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A Si Mesmo

SE ESVAZIOU

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A SI MESMO SE ESVAZIOU
Autor: Marcos Moraes (marcossmoraes@gmail.com)
Capa: Roberto Carrilho
Editor: J.G.S.Miranda - Edições Adhonai
Cx. Postal 137 - Porto Alegre-RS CEP 90001-970
www.eadhonai.com.br

M827a Moraes, Marcos Sieburger de.

“A si mesmo se esvaziou” / Marcos Sieburger


Moraes; apres. de Moyses Cavalheiro de Moraes;
capa de Roberto Carrilho – Porto Alegre:
Adhonai, 2006.

168 p.
ISBN: 85-89793-04-4 (978-85-89793-04-9)

1. Cristianismo. 2. Paulo Apóstolo – Epístolas.


3. Humildade cristã. I. Moraes, Moisés
Cavalheiro de. II. Título
CDU 227 : 241.53

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: Denise Selbach Machado, CRB-10/720

Todos os direitos para publicação em Língua Portuguesa reservados ao


editor. Deverá ser requerida permissão para utilização ou reprodução, total ou
parcial, do conteúdo deste livro, exceto para citações em críticas, revistas ou
artigos, com a menção da fonte. Não se incluem nesta restrição livros, artigos
ou qualquer outra forma de publicação feita pelo autor, ou por ele autorizada a
outra editora, que tenha material equivalente ou semelhante.

As citações bíblicas feitas neste livro estão de acordo com a versão Alme-
ida, Revista e Atualizada, exceto se outra versão for indicada no próprio texto.

Primeira Edição: Novembro de 2006

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Meus agradecimentos aos amados
Benito Lopez, Moisés Moraes,
Gustavo Leegstra, Sérgio Avillez,
Beto Carrilho, Evangevaldo
Souza e a Rejane, minha querida.
O apoio de vocês foi muito impor-
tante. Especialmente agradeço a
Dolie Silva, Maira Oliveira e
Neide Murici. Vocês foram um
presente do céu para mim.

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ÍNDICE

7 Apresentação
11 Uma sugestão...
13 Prefácio
17 Introdução

Parte 1 A Si Mesmo se Esvaziou


27 Conhecendo a Jesus
49 O Criador e a Criatura
57 A Estupidez da Criatura
77 A Grande Surpresa do Universo
99 Um Impacto Necessário

Parte 2 Tende em Vós o Mesmo Sentimento


115 As Marcas de Lúcifer
123 Manifestações do Orgulho
145 O Orgulho no Serviço da Casa de Deus
153 Curando-nos por Meio de Jesus Cristo

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APRESENTAÇÃO

Certamente, o pai não é o melhor apresentador


da obra de seu filho, porque seguramente pecará contra
a objetividade e o coração o levará formidavelmente à
parcialidade, em desfavor de uma crítica mais consis-
tente.
É sabendo desse risco, pois, que apresento este li-
vro de meu amado filho Marcos, pretendendo, ainda
assim, destacar valores que não dependam apenas da
minha carinhosa e amorosa atitude para com ele.
Li com imenso prazer este livro, porque é escrito
de maneira simples, embora séria, de um modo total-
mente novo, imaginativo, criativo, (e por que não di-
zer?) apaixonante e alegre. Trata-se de uma exaltação

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do amor de Jesus em um nível muito alto e singular,
passando pela emotiva mas equilibrada alma do autor,
depois de ter raptado sua atenção, encantado seu espí-
rito e provocado sua adoração!
Só a leitura deste texto poderá explicar ao leitor a
maneira especial como Marcos nos leva às profundezas
do amoroso ato de Jesus na encarnação, para provocar
em nós o tipo de humildade que é divina: a humildade
que conduz ao pleno esvaziamento do eu!
Este livro me fez lembrar de Wesley e Whitefield,
grandes pregadores e grandes adversários teológicos e
amigos do século XVIII. O primeiro exaltava a parte
humana na obra da santificação; o segundo anunciava
com veemência a doutrina da eleição, exaltando a so-
berania de Deus. Estando Whitefield para ir a Bristol,
onde os wesleyanos possuíam forte reduto, um dos au-
xiliares de Wesley lhe perguntou: “Sr Wesley, veremos o
sr. Whitefield junto ao Trono?” Wesley lhe respondeu:
“Não. O sr. Whitefield estará tão junto ao Trono e nós
tão longe, que dificilmente nós o veremos!”.
Este é o tipo de imitação de Cristo que é muito
mais do que mera imitação. A isto o livro de Marcos é
um veemente chamado, do qual dificilmente o leitor se
esquecerá.

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Você começará a leitura e não facilmente a deixa-
rá inconclusa. Sei que será assim com você, porque isto
aconteceu comigo... e não por ser pai do autor!
Oro para que o efeito que a leitura deste livro pro-
duziu em mim se reproduza na experiência de muitos
leitores.
Moysés C. de Moraes

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Uma sugestão para a leitura
deste e de outros livros

Observe quantos livros você já leu, gostou e de-


pois esqueceu de tudo o que havia lido. Isto faz da leitu-
ra quase que um tempo perdido. Deveríamos aproveitar
melhor o nosso investimento na leitura. Para isso, eu
sugiro que você leia seus livros da seguinte maneira:
Primeiro faça uma leitura normal, prestando
atenção em tudo, desfrutando o texto, sem se preocu-
par em armazenar informações. Em seguida, faça uma
segunda leitura, com maior atenção, sublinhando e to-
mando anotações. Nessa fase da leitura você estará não
só desfrutando, mas também estará guardando infor-
mações necessárias. Por fim, faça uma leitura apenas
do que sublinhou ou anotou. Nesse momento você se

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surpreenderá com o conteúdo guardado em sua mente
e coração.
Se você julga que isto pode ser muito difícil, então
leia meu argumento: todo livro que for bom para valer
o seu tempo de leitura, deveria merecer este esforço,
porém se o livro não for tão bom que justifique este em-
penho, então não merece ser lido de nenhuma forma.
Não perca seu tempo com leituras não significativas.

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PREFÁCIO

Ao iniciar este trabalho, não sabia se estava es-


crevendo um livro, ou simplesmente fazendo anota-
ções. Há muitos anos que Ivan Baker, nosso querido
apóstolo, disse que algumas coisas das quais Deus es-
tava nos falando em nossa comunhão deveriam ser es-
critas, e que eu era a pessoa indicada para escrevê-las.
Já se passaram dez anos. Vários motivos me impedi-
ram de enfrentar este desafio.
O que me leva agora a buscar superar todas as
dificuldades não é a convicção de que deveria escre-
ver um livro. Mas tenho sido despertado para um cha-
mado. “Escreve sobre o que viste em teu Amado Se-
nhor”. Cheguei à conclusão de que se não escrevesse

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não teria descanso. Ao começar, não sabia se um dia
estas letras seriam publicadas. Se não o fossem seria
porque o Senhor não permitira. Mas eu cria que es-
taria satisfeito, pois teria preciosos momentos de gozo
ao escrevê-las.
Meu desejo é que todos as leiam e que sejam to-
mados pelo mesmo entusiasmo que tenho com a En-
carnação de Cristo. Espero que todos vejam o que eu
vejo. Quero proclamar a sua beleza que me tem ali-
mentado, me cativado para a adoração, me consolado
nas angústias, motivando e orientado minhas ações e
libertando-me de mim mesmo e do meu pecado. Ver,
admirar e me encantar com seu esvaziamento tem
sido por muitos anos o mais importante alimento para
o meu coração. Não há nada novo ou surpreendente
para se dizer a este respeito. Meu coração não captou
um novo conceito, mas descobriu uma paixão. Não
sei se posso expressá-la com palavras, mas posso gritar
com o meu coração. E se o amado Senhor ouvir e se
agradar, já estarei satisfeito.
Contemplar a face de Jesus é a maior experiência
que a criatura pode ter. Imagino os anjos na expecta-
tiva de estar diante do trono para vê-lo. Se houver no
céu uma lista com os turnos de adoração a Deus, todos
os dias os anjos vão procurá-la para ver se seu nome
está ali. E que sabem estes grandes anjos? Pouco, pois
Jesus não se fez anjo, não resgatou a anjos perdidos,

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nem habitou em anjos decaídos. Mas a nós, este pó,
ele amou. Ó que glória bendita! Pó ele se fez. A este
pó ele se uniu. O Verbo. O Excelso Criador. Quão ter-
no é o seu coração! Quão puro e perfeito ele é.
Ainda que eu não tenha a pena de um habilido-
so escritor, encorajo-me a escrever, pois sua beleza é
suficiente. Se um iletrado escrever a seu respeito, esta
beleza aparecerá, pois subsiste por si mesma.
“Conjuro-vos, ó filhas de Jerusalém, se en-
contrardes o meu amado, que lhe direis? Que
desfaleço de amor.” Ct 5.8

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INTRODUÇÃO

Pouco tempo após ter sujeitado minha vida a Cristo,


fui abençoado com a leitura do livro “Jesus Cristo é o Se-
nhor” 1 de Jorge Himitian, precioso servo de Jesus de quem
muito temos aprendido. Observo que seu livro começa
com o mesmo texto da carta de Paulo aos Filipenses que
inicia este trabalho. Isto não é uma simples coincidência.
Há muitos textos importantes e profundos sobre
a pessoa de Jesus nas escrituras, mas este de filipen-
ses se sobressai por sua amplitude e profundidade.
O texto bíblico resume a história de Jesus de forma
grandiosa. Faz-nos ver o Verbo Eterno em sua atitude
de esvaziamento, obediência e humilhação. E como
1
Himitian, Jorge. Jesus Cristo é o Senhor, Editora Sepal, 2002.
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conseqüência destas atitudes, sua exaltação e seu Se-
nhorio. Aleluia!
Quem nunca participou de uma reunião que foi
aquecida pela leitura desta passagem? Preste atenção
aos olhos dos discípulos do mestre quando alguém se
levanta e proclama: “todo joelho se dobrará”. Os cora-
ções que estão mais conturbados ou indiferentes logo se
animam e se aquecem. A fé prontamente se restabelece
e se fortifica. A glória presente e a vindoura de seu que-
rido Salvador são estímulo e esperança para a igreja.
Logo imaginamos Satanás, seus anjos, César, Ale-
xandre, Nero, Pilatos, Platão, Aristóteles, Napoleão,
Hitler, Marx, Fidel, Fernando Henrique Cardoso, Lula,
Bush, Pelé, Maradona e Xuxa, todos ajoelhados aos pés
de Jesus. Diante de tanto poder e glória nosso coração
sorri, nossa alma vacilante descansa e nossa mente agita-
da novamente se acalma e diz: – Tudo terminará de forma
maravilhosa. Vai adiante minh’alma, pois estás envolvida
no mais maravilhoso projeto da história do universo.
Certamente, todo joelho se dobrará. Bem-aventu-
rado, porém, é todo aquele que, hoje, dobra seu joelho e
submete sua vida ao Senhor. Todos os povos, no futuro
se dobrarão pela potência do nome de Jesus. E em nos-
sos dias o que levará os homens a dobrarem seu joelho?
Há muitos anos fiquei impressionado com as pa-
lavras do apóstolo: “olhando firmemente ao autor e con-

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sumador da fé, Jesus...” (Hb 12.2). Estas palavras real-
mente me prenderam. Passei a tomá-las muito a sério.
Dediquei-me a aprender como olhar para Jesus. Orei
muito. A oração: “faz resplandecer sobre mim o teu rosto”,
tornou-se o meu pedido mais constante. Esta busca me
levou a duas constatações bem claras.
A primeira é que eu sou um pobre míope espiritual.
Não vejo claramente. Graças a Deus não sou cego, posso
ver. Mas sou míope. Preciso todos os dias do colírio do
Espírito Santo para ver a Cristo. E esta se tornou a minha
maior gratidão ao Espírito Santo. Sou grato pelos dons e
pela unção. Quando ele me toma para falar do Senhor,
sinto-me mais perto do céu. Mas muito maior é minha
gratidão pelo trabalho que ele fez para me curar da ce-
gueira e que continua fazendo para vencer minha mio-
pia. Bendito és tu Espírito, que tomas o que é de Cristo e
o anuncias ao meu coração. Que obra grandiosa!
Minha segunda constatação é que o Senhor é belo
ao extremo. Tanto que surpreendeu aos anjos e satisfez
as exigências do coração do Pai. Refiro-me, não à beleza
da sua glória doada pelo Pai. Seu nome acima de todo
nome, sua realeza, majestade e império. Tudo isto é ma-
ravilhoso aos nossos olhos, mas não foi o que comoveu
o Pai, pois é apenas a conseqüência e não a causa. No
entanto, quero me referir à beleza da causa. Aquela que
satisfez ao Pai que o amou e o exaltou pela sua humilha-

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ção. A mesma que surpreendeu aos anjos. O Pai não o
amou por sua glória. A glória foi o que o Pai lhe deu.
Em seu livro, Jorge Himitian foi conduzido pelo
Espírito Santo a falar da glória de Cristo, de seu nome
exaltado e seu reinado estabelecido. Ressalta também
as conseqüências práticas deste fato para a igreja, a pre-
gação do Evangelho do Reino e a vida sob o senhorio
de Jesus. Apenas nas duas primeiras páginas ele aborda
a causa primeira da exaltação de Cristo que foi o seu
esvaziamento. Isto não é uma crítica. Sei que esta foi
a direção do Senhor para Himitian, e isto era o que se
fazia necessário no momento.
Entretanto, o que pulsa em meu coração é isto: o
desejo de ampliar a nossa visão a cerca da humilhação
de Cristo. Aquilo que motivou o Pai a exaltar o Filho
deve ser claramente compreendido por sua igreja, pois
o Pai o exaltou porque o amou na sua humilhação. Ver
a humildade de Jesus constitui-se no mais forte motivo
para a igreja obedecer e seguir no mesmo caminho, pois
para ser obedecido, Jesus deve ser primeiramente admi-
rado e amado.

O Pai não o amou por sua glória.


A glória foi o que o Pai lhe deu.Ele
o exaltou porque o amou na sua hu-
milhação.

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Os capítulos 4 e 5 contém o pensamento central
deste livro: a verdade fundamental que quero procla-
mar. Os anteriores procuram colocar uma base para que
esta verdade possa ser melhor dimensionada e cause o
devido impacto em nossas vidas. Os capítulos de 6 a 9
são um complemento e visam não apenas trazer maior
evidência do contraste entre o nosso orgulho e a humil-
dade de Jesus, como também dar um caráter prático a
este trabalho.

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Não se choque com Deslumbrael e
Admirael.
“Para que, pela igreja, a multiforme sabedoria
de Deus se torne conhecida agora dos principa-
dos e potestades nos lugares celestiais.” Ef 3.10.
“E todos os anjos de Deus o adorem.”
Hb 1.6.
Deslumbrael e Admirael são, obviamente, frutos de
minha imaginação. Bem como as suas noções de eternida-
de, e quaisquer referências celestiais que não conhecemos.
Não pretendo ser irreverente. Diante do trono de Deus
há intensa solenidade, não sendo necessária, porém, for-
malidade em sua presença. Por isso, como penso muito
no céu, incluo também os anjos, os seus pensamentos e as
suas reações. Desejo acrescentar neste livro especulações a
respeito desses anjos. Sei que são fantasias, mas procuro
fazê-las coerentes com o que vejo nas Escrituras. Coerência
com as Escrituras, no que se refere à verdade da qual eles
comentam, não quanto à natureza deles, ou o que sabem,
como conversam e suas dúvidas. Também penso que eles
ficaram muito humanos. Como poderia ser diferente se
sou homem?
Minha intenção é apenas enriquecer a nossa medita-
ção sobre o Verbo encarnado, vendo o impacto deste sobre

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as criaturas celestiais que o conheceram antes da sua encar-
nação. Espero que ilustre o que estou querendo comunicar,
além de tornar esta leitura um pouco mais leve. Talvez isto
ajude os mais jovens a gostarem de ler. Se você é teologica-
mente muito acurado e até mesmo crítico, sugiro que não
leia estes trechos. Certamente, encontrarei outros sonha-
dores que acompanharão minhas fantasias.

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Parte 1

A si mesmo se esvaziou

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26
Capítulo 1

CONHECENDO A JESUS

“E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti,


o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo,
a quem enviaste”.
Jo 17.3

O que é a vida eterna.


