il! X2-97. Além dos trabalhos citados nas notas anteriores. é possível encontrar menções
7 5.2004 ). ao conceito de conteúdo essencial, por exemplo, em: Wilson Steinmetz. Co!isüo de di-
5. ADPF 45 (DJU 4.5.2004) reitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, Porto Alegre: Livraria do Advo-
6. Carlos Ari Sundfeld, Direito administrativo ordenador, I" cd .. 3·• ti r.. São gado, 200 I. pp. 160 e ss.; Ana Paula de Barcellos, Ponderaçüo, racionalidade e ativi-
Paulo: Malheiros Editores. 2003, pp. 67 e ss. dade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. pp. 139 e ss.
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gundo o qual: '"( ... )proclamar a inviolabilidade lde um conteúdo es- /.1.2 Prc1·isrks constitucionais
sencial dos direitos jitndmnentaisJ em face da lei ordinária não faz Ao contrário do que ocotTC com a constituição brasileira, que não
sentido. jü que a Constituição. por sua própria natureza. é intangível disciplina a possibilidade de restrições e regulamentações a direitos fun-
pelo legislador ordinário". 10 damentais. hú no direito estrangeiro uma grande quantidade de exemplos
No mesmo sentido de Mortati vai o pensamento de Gilmar Fer- de constituições que, além de se referirem expressamente a possibili-
reira Mendes. ~cgundo o qual prever um conteúdo essencial dos di- dades de restrições nesse âmbito, também prevêem, de forma expressa.
reitos fundamentais. nos moldes das constituições alemã e portugue- uma neccssúria garantia a um conteúdo essencial dos direitos fundamen-
sa, seria ''preocupação exagerada do constituinte, pois é fácil ver que tais. A primeira constituição a conter um dispositivo nesse sentido foi a
a. proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais deriva da constituição alemã. cujo art. 19. 2 dispõe: "Em nenhum caso pode um
supremacia da Constituição c do significado dos direitos fundamen- direito fundamental ser afetado em seu conteúdo essencial".
tais na estrutura constitucional dos países dotados de Constituições A constituição portuguesa, em vários aspectos fortemente influen-
rígidas". 11 ciada pêla constituição alemã, dispõe, em seu art. 18º, 3, que: "As leis
restritivas de direitos. liberdades e garantias têm de revestir caráter geral
Ora, quando as constituições alemã c portuguesa, entre outras, 12
e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão
expressamente declaram a proteção de um conteúdo essencial dos di-
e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais".
reitos fundamentais. não estão elas. nesses dispositivos, fazendo refe-
rências a possíveis reformas constitucionais que possam alterar a con- Também a Constituição da Espanha, em seu art. 53, I, traz dispo-
sitivo muito semelhante. nos seguintes termos: "Os direitos e liberda-
figuração desses direitos. Em geral, essa é tarefa de dispositivo diverso,
des( ... ) vinculam todos os poderes públicos. Somente por lei, que, em
que garante as chamadas "cláusulas pétreas". 13
qualquer caso. deverá respeitar seu conteúdo essencial, poderá ser
A declaração de um contJúdo essencial destina-se, sim, ao legis- regulado o exercício ele tais direitos e liberdades( ... )".
lador ordinário, pois é esse que, em sua tarefa de concretizador dos A influência constitucional alemã ocorreu, no entanto, com ainda
direitos fundamentais, deve atentar àquilo que a constituição chama maior intensidade no período de redemocratização do Leste Europeu.
de "conteúdo essencial". É essa acepção do conceito de conteúdo es- Quase todas as constituições elo antigo bloco socialista, e também suas
sencial. c não outra, que constitui o objeto deste trabalho. 14 instituições, foram fortemente marcadas, por diversas razões, pela ex-
periência constitucional alemã. Diante disso, não é difícil encontrar em
várias das constituições desses países dispositivos sobre o chamado
I O. Costatino Mortati. /stitu:oni di diritto pubhlicn. voi. !L 8·' cd .. Paclova: Ce- "conteúdo essencial dos direitos fundamentais", como é o caso, por
dam. 1969. p. 1127. nota I.
11. Gilmar rerreira Mendes. Direitosjiuulwnentais c controle de constituciona-
exemplo, da constituição polonesa, que, em seu art. 31, 3, dispõe:
lidade. 2·' ed .. S<io Paulo: Celso Bastos Editor. 1999. p. 39. ··Qualquer limitação ao exercício de uma liberdade ou de um direito
12. Cf.. abaixo (tópico 1.1.2). alguns outros exemplos de constituições com constitucional poderá ser instituída somente por lei e somente quando
mcn..;ões expressas it proteçüo do conleúdo essencial elos direitos fundamentais. necessária ao Estado Democrático para a proteção de sua segurança ou
13. Na Constituição alemã. d. art 79, 3: ''É vedada qualquer emenda a essa
da ordem pública. ou para proteger o meio ambiente, a saúde, a moral
Constituição que afete( ... ) os princípi<JS consagrados nos arts. l'' c 20". Na Constitui-
ção portuguesa. cf. art. 288: "As leis de revisão constitucional terão ele respeitar: ( ... ) pública ou as liberdades e os direitos de outras pessoas. Tais limitaçàes
d) os direitos. liberdades e garantias Jos cidadãos". No sentido defendido aqui. cf. nlio poderâo violar a essência das liberdades e dos direitos". 15
Horst Oreier. "Artikel 19. li". in Horst Dreier (org.). Grundgeset::_: Kommentar. vol.
L Tübingen: Mo h r. 1996. p. l OX4.
14. O STE no entanto. em casos em que estão em jogo as chamadas cláusulas 15. Para outras constituic;ôes do antigo bloco socialista do Leste Europeu que
pétrcas. faz uso também da expressão "núcleo essencial". Cf.. por exemplo, ADI 2.024 contêm dispositivos semelhantes, cf., por exemplo, as Constituições ela Estônia (art.
(RT! 17fl. I(J() l16hj) li). da llungria (art. X. 2). da Romênia (art. 53. 2) e ela Eslováquia (art. 13. 4).
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Por flm, e a despeito dos fortes abalos que sofreu com sua rejei- desse direito para a viela social como um todo. 19 Proteger o conteúdo
ção parcial, via plebiscito, na França e na Holanda, também o projeto essencial de um direito fundamental, nesse sentido, significa proibir
de constituição européia tem dispositivo no mesmo sentido. Seu art. restrições ü eficácia desse direito que o tornem sem significado para
112 16 dispõe: ''Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberda- todos os indivíduos ou para boa parte deles. Como se percebe. esse
des reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei c res- enfoque assemelha-se muito à própria idéia de clâusula!>~J!_!ftreas, já
peitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades". mencionadas anteriormente. 20 A partir de um enfoqu'd sul~jetivo, a ga-
Essa preoct~pação dos legisladores constituintes com um conteú- rantia elo conteúdo essencial de um direito fundamental não tem rela-
do essencial dos direitos fundamentais é normal sobretudo - mas não ção com o valor e a extensão desse direito para o todo social: em cada
exclusivamente -em constituições promulgadas após períodos auto- situação individual deveria haver. segundo esse enfoque, um controle
ritários ou totalitários, como é o caso de todas as constituições aqui para se saber se o conteúdo essencial f~i. ou não, afetado.
mencionadas (com exceção, claro, da constituição européia). Mas
mais importante que reconhecer esse fenômeno constituinte é exami-
nar qual é seu signiflcado para a dogmática dos direitos fundamentais. 1.1.3.2 'Conteúdo essencial absoluto e relativo
Esse é, como já delineado acima, 17 o objeto deste trabalho, c a questão
da previsão expressa acerca elo respeito ao conteúdo essencial elos Além da diferença de enfoques esclarecida brevemente acima, há
direitos fundamentais será ainda analisada em tópico específlco, no duas formas principais ele se determinar o conteúdo essencial dos direi-
capítulo 5. 18 tos fundamentais. Uma primeira forma, talvez até mais intuitiva, de-
fende que cada direito fundamental tem um conteúdo essencial abso-
luto. Isso signiflca que no âmbito de proteção do direito em questão
1.1.3 Teorias sobre o conteúdo essencial eleve existir um núcleo, cujos limites externos formariam uma barrei-
dos direitos fundamentm1· ra intransponível, independentemente da situação e dos interesses que
eventualmente possa haver em sua restrição
O debate sobre o chamado "conteúdo essencial dos direitos fun-
damentais" é marcado por duas grandes dicotomias. A primeira delas Já as teorias relativas rejeitam essa possibilidade e sustentam
é aquela entre o enfoque objetivo e o en/oque suhjetii'O para o proble- que a definição elo que é essencial- e. portanto, a ser protegido- de-
ma. A segunda é aquela entre uma teoria uhsolutu e uma teoria re- pende das condições fáticas e elas colisões entre diversos direitos e
lativa do conteúdo essencial. Como primeira aproximação, c como interesses no caso concreto. Como conseqüência, o conteúdo essen-
forma de fixar alguns conceitos, abordo cada uma delas nos tópicos cial de um direito não será sempre o mesmo e irá variar de situação
seguintes. A elas voltarei com mais detalhes no Capítulo 5. para situação, dependendo das circunstâncias e dos direitos em jogo
em cada caso.

l. 1.3.1 Enfoques objetivo e subjetivo


1.1.3.3 Conteúdo essencial e ohjeto da pesquisa
Se se parte de um enfoque apenas objetivo, o conteúdo essencial
de um direito fundamental deve ser deflnido a partir elo signil1caclo Expostas as principais teorias e possíveis enfoques sobre o objeto
desta pesquisa, é necessário fazer alguns outros esclarecimentos, que
16. O art. 112 do Projeto de Constituição Européia corresponde ao art. 52 da
Carta dos Direitos Fundamentais da Uníüo Eurof>éía. 19. Cf., nesse sentido, Konrad Hesse, (;mnd::.iige des \lerfassungsreclzts der
I 7. C f. tópico I. I. Bundesrepublik Deutsclzland, 19" ed., Heidelberg: C. F. Müller, 1993, ~ 334, p. 141.
18. Cf. tópico 5.5. 20. Cf. tópico LI. I.
INTRODUÇÃO 2'!
2X DIRErTOS FI :;-;rJA\1FI\TAIS CONTELJDO ESSENCIAL, RESTRIÇ'ÕES E EFICÁCIA

ficarão ainda mais precisos adiante, quando da exposição da tese aqui de uma teoria que cria as condições para que aqueles que vêm depois
defendida, 21 possam desenvolvê-la ainda mais, ~~estioná-la ou tentar superá-la.
Este não é um trabalho no qual se pretende simplesmente fazer Para usar uma expressão famosa, utilizada por Isaac Newton, poder-
uma análise de teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos funda- se-ia dizer que enxergar mais longe só é possível quando se pode es-
mentais para, ao final, decidir qual delas é a melhoc lsso seria um tanto tar !lOS ombros de gigantes. 23
quanto empobrecedor. Quando se define parte do objeto deste trabalho Contemporaneamente, talvez o exemplo mais acabado do que
como '·o conte!Jdo essencial dos direitos fundamentais", quer-se fazer Newton queria dizer possa ser encontrado na relação entre ~, ~"· ~·
referência a um fenômeno complexo, que envolve uma série de pro- Hart e Ronald Dworkin. Dworkin, ao construir parte de sua dtstmçao
blemas inter-relacionados. Esses problemas, que compõem o objeto entre regras, princípios e políticas, usa ~orno alvo a ser combatido o
~rincipal do trabalho, são: (a) a definição daquilo que é protegido pe- positivismo jurídico. Seu objetivo declar~do era, assim, "um, ataque
las normas de direitos fundamentais; (b) a relação entre o que é pro- geral ao positivismo" e, quando necessáno, um ataque especifico ao
tegido e suas possíveis restrições; e (c) a fundamentação tanto do que positivismo hartiano. 24 Dworkin, curiosamente o sucessor do ~róprio
é protegido como de suas restrições. É da relação dessas variáveis~ e Hart em sua cátedra na Universidade de Oxford, não negava a Impor-
de todos os problemas que as cercam ~ que se define, na visão deste tância da obra e das teses de Hart no debate jurídico do século XX. Ao
trabalho. o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, 22 Uma outra contrário, quando se propõe a examinar a solidez do positivismo jurí-
parte do objeto deste trabalho, definida no subtítulo como "eficácia dico, Dworkin concentra-se naquilo que chama de "forma poderosa''
l dos direitos fundamentais]", pretende relacionar as conclusões da com que Hart desenvolveu tal teoria elo direito. 25 E. ao justificar tal
análise do conteúdo essencial dos direitos fundamentais com teorias e escolha, Dworkin afirma: "Escolhi concentrar-me em sua posição não
classificações acerca da produção de efeitos das normas que garantem somente por causa de sua clareza e elegância, mas também porque
esses direitos. Uma exposição ~ais detalhada do desenvolvimento de aqui, como em qualquer outro caso na filosofia do direito, o pens~­
todo o trabalho será feita no tópico 1.4 ("Desenvolvimento do traba- mento construtivo tem necessariamente que começar com uma cons1-
lho"); e a definição sintética da tese defendida será feita no tópico 1.5 .
deração dos pontos de vista d e H art , .26
("Tese"), Qual é a razão, contudo, dessas considerações, que, como visto
acima, seriam quase que desnecessárias? A resposta é simples. Ao se
tentar reconstruir dogmaticamente um problema por meio de um en-
1.2 Esclarecimento quase desnecessário
foque predominantemente analítico, 27 é muito comum que as diferen-
Uma tese, qualquer que seja, necessariamente implica uma con-
tribuição original ao ramo do conhecimento em que se insere. E difi- 23, Newton usou essa expressão em carta endereçada a Robert Hooke, de 62.1676,
cilmente há contribuição original sem que alguma tese anterior seja afirmando que,·'(.,) se eu pude ver mais longe, foi por estar nos ombros de gigantes",
colocada em questão. Todo o desenvolvimento de qualquer ramo ela Essa idéia. porém, é bem anterior a Newton. e costuma ser atribuída a John of Salis-
ciência baseia-se nessa premissa. OcmTe que "colocar em questão bury, nos seguintes termos: ''Nós somos como anões sentados no ombro de gigantes,
Nós vemos mais ~ e coisas que estão mais distantes ~ que eles, não porque nossa
uma tese., ou, ainda, "tentar superar uma tese" não significa qualquer visão é superior ou porque somos mais altos que eles, mas porque eles nos engrande-
desrespeito à tese que se procura questionar ou superar. Na maioria cem, já que sua grande estatura soma-se à nossa" (John of Salisbury, The Meta/ogicon,
dos casos o contrário é o que acontece, já que é a própria existência I I 59).
24. Cf Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Cambridge, Mass.: Harvard
University Press, I 977, p, 22,
2 L Cf tópico !S 25. Idem, p, 16.
22, É nesse sentido, portanto. que o subtítulo deste trabalho eleve ser com- 26, Ibidem,
preendido, 27, Cf tópicos L3 e 1.3A,
e

30 1
DIREITOS l·l NDAi\1EC-!TAIS CONTió(IDO ESSE01CIAI.. RESTRI(ÜES E EFICÁCIA INTRODU(.:ÃO 31

ças conceituais entre a tese que se defende e as teses com ela incom- cia do presente trabalho é analítico. Nesse sentido, o enfoque é essen-
patíveis fiquem muito patentes. Nesse sentido, uma tese analítica é cialmente um enfoque dogmático. Para usar a divisão proposta por
usualmente repleta de pontos de vista que divergem das teorias com as Ralf Dreier e Robert Alexy. a dogmática jurídica poderia ser dividida
quais dialoga. Essa tem sido a tônica ela minha produção acadêmica. em três dimensões: a analítica, a empírica e a normativa.' 0
fsso, no entanto. nem sempre tem sido encarado da forma como de-
Na dimensão analítica o foco central é a análise dos conceitos
veria, ou seja, da forma como a citação de Newton propõe ou como o
básicos e mais elementares envolvidos no objeto da pesqúisa. Sobretu-
exemplo paradigmático da tensão entre Hart e Dworkin comprova ser
possível. Muitas vezes as divergências têm sido encaradas como "fal- do no capítulo 3 essa faceta da dimensão analítica ficará muito clara,
ta de respeito", seja pessoal, seja a tradições consolidadas. Como se a partir da desconstrução e da reconstrução do conceito de suporte
(percebe por esse esclarecimento, não é o caso. fático no âmbito dos direitos fundamenoo.is. Mas também é parte da
dimensão analítica da dogmática jurídica uma minuciosa investigação
Este é um trabalho que foi apresentado para um concurso de pro-
sobre as relações existentes entre os diversos conceitos estudados. Isso
vimento do mais alto cargo da carreira acadêmica na Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, o cargo de Professor Titular. ficará pat"ente especialmente na primeira parte do capítulo 4, na qual
Parte substancial dele, como se verá, dialoga com outro trabalho, será estudada a relação existente entre o direito fundamental em si e
também apresentado a um concurso à titularidade, também na área de as suas restrições. Por fim, como último componente ainda da dimen-
direito constitucional, há quase 40 anos, na mesma Faculdade. 28 Por são analítica da dogmática jurídica, o exame elas formas de fundamen-
todas as razões apresentadas- e por outras mais, inclusive afetivas-, tação jurídica também desempenha um papel importante neste traba-
não se imagina que as discordâncias entre ambos os trabalhos, que são lho, sobretudo na segunda parte do capítulo 4, na qual serão estudadas
profundas, signifiquem algum tipo de desrespeito. Pelo contrário, as formas de fundamentação às restrições a direitos fundamentais.
minha tentativa de ver um pot.Ico além - espero que, pelo menos em Mas, além da dimensão analítica que, sem dúvida, compõe o cer-
parte, bem-sucedida - só terá sido possível ao subir no ombro de gi- ne do método do presente trabalho, 31 também as outras duas dimen-
gantes, e não ao tentar derrubá-los. sões- empírica e normativa- desempenham o seu papel.
No caso da dimensão empírica, ela vem à luz sobretudo a partir
1.3 Método do exame da aplicação do direito na visão do STF e também, especial-
mente no capítulo 6, na tentativa de relativização da distinção entre os
Como já salientei em outras oportunidades, quando se fala em conceitos de eficácia e efetividade das normas constitucionais, quando
método na ciência elo direito é necessário diferenciar entre forma de se tentará demonstrar que sem o componente empírico presente no
trabalho e abordagem metodológica. 29 Não é à primeira acepção que conceito de efetividade o conceito de eficácia jurídica perde muito de
aqui se quer fazer menção neste tópico, até porque isso seria de menor
seu valor.
importância, no presente caso.
Muito mais importante é, aqui, delinear a abordagem metodoló-
gica. Como já mencionado no tópico anterior. o enfoque por excelên- 30. Cf. Ralf Dreier, Recllf- Moral- Ideologie, Frankfurt am Main: Suhrkamp,
1981, pp. 8 e ss. e Robert Alexy, Theorie der Grundrechte, 2• ed., Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 1994, pp. 23-25 [tradução brasileira, Teoria dos Direitos Fundamentais,
28. Cf. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais, tese São Paulo: Malheiros Editores, 2008, pp. 33-36].
apresentada ao concurso de provimento de cargo de Professor Titular de Direito Cons- 3 I. A identificação desse trabalho com a dogmática jurídica - sobretudo em sua
titucional na Faculdade de Direito da USP, 1968. Atualmente o livro está na 7" edição, dimensão analítica - fica ainda mais clara a partir da definição que Wolfram Cremer
2" tiragem (São Paulo. Malheiros Editores, 2008). dá ao conceito: '·Dogmática jurídica tem como objetivo a reconstrução sistemática de
29. Cf., por exemplo. Virgílio Afonso da Silva, A constiturionalização do direi- um dado material jurídico". Cf. Wolfram Cremer, Freiheitsgrwzdrechte: Funktionen
to, I" ed., 2" tir.. São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 25. und Strukturen, Tübingen: Mo h r. 2003, pp. 17-18.
1
DIREITOS H é\JD;\r\IE0:T;\IS C'ONTE0DO ESSENCIAL. RESTRI~'(JES fc EFICACIA
INTROI)li~'ÃO

~or fim, a di~1ensão normativa é, em muitos casos, a própria ex- exclusivamente na doutrina, e não em seus próprios precedentes; ( 4)
pressao do conceito de trabalho acadêmico: fornecer uma resposta
adequada ao problema analisado. 110 Brasil, especialmente no âmbito do STE a despeito das melhoras
constantes ocorridas nos últimos anos. o acesso à informação é extre-
mamente complicado e restrito, em muitos casos, às informações cons-
1.3.! O papel da jurisprudência tantes das ementas dos acórdãos ou a algumas palavras-chaves; '4 (5)
os tribunais brasileiros, sobretudo o STE julgam uma quantidade enor-
No Br~sil, com raríssimas exceções, nunca houve uma tradição, me de ações, o que dificulta ainda mais o acesso à informação. 35
entre _os trabalhos acadêmicos, 32 de utilizar a jurisprudência como Não se quer, aqui, defender essa ou aquela forma de se usar a ju-
33
matenal de trabalh0. Quando muito, algumas decisões são citadas risprudência no direito constitucional ixasileiro, jú que este não é um
como forma de argumento de autoridade, mas dificilmente se vê em trabalho sobre metodologia de pesquisa. O que se quer aqu1 ressaltar
trabalh?s acad~micos uma pesquisa extensiva na jurisprudência de é a tentativa, neste trabalho, de utilizar a jurisprudência de forma um
d?termmado tnbunal. Há diversas explicações possíveis para esse fe- pouco mais sistemática, e não apenas como exemplificação de idéi_as
I~omeno: (1) No Brasil há uma crença- baseada na dicotomia entre as ou, sobretudo, não como argumento de autoridade. 36 Mas esse uso SIS-
famílias da common law e do direito codificado continental europeu temático também esbarra nos problemas mencionados acima - ou se-
- s~gundo a ~ual os precedentes judiciais têm valor apenas para a pri- ja: em muitos casos o acesso à informação _ficou aquém do neces~á:io
meira, mas nao para a segunda; (2) dentre outras, essa é uma das ra- para que a devida análise pudesse ser ma1s abrangei:te, e em ~anos
zões pelas quais a tradição jurídica brasileira é baseada sobretudo na outros as próprias decisões analisadas não dão enseJO a aprofunda-
d~~trina; (3) is~o- pode ser percebid~ até mesmo nas decisões judi- ~ mento, já que não se reportam a uma prática jurisprudencial reiterada
CJais, que, em mumeros casos, baseiam seus argumentos quase que do tribunal, limitando-se, em muitos casos, a fundamentações exclu-
• sivamente doutrinárias .
. - 32. Com "trabalhos acadêmicos" quer-se fazer menção a monografias (disser-
taçoe~ e reses) defe~duias emfaculdadcs de Direito. Essa ressalva é necessária, por-
que ha trabalhos JUf!dicos em que a.1unsprudência tem papel relevante. No âmbito do 34. A pesquisa no teor integral dos acórdãos só é possível para decisões poste-
direito constituciOnal esse é o caso, sobretudo, das Constituições anotadas. Nesse riores a dezembro/2004. Mesmo assim, o mecanismo de busca ainda apresenta mmtos
sentido, c f., por todos, Luís Roberto Barroso, Constituiçüo da República Federativa problemas, pois, em muitos casos, acusa resultados que não se ajustam à expressão
do ~mszl anotada, 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003. Há também, no úmbito ela ciência pesquisada. , ,
po1It1ca, trabalhos baseados em pesquisas J-Urisprudenciais de fôleoo ct· 35. Nesse sentido, é possível falar que em outros paises, sobretudo no: Estado~
1 1 · w. · . .. . "' · ., por exem-
p o, -LilZ ~rneck Vwnna et al., A )ltdznalzzaçüo da política e das reladies sociai · Unidos e na Alemanha, além da tradição de acompanhamento de JUnsprudencw, ha
no Bra\' 1l R d J . R ' .1 uma facilidade não existente no Brasil, que é a pequena quantidade de processos
. • '. lO e ane1ro:_ evan, 1999, em que os autores analisam lodas as açües
c!Jretas de mconstltUclOnalidade ajuizadas de 1988 a 1998. julgados nos tribunais superiores (Suprema Corte e Tribunal Constitucional). Ass1m,
}3·. Algumas exceç?es que, no úmbito do direito constitucional, poderiam ser ·enquanto o STF julgou, em 2004, lO 1.690 ações, a Suprema Corte elos Estados Um-
menciOnadas- sem demento a qualquer outra existente- são: Oscar Vilhena Vieira dos julgou 83 e o Tribunal Constitucional alemão julgou 145 (no caso do Tnbunal
Supremo Tribunal Federal: jurisprudência polítira, 2" ed., São Paulo: Malheiros Edi~ Constitucional alemão foram considerados como processos ;ulgados apenas aqueles
tores 200?· Os
: • . -,
V' Ih v· · !FI- . S b. · ·
car 1 ena 1e1ra avJa ca 111, Dtreztos fundamentais: 11111 a leitura aceitos para julgamento e efetivamente julgados: além desses, houve outras 5.219
da ~urtspmdência do_ STF, São Paulo: Malheiros Editores/FGV, 2006; Luís Roberto decisões pela não-aceitação de ações. sendo que parte delas- 3.809- nem ao menos
Banoso, lnterpretaçao e aplzcaçâo da constituiçâo, São Paulo: Saraiva I 996· Gilm·tr tem fundamentação). Fontes (respectivamente): STF, U S. Supreme Court e Bundes-
Ferre1ra Me d "A · J'd · · ' ' ' vcrj'assungsgericht. . _ _. ,
I" . . n es, proporc10na 1 ade naJunsprudência do Supremo Tribunal Fede-
ra · 1!1 GJ!mar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de conslitucionali- 36. Isso não exclui, claro, que algumas dec1sôes seJam utilizadas com uma fun-
dade: estudos de dzreito constitucional, 2• ecL, São Paulo: Celso Bastos Editor. J 999, ção exemplificativa. O fundamental, no entanto, é que tal uso não seja um m_ero a:-
PP: 7I e ss.; ~ Suza~a de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade. 2• ed., gumento de autoridade. Pelo contrário, mesmo nos casos em que _as decisoe~ sao
Br,tsília: Bras!l~a Jundica, 2000. usadas de forma exemplificativa o exemplo é submetido a uma analise que nao se
prende à inegável autoridade hierárquica do STF.
!)fRUTOS Fl ','\!1),\,\WNT.·\l\ CUNTH.DO ES\ENCf..\L. RESTRIÇÕES E EFICACIA
INTRODUÇÃO

A despeito dessas ressalvas, será possível perceber uma tentativa deste tópico é, contudo, um pouco diversa. Uma breve passada ele
constante de acompanhamento crítico' 7 da jurisprudência do STF, es- olhos na bibliografia deste trabalho mostrará que a doutrina em língua
pecialmente- mas não exclusivamente- das decisões mais recentes.-'R
alem<1 - sobretudo ela Alemanha, mas também da Áustria e da Suíça
Talvez este seja um caminho para maior acompanhamento da ativida-
_ tem um peso considerável. O que se quer deixar claro é que não se
de jurisprudencial elo mais alto tribunal brasileiro. E, para marcar essa
pretende, aqui, fazer "direito constitucional alemão no Brasil", práti-
opção metodológica, este trabalho não tem apenas uma "bibliografia",
ca que sempre critiquei. 39 Não será feita, portanto, análise legal ou
mas também-uma lista de .. casos citados", quase todos eles da juris-
prudência do STF. jurisprudencial alemã, como se isso tivesse validade direta para o
~iireito constitucional brasileiro. 40 A bibliografia em alemão também
não decorre de um modismo ou ele urrta mera preferência pessoal elo
1.3.2 O papel da doutrina autor do trabalho. A razão é temática e metodológica. ( 1) Temática.
porque o problema elo conteúdo essencial dos direitos fundamentais
Não sení difícil perceber que a análise doutrinária ocupa um es- é tema· tradicional no direito alemão, sobre o qual a doutrina já se
paço importante neste trabalho. Isso é perfeitamente normal e, por si debruçou com bastante freqüência. (2) Metodológica, porque o enfo-
mesmo, não exigiria um tópico para salientar esse papel. A função que dogmático-analítico, na forma como exposto nos tópicos anterio-
res. tem grande tradição no direito alemão, o que se reflete em sua
37. Cf, nesse sentido, acerca do papel da doutrina de direito constitucional em
produção bibliográfica. A soma desses dois fatores- tema e metodo-
face da jurisprudência, Wolfram Hiitling, ''Kopcrnikanische Wende rückwarts')" in logia - tem como conseqüência natural uma bibliografia que tende
Stefan Muckel (org.J. Kirc/ze 11nd Religion im so:.ia!en Rechtsstaat, Berlin: Duncker p<:ra o direito alemão. 41 Tanto isso é assim que a bibliografia sobre o
& _Humblot. 2003. p. 340. Seguncl!f ele, uma das tarefas da doutrina é acompanhar
tema objeto deste trabalho em outros idiomas também se utiliza em
crlf!camente o clesenvolvuncnto da jurisprudência do tribunal constitucional. Mais
incisivo: não basta fazer positi1·ismo j11diciârio, o que se faz necessário é análise grande extensão da bibliografia em língua alemã, seja em Portuga1, 42
critica.
. 3X. E, dada a grande quantidade de dccisôes utilizadas neste trabalho, parece-me
lmportai~te deixar clara a forma como elas serão citadas aqui. Nos casos em que houver 39. Cf.. por exemplo, Virgílio Afonso da Silva, "Interpretação constitucional c
publtcaçaona Rel'lsta 7mnestra/ de l11rispmdência (RTJ), dar-se-á sempre precedên- sincretismo metodológico", in: Virgílio Afonso ela Silva (org.), lnterpretaçâo consti-
Cia a essa fonte ofJctal de mtormação. Nesses casos, as decisões serão citadas da se- tucional. I·' ecl., 2" tir., São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 141.
guinte forma: R7!, volume~ página inicial da decisão (página do trecho mencionado) 40. A única exceção é um breve tópico deste trabalho que se ocupa de recente
-por exemplo. RTJ_188, 8)8 (912). Nos outros casos, quando se quiser fazer menção debate sobre a construção do suporte fático dos direitos fundamentais em decisôes
apenas a uma_ dcctsao como um todo. mencionar-se-á pura e simplesmente 0 tipo e recentes do Tribunal Constitucional alemão. Em todas as outras ocasiões, "análise de
0
nu_mero da açao e sua data de publicação no Diário de Justiça: por exemplo, ADf-MC decisües" significa "análise ele decisões elo STF'.
2.)66_ (Di 27.2.2004). Sem_rre mais complicados são os casos em que se quer fazer 41. Isso é perceptível sobretudo no Capítulo 3 e na primeira parte do Capítu-
mençao ~ um trecho espeCifico ele uma decisão não publicada em um repertório de lo 4. Nessa parte elo trabalho, a recepção de um debate travado sobretudo na Ale-
JU>nsprudencta. Nesses casos, dada a disponibilização do teor integral das decisões na manha é bastante pronunciada. Isso não significa, mesmo assim, "fazer direito
pag1na do Supremo Tribunal Federal na internet (www.stf.gov.br), parece-me que constitucional alemão no Brasil". Como se verá, o debate alemão serve sobretudo
n~elh~Jr rnodo de mdtcar a fonte, de forma a possibilitar a sua precisa e fácillocaliza-
0
para a construção de modelos teóricos. Quando a análise passa da construção de
çao, c a menção ao número e à página do ementário de jurispmdência do STF. Assim modelos para sua avaliação prática o material de análise é sempre a jurisprudência
por cxcrnplo. quando se está t~<lanclo da ADI-MC 1.969 e se quer mencionar um pont(; do STF.
espeCifico da decisão, será usada a seguinte formatação: Ementário STF 2.142 282
42. Cf., por todos, J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira. Constituição da RepiÍ-
[~95 I para se reportar à página 295 dessa catalogação interna do tribunal ("282', é a hlica Por!uguesa anotada, 3" ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1993; J. J. Gomes Ca-
pagma mictal da dectsão). Todas as decisões disponíveis na internet contêm esse nú-
notilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 2" ed., Coimbra: Almedina.
mero ela paginação "carimbado''. Não há, então, porque não utilizá-lo para facilitar a
localtzação do leitor. 1998 e Jorge Reis Novais, As restriçôes aos direitos fundamentais nüo expressamen-
te iWfori::a:/as pela Constituiçiio, Coimbra: Coimbra Editora, 2003.
.
INTRODl'('/\0
37
lliRU lOS H :'HJ.·\,\IENT!\IS COJ'\ !'H IDO ESSF\:CI.\L. RI.S IRI('(JES L IJ·ICACI!\

na Espanha. 4 ' na Itália, 4 em países da América


.j Latina-~' c também no !.3.3 Elaboração de modelos
Brasii..J" Como foi mencionado acima. a dimensão normativo da dogmática
Essa tradição do debate no direito alemão sobre restrições a direi- jurídica preocupa-se em fornecer resposta adequada a um dado proble-
tos fundamentais. sobre seu conteúdo essencial. sobre seu suporte fá- ·111a. "'Fornecer uma resposta adequada" não pode ser encarado. contudo
tico. sobre a distinção entre regulaçâo e restriçâo não implica. por _ pelo menos, não neste trabalho -, como_ uma espécie de parecer. no
fim. um simples transplante de um debate antigo. como uma forma de qual a resposta "adequacla"_.iá,é dada pre_vtamente e t??o? desen~olvt­
··requentá-lo·: para o caso brasileiro. Em primeiro lugar porque não se mento do trabalho nada mars e que uma forma de legz!lma-la. A rL:spos-
trata de recepção pura e simples, mas de diálogo com a produção ta adequada, aqui, pressupõe uma abordagem analítica e empínca, como
feita em outros lugares (isto é, não somente na Alemanha). Em scgun- ficou claro nos tópicos anteriores. Mas PiãO _é apenas ~sso . O prc~~ntc
~ do lugar. por fim, porque, ainda que o debate tenha tido seu início na trabalho, ao se ocupar de problemas que se sttuam no ambrto analtttco.
década de 1950. o foco principal da literatura deste trabalho não é não se ocupa em dar resposta a esse ou àquele caso conc;cto, mas em
essa origem, mas o debate contemporâneo, que tem ocupado a doutri- dcsenvoh'er um modelo de análise que - aí. sim - podera servrr como
na alemã nos últimos meses·~' e que passará a ocupar cada vez mais a instrumento na discussão sobre casos concretos. Como já salientei er~
doutrina européia como um todo, dada a redação do at1. I 12 do pro- outra oportunidade: "Desenvolver um modelo é, de um lado. un:a tareta
jeto de constituição da Europa. 48 analítica de alto grau de abstração que pretende, por outro lado. fornecer
19
elementos para concreta interpretação e aplicação do direito".
Isso não significa, contudo, que este trabalho pretenda ser apenas
43. Cf.. por exemplo. lgnacio de Otto y Pardo. "La regulación de! ejercicio de
los derechos y libertadcs'", in Lorcnzo Martín-Retortillo Baquer/lgnacio de Otto y um exercício de abstração analítica, sem preocupação com a prática
Pardo. !Jerechos jundamcnta!es v Constitución, Madrid: Civitas, !9R8, pp. 95-!70: dos operadores do direito. Pelo contrário, a multidimcnsionalidade da
Antonio-Luis Martínez-Pujalte. Latr;arantía de! contenido esencia! de los dcreclws dogmática jurídica, expressa nos tópicos anteriores, est<Í necessana-
jimdamenta!cs. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales. 1997: c Magdalena 111eLnte vinculada a um caráter prático. Não se trata de análise teórica
Lorcnzo Rodríguez-Armas. Anâ!isis de! contenido esencial de los dcrcclw.\~ (unda-
11/Ciltale.\. Granada: Comares. 1996. .
que se esgota em si mesma. O que se pretende,. pc~rtant.o, é, além ?e
44. Cf., por todos. Pierfranccsco Grossi, lntrodu:ione ad 11110 stwfio sui diritti nmtribuir para a discussão teórico-geral sobre direttos fundamentais.
inl'io!a/Jili ncl!a Costitu::.ionc italiana, Padova: Cedam, !97:?.. pp. !45 c ss. também fornecer subsídios para a atividade jurisprudencial. espe-
45. Cf.. por exemplo. César Landa, "Teorías de los derechos fundamentales··.
cialmente a atividade do STF.
Cucstioncs Constilucionales 6 (2002). pp. 6:?. c ss.
46. Cf.. por todos. Gil mar Ferreira Mendes, Direitos fundamentais e controle de
r·on.llituciona!idade, 2·' ed .. São Paulo: Celso Bastos Edit;x, 1999.
47. Sobre a atualidade do debate. cf.. por exemplo, Claudia Drews. !Jic IVt:'scns- I .3 .4 O método analítico e a proteção dos direitos fundamentais
gelw!tsgarantie dcs Art. /9 !/ GG. Baden-Baden: Nomos. :?.005; Wolfram Hiitling,
"Kopernikanische Wcnde riickwarts") Zur neueren Grunclrechtsjudikatur eles Bunde~­ Ao método analítico é muitas vezes imputado um certo formalis-
vcrfassungsgerichts'". in Stefan Muckel (org.), Kirchc um/ Re!igion im so::.ia!cn Re- mo. um certo exagero nas análises conceituais ou, por tim. uma certa
dztsllaal. Berlin: Duncker & Hurnblot, :?.003: Wolfgang Kahl. '"Vorn wciten Schutzbe-
rcich zum engen Gewiihrleistungsgehalt", Der Staat43 (2004). pp. !6 7-:?.0:?.: Wolfgang
I loffmann-Riem. "'Grundrcchtsanwendung unter Rationalit;itsanspruch: eine Er~ide~
Ei~ncr. /)ic Schr(//Zkcnregc!ung der Grundreclllcclwrla der Europiiisclle L'nion. Ba-
rung auf Kahls Kritik". Der Staat 43 (2004 ), pp. 203-:?.23; do mesmo autor. "Gesetz und
dcn-Badcn: Nomos, 2005: Margit Biihler. Einsclzrankung von Grundrn·luen nach der
Gesctzesvorbehalt im Umbruch", Archil' des iiffcnt!iclzen Reei!!.\ 130 (2005). pp. 5-70 e
F.umpiiischen Gmndrechtecha;ta, Berlin: Duncker & Humblot. 2005. Ressalte-se, no
Matthias C'ornils. Die Ausgestaltung der Grundreclzte, Tlibingen: Mohr, 2005.
L'lltanto. que referências a um conteúdo essencial dos direitos fundamentais são en-
4X. Sobre o início desse debate, cf. por exemplo Tania Groppi. "Portata dei di-
UHJtrávcis. há tempos, na jurisprudência da Corte Européia de Justiça. Nesse senl!clo.
ritti garanti ti'". in Raffaele 13ifulco et a!. (a cura di). L'Europa dei diritti. Bologna: li
Mulino. 200 I. pp. 35! e ss.: Antonio Ruggiero.!! hi!anciamento deg!i intcressf ne!la
c·r. por todas. a decisão no caso No!d \". Commission. de 14.5.!974.
49. Virgílio Afonso da Silva, A conslitucionali::.açclo do direito. p. 17h.
Carta dei !Jirilli Fondamcnta!i de!!'Unione /:'uropca. Padova: Cedam. 2004; Caro! in
'')
INTKODliÇ".O
JX IJIRU lOS IT'\Il.-\.\11:~ rAIS CON II'ÚIJO FSSI::'<CJAI. RESTRJÇ(li'S E U.JC.\CJ.\

''distância da realidade". É possível que esses riscos existam. mas não Como foi esclarecido em tópico anterior. ao definir o objeto dcs-
em um trabalho que complemcnta esse enfoque com os outros men- ··tball1o como "o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a
(C t I' ' - -
cionados acima. Durante todo o desenvolvimento do trabalho ficará ·tic;ícia das normas constitucionais", quer-se fazer mençao a um !e-
cada vez mais claro que os ganhos analíticos têm sempre também im- L1ômeno complexo, que envolve uma série de variáveis mte_r-relacio-
1 , d·ts O desenvolvimento desta investigação pretende seguir o cami-
plica~ões muito reais e concretas na atividade de proteção aos direitos n,t , ..
fundamentais. Isso porque o método analítico tende a trazer à luz di- nho necessário para a análise dessas variáveis.
versas pré-c,ompreensões, quase sempre mal-esclarecidas, que, via de Após esta introdução, no capítulo 2 será exposto um do~ p~ntos
regra. acabam por escamotear restrições a direitos fundamentais como de partida deste trabalho, que é a distinção entre regras _e pnnclpws.
se se tratasse de meras delimitações conceituais sem qualquer liga~ão Esse capítulo 2 tem como função principal sobretudo deixar claro _em
com o grau de proteção e de realização desses direitos. Como ficará que acepção tais conceitos s~rão utilizados neste trabalho, para evitar
claro durante o transcorrer deste trabalho, é justamente a partir do mé- al•runs possíveis mal-entendidos.
todo analítico que se criam todas as condições teóricas para a constru- "" No 'capítulo 3 será analisado um problema ce~,t~al na inv~sti_ga­
~ão de um modelo que tenha seu foco central em exigências reais de ção, que é a detini~ão da amplitude do suporte fatiCO dos direitos
fundamentaçâo e na criação de ônus argumentativos claros para qual- fundamentais- ou seja, em linhas gerais, quais são os elemento~ q_ue
quer atividade que implique restrição a um direito fundamental ou para deverão ocorrer para que as conseqüências jurídicas de cada direito
qualquer omissão que implique uma não-realização de um desses di- fundamental também ocorram. Como se perceberá, esse capítulo tem
reitos. Esse ganho em transparência na análise dos direitos fundamen- estreita relação não apenas com a discussão subseqüente, mas é capaz
tais é. segundo a tese que aqui se defende, exigência de uma consti- tamhém de fornecer subsídios para uma melhor compreensão do pon-
tuição de um Estado Democrático de Direito. 50 to de partida. a distinção entre regras e princípios .
• O capítulo 4 é dedicado ao problema das restrições _aos direitos
fundamentais. Esse problema decorre diretamente do analisado no ca-
1.4 Desenvolvimento do trabalho pítulo 3: um modelo de suporte fático amplo é ~m. mo~elo que te~n
que estar pronto para lidar com a colisão ent~e d1r~1tos funda~entais
Não é incomum em trabalhos de dogmática constitucional ou de
c a necessária restrição deles em algumas situaçoes. No capitulo 4
direitos fundamentais que um problema seja analisado com base ex-
essa questão será abordada em duas grande parte_s principa_is:_ a pri-
clusivamente em exposi~ão de teorias e modelos para que, por fim. o
meira delas é dedicada a uma análise dos dois enfoques mats Impor-
autor decida por uma delas. No caso do conteúdo essencial dos direi-
tantes na reconstrução da relação entre o direito e suas restrições (ou
tosjimdwnellfais isso significaria uma exposição das teorias absolutas seus limites): as assim chamadas teorias interna e externa: uma se-
e relativas com suas imbricações com as teorias objetivas e subjeti- gunda parte é dedicada. a partir do ponto de vista,da tem:ia_ externa. à
vas'1 para que, diante das possibilidades existentes, seja escolhida uma. investigação sobre a principal forma de controle as restnçoes aos di-
Dependendo elo objetivo do trabalho, esse é um enfoque possível. Não reitos fundamentais: a regra da proporcionalidade.
o é. contudo, em um trabalho acadêmico.
Às teorias sobre o conteúdo essencial dos direitos fundamentais
é dedicado 0 capítulo 5. Como ficará claro, nesse ponto da investiga-
50. A ênfase _no "g,anho democrático'" que decorre do enfoque analítico aqui ção já não é mais possível imaginar que a definição de uma_ teoria
adotado e da c_naçao de onus argumentatJvos para a atividade de restrição a direitos nesse âmbito seja mera questão de escolha. A escolha do cap1tulo 5.
tundamcnta1s e produto de conversas com Diogo R. Coutinho. Ficam. aqui, o crédito portanto. é não apenas influenciada, mas determinada pelos resul-
c o devido agradecimento.
:'i I Sobre essas teorias. cf. o Capítulo 5.
tados dos capítulos 3 e 4. Ou seja: quando se tomam por corretos os
-)()
DIRLITOS Fl 'NIJAME.'HAIS: CONTE(IIJO I·:SSF-.NCL\l.. RE:STRI("(H:S E E I· I(' \C I.\
INTR.ODl \·,\o -11

termos de uma teoria relativa acerca do conteúdo essencial dos direi-


neste trabalho, a impossibilidade de se distinguir entre restrições e re-
tos fundamentais, isso não é uma decisão ad hoc, mas uma conseqüên-
Cia natural do desenvolvimento do trabalho. <•ulamentações ou regulações 52 nesse âmbito.
"' (2) Uma primeira conseqüência importante do pressuposto acima
. . No capí~u~o 6 todos os resultados da pesquisa serão contrapostos descrito é a constatação de que, muitas vezes. restrições a direitos
a torma tradtctonal de se definir e classificar as normas constitucio-
fundamentais são levadas a cabo sem que isso seja reconhecido nesses
nais quanto ~ eficácia. Nesse capítulo ficará claro que. a partir ele um
termos. Isso pode ocorrer ele duas formas principais: (a) ou se nega.
model~) que pressupõe que direitos fundamentais são. por natureza c de mztemâo. a proteção a uma conduta ou posição jurídica que. isola-
necesst_dade, tanto restringíveis quanto regulamentáveis. não é possí- damente considerada, deveria ser considerada como protegida; ou (h)
vel ac~tt~r qu_e normas constitucionais- sobretudo aquelas que garan- embora se considere tal conduta ou plrsição jurídica corno protegida
tem dtre!t~s fundamentais- sejam classificadas em categorias que às Jor um direito fundamental. defende-se que a eventual restrição nessa
vezes reJeitam. às vezes aceitam, essa restringibiliclade e necessidade lproteção não decorre ele uma real restnçao, · - mas <.e I mera regu l amen-
de regulamentação.
tacão n~) exercício elo direito fundamental em questão. Ambas as es-
À conclusão geral do trabalho é dedicado, por fim, o capítulo 7. tr~tégias devem ser rejeitadas, pois ambas. como será visto, têm um
alto déficit de fundamentação e possibilitam uma real restrição à pro-
teção de um direito sem que isso seja acompanhado de uma exigc~ncia
1.5 Tese
de jimdamentação por parte daquele que o restrinje, seja o juiz ou o
O objeto e o método deste trabalho já foram delineados nos ~ ler':islaclor. O modelo aqui clefencliclo, por alargar o âmbito de proteção
tópicos anteriores. Aqui, p~etencle-se enunciar, de forma sintética, dl;S direitos fundamentais ao máximo e considerar toda e qualquer
as teses que serão desenvolvidas e fundamentadas no decorrer ela regulamentação como uma potencial - ou real - restrição, ao mesmo
investigação. te~1po em que coloca os termos elo problema às claras - direitos fun-
damentais sâo restringíveis -, impõe um ônus argumentativo àquele
O) Em primeiro lugar, a distinção entre regras e princ1íJios, da responsável pela restrição, que não está presente em modelos que es-
qual esse trabalho parte, supõe que direitos fundamentais tenham um camoteiam essas restrições por meio ele definições de limites quase
~up~rte fático amplo. Isso significa duas exigências principais: (a) 0 jusnaturalistas aos direitos fundamentais ou que escondem restrições
am~Ito de proteção desses direitos eleve ser interpretado da forma atrás elo conceito ele regulamentação.
mms ampla possível - o que significa dizer que qualquer ação, fato,
(3) Os dois pontos descritos anteriormente conferem transparência
estado ou ~osição jurídica que, isoladamente considerados, possam
às atividades de intervenção nos direitos fundamentais que possibilita
ser subsumidos ao "âmbito temático" ele um direito fundamental de-
sustentar que tais direitos não têm um conteúdo essencial definido a
v~m ser considerados como por ele prima facie protegidos. Isso im-
priori e ele caráter absoluto. Uma tal concepção- absoluta- prende-se
plica, necessariamente, uma rejeição a exclusões a priori de condutas
aos mesmos pressupostos que se pretende aqui rejeitar - ou seja, de-
desse ân~bito de proteção; (b) também o conceito de intervenção esta-
finição a priori ele conteúdos, essenciais ou não, que excluem, por
tal nos direitos fundamentais faz parte do suporte fático. Por isso. por
conseqüência e também a priori, diversas condutas, atos, estados e
se ~ratar de modelo baseado em um suporte fático amplo. o conceito
posições jurídicas ela proteção dos direitos fundamentais, deixando-os
~e ll~tervenção também deverá ser interpretado de forma ampla. Isso
tmpltca, entre outras coisas, a rejeição de teorias que defendem que
meras regulament~ções no âmbito dos direitos fundamentais não cons- 52. A despeito da possibilidade ele usos diversos para os termos ··regulamenta-
tituem restrições. E sobretudo a partir dessa conclusão que se defende. ção"" e '"regulação". nos termos deste trabalho ambos os termos scriío utilizados como
sinônimos.
1111
42 lllKUTOS 1-l .'\ll.\.\JL'\ L\IS CO :'>i IH IIJO ESSENCIAL, RESTKI('ÕES E HICACIA

ao capricho de meros juízos de conveniência e oportunidade políticas,


j){tra os quais mio se exige qualquer fundamentaçâo constitucional_
( 4) As teses defendidas neste trabalho acerca das restri<;ões e da
proteção dos direitos fundamentais têm, além das conseqüências men-
cionadas acima. um enorme efeito na compreensão da eficácia das nor-
mas constitucionais. Como se sabe, a principal classificação das normas
constitucionüis quanto à sua eficácia é aquela que as distingue em nor-
mas de eficácia plena, normas de eficácia contida e normas de eficá- Capítulo 2
cia limitada." Como será esclarecido no capítulo 6, essa forma de • PONTO DE PARI;IDA:
classificar as normas constitucionais é incompatível com o modelo e A TEORIA DOS PRINCIPIOS
os pressupostos aqui defendidos. Em linhas gerais, isso ocorre porque
essa classificação é baseada em duas dicotomias que são rejeitadas
neste trabalho: (a) a primeira delas é aquela entre as normas que não I . I . - 2 2 A distinçüo entre regras e prtnCLpto.\. · ' · · · 2 .2 . I .Direi~
.
2.1 nl/0{ uçao. ·. . . ,· M damentos de otum:::a~
podem e as que podem ser restringidas (normas de eficácia plena vs. /oi· definitivos e dtrectos pnma faCie- 222 . . an . .
.-· _· 2 2 ) Con'iito.\ .
normativos: 2 7
·-· 3 · 1 Conflitos
· entre regra.\
' -
normas de ejiuícia comida); ( b) a segunda é a distinção entre as nor- · ·~ ~ . . - 2.2.3. 3 c 0 rs-
1
çao
., 7 5 7 Colisiio .
entre prtnctpW.\ 1 a 0 entre regras
' _ e
mas que não necessitam e as que necessitam de regulamentação ou ~-~·~ .·: . ·. 7 3 A crítica
pttll< tpiO.\. -· ·
de Humberto Ávila: 2.3.1 ·f - Ponderaçao de
desenvolvimento infraconstitucional (normas de eficácia plena vs. nor- . . 2,
rl'_t;lil.\- ··'· 2 0 "[Jew"
. das reoras
o .~ 2.3.3 Cone usao.
mas de eficácia limitada). Ora. se se parte de um modelo de suporte ~
fático amplo, a distinção entre restriçúo e regulação é mitigada, e toda
regulação deve ser consider~1da, ao mesmo tempo, uma restrição, vis- 2.1 Introdução
to que regular o exercício de um direito implica excluir desse exercí-
cio aquilo que a regulação deixar de fora; e. além disso, toda restrição Ainda que este não seja um trabalho sobre~ distinção entre reg~as
deve ser considerada, ao mesmo tempo, regulamentação, já que não se , .
e prinClplos, sera, fdcdmente
·.. · percept'IVe lquemmtasdesuasconclusoes
. ~ b't
restringe direito fundamental sem fundamentação, mas sempre com o de(Jenderão diretamente do pressuposto teónco adotado nesse a~ I o.
objetivo de harmonizar o exercício de todos eles. Com isso, defende-se Como será visto em capltu , 1os segum· t es, não somente o conce1to
. e- a
que toda norma que garante direitos fundamentais tem algum tipo de delimitação do conteúdo essencial dos direitos fundament~ts pof?erao
limitação quanto à sua eficácia. As conseqüências dessa tese, sobretu- . d e pnnctplo
· , · q ue se . adote· ' tambem I az dorma-
1
variar segundo o conceito .
do na proteção e na realização dos direitos fundamentais, serão anali- 'ie se definir o âmbito de proteção de cada dtretto fundamentfia' e r~
sadas no mesmo capítulo 6.
~ ·
construir a relação entre os direitos e suas restn?oe~· - .3 o r m ,da cn- e,? _
. sobre a e fi cacta
tica às teonas , . d as normas < constttuctonats
, • serao eter-
4
minadas a partir desse primeiro pressuposto teonco. .
. 't u Io pretendo expor' de forma bastante
No presente cap1 . . .sucmta,
,. a
. regras e fHLncLpto.\
distiiH;ão entre · ' · · d e n"~u e parto e as pnnc1pa1s cnttcas

1. Cf. Capítulo 5.
53. Cf. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais. p. 82 2. Cf. Capítulo 3.
e f"Hsim. 3. Cf. Capítulo 4.
4. Cf. Capítulo h.
44
1'0<\TO IJE PAIUIDA: !\ TFORI!\ I lOS PRINCÍPIOS 45

a ela d_iri_giclas por autores brasileiros. o N•'sse


b A " ponto. a obra de Hum- tivos, e sua qualidade não pode ser avaliada de forma generalizante.
erto vila merecerá aten<;ão especial.()
Mas. dada a sedimentação. no vocabulário jurídico brasileiro, do uso
do termo princípio corno "'mandamento nuclear de um sistema, ver-
2.2 A distinção entre regras e princípios dadeiro alicerce dele". 111 é necessário deixar claro que, aqui neste tra-
balho, quando a dicotomia regra/princípio for utilizada- e ela será
. . Há autores que sustentam que entre re 'Ull" , . . . , . . , utilizada não poucas vezes -. os critérios de distinção de que se parte
diferença de gnu A artir d . , . , . , .~ · e pune rpro.\ h a uma
~-que d'15 f ,;· ', . b p . essd Ide ta. ha aqueles que sustentam que não são esses, mas os apresentados a seguir.
lllbue <1m os se na o o rau d · ..- . ·. . . , . .
'lS normas mais
'. . . -r . d b e 1111pO!Idlllld. f'Jrti/Clf}f(}\'· ·seJ-I'tln
'
. . unpoJ antes e um ordenamento jurídico enqu·mto 'IS
regras senam aquelas nornns , . . . . . , ,. 2.2.1 Direitos definiti\'Os e direitos p ..ima facic
H,... t b, . . '. que concJettzanam esses princípios 7
''ld am em ai·_queles q~Ie dtstinguem ambos a partir do urau de 'tbsti:'~-
<;
. -'o e geDeru.tdJ~de: pnncípios seriam m·tis 'tbstr·tt()S ~--~~ O principal tra<_;o distintivo entre regras e princípios, segundo a
as reg . s 0 .. ' · ' · ' . e mais genus que teoria fios princípios, é a estrutura elos direitos que essas normas ga-
Sa O pOSSJ
~ ras,. . utras classificações baseadas em algum tijJO de~gi"tdaç;-t()
Vets. ~ ' ' ' rantem. No casos das regras, garantem-se direitos (ou se impõem de-
A teoria sobre a distinção entre r u ., . , . , . .
veres) definitivos. ao passo que no caso dos princípios são garantidos
seguida é diversa N;- , , ecids c pnncipios que aqui será direitos (ou são impostos deveres) primafacie.
se ·a . '.. ~o e o caso de se debater se há classificação c ue
, J rnelho,r _ou pior. _E~ geral, classificaçôes -desde que rnetodolo~ri- Isso significa que, se um direito é garantido por uma norma que
~:~~nte ,~ohdas - chfici~~rnente podem ser julgadas com base em L~n tenha a estrutura de uma regra, esse direito é definitivo e deverá ser
queismo bom/rUim. Classificações, em geral, têm diferentes obje- realizado totalmente, caso a~regra seja aplicável ao caso concreto. É
claro que, corno será visto adiante, regras podem ter- e quase sempre

S. Para uma análise das críf .. · f · ..
têm -exceções. Isso não altera o raciocínio, já que as exceções a urna
mães, cf. Martin Borow~ki. GrwuJ,~::~u=~~<ts por ~tutores estrangeiros. sobretudo ale- regra devem ser tomadas como se fossem parte da própria regra excep-
pp. 89-97 e y· oT10 A f . . .
Ir,l
. /.1 Pttn •.tptnt. Baden-Baden: Nomos I <)98
onso d<t Silva. Grundrcchte und '<'I',,_, , , .·.. . . '.. · cionada. 11 Assim, a regra que proíbe a retroação da lei penal tem uma
Baden-Baden: Nomos, 2003, pp. 52 _66 _ .~ · 1 ··8 1 1Jt li.\ I lze Sptelraume,
conhecida exceção: a lei deve retroagir quando beneficiar o réu (CF, art.
6. Cf. tópico 2.3.
7 · Cf., por exemplo, José Afonso da Silva c . . 1, · .,· 5", XL). A norma (regra) deve. nesse caso. ser compreendida como ''é
. . .
ltl'o, 30" ed São P·wlo· Mal! . . l'd. . 111.\o I ( dut tfo consttfllctonal pol·i- proibida a retroação de leis penais, a não ser que sejam mais benéficas
.. , . !eu os : !!ores '008 p <)' (José A f I S .I . .
entanto na distinç'io entre pr· , . ·- · · - · · onso la 1 v a tala no para o réu que a lei anterior; nesses casos. deve haver retroação".
so de direito ;dmi;listrativo ~~~.~~~>sSea_nopn~Jals): CM~IIslo Ant<Ínio Bandeira de Mello. c'·ur-
Luís R , . -- .. 'o <tu o. I a Jelros l:dltores. 200S, J 94'-l . No caso dos princípios não se pode falar em realização sempre ....,
199Ó, po~~~o ~t~~)S<bJ, /ntJerfJJr~G'taçüo e aplicacüo da Constituiç'iío. São Pa~~<;: S;~-,~~~­ total daquilo que a norma exige. Ao contrário: em geral essa realização
. . · · 'm em . . omes Canotdho/Vi!'tl M ·, ·.. r ' '
tlfwç-üo. Coimbra: Coimbi·a '"d't ., ll'<) I
, c I OI,[. "
' • OI c ll <1. , ttnuamentos da Cons-
p 49 e Joseph R, I' . I é apenas parcial. Isso, porque no caso dos princípios há urna diferença k.
Norms, Oxtord: Oxford University Press j 975 4. <). ,u, ractwa Rcason wul entre aquilo que é garantido (ou imposto) prima facie e aquilo que é
8 cr , - , - · P· · ·, -
· ., por exemplo, Luis Roberto Barroso f 11 r,- 1 1 11
· garantido (ou imposto) definitivamente. Pode-se dizer que o longo ca-
tituiçüo, p. 141 e Joseph R . p 1. ... R · ' P taç·ao c apltcaçüo da Cons-
<) 1-í .: . az, 111 tu a 1 eason and Norms. p. 49. minho entre um (o "prima facie") e outro (o "definitivo") é um dos
"( ... ) não 'h~eL:l!amtestei nesse sentido ~m outra oportunidade, nos seguintes termos·
emclassifica~ã~ :~a~~~~~ ~~~~~~s;1\1<~~~~::~: 1 ~-'t:;:::u. ~~~~~~s ade<!uada. o71. o yue é pior:
logicamente sólidas ou s'io c> t . d.t, .· . . . - t IC<tt,oes ou sao coerentes e metodo- I O. Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de direito administrativo, p. 942.
d I.versos critérios distintivos_
· " < n rd 1 011as- qu·1ndo JJor ex
e .,. · ' ·
- .
. · ernp 1o. sao misturados 11. Cf.. nesse sentido. Ronald Dworkin, Taking Rigllls Seriouslv, p. 25: "A regra
Silva. "Princípios e reur·ts .mito·. ~o~ ls;o, pouco ou nada uteis" (Virgílio Afonso da pode ter exceções: nesse caso. seria impreciso e incompleto enunciar de forma sim-
se ClJLIIVOcos acerc1 de um·t d. ( - " R ·
. o '· •
fino-Americana de Fl'tudos Constitucionais I. (2003 ~- p. 61 d)
IS lllÇao , evtsta La- ples. sem enumerar as exceções.( ... ). Pelo menos em teoria, todas as exceções podem
ser listadas".
PO~TO DE PARTIDA:.\ I LORIA DOS PRINCÍPIOS
-!() DIRIJ I"OS ll ':'-JIMi\IEN !AIS: CONTEliDO ESSENCIAL, RESTRI('ClES F EFIC\CI.·\

temas centrais deste trabalho. Nos próximos tópicos as idéias centrais 2.2.3 Con)litos normativos
por trás desse ""longo caminho" serão expostas. No resto do trabalho . · . , 1
O conceito de conf!ttos normattvo.\ e a go .
sobre o qual. pairam
_
serão elas várias retomadas e aprofundadas. 12 diversas polêmicas. Sobretudo sua relação com outros conceito_s~thi~s.
· ~ ·
.. vezes tomados como smonimos, ~ 'Zes tom·tdos
dS ve ~ . <
como COIS<l• dis-
_
a_s . e' o caso d·ts co li ,·õn· entre normas e das contradtç·oes
2.2.2 Mandamentos de otimi-::.açâo tinta - como < <· · · · 'f' .
. . . e' ·tlao sobre o c1ual há poucos pontos pac1 tcos no
norma f tva -, 5 < b • . . - , .
O clemenJo central da teoria dos princípios de Alexy é a definição debate jurídico. Não é o caso, aqui, de aprofundar e~:sa, ~ue~tao, n~d~
de princípios como mandamentos de otimização. Para ele, princípios apenas de recorrer a um conceito de trabalho que seJd u~Il -~ctra ~) c e
são normas que exigem que algo seja realizado na maior medida pos- senvolvimento da presente investiga~ãoY Quanto aqui se f~ld elm
~ sível diante das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. 1 ' Isso sig- · · .- · · bretudo ao que abaiXO sera ana I-
conflito normattvo quer-se reterii so < . , . .

.. d~· aos conflitos entre regras e às colisões entre pr~n~I.ptos. Ness_e


19
nifica, entre outras coisas, que, ao contrário do que oco1Te com as re-
gras jurídicas, os princípios podem ser realizados em diversos graus. A sdntidb um conflito normativo nada mais é que a ~ossibiiidade de apli- A
idéia regulativa é a realização máxima, mas esse grau de realização ~~tção. ~ u~nesmo caso concreto, de duas oumats ~orn~a~ ~-ups con~
somente pode ocorrer se as condições fáticas e jurídicas forem ideais, seqüências jurídicas se mostrem, pelo menos para ctquelc cctso. tota
o que dificilmente ocorre nos casos difíceis. Isso porque, ainda que , . ' / , - 20
ou parctalmente mcomp<ltiVels.
nos limitemos apenas às condições jurídicas, dificilmente a realização
total de um princípio não encontrará barreiras na proteção de outro
princípio ou ele outros princípios. É justamente a essa possível colisão 2.2.3.1 Conflitos entre regras
que Alexy quer fazer referência quando fala em "condições jurídi-
cas". 14 Como já se viu 15 - e como se verá também a seguir 16 - , no - · vt'sto ·tc·
C Oino t 01 . < 1m-' 1. regras
~
uarantem direitos . (ou
b . .
impõem dc-
caso das regras a aplicação n~) depende de condições jurídicas doca- . ) 1 fi
veies c e n1 tvo.. ·t· s Se ·
1 sso é assim, e se existe a poss1bdtdade _ de con- c-
so concreto, pelo menos não nesse sentido apontado. É dessa diferen- .t . ntre 1·eans é preciso que se encontre uma soluç_ao que ndo
ft 1 os e b < ' . ~ • • ,' • 1 .· 1
ça de estrutura que decorrem as diferentes formas de aplicação das nor- · ·
relattvtze essa d e fi 111·t·IVI·dade
< . Dessa·· ex1aencw
b
surae
~b
o •Jcl con .
1ec1cO
...,. ,·,.

mas jurídicas: a suhsunçüo e o sopesamento. 17 · , · "t


raciocmio u o- - 11 < < ·d ou ada" 21 Se duas rearas preveem consequencidS
b . .

» diferentes para 0 mesmo ato ou fato, uma,d_elas_é necessam~mei:~e In-


vá! ida, no todo ou em parte. Caso contrano nao apenas h,tvenct um
12. Cf. sobretudo os Capítulos 3 e 4.
13. Cf. Robert Alexy. "Zum Begriff des Rechtsprinzips". in Robert Alexy. Rcc/11.
Vcmunft, Diskurs. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 204: do mesmo autor, Thcorie - , · d · ípios mio me pareça de /(}{lo procedente, nüo há
der Grundrcchtc, p. 75 !tradução brasileira: p. 90]. A menção a "possibilidades fáticas". , · complementaçao
~ssa
· a teona os pnnc
· r .- · ·eu respeito ate. porque a lt. 1e--ta .,un
· d· ~ .
" n,to se
nesse conceito. nüo significa somente que "o conteúdo dos princípios como nom1as de espaço. aqut, para maiOres t tgr~ssoes <I s . d , Ih f Robert Alexy, "Arthur
1 te desenvolvida Para matores eta es, c ·
conduta só pode ser determinado {/l/ando diante dos fatos", como afinmt Humberto ~ncontra p enamen · ·. , .. ARSP Beiheft 100 (2005). especialmente
Avila ('/i'oria dos princípios, X' ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 3X -sem Kaufmanns Theone der Rechtsgewmnung .
grifos no original). As condições fáticas, no conceito de mandamento de otimizaçüo. p. 66. .,. . . f ndada do conceito de conflitos normativos. cf.. por
referem-se üs medidas adequadas e necessárias para realizar o princípio em questão. !8. Para urna ana tse apro u . . . . ; Ol
d c 1 Huerta Qchoa, Conflictos normativos, Mextco. UNAM, _Q . · . • .
14. C f. Robert Alexy. Tlzcorie der Grundrechte, pp. I00-!0 I [tradução brasilei- to os,l9 a~ a .,;oumas relativizações, também à colisão entre regras e pnnctptos.
ra: pp. 117-l U·;j. · ' co~ ' " - Alf Ross denomina na sua análise dos problemas da
15. Cf. t(lpico 2.2. 20. Essa e a sttuaçao que . .' d
1
... , B, k ,_
·tnterpretaçao
- Jllfl
· 'd.tca,.. de "'nconsistêncta".
t .C f. Alt Ross, On. Lmv an /l.\fl( t. e r c
16. Cf. túpico 2.2.3. I.
17. Recentemente Alexy tem feito menção a uma tcrceirafórma ele aplicaçüo do !e : University of California Press, !959, § 26, pP·. 128 e ss. . . .·... . . , ..
y 21 _ Cf. Ronald Dworkin. Taking Rights 5enouslv, p. 25. P.tr<l cttltC<IS a esse
direito, às vezes chamada de "comparação", às vezes chamada de "analogia". Essa · · · C 1· . Hun1bert(J A. vt·!,·t , Teoria dos rnrincípws. pp. 44 e ss.
terceira forma nüo teria como objeto nem regras, nem princípios. mas casos. Embora ractoctntO,
IJIKEII OS Fl; \illc\iVII N L\1.\ \·o,\ IH:IJo ESSL.\ICIAI . KISII<IÇ'(li:S 1: f:tiC.-\CL\
PO'> I o DI. 1'.\KTII):\: ..\ IHWI!\ DOS PRINCÍPIOS

problema de coerência no ordenamento, 22 como também o próprio


aqui, é simples, e se baseia na regra /cxspe~·ia~is deroga~ ~.egi generali.
critério de classificação das regras- dever-ser definitivo- cairia por
terra. Trata-se. portanto, de um conf1tto parctal entie duas re'='IdS.
Pode-se pensar, em um segundo exemplo, em d_u_as re~ras com o
Nos casos de incompatibilidade apenas parcial entre os preceitos
·euuinte conteúdo: uma delas prevê que, salvo mantfestaçao de vo,n-
de duas regras a solução ocorre por meio da instituiç;lo de uma chíusu-
la de exceção em urna delas.'' Em alguns casos, no entanto, a incom-
;ade em contrário. presume-se autorizada a doação pós-morte de or-
~ãos para finalidades de transplantes ou terapêutica;b a (~utra regra,_m~
patibilidade en_tre duas regras poderá ser totaL 4uando seus preceitos,
~ntanto. prevê que a retirada de órgãos ele pessoas falectdas, par~1 fins.
para o mesmo fato ou ato, em todas as circunstâncias, sejam mutua-
mente excludentes. Quando isso ocorre. a única solução é a declaração de transplante, dependerá da autorização de cônjuge ou paret~te, h_rma-
fia invalidade de uma delas. 21 Dois exemplos simples podem esclarecer da em documento subscrito por duas test~munhas presentes a venfic~l­
melhor essa diferenciaçüo. ção da morte. 26 Para 0 mesmo fato - morte de alguém sem clecl_araçao
expressa, daquele que morreu ou ele um paren~e, a_ce~c~ de transplante
Há uma regra 4ue preve <.JLie. aberta a sucessão. ''a herança trans-
_, 1 (~"
d e (')ru;- ..., _ as, duas reuras
c- têm conseqüências JUrtdtcas totalmente
·b· ·
mite-se. desde logo. aos herdeiros legítimos c testamentários" (CC,
incon;patíveis: uma delas autorizaria o transplante, a ?utra prot ma.
art. I. 784 ). Essa regra é complementada por outra. que define o con-
Uma delas, com certeza, é inválida, seja por ser <:nt~nor_- lex poste-
ceito de "herdeiro legítimo'' (CC, art. I .829), que inclui, entre outros,
rior derogat legi priori - ou por ser ele hierarquta mfenor - lex su-
os descendentes (CC art. 1.829. 1). Ocorre que o mesmo código civil
perior derogat /egi inferioriY
estabelece que "aqueles que houverem sido autores ( ... ) de homicídio
doloso ( ... ) contra a pessoa de cuja sucessão se tratar" estão excluídos Esses dois simples exemplos ele conf1itos- parcial e to~al- en-
da sucessão (CC. art. 1.814. 1). Isoladamente consideradas, ambas as tre regras servem sobretudo para deixar claro que todo confttto entre
regras são aplicáveis à seguintl situação: está aberta a sucessão de um duas regras cujas conseqüências jurídicas, para o mesmo ato ou :ato.
pai-de-família que foi morto por um de seus filhos. A primeira regra sejam incompatíveis deve ser resolvido no p ano a va I a e. ~em­
exigiria a transmissão ela herança ao filho; a segunda exige que o filho pre que há conflito entre regras, hâ alguma o~ma ~ dec~araçao de
seja excluído da sucessão. Qualquer operador do direito percebe, no im·olidadc. No segundo exemplo a declaraçao de mvahclade (ex-
entanto, que a segunda regra institui uma exceção à primeira. A razão. pressa ou tácita) mais clara. Mas no ~rimei~o e~tá ela també~
d
presente. Isso porque é possível reconstruir o pnmetro exem~lo- d
instituição de uma cláusula de exceção- como uma declaraçao par-
22. Sobre esse conceito. c f. por todos. Norberto Bobbio. Teoria de// 'ordinamento cial de invalidade.ZX
giuridico. Torino: Giappichelli, 19ô0. pp. 117 e ss.
23. C f.: Robert A1exy. T!teoric dcr Gmndrcclzte. 2'' ed., p. 77 I tradução brasileira:
p. 921: Martin Borowski, Grw{(/rechte alsl'rin::.ipien, pp. 6S-69; Marius Raabe, GnuJ-
drechte und Erkenntnis. Baden-Baden: Nomos. I 998. p. 177. Cf. também Alf Ross, On 2'i. Nesse sentido. cf. a redaçáo original do art. 4" da Lei 9.43411997. .
IAlli' and Justice, p. 129 - que distingue duas formas de inconsistências parciais. De
2(). Cf.. nesse sentido, a redação do mesmo artigo prevista no <111. I c da Le1
um lado hú a inconsistencia que ele chama de "total-parcial". que é aquela que ocorre 10.211/2001. ' -
quando uma das duas IH>nnas náo pode ser aplicada em circunstância alguma sem que 27. No caso em questão. vale o primeiro critério. E claro que a rev~g:~çao. no
ent~e em contltt<~ com a outra, enquanto a outra norma teria um outro campo de apli- exemplo mencionado. foi expressa. por meio ele uma "mu~ança de recla?,a\? d~ art.
caçao no qual nao contlita com a primeira. De outro lado haveria a inconsistência 4" da Lei 9.434/1997. Isso em nada muda o exemplo, pms e apenas uma teCIHca le-
"parcial-parcial". na qual ambas as nonnas têm um campo de aplicaçáo em que entram gislativa" para resolver o prohlcma. . . . .
em cont11to e outro em que esse contlito não ocorre. 28. Nesse sentido. cf. Martin Borowsk1, Grundreclzte ais Pnn::.lplen, p. 68.
~4. Cf~ Robert Alcxy. Theorie der Gmndrechte, p. 77 [traduçáo brasileira: p. No caso utilizado isso seria um pouco contra-intuitivo, já que ambas as regras
921. lesses sao os casos que Ross chama de inconsistência "total-total" ( On l"aw and estilo contidas no mesmo Código. Mas se as mesmas regras estivessem em lets
Justice. pp. 128-129). distintas isso ficaria mais claro. A forma de encarar o problema, no entanto, pode
ser a mesma.
F
50 DIREITOS Fl'NDA~IFNT..\IS CONTEÚDO FSSI'NCL\1. RI·S IRI('OI s lc 1 I!Cc\CJ..\
PONTO DE I';\RTID;\ .-\ THJRIA DOS PRINCÍPIOS 'i!