Estas palavras foram ditas pelo próprio Senhor
Jesus. Ele está orando diante de seus discípulos. É sua
última oração com eles. Seu coração angustiado com a
proximidade da morte ainda encontra forças para amá-
los: “amou-os até ao fim” (Jo 13.1). Nesta oração ele se
refere à vida eterna, e então, como que pensando que
os discípulos possam não entender o que isto significa,
ele diz: “que te conheçam a ti...e a Jesus Cristo...”.
A vida eterna não é uma vida sem fim. Os ímpios
terão uma vida sem fim na condenação, mas não terão
vida eterna! O que Jesus chamava de vida eterna (no
grego – Zoe), é, na verdade, um tipo de vida. É a pró-
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pria vida divina inserida no homem. E qual é a essência
básica desta vida? Jesus está dizendo que é conhecer ao
Pai e ao Filho.
Muitos vêm a Deus buscando bênçãos. E Deus,
que é infinitamente bondoso e poderoso, as concede.
Mas o que Deus mais deseja é dar-se a si mesmo. Ele é
a maior bênção, que recebemos quando o conhecemos.
Conhecê-lo é a maior e mais bendita aventura desta
vida. Aquele que o conhece o ama, pois vê nele a sua
maior riqueza.

Como conhecemos a Deus?


Nesta oração Jesus fala sobre conhecer ao Pai e ao
Filho. Mas antes ele já havia falado em conversa com
seu discípulo Filipe que o Pai seria conhecido através
do Filho, pois o Filho encarnado revela como o Pai é.
“Filipe, há tanto tempo estou convosco e não
me tens conhecido? Quem me vê a mim vê
ao Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não
crês que eu estou no Pai e que o Pai está em
mim? As palavras que eu vos digo não as digo
por mim mesmo, mas o Pai que permanece em
mi, faz as suas obras.” (Jo 14.9-10).

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Esta verdade depois foi salientada pelos apóstolos.
O próprio João afirma na introdução de seu evange-
lho:
“Ninguém jamais viu a Deus: o Deus unigê-
nito que está no seio do Pai, é quem o revelou.”
(Jo 1.18).
Em uma de suas cartas aos coríntios, Paulo faz
uma afirmação cheia de profundo significado.
“Porque Deus que disse: Das trevas resplan-
decerá a luz –, ele mesmo resplandeceu em
nossos corações, para iluminação do conheci-
mento da glória de Deus na face de Cristo.”
(2Co 4.6).
A linguagem desse texto é um pouco complicada,
mas a revelação contida nele é muito simples: o mesmo
Deus que colocou luz nas trevas do universo também
colocou luz em nossos corações. Quando ele fez isto,
nós começamos a conhecer a sua glória. Mas aonde nós
vimos esta glória? NA FACE DE CRISTO!
Então:
A vida eterna está em conhecer ao Pai e ao Filho.
Nós conhecemos ao Pai na face do Filho.
Portanto, a vida eterna está em conhecermos a
Jesus.

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A questão básica da vida não está em uma religião,
ou em uma doutrina, ou em um conceito, mas ESTÁ EM
UMA PESSOA, JESUS. Concordo que precisamos ter um con-
ceito correto sobre a pessoa de Jesus, e a definição deste
conceito se tornará uma doutrina. Mas o importante é
conhecer Jesus e colocar os nossos olhos nele. Necessita-
mos de um conhecimento interior realizado pelo próprio
Deus, pois “ele mesmo resplandeceu em nossos corações...”.

A questão básica da vida não está em


uma religião, ou em uma doutrina, ou
em um conceito, mas está em uma pes-
soa, Jesus.

Recebendo revelação de Cristo


Revelação: palavra não muito bem compreendida.
Geralmente quando um irmão fala que teve uma revela-
ção, está se referindo a algum fato, ou alguma verdade que
ele desconhecia, mas que agora percebeu, descobriu ou
entendeu. De fato, isto é um tipo de descoberta , mas a
obra de Deus em nossos corações se refere a algo mais pro-
fundo do que isto. Muitas vezes ocorre quando uma ver-
dade já conhecida em nosso intelecto é iluminada diante
de nossos olhos espirituais e passamos a conhecê-la de
uma forma pessoal e experimental. O que já conhecíamos
mentalmente, agora cremos e experimentamos.
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Pedro
Muitas vezes Jesus falou aos discípulos quem ele
era, mas eles custaram a entender. Jesus esperava que o
Pai lhes abrisse os olhos. Um dia Jesus perguntou: (Mt
16.13-17).
– Quem dizem os homens que eu sou? – e depois
– E vocês o que dizem?
Pedro então falou – e eu imagino com que sorriso
e voz enfática:
– Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
Jesus então se alegrou.
– Pedro, tu és um bem-aventurado. Tu não apren-
deste isto só porque ouviste com teus ouvidos humanos.
Não está apenas registrado em teu cérebro. Tu crês nisto,
Pedro? Então meu Pai falou contigo! Tu és um felizar-
do!
Isto é revelação!

O ladrão da Cruz
Esta história é bem mais impactante que a an-
terior. Ela nos traz um claro ensino sobre como Deus
atua.
Lembremos-nos do ambiente. Jesus tinha declara-
do: “Esta é a vossa hora e o poder das trevas” (Lc 22.53).
Deus retirou toda a luz. Todo o ambiente era de ce-

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gueira e de pavor. Os discípulos de Jesus estavam con-
fusos e amedrontados. Pensavam: “O mestre foi derro-
tado.” Maria, sua mãe, e João, seu mais íntimo amigo,
não estavam escondidos como os demais, mas estavam
ali diante da cruz, perplexos e confundidos. Onde es-
tavam os amigos de Jesus? Onde estavam os milhares
que haviam sido curados e abençoados? Estavam todos
desolados. Pensavam: “O sonho acabou”. Era a hora e o
poder das trevas. Hora de cegueira total.
Jesus, sozinho na cruz, foi abandonado pelo pró-
prio Pai. Os pecados mais vis da raça impura estavam
sendo colocados sobre ele. O Pai que não pode suportar
o pecado, se afastou. Ao lado de Jesus apenas duas vo-
zes. Provavelmente, nas últimas horas de fraqueza física
eram as únicas vozes que ele podia ouvir. E o que eles
diziam? Os dois blasfemavam. OS DOIS! Mateus e Mar-
cos registraram isto (Mt 27.44; Mc 15.32).
Mas eis que o Pai resolve colocar os seus limites.
Ele gosta de surpreender. Não quero ser irreverente,
mas permito-me especular o que o Pai pensou: “Mesmo
na hora e poder das trevas eu vou reinar. Agora eu que-
ro falar e vou falar. Vou mostrar o meu poder. Mandar
um recado para meu Filho amado, e mostrar-lhe que eu
estou no controle”. E então ele falou com um dos dois
ladrões, e foi fantástico! Maria não entendia! João não
entendia! Pedro e os demais não entendiam! Ninguém
entendia. Mas quando o Pai resolveu falar, um miserá-

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vel ladrão que havia passado sua vida no pecado e na
maldade e que acabara de blasfemar contra Jesus, de re-
pente enxergou. E o que ele viu? VIU UM REI! Ele disse:
– Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu
reino.
Quando todos viam um fracassado e derrotado,
aquele homem viu um rei! Aleluia! Então imediatamen-
te ele reconheceu seu pecado e maldade (Lc 23.39-41),
e se sujeitou a Cristo suplicando salvação (Lc 23.42).
Isto é revelação.

Os efésios.
Em sua carta aos efésios, Paulo diz que estava
orando para que eles entendessem algumas coisas: a
esperança do seu chamamento, a riqueza da glória da
sua herança nos santos e a suprema grandeza do seu
poder (Ef 1.18,19). Mas se Paulo queria que os Efésios
entendessem estas coisas por que simplesmente não as
explicava? Ora, certamente Paulo já tinha ensinado to-
das estas coisas, pois ficou três anos com eles. Já não
era mais questão de falar e ouvir, mas sim de que re-
cebessem revelação. Por isso Paulo estava orando. E o
que pedia? Pedia “espírito de sabedoria, de revelação e de
conhecimento dele, tendo os seus corações iluminados” (Ef
1.17-18).
Isto é revelação.

33
Conosco é o mesmo
Desde pequeno eu aprendi o Salmo 23. “O Senhor
é o meu pastor”. Lindas palavras. Tremenda verdade.
Mas por muitos anos elas não me foram muito úteis.
Lembro-me nitidamente daquele dia em que estava
angustiado comigo mesmo. Sentia-me totalmente atra-
palhado em minha mente e em meu Espírito. Eu estava
tão confuso com minhas fraquezas que chegara ao li-
mite, não suportava mais. Então não fui orar. Fui cla-
mar. Desesperadamente pedir, buscar e bater. Você não
faz isto quando pensa que é espiritual. Faz isto quando
descobre que NÃO é nada espiritual. Foi então que eu
ouvi aquela voz. Amada e doce voz. Ela não disse que
de agora em diante eu seria muito espiritual. Disse-me
algo bem mais simples: “Eu sou o teu pastor”. Lembro-
me que chorei muito. Eu pensava assim: “Mas eu sou
uma ovelha muito boba e atrapalhada”. E a voz dizia:
“Eu sei. Você é uma ovelha muito boba e atrapalhada”.
E eu perguntava: “Mas onde posso ir com um coração
tão ruim”? E a voz falava: “Eu sou o pastor do teu co-
ração. Eu vou conduzir teu coração”. Foi um dos dias
mais felizes da minha vida. Então pude começar a dizer:
“O Senhor é o meu pastor”. A Palavra já não estava ape-
nas em meu intelecto, estava viva no meu coração. E
agora podia crer de fato e de verdade.
Isto é revelação.

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A manifestação exterior.
Não estou dizendo que toda a revelação deve ter
estas características dramáticas, com desespero, com
choro, com intensa alegria. Se pensarmos dessa forma
poderemos errar, buscando apenas emoções. Quando
não aprendemos a separar alma de espírito confundi-
mos toda experiência emocional com obra do Espírito
Santo e isto produz muita confusão. Toda obra que vem
do Espírito Santo tem a característica de envolver re-
velações sobre a natureza humana, sobre o pecado, a
justiça e o juízo; ou sobre a face de Cristo em quaisquer
de suas manifestações e perfeições. Não fico entusias-
mado com manifestações que não são resultado de que
Deus falou ao homem. Geralmente elas trazem grande
aparência de espiritualidade e parecem conter grande
fogo. Mas depois demonstram ser da emoção e para a
emoção. Não têm valor eterno.

Não fico entusiasmado com mani-


festações que não são o resultado de
que Deus falou ao homem.

Por outro lado podemos nos perguntar: Pode o


homem receber o conhecimento dos céus e ficar impas-
sível? Pode contemplar com os olhos do seu coração a
face de Cristo sem que todo seu ser interior estremeça?
Creio que com choro ou sem choro; seja com intensa

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vibração ou na quietude da devoção silenciosa, a reve-
lação sempre produz forte impacto no homem interior
e muda tanto a ele como à sua história.
Antes do pentecoste os discípulos estavam cheios
da palavra de Cristo. Contudo, não havia intensa re-
velação. Por isso, estavam inoperantes e Jesus mandou
que esperassem. Após o pentecoste tudo se tornou coe-
rente e cheio de sentido. Então eles saíram a proclamar
e a conquistar o mundo. Tiveram clara revelação de
Cristo e de sua glória. Amaram-no como nunca antes.
Não ficaram esperando outro pentecoste. Hoje é co-
mum na igreja a busca por novos pentecostes. Alguns
recebem experiências intensas e saem a propagandeá-
las. Mas depois, não vivem com Cristo nem tampouco
o anunciam. Ficam esperando e programando o pró-
ximo evento onde haverá um novo pentecoste. Falta
revelação. Falta a face de Cristo.

A revelação de Cristo encanta e cativa


Certo dia Jesus começou a colher o que já havia
plantado (Mt 4.18-22). Encontrou a Simão Pedro e a
André, seu irmão. Os dois estavam pescando. Então
Jesus lhes fez um chamamento inusitado. Foi uma ver-
dadeira loucura para o homem natural.
– Vinde após mim. Sigam-me.

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– Mas e o barco e as redes Senhor?
– Deixem tudo aí.
– E o que nós vamos fazer?
– Vou ensinar a vocês outro tipo de pescaria.
– Como seria isto senhor? Nós já conhecemos
todo tipo de pescaria desta região. E tu és um carpintei-
ro! Nunca te vimos pescando.
– Já disse que é outro tipo de pescaria. Vou ensi-
nar vocês a pescarem homens.
Penso que eles ficaram perplexos, cheios de in-
terrogações. Mas as escrituras dizem que eles deixaram
imediatamente as redes e o seguiram. Logo depois Jesus
encontra outros dois, Tiago e João, filhos de Zebedeu.
Também eram pescadores e estavam dentro do barco
consertando as redes junto com seu Pai. Parece que Je-
sus gostava de atrapalhar o trabalho do pessoal. Estava
começando a abalar a indústria pesqueira da região.
Novamente a mesma conversa estranha. Agora diante
do pai deles. Imagino Zebedeu reclamando:
– Mas esta é a empresa de nossa família! Como
vou levá-la adiante sem meus filhos?
– Zebedeu, creio que você dará conta sozinho.
Vou pedir ao meu Pai e ele vai lhe dar forças. Deixa os
rapazes decidirem.

37
Tiago e João se olham com um sorriso e decidem
– Vamos nessa! – Deixaram não apenas o barco, mas
também o seu pai. Que loucura!
Anos atrás, quando a princípio estávamos apren-
dendo sobre o evangelho do reino, ouvimos e medita-
mos muito nesta passagem. Muitas vezes ouvi comen-
tários do tipo: – Que obediência tão imediata! Façamos
assim também! Entender estas coisas foi fundamental
para nossa carreira com Cristo. Um discípulo é alguém
que ouve e obedece.
Nos últimos anos, tendo descoberto um pouco
mais da beleza de Cristo, passei a ver nesta passagem
algo que não via antes. Ninguém faria o que estes ho-
mens fizeram se não tivesse um mínimo de revelação.
Muitos não o fizeram. O jovem rico não o fez, porque
não tinha revelação. Mas que revelação eles tinham
neste momento? Pouca! Penso que isto é o mais mara-
vilhoso!
Lembremos bem o que conhecemos sobre Cristo
hoje e o que estes homens não conheciam e não pode-
riam saber naquele momento:
• Eles não sabiam que estavam diante do próprio
Criador de todo o universo.
• Não sabiam de todos os milagres que Jesus iria
realizar, dos mortos que ele iria ressuscitar, ou
que andaria sobre as águas.

38
• Não sabiam do impacto que iria causar à nação.
• Não sabiam da perseguição que iria sofrer.
• Não sabiam que iria morrer cheio de amor por
eles. E que esta morte seria a redenção das suas
vidas.
• E o que eles poderiam imaginar sobre a sua res-
surreição e sobre os quarenta dias ensinando
após ressuscitar?
• Tampouco sabiam que Jesus seria recebido nos
céus e teria um nome sobre todo nome!
• E edificaria um novo povo celestial chamado igre-
ja onde os gentios teriam lugar junto a Deus.
• E que viria habitar neste povo e este seria sua
casa.
• E derramaria sobre este povo o seu Espírito e
poder para conquistar as nações.
• E que depois de tudo voltaria para casar com
sua noiva e reinar sobre a terra por mil anos.
• E assim habitaria com eles para todo o sempre
O que sabiam eles?
Eles não sabiam quase nada do que conhecemos
hoje sobre Jesus. No entanto, deixaram tudo e o segui-
ram! Como é possível? Na verdade, se nos é revelada
uma pequena parte daquilo que é a face de Jesus Cristo,
isto será suficiente para nos cativar o coração. Eles co-
nheciam pouco sobre Jesus, mas isto foi suficiente. Tal-
39
vez já tivessem ouvido alguns ensinamentos. Na con-
vivência com Jesus observaram o seu cuidado com as
pessoas, a majestade de sua calma e paciência. E viram
a mais pura sinceridade e honestidade nos seus olhos.
E o Pai lhes revelou algo que era bem menos do que
conheceriam mais tarde, mas já era o suficiente para
que deixassem tudo. Era só um pouquinho, mas era re-
velação. Revelação da face de Cristo. Quão admirável
e amável é este Jesus!
Antigamente, quando eu lia esta passagem fica-
va muito impressionado com a obediência daqueles
homens. Mas agora percebo que muito mais impressio-
nante foi o poder de atração que havia no Senhor e que
os cativou. Que homem tão amado é este? Ele é Jesus,
o Verbo encarnado. Vale a pena deixar qualquer coisa
para andar com ele. E nós que hoje conhecemos muito
mais do que os discípulos conheciam naquela ocasião,
temos revelação? Estamos impactados? Já brilhou sobre
nós a luz do seu rosto? Consideramos a renúncia como
um peso incômodo, ou deixamos as redes alegremente
para segui-lo a pescar homens?

Na verdade, se nos é revelada uma


pequena parte do que é a face de
Jesus Cristo, isto será suficiente para
nos cativar o coração.

40
A revelação de Cristo é crescente
Oséias disse: “Conheçamos e prossigamos em conhe-
cer ao Senhor” (Os 6.3).
Em sua carta aos colossenses Paulo diz que eles
deveriam estar: “crescendo no pleno conhecimento do Se-
nhor” (Cl 1.10).
Já vimos que Paulo orava para que os Efésios ti-
vessem mais conhecimento de Cristo. E mais adiante
fala que a maturidade viria com o “pleno conhecimento
do Filho de Deus”. (Ef 4.13).
Pedro falou sobre o “conhecimento completo daquele
que nos chamou...” (2Pe 1.3).
O conhecimento pessoal é dinâmico. Precisa cres-
cer. Em nosso relacionamento matrimonial, a cada ano
que passa vamos conhecendo melhor nosso cônjuge. E a
cada dia o relacionamento vai ficando mais íntimo. Sabe-
mos melhor como agradar um ao outro. Conhecemos nos-
sos gostos e necessidades. É assim também com respeito a
Cristo. A diferença é que com Jesus o relacionamento é
inteiramente espiritual e depende de fatores espirituais.

As chaves para receber revelação


Estamos convencidos de que precisamos contem-
plar a face de Cristo. Sabemos que este não é um co-

41
nhecimento intelectual, mas vem através da revelação
dada pelo Senhor. Como podemos obter mais revelação
de Cristo? Nas escrituras vemos que há dois aspectos
aparentemente opostos, mas que paradoxalmente an-
dam juntos.
Por um lado a revelação é Soberana. Pedro rece-
beu revelação, porém Judas não a recebeu. Um ladrão
compreendeu, mas o outro não. Jesus disse que ninguém
poderia ir a ele se não fosse concedido pelo Pai. Paulo
estava pregando em Filipos para um grupo de mulheres.
O Senhor abriu o coração de Lídia para entender as
coisas que Paulo dizia (At 16.14), e não abriu o enten-
dimento de outras que estavam presentes. Vemos então
que Deus é soberano e se revela a quem quer.
Mas então o que podemos fazer? Cruzamos os bra-
ços e esperamos? Se Deus quiser se revelar a nós ficare-
mos gratos, do contrário somos desprezados por Deus
e destinados à perdição? Não. Deus não é assim. Deus
quer revelar-se a todos os homens. E não o faz por quê?

Sendo pequeninos
Jesus nos dá a primeira chave. Ele ora ao Pai e diz:
“Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque
ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste
aos pequeninos” (Mt 11.25).
Esta é a chave. Queremos receber revelação?
Temos que ser pequeninos. Como é o pequenino? É o
42
contrário do sábio e entendido, que na linguagem de
nossos dias é o “sabichão”. Isto não quer dizer que de-
vamos ser ignorantes e iletrados. Não é algo inerente
ao intelecto, mas ao coração. Qualquer homem, seja
ele culto ou iletrado, pode ser um “sabichão”, se ele
confia nas suas próprias opiniões. Este homem nunca
poderá aprender nada com Deus. Ele discute com Deus
e refuta as escrituras. Por outro lado, qualquer homem,
mesmo o mais culto de todos, pode ser um pequenino,
se tiver consciência de sua pequenez. Sabe que toda a
sua cultura não serve para nada no reino de Deus.
Queremos conhecer mais de Cristo? Não há es-
colha; já está determinado. Temos que ser pequeninos.
Do contrário o Pai não revelará, mas nos esconderá a
verdade. Sejamos, portanto, pequeninos. Não saiba-
mos nada diante de Deus, então poderemos conhecê-lo
mais. E por que as coisas são assim? Jesus disse: “porque
assim foi do teu agrado” (Mt 11.26). Se isto foi suficien-
te para Jesus, também deve ser para nós. Ao invés de
especularmos sobre os desígnios de Deus para com as
pessoas, devemos repetir: “assim foi do teu agrado”.

Olhando para Jesus


Outra chave nos é dada na carta aos Hebreus.
“Olhando firmemente ao autor e consumador da fé” (Hb
12.2). Em nenhum lugar diz para ficarmos olhando
para a face do Pai. Queremos conhecer ao Pai? Jesus
diz: – Olhem para mim que vocês vão ver como é o
43
Pai. A escritura não diz em nenhum lugar para ficarmos
olhando para o Espírito Santo. O Espírito não é o “re-
velado” é o “revelador”. Ele não ilumina nossos olhos
para vermos a ele mesmo, mas para vermos o Filho.
Paulo disse que as coisas que ocorreram com os
antigos eram alegóricas (Gl 4.24). Isto é: eram acon-
tecimentos reais que tinham um sentido simbólico e
espiritual que ia além dos fatos, pois apontavam para
verdades que só mais tarde seriam compreendidas.
No Velho Testamento há uma bela figura da trin-
dade em ação. Em Gênesis, no capítulo 24, nós vemos
a história do casamento de Isaque com Rebeca, onde
Abraão manda o servo Elieser buscar uma noiva para
seu filho. Nesta história, podemos ver uma tipologia da
Trindade atuando com a igreja. Abraão faz o tipo do
Pai, que quer uma noiva para o Filho. O Filho, Jesus, é
tipificado por Isaque que espera a noiva. E Rebeca é um
tipo da igreja, a noiva. Onde está o Espírito Santo? O
Espírito é tipificado pelo servo Elieser, que foi buscar e
preparar a noiva. Os presentes que são levados por ele,
tipificam os dons, os ministérios e a graça concedida.
Servem para mostrar a riqueza e a grandeza do noivo.
É interessante observar como o servo Elieser teve cui-
dado para não chamar a atenção sobre si mesmo. Ele
queria “encher” os olhos de Rebeca com a riqueza de
Isaque.

44
Há doutrinas modernas que procuram modificar
o lugar do Espírito Santo. Parece muito bíblico e boni-
to, mas traz o prejuízo de afastar os nossos olhos da pes-
soa de Cristo. Nunca houve problema nem competição
na trindade. Ela é perfeita em seu amor e “humildade
divina”. O Pai quer centralizar todas as coisas no Filho
e elevá-lo sobre toda a criação. O Filho então se humi-
lhou, esvaziou-se e sujeitou-se ao Pai. O Espírito Santo
não encarnou, nem se esvaziou ou morreu numa cruz.
Por isso, ele só quer exaltar a glória do Filho e iluminar
os olhos de todos os homens para que o adorem. Ma-
ravilhosa trindade! Necessitamos do Espírito, depende-
mos do Espírito, sem ele não podemos andar. O Espírito
Santo é quem nos comunica a vida de Cristo. É quem
nos ilumina e nos consola. Ele quer que olhemos para
Jesus. Do contrário ele não pode trabalhar em nossas
vidas. Creio que o Espírito Santo nem goste de traba-
lhar se não for para a glória de cristo na igreja.

Assim, pois: Sejamos pequeninos e


olhemos para Jesus.

45
A grande alegria
Era ainda o começo das eras. Os anjos haviam sido
criados. Quase não se falava sobre as criaturas de barro.
Não passava de um projeto. Ninguém tinha visto, nem
conseguia imaginar como seriam. Entretanto, os anjos,
em suas mais variadas ordens, apenas comentavam entre
si sobre a grande alegria e gozo que sentiam por conhe-
cer e Adorar a Deus. Quando não estavam diante do
trono adorando e servindo ao criador, quase não conse-
guiam pensar em nada a não ser no retorno àquele lugar
bendito. Deslumbrael e Admirael, em um momento des-
tes se encontram. Admirael inicia a conversa:
– Amado Deslumbrael, como estás brilhando hoje!
Não me lembro de que estavas assim da última vez que
te vi há dois séculos eternos 1 atrás.
– Ah Admirael. É que acabo de passar um tempo
eterno muito precioso diante do trono.
– Hum... Posso entender. Estiveste admirando a
sua beleza.
Deslumbrael não diz nada. Fecha os olhos em
silêncio e seu rosto parece que brilha mais um pou-
co. No seu coração ressoam as palavras. Santo! Santo!
Santo!

46
Admirael percebe e espera um pouco para não atra-
palhar seu querido amigo. Depois de um pequeno ins-
tante que pode ser toda uma eternidade ele fala.
– Eu não era e agora sou. Para vê-lo ele me for-
mou. De olhos me dotou. Oh quão satisfeito estou.
– Lembro-me da primeira vez – diz Deslumbra-
el. – Creio que foi quando abri meus olhos. Lá estava
ele. De alguma maneira eu soube imediatamente que eu
vinha dele e era para ele. Foi muita bondade do meu
Senhor!
Ao que Admirael responde, pensando na trindade.
– É... Muita bondade! O mais incrível é que ele(s)
não precisava(m) ter feito isto. Ele(s) se basta(m)!2
Ele(s) não precisava(m) de nós para reconhecer sua be-
leza e adorá-lo(s), mas mesmo assim nos criou (cria-
ram)!
– Tu és um bem-aventurado Admirael.
– Tu és um bem-aventurado Deslumbrael.
– Somos felizes.
– Realmente felizes.
- Ele é Santo. Ele é belo.
– Ele é Santo – repete Deslumbrael. – Ele é Santo
e magnificamente belo.

47
Eles se olham com pureza. Os olhos de ambos
brilham como uma estrela. Suas asas se tocam. Então
eles se afastam. Dentro de alguns séculos eternos vão
se encontrar novamente. Certamente estarão ainda mais
brilhantes, deslumbrados e admirados.

Notas

1
Um século eterno é algo inimaginável para nossa mente acostu-
mada com o tempo. Talvez coubesse em um segundo eterno toda
a história da humanidade e ao mesmo tempo um século eterno
inteiro dentro de um segundo nosso.
2
Aqui há uma linguagem angelical impossível de ser traduzi-
da em qualquer língua humana. Ocorre quando eles se referem
ao Deus Triuno, pois ao mesmo tempo o número é singular e
plural..
48
Capítulo 2

O CRIADOR E A CRIATURA

“Eu sou o Senhor que faço


todas as coisas”
Is 44.24

Uma diferença infinita


Se quisermos assimilar melhor o ato da encarnação
do Verbo na pessoa de Jesus Cristo e o quanto isto foi algo
espantoso e inexplicável, devemos dedicar algum tempo
para meditar na diferença fantástica entre o Criador e
sua criatura. Nunca poderemos entender claramente. Só
Deus sabe a dimensão disto. Nós, como criaturas, não
temos a vivência da grandeza da deidade. Não sabemos
o que é ter todo o poder e autoridade, toda a ciência e,
estar em todo lugar enchendo tudo e todos. Só podemos
pensar que a diferença é infinita. É tão imensa que não
conseguimos nem imaginá-la. Pensemos um pouco:

49
1. Deus sempre existiu. Antes da criação do mun-
do ele era por toda a eternidade. Nossa pequena mente
não consegue nem imaginar o que seja isto. “Antes que
os montes nascessem e se criassem a terra e o mundo, de
eternidade a eternidade, tu és Deus” (Sl 90.2).
2. Deus sabe todas as coisas. Tudo o que já acon-
teceu, todo ato de cada criatura, qualquer pensamen-
to, bom ou mau, revelado ou oculto aos demais, Deus o
sabe. E não somente isto. Ele sabe também todo o futu-
ro. Tudo o que há de acontecer ele o sabe em todos os
detalhes.
3. Ele também pode todas as coisas. Não há coisa
alguma que seja impossível para Deus. Ele criou o imenso
universo do nada. Pense bem. DO NADA! Apenas falou e
tudo veio a existir. Um universo riquíssimo. Os detalhes
são todos uma surpresa e uma revelação da mente exu-
berante e criativa de Deus. Milhares de milhões de es-
trelas no céu. Animais de tantas e tão belas espécies. Há
peixes na profundidade dos mares que homem nenhum
viu ainda. Há estrelas que telescópio algum jamais alcan-
çou. O universo microscópico das células compostas de
moléculas, formadas por átomos, constituídos de prótons
e elétrons, e estes, por fótons de composição ignorada. E
toda esta abundância de seres e coisas criadas coexiste
harmoniosamente, compondo um universo surpreen-
dentemente equilibrado e coeso. A vida jorra como um
milagre contínuo a ponto de ser considerada comum e

50
destituída de admiração. Basta olhar com atenção para
uma simples abelha e ficaremos novamente surpresos e
maravilhados. Seis mil anos de ciência humana não fo-
ram suficientes para desvendar todos os segredos deste
universo. Quando o homem tenta compor suas próprias
teorias não consegue produzir algo menos estúpido do
que a macaquice de Darwin. Mas a consciência de cada
homem grita que há um Deus nos céus. E quão grandio-
so ele é!
4. E Deus não é somente eterno, onisciente, oni-
potente Criador. Ele está presente em todo o universo e
sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder. Nele
está toda a santidade. Dele emana amor perfeito e inex-
tinguível. Ele é absolutamente justo. Nunca comete um
erro de julgamento, nunca se equivoca. Criatura nenhu-
ma poderá acusá-lo de nada. Ele é a perfeição absoluta.
De seu amor fluem paciência e longanimidade incompa-
ráveis. Seu perdão é a coroa de sua justiça. Nunca pen-
sou nem projetou nada que não fosse revestido do mais
puro e límpido amor.
Pensemos um pouco agora sobre nós, simples cria-
turas. O que somos? “Que é o homem, que dele te lem-
bres?” (Sl 8.4). Certamente, fomos maravilhosamente
formados. Nossos pensamentos são cheios de capacidade
dedutiva e criativa. Amamos, nos reproduzimos, instru-
ímos nossos filhos, construímos edifícios, aviões, medi-
camentos e toda espécie de diversão e entretenimento.

51
Todavia, devemos ter cuidado! Porque o primeiro ser
que admirou sua própria beleza esqueceu-se de que ela
não foi criada por ele mesmo, mas dada por Deus. Então
encheu-se de orgulho e soberba, corrompeu-se e perdeu-
se para sempre.
Não temos que nos comparar com as demais cria-
turas. Se quisermos ter uma visão mais clara do nosso
lugar de criatura devemos nos comparar com o Criador.
Assim descobriremos nosso lugar. Se nos compararmos
com um ratinho, por exemplo, provavelmente vamos
achar que somos grande coisa, pois estamos comparan-
do uma criatura superior – homem – com outra inferior
– ratinho. Nosso pensamento vai ser representado por
um gráfico mais ou menos assim:

Estamos muitíssimo acima dos ratinhos


52
Mas se colocarmos Deus nesse gráfico, vamos ter
um grande problema, pois não haverá papel onde ele cai-
ba. Precisaríamos de uma folha de papel de tamanho
infinito. Ficaria mais ou menos assim:

Deus está infinitamente acima de nós

Você compreendeu? Não haveria onde colocar


Deus no gráfico, porque ele ficaria no infinito. Milhões
de folhas não seriam suficientes para desenhar este grá-
fico.
Compreendemos que há duas ordens de seres em
todo o universo. Uma delas é composta pelas criaturas.
Nesse grupo estão os anjos, os homens e os animais de
todas as espécies: os peixes, os cachorros, os tatus, os ra-
53
tos e até os insetos e os vermes. Todos fazem parte desta
ordem de seres inferiores que não vieram a existir nem
subsistem por si mesmos, foram criados. A outra ordem
de seres é composta por três pessoas apenas: O Pai, o
Filho e o Espírito Santo. A Trindade eterna. O Deus
criador de tudo que subsiste por si mesmo.
De maneira que, segundo a essência de nosso ser,
por termos sido criados à imagem de Deus, estamos bem
mais próximos dele do que de um ratinho. Mas segundo
a ordem de grandeza estamos mais próximos do rato do
que de Deus.

A diferença entre o Criador e a


criatura é infinita

Penso que isto era o que Deus queria comunicar


a Israel quando dizia: “Não temas, ó vermezinho de Jacó,
povozinho de Israel...” (Is 41.14). Em outro lugar diz: “Eis
que as nações são consideradas por ele como uma gota de
um balde, e como o pó miúdo das balanças” (Is 40.15).
A reflexão sobre estas palavras leva-nos a admirar
ainda mais – compreender nunca – a encarnação do
Verbo, a beleza de Belém. Esta é a cidade mais bela da
história da humanidade.