2.2.3.2 Colisüo entre princípios


to. uma relação de precedência entre eles. Essa relação é sempre con-
As colisões entre princípios têm que ser encaradas c resolvidas de dicionada à situação concreta. 30
forma di~tinta. Segundo os pressupostos da teoria dos princípios. não
se pode falar nem em declaração de invalidade de um deles. nem em
2.2.3.3 Colisâo entre re~Çras e princípios
ii~s~ituiçã~ de uma cláu_sula de exceção. O que ocorre quando dois prin-
CI~Ios colidem- ou seja, prevêem conseqüências jurídicas incompatí- Se as normas jurídicas podem ser regras ou princípios e se exis-
veis_ para u~ I_Desmo ato, fato ou posição jurídica - é a ti ...:aç<to de re- tem conflitos entre regras e colisões entre princípios, é intuitivo que
laçoes condzctonadas de precedência. se imagine que possam também existir colisões entre uma regra e um
Como foi visto acima, 29 princípios são mandamentos de otimiza- princípio. Esse é talvez o ponto mais co~1plexo c menos exp~orado da
ção, ou seja, normas que exigem que algo seja realizado na maior me- teoria dos princípios. Isso porque, para uma eventual co!Isao nesses
dida possível diante das condições fáticas c jurídicas existentes. Essas termos, haveria duas respostas possíveis, baseadas nas duas formas de
condi?ões raramente são ideais, já que essa tendência expansiva do se soluctonar conflitos normativos vistas acima. Ambas, porém, são
conceito de princípios, que será desenvolvida com mais detalhes no problemáticas:
capítulo 3,. tende a fazer com que a realização de um princípio quase ( 1) Nas colisões entre uma regra e um princípio é necessário fazer
sempre SeJa ~estringida pela realização de outro. O exemplo-padrão um sopesamento entre ambos para saber qual deve prevalecer: nesse
para cs~e ~enomeno costuma ser a colisão entre a liberdade de impren- caso, a definição de regras como normas que garantem direitos (ou im-
sa c o direito de privacidade ou o direito à honra das pessoas. Realizar põem deveres) definitivos cai por terra, porque poderão ocorrer casos
uma ampla liberdade de imprensa pode, em muitos casos, ser incom- em que uma regra, a despeito de válida e aplicável, seja afastada. sem
~atível com a proteção ideatda privacidade de algumas pessoas. Esse que com isso perca sua validade. Além disso, um eventual sopesamen-
tip<~ de c_olisão não pode ser resolvido. contudo, a partir da declaração to só pode envolver normas que tenham a dimensâo do peso. o que
de mv_al_Idade d~ u~n. dos princípios. Ou seja, mesmo apôs a solução regras não têm. 31
da ~ol!sao os ~nnctpios da liberdade de imprensa e da proteção à pri- (2) As colisões entre uma regra e um princípio devem ser solucio-
vacidade contmuam tâo válidos quanto antes. Não se pode dizer tam- nadas no plano da validade: nesse caso. seria necessário aceitar que,
bém ,que um institui uma exceção ao outro, já que às vezes prevalecerá quando um princípio tiver que ceder em favor de outra norma no caso
um, as vezes o outro, ao contrário do que acontece no caso das regras. concreto, terá ele que ser expelido do ordenamento jurídico. Isso seria
T~do depend~rá das condições do caso em questão. Essa é a idéi; por incompatível com a idéia segundo a qual a validade de um princípio
tras do conceito de relaçôes condicionadas de prcced(;llcia.
não é afetada nos casos em que sua aplicação é restringida em favor
, Esse ~o~ceito costuma ser expresso da seguinte forma: "(P p P ) da aplicação de outra norma.
1 2
C : Isso Sigmfica, pura e simplesmente, que nos casos de colisão entre
· ' · p preva 1ece sobre o princípio
d01s• princípios, - P 1 e P 2 - o pnnctpio
1
P2 apenas nas condições daquele caso C. É possível - e provável -, 30. Cf., por todos. Robert Alexy. Thcoric der Grundrechte. 2" ed., pp. 82-83
COntudo • que em Lima SI.tU'lÇ- C' seJa . ' . p que prevaleça
. o pnncipio [tradução brasileira: pp. 97-98]. Essa idéia é resumida por Alexy por meio daquilo
• , • " < ao 2 que ele chama ele "lei de colisão", que tem a seguinte redação: "Se o princípio 1'1 tem
so~re o prmc1p10 Pl, ou seja: (P 2 P P 1 ) C'. A despeito de se tratar, nos precedência em face do princípio P 2 sob as condições C: (1' 1 P P 2 C). e se do princípio
dOis casos, dos mesmos princípios não é possível formular. em abstra- P 1• sob as condições C, decorre a conseqüência jurídica R, então. vale uma regra que
contém C como suporte fático e R como conseqüência jurídica: C -7 R".
31. Cf.. aqui, por todos, Ronald Dworkin. ii:1king Rights Seriou.\1\'. p. 26. c
:29. Cf tópico :2.2.:2. Robcrt Alexy, "Rechtssystcm uncl praktischc Vernunft'', in Rec!tt, Vemun/i. Diskllrs.
pp. :216-:217.
1>1/~U /O.'i H ·.'\/J.\,\1/·'\ /AIS CO'\ II:Coo f:SSENCIAL. RESTRIÇOI'S F EF/C.\Ci/\
PONTO DE PARTIDA: A TEORIA DOS PRINCÍPIOS

Em geral, a resposta mais comum a esses casos tenta evitar esses


essa cons . r·t 1cionalidade. Esse caso é simples, porque o resultado desse
dois problemas e é baseada em duas notas de rodapé de dois trabalhos I L . . . , • .
· . 1 , iJodc ser ou pela constrtuc10nahdade da regra- e, nesse casos,
de Alcxy, que, no entanto, não se dedica a explorar a questão. 12 Essa contro,1.c como toda regra, ser aplicada - -, ou pe Ia ·su·t'
·
por su b sunçao
resposta é a seguinte: quando um princípio entra em colisão com uma deve e <~. ~ . . , . . .• . •
. . . ·tucionalidade em face de outro pnnCipro, que sen<t, p01tanto.
regra, deve haver um sopesamento. Mas esse sopesamento não ocorre tncons 11 . _ . .· ,' ·
entre o princípio e a regra, já que regras não são sopesáveis. Ele deve . · . importante. naquela srtuaçao descnta pela regra, que o prmcipio
Ill<IIS · · , • ~ d ·land·t
ocorrer entre o princípio em colisão e o princípio no qual a regra se '10 qL' 1•11 0 leuislador
o· deu pnmaZia - nesse caso,
. _ a rcgrct e cc ' '
baseia. Essa parece ser, no entanto. uma solução problemática, e que ~mcon.. st 1· tucional e, portanto, a situação de cohsao desaparece sem que
. . . , ..
passa ao largo de um ponto central. haja qualquer modificação nos cnténos propostos nos dois toprcos
Ela é problemática porque dá a entender que o aplicador do direi- anteriores. •
to está sempre livre. em qualquer caso e em qualquer situação, para Casos mais problemáticos são aqueles em que a apl_icaçã_o da ~-c­
at~tstar a aplicação de uma regra por entender que há um princípio mais ura por subsunção, em determinado caso concreto, levana a srtuaço~s
importante que justifica esse afastamento. Isso teria como conseqüên- ~onsidct-adas incompatíveis com algum princípio constituci01_1a_l _deci-
cia um alto grau de insegurançajurídica. 13 Um dos papéis mais impor- sivo para 0 caso concreto, sem que, no entanto, essa inco~npatr~rhdade
tantes das regras no ordenamento jurídico é justamente aumentar o seja algo verificável em abstrato e, portanto, sem que hap razoes para
grau de segurança na aplicação do direito. Essa segurança é garantida n~nsiderar a regra inconstitucional.
"quando uma instância tem a competência de definir uma determinada Um caso recente pode ilustrar essa situação. Na estréia de uma de
14
linha". Essa instância, em um Estado constitucional é o leuislador
, b ' suas peças de teatro, ao final da apresentação, o diretor Gerald !homas
e essa linha é definida pelas regras que ele cria.
foi vaiado e, segundo algumas versões, grosseiramente ofendido pela
Esse é um ponto que é muitas vezes ignorado quando se pensa platéia. Em reação, o diretor exibiu as n~degas ao público, razão pela
em colisão entre regras e p!incípios. Em geraL não se pode falar em qual foi acusado, em ação penal, pelo cnme de ato obsceno._Segun~o
uma colisão propriamente dita. O que há é simplesmente o produto de
--+ um sopesamento, feito pelo legislador, entre dois princípios que ga-
0 código penal. em seu art. 233, é crime punível com detençao ~e ~res
meses a um ano, ou multa, a prática de "ato obsceno em lugar pubhco,
rantem direitos fundamentais, e cujo resultado é uma regra de direito
ou aberto ou exposto ao público". A solução para esse caso, de _fon~a
ordinário. A relação entre a regra e um dos princípios não é, portanto,
simples. seria. em caso de tipicidade da conduta, a simples ap!Icaçao
uma relação de colisão. mas um~ relação de restrição.Yi A regra é a
expressão dessa restrição. Essa regra deve, portanto, ser simplesmen- por subsunção da regra penal e da cominação da pena.
te aplicada por suhsunçâo. Mas alguns poderiam ver, aí, também uma colisão er~tre a regra
Mas há. de fato, casos em que esse cenário pode se complicar. O penal em questão e o princípio constitucional que ga~ante a IIberdad~ de
primeiro deles- c o mais simples-, é a existência de dúvidas quanto expressão. Como a regra não é, abstratamente con~Iderada, mconstitu-
à constitucionalidade da regra. 16 Nesse caso, compete ao juiz controlar cional, a única solução possível, diriam alguns, sena recorrer ao sope-
samento entre o princípio da liberdade de expressão e o princípio que
dá suporte à regra que pune o ato obsceno, que seria a proteção da
3:2. Cf. Robert Alexy. ''Rechtsregeln une! Rechtsprinzipien··. ARSP Beih 25 ordem pública c, subsidiariamente, dos "bon~ costumes". Nesse ~aso;
( I<JX5 ). p. :20, nota 3X. e Theorie der Gmndrcchtc, p. 76, nota 24 [tradução brasileira:
p. <JO. nota 24). no entanto, se se decide pela prevalência da liberdade de expressao, e
33. C f., nesse sentido. Martin Borowski. Grundrechte ais Prin::.ipicn, p. I 08. necessário aceitar que há regras que, embora aplicáveis a um caso con-
34. Idem. creto, podem eventualmente não ser aplicadas. Isso, contudo, conti~'l­
35. Cf.. sobre esse ponto. tôpico 4.2.2.1.1.
ria o caráter de definitividade da regra. Essa é, portanto, uma soluçao
36. Cf. Ma11in Horowski. Grwulrechte ais Prin::.ipien, p. 108.
a ser descartada. pelo menos nesses termos.
54 DIRIJTOS l·l'"DMviENTAIS CO"IU!DO I.SSE:'ICI:\L. RISIRI(,"(JES L EFICACI.·\
PU "'i O IH' 1'!\RTID.-\· .-\ THJRIA DOS I'RINCÍI'IOS 55

Uma solução possível para esse tipo de colisão, que seja compatí- dependente do titular da conta. A Lei 7.670/1988, em seu art. l ". 11,
vel com os pressupostos deste trabalho, seria, por exemplo, excluir a autorizava esse levantamento para os casos em que o titular da conta
tipicidade da conduta do agente. Para essa exclusão é possível utilizar era portador do HIV. A partir de determinado momento os juízes pas-
qualquer forma de argumentação jurídica, inclusive o sopesamcnto. Mas saram a se deparar com pedidos de levantamento dos valores para o
o sopesamento, nesse caso, não é uma forma de aplicação elo direito, pagamento de tratamento de seus dependentes. A regra previ_:t~ na lei
já que se trata ele colisão envolvendo uma regra, mas uma mera forma não poderia ser aplicada ao caso, já que não previa o beneftc1o para
ele argument~ção. Em sentido muito semelhante a esse foi a decisão aquelas situações. Muitos viam aí uma colisão entre o direito à vida e
elo STF no caso do diretor Gerald Thomas, nos seguintes termos: "Ten- a regra que restringia o uso do dinheiro elo FGTS. Com base nessa
do em conta as circunstâncias em que se deram os fatos - momento idéia, muitos juízes passaram a permitir o levantamento dos valores,
seguinte a uma apresentação teatral que tinha no próprio roteiro uma mesmo contra a regra legal.w •
simulação ele ato sexual, após manifestação desfavorável de um públi- Como se percebe. essa estratégia pode ser considerada como um
co adulto e às 2h ela manhã-, ellfendeu-se atípica a conduta praticada sopesaniento entre o princípio que sustenta a regra e o princípio com
pelo paciente, que, apesar de inadequada ou deseducada, configuraria ela colidentc, mas quando muito em uma primeira decisão, que, ao me-
apenas uma demonstração de protesto ou reação contra o público, que nos inicialmente, é urna decisão contra lege111. 40 Não é, contudo, um
estaria inserida no contexto da liberdade de expressão". 17 sopesamento que se repete a cada decisão. Isso porque, uma vez con-
Ou seja: não se entendeu tratar-se de ato obsceno ("entendeu-se solidado o entendimento em determinado sentido, cria-se uma regra
atípica a conduta"), mas ele mero exercício da liberdade de expressão. que institui exceção à regra proibitiva. Ou seja: os juízes, ao liberar o
Para chegar a esse resultado os ministros utilizaram-se ele elementos levantamento dos valores mesmo em casos vedados ou não previstos
da situação concreta. Poder-se-ia dizer também que um eventual so- ~ pela legislação, não fazem uma análise caso por caso, como ocorre nas
pesamento entre os princípittJs envolvidos deu mais peso à liberdade hipóteses de colisão entre princípios. O que oc?rre, como menciona-
de expressão. O que importa nessa primeira variante da argumentação do, é a criação de uma regra - por exemplo: ''E permitido o levanta-
é que não se concluiu que o ato era, de fato, obsceno mas que, apesar mento dos valores da conta do FGTS para o tratamento de saúde de
disso, a regra não seria aplicável, por ceder espaço ao princípio da li- dependentes do titular nos casos em que esses sejam portadores do
berdade de expressão. Não. Decidiu-se simplesmente que o ato não se HIV" -, e essa regra é aplicada por subsunção. Por isso, pode-se dizer
enquadrava na descrição da regra. lx que essa é uma regra como outra qualquer, que é o produto do sope-
Mas nem toda colisão entre uma regra e um princípio pode ser
reconstruída a partir da exclu.w7o de determinada conduta de um tipo 39. Esse entendimento foi também aceito pelo STJ ~ cf., por todos: REsp
penal, mesmo porque essas colisões não ocorrem apenas nesse âmbi- 240.920 (DJU 15. 12.1997). REsp 129.746 (D.IU !5. 12.1997) e REsp 249.026 (D.IU
to. Em alguns casos o que ocorre é justamente o contrário, ou seja, é 20.6.2000). Posteriormente a Medida Provisória 2. 164-41/2000 acabou por estender
necessário incluir uma conduta, um estado ou uma posição jurídica na expressamente o benefício aos dependentes dos titulares das contas do FGTS, inse-
rindo o inciso Xlll ao art. 20 da Lei 8.036/1990, nos seguintes termos: "Art. 20. A
proteção de um direito fundamentaL mas tal inclusão esbarra em um conta vinculada do trabalhador no 1-<'GTS poderá ser movimentada nas seguintes situa-
preceito contrário ele uma regra. Um caso muito freqüente nesse sen- ções: ( ... )XIII ~quando o trabalhador ou {JiWlquer de seus dependentes for portador
tido é o levantamento dos valores da conta do Fundo de Garantia do do vírus Hrv·· (grifei).
Tempo de Serviço (FGTS) para pagar o tratamento de saúde de um 40. No mesmo sentido ~ ou seja. reconstruindo decisões contra legem como
decisões em casos de colisão entre regras e princípios-. cf. Juha Poyhonen, "Ausle-
gung contra Iegem ais ein dekonstruktives Spiel von Regeln une! Prinzipien im Recht",
37. HC 83.996 (DJU 26X2005) Rechtstheorie 20 ( 1989): 211-220. Em português, sobre argumentação contra legem,
38. Tanto isso é assim que os ministros vencidos. por entenderem ser a conduta c f.. por todos, Thomas da Rosa de Bustamante, Argumentaçüo "contra legern ",Rio de
típica, negaram a concessão da ordem de haheas corpus. Janeiro: Renovar. 2005.
PONI'CJ DE PARTIDA ATEORI;\ DOS PRINCÍPIOS )7
Dllnll OS H 1i\ I>Ai\ILN I AIS: CO:\i !'E liDO lcSSEi\CIAL. KESTRI('(JI S 1: EFIC·\Ci.·\

sarnento entre dois princípios. A única diferença é que ela não decorre pretação". 44 A afirmação de Á vila é, sem dúvida. _correta~ já que o
de uma disposição legal, mas de uma construção jurisprudencial. Mas modo de aplicação. de fato, não decorr,e do texto ob_1eto de mtcq~ret~­
seu processo de surgimento- sopesamento entre princípios -e apli- ção. mas da interpretação desse texto. E ponto pacífico que a dtstmçao
cac_:ão - subsunção -é o mesmo. Se se puder falar em algum sopesa- entre regras e princípios n;-to é uma distinção entre textos. ma~ entre
mcnto. portanto, é apenas nesse processo de surgi mcnto. mas não no normas. Nesse sentido, portanto, não há grandes problemas no tato de
processo de aplicação. Uma vez criada a exceção. vale para ela tam- que o texto e seus operadores deônticos não dêem indicaçõ~s precisas
bém o racioc_ínio de direito ou dever definitivo, típico elas regras.~ 1 sobre o tipo de norma que surgirá de sua interpretação.~" E tarefa do
intérprete definir se a norma, produto da interpretação. é urna regra ou
um princípio. Qualquer distinção das normas jurídicas em mais de uma
2.3 A crítica de Humberto Ávila categoria - e a ênfase no ''qualquer" é,.
aqui. fundamental - terá que
secruir sempre esse raciocínio. O texto legal, em geral, utiliza-se sem-
Em artigo publicado há poucos anos já me posicionei criticamen- pr: da mesma linguagem e dos mesmos operadore~ de7n~in~s. N/io é o
te em relação às teses sustentadas por Humberto Á vila sobre a distin- fegisladbr que tem que se preocupar com eventums (ÚsfliiÇ'Oes e clas-
ção entre regras e princípios. 42 Não pretendo retomar todas. aqui. sificaç·r)es dogmáticas, mas o intérprete e o aplicador do direito.
Mais importante será a análise do desenvolvimento que Á vila deu às Mais importante. contudo, que a questão anterior são os exemplos
suas teses, em monografia publicada posteriormente.~ 1 Isso porque. se reais que Á vila utiliza para demonstrar que também as regras podem
as teses de Á vila estiverem corretas, muitas das conclusões deste tra- passar por uma espécie de sopesamento para serem aplicadas. Em to-
balho também poderão ser colocadas em xeque. Daí a importância de, dos eles, uma regra "aparentemente absoluta" foi relativizada em sua
preliminarmente, abordar essas teses. aplicação, não produzindo os efeitos que teria produzido se. de fato,
tivesse sido aplicada em sua inteireza .

2.3.1 Ponderaçâo de regras


• Um dos exemplos é uma polêmica decisão do STF: o HC 73.662.
4
(>

Nessa decisão estava em jogo a regra contida no art. 224 do código


Humberto Á vi la sustenta que em muitos casos também as regras. penal, segundo a qual nos chamados "crimes contra os costumes" há
ao serem aplicadas, devem passar por um processo de ponderação ou. presumida violência quando a vítima tem idade i1_1f~rio~ a 14 anos_. ~o
se não isso, pelo menos por um processo de consideração das circuns- caso em questão, segundo a reconstrução que A v tia taz da dectsao,
tâncias fáticas da aplicação da norma jurídica reputada como regra. dadas "circunstâncias particulares não previstas pela norma, como a
aquiescência da vítima ou a aparência física e mental ele pessoa mais
Em primeiro lugar. Á vila sustenta que isso decorre do fato de que
"o modo de aplicação não está determinado pelo texto objeto ele inter-
44. Idem, p. 44. .
45. Cf.. nesse sentido, Virgílio Afonso da Silva. "Princípios e reg;as: mrtos e equí-
41. O caso do furto de bagatela é semelhante: cria-se uma regra que será aplica- vocos acerca de uma distinção", p. 617. Assim, quando Humberto A vila (Teoria dos
da por subsunção sempre que o fato se enquadrar na sua hipótese (fur1o de coisa de principios. p. 45) se refere a "alguns exemplos de normas que preliminarmente indicam
valor ínfimo). um modo absoluto de aplicação mas que. com a consideração de toda~ as circunstân-
42. Cf. Virgílio Afonso da Silva. "Princípios e regras: mitos e equívocos acerca cias. terminam por exigir um processo complexo de ponderação de raziies e contra-ra-
de uma distinção", Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais L (2003): zões". ele só pode estar se referindo ao processo de interpretação de um dispositivo
607-630. Na época, minha análise fazia referência ao artigo Humber1o Á vila. "A constitucional ou legal. Não se trata, portanto, de uma norma que parecia ser uma regra
distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade ... mas que era, na verdade. um princípio. A distinção entre regras e principios só se efe-
Rcl'ista de Direito Administrativo 215 ( 1999): 151-179. tiva ao fim da interpretação. Se o intérprete imaginai'!/ algo e. depots. concluru por algo
43. C f Humberto Á vila, Teoria dos princípios: da definiçào i/ ap/icaçiio dos diverso. isso em nada muda a proposta de distinção entre regras e principio.\·.
principio.\· jurídicos, Xc~ ed., São Paulo: Malheiros Editores. 200X. 46. RTJ 163. 1028.
IJIRITIOS 1·1 '\ll\\11:'\1 \I\ I'OVII.I'IJI) f:SSI:NCIAI .. RESI'RIIJ>ES E Ffi('.·Ú'L\ P0:-1 10 DI- PARTID;\· A TEORIA DOS PRINCÍPIOS

velh~t·:.~~ cntendeu~se por não configurado o tipo penal. "apesar ele os exemplo utilizado no tópico 2.2.3.:3 -o caso Gerald Thomas- não é
requiSitos normativos estarem presentes'". 4 s A argumentação ele Á vila muito diferente do exemplo utilizado por Ávila. Em ambos os casos o
pode ser. aqui. objeto de algumas consicleraçôes. sopesamento se clú única c exclusivamente com a finalidade de se de-
Em primeiro lugar porque não é possível argumentar contra uma jtnir se o fato em questâo é típico, ou nâo, ou seja, se se enquadra, ou
construção teórica recorrendo ao simples fato ele que esse ou aquele não. na hipótese descrita pela norma. Ora, nesse sentido- e como já
tnhwwl dendtu deforma dil·ersa. Decisões que contrariam teorias _ foi mencionado -, o sopesamento, aqui, não é uma forma de aplica-
positivistas. j~1s~aturalistas etc.- existem aos milhares. e não é preci~ cüo. mas uma forma de interpretaç-âo. O sopesamento tem como fina-
so. procurar muito para achú~las. Apontar problemas em uma teoria lidade definir se o fato se enquadra na norma. Em caso afirmativo, a
exige que prohlcmas internos (t ela sejam demonstrados. regra deve ser aplicada; em caso negativo, não. Como se vê, a estru-
. Em segundo lugar. parece~ me que a decisão elo STF- mais espe~ tura da regra permanece intacta. •
~Ialmcnte o voto elo Mm. Marco Aurélio- pode ser reconstruída de Não parece ser diferente o que se lê implicitamente no texto de
formas 1:1llito diversas da escolhida por Á vila, em alguns casos partin- Á vila, já que ele mesmo fala em "não configuração do tipo penal". 52
do-se ate mesmo de pressupostos muito semelhantes. Ora, se• o tipo penal não se configurou, a regra nem poderia ser apli-
_ Assin~, antes de mais nada, poder-se-ia argumentar que uma deci- cada. Se o tipo penal se tivesse configurado, sem dúvida teria sido ela
s<~o _que nao tenha respeitado a clara norma extraída do art. 224 do aplicada, e por subsunç'âo.
cod1g_o JX~I~al é. pura c simplesmente, uma decisão contra legem.4 9 Se Como se percebe, são muito diferentes a hipótese que Á vila cha-
a dec~sao tiver s1do, de fato. contra legem, ela simplesmente terá des- ma de "sopesamento na aplicação de regras" e as hipóteses de sope-
respeitado _o car;ít~r abs_oluto que as regras deveriam ter, segundo a samento entre princípios. Nesse último caso parte-se do pressuposto
rcconstruçao que /\vJ!a faz da teoria de Alexy. de que os princípios em colisão sâo, de fato, aplicáveis, mas nem to-
M~t; ~~~de_ ser que o pro~lema esteja localizado em outro ponto. dos poderão ser aplicados em sua maior medida. No caso utilizado por
Como .J<l f01 VIsto ac11na,'" se existem duas espécies de normas_ re- Á vila a regra é considerada não-aplicável, por não-configuração de
gras e princípios-. é perfeitamente plausível supor, com as relativiza- seu suporte fático.
çôes expostas anteriormente, que não existam apenas conflitos entre O que Á vila quer ressaltar- e já havia ressaltado em outro traba-
regras e colisões entre princípios, mas também colisões entre uma re- lho. também 53 - é que a aplicação das regras não é, como alguns afir-
gl~a e um_ prin~ípio. Como também já foi visto acima, a solução para mam. algo automático. mas algo que pode também "dar trabalho" e
ta1s_ conftttos e um ponto polêmico na teoria de Alexy. No caso da so- custar muito esforço interpretativo. Segundo ele, também as regras pre-
luçao por ele proposta percebeu-se que não se exclui a necessidade de cisam, "para que sejam implementadas as suas conseqüências, de um
sopesamento nos casos de colisôes entre uma regra e um princípio. processo prévio -e, por vezes, longo e complexo como o dos princí-
Mas_ esse sopesamento, como o próprio Alexy também sustenta, ocor- pios -de interpretação que demonstre quais as conseqüências que se-
re na~2 entre a r~gr~1 ~o princípio colidentes, mas entre o princípio em rão implementadas"."4 Ora, quanto a isso não há dúvida, e nem Alexy
questdo e o pnnC!pto que sustenta a regra que com ele colide.' 1 O nem qualquer outro adepto da teoria dos princípios sustentam o con-
trário. Em nenhum momento se defendeu que a diferença entre regras
47. Humberto Ávila, li·m·iu dos principias. p. 45.
4!( Idem.
52. C f. Humberto Á vila. Teoria dos princípios. p. 45.
49. ~ess~ sentido é o voto do Min. Néri da Silveira na mesma decisão. 53. Cf. Humberto Ávila. "A distiw;ão entre princípios e regras e a redefinição
50. Cf. lOp!CO 2.2.3.3.
do dever de proporcionalidade". p. Iól.
( 5 I· c~·- Robert Alcxy. "Rcchtsregeln und Rechtsprinzipien ... ARSP Beiheft 25 54. Humberto Ávila ... A distinção entre princípios e regras e a redefinição do
(I )X5). p. _(), nota 3X. ·
dever de proporcionalidade ... p. I ó I; do mesmo autor: Teoria dos princípios, p. 4X.
lliRI:ITO\ I! .'\llAMf::'\T,\IS: CO:'-;TL(IIJO 1-.SSLNCIAL. RISIRI('(JicS L I:I·IC\CI.·\
PONTO DE PARTIDA::\ TEOR I.\ IJOS PRii\:CÍI'IOS I >i

c princípios está na dificuldade de interpretação ou na vagucza de seus urna pessoa (José): cumprir promessas e ajudar os amigos. Se José
termos. A diferença. como já se viu. é estrutural, e implica deveres de promete ir ao aniversário de um amigo mas, quando estava a caminho,
estrutura diferente e formas diferentes de aplicação. Como já salientei recebe um pedido desesperado ele ajuda ele outro amigo que está muito
em outro trabalho, não é possível confundir "tudo-ou-nada" ou .. sub- deprimido por problemas em seus relacionamentos pessoais c precisa
sunção" com '"automatismo" ou "facilidade na interpretação"." desabafar, José vê-se diante de uma situação em que apenas uma de
suas normas de conduta pode ser realizada. Cabe a ele ponderar c dc-
2.3.2 O ''peso" das regras cidir.'x Isso não significa, contudo, que alguma dessas normas tenha
deixado ele reger a viela ele José. Certo que não. Isso porque ambas são
Á vila usa dois exemplos para demonstrar que não apenas os prin- normas que impõem deveres primafacie que, na situação concreta, em
l cípios, mas também as regras têm a chamada dimensâo do peso. Como caso ele colisão, deverão passar por um t>rocesso de ponderação, para
conseqüência, seria viável afirmar que é possível que uma regra ceda que se decida qual deverá prevalecer. Em outras situaçf1es de co! isão
preferência a outra, em determinada situação de colisão, sem que, com a decisão poderá ser diferente. Em resumo: por imporem deveres pri-
isso. se torne inválida e tenha que ser expurgada do ordenamento jurí- mafacie~ tais normas têm a estrutura de princípios, na terminologia e
dico, na forma como propõe Alexy. . na classificação ele Alexy.
O primeiro exemplo é o seguinte: uma regra do código ele ética Ora, parece-me claro que ambas as normas do código de ética
médica prescreve que os médicos devem dizer toda a verdade sobre médica mencionadas por Humberto Á vila, ao contrário do que ele afir-
as doenças de seus pacientes; e outra, que os médicos devem utilizar ma, nâo sâo ref?ras, mas princípios. E, como princípios. o caso men-
todos os meios disponíveis para curá-los. Diante disso, Á vila pergun- cionado, que depende ele ponderação para ser decidido. segue perfei-
ta:"( ... ) como deliberar o que fazer no caso em que dizer a verdade ao tamente o modelo proposto pela teoria elos princípios.
paciente sobre sua doença ir. diminuir as chances de cura. em razão Por fim, o segundo exemplo usado por Á vila. Há duas regras que
do abalo emocional daí decorrente? O médico deve dizer ou omitir a entram em conflito. A primeira delas é a regra contida no art. I~ da Lei
verdade? ( ... )''. 5r'
9.494/1997, que veda a concessão de liminar contra a Fazenda ~úbli­
Segundo Ávila, tais casos demonstram que a decisão envolve urna ca que esgote, no todo ou em parte, o objeto litigioso. Segundo A vila.
atividade de sopesamento entre razões, e que as duas regras permane- ·'essa regra proíbe ao juiz determinar, por medida liminar. o forneci-
cem, portanto, válidas, ainda que possam entrar em con!lito no caso mento ele remédios pelo sistema de saúde a quem deles necessitar para
concreto. viver". 59 A segunda regra decorre da interpretação do art. 1" da Lei
Uma questão parece-me fundamental para o início da análise des- 9. 908/1993 do Estado do Rio Grande do SuL que obriga que o juiz
se caso: com base em que parâmetros essas duas normas em colisão determine, se for o caso por medida liminar, a concessão de remédios
foram c_lassificadas como regras? Respc_>nder a essa pergunta parece- pelo sistema de saúde a quem deles necessitar para vivcr. 60
me de fundamental importância. mas A vila não o faz. Ao que tudo
indica, essa é uma situação muito semelhante àquela que usei como
5X. Sobre esse problema. clássico no âmbito da filosofia moral. cf., por exem-
exemplo em trabalho acima citado. 57 Duas normas regem a vida de plo. W. D. Ross, The Right and tlze Good. pp. 19 e ss. e 30 e ss.: Richard M. llare.
Moral Thinking, pp. 27 e ss. e 38 e ss.; Kurt Baicr. The Moral Point o/Vieu·. pp. 102
e ss.; John Searle, "Prima Facie Obligations", in Joseph Raz (org.), Pra<"lical Reaso-
55. Cf. Virgílio Afonso da Silva. "Princípios e regras: mitos e equívocos accrL·a ning, Oxford: Oxford University Prcss, 197X, pp. X4 e ss.: Bcrnard Williams. "Con-
de uma chsttnção ... pp. 616-617.
tlict of Values". pp. 73 e ss.
56. C f. Humberto Á vila. Teoria dos princípios, p. 53.
59. Humberto Á vila, Teoria dos princípios. p. 53.
57. Cf. Virgílio Afonso da Silva, "Princípios c regras: mitos e equívocos acerca
de uma distinção", pp. 618-619. 60. Trabalho, aqui, com a interpretação que Humberto Á vila faz do disposto no
mencionado artigo da lei estadual do Rio Grande do Sul. ainda que não me pareça que
F
DI In. I I I lS ll '\[) \\11:'1 1\IS CONTJ.(IJ)() I·:SSFNC'IAL. RESTRI('(li:S L EFICM'L·\ I'OI'TO I lL I'AKI!Il!\: .\ fEORIA DOS PRINCÍPIOS
ó2

Segundo Á vila: ··Embora essas regras instituam comportamentos ele ret1namentos de Ávila sejam procedentes. 61 O segundo requisito é
contraditórios. uma determinando o que a outra proíbe", não seria ne- rarnbém trivial. mas muitas vezes passa despercebido: refinar e desen-
cessário .. declarar a nu! idade de uma das regras. nem abrir uma exce- ,·o]vcr classificaçôes mais gerais só faz sentido na medida em que o
ção a uma delas .. _'' Segundo ele: .. 0 que ocorre é um conflito concreto
1 objeto de estudo assim exige c, sobretudo, se tais refinamentos tiverem
entre as regras. de tal sorte que o julgador deverá atribuir um peso co.mo resultado um ganho em clareza analítico-conceitual. 64 Tampouco
111aior a 11111a das duas. em razão da finalidade que cada uma delas visa parece ser o caso. ~sso ~cará claro ,'n~is adia~~e, quando fo~. analisada
a regra da pmporcwnalidade, que A v tia classifica como um postulado
a preservar: <'"lU prevalece a finalidade de preservar a vida do cidadão,
normativo aplicativo". 65 Mas não somente a adição dessa categoria não
ou se sobrepôe a finalidade de garantir a intangibilidade da destinação
traz ganhos em clareza analítico-conceitual. Também as redefiniçôes que
já dada pelo Poder Público às suas receitas''.ü 2
Á vila sugere para os conceitos de regra ~ princípio mais confundem
Não me parece. contudo, que esse raciocínio deva ser levado a ca- que esclarecem a distinção. Confundem sobretudo por inserirem um
bo pelo juiz. ao decidir o caso. Parece-me muito claro que há. sim, a
instituição de uma exceção. decorrente de uma relação de especialida-
. .
sem-número de elementos nas definições, que. além de dificultarem so-
bremaneira sua intelecção. não são elementos imprescindíveis à corre-
66
de e generalidade. regida pela máxima !ex specialis derogat !ex gene- ta e suficiente distinção entre os dois conceitos.
rali. Se o demandante corre risco de vida e, para tanto, somente ará-
pida decisão- liminar-- do juiz pode salvá-lo, estamos diante do dever
Com isso. conclui-se este capítulo, que pretendia expor, breve-
especial. Nos outros casos, não presente a exceção baseada na especia-
mente. um elos pressupostos teóricos do presente trabalho. O mais
lidade, aplica-se a norma geral. Espaço para sopesamento não há. importante. neste ponto, era lixar conceitos. Assim, sempre que se
mencionar o conceito de princípio. neste trabalho, deverá ser ele
2.3.3 Conclusüo
63. Em muitos casos as propostas de Á vila não são meros refinamentos. mas
Como tentei demonstrar nos tópicos anteriores, as críticas de Hum- rejeiçües dos pressupostos 4ue aqui são tomados como corretos.
berto Á vi la aos pressupostos teóricos do presente trabalho, consubs- 64. Em st:ntido semdhante. cf. Mattin Borowski, Grundrechte als Prin~ipien.
tanciaclos sobretudo na teoria elos princípios. não são convincentes. É p. 77.
65. Cf. Humberto Ávila. 7i'oria dos princípios, p. 162.
claro que é sempre possível- e. muitas vezes desejável- refinar uma ó6. Analisar um a um os termos das definições de Ávila exigiria mais espaço
classificação e seus conceitos. Mas há dois requisitos essenciais aos que o disponível nestt: trabalho, que não é, como já mencionado acima (cf. tópico
quais não se pode deixar de dar a devida atenção. O primeiro deles é 2. l ), um trabalho específico sobrt: a distinção entre regras e princípios. Apenas como
finalização deste ponto - em nota de rodapé - transcrevo a seguir as definições de
mais que óbvio: refinamentos só fazem sentido se teoricamente pro-
"princípio" t: "regra" propostas por Á vila. Talvez a transcrição seja suficiente, nos
cedentes. Não me pareceu, pela análise feita acima, que as propostas limites deste trabalho. para ilustrar o que pretendi salientar com relação a uma even-
tual falta clareza analítico-conceitual. Segundo Á vila. princípios são "normas imedia-
tamente finalísticas. primariamente prospectivas e com pretensão de complementari-
de seu texto decorra a norma apontada por ele. O art. 1ºda Lei 9.908/1993 do Estado dade e dt: parcialidade. para cuja aplicação se demanda urna avaliação da correlação
do RIO Grande do Sul dispôe o seguinte: "O Estado deve fornecer. de forma oratuita entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida
d" b '
como necessária à sua promoção": já regras são "normas imediatamente descritivas.
me tcamentos excepcionais para pessoas que não puderem prover as despesas com
os retendos medicamentos. sem privarem-se dos n:cursos indispensáveis ao próprio primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para
sustento c de sua tamília ... Nilo é possível aqui. contudo. entrar em detalhes acerca do cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalida-
papel do jui;: na imp~ementação de políticas públicas. como é o caso. de que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicarnente sobrejacentes.
ó I. Humberto A vila. "fi'oria dos princípios, p. 53. entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos
ó2. Idem (st:m grifos no original). fatos" (Teoria dos princípios. pp. 78-79).
compreendido como mandamento de otimi;,açúo, ou seja, como norma
que g~r~ntc_ direitos o,u impõe deveres prima facic. Não. se fará. portem-
to. referenc1a a pnnC!pLO como di.\posiç-âojillldamenta! de um sistema
o~I algo se:_mclhante. O mesmo vale para as regras: quando menciona~
dct~, estarao sempre en~ contraposição aos princípios, ou seja, como
no1mas que garantem direitos ou impõem deveres definitivos.
Capitulo 3
O SUPORTE FÁTICO
DOS DIRf<../TOS FUNDAMENTAIS

3.1 Jntrodlt("ÜO. 3.2 Conceito.\ de Sllf>Orte fático: 3.2.1 Elementos


do conceito de suporte fático - 3.2.2 Suporte jâtico, âmhito de
protcçüo e intervenciio. 3.2.2.1 Àml>ito de protecúo- 3.2.2.2 Inter-
venção estatal- 3.2.2.3 A colllf>o.li('ÜO do suporte jâtico- 3.2.3 Um
modelo alternativo - 3.2.4 Direito.\ a prestacões: 3.2.4.1 Direitos
sociais - 3.2.4.2 Direitos a prestaç·iies on sentido amplo. 3.3 Su-
porte fático amplo e suporte jiítico restrito: 3.3.1 5)uporte jâtico
restrito: 3.3.1.1 A dejini('llO do contoído do suporte fático restrito:
3.3.1.1.1 /ntcrpretaçrlo lzistrírico-si.ltemática- 3.3.1./.2 Âmbito da
norma e especijicidwle (Friedrich A1iil/er) - 3.3./.1.3 A prioridade
das liherdades húsicas (.lol/11 Rtl\1'/s) 3.3.1.1.4 Vwrence Tribe e os
dois caminhos da liberdade de nprnsão -- 3.3.2 Suporte fático
amplo: 3.3.2.1 l'onto de f)(lrtida: pmhlenws do suporte j{ítico res-
trito: 3.3.2.1.1 Conserwu/ori.1zno - 3.3.2 .1.2 Exclusúo a priori de
condutas- 3.3.2.1.3 Regulacüo e restriçüo: 3.3.2.1.3.1 Análise de
caso: direito de reunido e AIJI 1.91)'-) -- 3.3.2.1.3.2 Regulamcntaçr)es
restritivas- 3.3.2.1.3.3 Restricrlcs permitidas- 3.3.2.2 Suporte fá-
tico amplo: características c conseqiihrcias: 3.3.2.2.1 Característi-
cas- 3.3.2.2.2 E/t'itos- 3.3.3 Análise de casos: 3.3.3.1 Uherdade
de imprensa (ADIIMC 2.51)1)): 3.3.3.1.1 .''útporte fático restrito -
3 .J .J .1 .2 Suporte jâti<·o amt>lo: 3.3.3.1.2 .I Suporte fático amplo e
vedaçüo de censura - 3.3 .3.1.2 .2 Suporte amplo c possibilidade de
restriçiio- 3.3.3.2 Sigilo lmnnírio (MS 21.72'-J): 3.3.3.2.1 Suporte
fático restrito- 3.3.3.2.2 Suporte jâtico amplo- 3.3.3.3 Análise de
casos: conclusâo.

3.1 Introdução
Suporte fático é conceito quase desconhecido no direito consti-
tucional brasileiro. No campo jurídico seu uso é limitado quase que
apenas ao direito penal. no âmbito do qual é também chamado de ti-
O SLII'ORIE Fknco DOS DIREITOS HiNIJAMENTAIS

po: 1 ao direito tributário. em que costumam ser preferidas as expres- ..- fundamental na o-arantia constitucional da liberdade individual
tnt(,do o . . l. I
sôes fato gerador 2 e hipótese de incidência:' e ao direito civiL sobre-
A

.• ) )oder estata1". 7 Na mesma lmha, ameia que no am 11to L o


conttct ( 1 ., . . f'.
tudo entre os civilistas influenciados por Pontes de Miranda.~ r) ·· v·1do Pontes ele Miranda Ja falava no suporte at1co como
!Ire1to t 11 '
. ·
' · . .
Por que o conceito de suporte fático quase sempre passou ao lar- ( ceito da mais alta relevância para as exposições e as mvestiga-
.. con ,. .. x
~o do direito constitucional brasileiro? Parece-me ser, aqui. possível ·()es c ient1 ti c as '
formular uma hipótese. baseada em duas variáveis. De um lado, por- '< Neste capítulo o objetivo central é. ao mesmo tempo. fixar o con-
que o direi~o constitucional brasileiro, sobretudo o anterior à consti- 'd) do conceito de suporte fático a ser usado neste trabalho c discu-
tui~.;ão de 1988, sempre foi um direito constitucional da organi::.oçüo
reu ( . . A • d" · .
. . )ossibilidades de amplitude desse conceito no amb1to dos treitos
t1r as 1 · · , . , .
estatal. da organização dos poderes, c menos um direito constitucio- . damentais. Como ficará claro. há du~s tendenctas bas1cas e contra-
nal dos direitos fundamentais.' Como se verá. é no âmbito dos direitos tun r, . . \
)os tas nesse ponto: suporte fático amplo vs. suporte .~atzco restn to. 1
fundamentais que o conceito de suporte fático tem sua aplicação por 1 . ·. Ll'lÍ a Jiuação deste capítulo e elo problema da amplttude do
pat 111 ' , o , . . ,
excelência no direito constitucional. De outro lado, porque o método suporte .fático co~ o pre~suposto t_eonc(~ defi~uclo no capitulo 2_ reve-
de trabalho analítico é menos comum no direito constitucional brasi- la-se em sua plemtude: amda que tsso nao seJa, em geral. ap:ecnd1do
leiro. E é sobretudo a partir da dogmática analítico-conceitual''- pre- la doutrina e pela jurisprudência. aceitar os pressupostos teoncos da .A
ocupada. entre outras coisas, com uma minuciosa análise conceitual e ::~)ria dos princípios nos moldes desenvolvidos por Alexy in_lF~ica
com a reconstrução de complexos problemas teóricos e prúticos a necessariamente a rejeição elas teorias restritas sobre o suporte fattco.
partir de seus elementos constitutivos mais simples- que a necessida- A não-atenção a essa exigência pode ser, como será exposto ao tirn do
de c. sobretudo, a utilidade da definição de um suporte fático para os capítulo. fonte de inúmeros problemas.~®
direitos fundamentais ficam patentes. Não são poucos os autores que,~
nesse sentido. apontam a <.\ffinição do suporte fático dos direitos fun-
damentais e sua relação com o conceito de restriçâo como uma "cons- 3.2 Conceitos de suporte fático
Uma primeira distinção importante, quando se fala em suporte
I. Cf.. por todos. Heleno Cláudio rragoso. LiçiJes de direito penal: fhlrte gemi. j(ítico. é aquela entre suporte fático abstrato e suporte fútico concrew.
1-1-' ed .. R io de Janeiro: rorense. 1992. p. I 53. .)'uportcj(ítico abstrato é o formado, em linhas ainda gerais, por aque-
2. C f.. por todos. Aliomar Baleeiro. Direito trihutário hrasi{eiro. 10" ed .. Rio de les fatos ou atos do mundo que são descritos por determinada norma
.Janeiro: Forense. 19Xl. pp. 454 e ss.
3. Cf.. por todos, Alfredo Augusto Becker. Teoria gera{ do direito tri!mtúrio,
c para cuja realização ou ocorrência se prevê determinada conseqüên-
São Paulo: Saraiva. 1963, pp. 288 e ss .. que critica severamente a utilização da ex- cia jurídica: 10 preenchido o suporte fático, ativa-se a conseqüência ju-
press<lo ··fato gerador". mais comumente utilizada pela literatura jurídico-tributária
no Brasil.
4. C f.. por todos, Marcos Bemardes de Mello. Teoria do fato juridico. São Pau- 7. :vtichael Kloepfer, "Grundrechtstatbestand une! Grundrechtsschranken in der
lo: Saraiva. 1991, pp. 33-53. Rcchtsprechung des Bundesverfassungsgerichts", in Christian Starck (org.). Bunde.l·
5. Que esse quadro mudou radicalmente desde a promulgação da atual Constitui- verfús.\llllgsgericht und Gmndgeset::.. vol. li. Tübingen: Mohr. 1976. ~: 407. No
<.;ão é algo que é pacífico. Os constitucionalistas da geração pós-1988. até por uma mesmo sentido. cf. Klaus Stern, "Die Gmndrechte une! ihre Schranken . In l'eter
exig0ncia da própria Constituição, passaram a dar cada vez mais atenção aos direitos Badura/llorst Dreier (orgs.). Festschrift 50 Jahre Bundesverjús.wngsgericht. vol. 11.
fundamentais. ainda que haja muitos ainda presos à antiga tradição de ênfase na orga- Tübingen: Mohr. 200 I, p. 2.
nizaç<lo estatal. Para se ter uma boa idéia disso. basta analisar muitos dos manuais de X. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t. l. 4" ed .. Silo Paulo: Ed. RT.
direito constitucional existentes e ver. em vários casos, a pouca atenção dada aos di- 1983. p. 3.
reitos fundamentais. em favor de temas como organizaç<lo dos poderes e repartiç<lo de 9. Cf.. ainda que de fonna breve, sobre esse tema, Virgílio Afonso da Silva.
competências. ··Interpretação constitucional e sincretismo metodológico", pp. 136-140.
6. Sobre o método dogmático analítico, cf. tópico 1.3. acima. IO. Nesse sentido, c f. Pontes de Miranda. 7haado de direito pril'lulo. t. l. pp :l-4.
lll RI-.! I'OS l·t li\'IJ,\ME"-'T·\IS C< >N J'E(iDO FSSióNCIAf .. RFSTRI('ÜES I' EFIC\CI..\ o .q !PORTE !·A li CO !lOS DI RF-.11 OS l·t: "iDAML:'-ITAIS

rídica. Suporte fático concreto. intimamente ligado ao abstrato. é a . , ,ratH.le público seu talento, resolve, recorrendo a seu direito
tr'll
' .cto ·t gcional
' ·-
de reumao , ·
(CF. art. 5", XVI). fazer um concerto em o-
l
ocorrência concreta. no mundo da viela. elos fatos ou atos que a norma ·onsti u , . . . cl , ..
~- , berto ao público no horano ele mmor movimento. e autorn~we1s,
jurídica. em abstrato. juridicizou." Na perspectiva deste trabalho. o
que mais de perto importa é o primeiro sentido dado ao suporte fático c: 11 1
.' venida mais movimentada de sua cidade, em cups cei.·camas se
1
nct .' t 1., 1111 dezenas ele hospitais importantíssimos. As autondacles lo-
- ou seja. o conjunto ele elementos fáticos que a norma jurídica em 'lllon ' ~ · ·b·l· i' d
c .. com fundamento no transtorno para o transito, na poss1 1 IC à e
abstrato prevê e a ele imputa determinada conseqüência. A veriticação cats. -res ou jJiora no quadro de sauc , 1e d aque 1es que t~em que s'er trans. -
da ocorrência do suporte fütico em sentido concreto dependerá, como 1
~
de 111° . tos · por ambulanctas . · ·
para os retendos • · · ·•
hospttdiS e, por fi m, em
ficou claro: da sua configuração em abstrato.
po~t..tch.dimensüo meramente individual, festiva e interesseira do even-
Ainda que. inicialmente. a caracterização elo suporte fático possa v tsl.t c ' . . . . ,' . , ·"'
., ·olvem prOibt-lo. Dtante desse cem1no, Vdrtas perguntas sao pos-
parecer algo simples ou. ainda, despido de grandes conseqüências teó- to. I es . , , , . d cl. .
, , · .. (·t) () ato "'shmt· de rock no meto da rua e exerctcio o Iretto
ricas ou práticas. não é exatamente o que ocorre. Embora normalmen- stvets. ' , . . . ·-
. ·a-•)'l (b) Há colisão entre o excrciCIO do direito ele reumao e o
de reu 111 '' · A • •

te sem referência à expressão "suporte fático" ou a alguma teoria so- direito à' vida daqueles que podem m01:er nas am.bul~nctas em vista
bre ele, é comum que se pergunte se esse ou aquele ato, fato ou estado dos problemas no trânsito ele automóveis? .(c) Qt~ats s<:~o ~s f~rmas ele
é protegido por essa ou aquela norma que garante um direito funda- resolver o problema? Sopesamento entre direitos? De!Imitaçao de um
mental, ou se essa ou aquela ação estatal configura, ou não, uma inter- ·1 'I Exclusão de determinadas situações- por exemplo, "slzmt' de
c1e es. . · 1 ·d '?
venção nesse âmbito de proteção. Essa é - embora ainda superficial- rock no meio ela rua" - da garantia de algum elos dtrettos envo VI os.
mente falando- uma discussão sobre a configuração do suporte fático As respostas a essas perguntas dependem. entre outras coisas, ela
dos direitos fundamentais. Assim, as conseqüências do que se entende definição elo que seja suporte fático, ela anülise elos e~ementos ':!.ue o
por suporte fático e, sobretudo, de sua extensão são enormes e de vital~ compõem e. por fim, da fundamentação de sua extensao. Esses ~ao c~s
importância na teoria e na 1Jr<Ítica dos direitos fundamentais. E essas problemas que guiam a análise deste ~,apítulo. E, como se vera m~Is
conseqüências não são somente o incluir determinada conduta no su- adiante, definir o conceito de suporte fattco dessa ou daquela maneira
porte fático de um direito fundamental ou dele a excluir. Embora essa tem imp011antes conseqüências na forma ele conceber o conteúdo es-
já fosse, em si, uma conseqüência prática ele grande importância, há sencial dos direitos fundamentais.
outras que, a despeito de seu significado, costumam passar desperce-
bidas. A forma de aplicação dos direitos fundamentais - subsunção,
sopesamento, concretização ou outras - depende ela extensão elo su- 3.2.1 Elementos do conceito de suporte fático
porte fático: as exigências de fundamentação nos casos ele restrição a Pelo menos em sua funçüo de defesa - ou seja, como liberdade
direitos fundamentais dependem ela configuração do suporte fático; a pública-, o conceito de direito fundamental·é· formado ~or. um~ séri ~
própria possibilidade de restrição a direitos fundamentais pode depen- de elementos que podem- e devem- ser analiticamente distmglllclos. -
1
der do que se entende por suporte fático; a existência ele colisões entre Isso porque, além da exigência que um enfoque analítico impõe no sen-
direitos fundamentais, às vezes tida como pacítica em muitos traba- tido dessa distinção, será facilmente perceptível- como já se mencionou
lhos e decisões judiciais. depende também de uma precisa determina- acima- que as diversas formas ele se encarar os fenômenos elas restri-
ção do conceito de suporte f<itico. ções aos direitos fundamentais e ela definição ele seu conteúdo essencial
Um exemplo simples pode ilustrar vários desses problemas. De- dependerão da configuração desses diferentes componentes.
terminado grupo musicaL frustrado com a impossibilidade de clemons-
12. Sobre essa distiJH,;ão analítica no âmbito dos direitos sociais, ef. tópico
li. Idem. p. 4. 3.24.1.
70 DIREITOS I·LJNDAMEN !AIS CONTU!DO LSSFi':C 'IA L RES IR!C,'C)~s 1· FI-I C·..\C IA O SI !POR! E FÁTICO DOS DIRI-.ITOS l l :\IJ \.\lL'i 1.\IS 71

Mesmo que apenas intuitivamente c de forma superficiaL é pos- Os textos normativos nos quais tais normas se baseiam tem redação
sível perceber que as liberdades públicas tem como função primordial be!l1 diferente. Assim é que a constituição, em seu art. Y, caput, decla-
proteger algo contra intervenções indevidas. Essa simples percepção ra que "todos são iguais perante a lei"; no inciso IV do mesmo at1igo
exige. de pronto, a definição do que é esse algo, qual a sua e~'-·tensâo e dispõe que "é livre a manifestação do pensamento,( ... )"; ou no inciso
quais são os tipos possíveis de inten·ençâo. O que mais interessa aqui X. também do mesmo at1igo, que "são invioláveis a intimidade, a vida
é. sem dúvida, a definição daquilo que é protegido e sua relacão com privada, a honra e a imagem das pessoas". A clcfiniçüo do suporte fático
as possíveis_ intervenções. 13 ,
nesses casos é menos intuitiva que nos casos dos tipos penais. Quatro
perguntas são, aqui, necessárias: (I) O que é protegido'? (2) Contra o
quê? (3) Qual é a conseqüencia jurídica que poderú ocorrer? (4) O que
3.2.2 Suporte fático, âmbito de proteçdo e intervencâo é necessário ocorrer para que a conseqüt!ncia possa também ocorrer?
Ao contrário do que ocorre em outros ramos do direito- sobretu- Ao contrário do que se poderia imaginar. a resposta que define o
do no direito penal-, a definição do que seja suporte fático a partir da suporte fático não é apenas a resposta à primeira pergunta. Quando se
redação dos dispositivos constitucionais que garantem direitos funda- fala, portanto, que "todos são iguais perante a lei'', não é a definição
mentais é algo bastante contra-intuitivo. Como foi visto acima, em do que é protegido- a igualdade- suficiente para se definir o suporte
definição ainda preliminar, o preenchimento do suporte fático de uma fático. Aquilo que é protegido é apenas uma parte - com certeza. a
norma é condição para que sua conseqüência jurídica possa ocorrer. mais importante - do suporte fático. Essa parte costuma ser chamada
No caso das disposições de direito penal -como, por exemplo, aquela de âmbito de pmteç·âo do direito fundamentaL Mas para a configura-
que veda o homicídio- a definição do sup011e fático é razoavelmente ção do suporte fático é necessário Úm segundo elemento- e aqui entra
simples. O art. 121 do código penal, por exemplo, dispõe: "Matar ai- ~ a parte contra-intuitiva: a intervenç:âo estatal. Tanto aquilo que é pro-
?u~O:: Pena - reclusão de s~is a vinte anos". Para que a conseqüência tegido (âmbito de proteçâo) como aquilo contra o qual é protegido
Jl~ndic~. possa ocorrer é necessária apenas a ocorrencia daquilo que o (interven~·ão, em geral estatal) fazem parte do suporte fático dos di-
dispositivo descreve, ou seja, que alguém seja morto por outra pessoa. reitos fundamentais. 14 rsso porque a conseqüência jurídica- em geral,
Muito diferentes são as disposições que consagram direitos funda- a exigência de cessação de uma intervenção - somente pode ocorrer
mentais. Como definir o suporte fático de normas como as que garan- se houver uma intervençâo nesse âmhito.
tem a igualdade, a liberdade de expressão ou o direito à privac~lade'! Um simples exemplo pode ilustrar essa composição dual elo su-
porte fático. Aquele que todos os dias, antes de dormir, ora em agra-
decimento ao seu deus exerce algo protegido pela liberdade religiosa.
13. Em geral, é possível falar em intervcnçôes decorrentes de atos estatais e de
atos entre particulares. Essa dualidade não será aqui tratada. pois isso extrapolaria os A ação "orar antes de dormir" é abarcada. sem dúvida alguma, pelo
lunitcs da análise. Além disso, não hü necessidade. nos limites deste trabalho. de âmhito de proteção da liberdade religiosa (CF, art. sv. VI). Mas a
drstmgu1r entre essas duas formas de intervenção, sendo possível tratá-las como um conseqüência jurídica típica de um direito de liberdade - como é o
todo. Sobre as mtervençôes nos direitos fundamentais a pm1ir de atos particulares, c f.:
I r~go Woltgang Sarlet, "Direitos fundamentais c direito privado: algumas considera-
caso da liberdade religiosa- não ocon·e. Como direito de defesa, essa
çocs em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais". in lngo conseqüência é a exigência de cessação de uma intervenção. Isso sim-
Woltgang Sarlet (org.), A constituição concreti:ada, Porto Alegre: Livraria do Aclv:J-
gado. 2000: I 07-163: Wilson Steinmctz, A l'incu!açüo dos f'a~~tint!ares aos direitos
fundamentais, São Paulo: Malheiros Editores, 2004: Daniel Sarmento. Os direito 1· 14. Cf, por todos: Rolf Eckhoff. Der GrundrechtseingrijJ: Kiiln: Heymann,
fw.ufwnentais 1/lls refaçôes privadas, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004 e YiruíJi;J 1992, pp. 20-21; Martin Borowski, Grundreclztc als Prin:ipien. p. 185. Cf., no entan-
Afo~1so da Silva, A constituciona!izaciiu do direito: os direitos fundamentais na~ re- to, o tópico 3.2.3, no qual será inserido um terceiro elemento no conceito de suporte
lacoes entre particulares. I" cd .. 2ª ti r.. São Paulo: Malheiros Editores, 200X. fütico- a ausência de jímdamentaçiio constiwcional.
/lii<IJ/0\ I! ,'\D \~IENTAIS CONTE(! DO 1-.SSENCIAL. RLSTRI(,'ÜES E LI·/Ct\Cit\ o SI ii'ORTI: 1·!\ riCO IJOS DI R FITOS Fl'NlJ!\~lENT\IS

plcsmcntc porque o suporte fático dessa liberdade não foi preenchido. .· .:-- ·urídica que tenham qualquer característica que, isoladamen-
pois não houve qualquer intervenção naquilo que é protegido pela li- I·JosiÇ,tO· J-1 .. !·t faç·t.
p·ute
.,
do ·ambito
. .' · . ,,9
tem<lttco ou
d .. ; b.t da
o <~m
• conste c r dt' . ' ' ' '
1c . "co de um determinado direito fundamental; ou e necessana al_gu-
, , . 1o
berdade religiosa.
Neste ponto. duas observações devem ser feitas: (I ) pode ser que vidct. d' "ti·,··toern" prévi·t tjue exclua algumas condutas salnda-
tn'l tonna e 'b '. • ~- . - . .

o modelo apresentado seja um modelo adequado para a reconstrução ' . ·1 ·/(I" cless·1 )rC)tC<''Io Como se verá adtante, essas duas vct-
!CilfL' f)} O/ Jll ·' '' < 1 "< . . • . -

analítica das liberdades públicas- resta saber se o é também para os n t,. c ue mdern ser. aqui, chamadas de âmbtto de proteçao amplo
rian e s. 1 1 . . f·' . . . -
direitos sociais;!' (2) mesmo no âmbito das liberdades públicas poder- ,restrito. estão na base de duas formas diversas de suporte dtico. t<~m
c -- .
se-ia dizer tíue esse modelo as encara de forma reducionista, como se -~denominadas ampla e restnta.
fossem elas apenas direitos de defesa contra intervenções; 1r' é neces- •
sário. então. que também seja testada sua adequação a outras funções
(positivas) das liberdades públicas. 17 3 .2.2.2 /ntenençrlo estatal
Antes. porém. de enfrentar essas questões, é necessária uma aná- corno se viu acima, além do âmbito de proteçã? ~ ou.seja. daqui-
lise mais detalhada dos componentes do suporte fático dos direitos , lefir1e <)que é proteaido por uma norma de direito fundamental
lo que t c , . - . I
fundamentais; o que será feito nos próximos tópicos. __ conceito de suporte fático engloba tambem a mtervenç~o est<lt.a .
0
Nesse sentido. 0 suporte fático somente é preen.chi~~ se o .Estad~1 m-
. . 11'' 1 esfer·t
tcrVICl · '
de liberdade protegida de um. IndiVIduo. rambem
._
o
3.2.2. I Âmbito de proteção conceito de L':1ter~~ção estatal pode ser ~efi~Ido d~ form~s rmus_ ai:1-
A definição do âmbito de proteção de um direito fundamental res- plas e mais restritas. Como será vist~ mais adiante, e posstv~.l.drscutlr.
ponde à pergunta acerca de que atos, fatos, estados ou posições jurí- ~ por exemplo, se meras regul~m~ntaçoes quanto a for11_1as, loc<lts. o.u h~­
dicas são protegidos pela n&ma que garante o referido direito. Âmbi- rários de exercício de um direito fundamental constituem um<~ mtet-
to de proteçào é. nesse sentido,''( ... ) o âmbito dos bens protegidos por vcnção. ou não.
um direito fundamental"; e bens protegidos, nessa definição, "são
ações. estados ou posições jurídicas nos respectivos âmbitos temáti-
3.2.2.3 A composiç·üo do suporte fático
cos de um direito de defesa". 18 O conceito abstrato de âmbito de pro-
teção não oferece. inicialmente, grandes problemas. Estes surgem a Seuunclo autores como Alexy e Borowski, o conceito de suporte
partir da necessidade de se definir, em concreto, quais são. de fato, os fático tcomposto pela soma de dois elementos: o_âmhito de protecüo
bens protegidos e quais não são. Para essa pergunta há duas respostas c a intcn·encüo.~ 1 Além desses dois elementos- e, segundo esses au-
básicas possíveis: ou se inclui nesse âmbito toda ação, fato, estado ou tores. a eles contraposta - estaria a jundamentaçüo constitllcir!!}!!l

l S. CL tópicos 3.2A e 3.2.4.1. !9. Cf: Martin Borowski. Grundreclzte ais Prinz.ipien, p. 184; _Wolfrarn Crc-
ln. Nesse sentido. cL Michael Klopfer, "Grundrechtstatbcstand und Grundre- mer. "Der Osho-Beschluss eles BYerfG", JuS 43 (20?3), p. 748; Dtetnch Murswte~,
chtsschranken in der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgcrichts", in Christian "Das Bundesverfassungsgericht und di e Dogmatik mtttelbarer Grundrechtsemgnffe .
Starck (mg.). Btmde.ITajássungsgericht und Gmndgeset:, voL 11. Tübingen: Mohr. NVwZ 22 (2003), p. 3. . .
I 976. p. 409. 20. o conceito "<lmbito da vida" é utilizado por Bodo Pteroth/Bernhard Schlmk.
17. Cf. tópicos 3.2.4 c 3.2.4.2. (;mndrec!tte __ Staatsrecltt /1, !6" ed., Heiclelberg: C. F. Müller, ~ !95, p. 50. Os auto-
l X. Martin Borowski. Gmndrechte ais Prin:ipien, p. 184. Cf. também Klaus res 110 entanto, rejeitam a acepção ampla do conceito que se acaba de forn:ular. _ _
Stern. Das Staatsrecht der Bundesrepuh/ik Deutsclt/and, voL !fi/ l, München: Beck, · 21. C f Rob~rt Alexy, Tlzeorie der Grundreclzte, pp. 275 e ss. ftraduçao brastlet-
l 9X8. pp 624. 643 c 653. ra: pp. 304 c ss. j. e Martin Borowski. Grwulreclzte ais Prin::ipien. p. 188.
f &r~---.--.-,. ~-l~
,'-- .•.. 0/
t
1

74 I JIRiciTOS I L:'-JD.\\IfcN I AIS CON IH i f)() L\Si'N< 'I;\ I .. RJ:STRI('C)f:s 11 U·IC;\CJ..\

o "' "'"' ' ' \ '"" no' ""' 00" ' ''" '"''"'"' • . . •, fC
cuja ausência daria ensejo à conseqüência jurídica do direito funda- - na- o 3J)C!1as como (AP\. e !Ex), mas inclurr nesse concetto d
mental em questão. Contudo. quando se falar. neste trabalho. em su- , f<'ítJcO L _ _ _ • • . 2-1
te , . . /e {ztlldomelltoç-oo co/1.\ftlll( tO/la 1. ,
pOI1e fático. o conceito ser<Í um pouco distinto desse, nos termos que w'nua c. · bl 'l !e c·tr·tter
serão analisados a seguir. tf/1. , 1·. -0 _e essa e' a se!!:U - , t1d't, parte
_, do pro
_ en1.' ( •. L

y· ==-
r- ~ r e. . ~~ / ?;::. .-<s:~:J.y ·-.---,<:"""
... Q
Alem
, . , <- rss
f()t·rn·tl - · como
· a fundamentaçao cons t't t uc·iornl
. .• retere-
, ·t te ela
A~~ (}'h~,\..__, <k P.~ ~ . - lO<TICO-
mats c
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t, , 1·r1tervencão estatal, não faz sentldo msts rr qt-
• .

1..-..·~-~<">~ - somen e a 1 -,
se falar
_"L.:;~
lt: " · '
3.2.3 Um modelo alternativo r- = -r. ... -_,_ ,.... \ 1 _ .se . rao-. tnposta a, soma de AP x. e, 1E x.. Por isso . ao tnves -c e C! • f', -·
r C-:> •V...-"\.<>C>,......._""\ ~OC"'- '-<>\,<:·\-..tv~-;:,-.'M..
(._ '3' -. G.:l"-'\-- \~<>. .Jvr--d_...C<:..
1 seJa con • . k- , (1\Pr e lEr) e 1/(lo-FCx. entao . x, clZ .o!!
, faz Borows ·t, em .se - . - O . ·,.
Como ponto de partida, o modelo.proposto por Alexy e defendido como ... •1tido que se fale . se AI:>_ .\ e nao - -FC(!El) · · entao CJx.. . u seJd. f
por Borowski deve ser aceito. Mas não sem algumas modificações. mats ser , t'td() pelo 'lmbito de prJ)teçao de algum drretto un-
. é 'do-o u-ar,m
se x , < "' APx) e se não h<Í fundamenta<_;ão constttucJOna ~d
Como foi visto acima, tanto Alexy quanto Borowski chamam de su- • . . I , ra uma

porte fático a soma do ámbito de proteção (AP) e da intervenção es- damental ( que mtervem . , em x. ( nc~o- .- FC(!Ex)) , então, devera ocorrerI
- ·t tal
tatal (IE). A esse suporte fático é contraposta a chamada fundamenta- açao es a< . JUndtca
. , . , .-, I· norma de direito fundamenta
ção constitucional (FC). Na formulação de Borowski: se (1\Px e IF;x) a conse'-~ . fliÜêncta ,. previste~ pe ct
22 .11., 1 0 caso ele x (CJx).-) .
utilizar~;, cxe:npl~,q~:
e não-FCr, entüo CJx. Nessa formulação, x consiste em uma ação,
um estado ou uma posição jurídica. Isso significa, segundo Borowski, P' 'Paca ilustrac o que aqui se quer dizer um
que: se x é algo protegido pelo ámbito de proteção de algum direito , lisado com matores . . d c talhes
• · m·us
' · adtante.- O art. 4, § , ,
sera,· 9ana ·
61211998 proíbe o .. proscltttsmo. ., d e qtwlquer
•. . natureza _ nas
d _
Le\ss~ras ~o
fundamental (APx) c se hú uma ação estatal que intervém em x (IEx),
e se essa intervenção não é fundamentada (nüo-FCx), então, deverá comunitárias ele radiodifusão. Se substJturrrnos x, no e
em ·. r ''proselitismo", teríamos o resultado do mo~elo
_para o
acl~na p~o
ocorrer a conseqüência jurídica prevista pela norma de direito funda-
mental para o caso de .r (CJ~. que é, em geral, uma exigência de ces- lo .. ou s.eJ·a· se "proselitismo" é garantido pelos ambrtos ele
sação da intervenção estatal."' caso concre • · · -b d d ele imprensa (APx)
. -. da liberdade de expressão c da 1l er a e . ..
~-q~~<!_! model~?
proteçao . d ·ão desse JXOselrttsmo
.. ~
c::::;í:> é o problema desse O problema reside. em pri- e( nao
- ha' fur1damento constituuona 1 para a ve açc
- -FC(IEx))' então. vale, em relação a x (prose rtsitmo
.
· ), a c onsequen-
meiro lugar, na definiçao de suporte fático como a junção apenas do
ámbito de proteção e da intervenção estatal (APx e IEx). Ora, se su- ~..
nao. íclica 'do ' direito de Iiberdade em Jogo, · ·
Isto ' no c..
e, aso de .r (pro-
ctàI.JUr .. . . ,
) ale a conseqüêncta jUrtdtca c1as normas. . - que "'o-arantem -as
; ) porte fático são os elementos que, quando preenchidos. düo ensejo à
se ttrsmo v. • · . · . , exinência ele abstençao
:_} realizaçüo do preceito da norma de direitofundamenta/, é facilmente l.b dades ele expressão e ele tmprensa, que e a "' - - ,
perceptível que não basta a ocorrência desses dois elementos para que 1 er I nesse am
estata ~ b't<)
t e d·t' cess'wão
·· de eventua 1 m
L "
· t erv ençao• nao funda-
a conseqüência jurídica de um direito de liberdade seja acionada. É mentada. 27
ainda necessário que não haja fundamentação constitucional (não-FC)
para a intervenção. Se houver fundamentação constitucional para a
24. Alcxy c Borowski_ n<~o c-
, . - c i<>noram esse conceito ampliado de suporte fático e
intervenção estar-se-á diante não de uma violação, mas de urna restri- . d .. .
_ • " (-f Robert Alexy, Theonc der
t t·ít 1c 0 em sent1do ,tmp 1o c · _
ção constitucional ao direito fundamentaL o que impede a -ativação da o dcnommam e supor e ' _ . . _ . "106] e Martin Borowskt. Grundre-
?•·i ?77ftnduçaobrasleua.p 1 .. ·
conseqüência jurídicé~(declaração de inconstitucionalidade c retorno
Grundrechte, -" ec -· P-- '_ . . _ , , 1 ·cito no entanto, que ambos os autores
chie ais Prinz.ipien, P- I X8). Nao e a esse colt.~-, .
_ 10 . f·rem ·1 suporte at1co.
ao status quo ante). Por isso, parece-me mais correto definir o supor- fazem rnençao quam se re c _'_ · .- __ ( -}( APr /\ ~FC( !Ex)~ OC.Ix).
25. Em uma formalização Ioglca, tcl ta mos. _\ .
26. C tópico
) 7 Cf. . -·í se3.3.3. L claro <~cnn.l,
. . . quer-se · demonstrar, aqui, a. adequaçüo do
22. Em uma formalizaç;lo lógica, teríamos: (x)((AI'x /\/E,-;/\ ~FCr ~ OC.!x).
de 1xou .
23. Cf. Martin Borowski, Grundrechte ais Prin::.ipien. p. I '!<.7.
-I · omo , . J•.1 a· -1 hce
. · ne<>atiY.!
- , c1.. <~s 1I-berdades
' ·- Não se quer. com 1sso,
- - chzer. por-
mode oque
tanto, apenas P• r, ' de
a liberdade ' unplcns.!
_ ": .. cxlgt:
• _. , pu n' c .simplesmente uma ormssao estata -
1
77
O SUPORTE F;\riCO DOS DIREITOS F\ IND.\MENII\IS
7(, DIREITOS fUNDAMENTAIS: CONTEÜDO ESSENCIAL, RESTRIÇ'ÜES L HIC:\CIA

3.2.4 Direitos a prestações J.2.4. l Direitos sociais


Na análise do suporte fático dos direitos fundamentais, u~a pri-
Como j;,í foi mencionado acima28 - e como se tentou demonstrar
nos tópicos anteriores -, o modelo de suporte fático composto por ·r·l per<runta a ser respondida é, como se viu: o que é protcgtclo por
met < "" c • - nplo
(x)(APx 1\ •FC(!Ex) f--7 OCJx) 29 é um modelo adequado no trato das · ·e· tos') Intuitivamente poder-se-ta pensar que. pot exe1 ·
esses d 11 1 · ' . " · 1
chamadas liberdades públicas ou, mais precisamente, da dimensáo ne- " .. '()do direito à saúde o protegido é pura e sunplesmente a s"tU( c
no cas ' . . - . . c! l
gativa das liberdades públicas. 30 Resta saber, contudo. se ele é tamhé111 . indivíduos ou da coletividade. Essa tntlllçao e gllla a pe o termo
d os tar para 'l
adequado pqra o trato de direitos que exigem uma açâo estatal. A difi- ~roteçâo. Pensar dessa forma é, no ent~nt~, .tentar tran~por < , " _L

culdade, nesse âmbito, consiste em definir ou redefinir as variáveis que ~sfera dos direitos sociais o mesmo ractc~cmto _que subJ.aZ ao .supot te
compõem o modelo. Ou seja, é necessário questionar o que faz pa11e fático das liberdades públicas em sua•c!tmens.ao n~gat1va. Para per-
elo âmbito de proteção desses direitos (APx); que tipo de ação estatal ceber que esse transporte não é possível basta nnagmar ~u~, :e o pro-
configura uma intervenção nesse âmbito (IEx); quando tal intervenção .d no exemplo dado é simplesmente a saúde dos mdtviduos ou
tegt o, ' A . ·d -·
não é fundamentada constitucionalmente (•FC(IEx)); e, sobretudo, qual ela coletividade, a intervenção estatal nesse amb1to protegi o tena que
é a conseqüência jurídica elo preenchimento elo suporte fático.
ser uma ·In terv ença-0 na saúde das pessoas ou seJa, um ato estatal que
L c c '

Como se viu anteriormente, o suporte fático de um direito funda- · ·tringisse ativamente a saúde dos indivíduos. Como se sabe, os pro-
mental eleve conjugar todos os elementos que, quando preenchidos, dão ~~:mas relacionados aos direitos sociais não são d~ss~ ordem. O gue 4
ensejo à realização da conseqüência jurídica da nom1a que garante esse _ Ambt.to é a falta de realização dos dtrettos, decorrente
ocorre. nesse a , . ~ .
direito. No caso da dimensão negativa das liberdades públicas, o mode- - crera! de uma omissão estatal ou de uma ação msufictente. Em su-
lo proposto expressava que quando o Estado intervém no âmbito de em"" · d · t
proteção ele um direito fundamental, e essa intervenção não é suficien- • m. a . tanto 0 conceito do que é protegido quanto o conceito e m er-
venção têm que ser modificados.
temente fundamentada, deve~correr a conseqüência jurídica da liberda-
de, que é a exigência de abstenção estatal. Ou seja, no _Qrocesso de con- Se "proteger direitos sociais" implica uma exi~ên~ia ele ações e_:;-
trole ele constitucionalidade, se se verifica o preenchimento do suporte tatais, a resposta à pergunta "o que faz parte. do ~mbtt_? cle"proteçaao.
fático (intervenção não-fundamentada no âmbito de proteção de um desses direitos?" tem gue, necessariamente, mcllllr aço~ Prote""e'
direito), a conseqüência jurídica (exigência ele abstenção estatal) consis- direitos", nesse â~ significa "realizar direitos". ~or tsso, pode-se
te, em geral, na declaração ela inconstitucionalidade da intervenção em dizer que 0 rJmbito de proteção ele um direito soci.al ~ composto pelas
questão (lei, medida provisória etc.) e na volta ao status quo ante. ações estatais que fomentem a realização desse dtrezto. . .
No caso ele direitos que exigem prestações, e não meras omissões Também 0 conceito de intervenção estatal precisa ser mv~rtt(~O.
estatais, é preciso reavaliar todas as variáveis. É o que será feito a No caso da dimensão negativa das liberdades pública.s, interv1r SI~-
seguir. 11 .fi · de forma restritiva ou reguladora
111 cava agir . . no âmbito
. . .. ele proteçao
de uma liberdade. Aqui, na esfera dos cltreitos sociais, e JUStamei~te
0
contrário: intervir, nesse sentido, é mio agir ou agir de forma til-
28. Cf. tópico 3.2.2, parte final.
29. Ou seja: se x é algo protegido pelo âmbito de proteção da algum direito fun- suficiente.
damental (APx) e se não há fundamentação constitucional para uma ação estatal que
intervém em x (não-FC(IEx)). então, deverá ocorrer a conseqüência jurídica prevista
. o último elemento do suporte fático, ligado ao conceito ele in-
pela nonna direito fundamental para o caso de x (Clx). tervenção, é a sua Jupdamentação constituci~nal_. A únic~ diferen~
30. Sobre outras dimensões das liberdades públicas, c f. tópico 6. 7 .2.2. ça, aqui, em relação ao que foi exposto no amb_tto das ltbercl~de~
31. Para desenvolvimentos em sentido semelhante, cf. Martin Borowski. Gmnd- públicas reside 110 fato de que o que se tem que fundamentar nao e
reclzre ais Prin-:.ipien, pp. 254 e ss. e 307 e ss.
79
O SUI'ORIE fi\TJCO DOS DIREITOS FlJNDA<'v!ENT!\IS
IJIREITOS Fl 1:\;DA'vlENTAIS CONTEliDO ESSENCIAL, RESTRIÇÕES E EFICACI!\

uma ação, mas uma omissão ou, alternativamente, uma ação insu- crie as instituiçôes e os procedimentos necessários ao .seu ~xercício.
ticicntc.'2 No caso dos direitos políticos basta que se pense na reahzaçao de elet-
·ôes. na organização de uma Justiça Eleitoral e na criação de um arca-
Definidos os elementos do suporte fático dos direitos sociais, res-
bouço legal regulador do processo partidário-eleitoral (código elei-
ta, para completar o modelo, a definição da conseqüência jurídica, isto
toraL lei dos partidos políticos etc.). Os direitos decorrentes dess~s
é, o que acontece quando o suporte fático é preenchido. Em outras
palavras: o que acontece quando uma ação estatal que poderia fomen- deveres estatais são os direitos a prestações em sentido amplo, e se~~­
tar a realização ele um direito social não é realizada e, para isso, não ferenciam dos direitos sociais na medida em que não têm como obje-
há funclamer\tação jurídico-constitucional? A resposta somente pode tivo a realização de uma igualdade material entre os indivíduos, que é
ser: há um direito definitivo à realização dessa ação.' 3 0
escopo por excelência desses últimos.
Em resumo: se x é uma ação estatal que fomenta a realização ele Pode-se dizer que, da mesma for:na que ocorre com os direitos
um direito social (DSx) e a inércia (ou insuficiência) estatal em rela- sociais, o suporte fático dos direitos a prestações em sentido amplo tem
ção a x (fEx) não é fundamentada constitucionalmente (•FC), então, que se~reformulado e não pode ser o mesmo da dim~nsão negati:a ?as
a conseqüência jurídica deve ser o dever de realizar x (Ox). 34 liberdades públicas. Dadas as semelhanças estruturms entre os dtrettos
sociais e os direitos a prestações em sentido amplo (direitos de prote-
~ão c direitos a organizações e procediment(:s), )á .que ~mbos, exig~m
3.2.4.2 Direitos a prestaçôes em sentido amplo um fazer estatal com o objetivo de realizar tats dtrettos, e posstvel afir-
mar que a reformulação já levada a cabo no tópico anterior é adequada
·z::::;t> .Nem todo direito a prestações é um direito social. 35 Como será
analtsado brevemente em tópico mais ao fim deste trabalho, 36 também também para os direitos a prestações em sentido amplo.
'1\\ as li~erdades pública~ e os direitos políti_cos exigem uma prestação -
.!J ) es~atdl. No caso das lt~erda~es ~ode-se dizer, por exemplo, que elas 3.3 Suporte fático amplo e suporte fático restrito
V extgcm que o Estado aJa no sentido de protegê-las e, além disso, que
O principal debate a ser travado neste capítulo, para o qual as
análises dos tópicos anteriores serviram de preparação, diz respeito à
32. Uma ação insuficiente pode. no entanto, ser concebida como uma omissão
já que o que se ~em que fundamentar é a parte "insuficiente", ou seja, aquilo que nã~ amplitude elo suporte fático elos direitos fundamentais. Como será vis-
foi te no, p01s nao fana sentido controlar a parte já realizada. to ao longo de todo o trabalho, a "simples" decisão por um suporte
33. E~te é um ponto que exige cautela. Uma análise mais apressada poderia f<ítico amplo ou por um suporte fático restrito- cujos conceitos serão
compreende-lo como uma defesa ela mtervenção do Judiciário sempre que não houver
analisados a seguir - tem efeitos na definição de como controlar as
a realiz<~çã~ de um direito sociaL Uma leitura atenta, contudo, revelará que a não-
realizaçao e apenas um dos requiSitos que podem dar ensejo à ação do juízes nesse restrições aos direitos fundamentais, na fundamentação do conteúdo
âmbtto. Além desse requisito. é necessário também que se analise se há, ou não, há essencial dos direitos fundamentais e, como será visto no capítulo 6,
fundamentação jurídico-constitucional para a omissão. Somente nos casos de omissão será decisiva no debate acerca da eficácia das normas constitucionais
infundada pode haver alguma 111argem de açâo para os juízes nesse âmbito. Cf, sobre
ISSO. O tópico Ô. 9.3.
que garantem direitos fundamentais.
34. N<~s formulações lógico-formais, O é o operador deôntico para "dever".
A fon~mlaçao_ ~ompleta do suporte fático dos direitos fundamentais seria, portanto:
(x){ ?.'>X
A ~E· C (!Ex) ~ Ox) - ou seja. para toda ação x vale: se x fomentar a real i-
3.3. I Suporte fático restrito
zaç~lO de um direito social e não houver fundamentação para a não-realização de x.
entao. x deve ser realizada. A característica principal das teorias que pressupõem um suporte
35. Nesse sentido. cf.. por todos. Robert Alexy. Theorie der Grundreclzte. pp. fático restrito para as normas de direito fundamental é a não-garant_g_
395 e ss. e 454 e ss. [tradução brasileira: pp. 433 e ss. e 499 e ss.].
36. C f tópico 6. 7.2.2. a algumas ações, estados ou posições jurídicas que poderiam ser, em
w <:;' TÇ- >v,.-,~"' +)._-,-'> ,-,~\"

r
i{{) DI RI li OS f l 1NDAMEN I AIS CON I El IDO I SSENCI;\1 , Rf·S I RI('Cll S f i i I< \( I\ O SUPORTF FA f'ICO DOS DI RLI ros Flii\D.·\1\IENIAIS XI

abstr:1to: subsu~nicl~s no ~mbito de proteção dessas normas. Na juris- que se falar em restriçâo a direitos fundamentais e, sobretudo. não há
pruclencw elo~ e poss1vel encontrar com freqüência, ainda que sem espaço para se falar em sopesamento entre princípios.~' José Carlos
referência a uma teoria sobre o suporte fático dos direitos fundamen- Vieira de Andrade, por meio ele diversas questões - meramente retó-
tais, argumentos que se baseiam em uma exclusão, u priori, de algu- ricas-. exprime bem o que se pode entender por suporte fático restri-
ma ação, estado ou posição jurídica do âmbito de proteção de al!.!uns to (e sua relação com a idéia de colisão entre princípios c o sopesa-
direitos. Em alguns casos é possível que essa exclusão seja até me~smo mento). Entre outras, formula ele as seguinte perguntas: ''( ... ) terá
intuitiva. 17 Ma.s a intuição não é suficiente. Assim, por exemplo. quan- sentido invocar a liberdade religiosa para efectuar sacrifícios huma-
do o Min. Celso de Mello afirma, no HC 70.814. que ··a cláusula tutelar nos ou. associada ao direito de contrair casamento, para justificar a
da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de poligamia ou a poliandria? Ou invocar a liberdade artística para legi-
lsalvaguarcla de práticas ilícitas",' 8 ou quando o Min. Maurício Corrêa timar a morte de um actor no palco, p<.fra pintar no meio da rua, ou
sustenta, no HC 82.424, que "um direito individual não pode servir de para furtar o material necessário à execução de uma obra de arte'? ( ... )
salvaguarda de práticas ilícitas, tal como ocorre, por exemplo. com os Ou invocar a liberdade ele reunião para utilizar um edifício privado
delitos contra a honra",w essas são exclusões a priori de condutas do sem autbrização, ou a liberdade de circulação para atravessar a via
âmbito de proteção de alguns direitos fundamentais (sigilo de corres- , I.1ca sem vestuano
pub , . ( ... ) ')"
. .4)-
pondência- art. 5". XII- e liberdade ele expressão- art s~. IV). A resposta a todas as perguntas. como se pode imaginar. é - c só
No entanto, nem sempre isso é assim tão simples. Quando o Min. pode ser-, para Vieira de Andrade, negativa. A fundamentação é sim-
Sepúlveda Pertence afirma que o sigilo bancário não é garantido pela ples, e merece também ser transcrita: "Nestes, como em muitos outros
"intimidade protegida no inciso X do art. 5º da constituição federal",~ 0 casos, não estamos propriamente numa situação de conflito entre o
está ele, da mesma forma que ocorre nos exemplos do parágrafo an- direito invocado e outros direitos ou valores, por vezes expressos atra-
terior, excluindo de antemão tma conduta, um estado ou uma posição
jurídica elo âmbito de proteção de um direito fundamental. A conse-
41. Uma decisão de 2003, ainda em primeira instância. pode ilustrar bem essa
qüência dessa exclusão não é pequena: de acordo com ela. nâo impor- conseqüência. Em 1981, Raul Fernando do Amaral Street. conhecido como "Doca
ta que interesses haja na proteçüo do sigilo bancário dos indidduos. Street". foi condenado. por homicídio cometido em 197ó, a 15 anos de reclusão.
essa é uma proteção que a lei ordinária criou e que. portanto. poderá Muito depois de sua libertação. em 1987. a Rede Globo de Televisão produziu e
abolir quando quiser. E - o que é mais importante: para isso não é transmitiu, em 2003. um programa de TV sobre o caso. Doca Street tentou. na época,
proibir a transmissão. mas sem sucesso. Posteriormente pleiteou ele indenização em
necessária nenhuma fundamentação constitucional. Bastam juízos de razão disso. O Juiz da 19" Vara Cível do Rio de Janeiro, em sua decisão. baseou-se
conveniência e oportunidade. Em outras palavras: se o sigilo não é no seguinte argumento: "O programa em questão não é. em absoluto, o que se pode
protegido pelo direito à privacidade- ou por qualquer outra norma de chamar de informação jornalística, razão pela qual se a/as ta aqui qualquer discussâo
direito fundamental -, isso significa que intervenções nesse sigilo ou u respeito da ponderação de interesses no embate entre a liberdade de informar, asse-
gurada pela Constituição, e o direito à privacidade do indivíduo. também assegurado
sua total abolição são questões meramente legais. e excluídas, portan- pela Constituição". Como se percebe. o Juiz parte de um suporte fütico restrito para
to. do controle de constitucionalidade. a liberdade de imprensa e, com base nisso. decide o caso. Bastou. para tanto. excluir
Em todos os casos acima mencionados -e em todas as formas de um programa de TV da proteção à liberdade de imprensa.
42. José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constitui(âo
argumentação que pressuponham um suporte fático restrito - não há portuguesa de 1976, 3• ed., Coimbra: Almedina, 2004. p. 294. Em sentido semelhan-
te. ainda que com divergências teóricas. cf. Jorge Miranda, Manual de direito consti-
tucional, vol. IV, p. 332: "Pense-se, por exemplo [... 1 no direito de manifestação:
37. O que não significa que não esteja sujeita a questionamentos. apesar de o art. 450, n. 2, nada dizer, poderá haver manifestações a toda hora e em
3~. RTJ 176, 1136 (1140). todos os lugares?". Cf. também Klaus Stern. "Die Grundrechte und ihre Schrankcn".
39. RTJ !79. 225 (270). in Peter Badura/Horst Dreier, Festsclzrifr 50 .Jahre Bwzdesver/assungsgericht, Tühin-
40. RTI 179/225 (270). gen: Mohr. 2001. p. 17.
DI RUI OS I I :NIJ:\\ILNT·\IS CO~II:L 1 1l0 ESSENCIAL. Rf:SI'RI(ÚES E EI·IC.Á.CIA O Slii'OR IE F.Á.TICO DOS DIREITOS I LND.\MENTAIS

vés de deveres fundamentais: é o próprio preceito constitucional que c(Q) a fixação de uma prioridade estanque elas liberdades básicas, na
protege essas formas ele exercício tio direito fundamental, é a pró-
!l(lO forma como proposta por John Rawls.~ 7

pria Constituição que, ao enunciar os direitos, exclui da respectiva Os próximos tópicos são dedicados apenas à exposição dessas
esfera normativa esse tipo de situações".~ 1 estratégias. As críticas a elas, baseadas no pressuposto teórico deste
A distinção usada por Vieira de Andrade entre conflitos e exclu- trabalho, serão levadas a cabo apenas quando da fixação elas principais
são ela proteção é fundamental para caracterizar as teorias que partem características de uma teoria que pressuponha um suporte fático amplo
de um suporte fático restrito, como se verá a seguir. 44 aos direitos fundamentais, como é o caso da que aqui se defende. Ou
Posição semelhante é defendida também por Friedrich Müller. seja: a construção do modelo aqui defendido será iniciada justar_nente
Para ele, por exemplo, o art. 5, 3, I, da constituição--~-
alemã,~' que ga- com a rejeição das teorias que serão exppstas nos tópicos a seguir.
rante a liberdade artística, não garante ações como "pintura em um
cruzamento entre ruas movimentadas" ou "improvisações de trombone
6
durante à noite na rua".~ Não há, nesses casos também, colisão alguma 3.3.1.1.1 Interpretação histórico-sistemática

entre direitos fundamentais, mas apenas a não-proteção de algumas Uma primeira estratégia para delimitar o âmbito ele proteção dos
ações pelas normas que, aparentemente, deveriam protegê-Ias.
direitos fundamentais sustenta que cabe à interpretação constitucional
Nos tópicos a seguir serão analisadas as principais estratégias definir o que faz parte da essência de cada direito fundamental. Segun-
argumentativas para a fundamentação de um suporte fático restrito do Maunz e Zippelius, essa essência é conhecida sobretudo por meio
para os direitos fundamentais. das análises histárica e sistemática elas normas constitucionais. 48
No plano histórico, é necessário analisar o contexto histórico-cul-
3.3.1.1 A definiçüo do conthído do suporte fático restrito tural da criação dos dispositivos constitucionais. Assim, por exemplo,
já seria possível saber que o legislador constituinte, ao garantir a li-
São vários as estratégias e os conceitos a que os autores recorrem berdade religiosa na Alemanha, em 1949 - ou no Brasil, em 1988 -,
para definir o conteúdo do suporte fático restrito, ou seja, para excluir, não pretendia, com isso, garantir também sacrifícios humanos ou a
de antemão. determinadas condutas elo âmbito de proteção de alguns poligamia. No plano sistemático, por sua vez, a análise deve se ater às
direitos fundamentais. Em geral, todos eles costumam ter pelo menos relações que as diversas normas de direitos fundamentais guardam
dois pontos em comum:@ a busca pela essência ele determinado di- entre si c também com outras normas de direito constitucional. Segun-
reito ou determinada manifestação humana e@) a rejeição da idéia de do os autores, do "contexto elas normas constitucionais e dos bens por
colisão entre direitos fundamentais. As estratégias mais importantes elas protegidos poder-se-ia concluir, por exemplo, que reuniões em
são: (!})a interpretação histórico-sistemática;~ a delimitação do âm- prédios ameaçados por incêndios ou em pontes em mau estado de
bito da norma, sobretudo na versão desenvolvida por Friedrich Müller;