54
A essência da vida
Alguns séculos eternos depois, Admirael e Deslum-
brael se encontram novamente. Seus olhos agora já não pa-
reciam como uma estrela distante. Assemelhavam-se mais a
uma explosão, à criação de uma nova estrela. O rosto deles
expressava um deslumbramento amadurecido. Séculos de
adoração haviam transformado este serviço, que agora já
não era apenas deslumbrante e excitante. Era mais do que
isto. Era como uma fonte de vida. Admirar ao Deus Triuno
já não era questão de prazer e de alegria. Tornou-se a es-
sência de suas vidas.
Deslumbrael diz:
– Amigo Admirael. Vejo que se passou contigo o
mesmo que comigo. Vejo em teus olhos a essência da mais
profunda admiração.
– Sim, amado Deslumbrael. E vejo nos teus a mais
profunda satisfação.
– Ó precioso amigo. A Trindade é perfeita! Como eu
não estaria satisfeito?
– Sim amigo. Ele(s) é(são) perfeito(s).
– Hoje eu não sei o que me dá mais prazer: adorá-lo
ou obedecê-lo. Quando ele me ordena fazer algo, eu tenho
que sair da sala do trono para cumprir sua ordem. Mas
não sei como explicar. Parece que a sala do trono vai jun-
to comigo aonde quer que eu vá. Tenho grande satisfação
55
em obedecer as suas ordens. Quando volto com a ordem
cumprida à sala do trono, sinto que a adoração me dá mais
satisfação do que antes! É impressionante, parece que isto
não tem mais fim!
– Glória a Deus, o todo poderoso! Disse Admirael.
– Glória a Deus em tudo e em todos! Disse Deslum-
brael.

56
Capítulo 3

A INSENSATEZ DA CRIATURA
A loucura de pretender se igualar
ao Criador!

“Os que te virem te contemplarão, hão de fitar-te


e dizer-te: É este o homem que fazia estremecer
a terra e tremer os reinos?”
Is 14.16.
“Inexidade”

Naqueles tempos eternos houve perplexidade geral.


Algo inusitado em todas as eras agora acontecera. Os seres
fiéis custavam a crer que de fato aquilo havia ocorrido, pois
demonstrava um contra senso, uma quase impossibilidade.
Depois de tantas eras de adoração como podia acontecer
semelhante coisa?
Logo após o comunicado oficial que veio do trono,
as notícias correram rapidamente. No pulsar de uma estre-
la todos já estavam sabendo, embora muitos continuassem
com dificuldade para compreender a razão dos fatos e todas
as suas implicações. O que ocorreu foi inédito. Algo dantes
57
nunca conhecido. Não havia palavras para definir estes sen-
timentos. As línguas dos anjos tiveram que ser acrescidas de
novos termos tais como: insensatez, queda, ira, desgosto e
muitos outros.
Era isto o que Deslumbrael sentia, quando absor-
to pensava nos últimos acontecimentos. Desgosto. Como
aquele querubim pudera ter feito semelhante coisa? Foi
quando eterna e instantaneamente apareceu seu amigo Ad-
mirael que foi logo falando.
– Estás pensando nele também, não?
– Surpreendido, Deslumbrael respondeu. – Sim,
como todos os demais.
– Tu o conheceste pessoalmente? – indagou Admirael.
– Sim. Nunca conversamos, mas pude vê-lo várias
vezes quando estive na sala do trono. E tu?
– Também o conheci – respondeu Admirael. Era ma-
ravilhosamente belo, mais do que todos nós. Não me re-
cordo de uma única vez em que ali estive e que ele não
estivesse também.
– E chegaste a falar com ele?
– Sim. Por um breve instante eterno. Na última vez
em que o vi, ele já tinha uma aparência estranha. Sua beleza
exterior ainda era a mesma, mas seus olhos pareciam não ter
mais o deslumbramento crescente. Tive sentimentos novos
que não conhecia. Ele também começou uma conversa es-

58
tranha comigo sobre um outro reino. Não sei explicar, mas
senti uma necessidade de me afastar dele. Nunca entendi
bem isto. Mas agora estou entendendo. Sou feliz por haver
me afastado.
Houve um momento de silêncio entre os dois. Es-
tavam perplexos com seus novos sentimentos. Quase não
sabiam o que dizer.
Depois de alguns momentos eternos Admirael que-
brou o silêncio. – Que inexidade1! É esta a palavra, não?
– disse ele. Ao que Deslumbrael respondeu – É isto. Gran-
de inexidade!
– Mas por que ele sentiu necessidade disto? – per-
guntou Admirael.
– O Altíssimo disse que foi por algo chamado menti-
ra. O que eu não consigo entender é como ele pôde pensar
que teria sucesso contra o Todo poderoso Deus Triuno!
Como ele pôde imaginar tal coisa?
– Isto é o que está sendo chamando de loucura – res-
pondeu Admirael.
– E houve tantos que creram nesta mentira e abraça-
ram a loucura!
– Sim, na verdade foi um terço de nós todos. Incrível
não?
– Sim, incrível! Se é que eu já entendo bem o signi-
ficado desta nova palavra.

59
Passou-se mais um século eterno antes que um deles
resolvesse falar novamente. Foi Admirael quem começou.
– Apesar de toda nossa perplexidade nada mudou.
O Glorioso segue cada dia mais belo e maravilhoso aos
nossos olhos.
– Sim – respondeu Deslumbrael – como glorificou
ele a sua majestade fulminando os inimigos! O querubim
perdido agora se chama Satanás. É a mais feia e abominável
de todas as criaturas e juntamente com ele os seus seguido-
res. Foram destituídos e aniquilados. Novas palavras tive-
ram que ser criadas para expressar toda a desventura deles.
– Mas para o Altíssimo tudo continua como antes.
– Sim. Com exceção de uma coisa. Ele começou a
falar muito sobre a raça de barro. Parece que o projeto está
em pleno andamento. Os que estão mais próximos do tro-
no dizem que nunca o viram tão grandiosamente feliz. A
felicidade dele é sempre infinita. Ele não precisa de nada
mais. Porém, este projeto tornou-se o centro de todas as
suas atividades. Observe como o Altíssimo tem planos que
excedem nosso entendimento!
– Ele é Santo. Ele é belo.
– Ele é Santo – repete Deslumbrael. - Ele é Santo e
magnificamente belo.
– Glória a Deus o todo poderoso! Disse Admirael.

60
– Glória a Deus em tudo e em todos! Afirmou Des-
lumbrael.
Neste momento eles são surpreendidos com a cha-
mada. É o seu bendito turno de adoração. Pela primeira
vez vão estar juntos na sala do trono. Suas asas se elevam.
Partem em direção à glória excelsa, o trono de seu bendito
Criador, o Deus Triuno. Seus olhos brilham ainda mais. No
seu coração ressoa potentemente: Santo! Santo! Santo!

Notas

1
Inexidade – Como os anjos ainda estavam se adaptando a novas
palavras que surgiam no seu vocabulário, estavam usando esta
para a qual não temos uma boa tradução. Inexidade significa uma
coisa para a qual nunca poderá haver uma explicação completa.

61
A estupidez do belo querubim
Estupidez. Palavra grosseira. Mas que expressa bem
tudo o que aconteceu com o querubim. Isto pode ser ob-
servado na leitura dos textos a seguir:
“12Como caíste do céu, ó estrela da manhã, fi-
lho da alva! Como foste lançado por terra, tu
que debilitavas as nações! 13Tu dizias no teu
coração: Eu subirei ao céu; acima das estre-
las de Deus exaltarei o meu trono e no mon-
te da congregação me assentarei, nas extre-
midades do Norte; 14subirei acima das mais
altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo.
15
Contudo, serás precipitado para o reino
dos mortos, no mais profundo do abismo.”
Isaias 14. 12-15
“11Veio a mim a palavra do SENHOR, dizendo:
12
Filho do homem, levanta uma lamentação
contra o rei de Tiro e dize-lhe: Assim diz o SE-
NHOR Deus: Tu és o sinete da perfeição, cheio

de sabedoria e formosura. 13Estavas no Éden,


jardim de Deus; de todas as pedras preciosas
te cobrias: o sárdio, o topázio, o diamante, o
berilo, o ônix, o jaspe, a safira, o carbúnculo e
62
a esmeralda; de ouro se te fizeram os engastes
e os ornamentos; no dia em que foste criado,
foram eles preparados. 14Tu eras querubim da
guarda ungido, e te estabeleci; permanecias no
monte santo de Deus, no brilho das pedras an-
davas. 15Perfeito eras nos teus caminhos, desde
o dia em que foste criado até que se achou ini-
qüidade em ti. 16Na multiplicação do teu co-
mércio, se encheu o teu interior de violência,
e pecaste; pelo que te lançarei, profanado, fora
do monte de Deus e te farei perecer, ó queru-
bim da guarda, em meio ao brilho das pedras.
17
Elevou-se o teu coração por causa da tua for-
mosura, corrompeste a tua sabedoria por causa
do teu resplendor; lancei-te por terra, diante
dos reis te pus, para que te contemplem. 18Pela
multidão das tuas iniqüidades, pela injustiça
do teu comércio, profanaste os teus santuários;
eu, pois, fiz sair do meio de ti um fogo, que te
consumiu, e te reduzi a cinzas sobre a terra,
aos olhos de todos os que te contemplam. 19To-
dos os que te conhecem entre os povos estão
espantados de ti; vens a ser objeto de espanto e
jamais subsistirás..” Ezequiel 28.11-19.
63
A quem se referem às Escrituras nestas passagens?
A princípio parece ser a um homem, porque cita o rei de
Tiro (Ez 28.12). Mas logo nos damos conta de que está
se referindo a um ser espiritual, pois “estava no Éden”
(vs. 13) e era o “querubim da guarda”. Era, portanto, um
ser celestial. Vejamos o que diz sobre ele:

A riqueza e esplendor de Lúcifer


Ele era um ser belíssimo e majestoso entre as
criaturas:
• Estava no Éden (vs. 13) – dá a entender que foi
criado antes do homem;
• Os ornamentos foram preparados no dia em que
ele foi criado (vs. 13) – Isto significa que tais
ornamentos vieram a existir por causa da cria-
ção deste ser;
• Era o querubim da guarda (vs. 14) – Isto fala de
sua autoridade;
• Ungido (vs. 14) – Refere-se ao poder que lhe foi
outorgado;
• Te estabeleci (vs. 14) – Não tinha apenas au-
toridade e unção. Recebeu também um posto.
Um alto lugar na hierarquia celestial;
• Permanecia no monte santo de Deus (vs. 14)
– Tinha livre acesso a Deus e estava sempre em
sua presença;

64
• Andava no brilho das pedras (vs. 14) – Des-
taca a aparência que ele tinha. Era luminoso,
brilhante, lindo, destacava-se entre todos;
• Perfeito eras (vs. 15) – Sendo que Deus atribui
imperfeições aos anjos (Jó 4.18). Mas não en-
contrava imperfeição neste querubim!
É difícil imaginar tudo o que isto significava. Ele
estava sempre diante de Deus, o que fazia dele um as-
sistente e participante muito ativo nos projetos e no
governo de Deus sobre a sua criação. O respeito de-
monstrado pelo arcanjo Miguel (Jd 9) indica que este
havia estado sob a sua autoridade antes de sua queda.
Grande formosura e poder tinha este ser celestial.

A vaidade de Lúcifer.
Os olhos. Sempre os olhos. O querubim, assim
como todos os demais seres celestiais, tinha olhos para
ver a Deus, ser plenamente satisfeito em contemplar
sua glória e encher-se de gozo ao bendizê-lo. Entretan-
to, em determinado momento, o querubim colocou seus
olhos no lugar errado. Colocou-os em si mesmo.
Neste momento, ele começou a apreciar sua pró-
pria formosura e resplendor (vs. 17), passou a consi-
derar-se digno de reconhecimento, esquecendo-se de
que aquela beleza tinha sido dada por Deus quando o
criou. Ele não havia criado a si mesmo, portanto não
tinha nenhum mérito em ser tão belo. Toda sua beleza

65
era expressão do poder criador e da bondade de Deus.
Como a vaidade é ridícula!

A Corrupção da Sabedoria de Lúcifer.


Esta corrupção da sabedoria é que estamos cha-
mando de insensatez. Lúcifer era cheio de sabedoria
dada por Deus, mas no momento em que começou a
envaidecer-se, sua sabedoria foi corrompida, pervertida
e degenerada. Então ele tornou-se um inconseqüente,
um louco, perdendo toda a sensatez.
O absurdo da vaidade nunca é parcial. Quando
ela entra corrompe todos os pensamentos e destrói
qualquer indício de juízo. O querubim começou com
vaidade e prosseguiu com total cegueira a respeito de
Deus. Em algum momento ele começou a duvidar da
bondade e da justiça de Deus pensando mais ou menos
assim: “Não é justo que Deus receba todas as honras e
tenha o controle de tudo. Eu também tenho muita be-
leza para ser reconhecida e muita autoridade que deve
ser acatada. Deus está equivocado. Ele é muito centra-
lizador. Ele quer mandar, mandar e mandar. Quer rece-
ber glória e adoração todo tempo. E nós, pobres cria-
turas só temos que obedecer, obedecer e obedecer. E
entregar-lhe toda a honra e reconhecimento por tudo.
Isto não é justo!”
Neste momento, a sabedoria do querubim já esta-
va completamente destruída. Não havia mais o mínimo

66
equilíbrio. Se ele meditasse um segundo apenas sobre
a infinita diferença entre o Criador Eterno e a criatu-
ra, talvez tivesse escapado do próprio laço. Mas não.
Ele persistiu, acreditou nos seus próprios pensamentos
e nesse momento trouxe à existência a única coisa que
foi criada por ele. Algo que até então não existia em
toda a criação. Ele criou a mentira. Sua mais estimada
filha que tomou conta do seu coração. Ele foi a pri-
meira vítima de sua criação. Todos estes pensamentos
equivocados a respeito da justiça e da bondade de Deus
passaram a reinar em seu coração iníquo e vieram a
tornar-se sua bandeira e seu estandarte. Tornou-se co-
nhecido como o pai da mentira (Jo 8.44).

A loucura de Lúcifer posta em ação.


Já afirmamos que a vaidade nunca é parcial. Ela
leva à completa loucura. Toma conta da criatura e a
leva aos atos mais inimagináveis. Pois foi assim com o
querubim. Tanto ele creu que podia se igualar ao Cria-
dor que resolveu desafiá-lo. O texto de Isaías 14 nos
mostra que:
• Quis estar acima das estrelas de Deus (vs. 13).
• Ambicionou um trono (vs.13).
• Desejou ser semelhante ao altíssimo (vs. 14).
A partir daí ele se tornou Satanás que quer dizer
“O inimigo”. Então começou a agir. Saiu a fazer comér-
cio injusto e violento (Ez 28.16, 18). O que significa
67
isto? Certamente Satanás usou seu poder, influência
e dons para seduzir os anjos e demais seres celestiais.
Ofereceu-lhes cargos e posições superiores aos que eles
tinham no reino de Deus. Estava agora criando o reino
das trevas. E Deus considerou que Satanás agira com
violência e injustiça contra a soberania divina.

A insensatez é demonstrada como absurda.


A insensatez é absurda, inconseqüente e risível.
Lembre-se: A DIFERENÇA ENTRE O CRIADOR E A CRIATURA É
INFINITA. Como pode a criação competir com o Criador?
Que loucura! O que Deus faz quando vê a criatura que-
rendo enfrentá-lo? Ele se ri e se ira! Leia o Salmo 2.1-5 e
aprenda a rir-se junto com Deus desta vã imaginação.
Imagine a seguinte situação: Você entra em sua
casa com sua mulher e filhos e encontra um presunçoso
rato sentado na poltrona da sala que olha para você e
diz: “A partir de hoje vou governar sua casa junto com
você. Terei tanta autoridade quanto você. E quero todo
o respeito e reconhecimento da parte de sua mulher e
de seus filhos”. Seria uma loucura! Imediatamente você
procuraria uma vassoura para encerrar de vez com esta
história. Se não a encontrasse, um simples chute pode-
ria acabar com o problema.
O que Deus fez? Ele ”varreu” a Satanás de sua
posição e o lançou por terra (Ez 28.17), o destinou ao
abismo (Is 14.15), o consumiu com fogo e o reduziu a

68
cinzas (Ez 28.18). Satanás então passou a ser a criatura
mais horrível e asquerosa de todo o universo. Tornou-
se imundo e repulsivo.
Seria muito mais fácil e possível, um pequeno rato
tornar-se o governante de sua casa do que qualquer cria-
tura enfrentar a Deus. Pois a diferença entre uma cria-
tura superior como um homem e uma inferior como um
rato pode ser enorme, mas a diferença entre o Criador e a
criatura é muitíssimo maior. Como já vimos, é infinita.

Seria mais fácil um rato tornar-se o


governador de sua casa do que qual-
quer criatura poder competir com
Deus.

A insensatez de Adão
Ó se a loucura tivesse alcançado apenas os anjos!
Mas não foi assim. Deus é livre e desejou uma família de
filhos à sua imagem, e por isso, também livres. O amor
não pode ser obrigatório. Não pode ser a única opção.
Deve ser uma escolha consciente, caso contrário não é
amor. Que marido lúcido teria alegria em uma esposa
que se casou com ele porque não tinha outra opção?
Ele quer ser escolhido e amado. Assim é Deus. Ele quis
que Adão optasse: a árvore da vida – que significava

69
viver constantemente dependendo de Deus – ou a ár-
vore do conhecimento do bem e do mal, que significava
viver por si e para si próprio.
Adão era feliz, encontrava-se com Deus todos os
dias, aprendia com ele e pouco a pouco poderia conhe-
cê-lo melhor. Certamente chegaria o dia em que Adão
poderia ver a Deus em toda a sua glória e esplendor.
Mas antes deveria passar pela grande escolha: árvore
da vida, que dá para a vida abundante em uma eterna
dependência, ou a árvore do conhecimento do bem e do
mal que dá para a morte por meio da independência.

A semente de Lúcifer
Ao ler Gênesis 3 podemos entender verdades im-
portantes referentes à desobediência e morte espiritual
de nossos pais. E compreender a rebelião como essência
do pecado. Com esta clareza, chegaremos mais facilmen-
te ao real significado do arrependimento anunciado por
Jesus e pelos apóstolos, pois esta é a condição proposta
a todos que querem fazer parte do reino de Deus. Que
façam o oposto do que fez Adão. Ele era dependente de
Deus e se tornou independente. Quem quiser fazer o
caminho de volta precisa crer em Jesus, arrepender-se,
negar-se a si mesmo, abandonando sua independência.
Isto já está bem claro, tanto no referido livro “Je-
sus Cristo é o Senhor”, como também em muitos estudos
e publicações que se multiplicaram pela igreja em todo

70
lugar nos últimos 30 anos. Quero enfocar apenas um
aspecto, um importante detalhe do relato de Gênesis 3,
a afirmação de Satanás: “como Deus, sereis...”.
Esta havia sido sua mentira, loucura e insensatez:
propor a Adão e Eva serem como Deus. Ainda que fos-
se apenas em um aspecto – ser como Deus em conhecer
o bem e o mal – esta era a proposta. E ela foi aceita por
nossos pais. Eles acreditaram na mentira e tornaram-se
parte da loucura deste século. Qual é a loucura? A de
não perceber que:

A diferença entre o Criador e a cria-


tura é infinita

Já sabemos o resultado. A corrupção e a degra-


dação que havia em Satanás passaram também ao ho-
mem. Este se tornou malévolo e homicida. Toda a des-
cendência de Adão agora estava também contaminada.
Ao invés de encher a terra com filhos e filhas à imagem
de Deus, Adão gerou homens à sua própria imagem
corrompida, e temos em Gênesis o relato de uma raça
degenerada e imunda que entristeceu e desfaleceu o co-
ração do Deus Santo e cheio de glória. O relato de Gn
6.5-6 nos dá uma idéia do que se passou em seu coração
amoroso e santo. - Me arrependo – disse Deus.
Qual se tornou a marca dessas criaturas? Elas pas-
saram a ser idênticas ao querubim caído. O que ele que-

71
ria? Governo, reconhecimento e glória. O que querem
agora os homens? Querem governar – pelo menos suas
próprias vidas, e se possível as dos outros – e querem
também reconhecimento e glória. Esta podridão morta
que impera no anjo insano passou agora para dentro
dos homens e entranhou-se em sua carne. Eles amam
a posição, o reconhecimento e a glória que pertencem
unicamente a Deus. Tornaram-se raça louca e leviana
(Dt 32.5-6; Is 1.2-6).
Os que já foram libertos da cegueira sabem que a
história não termina assim. Antes dos tempos eternos
tudo já havia sido planejado (Ef 1.3-5; Ap 13.8). Não
vamos rever toda a história, apenas o fundamental.
Precisamos entender onde está o remédio para tanta
loucura. Antes, fantasiemos um pouco mais.

72
O dia da grande tristeza
Eles tornaram-se amigos muito íntimos. O Todo-Po-
deroso seguidamente lhes atribuía tarefas para cumprirem
juntos. E estavam juntos no dia eterno que ficou conheci-
do como “O dia da grande tristeza do Altíssimo”. Foi um
abalo muito maior do que o anterior. Não que tenha sur-
preendido ao Altíssimo. A verdade é que o problema já era
esperado e toda a solução já estava planejada, mas mesmo
assim os céus inteiros puderam sentir o que aconteceu com
o seu glorioso Senhor.
– Alguns serafins estão dizendo que viram lágrimas
descendo pelas escadarias do trono – disse Deslumbrael.
– Sim – respondeu Admirael. Naquele dia não fica-
mos conhecendo o significado da palavra tristeza?
– Isso mesmo confirmou Deslumbrael – Como pode-
ríamos estar alegres se nosso glorioso Criador estava triste?
– É espantoso como O Glorioso se importa com eles,
não? A reação dele foi tão diferente daquele dia da rebelião
do anjo enlouquecido! Os mais chegados ao trono dizem
que emana dali algo que está sendo chamado de “inigualá-
vel amor”. O que será que significa isto?
Deslumbrael então mudou um pouco o assunto –
Conheceste alguém que viu os de barro? – perguntou.
– Sim. Falei com alguns serafins. Disseram-me al-
gumas coisas estranhas. Falaram que os de barro parecem
73
muito inferiores a nós. Estão presos num lugar chamado
terra e de lá não podem sair. Não têm asas, não voam e
não têm nenhuma de nossas capacidades e dons. Precisam
constantemente alimentar-se de alguns elementos de sua
própria terra, e algumas vezes fecham os olhos e ficam ho-
ras deitados sem fazer nada. Parece que precisam disto, do
contrário ficam muito fracos.
– Eu também encontrei um querubim que esteve por
lá. Ele agora é um dos encarregados de guardar o lugar de
onde eles foram expulsos.
– Sim? E o que ele falou?
– Disse-me algumas coisas sobre algumas promessas
que foram feitas pelo altíssimo referindo-se a um dos descen-
dentes das criaturas de barro. Diz ele que é algo que ninguém
em lugar nenhum conseguiu até agora compreender, pois é
um mistério que só vai ser revelado no devido momento.
– Também ouvi dos serafins algumas coisas seme-
lhantes. Disseram também que a partir de agora tudo o
que acontecerá com os de barro e com o referido descen-
dente será um espetáculo1 para todos nós. Dizem ainda que
haverá surpresas grandiosas, duas grandes festas, e muitas
outras festas menores2, em cada uma delas veremos o Altís-
simo cheio de alegria e vamos nos alegrar com ele. O que
será isto tudo?
– Ainda não sabemos, mas certamente surgirá ainda
maior beleza no Grandioso Triuno. Não é sempre assim?

74
– É, confirmou Admirael. É sempre assim, para gló-
ria de nosso poderoso Deus Triuno, e para o deleite de
todos nós que temos olhos para vê-lo. O Altíssimo e Santo
Senhor será ainda mais glorificado.
Deslumbrael e Admirael começaram a dançar. Pri-
meiro lentamente, num compasso suave, pouco a pouco
com maior vibração. A cadência celestial cheia de música e
de intensidade da mais pura adoração. Mesmo não estan-
do na sala do trono seus olhos brilhavam intensamente.
Em seu interior cantavam, não, bradavam. E quase to-
dos os seres podiam ouvir. Santo! Santo! Santo! ...Santo!
Santo! Santo!

Os homens querem liberdade para


governar suas vidas e amam a posi-
ção, o reconhecimento e a glória que
pertencem unicamente a Deus.

Notas:

1
Esta parte do diálogo está respaldada em Ef 3.10-11 e 1 Co 4.9.
2
Estas duas festas referem-se à exaltação de Cristo e
às bodas do Cordeiro. E as festas menores ao regozijo
entre os anjos por todo pecador que se arrepende
75
76
Capítulo 4

A GRANDE SURPRESA DO
UNIVERSO
O esvaziamento infinito

“Porque um menino nos nasceu,


um filho se nos deu”
Is 9.6.

Os de Barro
Há muito que o principal assunto entre todos era os
de barro. Deslumbrael e Admirael estavam naquele mesmo
momento eterno trocando idéias sobre a história deles. Ainda
era muito difícil entender o conjunto dos fatos. Na verdade,
a raça era toda muito rebelde. Nenhum dos seres celestiais
podia compreender por que o Altíssimo não consumia com
fogo todo aquele lugar e seus habitantes. Era notória a dife-
rença entre o juízo que houvera para com o querubim louco e
seus seguidores, e o que agora vinha sobre os de barro.
Admirael falava:

77
– Algumas vezes o Juiz Excelso parece que se ira ao extre-
mo e consome os rebeldes com fogo, mas isto é muito raro.
– Mas lembra-te do dilúvio, Admirael? Quase toda a
raça foi exterminada!
– Sim, mesmo assim ele poupou alguns. Há algo a
este respeito que está acima do meu entendimento. Deus
nunca desiste deles!
– Isto é realmente novo – disse Deslumbrael. – Alguns
deles até dizem querer servi-lo, mas nunca obedecem com-
pletamente. Numa hora obedecem e noutra não. São seres re-
almente muito estranhos. Até agora não houve ninguém que
entendesse bem a razão deste tratamento dado por Deus.
– Creio que comecei a perceber alguma coisa no dia da
prova de Abraão, o pai da raça especial que agora é chamada de
Israel. Talvez eu pudesse ter entendido melhor se soubesse o
que é ter um filho. Os de barro dão um grande valor a isto.
– É verdade, pois temos observado que um filho é
capaz de mudar muito o comportamento deles. Aprendem
até mesmo a exercer alguns atos de bondade e generosida-
de que nunca tinham feito antes, pois gostam mais desses
filhos do que de qualquer outra pessoa.
– Pois foi isso mesmo que me fez pensar. – explicou
Admirael. – Ouviste sobre o quanto o Grandioso Triuno se
alegrou naquele dia?
– Sim, todos souberam disto.

78
– Ocorre que este Abraão nem sempre foi tão obediente
assim. Nasceu numa casa que tinha muitos ídolos. Demorava
para entender bem as ordens, mentiu a respeito de sua espo-
sa, e quando pensou que Deus estava demorando para fazer
as coisas, inventou uma solução! Com isso ele conseguiu um
grande problema para ele mesmo, pois ficou sem saber o que
fazer com o seu primeiro filho que era da escrava.
– É isto que me espanta. Que o Altíssimo aceite al-
guém assim! Alguém que inventa as próprias ordens que
vai obedecer!
– Veja, Deslumbrael. Este Abraão não foi rebelde em
tudo. Veja o grande sacrifício que foi para ele, se dispor a
obedecer à ordem do Senhor, quando mandou que ofere-
cesse seu próprio filho!
– Pensar nisto só me deixa perplexo! Tenho cada vez
menos respostas e mais perguntas! Como um desobediente
pode obedecer com sacrifício? Como um obediente pode
desobedecer? Mas o que mais me surpreende é como o Al-
tíssimo gosta deles, e como se contenta com apenas um
pouco de obediência, misturada com desobediência. Será
que ele vai aceitar que eles fiquem aprendendo a obedecer
pouco a pouco? Eles morrem sem nunca aprender a ser
totalmente obedientes e adoradores!
– Começo a pensar – disse Admirael, que O Gran-
dioso Criador não está satisfeito com isto. Certamente, ele
tem um plano maior. Se não aceitou a desobediência do
querubim, não vai aceitar a de ninguém.
79
– Mas como será isto? Já se passaram 4 mil anos ter-
renos e nunca surgiu até agora um único de barro que fosse
totalmente obediente como nós e sem nenhum resquício da
vaidade e do orgulho. Eles surgem no mundo dessa forma e
mesmo vivendo 120 anos, nunca aprendem completamente.
– Estes são os fatos, Deslumbrael. Estes são os fatos.
Mas tenho uma inexplicável certeza de que algo vai acontecer e
estas coisas vão mudar. As coisas não vão permanecer assim.
– Como você pode ter tanta certeza disto Admirael?
Milhares já nasceram e todos são inúteis. Os melhores en-
tre eles não poderiam viver um só segundo aqui no céu. O
altíssimo nunca permitirá. Como você tem esta certeza?
– Não te lembras de que ele falou de um descendente?
– Sim, mas já nasceram milhares deles e todos foram
iguais. Mesmo os mais tementes praticam muitos atos de
desobediência. Acredito que sempre serão assim. Por que
pensas diferente?
– É por causa dele, meu amigo. Por causa dele. Ele nun-
ca fez nada errado. Esta raça de barro não pode ser um enga-
no. Ele gosta demasiado dela. Ele a ama – e até hoje nenhum
de nós entendeu nem como nem por quê. Mas eu sei que algo
grande há de acontecer. Algo grande há de acontecer.
– Por fim Deslumbrael assentiu – É verdade Ad-
mirael. É verdade. Tenho muitas interrogações e muitas
surpresas, mas nenhuma dúvida, nenhum questionamento.
Seja como for, aconteça algo ou não, tenho absoluta certe-
80
za de que o Altíssimo nunca fará nada contra sua própria
santidade.
Tudo o que foi escrito até aqui visa ajudar nossa
mente limitada a meditar um pouco mais na grandeza
do que foi a encarnação do Verbo. Vamos revisar resu-
midamente:
1. A diferença entre o Criador e a criatura é infi-
nita.
2. O querubim perfeito olhou para si mesmo e se
envaideceu.
3. Em seu coração criou-se a mentira – tanto a
respeito do caráter de Deus como a respeito de
si mesmo.
4. Sua sabedoria, corrompeu-se totalmente e ele
então passou a considerar a rebelião e a ins-
tituição de um novo reino como coisa justa e
possível.
5. A partir daí ele consumou sua loucura, barga-
nhou com os anjos e foi violento contra o Se-
nhor.
6. Deus criou para si uma nova raça, o homem,
à sua imagem, para formar uma família que se
deleitasse nele e o glorificasse.
7. Satanás então comercializa com o próprio ho-
mem seduzindo-o com sua mentira e levando-
o a participar da sua loucura. Isto levou o ho-
mem à morte.
81
Querido leitor, você está convencido de que a dife-
rença entre o Criador e a criatura é infinita? Vê com cla-
reza que o Criador é Deus excelso, infinito, incomparável,
indizível, inexplicável, grandioso a um ponto tal que nos-
sas mentes não podem compreendê-lo? Percebe que ele é
o único digno de Glória honra e poder, pois criou todas as
coisas e todos os seres que existem, e criatura nenhuma
tem absolutamente nenhum mérito por aquilo que é ou
pelos dons e capacidades que possui? Está o seu coração
convencido de que a rebelião de Satanás e do homem foi
completa loucura, pois a criatura nunca poderá se igualar
ao Criador? Entende que isto é uma estupidez, tanto por
ser uma idéia perversa que desconsidera a grandeza do
Criador como por ser uma impossibilidade?
Se você está consciente de todas estas coisas, en-
tão junte-se a mim para olharmos aquela que hoje eu
considero a mais maravilhosa demonstração da perfei-
ção da santidade de Deus: a Encarnação do Verbo.

Uma maravilha inexplicável


Toda vez que vou falar disto sinto-me um pouco
frustrado. Nunca senti ter conseguido colocar em pa-
lavras o que vejo e sinto. Creio simplesmente que não
há palavras. Penso também que nem mesmo no céu po-
deremos entender completamente. Como poderíamos?
Deus, Criador, se fez homem, criatura! É isso mesmo!
82
O Criador desceu ao lugar da criatura! Mas a diferença
entre um e outro não era infinita? Como isso poderia ser
possível? Não sei. E nunca vou saber. Eu nunca fui Deus.
Sempre fui uma criatura. Nunca tive toda a sabedoria,
nunca criei mundos e seres incontáveis, nunca fui o pos-
suidor de toda a glória e dignidade. Como vou saber o
significado desta viagem infinita, deste esvaziamento, in-
concebível? Só Jesus sabe. Foi ele quem fez esta viagem.
Não tenho a mínima condição de explicar esta ma-
ravilhosa encarnação, mas desde o dia em que esta ver-
dade saltou aos meus olhos de forma tão clara e surpreen-
dente, não há nada que me constranja o coração mais do
que isto. Não posso entender, mas posso me maravilhar
– e como é bom! Não posso captar, porém posso adorar
– e sinto que encontrei o meu lugar. Não posso explicar,
contudo levo dentro de mim uma forte vontade de pro-
clamar, bradar e até gritar – e sinto que estou fazendo o
melhor que uma criatura pode fazer. Há uma outra coisa
que eu devo fazer, mas disto falarei mais adiante.