47. Como se verá no tópico específico, John Rawls não estava preocupado, na
43. José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituiçâo clahoraçüo de sua tese, com um suporte fático dos direitos fundamentais. Os efeitos
portuguesa de 1976, pp. 294-295 (sem grifos no original). de sua teoria, no entanto, são semelhantes aos efeitos dos outros modelos analisados
44. Cf., sobretudo. tópicos 4.2.1 e 4.2.1.1. a se~uir · razão da sua inclusüo entre eles.
45. Art. 5, 3. I. da Constituição alemã: ··A arte, a ciência, a pesquisa e a docên- , 4X. Cf. Thcodor Maunz/Reinhhold Zippelius, Deulschcs Staatsreclzl, 29·• ed.,
cia süo livres'·. Münchcn: Beck, 1994, ~ 20. L I. p. 144. Em sentido semelhante, cf., recentemen-
46. Cf. Friedrich Müller. Freihcit der Kunst ais Prohlem der Grundreclztsdog- te. Ernst- Wol f~an~ Bückenfiirdc, ''Schutzbereich, Eingriff, verfassungsimmanentc
matik, Berl in: Duncker & llumblot, 1969, pp. 59-60 e 104; do mesmo autor, Di e Schranken: Z~r Kritik gegenwartiger Grundrechtsdogmatik", Der Staat (2003):
PositÍl'Íliit der (;rundrechte, 2·' cd .. Berlin: Duncker & Humblot, 1990, pp. 99-100. I ô5-192.
[
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conservaçao não estão protegidas pelo art. ~- I e li, da constitlllçao foi: ··o elemento histórico- que, como no caso. é importante na inter-
alemã" (direito de reunião), porque tais reuniões colocariam em risco pretação da Constituição, quando ainda não há, _no ten:_po,_ distância
a vida e a incolumidade física dos indivíduos.~ Ao contrário do que 9
bastante para interpretação evolutiva que, por Circunstancws novas,
talvez possa parecer à primeira vista. esse último exemplo não inclui conduza a sentido di verso do que decorre dele - com·erge para dar a
a idéia de sopesamento entre o direito à vida c o direito de reunião. ·racismo' o significado de preconceito ou de di.\criminaçüo racial,
Segundo Maunz e Zippelius, trata-se de um limite preexistente ao di- mais espec~ficamentc contra a raça negra".''
reito de reunião. não sendo nem ao menos necessário o recurso i1 re- Também o Min. Marco Aurélio adota estratégia semelhante para
serva legal para restringi-lo.:\ 0 restringir o âmbito de proteção da referida norma constitucional, nos
Também na jurisprudência do STF é possível encontrar tentativas seguintes termos: "Não encontrei, na análise dos Anais da Constituinte,
de restringir o suporte fático de alguns direitos fundamentais por qL;;lquer menção. única que fosse, ao po~o jude~1 quando fora discutido
meio de uma interpretação histórico-genética." Mais uma vez o ~so 0
racismo. A explicação, para mim, é evidente. E que a Constituição de
Ellwanger fornece um bom exemplo. Segundo o Min. Moreira Alves. [988 é uma Constituição elo povo brasileiro, para ser aplicada ao povo
4
relator originário do processo, a condenação da prútica de racismo, brasileiro e tendente a resolver os nossos próprios problemas".:\ \

prevista de forma veemente no art. 5'', XLI L da constituição. deve ser Como se percebe, toda e qualquer tentativa de definição do âm-
interpretada de forma a compatibilizar seu suporte f<ltico com a von- bito de proteção de um direito fundamental a partir de uma interpre- ~-·
tade do legislador constituinte. A partir dessa premissa, Moreira Alves tação genética, ou mesmo a partir de uma interpretação sistemática,
conclui que práticas de discriminação contra judeus ou outros grupos tem como objetivo a restrição da proteç:âo. Além disso, essa restrição
étnicos ou religiosos não está incluída no âmbito de proteção dessa não se baseia em premissas atuais, no caso da interpretação genética,
norma, que visa a coibir apenas discriminaç-âo contra negros. Isso nem está ligada a uma circunstância concreta, no caso da interpreta-
porque, ao propor o texto ~ue deu origem ao atual art. 5", XLII, da ção sistemática. Em ambos os casos nega-se qualquer colisão entre
constituição, o deputado constituinte Carlos Alberto Caó fundamen- direitos fundamentais. já que a análise do surgimento do texto consti-
tou sua importância a partir da experiência de discriminação racial
contra os negros existente no Brasil.' 2 A conclusão de Moreira Alves tutela da garantia constitucional de que náo haverá discriminaçáo raciaL Urge tornar
0 crime d71 discriminaçáo racial inafiançável. para evitar a impunidade de seus auto-
res". Diário da Assembléia Nacional Constituinte, Suplemento "C", p. 149 (ata da
49. Theodor Maunz/Reinhhold Zippelius. Deursc/Je.l Sraat.\rechr. p. 145. reunião da Comissão de Sistematização. de 2X.9.1987).
50. Idem. 53. RTJ I RR. R'iR (865) - sem grifos no original. A aceitaçáo ela interpretação
SI. Sobre a diferença entre a inrerpn'faç1io /Jisrárica e a interpretaçüo genérica genética, ainda que com ressalvas, pode ser constatada em outros julgados do STF.
-termos são que muitas vezes usados como sinônimos -. d. Friedrich Müller. Juris- Cf., por exemplo, o voto do Min. Celso de Mello, relator da ADI-MC 2.010 (RTJ 18!.
risclze Metlwdik, pp. 204 e ss. e 272. A an<ilise de material do processo legislativo é a 73 [9R 1): ·'o argumento histórico. no processo de interpretação constJtucmnal. não se
chamada interpretação genética. Interpretação histririca. por sua vez. náo se refere à reveste de caráter absoluto. Qualifica-se. no entanto. como expressivo elemento de
pesquisa nesse tipo de materiaL mas a uma interprctaçáo histórico-jurídica. ou seja. útil indagaçiiu das circunstâncias que IIWtÍI'aram a elaboraçiio de determinada nor-
de precedentes legislativos. de leis anteriores sobre o mesmo tema da lei que se quer ma inscrita na Constiruiç-üo. permitindo o conhecimento das razões que levaram o
interpretar. Cf. também, no mesmo sentido. Robert Alexy. Tlzeorie der jurisrischcn constituinte a acolher ou a rejeitar as propostas que lhe foram submetidas" (sem gri-
Argumentation, 2" ed., Frankfurt am Main: Suhrkamp. 19<JI, pp. 291 e ss., e Karl fos no original).
Engisch. Einjiihrung in das juri.1rische Denkcn. l)·' ed .. Stuttgaii: Kohlhammer. l9<J7, 54. RTJ !88, X58 (I .041 ). O Min. Marco Aurélio ressalva que náo aceita acha-
p. 97, nota 40. mada "tese subjetivista" na interpretação constitucionaL ou seja. aquela que pretende
52. O deputado constituinte Carlos Alberto Caó fundamentou sua proposta nos inquirir a vontade do legislador constituinte originário. Tal ressalva, no entanto, não
seguintes termos: '·Mais da metade da população brasileira é constituída de negros ou é compatível com sua estratégia argumentativa. claramente a favor. a partir de diver-
descendentes de negros. Apesar disto, ainda impera no país. cem anos após a Aboli- sas citações do Diário da Assembléia Nacional Constituinte, da perquirição da von-
ção, a discriminação ostensiva ou velada. A experiência histórica, com a punição da tade do legislador, fazendo menção, inclusive. ao "valor em que se pautou o consti-
discriminaçáo. desde a chamada Lei Afonso Arinos. tem-se mostrado insuficiente para tuinte'" na redação do dispositivo em questáo.
S6 DIRITIOS FI 'NDAMENT,\IS: CONTE(JDO ESSENCIAL, RFSTRf('(lJ·:s F IJ IC.-\ CI \
O Slii'ORTL l·c\TICO DOS DIRHTOS l·l "iD\\IEl\TAIS K7

tucional ou da inserção de um dispositivo em determinado contexto tal. Para ele, restrições pressupõem algo externo ao direito fundamen-
seria suficiente para excluir a ação, o estado ou a posição jurídica em taL algo que nâo fa::. parte de seu conteúdo, algo '"anexo" a ele. 60 Se-
questão de uma eventual proteção e, por conseguinte, de uma eventual !!Undo Müller, esse ponto de vista deve ser rejeitado, já que a
colisão com outros direitos, uma vez que o que não é protegido por interpretação do programa da norma e a definição do âmbito da nor-
um direito não pode dar ensejo a uma colisão desse mesmo direito com ma seriam suficientes para definir, ao mesmo tempo, o conteúdo e os
outros direitos. limites de cada direito fundamental. 61 Diante disso, perde o sentido
falar em restrirüo, pois "o problema deixa ele ser qual ·valor·, qual
bem jurídico ou qual norma tem preferência em relação a um direito
3.3.1./.2 Âmbito da norma e especificidade fundamental ( ... ).A questão dogmática principal não é saber, portanto.
~ (Friedrich Müller) por meio de quê um direito fundamental pode ser restringido,_ mas
Friedrich Müller é um dos autores que com maior clareza defen- qual é a extensüo de sua validade, a qual deve ser desenvolvtda a
dem um suporte fático restrito para os direitos fundamentais. É também partir da análise do âmbito da norma ( ... )". 62

um dos únicos a fornecer critérios para a definição desse suporte. À É claro que, a partir de um pressuposto como o defendido por
análise crítica desses critérios é dedicado outro tópico. 5 5 Aqui, pretende- Müller ~ segundo o qual não há restrições externas a direitos funda-
se apenas levar a cabo uma exposição das principais características da mentais,63 mas apenas a delimitação de seu conteúdo ~, o problema
empreitada realizada por Müller. 56 Para tanto, parece-me apropriado principal passa a ser, como fica claro pela passagem acima transcrita,
fazer uso da contraposição entre restriçâo c delimitaçâo. a forma pela qual o âmbito de proteção de um direito fundamental
deve ser definido. Isso porque, se não há restrições externas e, ao
Em linhas gerais, pode-se dizer que, segundo Müller, a tarefa prin-
cipal da dogmática dos direi.os fundamentais é a precisa delimitaç-üo
da amplitude fática de cada um desses direitos. 57 A partir dessa deli- 60. Idem, p. 32. Sobre isso, cf. tópico 4.2.2.
mitação, que define o que é protegido por cada direito fundamental e 61. Müller define programa da norma como o resultado do tralamenlD de lodo~
os dados lingüísticos do texto normativo; já o âmbito da norma seria. ainda se,[!unclo
o que não é, muitos casos que aparentemente configurariam uma situ-
Müller, a "p~rção da realidade social em sua estrutura básica, a qual o programa ela
ação de colisão entre direitos não passariam de casos de colisâo apa- norma autoriza definir a partir elo domínio geral da regulamentação" (luri.\tisch<' Me-
rente. 5 x Definir o conteúdo daquilo que é protegido por cada direito thodik, p. 142; do mesmo autor, Fallanalysen zur juristisclzen Met/wdik, 2·' cd .. 13erlin:
fundamental é, portanto, o mesmo que definir seus limites. 59 Duncker & Humblot, 1989, p. 12). Não é tarefa fácil entender exatamente a forma
como a ··realidade social" é inserida na aplicação elo direito segundo a teoria ele Müller.
Como se pode perceber, Müller fala freqüentemente em "limite" ou seja, quais seriam exatamente o conceito e a aplicação do chamado "âmbito da
c "delimitação", mas não em "restrição". O uso dos termos é proposi- norma ... que diferenciaria sua teoria de outras teorias do direito. Os exemplos utiliza-
dos em seu trabalho sobre análise de casos (Fallanalysen -::.ur juristischen Metlwdik,
acima citado) ou são pouco esclarecedores, ou comprovam que a inclusão da realidade
social no procedimento de aplicação do direito, na forma como proposta por Müller.
55. Cf. tópico 3.3.2.1. I.
não tem muito de inovador. Sobre as dificuldades de compreensão do conceito de
56. Sobre essa empreitada, cf., sobretudo, Friedrich Müller. Die Positivitiit der
''âmbito da norma". cf., por exemplo, Hans-Joachim Koch, "Die Begründung von
(;mndrcchte: Fmgen einer praktischen Grundrechtsdogmatik. 2' ed., Berlin: Duncker
Grundrechtsinterpretationen'', EuGRZ 13 (1986), p. 353: "Exatamente este ponto cen-
& Humblot. 1990.
tral da nova teoria estrutural de Müller [o âmbito da norma/ é ( ... ) - para falar de
57. Cf. Friedrich Müller, f)ie Positivitiit der Grundrechte. p. 20.
forma direta - simplesmente incompreensível." (sem grifas no original). Em sentido
58. Idem, pp. 88. 96. I 00 e passim. C f. também Friedrich Müller, .')tmkturieren-
muito semelhante, cf. Bernhard Schlink, "Juristische Methodik zwischen Yerfassungs-
de Rechtslehre. 2" ed .. Berlin: Duncker & Humblot, 1994. p. 212. No mesmo sentido.
theorie und Wissenschaftstheorie", Rechtstheorie 7 ( 1976), pp. 99-100.
c f. José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos fundamentais na Constituiçlio portu-
62. Friedrich Müller. Die Positivitiit der Grundreclzte, p. 87 (sem grifm no
guesa de 1976. p. 294.
original).
59. Cf. Friedrich Müller, Die Positivitiit der Grundrechte, pp. 32-.B.
63. Sobre a contraposição externa/interna. cf. tópicos 4.2.2 e 4.2.1.
O Slii'ORIL 1·/\TICO DOS IJIRE!lOS I l NDA\ILNIAIS

mesmo tempo, se não hú direi tos absol utos,r>J os Iimites ele cada direi- típica dessa liberdade. É por isso que uma eventual lei que proíba
to fundamental têm que ser, a tJriori, muito bem definidos, de forma esse tipo de exercício da liberdade artística não lhe impõe nenhuma
a evitar colisões entre direitos. restriç-üo, pois não atinge o que há de específico e típico no âmbito
Na delimitação do conteúdo elo direito fundamental e de seus li- dessa liberdade. Segundo Müller, uma tal proibição dirige-se contra
mites- o que nada mais é que a delimitação de seu ámbito de proteção ··uma ação que se situa no entorno da liberdade artística( ... ). A mo-
-, um conceito decisivo na teoria de Müller é a especificidade.6' Es- dalidade 'no cruzamento viúrio' não pertence, contudo, ao seu âmbi-
pecífico é todo ato que faça parte do ámbito da norma de determinado to normativo".~>'~
direito fundamental. Dadas as dificuldades de compreensão do con- Com base nessa delimitação do que pertence ao âmbito da norma
ceito ele ámbito da norma, 66 parece mais fúciL nos limites deste traba- e do que não pertence - por não ser típico-, Müller, pelo menos em
• lho, definir a especificidade, ainda nos termos de Müller, pelo seu lado tese, consegue ser conseqüente com o !1fessuposto segundo o qual os
negativo. Por esse lado, a nâo-especificidade está ligada ao conceito direitos fundamentais não são ilimitados ou absolutos e, ao mesmo
de intercmnhiabilidlllle. Nüo-específica- ou nâo-tfpica- é a ação que tempo, consegue rejeitar a necessidade de restrições externas a esses
pode ser, sem perdas para o exercício típico de um direito fundamen- direitos~ Como conseqüência - e como ficará mais claro adiante 70 - ,
tal, subs~ituída ~or outra, que. nesse caso, seria típica (ou específica)Y ~r aparentemente consegue refutar também a necessidade de so- 4"'
A despeito da circularidade da definição, é possível extrair dela alou- pesamento entre princípios.
mas conclusões. Toda c qualquer ação que não seja estruturalme~te
necessária para o exercício do direito fundamental e que, nesse senti-
do, possa ser substituída por outra é uma ação não-específica, e, por- 3.3.1.1.3 A prioridade das liberdades básicas
tanto, não protegida pelo direito fundamental. Assim, proibir uma tal (John Rawls)
ação nâo é restringir o exenMcio do direito. Rawls, ainda que não se tenha dedicado a uma análise do su-
Diante disso, se se pr01be que um cientista divulgue suas teses porte fático dos direitos fundamentais, parte de pressupostos teóri-
por meio de cartazes em prédios públicos ou por meio de um alto- cos que indicam clara opção por uma concepção restrita desse su-
falante, não se está diante de uma restrição ao direito fundamental à porte. Especialmente em seu texto sobre a prioridade das liberdades
liberdade
.
científica. Isso porque tais formas de divuluacão
b
não são tí- ~
fundamentais, publicado em 1983, 71 inserido posteriormente em sua
picas ou específicas, porquanto. entre outras coisas, podem ser substi- obra Political Liberalism, de 1993, 71 Rawls rejeita um suporte fáti-
tuídas pela publicação das mesmas teses em uma revista científica, co amplo com o expresso objetivo de evitar colisões entre direitos
nos moldes tradicionais.<>x fundamentais e uma conseqüente necessidade de sopesamento entre
O mesmo pode-se dizer do artista que se vê proibido de pintar eles. 73 Isso ocorre de três maneiras distintas:
seus quadros no meio de um cruzamento movimentado. Embora a
ação "pintar quadros" seja protegida pela liberdade artística, sua for-
69. Friedrich Miiller, Freiheit der Kunst als Prohlcm der GrundrcclztsdoRIIWtik.
ma de exercício - em um cruzamento viário - não é específica ou p. 59.
70. Cf. tópico 3 ..\.2.1.
71. Cf. Jolm Rawls. ··The basic libe11ies and their priority". in Sterlin MeMurrin
64. ~f. Friedrich Miiller. Die l'ositil·itiil der Cmndrechtc. p. 41. I org. ), Thc Ti.u1ner /"cctures on Hunum Values I 982. Salt Lake City: Cambridge Uni-
65. Ct., entre outras pa-;sagens. Friedrich Müller, Dic Positil'ifiit der Cmndrcchte, versity Press, I 9X3, pp. 3-X7.
pp. <í4, 73. 74. XX. LJ3 e LJX. 72. Cf. John Rawls. Politica/ 1-iheralism, New York: Columbia University
66. Cf., sobre isso. a nota 61. acima. Press. I <)LJ.\, pp. 2X9-371.
67. Cf. Friedrich Miillt:r. f)ie Po.1i1t\·itiit der (;rundrcchtc. 2" ed., p. 101. 73. As idéias dos trabalhos mencionados já estava contida em John Rawls, A
6X. Idem. Fheorv oj'.lustice. Cambridge ( Mass. ): Bclknap. I 971. CL sobre esse ponto específi-
<)() DIREITOS H 'NDAi\IINII\IS: CONTÚíDO ESSENCIAL. R I SI RI('ÜLS 1. 1J 1(.-\CI.-\
O SlíPORTE FATICO DOS DIRU !'OS f'l'NIJMvii:NTAIS 91

( l) Ao reduzir o número de liberdadesfundanzcntuis- Para Rawls,


tre outros, evitar ao máximo a necessidade de sopesamento para a
fazem parte do rol de liberdades fundamentais apenas as liberdades
solução de colisão entre direitos fundamentais, como foi mencionado
de pensamento e de consciência, liberdades políticas c de associação,
no fim do parágrafo anterior. Isso porque qualquer colisão entre algum
as liberdades decorrentes da integridade das pessoas e os direitos e li-
direito da categoria "liberdades fundamentais'' com outros direitos ou
berdades abarcados pelo Estado de Direito.- 1 Ainda que essa lista das
interesses coletivos é necessariamente solucionado em favor das li-
liberdades fundamentais seja- especialmente em seu último elemento
berdades fundamentais. 7B
-um tanto quanto vaga, fica claro que muitos dos direitos fundamen-
tais garantidos por diversas constituições contemporüneas não estão (3) Ao excluir determinadas variáveis do suporte fático desses
nela contemplados, entre eles o direito geral de liberdade. o direito ele direitos- Esse é, para os objetivos deste trabalho, o ponto mais im-
• propriedade e os direitos sociais. 7 ' Mas há outros- como a liberdade portante na teoria de Rawls, que acaba por incluí-la definitivamente
de locomoção e a liberdade profissional- que o próprio Rawls insere no rol de teorias que pressupõem um súporte fático restrito aos direi-
em uma segunda categoria de direitos que não se enquadram nas .. li- tos fundamentais. Para tanto, Rawls vale-se da distinção entre regu/a-
berdades fundamcntais". 76 A redução do número de liberdades funda- mentaçqo e restrição. Segundo ele, para que as liberdades fundamen-
mentais é, expressamente, uma forma de evitar a necessidade de so- tais possam ser combinadas em um sistema e adaptadas a certas
pesamento, pois, segundo Rawls, ao se ampliar tal lista de liberdades condições sociais necessárias para o seu exercício duradouro, é preci-
correr-se-ia o risco de "enfraquecer a proteção das mais essenciai~ so que sejam regulamentadas. Desde que seu conteúdo essencial seja
dentre elas", pela necessidade de ter que aceitar, dentro do sistema das respeitado, os princípios de justiça estarão garantidos. 7 'J Para ilustrar
liberdades, os problemas decorrentes de um sopesamento desorien- sua posição, Rawls usa o exemplo da liberdade de expressão.
t~do, que s~ pretende evitar por meio da noção de prioridwle. 77 É natural que o modo de exercício da liberdade de expressão seja
vtsto a segutr. regulamentado, justamente com o fim de integrar esse direito em um
4
(_2) Ao pressupor um caráter absoluto das !ihcrdw!cs quando em sistema adequado ele liberdades. Assim, sem uma aceitação geral de
COI(/lito com outros direitos ou com interesses colctil·os. incluindo-se regras para o debate, a liberdade de expressão não estaria apta a atingir
aí os direitos sociais. já que esses ll{tO fa::.enz parte de CJLWÜJucr das seus objetivos. 80 Não é possível que todos falem no mesmo instante, e
categorias de direitos elencadas por Rml'!s - Essa cstratél!ia. ainda nem todos podem usar os mesmos espaços públicos ao mesmo tempo.
que não tenha relação com a amplitude do suporte fático d~ cada di- Em resumo: "A institucionalização das liberdades fundamentais, tanto
reito fundamental isoladamente considerado. tem como objetivo, en- quanto a satisfação ele vários desejos, exige planejamento e organiza-
ção social. Mas as regulamentaçi5es necessárias ll{to podem ser con-
fundidas com restrições, por exemplo, no conteúdo do discurso(. .. ). O
co. H. L. A. Hart. ''Rawls on liberty and its priority". Unil·ersit\' o/ Chicago Lrw uso público de nossa razão tem que ser regulado, mas a prioridade das
Rcl'lew 40 ( 1973), pp. 534-555 (o mesmo trabalho foi republicado posteriormente em
No~man Damels (org.), Reading Rawls: Critica! Studies o/ a Theon· o/ .fustice.
liberdades fundamentais exige que isso seja feito, na medida do possí-
Oxtord: Blackwell. 1975, pp. 230-252). Nesse artigo em alguns momentos é facil- vel, com o intuito ele preservar intacto o âmbito central de aplicação
mente perceptível a importância que a concepção de sltportcLjârico rcsrriro tem para (conteúdo essencial) de cada liberdade fundamentai".Rt
as teses de Rawls. Ct., sobretudo. a nota de rodapé 50, na p. 54X (na versão ori<>inal)
ou a nota 12. na p. 245 (na versão da coletânea organizada por Norman Daniel~).
74. Ct. John Rawls, Political Lihera/ism. p. 291.
78. Idem, p. 295.
. 75. ~esse sentido. cf. Robert Alexy. "Theorie der Grundfreiheiten". in Philoso-
79. Idem, pp. 295-296. Rawls não usa exatamente o conceito de conteúdo es-
phtscheüesells_chaft Bad Homburg/Winfried Hinsch ( orgs ). /.ur Ide e dcs politiscltcn
Ltbcrah.\·mus, hankfurt am Main: Suhrkarnp. p. 273. sencial. mas de "âmbito central de aplicação.. (central range of applicarion). Nesse
7f>. Cf. John Rawls, Política! Uheralism, p. JOX. contexto, contudo. ambas as expressões podem ser consideradas como sinônimas.
77. Idem, p. 296. XO. Cf. John Rawls, Political Liheralism, p. 296.
XI. Idem (sem grifos no original).
IJIRUTOS 11'"\iD.\\Iló:\I.\IS CO:\TU'Jl() FSSLNCIAL. RFSTRI(ÕFS 1: UIC/\CI.\
<J Slii'ORIE r;\ riCO DOS DIREITOS l-I ;NDAi'viFNTAIS <)_\

_ . ~c~~se scntid~) _:_- e ainda usando como exemplo a liberdade de


pios do segundo tipo seriam, dentre outros, proibições de uso de
exp!cssao-, rcstnçoes que digam respeito apenas ao tempo. ao local
ou aos 111ews usados no exercício dessa libe 1·d· d ;- . - alto-falantes em áreas residenciais 8 x ou de piquetes ruidosos em
I,aw
~.
1s_ rcstn<.-·oes
- -
proprr
.
d'
•· ' d e nc1o senam. segundo
~
áreas próximas a escolas (durante o período de aula)m ou próximas
F -. . ., .. • ~unente Itas. mas apenas regulamentaçôes.x2
a hospitais.
~nquanto legul,unentaçoes. elas não atingem o âmbito de vaii·d·tci I·
I 1be ·d · I • 1, · , -- :- - ~ ' < e c" O ponto central dessa distinção entre essas duas formas de limitar
, -~-"~c_ c~ ex:•essac~. por nao_ serem restrições quanto ao conteúdo.
Dcssd fo1m<t. Rc1wls .p1etende cnar um sistema de l'b a liberdade de expressão está na expressa aceitação de que no segundo
I· - · _. I e1·d·a d es. que dln-
,-
caso se trata de uma questão de sopesamento entre direitos colidentes
~ dCJL:e I:C:JCit~ ~~ po~slbiiidadc de restrições. consiga se sustentar s,em a
ex1stenc1d de contl1tos e, por conseguinte, sem a necessidade de sope- no caso concreto. Assim, segundo Tribe, se a Suprema Corte decide
san~:ntos. -~~~tes de c~iscutir a ~tdequação do uso que Rawls faz d~t dis- contrariamente à proibição de distribuição de panfletos nas ruas de
tlll~do ent1c 1egulaç-ao e restnç.âo,x3 é recomendável . b , . ,,. uma cidade, a razão para tal decisão res!de no fato de que a liberdade
- 1 t· umc~ reve ,ma ,_ de expressão é mais importante que ruas limpas a um custo baixo. Por
se c c sua 011te - o que será feito a seguir.
outro lado, quando a corte decide que é aceitável a proibição do uso
-
de alto-falantes em áreas perto de hospitais, o resultado do sopesamen-
3.3. I. 1.4 Laurence Tribe to indica que o bem-estar e a saúde dos pacientes são mais importan-
e os dois caminhos da liberdade de expressão tes que a liberdade de expressão nesse caso concreto. 90 Em ambos os
casos, no entanto, o objeto do sopesamento não foi o collteúdo do
. _ Ra_\>ls_ e~~ressam:~te toma ~mprestada a distinção entre regula- discurso na liberdade de expressão, razão pela qual ambos os casos
~~w e_:cltuç.ao da ~ra_tica constitucional americana, e em especial são enquadrados na segunda das categoria apontadas por Tribc. Em
. a <-~bl d d:Laurer~ce fnbe e de sua análise sobre a primeira emenda da
constitlllçao dos Estados Uni<losY Ao ex·tminar as c 1 -
suas palavras, o que está em discussão, nesses casos, são questàcs
. l'b . 1. 1, _ " < tormas pe as qua 1s nâo-colllltnicatil·as. Assim: ·'Quando o governo tem como objetivo
dI
.. .
ercctcedeexpressaopodeserlimitad·
• _ . • 1
<,
T'b f' -
n e az mençao a do1s - regular o impacto não-comunicativo de um ato, o resultado correto em
c<~mmhos cl!stmtos: (I) o uoverno pode ter como b. t. qualquer caso particular reflete, então, alguma forma de 'sopesamen-
_. _ o o ~e 1vos controlar
ou pun11 a expressao de certas idéias ou informações ou (2) to' entre os interesses conf1itantes; escolhas regulatórias orientadas
pod . ·t .- · . _ . o governo
. e, Ie~ llllgir a c~rc_ulaçao de mformações e idéias com 0 intuito de pelos danos causados não pelas idéias ou pela informação em si são
p10tege1 outros objcti vos. x'
aceitáveis, desde que não restrinjam excessivamente o fluxo de infor-
.. ~Jmcxemplo que ~ode ser incluído na primeira dessas duas alter- mações e idéias". 91
ndtlvas scna o conhecido caso New York Timeç vs s 11· 1
-1 s .C . · . u tvan, no qua Em resumo: para Tribe - e, em certa medida, para a Suprema
<, _·, u~~re:lld orte garant~u ~proteção a toda e qualquer manifestação Corte dos Estados Unidos- é necessário um exame para se determinar
CIItlcd contra agentes pubhcos 8 ~> e atos u · · , se se trata de um caso da primeira categoria - restriçâo do conteúdo
f . - .' _ :-- . · ' · oove1 namentms que pro 1bam
unclondnos pubhcos de externar essa ou aquela ideologia.s7 Exem- da expressão- ou da segunda- regulaçlio do impacto não-comunica-
tivo da liberdade de expressão. No primeiro caso, a não ser nas hipó-
teses excepcionais desenvolvidas pela Suprema Corte- perigo claro e
X2. Idem. PP- 336 e 341.
X3_ ( T tópico 3.3.2.1.3.
> , •. X-+(·J C~r_ Lu~rence Tribe. Amerimn Consrirurional Law, Mine<JI,- 1-
7
I rcss. 1 X. PP- :->XO ss. . Foundation XX. Cf Komcs \'. Cooper. 336 U.S. 77 ( 1949).
X5. Idem_ 89. Cf Gravned \'. Citv of Rockjiml. 408 U.S. 104 ( 1972).
X6. ~::: ~nc York Times\'. Sul/ivan. 376 U.S. 254 (1964). 90. Cf Laurence Tribe, American Constitutional Law, p. 581.
X7_ k.n·l.l'hwn \'. Bowd ofRcgl'llt.l. 3X5 U.S. 5R9 (1967)_ 91. Idem, pp. 5X I-5R2. A ressalva na última parte elo trecho transcrito ("desde
que ___ ") j;í indica o quão tênue é a distinção entre restriçâo e regulaçüo.
r
O Sl.I'ORIL 1.·\ riCO DOS DIRLII< >S Hl:--.lll.·\\IF:--JTAIS
'14

atuaL difamação etc. -.qualquer medida governamental com o escopo 3.3.2.1 Ponto de partida: prohlenws do suporte fático restrito
de restringir a liberdade de expressão é inconstitucional. No segundo Como já ressaltado anteriormente.''" o primeiro passo para a sedi-
caso a resposta dependerá de um sopesamento entre a liberdade de mentação de uma concepção ampla de suportcjâtico é a rejeição dos
expressão e o interesse atingido. principais pres~upostos c estratégias das diferentes concepções de su-
Como é facilmente perceptíveL tanto a teoria de Rawls, quanto a porte restrito. E o que se intentará fazer nos próximos tópicos.
de Tribe, quanto a da Suprema Corte dos Estados Unidos pressupõem
um conteúdo essencial absoluto da liberdade de expressão, que são os
casos da primeira categoria. Mas. apesar disso, a leitura das conside- 3.3.2.1.1 Conservadorismo
rações feitas por Tribe acerca do embate entre teoria absoluta vs. so- Algumas formas de delimitação do Umbito de proteção dos direi-
• pesamento sugere interessantes indícios que corroboram a tese a ser tos fundamentais são claramente conservadoras.<> 1 Sobretudo as estra-
defendida mais abaixo, segundo a qual o recurso ao sopesamento é, em tégias baseadas em uma interpretação genética dos dispositivos cons-
qualquer caso, imprescindível - o que. no limite, põe por terra qual- titucionais tendem a estar sujeitas a esse problema. Não é o caso de
quer pretensão a um conteúdo essencial absoluto dos direitos funda- revisar, aqui. toda a disputa entre subjetivistas e objetivistas no âmbi-
mentais baseado em um suporte fático restrito. Antes. porém, parece to ela interpretação jurídica. ~ Também não é possível - por passar ao
9

ser necessária a análise do pressuposto teórico oposto. o suportefâtico larvo do objeto deste trabalho - discutir o problema na forma como
amplo. oc~rre nos Estados Unidos da América, onde o chamado originalismo,
que defende a busca pela inten<;~ão do legislador constituinte, ainda
suscita polêmicas."' Assim. independentemente de outros problemas
3.3.2 Suporte fático amplo metodológicos que essa abordagem possa suscitar, o que aqui inte-

Como visto até aqui, independente elas estratégias argumentati- ressa é a impossibilidade de atualiz.aç·âo do âmbito de proteção dos
direitos fundamentais a uma realidade cambiante. A partir de um en-
vas, toda teoria que se baseia em suporte fático restrito para os direitos
fundamentais tem como principal tarefa fundamentar o yue se inclui
e o que não eleve ser incluído no ümbito de proteção desses direitos,
<J2. Cf. tópico 3.3.1.1.
bem como definir qual é a extensão do conceito de intervenção estatal 93. ··conservador ... aqui, não tem. obviamente. qualquer conotação política.
nesse ümbito. Como será visto a seguir. um modelo baseado em um 94. Sobre isso. cf.. por todos. Karl Larcnz. Metlwdenlehre der Reclttswissens-
suporte fático amplo está isento dessas tarefas. já que o decisivo. a c!wft. 6• ed .. Berlin: Springer. 1991. pp. 3 I() e ss.
. 95. Para uma defesa do originalismo, c f.. por todos. Robert Bork, Tlte Tempting
partir desses modelos. não é o trabalho com o âmbito de proteção ou
o/America, New York: Free Prcss. 1990 c J. Clifford Wallacc, '"The Jurispmdence of
com o conceito de intervenção estataL mas com a argumentação pos- Judicial Rcstraint: a Return to thc Moorings ... George Washington Law ReVLew 50
sível no âmbito da fundamentação constitucional das intervenções. De (1981 ): 1-16. Para uma visão crítica do originalismo. cf. Ronald Dworkin, 1-aw :~
uma certa forma, o_@e ocorre é um deslocamento do foco da argu:- Empire, Cambridgc ( Mass. ): Harvarcl llniversity Press. l9R6. pp. 359 e ss.; Paul
Brest, "Thc Misconceived Qucst for thc Original Undcrstanding", Boston University
mentação: ao invés ele um foco no momento da definição daquilo que Law Review 60 ( 1980): 204-2.39 c Mark Tushnct ... Following the Rules Laid Down:
é protegido e daquilo que caracteriza uma intervenção estatal, há urna a Critique of lnterpretivism and Neutra[ Principies ... Harl'([rd Law Review 96 ( 1983):
concentração da argumentação no momento da .fitndamentação da in- 781-827. Sobre diferentes v isües acerca da interpretação constitUCIOnal e do jlldtcwl
tervençâo. Essa simples mudança ele foco tem -como será percebido review nos Estados Unidos. cf.. por todos. Jolm H. Ely. Democracy and Distrust,
Cambridge (Mass.): Harvard Univcrsity Press, 1980. pp. li c ss. Em português, cf.,
em todo o resto deste trabalho ~.conseqüências decisivas não apenas por todos, Miguel Nogueira de Brito, ··originalismo e interpretação constitucional",
em toda a dogmática dos direitos fundamentais, mas também na ativi- in Virgílio Afonso da Silva (org. ). lnterpretoçüo constitucional, [• ed., 2' tir., São
dade jurisdicional preocupada com a proteção desses direitos. Paulo: Ma1heiros Editores, pp. 55 c ss.
DI RI XI c )S l·l ;\[).'úfl:''ri AIS CO:'\TE(JDO ESSENCIAL. RI·:STRIÇ(JLS 1·. U I C.·\ C·1.\ O SUPOR 11·: I·ATilO DOS IJIRI:TIOS li ~DA:-.11 ;\ L\IS <)7

foque original ista ou histórico-genético, a proter;ão fornecida pelos do ele, seu conceito de âmbito da norma permitiria a abertura para o
direitos fundamentais ficará sempre restrita àquilo que, na época da novo. Ora, como os conceitos de especificidade e de tipicidade são
promulgação da constituição, se queria proteger. 9 r' definidores, como já se viu, do próprio âmbito da norma, fica difícil
O problema elo conservadorismo não surge apenas após decorrido saber como essa ·'abe11ura para o novo" poderá ocorrer. Seguindo-se
um longo período ela promulgação da constituição. A constituição bra- fielmente a idéia de Müller, tem-se a impressão de que o excêntrico
sileira tem apenas 20 anos, mas na época de sua promulgaçüo a priva- ou 0 não-específico serão protegidos apenas quando deixarem de sê-
cidade das pessoas não era ameaçada pela crescente digitalização de lo. E é o próprio Müller que se refere ao não-convencional corno algo
informações ou pela Internet; não se pensava, à época, que a realiza- niio-protef.jido. 99 Sobretudo no âmbito da liberdade artística - à qual
ção da igualdade poderia necessitar de ações afirmativas: não se sabia Müller dedica toda uma monografia 100 e ela qual são extraídos quase
que a liberdade ele expressão e seu potencial às vezes ofensivo seriam •
todos os seus exemplos -, a distinção entre o tradicional c o novo é
exponencializados pelo uso do computador e da Internet - para ficar- quase sempre algo radical, necessário, inerente à própria história ela
mos em alguns poucos exemplos. Buscar a intenção do legislador cons- arte. Exçluir o novo da proteção elos direitos fundamentais pelo sim-
tituinte para delimitar o âmbito ele proteção dos direitos fundamentais ples fato de ser pouco convencional parece ser, nesse sentido, de difí-
é uma estratégia que, em parcos 20 anos, demonstra um anacronis-
cil fundamentação.
mo e um conservadorismo dificilmente sustentáveis.
Mas não é apenas a busca pela intenção do legislador que expres-
sa o caráter conservador e estanque de modelos restritos para a defini- 3 .3.2 .1.2 Exclusão a priori de condutas
ção elo sup011e fático dos direitos fundamentais. Mesmo teorias confes-
sadamente preocupadas em não distanciar a interpretação constitucional~ Como se percebe, a principal dificuldade que qualquer teoria que
da realidade social - com~ é o caso da teoria estruturante ele Müller pressuponha um suporte fático restrito para os direitos fundamentais
- pendem, em alguns pontos, para o conservadorismo, ainda que por tem que enfrentar é o método de definição desse suporte. Ou seja: com Jl'.
outras razões e meios. Como visto acima, 97 um elos principais elemen- base em quais critérios CQf1cll1_tas que, prilno .fác·{~d)~!.s:Jeria~!~~er con-
tos para se definir o que é protegido por um direito fundamental é o Síderadas_çQlllo_garantidas por algum direito poclerã_o:-;_er_excluídas,
conceito de especificidade: apenas ações específicas ou típicas são em abstrato e~Tl}_Q~finitivo_,__c!~~-~g_<~~_il!.!!ia. Poucos são os autores que
protegidas. Ainda que os exemplos de ações não-típicas utilizados por -~~ dedicam a desenvolver um método com esses objetivos. 101 Em ge-
Müller sejam um pouco exagerados- pintura no meio de cruzamento ral, as defesas de um suporte fático restrito baseiam-se pura e si rnples-
movimentado, divulgação de teses acadêmicas por meio ele alto-falan- mente em uma intuição, 102 apoiada em exemplos em geral estapafúr-
tes, improvisações de trombone de madrugada -, caso sua proposta
seja seguida, necessariamente se cairá em uma espécie de proteção
apenas do tradicional, do empedernido, do convencional. Esse é um 99. Idem: ""( ... )o excêntrico, o não-convencionaL ou seja, o nüo mais J>rotegido
.. )"(sem grifos no original). Pouco muda a afirmação~ não fundamentada~ de que
perigo de que Müller tem consciência e se esforça em negar.'m Segun- o específico e o tradicional, de um lado, e o excêntrico e o convencional. de outro,
em geral não são dissociúveis.
100. Cf. Friedrich Müller. Freilzeir der Kw1.1t als Problcm der (;rwrdrecht.\dog-
96. Aqui hü até mesmo uma grande concessão ao miginalismo ou à interpreta- lllatik. Berlin: Duncker & Humblot, 1969 .
.,:ão genética: pressupôe-se, para os fins da argumentação e para que não seja neces- 101. O principal deles, como se viu acima (cf. tópico 3.3.1.1.2), é Friedrich
súrio adentrar outros debates metodológicos e substantivos. que existe a possibilidade Müller.
de se saber o que exatamente os constituintes queriam proteger à época dos debates I 02. Wolfram Hofling fala em nebulosa valoração daquilo que é protegido por
constituintes. um direito fundamental e daquilo que não é. "sem qualquer distinção entre suporte
97. Cf. tópico 3.3.1.1.2. fático dos direitos fundamentais, restriçôes a eles e restriçôes às restriçóes .. ( Oj]('nc
9X. Cf. Friedrich Müller. Die Posiriviti.it der Grundrechte. p. 99. (;rundrerhrsínterpretation, Berlin: Duncker & Humblot, 19XX. p. 172).
!)IRFIIOS 1-1 ~ll.\\11'- I \IS ('Or-;TI:L'DO léSSE'JCL-\1.. RISIRI('(JLS F FFICAC'I,\ O Sl ii'ORIE F.\ 11('0 DOS DIREITOS Fllf\IMME01TAIS l)lJ
lJX

dios, que tentam mostrar as supostas conseqüências da tese contrária, é ··sim". Isso porque esse '"sim" refere-se, pura e simplesmente. a uma~
ou seja, da aceita~ão de um suporte fático amplo. ~arantia prima facic dos direitos envolvidos, o que não implica res-

Como se viu acima, quando se pretende atacar uma concepção lJosta alguma acerca de sua garantia clefinitiva. 111 Essa somente pode-
ampla do suporte fútico dos direitos fundamei~tais, em ger~l_recorre-se r:í s~r dada a partir de ~m sopesamento que leve em considera\;ão as
a questões- I)1eramcntc retóricas- como: A hberda~e rehg1o~a prote- vanaveis de uma s1tua~ao concreta.
-~ l!;e o sacrifício humano em rituais de alguma re!Igwo? A liberdade
103
Excluir algumas condutas. a priori. do suporte fático ele um direi-
;rtística protege o pintor que quer montar seu cavalete de pintura no to fundamental não significa apenas decidir se o trompetista bêbado
meio de um cruiamento movimentado? 104 A liberdade científica ou a que quer fazer barulho de madrugada ou o líder religioso que quer fa-
artística garantem o uso da propriedade alheia para a realização de
experiên:ias ou obras de artc'? 10 ' A liberdade de circulação pode ser
zer
. sacrifícios humanos .. agem sem direito". .
112
Para ficar apenas em
um exemplo, significaria também decidir, em abstrato e a priori. se
106
invocada para atravessar a via pública sem vestuário'? A liberdade mostrar as nádegas em público é exercício da liberdade de expres-
107
artística protege a .. morte no palco"? Um bêbado frustrado pode são. 11 ' Çom base na ''intuição" que baliza boa parte dos argumentos a
fazer barulho com seu trompete no meio da madrugada, como exercí- favor de um suporte fútico restrito, ou mesmo em critérios como a in-
cio de sua liberdade artística'? 10 " tercam!Jialidade de Friedrich Müller, ou, ainda, em argumentos co-
Não é difícil perceber que. a despeito da aparente força persuasi- muns na jurisprudência do STE segundo os quais os direitos funda-
va que o argumento a!J absurdum possa ter, tais exemplos podem ser ;~cl1taí.Si1fu.)poden1- servir de proteção para condutas imorai~ii 4--;;u
rejeitados, como outros tantos exemplos pouco usuais. Neste ponto, '!TfCitas~ 15 a resposta a esse último problema so~~~te poderia ser: mo~~­
parece-me suficiente apresentar apenas um: será que se dei_xaria de trar ;\s nádegas em público não é exercício da liberdade de expressão
considerar como .. obra de arte" -e, com isso, produto da hberdade ~ e não se inclui, portanto, em seu suporte fático. Mas, como se pôde
artística- um desenho de 1)icasso que tenha sido feito em um papel perceber pelo julgamento do próprio STF, 116 não é possível dar de
ou tela alheia'? 10" Como se percebe, recorrer a exemplos pré-fabrica-
dos não é a melhor forma de demonstrar as incongruências dessa ou
d!llinterpretation, pp. 172; Martin Borowski, Grundrechte ais Prinzipicn. pp. 204 e
daquela teoria. Mais que isso: para aqueles que accita,m u~n supo~te ss .. Wolfgang Kahl. "Vom weiten Schutzbcreich zum engen Gewahrleistungsgehalt:
fático amplo, 11 " a resposta a todas as perguntas do para grafo antenor K ritik einer ncuen Richtung der deutschen Grundrechtsdogmatik", Der Staat 43
( 2004 ). pp. l () 7 e ss.
lll. Sobre a diferença entre ''direitos prima jácie" e ''direitos definitivos". c f.
103. C f. José Carlos Vieira de Andrade, Os dircitosfundamentais na Constitui- t<ípicos 2.2. l e 4.2.2.2.2.
112. Sobre a idéia ele "agir sem direito'', c f. tópico 4.2.2.2. I.
cilo porluguesa de J\17tí. p. 294. .
104. Cf. Friedrich Müller. Frciheil der Kw1sl ais Prohlem da (Irundreclttsdog- 113. Cf STF. HC S3.996.
114. Cf.. por exemplo. HC R2.424 (RTJ ISS, S58 [860]): "O direito à livre ex-
1/lalik, p. 59.
105. Wolfgang Rüfner. ··c;rundrechtskonflikte", in Christian Starck (org.), Bun- pressão nüo pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral".
deSI'cr(as.111ngs.~eri;111 wul (imndgeset:. vol. !I, Tübingen: Mohr, 1976. pp. 459 ess: 11.5. CL por exemplo: HC 70.814 (RTJ 176, 1136 [ 1140 ]), voto do Min. Celso
l 06. C f. José Carlm Vieira de Andrade. Os direitos fundamenlais na Consllllll- de Mello: "( ... )a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode cons-
çtlo t){)r/uguesa de I <)7fí. p. 294. . tituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas"; HC 82.424 (RT.I l S8, S5S
l 07. C f. Klaus Stern. "Di e Grundrechte und ihre Schranken", 111 Peter Badura/ I R9 lI)- voto do Min. Maurício Corrêa: "( ... ) um direito individual não pode servir de
Horst Dreier. Fes/schriji 50 .la/ire Bundesverfas.\·un,;sf?erichl. p. 17. salvaguarda de práticas ilícitas. corno ocorre. por exemplo, com os delitos contra a
l OR_ C f. Cllinter .l'rhel. !nhalt und Auswirkungen der verjássungsrechtlichen honra( ... )"; e HC 79.2S5 (1)./U 12.11.1999). A premissa restritiva, nos moldes apre-
Kuns!jl·eihcitsgarantie. Berlin: Springer, 1966, p. 95. sentados no voto do Mtn. Celso de Mello. acima. é aceita no âmbito doutrinário. entre
109. O exemplo é de Wolfram Hüt1ing (0/Jene Grwuircclztsinterprelation, p. 177). outros. por Alexandre de Moraes. /)ireitos ffumwws Fmuiamenlais. 5·' ed .. São Pau-
tiO. Para alguns deles. cf .. por exemplo: Robert Alexy. Theorie der Gmndrechte, lo: Atlas. 2003, pp. l45-l4(J.
pp. 27S e ss. 1 traduçi\o brasileira: pp. 307 e ss.l; Wolfram Hüfling. Offene Gmndre- 116. Cf.. sobre essa decisão. tópico 2.2.3.3.
100 DIREITOS I· I iNDA~IENTAIS CON IHillO ESSENCIAL. RI·.S I"RI~"C)ES E l:t·IC'ACI,\ O SLIPORH: I· AI! C() DOS DIREITOS H '.;DAMiéi\TAIS IOI

antemüo uma resposta definitiva a essa questão. ~: possível que as ser nas tardes de domingo- e, como alternativa, oferece um estacio-
circunstâncias do caso concreto sejam decisivas para tanto. namento na periferia da cidade onde esses encontros seriam liberados.
Segtmdo Alexy, a regulwnentaçüo é meramente acerca do local e do
ho;ário. mas mesmo assim representa uma restriçâo às liberdades ele
3.3.2.1.3 Regulação e restrição
reunião e de expressão. 120 Isso porque pode ser que os cidadãos ou não
A distinção entre regulaçâo e restnç-ao dos direitos fundamen- possam se reunir no domingo à tarde, ou não tenham qualquer moti-
tais, que está na base de algumas estratégias de limitação do suporte val(ãO para debater em um estacionamento na periferia ela cidade. Em
fático dos direitos fundamentais, não é despida de problemas concei- resumo: "A administração poderia então silenciar um debate que lhe
tuais, e tem enormes conseqüências práticas. Na exposição do modelo seja inconveniente por meio de uma r~gulamentação aparentemente
proposto por Rawls ficou claro que essa distinção tem um objetivo inofensiva". 121
simples e, ao mesmo tempo, fundamental: distinguir aquilo que é per- O exemplo acima não é apenas produto da imaginação ele um
mitido daquilo que não é. Assim, para Rawls toda forma de interven- autor. A.tênue margem entre rcgulaçâo c restriç"âo é muito bem retle-
ção no conteúdo das liberdades fundamentais é uma forma de restri- ticla em caso muito semelhante decidido no STF: a decisão ela ADI
ção- e, portanto, a ser rejeitada. Já intcrvenç(Jes naj(Jnlla de exercício 1.969. Por essa razão, servirá ela como ferramenta ele análise nesse
das liberdades fundamentais seriam aceitas, já que, nesses casos, es- ponto específico elo trabalho, para demonstrar a impossibilidade de
taríamos diante de meras regulamentaç.Iies. 117 distinção entre regu!amcllfaçâo e restriçâo.
A despeito da simplicidade e aparente utilidade da distinção, não
parece ser possível afirmar, sem grandes ressalvas, que intervençàes
na forma de exercício de um direito fundamental não possam implicar ~
3.3.2.1.3.1 Análise de caso: direito de reuni/lo e AD/ 1.969- Em
grandes restriçàes ao seu ~nteúdo. Essa é uma possibilidade perce- março ele 1999, o Governador do Distrito Federal editou o Decreto
bida por Tribe, que tenta contorná-la, quando trata da regulação elo 20.098, que pretendia regulamentar o exercício do direito ele reunião
exercício da liberdade de expressão, ao afirmar que tal regulação é - previsto no art. 5l], XYL da constituição -, nos seguintes termos:
possível "desde que não restrinja excessivamente o fluxo de informa- "Art. 1º. Fica vedada a realização de manifestações públicas, com a
ções e icléias". 11 x utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros na Praça dos Três Po-
É possível, neste ponto, recorrer a um exemplo utilizado por Ale- deres, Esplanada dos Ministérios e Praça do Buriti e vias adjacentes".
xy.119 Em determinada cidade, uma questão política vem sendo discuti- O objetivo do decreto, de acordo com seus consideranda, era
da intensamente. Os representantes das di versas concepções sobre a disciplinar o exercício da liberdade ele reunião "de molde a que sem-
questão conclamarn os cidadãos a participar dos freqüentes debates pre esteja presente o respeito mútuo, sem que sejam agredidos os
que são realizados no parque principal da cidade. Os cidadãos compa- postulados básicos da democracia''. Segundo a "exposição de moti-
recem em massa. Por diversas razões, a administração municipal não vos", a utilização de carros ele som nas manifestações nas vias e pra-
gosta ela idéia: as pessoas pisam na grama e a estragam: debates no- ças, descrita em seu art. 1'', atrapalharia o bom funcionamento dos
turnos atrapalham outros moradores: mães com crianças e admiradores Poderes da República.
de tlores podem aproveitar o parque apenas parcialmente; etc. Por
isso, a administração resolve proibir tais reuniões para debates- a não Como se percebe, a regulamentação proposta em nenhum mo-
mento faz menção ao conteúdo das manifestações, mas pura e sim-

117. Cf. tópico 3.3. I. 1.3.


li~- Laurence Tribe, Ameriran Constitutional Lmv, pp. 581-5~2. 120. Idem, p. 2~9.
119. Cf. Robert Alexy. "'Theoric der Grundlrciheiten"', pp. 288-289. 121. Ibidem.
102 DIREITOS HI~DAMENTAIS CONTEÚDO ESSENCIAL. RESTRI<,'{li'S I' I Hl"ACI.\
O Slii'OR rio F<\TICO !>OS DIREITOS Fllf\:DA~Ilof\:IAIS IIU

plesmente ao local ('"Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministé- O mesmo pode-se dizer do objeto da ADI 1.969. O Governador do
rios, Praça do Buriti e vias adjacentes") e ao 111eio de exprcs.w7o (por Distrito Federal apenas '"regulamentou" o exercício do direito de reu-
meio de "carros, aparelhos e objetos sonoros"). Segundo as premissas nião. delimitando lugar e 111odo de exercício. 12 '' Mas, segundo o enten-
sobretudo de Rawls e Tribe, estaríamos. aqui. diante de mera regu/a- dimento do STE tal regulamentação nada mais é que uma forma de
111e11taçâo do direito, mas não de restrição. 122 restrição ao direito em questão. 117 Não se trata, aqui, claro, de mero
Ainda que Rawls e Tribe não tratem o problema de forma idênti- argumento de autoridade. O que importa é que a decisão, ainda que
ca, pelo menós um elemento em comum está presente em ambas as não pelos caminhos delineados aqui, reconhece que o âmbito de pro-
teses: tratando-se de restrição a direito fundamental, a atividade restri- teção da norma que garante o direito de reunião pode eventualmente
tiva deve ser necessariamente rejeitada. Nos casos de regulamentação, ser restringido por meio de atos que meramente delimitam horário.
Tribe desenvolve o problema com mais detalhes que Rawls e sustenta local c formas de manifestação. Em outrâs palavras: reconhece-se que
que a solução é uma questão de sopesamento entre os interesses envol- tais elementos fazem parte do suporte fático de tal direito. É. neste
vidos no caso concreto. 12 l Já Rawls, como visto pelo exemplo da liber- ponto. conclusão semelhante à que Alexy chega no caso de seu exem-
•.
dade de expressão, 124 tende a aceitar, sem maiores exigências, regula- pio. menCionado anteriormente: ''Se não se estende a liberdade do dis-
mentações relativas ao local, ao horário e ao modo de expressão. curso político às modalidades do discurso, ou seja, ao horário e à data.
ao local e ao meio de expressão. não poderia nem ao menos ser ques-
Poder-se-ia chegar à conclusão de que o modelo de Tribe é mais tionado se as regulamentações como as mencionadas tem seu e.rel!z-
sofisticado e menos maniqueísta, já que não pressupõe binômios imu- plol violam o direito fundamental, pois tais regulamentações referem-
táveis do tipo restrição = proibido/regulamentação = permitido. Ao se a algo que, de antemão, não é abarcado pelo âmbito de proteção
flexibilizar o segundo binômio, o modelo de Tribe seria mais capaz de ~ desse direito". 12 R
se adequar às realidades da•aplicação prática dos direitos fundamen-
Assim, de acordo com o que acaba de ser explicitado, a funda-
tais. Dessa forma, nem toda regulamentação seria aceita. mas depen-
mentação da decisão na ADI I .969 parece recorrer a uma estraté~ia
deria de um sopesamento entre os interesses colidentes no caso con-
intermediária entre os modelos de Tribe (e, subsidiariamente, de Rawls)
creto. Contudo, há, aqui, dois problemas importantes, considerados
e o modelo aqui proposto. Nesse sentido, seria possível dizer que o
nos tópicos seguintes. tribunal, pelo menos nessa decisão, 129 aceita a premissa de Tribe,

3.3.2.1.3.2 Regulamentações restntlwls - Em primeiro lugar, e


126. O que, aliás, é previsto pela Lei 1.207 I 1950. Infelizmente, a recepc,·<io dessa
como já se salientou, 125 nem tudo aquilo que se refira à forma de exer- lei pela Constituição de 1988 não foi discutida em juízo.
cício de uma liberdade é mera regulamentação. Como se viu, é perfei- 127. Ementário STF 2.142, 282 (295-296).
tamente possível que com base em medidas aparentemente inofensivas 12X. ~obert Alexy, 'Theorie der Grundfreiheiten", p. 289.
129. E preciso salientar que a jurisprudência do STF, no que diz respeito às rcs-
c meramente reoulamentadoras
b
o exercício de um direito fundamental tri\;·iJcs a direitos fundamentais, vem sendo refinada nos últimos tempos. Os termos da
possa ser restringido de forma contundente. O que aparenta ser mera decisão da ADI 1.969, diante disso, não podem ser tomados como "jurispmdência do
regulamentação é, na verdade, restrição. Tribunal". Além disso, mesmo internamente à ADI 1.969 os termos são bastante con-
..-- traditórios. Se, de um lado, a decisão, em alguns momentos, salienta que "não cabe ü
autoridade local regulamentar preceito da Carta de República" (Ementário STF 2. 142.
282 [295 J) ou que não pode o agente público "intervir, restringir, cercear ou dissolver
122. Cf. John Rawls, Political Uberalism, pp. 336 e 341. reunião pacífica, sem armas, convocada para fins lícitos" (idem, p. 302), de outro lado.
123. Cf. Laurence Tribe. Amcrican Constitutional/"aH', p. 5X I. várias são as passagens em que os Ministros insistem no caráter não-absoluto do direi-
124. Cf. tópico 3.3. I. 1.3. to de reunião c dos direitos fundamentais em geral (Ementário STF 2. 142, 282 - voto
125. Cf. tópico 3.3.2.1.3. do Min. Marco Aurélio Mello lp. 303]; voto do Min. Octávio Gallotti 1p. 321 ]; voto do
104 IJIRITIO.~ li :\D.\~IL:\ 1.\IS CO;\ I 1-.1 IJO ESSI:'\( 'IA L. RES IRI('ÜES F I·:I·ICACIA O SLIPURII·. 1·,\TICO IJOS DIREI !'OS HiND.'\MENTAIS 105

segundo a qual as restri<;ões à essência do direito são inconstitucio- O primeiro deles é a norma contida no art. 39, § 5°, I, ela Lei
nais. mas. por outro lado, não compartilha da premissa de Rawls. 9.504/1997 (Lei Eleitoral), cujo texto é o seguinte: ''§ 5º. Constituem
segundo a qual regulamentações de local e forma de expressão nun- crimes. no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um
ca constituem restrições ao direito de reunião.' 10 f~ justamente a as- ano. com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo
sociação dessas duas premissas que levou o STF a declarar a incons- mesmo período, c multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIRs: I
titucionalidade do decreto em questão. ou seja: a regulamentação _ o uso de alto-falantes c amplificadores de som ou a promoção de
não era mera regulamentação. mas. sim. uma restrição- e, portanto, comício ou carreata".
i1u ·onsti t w ·i mza I. Assim. a realização de comícios. que são manifestação típica do
exercício de reunião. é simplesmente proibida nos dias ele eleições.
Partindo-se do pressuposto sugerido pôr Tribe e Rawls, a fundamen-
3.3.2.1.3.3 Restric6cs Jh'mzitidus- Quanto a um dos pontos ex-
tação para essa proibição não exigiria grande esforço argumentativo:
plicitados no tópico anterior há convergência entre a posição do STF
por se tratar de mera regulamentação (data ela reunião), a constitucio-
e a tese aqui defendida: regulamentações quanto ao local, horário e
nalidade ela medida é pouco discutível. Já, no caso ela linha definida
modo de exercício de um direito fundamental podem configurar- na
pelo STP q parece plausível sustentar que não se trata de mera regu-
tese aqui defendida: sempre configuram - uma restrição a esse direi-
lamentação. mas de restrição ao direito de reunião. Difícil seria saber,
to.111 O segundo ponto. a ser abordado com mais detalhe neste tópico,
no entanto, quais seriam as conseqüências que o tribunal tiraria dessa
tem relação com o primeiro mas, nesse caso, diverge ela posição do constatação, já que na ADI 1. 969 a conclusão que decorreu ela premis-
STF. 112 Esse segundo ponto pode ser resumido da seguinte forma: ela sa, aceita por todos os ministros, de que se tratava ele restrição, e não
mera verificação de uma restrição a um direito fundamental - mesmo de regulamentação, foi a inconstitucionalidade do decreto, sem que.
que ela inviabilize seu cxerfício por completo. em alguns casos con- para isso. houvesse algum desenvolvimento intermediário entre a
cretos - não decorre sua inconstitucionaliclacle. 133 constatação da premissa c a conclusão. A se repetir o mesmo modelo
Não são poucas as restrições ao direito de reunião que extrapolam no caso da lei eleitoraL a conclusão tenderia a ser pela inconstitucio-
as restrições já previstas no próprio texto constitucional - caráter pa- nalidade da restrição. 135
cífico, ausência de armas. local aberto ao público, não-frustração de A dificuldade em se apreender a posição do STF em casos como
outra reunião, aviso à autoridade competente-, proibindo certas reu- esse decorre, assim. ele alguns pontos principais: (I) o tribunal não
~
niões em certos locais ou em certas datas, sem que isso cm!figure explícita o caminho que o leva ela constatação ela premissa à conclu-
qualquer inconstitucionalidode. Dois exemplos parecem ser ilustrati- são; (2) em nao poucos rnÕmentos a decisão é extremamente contra- J!!.

vos a esse respeito. di tória; 116 ( 3) a de c isão na A DI I. 969 ainda é a única sobre um tema
tão importante como o direito de reunião no âmbito do STF. 117

Min. Sydney Sanches [p. 322]: voto do Min. Néri da Silveira [p. 324]: voto do Min.
Moreira Alves [p. 325J). 134. Cf. a ressalva da nota 132.
130. Cf.. por exemplo. Ementário STF 2.142. 282 - voto do Min. Marco Auré- 135. É claro que não se imagina, aqui, que o STF. de fato, caso fosse provocado
lio Mello (p. 303 ): voto do Min. Nélson Jobim ( pp. 311 e 314 ): voto do Min. Néri da a decidir. decidiria pela inconstitucionalidade da proibição de comícios nos dias de
Silveira (p. 323). eleição. O que se quer mostrar é a fragilidade da argumentação que se baseia apenas
I 3 I. C f. t6pico 3.3.2.1.3. no raciocínio "é restrição. logo. é inconstitucional'·.
132. "Posi<;ão do STF". aqui. significa "posição do STF na ADI 1.969''. Sobre I 36. Mais uma vez. c f. nota 129.
isso. cf. nota 129. 137. Pelo menos é o que se deprecnde de pesquisa no banco de dados do pr6prio
I 33. Sobre a inviabiliza<;ão total do exercício de um direito em detenninadas Tribunal. Há algumas exceçôes. como HC 69.400 (RTJ 146, 599), em que não houve
circunst<lncias. c f. t6pico 4...1.. 7. julgamento do mérito. c RE 97.278. MS 4.534 c RE 26.350, que são muito anteriores
106 DIREITOS F\ 1NDA~1LNTAIS CONTUJDO ESSENCIAl .. RLS IRI('(lL\ L ITIC\< 'L\ O SUPORTE FATICO DOS DIRUTOS Flli\IJ.\:\l!J'> L\IS 107

É claro que se poderia argumentar que os dois exemplos que es- do que a restriçâo anterior- partidos comunistas. 10 de fevereiro, das
tão sendo comparados - o decreto do Governador do Distrito Federal 14 às 18h -, a discussão acerca de sua constitucionalidade é muito
e a lei eleitoral- são completamente diferentes, e que isso inviabiliza mais aberta.
a própria comparação. De um lado temos um ato do Poder Executivo Um argumento de que não é descabido restringir o direito de reu-
que restringe o direito de reunião de forma mais ampla; de outro te- nião em determinados lugares, especialmente em frente aos chamados
mos uma lei em sentido formal - aprovada. portanto, pelo Congresso órgãos de soberania, pode ser encontrado no direito estrangeiro.
Nacional -que restringe o direito de reunião em apenas um dia espe-
Assim, em Portugal, o Decreto-lei 406/1974, que, a despeito de
cífico. Esse é um argumento correto. mas não toca o cerne da questão,
que é o problema da restrição a direitos fundamentais em geral c ao ser anterior à constituição de 1976, ainda hoje regula em parte o exer-
direito de reunião em especial. Não é suficiente a constatação de que cício do direito ele reunião, disciplina, e111 seu art. 13u: "As autoridades
uma lei restringe mais, e a outra menos. Há restrições menores, con- referidas no n. I do art. 2", solicitando quando necessário ou conve-
sideradas, talvez, como meras regulanzentaçr>es, que podem ser in- niente o parecer das autoridades militares ou outras entidades, pode-
constitucionais, enquanto é possível que restrições mats intensas rão. por.razões de segurança, impedir que se realizem reuniões, comí-
possam ser consideradas constitucionais. 13 x cios. manifestações ou desfiles em lugares públicos situados a menos
de I Oüm das sedes dos órgãos de soberania, das instalações e acam-
Esse ponto será desenvolvido em outro capítulo, mas um breve
pamentos militares ou de forças militarizadas. dos estabelecimentos
exemplo poderá dar idéia do que se quer aqui sustentar. Se uma lei.
prisionais, das sedes de representações diplomáticas ou consulares e
em sentido formal, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada
pelo Presidente da República, proibisse manifestaçôes de partidos das sedes de partidos políticos".
comunistas nos dias I O de fevereiro de cada ano, entre 14 c I ~h. difi- Na Alemanha, em sentido muito semelhante dispõe a lei sobre o
cilmente tal lei seria consid~trada constitucional. Note-se, no entanto, direito de reunião, em seu *
16, I: "Reuniões públicas ao ar livre e
que se trata de restrição ínfima- apenas um dia por ano. durante ape- passeatas são proibidas no âmbito do zonas de segurança dos órgãos
nas quatro horas. legislativos da União e dos Estados, e elo Tribunal Constitucional". 140
O outro caso é o próprio caso da ADI 1.969: a proibição de ma- Como se percebe, a despeito de se concordar, aqui, com a primei-
nifestações em frente aos chamados órgãos de soberania, em qualquer ra tese defendida pelo STF, segundo a qual regulamentações podem
dia, em qualquer horário. É, sem dúvida, uma restriç'lio fl(lO despre:J- configurar- ou sempre configuram- restrições ao âmbito de proteção
vel. Mas, ao contrário do que foi decidido pelo STF, é possível que dos direitos fundamentais, não se concorda com a segunda tese, se-
haja motivos para uma tal restrição, sobretudo- mas não somente - gundo a qual, por ser restrição, ou por ser restrição intensa, a medida
motivos de segurança. Ll9 Ou seja, a despeito de ser muito mais intensa

140. Zonas de segurança são os locais no entorno dos chamados órgãos de sobe-
à Constituição de 1988. E, ao que parece. essa não é apenas uma tendência que ocor- r;mia, cuja extensão é definida por ato infralegal. É interessante salientar que o debate
re no STF. Nesse sentido, cf. Fernando Dias Menezes de Almeida. Liberdade de sobre tais zonas. no início de 2005, foi travado em tennos muito semelhantes aos
rewziüo, São Paulo: Max Limonad, 200 I, p. 291: ··A primeira observação que se deve usados no decreto do Governador do Distrito Federal questionado na ADI 1.969. A
fazer acerca da jurisprudência sobre liberdade de reunião no Brasil diz com seu vulu- deputada alemã Erika Simm, do Partido Social-Democrata (SPD). em debate travado
me extremamente reduzido'". no dia 11.1.2005. sustentava que. "segundo pacífica jurisprudência, uma restrição ao
138. Esse é. como se verá, um dos pontos mais importantes da tese que aqui se direito de reunião somente é permitida com o intuito de proteger outros bens jurídicos
defende. e será desenvolvido no Capítulo 5. no qual ser;lo abordadas as formas ele de igual valor. Além disso, o conteúdo essencial do direito fundamental deve ser pre-
compreensão do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. servado. ( ... ). Quais são, no caso concreto.( ... ) os bens jurídicos para cuja proteção se
139. Como se vê, o que se faz aqui não é. em momento algum. uma defesa elo pretende restringir o direito de reunião' 1 São~ e isso já é ponto pacífico~ a capacida-
decreto declarado inconstitucional na ADI 1.969, mas a simples elaboração de uma defirncional e a de trabalho dos árgiios constilrlcionais. que devem ser protegidos por
hipótese de trabalho. uma zona ele segurança; no nosso caso. o Parlamento alemão ...
lOS l>IRIITO\ li ~ll-\\11:~ L\IS. CO:\TEliDO ESSEI\:Cii\L, RESTRI<;ÜES F H!CACIA O SUPORTE I· A IICO DOS DIREITOS ll:i\Di\MEN L\IS I 0')

deve ser automaticamente considerada como inconstitucionaL Em 3.3.2.2. I Características


apenas dois pontos - que serão desenvolvidos nos próximos dois
Já ficou claro, até aqui, que exclusões a priori ele condutas ou
capítulos --poderia ser dito que: (I) a inconstitucionalidade de uma
situações do âmbito de proteção dos direitos fundamentais é a tese
medida não depende da sua classificação como restrição ou regula- central das teorias que se baseiam em um suporte fático restrito. As
mentação: (2) a inconstitucionalidade de uma medida não depende teorias que se baseiam em um suporte amplo- como a aqui defendida
apenas da decisão sobre seu caráter restritivo e sobre sua intensidade: __ rejeitam essa premissa. Claro que, a partir dessa constata<;ão, a in-
há restriç(ies 'intensas constitucionais e há restriç6cs leves inconsti- dagação necessária seria: o yuc, então, é protegido pelos direitos fun- ,;
tucionais. Em todos os casos- regulamentações, restrições ou qual- damentais'? A resposta a essa pergunta, ao contrário do que ocorre com ,..
~ quer seja a caracterização da intervenção - sempre será necessário -as teonas que se baseiam num suporte Jestrito, é menos problemática
um sopesamento. 1" 1 no caso das teorias que pressupõem um suporte amplo. A razão é sim-
A partir disso se percebe que a distinção entre restrição e regu- ples: no primeiro caso a definição do suporte restrito é. em geral, a
lamentaçüo perde muito do seu sentido. Como se viu, há restrições própria.definição daquilo que é definitivamente protegido: no segundo
constitucionais e regulamentações inconstitucionais. Além disso, caso- suporte amplo-, definir o que é protegido é apenas _um primei-
conceitualmente é difícil- se não impossível- distinguir uma idéia ro passo, já que condutas ou situações abarcadas pelo âmbito de pro-
da outra. Os exemplos utilizados demonstram bem isso. Regulamen- teção de um direito fundamental ainda dependerão eventualmente de
tar o local é. ao mesmo tempo. restringir o exercício de um direito um sopesamento em situações concretas antes de se decidir pela sua
naquele local (v. ADI I .969). Regulamentar a forma é restringir às proteção definitiva, ou não. Como já foi delineado no capítulo 2 e será
visto com mais detalhes no capítulo 4, uma das principais característi-
formas permitidas o exercício do direito. Como será visto no capítulo ~
cas da teoria aqui defendida é a distinção entre aquilo que é protegido
6. a mitigação das cliferenç~s entre restringir e regular terá grandes
f?I_inza facie e aquilo que é protegido definitivamente. Essa distinção, ~
conseqüências na classificação das normas constitucionais quanto à
fundamental na dogmática dos direitos fundamentais, está na base da
sua eficácia.
idéia de um suporte fático amplo. É por isso que a pergunta sobre "o
que faz parte do âmbito de proteção de um determinado direito funda-
mental" tem conseqüências menos drásticas aqui, e poderia ser substi-
3.3.2.2 Suporte fático amplo: características e conseqüências
tuída pela pergunta: "o que é protegido primafacie por esse direito?".
Nos tópicos anteriores. ao tentar rebater as principais caracterís- Essa pergunta deve ser respondida da seguinte forma: toda ação.'
ticas dos modelos que se baseiam em um suporte fático restrito e suas estado ou posição jurídica que tenha alguma característica que, isola-
estratégias fundamentadoras. já transpareceram algumas característi- damente considerada. faça parte do "âmbito temático" 141 de um deter-
cas do modelo de suporte amplo. Nos tópicos abaixo pretendo apenas
sedimentá-las e. sobretudo. analisar alguns de seus principais efeitos
minado direito fundamental deve ser considerada como abrangida por
seu ~mbito de proteção, independentemente da consideração de ou-
""'
na argumenta<;ão jurídica e na atividade jurisdicional. 142 tras variáveis. 144 A definição é propositalmente aberta, já que é justa-

141. É o próprio Laurence Tribe que assume a imprescindibilidade do sope- 143. Cf. Martin Borowski, Grundrechte ais Prin::ipien, p. I ~4: Wolfram Cre-
samento em todos os casos. Segundo ele, "determinações sobre o alcance da pro- mer, "Der Osho-Beschluss des BVerfG", JuS 43 (2003), p. 748; Dietrich Murswiek,
teção da Primeira Emenda pressupõem, em amhos os casos, alguma forma de so- "Das Bundesverfassungsgericht und di e Dogmatik mittelbarer Grundrechtseingriffc .,_
pesamcnto, IIIPS/1/o que isso nem sempre fique explícito" (American Constitutiona/ NVII'L 22 (2003), p. 3.
tmt·, p. S~D). 144. Cf. Robert Alexy, Theorie der Gmndrechte, p. 291 [tradução brasileira: p.
142. Cf. sobretudo tópico 3.3.3.
!lO DIREITOS ITNDA:\il·:NI'AIS CONTic(íDO lcSSLN<T·\L. RI:STRI<,"{>i:S 1·. ITIC.\CJ..\ O St:I'ORTf·. F.\ IICO DOS DIRIJTOS HIND;\Mb.NTAIS 111

mente essa abertura que caracteriza a amplitude da proteção. Também Fixados a ampla extensão elo âmbito de proteção ele todos os di-
a resposta individualizada ü mesma questão- o que é protegido prima reitos fundamentais 148 e. ao mesmo tempo. seu caráter não-absoluto,
facie'? - segue o mesmo caráter aberto. Exemp o:1 o que é protegido parece-me mais indicado passar, desde já. à análise de seus efeitos- o
pelo direito à livre manifestação do pensamento ~·. art. 5", IV)'? Toda que será feito, no plano te(Jrico, no tópico seguinte. A partir do tópico
c qualquer manifestação de pensamento, n~io importa o conteúdo (ofen- 3.3.3, serão analisados esses efeitos no plano prático-jurisdicional.
sivo ou não), não impo11a a forma, 14 ' não importa o local, não importam
o dia e o horário. O mesmo vale para todos os direitos fundamentais.
É claro que a primeira reação a essa idéia poderia ser: "Então, 3.3.2.2.2 Efeitos
estamos diante ele direitos absolutos?". A resposta é- e só poderia ser Quando se expôs o método subjac~nte ao presente trabalho e quan-
l - "não". A razão é simples. Como foi visto acima, no início deste tó-
do se sublinhou a importância de sua dimensão analítica, urna das
pico elo trabalho, a definição elo âmbito de proteção é apenas a defini- preocupações foi o estabelecimento da estreita ligação desse enfoque,
ção daquilo que é protegido prima facie, ou seja. de algo que poderá
essencialmente teórico. com a argumentação jurídica e com a prática
sofrer restrições posteriores. Neste ponto é necessário retomar a defi-
jurisdicional. 149 Neste tópico pretende-se analisar quais são os efeitos
nição ele suporte fático, vista anteriormente.
que essa ''reconstrução teórica" elo suporte fático dos direitos funda-
A definição, em termos lógico-formais era: (.r)( APx 1\ ~ FC( !Ex) mentais tem na argumentação jurídica. Como se perceberá, a forma de
f-7 OCJx)- o que significa que para toda ação, estado ou posição ju- argumentação muda por completo se se parte do paradigma do supor-
rídica x que seja abarcada pelo âmbito de proteção de um direito te fático amplo. Mas essa mudança na argumentação não é um fim em
fundamental (APx) c que tenha sofrido urna intervenção estatal não si mesmo: corno se pretende demonstrar, as exigências que o modelo
fundamentada constitucionalmente (•FC(IEx)) deverá ocorrer a con- do suporte fático amplo impüe à argumentação implicam um maior
seqüência jurídica desse cliretto atingido, que, em geral, é a exigência
grau de proteção aos direitosfundamentais.
da cessação ela intervenção (0CJx). 11 " Isso significa que, se se retirar
a negação antes de FC. teremos. então. uma ação, um estado ou urna A primeira conseqüência de uma mocliflcação no ponto de partida
posição jurídica, protegida. prima facie. por um direito fundamental, - de suporte restrito para suporte amplo -é não somente a ampliação
que, no entanto, sofreu uma intervencâo estataljiuzdamentada . 147 Nes- no âmbito ele proteção dos direitos fundamentais, mas também uma
se caso não se está diante de uma \'iolaçào a um direito fundamental, conseqüente ampliaçâo 1w extensâo do conceito de intervençâo. É por
mas diante de uma restriçâo. Essa formalização ilustra bem, portanto, isso que se fala, neste trabalho. não apenas em âmbito de proteção
o caráter não-absoluto elos direitos fundamentais e a centralidade elo amplo, mas em suporte fático amplo: porque o conceito de interven-
exame daftmdamentaçâo das restriçôes para a dogmática elos direitos ção- que, como se viu, se insere no conceito de suporte fático- tam-
fundamentais e para a decisão final acerca de sua constitucionalidade bém é amplo.
(restrição permitida) ou inconstitucionalidade (violação). Na estrutura Ora, se a proteção definitiva de um direito fundamental depende
deste trabalho, a esse ponto - a fundamentação das restrições - será ela classificação de uma intervenção em seu âmbito ou como restriç,'l"io
destinado o próximo capítulo. constitucionalmente aceita ou como violaçâo inconstitucional, tanto

145. Aqui fica excluída. como se percebe. a tese de Müller sobre a especificida- 148. Como se fala. aqui. em todos os direitos fundamentais. estão incluídos,
de e a tipicidade na forma de exercício dos direitos fundamentais. portanto. os direitos sociais. Apenas fazem-se necessárias algumas adaptaçôes. para
146. A letra maiúscula .. 0 ... em fonnalizac;ôes ló~ico-jurídicas. expressa um adequar o modelo ao que foi fixado anterionnente para o caso dos direitos sociais (cf.
dever-ser (ought). tópico 3.2.4. I L mas isso não altera a tese proposta.
147. Na formalizac;üo l<í~ica: (r)( APx A FC( 11::-r) ~~ ~OCJ-r). 149. Cf. tópico L~4.
li.' lll RI: II OS F! '~ll.-\\IE:-.:TAIS CO~TFL:!lo ESSENCIAl., RESTRI~'(lES E lcFIC.\CJ.\ O St:I'ORTE F.ATICO DOS lliREITOS H "llA~II::-.: 1:\1~ I i

mais tende a ser efetiva essa proteção quanto maior for a extensão do direito, o conceito de intervenção, por ser restrito. faz com que 11w 1-
âmbito de proteção e também do conceito de intervenção. tas ações estatais que regulamentem, por exemplo, a forma de exer-
Isso fica claro na tabela a seguir. 150 Nela, na coluna '"funbito de cício de um direito não sejam consideradas como intervenção, c.
proteção'", amplo significa que a conduta (ou estado. ou posição jurídi- portanto, não impliquem a exigência de fundamentação constitucio-
ca) em jogo não é excluída ele antemão desse âmbito; restrito significa nal.1"1 (b) Nas linhas 3 e 4 a conduta já foi excluída. de antemão, da
o contrário. ou seja, que a ação não é protegida, por ter sido excluída proteção ele um direito fundamental, razão pela qual uma eventual
de antemão dessa proteção, com base em algum elos argumentos já ação estatal que a restrinja ou proíba não necessita de fundamentação:
analisados anteriormente. Na coluna ''intervenção", amplo significa a proibição ou a restrição ele algo não protegido não precisam ser
que o conceito de intervenção inclui toda potencial restrição ao âmbito fundamentadas.
de proteção de um direito fundamental, ou seja. nesse conceito de in- A reconstrução ele decisões judiciais• a partir desse modelo de-
tervenção estão incluídas também mínimas regulamentações relativas monstrará o que aqui se pretendeu expor ele forma teórica.
à forma ele exercício de um direito, ao seu local, horário etc.; já restrito
signitica que nem toda regulação do exercício de um direito fundamen-
tal é considerada como intervenção. 3.3 .3 Análise de casos
Coerente com a proposta fixada na metodologia deste trabalho, 152
a análise essencialmente teórica levada a cabo até aqui ~ em alguns
âmbito de proteçâo intervencüo constitucionalidade da intcrvençiin momentos, conscientemente, com um alto grau de abstração ~ será
(I! amplo amplo depende de jiuzdanzentacüo colocada à prova com base em uma análise de casos retirados da ju-
~ risprudência do STF. Com isso contempla-se, também, aquilo que se
(2) amplo restrito constitucional (sem jiuulwnentacüo)
chamou de dimensão empírica ela dogmática jurídica. muitas vezes
(3) restrito amplo constitucional (sem furuiwnentaçao) deixada de lado em trabalhos acadêmicos.
( -1) restrito restrito constitucional (sem fundamenwçiio) É claro que a escolha das duas decisões que serão analisadas a
seguir é, ele um lado, arbitrária, já que escolher duas decisões de um
universo de centenas de milhares sempre o será. De outro lado, no
A terceira coluna~ "constitucionalidade ela Intervenção"~ indica entanto, a escolha dessas decisões se deve a razões também metodo-
apenas uma tendência, mas expõe com clareza o que se pretende, lógicas: nelas é possível encontrar, com clareza, elementos de ambos
aqui. defender: no caso da linha l, qualquer intervenção é acompa- os modelos teóricos aqui analisados. Isso não significa, contudo, que
nhada de um grande ônus argumentativo para demonstrar sua consti- a análise vale apenas para essas decisões. Há aqui uma pretensüo de
tucionalidade. Nas outras três linhas ~ (2, 3 e 4) ~em geral as inter- universalidade: toda a jurisprudência do STF e toda a atividade juris-
venções são aceitas sem esse ônus. Explica-se: (a) Na linha 2. ainda dicional no âmbito dos direitos fundamentais poderão - é o que aqui
que muitas condutas sejam garantidas pelo âmbito de proteção de um se sustenta ~ ser reconstruídas e analisadas teoricamente a partir dos
termos debatidos neste Capítulo 3.

150. Tabela semelhante. mas com diferenças fundamentais. decorrentes da nüo-


aceitaçüo. aqui, de todos os pressupostos defendidos por Alexy (cf. tópico 3.2.3. 151. C f., por exemplo, Peter Lerche. Ühermafi u11il Verfassungsrecht, Koln: C ar!
acima). pode ser encontrada em Robert Alexy. Theorie der Grundrechte. p. 279 !tra- Heymann. 1961. pp. I 07 e ss. e 140 e ss. -que exclui do controle da proporcionalida-
dução brasileira: p. 308]. e em Wolfram Hot1ing. Offene Grwulrechtsinterpretation. de os dispositivos legais que meramente regulamentem direitos fundamentais.
p. 173. 152. Cf. tópico 1.3.
11-+ I>IRIIIOS 1-l :\IJ.\~11:\1 \IS CONIÚIDO ISSINCIAL. RLSIRI~·CJI:S L F.FIC\CL\ O SL'I'ORII·: L\ TICO DOS DIREITOS H 'NDAMENTAIS 115

3.3.3.1 Libcrdadc de imprcnsa (ADI!MC 2.566) são é inviolávcl: 1 '~ feito isso. necessário se faz, por razões analíticas
óbvias, diferenciar entre liberdade de expressão e proselitismo. por-
A constituição brasileira, em seu art. 5", [V, garante a liberdade de que. caso contrário, não seria possível defender o dispositivo atacado:
expressão nos seguintes termos: "'é livre a manifestação do pensamen- para tanto, argumenta-se que "diferente da livre manifestação do pen-
to. sendo vedado o anonimato'·. No inciso VI, primeira parte, do samento( ... ) a atividade que se volta a converter pessoas não apenas
mesmo artigo garante-se a liberdade de crença, nos seguintes termos: mani/esta, mas transjórma, modifica, altera valores( ... ) interferindo,
"'é inviolúvel ,a liberdade de crença e de consciência". Por fim, no pois. na Iiberdade de consciência e de crença do interlocutor ou do
capítulo sobre a comunicação sociaL a constituição. em seu art. 220, apenas ou vinte". 1"' Livre expressão e tentativa de conversão seriam.
garante a liberdade de imprensa, da seguinte forma: "A manifestação portanto, conceitos completamente distintos. 156
~do pensamento. a criação. a expressão e a informação, sob qualquer
Como se percebe, a defesa que se tehta fazer da vedação de pro-
forma. processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado
selitismo não se baseia em uma eventual restrição à liberdade de ex-
o disposto nesta Constituição". Neste tópico o objetivo é analisar, a
pressão o.u de imprensa, 157 mas na exclusào a prior i de alguns atos do
partir de um caso concreto, as conseqüências que a extensão do supor-
seu âmbito de proteção. Por isso é que foi necessário argumentar que
te fático de um ou vários direitos fundamentais pode ter na interpreta-
proselitismo. por ser uma tentativa de convencimento, por estar ba-
ção e na aplicação da constituição, sobretudo- mas não somente- no
seado em dogmas, é diferente de livre expressão do pensamento, que
processo de controle de constitucionalidade.
apresenta ra::/5es sem imposições. 158 Fazer proselitismo, portanto, não
O art. 4'', ~ I", da Lei 9.612/1998. que disciplina a atividade de é garantido pelo direito fundamental da livre expressão do pensamen-
radiodifusão comunitúria, proíhc "'o proselitismo de qualquer nature- to ou pela liberdade de imprensa. Ambos os direitos não são, portanto.
za" na programa<.;ão dessas cmissoras. 15 ·1 Na AO[ 2.566, proposta pelo resvalados pelo disposto no art. 4º, § !",da Lei 9.61211998.
Partido Liberai/PL em 200 lltalegou-se, entre outras coisas, que o dis- ~
positivo em questão consistiria em censura inconstitucional e feriria Todos os problemas argumentativos que, no correr deste capítulo,
os arts. 5", I V. v r e I X, e 220 da constituição brasileira. O pedido de foram imputados às teorias que pretendem definir um suporte fático
liminar foi rejeitado pelo STF. vencidos os ministros Celso de Mello restrito às normas que garantem direitos fundamentais são facilmente
e Marco Aurélio Mello. Embora se trate apenas da decisão da medida identificáveis na argumentação da Advocacia-Geral da União. Ao ten-
cautelar e não do julgamento final de mérito, tal caso é interessante tar escapar - declaradamente ou não - do problema da colisão entre
como ferramenta de análise, porque há argumentos que partem de um direitos e da restrição que tal colisão pode impor até mesmo aos direi-
suporte fútico restrito e argumentos que partem de um suporte fático tos fundamentais mais importantes, foi necessário recorrer à estratégia
amplo para a liberdade de expressão e imprensa. ''a conduta x não é protegida pelo direito y; logo, a proibição de x não
constitui restrição a esse direito". As razões apresentadas pela Advo-
cacia-Geral não estão, no entanto, à altura do ônus argumentativo que
3.3.3.1.1 Suporte fático restrito
Na defesa do dispositivo impugnado, a Advocacia-Geral da 154. Aqui fica a impressão de que a Advocacia-Geral da União confere um
União claramente baseia-se em uma restrição do suporte fático da li- caráter absoluto à liberdade de expressão. Mas em determinados momentos de sua
ar~umentação sustenta-se o contrário.
berdade de expressão. Essa restrição segue o seguinte percurso: em I 55. f:"!nentúrio STF 2. 141, 570 (57 X) -sem ~rifos no originaL
primeiro lugar. afirma-se categoricamente que a liberdade de expres- I )h. Ementúrio STF 2. 141. 570 ( 5X I).
157. Ainda que na manifestação da Advocacia-Geral da União a palavra "restri-
ção:· a direitos eventualmente apareça, ela não é compatível com o argumento centraL
I )J. Lei <J.612/9X, art. 4°, ~ I'': .. É vedado o proselitismo de qualquer natureza aqut transcnto.
na pro~rama,·ün das emissoras de radiodifusüo comunitária". I 5X. t.'nzentârio STF 2.141, 570 (579).
llb !li R FITOS H :-.;().\1\ILN L\IS co:-; !Ui! >O ESSLNCIAL. RES I RI<J>ES E I·J·IC.i.CIA O Slii'ORTL I ATICO D<>S IJIRU I<>S ll '\D-\:vJL,\1 lc\IS 117

tal estratégia impõe. Não há na manifestação da Advocacia-Geral da exemplo, a manifestação de pensamentos caluniosos no suporte fático
União qualquer fundamentação para a afirmação- decisiva para o seu dessa liberdade-. é possível afirmar que eles ao menos pressupõem
arQ:umcnto- segundo a qual ''tentar convencer". '"partir de dogmas", um suporte mais amplo que aquele sugerido pela Advocacia-Geral da
"t~ntar transfon:;.utr por meio da oratória" não configuram liberdade de União. Isso pode ser notado sobretudo na insistência de ambos em
expressão. Se isso fosse assim. todo e qualquer discurso religioso- salientar que proibir, de antemão. a veiculação de determinadas maté-
sermões. pregações, missas etc. -. todo discurso político - com~cios, rias é uma intervenção na liberdade de imprensa. 1" 1
debates etc.~. estariam igualmente excluídos da proteção constrtuctonal À diferença do que se viu ao longo deste capítulo. no entanto, a
da liberdade de expressão. A suposição de que a liberdade de expressão fixação de um suporte fático amplo para a liberdade de expressão e
garantida é apenas aquela isenta, objetiva. imparciaL é. no mínimo, in- para a liberdade de imprensa não ocOITC<IlOS votos dos ministros Celso
gênua para servir de razão para excluir o proselitismo. em qualquer de de Mello e Marco Aurélio Mello como uma ampliação do âmbito de
suas manifestações, do âmbito de proteção dessa liberdade. proteção desses direitos fundamentais. que, contudo, poderão eventual-
mente s~r restringidos em vista das circunstâncias fáticas e jurídicas
da situação em questão. A ampliação do suporte fático não é acompa-
3.3.3.1.2 Suporte fático amplo nhada nesses dois votos de uma expressa possibilidade de sua restri-
A alternativa à restrição prévia do suporte fático da liberdade de ção. Ambos os ministros sublinham, em várias passagens, que qualquer
expressão e da liberdade de imprensa e a conseqüente exclusão de con- restrição à liberdade de imprensa é sinônimo de censura. Segundo o
dutas de seu âmbito de proteção é, como já ficou claro ao longo deste Min. Marco Aurélio Mello, proibir, antecipadamente. a veiculação de
capítulo, a extensão dessa proteção a todo e qualquer. ato que, isolad~1.- ~ algo é sempre censura. 162
mente considerado, poderia ser subsumido nos concettos ele expressao A igual conclusão chega o Min. Celso de Mello ao afirmar que
e de imprensa. 159 Nos próxi:nos dois tópicos serão analisadas duas for- nada se pode vedar de antemão; apenas coibir. a posteriori, eventuais
mas de argumentar que partem desse ponto de partida. abusos. 163 A fundamentação legal da ampliação elo suporte fático não
acompanhada de possibilidades de restrição é, contudo, um tanto
quanto frágil. Segundo o Min. Celso de Mello, a constituição "estabe-
3.3.3.1.2.1 Suporte fático amplo e vedaçâo de censura - Os dois lece que nenhum dispositivo pode 'constituir embaraço à plena liber-
votos vencidos na decisão da liminar na ADI 2.566, dos ministros dade de informação' e à liberdade de expressão elo pensamento e ele
Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, diferentemente do sustentado difusão de ic!éias". 11>1 Nesse trecho o ministro quis fazer menção ao
pela Advocacia-Geral da União, rejeitaram a exclusão do proselitis~o
- de qualquer natureza - do suporte fático da liberdade de exp.ressa(;
*
disposto no mi. 220, Iº, da constituição. Ocorre que esse § 1 é me- Q

nos absoluto do que aparenta na argumentação do Min. Celso de


e de imprensa. Em outras palavras: segundo eles, fazer proselttts~o e Mello, pois contém, ele mesmo, ressalvas à extensão de sua vedação.
exercer a liberdade de expressão c. caso seja por meio de comumca- nos seguintes termos: "§ I"· Nenhuma lei conterá dispositivo que
ção social, exercer a liberdade de imprensa. 1w Embora não seja p~~sí­ possa constituir embaraço à plena liberdade de infom1ação jornalísti-
vel saber com certeza se os ministros partem de um suporte fattco ca em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto
realmente amplo- porque não é possível saber se eles incluiriam, por 1zo art. 5º, IV. V. X, XIII e XIV'.

159. CL tópico 3.3.2.2.1. 161. Cf., por exemplo. l:'mmtário STF 2.141, 570 (611 ).
160. CL nesse sentido, Emcntúrio STF 2. 14 L 570 (604 ): .. Entendo (. .. ) 4ue a 162. Ementário STF 2.141. 570 (612)
prática do proselitismo representa elemento de concretização do direito it livre difu- 163. Ementário STF 2.141, 570 (()Ol-604).
são de idéias" (Min. Celso de Mello). 164. Ementário STF 2. 141. 570 ( 606) - gri fos no originaL
li~ I JIREITOS l·l :-:IJ.-\\11:--: I AIS: CO~TLLIDO ESSENCIAL. RI:STRI('ClES L ITIC\CJ..\
O SUPORTE FÁTICO DOS DIREITOS FtlND.\~IE~niS !I 'i

Ainda que, em geral, a liberdade de informação jornalística não caso ~la ADI 2566 deveria ocorrer da seguinte forma: (a) tudo aquilo
deva ser restringida, é a própria constituição que prevê possíveis que, tsoladamente considerado, pode ser subsumido ú idéia abstrata
restrições quando estiverem em jogo os direitos garantidos pelos in- de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa faz parte do
cisos IV, V, X, XIII e XIV do art. 5'' da própria constituição. Esses suporte fático dessas liberdades; 165 (b) fazer proselitismo como forma
süo justamente os dispositivos que garantem aqueles direitos mais de expressão e fazer proselitismo por intermédio de meio de comu-
sensíveis contra uma ""absolutização" da liberdade jornalística, como nicação social, como forma ele liberdade de imprensa são, portanto,
a privacidade é a própria livre manifestação do pensamento e a liber- açües protegidas primafacie por esses direitos: 166 (c) 0 art. 4", ~ 1", da
dade geral de informação. Lei 9.612/1998, ao vedar o proselitismo de qualquer natureza na pro-
Como se pode perceber, a ampliação do âmbito de proteção da gramação das emissoras de radiodifusão comunitária, constitui uma
liberdade de imprensa feita pelos ministros Celso de Mello e Marco intervenção no âmbito de proteção da liberdade de imprensa: (c!) in-
Aurélio Mello, que passa a abarcar toda e qualquer forma de manifes- tervir em um direito fundamental não é, por si só, algo constitucional-
tação - incluindo-se aí toda e qualquer forma de proselitismo -, por mente vedado; 167 (e) decisivo para se saber se a intervenção é consti-
não ser acompanhada de uma necessária possibilidade de restrição, tucionaii11ente justificável é a análise dos princípios em colisão e das
cria problemas jurídico-legais, teóricos e práticos. Jurldico-Legais circunstâncias do caso concreto. 168
porque é a própria constituição que, de forma expressa e clara, prevê
casos em que a liberdade de imprensa poderá ser restringida. Teóricos
3.3.3.2 Sigilo bancário (MS 21.729)
porque, ao absolutizar um direito (a liberdade de expressão e de im-
prensa), coloca-o, na verdade, acima dos demais, criando uma relação No caso do MS 2 L 729 não se trata diretamente de discussão
hierárquica de difícil compat~ilização com a idéia de sopesamento, já acerca de alguma ação estatal que tenha restringido o sigilo bancário
que direitos absolutos e superiores não podem ser relativizados por como direito objetivo. 169 Mesmo assim, é possível mais uma vez per-
direitos não-absolutos e inferiores; sem possibilidade de relativização,
não há sopesamento possíveL E práticos porque impossibilita qual-
quer forma de regulação da atividade de imprensa no BrasiL 165. C f. tópico 3.3.2.2. L
. 166. Neste ponto é rejeitado o pressuposto utilizado na manifestação da Advo-
cacia-Geral da União.
3.3.3.1.2.2 Suporte amplo e possibilidade de restrição- Uma aná- 167. Neste ponto são rejeitados os pressupostos utilizados pelos Mins. Marco
Aurélio Mello e Celso de Mello.
1ise superficial poderia levar a crer que as duas opções expostas nos l6R. O voto do Min. Sydney Sanches, relator da ADI-MC 2.566, é 0 que mais
dois tópicos anteriores são os únicos pontos de partida possíveis para se aproxtn~a desse modelo. sobretudo na seguinte passagem: "Caberá. então, ao intér-
a resolução do problema enfrentado. Ou seja: ou o proselitismo não é prete elos tatos e da norma, no contexto global em que se insere, no exame de casos
concretos, no controle difuso de constitucionalidade e legalidade, verificar se ocor-
garantido pela liberdade de expressão e de imprensa- e, por conse-
~eu, com o proselitismo, desvirtuamento de suas finalidades" (Ementário STF 2.141.
guinte, uma lei que o proíba não viola qualquer direito fundamental; ) 70 [60 I]). Apenas a menção ao controle difuso é que não é necessária 110 modelo
ou o proselitismo faz parte do âmbito de proteção dessas liberdades- aqui apresentado, porque é perfeitamente possível- em alguns casos, exigível_ que
e, por isso, a lei que o proíbe é inconstitucional, por constituir censura, esse controle seJa fetto em abstrato também, no controle concentrado. Além disso
co1~1o a decisão do Min. Sydney Sanches foi apenas sobre o pedido de liminar. fie<;
o que é proibido pela constituição. Como já se delineou no tópico an- lhflctl ter certeza sobre a posição que ele eventualmente teria se o mérito tivesse sido
terior, há uma terceira possibilidade. E essa terceira possibilidade é Julgado a111da durante seu período como Ministro do STF.
justamente a forma de reconstrução do problema que se defende neste -,,, . 16~_- Embora se tenha discutido, nessa ação, a constitucionalidade do art. X''. ~
trabalho. A partir dessa reconstrução - que já foi analisada anterior- -.~~a- I .e 1 _Complementa_r 75/1993, que veda que qualquer autoridade oponha ao /'vi i-
l~tstel 10 Publico a exceçao de stgi_lo. O que Importa aqui. no entanto. n<lo é essa ques-
mente neste capítulo-, a decomposição dos elementos envolvidos no tao. mas o problema de fundo referente ao sigilo bancário em si.
120 DI REI TOS I·L"illA:-.IIo:\ L\IS CO\ I H; llO ESSl:NCL\1, RISIR 1\'()I·,S I. 1:11<'.\CI.-\ O Slii'ORTI·: 1·.-\'IICO I lOS IJIREII OS li '\D-\.\11-,'\ !AIS
121

ceber. no debate entre os ministros. os efeitos que as diferentes con- isso, baseiam-se os ministros muitas vezes no raciocínio: 0 sioilo ban-
cepções de suporte fático para os direitos fundamentais - no caso. do cário é cri~1ção_ da lei infraconstitucional, c o que a lei hojec- protege
direito à privacidade e à intimidade··· podem ter na argumentação e na pode depois deixar de proteger. Expressamente diz o Min. Sepúlveda
proteção dos direitos fundamentais. Pertence: "O sigilo bancário só existe no Direito brasileiro por força
de lei ordinária. Não entendo que se cuide de garantia com status
constitucional. Não se trata da 'intimidade' protegida no inciso X do
3.3.3.2.1 Suporte fático restrito art. 5º da Constituição Fedcra1". 17 -l
Alguns ministros. no MS :?.l.T!.lJ c em outras dccisôes sobre sigi- Também o Min. Francisco Rezek vai na mesma direção, e afirma
•lo bancário, sustentam que tal sigilo não é garantido pela proteção que o sigilo bancário é criação do art. 38 ela I ~e i 4.595/1964. E. como
constitucional da intimidade c da vida privada. Da mesma forma que esse mesmo artigo jü prevê exceçôes ao\igilo, leis posteriores (como
ocorre com todas as formas de exclusão a priori do âmbito ele prote- a Lei Complementar 75/1993) poderiam fazer o mesmo. O que daí se
ção de um direito fundamentaL o ponto nevrálgico também no caso depreen?e é o seguinte: uma lei infraconstitucional poderá criar exce-
do sigilo bancário é a fundamentação de uma eventual exclusão. O ções ao sigilo bancário, ou restringi-lo, apenas e tão-somente porque
Min. Francisco Rezek limita-se a dizer que o art. 5", X, da constitui- esse tipo ele sigilo é uma criação da própria legislação infraconstitucio-
ção fala em intimidade, na qual não se poderia incluir a mera conta- nal. Esse é um raciocínio freqüente nas decisões sobre sigilo bancário
bilidade. 17° Curioso é notar que, logo em seguida. o mesmo ministro no STF. Fácil é perceber, no entanto, que a conseqüência inescapável
se utiliza de transcrição do parecer do Vice-Procurador da República, desse raciocínio é: se algo é protegido por um direito fundamental,
no qual se pode ler: "É possível que os dados bancários. em certos então, qualquer restrição a esse direito implica também sua violação,
casos, deixem entrever aspectos da vida privada, como ocorreria, por ~ e deve, portanto, ser considerada inconstitucional. Difícil é não ver
exemplo, na revelação de gJstos com especialidades médicas de cer- nesse raciocínio uma tendência à '"absolutização" dos direitos funda-
tas enfermidades ou de despesas com pessoas das relações afetivas mentais, algo que o próprio tribunal sempre se esforça, com razão, em
mais íntimas, que o cliente queira manter em segredo". 171 Mesmo que negar. 175
o Vice-Procurador afirme que esses casos são excepcionais e que, em Se o único objetivo de se negar a proteção constitucional ao sigi-
geral, "as operaçôes e serviços bancários não podem ser referidos à ~o _bancári? é _abrir caminho para rclativizaçôes a partir da legislação
privacidade", 172 parece ser difícil dissociar, em abstrato e a priori, o mfraconstituCional, o meio escolhido, além de desnecessário, padece
que, na movimentação bancária. é expressão da privacidade e o que de todos os déficits de fundamentação que qualquer estratégia de res-
não é. Critérios para tal distinção nunca são mencionados. 173 trição ao âmbito de proteção dos direitos fundamentais apresenta.
A impressão que se tem, muitas vezes. na negação da proteção
constitucional ao sigilo bancário é o receio de que uma eventual acei-
3.3.3.2.2 Suporte fático amplo
tação dessa proteção inviabilizaria qualquer restrição posterior. Por
É possível também perceber algumas dificuldades de fundamen-
tação nos votos que pretendem incluir o sigilo bancário na garantia
170. RT.J 179, 225 (250).
constitucional do direito à privacidade. Em geral recorrem eles ao
171. RTJ 179, 225 (250)- sem grifos no original.
172. RT.f 170. 225 (250). inciso XII, e não ao inciso X. do at1. 5'' da constituição. Isso porque
173. A contraposição entre inti111idade e colllahi/id{/(11' feita pelo Min. Francisco
Rezek é frágil demais para cumprir esse papel. Sigilo bancürio mio pode ser conside-
rado um mero sigilo contábil. como se gastos não pudessem fazer parte da vida pri- 174. RTJ 170. 225 (270)- sem grifos no original.
vada de alguém. 175. Sobre isso. cf. a nota de rodapé 63 no Capítulo 6.
T
122 DI R FITOS HINDAMI:NTAIS CO i' IHIDO LSSI:NCIAL. RI SI RI<;(>I\ I- 1.11< .\CI.\ O Sl/PORIT rÁTICO DOS DIRLIIOS FliNIJAMENT.·\IS 12.1

no inciso XII haveria a menção ao "'sigilo de dados". mO recurso ao das franquias individuais e coletivas", 1K1 à "intensificação da proteção
inciso XII, a partir de um modelo amplo de suporte fático. seria ao jurídica dispensada às liberdades fundamentais" 1R2 e a uma conseqüen-
mesmo tempo problemático e desnecessário. Prohlenuítico porque há te dilatação dos ·'espaços de cm~flito em cujo âmbito antagonizam-se,
fortes argumentos que sustentam que a proteção do inciso XII sere- em função de situações concretas emergentes, posiçôcs jurídicas re-
fere apenas ao sigilo da comunicaçâo de dados. 1' 7 E desnecessário vestidas de igual carga ele positividade normativa". 1x1 A opção, ainda
porque. a partir elo paradigma ele um suporte amplo, o sigilo bancário. que não explícita, por um suporte fático amplo para o direito à priva-
por proteger--; sempre ou excepcionalmente- esferas da vida privada cidade é clara, e é apenas confirmada no decorrer de seu voto. no qual
dos indivíduos, deve ser inserido, sem qualquer dúvidas, no âmbito de propõe critérios para a resolução das colisôes decorrentes de uma am-
proteção elo direito à privacidade do inciso X. Nesse sentido. o art. 5''. pliação tanto do âmbito de proteção quanto do conceito ele interven-
( X, seria suficiente para a proteção prima facie do sigilo bancário. ção estatal. 184 Aqui, no entanto- c ao COfltrário do que ocorreu no caso
Mas o voto elo Min. Celso de Mello, a despeito de ter recorrido analisado anteriormente (ADI/MC 2.566) -, ela constatação ele que
ao inciso XII, c não ao inciso X, I7X dá mostras de se apoiar em um algo (sigilo bancário) é protegido por um direito fundamental (priva-
suporte fático amplo e - como será visto no próximo capítulo - em ciclacle)•e de que uma ação estatal restringe esse âmbito (quebra do
uma teoria externa dos direitos fundamentais. Isso fica claro a partir sigilo bancário) 185 não decorreu uma conseqüência automática pela
da seguinte passagem: "O direito à inviolabilidade dessa franquia in- inconstitucionalidade ela ação. No MS 21.729, portanto, a decisão por
dividual( ... ) ostenta, no entanto, caráter meramente relativo. Não as- um modelo ele suporte amplo é mais coerente com seus pressupostos
sume e nem se reveste ele natureza absoluta. Cede, por isso, e sempre que no caso da ADIIMC 2.566.
em ('(trcíter excepcional, às exigências impostas pela preponderância
axiológica e jurídico-social do interesse público ''. 17 '>
Diante disso- e fiel a al~ms precedentes do STPso -,o Min. Celso 3.3.3.3 Análise de casos: conclusüo
de Mello aponta que a garantia ampla ao direito à privacidade, que Não se pretende, aqui, simplesmente apresentar uma solução
inclui, portanto. o sigilo bancário, não torna inconstitucionais eventuais pretensamente correta para os problemas ele fundo objeto da ADIIMC
restrições previstas em legislação ordinária, como é o caso do art. 3~ 2.566 e elo MS 21.729. Isso não passaria de uma opiniüo sobre liber-
da Lei 4.595/1964. dade ele imprensa ou sobre sigilo bancário em um trabalho que não
Mais adiante o Min. Celso de Mello resume bem seu pressuposto pretende fazer uma análise dogmática específica de qualquer desses
teórico, fazendo referência a uma "'ampliação ela esfera de incidência direitos fundamentais. Como ficou claro anteriormente, o uso de um
caso concreto é nada mais que um modelo para análise elos pressu-
postos analíticos aqui sustentados. 1x6 Como será debatido mais adian-
176. RTJ 179, 225 (243) - voto do Min. Celso de Mello, apoiado em Amoldo
Wald, "O sigilo bancário no Projeto de Lei Complementar n. 70". Cadernos de Direi- te, a partir desses pressupostos é possível chegar a conclusões iguais
to Tributário e Finanças Públicas 1 ( 1992). p. 206.
177. Aqui. cf., por todos, Tércio Sampaio Ferraz Jr.. "Sigilo de dados: o direito
à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado". Cademos de Direito 181. RTJ 179,225 (244).
Tributário e Finanças Públicas l (1992), p. 145. 182. RTJ 179,225 (244).
178. Mais adiante, no entanto, em seu voto, o Min. Celso de Mello dá a entender 183. RTJ 179, 225 (245)- grifos no original.
que o sigilo é protegido também pelo inciso X, nos seguintes termos: .. A relevância 184. Cf. RTJ 179. 225 (245 e ss.)
do direito ao sigilo bancário- que tradu:: wna das pmje('iles rca!i:adnrus do direito 185. Cf. RTI 179, 225 (246): ''A quebra do sigilo bancário importa, necessaria-
à intimidade- impõe, por isso mesmo. cautela c prudência ( ... )"(RI:! 179. 225 1244) mente, em inquestionável restrição à esfera jurídica das pessoas afetadas por esse ato
-alguns grifos removidos, outros acrescentados). excepcional do Poder Público" (grifos no original).
179. RTJ 179, 225 (244)- grifos no original. 186. Sobre o uso de casos concretos como modelos para análise. cf. Virgílio
180. Cf., por exemplo. Pet. 577-QO (RTJ 148, 366). Afonso da Silva, "O proporcional c o razoável", RT 79'!1. (2002). pp. 35 c ss.
T

IJIRU I OS I! "!l.\\!1.\ I.\ I S. CO" I L! iDO ESSI-.i'\CIAL, RESTRI('C)ES E EFICACI;\ O Sl:PORTfc 1-!\ riCO I lOS DIREITOS Fli:-.JD.-\:\11:\ 1.-\IS 12'i

àquelas possíveis a partir dos dois pressupostos anteriores, expostos necessidade de fundamentação para a intervenção estatal. 1x7 Se, ao ve-
nos tópicos acima. c que foram aqui rejeitados. Isso não tem, contudo, dar o proselitismo, a legislação não intel'l'eio no âmbito ele proteção
relação com a importância da análise, pois a avaliação da solidez de ela liberdade de imprensa, a conclusão automática -e que prescinde
uma teoria não se faz pela mera avaliação de seus resultados. Isso por- de qualquer fundamentação- é pela constitucionalidade do ato. Vedar
que na definição dos resultados não impot1a apenas o pressuposto teó- proselitismo não é, a partir desse modelo, um ato cuja constituciona-
rico do qual se parte. mas também todas as valorações possíveis que lidade -ou proporcionalidade -- possa ser controlada. O que não res-
n/io slio definidas por esse pressuposto. Um modelo como o que se pre- tringe direitos não pode ser desproporcional. No caso elo sigilo bancá-
tende defender neste trabalho tem como função sobretudo criar exigên- rio a situação é semelhante: se o sigilo não é protegido pelo direito à
cias defilndamcntaçúo paro o aplicador do direito; exigências, essas, privacidade. mas uma mera criação do legislador ordinário, para criar
que levam a uma possibilidade mais sólida de diálogo intersubjetivo exceções a esse sigilo - ou eliminá-lo por completo - bastaria uma
e, conseqüentemente. a uma maior proteção aos direitos fundamen- maioria simples no Congresso Nacional, baseada em simples juízos de
tais. Por isso, o que est<Í em jogo não é decidir sobre a constituciona-
lidade ou inconstitucionalidade da vedação de proselitismo nas emis-
' .
conveniência e sem necessidade de fwzdamentaçlio constitucional.
E fácil perceber, portanto, que um modelo que se baseia na redu-
soras comunitárias ou da quebra do sigilo bancário, mas a forma de ção a priori do âmbito de proteção de direitos fundamentais - um
argumentação e fundamentação que liga os pontos de partida com os conceito que aparentava ser exclusivamente teórico-analítico - tende
pontos de chegada de cada voto em cada decisão. O que se quis, aqui, a significar também uma garantia menos eficaz. desses direitos nas
demonstrar, de um lado, foram as dificuldades que toda exclusão a atividades legislativa e jurisdicional, por excluir ela exigência de fun-
priori de condutas da proteção de um direito fundamental pode criar; damentação uma série de atos que inegavelmente restringem direitos.
de outro, pode-se perceber Aue a simples aceitação de um suporte fá- ~ É a partir dessas conclusões que se pode passar ao próximo capítulo,
tico amplo, sobretudo no caso da liberdade de imprensa, muitas vezes no qual a relação entre os direitos e suas restrições será analisada a
é feita de forma a "absolutizar" ainda mais o direito - o que não é, partir ele dois enfoques principais: a teoria interna e a teoria externa.
contudo, a premissa desse modelo. No caso da ADI/MC 2.566 tanto o Com isso ficarão ainda mais claros os efeitos não apenas teóricos que
Min. Marco Aurélio Mello quanto o Min. Celso de Mello, apesar de a necessidade de uma clara definição elo suporte fático elos direitos
terem pat1ido de um suporte amplo- a liberdade de imprensa inclui a fundamentais- incluindo-se aí a definição do seu âmbito de proteção
possibilidade de proselitismo -, não foram coerentes com todas as e da extensão do conceito ele intervenção estatal e, sobretudo, uma de-
premissas do modelo. já que da simples verificação de uma interven- finição acerca das exigências argumentativas necessárias para justifi-
ção (proibição ele proselitismo), concluíram pela inconstitucionalida- car restrições a direitos fundamentais - pode ter, na prática jurídica,
na esfera desses direitos.
de, sem ao menos questionar a existência de fundamentação constitu-
cional para a vedação em questão.
Para o objeto do presente trabalho, sobretudo a questão ela exclu-
são de certas condutas do âmbito de proteção de algum direito funda-
mental tem conseqüências importantíssimas, especialmente na ativi-
dade judicial preocupada co111 a proteçüo dos direitos .fundamentais.
E essas conseqüências são, como se pôde perceber. extremamente
negativas. No caso concreto da ADI!MC 2.566 a conseqüência da
exclusão do proselitismo de qualquer natureza do âmbito de proteção
I X7. C f, mais uma vez. as linhas (3) c (4) da tabela elaborada no tópico
da liberdade de imprensa é a exclusão, ao mesmo tempo, de qualquer _\.3222.
r 127

ponto central, nessa primeira parte, é a contraposição entre as teorias


interna e externa (tópicos 4.2, 4.2.4, e 4.3 c sub-tópicos). (2) Num se-
gundo momento pretende-se analisar a principal forma de controle às
restrições aos direitos fundamentais: a regra da proporcionalidade
(tópico 4.4 e sub-tópicos).

Capítulo 4
4.2 As teorias externa e interna
RESTRIÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS
Intimamente ligado à questão da aml1litude do suporte fático dos
direitos fundamentais está o problema da reconstrução da relação
4.1 lntroduçclo. 4.2 As teorias externa e interna: 4.2.1 Teoria interna: entre os direitos e seus limites ou restrições. Nesse âmbito é possível
4.2.1.1 Limites imanemcs - 4.2.1.2 l('oria institucional dos direitos distinguiç dois enfoques principais, chamados, aqui, de teorias exter-
jimdwnentais- 4.2.2 Feoria externa: 4.2.2.1 Ponto de partida: a teoria
dos princípios co11w teoria externa: 4.2.2.1.1 Restriçôes por meio de
na e interna. 1 Tais teorias não são, contudo. criação ela dogmática dos
regras- 4.2 .2 .1.2 Restri~·ôes baseadas on princzíJios- 4.2 .2 .2 Críticas direitos fundamentais, e são conhecidas no âmbito do direito civil há
à teoria externa: 4.2.2.2.1 Contmdiçüo /r)gica- 4.2.2.2.21/usiio de.w- muito tempo, tendo suscitado intensos debates sobretudo na França,
nesta - 4.2.2.2.3 Ra1·úmalidwl1' - 4.2.2.2.4 Scguranca jurídica - entre Planiol e Ripert, 2 de um lado, e Josserand, 3 de outro. 4
4.2.2.2.5 ln(laç1lo judiciária - 4.2.2.2.6 Direitos irreais- 4.2.3 Dife-
rentes teorias c seu.\ cj'eito.1 - 4.2.4 li'oria externa e suporte fático:
4.2.4.1 Picrotlz!Schlink- 4.2.4.2 Jurispmdência: o caso Osho. 4.3
I. A contraposição entre as teorias intt:rna e externa ainda não foi objeto de
Limites imanentes, direitos prima facie c sopcsamento: 4.3.1 Canoti- ~
debates aprofundados no Brasil. pelo menos não na esfera dos direitos fundamentais.
lho c os limites i11lmcntcs. 4 ...J A regra da proporcionalidade: 4.4.1
Em Portugal, no entanto. tais concepções jú são analisadas hú algum tempo. Cf., por
Questões terminolâgicas: prinuíJio. máxima, regra ou postulado -
exemplo: José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos jiozdamentais na Constituiçiio
4.4.2 Ade111W('ÜO- 4.4.3 Necessidade: 4.4.3.1 Necessidade c grau de
portugztesa de 197ó, Y ed., Coimbra: Almcdina. 2004 (i" ed .. 1976), pp. 2X7 e ss.;
eficiência- 4.4.4 l'rol'on·ionalidadc em sentido estrito: 4.4.4.1 Pro-
Jorge Miranda. Manual de direito constitucional, 3·' ed .. vol. IV, Coimbra: Coimbra
porcionalidade em sentido estrito c sul~jetil'idade - 4.4.5 Regra da
Editora, 2000 (I" cd., I 98X ). pp. 336 e ss.: c Jorge Reis Novais, As restriçôes aos
proporcionalidade e sopc.\allzento - ..J.4.6 Proporcionalidade, limites
direitos fundamentais n(ío e.tpressamcntc autori::.w/as pela Constituiçiio, Coimbra:
imanentes, restri(·c')es c regulamentaciies- 4.4. 7 Proporcionalidade e
Coimbra Editora. 2003. pp. 292 c ss.
conteúdo essencial dos direiros jitndwnentais.
No Brasil é possível encontrar apenas breves mençôes à contraposição entre as
teorias externa e interna. mas sem conseqüentes aprofundamentos, em Gilmar Fer-
reira Mendes. "Âmbito de proteção dos direitos fundamentais e as possíveis limita-
4.1 Introdução ções'', in Gilmar Ferreira Mendes e/ al., 1-lcnnl'ni>utica constitucional e direitos
jimdmnentais, Brasília: Brasília Jurídica. 2000. pp. 224-225, e. mais recentemente,
Como ficou claro no capítulo anterior, um modelo que amplia a Cláudia Perotto Biagi. A garantia do contclÍdo essencial dos direitos fwulamentais
extensão do âmbito de proteção dos direitos fundamentais e, ao mes- na jurisprudência constitucional brasileira, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris,
2005, pp. 59-60.
mo tempo, o conceito de intervenção estatal é um modelo que deve 2. Cf. sobretudo Marcelo Planioi/Georges Ripert, 1/'aité élémentaire de droit
estar pronto para lidar com um problema decorrente dessa expansão: civil, vol. !L I(}' cd .. Paris: LGD.J, 1926. p. 29X.
a colisão entre direitos e a necessária restrição deles em algumas situ- 3. C f. sobretudo Louis Josserand. De I 'esprit de.1· droits et de leu r relativité,
ações. O presente capítulo pretende analisar exatamente esse proble- Paris: Dalloz, 1927.
4. Sobre os efeitos do debate na Alemanha, cf.. por todos, Wilhelm Weber, Rec/!1
ma, e pode ser dividido em duas grandes partes principais. (I) Na der "')chuldverhâltnisse, li" ed., Berlin: Schweitzer, 1961. pp. 748 e ss. Para o caso
primeira delas serão analisados os dois enfoques principais na recons- austríaco, ainda também no ámbito do direito civiL cf. Peter Mader, Rechtsmij.ibrauclz
trução da relação entre o direito e suas restrições (ou seus limites)- o und un::.uliissige Rcchtsausiilmng, Wien: Orac, I Y94. pp. 113 e ss.
T

12~ IJIRI·ITOS FlJ:\Il.\~1Fi\L\IS. ('():\I L('IJ<l I SSI:\<'1·\1. RLS I Rl~(lf:S I. I'I·IC\C'IA REC. I RI<,'{JE.~ .·\ IJIRU lOS FIJNIJ.\MLNTAIS 120

Como será visto nos próximos tópicos. a simples menção a ter- Se isso é assim- ou seja. se a def1niç<lo do conteúdo e da exten-
mos e expressões como restriçfto a direitos fundamentais, sopesamen- são de cada direito não depende de fatores externos e, sobretudo, não
to. ponderação ou proporcionalidade- que. via de regra, sobretudo na sofre int1uência de possíveis colisões posteriores-, a conclusão a que
jurisprudência, são utilizadas como se estivessem destacadas de qual- se pode chegar. em termos de estrutura normativa, é que direitos defi-
quer pressuposto teórico - exige uma clara compreensão ela relação nidos a partir do enjóque do teoria interna têm sempre a estrutura de
entre o direito. de um lado. e seus lilllitcs ou restriç6es. de outro. A regras.~ Isso porque. se a definiç<lo do conteúdo do direito é feita de
precisão terminológica. neste ponto. é inafastáveL pois há diversos antemão, isso significa- para usar a expressão de Sieckmann- que a
termos que 1nuitas vezes são usados ern conjunto mas que. analitica- norma que o garante tem \'a/idade estritu. 4 Segundo ele, validade es-
mente enfocados, são incompatíveis entre si. Idéias como a de limites trita significa que uma norma ser<Í com certeza aplicável e produzirá
imanentes, por exemplo. não são passíveis de convivência, em uma todos os seus efeitos sempre que se tratu de uma situação que se en-
mesma teoria, com expressôes como restrição a direitos, abuso de quadre na hipótese por ela descrita. 10 Se a norma tem validade estrita,
direito ou sopesamento. Isso porque. entre outros motivos, quando se ela segue o raciocínio "tudo-ou-nada", analisado anteriormente," e
parte ele uma teoria interna. que é aquela que sustenta que o direito e não pocl~ ser objeto de sopesamentos.
seus limites são algo uno -ou seja. que os limites são imanentes ao Por conseqüência, se direitos fundamentais e sua extensão são
próprio direito -, isso exclui que outras fatores externos, baseados, definidos a partir da teoria interna e não podem, por conseguinte, par-
por exemplo, na idéia ele sopesamento entre princípios, imponham ticipar em um processo de sopesamento, 12 toda vez que alguém exer-
qualquer restrição extra. As fundamentações para ambos os enfoques cita algo garantido por um direito fundamental essa garantia tem que
serão analisadas a seguir. ser definitiva, e não apenas primofacie. 13 A impossível distinção entre
direito prima facie e direito definitivo, no funbito da teoria interna, é
algo que decorre diretamente de seu pressuposto central, ou seja, da
4.2.1 Teoria interna
unificação da determinação do direito c de seus limites imanentes.
Se fosse necessário resumir a idéia central da chamada teoria in- Nesse sentido, não haveria como imaginar uma situação em que, a
terna, poder-se-ia recorrer à máxima freqüentemente utilizada no di- despeito ele haver um direito "em si". não pode ele ser exercitado por
reito francês, sobretudo a partir de Planiol e Ripe11, segundo a qual "o haver sido restringido em decorrência da colisão com outros direi-
direito cessa onde o abuso começa".' Com isso se quer dizer, a partir
do enfoque da teoria interna -e daí o seu nome -, que o processo de
X. Sobre a definição da estrutura das regras jurídicas e suas diferenças em rela-
definição dos limites de cada direito é algo interno a ele. É sobretudo ção it estrutura dos princípios. cf. tópico 2.2.
nessa perspectiva que se pode falar em limites imanentes. Assim, ele lJ. Cf. Jan-Reinard Sieckmann. Regelmodelle und Prin::.ipienmode/le des Re-
acordo com a teoria interna. "existe apenas um objeto, o direito com chtssrstems, Baden-Baden: Nomos, !l)90. p. 59.
seus limites imanentes".(• A fixação desses limites, por ser um proces- I O. Ainda que isso pareça. ao mesmo tempo, trivial e circular, uma simples
análise da estrutura dos princípios, sobretudo a partir da perspectiva da teoria externa
so interno, não é definida nem influenciada por aspectos externos, (cf. tópico 4.2.2), mostrará que nem toda nom1a tem essa característica ("validade
sobretudo não por co!i.wks com outros direitos. 7 estrita", nas palavras de Sieckmann). Os princípios, por exemplo, não a têm (cf. Jan-
Reinard Sieckmann, Rcgclmodclle und l'rin::.ipienmodel/e dcs Rcclztssvstems, p. 58:
princípios são "normas sem validade estrita"). ·
5. Mareei Planiol/Georges Ripert, ·haif<; élémcntaire de droit civil, vol. IL p. tI. Cf. tópico 2.2.3. I.
29X: "le droit cesse oü l'abus comrnence". 12. Cf.: Robert Alexy. "Rechtssystem und praktische Vernunft". in Robert
6. Martin Borowski. Grundrechte ais Prin::.ipien, p. 99. Alexy. Rccht, Vernunft, Diskurs: Studicn :ur Rechtsphilosophic, pp. 2 t 6-2 t 7; Martin
7. Cf. mais uma vez Martin Borowski. Grundrechtc ais Prin::.ipicn. p. 99: "A Borowski, Grundrcchtc ais Prin:ipien, p. 100.
extensão do direito não é modificada por colisôes com outras posiçôes jurídicas, seu _ . 13. Sobre a distin<;ão entre "direitos dcji'llitivos" e "direitos prima facie", cf.
conteúdo definitivo é definido de antemão". top1co 2.2.
130 DIREITOS H iNil·\:VIFNTAIS: CON 11:1 'll< l I·SSL:\< 'L\ I. RI:~ I RI('C li:S 1·: FI·IC.\CI.-\
RESTRI(ÚI:S :\ Dllü-.IIOS 1-l:i\llA\II::d.-\IS [.11

tos. 1 ~ Ou há direito subjetivo, ou não há. Se o direito subjetivo existe, das adiante 17 - não somente aceitam como também pressupõen~- em
então, pode ele ser naturalmente exercido no ;ímbito de seus limites.'" quase todos os casos - a necessidade ele rcstriçâo a dir~itos fu_nd_a-
Em outras palavras: no âmbito da teoria interna não há como falar que mentais, os adeptos de teonas mtcrnas uttlizam o concetto de lzmttc
determinada ação seja primojúcie garantida por uma norma de direi- para rejeitar essa necessidade. A contraposição entre dcfini~âo :/e li-
to fundamental mas que, em decorrência das circunstâncias- fáticas 11útes, de um lado. e imposiçâo de restriçifes, de outro, expltclta as
e jurídicas -do caso concreto, tal ação deixe de ser protegida. Nesses diferenças entre os dois enfoques.
casos, "o direito no qual a ação se baseia não existe, ou pelo menos Assim. para não ter que partir de um pressuposto insustentável de
não na forma como a ele se recorre '". 1
('
direitos absolutos, a teoria interna tende a recorrer à idéia de limites
Da mesma forma que ocorre com as teorias que se baseiam em imanentes. Os direitos fundamentais. nessa perspectiva, não são abso-
um suporte fático restrito para os direitos fundamentais, a teoria inter- lutos, pois têm seus limites definidos, i~plícita ou explicitamente, pela
• • • - \8
na tem o ônus de demonstrar a possibilidade de se fundamentar a li- própna constttUJçao.
mitação de direitos "a partir de dentro", de forma a excluir a neces- AiQda que sem o recurso teórico explícito i't idéia de limites ima-
sidade de restrições externas. A principal figura a que se costuma nentes, é possível encontrar manifestações das teses centrais da teoria
recorrer, para esse fim. é aquela conhecida por limites imancllfes. Mas interna na jurisprudência do STF É claro que não é possível falar em
há outras estratégias que. sem recorrer a esse tipo de limite, também uma linha jurisprudencial coerente nesse sentido, até porque o STF
pretendem fundamentar uma visão interna dos limites aos direitos recorre também, em um sem-número de casos, ao sopesamento entre
fundamentais. A principal é, sem dúvida, a teoria institucional dos di- princípios - o que, como se verá, não é compatível com a idéia de
reitos fundamentais. Ambas- limites imanentes c teoria institucional limites imanentes. Não obstante essa incompatibilidade, o recurso aos
- serão analisadas a segui r. limites imanentes pode ser encontrado em não poucas decisões.
No caso Ellwanger, por exemplo, ao tratar dos limites do exercí-
cio dos direitos fundamentais. o Min. Maurício Corrêa recorre à se-
4.2. I. I Limites imanentes auinte idéia·• "Como sabido, tais g:arantias, lfiberdade de eXJJressão e
b LJ

Pela exposição do pressuposto teórico central da teoria interna, pensamento 1 como de resto as demais, não são incondicionais, razão
feita brevemente no tópico anterior, poder-se-ia imaginar que. ao não pela qual devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os
admitir restrições a direitos fundamentais, tal teoria parte de uma con- limites traçados pela próprio Constituiç·clo Federal (CF, art. 5", § 2º,
cepção absoluta desses direitos. Essa não é, contudo, uma conclusão primeira parte)". 19
necessária e, além disso, dificilmente seria defendida por seus teóri- Em sentido muito semelhante, pela definição dos limites imanen-
cos. À semelhança do que já foi visto no capítulo 3, há uma diferença tes no caso da liberdade de manifestação do pensamento, o Min. limar
terminológica sutil entre a teoria interna e a teoria externa que pode Galvão pronunciou-se na ADI R69: "Ementa:( ... ) Limitações à liber-
deixar isso mais claro. Essa diferença terminológica não é, com se ve- dade de manifestação do pensamento. pelas suas variadas formas -
rá, merafiligrana jurídica, despida de qualquer efeito prático ou teó- Restrição que há de estar explícita ou implicitarnente prevista na
rico mais importante. Enquanto as teorias externas que serão analisa- própria Constituição"'. 20

17. Cf. tópico4.2.2.


14. Cf. Peter Mader. Rccht.lllli/lhrmwh und un:.ulússigc Rccht.wwsiibunx. pp. lR. É claro que se poderia dizer que. dentro dos limites definidos, tais direitos são
114-115.
absolutos. Mas isso seria. no mínimo. contra-intuitivo ("'absolutos dentro de limites").
15. Idem, p. 115.
l 9. RTJ 188, 858 (891) - sem grifos no original.
16. Ibidem.
20. ADI 869 (DJU 4.6 2004).
132 J>IRI-.110~ l l :\1>\\IL:\L\IS CO:\TIOI,'DO ESSENCIAL. RESTRIÇ()ES E EFIC,\CIA RESTRI(,"{lES A DIRITIOS F\í:--JDAMENTAIS Ln

Ao analisar o problema da amplitude do suporte fático dos direi- ·oib 1cao instituída por alguma restrição àquelas liberdades, mas em
tos fundamentais transcrevi algumas questões - retóricas - formula- ~~:·oibi~·âo por mera nào-proteçüo. E isso é assim não somente nos ca-
das por Vieira de Andrade." 1 Ao afirmar, por exemplo, que sacrifícios los de interpretação da constituição pelo juiz, mas também nos casos
humanos não são garantidos pela liberdade religiosa, da mesma forma slc leis ordinárias. Ou seja, segundo a teoria dos limites imanentes. se
que se pode dizer que a calúnia não é garantida pela liberdade de ex- ~ 1111 a lei vier expressamente a proibir sacrifícios humanos em rituais
pressão. quer-se. com isso. dizer que ambos os direitos - liberdade religiosos, ela não terá constituído restrição alguma à li?erdade de
religiosa c liberdade ele expressão- encontram seus limites, implícita religião, pelo simples fato de que a regulação legal não tena ultrapas-
ou explicitaínentc. no texto constitucional. São os limites imanentes. sado os li mitcs dessa I i berdade. 24
A opção pelo termo ··Jimite". como se mencionou anteriormente, é O bcrrande problema da teoria dos limites imanentes - que é tam-

proposital. já que pretende denotar- como salienta o próprio Vieira bém. como já foi visto, o grande problema ele todas as teorias que
de Andrade - que, nesses casos, não se eleve falar em restrições aos pressupõem um suporte fático restrito aos ~ir~itos_ fundamentais- é a
direitos fundamentais ou de colisões entre eles, mas de meros limites clefiniÇ~!i) elo que é protegido(= dentro elos hm1tes Imanentes) e do que
que decorrem da própria constituição. Nesse sentido, é comum dizer não é protegido. As cliticulclades nesse âmbito já foram expostas no
que tais limites fazem parte da própria essência elos direitos funda- capítulo 3. quando da análise elas diversas formas de definir um supor-
mentais, já que não se pode falar em liberdades ou em direitos ilimi- te fático restrito para os direitos funclamentais. 25 O mais importante,
tados e que é tarefa por excelência da interpretação constitucional nesse ponto, é salientar aquilo que se foi delineando ao longo deste
tornar seus contornos os mais claros possíveisY tópico: a figura dos !.imites, imanentes e o ~onceito de sopes~ment_o são
Com isso. a diferença entre os limites imanentes e as restrições a mutuamente exclusivos. A fundamentaçao dessa tese sera dedicado
direitos fundamentais decorrentes de colisões é facilmente perceptí- ~ um tópico específico mais adiante, no qual se demonstrará também
vel, e pode ser t.raduzida Pflo. binômio declar~r/~onstit~ir.. Enquanto sua importância para a segunda parte deste trabalho. 26
nos casos de colisões se constLtuem novas restnçoes a direitos funda-
mentais, quando se trata dos limites imanentes o que a interpretação
constitucional faz é apenas declarar limites previamente existentesY 4.2.1.2 Teoria institucional dos direitos fundamentais
Assim. para utilizar alguns dos exemplos de Vieira de Andrade, as ve-
Uma das principais estratégias argumentativas a favor de uma teo-
dações a sacrifícios humanos ou a andar nu na rua não decorrem de
ria interna é aquela baseada em uma concepção institucional dos di-
uma restrição às liberdades de religião e de ir e vir, visto que tais li-
berdades. devido u seus limites imanentes, nem ao menos protegem reitos fundamentais. Com base em uma teoria institucional dos direi-
tais atos. Assim, quando se fala em proibição, não se quer falar em tos. muda-se o paradigma a pm1ir do qual os direitos fundamentais são
concebidos, c a decisão por uma teoria interna é conseqüência sim-
plesmente natural, como será visto a seguir. Como ferramenta de tra-
21, Cf. túpico .L~.I. Aqui. mais uma vez: .. ( ... ) tení sentido invocar a liberdade balho utilizo, aqui, a teoria institucional de Peter Haberle. Isso por
religiosa para efcctuar sacrifícios humanos ou. associada ao direito de contrair casa- alguns motivos. H~iberle talvez seja o principal autor que, inspirado
mento. parajustificar a poligamia ou a poliandria') Ou invocar a liberdade artística para
sobretudo pelas idéias ele Hauri ou, 27 desenvolve urna concepção insti-
legitimar a morte de um actor no palco. para pintar no meio da rua. ou para furtar o
material necess<írio à oecuc;iío de uma obra de arte'> ( ... ). Ou invocar a liberdade de
reuniiío para utilizar um edifício privado sem autorização, ou a liberdade de circulação
para atravessar a via pública sem vestu<Írio 7 " (cf. José Carlos Vieira de Andrade. Os 2.'-L Idem.
direitosjimdanwntois na Constituiçüo portuguesa de 1976. p. 294). 25. Cf. sobretudo tópico 3.3.2. I.
22. Cf. Theodor Maunz/Reinhholcl Zippelius. Dellfsches Staatsrecht, 29" ed., 26. Cf. tópico 4.3.
Mlinchcn: Beck. 1994. ~ 20.1. I. p. 145. 2.7. C f.. acima de tudo. Maurice Hauriou. "La théorie de I' institution et de la
23. Idem_ fondation ... in Paul ;\rchambault ct a!.. /"-1 cité nwderne et lcs transfármations du
DIRLIIOS fl '\ll.\\11''\li\l~ CONTUIIJO I:SSL;\il"L\1.. RESTRI(!JLS E FI W.\Ci.·\ R.ISTRI('(ll S.\ DIREITOS H I~DAMIONTAIS 1.15
114

tucional dos direitos fundamentais que se ocupa com o problema dos conct:ito baseia-se em três elementos principais: (I) uma idéia diretriz
limites dos direitos fundamentais e com seu conteúdo essenciaiY que se realiza e permanece juridicamente em um meio social; (2) para
Além disso, Hübcrle é. sem dúvida alguma, um dos autores institucio- a realização dessa idéia. organiza-se um poder que lhe confere órgãos:
nalistas mais conhecidos na América Latina, sobretudo a partir da tra- (3l entre os membros do grupo social interessado na realização dessa
dução de sua principal obra para o espanhol. 29 idéia surgem manifestações de comunhão dirigidas pelos órgãos ele
poder e reguladas por procedimentos." Segundo Hauri ou tais elemen-
O ponto de partida para urna breve amílise da teoria institucional
tos estão sempre presentes naquilo que ele chama de instituição-pes-
de Haberle, só pode ser sua rejeição ao conceito de liberdade como
soa, cujo principal exemplo seria o próprio Estado. 1.j Nesses casos. o
mera esfera de autonomia individual a ser protegida contra a atividade
poder organizado e as manifestações de comunhão interiorizam-se no
estatal.' 0 Segundo ele. é esse conceito anacrônico de liberdade·" que
seio da idéia-diretriz. que, após inicialmente ser objeto da instituição,
gera a imagem do legislador como o inimigo dos direitos fundamen-
passa a ser o sujeito da pessoa moral. 15
tais.12 E é essa dual idade - li herdade individual que deve proteger
contra o legislador inimigo - que está na base da concepção contra a Mas, além desse conceito - instituição-pessoa -, que é o objeto
qual Haberle se insurge. Para tanto, é necessário superar, em primeiro princip<fl das teorias de Hauriou, refere-se ele também ao conceito de
lugar, a contraposição entre liberdade c direito, ou seja, superar a idéia instituição-coisa. semelhante à instituição-pessoa, mas na qual o poder
de liberdade como algo natural. pré-jurídico, que apenas é restringida organizado e as manifestações de comunhão desempenham um papel
pelo direito. Para Hüberle parece claro que essa perspectiva é a ~res­ secundário, pois não se interiorizam no seio da idéia-diretriz. 36 É esse
ponsável pela idéia de que qualquer intervenção estatal na liberdade conceito que Hüberle toma de empréstimo para o desenvolvimento de
individual é necessariamente uma restrição. sua teoria institucional dos direitos fundamentais: direitos fundamen-
tais seriam instituições no sentido instituição-coisa e de idéia-diretriz
Para superar esse problema, Haberle recorre ao conceito de insti-.. presente no meio social. Segundo Háberle, a idéia de direitos funda-
tuiçâo, sobretudo na vers;to desenvolvida por Maurice Hauriou. Tal mentais - a idéia de personalidade, a idéia de propriedade, a idéia de
família - deve ser considerada como uma idéia-diretriz no sentido
institucional de Hauriou. Essas idéias estão enraizadas em seus res-
droít, Paris: Bloud l'l Gay. I 925. pp. 2--1-."i: do mesmo autor, Précis de droit conslitu-
tíonncl, 2·' ed .. Paris: Sircy. 1929. pp. 71 c ss. Cf. também Mareei Prélot. /nstitulions pectivos meios sociais, nos quais desenvolvem sua realidade social ao
pofitiqucst'l droit constítlllionncl. 4·' ed .. Paris: Da!loz. 1969, ~ 26. pp. 39 e ss. mesmo tempo que também a defl.nem. 17 O mais importante é que o
2g. E de Hüberle. sem dúvida alguma. o trabalho mais influente sobre o tema instituir a idéia de direitos fundamentais no meio social não é obra
na Alemanha. cuja !·' edi~ão é de 1962: Die \Vesensgelzaltgarantie des Art. 19 Abs. 2
exclusiva da constituição e de seu complexo normativo, mas sobre-
Grundgeset:;: Lugfeiclz ein Bl'itrag ::11111 Íll.llitutioneffen \ierstàndnis der Grundreclzte
und -::Jtlll l.ehre t'OIIi Geset::est·orhehaft. 3·' ed., Heidelberg: C. F Müller. 1983.
29. Cf. Peter lbberle. /.a garantía de! contenido esenciaf de los derechos jimda-
mentales cn la Ler Fundamental de Bonn (trad. Joaquín Brage Camazano), Madrid: 33. Cf. Mauricc Hauriou. "La théorie de l'institution et de la fondation", p. 10.
Dykm~on, 200~ .. Em português h;í também alguns trabalhos traduzidos. O principal 34. C f. Mareei Prélot. fnstilutions poli tiques et droit constitutionnel, § 26, p. 40:
deles c. sem duvu.la. Peter llüberle. A sociedade aherta dos intérpretes da Constítui- "( ... )[uma instituicilo-pessoa/ é constituída por uma coletividade humana, unida por
çüo. (tracl. Gilrnar Ferreira Mendes}, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. 1997. Para uma tdeologta ou uma necessidade comum e submetida a uma autoridade reconheci-
uma breve análise da teoria de Hiiber!e sobre as restrições a direitos fundamentais. cf. da e a regras fixas. Assim. a instituição adquire uma existência própria e transcende
Jorge Reis Novais, As re.\lriccles aos direitosfwulamentais não expressamen/e mttori- seus componentes individuais, aos quais ela não pode ser reduzida".
z.adas fie{a Conslituiçiio. pp. 309 e ss. 35. Cf. Mauricc Hauriou. "La théorie de l'institution et de la fondation", p. 10 .
.>O. Cf. Pctcr 1-Eihcr!c. Die \Vncn.lge/wflgarantie des Art. /1.) Abs. 2 Grundge- 36. Idem. C:f. também a defini~ão de Prélot: "( ... )a instituição-coisa não é un 1
set:. p. 15 I . complexo humano( ... ) mas simplesmente um sistema de regras de Direito" (/nstitu-
31. Cf. Jorge Reis Novais. As restriçrles aos direitosfundamentais, p. 309. lwns poftlique.1 c/ droil constilutionnef, ~ 26, p. 41 ).
32. Ct. Pcter H~1berle, Die Wescnsgelwftgarwzlie dcs Arl. fi.) Ahs. 2 Grttndgeset:;, 37. Cf. Peter Haberle. Die Wescnsgehaftgarantie des Art. 19 Abs. 2 Grundr:e.1et::
p. 106. c '
p. 163.
DIREI lOS r:li:-.IDAMiéNTAIS: CO:\TEÚDO léSSE:'-iCI:\L. RISIRI<J>IS I' 1J !C.\( 'L\
RISIRIÇÜI:S i\ DIREITOS l·li:-.JDAi\IL:-.1 1'.·\IS 137

tudo da atividade do legislador e também de todos aqueles "'que VI- corno conceber, a partir de uma visão institucionalista, a liberdade co-
vem dispersos no meio social", os titulares dos direitosfúndamentais.
rno se fosse uma "'rese~va natural";17 a partir de urna espécie de ·'pro-
A realização dos direitos fundamentais no meio social é, nesse senti-
cesso de subtração". 1x E essa concepção de liberdade como aquilo que
do, um processo;'x para o qual contribuem os titulares dos direitos e
sohra após a atividade legislativa que está na base da idéia. já men-
também o legislador. "Os direitos fundamentais, concebidos como
cionada, segundo a qual o legislador é encarado como um inimigo da
instituição, ( ... ) não são dependentes da vontade subjetiva de determi-
liberdade, que restringe os direitos fundamentais. L

nados indivíd,uos"; eles ganham vida na medida em que façam parte


da consciência de um número indeterminado de indivíduos. A partir Fica claro, a partir da rejeição da dualidade liberdade l's. direito
daí, transformam-se eles em "coisa social objetiva".' 9 - ou. em outras palavras, da contraposição liberdade 1·s. atividade
• A partir da perspectiva institucional, direitos fundamentais, dentre estatal -, que a teoria de Hüberle nec~ssariamentc se enquadra nos
outras conseqüências, deixam de ser apenas direitos individuais de li- termos de uma teoria interna. 49 A atividade legislativa ordinária não é,
berdade. Mais importante que a liberdade do indivíduo é a liberdade de nos termos de sua teoria, uma atividade restritiva da liberdade, pelo
todos.-1° Isso porque liberdade não é algo natural, pré-jurídico ou algo simples•fato de que a liberdade não é algo preexistente que possa ser
semelhante. A liberdade, a partir de uma visão institucional, é algo cria- restringido pelo legislador. Por ser algo interno ao direito, a liberdade
do e desenvolvido no âmbito e a partir do direito. 11 Portanto, liberdade como instituto é criada pela atividade estatal, que não a restringe,
é- é só pode ser- liberdade regulada e delimitada pelo direito. H apenas delimita 50 seus contornos e a desenvolve e garante.'il
É fácil notar que uma teoria institucional como a de Hüberle tem A forma de se encarar a atividade legislativa, a partir dessa visão,
como um de seus postulados básicos a rejei\;ão da idéia de que permi- muda por completo. Em primeiro lugar, ela passa a ser encarada so-
tido é aquilo que não é vedado pelo direito. H~iberle investe contra tal ~ bretudo como garantia do desenvolvimento da liberdade: ao delimitar
concepção, que, segundo el~, é comungada tanto por jusnaturalistas
quanto por autores como Jellinek, 43 Schmitt.J.J e Kelsen.-1 5 )(, Não há
47. Idem.
48. Idem, p. 152. nota 168.
49. Ainda que, às vezes. dadas algumas contradi.,:ões em sua obra, seja difícil
38. Idem. p. 108.
afirmar isso com toda certeza, sobretudo quando Hãberle aceita o sopesarne~to como
39. Idem, pp. 106-107.
forma de defini.,:ão do conteúdo dos direitos fundamentais (Dic Wcscnsge/wltgarantie
40. Idem. p. 108. Cf. também Martin Borowski, Grwulrechte ais f'rin::ipicn,
des Art. f() Abs. 2 Grttndgeset::, pp. 124 e ss.; e, do mesmo autor, "Grundrechte und
p. 209.
parlamentarische Gesetzgebung im Verfassungsstaat", AôR 114 ( 1989). p. 387). Como
41. Cf. Peter H~iberle, Die Wesensgehaltgarantic des Art. f') Abs. 2 Gmndgeset::..
já se pôde perceber ao longo deste trabalho, o sopesamento é procedimento típico de
p. 152.
uma teoria externa. Sobre essas contradições na obra de Hãberk. cf. sobn:tudo Geriru-
42. Idem. Note-se que não se fala em ··restringida·· pelo direito. mas. no rmíxi-
de Lübbe- Wolff. Gmndrechte ais Eingriffmhwchrreclzte, Baden-Baden: Nomos.
mo. ··regulada'· c '·delimitada".
1988, pp. 64 e ss., e Martin Borowski, Grwzdrechte ais Prin::.i[JÚ'n. pp. 209 e ss.
43. Cf. Georg Jellinek, Allgemeine Staatslchrc, 3" ed .. Berlin: Springer, 1920, p.
50. Também na obra de Hiiberle a distinção entre limites c rcstriciles é bem mar-
4 I 9: .. Aquilo que, desconsideradas as restrições legais. resta de possibilidade de a.,:ão
cada, como fom1a de demonstrar, claramente, a rejeição de uma teoria externa. Nesse
individual aos cidadãos é a sua esfera de liberdade".
sentido, cf. Peter Haberle, Die \Vesensgchaltgarantie des Art. /9 Abs. 2 Grwul~esct::..
44. Cf. Carl Schmitt. Verfassungslehrc. 8·' ed., Berlin: Dunckcr & Humblot. p. 179. '
1993, pp. 126 e 158: "( ... ) a esfera de liberdade do indivíduo é pressuposta como algo
5 I. A íntima relação entre direito e liberdade pode ser percebida na seouinte
anterior ao Estado, e( ... ) a liberdade do indivíduo é, em princípio. ilimitada. enquan-
passagem: "O direito não pode ser contraposto à liberdade de forma taL que ~e de-
t_o a competência estatal para intervir nessa liberdade é. on princLíJio, limitada" (gri-
fina a lei material como uma intervenção na liberdade c na propriedade. Direito e
tos no orrgrnal).
liberdade estão relacionados por sua própria natureza. Liberdade e direito não po-
45. Cf. Hans Kelsen, Allgemeine Staatsleltre, Berlin: Springer. 1925, p. 155.
dem ser nem contrapostos nem separados. Liberdade e direito são dois conceitos que
46. Cf. Peter Hãberle, Die Wesensgelzaltgarantie des Art. 19 Ahs. 2 Grundgcset::.,
se rncluem mutuamente" (Peter Hiiberle, Die Wcsensgelwftgarantic eles Art. f') Ahs.
p. 152.
2 Grundgesct::.. p. 225).
ll/RI·/TOS ll '\ll\:-..!E'\Ii\IS Cü'tll-.liDO ESSENCIAL. RESTRI('(lES E EIICi\CIA RFSTRI~'(llóS A DIREITOS Fl':-JD!\~IEI':TAIS

a própria liberdade, o legislador, segundo Hüberle, cria também liber- nüo-atenção a essa simples distinção pode ser fonte de algumas 111-
dades que antes não existiam. 52 Além disso- ou, na verdade, exata- compreensões teóricas.
me~lte por i~so -, o legislador passa a ter uma liberclacle ele ação Nos próximos tópicos, serão analisados, em primeiro lugar, os
murt~ mator.'' especialmente se comparada ao que ocorre a partir das problemas decorrentes ela teoria interna. Esse é o ponto de partida da
~;~crmssas de outras concepções, que encaram o legislador como 0 análise. Depois, pretendo expor a íntima ligação existente entre a teo-
mtcrventor a ser controlado".
ria externa c o pressuposto teórico deste trabalho, a teoria dos princí-
pios c o modelo de suporte fático amplo. 56 Em seguida serão analisa-
4.2.2 Teoria externa das as principais censuras feitas à teoria externa; e, ao mesmo tempo,

Ao contrúrio cl<~ teoria interna, que pressupõe a existência de ape- .


pretende-se refutú-las. A partir daí, fica o caminho livre para o estudo
.
da principal forma de controle das restrições a direitos fundamentais
.~

nas um objeto, o dunto e seus limites (imanentes), a teoria externa a partir de uma teoria externa: a regra da proporcionalidade.
divide esse objeto em dois: hú, em primeiro lugar, o direito em si, e,
cl~stacadas dele, as st~a~ restrições. 54 Essa diferença, que parece insig-
mficante, uma mera filigrana teórica, tem, no entanto, grandes conse- 4.2.2. I Ponto de partida:
q~iên~ias, práticas e teóricas. Boa parte daquilo que doutrina e jurispru- a_çeoria dos princípios como teoria externa
d_encw m~11tas vezes_ tomam como dado é, na verdade, produto dessa
s~mples divisão teónca entre o direito em si e suas restrições. É prin- A relação entre a teoria externa e a teoria elos princípios é a mais
Cipalmente a partir dessa distinção que se pode chegar ao sopesamcn- estreita possível.' 7 De forma muito simples, a teoria dos princípios
to como torma de solução das colisões entre direitos fundamentais e sustenta que, em geraL direitos fundamentais são garantidos por uma
mais que i~so, ú regra da pr(~orcionaliclacle, com suas três sub-regra~ norma que consagra um direito prima facie. Como visto no capítulo
- adequaçao, necessrdacle e proporcionalidade em sentido estrito. Isso anterior, o suporte fútico dessa norma- que tem a estrutura de prin- .)
porque é some~1te a partir do paradigma ela teoria externa- segundo 0 ctíJio 5 s- é o mais amplo possível. 59 Isso implica, entre outras coisas,
~ual ~as ~-cstnçocs, qualquer que seja sua natureza, não têm qualquer que a colisüo com outras normas pode exigir uma restrição à realiza-
mf1u~n~ta no colllctÍdo do direito, podendo apenas, no caso concreto, ção desse princípio. Essas normas constituem, portanto, as restrições
restnngu· seu exercício - que se pode sustentar que, em uma colisão ao direito fundamental garantido pelo princípio em questão. 60 A rela-
entre princípios, o princípio que tem de ceder em favor de outro não
tem afetadas sua vai idade e, sobretudo, sua extensão prima fac ie. ss A
"Zur Struktur der Rechtsprinzipien", in Bernd Schilcher et a/. (orgs.), Regeln. Prinz.i-
picn {(IUI Elemenlc im Systcm des Rechts, Wien: Verlag Ósterreich, 2000, p. 37).
52. Cf. Peter Hiiberle. !Jie Wesensgcltaltgaramie dcs Art. /f) Abs. 2 Grundf{e 1·et- 56. Cf. Capítulos 2 c 3.
p. 225. . ' ., 57. Em sentido parcialmente contrário, cf. Jorge Reis Novais, As restriç6es aos
53. Cf.: nesse sentido, Ernst Wolfgang Biickenforde, "Grundrechtstheorie und direitos jimdamentais, pp. 322 e ss. e 357. Novais defende que a teoria de Alexy é
Grundrechtsm;erpretation·:- in Ernst Wolfgang Bockenfürde, Staat, Verfassung, uma teoria autônoma, que niio se enquadra nem nos pressupostos da teoria interna,
Demokratt,c. 2 ed._, hanklurt am Mam: Suhrkamp, 1992, p. 125. nem nos da teoria externa.
54. C I. Martm Borowsk1, Grundrechte ais l'rin::.ipien, p. 100; Andreas von 5S. Ou seja, é um mandamento de otimização. Cf., sobre esse conceito, t<Ípico
Arnauld, /)te Frei!teilsrechte 1111d ilzrc Sclzranke, Baden-Baden: Nomos, 1999, pp. 15
e ss. 59. Cf. tópico 3.3.2.2.1.
55. ~:o mo foi visto acima ( t<Ípico 2.2.3.2), esse é urn pressuposto central da teoria 60. Cf., neste ponto, por todos: Robert Alexy, Tlzeorie der Grundrecltte, 2' ed ..
dos p:mCIJWls. Expressamente: "Somente a teoria dos princípios consegue deixar clara p. 257 I tradução brasileira: pp. 2S4-285 J; Martin Borowski, Grundrechte ais Prin~i­
'! razao pela qual uma norma que cede a precedência a outra em um sopesamento não t>icn, p. 10 I: e Wolfram Hotling, ''Grundrechtstatbestand- Grundrechtsschranken --
e nem v1olada nem declarada total ou parcialmente inválida( ... )" (cf. Robert Alexy, Cirundrechtsschrankenschranken", Jura 16 ( 1994), p. 171.
140 llllU-JTOS Fl 1 NDA:'v1EI\T:\IS CONT!:!I!J() ESSF.NCI/\L, RESTRI('(H·S LU 1(',\CL\ RFSTRI('(lFS .·\ ll!Rl.ITOS lT'-'Ilt\\tE:,n,\IS 141