Junte-se a mim para olharmos aquela


que hoje eu considero a mais mara-
vilhosa demonstração da perfeição
da santidade de Deus: a encarnação
do Verbo.

83
Certa vez estávamos em uma reunião com os líderes
da igreja. Era um momento de muita oração e louvores.
Havia uma doce presença do Espírito entre nós. Eu estava
envolvido por aquela atmosfera, quando em dado momen-
to abri meus olhos e Eduardo, um dos amados companhei-
ros de ministério, estava ajoelhado ao meu lado. Olhei
mais atentamente e vi que ele chorava muito sobre a sua
bíblia aberta. Então pensei: “certamente há uma bênção
aí. Quem sabe não poderia haver algo para mim também?”
E havia. Eu me inclinei e perguntei ao irmão o que Deus
lhe estava falando. Eduardo então apontou enfaticamente
para o texto aberto diante dele – Lc 22.41 – e entre lágri-
mas me disse: “Olha aqui. Jesus de joelhos! Deus não deve
se ajoelhar e pedir! Deus deve mandar e ordenar, mas Jesus
está ajoelhado e pedindo!” E seguiu chorando e adorando
enquanto me levantava. Ele estava maravilhado. Eu estou
maravilhado. Você também não está?

Ó Belém, cidade amada,


Tão pequena e singela.
A ti desceu o meu Rei.
Não és porventura a mais bela?

Reis nasceram na Pérsia.


O no Egito Faraós.
Mas em teu seio Belém querida,
Um menino, minha vida.

84
Quisera eu ser poeta,
Expor em palavras meu coração.
Mas juntos, todos os versos
Insuficientes serão.
Belém Efrata preciosa,
Rainha de todas cidades.
Em ti nasceu a beleza do universo.
Te amo Belém. Te amo Belém.

Um impressionante contraste
Pensemos nisso. Vejamos alguns contrastes.
• A criatura, ilimitada e necessitada quis ser gran-
diosa como o Deus Criador. O bendito Verbo de Deus,
o próprio Criador de todas as coisas se dispôs a tornar-
se para todo o sempre uma criatura. Ele encarnou na
pessoa de Jesus e vai ser o Deus-Homem Jesus por toda
a eternidade, e isso em nada o constrange, pois ele se
alegrava em referir-se constantemente a si mesmo como
“o Filho do homem”. E na hora mesma da encarnação ele
disse: “Sacrifício e oferta não quiseste, antes corpo me for-
maste... eis aqui estou para fazer, ó Deus, a tua vontade”
(Hb 10.5-7). FOI UM ESVAZIAMENTO INFINITO!
• A criatura considerou a submissão e obediên-
cia ao Criador como coisa injusta e enfadonha e quis
independência e governo. O Deus sempiterno que tem

85
o direito de governar sobre tudo, dispôs-se a ser uma
simples criatura e como tal veio para obedecer, obede-
cer e obedecer, e nisto também se gloriava “A minha
comida consiste em fazer a vontade daquele que me en-
viou, e realizar a sua obra” (Jo 4.34); e também: “Eu faço
sempre o que lhe agrada” (Jo 8.29); e na hora de maior
angustia: “Não seja como eu quero e sim como tu queres”
(Mt 26.39); e: “Faça-se a tua vontade” (Mt 26.42); “Não
procuro a minha própria vontade, e, sim, a daquele que me
enviou” (Jo 5.30); e mais: “Porque eu desci do céu não
para fazer a minha própria vontade, e, sim, a vontade da-
quele que me enviou” (Jo 6.38); Não se cansava de repe-
tir: “Assim procedo para que o mundo saiba que eu amo o
Pai e que faço como o Pai me ordenou” (Jo 14.31). FOI UM
ESVAZIAMENTO PRÁTICO!

• A criatura necessitada e dependente quis bas-


tar-se a si mesma. O dono de todos os recursos e fonte
de todo bem, alegrou-se em ser uma criatura que de
si mesma nada podia fazer e em tudo e para tudo de-
pendia do Pai. Ele dizia: “Eu nada posso fazer de mim
mesmo” (Jo 5.30); e “As palavras que eu vos digo não as
digo por mim mesmo, mas o Pai que permanece em mim,
faz as suas obras” (Jo 14.10). Lembremo-nos de que Je-
sus, na terra, estava destituído de sua glória anterior
(Jo 17.5). Após a sua ressurreição e exaltação passou
a ser o homem plenamente Deus de que Paulo fala em
Cl 2.9, mas antes não. Por isso, ele necessitou da unção

86
e orientação do Espírito Santo para fazer a obra do Pai
como qualquer um de nós necessita (Mt 3.16). FOI UM
ESVAZIAMENTO COMPLETO!

• A criatura nada fez e nada criou. Tudo o que


tinha havia recebido. Mesmo assim, quis ter o reconhe-
cimento, a honra e a glória. Enquanto que o Deus de
toda glória e digno de todo reconhecimento e louvor,
tornou-se uma criatura e deu sempre toda a glória re-
conhecimento e louvor ao Pai. “O Pai é maior do que
eu” (Jo 14. 28). Jesus nunca procurou glória e reconhe-
cimento. Fazia milagres tremendos, mas proibia que
fossem divulgados (Lc 8.56). Não buscou a glória de
nascimento (Jo 1.46), nem de cultura (Jo 7.15), nem de
posses (Mt 8.20) ou de aparência agradável (Is 53.2).
Veio disposto a ser “desprezado e o mais rejeitado entre
os homens” (Is 53.3) FOI UM ESVAZIAMENTO COM PLENA
HUMILHAÇÃO.

• A criatura, gerada para servir, quer ser o centro


das atenções e quer que todos ao seu redor a sirvam.
Aquele que é o Senhor, tornou-se servo para sempre.
Viveu na terra como servo. Vive hoje para interceder
por nós (Hb 7.25; Rm 8.34). E o mais incrível: depois
de tudo, lá no céu, há de cingir-se, dar-nos lugar à mesa
e, aproximando-se nos servirá (Lc 12.37). Seu esva-
ziamento não foi apenas em relação a Deus, mas em
relação ao homem, e isso, para todo o sempre! FOI UM
ESVAZIAMENTO ETERNO.

87
Jesus, a alegria da terra
Dizem que o conhecido compositor Johan Sebas-
tian Bach foi um genuíno cristão. Não pesquisei sua
biografia para confirmar isto, mas creio que deva ter
sido mesmo, pois tinha o coração voltado para compor
músicas em homenagem e louvor ao Senhor. Uma de
suas mais conhecidas composições é “Jesus, a alegria dos
homens”. Estamos acostumados a ouvi-la em toda parte
e principalmente em casamentos.
Um dia ao meditar neste título tão original, pensei
no quanto ele é verdadeiro. Nesta terra tão aflita, e cheia
de perversidades, sofrimento, angústia e desesperança
provocadas pelo pecado e maldade dos homens. Neste
mundo de alegrias vãs e passageiras, ilusões, mentiras
e esperanças que insistem em desvanecer. Neste lugar
tenebroso e vil há uma única alegria que não perece
e que satisfaz plenamente. Ela tem um nome precioso
que é Jesus.
Jesus é a alegria dos homens. Jesus foi a alegria dos
primeiros irmãos; a alegria de Pedro quando saltou do
barco para encontrá-lo após a ressurreição; a alegria de
Paulo quando finalmente descobriu nele o perdão para
seus pecados e o poder para vencê-los, a alegria de muitos
judeus sob o jugo de Roma; a alegria de gregos, de bár-
baros, de homens e mulheres, de trabalhadores de todo
tipo, de escravos em seus grilhões, de reis e de príncipes.

88
Foi a alegria de servos benditos que o conheceram desde
meninos e de velhos desesperançados que conheceram
seu nome quase na última hora e dele receberam o alen-
to, a esperança, a fé e a vida. Jesus foi o ânimo dos poucos
que remanesceram durante os períodos mais negros da
história. Foi a alegria de Francisco de Assis ao deixar todas
as posses e bens de sua rica família. Foi a força, a alegria
e a coragem de bravos reformadores que enfrentaram as
forças mais tenebrosas da religião estatal e suas hostes de
demônios. Jesus foi a alegria de Lutero diante da Dieta de
Worms. Ele foi a alegria de John Bunyan quando em pri-
são orava por sua filhinha cega que mendigava nas ruas.
Foi a esperançosa alegria de John Huss quando queimava
na estaca, bem como de todos os mártires em todos os
tempos. Foi a alegria de John Wesley quando teve seu
coração aquecido e viu seus pecados sendo carregados
pelo bendito Salvador. Jesus foi, no passado, a verdadeira
alegria de incontável número de santos.
Hoje não é diferente. Jesus ainda é a única e ver-
dadeira alegria dos homens. Ele é a alegria de milhões
de chineses que em meio a muita pobreza, sofrimento,
perseguição e dor, clandestinamente se reúnem de casa
em casa. E na força desta alegria insistem em levá-la
a outros, propagando o evangelho de forma impressio-
nante. Jesus é a alegria de muçulmanos que têm a boa
ventura de conhecê-lo em meio a uma religião e socie-
dade marcadas pelo medo e desesperança. Ele é a alegria

89
de nosso Brasil onde temos a liberdade de proclamá-lo.
Em cada lugar por onde ando, posso testemunhar sem
sombra de dúvidas que Jesus é a alegria de milhares de
irmãos. Jesus é a alegria da velha senhora pobre e anal-
fabeta que nele encontrou descanso e esperança. Ele é
a alegria daquele casal que havia brigado e se separado
e o senhor os reconciliou. Ele é a alegria da minha casa.
Foi a alegria dos meus avós e dos meus pais, é a alegria
da minha esposa e dos nossos filhos. E em seu nome
proclamo que será a alegria dos meus netos.
E o que diremos se formos olhar para o futuro?
Alegrias indizíveis estão prometidas para os que hoje
confiam nele e se sujeitam ao seu reinado. Quando diz
que lhes enxugará dos olhos toda lágrima, fala de uma
alegria tão plena que não haverá lugar para tristezas.
Jesus será para todo o sempre a alegria dos homens.
É natural, pois, que se diga que Jesus é a alegria da
terra. Como ela não se alegraria com tantas benesses,
com tanto amor e dádiva, com tal perdão e graça ma-
ravilhosa? Éramos todos mendigos maltrapilhos que fo-
mos feitos reis e sacerdotes. Éramos abominação para o
Senhor e fomos feitos filhos. Éramos escravos do peca-
do que fomos regenerados para reinar em vida. Éramos
desesperançados e rejeitados a quem agora foi dada a
ousadia de viver no Santo dos Santos. Estávamos todos
mortos e nos foi dada a vida.

90
Jesus, a alegria dos céus
No céu há um Deus plenamente justo, absoluta-
mente detalhista em suas exigências. “Até um animal, se
tocar o monte será apedrejado” (Hb 12.20). Um Deus cujo
coração estava pesado e arrependido por haver criado
o homem (Gn 6.6). Este é o Deus que habita nos céus.
Por séculos ele procurou satisfazer seu coração santo
com algumas manifestações isoladas de seu caráter. A
integridade de Jó – que depois teve que ser repreendido
por Deus (Jó 38.1-2); A mansidão de Moisés, o mais
manso de toda a terra (Nm 12.3) – que depois foi proi-
bido de entrar na terra prometida por causa de um ata-
que de ira; O coração de Davi, que era segundo o seu
coração (At 13.22) – que depois teve que ser castigado
por seu escandaloso pecado.
Grande era o desejo de Deus por encontrar um ho-
mem que fosse em tudo conforme o seu próprio coração.
Essa alegria ele teve em seu Filho amado. Após Belém e a
manjedoura. Após anos vendo Jesus ser submisso a Maria
e José – a quem ele próprio havia criado, mas que agora
eram seus pais terrenos e a eles devia submissão por von-
tade do Pai. Após anos de silenciosa humildade e espera
no Senhor, o Pai agora já não se alegrava apenas com o
ato do esvaziamento e da encarnação do Filho, mas pas-
sava a ter crescente alegria no coração ao poder provar os
resultados práticos desse esvaziamento na vida de Jesus.

91
Na ocasião do batismo de Jesus a satisfação do Pai
foi ao extremo. Quem era João Batista? Mais um dos ho-
mens que fora criado pelo próprio Verbo. Mas recebeu de
Deus a autoridade para profetizar em seu nome e para ba-
tizar. Muitos vinham e sujeitavam-se a ele. Todos eram
pecadores necessitados de arrependimento. Mas naquele
dia João Batista ficou surpreso. Penso no quanto ele tre-
meu. Certamente ele considerou um absurdo. Ousou até
argumentar com o mestre “Eu é que preciso ser batizado por
ti, e tu vens a mim?” (Mt 3.14). João sabia que Jesus era o
Messias, mas não sabia que era o Verbo feito carne. Se
soubesse talvez se atirasse ao chão e começasse a gemer.
Mas Jesus, o nosso amado, sabia que esta era a vontade
do Pai. Sendo puro e sem pecado, identificou-se com os
pecadores a ponto de sujeitar-se ao batismo de arrependi-
mento e humildemente submeteu-se a João, um pecador.
A bíblia nos diz que neste momento o Pai não
se conteve. Seu coração santo estava feliz e satisfeito.
Imagino que tenha se levantado do trono. Então lá do
céu ele falou. E todos nós conhecemos que expressão de
contentamento foi: “Este é o meu Filho amado em quem
me comprazo”. O Pai não estava apenas dando um teste-
munho do Filho, mas também mostrando sua satisfação
com seu esvaziamento comprovado com obediência e
humildade incomparáveis.
Sim, meu caro Johan Sebastian Bach, Jesus é a ale-
gria da terra. Mas há algo muito maior e sublime. Jesus é

92
a alegria do Pai. Jesus é a alegria dos céus. Se você esti-
ver nos céus, creio que é isto que deve estar cantando.

Em Jesus está desfeita a mentira


Qual foi a grande mentira engendrada no cora-
ção de Satanás? Que Deus foi injusto fazendo as coisas
como fez. Que não era bom estar em total sujeição e
obediência a Deus, dando-lhe a glória.
Porém Jesus foi sujeito, submisso, pobre, necessi-
tado, dependente, destituído de beleza, reconhecimen-
to, status ou quaisquer outras coisas que a raça decaída
tanto valoriza. No entanto era feliz. Tão feliz e pleno
que a palavra felicidade não era suficiente para expli-
car seus sentimentos. Às vésperas de sua maior aflição,
mesmo sabendo de tudo que iria passar, permanecia tão
satisfeito com a vontade do Pai, que para expressar seu
mundo interior usou uma palavra extremada: “Gozo”.
“Tenho-vos dito estas coisas para que o meu gozo esteja em
vós e o vosso gozo seja completo” (Jo 15.11); “Mas agora
vou para junto de ti, e isto falo no mundo para que eles te-
nham o meu gozo completo em si mesmos” (Jo 17.13).
A agonia de Jesus no Getsêmani nada tinha a ver
com a morte física. Muitos homens na história enfrenta-
ram-na com valentia e sem nenhum tremor. Certamen-
te Jesus não seria inferior a estes. Sua agonia se referia
a algo que nós nunca poderemos compreender. Ele que
93
era absolutamente santo e puro iria conhecer na cruz a
experiência do pecado, e pior de tudo, perder o que era
a sua suprema alegria: a comunhão com o Pai. Por isso,
Jesus se angustiou e suou gotas de sangue. Creio que a
pressão arterial de Jesus era suficiente para ter muitos
enfartos. Ele não morreu naquela hora porque ainda es-
tava sem os nossos pecados. Quem poderia como ele,
na hora da sua angustia, estar preocupado em consolar
seus discípulos confusos e abatidos? “Não se turbe o vosso
coração”; “deixo-vos a paz, a minha paz vos dou”. Nunca
houve na terra um homem tão pleno de paz como Jesus.
Que homem satisfeito era este? Como podia ter tanto
gozo e tanta paz na hora em que iriam ser colocados
sobre ele os pecados de toda a humanidade?
Penso que a resposta é única e muito simples. Ele
conhecia o Pai, que é justo, amoroso e verdadeiro, e
confiava nele. Por mais terrível que pareça, sua vonta-
de deve ser feita por que ela é boa, perfeita, e agradável.
Jesus conhecia a verdade porque conhecia o amor do
Pai. No seu coração não havia lugar para a mentira. As-
sim, ele foi submisso até o fim, até a morte e morte de
cruz. E mesmo na angústia tinha gozo e paz para dar. O
Pai agora estava livre da acusação de todos os rebeldes.
A mentira universal foi desfeita. Antevendo tudo isto
ele dissera: “Eu sou a verdade”. Aleluia!
A mentira agora está exposta. Está ridicularizada
e desprezada, pois “despojando os principados e as potesta-

94
des, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na
cruz” (Cl 2.15). Em Jesus, não somente a rebelião, mas
toda a vaidade e orgulho das criaturas estão expostos
ao ridículo. Quem, pois, guardará a vaidade e o orgulho
em seu coração? Quem seria néscio para que ao mes-
mo tempo em que busque o reino de Deus queira ser
compassivo com sua própria vaidade e com o orgulho
inerente à sua carne pecaminosa? Satanás e tudo o que
é dele ou semelhante a ele, estão expostos como coisa
desprezível e imunda. Quem, senão um cego vai querer
agora, ser complacente com tais coisas em sua vida? O
esvaziamento do Filho de Deus está exaltado como a
maior beleza que há diante dos olhos de Deus.
Admire, você também, esta beleza e deseje de todo
coração ser semelhante ao Filho de Deus. Este é o alvo
maior do evangelho. O evangelho, se bem entendido,
retirará de nossas vidas todo o resquício do querubim
maldito e nos dará a semelhança da beleza do esvazia-
mento de Cristo. Um evangelho que não alcance isto, é
incompleto e insuficiente.