ção, aqui, entre o analisado nos capítulos 2 e 3 e o discutido neste ca- Essa restrição a partir de fora, como já foi esboçado no capítulo 2,
pítulo 4 não poderia ser mais clara. pode ocorrer de duas formas principais.
Um princípio, compreendido como mandamento de otimização,
é, prima facie, ilimitado. A própria idéia de nwndwnento de otimiz.a-
4.2.2.1.1 Restrições por meio ele regras
ç:üo expressa essa tendência expansiva. 61 Contudo, em face da impos-
sibilidade de existência de direitos absolutos,'' 2 o conceito de manda- Em geral, restrições a direitos fundamentais são levadas a cabo
mento de otimização já prevê que a realização de um princípio pode por meio de rcgras."6 Essas regras são encontradas sobretudo na legis-
ser restringida por princípios colidentes. Aí reside a distinção, expos- lação infraconstitucional. Assim, como já foi visto antcs, 67 o art. 4º, ~
ta anteriormente, entre o direito prima facie c o direito definitivo. 6 ' 1º, da Lei 9.612/ 199g, que disciplina a atividade de radiodifusão co-
•Essa é a distinção que a teoria externa pressupôe. munitária e que proíbe ''o prosclitismd de qualquer natureza" nessa
O direito definitivo não é- ao contrário do que defende a teoria atividade, é uma regra que restringe a liberdade de expressao e a li-
interna - algo definido internamente c a priori. Somente nos casos berdade de imprensa: o art. 3g da Lei 4.595/1964, que prevê alguns
-,..I concretos, 64 após sopcsamcnto ou, se for o caso, aplicação da regra da
proporcionalidadc, 65 é possível definir o que definitivamente vale. A
casos e~ que o sigilo bancário poderá ser quebrado, é uma regra que
restringe o direito à pri\'(rcidadc. E, como ainda será visto adiante, a
definição do conteúdo definitivo do direito é, portanto, definida a regra contida no art. 31 da Lei de Arbitragem (Lei 9.307 /1996) res-
partir de fora, a partir das condições fáticas e jurídicas existentes. tringe a garantia de acesso amplo ao Judiciário, enquanto o sigilo ele
correspondência é restringido pelas regras contidas no art. /0 da Lei
6.538/1978.
61. Mandamentos de otimi::.açiio = normas que exigem que algo seja realizado Todos estes casos, c inúmeros outros, envolvem regras que proí-
na maior medida possível diante d<4' condi._:ões fáticas e jurídicas existentes.
62. Na jurisprudência do STF, cf.. por todos. RTJ I 73. X05 (X07-808) (MS
bem alguma conduta que é permitida prima facie por algum direito
23.452). Para mais decisões no mesmo sentido. cf. nota de rodapé 63 no Capítulo 6. fundamental, ou autorizam alguma ação estatal cujo efeito é a restri-
63. Cf. tópicos 4.2.2 e 2.2.1. ção da proteção que um direito fundamental prima facie garantia.
64. Em face de algumas possíveis incompreensües. é importante esclarecer o Muitos desses casos são com freqüência entendidos como uma coli-
que significa caso concreto. A expressão "caso concreto" pode significar duas coisas
distintas: (I) caso concreto pode significar. na forma como pode ser compreendida são entre um princípio c uma regra. Como já foi dito anteriormente,
também em sua acepção não-técnica, a decisão de um caso específico por parte do apenas em casos excepcionais isso ocorrc.<'x Em geral a aparente coli-
Judiciário (o exemplo mais usual é a colisão entre a liberdade de imprensa c o direi- são entre um princípio e uma regra nada mais é que o resultado de um
to à privacidade, honra ou imagem): (2) mas caso concreto pode também significar processo de restrição ao princípio, cuja expressâo é a regra. Um exem-
algo menos concreto ou. pelo menos. mais distante daquilo que usualmente se costu-
ma entender por isso. jú que aponta. nessa segunda acep._:ão. a uma decisão do legis-
plo pode deixar esse raciocínio mais claro:h 4 muitos poderiam imagi-
lador acerca da colisão entre direitos fundamentais. Uma tal decisüo legislativa, se. nar que existe uma colisão entre o princípio da liberdade de imprensa
por um lado, é mais abstrata que uma decisão judiciaL não deixa de ter também sua c a regra do art. 76 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
dimensão concreta, já que o legislador não se preocupa. nesses casos. com a impor- 8.069/1990), que exige que as emissoras de TV, no horário recomen-
tância geral e abstrata de dois direitos fundamentais, mas sua irnportiincia relativa. em
uma situaçiio hipotética. Exemplo dessa acepção seria. entre outros. a atividade legis-
dado para o público infanto-juvenil, exibam apenas programas com
lativa que cria um tipo penal de calúnia (CP. art. 138 ). O "concreto". nesse ponto, não
é um caso específico que acontece na realidade. mas a situação hipotética, descrita e
''resolvida" pelo legislador em um certo sentido- a favor da honra. em detrimento da 66. Quando aqui se fala em .. ,e~ra o conceito é aquele que foi fixado no
liberdade de expressão-. que pressupüe uma decisão acerca de um direito e de suas Capítulo 2.
restrições. 67. Cf. tópico 3.3.3.
65. Sobre os casos em que se deve reconcr a um (sopesamento) ou ao outro 68. Cf. tópico 2.2.3.3.
(proporcionalidade). cf. tópico 4.4.5. 69. Para outros exemplos. cf. tópico 2.2.3.3.
14~ DIREI IH-; n:r,;I>A.'vllóNTAIS: CON I El'DO f-:SSU\CIAL. RESTRI('(lléS I· EHC..\( 'L\
RLSTRIÇÜES ,\DIREITOS H 'ND,\Mf'NTAIS

finalidades educativas. artísticas, culturais e informativas. Tratados


pios. Et~ outras palavra~: pode ser que L~ma dada situação de coli~~oJ'
isoladamente, com certeza hà, aqui. uma colisão. Mas o art. 76 não é
amda nao tenha stdo obJeto de ponderaçao por parte do legislador. -
produto de um simples julgamento de conveniência do legislador. mas
o resultado de ttm sopeswnento entre princípios (liberdade ele impren- Nesses casos, ~abe ao juiz. no caso concreto. decidir qual princí-'
sa e protec;ão da criança e do adolescente). Como, nesse caso. a pro- pio deverà prevalecer. Quando isso ocorre, há também uma restric;ão
tec;ão ~~criança e ao adolescente prevalece, tem-se a impressão de que ao direito fundamental que é garantido pelo princípio que teve de
hà um cont1ito entre a regra que exige uma determinada programação ceder em favor do princípio considerado mais importante. Essa restri-
c o princípio que institui a liberdade de imprensa. A relação, contudo. ção, no entanto. não encontra fundamento em uma regra da legisla<ç'ão
não é essa: a regra impõe uma restrição à liberdade. nâo colide com infraconstitucionaL mas apenas na competência do juiz em tomar a
ela: a colisão ocorre antes. entre os dois princípios mencionados. cuja decisão naquele caso concreto. Essas r~strições, portanto, são basea-
~ sohtç·âo se expressa na regra. É claro que se poderia, então, dizer q~te das em princípios e realizadas por meio de decisões judiciais.'-'
a restrição não é baseada na regra, mas no princípio da proteção à
criança e ao adolescente. Embora isso não seja incorreto, essa forma •
4.2.2.2 Críticos à teoria externa
de reconstruir o problema ignoraria a função que a regra tem no orde-
namento jurídico. 70 Além disso, isso encobriria a diferença que se quer A despeito de ser aceita, no âmbito dos direitos fundamentais, por
marcar entre o analisado neste tópico e o analisado no tópico seguinte. diversos autores, 74 a teoria externa é alvo de diversas críticas. Algu-
E foi justamente para marcar essa diferença que se chamou a hipótese mas delas pretendem abalar os próprios pressupostos dessa forma de
tratada aqui de "restrição por meio de regras", enquanto a hipótese a reconstruir a relação entre o conteúdo ·cios direitos e suas restriçõcs. 75
ser analisada no tópico seguinte é denominada "restrições baseadas
em princípios".
T2. "Legislador", aqui, é termo empregado em sentido amplo. e envolve qual-
quer forma de produção normativa- incluindo. por exemplo, medidas provis<írias e
decretos.
4.2.2.1.2 Restrições baseadas em princípios 73. f: claro que aqui também há semelhanças com o que foi analisado no tópico
anterior. já que o resultado do sopesamento entre dois princípios também na sentença
Materialmente falando, as restrições a direitos fundamentais são judicial tem a estrutura de regra. Mas as diferenças entre os dois casos também fica-
sempre baseadas em princípios. 71 Como foi visto acima e jà foi diver- ram claras. Como se verá adiante (ef. tópico 4.4.5), essa diferença está na base da
sas vezes repetido neste trabalho, as restrições a direitos fundamentais opção entre a aplicação ela regra da proporcionalidade ou de simples sopesamento.
74. Cf.. por exemplo: Robert Alexy, Tlzeorie der Grwulreclzte, pp. 290 e s_,_
ocorrem porque dois ou mais princípios - com suporte fático amplo !tradução brasileira: pp. 321 e ss.]; Rolf Eckhoff. Der Grundrcchtseingrijf, pp. 13 c
- se chocam. A solução dessa colisão sempre implica uma restrição a ss.: Martin Borowski, Grundrechte als Prin::.ipien, pp. 29 e ss. e 99 e ss.: Andreas von
pelo menos um dos princípios envolvidos. Formalmente, no entanto. Arnauld. Die Freiheitsrechte und ihre Sclzranken, pp. 15 ss. e 48 ss.: Petcr Lerchc.
"Grundrechtlicher Schutzbereich, Grunclrechtspragung und Grunclrechtseingritr. in
a rcstric;ão poderá ocorrer de formas diversas. Acima já se viu que. em
.losef lsensee/Paul Kirchhof (orgs.), Handhuch des Staatsreclzts der Bundesrepuhlik
geraL as restrições a direitos fundamentais são expressadas por meio Deutschland, v oi. V, § 121, Heiclelberg, C. F. Müller, 1992. n. 8. p. 744.
de regras presentes na legislação infraconstitucional. Mas pode ser Em português, cf. Jorge Reis Novais, As restrições aos direitos fundamentais
que não haja regra alguma que discipline a colisão entre dois princí- nâo npressamente autorizadas pela constituição. pp. 322 e ss. e 357. Novais é. na
verdade, partidário ele uma teoria "eclética", mas fortemente influenciada pela teoria
dos princípios. A despeito de considerar a teoria de Alexy uma teoria autônoma. que
70. Sobre esse debate, cf.. por todos. Martin Borowski. Grundrcclitc als !'rin-
não se enquadra nem nos pressupostos ela teoria interna, nem nos da teoria externa
~ipien, pp. 107-lOX. (cf. nota ele rodapé 57, acima), no marco teórico deste trabalho, é possível incluir
71. Cf. Martin Borowski, Grwulrcclzte ais Prin::.ipien. p. 107. Novais entre os defensores da teoria externa.
75. CL por exemplo, tópico 4.2.2.2.1.
1-+4 ll!RI.ITOS ll 1\ll.\\IE:\T.-\IS CO:\TU :Jlo FSSENCIAL. RESTRI<,'(>ES E 1:11< c\ C!.-\ RFSTRJ<,'{JLS .-\ DIRIJ lOS HiNIJA:--.IFNTAIS

outras visam a atacar algumas de suas conseqüências, seja no plano Como ambos se encontram em níveis diferentes,x 3 o argumento da con-
teórico e metodológico, ~> seja no plano prático. 77
7
tradição lógica não se aplica. A crítica só seria procedente se se tratasse
de um direito garantido de forma definitiva mas cujo exercício fosse ve-
Como o embate entre as teorias interna e externa ainda é, como
dado. Ou seja: se uma regm garantir um direito, o exercício desse direito
já mencionado. um debate ainda pouco conhecido na dogmática dos
não pode ser impedido. No nível das regras~ que é o nível da teoria in-
direitos fundamentais no BrasiL nos próximos tópicos pretendo expor
terna por excelência'' ~ o raciocínio da contradição lógica faz sentido.
essas críticas na forma como desenvolvidas sobretudo na Alemanha 7 '
No âmbito dos princípios~ que é não somente o âmbito da teoria externa,
e em Portugal. 19 Como as críticas são de naturezas muito diversas, ao
mas o âmbito dos direitos fundamentais por excelência~, não.
invés de se destinar um único tópico. ao final, para tentar explicitar o
flUe se considera como seus pontos fracos, parece-me mais recomen- •
dável que a "anticrítica" seja exercida junto com a exposição das pró- 4.2 .2 .2 .2 Ilusão desonesta
prias críticas.
Um<\das principais críticas feitas à teoria externa~ como a teoria
dos princípios, por exemplo ~ consiste em afirmar que, ao se pressu-
4.2.2.2.1 Contradição lógica por a existência de um direito em si, em geral de contornos amplos.
mas garantido apenas prima facie, tal teoria criaria, na verdade, uma
Sobretudo no âmbito do direito civil, a teoria externa é censurada ilusão desonesta: quase nunca o que é garantido primafacie é também
por estar baseada em uma impossibilidade lógica. É impossível, segun- uarantido definitivamente. Tal sentimento de desilusão pode ser veri-
do essa linha crítica, que um direito seja garantido em sua inteireza e, ficado, por exemplo, quando se diz que "a lei constitucional tal como
ao mesmo tempo, seu exercício seja, no todo ou em parte, proibido.xo interpretada pela doutrina c pela jurisprudência( ... ) coloca-nos diante
Assim, se um direito é exercidt), não pode esse exercício ser considera- de miragens: garante-nos direitos constitucionais supremos que, ao
do ilícito. Das duas, uma: ou o exercício do direito em questão consistiu querer toca-' Ios ... LIesaparecem " .X)·
em um ·'agir sem direito";x 1 ou o exercício não pode ser vedado. De fato, a distinção entre direitos prima facie e direitos definiti-
A resposta a essa crítica é o próprio pressuposto teórico da teoria vos, associada a um suporte fático amplo para os direitos fundamen-
dos princípios. Há uma diferença entre o direito prima facie, garan- tais, pode, com freqüência, causar a impressão de que se promete mais
tido por um princípio, e o direito definitivo, garantido por uma regra do que se pode cumprir. Se isso for assim, não há dúvida de que esta-
que seja o produto do sopesamento entre dois ou mais princípios. xl ríamos diante de uma desonestidade baseada em ilusões. Mas não é o
caso. Nesse ponto, talvez por ser bastante incisiva, vale recorrer à tese
de Borowski, segundo o qual aquele que, apenas com base em um
76. Cf. por exemplo. tópicos 4.2.2.2.2, 4.2.2.2.3 c 4.2.2.2.6.
77. Cf, por exemplo, tópicos 4.2.2.2.4 c 4.2.2.2.5. direito prima facie. definido a partir de uma perspectiva da teoria ex-
7'1'.. Para uma aprofundada anúlisc crítica dos argumentos contdrios à teoria ex-
terna no debate alemão, cf. por todos. Martin Borowski, Gmndreclzte ais Prin::.ipien,
pp. llJ0-204. X3. Idem. p. 191.
79. Para o caso português- mas também influenciado pelo debate alemão-. cf, 84. Cf tópico -t2. 1.
por todos, Jorge Reis Novais. As restri('tks aos direitos fundamentais não expressa- 85. Mariano F Grondona, La reglamentaciôn de los derechos constitucionales,
mente autori::adas pela Constituiçiio. pp. 292 e ss. Buenos Aires: Dcpalma. 19S6. p. XL Não muito diferente era a crítica de Karl Marx
XO. CL Wilhclm Wcber, Reclzt der Sclwldverhiiltnisse. p. 750: Wolfgang Siebert, às declarações de direitos das Constituições francesas, sobretudo à de 1848. Segundo
\'erwirkung und Un::.uliissigkeit der Reclllsausiibung. Marburg: Elwert. 1934, p. XX. ele, essas declaraç!->es consistiam no .. artifício de prometer liberdade totaL de garantir
XI. Nesse sentido, cf Mareei Planioi!Georges Ripert, Traité élémentaire de droit belos princípios e deixar a sua aplicação, os detalhes, para a legislação infraconstitu-
civil. voi. I L ~ 871. p. 2lJR. cional'' (Di e Konstitution der jiwr:.ôsisclten Repuhlik. MEW 7, Berlin: Dietz, 1973,
'1'.2. Nesse sentido. c f Ma11in Borowski, Grwulrechte als Prin::.ipien. pp. 190-ll) L PP- 503-504 ).
1-ló DIREITOS l'lii\:DAMENTAIS: CON li: LIDO LSSENCIAI. RESTRI('(JLS 1. U·IC.\CI \ RFSTRI(,"ÜES A DI RI:! fOS ITND;\\1E~ I \IS 1-\7

terna, nutre esperanças de um direito definitivo "cria expectativas sem de que não é possível buscar uma racionalidade que exclua, por com-
fundamento". 86 Segundo ele, a decisão acerca do direito definitivo de- pleto. qualquer subjetividade na interpretação e na aplicação do direi-
rivado de u_m direito prima facie depende sobretudo dos direitos que to. Exigir isso de qualquer teoria é exigir algo impossível. Muitos
com ele colidem e de seu peso relativo no caso concreto. Assim sendo, daqueles que vêem no sopesamento um método irracional e extrema-
um direito prima.facie não fundamenta uma pretensão a determinado mente subjetivo de aplicação do direito parecem supor que outros
direito definitivo, mas apenas uma pretensiio a um sopesamcnro entre métodos - sobretudo a subsunção - seriam capazes de conferir uma
princípiosY , racionalidade quase perfeita. Como será visto a seguir,'n a subsunção.
apesar de ser formalmente uma operação lógica, apresenta problemas
de fundamentação substancial semelhantes aos de qualquer teoria. O
~ 4.2.2.2.3 Racionalidade
que está em jogo aqui, portanto, não é srmplesmente um método de
, . Uma das críticas metodológicas mais freqüentes à teoria dos prin- aplicação não-positivista em comparação com métodos positivistas. A
crpros de Alexy- que, por extensão, vale também contra algumas va- análise da racionalidade do sopesamento não pode ser feita nesses

riantes da teor~a extern~ :=-é aquela relacionada à racionalida~ie do pro- termos, até porque a interpretação e a aplicação do direito não são
cesso ele soluçao de coiisoes entre princípios, o sopcsamento. Em linhas consideradas, nem mesmo entre positivistas, como um processo estri-
gerais. tal crítica ataca o sopesamento por lhe faltarem critérios racio- tamente racional e objetivo. Basta, neste ponto. a menção ao enfoque
nais de ~ec,idibilidade. ~egundo essa linha crítica, todo sopesamcnto kelseniano sobre o assunto. Segundo Kelsen: ''( ... ) o direito a ser apli-
nada mars e que um deCisionismo disfarçado. cado constitui( ... ) apenas uma moldura, dentro da qual existem diver-
Em t_rabalho anteriorSx empenhei-me em refutar os principais arau- sas possibilidades de aplicação, sendo considerado conforme ao direi-
m~r_Jtos ligados à racionali4tde do sopcsamcnto, sobretudo aqueles ~ to todo ato que se mantenha dentro dos limites dessa moldura, isto é,
utrlrzados por Friedrich Müller,x 9 Jürgcn Habermas.'x' Bernhard Schlink9' que preencha a moldura com algum sentido pos.\ÍFel". 94
e Ernst- Wolfgang Bückenf0rde. 92 Aqui, pretendo apenas apontar alguns Kelsen é enfático em sublinhar que não se pode falar, no direito,
argumentos. ~
em uma única resposta possível para os problemas interpretativos e de
O ponto de partida para um debate acerca da racionalidade de aplicação. A decisão do juiz não é, portanto. a única. nem a melhor,
qualquer forma de interpretação e aplicação do direito é a percepção mas, por razões de competência, aquela que vinculará aqueles ligados
à decisão. 95 Não existe, ainda segundo Kelsen, qualquer método que
permita, diante das possibilidades interpretativas de um dispositivo
86. Martin Borowski, Grwulrechtc ais Prin:.ipien. p. 197.
87. Idem. legal, definir qual delas é a correta. 96 Isso porque a tarefa da interpre-
88. C f. Virgílio Afonso da Silva. Gmndreclzte wul f?cset:.~cherisclw \{Jielrdume tação não é cognitiva- ou seja, não é descobrir um sentido correto de
pp. 89-l 12. . ' . '
um dispositivo -, mas um ato de vontade, para o qual concorrem ra-
89. Cf. sobretudo Friedrich Müller. Juristisc/w Met/wdik. 6'' ed .. Berlin: Duncker
& Humblot. 1995, pp. 62 e ss .. e. do mesmo autor. Strukturicrende Rcclztslehre. ~·' ed ..
zões de natureza moral, de concepções de justiça. de juízos sociais de
Berhn: Duncker & Humblot. 1994. pp. 207 e ss.
, lJO. Cf. sobretudo Jürgen Habermas. Fakti:.Jtlil und Gcltwzg. Frankfurt am Main:
Suhrkamp
. . • 1997-·. pp · 310 e ss· ., e , dcJ mesmo autor. D.1e 1·· f · 1
:111 >eZLe wng des Anderen. 93. Cf. tópico 4.2.2.2.4.
hankturt am Mam: Suhrkamp, l9lJ9. p. 368. 94. Hans Kelsen. Reine Rechtslehrc. ~" ed .. Berlin: Deuticke. 1960. p. 348 (sem
91. Cf. sobretudo Bernhard Schlink, AhH'iigwzg im Verjássungsreclzt. Berlin: grifos no original). É necessário salientar. contudo. que a menção a Kelsen e aos po-
Duncker & Humblot, 1976. p. 127 e ss. sitivistas não significa. por razões óbvias. que compartilho de sua postura acerca da
. 9~. C f. sobretudo Ernst- Wolfgang Bockenfiirde ... Vier Thesen ~:ur Kommunita- interpretação e da argumentação jurídica.
nsmus-Debatte". in Peter Siller/Bertram Keller (orgs.). Rechtsphilo.wr>lzische Kontro- 95. Hans Kelsen, Reine Rechtslclzre. p. 349.
l'ersen der Gcgcmvart. Baden-Baden: Nomos. l ')99. pp. 83-86. 96. Idem.
14~ lllRI:JI OS li ;'\IJ \\11::\ L\IS: CO I\ IL(:Do I:SSE:--iCIAL. RESTRI<JJES 1: EFICACIA RI::SIRI('(JES A DIREITOS H INDAMF~TJ\IS
14')

valor etc."" A racionalidade possível, portanto, até mesmo entre posi- gico quase ingênuo. Imaginar que existe alguma possibilidade de apli- .....,..... 1
tivistas. não pode ser aquela em que ao juiz reste apenas a tarefa me- cação do direito que esteja protegida contra algum tipo de subjetivismo
cftnica de uma opera\ão estritamente lógica. Aquele que crê nessa do intérprete seria uma ingenuidade. Mesmo nos casos de ··simples··
última possibilidade tem o ônus ela prova para demonstrar sua viabi- subsunção. nos quais rnuitos imaginam haver uma simples operação
lidade metodológica. lógico-formal, o grau de liberdade do intérprete/aplicador do direito
O que se pode exigir. portanto, de tentativas de elevação da racio- não é necessariamente pequeno. Embora a subsunção seja, de fato, um
nalidade ele um procedimento ele interpretação e aplicação do direito, método em que a conclusão deve decorrer logicamente das premissas,
como o sopesamento. é a .fixaçao de alguns parâmetros que possam a própria fundamentação dessas premissas e a interpretação dos ter-
attllzentar a possibilidade de diálogo intersubjetivo, ou seja, de parâ- mos nelas contidos não são um processo lógico. Nesse âmbito. o grau
hwtros lflte permitam algum controle da argumentaçâo. 9 x É o que se de racionalidade possível não é diferente fiaquele presente no sopesa-
vem tentando fazer neste trabalho até aqui, e o que se fará até o seu mento ou na fundamentação de qualquer proposição jurídica. 100
tina!. Exigir mais que isso seria desconhecer as características do pro-
cesso de interpretação c aplicação do direito. . " .
Na verdade, o grau possível de segurança jurídica está ligado a
. ' .
urcunstanCias as quais os operadores do direito não costumam dar a
devida atenção. Se segurança jurídica puder ser traduzido. entre outras
coisas, como um mínimo de previsibilidade na atividade jurisdicional,
4.2.2.2.4 Segurança jurídica a forma mais segura de alcançá-la não passa apenas pela definição de
Uma das principais críticas à forma como algumas variantes da métodos que possibilitem controle intersubjetivo - nesse ponto. tanto
teoria externa propõem que colisões entre direitos fundamentais sejam a subsunção quanto o sopesamento possjbilitam tal controle. A verda-
solucionadas- o sopesamento- é aquela que diz respeito a um aumen- deira prcvisibilidade da atividade jurisdicional se dá a partir de um
to na insegurança jurídica. • acompanhamento cotidiano e crítico da própria atividade jurisdicio-
O argumento é simples e está diretamente ligado à crítica acerca nal. Tal acompanhamento é tarefa precípua da doutrina jurídica. É
da racionalidade do sopesamento. Se o sopesamento não é um proce- papel dos juristas exercer um controle social da atividade jurisdicio-
dimento racional para a solução de colisões entre direitos fundamen- nal. É somente a partir da assunção dessa tarefa, na forma de pesqui-
tais. a decisão, em todos os casos que envolvam tais colisões, é algo sas jurisprudenciais sólidas e abrangentes e por meio de comentários
que depende. pura e simplesmente, da subjetividade do juiz. Já se ten- a decisões importantes de tribunais como o STF, que o grau de previ-
tou demonstrar acima que o sopesamento não é- ao contrário do que sibilidade de decisões poderá ser aumentado. É a partir da cobrança
alguns críticos tentam fazer crer - um processo necessariamente irra- de consistência e coerência em suas decisões e do conhecimento da
cional c exclusivamente subjetivo. 99 O problema da insegurança jurí- história jurisprudencial do tribunal que cada um de seus membros fi-
dica fica. pelo menos em parte, afastado a partir da possibilidade de cará sempre compelido a ser coerente -e, por conseguinte, mais pre-
algum grau de racionalidade no sopesamento. visível- em suas decisões. 101 Segurança jurídica não é algo que decorre
Mas a segurança jurídica não depende apenas do método de apli-
cação do direito e de solução de colisões entre direitos fundamentais. I00. Sobre o problema da fundamentação das premissas em um processo de
Crer que isso seja possível seria partilhar de um otimismo metodoló- subsunção, cL. por todos. Jerzy Wróblewski. ''Legal Syllogisrn and Rationality of
Judicial Decision '', Rechtsthcorie 5 ( 1974 ). pp. 33 e ss., e Robert Alexy, Theorie der
)urislischcn Argumcntation, pp. 373 c ss.
<17. Idem. p. 35 I. 101. Atualmente o grau de remissão a seus próprios precedentes no âmbito do
()8. Nesse sentido, cf., por todos, Ana Paula de Barcellos, Ponderaçüo. raciona- STF ~ baixíssimo. A não ser em casos que se repetem com enorme freqüência, a re-
lidade e atit·idmle jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar. 2005. ferência a precedentes é algo menos freqüente do que poderia ser. Um exemplo disso
99. cr. tlípico -+.2.2.2.3. '-' a decisão no "caso Ellwangcr" ( HC R2.424, RTJ 1RX, 858). A despeito de muitos
150 DII~EII OS Jlll\ J) •\r'v!EI\1/\!S CO,\i !LI IDO LSSLi\C 'I ,\1 . 1n:s I RI(C >ES I' ITIC·\C!i\ RFSI RICJli:S .\ IJIRLJTOS HINDMv!ENI/\IS I SI

pura c simplesmente do método. Se. como foi visto acima. a racionali- Ao fazer uma vinculação direta entre uma questão substancial e
dade no discurso jurídico é. em grande medida. a possibilidade de diá- uma questão processual. tal crítica ignora algumas c01_1dic_i(~nantes que
logo intersubjetivo. a segurança jurídica também é decorrência desse se inserem entre uma e outra. Embora possa parecer mtu~trvo que um
diálogo. Mas para existir diálogo é necessário um discurso bidirecio- ~nunento no âmbito de proteção dos direitos fundamentais e o conse-
nal. Não apenas a comunidade jurídica recebe as decisões do STF (ou üente aumento no número de colisões entre eles tendam a ser acom-
de outros tribunais). como também tem o dever de reagir a elas e co- ~anhados de um au_mento d? _pretensôes judiciai_s, _há el~mentos- subs-
brar coerência e consistência quando entender que os tribunais não tanciais, processuais e ernpmcos -que podem fmnecet argumentos no
estejam decidindo de acordo com seus precedentes. 102 Insegurança sentido contrário.
jurídica está intimamente ligada à idéia de decisão ad /zoe. algo que Do ponto de vista suhstancial. pode-."c afirma~ q~e_o número ?e
só é possível quando não hü controle. independentemente do método situações que poderiam dar ensejo a uma pretensão JUdtct<~ verd~1de1ra
•de interpretaçüo c aplicaçúo do direito c da teoria que suhjaz a esse _ isto é, com alguma chance de êxito - não tende a s~r tao mato~ n~
método. âmbito d<\ teoria externa. Se se compreende que a teona externa ~ao e
uma teoria normativa, mas uma reconstrução teórica, não se pod_e Ima-
ginar que ela pretenda prescrever o que deve occ:rrer -_ou. S~Ja, por
~xemplo, que todo direito primafacie deva ser plett~ado ~~~dtc~alme~­
4.2.2.2.5 Inflação judiciária
te.ro\ Nesse sentido - e para usar o exemplo de Muller -, d teona
1
Aliado às críticas anteriores está o argumento segundo o qual uma
externa nâo prescreve que o artista que pretende montar seu caval~te
teoria externa, em conjunto com um suporte fático amplo dos direitos
de pintura 110 meio de um cruzamento movimentado deva necess~na­
fundamentais, Jem conseqüências não apenas materiais, mas também mente ter sua pretensão satisfeita. Embora reconheça que tal ato e um
processuais e na organiza<,·ão judiciária. Segundo essa linha, a partir exercício da liberdade artística, desse reconhecimento não decorre qu_al-
do momento em que quase totia ação pode ser subsumida a uma nor- quer juízo normativo. Nesse sentido, pode-se dizer que as ~retensoes
ma que garanta, ainda que prima facie. um direito fundamental, a judiciais com chances de êxito podem ser tão gran_des na teona externa
quantidade de colisões e. sobretudo. de pretensões ligadas a direitos quanto no âmbito da teoria interna. 10 ' Para menciOnar apenas um pe-
fundamentais tende a explodir. Com isso, no plano processual -que é
• o que interessa, neste ponto-. a conseqüência seria também uma ex-
plosão no número de ações perante o tribunal competente para julgar !03. A rejeição de um caráter normativo, ayui, deve ser compreendida em ~one­
xão com aquilo que já foi exposto anterionnente acerca do enfoque metodologrco
tais colisões- no Brasil, em última instância, o STF. deste trabalho (cf. tópico 1.3.3). Jü ficou claro. portanto, que o tr~balho tem. stm, un:a
dimensão nonnativa. Aqui, contudo. quando se faz a contraposrçao entre reconstruçao
teórica e caráter nom1ativo. e quando se afasta esse últuno, quer-se apenas ressaltar
Ministros afinnarem ter sido essa uma das decisões mais importantes na história re- que não é possível definir apenas a pat1ir dos tennos da teona externa quando: e~ c_ada
cerlte do Tribunal. impressiona perceber yue não há sequer uma referência a decisôes .· . , - a. Igo e' pro te "'
srtu,tçao, a ido dcfinitiv·unentc por um dtrerto fundamental. Isso se na l<tre-
' . . _ . ,' _ . , .
anteriores do mesmo STF nos votos de vários dos Ministros, como se fosse a primei- fade uma teoria normativa de cada drrerto fundamental especrhco. O ca:ater normati-
ra vez yue o STF estivesse decidindo sobre Iiberdade de expressão ou racismo. vo que se aceita neste trabalho é de outra natureza: normallvo, aqut, r~fere-se apenas
I 02. Aqui não é cabível o argumento simplista segundo o yual no Brasil os a um modelo, a um procedimento. Assim, o yue se pretende prescrever e, por exemplo.
precedentes não têm a mesma força yue têm nos países da família da Common Law. uma f.onna d e con1pre er1der 'as rela<'(-Jes
' ~ . entre o sU!lorte
- fátrco dos drrertos fundamentms
Não se quer, aqui. falar em precedente yue vincula estritamente - o que não ocorre e as restrições a esses direitos.
nem mesmo na Common f.aw -, mas de precedente que cria c>nus argumcntativo. I 04. C f. tópico 3.3.1.!.2. . . , ._
Mudar de posição é sempre possível, e em muitos casos inafastável. Mas isso, no caso 105. É claro que seria possível indagar. dtante dtsso. se ha alg_uma drferença
daqueles que exercem o poder jurisdicional. só é possível dejiJm/(/ )illldwnenrada. Se entre as teorias. Essa indagação. que também é produto de uma contusao entre te~>nas
existem precedentes em sentido contrário, surge um íínus ar_gumentativo para deles se normativas e reconstruções teóricas, será objeto de análise mais adrante (cf. toprco
desvencilhar. que não pode ser ignorado. 4.2.3, abaixo).
RES I'RI~ÚFS A DIREITOS I·IINI lAi\lL'JTAIS 15\
IJIRIJHlS 1·1 ~ll \\11-.'\T.\IS: CO:\IH;Do ESSE!\:< 'IA I .. RES I Rl~'(lES I FI·ICA< 'I.\

qucno exemplo, dificilmente alguém concederia alguma chance de êxito teoria normativa. não é possível tirar conclusües no plano processual.
a uma pretensão judicial de um ladrão de banco que, baseado na liber- A quantidade de ações em um determinado âmbito, qualquer que seja,
dade de locomoção, pretendesse ver declarada a inconstitucionalidade não depende, necessária e diretamente, de questões substanciais. mas.
do tipo penal ""roubo" porque prescreve pena privativa de liberdade. sobretudo, de questões procedimentais.
Do ponto de vista processual, uma tendência a uma explosão no
número de ações baseadas em direitos primafácie a partir do enfoque 4.2.2.2.6 Direitos irreais
de uma teoria éxterna seria de se rejeitar, devido à existência de pre-
cedentes judiciais. Ora, se, hipoteticamente, o número de ações pode- A crítica de que se pretende tratar nesse tópico pode ser bem resu-
fia aurr~entar em um primeiro momento, 106 a existência de precedentes mida com uma pequena transcrição de parte do voto do Min. Maurício
JUdtctats, em um momento posterior, estabilizaria a quantidade de pre- Corrêa no HC 82.424. Segundo ele: ""A ptevisão de liberdade de ex-
tensões em um patamar condizente com as reais chances de êxito de pressão não assegura o direito à incitação ao racismo·. até porque um
cada pretensão. Em outras palavras: ainda que fosse possíveL em um direito individual nào pode servir de salvaguarda de práticas ilícitas,
sem-número de casos, subsumir determinada ação ao exercício de um tal como o•corre, por exemplo, com os delitos contra a honra". 10x
direito fundamental- montar o cavalete de pintura no cruzamento mo- É interessante perceber que muitos daqueles que aceitam os pres-
vimentado, por exemplo-, daí dificilmente surgiria uma real ação ju- supostos teóricos da teoria dos princípios, sobretudo na forma desen-
dicial para garantir tal exercício nessas condições. volvida por Alexy- o que significa a aceitação da teoria externa c de
Por fim, do ponto de vista empírico, parece ser difícil no Brasil um suporte fático amplo para os direitos fundamentais-. muitas vezes
fazer uma crítica à teoria externa com base em uma possibilidade de tendem a não se dar conta de que isso implica aceitar direitos prima
infla~ão judiciária. Aquele 9~e manifes~ar uma crítica _nesse sen~ido facie que muitos não estão dispostos a aceitar. Se se aceita um supor-

r
estara pressupondo que o numero de açoes permanecena controlavel te fático amplo, a conseqüência automática é a aceitação de um direi-
se se pressupusesse uma teoria interna e um suporte fático restrito pa- to amplo de liberdade. Q_,que isso significa'?
ra os direitos fundamentais. Diante do atual número de recursos extra- Isso significa que em um conceito amplo de liberdade devem ser
ordinários, mandados de segurança e habeas corpus que são julgados incluídas, prima facie, condutas que eventualmente sejam considera-
anualmente pelo STF, 107 parece ser difícil supor que uma teoria inter- das imorais ou até mesmo ilícitas. Para ficar em um exemplo simples: .
na, ao restringir os casos em que se pode falar de exercício de direitos a liberdade expressão protege, por exe_~1~um direito à calúnia, à
fundamentais, seja capaz de controlar a quantidade de ações ajuizadas injúria e à difamação. Ainda que possa soar estranho em um primeiro
com base em supostas violações a esses direitos. Com isso fica claro momento, isso é necessário para a coerência da teoria.
que, a partir de uma reconstrução teórica, que não pretende ser uma É óbvio, contudo, que ninguém - nem mesmo os defensores do
suporte fático amplo e da teoria externa- imagina que no direito de-
finitivo de liberdade estão incluídas ações como furtar: ou que no di-
I 06. "Primeiro 1~1omento" é. aqui. expressão que não tem ligação com um Ino-
reito definitivo de liberdade de expressão está incluída a possibilidade
mento real qualquer. E apenas uma fórmula argumentativa que pretende apontar para
uma hipotética mudança de pressupostos. como se fosse possível que a doutrina c a de caluniar à vontade; ou, por fim, que no direito definitivo à liberda-
jurisprudência, em um dado momento. abandonassem uma perspectiva interna e pas- de religiosa está incluída a possibilidade de fazer sacrifícios humanos.
sassem a adotar uma perspectiva externa. Pensar diferente seria, mais uma vez, confundir os planos primafacie
I 07. Apenas nessas três classes de ações foram julgados, nos últimos três anos.
e definitivo, além de imaginar que a teoria externa seja uma teoria
170.460 processos (42.270 em 2005; 49.378 em 2006; c 78.812 em 2007). Se levar-
mos em consideração. ainda, os 190.130 agravos de instrumento julgados no mesmo
período (57.317 em 2005; 57.152 em 2006; e 75.661 em 2007), te;íamos. no total.
360.590 processos julgados, nessas quatro classes de ações. em apenas três anos. to8. RTJ 188, g58 (891).
l'i.+ IJIRITIIJS li '-:D\\11:\1.-\I\ CO'IITIIJO 1-SSLNCIAL. RIS!R!(-(JLS L EFIC.·\CL\
RLSTRI<,'{ll~S A IJIRIJTOS Fl íNDAMEN rAIS l'i'i

normativa que prescreve tais direitos. O que a teoria externa faz- re-
restrita c interna, que festas ao ar livre são exercício do direito de reu-
pita-se- é reconstruir um problema te6rico a par:tir de uma premissa.
nião. essa decisão. por ser definitiva, tem que valer inclusive nos casos
Essa premissa é a de que os direitos fundamentais têm suportes fáticos
amplos c que as restri<;ües a eles são produtos de um sopesamento com em que tais festas não atrapalhem ninguém e tenham algum interesse
público. A flexibilidade, aqui, tende ao zero e. além disso, qualquer proi-
princípios colidentes. Nesse sentido, seria teoricamente inconsistente
bição ele reuniões nesses termos passa a não mais depender de funda-
s~por. por exemplo, _que o direito prima facie à liberdade ele expressão
mentação constitucional - o que, como já foi ressaltado, tem como
nao mclu1 a p~lSSibdidade de caluniar. difamar ou injuriar. Excluir tais
efeito urna diminuição na proteção efetiva dos direitos fundamentais.
aç~)~s do s~1por~e fático significaria abandonar suas próprias premissas
t~oncas. Com Isso. amda que tal vez isso não seja para todos percep- E. corno já se viu acima, nem sempre é possível - como exige
~ t1':'el. t~da a r:_or{(.' dos princípios cairia por terra. fsso porque excluir Vieira de Andrade- saber que conteúdos das normas de direitos fun-

damentais são. de plano, '"constitucionalmente inadmissíveis". 110 Se-
teus açoes do amb1to de proteção da liberdade de expressão significaria
press,upor que há expressões que não são protegidas por esse direito, 0 gundo ele: "Essa delimitação substancial justifica-se, desde logo, pela
que e o pressuposto ele um modelo de suporte fático restrito. Além vantage111 prática de evitar que venha a considerar-se como uma situa-
disso. isso ~ressuporia que o legislador ordinário, ao proibir tais con- ção de conflito de direitos aquela em que o conflito é apenas aparente:
dutas. estana apenas declarando um limite imanente à liberdade de não tem sentido fazer uma ponderação, que pressupõe a consideração
expressão. e não fazendo um sopesamento entre essa liberdade e o di- de dois valores. quando estamos perante um comportamento que não
reito à honra. Tudo isso. como se vê, não é compatível com a teoria dos pode, em caso algum, considerar-se constitucionalmente protegido,
princípios. pois que, não existindo à partida um dos direitos, a solução só pode
Por isso. ainda que soe estranho. faz parte da necessidade de coe- ser a da afirmação total do outro". 111
~ rência ~eórica_ aceitar que aç(~es "proibidas" façam parte elo âmbito de Quanto ao que ele denomina "vantagem prática"- evitar o aumen-

I
p1:otcçao ~!e thre1tos fund~r!1entais. Ta~s <~ções elevem ser consideradas.
[Jilllla !(/( 1e. como excrc1c1o desses direitos, sob pena de uma ruptura
mterna na teona.
Além disso, é fácil perceber o quão tênue é a passagem ela acei-
to nos casos de colisües entre direitos e a conseqüente inflação judiciá-
ria-, isso já foi tratado anteriormentc. 112 No que diz respeito a conteú-
dos constitucionalmente inadmissíveis e colisões apenas aparentes,
talvez seja interessante utilizar um exemplo do próprio Vieira de An-
drade e outro de Friedrich Müller. Segundo Yieira de Andrade não há
~ação ~e ''di~eito_s grotescos" 109 para a aceitação de ações sobre cuja
mclusao no amb1to de proteção de algum direito fundamental não há restrição alguma à liberdade artística se se proíbe um artista de montar
consenso. Para ficar em um exemplo simples: festas ao ar livre, em seu cavalete de pintura em um cruzamento viário. 113 Isso porque tal
lo~al aberto ~o público, estão protegidas pela norma que garante o di- ação está excluída ''à partida", 114 do âmbito de proteção desse direito
reito de reumão (art. 5". XVf)? Para a teoria externa e um modelo de fundamental. O mesmo valeria, no exemplo de Friedrich Müller, para
s~1porte fá~ico amplo a resposta é mais que óbvia: prima facie sim, o caso d~trgJ_nbonista que queira fazer improvisações de trombone
amda que ISS(~ possa ser restringido posteriormente, devido a alguma
e_ventual colisao com outros direitos fundamentais ou interesses cole- li O. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituição
tivo> Para aqueles que sustentam um suporte fático restrito e uma portuguesa de 1976, p. 2117_
teona mterna a resposta poderá ser ncio, mas poderá também ser sim. 111. Idem, pp. 287-2811.
O problema é que, uma vez que se negue, a partir de uma concepção 112_ Cf. tópico 4.2_2_2_5_
li~- CT José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Cons-
tituiç'iio pnrtuguesa de f 976. p. 294. Como se viu anteriormente. esse exemplo é.
109 Cf. nesse senttdo, Chnsttan Suuek. '"Dte Grundreehte dcs Grundoesetzes" originalmente. de Friedrich Müller (cf. tópico 3.3.1. L2)_
JuS 21 ( 1911 I). p. 245. o 114_ José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais na Constituiçüo
portuguesa de l9Hi. p. 2117.
r

I )h DIRI:ITO\ FliNIJA"v!EN IAIS: CO'-' IEl 'IJO ES\U\Cii\L. RE.\ I RI\'(JL\ L EIIC,\Cf,\
RFSTRl\'OES A IJIRI'ITOS ll'C.:ll\\lE:.: J,\1S 157

durante a madrugada. Para perceber, aqui. o problema dessa exclusão necessariamente, conclusões diferentes. 117 É muito possível, portanto,
·'à partida" ele determinadas condutas, poder-se-ia, claro, recorrer a que, ainda que os pressupostos e os meios utilizados na análise cliviljam,
casos menos artificialmente criados, mas é possível também - e mais os resultados sejam os mesmos. Se isso pode ser assim, é de se pergun-
interessante. para os fins ela argumentação - trabalhar com os casos tar se também o seria no caso do objeto de análise deste trabalho.
mencionados. A exclusão ele ambas as condutas da proteção de um
Seuunclo
b Jorae
b Miranda, a rest)osta seria atirrnativa. 11 " Parece-me,
direito fundamental (liberdade at1Ística) tem como conseqüência ina- no entanto, que, mesmo que exista uma grande possibilidade de resul-
fastável a possibilidade- sem qualquer necessidade dejimdamentaçâo tados iguais, quer se parta de uma teoria interna, quer se parta de uma
-de retirar- â força, caso necessário- o pintor que pinta seu quadro teoria externa, isso não significa, de um lado, que os resultados serão
em um cruzamento viário bloqueado, ou seja, no qual não circula, por sempre e necessariamente iguais, c, de outro, que, mesmo que se che-
~alguma razão. em determinado momento. qualquer automóvel. 115 No gue a resultados iguais, a equivalência e a• solidez de ambas as teorias
caso do trombonista, se fazer improvisa<.;c)cs de madrugada é algo não possam, por isso, ser igualadas. Para ilustrar esse segundo ponto- ou
protegido, pouco pode importar se o apartamento do artista tem algum seja, a pec,juena importância que a semelhança de resultados pode ter
tipo de isolação acústica 116 ou se todos os seus vizinhos estejam via- na construção de teorias, modelos e suas respectivas exigências justifi-
jando: ou seja, pouco importa se sua improvisa<.;ão atrapalha alguém. catórias- é possível retomar um exemplo já analisado anteriormente.
Proibi-la ou reprimi-la, aqui nesse caso também. passa a ser uma ques-
No caso da ADI 2566 teria sido possíveL a partir de uma teoria
tão de conveniência, e não apenas por parte do legislador em sentido interna e de um supot1e fático restrito, chegar à conclusão ele que a
estrito, mas, muito provavelmente, até mesmo da autoridade local ou vedação do proselitismo nas emissoras comunitárias é constitucional.
da autoridade policial.
Bastaria aceitar os argumentos da Advocacia-Geral da União: prose-
Em suma: por mais que os exemplos usados pareçam, à primeira litismo não é manifestação da liberdade de expressão, e sua vedação
vista, casos óbvios ele não-p,ote<.;ão de condutas por algum direito nas emissoras comunitárias não constitui, portanto, viola<.;ão alguma a
fundamental, casos de direitos irreais, algumas poucas alterações em esse direito. A partir dos pressupostos da teoria externa c de um mo-
algumas variáveis secundárias podem mostrar que mesmo nesses ca- delo ele suporte fático amplo seria possível argumentar que, a despei-
sos só é possível imaginar algum tipo de restrição ao direito em ques- to de o proselitismo ser conduta protegida por um direito fundamental
tão após um sopesamento com eventuais direitos colidentes. (liberdade de expressão) c a despeito de sua proibição significar, por
conseguinte, uma restrição ao exercício desse direito, pelas razões R I,
R2, R3 ... Rn essa restrição deve ser considerada corno constitucional-
4.2.3 Diferentes teorias e seus efeitos

Não é novidade alguma o fato de que diferentes teorias ou mode- 117. Cf., por exemplo: Robert Alcxy. Tlworie der Cfrundrechre. p. 4X3 [traduçào
los para a compreensão de um determinado fenc)meno não implicam, brasileira: pp. 531-532!; Christian Starck. "Human Rights and Private Law in Ger-
man Constitutional Developmcnt". in Daniel Friedmann/Daphnc Barak-Erez (cds.).
Human Rights in Priva/e lm1', Oxford: Hart. 2003. p. 98: Franz Bydlinski, "Be-
merkungen über Grundrechte und Privatrecht", Osterreichische /.eitschrijt fiir ôffen-
115. CL nesse sentido. Jürgen Schwahe. Pmh/enw der Grundrcchtsdogmatik. tliclzes Reeili 12 ( 1962/63 ). p. 441: Wilson Stcinmetz, A \'Ú/culaç·üo dos particulares
2·' ed .. Hamburg, I ~97, p. 160.
a direitos fundamentais. Sào Paulo: Malheiros Editores, 2004. p. 265: Virgílio Afon-
116. Idem. Schwabe ainda acrescenta que. a partir da exclus;!o a priori de con- so da Silva, A constitucionali::acüo do direito. p. 141.
dutas. no caso do trombonista. uma eventual necessidade de recorrer ao seu instru- 118. Cf. Jorge Miranda. Manual de direito con.llitucional, vol. IV, pp. 336-337:
mento, no meio da madrugada. devido a algum tipo de inspirat,:ào momentünea tam- "Supomos (. .. )que, ao fim c ao resto. os resultados nào scrào muito diversos. adopte-
bém terá que ser considerada como nào-protegida. Poder-se-ia dizer: a inspiraçào se uma [isto é, teoria interna} ou adoptc-sc outra. /isto<;, teoria e.rtenwj até porque
artística acaba ficando restringida ao horário comercial, quem sabe também apenas nenhum direito e também nenhuma rcstriçào podem ser encarados isoladamente. à
nos dias Líteis.
margem dos restantes direitos e dos princípios institucionais que lhes subja7em".
r
l'iX IJIRJ:IT< >S f l :\ll \,\JE'-1 1.·\IS: CO:\ ITl'DO ESSE~( 'IA L RISIKI<JJES 1·: U·J(';\('L\ RESTJ<I<,'(JES A IJIRUTOS FLI"IJAi\IF~L\IS

mente aceita. O teor da decisão, como se percebe, é o mesmo: proibir to e a restrição é uma relação que segue as premissas da teoria externa.
o proselitismo não é inconstitucional. Mas a forma de se chegar a essa @ Embora o sigilo bancário seja considerado, por autores que n:strin-
mesma conclusão é muito diferente. No primeiro caso é a própria pré- ~em o funbito de proteção da privacidade. como algo por ela não pro-
compreensão do que significa liberdade de expressâo e de seus limites ;egido (suporte fático restrito e exclusão a priori ele algumas condutas
imanentes que define o resultado; no segundo caso a constitucionali- ou situações jurídicas), é possível, mesmo assim, imaginar que o que
dade ou inconstitucionalidade da medida não é definida por qualquer resta ela privacidade - ou seja, aquilo que é protegido por seu âmbito
pré-compreensão, mas por argumentos que têm de ser elencados às restrito- possa ser, posteriormente, restringido (teoria externa).
claras e hem-fundamentados. Com isso fica patente que a mera possi- Essa não-necessária relação entre os diferentes modelos de cons-
bilidade de alcançar resultados idênticos não é suficiente para igualar trução elo supotte fático (amplo e restrito) e as diferentes teorias acerca
• ambos os procedimentos. da rclaçao entre o direito e suas restrições•ou seus limites (teorias in-
terna e externa) é algo que se verifica com muita freqüência na expe-
riência daqueles países em que esses problemas são discutidos dessa
4.2 .4 Teoria externa e suporte fático forma. ou• seja: a tendência verificada é muito maior no sentido de se
aceitar uma teori·a externa e, ao mesmo tempo. defender um suporte
Do analisado até aqui, é possível que se imagine que não há dife- restrito do queos-binômlo-s qu-e poderiam talvez ser constclerados como
rença alguma entre a dicotomia suporte fático restrito vs. suporte fá- mais intuitivos -restrito/interna e amplo/externa. Nos dois tópicos a
tico amplo e a contraposição teoria interna vs. teoria externa. Defen- seg~·~--~ssa tendência será analisada, de forma muito breve e como
der um suporte fático restrito seria, então, a mesma coisa que aceitar mera ilustração, com base no debate doutrinário e jurisprudencial
uma teoria interna, enquanto o suporte fático amplo seria um reflexo travado na Alemanha.
da teoria externa. Essa não ~ contudo, uma ligação nem necessária.
nem freqüente.
Não é uma ligação necessária porque, metodologicamente, falar 4.2.4. 1 Pieroth/Schlink
em extensão do suporte fático não implica falar na forma de relação Seria possível, aqui, analisar um sem-número de autores que de-
entre o direito e suas restrições. Isso é perceptível com clareza por fendem uma teoria externa e, ao mesmo tempo, um suporte fático res-
meio ela possibilidade ele se pressupor um suporte fático restrito e, ao tnto para os direitos fundamentais. 119 Como ilustração, contudo. tal-
mesmo tempo, aceitar as premissas da teoria externa no que diz res- vez seja mais importante recorrer a apenas dois autores: Bodo Pieroth
peito à relação entre o direito em si e suas restrições. Para usar os dois e Bernhard Schlink. 120 A razão é simples: como salienta Bückenfürde,
exemplos analisados no final do capítulo 3, seria metodologicamente
possível imaginar as seguintes situações:C) O suporte fático da liber-
dade de imprensa deve ser definido de forma restrita: isso significa, I I Y. C f.. por exemplo: Josef lsensee, "Das Grundrecht ais Abwehrrccht und
entre outras coisas, que programas de rádio ou TV que tenham como ai.-, staatliche Schutzpflicht", in Josef lsensee/Paul Kirchhof (orgs.), Handbuch des
S!aa/srechts der Bwulesrepublik Deutschland, vol. V,§ 111, Hcidelberg: C. F Mül-
único objetivo caluniar alguém ou, ainda, programas de emissoras ler. 1992, pp. 143-241; Klaus Stern, "Die Grundrechte und ihre Schrankcn .. , pp. I.
comunitárias que tenham como objetivo o proselitismo religioso não c ss.; Hans D. Jarass, ·'Grundrcchte ais Wertentscheidungen bzw. objcktivrechtliche
são situações protegidas por esse direito. Isso não significa, contudo, Prinzipien in der Rechtsprechung des Bundesverfassungsgerichts", AiiR li O
que outras condutas protegidas pela liberdade de imprensa não pos- ( 19~5). pp. 3Y2 e ss.; Wolfgang Hoffmann-Riem, "Enge oder wcite Gcwiihrkistung-
sgehalte der Grundrechte·r·, in Michael Bauerle et al. (orgs.). Haben wir ••·irklich
sam ser eventualmente vedadas em uma dada situação. Como se perce- Recht:J. Baden-Baden: Nomos, 2003. p. 71.
~ be, o suporte fático é definido restritivamente (algumas condutas são 120. C f. Bodo Pieroth/13ernhard Schlink, Grundrec!zte - Staa/srechl 11. I (r' cd ..
excluídas a priori do âmbito ele proteção), mas a relação entre o direi- f lcidelberg: C. F. Müller, 2000.
r
I

160 IJIREII OS ll '"ll-'\\11.'\ 1.\1.\ CO'\ ILl iiJ() lcSSI·.:\CL\L, RESTRI\ÚI·.S F Ef-ICÁCIA RI-.S 11<1\"()fS A IJIRI:IIOS li '\IJA\li·NTAIS I f> I

o trabalho de Pieroth e Schlink, nas últimas duas décadas, marcou- e ria uma banalização dos direitos fundamentais c exigiria uma justifi-
continua marcando- geraçücs de novos operadores elo direito, ele fun- cação constitucional para qualquer ação estatal, já que qualquer ação
cionários públicos a juízes. 121 f:, com certeza, o manual de direitos poderia ser considerada uma intervenção no âmbito de proteção de
fundamentais mais lido na Alemanha. Na esfera da relação entre o di- um direito fundamental. 12 ' Por isso. a definição do que é c do que não
reito e suas restriç{)es é, muito provavelmente. um dos trabalhos mais é protegido pelos direitos fundamentais deve ser feita critcriosamente.
citados e tem também grande influência em autores brasileiros. 122 levando em consideração os cânones da interpretação jurídica: inter-
O modelo proposto por Pieroth e Schlink é a mais pura tradução pretação gramatical. histórica. genética e sistemcítica. 126
da teoria externa. Sua proposta de uma sistemática para a solução de Pieroth c Schlink discordam. nesse ponto. frontalmente da teoria
casos envolvendo direitos fundamentais- ou seja. a verificação acerca do suporte fcítico amplo e da forma como.Alexy reconstrói a questão.
ela constitucionalidade de leis que restrinjam direitos fundamentais- é Como já foi visto acima. 127 Alexy defende que toda ação, estado ou
baseada nas seguintes perguntas: (b As situações/condutas reguladas posição jurídica que tenha alguma característica que, i~·oladw~zCI~te
pela lei em questão são protegidas pelo âmbito de proteção de um di- considerdda. faça pm1e do ""âmbito temático" de determmado dtrelto
reito fundamental? @ A regulamentação é uma intervenção nesse fundamental deve ser considerada como abrangida por seu âmbito de
âmbito? @Essa intervenção é constitucionalmente justificável'? 123 Co- proteção, independentel/lente da consideraçâo de outras variáveis. 12 x
mo se percebe. primeiro é definido o âmbito ele proteção de um direi- Pieroth e Schlink. ao contrcírio, defendem que a definição do âmbito
to(= o direito em si); depois se questiona se determinada ação estatal de proteção de um direito fundamental não pode ser feita de forl/la
é uma intervenção nesse âmbito, e se essa intervenção é constitucio- isolada, sem uma análise sistemática de outros direitos fundamentais
nalmente justificável. Em caso afirmativo, estamos diante de uma res-. e de outras disposições constitucionais. 129 A partir dessa análise siste-
trição a um direito fundar~ental (= o direito definitivo). Ou seja: é mática 12oderão ser excluídas algumas ~onci.~ou sit~~lÇ..i?~? jurídicas
possível que uma conduta faça parte do âmbito de proteção ele um di- do âmbito de proteção ele alguns direitos fundamentais mesmo que,
reito, mas seja vedado posteriormente seu exercício, sem que isso mo-
difique aquele âmbito de proteção. Direito e restrições são coisas distin-
tas, ou seja, as restrições são algo externo ao direito. Essas são as linhas 125. Idem. ~ 229, p. 56. Segundo os autores, a liberdade de consciência, se se
p<u1ir de um suporte amplo. protegeria qualquer ação baseada em um convencimento
básicas da teoria externa. como jcí foi visto ao longo deste capítulo. individual de cada cidadão sobre o que é bom e o que é ruim. Diante disso, até mesmo
_Pieroth e Schlink rejeitam. no entanto, um modelo baseado em a proibição ele cruzar o farol vermelho seria uma restrição à liberdade de consciência,
e teria que ser fundamentada constitucionalmente.
um suporte fático amplo. Segundo eles, nada há que justifique uma !26. Nesse sentido - e citando Pieroth/Schlink -. cf. Gilmar Ferreira Mendes.
tendência à ampliação desse suporte. 114 Pelo contrcírio. isso significa- ··Ambito de pmteçáo de direitos fundamentais e as possíveis limitações'". pp. 212-213.
127. cr tópico 3.3.2.2.l.
12X. Cf. Robert Alexy. Theoric der Cirundrechte. p. 291 [tradução brasileira:
121. C f Ernst- Wolfgang Biickentúrde. ··schutzbereich. Eingritl, verfassung- pp. 322-323 ].
simmanente Schranken: Zur Kritik gegenwiir1iger Grundrechtsdogmatik". Der Staat 129. Cf. Boclo Piemth/Bernhard Schlink. Grundrechte - Staatsrecht li. § 233.
-1-2 (2003), p. 166. p. 57. Como visto acima (nota de rodapé 126), Gilmar Mendes sustenta os mesmos
122. Cf.. por todos. os trabalhos de Gil mar Ferreira Mendes e Leonardo Martins. pressupostos teóricos que Pieroth e Schlink sobre a definição de âmbito de proteção.
123. Cf. Bodo Pieroth/Bernhard Schlink, Gmndrechte - Staatsreclzt 1/, 16" ed., Mas. ao mesmo tempo. defende ele também a concepção de direitos funda~entais
~§ 345 e ss., pp. 77 e ss. Essa última questiio é subdividida em 10 outras subquestões. corno princípios, nos termos de Robert Alexy (cf. Gilmar Fen·eira Mendes, "'Ambito
Não é necessário. aqui, entrar nesses detalhes. Para os objetivos deste tópico as três de proteçiio de direitos fundamentais c as possíveis limitações". p. 226). Ambas as
questôes principais são suficientes. posiçôes (Pieroth/Schlink, de um lado, e Alexy. de outro). no entanto, por divergirem
124. C f. Bodo Piaoth/Bernhard Schl ink. Grundreclzte - Staatsrecht 1/, § 230, em um ponto essencial da definição do ãmbito de proteção dos direitos fundamentais
p. 57. (restrito I'S. amplo). parecem ser. pelo menos nesse ponto. incompatíveis.
162 DIRLIIOS rU•dlc\\11'~-IAIS COi\:TU IIJO LSSI·:-.I<'IAI.. RLSTRI('(Jf.S I 1.1 W.\CI \ RFSTRI('(JicS .·\ DIRIJTOS H;~IJ-\\IE:\ 1.\IS

isoladamente consideradas, tais condutas façam parte do .. :ímbito te- nüo-coincidência necessana entre uma teoria externa c UJJJ modelo
mático" desses direitos. amplo de suporte fático para os dircitos.fimdamentai.l. Como se po-
A posição de Pieroth e Schlink é _!Jast~tnte representativa d~) está- derá perceber, a decisão no caso Osho parte de uma teoria externa c.
uio atual da doutrina dos direitos fundamerÍ.titis- i1a Alemanha: 1 ' 0 alia- ao mesmo tempo, de um suporte restrito.
~e. portanto- ao contrário do que se defende neste trabalho -. ;:_!~<!~-~1 O governo alemão em diversas ocasi()es. ao se referir ao movi~
e.\.terna
~------
com um -suporte fático
---::- ----- ----
restrito para os direitos fundamentais.
--------------- - ---- ment~ r~li~ioso Oslu~. _utilizou-se (~e e~~ressões como ":ei~:t'', "psi- ~
cossetta . cultos rehgtosos destruttvos c "pseudo-relrgião . lncon-
formaclas com essas denominações, algumas associaçôes ligadas a
4.2.4.2 Jurisprudência: o caso ~
esse movimento religioso ajuizaram açãç para impedir que o governo
l
Algumas decisões recentes do Tribunal Constitucional alemão voltasse a utilizá-las, sob o argumento de que isso feriria a liberdade
também trouxeram à tona a tensão, existente no interior da teoria de r~_ligião e _dç_ÇJJlto. bem como a separação entre Igreja e Estado.
externa, entre os modelos amplo e restrito para o suporte fático dos Após resmltaclos parcialmente vitoriosos em algumas instâncias c
direitos fundamentais. Essas decisões, sobretudo a decisão no caso completamente negativos em outras, o problema chegou ao Tribunal
Osho, 131 foram motivos de fortes debates, envolvendo, inclusive, juí- Constitucional.
zes do Tribunal Constitucional. De um lado, alguns autores criticaram De um lado, no que diz respeito ao controle ele algumas expres-
o que consideram um retrocesso na jurisprudência do tribunal em di- sões utilizadas - como "pseudo-religião" e "rei igião destrutiva" -, o
reç·âo à restriçâo de seu conceito de suporte fr.ítico. 132 De outro. I ide- Tribunal aceita os termos da teoria externa. A constatação de que uma
rados sobretudo por Wolfgang Hoffmann-Riem, Juiz do Tribunal ação estatal é uma intervenção em um direito fundamental- liberdade
Constitucional alemão, alguns autores comemoraram a mudança de
religiosa - dá início ao controle típico dessa teoria: controlam-se a
orientação.1.1 1 •
proporcionalidade e a constitucionalidade da intervenção. 134
Este tópico pretende fazer apenas uma "breve notícia" do debate.
No caso do uso ele outras expressões- como "seita" c "psicossei-
em primeiro lugar por ser um dos mais importantes. atualmente, no
ta" - o tribunal negou que implicasse alguma intervenção no âmbito
funbito dos direitos fundamentais na Alemanha. e em segundo lugar
de proteção ela liberdade religiosa, por se tratar de manifestações no
por demonstrar a importância ele uma precisa distinção de conceitos
contexto de uma discussão pública já marcada pelo uso de tais deno-
nessa área; além ele, por fim, fechar a questão elo tópico 4.2.4. que é a
minações. Com isso, fica claro que .2 tribunal parte ele um suporte
fático restrito, porque exclui algumas condutas. de antemão, elo con-
130. Cf.. para alguns autores, a nota de rodapé 119. acima. ceito ele intervenção em um direito fundamental. JJ'i Isso ocorre quando
131. BVcrfGE I05, 279. se nega que algumas expressões difamatórias. embora proferidas por
132. Cf., sobretudo: Wolfram Hütling. "Kopernikanische Wemle rückwürts' 1 Zur
agentes estatais, constituam intervenção na liberdade religiosa pelo
ncucren Grundrechtsjudikatur des Bundesverfassungsgerichts··. in Stcfan Muckel
(org.), Kirche und Religion im so:::.ialen Rechtsstaat, Berlin: Duncker & Humblot. 2003: simples fatos ele terem sido utilizadas em determinado contexto.
Wolfgang Kahl, "Vom weiten Schutzbereich zum engen Gewahrleistungsgehalt'", Der
Staat 43 (2004), pp. 167-202: Wolfram Cremer, ··oer Osho-Beschluss des BVertG'".
JuS 43 (2003), pp. 747 e ss. 134. Se se partisse de uma teoria interna, a constatação de uma intervenção seria
133. Cf. sobretudo Wolfgang lloffmann-Ricm. '"Grundrechtsanwendung unter sinônimo ele violação inconstitucional.
Rationalitatsanspruch: eine Erwiderung auf Kahls Kritik an ncuercn Ansiitzen in der 135. É irrelevante, aqui, discutir se a exclusão se deu a partir do ãmbito de
Grundrechtsdogmatik", Der Staat 43 (2004). pp. 203-223: do mesmo autor. "'Ciesetz proteção ou da qualidade da intervenção. Como se viu anteriormente (cf. tópico
und Gesetzesvorbehalt im Umbruch: Zur Qualitiits-Gewiihrleistung durch Normen ... ~.3.2.2.2), tanto uma quanto a outra estratégia seriam uma forma de restringir o su-
Ali R 130 (2005 ), pp. 5-70. porte fático do direito fundamental.
\l\RIITO\ FI ~D.\\IE~T-\IS: CO~TE!Jl)O ESSENCIAL. RESTRI(ÜES E EFIC.·\CI,\ RISIRI~·c)l:s .-\ lliRITIOS FliNDA~HóN \AIS
\h!

A importância de um caso aparentemente sem valor como oca- Ao garantir direitos prima facie, que poderão ser restringidos em
so Osho reside, como já se sublinhou, em um QQSSÍvel início de determinadas circunstâncias, os princípios, como mandamentos de oti-
mudanca de orientação do Tribunal Constitucional alemão em dire- mização, revelam uma de suas características principais, que é a capa-
ção a u;11 m(idero-ae·srtpoí·te-t'átk<:Yre·stfilo-: 1:16 Com isso. divers-~ts si- cidade de serem sopesados. O sopesamento é exatamente aquilo que
tuações qt;c ·cxi-glrl<ll11 ufi1- controle de constitucionalidade mais de- liga- e fundamenta- o caráter inicial e prima facie de cada princípio
talhado passam a ser resolvidas no primeiro passo do controle, que com o dever-ser definitivo nos casos concretos. Ora, é justamente co-
é a definição do suporte fático do direito fundamental em questão. mo alternativa ao sopesmnento e à própria idéia de restrição a direitos
Negada a intervenção no funbito de proteção do direito, a partir de fundamentais que os limites imanentes são concebidos. Além do que
~ alguma forma de exclusão a priori de condutas, o controle encerra- jú foi visto anteriormente neste trabalh~, vale recorrer, neste ponto
i se prematuramente. específico, it definição que Ana Paula de Barcellos dá à idéia de limi-
tes ilnmzentes: '"Por ela se sustenta que cada direito apresenta limites
4.3 Limites imanentes, direitos prima facie lógicos, illlanentes. oriundos da própria estrutura e natureza do direito
e sopesamento e, portanto, da própria disposição que o prevê. Os limitesjá estão cmz-
tidos 1zo práprio direito, portanto não se cuida de uma restrição im-
À vista do analisado até aqui, é possível tirar algumas conclusões posta a partir elo exterior"_ 1w
importantes acerca da relação ele diversos conceitos relacionados às
Como se percebe claramente, ao afirmar que os limites já estão
restriçôes aos direitos fundamentais. Ao abordar o problema elos limi-
contidos no próprio direito, Ana Paula ele Barcellos deixa claro que
tes imanentes. Suzana de Toledo Ban·os, após enunciar algumas das
não pode haver, nos casos de teorias que pressupõem a existência ele
possíveis estratégias de fundamentação- como a cláusula de não-per-
limites imanentes, uma distinção entre o conteúdo primafacie e o con-
turbação, por exemplo -, ch~ga à conclusão, citando Alexy, de que:
''A existência de limites imanentes decorre, em última análise, doca- teúdo definitivo de um direito fundamentaL Esse é, no entanto, o cer-
ráter de princípio das normas de direitos fundamentais e de seus efei- ne da definição de princípios para Alexy. 140
tos considerados dentro elo sistema jurídico". u 7 A partir dessa constatação, fica patente também a incompatibi-
Após a análise feita acima entre os pressupostos das teorias inter- lidade entre a idéia de limites imanentes e a exigência de sopesa-
na e externa. c também em decorrência da distinção entre suporte fáti- mento. Como já ficou claro a partir da análise ela teoria interna- que
co amplo c suporte fático restrito, parece-me que não é possível fun- é a teoria dos limites imanentes por excelência-, se os limites ele
damentar limites imanentes aos direitos fundamentais a partir de sua cada direito são definidos internamente e se não há a possibilidade
conceituação como princípios. ou seja, como mandamentos de otimiza- de restrição constitutiva externa, é evidente que não há qualquer
ção. Ambos os conceitos são. ao contrário, inconciliáveis, como já foi possibilidade de sopesamento entre direitos fundamentais. Não
visto acima. 1 '·' apenas isso: não há nem possibilidade, nem necessidade, já que a
limitação interna faz com que as colisões deixem de existir- o que
l::l(,. \Volf~ang Kahl refere-se a essa mudança como uma "profunda transfor-
mação na do~mática dos direitos fundamentais na Alemanha", que está ainda longe
muito longe de seu desfecho ("Vom weiten Schutzbereich zum engen Gewahrleistun- Scholz (orgs. ). Wegc und Vcrjúhrcn des Vcrjássungslebcns: Festschrijtjlir Pcter {crche
gsgehal('. p 175). :um n5. Gelmrtstag. Münchcn: Beck, 1993. p. 268.
137. Su;:ana de Tolcdo Barros.() princípio da proporcionalidade e o controle de 1.'19. Ana Paula de Barcellos. Pondcra{ÚO. racionalidade e ati1·idadcjurisdicional.
cnnstillwiona/idade das leis restritivas de direitos ji111damentais. p. 170. p. 'i'J.
l 38. Fm sentido nmtrário ~ ou seja, no mesmo sentido de Su;:ana de Toledo 1-10. CL, por todos, Robert Alexy, Thcorie der Grundrechte. pp. 11.7 e ss. jtradu-
Barros -.L· L Dieter I "orerv. "Wissenschaft darf nicht alles 1". in Peter Badura/Ruper1 -;üo brasileira: pp. 103 e ss.l.
lllh
RIS! RI~'(JJ:S i\ IJIRI·.ITOS Fl :\IJ \\IE\1".\IS

afasta, automaticamente, a figura do sopesamento. cuja realização e não apenas declaratória. ~ Assim é que. usando o mesmo exemplo
14

tem como escopo justamente resolver colis<")es. Sem colisões não há já mencionado várias vezes acima, afirma ele: "( ... ) o, pi~tor que colo-
sopesamento. 1 ~ 1
ca o seu cavalete de pintura num cru/.amento de transtto parttcular-
mente intenso tem. pril/la facic. o direito de criação artística. mas. o
posteriori, a pondcraçiio de outros bens. a começar pela vida e i_nt~­
4.3. I Canotilho e os limites imanentes
aridade física do próprio pintor( ... ) levará a impedir que aquele diret-
Para evitar algumas confusües. é preciso esclarecer, por fim, o ~) se transforme. naquelas circunst/incias, num direito definitivo". 14 '
sentido que Canotilho dá ao conceito de limite imanente, visto que é Dessa forma. se houve intervenção externa (a posteriori) ao di-
diferente do sentido apresentados nos tópicos anteriores. Além disso, reito. houve rcstriç-âo. e não a declaraçãi) de limites imanentes.
como Canotilho se refere. ao mesmo tempo, a limites imanentes, a
colisões entre direitos e a restrições externas. 1 ~ 2 uma breve digressão
é necessária, em vista do que foi afirmado no tópico anterior. Não se 4.4 A regra da proporcionalidade
trata, nesse caso, de ·'mistura do imisturável". O ponto central no
Em vários pontos do trabalho já se falou sobre proporcionalida-
argumento de Canotilho é a utilização da expressão ''limites imanen-
de.l46 Nos próximos tópicos pretendo analisar sua estrutura, seus pro-
tes" não como limites apriorísticos revelados pelo intérprete, mas
blemas e sua forma de aplicação. Ao longo da análise que se segue, as
corno produto ele sopesamento entre direitos coliclentes. Nas palavras
ligações da regra ela proporcionalidade com ~m ~nodelo de suporte
de Canotilho: "'( ... ) os chamados 'limites imanentes' süo o resultado
fático amplo e a teoria externa, que em geral nau sao levadas em con-
de uma ponderação de princípios jurídico-constitucionais conducente
sideração nem pela doutrina. nem pela jurisprudência, ficarão cada vez
ao afastamento definitivo, ~um caso concreto. de uma dimensão que,
mais claras. Antes, porém, é necessário que se esclareça o porquê ele
prima facic, cabia no âmbito prospectivo de um direito, liberdade e
chamar a proporcionalidade, que quase sempre é denominada "princí-
garantia". 14 \
pio ela proporcionalidade". de regra da proporcionalidade. 147
Nesse sentido - e como se verá -. aproxima-se sua posição da
tese aqui defendida. Não me parece aconselhável. contudo, o uso da
expressão "limites imanentes". corno jéí ficou claro no tópico anterior. 144. A utiliza~ão da ex Jressão ·'limites imanentes" na obra de Canotilho parece
ser o resquício de posições anteriormente defendidas pelo autor e que. com o empo,
Em primeiro lugar porque a expressão já está marcada como conceito
foram modificadas. Assim. como Canotilho antes defendia a idéia dos limites ima-
contraposto à idéia de restrição produzida por um sopesamento ou nentes na forma como descrita em tópicos anteriores c. com o passar do tempo, foi
ponderação. Em segundo lugar porque não me parece acet1ado deno- dela se afastando. parece que houve uma mudança de posi~ão sem a correspondente
minar imanente um limite que não apenas surge somente com o caso mudança terminológica. Cf.. para exemplo da posi~ão anterior do autor: J. J. Gomes
Canotilho, Direi/o constilllciona!. 3·' ed .. Coimbra: Almcdma. ll)83. p. 468: segundo
concreto, como também dele depende. O próprio Canotilho adverte ele !imilcs imanenles seriam os limites contidos nas próprias disposições constitucio-
-e aqui fica ainda mais claro o uso diverso que faz ela expressão "li- nai~, uarantidoras de direitos fundamentais. Nesse sentido. quando "o legislador or-
mites imanentes"- que a restrição é a postcriori, ou seja, constitutiva, dinári~ reproduzir estes limites imanentes. ele não estará a criar novos limites, antes
confirma. de forma dec/araliva. os limites preexistentes. contidos na Constitui~ão".
Essa é. no entanto. uma posi~ão que ele rejeita. razão pela qual o emprego da expres-
são "limites imanentes" poderia também ser abandonado.
141. Em sentido semelhante. cf. Ana Paula de Barcellos. Pondeut~·iio. raciona-
145. J. J. Gomes Canotilho. Direi/o cotlstituciona! e teoria da Consliltâçüo, p.
lidade e alividade jurisdicional. p. 62.
I .14X (sem grifos no original).
142. Cf. J. J. Gomes Canotilho. Direito conslitllciona! ('teoria da Constiluiçüo,
146. Cf.. por exemplo. tópicos 2.3.3. 3.3.3.3. 4.2.2 e 4.2.2.1.
p. 1.148.
143. Idem.
147. Sobre essa questão terminológica. cf.. com mais detalhes, Virgílio Afonso
da Silva. "O proporcional e o razoável". RT 798 (2002). pp. 23-50.
IJIRI:ITOS l·l 1l'D-\:VIh'\i L\IS CON rló(iDO ESSENCIAl.. RIS! RI<J>I S i i HC\Cl.\ RESTRI~'(JLS A DIREITOS Flir\llt\i'v!LNI.\IS ió<J

4.4.1 Quest/)es terminológicas: nalidade ele regra- como propus em outro trabalho''~- mais compli-
princípio. máxima, regra ou postulado caria que esclareceria. 15 -' Um indício disso seria o fato de que até
mesmo os adeptos da teoria dos princípios. na linha proposta por Ale-
Como se viu no capítulo 2. o conceito de princtíJio que aqui se
xy. reconhecem que a proporcionalidade seria um tipo especial de
adota não tci~1 relação com a importância da norma a que tal denomi-
regra. e não uma regra cornum." 4 Embora o que Borowski e Sieck-
nação se aplica. Princíe.J_o, nos termos deste trabalho. é uma norma
mann chamam de "'!:_egra de !_ipg_~~pecial" seja o conceito de manda-
que exige qu~ algo seja realizado na maior medida possível diante das
condições fáticas e jurídicas do caso concreto. 11 x A proporcionalidade,
mento de otimização, e nãoa proporcionalidade, não h<Í dúvidas de que
a proporcionalidade não é uma regra de conduta. nem uma regra de
como será visto nos próximos tópicos. não segue esse raciocínio. Ao
atribuição ele competências. 15 " Ocorre. que há diversas outras ~·cgras
contrário, tem ela a estrutura de uma regra, porque impik um dever
que também não se enquadram nessas categorias. não apenas a propor-
defin.iti.vo: se for ,o. caso de aplicá-la, essa aplicação não está sujeita a
cionalidade ou a razoabilidade. Para ficar apenas em um exemplo, as
condicionantes faticas e jurídicas do caso concreto. Sua aplicação é.
portanto, feita no todo. 1"') !_!·ês rewas de resolução de antinomias - lei posterior derroga lei ante-
rior, lei superior derroga lei inferior e lei especial clerroga (parcialmen-
. Exc~;tícla a possibilidade ele denominá-la "'princípio da proporcio- te) lei geral- também são regras sobre aplicações de outras r~gras. ~
nal!dacle -pelo menos nos termos deste trabalho-, restam algumas
Não me parece ser o caso de tentar demonstrar se hú um certo e
alternativas propostas pela doutrina. A primeira delas seria a de~10mi­
um errado nesse âmbito. Para aqueles que pensam que não chamar
nação ''máxima da proporcionalidade", que seria a tradução direta do
uma regra de regra apenas porque ela não é uma regra de conduta ou
tern~o alemão .. o problema dessa denominação reside no fato de que,
de competência pode facilitar a compreensão das coisas, o recurso a
na lmguagem JUrídica brasileira, "máxima" não é um termo utilizado
com freqüência e, mais que ~so, pode às vezes dar a impressão ele se outras denominações, como a ele "postulado normativo aplicativo",
tratar não de um dever, como é o caso da aplicação ela proporcionali- pode ser uma saída. Desde que se tenha em mente. claro. que também
dade. mas de uma mera recomendaçtio. esses postulados têm a estrutura de regra.
~or fim, Humberto Á vila sugere que a proporcionalidade seja No presente trabalho, contudo, por achar que a denominação "pos-
considerada como aquilo que ele denomina de postulado nomwti;·o tulado normativo aplicativo" não contribui para um incremento de cla-
apl_icativo. 150 E~n linhas gerais, um postulado normativo aplicativo reza conceitual, dou preferência a chamar a regra da proporcionalidade
s~na, segundo A vila, uma norma que estabelece a estrutura de aplica-
c! e " regra " , tamb'em ten c!o em mente de que se trata ele uma regra espe-
çao ele outras normas, ou seja, uma metanorma. 151 cial, ou uma regra ele segundo nível ou, por fim, de uma meta-regra.
Embora a proporcionalidade não seja, ele fato, uma rel!ra de con-
duta, mas uma regra acerca da aplicação ele outras rcgr;s, não me 4.4.2 Adequaçâo
pa;?ce que recorrer a uma idéia ~orno "postulado norm<~tivo aplicati-
vo tenha alguma razão ele ser. A vila alerta que chamar a proporcio- Quando uma medida estatal implica intervenção no âmbito de pro-
teção ele um direito fundamental, necessariamente essa medida deve
ter como objetivo um fim constitucionalmente legítimo, que, em geraL
. 14X. C f., por todos, Robert Alexy. Theoric der Gmndrcchtc. p. 75 [tradução
brasdctra: p. 90].
149. Çf Virgílio Afonso da Silva, ··o proporcional c o razoüvcl". p. 26. e 152. Cf. Virgílio Af<~nso da Silva, "O proporcional e o razoúvcl". p. 2(J.
Hurnbet1o Avtla. ~·.A distinção entre princípios e regras c a rcdcfinição do dever de I 53. C f. Humberto A vila, Teoria dos princípios, p. 135.
proporctonahdade . RIJA 215 ( 1999), p. 169. 154. Idem, P- 136, referindo-se a Martin Borowski e Jan-R. Sieckmann.
I 50. C f. Humberto Á vila. Teoria dos principio.\·, p. X8. 155. Essas seriam. segundo H art. as duas espécies de regras jurídicas (lhe ( 'on·
I 51. Idem. p. 122. npt o/ La11·. Oxford: Clarendon, 1961. pp. 77 e ss. ).
DI Reli OS H ':\IJ.·\\1 L.'\ 1.·\ IS CO 'é 11.(!1)0 ESSFNCI;\1. RFSTRJ<,'ÜES E J·:FJC.\CIA RI·STRI~·(JLS .\ lliRFIIOS ft:i\:llA:\IE"J.\IS I 'I
170