O Pai agora estava livre da acusação


de todos os rebeldes. A mentira uni-
versal foi desfeita. Antevendo tudo
isto ele dissera: “eu sou a verdade”.
Aleluia!

95
Perplexidade nos Céus
Os dois estavam juntos quando aquilo aconteceu. To-
dos os seres celestiais estavam como numa platéia olhando
o espetáculo. Aquele dia ficou conhecido como “O grande
dia da perplexidade nos céus”. O Grande e sublime Deus
havia agora ultrapassado todas as expectativas. Nem os ar-
canjos mais próximos do trono poderiam imaginar.
Nossos amigos Admirael e Deslumbrael, agora mui-
to mais experientes na contemplação, sentiam como se até
então nunca tivessem conhecido o Altíssimo. Era como se
fossem recém-criados e começassem a conhecê-lo. Sentiam
também como se o universo inteiro estivesse de pernas para
cima. Mas compreendiam que havia sentido em tudo, pois
viera do próprio bondoso Criador. Sua sabedoria havia de-
terminado as coisas assim. A conversa deles era como um
sussurro. Só eles ouviam. Deslumbrael dizia:
– Barro! Ele agora é de barro!... É de barro como os
da raça perdida! Como pode ser isto? Ele é de barro!
– Querido amigo – respondeu Admirael. – Eu sempre
lhe dizia que algo grande iria acontecer, mas nunca poderia
ter pensado em algo assim.
– Barro... barro... barro – continuava Deslumbrael.
Ele não aceitou a competição promovida pelo querubim,
agora se faz menor a qualquer dos anjos entre nós!

96
– Por isso dizemos que ele é Santo. Ele é separado!
É diferente de tudo e de todos! É único! É surpreenden-
te! Quem poderia imaginá-lo deixando os céus para entrar,
como uma gota de vida, no ventre de uma mulher?!
– O que esta raça significa para ele? Como tudo ter-
minará?
– Creio que passaremos os próximos séculos nos sur-
preendendo com a continuação desta história. Sei que os
de barro agora estão sendo chamados de “aqueles a quem
o altíssimo quer bem”. Foi assim que eles foram chamados
pelos mensageiros que dentre nós foram enviados a uns
pastores do campo para darem a notícia.
– Sim. E proclamaram paz na terra entre eles.
– E glória a Deus nas alturas.
– Santo é nosso Altíssimo Deus – disse Deslumbra-
el. Já sabíamos que ele é majestoso e todo poderoso, e que
sabe todas as coisas; Conhecíamos que Deus é amoroso e
misericordioso, compassivo e perdoador dos homens, mas
agora sabemos que é manso e humilde como se fosse qual-
quer uma de suas criaturas.
– Sim. – confirmou Admirael. E agora ele se chama
Jesus. É o Cristo que foi anunciado a Israel. É o menino de
quem falava Isaías! Como poderíamos imaginar?
– O descendente prometido era ele mesmo! – conti-
nuou Deslumbrael. – Agora entendemos a promessa! Final-

97
mente podemos ter toda certeza de que haverá um homem
obediente por toda vida.
– O que mais podemos esperar? Que mais se dirá
dele?
– Não sabemos amigo, mas por hora me satisfaço em
proclamar o de sempre. Santo, Santo, Santo...
– Admirael prontamente fez coro, Santo, Santo, San-
to... E eles nunca haviam brilhado tanto.

98
Capítulo 5

UM IMPACTO NECESSÁRIO

“Como és formoso, amado meu,


como és amável.”
Ct 1.16.

Não o meu amor, mas a sua beleza.


Lembro-me da primeira vez em que o contraste
entre a criatura querendo ser como Deus e o Criador se
fazendo criatura tornou-se claro diante de meus olhos.
Até hoje não sei explicar os sentimentos que me inva-
diram. Um misto de perplexidade e de grande admi-
ração tomou conta de mim. Jesus já era o meu amado
Salvador, digníssimo Senhor, inquestionável Mestre,
irretocável exemplo de vida e o mais confiável amigo.
Agora meus olhos estavam vendo algo ainda maior. As
fantasias com os anjos que escrevi neste livro são uma
tentativa de expressar o espanto que me invadiu. Toda
a minha relação com Jesus Cristo foi modificada. Desde
99
a minha oração e adoração, até os meus pensamentos,
decisões, motivações de vida e de ministério. Isto foi
há mais de 10 anos e até hoje influencia minha vida.
Esta visão de Cristo se enraizou e segue aumentando.
As marcas que o Espírito Santo fez no meu coração são,
hoje, o meu mais estimado tesouro. Este livro é o meu
grito, a minha proclamação.
Sempre sofri muito por considerar que meu amor
por Jesus é muito fraco e superficial. Minha inconstân-
cia, persistência nas mesmas debilidades de caráter e
fraqueza de fé sempre me pareceram como um grande
letreiro comprovando a ridícula pequenez de meu amor
por Cristo. Ler o livro Cantares de Salomão e ver uma
esposa tão apaixonada pelo seu amado, sempre foi mui-
to difícil para mim, porque só servia para acrescentar
culpa diante do evidente contraste daquele amor pelo
noivo com a pobreza do meu por Cristo. Várias vezes
tentei ler o livro de Watchman Nee sobre Cantares de
Salomão, mas nunca passei das duas primeiras páginas.
Afastava-me da leitura sempre mais frustrado e enfra-
quecido do que antes. Esta foi a minha experiência por
muitos anos.
O que eu posso dizer agora é que nem tudo mu-
dou, porém o que considero mais importante, sim.
Continuo sendo o mesmo fraco de sempre. Assusto-me
fácil, sou emocionalmente muito insensível e o pior de
tudo é que ainda não sei amá-lo. Sou a criatura mais

100
incapaz de amar. Entretanto, por mais incoerente que
pareça acendeu-se dentro de mim uma nova paixão.
Estou deslumbrado. Você acha que estou falando uma
incoerência? Um disparate? Não sei amar e estou apai-
xonado? Como pode ser isto? É muito simples. Con-
tinuo muito ruim e incapaz de amá-lo, contudo meus
olhos se abriram e eu vi que Jesus é belo. Tão belo que
mesmo o coração mais endurecido e a mais tosca alma
podem apaixonar-se por ele. Basta conhecê-lo um pou-
co. A manjedoura de Belém, a carpintaria de Nazaré,
o suor no Getsêmani e as ofensas na rude cruz fazem
de Cristo a maior beleza do universo. Seu coração é
tão perfeitamente puro que não há absolutamente nada
com o qual se possa comparar. Seu caráter é mais sólido
que uma rocha, mais aprazível que o mais intenso amor
conjugal e mais doce e suave que o mais terno amor do
um pai por um filho sorridente.
Como então não amá-lo? Como não se apaixo-
nar? Contudo, eu tenho uma certeza: não aprendi a
amar, simplesmente olhei mais intensamente para Jesus
e descobri o seu imenso poder de atração. Você quer
saber se eu o amo? Claro que sim. Eu o amo cada vez
mais. Sou parte da sua amada igreja, sua noiva. Estou
junto com você no livro de Cantares proclamando este
amor. Venha comigo deslumbrar-se. Podemos olhá-lo e
isto nos basta. O resto é com Jesus.

101
Sua beleza nos envergonha e desafia.
Creio que quando Paulo escreveu: “Tende em vós o
mesmo sentimento”, ele não esperava que nós produzísse-
mos isto pelo nosso esforço em ser como Jesus, pois deu
este mandamento sem detalhes e logo se dedicou a falar
minuciosamente sobre o Senhor e seu esvaziamento. Isto
eu creio: se não colocarmos nossos olhos firmemente em
Cristo Jesus para que o nosso ser interior seja impactado
pelo seu esvaziamento, não haverá esforço em nós que
possa dar resultado. Se quisermos ter o mesmo sentimen-
to que houve em Cristo Jesus, precisamos primeiro olhar
para ele, compreender seu esvaziamento e admirá-lo.
Então, neste contraste, vamos perceber nosso orgulho e
desejar ter o mesmo sentimento de Jesus.
Para explicar melhor quero citar algo que escrevi
há alguns anos, depois que o Espírito iluminou mais da
face de Cristo em meu coração enquanto perseverava
em meditar sobre o texto de Fp 2.5-8. Leio agora aque-
las anotações e percebo que além da revelação sobre a
pessoa de Cristo, o Espírito Santo trabalhava em mim
para algo essencialmente prático. Transcrevo a seguir
as anotações feitas naquela ocasião.
“Não se apegou ao fato de que era Deus, mas
se esvaziou assumindo a forma de servo, tor-
nando-se em semelhança de homens e reco-
nhecido em figura humana.” (Fp 2.6-7).
102
É a essência de um coração puro, que elimi-
nou (sendo ele o maior de todos), todo o desejo,
a necessidade, o sonho, a busca e o esforço por
ter alguma grandeza. Isto ele fez da maneira mais
radical e espantosa que seria possível no conjunto
dos seres existentes. Sendo Deus, se tornou cria-
tura. Só Deus pode saber toda a dimensão disto.
Nós, como criaturas, não sabemos a dimensão da
DEIDADE. Não sabemos o que é ter todo o poder e
autoridade, ter toda a ciência e estar em todo lu-
gar, enchendo tudo, portanto, não podemos medir
o que Jesus fez. Só podemos pensar assim: se Deus
é imenso e infinito, então o esvaziamento do Verbo
amado de Deus foi imenso e infinito também. Isto
é: ele desceu do infinito para o finito, do imensu-
rável para o mensurável, do eterno para o tempo-
ral, do ilimitado para o limitado, e o mais incrível
de tudo, de uma situação de liberdade absoluta e
de ser suficiente em si mesmo, para uma situação
de necessidades e de dependência. A tudo isto só
podemos dizer: Ó Maravilha! Ó Beleza de Cristo!
Ao se fazer pequeno como um bebê, se tornou aos
nossos olhos ainda mais grandioso, mais belo, mais
adorável, mais desejável, mais admirável. Que co-
ração! Que pureza! Que ternura celestial! Poder
contemplar tal grandiosa pequenez, só pode ser
comparado em glória por outra riqueza, a bendi-
ta esperança de que seremos transformados à sua
103
imagem para ter um coração exatamente como o
dele. Que o adorem os anjos, que o bendigam os
céus e a terra, que o amem todos os homens, pois
o Pai bendito já o honrou, já o coroou e já lhe deu
um nome que está acima de todo nome.
“A si mesmo se humilhou tornando-se obe-
diente até a morte e morte de cruz.” (Fp 2.8)
Esta é a prática de um coração esvaziado: A
OBEDIÊNCIA. O seu esvaziamento foi interior, pro-
fundo, verdadeiro e absoluto. Mas necessitava ser
confirmado a cada dia, através da completa obedi-
ência. Ao ato eterno de esvaziamento, foi agregada
a auto - humilhação diária de não fazer jamais a
sua vontade, para experimentar também todos os
dias, o gozo de fazer a vontade do Pai, ainda que a
vontade do Pai o levasse até a morte, até mesmo
a ser feito “pecado por nós” (2Co 5.21). Que de-
terminação! Que valentia! Obediência até o máxi-
mo que se poderia imaginar! Nós, como pecadores,
não compreendemos ainda a absoluta santidade de
Deus. Por isso, não podemos medir o que foi para
o Filho absolutamente santo, perfeito e amante do
Pai, ser feito pecado e perder, na cruz, a comunhão
e a presença daquele que era a sua própria vida,
gozo e alimento. E que dizer do Pai? Que foi para
ele, ter que abandonar o Filho e entregá-lo à morte?
Fazer do Filho o próprio pecado!?!? Que angústia
104
terá sido? Nós, que somos pais, não preferiríamos
experimentar mil angústias antes que nossos filhos
passassem por uma só? Que podemos dizer quanto
a isto? Não há palavras. Melhor o silêncio, as lágri-
mas e a devoção pura e simples. Melhor também
é...
“Tende em vós o mesmo sentimento.” (Fp 2.5).
Contemplar esta perfeição e glória, este
amor e mansidão de Cordeiro, e valentia de Leão,
se o Espírito Santo nos ilumina os olhos, deve pro-
vocar em nós, pelo menos três reações que nos
arrebatem a vida por completo:
1. PROFUNDA ADMIRAÇÃO POR JESUS. Com ra-
zão cantaram os filhos de Coré: “Tu és o mais formoso
dos filhos dos homens” (Sl 45.2) e a esposa proclama:
“não é sem razão que te amam” (Ct 1.4). É verdade.
Nós não sabemos amar. Mas ele é tão plenamen-
te amável, tão completamente admirável, que nos
conquista o coração, por mais frios e apáticos que
possamos ser. Basta um olhar. Basta um vislumbre,
pois a beleza é tanta e a perfeição é tão cativante,
que apenas um pouquinho de conhecimento, já é
suficiente para que sejamos conquistados. Vejamos
os primeiros discípulos (Mt 4.18-22). Que sabiam
eles a princípio sobre toda esta glória? Talvez 1% de
tudo o que conheceram depois. No entanto, este
1% foi suficiente para deixarem tudo e o seguirem.
105
O amaram. O admiraram. Portanto o seguiram.
Quanto mais profunda admiração e amor tiveram
depois? Quanto o podemos admirar, nós os que hoje
conhecemos toda a verdade de sua santidade?
2. PROFUNDA VERGONHA PELO QUE SOMOS:
Como é diferente o nosso coração! Ele, sendo
Deus, se esvaziou, aceitou a vergonha, desprezou a
vaidade e fez pouco caso da glória desta vida e do
reconhecimento dos homens. Todavia, nós, abomi-
namos a rejeição, amamos o ser reconhecidos pelos
homens e temos necessidade de aprovação imedia-
ta e visível. Como nos custa buscar apenas a apro-
vação daquele que vai julgar os corações e revelar
cada intenção! Ele, sendo pleno e independente, se
fez necessitado e dependente. E nós. Como despre-
zamos nossa limitação e pequenez! Como nos custa
abandonar nossa ridícula auto-suficiência! Como
é feio e desprezível aquilo que em nós é diferente
dele! Como é justo e sábio o castigo do pecado! Se
eu não posso suportar esta feiúra, como deve ela
ser feia e desprezível ao meu Deus santo e perfei-
to! Como é feio meu orgulho! Como é vergonhoso
cada ato de desobediência, cada auto-preservação!
Escrevo com lágrimas. Cada coisa em mim que é
diferente dele, eu abomino como coisa podre, coisa
morta e desprezível. Só tu, meu Deus, és amado e

106
puro. Só tu és digno de admiração e louvor. A nós
pertence o corar de vergonha (Dn 9.8).
3. UM PROFUNDO DESEJO (E ESPERANÇA) DE
SERMOS TRANSFORMADOS À SUA IMAGEM. Mas
uma voz veio falar: “Eu edificarei a minha igreja”.
E outra vez: “...aquele que começou a boa obra em
vós, há de completá-la...”. Bendita esperança! Ben-
dito evangelho. ...Eu? Ser como ele? Ter um cora-
ção igual ao dele? Ó obra tremenda dos céus! Ó
Espírito Santo! Me aprisiona propósito de Deus!
Quero conquistar aquilo para o qual fui conquis-
tado. Não é essa a tua obra meu Deus? Não é para
isso que vieste morar dentro de mim com toda tua
humildade e mansidão? Não é a tua vida a minha
porção e a tua santidade e obediência a minha
herança? O teu coração não é agora o meu, para
que eu venha a viver como tu viveste? Ó minha
glória! Meu tesouro! Minha herança! Quero fa-
lar-te junto com Davi: “O senhor é a porção da
minha herança e do meu cálice... é mui linda a mi-
nha herança” (Sl 16.5,6). Enquanto ainda não sou
como Jesus, duas coisas me consolam o coração e
me animam a seguir adiante. A primeira é o teu
perdão e paciência, meu Deus, meu amor e minha
esperança. A Segunda é o perdão e a paciência
de meus irmãos, os notáveis que há na terra (Sl
16.3). Estes santos que te amam e que, por suas

107
vidas, me ensinaram a te amar. A eles o teu con-
solo e o teu ânimo, meu Deus, e a ti, meu amado,
minha vida no teu altar.