é a realiza<,:ão de outro direito fundamentaL Aplicar a regra da propor- uma situou/o de necessidade. de urgência ou de que "'algo precisa ne-
cionalidade, nesses casos. significa iniciar com uma primeira indaga- cessariamente ser feito". Isso por duas razões. Em primeiro lugar
ção: A medida adotada é adequada parafomentar a rea!i::.açüo do ob- porque a adoção da medida - mesmo que eventualmente necessári.a
jetivo perseguido'? ~hí autores que defendem indagação mais exigente, nos termos da proporcionalidade- pode ser uma questão de oportuni-
no sentido de se analisar se a medida é adequada não apenas para fo- dade e conveniência política. N~io há, nesse sentido, relação ,tlguma
mentar, mas para realizar por completo o objetivo perseguido. 156 entre necessidade ou exigibilidade c únposiçào da conduta. Em se-
A exigência de realização completa do fim perseguido é contra- gundo lugar porque o exame da necessidade de uma me~ida, nos t~r- ~
producente, já que dificilmente é possível saber com ce1teza, de ante- mos da regra da proporcionalidade, é um teste comparattvo. Isso sig-
mão, se uma medida realizará, de fato, o objetivo a que se propõe. nifica que um ato estatal é necessário quando comparadt: a ~)utras
~uitas vezes o legislador é obrigado a agir em situações de incertezas alternativas que poderiam ter sido utiliza~as para a mesma hnaltdade.
empíricas, é obrigado a fazer previsões que não sabe se serão realiza- Assim, um ato estatal que limita direito fundamental ''é somente ne-
elas ou, por fim, esbarra nos limites da cognição. Nesses casos, qual- cessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser pro-
quer exigência de plena realização de algo seria uma exigência impos- movida, ;om a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite,
159
sível de ser cumprida. Por isso a preferência pela primeira alternativa, em menor medida, o direito fundamental atingido".
que, de resto, é também aquela apoiada pela maioria da doutrina. 157 Nesse sentido, vamos supor que o Estado lance mão da medida
, b' (
M,. que limita o direito fundamental D mas promove o o Je IVO .
o 1611
4.4.3 Necessidade 15 s Se houver uma medida M 2 que, tanto quanto M,, seja adequada para
promover com igual eficiência o objetivo O, ma~ limite o ~~reito fun-
Quando se fala em "'necessidade" ou em "exigibilidade", nos damental D em menor intensidade. então. a medtda M,, utlitzada pelo
termos da regra da proporci<~wlidade, não se quer fazer menção a Estado, não é necessária. 161 Fica clara, assim, a diferença entre o exa-
me ela necessidade e o da adequação: enquanto o teste da adequação
156. Cf. Gilmar Ferreira :VIcndcs. ··o princípio da proporcionalidade na juris- é absoluto e linear. ou seja, refere-se pura e simplesmente a uma rela-
prudência do Supremo Tribunal Federal: novas leituras", Rcpcrtririo !OB de Jurispru- cão meio e fim entre uma medida e um objetivo, o exame ela necessi-
dência: Tributário, Constitucional e Administrati1·o 14 (2000), p. 371. dad~ tem um componente adicional, que é a consideração das medidas
157. C f .. por exemplo: Willis Santiago Guerra Filho, Teoria processual da Cons-
tituiç·ào. São Paulo: Celso Bastos Editor, 2000. pp. 84 e 85; Luís Roberto Barroso, "Os
~rnativas p~mt se obter o mesmo fim. O exame da necessidade é,
princípios ela razoabilidade e proporcionalidade no direito constitucional", Cadernos de assim. um exame imprescindivelmente comparativo.
Direi tu Constitucional e Ciê!/!'ia l'o/itica 23 ( 1998), p. 71; Suzana de Toleclo Barros, O Nessa comparação, como se percebe, duas são as variáveis a se-
princípio da proporciona!idwlc. p. 7X: Wilson Antônio Stcinmetz. Colisào de direitos
jimdamentais e principio da f>m[NII'!'iona/idade, Porto Alegre: Livraria do Advogado, rem consideradas:{!) a eficiência das medi~as. na realização do ~bj~­
:?.00 I, p. 150: Lothar f !irschbcrg. Da Gnmdsar:. der Vcrhâltnismiíjíigkeit, Gottingen: tivo proposto; e@ o grau de restrição ao.~tre_tto ~undame~~al atmgt-
Schwartz. 1981, pp. 50 e ss.: Martin Borowski, Grundreclztc als Prinz.ipicn, p. 116; do. E claro que, tratando-se de duas vanave1s, e necessan_o que se
Ebcrhard Grabitz. "Der Grundsatz der Yerhiiltnisnüilligkeit in der Reehtsprechung des
Bunclesverfassungsgerichts", AáR 9X ( 1973 ). p. 572; Bodo Pieroth/Bcrnharcl Schlink,
decida qual é a mais importante. Em geral fala-se na necesstdade co-
Gmndrcchtc -- Staatsrccht 11. ~ 283. p. ó6. Sobre as implicações dessa variação no
conceito de adntuacüo. cf.. por todos. Carlos Berna! Puliclo. E/ principio de proporcio-
na/idad Y /os dacclws jiuulalll<'lllal<'.'· 2·' ed .. Madrid: Centro ele Estudios Políticos y l5lJ. Yirdlio Afonso ela Silva. "O proporcional e o razoável", p. 38. Cf. tam-
Constitucionalcs. 2005. pp. 7 30 c ss. bt'm Gil mar r?errcira Mendes, Direitos jimdamcntais e controle de constitucionali-
158. Boa parte dos desenvolvimentos deste tópico e de seus sub-tópicos é produ- dudl', p. 72. . . . .
to de retlexões impostas pelos questionamentos incessantes ele meus alunos na Facul- 160. O objetivo O é, necessariamente. um objetiVO baseado em outro d1retto
dade de Direito da USP quando de nossos debates sobre proporcionalidade. A eles fundamental ou em um interesse coletivo.
agradeço, aqui. mais uma vez. 1(, 1. Virgílio Afonso da Silva. ··o proporcional e o razoável''. p. 38.
RI:STRI('()LS ,\ DIRIII ( lS H ''dl·\\11·.'\ L\IS 173
172 IJIRLITOS HiNDAMENTAIS CO'\TE{!IJ() ESS~:\CIAL RlcS IRI('(JicS 1: HIC:\CI \

mo a busca do "meio menos gravoso'', 1'' 2 o que pode dar a entender pre melhor que o Estado seja omisso, pois. embora a omissão seja ine-
que se deva dar sempre preferência à medida que restrinja menos di- fi.ciente para realizar objetivos que necessitem de uma ação estatal, ela
reitos. Mas isso somente é assim caso ambas as medidas sejam igual- será também. em geral, menos gravosa. Em segundo lugar porque a
mente eficientes na realização do objetivo. Nesse casos- e soi/Jente escolha pela medida mais cfi.ciente- no caso da linha (2) da tabela_-
nesse caso- deve-se dar preferência à medida menos gravosa. Mas hú não significa desproteção ao direito restringido em favor de uma ~ti­
outras configurações possíveis, que são as seguintes (M 1 é sempre a ciência a todo custo. Essa proteção é apenas deslocada para o terceiro
medida estatatadotada, e M 2 é uma medida alternativa): exame da proporcionalidade, como serú visto em tópico mais abai-
xo.163 Antes, porém, é necessário. ainda, analisar outros pontos proble-
máticos do exame da necessidade. o primeiro deles ligado à linha (3)
Medida mais eficiente Medida menos gra,·osa da tabela. •
em relaç'ão ao uhjetinJ O enz relaçúo ao direito [)

(f)
4.4.3. l Necessidade e grau de eficiência
(2)
Da mesma forma que a preferência sempre pela medida menos
(3) uravosa poderia levar a um fomento da omissão estatal, é possível
(4) M. ~uestionar se uma preferência sempre pela medida ma.is eficiente não
teria como conseqüência: (]) a inutilidade de se questionar o grau de
restrição ao direito; e @ o risco de toda medida ser reprovad<~ no
Nos casos (1) e (4) a resposta ao exame da necessidade é simples. teste da necessidade, já que sempre será possível imaginar medidas
Em (l) a medida adotada era~cccss::lria, porque não só era mais efi- mais eficientes que a adotada, não importa o quanto ela restrinja direi-
ciente para realizar o objetivo proposto como, também, restringia me- tos. Essas perguntas estão ligadas à linha (3) da tabela exposta no tó-
nos o direito fundamental em jogo. No caso (4) é exatamente o con- pico anterior.
trário: a alternativa M 2 é mais eficiente e menos gravosa; logo, M 1 não A resposta às duas questões acima pode ser encontrada na própria
era necessária. Mas qual é a resposta para os casos (2) c (3)'? Neles a definição de necessidade exposta anterionnente (M 1 é a medida .estatal
medida mais eficiente é também sempre a mais gravosa, e a medida adotada): "se houver uma medida M, que. tanto quanto M,, seJa ade-
menos gravosa é, por conseguinte, menos eficiente. Ainda que a intui- quada para prÓrno,ver com igual eficiência o objetivo O, rr~as limite~
ção - sobretudo a daqueles preocupados com a proteção dos direitos direito fundamental D em menor intensidade. entao, a mechda M 1, ut1
fundamentais -tendesse a dar preferência. nesses dois casos, à medi- lizada pelo Estado, não é necessária". Como se percebe- e isso é fun-
da que restrinja menos o direito fundamentaL a resposta é justamente damental-, o que se compara é M, com outras alternativas (Mb M 3 ...
o contrário: decisiva, no exame da necessidade. é a eficiência da me- M e não todas as medidas possíveis c imagináveis, entre si. Um dos
),

dida. Isso po~ várias razões. 11

lados da comparação é fixo, e ocupado por M,. Assim, com relação à


Em primeiro lugar porque. se a preferência tivesse que recair na questão ( 1), o grau de restrição ao direito não é um critério inútil, por-
medida menos gravosa, ainda que quase nada eficiente, a resposta a que, sempre que houver medidas tão eficientes quanto M 1, esse será o
todos os exames de necessidade já teria sido dada de antemão: é sem- critério decisivo. Além disso, no teste da necessidade não se deve per-
guntar se há medidas mais eficientes que a medida estatal adotada,
162. Cf., por exemplo, Xavier Philippe. te contrôle de proportionnulit/ dans
/c jurisprudcnces constitulionnc/le ct administrati\'C françaises, Aix-en-Marseille:
Economica, 1990, p. 44. I ó3. Cf tópico 4.4.4.
p

174 IJIRLITOS Fl :\ll·\\11':--iT,\IS CO:--:TUYDO I'SSEI\:CIAL. RIS!'RI~·(li·:S 1: 1:1-IC,\CI:\ RI:STRI("(lES A DI Rio! I"OS Fl!i'iDA:\II.r\ 1.\IS 175

mas apenas se há medid<:s Jâo eficiente.~ quanto, 111as que restrinjam . ':'am~Js s~tpor o segu_inte ~emplo: com o intuito d~ realiz_ar o d_i- ~
menos o direito afetado. E por isso que na linha (3) da tabela exposta retto a pnvactdaclc, o legtslador aprova um projeto de lei, que e depms c
no tópico anterior. ainda que M 2 seja mais eficiente que M,. M, não sancionado e promulgado, no qual se proíbem: (I) qualquer forma de
será considerada desnecessária. Com isso. poder-se-ia complementar jornalismo investigativo: (2) qualquer divulgação ele dados constantes
a tabela anterior nos seguintes termos: em qualquer processo. em qualquer nível; (3) a publicação de qual-
quer foto, de qualquer pessoa, a não ser com autorização expressa do
fotografado: (4) a quebra do sigilo bancário, em toda e qualquer situa-
Medida 111ais eficiente Medida menos f{Uli'Osa A medida adotada
c1n relaulo ao o/Jjetivo O
ção. Esse é um conjunto de medidas que, sem dúvida, é adequado a
em relaçüo ao direito D (M 1 ) é necessária:'
\
--,;) t\1!, M, sim
fomentar o fim que se persegue- a garantia da privacidade. Seria di-
fícil. além disso, imaginar um conjunto dt! medidas que seja assim efi-
I
( 2) t\1!, caz para a realização desse objetivo e que, ao mesmo tempo, restrinja
) (3) M.
M2
M,
sim

sim
menos os direitos fundamentais envolvidos (entre outros, a liberdade

ele imprensa e a publicidade dos atos processuais).
(4) M, M2 ll(l() A última etapa da proporcionalidade, que consiste em um sope-
(5)

({))
M 1 =M2

M 1 =M2
® M,

M2
SI/I!

nüo
samento entre os direitos envolvidos, tem como função principal
justamente evitar esse tipo exagero, ou seja, evitar que medidas esta-
tais, embora adequadas c necessárias, restrinjam direitos fundamen-
tais além daquilo que a realização do objetivo perseguido seja capaz
4.4.4 Proporcionalidade em sefitido estrito de justificar. É claro que não é tarefa simples decidir, na maioria dos
casos importantes, se o grau de realização de um direito D 1 justifica o
É possível sustentar que uma medida estatal que restrinja direito grau de restrição a um direito D 2 (ou direitos D 2 , D;. D 4 , ... D"). Para
fundamental seja constitucionalmente justificável se, além de adequa- essa questão valem as considerações já feitas acerca da racionalidade
da para fomentar o objetivo que persegue, não houver medida alterna- do sopesamento e do processo de aplicação do direito em geral. 16"
' tiva yue seia tao eficiente quanto e-qí~rinjª--'!!_enos o direito atin- Além disso, mais recentemente Alexy vem propondo a utilização
gido. Como será visto em tópico a seguir, há autorê"Sqlieaetenden1 de elementos numéricos para uma maior controlabilidade da argumen-
essa posição.'(.\ Em geral, no entanto, costuma-se apontar a necessidade taçao nos casos de sopesamento. 167 Um exemplo simples de uso de
de um exame final: a proporcionalidade em sentido estrito. 165 A razão de elementos numéricos seria um modelo baseado na diferença do grau
ser desse último teste é facilmente explicável: se fossem suficientes de intensidade na realização de um princípio e o grau de intensidade
apenas os dois primeiros exames - adequação e necessidade -, uma da restrição em outro princípio. Usando como varicíveis os princípios
medida que fomentasse um direito fundamental com grande eficiência Pi e Pj, e para os graus de intensidade da realização c da restrição as
mas que restringisse outros vários direitos de forma muito intensa variáveis I, e Ij, teríamos a seguinte fórmula: Gi,j =li- Ij. 16 K
teria que ser considerada proporcional e, portanto, constitucional. Isso
porque, além de adequada, a medida é necessária. 166. Cf. tópico 4.2.2.2.3.
167. Cf. sobretudo Robert Alexy, "Die Gewichtsformel ... in Joachim Jickeli ct
a!. (orgs.). CTeddchtnisschriftfiir Jiirgen Sonnenschein. Berlin: De Gruyter, 2003, pp.
164. ('f. tópico 4.4.4. I.
771-7'>2: em português, cf. Robert Alexy, "Posfácio". in Robcrt Alcxy. Teoria dos
165. Nesse sentido. por exemplo: cf. Co/isâo de direitosjimdmnentais. pp. 152 direitos jiuulamentais (trad. Virgílio Afonso da Silva). Silo Paulo: Malheiros Editores.
c ss.: Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade, pp. 82 c ss.: Paulo 2008. pp. 575-627.
BtliJa\'idcs. Curso de direito constitucional, 22' ed .. São Paulo: Malheiros Editores. 16R. Gi.j significa o "peso" concreto do princípio Piem relação ao princípio Pj.
200X. pp. YJ7 -Y>8. Cf. Robcrt Alexy, "Dic Gewichtsformel". p. 784.
RFSTRI(,'(lFS A !li REITOS lliNIJAMF"TAIS 177
1711 !liRFITOS H!,"ill!\~lf::-<T,\IS CO\ IF(ql() FSSLNCI.\1, RLSTRI(,'(JLS E IXIC,\C'I/\

As variáveis li c lj podem ser substituídas, por exemplo, pelos nú- 4.4.4.1 Proporcionalidade em sentido estrito
meros I, 2 e 3, conforme se trate de inttõ!1sidade baixa. média ou alta. e suhjetividade
A partir daí. se o resultado da operação for positivo. o princípio Pi Há autores que defendem que a aplicação da regra da proporciona-
prevalece sobre o princípio Pj, Em caso de resultado negativo a con- lidade deva se limitar aos dois primeiros exames - adequação e ne-
clusão é oposta. Essa é uma fórmula simples c, segundo Alcxy, não dá cessidaélc. Isso porque esses seriam os exames para os quais há critérios
conta de todas as possibilidades do sopcsamento. Ele propõe, por isso, objetivos. enquanto a proporcionalidade em sentido estrito (= sop~sa­
algumas outra:-; fórmulas que levam em consideração outras variáveis mento) seria simplesmente a substituiçüo da subjetividade do legisla-
(como, por exemplo. o peso abstrato dos princípios. entre outras). 169 dor pela subjetividade do juiz. 172 Nüo é o caso, aqui, de rediscutir a
Não me parece necessário desenvolver o tema. aqui. Até porque. con- possibilidade de objetividade no sopesm~~nto, o que já foi feito antc-
f·orme já defendi em outra ocasi;lo. ''não é possível pretender alcançar, rionnente.173 Mais importante tal vez seJa demonstrar que o grau de
com o procedimento de sopcsamento, uma exatidão matemática, nem objetividade nos exames da adequação e, sobretudo, da necessid~de
substituir a argumentação jurídica por modelos matemáticos e geomé- não diferem muito daquele criticado- sobretudo por Bernhard Schlmk
tricos. Esses modelos podem, quando muito, servir de ilustração, pois e, no Brasil, por Leonardo Martins- no exame da proporcionalidade
a decisão jurídica não é nem uma operaçüo matemútica, nem puro · em sentido estrito.' 74
cálculo". 170 Mais importante que buscar fórmulas matemáticas é a Como se viu anteriormente, o exame da necessidade implica uma
busca de regras de argumentação, critérios de valoração ou a funda- . comparação entre a medida estatal adotada para foment~r determim~­
mentação de precedências condicionadas. 171 do objetivo O com medidas alternativas. Se houver medidas alternati-
vas que restrinjam menos direitos fundamentais, a medida adotada
não pode ser considerada necessária. O modelo mais simples para
169. Cf. Robert Alexy, "Die Ge~vichtsforrnel", p. 7R4; e. do mesmo autor, "Pos- essa análise envolve as seguintes variáveis: M 1 (medida adotada), M 2
fácio", in Robert Alexy, Teoria dos direito.\ fundwnentais, pp. 602 e ss. (medida alternativa), O (objetivo) c D (direito fundamental restringi-
170. Virgílio Afonso da Silva. (;rundrechtc und geset::.gcherische Spielrdume,
p. 102. Nesse sentido. cf. também: Daniel Sarmento. ''Os princípios constitucionais e
do para a realização de 0). Mesmo em um modelo simples como esse,
ponderação de bens", in Ricardo l.obo Torres (org.), li:oria dos direitos fimdamen· não há, por razões óbvias, critérios matemáticos que respondam a
tais, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar. 200 I. pp. 56-57: Nils Janscn, "Die Abwagung questões como: "Que medida realiza melhor o objetivo?"; ou: "Que
von Grundrechtcn", Der Stuat 36 ( 19')7), p. 53: Kent Grccnawalt. Lmv and 0/Jjectivi- medida restringe menos o direito afetado?". Perguntas como essas
tv, Ncw York: Oxford Univcrsity Press, I 992. p. 204; Jan-Reinard Sieckmann, "Ri-
envolvem, necessariamente, uma valoração subjetiva por parte do
chtigkeit und Objektivitát im Prinzipicnmodell". ARSP 83 ( 1997). p. 29: Karl Larenz,
"Methodische Aspektc der 'Güterabwügung"'. in 1-'ritz Hauss/Reimcr Schmidt juiz. Em situações concretas mais complexas o cenário fica ainda mais
(orgs.), Fcstschriftfiir F,rnst Klingmiillcr. Karlsruhc: Vcrlag Versichcrungswirtschaft, difícil de ser dominado. É possível que uma medida M 1 seja mais
1974, pp. 247-248: Gerhard Struck. "lntercsscnabwügung ais Methode", in Roland
Dubischar ct a!. (orgs.), Dogmatik und Mctlwde: Jose[ Esscr ::.um ó5. Gelmrtstag,
Kronberg/Ts.: Scriptor. I 975, pp. 17~ c ss.: e Ernst- Wolfgang Bockenfiirde, "Zur 172. Cf., por exemplo. Bcrnhard Schlink, "Frciheit durch Eingriffsabwehr- Re-
Kritik der Wertbegründung des Rechts", in Rccht, Staat, Freihcit: Stwlien :ur Rechts- konstruktion der klassischen Grundrechtsfunktion", l:'uGRZ ll (1984), p. 461; e, do
philosophie, Staa/stheorie wul \í•Jjús.\llllgsgeschichte, Frankfurt am Main: Suhrkamp. mesmo autor, Abwiigwzg im VC!jússungsrecht. p. 79. Schlink reafirma sua posição em
1991, p. 85. trabalho um pouco mais recente: "Der Grundsatz der VerlüiltnismaBigkeit", in Petcr
171. Para uma análise de critérios yue confiram maior racionalidade no proces- Badura/Horst Dreier (orgs. ). Festschrift 50 .lahre Bundesl•erjá.\sungsgericht, vol. IL
so de sopesamento, cf. Ana Paula de Barcellos. Ponderaciio, racionalidade e ativi- Tübinocn: Mohr. 200 l, pp. 458 c ss. No BrasiL em sentido semelhante, cf. Leonardo
d!ule jurisdicional, Rio de Janeiro: Renovar. 2005. Para um bom exemplo de fixação Martil~s, ''Proporcionalidade como critério do controle de constitucionalidade", Cu-
de precedências condicionadas, d. Wilson Stcinmetz. A vinculm;üo dos particulares demos de Direito Unimcp 3 (2003 ). pp. 36 c ss.
a direitosfundamcntais. pp. 214 c ss. Cf também a já mencionada lei de colisão (cf. l 73. C f tópico 4.2.2.2.3. .
tópico 2.2.3.2. nota 30) c seus complementos (cf. tcípico 4.2.2.2.3). 174. Para outras referências. cf notas de rodapé ~9. 90 e 92. acnna.
+
17')
DIREITOS H',''iDA\-IE0iTAIS COI\TFl,iDO 1-:SSI'NCI/\L. RFSTRI('(JLS F H I< 'c\CI\ RESTRl('()ES ;\DIREI lOS l i 'NDMviLNTAIS
17X

situação, se vê obnga· d o a t.azer um sopesamcnto entre c1o1s · o 11 mats


.
eficiente na realização de um objetivo O. restrinja o direito D 1 com
muita intensidade e o direito D~ de forma não tão intensa: já a medida princípios. cujo resultado, então, é expresso pela regra infraconstttu-
M:: é um pouco menos eficiente na realização de O, mas não restringe cional. Essa é uma tarefa central ela legislação ordinária. Esse resulta-
o direito D 1• restringe com muita intensidade o direito D:: e, ainda, do do sopesarnento do legislador - que pode ser. por exemplo, um
restringe um pouco o direito D 3 ; por fim, uma outra medida alternati- dispositivo de direito civil, de direito penal, de direito tributário ou de
va M 3 tem grau de eficiência intermediário entre M 1 c M:: na realização direito do trabalho- pode, em um sistema em que há jurisdição cons-
de O, restringe com média intensidade o direito D 1, não restringe o titucional, como é o caso do Brasil, ser questionado judicialmente.
direito D 2 e restringe com muita intensidade o direito D ,. Saber. em Nesse processo de controle ela constitucionalidade da lei. se houver
uma situação hipotética como essa- que, ele resto. não parece difícil uma restrição a direito fundamentaL deve-se recorrer à rc~ra da pro-
de ser encontrada em exemplos reais-, qual seria a medida necessária porcionalidade, nos moldes analisados ant~rior~1ente: ou ~eJ<l, d~ve-se
1
não é algo que possa ser mensurado ele forma exata. Nesse sentido -c indagar se a regra infraconstitucional que ~·e~tnngc. um d1retto tw:da-
isso é o mais importante neste ponto -, há casos em que o exame da rnental é adequada para fomentar seus obJetivos (tomen:ar é~ realt~a- ~
necessidade pode ser muito mais complexo e exigir mais l'(i/oraç·6es cão de um•outro direito fundamentaL por exemplo), se nao ha mecltda
do juiz que o exame da proporcionalidade em sentido estrito. O ganho ;dternativa tão eficiente quanto, mas menos restritiva, e, por fim. se há
em objetividade não se encontra- como já se tentou deixar claro an- um equilíbrio entre a restrição ele um direito e a realização do outro.
tcriormentem- na renúncia ao sopesamento, mas na busca de padrões Como visto anteriormente, m no entanto, há casos em que não há
de diálogo intersubjetivo que permitam um controle social da ativida- qualquer regra infraconstitucional que discipline a col~s~o e~tre ck~is
de jurisdicional. Isso vale não apenas para o sopesamento, mas tam- princípios. Ou seja. pode ser que dada situação _de coltsao amda nao
bém para os exames ela adequação e ela necessidade e também para a tenha sido objeto ele ponderação por parte elo legtslador. Nesses casos,
''simples" suhsunção. isto é, nos casos em que deve haver uma aplicação direta dos princí-(1J1
pios constitucionais ao caso concreto- e esses casos são muito mais~
raros-, deve- aí, sim- haver apenas um sopesamento entre os poten-
4.4.5 Regra da proporcionalidade e sopesamento
ciais princípios aplicáveis na resolução do caso c~)ncre_to. A razã~) é
Em algumas passagens deste capítulo já se mencionou que em muito simples: se a aplicação ela regra da proporc1onaltclade_ 11~plt~a
alguns casos se deve recorrer ao sopesamento: em outros. ~~ regra da três questões- (a) A medida é adequada para fome,ntar o ob}ettvo ft-
proporcionalidacle. 176 Essa é uma distinção importante, c que muitas xado? (b) A medida é necessária? E (c) a med1da e proporcional em
vezes é ignorada. Freqüentemente, em casos que deveriam ser resol- sentido estrito?-, é mais que óbvio que deve haver uma medida con-
vidos. quando muito, por meio de sopesamento recorre-se à aplicação creta que será testada. Isso é o que deveria ter oc~rrido, por ~xemplc>
da regra ela proporcionalidade. no caso da ADI/MC 2.566: nas três perguntas actma. bastana substi-
Neste ponto é necessário recorrer àquilo que foi explicitado nos tuir ·'medida" por "vedação de proselitismo nas emiss~es ele rad~o?i- /
tópicos 4.2.2. 1.1 e 4.2.2.1.2. Há casos - e esses são a maioria - em fusão comunitária". Mas, nos casos em que se deve apltcar pnnctptos
que a restrição a um direito fundamental é veiculada por meio de regra diretamente ao caso concreto,falta essa variável de referência. Se não
presente em um texto normativo infraconstitucional. Esse tipo de res- há medida aclotacla, não há possibilidade alguma de se adotar a regra
trição - que foi objeto, por exemplo, ela análise de caso acerca da ela proporcionaliclacle.' 79
ADI/MC 2.566 177 - ocorre sempre que o legislador. em determinada
I 78. Cf tópico 4.2.2. 1.2. .
175. Cf tópico 4.2.2.2.3. 179. A não ser, é claro, que se queira controlar omissões legislativas com a apli·
176. CL, por exemplo, as notas de rodapé 65 e 73, neste capítulo. cação da proporcionalidade. Essa é, no entanto, umapossibilidade problemütica. cup
177. C f. tópico 3.3.3.1, acima. análise extrapolaria os limites deste trabalho. Além disso. meu aluno- c depms nHHII-
1~0 IJIRLIIO~ I·! ~ll.\\!L~ L\IS CON tU DO LSSFN< ·ti\ I. RESTRI<;ê)ES F ErtC.Á.Cii\ RESTRI~·()LS A DIREITOS HJNIJAMENTA!S I XI

4.4.() Pmporciona!id({(/e. limites imanentes, restriçôes cional que qualquer intervenção exige. Nesse sentido, dispositivos legais
c regu!wnentaç·6es meramente regulamentadores de direitos .fitndamentais também esta-
1 1
riam isentos da aplicaçiío da regra da proporcionalidade. x
Neste ponto do trabalho é necessário retomar duas questões que
Nos dois casos - limites imanentes e "mera" regulamentação -,
.J<l foram anteriormente debatidas. para relacioná-las à regra da pro-
ambos li~ados a teorias que defendem um suporte fático restrito, per-
porcionalidade: os limites i111unentes e a idéia de regulamentaçâo de
cebe-se, ~em grandes dificuldades. uma diminuição na capacidade pro-
direitos fundamentais.
tetora dos direitos fundamentais, devido à exclusão total e de antemão
O recurso aos limites imanentes serve, como foi visto anterior- de um mecanismo controlador de intervenções estatais no âmbito de
mente. como urna forma de autolimitação dos direitos fundamentais. proteção dos direitos: a regra da proporc~onalidade.
l Ele pode ser utilizado seja como uma forma de realização dos postu-
lados da teoria interna. seja como uma forma de, no âmbito da teoria
externa, restringir de antemão o suporte fático dos direitos fundamen- 4.4.7 Proporcionalidade . . . .
tais. Em ambos os casos há uma diminuição no âmbito de proteção e conteúdo essencial dos dzre1tos fundamentazs
desses direitos: menos condutas e menos posições jurídicas são con- Como foi visto no capítulo anterior, quando se parte de um supor-
sideradas como protegidas, ainda que prima Jacie, pelos direitos fun- te fático amplo para os direitos fundamentais há, automaticamente,
damentais. Essa redução de proteção. no entanto, não é acompanhada um aumento na colisão entre direitos fundamentais, pois, ao aumentar
de uma exigência de fundamentação, visto que feita de antemão. A a quantidade de condutas, situações e posições jurídicas protegidas
partir dessa premissa. não seria necessário fundamentar a vedação ou por direitos fundamentais, há. inevitavelmente, uma maior qu~nt~dade
a restrição daquilo que nem ao menos entra no âmbito de proteção de de choques no exercício desses direitos. Além disso, a amphaçao do
um direito fundamental. A tlpficaçâo da proporcionalidade. nesses conceito de intervenção estatal, em conjunto com a adoção de uma
casos, é excluída twnhém de antemào. teoria externa. tende a ampliar o número de ações estatais que são con-
No caso do recurso à dicotomia restrição/regulamentação, já re- sideradas como restrição a direitos fundamentais. Por fim, sedimen-
jeitada anteriormente, txo muitos daqueles que recorrem a ela o fazem tou-se a idéia de que tais restrições, para que possam ser consideradas
para sustentar que ""meras regulamentações" não constituem interven- restricôes constitucionalmente fundamentadas, e não violaçôes a di-
ções no âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Aqui, o que se reitos: têm que passar no exame da proporcionalidade. De que forma
restringe não é o âmbito de proteção, mas o conceito de intervenção. 0 modelo desenvolvido até aqui- que pressupõe, portanto, que restri-
Encaradas dessa forma, as eventuais regulamentações no exercício (for- çâo não é sinônimo de violaçào a direitos fundamentais- se relaciona
ma, local, horário etc.) dos direitos fundamentais. por não serem consi- com a idéia de que tais direitos devam ter um conteúdo mínimo essen-
deradas como intervenção, deixam de exigir a fundamentação constitu- cial inviolável'! Para introduzir a resposta a essa pergunta, que será
desenvolvida no próximo capítulo, retomo a primeira citação deste
trabalho, extraída do voto elo Min. Celso de Mello no caso Ellwangcr
tor - Thomaz Henrique Pereira argumenta que seria possível também imaginar que (HC 82.424 ): '"Entendo que a superação dos antagonismos existentes
pelo menos nas aç<)es decididas em sede de recurso haveria sempre uma medida esta-
tal a ser controlada por meio da aplicação da regra da proporcionalidade. Essa medida
entre princípios constitucionais há de resultar da utilização, pelo STF,
seria a decis;to recorrida. Essa não me parece ser uma opção possível, já que o que se de critérios que lhe permitam ponderar c avaliar, hic et nunc, em fun-
controla. nesses casos, não C: a .. ação" do juiz como uma .. ação restritiva de um direito
fundamental". mas. sim. a correçüo da interpretaçâo e da aplicaçâo do direito que o
juiz reali11nt na sentença recorrida. Fica aqui. no entanto. o agradecimento por ter me 1R 1. Para uma defesa nesse sentido -ou seja, pela exclusão da análise_ da pro-
chamado a atenção para esse possível argumento. porcionalidade em casos de simples regulamentação -. cf. Pcter Lerche, Uhermaji
I 80. ('f t<Ípico .Ll.2. l ..l. 1111d \'erfúss111zgsrecht. pp. 107 e ss. e 140 e ss.
IX2 lliREITOS Fll:\lJ,\ME:\TAIS CO,'\TFr' 11lO FSSI c.JCI\1 .. RESTRI\'<H:S 1: IJ·IC..\CI.\

ção de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica con-


creta. qual deva ser o direito a preponderar no coso. considerada a
situação de conflito ocorrente. desde que. no entanto. a utilização elo
método da ponderaçüo de bens e interesses não importe em esvazia-
mento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais. tal como ad-
verte o magistério da doutrina". 1x2
Capítulo 5
Como se percebe com clareza. o Min. Celso de Mello faz menção
a um método (ponderação) de resolw,:ão de colisões entre direitos fun- O CONTEÚDO ESSENCIAL
~ damentais (princípios) que deva levar em consideração o contexto DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
concreto para se decidir qual o direito que deverá prevalecer. Seria TEORIAS E POSSIBILIDADES
possível acrescentar que em determinados casos será exigível não ape-
nas a ponderação ou sopesamento, mas também a aplicação da regra
5.1 1ntroducüo. 5.2 Po11to de partida: t)(>ssívei.l dimensries do problE:-
da proporcionalidade. como foi visto no tópico anterior. Todos esses ma: 5.2.1 Dimensâo objetiva~ 5.2.2 Dintensúo suhjettwz. 5.3 Cr~zteu­
elementos- e outros mais- foram analisados nos capítulos anteriores. do essencial absoluto: 5.3.1 Conteúdo essencial absoluto-~mamtco
Ficou claro, nessa longa análise. que o problema é mais complexo do ~ 5.3.2 Co 11 teúdo essencial ahsoluto-estútico - 5.3.3 Conteu~lu ab~·u­
que a intuição pode querer fazer crer. Os elementos envolvidos podem luto e dignidade. 5.4 Conteúdo esse11cial rclatil'o: 5.~.1 Conteudo
essencial relatin> c proporciollalidatfe ~ 5.4.2 Con/e[{{lo essen~·wl
ser conjugados de formas tão díspares. que seria possível reescrever a relativo e dio 11 idade. 5.5 Sohre o carúter constitutivo ou declaratorw
passagem transcrita de diversas formas. Da forma como escrita, faz-se das prcvisô;.1- constitucionais. 5.tí Direit1~1 sociais. conteúdo essen-
necess~rio .~ndagar o que si~nific~l "c~mteúdo e~sencial .?os direitos cial e mínimo existencial. 5.7 Resultado. ).8 Desenvoll"lmento.
envolvtdos e, sobretudo, o i'jue sigmiica "esvaziamento desse con-
teúdo. Em outras palavras: que tipo de restrição atinge e que tipo não
atinge esse conteúdo essencial? Ou. mais importante: é possível que 5.1 Introdução
uma restrição, a partir de todos os elementos analisados neste traba- Como já foi explicitado anteriormente. 1 neste trabalho não, se
lho, passe no teste da proporcionalidade c mesmo assim seja conside- pretende simplesmente fazer uma análise de t~o~·Ias sobre o conteudo
rada inconstitucional, por esva::.iar o comcúdo essencial de 11111 direi- essencial dos direitos fundamentais com o objetivo de. no final, optar
to fundamental? À resposta a essas indagaçôes é dedicado o próximo por uma delas. Essa estratégia foi considerada como um enfoque em-
capítulo. ,. pobrecedor. A partir dessa premissa, ficou e_sclareCI~o ~ue ~ssa parte
do objeto deste trabalho- o conteúdo essencwl dos (hrettosfundamen-
tais _ deve ser encarada como um fenômeno complexo, que envolve
uma série de problemas inter-relacionados. Esse;" ~roblemas :-que são:
na sua complexidade. o objeto do trabalho - J~ _toram a~ahsad~s ate
aqui e são, sobretudo, aqueles ligados:@ à_ ;.mahs,e daqu:lo que e pro-
tegido pelas normas de direitos fundamentms:@ a re~açao entre o que
é protegido e suas possíveis restrições; e@ a como tund_amentar t_an-
to 0 que é protegido como as suas restrições. O que se disse antenor-

182. RTI 188. 858 (912) (sem grifos no original). I. Cf. tópico 1.1.3.3_
I Xl IJIRIJ I <JS l·l·,'m \~11-.~ 1.\IS CONTIJ ;DO ESSENCIAL. RiSIRI('(JioS E IJ·ICACI·\
O CONTÜilJO ESSENCIAl. DOS DIRU I OS Fl 'NIJ \t-.11'" I AIS
IS:i

mente pode e deve ser retomado aqui: é da relação dessas variáveis essencial dos direitos fundamentais. Com isso ficará claro que .. o es-
- e de todos os problemas que as cercam~ que se detine, na visão colher uma teoria", aqui, não é exatamente uma questão de gosto. mas
deste trahal ho, o conteúdo essencial dos direitos jiuzdmncntais. uma questão ele coerência argumentativa. Determinados pontos de par-
Seria possível imaginar que este capítulo ~ cujo título envolve tida levam, inevitavelmente, a determinados pontos de chegada.'
parcialmente o próprio subtítulo do trabalho~ deveria ser um capítulo
central do trabalho . Mas não é necessariamente assim. Ele é, na ver-
dade. uma decorrência natural da análise realizada até aqui c tem. ao 5.2 Ponto de partida:
mesmo tempo, uma dimensão sistematizaclora e uma dimensão des- possíveis dimensões do problema
mistiticadora.
l A definição de um conteúdo cssencial.para os direitos fumlamen-
A primeira dimensão consiste na sistematização de toda a anülise tais pode ser abordada, inicialmente, a partir de dois enfoques distin-
desenvolvida até aqui com vistas a localizá-la nas principais teorias tos: o objetivo e o subjetivo. No primeiro caso trata-se de uma anúlise
que dominam o debate sobre o chamado "conteúdo essencial dos direi- acerca do direito fundamental como um todo, a partir de sua dimensão
tos fundamentais". jü inicialmente expostas no capítulo I deste tra- como direito objetivo; no segundo o que importa é investigar se hü um
balho.~ A segunda dimensão~ chamada, aqui, de forma provocativa, direito subjetivo dos indivíduos a uma proteção ao conteúdo essencial
de desmistijicadora ~ pretende demonstrar, em primeiro lugar, que o
de seus direitos fundamentais.
conceito de conteúdo essencial dos direitos jimdmnentais não pode
ser utilizado com~) um ~ero. lugar-com_um, Y..!!l..!!!J?_os argt~~entati_yo
que apele para a stmples mtlllção do apltcador do direito. Além disso, 5.2.1 Dimensâo ol~jetiva
pretende de_mons~ar,també~ qt~e o simples recurso a teorias absolu-
tas ou relativas nao e algo que mdependa da compreensão global da A partir de uma dimensão estritamente objetiva, o conteúdo es-
função dos direitos fundamentais, de suas estruturas analíticas mais sencial de um direito fundamental deve ser definido com base no
elementares e, sobretudo, da definição do que é por eles protegido ou significado desse direito para a vida social como um todo. 4 Isso signi-
exigido e dos critérios com base nos quais restrições são possíveis. ti~aria dizer que proteger o conteúdo essencial de um direito funda-
Com isso quer-se dizer, basicamente, que adotar pressupostos teóricos mental implica proibir restrições à eficácia desse direito que o tornem
~ como a distinção entre regras e princípios, na forma como desen- sem significado para todos os indivíduos ou para boa parte deles.'
volvida pela chamada teoria dos princípios~ não é algo que dependa
simplesmente de opção por uma "teoria interessante". E, mais do que
3. É claro que um "desvio no meio do caminho" não é sempre impossível, nem
isso, não é algo que "combina" com qualquer outra teoria ou premissa sempre manifestação ele um ''sincretismo metodológico", mas implica enorme i'mus
teórica. Como se viu até aqui, a chamada teoria dos princípios não é ar~umcntativo. que não pode ser ignorado. .
apenas uma distinção entre duas espécies de normas. Isso é apenas sua 4. Cf., nesse sentido, Konrad Hesse, Grund:::.iige des \'e!jassung.1rechts der Bun-
dc.1rcpuhlik Dellfschland, 19" ecl., Heidelberg: C. F Müller. 1993. ~ 334, P: 141; .
expressão mais aparente. Essa distinção tem, ao mesmo tempo. pré- 5. Cf. Friedrich Klein. "Art. 19", in Hermann von Mangoldt/Fnednch Klem.
requisitos~ como a adoção de uma teoria externa e de um suporte fá- Das Bonncr Gmndgcset::., 2·' ed., Berlin: Vahlen, 1957, V2; Roman llerzog. "Grun-
tico amplo para os direitos fundamentais~ e conseqüências teóricas e drcchte aus der Hand eles Gesetzgebers". in Walther Fürst c/ ai. (orgs.). Fc.\t.lcirriftjiír
prüticas - como a aceitação da proporcionalidade e, como vai se ver Woll~ang Zcidlcr, vol. 2. Berlin: De Gruyter. 1987, pp. 1.4I5 e ss.;.. Michacl B::nner.
"Mii!.dichkeiten une! Grenzen grundrechtsbezogener Vertassungsanderungen . Der
neste capítulo. de uma concepção relativa na definição do conteúdo Staa; 32 ( 1993), pp. 504 e ss.; e Hartmut Jackel, Gmndrcchtsgeltung und Gmndrc-
cht.l.lichl'rung. Berlin: Duncker & Humblot, 1967, pp. 111 c ss. Segundo Jackel a pro-
, Cf. tópico I. 1.3.
teção a situações meramente individuais não deve autorizar o recurso à proteçüo do
conteúdo essencial dos direitos fundamentais.
IX6 O CO!\ I E ODO FSSE~CIAL DOS DIRIJTOS F\ 11-<DAMEN !AIS
IX7

Embora esse enfoque fa<;a sentido, é fácil perceber que ele não les que defendem um enfoque meramente objetivo argumentam que 0
oferece praticamente prote<;ão alguma além daquelas que já decorrem enfoque subjetivo não teria como lidar com tais situações, enquanto a
automaticamente da idéia de cláusulas pétreas. 1' Para casos individuais resposta a partir de uma dimensão objetiva seria clara: em nenhum
ou mesmo para casos gerais em que a restrição não põe em risco o desses casos o conteúdo essenc ia! desses direitos, em sua fwzçlio para
direito fundamental em seu sentido ""para o todo social", mas pode toda a t•ida social, foi atingido.
implicar total elimina<;üo em situações concretas, o enfoque objetivo Como será visto mais adiante, no entanto, a partir de um modelo
não oferece prí)teção alguma. Por isso, deve ser complementado por relativo de conteúdo essenciaL é possível sustentar que, embora em
um enfoque subjetivo. alguns casos nada reste de um direito fundamental- como nos exem-
plos acima-, mesmo assim permanece o dever de proteger tal conteú-
do a partir de uma perspectiva subjetiva~ individual.
5.2.2 Dimensüo suhjefi\'(/ Isso será analisado nos próximos tópicos, dedicados ao embate
Se se pretende, com o recurso à garantia de um conteúdo essen- entre teorias absolutas e teorias relativas sobre o conteúdo essencial
dos direitos fundamentais.
cial dos direitos fundamentais, proteger tais direitos contra uma restri-
ção excessiva 7 c se os direitos fundamentais, ao menos em sua função
de defesa, têm como função proteger sobretudo condutas e posições 5.3 Conteúdo essencial absoluto
jurídicas individuais,' não faria sentido que a proteção se desse apenas
no plano objetivo. Isso porque é perfeitamente possível- e provável Todas as versões das teorias que defendem a existência de um
conteúdo essencial absoluto têm em comum a idéia de que, se fosse
- que uma restrição, ou até mesmo urna eliminação, da proteção de
possível representar graficamente o âmbito de proteção dos direitos
um direito fundamental em u*1 caso concreto individual não afete sua
fundamentais, deveria existir um núcleo, cujos limites externos for-
dimensão objetiva, mas poderia significar uma violação ao conteúdo
mariam uma barreira intransponível, independentemente da situação
essencial daquele direito naquele caso concreto. e dos interesses que eventualmente possam haver em sua restrição. A
Contra esse enfoque subjetivo seria possível argumentar que em definição de Jorge Miranda ilustra bem essa idéia central: "Afigura-se
vários casos concretos é possível que nada reste de um direito funda- que para, realmente, funcionar como barreira última e efectiva contra
mentaL sem que isso deva ser considerado como algo a ser rechaçado. o abuso do poder, como barreira que o legislador, seja qual for o inte-
Exemplos não faltam: pena de morte (no Brasil, em caso de guena resse (permanente ou conjuntural) que prossiga, não deve romper, o
declarada) elimina por completo o direito à vida daquele que é conde- conteúdo essencial tem de ser entendido como um limite absoluto cor-
nado; qualquer pena de reclusão elimina por completo a liberdade de respondente à finalidade ou ao valor que justifica o direito". 9
ir e vir do condenado (mesmo que com determinada limitação tempo- Da mesma forma que já se viu quando da análise de modelos de
ral); a desapropriação elimina por completo o direito à propriedade suporte fático restrito e da teoria interna, o grande desafio de qualquer
daqueles que têm seus imóveis desapropriados. Com base nisso, aque- teoria absoluta sobre o conteúdo essencial dos direitos fundamentais
é a definição do que pertence a esse conteúdo e do que dele deve ser
excluído. Não é necessário voltar, portanto, ao debate já travado ante-
6. C f.. sobre isso. tópico I. I I. riormente. Aqui, pretendo apenas abordar duas variantes de modelos
7. O conceito de re.ltric<lo c.rce.I.IÍt·a no ámbito da análise do conteúdo essencial absolutos que muitas vezes não são devidamente diferenciadas. Há
dos direitos fundamentai.~ dcpendcr:í. como ficarü claro adiante, do modelo adotado
~absoluto ou relativo.
8. Cf. Robert Ale.xy. Fheorie da Gnuulrechte, p. 268 !tradução brasileira: p. 9. Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, vol. IV, Y ed .. Coimbra:
297]. Coimbra Editora, 2000, p. 341 (sem grifos no original).
UIRLITOS ll 'NIH~IEN IAIS: CO:\TEli DO l:SSENCIAL. RISIRI(ÚI·.S 1-. IJ·IC.\CI-\ O CONTELIDO I:SSENCii\L DOS DIREITOS ll :\ll.-\\li.N 1\IS IX9

autores - cor~o. Manfred Stelzer, por exemplo - que sustentam que 0 5.3.2 Conteúdo essencial absoluto-estático
elemento ~ehni~o_r de todas as teorias absolutas é a "aceitação de
Há autores, contudo, que concebem o conteúdo essencial dos di-
um contcudo mmimo ou residual de cada direito fundamental que
reitos fundamentais não apenas como absolutos em sentido espacial.
resiste ao tempo e a todas as situações sociais". 10 Urna breve leitura
mas também como absolutos em sentido material-temporal. Isso quer
de autl~res partidários de diferentes variantes do que aqui se chama
dizer, nessa acepção do conceito, que aquilo que compõe o conteúdo
d_e teona absoluta demonstra, no entanto, que muitos deles- a maio-
essencial de um direito fundamental é não somente inrangíl'l:l- como
na- não compartilham de uma detinição assim tão ríl!:ida do conteú-
visto acima-, mas também imutável. Ou seja, somente aquilo que não
do essei:cial. Pelo contrário, vários são os autores q~1c se esforçam muda no tempo. aquilo que independa de ideologias ou da realidade
em sublmhar que conteúdo essencial absoluto não é sinônimo de 11
social vigente, pode ser considerado como• de fato. intangível.
~onteúdo essencial imutável. 11 Em face das possíveis variações. pa-
Em um primeiro momento, uma tal concepção imutável de um
rece ser ~·ecomendável seguir a proposta - feita por Claudia Drews
-de distmção entre teorias absolutas dinâmicas e teorias absolutas conteúdo essencial dos direitos fundamentais parece ser insustentável,
estâticas. 12 pelo simples fato de ser pouco ou nada suscetível às alterações inter-
pretativas que os dispositivos constitucionais exigem ao longo do tem-
po.15 Diante disso, em monografia mais recente. Claudia Drcws, não
5.3.1 Conteúdo essencial absoluto-dinâmico com poucas citações de autores salientando a exigência de adaptação
do texto constitucional à realidade, rejeita a possibilidade de uma teo-
Dinâmico e absoluto é o conteúdo essencial de um direito funda- ria absoluta e estática. 16 Segundo ela:·'( ... ) se a constituição deve or-
menta~ qua~do, embora _constitua uma área intransponível em qual- denar a vida social e, com isso, a vida na realidade, e a realidade é
quer srtuaçao, seu conteudo pode ser modificado com a passagem do algo em si em mutação, então, a constituição - para ser c. sobretudo,
t~mpo. u A característica "abs~luta" do conteúdo essencial não signi- continuar aplicável - tem que demonstrar uma certa ·abertura e elas-
~ca !1em exige, portanto, imutabilidade. Absoluto. nesse contc~to. ticidade'" . 17
unplica apenas que aquilo que é protegido pelo conteúdo essencial Essa necessidade é salientada a todo instante, sempre sublinhan-
não sofre relativizações de acordo com urgências e contingências.
do que a constituiçâo deve estar apta a reagir "às rápidas mudanças
da realidade", que a constituiçâo e os direitos jimdmnentais devem se
·'adaptar às situações em mutação", que o ordenamento constitucional
_1 O.. M<mfred Stelzer, Das Wcsensgelzaltsargument und der (/mll(/sut:: dn
1
lnhat;nt:l'mafitgkea, Wt~n: Springer. 199!. p. 49. C f. também Antonio-Luis Mar-
e os direitos fundamentais são, por fim, algo necessariamente dinâmi-
tmez-luJ.t,lte. La ga;antw de! contenulo esencial de los derec!tos jiuuhtiiU'Ilfales. co.1x Diante disso, como "resultado do conflito entre uma variante
ivl.tdnd. Centro .de Estudtos ConstttucJotnles · , ')'). ··o
. 1997 , p . --· . que caractenza· . basJ-·
camente as !cortas absolutas é ( ... ) sustentar que existe uma determinada esfera per-
manente do d1rctto fundamental que constitui o seu conteúdo essencial". Em sentido 14. C f.. nesse sentido - e talvez como seu único defensor -. Werner Knüll ig,
rmuto semelhante, mas sem referência a Martínez-Pujalte. cf. Cláudia Pcrotto Biani Bedeutung wul Auslegung des Artikels /CJ Abs. I tlllil 11 des (;mndgcset::.es. Kiel:
A garantw do conteúdo essencial dos direitosjimdamentais. p. XO: ";\teoria absolt~,; Dissertation. I 954, p. 118.
( ... )sustenta. . que ex.tst•'~ Lllll't, detet·nl.lll'tll't
, ' es '·t·,c r,·1 permanente lo 1 lii'CJto
1· · ·
fundamental 15. Sobre essa exigência, cf.. por todos. Oliveira Vianna. "Novos métodos de
que constitUI o seu núcleo essencial" (sem »:rifos no orioinal). exegese constitucional''. Revista Forense 72 ( 19.'.7 J, p. 5.
~ .. Der \Vescnsgehalt der Grundrcchte"
2

. , 11 _ · Cf·· por exemplo. Georg Herbert. 16. Cf. Claudia Drews, Die Wesensgelwltgarantie dcs Art. /CJ /1 GG, p. 65, e
l:u(,RL 12 (19X5). p. 334. ~ Georg Herbert, "'Der Wesensgehalt der Grundrechte". pp. I 37-139.
12. Cf Claudia Drews. Die Wesen.\gelwltJ?aruntie des Art. /CJ f/ (i(i. Baden- 17. Idem, p. 138 (grifos no original). A expressão "abertura c elasticidade" é de
Badcn: Nomos, 2005. pp. 65 e 66. Hesse (cf. Konrad Hesse, "Grenzen der Verfassungswandlung". in Horst Ehmke et a!.
, 13. Cf. Claudia Drews, Die Wesensge!taltgaranrie de.1 Art. JCJ f/ (i(i, p. h5. c (orgs.), Fcstsc!trift fi ir Ulric!t Sc!teuncr, Berlin: Dunckcr & Humblot. 1973, p. 123 ).
C•Cor~ llerhert. "Der Wesens~ehalt der (!rundrcchtc". p. 334. \8. Cf Claudia Drews. Di e Wesen.1gehaltgaranrie dn Art. /CJ 11 ( iCi. pp. 13X-139.
I<J()
lll R r li ()S ll .'\I l -\.\11· '\T\ I S. CO'\ I UI lll J ESSI·'-JCIAL, RLS IRI('(JLS L i·.I·ICACI.-'\
o CO~ rEliDO ESSI·.~CIAL DOS DIREITOS Fl 1ND.-\iviLNTi\IS 1')1

estática c uma variante dinâmica da teoria absoluta do conteúdo es- Independentemente de se saber como é definido o conteúdo do cír-
sencial dos direitos fundamentais ( ... ) deve-se dar preferência à va- culo menor (o conteúdo essencial), os gráficos mostram que na pri-
riante dinâmica". 1 1
'

meira representação, a despeito de o conteúdo essencial ser absoluto


Essa não é. contudo. uma conclusão que decorre necessariamente e estático- e. portanto. imutável-, grande parte do direito fundamen-
da premissa adotada. Não é impossível partir do pressuposto- corre- tal é passível ele restrições e reinterpretações. No segundo caso, ainda
lo - de que as normas constitucionais devam ser sempre interpretadas que a parte central, por ser dinâmica, esteja mais apta a adaptações a
de forma a possibilitar ·•a ·actualização' normativa, garantindo, do novas realidades. é certo que a capacidade de conformação do legis-
mesmo pé, a sua eficácia c permanência", 20 e, ao mesmo tempo, sus- lador ordinário- ou mesmo dos particulares- é bem menor, já que a
tentar que o conteúdo essencial dos direitos fundamentais deve ser parte essencial e absoluta do direito fundamental ocupa um espaço
algo cstútico. A estaticidacle desse conteúdo essencial não impede a mmor. •
dinamicidade do conteúdo total. Ao expor a fundamentação de Clau- Com isso não se quer dizer - claro - que a primeira das variantes
dia Drews. acima, não foi sem motivo que as referências ao caráter deve ser p[eferida. Não é difícil perceber que, se invertêssemos os grá-
dinâmico da (·onstituiçiio c dos direitosfundamentais foram grihtdas. ficos, teríamos- aí, sim- uma teoria absoluta-estática que, além de
Ora, o fato de a constituição (ou os direitos fundamentais) ser dinâmi- ter um "núcleo" de conteúdo imutável e intangível, deixa muito pouca
ca não impediria que parte dela fosse considerada absoluta e estática. ·'borda" 21 para a capacidade de conformação ordinária (do legislador
Basta. para tanto. que essa parte est:itica não seja demasiado ampla. ou dos particulares).
Nesse sentido, uma teoria absoluta-estática pode até mesmo ser mais
O que se quis mostrar foi simplesmente o fato de que não é so-
flexível c mais próxima das teorias relativas que uma teoria absoluta-
mente a cstaticidade ou dinamicidade na definição do conteúdo essen-
t~inârnic<L Isso pode ser mais bem apreendido por meio dos dois grá-
cial o fator decisivo para se concluir pela maior ou menor possibilida-
ficos aba1xo. que apresentant cada um, dois círculos concêntricos: 0
de de adaptação das teorias às exigências de urna realidade cambiante.
maior é o conteúdo total do direito fundamentaL e o menor, o conteú-
do essencial (absoluto). Importante é levar em consideração também, no caso de todas as teo-
rias absolutas, o quanto de um direito fundamental é considerado co-
mo essencial c o quanto sobra para a conformação ordinária. Sem
conteúdo absoluto-estático conteúdo absoluto-dinâmico essa variúvel. qualquer conclusão pode ser precipitada.
(mas limitado) (ma~· abrangente)

5.3.3 Conteúdo absoluto e dignidade


Ainda que não seja o caso, como já foi mencionado acima, de se
estender na análise acerca da forma de definição de um conteúdo es-
sencial para cada direito fundamental - o que é tarefa primordial de

21. CL de forma crítica sobre a idéia de ··núcleo" e "borda" dos direitos fun-
damentais. Pedro Cruz Villalón. "Derechos fundamentales y legislacicín", in Pedro
. • 19. Idem. P- 139. É importante ressaltar que a preferência pela variante absoluta-
Cruz Yillalón. 1~1 curiosúlad de! jurista persa, y otros eswdios sobre la Constitución.
dmamica. m; caso de Claudia Drews. refere-se apenas ii comparação com a variante
Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1999, pp. 240 e ss.; do
absoluta-estatica. Na analise geral. contudo, a autora dü preferência ii teoria relativa.
mesmo autor. "El legislador de derechos fundamentales", in Antonio López Pina
20. J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituiçâo p.
J.()l)LJ. • (org.), l,a garuntia c;mstilllcional de los derechos jimdamentales, Madrid: Civitas.
199l.pp.132ess.
T
192 I JIRLITOS 1·1 :'-: DA\1r'> 1'.\IS: <'O'>TEI 'DO LSS f :\C I.\ L. RLSTRI<J>ES 1·. U·ICACI.·\ O COI\TJ:IIJ)() LSSI:'><'I\1 i lOS ll!RIJ lOS H :\ll.\\II.I\1.\IS IY3

uma dogmática específica de cada direito. c desde que comungue dos to em alguns casos concretosY Uma teoria absoluta. nesses termos.
pressupostos da teoria absoluta 22 - . há um caso específico que é neces- aproxima-se muito de teorias relativas. O segundo problema reside
sário analisar: a dignidade da pessoa humana. Essa análise divide-se no risco de uma hipertrofia da dignidade e da conseqüente absoluti-
em dois âmbitos distintos. O primeiro deles diz respeito ao recurso à zação de todos os direitos fundamentais. E esse não é um risco ape-
dignidade como conteúdo essencial de todos os direitos fundamentais. nas hipotético.
O segundo âmbito refere-se à posi<,:ão diferenciada desse direito nos
Em um Estado Democrático de Direito é de se esperar que ações
modelos que ,defendem um conteúdo essencial relativo. A primeira
dos poderes estatais- sobretudo do Poder Legislativo -que firam a
questão será tratada neste tópico; ú outra serú dedicado um tópico
dignidade humana sejam raríssimas, quase inexistentes. No Brasil, no
mais abaixo. 23
entanto, em decorrência de uma banali::.c~câo do uso da garantia da
Segundo Vieira de Andrade. o limite absoluto do conteúdo essen- dignidade da pessoa huma/1(1. muitos casos de restri<,:ão a direitos fun-
cial dos direitos fundamentais - consagrado. no caso da constituição damentais - às vezes, nem isso - tendem a ser considerados como
portuguesa, no art. I X'\ 3- seria a dignidade da pessoa humana. 24 Isso uma afronta a essa garantia. Uma breve análise da jurisprudência do
porque a dignidade seria a base dos direitos fundamentais "e o princí-
STF indica um cenúrio que dá indícios para a confirmação dessa hi-
pio da sua unidade materia1"'. 25 A conseqüência dessa premissa é ex-
pótese. Apenas nos seis primeiros meses de 2005, ao menos nove de-
posta nos seguintes termos: ··se a existência de outros princípios ou
cisões apontaram algum tipo de ofensa à dignidade humana. 2 x Diante
valores (inegáveis numa Constituição particularmente marcada por
disso, pode-se dizer que ou a dignidade humana é, no Brasil, constan-
preocupações de carácter social) justifica que os direitos possam ser
temente desrespeitada, ou tal garantia tem servido como uma espécie
restringidos ( ... ), a ideia do homem como ser digno e livre, que está
de enorme "guarda-chuva"', embaixo do qual diversas situações, que
na base dos direitos, liberdades c garantias. tem de ser vista como um
limite absoluto a esse poder ~e restrição". 2" poderiam ser resolvidas por meio do recurso a outras garantias cons-
titucionais e até mesmo infraconstitucionais, acabam sendo amontoa-
Essa estratégia tem dois problemas principais. O primeiro deles,
das em busca de proteção. Claro que não é o caso, aqui, de ser ingênuo
metodológico, reside no fato de que, caso o conteúdo essencial absoluto
a ponto de pensar que no Brasil todos têm sua dignidade respeitada a
de todos os direitos fundamentais seja a dignidade, então, é apenas a
todo tempo. Imaginar isso em um país em que parte considerável da
dignidade que tem um conteúdo essencial absoluto; todos os outros di-
população vive abaixo da linha de pobreza e que tem a quarta pior
reitos teriam um conteúdo relatil·o. rcstringível até mesmo por comple-
distribuição de renda em todo o planeta2 'J seria muito inocente. Mas

22. Nenhum dos dois requisitos se aplica. portanto. ao presente trabalho. Em pri-
meiro lugar porque não é uma monografia sobre um direito fundamental específico; 27. Expressamente nesse sentido: José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos
e. além disso. porque. como ficará claro adiante. os pressupostos deste trabalho são jimdamentais /1(/ Constituiciio flOI'fllgliCSa de /1.)76. p. 307. cr.. sobre isso. tópico 5.4
compatíveis apenas com um modelo relativo para n contetído essencial dos direitos c nota de rodapé 44.
fundamentais (cf. tópico 5.4). 28. Cf. HC 85.237, HC 84.768. HC 84 778. HC-MC l-15.541. HC-MC 85.988.
23. Cf. tópico 5.4.1. MS 25.399, HC l-\4.409, HC 82.969. HC 84.827, RE 394.820. É muito possível que
24. Cf. José Carlos Vieira de Andrade. Os dircitos/i111damcntais na Constituiçüo existam outras; mas, como já ressaltado em outros pontos deste trabalho, o acesso à
portuguesa de /1.)76. p. 306. Em sentido semelhante. cf. Güntcr Dürig. "Der Grun- informação no STF, embora muito aperfeiçoado nos últimos anos. não é ainda plena-
drechtssatz von der Mcnschenwürde", AiiR 81 (195() ). p 136. C f. também Magdalena mente confiável.
Lorenzo Rodríguez-Armas. Anúlisis dcl contenido cscncial de los dercclws funda- 29. Segundo o Relatcírio sohre f)e.li'ii\'OI\'illl<'llfo Humano do Programa das Na-
mcntalcs, Granada: Comarcs. 1996. pp. 15 7 e ss. ç6es Unidas para o Dcsem·oh·imento. o Brasil tem a quarta pior relação entre os I 0%
25. José Carlos Vieira de Andrade. Os direitos jioulmnentais JU/ Constituiçüo mais ricos e os lO% mais pobres ( (;in i !ndcx). A estatística completa encontra-se dis-
portuguesa de /l)76, p. 306. ponível em http:llhdr.undp.orglstatisticsldatalpdf!lulr04_tahle_/4pdl (último acesso
26. Idem. em 15.7.2005).
Jl)l IJIRLI lOS I!':\[) \\lL:\1.\IS CO.'-: IÚ'J)O FSSI:NCIAI. RES IRI~'(ll S 1·. FIIC\CI\
r
I
O CO:--ITF(IJ)() I.SSLNCIAI DOS DIRI-.IIOS Jli:\ll.\\llo'. I \IS

também seria uma ingenuidade pensar que é essa situação social in- refutar a instauração ele inquéritou ou, ainda. para negar a possibilida-
digna que gera o constante recurso à garantia da dignidade humana no de de exame compulsório de DNA,_l 4 em todos esses casos é possível
discurso acadêmico e forense no Brasil. Não são esses casos de vida dizer, sem grande chance de errar, que as mesmas decisões seriam
indigna que chegam aos juízes; até porque aqueles que vivem nessa possíveis e - o que é mais importante - mais bem fundamentadas se
situação poucas chances têm de ter acesso ao Judiciário. A inflação no não se recorresse á garantia da dignidade humana.
uso da dignidade humana no discurso forense nâo tem ligaç-üo direta Esse não é, contudo, um fenômeno apenas brasileiro. Em outros
com a rcalidwfe social do país, e é um fenômeno limitado exclusiva- países a garantia da dignidade humana tem também servido como um
mente ao discurso jurídico. recurso universal para a solução de problemas jurídicos que poderiam
É certo que. dos casos mencionados anteriormente, muitos são ser resolvidos com o recurso a outros direitos. É claro que se poderia
tkcisões em habeas corpus; e é fato que. no âmbito da investigação dizer que, na argumentação jurídica. não• é um problema o recurso ao
criminaL muito abuso existe e muitos são tratados de forma degradante. máximo possível de argumentos na defesa de um ponto de vista. Se
Mas não é a essa situação que se quer fazer menção, aqui. Há casos em vários ar~umentos são aplicáveis, que se recorra a eles. Em muitos ca-
que. independentemente do conceito e da abrangência que se dê à dig- sos, no entanto, essa tese do "quanto mais, melhor" é equivocada. Nes-
nidade humana protegida pelo art. 1", I II, da constituição, c i ndepen- se sentido, se talvez não seja um grande problema o recurso constante
dentemente ela situação social do país, fica razoavelmente claro que o á garantia da dignidade por parte elos litigantes que têm o dever ele
recurso a essa garantia constitucional era desnecessário. 10 Isso porque defender, com o máximo de argumentos, os seus pontos de vista, o
-e talvez essa possa ser uma diretriz geral-, em todos eles, vários eram mesmo não se aplica para os juízes e para a doutrina. Isso porque, com
os outros direitos aos quais o aplicador do direito, independentemente o passar do tempo, quanto mais se recorre a um argumento sem que
de uma garantia constitucional da dignidade, poderia ter recorrido. Nes- ele seja necessário, maior é a chance de uma banali~ação de seu valor.
se sentido, quando se recorre ~ignidade da pessoa humana para garan- É o que vem ocorrendo com a dignidade humana. E por isso. que, de
tir "'o direito ao nome", 11 para decidir sobre inconstitucionalidade da uns tempos para cá, o entusiasmo com a garantia da dignidade da pes-
transformação de taxistas autônomos em permissionários C). 12 para soa humana vem dando lugar, em alguns círculos acadêmicos. a um
movimento por uma certa parcimônia no recurso à proteção da digni-
dade. Nesse sentido é o apelo Eric Hilgendorf: "( ... ) o topos dignidade
30. Pelo menos na argumentação da decisão judiciaL Isso significa que nüo se
humana vem sendo usado de forma inflacionária( ... ). Não poucos auto-
quer. aqui. analisar a forma como o recurso à dignidade humana se dá na argumenta-
ção ele advogados ou de outras partes no processo. Na mcclicla em que advogados- ao ras e autores parecem encarar a dignidade humana como passe-partout
contrário elos juízes - têm um interesse a defender, é mais facilmente compreensível para qualquer questão político-jurídica ( ... ). Não é necessário subli-
0 recurso a todo c qualquer argumento que pareça ter algum peso. E o recurso à
dignidade humana tem um apelo emocional inquestionável. Agradeço. aqui. a Otávio
Y;7zbek por ter chamado minha atenção para essa necessária distinção entre a argu- 33. HC 82.969: "A mera instauração de inquérito. quando evidente a atipicida-
mentaçüo dos juízes c a elos advogados. de da conduta. constitui meio hábil a impor violação aos direitos fundamentais. em
31. RE 248.869: "O direito ao nome insere-se no conceito ele dignidade da especial ao princípio da dignidade humana" (DJU 17.10.2003).
pessoa humana. princípio alçado a fundamento ela República Federativa elo Brasil'' 34. HC 71.373 (RT..J 165, 902 [902]): "Discrepa. a mais não poder. de garantias
(/)}(} 12 3 2004) constitucionais implícitas e explícitas- preservação ela dignidade humana, da intimi-
32. RE 359.444: "Sendo fundamento da República Federativa do Brasil a dig- dade, da intangibilidade elo corpo humano, do império da lei e da inexecuçüo especí-
nidade da pessoa humana, o exame ela constitucionalidade de ato normativo faz-se fica e direta de obrigação ele fazer- provimento judicial que, em açüo civil de inves-
considerada a impossibilidade de o Diploma Maior permitir a exploração do homem tigaçüo de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao
pelo homem. O credenciamento de profissionais do volante para atuar na praça impli- laboratório. 'debaixo de vara', para coleta do material indispensável à feitura do exa-
ca ato do administrador que atende às exigências próprias à permissão e que objetiva, me ele DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental. consideradas a dog-
em verdadeiro saneamento sociaL o endosso ele lei viabilizadora ela transfonnaçüo. m:ítica. a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das quest(íes ligadas
balizada no tempo. de taxistas auxiliares em pcrrnission;írios" (/)}(} 28.5.2004). à prova dos fatos".
I <ih IJIRI.II OS ll ''\;J).\\11-'>: 1.\IS CO:\TE!illO ESSENCIAL. RESTRI('ÕES E FHC.Á.CIA I<J7

nhar que essa prática, freqüentemente associada a um alto grau de essencial do direito restringido, mesmo que desse direito nada reste
emotividade, é extremamente prejudicial para o prestígio da dignida- em ali!uns casos individuais. ;s
de humana". 3 ' .~---~~~1bora ~s~a seja u1~1a tese de difícil aceitação, ela, no entanto, a
despeito de seus problemas/' aponta para a direção correta, ~-ser de-
senvolvida adiante.
5.4 Conteúdo essencial relatiwJ
Embora a própria idéia de um conteúdo essencial leve intuitiva- 5.4.1 Conteúdo essencial relativo e proporcionalidade
mente ú crença de que ele s<Í pode ser absoluto e com contornos bem
definidos. a idéia oposta, ainda que contra-intuitiva, conta também com A principal versão de uma teoria rel<~iva para o conteúdo essen-
não poucos adeptos. 31' O ponto central de toda teoria relativa consiste cial dos direitos fundamentais é aquela que o vincula à regra da pro-
na rejeição de um conteúdo essencial como um âmbito de contornos porcionalidade. Segundo essa versão, a garantia elo conteúdo essencial
fi.-..:os e definíveis a priori para cada direito fundamental. Segundo os dos dircit~s fundamentais nada mais é que a conseqüência da aplica-
adeptos de um conteúdo essencial relativo, a definição do que é essen- ção da regra da proporcionalidade nos casos de restrições a esses di-
cial - e, portanto. a ser prote~iclo - depende das condições fáticas e reitos. Ambos os conceitos- conteúdo essencial e proporcionalidade
elas colisões entre diversos direitos e interesses no caso concreto. Isso -guardam íntima relação: restriç6es a direitosjimdamentais que pas-
significa, sobretudo, que o conteúdo essencial ele um direito não é sem- smn no teste da proporcionalidade nâo afetam o conteúdo essencial
pre o mesmo. e podcní variar ele situação para situação, dependendo dos direitos restringidos.-~ 0 É nessa característica que reside o caráter
elos direitos envolvidos em cada caso. relativo da proteção ao conteúdo essencial. Isso porque a definição
desse conteúdo não é baseada simplesmente na intensidade da restri-
A partir dessa idéia comu?n, a definição do conteúdo essencial, em ção: ou seja. uma restrição não invade o conteúdo essencial simples-
uma perspectiva relativista, pode ser levada a cabo ele diversas formas.
Algumas mais simples, outras mais complexas. Eike von Hippel, por
exemplo, sustenta que toda norma de direito fundamental vale apenas ~X. Idem. p. 47.
39. O principal deles seria a relação unidirccional na comparação entre os direi-
c tão-somente na medida em que ao direito que garanta não seja con-
tos envolvidos: hasta que um seja mais importante que o outro para justificar qualquer
traposto um interesse de maior valor. 17 Isso significa que, se um dis- rcstri.;üo. Além disso. h;í também problemas metodológicos. sobretudo aqueles rela-
positivo legal restringe um direito fundamental no intuito de realizar cionados à definic,;ão do que exatamente significa ·'direito mais importante"'.
c proteger bens jurídicos mais impmtantes, ele não afeta o conteúdo 40. O mesmo vale para a idéia de concordância prática. desenvolvida por Hessc:
ou seja. a garantia de um conteúdo essencial é realizada se se garantir urna concordân-
cia prütica entre os direitos envolvidos (cf. Konrad Hesse, Gmnd:::Jige des \ferfassun-
r.:srcchts da BundnrCfJllb/ik /Jcutschland, ~ 332, p. 140). Nesse sentido, cf., por
3). Eric llilgcndorf. ··Dic Mil.\brauchte Mcnschenwürde: Problemc dcs Men- exemplo, o Acórdão 254/1999 do Trihunal Constitucional português: '"Por outro lado.
schenwürd~topos am Hcispiel der hioethischcn Diskussion'", lalzrlmch fiir Recht wuf a pmibi._:ão de ·diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos
~·!ltik 7 ( 1999). p. 137. No mesmo sentido, cf.: Horst Dreicr, "Art. I, 1", in Horst constitucionais· do 11. 3 do art. IX'' não se refere ao seu conteúdo à partida (primafacic
Dreier (org. ). Gmndgesct:: Ko111111enwr. v oi. I. Tiibingen: Mo h r. 1996, p. 129; Ulfrid ou a flriori). mas ao seu conteúdo 'essencial'. como resulta afinal do processo ele in-
Ncumann ... Dic Tyrannci der Würdc: Argumcntationstheorethische Erwagungen zum tcrpretac,;ão c aplica.;ão dos preceitos constitucionais. incluindo a solução dos contlitos
Menschenwürdeprinzip··. ARSP X4 ( 199X), p. 15). entre direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Quer isto dizer que a final
36. Sobre um balan.;o. na doutrina alemã, acerca dos adeptos de cada uma das sempre haverü circunstãncias ou pressupostos de facto em que o direito fundamental
teorias - francamente favorúvel à teoria absoluta -. cf. Claudia Drews, Dic Wcsens- é reconhecido e que constituem o seu conteúdo essenciaL Nesta medida, a pruihiçüo
!iclwltgarwztie dcs Art. f') /1 G(i. pp. 299-300. da parte jinal do 11. 3 é 111/U/ consequência do principio da harmoni::açiio ou concor-
37. Eike von llippcl. Grewen llllll \Ve.lcnsge/wlt der Gmndrechte, Berlin: Dun- dância l'râtica dos direitos 011 interesses em conflito {/1/e o Trihwwl tem aplicado'"
cker & llumhlot. JW,). pp. 26-27. (sem ~rifos no original).
DIIU·.I !OS n:Nf)A~IIc:\T-\IS CO:\ !fel" I lO !SSI:M'L\1. RI STRI(()I:\ E I·IIC\CI.\ O COi'iTEliDO i:SSLNCL\L DOS lll R LII O~ i·l :\I> \\11 .'\T \IS I'J'J

mente por ser uma restrição intensa. À intensidade da restrição, como importe em esva::.iamento do conteúdo essencial dos direitos fitndo-
já foi visto no capítulo anterior. é contraposto o grau de realização c de 1/lentais. tal como adverte o magistério da doutrina".~'
importância dos outros princípios envolvidos no problema. Por isso, A partir do raciocínio que subjaz ao trecho transcrito. existiria o
uma restrição que possa ser considerada como leve pode, mesmo as- risco de que a ''utilização do método da ponderação de bens c mteres-
sim. segundo uma teoria relativa, ser encarada como invasão do con- ses" pudesse importar ··em esvaziamento do conteúdo essencial dos
teúdo essencial de um direito: basta que não haja fundamentação su- direitos fundamentais". Haveria. então. a necessidade de uma dupla ga-
ficiente para a restrição. Nesse sentido. restriçr)es ncio-fundmnell!adas, rantia: em primeiro lugar, os direitos em jogo deveriam ser ponderados:
mesmo que ínfimas, violam o conteúdo essencial a partir das premi.~·­ mas o resultado dessa ponderação só poderia ser aceitável se respeitar
sas relativistas. E restrições ~ts vezes mais intensas podem ser consi- a condição de não-esvaziamento do conteúdo essencial daqueles direi-
lderadas constitucionais. isto é. não violadoras do conteúdo essencial. tos. Esse raciocínio exige a análise de dois pontos importantíssimos.
Por isso, pode-se dizer que Jorge Miranda. ao censurar as teses @É possível que em casos concretos cspccíticos. após a apli~ação /1
relativistas, "porque confundem proporcionalidade (. .. ) c conteúdo
essencial", 41 aponta, de um lado, para um fenômeno real - a relação
da propoJiCionalidade c de sua terceira sub-regra, a proporcionalidade
em sentido estrito (sopesamcnto/ponderaçüo). nada reste de um deter-
U
de identidade entre ambos os conceitos -, mas a partir de uma visão minado direito. 44 Por mais que soe estranho c possa passar uma certa
negativa, por tratar a identificação corno confitsâo conceitual. Não é o sensação de desproteção, isso apenas refkte o que ocorre em vários
que as teses relativistas fazem. Como mencionado acima. as teorias casos envolvendo direitos fundamentais. ~ando alguém. por exemplo.
que pressupõem um conteúdo essencial relativo idetztijicam esse nú- tem seu siuilo telefônico devassado e suas conver~~s int~p~­
cleo com o produto da aplicação da regra da proporcionalidade. 42 Ou da~br~l-cl~sse éfÍt~eitolltn{.j_~ti_Det-ltal.-Q~i~l~1dO SC--pr()íbC <~e~i-~j_ç_ã~~~-1~-­
seja, tratam a essencialidade como um valor a ser respeitado no caso terminad~ -p-;og~~ma de televisão ou a E~t_9l~céls~1o_(}_c determinada ma-
concreto. Se assim não fosse t- ou seja, se fosse necessário distinguir téria jornal ística.támhém s()bràupoí.ícó-_ou~tda ela Iiber19-de_de imprensa
os conceitos de proporcionalidade c conteúdo essencial dos direitos naquele cas()UÇ<;li}ç:_[eto. Q.':!_ando alguém_§__::ondenado a :una pena de
fundamentais-, seria necessário aceitar que restrições a direitos fun- reclusão, sua liberdade de ir e vir é aniquilada. Ou, por fim- e talvez
damentais, ainda que proporcionais, pudessem eventualmente afetar de forma ainda mais clara -, quando-Úlgl'telntem um terreno que é
seu conteúdo essenciaL Essa é uma possibilidade que parece ser pres- desapropriado, seu direito. nesse caso concreto, desaparece por com-
suposta no já citado voto do Min. Celso de Mello no caso Ellwanger. pleto. Em diversos casos semelhantes, por ser impossível graduar a
Vale a pena, mais uma vez, mencioná-lo aqui: "(. .. ) a superação dos realização de determinado direito, qualquer restrição a ele é uma res-
antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar trição total ou quase total.
da utilização, pelo STF, de critérios que lhe permitam ponderar e ava- É claro que seria possíveL nos exemplos mencionados acima,
liar, hic et nunc, em função de determinado contexto e sob uma pers- recorrer à idéia de limite imanellte. Assim, se um livro teve sua publi-
pectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no cação proibida, iss; ocor~eu provavelmente porque seu _autor ou_cal~­
caso. considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no en- niou, injuriou ou difamou alguém, ou porque não respeitou a pnvact-
tanto, a lltilização do método da pmzderaçâo de hens e interesses não dade de um indivíduo ou seu direito ú imagem. Nesses casos, como
sempre ocorre nos casos ele suporte fático restrito dos direitos funda-
4 L Jorge Miranda, Manual de direito constitucional. v oi. I V, p. 341. Em sentido
semelhante, c f. José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fwulwnentai.l Jlll Cmzsti-
tuição portuguesa de 197(), p. 305. 43. RTJ !8X. 858 (912) (sem grifos no original).
42. Cf, contudo, para um exemplo de relativista que não faz essa identific.u,:ão: 44. Cf., no mesmo sentido, Robert Alcxy. Thcorie der Grundrcchte. p. 269
Horst Drcier, ''Art. 19. 11", in Horst Dreier (org.), Grundgcser:: Konzmentar. vol. L [tradução brasileira: pp. 297 -29X 1- C f. também José Carlos Vieira de Andrade. Os
*
Tübingen: Mohr, 19%, 14, p. l.ORX. direitosjiau/amentais na Constituiçüo portuguesa de N7(J. p. 307.
200
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me~1tais. o argum.ento seria razoavelmente simples: não havia nem que de um direito fundamentaL a dignidade humana impõe um desafio a
se falar em respeito a um conteúdo essencial ele um direito fundamen- esse modelo. Seria possível aceitar que a dignidade seja também ob-
taL já que não se tratava ele conduta protegida por algum desses direi- jeto de sopesamento e tenha que ceder ante eventuais circunstfmcias
tos: Embora seja uma estratégia possível, a conclusão necessária. aqui, de um caso concreto? Como forma ele evitar esse problema, Alexy pro-
sena: então. não era também o caso de recorrer à proporcionalidade põe uma estrutura diferenciada para a garantia da dignidade. Segundo
ou ao sopesamento. Mas, como se viu no voto do Min. Celso ele Mello de, a dignidade seria. ao mesmo tempo, uma regra e um princípio. 16
a_rekrência é feita, em primeiro lugar, ao sopesamento (ou pondera~ Essa divisão corresponde, de forma quase total, à aceitação, para o
~ao). e complementarmente se recorre também ao conceito de conteú- caso da dignidade hunwna, da existência ele um conteúdo essencial
do essen~ial. Nesses casos, como já se viu, a estratégia do suporte fá- absoluto, que seria caracterizado pela "'parte regra" da norma que ga-
tko rcstnto e do recurso aos limites imanentes está excluícla. 4 ' rante esse direito. A "pmte princípio" da nflrma que garante a dignida-
. Q}ü problema adicional criado pelo alerta presente no voto elo de, por sua vez, teria a mesma estrutura de todo e qualquer princípio,
Mlll. Celso de Mello- "desde que não importe em esvaziamento c seria, portanto, relativiz<ivel quando houvesse fundamentos suficien-
do conteúdo essencial dos direitos fundamentais"- refere-se ao mé- tes para ta~lto.
todo de C~)I.ltrole desse esvaziamento e à solução para o caso em que Embora a idéia subjacente à proposta ele Alexy seja defensável
ele se venflque. No caso elo método ele controle- que significa basi- -ou seja. garantir uma barreira intransponível no direito que muitos
camente saber "quando a garantia do conteúdo essencial foi violada'' consideram, com boas razões, como o direito que fundamenta todos
-, esse é o ponto problemático ele todas as teorias absolutas acerca os outros-, os problemas dessa proposta não são poucos. 47 Ao contrá-
desse conteúdo. A es:a questão não respondida soma-se outra: supon- 4
rio, todos os problemas vistos acima. ~ quando se analisou a relação
dc~-se que haJa uma forma ele saber quando uma "ponderação de bens da dignidade com as teorias absolutas, valem aqui, também. Mais que
c lllteresses" importa esvazia~nto elo conteúdo essencial ele um di- isso: todos os problemas relacionados à definição do que eleve fazer
reito, qual deve ser. nesses casos, a conseqüência dessa conclusão? parte desse conteúdo absoluto, que, ele uma certa forma, são semelhan-
l~ej.eitar o sopesamento? Recorrer a outro método? Se se tratar ele prin- tes aos déficits de fundamentação da teoria interna, vistos no capítulo
Cipios, que método poderá ser esse? anterior, vêm, aqui, de novo à tona.
Todas essas questões não respondidas têm uma fonte única: exi- Para evitar todos esses problemas e, além disso, manter a coerên-
gir uma dupla garantia- proporcionalidade e conteúdo essencial. Essa cia com os pressupostos deste trabalho, parece-me possível sustentar
dupla exigência, que aparenta conferir um maior grau de proteção aos que também a dignidade segue os mesmos caminhos de todos os prin-
direitos fundamentais, é, na verdade, pelo menos a partir elos pressu-
postos das teorias relativas, uma redundância. E é essa redundância 46. Cf. Robert Alexy, Theurie der Gnmdreclzte. pp. 95 e ss. [traduçao brasileira:
que gera os problemas interpretativos expostos acima. pp. lll e ss.J. No mesmo sentido. cf. Ana Paula de Barcellos, Ponderaç"lio, raciona~
!idade e atividade jurisdicional. pp. 193-194.
47. Para um aprofundamento no debate sobre o caráter absoluto ou relativo da
5.4.2 Conteúdo essencial relatim e dignidade dignidade. cL por exemplo: Jngo Wolfgang Sarlet. Dignidade da pessoa hwnmw e
direito.1{undamentais. 3" ed .. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2004. pp. 124 e ss.:
Embora nenhum autor que defenda uma teoria relativa negue que, Michael Kloepfer. "Leben und Würde des Menschen", in Peter Badura/Horst Dreier
(orgs. ). F estsc!trift 50 Jalzre Bundesve1jassungsgericht, Tübingen: Mo h r, 200 l, pp. 77
em determinadas circunstâncias, é possível que pouco ou nada reste
e ss.: Fabian Wittreck, ··Menschenwürde und Folterverbot: Zum Dogma von der aus-
nahmslosen Unabwiigbarkeit des Art. l Abs. l GG". DÔV 56 (2003): 873-RR2: e
Martin Nettesheim. "'Die Garantie der Menschenwürde zwischen metaphysischer
, 45 ~t tlÍpico 4 3 No mesmo sentido. cf., por todos, Ana Paula de Barcellos Üherhiihung und blof.)en Abwiigungstopos". AüR 130 (2005): 71-113.
I {JIJdn acuo. li!< wna/uladc c atli'Jdade ;urlld!C/OIWl. p. 59
4X. Cf. tópico 5.3.3.
f -
~02
DIRU lOS I·l '\IJ \\IL'\1\l\. COJ\ JH,DO I:SSENCL\1. RIS! RI("0Ls E LFICACIA
O CO'>TEI ()()I SSI '\("L\1 IHJS DIRLIIC>S l·t·:--ID.\:VIF'iii\IS

c.·ípios, c, portanto. tende a ter um conteúdo ess•'Ilci·


.. ~ ,'ti I.e 1a t Ivo,
· a nao-
_como a brasileira- que não tenham dispositivo expresso nesse sen-
ser nos casos e1:1 que a própria constituiçüo. em normas com estrutu-
tido não carece de fundamentação extra. A simples aceitação da pro-
ra_ c!~_ regra. dehm_t condutas ~lhsolutamcnte vedadas nesse âmbito. A
porcionalidade já traz consigo a garantia de um conteúdo essencial
pnnc1pal delas sena, sem dúvida alguma, a vedação de tortura e trata-
para esses direitos.
~ento ~e~radant~ ~ar:t. _5~, fi I~, que imJ_JÕe uma barreira intransponível
ou SeJd, '_mune <l Ie!,~tivizaçoes a partir de sopesamentos- no conteú- Um argumento muito usado no sentido contrário- ou seja, pela
do essencial d'a dignidade ela r)esso·t hur11 ·tn't .~., c · torna-se não-identidade entre proporcionalidade e garantia do conteúdo abso-
, ~ t · ' ' ' . om Isso, luto e, por conseguinte. por um car<Íter não meramente declaratório
possivel uma PI:oteção efetiva c, em vcírios casos, absoluta da clignicla-
fe sem qL_Ie SeJa necesscírio recorrer a exceções ad hoc ao mod desse último - é bem resumido na seguinte idéia: o teste ela propor-
ttesenvolviclo. e 1o cionalidade pode rejeitar restrições ínfimas a direitos fundamentais,
que estejam longe da barreira de proteção.do conteúdo essencial. 51 Ou
seja: "Intervenções realmente mínimas podem ser consideradas des-
5.5 Sobre o caráter constitutivo ou declaratório proporciüi1ais. sem que se chegue nem perto do conteúdo essencial''. 5 2
das previsões constitucionais É fácil perceber, aqui. qut? Dreier mistura a perspectiva relativa- ela
qual é adepto- com uma perspectiva absoluta. Se a proporcionalidade
,- Como mencionado no início deste · trab·tlho
' , mu 1·t·ts
'· d as. constitlll-
· · pode às vezes não coincidir com a garantia do conteúdo essencial ele
çoes promulgadas sobretudo nas duas últim· 1s de'cadas ai, d determinado direito, isso significa que essa garantia está sendo conce-
- - - ' ' , em as cons-
tltmçoes da Alemanha, ele Portunal e da l:"l)'tilh't cor1 te~m c1·ISpOSIÇOes
· - bida de forma absoluta. Isso fica claro quando Dreier afirma que so-
,- "; •·J ' ''
a~erca da ~roteçao de _um contcudo essencial dos direitos fundamen- mente haveria identidade nos casos de intervenções intensas, que
tars. Em vista do analisado n~ste capítulo pode surnir dúv"cl atinjam o conteúdo es.\clwial. Percebe-se, aqui, que o conteúdo essen-
elo valor cf t . I" . . ' . o I a acerca
_.-' e ais c Is~osJtivos. A resposta a essa dúvida depende ela de- cial está sendo considerado como urna grandeza fixa e absoluta, da
crsao acerca do carater absoluto ou relativo dessa garantia qual uma intervenção pode se aproximar mais, ou menos. Na forma
, ~a linha de_fendida 1_1este trabalho- segundo a~ qual a ~arantia elo como visto acima, contudo. isso contraria as premissas das teorias
conteudo essencial dos direitos fundamentais é uma SI.Inple~ c1 ~ relativas. 53
,·, d - , · · s ecorren-
~-''~ o ~espe_Ito ~regra da proporcional idade-, qualquer eventual clis 0 _
sitivo constituciOnal acerca da questão tem valor merame t d 'I· p, 51. Nesse sentidu. cL llorst Dreier. ··Art. 19. 11--. § 14. p. !.088.
· so I . - - -. , . n e ec <lrato-
no. sso nao sigrutica. c claro, que tats dispositivos seJ·am desp ·d 52. Idem.
d fi - · . . ' · ' , rov1 OS
53. Diante disso.~ necessário também reformular algumas posições que expres-
e unçao; mas essa função é mais simbólica que constitutiva.
sei em trabalho anterior (cf. Virgílio Afonso da Silva, --o proporcional e o razoável".
A partir dessa constatação. a exiuência de um 1-espei.t() a , t , RT 79R (:~002). p . .f I). nos .>eguintes termos: "Para que uma medida seja reprovada
1 , · . . . '=' 'o cem eu-
c o essencial elos direitos fundamentais em países com constituições no teste da proporcionalidade em sentido estrito. nüo é necessário que ela implique a
não-realização de um direito fundamental. Também não é necessário que a medida
atinja o chamado núcleo essencial de algum direito fundamental. Para que ela seja
49. Desci· q t 1 r .· · - - . considerada desproporcional em sentido estrito, basta que os motivos que fundamen-
uma mera e~icr~n ~Ie a c tsposittvo, nao sep tntcrpret:tclo de forma restritiva, como
o cta de bons tr,ttos .tpenas em dependennas policiais ou similares tam a adoção ela medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao di-
·5() · N o mesmo senttdo ·ti d· · · reito fundamental atingido. É possíveL por exemplo, que essa restrição seja pequena.
Peter H'ib ·ri. [). W . ' n d que nem sempre com a mesma fundamentação cf.
' c c. lt> esensgelwltgarantie dt>.\ Art. 1<) A/Js. 2 Grund , ·, - ?34· ' .. hem distante de implicar a nüo-realização de algum direito ou de atingir o seu núcleo
rad H esse, Gmnd-ii, , 1, · v' 1· . . . gua,, P· - . Kon- essenciaL Se a importância da realização do direito fundamental, no qual a limitação
140· R b \ •. 8t l c.\ (' a.\.lung.lrcchrs der /Jwulesrcpublik Dcutschland § 13?
p. t. I' o e~~ lexy, Theorw der Gmndrechre. p. 269 I tradução brasileirT p 298]·E-· se baseia, não for suficiente para justificá-la, será ela desproporcional". Como se vê.
sen IC o contrano d 1-hrtm t j:· -k 1 (, '· · · m esse trecho dava a entender que a garantia ele um conteúdo essencial seria algo diver-
pp. 72 e ss. , . ' u ac e. rnttulrcclusgeltwrg und Grundrcchtssicherung.
so elo resultado do exame da proporcionalidade. o que não é o caso. Mas não todo o
trecho perde seu valor. já que continua valendo a reJeição à idéia segundo a qual
O CONTI:Ljl)() ESSI:t-;CIA!.IJOS DIRIITOS Fl'NlJ,\1\IE" 1.\IS
204 DIRITIOS FI ':\DMvlf-.NTAIS. CON r H q)() 1-.SSLNCIAL. RISIRI<;{>LS I· \.\·I(. \C\\

5.6 Direitos sociais, conteúdo essencial âmbito dos direitos sociais, é justiciável- ou seja. ainda que os din:i-
e mínimo existencial tos sociais possam garantir mais, a tutela jurisdicional só pode co~1tro­
lar a realização do mínimo existencial, sendo o resto m_era q.uest<,IO de
Como já se viu anteriormente. quando da dehnil.;ão do suporte política legislativa; c Q) o mesmo que conteúdo ~sse_nctal_-:- tsto c. um
fútico dos direitos fundamentais. os direitos sociais costumam em conceito que não tem relação necessária com a JUSttctabtltdade c. ao
geral exigir uma abordagem diversa daquela utilizada na compreen- mesmo tempo. não se confunde com a totalidade do direito soctal.
são das liberdades públicas. As razões para isso são claras e já foram Aqui, a decisão por um determinado modelo ,de c~nte_ú~lo essen-
sedimentadas. 54 Para a reconstrução de um conteúdo essencial dos di- cial para os direitos sociais não é - como tambem nao !01 n~ ~aso
reitos sociais o problema se coloca novamente. Ao contrário do que ueral das liberdades- uma questão de simples escolha. Como Ja hcou
mJorre nos casos de restrições à dimensão negativa das liberdades pú- ~laro ao longo deste capítulo, e ficará ainda mais no tópico seguint~,
blicas, em que o Estado, que primafacie deve permanecer inerte. age essa ''escolha" é, na verdade, algo determinado pelos pressupostos h-
no sentido de restringir uma ou várias liberdades, nos casos de direitos xados ao lpngo do trabalho. Quando se anal isou o ~uporte fático dos
sociais o que ocorre é o oposto: o Estado, que deveria agir para reali- direitos sociais, o resultado foi um suporte nos segumtes moldes: se .r
zar esses direitos, permanece inerte. É possível utilizar para ambos os é uma ação estatal que fomenta a realização de um direito social (DSx)
fenômenos o conceito de restriçâo, mas desde que as diferenças de c a inércia (ou insuficiência) estatal em relação a x não é fundamenta-
sentido não sejam ignoradas. da constitucionalmente (•FC(IEx)), então, a conseqüência jurídica
A simples idéia de um conteúdo essencial dos direitos sociais re- deve ser 0 dever ele realizar x (Ox). O conteúdo essencial de um direi-
mete automática e intuitivamente ao conceito de mínimo existencial. to sociaL portanto. está intimamente ligado, a partir da teor_ia rel~tiva,
Essa intuição em considerar ambas as figuras como intercambiáveis a um complexo de fundamentações necessárias para a JUSttficaçao de
ou sinônimas deve, no entanto.•ser vista com cautela. Não é o caso. eventuais não-realizações desse direito. Em outras palavras: tanto
aqui, de fazer uma aprofundada análise do chamado mínimo cxisten- quanto qualquer outro direito, um direito social tar_n~ém ~e_ve ser rc~­
cia/;5' mas é preciso ter em mente, em primeiro lugar. que o conceito lizado na maior medida possível, diante das condtçoes lattcas c Jllrt-
de mínimo existencial é usado com diversos sentidos, e pode signi!l- dicas presentes. 57 O conteúdo essenciaL portant~, ~<~qui!~ r:~a~iz~~e.~
car:(D aquilo que é garantido pelos direitos sociais- ou seja. direitos nessas condições. Recursos a concettos como o mmtmo extstcnct.tl
sociais garantem apenas um mínimo existencial;"'@ aquilo que. no ou a ·'reserva do possível" só fazem sentido diante desse arcabo~1ço
teórico. Ou seja, o mínimo existencial é aquilo que é possível realtzar
desproporcional é apenas a medida que implique a não-realizaçào de um direito ou
diante das condições fáticas c jurídicas, que, por sua vez. expressam
uma restrição extrema a ele. Os termos empregados devem ser. no entanto. reconsi- a noção, utilizadas às vezes de forma extremamente vaga. de reserva
derados com base no defendido neste capítulo.
54. Cf. tópico 3.2.4.1.
elo possível.'R ~ (t
55. Em português, cf., por todos. alguns trabalhos de Ricardo Lobo Torres. que é ~
o principal defensor da idéia de mínimo existencial no Brasil. CL. por exemplo: Ricar-
· I" ~ 11· 1 In<>ll
ela ~
W(llf.oano S·trlet (oruo· )~ Direito\· . finu/wnenlais sociais: cslirdos l,de direi-
do Lobo Torres. ··A cidadania multidimensional na era dos direitos". in Ricardo Lobo c-' ;::o ' . .
Torres (org. ). Teoria dos direiwsjimdamentais. :?:' ed., Rio de Janeiro: Renovar. :?00 I.
rn conslilllcional, inlernacional e comparado. Rto de .lanetro: Renovar. :?00 .. pp. I l
e ss. Não é. como se percebe sobretudo a partir do conceito de suporlejárico liiiiJ>Io.
pp. :?X4 e ss.: do mesmo autor. ··o mínimo existencial e os direitos fundamentais"'. RIJA
177 ( 19X9): :?9-49. Cf. também Ana Paula de Barcellos. "O mínimo existencial e algu- a tese aqui defendida. . . _
57. Aqui, mais uma vez, o conceito de !IIWII!wnenlo de otunr~acao aparece em
mas fundamentações'", in Ricardo Lobo Torres (org. ), Legitimaçilo dos direitos hwna-
1/0S. 2' ed., Rio de Janeiro: Renovar. :?007. pp. 97 e ss. CL por fim. Volker Neumann.
sua inteireza. Sobre esse conceito, cf. tópico 2.:?.:?.
. SX. É possível que surja, aqui. uma sensação de desprotc_çãoaos direilos sociais.
··Menschenwürde und Existenzminimum"', NVwZ 14 ( 1995): 426-43:?.
pois sua realização fica dependente da verificação das condtçoes tatlcas e JUndtcas de
56. Essa é a proposta de Ricardo Lobo Torres. ··Fundamentação. conteúdo e
umtexto dos direitos sociais: a metamorfose dos direitos sociais em mínimo existcn- cada situação concreta. Sobre isso. cf. tópico 6.9.3.
IJIRLIIOS IT'>Il \\11 ..'\ 1\IS CO:\ I Fl'D<l lSSlNCIAI. RESTRI~'()ES E El·l< \('1,\
• ()CO'\ IT.l.IJO LSSL:\CL\L llOS DIREITOS Fl ''\l>c\ML'\TAIS

.·. restriçôes que passem pelo teste da proporcionalidade não atin-


5.7 Resultado
<Tcm o conteúdo essencial.
c
Como j<Í ficou claro no IlliCIO deste capítulo, não se pretendia,
aqui, expor teorias para depois fazer uma opção pela "melhor". A
opcâo. no t·crdodc, jcífoifcita antes. Se, na visão deste trabalho, como 5.8 Desenvolvimento
foi ressaltado, o conteúdo essencial dos direitos fundamentais é defi- Além de todas as conclusões a que se chegou até ag_ora. a com-
nido, a partir da relação entre diversas variáveis- e de todos os pro- preensão dos direitos fundamentais a partir ~e uma t~ona extern~t e
blemas que as cercam-. como o suporte fático dos direitos fundamen- como direitos com suporte fático amplo, cL~Ja g~rantw do conteu~lo
tais (amplo ou restrito) e a relação entre os direitos e suas restrições
essencial depende da aplicação ela proP.orc!Onallcl!de, te~_ ~a,I_nbem
qeorias externa ou interna). a opção fundamentada ao longo de todos
profundas conseqüências na forma de comp:eensao c! ~ eticacw <
das
os capítulos precedentes jú definiu, automaticamente, a opção por um normas constitucionais. Esse é o terna do capitulo segumte.
modelo ele garantia do conteúdo essencial dos direitos fundamentais:
o modelo relativo. sobretudo em seu enfoque subjetivo. 59
Se se parte da premissa segundo a qual (I) os direitos fundamen-
tais têm um suporte fático amplo e que, por conseqüência, (2) há uma
distinção entre o direito em si e o direito eventualmente restringido
-que se reflete na distinção entre direitos prima facie e direitos defi-
nitivos-, que, por sua vez, (J) é expressa na distinção entre princípios
e regras, e que, por fim, (4) a regra da proporcionalidade é a forma de
controle e aplicação dos princ.pios como mandamentos de otimiza-
ção, entâo, nâo hâ espaço algum para teorias absolutas. Em outras
palavras: se a constitucionalidade de uma restrição a um direito fun-
damental garantido por um princípio depende sobretudo de sua funda-
mentação constitucional, e se essa fundamentação constitucional é
controlada a partir da regra da proporcionalidade, pode-se dizer que
toda restrição proporcional é constitucional. Se é inimaginável consi-
derar como constitucional urna restrição que invada o conteúdo essen-
cial ele algum direito. entâo, o proporcional respeita sempre o conteú-
do essencial. O raciocínio pode ser resumido no seguinte silogismo:

. rcstri<,;ôes que atingem o conteúdo essencial são inconstitucio-


mus:
. restriçües que passem pelo teste da proporcionalidade são cons-
titucionais:

59. E. além disso. as críticas a outros modelos acerca do conteúdo essencial


dos direitos são. em geral. aquelas jü analisadas nos capítulos anteriores. sobretudo
aquelas referentes ao suporte f<ilico restrito e à teoria interna.
U·IC,\( 'L·\ ll.-\S f\OR\IAS ('( J'.;S llll'CIO'-J -\IS 209

desenvolvida por José Afonso da Silva em fins da década de 1960. 1


Especialmente sua distinção tríplice das normas constitucionais, quan~
to à sua "aplicabilidade", entre normas constitucionais de eficácia
plena, normas de eficácia contida e nornws de 1jinícia li111itada, é até
hoje aceita pela doutrina 2 e pela jurisprudência.'
A tese até aqui defendida é. no entanto. incompatível com essa
Capítulo ó teorização. pelo menos no úmbito dos direitos fundamcntais. 4 A razão
EFICÁCIA DAS NORMA.S' CONSTITUCIONAIS fundamental para essa incompatibilidade. a ser desenvolvida ao longo
deste capítulo, pode ser adiantada aqui. A base ela classificação de José
Afonso ela Silva reside, segundo me parece,• em duas distinções essen~
6. I lntroduçüo. 6.2 Aplim/Jilidadc <' e/icúcia. 6.3 Eficácia das normas
constitucionais segundo José A/{111.10 da Si!t·a: 6.3.1 Normas de eficâ-
ciais: Q) entre as normas que podem e as que não podem ser restrin~
cw plena- 6.3._2 Normas de e/inicia contida - 6.3.3 Norma. 1 de eji1.úcia gidas; e~ entre as normas que necessitam e as que não necessitam
ltlllllwla. 6.4 ( las.IL/tca\úcs ttfr,•nwli\'11.\: 6 .../. I Maria Helena Di 11 t~ c de regulamentação ou desenvolvimento infraconstitucional. A partir
Pinto Ferreira - 6.4.2 Ce!w Hasro.\ e Carlos Arres Britto. 6.5 Os dessa constatação e daquilo que já foi analisado até aqui, fica clara a
problemas do cril<;rio tní,lin· de Jo.1 1; A/i I/I.\ O da .~i/va: 6.5.1 Proble-
mas relatil'os ús normas de cjiuícia contida: 6.5. 1.1 ()problema tcr-
razão ela incompatibilidade. já que, em primeiro lugar, foi rejeitada, a
lllliiOiogLco- 6.5.1.2 O pmh/nna '-fassijicaltírio- 6.5.1.3 ()problema partir de um modelo de sup01te fático amplo. a distinção entre restri~
extslencwl. 6.6 A c/assijica\'1/o de José Ajimso da Si/ 1·a e os limites çâo e regulação: toda regulação é, ao mesmo tempo. uma restrição, já
Imanentes: 6.6.1 Lihe~·dades púhlicn1 co1110 nor11ws nüo-restringh·eis que regular o exercício de um direito implica excluir desse exercício
- 6.~.2 Ltberdade.\ publicas como nonnas n{{o-regu/iunentâ 1·eis. 6. 7
Efi<:~zcw e efetil·idwle: (J.l.l "Citf)(tcidwle de produ:.:ir e}Í'itus jurídi- aquilo que a regulação deixar de fora; e, além disso, toda restrição é,
cos - 6.7.2 LLhcrdades ptíh!ica.\, direitos polfticos c direitos sociais: ao mesmo tempo, regulação, já que não se restringe direito fundamen-
dcpcndência_da açüo estatal: 6. 7.2. I Frcmplo I: di rei to ao suji·úgio e
dunto a swtde - 6.7.2.2 t\nnplo 2: liherdudes públicas e direitos
socw1s- 6.7.2.3 Normas de e/inícia plena e de eficácia limitada: con- L Cf. José Afonso da Silva. Aplicahilidade das normas constitucionais. 7ª ed.,
,·lus:7u- 6.7.2.4 As dimmw!c.1 da dogmática c a comrapo.1içüo entre 2• tir., São Paulo: Malheiros Editores. 2008 ( 1·' cd .. 1968).
cficacw e efctn·ulade -- 6.7.3 [)ir_:rn.lúo sohre a ej(•tividade e justicia- 2. Talvez a melhor forma de se ter uma idéia dessa aceitação seja uma consulta
ht/[(lade dos direitos sociais: 6.7.3.1 ()custo dos direitos, ou. por que aos manuais e cursos de direito constitucionaL Será fácil perceber que. com raríssi~
a efetLVu/ade das nonnas de direitos sociais <;mais baixa _ 6.7.3.2 mas exceções, todos eles partem da classificação de José Afonso da Silva.
Justiciahilidade. 6.8 1'eoria c.rtema. suporte jâtico amplo e eficácia 3. Cf.. para alguns exemplos, as notas de rodapé 20. 23, 24 e 26. abaixo. Quan~
dos dtrettos jundamenwis. ()_l) Conc/usúo: eficácia ,. garantia dos di~ do se fala em ·'aceitação pela jurisprudência" quer-se fazer menção. aqui, à aceitação
rntos fundamentais: 6.Y. I Norma.1 de cjicúcia f'le1w - 6. 9.2 Normas do modelo proposto por José Afonso da Silva. Isso não implica. claro. que as normas
d,- cjiuícia contida - 6. Y.3 Normas de eficácia limitada. que José Afonso da Silva considere. por exemplo. como normas de eficácia plena
assim sejam consideradas também pelo STF. O caso mais claro nesse sentido é o do
art. 192, § 3°. da redação original da CF Na ADI 4 e. depois. na Súmula 648 o STF
6.1 Introdução considerou a norma expressa por esse artigo corno nom1a de eficácia limitada (cf.
nota 26. abaixo). enquanto José Afonso da Silva a classificava como norma de eficá-
. No direito constitucional brasileiro poucas são as discussües teó~ cia plena (cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 8·' cd.,
São Paulo, Malheiros Editores. 19')2. pp. 703-704 ).
ncas que g~zam de uma sintonia tão grande entre teoria e prática co~ 4. Não é objeto deste trabalho a análise de todas as normas constitucionais. mas
mo a ~uestao da aplicabilidade c da eficúcia das normas constitucio~ apenas dos direitos fundamentais. Por isso. não faz parte também de seu objeto uma
na,'~- E poucas são as teorias que, a despeito da existência de algumas análise do modelo de José Afonso da Silva no que diga respeito a nonnas de compe-
cntic·ts
• · pon t ua1s.
· -
sao -
tao ·
acettas, por tão longo tempo, quanto aquela tência. organização ou outras normas constitucionais que não se relacionem com os
direitos fundamentais.
+
l]·iC\CIA !lAS ~ORMAS CONSTIHJCION.\IS 21 I
~111 IJIRHIOS lliNIJAM!óNTi\IS CONTE\ IDO I·.SSE~< 'L\ L. RI:S rRWCWs E IIICAC T\

tal sem fundamentação. mas sempre com o objetivo de harmonizar o guém. contudo, possui como seu, sem interrupção nem oposição. um
exercício de todos eles. imóvel público por mais ele 15 anos. não lhe adquire a propriedade.
Não se diz. contudo, que a norma contida no a11. 1238 do Código
Antes de passar à análise do problema, é necessúrio que se faça
Civil não tem eficácia para essa relaçiio jurídica. O que ocorre. na
uma breve digressão terminológica e conceitual.
verdade. é a mlo-aplicahilidade da norma em vista do disposto no art.
11
102 do mesmo Código e no art. 183, § 3", da constituição".
6.2 Aplicabilidade e eficácia Como se percebe, a questão da aplicabilidade é uma_ questão re-
lativa à conexão entre a norma jurídica, de um lado, e .tato> atos ~
Embora o título do livro de José Afonso da Silva seja Ap!icahi!i- posições jurídicas, de outro. Em ou~ras p~lav:~s: ·'Apllc~tbt~td,~tde_ ,c
hade das Normas Constitucionais, o conceito mais importante de seu ( ... ) um conceito que envolve uma d1mensao fattca que IM~ cst<l P' ~­
trabalho é a e.ficácia das normas constitucionais. Mas, segundo o autor, sente 110 conceito de eticácia". 12 Como se percebe, a questao da_ apli-
"eficácia e aplicabilidade ( ... )constituem fenômenos conexos, aspec- cabilidade .é 0 problema que já foi tratado em capítulos antenores.
tos talvez do mesmo fenômeno, ( ... )". 5 Além disso, se ''a norma não sobretudo no capítulo 3, no qual se debateu a amplltu?e ~o suporte
dispõe de todos os requisitos para sua aplicação aos casos concretos, fático das normas que garantem direitos fundamentais. E naquele
falta-lhe eficácia, não dispôe de aplicabilidade". 6 Não são poucos os contexto que se decide sobre a aplicação dessa ou daquela normé~._A
autores que entendem que esses termos, na obra de José Afonso da questão a ser debatida neste capítulo é, co~tud?; ~o.m_r~etamente dife-
Silva, não são muito bem esclarecidos. 7 Da mesma forma que já ti;: rente. Não se pretende, aqui - até porque 1sso Ja fot teJt(~ ao l?ngo _do
em trabalho anterior, distingo aqui também a eficácia da aplicabilida- trabalho -, analisar a aplicação dos direitos fundamentais a s1tuaço~s
de de uma norma. Naquela ocasião afirmei que, "apesar da conexida- concretas ou modelos que pretendam reconstruir essa forma de apli-
de, não há uma relação de pr~ssuposição entre ambos os conceitos".x cação. O objeto deste capítulo, como j~ fico~ claro no tópico introdu-
A razão é simples: ainda que uma norma não dotada de eficácia jurí- tório é um embate entre aquilo que fot analisado ao longo de todo o
dica não possa ser aplicada, é perfeitamente possível que ··uma norma traba,ll10 e as classificações mais usuais acerca da eficácia ?as .':ormas
dotada de eficácia não tenha aplicabilidade". 9 Isso sobretudo porque a constitucionais. A digressão terminológica deste tópico 6.2 JUStthca-se.
aptidão para a produzir efeitos é algo que se define em plano diverso no entanto, porque, ao contrário do título da obra principa! a, s~r..anaii-
daquele no qual se discute o problema da aplicação. Aplicar, aplica- sada, não se falará, aqui, em "aplicabilidade", mas em ·'eficaCia .
çâo. aplicável e aplicabilidade são conceitos que exigem um com-
plemento: ''aplicar a quê, a que tipo de relação, a que casosT. 111 Esses
questionamentos não fazem sentido quando se fala em eficácia. Para 6.3 Eficácia das normas constitucionais
usar um exemplo que utilizei no trabalho já mencionado: '"( ... ) os segundo José Afonso da Silva
dispositivos dos arts. 1238 e ss. do Código Civil, que disciplinam a o ponto de pa11ida da teoria de José Afonso da Silva é a f~m<.h~mci~-
usucapião, contêm normas jurídicas dotadas de plena eficácia. Se ai- · · - e m pr 1'1neiro lugar, da' existência de normas. constitucion;us
ta 1 reJetçao, . _
que sejam despidas de eficácia. 13 Em segundo lugar, reJeita ele tambcm
5. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas constitucionais. p. 60.
6. Idem.
7. Cf.. por exemplo. Wilson Steinmetz, A l'inculacâo dos particulares a direitos li_ Idem. p. 56. .. _ .
12. Ibidem. A negação. aqui, da dimensão fática não signitica- como sera Visto
jimdwnentais, pp. 42 e ss.
8. Virgílio Afonso da Silva. A constitucionali::açüo do direito. p. 55. adiante _ que a cficúcia jurídica não tem relação com o mundo real. da chamada
9. Idem. ..efetividade". . . .
10. Idem. 13. Cf. José Afonso da Silva. Aplicahilidadc das nomws nmslliiiCtonws. p. XI
DI RI I! O\ I I .'\IJ \\llc'. I \I\ CO'\ I Ll DO LSSLNCIAL. RESTRI~'(li:S I c 1:1-IC..\CIA l·.I·!C'.\Ci·\ !lAS '\OR\-1.·\S CO'\S !ITIICIONAIS 213
212

as diversas classifica~õcs duais, dominantes na época. corno aquelas en- José Afonso da Silva chama de normas de e.ficâcia plena; e não são
tre normas auto-aplicáveis c normas não auto-aplicáveis; normas bas- poucos os indícios que confirmam essa hipótese.
tai1tes em si e normas não-bastantes em si; ou. ainda. normas diretivas e De um lado porque a idéia de aplicabilidade imediata está pres~n­
normas preccptivas. Segundo José Afonso da Silva. as normas constitu- te. na classificação de José Afonso da Silva, não somente no conceito
cionais, quanto ~t sua eficácia, devem ser classificadas em três catego- de normas de eficácia plena. mas também no conceito de normas de
rias: as normas de ejiccícia pleno. as normas de eficácia contida e as eficácia contida. De outro porque entre as normas previstas no art. 5'',
normas de cjicácia limitada. nos termos a serem expostos a seguir. ~ 1"- os direitos fundamentais-. estão também as nom1as que garan-
~cm direitos sociais, 1x que são consideradas, na classificação de José
Afonso da Silva. como normas de eficácia.limitada. Também in~lt~e~
(J.3.J Normas de cjinícia plena normas que José Afonso da Silva considera como normas de eficacm
Embora tenda a rejeitar a dicotomia, por ele classificada por "tra- contida. como é o caso da liberdade de profissão. 19 Fica claro. portan-
dicional"'. entre as normas auto-aplicáveis e as normas não-auto-apli- to. que o \ionceito de eficácia plena não é baseado no art. 5D, § 1D, da
cáveis. José Afonso da Silva não nega que seu conceito de normas de constituição. nem este garante a realização daquela.
eficácia plena em muito se assemelha ao conceito tradicional de nor- Como já foi mencionado anteriormente, a jurisprudê~cia do ST~
ma auto-aplicável. 11 Com isso. e baseado também nas idéias de J. H. acolhe 0 modelo proposto por José Afonso da Silva em dtversas deci-
Meirelles Teixeira, o autor define normas de e.ficácia plena e aplica- sões. às vezes com menção expressa ao autor, às vezes com referência
bilidade direta e imediata como ''aquelas que, desde a entrada em vi- apenas ao conceito de norma de eficácia plena. como conceito já con-
gor da Constituição. produzem, ou têm possibilidade de produzir, to- solidado no direito constitucional brasileiro.
20

dos os efeitos essenciais. relativamente aos interesses, comportamentos


e situações, que o lcgislador4 constituinte, direta e normativamente,
quis regular". 15 ().3.2 Nornws de eficácia contida
A conceituação remete-nos. intuitivamente, ao disposto no art. 5º, § A segunda categoria de normas jurídicas, segundo José Afonso da
Iº· da constituição brasileira, e essa associação não é pouco freqüente. 16
Silva, é <~quela composta pelas normas que ele chama de "normas de
Ocorre que o art. su. ~ I'', faz menção apenas a uma aplicabilidade ime- eficácia contida'". Essas normas são aquelas que têm eficácia plena
diata, nos seguintes termos: "As normas definidoras dos direitos e
mas podem ser objeto de restri~ão por parte do legislador in~rac.onst~­
garantias fundamentais têm aplicação imediata".
tucional. A referência a lei posterior nos dispositivos constttuc10nais
Ainda que o texto desse dispositivo seja pouco claro, 17 não me que v~ic_ul.am normas de e~cácia contida .não sig ~ifica .. p~r~an~o, que
parece que seja possível imaginar que ele faça referência àquilo que sua ehcacia dependa da atiVIdade do legislador. 2 A eficaCia e plena
desde a promulgação da constituição. podendo o legislador apenas
14. Com isso não se quer. aqui. contudo, apontar qualquer contradição. O fato de restringir essa eficácia em alguns casos.
que as duas categorias se assemelhem não significa. obviamente. que sejam a mesma
coisa.
15. José Afonso da Silva. Aplim/Jilidadc das normas constitucionais, p. 101. 1X. Nesse sentido. para evitar dúvidas, cf. José Afonso da Silva, Comentário conte.r-
Cf. também J. H. Mcirellcs Teixeira. Curso de direito constitucional. Rio ele Janeiro: wal ú Constituiu/o. 'i" ed .. São Paulo: Malheiros Editores. 2008, p. 177 (art. 5v. § 1°).
Forense Universitüria. 1991. p. 317. 19. Cf. J:Jsé Afonso da Silva. AJ'Iicabilidade das normas constilllcionais, p.
16. Cf.. por exemplo. Alexandre de Moraes. Direito constilliCional. 4·' ed .. São 106.
Paulo: Atlas. ILJ9X. p. 53. 20. Cf.. apenas como exemplo: ADI-MC 906 (l)Jl} 25.3.1994), ADI-MC 1.590
17. Cf.. nesse sentido. Virgílio Afonso da Silva. A constitucionali:.açiio do di- (!).lU I 5X.l997). ADI-MC 1.723 (D.!lJ 19.12.200 I) . . .
reito. p. 5X. 21. cr. José Afonso da Silva. Af'lica/Jilidadc das /10/'11/(/.\' COIISt/t/(('/()1/{//.\', p. 103.
DIREITOS Fl 'ND.\\1J:NTAIS CONTH)UO J:SSLN< 'IA I .. RI SI 1<1('01 \ F LI H \( L\ EFIC.·\CIA D.\S NOR:"-,1,\S CO~STITIICIO!'iAI.~
214

Nesse sentido, se um dispositivo constitucional que veicule uma pode-se dizer, nas palavras do autor. que essas normas "regem. até
norma de eficácia contida faz menção a uma legislação posterior, en- onde possam (por si, ou em coordenação com outras normas constitu-
quanto essa legislação não existe a eficácia da norma é plena. Um cionais), situações. comportamentos e atividades na esfera de alcance
exemplo utilizado por José Afonso da Silva é o da norma que garante do princípio ou esquema que contêm, especialmente condicionando a
a liberdade profissional, nos seguinte termos: .. é livre o exercício de atividade dos órgãos do Poder Público e criando situações jurídicas de
,
vantagens ou d e vmcu 1o " .21·
qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as q11aliftcaç-ôes
profissionais qÚe a lei estabelecer'' (CF, art. 5D Xllf). A liberdade de Também na jurisprudência do STF o conceito de norma de eficá-
profissão seria, portanto, plena, mas restringível pela lei infraconstitu- cia limitada é largamente utilizado. sobretudo nos casos em que se faz
qional, que poderá exigir algumas qualificações para o exercício de menção a normas programáticas. 26 Em ger~ll. no entanto, a menção a
algumas profissões. Por isso: "Se, num caso concreto, não houver lei normas de eficácia limitada pelo STF é feita como sinônimo de norma
que preveja essas qualificações, surge o direito subjetivo pleno do in- desprovida de qualquer eficácia. nas situações em que o tribunal se
27
teressado, e a regra da liberdade aplica-se desembaraçadarnente"Y abstém, cOtTI base na sua compreensão de separação de poderes, de
O conceito de norma de eficácia contida, talvez por uma questão tomar uma decisão que implique o reconhecimento de alguma eticúcia
terminológica, é muitas vezes compreendido de forma diversa daque- para a norma em jogo.
la defendida por seu autor. Isso pode ser percebido, por exemplo, na
jurisprudência do STF. Embora, em geral, as referências a normas de
eficácia contida sejam feitas nos moldes propostos por José Afonso da 6.4 Classificações alternativas
Silva, 23 em muitos casos as decisões confundem o conceito de eficácia Desde a publicação da 1'' edição de seu Aplicabilidade das Nor-
contida com o conceito de eji~âcia limitada. Assim. não é raro achar mas Constitucionais, em 1968, a classiticação de José Afonso da Silva
decisões que classificam determinado dispositivo como de eficácia con- foi objeto de algumas críticas pontuais. Nenhuma delas teve, no en-
tida, afirmando que isso significaria que sua eficácia depende de lei
infraconstitucional. 24
25. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constilllcionais. p. 164.
26. No âmbito do STF talvez o exemplo mais acabado de decisão sobre normas
de eficácia limitada seja a Súmula 64~, baseada. entre outros. nos seguintes preceden~
633 Normas de eficácia limitada tes: ADI 4 (RT.! 147/719); RE 157.897 (RTJ 151/635): RE 1X4.X37 (D./U 4Xl995)
_todos eles sobre o problema ela eficácia e aplicabilidade do art. 192. § 3º. da redação
Normas de eficácia limitada, por fim, seriam aquelas normas cuja original ela CF. Como já visto anteriormente, neste ponto a posição_ elo STF é distinta
produção plena de efeitos depende de açâo do legislador ou de outros daquela defendida por José Afonso da Silva. se não em termos tconcos gerats, pelo
órgãos estatais. Isso não significa, como já foi ressaltado anteriormen- menos na interpretação desse dispositivo constitucional em parttcular. Para exemplos
te, que essas não tenham nenhuma eficácia. Um mínimo de eficácia, envolvendo outros dispositivos constitucionais. cf.: ADI 2.X69 (/)./{} U.5.2004), ADI
3.013 (DJU 4.6.2004) e Ml 715 (D./U 22 6.2005). , .
sobretudo em face dos poderes públicos, toda norma constitucional 27. A postura elo STF sobre a separação de Poderes pode, nesse ambtto. ser resu~
tem. Nesse sentido, no caso das normas programúticas - que são, na mida na figura elo legislador negativo. Segundo o Tribunal, nunca cabe ao Pod~r Judi-
classificação de José Afonso da Silva, normas de cticúcia limitada-, ciário fazer 0 papel ele legislador positivo. O que ele pode, quando mutto, e negar
eficácia a determinados dispositivos, por razões de inconstitucionaliclacle; mas nunca
conferir eficácia a uma norma que, em sua interpretação. não a tem (ou a tem de fonna
22. Idem, p. 106. limitada). Sobre o conceito ele '"legislador negativo" defendido pelo STF. cf.. por
23. Cf, por exemplo: RE 221.194 (OJU 17.419Y~). RE 217 lJ(, (202.199XL exemplo: Rep. 1.417 (RT.J 126,48 l6X e ss.J); ADI-MC 732 (RT./143, 57 [59J); ADI~
RE 217.464, RE 214.019 (D./U 2 9.1997) e ADI~MC X27 (D./L' .'i.2 1993). QO 652 (R7J 146, 461 [465]); ADI-AgRg 779 (RT./ 15.1. 765 [768]); ADI-MC 267
24. Nesse sentido, cf ADI 827 (IJ.IU I X.6.199J) e RMS 24.2X7 (lJ./U ~R'/J 16 L 739 1745 ]); RE 188.579 (R1J 175, L 137 11.1391); ADI 1.755 (RT1 177. 657
I X-2003). [663]): ADI-MC 1.063 (R7J 178.22123.29 e ss.JJ.
lliRIIIO'i li 'W.'\\11 'J I AIS CONIU:[)(_) I::SSINCIAL. RISTRI('(JLS 1: FI·IC.\CI.\
Fi'ICACIA !l.\S NORMAS COI':STIT\ 'CIO'i;\IS 217

tanto, grande repercussão. São mencionadas, em geraL como "propos- das normas constitucionais e a possibilidade de rnudan~a dos disposi-
tas alternativas'' em trabalhos dedicados ao assunto, mas nunca influen- tivos que as veiculam.'-' É requisito básico na elaboração de qualquer
ciaram de verdade a prodll(;ão doutrinária e, sobretudo, nunca foram classilica~ão que o critério distintivo entre as diferentes categorias se-
utilizadas corno critério para decisões judiciais no STF. Em vista disso ja claro e único. ''i Ao incluir uma espécie de norma que- ao c01_1trário
abordarei apenas brevemente alguma~ delas, e apenas aquelas que po~ .das outras - se baseia em um critério formal de mudan~a constitUCIO-
dcrão auxiliar ~m algo na análise do presente estudo. São elas as pro- naL o resultado normal é perceber que falta uma (/ifferentia sepecifica
postas c críticas de Maria Helena Diniz, Pinto Ferreira, Celso Bastos, entre a nova espécie c as demais. Toda classifica~ão é baseada em um
Carlos Ayres Britto e Manoel Goní,:alves Ferreira Filho_ 2 ~ r;e1ws proxinuun, que dá unidade à classitica~ão, e em diversas espécies
• ~1uc, a despeito de pertencerem todas ao genus proximum, tê1~1 urna
diiJL-rentia specifica que justifica sua separ<f~ão das outras cspec1cs c
6.4.1 Maria Helena Dini::. e Pinto Ferreira '
sua mser~ao -
em uma categona . ' . ' 16
propnd.-
A classitica~ão ele Pinto Ferreira pouco se distingue da proposta Na pro,posta de Pinto Ferreira e Maria Helena Diniz falta esse
por José Afonso da Silva. A única diferença digna de nota é a adi~ão requisito i't espécie ''normas absolutas". Isso pode ser percebido, por
de uma quarta categoria de normas constitucionais, que seriam as exemplo, por meio da simples constatação de que é possível qu~ algu-
chamadas '·normas constitucionais de eficácia absoluta". 2 Y Essa su~cs­ mas normas de eficácia plena façam parte das chamadas clausulas
tão é aceita integralmente por Maria Helena Diniz. 30 Normas de effcâ- pétreas, sendo, portanto, "normas absolutas'', e?q~anto outras ~o?em
cia ahsolutu seriam aquelas normas "contra as quais nem mesn~o há ser modificadas. Se não há nada que, imprescmdtvelmente, dtstmga
uma norma de eticácia plena de uma norma de eficácia absoluta. já
o pm~er de emendar": li ou, nas palavras de Pinto Ferreira, "com for~a
paraltsante total sobre as no r~ as que lhe confl itarem". 32 De resto, a que é possível que uma norma seja as duas coisas, estamos diante de
um problema classificatório.
classitica~ão de Pinto Ferreira em muito se assemelha à de José Afon-
so da Silva, o mesmo ocorrendo com a de Maria Helena Diniz, a Assim, se a única diferença marcante entre as propostas de Pinto
despeito de sua nomenclatura c!iferente. 13 Ferreira c Maria Helena Diniz, de um lado, e a classificação tradicional
de José Afonso da Silva, de outro, é a quatta categoria "normas de efi-
É facilmente perceptível que, ao se propor a inclusão de uma ca- cácia absoluta", e se essa categoria não é metodologicamente sustentá-
tc_!!oria que se baseia na impossibilidade formal de ser objeto de emen- veL por lhe faltar uma característica própria necessariamente ause1:te
da constitucionaL há uma certa confusão entre a produ~ão de efeitos nas demais categorias, então, não se pode dizer que a proposta sep,
de fato, uma alternativa .
. .. 2X. Cf., além dos trabalhos desses autores. Celso Antônio Bandeira de Mello.
"'l:!tcaua da.-; normas constitucionais sobre justiça social'". Revista de Direito Púh!ico
57-'íX (Jl)Xl): 23.~-2:16 34. Cf.. no mesmo sentido. Paulo Roberto Lyrio Pimenta, l:'jicâcia e aplicahili-
dadc das normas constitucionais programáticas. São Paulo: Max Limonad. 1999. p.
29. Cf Pinto Ferreira. '"Eficácia (direito constitucional)'". in Encic/opàlia Sarui-
\"O do Om·uo. vol. ~0. São Paulo: Ed. RT. 1982, p. 162. tiO: '"Pinto Ferreira e Maria Helena Diniz ( ... ) elaboraram distinções no grupo das
normas constitucionais de eficícia plena. a qual ll(lO tem qualquer perlinéncia. eis
30. Cf. Maria Helena Diniz. Norma constitucional c seus efeitos. 2:' ed .. Silo
Paulo: Saraiva, 1992, pp. 9X e ss. que a eficücia náo se relaciona dirctamell!e com o poder de rcj(>rma constiluciona/'"
31. Idem, p. 9X. (sem grifos no original).
J5. Cf.. nesse sentido, Stcfano Bartolini. ""Metodologia delta ricerca política" .
.i2 Pinto Ferreira. "'Efidcia (direito constitucional)", p. 162.
in Gianfranco Pasquino (a cura di). Manuale di scien::.a del/a política. Bologna: 11
.n. Mana Helena Diniz propõe. além das chamadas normas com eficàcia abso- Mulino. l9X6 p. :18.
luta. uma divisã~J nas seguintes espécies de normas: eficácia plena, eficácia re!ati1•a
~(1 . Sobre isso. c f., por todos, Aristóteles. "flipic, I 02a (os termos advêm da
~"";'lrlllgn:el e _c/rcúcia relativa cnmr>lementâvel ou dependente de comple!IJcntaçüo
C\oilllil 1 Oll.\/lllli"IOIW/e seus cjertos. pp. 98 c ss. ). traduçiio para o l ,atim. que resulta na máxima dcji"nitio jí"t per gcnus prori11IUIII e/
dij/('1'1'1/ I ia 111 Sfh'< ·iji< "i/11/ ).
OIRIJIOS H~ll.\\11.:\T,\1~ < (J,'...:I'H . [HJ i.~Sf·."('l.·\1
,, ·R léS I Ri(ÚI.S i· ITIC.\CL\
FI-IC.\l L\ DAS '<OR\Ic\S C< J'-;S tlll ( '[()'-; \IS :2\9

6.4.2 Celso Bastos c Carlos A\Tes Britto


tação amplamente majoritária, seja na doutrina. seja na jurisprudên-
co <H;~Iso B~tstos c Carlos_ Ayrcs Britto partem de prcssu posto idênti- cia, ela não passou as últimas quatro décadas incólume, como ficou
",,· e1;ose Af~mso ~a Silva: toda norma constitucional é dotada de claro nos últimos tópicos. Além das propostas alternativas brevemen-
e.;-fi c<~cia
. . ·· . A 1nrt1r
, d·t•
.' '• ,as- 11 or· mas constrtucronais,
· ·
quanto à eficcícia te expostas acima, algumas críticas, em geral pontuais, também foram
Selo d.rvrdrdase~l dois grupos: o elas normas de eficácia fJ/ena e o ela: feitas em trabalhos que não se ocupavam primordialmente do tema.
normds de etTcw·w JHII'. l N . . 's Essas críticas ora questionavam a distinção entre aplicabilidade e
.;-L . A .1~:. . ua . o prrr_11e1ro caso incluem-se as normas
que ~ao Idoneds a prod~rzrr. por SIsos. os resultados a que se preorcle- eficácia. 44 ora propunham correçües terminológicas, 45 ora atacavam a
~a~·- nodseguncl~) caso Incluem-se aquelas que não estão aptas a pro- distinção entre normas de eticcícia plena e de eficácia contida.-~ 6 A elas
( uzu to os os efertos desejados ..\s serão dedicados os tópicos a seguir - que, no entanto, não têm sua
ost·1Até _aqui, nã<? hcí gran~les di ter:nças em relaçilo à classificação pro- razão de ser apenas como exposição de crít<icas, mas como uma forma
~ , por Jos~ Afonso da Silva, a nao ser a f~tlta ela cateaori·t interme'lr'·'t de construçilo da análise que se seguirá.
na. , a d·ts 'tssrnl ..c·h ama d as ·· normas de cficúcia contida".
, . '-. o ' '" ' -
3'! O desenvol-
VImento subscqucnte do trabalho de Celso Bastos e C'-trl A . B .
no que tange a b. t el . , .. , . . ' os yres ntto, 6.5.1 Problemas relativos às normas de eficácia contida
- o o Je o este capitulo. resume-se basicunente à elab
çao ele ai a uns f'X t· l - · d ' ora-
. o . :res 1po ogu·o:s· c normas constitucionais -como nor- A categoria "normas constitucionais de eficácia contida" suscita
mas ele aplrcaçao/normas de rntegraçilo:-lo normas irrecrulan t, . I pelo menos três ordens de questionamentos. O primeiro deles, mais
normas regula t, · -11 o , 1en avers
. AZ • me_n aveis; c normas completáveis/normas restrincrí- simples, é meramente terminológico. O segundo, um pouco mais com-
veis -, para analisar, em cada um dos lados de cada p·tr se aq 1 _o plexo, tem relação com o primeiro, mas se refere a questões classifi-
d d . - , .
.a , , ' ,
~a~:o;la ten ~ a ser_ ~e ~ticac plena ou de efidcia parcial. 0 que aqui
per1~ Interessa c a dicotomia entre as normas rcr;ulamentávci\'
ue e tipo L '

catórias. Esses dois primeiros problemas já são apontados pela doutri-


na há um certo tempo. O último, por fim, mais importante para este
e as normas zrregulamcntâl·cis e a contnfJOsir-ão entre , - l ,
táv, · - _ . , . ' , "' !lO i mas comp e- trabalho, diz respeito à própria existência da categoria. Esse é o que
ez.s e no11nas restnngzvezs. Isso sení desenvolvido mais adiante.-~1
aqui mais de perto serà analisado. Passo a examinar os três pontos nos
tópicos a seguir.
6.5 Os problemas do critério tríplice de José Afonso da Silva
, Ainda que. ~omo j_á foi dit~) acima. a classificação proposta or 6.5.1.1 O problema terminológico
Jose Afonso da Silva. amda no final ch deçc·•da de 1960 d p·
' " < , goze e ace1- Uma primeira crítica à categoria "normas constitucionais de efi-
cácia contida" diz respeito ao particípio '·contida". Segundo essa crí-
37. Cf. Celso Ribeiro Bastos/Carlos Avres Britt 1 1 ,1. . , , - , · · · tica, o conceito que José Afonso da Silva elabora para esse tipo de
das normas con~lilucionw\ S·!o P· 1 . S - . · l · lllt Jilllaç.ao t apltcahllu/w/e
"" ld em. '
_,o.
·· · ' <~u o. , arai v a. 1<)~2. p. 5~. normas constitucionais - segundo o qual elas, embora incidam ime-
3<). Que. no entanto. acaba aparecendo sob out , f . .
normas regulamen!út·et\ c lh. _ . · ·. . . . r<I Omld. no desenvolvimento das
Ayres Britto. ' 's 1/0IIIIa.\ reslrlllgn·ns feito por Celso Bastos e Carlos
44. Cf., por exemplo, WiLson Steinmctz. A vinculaçi'io dos particulares a direi-
40. Cf. C los fwzdantenlais, pp. 42 e ss.
elso Ribeiro Bastos/Carlos A res Britt 0 I '- . , . - . . .
das normas consli!ucionais. p . .1..t. Y · • ntupu laç (10 e ap!tca!n!tdade 45. Cf.. sobretudo. Michel Temer. 1:'/emen/os de direito constitucional. 22ª ed ..
41. Idem, p. 37. 2'' tir.. São Paulo: Malheiros Editores. 200~. p. 26.
42. Idem. p. 4~. 46. Cf.. sobretudo. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. "Os princípios do direito
43. Cf. tópico ô.ô. 1. constitucional c o art. 192 da Carta Magna". Revisla de Direi/o Público XX ( 198~).
pp. 164 e ss.
i
EFICÁCIA DAS :--IORM/IS CONSTI il 'CIONo\IS
lliRFIIOS ll :\D,\.\11.:\TAIS: CO:\TE('DO ESSI:NCIAL. RLS IRI<JlLS l: I:I·IC,\C'IA

diatamente c produzam todos os efeitos queridos. "prevêem meios ou eficácia contida. Essa indicação se dá, normalmente. por m~io de ex-
conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, pressões que façam referência a lei futura se1;1. no e~;anto.' faze: .cm~
dadas certas circunstâncias" 47 - exprime apenas uma possibilidade de que a eficácia da norma depen~la, d_essa posstvel let. ~ ~sstn~. :c.~~. c.h.
contenção, de restrição. Nesse sentido, mais correto seria falar em nor- ferença entre as normas de eficac~as plena c as not m,~s d: ehc,:ct,l
mas conth·cis. restringíveis 48 ou redutíveis, 4 ' 1 o que exprimiria melhor contida é deduzível do próprio texto constituCionaL nao c posstvcl
o fato de que a eficácia da norma em questão não é necessariamente fazer com que a inserção das normas em uma ou outra catcgona ~e­
contida ou restringida, havendo apenas uma possihilidade dessa ocor- penda de eventual restrição infraconstitucional. Se isso é assim. a dts_-
rência. Essas normas seriam, assim, ·'normas de eficácia plena e apli- tinção baseia-se em uma possibilidade, extgtndo. por tsso. que o tet-
cabilidade imediata, mas restringível pelo legislador".' 0 tno corresponda, a ess ·'1 exigência- o que ocorrena se se uttltzassem
L __

f A crítica é procedente.'' Se a distinção entre as normas de eficá- termos como "contível" ou "restringível".'' •
cia plena e as normas de eficácia contida. na classificação de José
Afonso da Silva, baseia-se exclusivamente em unw possihi!idade- ou
seja, na possibilidade de que algumas normas constitucionais tenham 6.5.1.2 O p;oblema classificatório
sua eficácia restringida por ato estatal infraconstitucional -, não faz Manoel Gonçalves Ferreira Filho, além da qucst_ão tcnni~lol<~gi­
sentido denominar como contidas as normas cuja eficácia posso ser " , nta a 1·nda um problema classificatório na teona de Jose Aton-
restringida, já que o termo expressa algo já realizado, e não apenas Cd, apo , ' . l · 1·
potencial. so d a S 1.l va. segu ndo ele , 'a chssificação
'. possível sena apenas ( up tce.
c _ , •

- t np
e nao • l'ce·
1 . haveria apenas. as normas de eficacta plena c as normas
c •••

A única razão que poderia militar a favor da manutenção dessa de eficácia limitada. A rejeição das chamadas normas de c({(~a~·w con-
denominação seria o argumento segundo o qual a norma cuja eficácia tida baseia-se no fato de que entre elas e as normas de efica_cta fl_ena
ainda não tenha sido contida ptr ato infraconstitucional não pertence não haveria diferença alguma no plano da eficácia ou da ap!1cab1ltda-
ao grupo das normas contidas, mas ao grupo das normas de eficácia de, "pois nos dois casos esta é imediata e aquela é plena".' ~e fato~
4

plena. Seria, nesse sentido, o ato estatal restringidor que teria o con- se compararmos a conceituação que o próprio José Afonso da Stlva da
dão de fazer com que a norma em questão mudasse de categoria. Essa a essas duas espécies de normas, perceberemos que para ambas_ ele
estratégia não seria. contudo, coerente com a fundamentação de José utiliza a expressão "aplicabilidade imediata"; ou seja. ambos os ttpos
Afonso da Silva. Como já foi visto acima, a distinção entre as normas
de eficácia plena e contida baseia-se em um critério que poderia ser
chamado de textual: é o próprio dispositivo constitucional que indica 52. Um dos exemplos utilizados por José Afonso da_ Silva. nesse passo.' é o~~
se a norma deve ser enquadrada como de eficácia plena ou como de art. 5", XIII. da CF (Aplicahilidade das normas _nms/1111! w~un~. P I 0(JL qu~ dts~!.
• 1·
lJLIC "e tvre o exer
ct'c't<.) de "ual"tter
'"~ ' '"~
tt..' 1balho · oftcto
. , ou . j)rotJssao.
. . atemlid.ts
. . .·.dS qu,tiJ-
,· ..
.. - f' .. · )na'ts qtte -1 let· estabelecer'' A retcrencta a let, nesse dtspostttvo. \ ts.t
1tcaçoes pro tsst<. ' · ' · . . . . . , , , .. , ..
47. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas con.lfitucionuis. p. X2. a possibilitar LJUe 0 legislador infraconstituctonal_res_t~mp a ltbetdade ,de exctcJCJO
4X. Cf.: Michel Temer. Elementos de direito constitucional. p. 2(1; Manoel Cion- .. · 1 tr·tntt'd·t pletnmente pela Consttttuçao. I rata-se. assim. de posstbtltd,t-
pro t ISS10tli1 • g< ' ' ' ,. . . . . -. , . ,. .
çalvcs Ferreira Filho. "Os princípios do direito constitucional c o art. 192 da ( 'arta de de restrição prevista no propno dtspostliVO constttucJon,tl.
Magna". p. 166; do mesmo autor. Direito constitucional econômico. Süo Paulo: Sarai- 53. 0 próprio José Afonso da Silva, embora nüo se dtsponha a alterar sua no-
"Ue 'l crítict é procedente. pms. ao tomar conhecunento
va, 1990, p. 140; Maria Helena Diniz, Norma constitucional e seus cfi'itos. p. lO I. menc Iatura, parece p erceber '"~ ' ' . . . , ,
49. CL Michel Temer. Elementos de direito constitucional. p. 2ô. - bat, J·1111 1· t·tndo-se .1 dizer (jUe o debate apenas mdtca que o lcnomcno ,1
I Ia. nao a re ' e.
<.e ' · ' , . ·· · 1 ·1 1 1,
50. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. "Os princípios do direito constitucional e que e l e quts · f azcr
. ref'e 1·c'nc'1'•1 de t'·tto
' ocorre (cf. Jose Atonso da Silva. AJilwu n 11 a!'
o art. 192 da Carta Magna ... p. 166. das normas constitucionais. p. X5. nota ó7). . , . . . . . .· . •
51. Nesse sentido. cL também Luís Robe110 Barroso. O direiw constitucional c 54. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. "Os pnnCipJOs do dtrctto L·onstttuu<.m,l 1 c
11 ej(•til·idade de suas normas. 4·' ed., Rio de Janeiro: Renovar. 2000. p. 92. nota 2. o art. 192 da Carta Magna". p. 166.
T
lliRIJTOS fi :--.ll.·\\11.'\ 1..\IS CO'\ I H.'I)O LSSU\Cii\1.. RESTRI('(li'S E HIC.\Ci·\
UICACL·\ D.·\S '\ORi\1.'\S CONSTITUCIONAIS

de normas são aplicáveis desde a promulgação da constituição.ss No com isso, manter apenas duas categorias- as de eficácia plena e :ts de
caso de a~nhas. tamhérn, faz-se referência a uma regulação constitu- eficácia limitada-, o que ele faz é apenas um rearranjo das espécies,
CJO~lal sutJcll~nte e a uma conseqüente desnecessidade de regulamen- sem, contudo. rejeitá-las.
taçao postenor por parte do legislador ordin<lrio.'~>
Se isso é assim. parece que. de fato, estamos diante de duas nor-
mas do mesmo gênero. ainda que eventualmente de espe'c 1·es d.Is··t·111 t as.
6.5. 1.3 O problema existencial
.
O gênero seria'-- nos termos empregados por José Afonso da Silva~ 0
Os dois problemas vistos acima -o terminológico e o classifica-
das normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade imedia- tório ~ podem ser considerados problemas apenas marginais na clas-
E~- e as ~spéc~es. seriam ·-,na sugestão ele _Manoel Gonçalves Ferreira sificação das normas constitucionais. Mesmo que procedentes- como
. , . dsI noJnl<~s de eflcacw plena propnamente dita e as normas
t<dho- <.
de
se tentou demonstrar acima-, as críticas nã~teriam como conseqüên-
e f1CaCia pena, mas restringíveis. ' 7
cia necessária a rejeição da classificação. De diferente natureza é, no
. Nesse ponto, também, a crítica parece ser procedente. Mas é ób- entanto. o problema que decorre de tudo o que foi analisado no decor-
VIOque nem o problema terminológico (contida vs. restringível) nem •
rer deste trabalho.
o pn~~lem~ classi!Jcatório (classificação tríplice ou dúplice) abalam a Esse problema é aqui chamado de ''existencial" porque diz respei-
class~~caçao pro_posta por José Afonso da Silva. No máximo, ambas to á própria existência das chamadas normas constitucionais restringí-
as cnticas ex1g1n~un algumas correções pontuais, que não alterariam, veis. Não porque não existiriam normas constitucionais restringíveis,
contudo, a classificação, em si, e seus objetivos.
mas, ao contrário, porque, como ficou claro ao longo do trabalho, to-
. A(~ ~ontrário do que parece, portanto, não há grandes divergên- das as normas constitucionais podem ser restringidas pela legislação
Cias teoncas entre os autores• Assim, embora as críticas de Manoel ordinária. Se isso é assim, fica claro que não é possível e não faz sen-
C~onçalves Ferreira .Fdho tivessem como objetivo a negação de eficá- tido distinguir entre as normas que podem e as que não podem ser
Cia plena e apl1cabdJdade imediata a um dispositivo constitucional restringidas. Esse ponto é salientado por lngo Sarlet, que afirma que
q~1e para José Afonso da Silva assim deveria ser classificado~ o então não são somente as normas de eficácia contida que podem ser restrin-
v1gentc éll1. 192. ~ ~"- ela constituição~, ao remanejar as categorias, gidas, apontando, assim, para o problema que aqui se quer explicitar.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho pressupõe, na verdade, sua corre- Segundo o autor: "Desde logo, importa destacar que, em verdade, as
ção~ e não su::,t rej_eição. Por isso, a despeito de afirmar que a classifi- normas de eficácia contida são normas que enunciam uma reserva le-
caçao de Jose Atonso da Silva '·é falha, cientificamente falando",='S gal em matéria de restrição dos efeitos, não restando afastada a possi-
~anocl Gon_ç~t!ves Ferreira Filho só pode querer se referir à organiza- bilidade de se estabelecerem restrições a direitos fundamentais que não
~ao da classthcação. c não às várias espécies ele normas constitucio- foram colocados pelo constituinte sob uma expressa reserva legal, já
nais._ Isso porque, ao assimilar a categoria das normas de eficácia que, ao menos em princípio, inexiste direito fundamental (mesmo que
cmlttda (ou restringível) à categoria das normas de eficácia plena e, veiculado em norma de eficácia plena, na concepção de José Afonso)
completamente imune a toda e qualquer limitação". 59
A tese sustentada por Sarlet, neste ponto, é semelhante à aqui
c:
') 55. L Josl' .Afonso da Silva, Aplicabilidade das 1/0TIIll/S COI/Stitucionais, pp.
defendida. Mas há diferenças cruciais entre elas. A primeira delas, que
lO_ (norm.ts de t:l1caua pkna) e 116 (normas de eficáeia contida).
. 56. Idem, PP- 1O1-l 0.:' (normas de eficücia plena) e 116 (normas de efidch mais de perto interessa aqui, refere-se à forma e à fundamentação teó-
contida). '
57. Cf. Manoel Cion<,:ah-es Ferreira Filho ... Os princípios do direito constitucio-
nal c o art. 192 da Carta Mat:na". p. 166.
58. Idem, p. l 6.~. 59. lngo \Volfgang Sarlet. A eficácia dos direitos fundamentais, 5·' ed .. Porto
Alegre: Livraria do Advogado. 2005, p. 249.
DIRI'ITOS l l ~DA\11·::•(1,\IS < '0\TU IJO I SSrJ\("L\1 .. Rt:S I"RI~'(JicS E !I·IC.·\('!A E!· !C.<\( '1.-\ !lAS NOR\L\S < <>CiS I!Tl !('H >N.-\IS

rica das restrições aos direitos fundamentais. A segunda, que serú de- A partir dessa constatação. contudo. poderia surgir a dúvida sobre
senvolvida mais adiante, refere-se à reconstrução da classificação das qual seria a forma pela qual continuaria a ser possível distinguir entre
normas constitucionais quanto à sua cficúcia."0 normas de eficácia plena e normas de efícúcia contida ou restringível. Ou
No que diz respeito à forma c à fundamentação teórica da tese seja: se os direitos garantidos por ambos os tipos de norma são relativi-
que aqui se defende- segundo a qual não há direito fundamental imu- závcis, a classificação necessitaria de uma explicação mais detalhada.
ne a restrições -, Syrlet faz remissüo ''à noçüo de limites implícitos Para manter a distinção entre essas duas espécies de normas c. ao
(ou imanentes)". 1' 1 E nesse ponto que sua teoria se torna incompatível mesmo tempo. reconhecer que não hú direitos absolutos. a única saída
com a tese aqui sustentada. Como se viu anteriormcntc/' 2 a noção de possível parece ser o recurso- explícito ou não- à figura dos limites
/imites imanentes é uma noção alternativa aos próprios conceitos de imanentes. Com isso. tornar-se-ia possível partir do pressuposto de
restriçâo e de sopesamento. que estão na base deste trabalho. Além que os direitos garantidos por normas de d~cúcia plena (e irrestringí-
disso- e como será visto a seguir-. parece-me possível atirmar que vel) estão submetidos apenas aos limites (jlle decorrem expressa ou
a idéia de limites imanentes, embora não explícita. está na base do mo- implicitamente do texto constitucional. enquanto as normas de etlcá-
delo de José Afonso da Silva. Se isso for assim, a ressalva de Ingo cia dita conlida estariam sujeitas a outros limites ou restrições, impos-
Sarlet tende mais a aproximú-lo da teoria de José Afonso da Silva do tos pelo legislador ordinário. Assim. ao se partir da aceitação da idéia
que dela o distanciar. de limites imanentes, a diferenciação entre normas ele eficácia contida
(plena, mas restringíveis) e normas de eficácia plena (não-restringí-
veis) pode continuar a valer, porque eventual atividade legislativa que
6.6 A classificação de José Afonso da Silva "impuser" limites a uma norma ele eticícia plena não-restringível esta-
e os limites imanentes ria apenas declarando limites imanentes. enquanto a atividade legisla-
A partir da distinção ent~e as normas que podem ser restringidas tiva que imponha restrições a normas restringíveis estaria constituindo
(normas de eficácia contida) e aquelas que não podem (normas de tais restrições. Nessa perspectiva, a classificação continua intacta. E,
eficácia plena), é inafastável indagar se essas últimas consagrariam - nesse ponto, como se percebe, o modelo de José Afonso da Silva ficou
visto que não-restringíveis - direitos ahsolutos. Embora o autor não igual - ou, pelo menos, muito semelhante - à proposição de Ingo
forneça elementos que permitam responder de forma definitiva a essa Sarlet, vista acima.M
questão, parece difícil supor que a não-restringibilidade das normas
de eficácia plena seja sinônimo de uma garantia de direitos absolutos,
6.6.1 Liberdades públicas como normas núo-restringÍ\·eis
já que é ponto pacífico na doutrina e na jurisprudência brasileiras a
inexistência de direitos dessa naturezaY Como foi visto acima. a partir do recurso ú idéia de limites ima-
nentes seria possível rejeitar um carúter absoluto aos direitos funda-
mentais e, ao mesmo tempo, permanecer fiel a uma teoria que divide
60. C f. tópico 7 .4.
61. lngo Wolfgang Sarlct, A efinícia dos direitosjiuulamentais, p. 249.
as normas que garantem direitos fundamentais entre as restringíveis.
62. Cf. tópico 4.3.
63. Cf., por todos: ADI 1.969. ADl 2.5ô6. RE 219.7XO (R7J 172, 302), RE
232.001. RE 261.278, RE 373.058, RE 413.782. MS 23.57ô e HC 82.424 (RTJ 188, vas individuais ou coletivas. desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria
858 18911). l)e modo incisivo. c f MS 23.452 (!U:t 173, 805 1807 -808]): "Nilo há, no Constituição" (sem grifos no original).
sistema constitucional hrasileiro. direitos ou garantias que se rCl·istam de caráter 64. Cf. tópico 6.5.1.3. Pouco mudaria nesse cenúrio se se partisse do pressupos-
ahsolwo. mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências deriva- to de que as normas de eficácia plena garante111 direitos absolutos. Seria necess<irio.
das do princípio de convivência das liberdades legitimam. ainda que excepcional- no entanto. imaginar 4ue "absolutos". nesse caso. somL·ntc poderia significar "abso-
mente. a adoção, por parte dos lírgãos estatais. de medidas restritivas das prerrogati- lutos no iimbito de seus limites imanentes".
UIIU-.r! OS 1·1 'Jil.·\\11.:\ 1>\IS: ( '():\ 11-.l.l)( l I;SSI:"J( '1!\i.. IU:STRI('(JES 1·. U·IC.-\( 'I.'\ E FI< 'ÁCI!\ DAS NORMAS CO~STITl~< 'lO!" AIS

as não-restringíveis c aquelas dependentes de regulamentação para que Em vista do que foi visto ao longo de todo este trabalho. tais con-
possam produzir efeitos. Todas as teorias analisadas neste capítulo clusões não são assim tão simples. Como se viu, a pmtir do pressupos-
parecem comungar. expressa ou implicitamente, desses pressupostos. to teórico da teoria dos princípios e do conteúdo essencial relativo. do
N ão-restri ngí veis seriam. como se percebeu. as chamadas normas de suporte fático amplo e da teoria externa, os direitos fundamentais não
et1cácia plena. podem ser considerados irrestringíveis. Restriçües ocorrem diuturna-
mente na atividade do legislador ordinário, e às vezes até mesmo por
No âmbito dos direitos fundamentais os casos mais importantes
ato entre particulares.
de normas de efíc<1cia plena - e, portanto, irrcstringíveis - seriam al-
gumas liberdades públicas. Embora os principais exemplos utilizados Para usar os exemplos utilizados por Celso Bastos c Carlos Ayres
1p classiticação de José Afonso da Silva não sejam, em geraL retira- Britto: a igualdade perante a lei é restringida em diversos momentos
legislativos, inclusive por razões de raça ---aqui, o exemplo mais atual
dos do catálogo de direitos fundamentais da constituição, faz ele
seriam as chamadas açl5es afirmativas; o acesso ao Judiciário é limi-
menção genérica ao "art. 5". L IL III, IV etc., da Constituição Federal'' 70
tado nos casos previstos na Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996); o
como dispositivos que contêm normas de eficácia plena. 65 Isso signi-
sigilo de correspondência, além de sofrer restrições pela legislação
ficaria que as liberdades públicas- ou, pelo menos, uma parte delas infraconstituciona\, 71 é restringido até mesmo por contrato. por exem-
- seriam garantidas por normas não-restringíveis.
plo. entre bancos e os Correios. 72
Nesse ponto sua classificação é seguida por quase todos os autores
que escreveram posteriormente sobre o tema. Assim é que Celso Bas-
tos e Carlos Ayres Britto. por exemplo, afirmam que, "na área dos di- ó.6.2 Liberdades púhlicas como normas não-regulamentáveis
reitos c garantias individuais, cogitar-se--á de norma irregulamentúvel Segundo José Afonso da Silva, as liberdades públicas, sobretudo
sempre que o bem jurídico ncla consagrado apenas exigir, para o seu quando~ garantidas por normas de eficácia dita plena, não seriam ape-
efetivo respeito, a simples inação do próprio Poder Legislativo".''<> nas irrestringíveis: a eficácia das normas constitucionais que enun-
Os exemplos utilizados por Celso Bastos e Carlos Ayres Britto- ciam os direitos individuais também seria não-regulamenf(Í\'el. Se-
todos ainda da constituição de 1969- seriam o art. 153. ~ I" ("'Todos gundo José Afonso da Silva, a eficácia dessas normas não depende da
são iguais perante a lei. sem distinção de sexo. raça. trabalho, credo intermediação do legislador. já que a idéia de regulamentação da li-
religioso e convicções políticas"). 67 o art. 153. § 9º ("É inviolúvel o berdade ''há muito está superada". 73
sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas e telcfôni-
cas")"x ou o art. 153, ~ 4" ("A lei não poderá excluir da apreciação do
70. C f.. por exemplo, art. 31: "A sentença arbitral produz. entre as partes c seus
Poder Judiciúrio qualquer lesão de direito individual''). 6 ') sucessores. os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judici<írio
e. sendo condenatória, constitui título executivo''. Além disso, a I ,e i De arbitragem. ao
alterar al~uns dispositivos do Código de Processo Civil. confere :1 convenção de arbi-
65. Cf. José Afonso da Silva. Aplica/Jilidadc das normas conslilucionais. pp. tragem o Lefeito de extinguir o processo sem julgamento de mérito (CPC. art. 2(17. VIl).
I X9- 190. Sobre a constitucionalidade da Lei de Arbitragem, cf. SE-AgRg 5.206 (R'/J 1')0. 908).
hô. Celso Ribeiro Bastos/Carlos Ayres Britto. ln!CI'{'rl'!açüo c llfJ/icul>i/idade das 71. Cf.. por exemplo, os casos de possibilidade de abertura de correspondência por
non11as conslilucionais. p. 44. Os autores empregam, no trecho transcrito. o termo funcionários dos Con·eios, no mt. I O da Lei 6.538/l'J78. sobretudo nos casos dos Inciso'
"irrcgulament<lvel". que. no entanto, sobretudo nesse ponto. pode ser tomado como 1 e IV. em que essa abertura pode ser feita sem a presença de remetente e destinat;irio.
sin(mimo de "irrcstringívcl". 72. Siío correntes os contratos celebrados entre a Empresa Brasileira de Correios
67. Celso Ribeiro Bastos/Carlos Ayres Britto. fnlnprclli('Üo e Ofllica/Ji!idad<' c Telégrafos/ECT e empresas que remetem grandes volumes de co!Tcspondências.
da.\ II0/'11/(/,\. COIIS/illll'iOIIlliS. pp. 41-42 (atualmente. art. 5'·'. COfl/1/, da ('f;). Esses contratos autorizam, entre outras coisas, a abertura de tais correspondC·ncia'
CJX. Idem. p. 42 (atualmente. art. 5". Xll. da CF). pela ECT sem que o destinatário tenha conhecimento disso.
69. ldêm. p. 4.1 (atualml'nte. art. 5". XXXV. da CF). 7 .1. José Afonso da Silva. Aplicabilidade das normas conlli/t(('ionais. p. 140.
1>/RI'JI()S I l':\D\~11 ..\i.·\IS. ('()\IJ·l'/)() ISSLNCIAL. RISTRJÇ(ll:S L ITJC\CiA 1J IC.\('1.\ Jl.\':> ',01\.\J..\S ('()i\SJ'/ ll ('/0.'.; .. \JS 229

Além das razões já apontadas anteriormente para a fundamenta- roso menc10na a questão da reforma agrária."s Ainda que presentes
<;ão desse ponto de vista, sobretudo o recurso ú idéia de limites ima- todas as condições técnicas ú sua efetivação, relações econômicas e de
'~entes, parece-me que há ainda uma outra razão pela qual os direitos poder impedem. tanto anteriormente como agora,- 9 sua real efetiva-
tundamenta1s -::,especialmente as liberdades públicas - ainda sejam cão. O objeto da análise de Luís Roberto Barroso é, nesse sentido, o
considerados na~l apenas como normas de eficácia plena e irrestringí- problema .da eticücia no primeiro sentido detinido por Tércio Sampaio
vets, mas tambem como normas não-regulamentáveis: a separaçâo Ferraz Jr.. ou seja, a adequação da norma ú realidade: ou, nos termos
estrita entre efiuício e cjáil·idade.
de Barroso, a aproxima(,'ão "do dever-ser normativo do ser da realida-
de social".xo
6•7 Eficácia e efetividade Parece ser possível afirmar, diante do ~xposto, que aos dois con-
ceitos de eficácia propostos por Tércio Sampaio Ferraz Jr. correspon-
.É importante. aqui, retomar c desenvolver o conceito de eficácia dem, respectivamente. os objetos das análises de Luís Robetto Barroso
a~1a1Jsado anteriormente. n Falou-se. anteriormente, apenas em eficá- ("adequação da norma ú realidade") e José Afonso da Silva ("presen-
Cia como a ··capacidade de produzir efeitos". Ocorre que essa capaci- ça das condi<;ões normativas para a produção ele efeitos"). A essa últi-
c~ade pode depender de diversos fatores. Segundo Tércio Sampaio ma questão é destinado o próximo tópico.
Ferraz Jr., eficaz. é a norma (a) que tem condições fáticas ele atuar, por
ser adequada em rela<,:ão ú realidade, e (b) que tem condições técnicas
de ,atuar, po~ estare~ presentes os elementos normativos para adequá- 6.7. 1 "Capacidade de produ::.ir efeitos jurídicos"
la a produçao de efe1tos concretos. 7 '
Ao delimitar seu ohjeto de estudo, José Afonso da Silva faz ques-
, . A primeira das acepções q~e Ferraz Jr. dá à eficácia corresponde tão de enfatizar o caráter estritamente jurídico de seu conceito de
aquilo que, no âmbito do debate constitucional sobre o tema se con- eficácia: a capacidade de produzir efeitos jurídicos.x 1 Com isso, como
vencionou chamar de ejétivid{[(/e. O próprio José Afonso da Silva visto acima. pretende ele se afastar de outro problema, que é a efetivi-
parece definir o conceito nesse sentido, ao comentar o objeto de outra dade das normas constitucionais. Ao assim fazer, parece-me que o
monografia, de autoria de Luís Roberto Barroso. Segundo José Afon- conceito de eficácia jurídica utilizado deixa de ter a importância que
so dé~ ~il:'a: a /análise da real efetivação da norma não é uma questão poderia ter na compreensão da eficácia das normas constitucionais.
de .eflcac1a JUnciJca, mas de efetividade. Essa seria a distinção entre os Isso porque, ao tentar afastar todas as outras variáveis que não o pró-
obJetos das duas monografias - a dele e a de Luís Roberto Barroso. 76 prio texto constitucional, fica a impressão de que, na produção de
E é o própr_io.B_arroso que define a idéia de cfétil'idade, nos seguintes efeitos jurídicos, algumas normas jurídicas seriam- para utilizar ex-
termos: "EtetJViclade significa( ... ) a realização do Direito, o desempe- pressão de Pontes de Miranda- "'bastantes em si"_xz Contudo, a capa-
nho COI.1cr_eto de sua função social". 77 Como exemplo de situação de cidade para produção de efeitos depende sempre de outras variáveis
norma JUnciJcarnente eticaz. mas com baixo grau de efetividade, Bar- que não somente o dispositivo constitucional ou legal. Em outras pa-

74. Cf. túpico CJ.:2.


7X. Idem. p. X6.
75. Tércio Sampaio Ferraz Jr.. lnrroducâo ao estudo do direito. São Paulo: 79. Barroso faz refert'ncia ao período da ditadura militar.
Alia~. 19~~· p. I X 1. O primeiro conceito é denominado por Ferraz Jr. de "eficácia XO. Luís Roberto Barroso. O direito constitucional e a efetiFidade de suas nor-
semanttca : e o segundo. de "efiuícia sintálica ".
mas. p. X5.
76. Cf.José Afonso da Silva. Aplicahilidade das normas constitucionais. p. 13. X I. Cf. José Afonso da Silva. Aplicahilidade das normas constitucionais. p. 13.
77. Luts Robeno Barroso. U direito constifllciona/ e a eJÍ'fividade de suas nor- X2. Pontes de Miranda. Comentários à Constituiçào de /CJó7 com a Emenda n.
1/Ws. p. X5.
I de /WíCJ. t. I. São Paulo: Ed. RT. 1970. p. 126.
+
230

lavras: mesmo a eficácia estritament<' jurídica - nos termos de José co, e que será desenvolvida nos tópicos seguintes. Se estiver c<:rr:t:l.
Afonso da Silva- depende de outras variáveis que não apenas o texto coloca-se em xeque. agora. a distinção entre as normas de cticacta
constitucional. plena e as normas ele dicácia limitada. já que a única difcren\a ct~tt:e
Neste ponto parece ser interessante retomar. mais uma vez. a elas, no modelo de José Afonso da Silva. seria a neccssidade/posstht-
classificação de Tércio Sampaio Ferraz Jr. Como já foi visto no tópico lidade ou desnecessidade/impossibilidade de regulamentação.
anterior. o conceito de eticácia que José Afonso da Silva chama de
'"estritamente j'ürídica" corresponderia ao segundo dos conceitos de
6.7.2 Liberdades públicas, direitos políticos e direitos sociais:
eficácia de Ferraz Jr.. que vale a pena repetir: eticaz. nesse sentido, é
dependência da açâo estatal
f norma que tem condições técnicas de atuar. por estarem presentes •
os elementos normativos para adequá-la ú produçâo de efeitos con- Uma primeira razão para sustentar a hipótese de que toda non~a,
cretos.x3 Esses elementos normativos que possibilitam a produção dos além de poder ser restringida, pode também ser regulamentada restcle
efeitos de uma disposição constitucional podem ser de várias ordens. na idéia. d~fendida anteriormente, segundo a qual a distinção entre res-
Pode ser desde a simples elaboração de legislação infraconstitucional triçâo e regulamentação é algo muito tênue, se não impossível.x' Re~u­
até a estruturação de órgãos e instituições. O decisivo, neste ponto. é: lamentar direitos fundamentais implica, sempre, restnngt-los. e restnn-
ao contrário do que afirma José Afonso da Silva, nâo existe norma gir direitos fundamentais tem sempre como objetivo regulamentar seu
constitucional que não dependa de algum tipo de regulamenh1çâox.-. e exercício. Quando, no Capítulo 3, foram analisadas algumas das teses
que nüo seja suscetível de algum tipo de rcstricâo. 6
de Rawls sobre a distinção entre restric,·ão c regulamentação,x ficou
Assim, se a distinção entre as normas de eticácia plena e as nor- claro que muito daquilo que ele - e outros au~or:s -chama de .re_gula-
mas de eficácia limitada resid<J na necessidade, no caso elas segundas, mentação do exercício de um direito nada mats e que uma restnçao.
de atuação estatal no sentido de lhes completar a elicácia, a distinção Neste e nos próximos tópicos pretende-se avançar nessa análi.se_ a
cai por terra se se aceita que, ela mesma forma que todas as normas pattir de outra ordem de problemas. Em geral_. h.ú uma c.on.trapostç_a~
estão sujeitas a restrição, todas elas dependem. também. de regula- entre as normas que consagram liberdades publicas c dtrettos ~JO~ttl­
mentação. Se isso for correto, teríamos a seguinte situação: cos, como normas de eficácia plena. c aquelas que consagram dtrettos
( l) Toda norma que garante direitos .fiuzdamentais pode ser res- sociais, como normas de e..ficâcia limitada. Essa contraposição costu-
tringida. Isso já foi analisado em tópicos anteriores e coloca em xeque ma ser feita para se mostrar que as normas de eticácia plena- liber-
a distinção entre normas de eficácia plena e normas de eficácia conti- dades públicas e direitos políticos- não depende·m· d~ regulam:ntação
da, já que a única diferença entre elas, no modelo de José Afonso da e intervenção estatal. c a prova disso é sua real efe~tvtdade. o~t~~~ ape=
Silva, seria a possibilidade ou impossibilidade de restrição. nas a partir de uma abstenção do Estado e do legtsl.a.dor ordmano. ~a
(2) Toda norma que garante direitos júndmnentais pode (às ve- 0 caso das normas de eficácia limitada seria mwto dtlerente. Isso sena
::.es, deve) ser regulamentada. Essa é a hipótese formulada neste tópi- comprovado a partir da experiência dos direitos ~o~i~is, cuja realiz~­
ção depende de uma ação estatal. sem a qual_a ~hca~!a ~a n.orma n~o
se produz por completo. A limitação dessa ehcacta hcana amda mms
83. Tércio Sampaio Ferraz Jr., lntroduçüo ao estudo do direito, p. IX I. clara em face dos custos que esses direitos implicam para o Estado.
84. José Afonso da Silva, Aplicabilidade das normas constitucionais. p. I ~0:
.. ( ... ) as normas constitucionais que enunciam os direitos individuais são de aplica- que, por isso, não tem condições de agir da forma esperada. A baixa
bilidade imediata e direta. Sua eficácia ru7o depende da intermediaçüo do legislador
( ... )"(sem grifos no original). Talvez seja essa conccp.,:ão de direitos individuais que
fa.,:a com que praticamente não exista. no Brasil. legisla.,:ão infraconstitucional que re- X5. Cf. tópico 3.3.2.1.3.
gulamente o exercício dos direitos fundamentais. X6. Cf. tópicos 3.3.1.1.3. 3.3.1.1.4 c .'l.3.2.1.3.
ITIC.\CL\ IJ.\S \OR~l·\S ('0\STIIl'CIO'-:.\IS
lliRI.II<JS ll.'-:ll.\\IISL\IS ('()\ IEl'lJ(J FSSE"J('IAI, RESTRI(ÚES L HICc\<'1.".

efetividade desses direitos seria uma demonstração do caráter limita- de. é possível dizer. em primeiro lugar. que no plano do texto consti-
do das normas que os garantem. tucional nada as diferencia e. em segundo lugar, que no plano da pos-
sibilidade de produzir os efeitos desejados a diferença eventualmente
O que se tentará demonstrar nos próximos tópicos é que esse é
existente não se encontra na dicotomia nccessidade!desnecessid(/(lc
um cen<írio apenas parcialmente correto. Para tanto. será demonstrado
sobretudo que qualquer direito implica custos- às vezes altíssimos- de regulamentação c de açüo estatal.
ao Estado. Ou seja, não são apenas aqueles direitos garantidos pelo Quais são as condi<.;õcs necessárias para que a 1_1orma ex pressa
que se convenéionou chamar ele '"norma de eficácia limitada" que pelo art. 14 produza os efeitos desejados'? Poder-s~-1at~ mcnctonar.
exigem uma a<,:ão onerosa ao Estado, mas também as liberdades pú- por exemplo. a criação c a manutenção de seções el~tto~·ats e de .Jltt;tas
blicas e os direitos políticos (e todos os outros direitos). Com isso. de apura<,:ào. a organização e manutençã~ de um orgao responsav~l
1~retende-sc demonstrar, então, que a limitaçâo da eficácia de detcr- pela organiza<.;ão e o bom funcionamento elas eleições (no c~S~) _brast-
milladas normas //(tO (; algo intrínseco a elas. Uma norma não é de lciro. 0 TSE). a elaboração de uma legislação elettoral e parttdana que
eficácia limitada por uma questão meramente textual ou "estritamente impeça fraudes ou um sistema não-competitivo de part~ci<;s: a criaçüo
jurídica". Essa limitação depende muito mais de opções político-ideo- ~a manutençüo de alguma forma de financiamento parttclano- dentre
lógicas que não têm necessária relação com o texto constitucional. tantas outras. Sem tudo isso, o mero texto constitucional é clesptdo de
Toda norma, a partir desse ponto de vista, tem eficácia limitada- mas qualquer possibilidade de produzir efeitos. E quais sã~) a_s ct~ndi~ões
algumas delas, por razões extrínsecas, têm melhores condições ele necessárias para que a norma expressa pelo art. 6" (dtretto a saudc)
produzir efeitos. Aqui. os conceitos de eficácia e efetividade aproxi- produza os efeitos desejados? Poder-se-iam mencionar, entre o~ttras.,a
mam-se de novo. Nos próximos dois tópicos pretendo me valer de constni<,:ão de hospitais e a contratação de médicos para_ o _servtç_o pu-
duas contraposições para esclarecer o que aqui foi afirmado. A primei- blico ele saúde. a elaboração de uma legislação que disctpltne a forma
ra, entre dois direitos específi~os: o direito ao sufrágio e o direito à de financiamento e ele utilização desse serviço público e a definição
saúde. A segunda. entre duas categorias de direitos, as liberdades pú- de prioridades no combate a doenças.
h/icas e os direitos sociais. Como se percebe, em ambos os casos tra- Como se percebe. nem uma nem outra das normas são bastant~s
ta-se, de um lado. de direitos garantidos pelo que se costumou chamar c 111 si mesnws. Todas elas dependem da açâo estatal para produ:..Jr
de normas de eficácia plena e. de outro, de direitos garantidos pelo eleitos. A diferença básica entre elas está não no plano jurídico-analí-
que se costumou chamar de normas de eficácia limitada. tico. mas no plano jurídico-empírico. No primeiro caso (s~tji·âgio) as
necessárias condições institucionais, legais e financeiras já extstem,
pois já existe um órgão que organiza eleições, já existem jun:as ~se­
6. 7.2. I Er:cmplo I: direito ao su/râgio e direito à saúde cücs eleitorais. já existem funcionários para trabalhar nesses orgaos c
Qual seria a diferença. no plano da eficácia "estritamente jurídi- ;Jcssoas para trabalhar nos dias de eleiçüo, já existe dotação _orçamen-
ca", entre, de um lado. uma norma que garanta o sufrágio universal e tária suficiente para a organização das eleições etc. Preenchtdas essas
eleições livres. cujo voto tenha valor igual para todos (CF. art. 14) c. condições - c somente assim - é que a norma contida no art. 14 da
de outro, wna norma que garanta a todos o direito à saúde (CF. art. constituição é ··capaz de produzir efeitos".x 7 Já no caso do direito ú
6")'? Segundo o modelo que se está aqui analisando- eficácia segundo
José Afonso da Silva -, a diferença é bastante simples: a primeira
87. Dessa fonna. é possível afirmar que para a realização tia norma contida no art.
seria uma norma de eficácia plena. e que não depende, portanto. de
14 da CF brasileira serão necessários. apenas no ano de 2008, aproximadamente 3.685
regulamentação para produzir os efeitos pretendidos; enquanto a se- bilhôes de reais. Esse valor inclui as estimativas das previsões orçamcntánas para a
gunda seria uma norma de eficácia limitada, cuja produção plena de Justiça Eleitoral (2.9'í bilhões de reais) c para a re<~lização das el~içõcs mumcipais ( nOO
efeitos depende de atuação estatal. Segundo a tese que aqui se defen- milhl-lCS de reais) c a composição do fundo partidano (l3'í mdhocs de reais).
2_l4 DIREIT<lS Ft::\ll.·\~IH\1.-\IS- <'<l.'irf-('ll<l IS\f.'i(T-\1 .. RESIRI('<)I:S 1-: !J·I(',\('1/\
EFIC.·\Ci.\ IJAS .'iORM:\S C<J'iSTIII CIO'i \IS

saúde as condições institucionais, legais e. sobretudo. financeiras (ou seja. excetuados os direitos políticos). a diferença entre normas de
não são ideais: bltam hospitais, faltam urn plano de carreira e bons eficácia plena e normas de eficácia limitada continua intocada. Já se
sal<írios para atrair médicos, faltam recursos para comprar medicamen- viu acima - e. na verdade. ao longo de todo este trabalho - que, no
tos c material hospitalar etc. Diante dessas condições - e apenas por que diz respeito à possibilidade de restrição. a tese segundo a qual as
isso-. a norma que garante o direito à saúde não é capaz de produzir os liberdades públicas são irrestringíveis não se sustenta. 90 Isso colocou
efeitos desejados.
em xeque, mesmo no âmbito elas liberdades públicas, a distinção entre
Nesse senüdo, pode-se dizer que a diferença entre os dois casos é normas de eficácia plena e normas de eficácia contida. Aqui, a questão
fática e temporal:~x porque já existem tribunais eleitorais, seções, jun- é outra: é saber se entre as liberdades públicas e os direitos sociais há
tas etc., parece que a norma é de eficácia plena, que basta a si mesma;s 9 uma diferença que fundamente a distinção entre normas de eficácia
Jomo não existem hospitais. médicos e medicamentos suficientes, plena (embora restringíveis) e normas de ~ficácia limitada.
acha-se o contrário. Em ambos os casos, no entanto, a atuaçüo estatal Essa distinção é justificável apenas se as liberdades públicas con-
é necessária e imprescindíl•cl. Não existe, nesse sentido, nem mesmo tinuarem & ser compreendidas como meros direitos de cunho liberaL
a partir de uma perspectiva dita ''estritamente jurídica", norma de efi- que garantem um direito subjetivo dos indivíduos a uma abstençüo
cácia plena. A única diferença é que em um caso as condiçôesfaticas estata/_9 1 Nesses termos, seria possível imaginar que uma norma que
para sua produção de efeitos já existem. No outro, não (e não há recur- garanta uma liberdade pública tenha eficácia plena, pois seria exigido
sos disponíveis). Mas, como já se salientou acima - e será visto com apenas um não-fazer. Ocorre que esse conceito de liberdade pública é
mais detalhes adiante -, as condiçôes fáticas /l(LO sâo algo externo ao por demais restritivo e já foi colocado em xeque há muito tempo. Não
direito e devem, por isso. ser consideradas também na análise consti- há que se fazer, aqui, uma digressão histórica a esse respeito, bastando
tucional que alguns autores denominam de estritamente jurídica.
apenas a referência àquilo que se convencionou chamar ele dimen~·üo
• objetiva dos direitos fundamentais. Em linhas gerais, pode-se dtzer
6.7.2.2 E.-..:emplo 2: liherdades púh!icas c direitos sociais que, a partir dessa concepção. as I iberdades públicas não garantem ape-
nas direitos subjetivos aos indivíduos. mas constituem também uma
É claro que é possível imaginar que. ao menos nos casos ele nor- dimensão objetiva de valores fundamentais. Deixando de lado todas
mas que garantam as chamadas liberdades públicas em sentido estrito as polêmicas que tal conceito tenha suscitado no passado,n o que mais
importa de perto, aqui. são suas conseqüências. A superação de uma
88. Quando se fala. aqui. em .. Lítica c temporal .. não se quer dizer .. não-jurídi- concepção ele liberdades públicas que garantam apenas uma absten-
ca·', como se percebe ao longo de toda a análise. ·
89_ CC nesse sentido. Víctor í\bramovichtChristian Courtis. !JJ.\ dereclw.1 so-
ciales conw derl'chos l'xigihll's. ,\1adrid: Trotta. 2002. p. 24: .. ( ... ) a estrutura dos di- 90_ CL tópico 6_6_1_
reitos civis c políticos pode ser caracterizada como um complexo ele obriga-;ôcs ne- 91_ Essa conceitu<H_:;Io de liberdades públicas pode ser encontrada, por exemplo,
gativas e positivas por parte do Estado: obriga~·ão de abster-se de atuar em certos em: Celso Ribeiro Bastos/Carlos í\yres Britto. lntetpreraçào e aplicabilidade das
ámbitos e ele realizar uma série de fun<;ôcs. com <l intuito de garantir o gozo da auto- normas constitucionais. P- 44.
nomia individual e impedir a sua afcta-;ão por OLllros particulares_ Dada a coincidên- 92. Sobre isso. cL. por todos: 1-lorst Drcier. lJimozsionen da Gnmdrec!ue.
cia histrirint dessa série de funçôes positivas com a definição do Estado Liberal Hannover: Hennics & Zinkciscn. 1993; M ichael Doldercr, Objektive Grundreclus-
moderno. a caractcriza-;<lo dos direitos civis c políticos tcl/{fl' a 'nmurali:.ar · essu gehalte. Bcrlin: Dunckcr & Humblot. 2000: 1-lans f)_ Jarass. "Grundrechte ais Wer-
atit·idade estatal ftJositit·aj e pôr .:'nfasc nos limites de sua atua 1;;lo .. (sem grifos no tcntscheidungen bzw objektivrcchtliche Prinzipicn". Aiil< 110 ( 1985). PP- 373 e ss.:
ongmal). Para uma anülisc crítica das conseqüências que Abramovich c Courtis tiram e Konrad l-lesse ... Bestand und Bedeutung der Grunclrechte in der Bundesrepubiik
de suas premissas. cf Virgílio Afonso da Silva ... Tile Limits of Constitutional Law: Deutschland ... Eu(;Rz 197~. PP- 430 e ss. Em português. cf., por todos, Daniel Sar-
Public Policies and the Constitution ... in Clilles Tarahout/Ranabir Samaddar (orgs.). mento, .. í\ dimensão objetiva dos direitos fundamentais: fragmentos ele uma nova
Conf/ict. Pown~ wulthe [,wtd.\C{/fil' ol ( ·onstitution(l/islll. Ncw Delhi/London: R~Hit­ teoria'". in José Adércio Leite Sampaio (org.). Jurisdiciio constitucional e direitos
lcdge. 2007. PP- 167-I~L
ji111damentais. Belo Horizonte: Del Rcy. 2003. PP- 251-_) 14_
237
IJIRI·.JTOS H iNIJAMFi\TAIS ('0\il U"DO I.SSI·.i\CI\1.. RE~ IRJ<Jli·S I ~.I·J<",\('1.\

ção estatal em face da autonomia dos indivíduos deu lugar, sobretudo. tensa série de obrigações positivas. vinculadas à manutenção das ins-
a três novas formas de efeitos jurídicos para essas liberdades: (I) os tituições políticas, judiciais, de segurança c dcfe.sa. necessárias como
chamados efeitos hori-:.ontais, que são os efeitos dos direitos funda- condição do exercício da liberdade individual".'''
mentais nas relações entre particulares:'11 ( 2) os direitos de proteçiío:".j Em sentido muito semelhante. também Hiiberle aponta para a
e (3) os direitos a organi-:.aç-/io e procedi111cntos. necessidade de se compreender que os direitos fundamentais impõem
A partir desse paradigma, ficaria difícil sustentar que as normas duas espécies de tarefas ao legislador: "As garantias do~ cli~·~itos fun-
que garantem !~herdades públicas tenham eficácia plena já a partir do damentais têm, assim. um conteúdo duplo. De um lado, sJgnJflcam elas
dia da promulgação da constituição. Sobretudo no que diz respeito aos uma proibição de se violarem os direitos fundamentais- nesse senti-
direitos de proteção e aos direitos a organização c procedimentos, a elo, são elas um limite para o legislador: df outro lado. contêm elas um
Hicácia plena da norma só pode surgir a partir elo momento em que dever, endereçado ao legislador, de desenvolver cada um dos direitos
a proteção estatal é efetiva e as organizaç<1es e os procedimentos ne- fundamentais - nesse sentido, são elas objeto da legislação e contêm
uma tare&:'l. para o Ieg1s
·t·I
ac or " %
.
cessários forem estabelecidos. Um exemplo pode deixar essa idéia um
pouco mais clara. A norma que garante o direito de propriedade, en- O paralelo entre direito ao suji"âgio e direito à saúde, fe~t,o no_ tó-
quanto norma que apenas exige uma abstenção estatal, seria de eficá- pico anterior, poderia, aqui, ser retomado n:m algumas ,ml?dlficaçoes,
cia plena e aplicabilidade imediata. Mas o direito de propriedade só é que ampliariam seu escopo: ele um lado as !1berdades pt.Jbi.Jcas, ga~a~l­
pleno se, de fato, o Estado cumprir seu dever de protegê-lo. Para tan- tidas por normas ele eficácia dita plena: e de outro ?s ~JreJtos so~1~1s,
to, é necessário legislar, criar e manter organizações - polícia, Poder aarantidos por normas de eficácia dita limitada. A cnaçao ele concllçoes
Judiciário etc.; é necessário criar um registro de imóveis; é necessário ~ara a produção de efeitos das liberdades públicas -.via regulame~ta­
pensar em procedimentos para a aquisição da propriedade - dentre ção, criação c manutenção de organizações e procedimentos- eqmva-
outras várias ações necessária~. Sem tudo isso a norma não tem capa- lcria, no âmbito, por exemplo. do direito à educação, à construção de
cidade de produzir os efeitos desejados. Em suma: sem regulamenta- escolas, contratação e treinamento de professores c auxílio aos estu-
ção, sem intervenção estataL nem mesmo a norma que garante um dantes carentes na compra de material escolar: ou, no âmbito do direi-
direito individual ou uma liberdade pública tem capacidade de produ- to à moradia, à construção de casas e abertura de Iin h as populares d.e
zir esses efeitos. Nesse sentido. Abramovich e Courtis salientam que financiamento etc. A diferença central entre eles é: enquanto as condi-
"até mesmo para os pensadores mais característicos da economia po- ções - institucionais, legais, materiais etc. - de prodt~ç~o ele .efe~tos
lítica clássica, como Adam Smith e David Ricardo. era mais que óbvia elos direitos individuais, em geraL já existem, as cond1çoes - mst1tu-
a inter-relação entre as supostas 'obrigaçôes negativas' do Estado, em
especial em matéria de garantia ela liberdade de comércio, e uma ex-
95 Víctor Abramovich/Christian Cmn1is, IJIS daeclws so,·ialcs como derechos
exigibl~.~·, p. 23 (sem grifos no original). Em sentido scmcll~ante, c f. Faustino Ct~~ltr~­
ras Peláez, Derec/ws sociales: teor/a c ideología, Madnd: [ccnos. 1994, p. 21: Nao
93. Sobre esse terna. cf., por todos: \Vilson Stcinmctz. A J'inculacão dos particu-
existem, em resumo, obrigações ·negativas' puras (ou, melhor, threttos que compor-
lares aos direitosjimdamenlais. Süo Paulo: Malheiros Editores. ::?.004; Daniel Sarmen-
to, Os direitosjitndamentais nas relaç6cs privadas. Rio de Janeiro: L.umen Juris. 2004 tem exclusivamente obrigações negativas)( ... )".
96. Peter Hiiberle. Die Wesensge!wltgarantie des Art. I<) Abs. 2 Gnmdgeset::., p.
e Virgílio Afonso da Silva, A constitucionali::.acüo do direito: os direitosfúndamentais
1X2 (grifo no original). Ao defender essa duplicidade de tarefas, Haberle !1ada mats
nas relaçcics entre particulares, I" ed., 2' ti r., Süo Paulo: Malheiros Editores, ::?.OOX.
faz que ser coerente com seu pressuposto teórico, segundo o qual dtrettos fundamen-
. 94. Sobre os direitos (ou deveres) de proreçúo, cf., por todos, Johannes Dietlein,
tais são não apenas direitos subjetivos. mas têm tambcm uma taccta mstttucwnal. Isso
/J1e Lehre von den grundrechtlichen Scllllt::.p/lichtcn, Berlin: Duncker & Humblot,
não significa, contudo, que sua conclusão seja apenas possível no âmbtto, de, sct~s
Il)~?-·. c Joset: lsensee, ''Das Grundrecht ais Abwehrrecht und ais staatliche Schutzptli-
pressupostos_ que. de resto, foram rejeitados antenormentc neste trabalho (c!. toptco
cht . tn Joseí lsensee/Paul Kirchhof (orgs. ), Hwulhuch dcs Sraatsrechts der Bundcsrc-
puhlik Deursch/and, vol. V, § 111, Hcidclbcrg: Miiller. 199::?., sobretudo pp. 1g I e ss. 4.::?..1.::?.).
DIREI lOS HI~IJA~IENII\IS: CO~ IELIJO ESSENCIAL. RESTRI(,'ÜES E HiC\Cii\
EFICACIA DAS NORMAS CONSTIIl '('IO~AIS 2YJ

cio~ais. legais, materiais etc, - para a produção de efeitos dos direitos


problemas está na definição de métodos - esse seria o otimismo me-
socJ<Hs c de outras normas ele chamada eficácia limitada ainda não
todológico:'!~ ou (2) debates metodológicos são considerados como
e:xistem,qc Aqui, como se vê mais uma vez, a eficácia aproxima-se_ e
muito- da cfetiviclacle, algo de pouca - ou nenhuma- importância, Neste trabalho a ênfase
no método não significa nem uma coisa. nem outra. Não significa
pouca importância do método, por razões óbvias: e não significa um
6. 7.2.3 Normas l{e eficácia plena e de eji"ccícia limitada: '"otimismo metodológico", porque não se acha que o método detine o
conc!u.wlo resultado.'''' Mas a ênfase na clara definição do método permite. em
primeiro lugar, uma possibilidade maior de diálogo. por definir bem
_ ~ _A partir do analisado até aqui, é possível sedimentar uma conclu- os limites c as possibilidades do enfoque escolhido. Além disso- e
sao 1111portante: se toda norma garantidora ele direitos fundamentais sobretudo neste capítulo-, a clara definiç~) do método deixará claro
necessita, para produzir todos os efeitos a que se propõe, ele algum que algumas distinções entre o que está dentro e o que está fora do
tlp<_l de regula_m~n.taç~o .. a distinção entre normas de e.ficâcia ple~a e âmbito jurídico acabam por tornar pouco nítidas relações necessárias
1101 11ws de e.ftcacta lumtada perde seu sentido. Todas as normas. a entre conceitos como, por exemplo, o de eficácia e o de efetividade.
partir dessa premissa, têm alguma limitação em sua eficácia. Como Na exposição inicial sobre o método que pauta este trabalho fa-
to1 ressaltado nos tópicos anteriores, é possível imaginar que as nor- lou-se em três dimensões ela dogmática jurídica: analítica, empírica e
mas que ga~antem liberdades públicas, em sua dimensão exclusiva- normativa. 1011 Na análise realizada nos últimos tópicos acima ficou
mente n_cgatlva- ou seja, quando exigem única e exclusivamente uma clara uma polarização entre questões de eficácia e questões de efetivi-
abstença? ~statal -_, possam revestir-se de eficácia plena. Mas as liber- dade. Em tópicos anteriores 101 chegou-se à conclusão de que eficácia
dades p~1bhcas cx1gem, como já se salientou, muito mais que mera c efetividade, em muitos elos casos importantes no âmbito elos direitos
abste~çao_. E o problema é que a~1bas as exigências- abstenção c ação fundamentais. são conceitos que se aproximam. É possível concluir.
--_no amb1tc~ das l!berdades públicas (e também dos direitos políticos) aqui, que pode ter sido a insistência na distinção estanque entre esses
sao duncnsoes da mesma norma. Ou seja. ainda que par1e da norma dois conceitos que tenha levado a vários elos problemas relativos à
pudesse ser de eficácia plena, a outra parte não o seria. A norma em seu idéia de eficácia plena, contida e limitada. José Afonso da Silva, na
todo, portanto, acaba necessitando de algum tipo de ação estatal. introdLJ<;ão de sua monografia, restringe seu objeto ele estudo e exclui
dele o problema de saber se a norma constitucional produz efetiva-
mente seus efeitos. Segundo ele, "isso já seria uma perspectiva socio-
6. 7.2.4 As dimcnsâes da dogmática
lógica'". e seu tema ·'se situa no campo da ciência jurídica, não da
e a contraposiçüo entre eficácia e efetividade sociologia jurídica". 102
Neste trabalho a ênfase no método já foi ressaltada diversas ve- No entanto, como se pretendeu demonstrar nos tópicos anterio-
/cs. No úmbito jurídico, debates sobre métodos costumam sofrer dois res, as condições fáticas, sociais e institucionais para a produção dos
tipos de exagero: (I) ou se imagina que a solução de quase todos os
9X. Sobre o .. otimismo metodológico", cf., por exemplo, Reinhold Schlothaucr.
/.ur Krise der V<'ljássungsgerichtsharkeit, Frankfurt am Main: Europiiischc Vnlag-
. 'J7. De ~~~na certa forma isso é reconhecido pelo próprio José Afonso da Silv·1
sanstalt. 1979. pp. 165 e ss. e Virgílio Afonso da Silva ... Interpretação constitucional
·, : ..·
Scoundo '1 ,. '\s · I - ·
.-c~-,: ~O,l1ltçoes gerats para essa aplicabilidade [das normas de eficácia

c sincretismo metodokígico", p. 143.
~ 1í< 11 '~ I sdo a (.\I.\ ti 11,1 til apenas do _aparato jurisdicional. o que significa: aplicam-se 99. Como. exemplo disso, cf., sobretudo. o tópico 4.2.3.
t_ pelo t,tto de serun normas JtlrldJcas, que pressupôem. 110 caso. il existência do
I()() C f. tópico 1.3.
i:lt({(/o e de seus orgüos" (sem grifos no original) (Aplicabilidade das normas con\-
11/ttl"/ol/ill 1. p. I O:Z ). · 101. Cf., entre outros, tópicos 6.7.2 e 6.7.2.2.
102 . .lost' Afonso da Silva, Aplicahilidwlc das nomws constitucionais. p. 13
240 DIRI!I'OS ll'f'D·\\IIc.'\T\IS. ('0'\fll !lO LSS!c:-il L\1, RISIRI~'(JLS L !Til'i\('1.-\
1.1 JC/\t 'IA DAS 'lORi\tAS <'ONSTII L'Cil l'\AIS 241

efeitos de uma norma jurídica silo parte do fenômeno jurídico. Mais as normas que garantem ambos os tipos de direitos. por que a justi-
que isso: fazem parte do objeto de estudo da dogmática jurídica- so- ciabilidade dos direitos sociais é mais complexa e mais controversa?
bretudo em sua dimensão empírica. Aquilo que se costuma chamar de
efetividade das normas constitucionais é. portanto, parte do objeto de
estudo da ciência jurídica. Nesse sentido. Luís Roberto Barroso sa- 6.7.3.1 O custo dos direitos. ou por que a efetividade das normas
lienta que o direito ··existe para realizar-se. c a verificação do cumpri- de direitos sociais é mais haixa 104
mento ou não de sua funç;lo social não pode ser estranha ao seu obje-
to de interesse e estudo'·. 1m • Se as diferenças entre liberdades públicas e direitos sociaiS são
menores que aquelas apontadas normalmente. por que, então, a efeti-
De fato, não pode. Imaginar que a real produção de efeitos das vidade das primeiras é maior que a dos direitos sociais? Parte dares-
~ormas constitucionais seja algo destacado do fenômeno jurídico está posta a essa pergunta já foi fornecida aci~a: 105 boa parte dos requisi-
na fonte- como se quis demonstrar- de diversos problemas teóricos
tos fáticos, institucionais e legais para uma produção (quase) plena
e classificatórios no ámbito das normas constitucionais.
elos efeitoi das liberdades públicas já existe. enquanto as reais condi-
E, se isso é assim, e se todos 111 normas. para produzir efeitos. ções para o exercício dos direitos sociais ainda têm que ser criadas.
dependem de condições intrínsecas e extrínsecas a elas, uma distinção
A segunda parte da resposta está intimamente ligada a essa pri-
que se baseie na necessidade ou na desnecessidade de intervenção
meira: a criação das condições de exercício dos direitos sociais é,
estatal para a produção de efeitos dessa ou daquela norma é colocada
pura e simplesmente, mais cara. Isso porque essas condições, além de
em xeque. Se toda norma depende de intervenção e de regulamenta-
incluírem tudo aquilo que é necessário para a produção ele efeitos elas
ção para produzir efeitos, distingui-las em normas ele eficácia plena e
liberdades públicas - proteção. organizações, procedimentos etc. -,
normas ele eficácia Iimitada de~xa de fazer sentido.
exigem algo a mais. E esse .. algo a mais", além de pressupor recursos
financeiros não disponíveis. costuma ser específico para cada um dos
6.7.3 Digressâo sobre a ejetil·idade e justiciahi!idade direitos sociais - o que aumenta ainda mais seus custos. Assim, en-
dos direitos sociais . quanto boa parte dos custos elas liberdades públicas é aproveitado de
maneira global por todas elas - legislação, organização judiciária etc.
Ainda que nilo seja o objeto deste trabalho uma análise elos pro- - cada direito social exige uma prestação estatal exclusiva que só é
blemas de efetividade específicos dos direitos sociais. é necessário a~roveitada na sua realiz<7ção. mas não na realização ele outros. Nesse
abordar- mesmo que de maneira não tão profunda e em caráter ele bre- sentido, a construção e a manutenção ele hospitais, contratação de mé-
ve digressão - algumas questües que poderiam ser suscitadas a partir
cl~ l~egação da diferença tradicional entre as liberdades públicas como
direitos garantidos por normas de eficácia plena e os direitos sociais 104. Não é a inten~·ão. aqui. nesta breve digressão. teorizar sobre os custos dos
direitos- tema que. sobretudo a panir da publicação de Stephen Holmes/Cass Suns-
C_?mo cl~reitos garantidos por normas de eficácia limitada. Essas ques- tein. The Cost o/Rights: H'hv Ul>ertv /)epcnds 011 Taxes. New York: Norton, 1999, tem
toes senam: (I) Se não há grandes diferenças entre as normas que ga- despenado a atenção de alguns juristas também no Brasil. Nessa área, cf., por exemplo
rantem ambos os tipos de direitos. por que. então, h<'í uma menor efe- - c independentemente da compatibilidade com o aqut exposto: Ana ~aula de Bar-
cellos. A eficácia iuridica dos prinní1ios cmzstitucionms, Rto de Janeiro: Renovar.
tividade dos direitos sociais? E: (2) Se não há grandes diferenças entre
2002. pp. 236 e ss . : Flávio Galdino. /ntroduçlio à teoria 1os custos dos direitos. Rio
de Janeiro: Lumen Juris. 2005: e José Casalta Nabais, "A face oculta dos direitos fun-
damentais: os deveres e os custos dos direitos". in Tribunal Constitucional (org.). l:'s-
103. Luís Roberto Barroso. "A doutrina brasileira da efetividade", in Luís tudos em Homenagem ao Conscllzeiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra:
Roberto Barroso, n~nzas de direito constitucional. vol. III, Rio de Janeiro· Renovar
2005. p, 67. ' . Coimbra Editora. 2003. pp. 737-767.
105. Cf túpico 6.7.2. I.
242
ll!REIIOS Fl!:'<DAMENTAIS: CO;-JTEL'DO ES~i:'iCIAI.. RES IRI(f>LS 1. i!ICACL\
EFIC·\Cic\ IJAS NORMAS CO:"-iSIIITCIO'<.\IS

clicos, compra ele caros materiais hospitalares, organizaç~l.o de progra-


Em primeiro lugar, a dificuldade de obter uma tutela jurisdicio_nal
mas de combate a epidemias, entre outras coisas. só são aproveit<~das
satisfatória no âmbito dos direitos sociais reside no caráter colet1 vo
para a realização de um único direito social, o direito à saúde. O mes-
desses direitos. Ainda que se possa dizer que cada indivíduo tenlla um
mo .vale para a construção e a manutenção de escolas. contratação de
direito à saúde, um direito à educação. ao trabalho e á moradia, a rea-
profe~sores, compra de material escolar e de alimentos para a merenda,
lização desses direitos é algo que só é possível se pcns_ada ~oleti~a­
orgamzação de p~og_ramas de aperfeiçoamento didático para professo-
mente. Os procedimentos judiciais, sobretudo no Brasil, nao ~s_tao,
res, no caso d~) dJreJto à educação; de construção de casas e abertura
de créditos habitacionais, no caso elo direito à rnoradia. 10" contudo, aptos a dar vazão a pretensões judiciais dessa natureza. lodo
direito processual é pensado - e as raríssimas exceções n_ão mudam
esse quadro - para uma litigância individual. Quando existentes, as
6.7.3.2 Justiciabi!idade ações coletivas. com raríssimas exceções,'09 pouca diferença_ têm em
relação a ações individuais, a não ser um número mator de httgantes
. U~a se_gunda questão importante que pode surgir a partir da tese no pólo at~vo de uma determinada ação .
aqu1 defendida acerca da semelhança entre as normas de eficácia ple-
Em segundo lugar, há uma questão ligada à diferença que _ct?stu-
n~ ~ as norm~s ?e
eficá~i~ limitada seria: por que razão a tutela juris-
ma ser apontada entre as liberdades públicas e os ~trcttos _socwts. _A
dicJon~l de direitos subjetivos, no âmbito dos direitos sociais, tende a
despeito das relativizações levadas a cabo nes~e capttul~), ~ao se ~u~s,
ser ma1s complexa, controversa ou simplesmente negada? Há várias
em momento algum, igualar as liberdades públlcas aos dtr~ttos soctats.
razões possíveis, e não é, também aqui, factível fazer urna análise
107 A diferença comumente apontada pela doutrina entre eles amda se man-
aprofundada delas. Mas é possível dar algumas indicações de moti-
tém, embora relativizada: enquanto as liberdades públicas extgem, em
vos que não se relacionam diretamente com a classificação das nor-
mas quanto à sua eficácia. 10R • geral, um não-fazer, os direitos sociais exigem, twnh(;!ll em ge~·a~, u~
fazer. O cerne das liberdades públicas é, portanto, de tato, a cxtgencta
de uma abstenção estatal. Enquanto direitos sociais exigem sobretudo
, . Hl6. Há. claro, a~ém de~ tudo. um problema de prioridades na alocação dos re- prestações estatais. 110
cursos e~cas.sos (hsponiveis. Essa alocação é definida. com as raríssimas exceções de A dificuldade na justiciabilidade dos direitos sociais reside, por-
VllJCulaç:~? fixa de rec~Itas orçamentárias, com base em critérios sobretudo políticos.
A defmiçao do q~e seraalocado para a reahzaçilo de direitos sociais acaba dependen- tanto, no fato de que é seu cerne que está em jogo. que é a exigên~i_a
do de urna pressao social por parte JUStamente daqueles que. em geral. têm menos ele uma prestação positiva por parte do Estado. Essa dimensão pos~tJ­
meios de fazer essa pressão. ~
va, no caso elas liberdades públicas, como já foi sublinhado em tóptco
, I 07. Cf., sobre essa questilo. dentre tantos outros: Victor Abramovich/Christian
anterior, 111 já está assimilada à própria função do Es~ado.: ~' ~orta~1to,
Courtis, !.os dercclzos sociales como dcrechos cxir.:i/J!cs. Madrid: Trott'l ..,()()"1· 1 . ,
R . li d . , '. - -- . ose dificilmente surge em processos judiciais. Mas não c dthcJI tmagmar
ema to e Lnna Lopes, "Direito subjetivo e direitos sociais". in José Eduardo Faria
(org. ). Dtrntos humanos, direitos sociais e justiça. I·' ed., 4' ti r.. S<lo Paulo: Malhei- que também no âmbito elas liberdades públicas. garantidas por m~rm~s
ros E~htores, 2005, pp. 113-143; Cristina Queiroz, ''Direitos fundamentais sociais: ditas de eficácia plena, a tutela jurisdicional de alguns pontos sena tao
questoe~ ll.l~erpretativas e limites de justiciabilidadc". in Virgílio Afonso da Silva.
lnterpruaçao ronstttucwnal. Iª ed., 2• tir.. Silo Paulo: Malheiros Edit•Jres '()()7 pp
165-? 16· R d - · · · · . ~ ' .. - . .
- - . ~e o oito Arango, Der Begnfj der so::w/en Grundrcc!tte, Baden-Baden:
Nomos. _()()I. pp. I OI e ss. (existe tradução espanhola). 109. A principal delas seria. claro. a ação civil pública. . . _ ..
110. A aceitação dessa diferença. ainda que com as relattviZaçoes gntadas no
I 08. Até porque, estritamente considerados. eji'uícia e jll.lliciahilidade niío silo
concettos que guardam uma relaçilo necessária. Uma norma poderia ser de eficácia texto, não põe a perder o que foi defendido neste capítulo. Isso porque o ~Imples fato
plena mesmo que nilo houvesse qualquer forma de recorrer ao Judici<irio em caso de de se aceitar que liberdades públicas. além de exigirem. Clll geral. om1ssoes estatais,
seu descumpnrnento. O oposto também vale: uma norma pode ser de eficücia limita- também podem exigir- e exigem - intervençôes )á é o suficiente para desclassificar
da e a possibilidade de sua justiciabilidade em nada mudaria essa característica. as normas que as garantem como normas de ehcacw plena e bastantes em s1.
111. Cf. tópico 6.7.2.2.
244 DIR EITOS FUN DAMENTA IS: CONTE ÚDO ESSEN CIAL. RESTRI ÇÕ ES E EFICÁ IA
EFI CÁ C IA DAS NORMAS CONSTITUCION AI S 245

problemática, complexa ou negada como ocorre no âmbito dos direi-


tos sociais. Basta pensar em uma ação judicial que exigisse maior ção, que reflete a idéia central ela teoria externa, não pode ~e: lugar em
ação estatal para a garantia de uma imprensa plural e independente, um modelo que sustente a existência de normas d~ ~ficacL~ plena _e
que sejam irrestringíveis, já que a passagem d~ dtretto p~tnw Jacte
como forma de realização de uma liberdade pública como o direito à
para o direito definitivo é justamente a expressao desse ptocesso de
informação; ou uma ação que pleiteasse a construção de nova delega-
restrição/regulamentação.
cia e a contratação de novos policiais para determinada cidade, como
forma de garan,tir o direito de propriedade ele alguns fazendeiros, inco- (2) rsso faz com que o recurso a qualquer for~a de li~i~ação
modados com ocupações de movimentos de trabalhadores rurais sem- implícita (Limites imanentes) a dir:_ito~ fundamentats_ s_:Ja reJ~ttada .
terra. Tais pedidos, pela via judicial, suscitariam as mesmas perplexi- Toda e qualquer limitação é decotTencta de urr:a restnçao ex ter n~ ~o
flades que pedidos de construção de creches, escolas, hospitais ou ele direito fundamental (teoria externa). Nesse senttdo, normas d~ eficacia
fornecimento ele remédios e pagamento ele tratamentos médicos cos- plena, de eficácia contida e de eficácia li~rtada (m~d_:lo Jose Afons?
tumam suscitar. Eles são, no entanto, pedidos relativos à reaLização de da Silva) são suscetíveis, na mesma medida, a restnçoes. Nada as di-
Liberdades públicas, garantidas por normas que, pelo que se percebe, f erencia, neysse aspecto. .
não têm eficácia de todo plena. (3) Como visto no capítulo 5, a única forrr:a de se _co_nstrutr um
modelo obre a garantia de um conteúdo essenctal elos dir~ttos fun~a­
mentais que seja compatível com os pressupos~os da teor~a dos p_nn-
6.8 Teoria externa, suporte fático amplo cípios é a partir da compreensão de um conteu~~ essenctal relativo.
e eficácia dos direitos fundamentais No caso dos modelos tradicionais acerca da eficacta das normas cons-
titucionais a garantia de um conteúdo essencial depe11cle do ttpo de
Antes de concluir, no próximo tópico, com uma breve avaliação
das conseqüências que as teses\fefendidas neste capitulo têm na prote- norma em questão.
ção aos direitos fundamentais, parece-me indicado retomar a linha que (3. J) Nos casos ele direitos fundamen_tais gar~nt_ido~ ~o~ normas
vmha sendo desenvolvida ao longo de todo o trabalho e complementá- ditas de eficácia plena o conteúdo essenctal do dtretto e tdenttco ao
la, de forma concisa, com os resultados obtidos nos últimos tópicos. conteúdo total. Isso porque, como se viu, nesses casos, o que se _de-
fende é uma impossibilidade de qualquer restrição. Se não é posstv~l
As incompatibilidades do modelo aqui proposto com as teorias
restrino-ir o essencial é igual ao total. Trata-se, portanto, de um n_:t-
tradicionais acerca da eficácia das normas constitucionais, sobretudo
cleo nã'o ~penas absoluto, mas que ocupa todo o âmbito de proteçao
na versão desenvolvida por José Afonso ela Silva, decorrem principal-
mente dos seguintes fatores: do direito.
(3 .2) Nos casos de direitos fundamentais g~~nticlos por ~armas
( 1) A aceitação de um supotte fático amplo para os direitos fun-
ditas de eficácia contida (ou restringível) a defimçao _do con_teudo es-
damentais implica uma extensão do âmbito de proteção de todos os
sencial é mais complexa. Nenhum dos autores que dtferencta:O ~ntre
direitos fundamentais e do conceito de intervenção estatal. A extensão
normas de eficácia plena e normas de eficácia contida (ou r~stnng_Ivel)
do âmbito de proteção tem como conseqüência natural um aumento
_ José Afonso da Silva, Maria Helena Diniz, Pinto Ferreira, Mtchel
das colisões entre direitos fundamentais. Esse aumento, como visto,
Temer, dentre outros - fornece subsídios para ~e saber qu~i: _graus ~e
só pode ser resolvido via sopesamento ou via aplicação da regra da
restrição são aceitos e quais não são. Na ausêncta desses cntenos, se:1a
~roporcionalidade. lsso vale para todos os direitos, sobretudo para as
possível sustentar qualquer forma de g~a~tia_de um nú~leo essenctal
ltberdades públicas. Com isso, pressupõe-se, de início, a restringibi!i-
e, no limite, até mesmo a negação da extstencta desse nucleo.
clade ele todos os direitos fundamentais, baseada na distinção, vista no
capítulo 2, entre direitos primajacie e direitos definitivos. Essa clistin- (3 .3) Por fim, nos casos de direitos fundamentais garanti?os por
normas ditas de eficácia limitada, sobretudo no caso dos d1rettos so-
• Fl·IC:\Cl·\ IJAS ~ORi\L\S CO:'-JSTITl:CIO~ ·\IS 247
246 DIREITOS I·U:\IJAML:\ 1.\IS < 0:\ li cL f)O I SSf''\( ·1 \I . RI.S I RI('<)LS F 1-:J·IC/\CI;\

ciais, parece também ser muito difícil analisar qual poderia ser seu distinção que dependa da aceitação ou rejeição de regul_an_1e_ntações a
conteúdo essencial. Isso porque, em geraL essas são normas que, se- direitos~ logo. não se pode distinguir entre normas de eficacta plena e
gundo os modelos tradicionais, dependem de regulamentação e de normas de eticúcia limitada.
intervenção estatal para iniciar sua produção de efeitos. Via de regra, Em um primeiro momento poder-se-ia imaginar que uma an1~la
nem mesmo se cogita falar em restrição a tais direitos, já que o que abertura para restriçôes e regulamentações a direitos fundamentais,
ocupa a doutrina, nesses casos, é algo que parece ser anterior à possi- defendida como conseqüência natural dos pressupostos deste traba-
bilidade de res.t.rição, que é a própria criação de condições para que lho. poderia significar um risco à sua proteção. Com base no que jú foi
eles produzam algum efeito. Se tais normas, a partir do texto consti- analisado. sobretudo nos Capítulos 3 e 4, não é difícil perceber que o
tucionaL dispõem de quase nenhuma condição de produzir efeitos. que ocorre é justamente o contr<Írio. Para clen~on~t~ar isso, parece-me
hão faria sentido restringir sua eficücia, pois pouco ou nada há a ser interessante continuar a usar as categorias âqlll reJeitadas - normas de
restringido. Aqui, também. fica difícil pensar em um conteúdo essen- eficácia plena, contida c limitada - para fazer uma breve comparação.
cial, absoluto ou relativo.
Sobretudo nesse último caso. as conclusões possíveis a partir
dos pressupostos deste trabalho são muito distintas. É o que se ver<Í 6. 9.1 Normas de eficácia plena
a seguir. O conceito tradicional de nor111as de eficácia plena, que seriam
normas não-restrimdveis e não-regulamentüveis. parece oferecer uma
ótima proteção aos ~direitos que garantem. Como seria po~sível sust.en-
6.9 Conclusão: tar ~como aqui se sustenta~ que a rejeição desse conceito e a ~lefesa
eficácia e garantia dos direitosjimdamentais
de que toda norma é restringível e rcgulamentável po~sa~1 _oferecer
Se fosse necessürio sintet~,;:ar as conclusôes gerais do trabalho até uma proteção ainda maior? Decerto, a idéia é contra-mtUitlva. Mas
113
aqui, pelo menos no âmbito que interessa a este capítulo. poder-se-ia seus contornos já foram delineados antcriormente.
dizer: todos os direitos fundamentais são restringívcis e todos os direi- Se, de fato. houvesse alguma possibilidade de normas absolutas.
tos fundamentais são rcgulamentüveis. Em geraL é até mesmo difícil não-regulamentúveis e não-restringíveis. dificilmente seria possí~el
~às vezes, impossível~ distinguir o que é restringir e o que é regula- imaginar proteção maior. Ocorre que toda teoria que sustenta a e~t:'­
mentar direitos. Em vista disso, a conclusão- que já foi mencionada tência desse tipo de norma (como seria ocas~) ~as norma:s ~le-~ficaci_a
ao longo do capítulo- só pode ser a seguinte: se tudo é restringível, plena) recorre. na verdade. implícita ou expl~ctt~mente. a tdei~ de-'~:
perde sentido qualquer distinção que dependa da aceitação ou rejeição mites imanentes e aos pressupostos da teorw tnterna. Ou seja, t,us
de restrições a direitos: logo. não se pode distinguir entre normas de normas nada mais são que normas cujos limites são definidos interna-
eficácia plena e normas de eficácia contida ou restringível. Além dis-
so, se tudo é regulamen{(ÍJ·e/ e. mais que isso. depende de regulamen-
mente. Para que isso possa ser possível. já se viu que é necessári_o :e-
correr à exclusão de uma série de condutas, de estados e de posiçoes
tação para produ;.ir todos os seus ejeitos. 112 perde sentido qualquer jurídicas do âmbito de proteção de vários direitos fundaAm~ntaiS. S~­
114

mente assim tornar-se-ia possível a convivência harmomca entreva-


112. Cf.. nesse sentido. Konrad Hesse. Grund:,iige des Verfá.lsungsrcc!zts der rios direitos potencialmente conflitantes sem a necessidade ~e ~llna
Bundesrepuhlik Deutschland. ~ 303. p. 129: "Para produzir efeitos. a maioria elos restrição ou uma regulamentação externa. Ocorre que, como Ja v1sto,
direitos fundamentais depende de uma regulamentação jurídica das relações e elos
ámbitos da vida yue eles devem garantir. Essa regulamentação~- em primeira linha.
tarefú do legislador ordinúrio. Ela pode se basear em uma exigência constitucional
113. Cf .. por exemplo. !('>picos _'.._'..2.2 2. ·'·3 ..L' c 4.4-6.
expressa( ... ). Mas ela pode também se mostrar necessúria independentemente desse
tipo de exigência" ( grifos no original). 114. Cf.. por exemplo. tópico -' 3.2.1.2.
T
IJIRI·I lOS 1·1 ":\U.\\If.:\ I AIS CO:--!TLliiJO 1-:SSENCI AL. RESTRI(ÚF:S 1: U ICN ·1-\ fTICÁC!A DAS NORMAS C"ONSTII l "C I< J'. \IS 249

a exclusão a priori ele condutas ela proteção dos direitos fundamentais 6.9.2 Normas de eficácia contida
sofre ele graves problemas argumentativos. Mais que isso: quando se
pressupõe que determinada conduta não é protegida por um direito. Nos casos das normas de eficácia contida ou restringível a dife-
proibir essa mesma conduta é algo que pode ser realizado se111 justiji- rença entre a conceituação tradicional e o modelo aqui proposto pare-
caç-üo constitucional. Os exemplos da ADI/MC 2.566 e do MS i 1. 72CJ ce ser menos patente, mas essa é uma impressüo equivocada. O que
são claros.''" De um lado, para definir a liberdade de expressão c o se poderia imaginar é que, como o modelo que aqui se defende sus-
direito à privacidade como normas ele cficúcia plena, não-rcstrimdvcis tenta que toda norma é restringível. então, para ele, valeriam todas as
características que a classificação tradicional imputa às normas de efi-
c não-regulamentáveis, seria necessário excluir condutas como; pro-
ccícia contida ou restringível. Na realidade, o que há de comum entre
~ s,clitismo c o sigilo banc~rio do ~mb_ito ?e proteção desses direitos.
ambos os enfoques é apenas a idéia-mestra.; normas que podem ter sua
Somente assim sena possivel restnng1r tms condutas sem ferir o carú-
eficácia restringida. Mas há uma diferença essencial. A classificação
tcr nüo-restringível e não-regulamentável dessas normas. De outro la-
tradicional. ao se contentar com um critério meramente textual. impôe
do. contudo. a vedação ao proselitismo nas emissoras comunitárias c
poucos crirtérios de controle e ônus argumentativos para as restrições
a restrição ao sigilo bancário em alguns casos, por não serem condutas
dessas normas. Como é a própria constituição que, nesses casos, au-
ou posições_ j_urídicas nem ao menos protegidas por tais direitos. po- toriza alguma regulamentação ou alguma restrição por meio de lei
dcr_tam ser tc1tas sem qualquer necessidade de fundamentação consti- ordinária, o legislador teria uma margem ele atuação discricionária -
tucional. O que não é protegido pela constituição pode, nesse modelo. aqui entendida como "independente de fundamentação" - razoavel-
ser proibido, restringido ou autorizado de acordo com meros juízos de mente grande. No entanto, como ficou claro ao longo deste trabalho.
conveniência do legislador ordinário. Daí o déficit de proteção que tal qualquer possibilidade de restrição a direitos fundamentais, autoriza-
modelo oferece.
da ou não textualmente pela constituição, impõe sérios ônus de funda-
No caso do modelo aqu1 defendido, embora se pressuponham a mentação ao legislador e está sempre submetida ao controle da pro-
rcstringibilidade e a necessidade de regulamentação de todos os di- porcionalidade. Essa imposição extra, inexistente nas classificações
reitos fundamentais, sustenta-se, ao mesmo tempo, um suporte am- tradicionais, confere exigências maiores à atividade do legislador que
plíssimo para eles, como já ficou claro no capítulo 3. Diante disso. restringe ou regulamenta direitos fundamentais. Daí uma tendência
é necesscírio aceitar, a partir desse modelo. que a liberdade de ex- també111 a um maior grau de proteção.
pressão c o direito à privacidade protegem, respectivamente, o pro-
selitismo de qualquer natureza e o sigilo banccírio. A partir desse pon-
6.9.3 Normas de eficácia limitada
to ele partida, embora se admita a restringibilidade desses direitos.
isso somente é possível em face das condições de cada situação con- O caso das normas ditas de eficácia limitada é um pouco mais
creta. Além disso, qualquer restrição ou regulamentação depende de complexo. Aqui serão mais uma vez usados como exemplo os direitos
111/W justificativa constitucional. Por fim. ao proteger tais condutas c sociais, jcí que são, no âmbito dos direitos fundamentais. as normas que,
posições jurídicas, esses direitos fundamentais, se são suscetíveis. de por excelência, são consideradas como normas de eficácia limitada.
um lado. a restrições e regulamentações, impõem ao legislador ordi- Como foi visto anteriormente, 116 também os direitos sociais de-
n;írio. por outro lado, um ônus msumentativo que est(i ausente nos vem ser concebidos como direitos com suporte fático amplo. Isso sig-
modelos que sustentam a plenitude e o "hasta r em si" de certas nor- nifica que a não-regulamentação ou a não-realização daquilo exigido
mas constitucionais. por esses direitos é, ainda que por omissão, uma restrição a esses di-

I I .'i. cr túpicos .~.3.3.1 c 3.3.3.~.


116. Cf. sobretudo tópico 3.2.4.1 e a nota 14S no tópico 3.3.2.2.1.
250
• II·IC\CI.·\ D.-\S NOR\1AS ( 'ONS ITil 'CIONAIS 25 I

reitos. O estudo da chamada inconstitucionalidade por omissüo, que restnçao não-fundamentada é violação. 121 Isso ficou claro com o ex-
teve seu auge nos primeiros anos de vigência da constituição de posto anteriormente acerca do suporte fático dos direitos sociais. 122 A
19X8.w sofreu acentuado declínio nos últimos anos.m A hipótese que partir desse pressuposto. não são compatíveis com o modelo aqui pro-
pode ser formulada. neste ponto, é a seguinte: esse declínio está inti- posto nem a simples inação do Poder Judiciário, como acaba de ser
mamente associado à idéia de norma de eficácia limitada. Se norma visto, nem o ativismo incontrolado. 123 Ou seja: para dar ensejo a algu-
de eficúcia limitada é aquela que depende de intervenção e regulamen- ma interven<;ão do Judiciário nesse âmbito, não basta que se verifique
tação por parte do legislador ordinúrio (e também do Poder Executi- que uma ação que poderia eventualmente realizar um direito funda-
vo), e se ''não é possível obrigar o legislador a legislar", 119 pouco po- mental não tenha sido realizada - por exemplo, a compra de remédios
deria ser feito nesse âmbito. 120 Quase toda a jurisprudência do STF para combater determinada doença: é necessário, além dessa verifica-
i·esume-se a esse raciocínio. Ou seja: sempre que se recorre à idéia de ção. que se anal ise se há, ou não há, fun<1amentação jurídico-constitu-
normas de eficúcia limitada ou normas programáticas, o resultado já é cional para a omissão. Somente nos casos de omissão infundada é que
conhecido: só resta aguardar a ação dos poderes políticos. se poderia imaginar alguma margem de ação para os juízes nesse
E o que o modelo aqui defendido pode mudar, nesse cenário? âmbito. •
Não é possível, por razões óbvias, que um modelo teórico tenha con- Isso passaria a exigir- essa é a hipótese que aqui se defende- um
dições de alterar um problema complexo como o da realização de diúlogo constitucional entre os três poderes. 124 É claro que isso tam-
direitos sociais em um país com os problemas do Brasil. Mas é possí- bém exigiria que a separação rígida de poderes, na forma como muitas
vel que esse modelo crie novas exigências que possam alterar a forma vezes é defendida no Brasil, fosse repensada. Não é o caso de fazer
como a atividade jurisdicional encara o problema. Essas exigências isso aqui, jú que abriria um tema paralelo. Mas a simples idéia ele que
são semelhantes àquelas já analisadas para o caso das liberdades pú- a não-realização de algo exigido é equivalente a uma restrição, e que
blicas. Ou seja. não se trata. ~ura e simplesmente, de um debate ma- exige fundamenta<;ão, pode ser um primeiro passo para uma proteção
niqueísta sobre a possibilidade de realização de direitos sociaiS por mais eficiente ou. pelo menos, para uma maior transparência no trato
meio de decisões judiciais. mas da imposição de ônus argumentativos dos direitos sociais.
ao legislador ou ao administrador. Se toda não-realização de direitos
que exigem uma intervenção estatal é uma forma de restrição ao âm-
bito de proteção desses direitos. a conseqüência natural, como ocorre
em todos os casos de restrições a direitos fundamentais, é uma exigên-
cia de fundamentação. Restrição fundamentada é restrição possível;

121. Para uma análise aprofundada da distinção entre intervenção. restrição


117. C f.. por todos, Flávia Piovesan. Proteçüo judicial contra omiss6es legisla- c violação. c f .. por todos. Gertrude Lübbe- Wolff. Di e Grundrechte ais Eingriffsab-
lil'as: açtlo direta de inconstitucionalidade por omissüo e mandado de injunçlio, São wehrrechte. Baden-Baden: Nomos, 1988.
Paulo: Ed. RT 1995. 122. Cf. tópico 3.2.4. I.
I I X. Há, contudo, algumas exceçõ..:s. C f.. por exemplo, Walter Clauclius Rothen- 123. Sobre isso. fazendo menção a um "voluntarismo irracional", p. 142.
burg. Inconstitucionalidade por omissüo e troca de sujeito, São Paulo: Ed. RT, 2005. 124. C f., nesse sentido. Virgílio Afonso da Silva, "The Limits of Constitutional
119. Cf.. n..:sse sentido. por todos. José Afonso da Silva. Curso de direito cons- Law: Public Policies and the Constitution". p. 178: "Se( ... ) juízes não devem distri-
titucional positivo. 30·' ed .. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. pp. 55-56. buir medicamentos ou benefícios similares aos indivíduos, eles devem estar aptos a
120. Isso não exclui. claro, iniciativas pontuais - de eficiência polêmica- de canalizar prctcnsi'ícs individuais e, em uma espécie de processo de diálogo constitu-
realização de direitos sociais por meio de decisões judiciais. O cenário, contudo, não cional. exigir justificações objetivas e transparentes acerca da alocação de recursos
muda. A eficácia '"plena" dos direitos sociais continua a depender das intervenções ptíblicos por meio de políticas ptíblicas. de forma a poder, sempre que nccess<Írio.
dos chamados poderes políticos- Legislativo e Executivo. discutir c contestar tais alocaçiies com os poderes políticos''.
CllNCI l!SAO 25.l

A partir desse pressuposto - ou seja, a partir de uma proteção


amplíssima, ainda que prima facie. a essas condutas. estados e posi-
çües jurídicas -, há uma tendência a um grande aumento no número
ele colisües entre direitos fundamentais. Essa tendência leva a uma
necessidade de restrição a direitos fundamentais quando isso for ne-
cessário para a solução de colisões. /()(/o direito ji111damental é. por-
tanto, restringível.
Capítulo 7
CONCLUSÃO
7.3 Proteção aos direitos fundamentais
7.1 lntroduçüo. 7.2 Restriç'iJC's aos direitosfitndai!JOI!ais. 7.3 Proteçüo Um trabalho que propõe a restringibilidade de todos os direitos
aos dirâtosjimdamullais. 7.4 Eficácia das normas constilllcionais. fundamentais pode dar a impressão inicial de, com isso. legitimar
também uma diminuição no grau de proteção desses direitos. Como
se quis demonstrar ao longo desta obra. é justamente o contrário o
7.1. Introdução que ocorre.
Não será feita, neste breve capítulo, uma lista ele conclusões ou uma A explicitaçâo da restringibilidadc dos direitos fundamentais é
lista das teses defendidas ao longo deste trabalho. A tese. que se procu- acompanhada, no modelo aqui defendido, de uma exigência de .fimda-
rou fundamentar ao longo de todo o trabalho, já foi exposta no primeiro mentação constitucional, para qualquer caso de restrição, que não está
capítulo. 1 Querer fazer uma espfcie de "resumo" do trabalho inteiro em presente em outras teorias. O que aqui se defende. portanto, é a tese
uma lista tópica seria superficial demais c não teria grande valia. Além de que a diminuição ela proteção não está na abertura das possibilida-
disso, seria simplificar todos os argumentos utilizados, expostos cada des de restrição, já que elas impõem um ônus argwnentativo ao legis-
um a seu tempo, com a devida fundamentação. Neste capítulo, a tese lador e ao juiz; uma diminuição na proteção aos direitos fundamentais
inicial será retomada como forma de fecho ele toda a argumentação. ocon·e, na verdade, naquelas teorias que recorrem a figuras pouco cla-
ras como limites imanentes, conteúdos absolutos, espec(ficidade, ou a
outras formas de restrição ao suporte fático dos direitos fundamentais.
7.2 Restriçi)es aos direitos fundamentais Nessas teorias a restriçao ocorre de forma disf'arçada, com base em
uma exclusão a priori de condutas. estados e posições jurídicas de
Esta tese funda-se em um modelo de direitos fundamentais que qualquer proteção. Como ficou claro ao longo do trabalho, essas teo-
tem duas características principais: (I) ao contrário do que defende a rias, ao excluir de antemão essa proteção, liberam o legislador c o
teoria interna, é imprescindível distinguir os direitos fundamentais de aplicador do direito de qualquer /'mus argumentativo. A partir delas,
suas restrições - rejeita-se. portanto, o conceito uno de direitos com por exemplo, proibir o proselitismo nas emissoras comunitárias ou
seus limites imanentes: e, (2) ao contrário do que sustentam teorias criar qualquer exceção ao sigilo bancário são atos que podem ser rea-
baseadas em um suporte fático restrito, não se deve excluir de ante- lizados, sem necessidade de jitndamentaçlio constitucional, pelo le-
mão, ela proteção dos direitos fundamentais, condutas, estados e posi- gislador ordinário, visto que se nega, de mztemâo. a inclusão de um
ções jurídicas que tenham algum elemento, por mais íntimo que seja, (proselitismo) e de outro (sigilo bancário) na proteção dos direitos
que justificaria tal proteção. fundamentais. O ônus argwnentati1·o, como se vê, desaparece.
É fácil perceber, portanto, que a possível relativização elos direitos
fundamentais. que encontra sua expressão maior na negação de um
DIRI.IIOS li :\Ll.\\11 '\ 1.\IS <·o:\ I U 'DO I'SSE'\< .L\ L. RESTRI~'()ES I: 1:1 1<. \CJ.\ C001CLUSAO
2:14

conteúdo essencial desses direitos que não seja também meramente meiro ponto- (2) a crença na possibilidade de distinção estrita entre
relativo, não é o produto de um '"relativismo niilista", ou algo seme- eficácia e efetividade.
lhante. É, ao contrúrio, uma tentativa de criar condições de diálogo in- A partir da análise levada a cabo no capítulo anterior tentou-se
tersubjctivo c de controle social da atividade do Legislativo e do Ju- demonstrar, portanto, que toda norma que garante um direito funda-
diciário, a partir de um modelo que impõe, a todo tempo, exigências mental tem alguma limitação na sua eficácia. Ou seja: todas as normas
de fundamentação. O relativismo, portanto, está, aqui, claramente em são de eficácia limitada.
conexão com as exi12:ências de um Estado Democrático de Direito, que Aqui, mais uma vez, poder-se-ia imaginar que a tese defendida
não aceita a restrição aos seus direitos mais fundamentais de forma implica menor grau de proteção aos direitos fundamentais, Mais uma
a)obe~tada, por me_io do recurso a i_ntuições, muitas vezes moralistas, vez, o que ocorre é o contrário. A classificação de José Afonso da
e a prc-compreensoes mal-esclarecidas. •
Silva teve o inegável mérito de romper com a concepção de norma
constitucional despida de qualquer eficácia. Essa é uma idéia agora
consolid(\(ia. O que aqui se propõe é tentar ir um pouco além.
7.4 Eficácia das normas constitucionais
A consolidação da classificação tríplice, sobretudo destacada de
A partir da consolidação da idéia de que todo direito fundamental seu intento inovador inicial, acabou por gerar, com o passar do tempo,
é restringível, colocou-se em xeque a tradicional distinção das normas uma situação que impede um maior desenvolvimento da eficácia dos
constitucionais, quanto à sua eficácia, em normas de eficácia plena, direitos fundamentais. Essa situação pode ser resumida da forma que
normas de ejicácia comida e normas de eficácia limitada. se segue.
A distinçâo entre normas de eficácia plena e normas de eficácia De um lado, a crença na eficácia plena de algumas normas, so-
contida foi colocada em xequ~porque se baseia justamente na possi- bretudo no âmbito dos direitos fundamentais, solidificou a idéia de
bilidade ou impossibilidade de restrições. Normas de eficácia plena que não é nem necessário nem possível agir, nesse âmbito, para de-
não seriam restringíveis, enquanto as normas de eficácia contida se- senvolver essa eficácia. Se ela é plena, nada mais precisa ser feito.
riam. Contudo, se todos os direitos fundamentais são restringíveis, a Quanto mais essa crença for mitigada, como é o caso das conclu.w)cs
distinção perde sua razão de ser. deste trabalho, tanto maior será o ganho em eficácia e efetividade.
Seria possível imaginar, contudo, que permaneceria a distinção Para mencionar apenas um exemplo: se se imagina que a liberdade de
entre as normas de eficácia plena e as normas de eficácia Limitada. 2 imprensa é garantida por uma norma de eficácia plena, pode ser que a
De eficácia plena seriam as normas que desde a promulgação da cons- conseqüência dessa premissa seja a sensação de que já se atingiu o
tituição já reúnem todos os elementos necessários para a produção de ápice da normatividade constitucional. Ao se mitigar essa idéia, torna-
todos os efeitos desejados. De eficácia limitada, ao contrário, seriam se possível exigir, por exemplo, ações que criem as condições não
aquelas normas que dependem de alguma regulamentação posterior apenas de uma imprensa livre, mas de uma imprensa livre, plural e
que lhes complemente a eficácia. Contudo, como se tentou demons- democrática.
trar no capítulo 6, essa é uma distinção que se baseia em dois pontos De outro lado, a constatação de que algumas normas têm eficácia
de vista no mínimo questionáveis: (I) a crença de que alguma norma meramente limitada pode levar a duas posturas diversas: com base em
pode produzir todos os seus efeitos sem as necessárias condições fá- uma determinada concepção de separação de poderes pode-se imagi-
ticas, jurídicas c institucionais para tanto e - pressuposto desse pri- nar que nada resta aos operadores do direito, sobretudo aos juízes,
senão esperar por uma ação dos poderes políticos; com base em con-
cepção diversa, pode-se imaginar que a tarefa do operador do direito,
2. Nesse sentido, cL por exemplo, lngo Wolfgang SarleL A eficácia dos direitos
ji111dwnentais, p. 251. sobretudo do juiz, é substituir os juízos de conveniência e oportuni-
256 DIREITOS Fl'ND.\1\11:~ L'\IS C'OC\TI·.l '!lO LSSE~CL\1.. RESTRI(,:(JFS E EFICAC!A

dacle dos poderes políticos pelos seus próprios. Segundo o modelo que
aqui se defende, nem uma nem outra posturas são as mais adequadas.
Com a ênfase, reiterada a todo instante, nas exigências argumen-
tativas que as restrições e a proteção aos direitos fundamentais im-
põem, a postura mais adequada parece ser aquela que se disponha a
um desenvolvimento e a uma proteção dos direitos fundamentais ba-
seados nem na omissão nem na ação isolada e irracional, mas a partir
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CASOS CITADOS

STF


ADI4: 209.215
ADI 652 (QO): 215
ADI 732 (MC): 215
ADI 779 (AgR): 215
ADI 827: 214
ADI827 (MC): 214
ADI 869: 131
ADI 906 (MC): 213
ADI !.063 (MC): 2!5
ADI !.590 (MC): 213
ADI !.723 (MCl: 2!3
ADI !.755: 215
ADI !.969 (MC): 22. 34. !OI. !03 ss .. 224
AO! 2.010 (MC): 85
ADI 2.024: 24
ADI 2.566 (MCl: 34. 114 ss .. !23 ss .. !57. 178 ss .. 224.248
ADI 267 (MC): 215
ADI 2.869: 215
ADI3.0!3: 215

ADPF 45: 22
::>7-l DIRU lOS HC\:D.\i\IL',T\JS· < < l.'< I U:llo LSSLi\CJ..\1. RLSTRJ('(JLS I. !TI<·.\( 'J..\
<·.. \SOS <TIA DOS 275

HC 69.400: 105
RE 26.350: I 05
HC 70.R 14: 80, 99 RE 97.278: 105
HC 71.373: 195 RE 157.897: 215
HC 73.662: 57 RE 184.837: 215
HC 79.2R5: 99 RE 188.579: 215
HC 82.424:80,99, 149, 153, IRL 224 RE 214.019:214
HC R2.959: 22 RE 217.136:214
HC 82.969: 193, 195 RE 217.464: 214
HC R3.996: 54, 99 RE 219.780: 224 •
RE 221.194:214
HC 84.409: 193
RE 2~2.00
I: 224
HC 84.768: 193
RE 248.869: 194
HC 84.778: 193
RE 255.397: 22
HC 84.827: 193
RE 261.278: 224
HC 84.862: 22
RE 266.397: 22
HC 85.237: 193 RE 345.580: 22
HC 85.541 (MC): 193 RE 359.444: 194
HC R5.687: 22 RE 373.058: 224
HC 85.988 (MC): 193 RE 394.820: 193
RE 413.782: 224
lnq. 1.957: 21 RE 427.339: 22
RE 431.121: 22

MI 715: 215
Rep. 1.417:215

MS 21.729: 119 ss., 248 RMS 24.287: 214


MS 23.452: 140, 224
SE 5.206 (AgRg): 227
MS 23.576: 224
MS 24.045: 22
MS 24.369: 21 STJ
MS 25.399: 193
REsp 129.746: 55
REsp 240.920: 55
Pet. 577 (QO): 122
REsp 249.026: 55
ÍNDICE REMISSIVO

Àmhito da norma, S6 ss., Y7 Dignid~dc. 191 ss., 200 ss.


Ambito de proteção, 27, 40 ss., 65 ss., Dimensão objetiva dos direitos funda-
72 ss., Y4 ss., 103. 109 SS., 117 ss., mentais, 235-236
126, 151 s'\., 180 ss., 244 SS. Direito à saúde, 77, 232 ss., 237,242-243
Aplicahilidade das normas, 210 ss. Direitos absolutos. 88. !lO, 118, 131, 140,
224-225
Censura, 114, 116 ss. Direitos sociais, 23, 72,77 ss., 90, 204 ss ..
Constituição rígida. 23 ss. 213, 231 ss., 241 ss.
Conteüdo essencial (v. tb.mínimo existe/l- - custo dos direitos, 241
c ia/). 21 ss., 69. 7f.J. 91. 94. 106-107, - efetividade, 241
134, 181 ss., 227,245-246.254 - c liberdades públicas. 234 ss.
- ahsoluto. 27. I S7 ss. - justiciabilidade, 240, 242 ss.
- absoluto-dinümico. ISS ss. Dogmática, 26 ss., 37 ss., 57, 66, 86. 94.
- absoluto-estático. l S() ss. 109 ss., 123, 127, 144, 164, 192, 20S,
- e dignidade, 191 ss. 238 ss.
- dirnen-;ão objetiva, 26-27, 185-1 S6 -c efetividade e eficácia. 238 ss.
-dimensão subjetiva. 26-27, 186-187
- e mínimo existenciaL 204 ss. Efetividade (v. tb. eficácia), 31. 221,
- previsões constitucionais, 25 ss., 228 SS., 238 SS., 255
202 SS. - e eficácia, 31, 22S ss., 23S ss., 255
- carúter constitutivo ou declarató- - e justiciabilidadc dos direitos sociais.
rio. 202 ss. 240 ss.
- relativo. 27. l ()6 ss. Eficácia (v. tb. efetil·idade)
-e dignidade. 200 ss. - conceito, 21 O ss.
- e proporcional idade. 197 ss. -contida. 42, 209. 213 ss., 230, 235.
Contra leg('lll. 55. 5S 245 SS., 249, 254
- problemas, 219 ss.
Diálogo - c aplicabilidade, 210 ss.
- constitucional, 251, 25(, - c efetividade, 31, 228 ss., 238 ss .. 255
- intersubjetivo. 124. 14S. 150. 178, - c garantia dos direitos fundamentais.
23'). 254 246 ss.
ÍNDI< 1.\1.1.\BI 11('0 RL\11~\1\ O 279

- limitada. 42. 209. 214 ss .. 230 ss l'roporcionalidadc. 3'>. 6.1. 11.\. 125 ss .. Subsuw;üo. 4(,, 52 ss .. h8. 1-+7. 149. 17X -c intcrvcn~·ão. 73
245 ss .. 249 ss .. 254 ss. 1.1X ss .. I ô.1 ss .. I 1>7 ss .. 249 Suporte fático. 3 I ss .. 51. 5<J. 65 ss .. 127. - restrito. 79 ss .. 90 ss .. 99. 108 ss ..
- plena, 42. 209. 212 -;s .. 217 ss .. :::'.14 · adcqua<Jlo. 169-170 130, 139. 142. 145. !50 ss .. 167. 180 ss .. 114 SS .. UO. 133. 152. 154 ss .. 159.
SS .• 24 7 SS .• ::'54 SS. - c cuntcúdo essencial dos direitos fun- 199 SS .. 204 SS., 20fl SS .. 21 I. 227. 244. I 63. 181. 187. 199. 206. 2'í2
- semântica, 228 damentais. 181 ss .. 197 ss. 249 ss.
- sintática. 22X -c limites imanente.'>. 180-IXI -amplo. 3') ss .. h7. 83. 89. 94 ss .. ')8. Tet>ria dos princípios. 45 ss .. 6 7. 126. 138.
- teoria de José Afonso da Silva. 211 ss. - ,. -;ope-;amcnto. l 78 ss. l08ss .. l17.122ss .. l39.142.145. 143. 154. I h9. 184. 245
- e classifica<;ües alternativas. 215 " - necessidade. I 70 ss. 150. 153 ss .. IM. lh7. lXI. 184. Teoria externa. 39. 122. 138 ss .. 184. 207.
- crítica. 21 X ss. 205 ss .. 227. 244. 249 227
-proporcionalidade em sentido estri-
- e limites imanentes. 224 ss. - c eficácia dos direitos fundamen- - críticas. 143 ss.
to. 174 SS.
• - teoria externa e suporte fático amplo. tais. 244 ss. - L' ~ícúcia dos direitos fundamentais.
- -;ubjeti\idadc. 177-178
244 ss. - composiçüo. 7 3 ss. :::'44 SS.
- qucstôes terminológicas. I h8-169
Especificidade, X6 ss. -conceito, 67 ss. - e suporte fútico. !58 ss.
-direitos 'll presta~·(1es em sentido am- Temia institucionaL 130, 133 ss.
Racionalidade (v. tb. ohjeti1·idadl'). 146 ss ..
lnterpreta<;üo histórica, X3 ss. plo. 78 ss. Teoria interna. 125. !28 ss .. 158, 163.
175-17ú
- direitos sociais, 77 ss. 180. 187. 20 L 20ô. 247. 252
l·U~~ras e princípios. 3') ss .. 43 ss .. 63.
Liberdade de imprensa. 50, 65. 75, XI, - elementos, 69 ss. - críticas. 139 ss.
184
114 ss .. 140 ss., ISS. 175. 199.244. 255 - e âmbito de proteção. 70 ss. -e limites imanentes. 130 ss.
Re~ulamentação de direitos fundamentais.
Liberdades, 70, 75 ss .. X9 ss .. I 00 ss ..
40 ss .. 'Jl. 101 ss .. 160, 180-IRI. ::?.09.
11 x ss., 1n. 132. 204 ss .. 208. 226 ss ..
::?.22. 22(, ss .. 245 ss .. 254
:::'.1 I ss., 234 ss .. 250
- e restriç<'io. 99 ss.
- e direitos sociais, 234 ss. •
Reserva do po.ssíveL 205
Limites imanentes. 126 ss., 154. 15X.
164 ss .. 180-IXI. 199 ss .. 20X. 224 ss. Rcstriçôes a direitos fundamentais. 36. 38,
245. 252 ss. 4 l. 103. 125. 126 ss .. 130. 132. 139,
197. 223. 24h. 250. 252 ss.
Mandamento de otimiza<;üo. 46 ss .. )O. - baseadas em princípios. 142 ss.
64, 139 ss., 165. 169, 205 ss. - c proteção aos direitos fundamentais,
Método analítico, 37 ss. 253 ss.
Mínimo existencial. 22-23. 204 ss. · por meio de regras. 141 ss.
-proporcionalidade. IJ9. 167 ss.
Objetividade (v. tb. racionalidade). 177-
118 Segurança jurídica. 52, 148 ss.
Ônus argumentativo, 38, 41. 112. 115. Sigilobancúrio,XO.ll9ss .. 141.159.175.
150, IX5. 248 ss. 248. 253
Sigilo de correspondcncia. 80. 141. 22ô-
Pondera<;üo (v. tb. sopesamcnto). 21-22. 227
56. 61. XI. 128. 143. 155. lh6-l67. Sopesamento (v. tb.f>ondcra~úo). 46.51 ss.,
176. 179, IX2, 198 ss. h2. ô8. 81. 84. 89 SS., 99. 102, [08 SS.,
Privacidade. 50. 70. 80-81. 96. 118. 120 118. 128 ss .. 137 ss .. 164 ss .. 175 ss ..
ss .• 140-141,159,175.199.248 I ')9 ss .. 224. 244
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