Não gosto de estabelecer regras a respeito da ope-


ração do Espírito na vida interior dos filhos de Deus.
Sei que eles são como o vento que sopra onde quer.
Ninguém pode regular a vida interior como se fosse
fruto do trabalho de um laboratório. Deus dá sua luz
aos cegos e somente ele sabe como isto funciona. En-
tretanto, algumas leis espirituais são claramente esta-
belecidas por ele. Não quero ultrapassá-las, mas não
podemos ignorá-las. Se quisermos ter algum proveito
prático necessitamos entendê-las. Coloco-as na forma
de perguntas:
Poderemos ser assemelhados a Jesus se não tivermos
o mesmo sentimento que ele teve quando se esvaziou?
Creio que não.
Poderemos alcançar o mesmo sentimento que
houve em Cristo Jesus se não olharmos a ele firmemen-
te para aprender que sentimento é este?
Creio que não.
Poderemos alcançar o mesmo sentimento que
houve em Cristo Jesus se não considerarmos que isto é a
realidade mais bela do universo que devemos almejar?
Creio que não.

108
Poderemos alcançar o mesmo sentimento que
houve em Cristo Jesus se não formos iluminados para
entender o profundo contraste entre a humildade dele
e o nosso orgulho, e deixarmos a ridícula ilusão de
que a diferença é pouca e basta-nos alguns pequenos
esforços?
Creio que não.
Poderemos alcançar o mesmo sentimento que houve
em Cristo Jesus se não lutarmos para ser achados nele e fa-
zer dessa semelhança a razão maior de ser de nossa vida?
Com toda a certeza não.

Três reações ao contemplar o esva-


ziamento do Verbo: profunda admi-
ração por ele, profunda vergonha
por nosso orgulho e profundo desejo
de ser transformado à sua imagem.

Deslumbrael e Admirael.
Embora estejamos olhando atentamente a encar-
nação do Verbo, pela leitura de Fp 2.8 entendemos que
o esvaziamento foi crescente e culminou na morte de
cruz. Primeiramente pensei em colocar ao final deste
capítulo nossos amigos conversando sobre a sua per-
plexidade a respeito da crucificação do Senhor Jesus.
109
Mas não consigo nem começar. Sinto como se as con-
versas que fantasiamos até aqui, já são por demais pre-
tensiosas na especulação. Pretender imaginar a reação
dos anjos diante das elevadas realidades celestiais já é
uma audácia que somente a certeza da compreensão
dos meus irmãos me encoraja a fazê-lo. Entretanto, não
tenho paz em meu Espírito para continuar.
A morte de nosso Senhor levando os nossos pe-
cados sobre si, certamente produziu nos céus uma co-
moção que homem nenhum tem o direito de especular.
Quem poderia descrever um milésimo do que passou
no coração do Pai ao abandonar seu amado Filho na
cruz? Poderíamos especular sobre o choque que isto foi
para os anjos, mas prefiro não fazê-lo. Deixemos Des-
lumbrael e Admirael conversando em segredo. Um dia,
na presença de Deus saberemos muitas coisas que agora
nos são vedadas. Sabemos que um anjo veio confortá-lo
no Getsêmani. Que isto nos sirva mais uma vez para es-
panto e admiração. O Criador feito carne necessitando
do consolo de uma de suas criaturas! Quão surpreen-
dentemente humilde é o nosso Deus!
Sobre esta hora quero registrar somente a lembran-
ça de um sermão ministrado anos atrás por meu querido
pai, Moysés. Ele falava sobre Abraão na hora de sacrifi-
car Isaque. Salientava que a ordem de Deus tinha três
afirmações muito significativas (Gn 22.2). Essas afirma-

110
ções não poupavam Abraão do impacto emocional que
iria receber, pelo contrário, o aumentavam. Deus disse:
1. Toma teu filho.
2. Teu único filho, Isaque.
3. A quem tu amas.
Sabemos o restante da história. Abraão foi poupa-
do daquela angustiante dor pela voz do céu que disse:
“não estendas a mão sobre o rapaz”. E Deus, então, lhe
providenciou um substituto. Um carneiro preso pelos
chifres entre os arbustos.
Mas naquele dia tenebroso, em que o coração
do Pai se angustiava ao se aproximar a hora da agonia
do Filho, não houve uma voz do céu para suspender o
sacrifício, tampouco havia um animal para substituir
Jesus. Ele próprio era o nosso substituto. O Pai...
1 Tomou seu Filho.
2. Seu único Filho, Jesus.
3. A quem ele amava...
E o entregou, aos pecadores (At 4.27), ao próprio
pecado (2Co 5.21; Is 53.11-12); à completa morte (Hb
2.9b); às regiões inferiores da terra (Ef 4.9) e aos prin-
cipados e potestades (Sl 22.12).
Quem poderá especular sobre o impacto disto
nos céus? O mínimo perigo para os nossos filhos não
pesa sobre o nosso coração? Quem daria seu filho por

111
amor aos inimigos? O silêncio do Pai no Getsêmani
nos dá uma idéia vaga. Imagino que ele mesmo dese-
jaria cancelar este veredicto, mas não tinha ninguém
superior a si mesmo a quem pudesse rogar para que
fosse poupado daquela indescritível dor. Na verdade,
no coração da trindade, Jesus já estava morto antes da
fundação do mundo (Ap 13.8). Quão amorosamente
sofredor é o nosso Deus e Pai!
A ele, pois, toda a glória, todo nosso louvor, amor
e adoração. E sei de uma coisa que não é fantasia: agora
mesmo, nos céus, miríades de anjos o adoram com a
mais completa exultação e fervor.

112
Parte 2

Tende em vós o mesmo


sentimento

113
114
Capítulo 6

AS MARCAS DE LÚCIFER
NA CARNE HUMANA

Vimos no capítulo três que Lúcifer queria glória. Mas


a glória pertence somente a Deus. Ele não a dá a ninguém
(Is 48.11). A glória é de Deus e não faz bem à criatura
porque não combina com ela. Assim como o casamento
não pertence a uma criança de 5 anos, ou como o ar não
pertence aos peixes, nem a virilidade pertence às mulhe-
res ou tampouco a feminilidade pertence aos homens. A
glória não pertence às criaturas e nunca pertencerá. Ela é
plenamente de Deus. O homem pode gloriar-se, sim, mas
somente em Jesus (2Co 10.17) e na sua cruz (Gl 6.14). Em
nós não há motivos para gloriar-nos, mas sim no seu amor,
bondade, misericórdia, perdão, propósito e tantas outras
de suas benesses. Contudo, temos algo que verdadeira-
mente nos pertence: o corar de vergonha (Dn 9.7,8).
115
Foi muito grande o estrago provocado pela semente
maligna lançada no jardim do Éden. Seduzido pela vaidade,
o homem entrega-se à mentira e abraça a rebelião. Adão
não imaginava quão terrível era o desastre que estava oculto
naquele fruto. Nunca tinha visto ou experimentado a morte
e não conhecia nada sobre o seu grande alcance. Seu espí-
rito tornou-se morto, sem a vida de Deus e sem comunhão
com ele. Sua alma, lugar de seus sentimentos, vontade e
pensamentos, tornou-se confusa, insatisfeita e escrava de
toda sorte de vícios e maus costumes. Passou a ser moradia
de ressentimentos, tristezas e depressões. Seu corpo perdeu
o equilíbrio e tornou-se passível de enfermidades até ao
ponto de voltar ao pó do qual havia sido feito.
Deus, ao ver o homem seguir a serpente, o entregou
ao domínio desta, e a natureza maligna de Satanás veio
a comandar a vida do homem (Ef 2.2). Foi entregue ao
reino das trevas do qual um dia teria que ser libertado.
As duas principais características da serpente tornaram-
se, agora, o modo de vida operante neles: por um lado
tornaram-se naturalmente rebeldes, comandando suas
próprias vidas, e por outro encheram-se de orgulho e
vaidade. Consideram-se como deuses para si mesmos ao
viverem em completa independência e desobediência e,
também, querem ser deuses sobre os seus semelhantes
buscando reconhecimento louvor e honra. Por se tor-
narem rebeldes dizem: “faço o que eu quero”. Por serem
orgulhosos julgam como normal que a carreira humana
seja vivida em função de receber a glória dos homens.
116
Crêem que são mais felizes aqueles alcançaram maior
popularidade. Pobre raça cega. Tornou-se feia como o
anjo caído.

Até onde opera a conversão


Sabemos que a verdadeira conversão é muito mais
do que um “aceitar a Jesus”. A verdadeira conversão é
um novo nascimento, uma completa regeneração. Aten-
de mais do que a um apelo emocional. É tão radical que
Jesus a comparou à morte. Ele disse – tome a sua cruz.
Um discípulo de Cristo é aquele que aceitou o golpe
de morte sobre sua independência e seu orgulho. Ele viu
a humildade e a obediência de Jesus e quer segui-lo. A
dádiva do perdão e justificação no seu sangue não será
motivo para continuar pecando (Rm 3.8; 6.1). Se perma-
necesse no pecado sua fé seria morta. Antes, o amor de
Cristo o constrangeu e ele agora clama por sua semelhan-
ça (Sl 17.15). Menos do que isto é baratear o evangelho
do reino. Richard Baxter, pastor inglês do século 17, dizia
– Jesus não nos salva NO pecado, mas DO pecado.
A conversão, portanto, produz uma mudança ra-
dical. Todas as coisas se fazem novas (2Co 5.17). Jesus
advertiu seriamente sobre os falsos convertidos em Mt
7.21-23, pois desde a sua origem o evangelho já seria
deturpado por muitos para o seu próprio engano e per-
dição. Se Jesus não reina, não há reino e tampouco
117
há salvação. A salvação é pela fé, mas deve ser uma
fé transformadora, ou será morta. Como disse James
Phillips – a fé que justifica é a mesma fé que santifica. E
eu acrescento – Se a fé não regenerou tampouco justifi-
cou. O discípulo de Jesus é aquele que teve seu homem
interior completamente transformado. O coração foi
regenerado (Jr 31.33; Rm 2.29), seu espírito foi unido
ao Espírito de Deus (1Co 6.17); sua mente está sendo
continuamente transformada (Rm 12.1-2) e seu gozo
agora está na lei do Senhor (Sl 1.2; Rm 7.22).
Entretanto, há algo que a conversão não alcança:
a regeneração da carne, porque a carne não se converte.
Nela nunca haverá bem algum (Rm 7.18); seu pendor
será sempre para a morte (Rm 8.5-6). Por isso, somos
exortados a não andar segundo a carne, mas segundo o
Espírito (Rm 8.12-13; Gl 5.16). Esta carne está irreme-
diavelmente marcada por Lúcifer e pela queda. Somente
a veremos erradicada por ocasião da glorificação de nos-
sos corpos na bendita volta de nosso Senhor (1Jo 3.2).
Um novo convertido de uma tribo africana disse
ao missionário: – Sinto dois leões dentro de mim. Um
quer fazer o mal e o outro quer obedecer a Deus. Ele
estava assustado com isto. O missionário disse-lhe que
a bíblia explica esta luta interior em Rm 7.14-25 e Gl
5.17 e então concluiu: – O leão bom é o Espírito e o
ruim é a sua carne. Ao que o nativo perguntou: – E
qual dos dois vai vencer esta batalha? Aquele a quem

118
você der mais alimento – finalizou o missionário. É isto
mesmo que ensina Rm 8.5 quando menciona o pendor
da carne e o pendor do Espírito. Como isto funciona?
• Concentre-se na importância de ganhar maior
salário, dê a isto um valor maior do que o reino
de Deus e logo você se verá escravo da avareza
até ao ponto de roubar a Deus em suas ofertas
e contribuições.
• Seja servo da televisão e veja imagens sensuais
e você logo verá o poder da lascívia e da impu-
reza.
• Fique pensando demoradamente no mal que lhe
fizeram e prontamente estará metido em inimi-
zades, porfias, iras e discórdias.
• Cultive a preocupação com o seu desempenho
diante dos homens e logo você estará cativo do
ciúme, da inveja, da competição e de tantas ou-
tras formas nas quais o orgulho se manifesta.
• Dê importância à sua imagem e logo você se
ofenderá com facilidade e se tornará defensivo.
• Pense por um instante que tem algo de bom que
deve ser reconhecido e o orgulho que habita em
sua carne fará de você um pobre néscio, pois
você não se conterá e atuará de forma soberba
sem nem mesmo perceber. Todos verão seu or-
gulho, mas aos seus olhos isto será oculto, pois o

119
traço mais forte do orgulho é o não reconhecer-
se como tal.
Não quero continuar discorrendo sobre a luta
entre a carne e o Espírito, pois este não é o objetivo
deste livro. A abordagem é a respeito do orgulho da
criatura em contraste com a humildade do Criador.
Apenas cito esta questão da carne para lembrar que
ninguém está livre deste mal. Não há vacina contra
ele. Ele está presente na igreja, na carne de cada ir-
mão. E por falta de clareza e de um verdadeiro com-
bate, manifesta-se de várias formas. Infelizmente está
presente na liderança. Está presente nas conversas,
nas ações e reações. Está miseravelmente presente
nas decisões. É, por isso, a causa de muitos males,
rupturas, desarmonia, falta de diálogo, julgamento
apressado, melindres, partidarismos, estrelismo e ou-
tras carnalidades.
Há homens cujo orgulho é notório, gostam de
gabar-se e não escondem o amor pela popularida-
de. Manifestam um orgulho que chega a ser ingê-
nuo, pois é facilmente identificado. Entretanto, por
causa destes, podemos nos enganar a nosso respeito.
Comparando-nos com eles podemos crer que não so-
mos orgulhosos. Mas quanta sutileza há no orgulho
inteligentemente encoberto. Ele sabe o que poderá
descobri-lo e então o disfarça, até de si mesmo. Nun-
ca poderá escondê-lo plenamente dos demais, mas

120
o ocultará de si mesmo até ao ponto de crer na sua
própria humildade.

Todos verão seu orgulho, mas aos


seus olhos isto será oculto, pois
uma marca básica do orgulho é o
não reconhecer-se como tal.

Foi para desfazer este engano que Jesus disse:


“aprendei de mim que sou manso e humilde DE CORA-
ÇÃO”. Sua humildade não era apenas de aparência.
Ele não precisava controlar seus atos para não agir
com orgulho, mas resolveu esta questão de uma vez
por todas quando “a si mesmo se esvaziou”. Decidiu
não ser nada, nem querer nada e não agir buscando
reconhecimento nenhum. Somente necessitava agra-
dar ao Pai. E isto estava entranhado em seu coração.
Nós podemos ter o orgulho disfarçado. Sabemos
como nos comportar para que os homens não nos con-
siderem orgulhosos, a expressão que devemos fazer, a
resposta que devemos dar e as reações que devemos
ter. E nos esforçamos para manter este disfarce. Mas
há somente uma solução para o orgulho: “Tende em
vós o mesmo sentimento que houve em Cristo Jesus”.
Antes de tudo, precisamos reconhecer o nosso
orgulho. O próximo capítulo visa analisar mais aten-

121
tamente estas manifestações do orgulho, com o objeti-
vo de nos livrar da ilusão de que já somos humildes.

Ele não precisava controlar seus


atos para não agir com orgulho,
mas resolveu esta questão de uma
vez por todas quando “a si mesmo se
esvaziou”.

122
Capítulo 7

ALGUMAS MANIFESTAÇÕES
DO ORGULHO

Quero voltar ao tema que foi abordado no capítu-


lo 5: AS TRÊS REAÇÕES AO CONTEMPLAR O ESVAZIAMENTO
DO VERBO.

1. Profunda admiração por Jesus.


2. Profunda vergonha por nosso orgulho.
3. Profundo desejo de ser transformado à sua ima-
gem.
Destaco o segundo item – vergonha por nosso or-
gulho. O orgulho citado, não é apenas aquele visível a
todos. Há pessoas que falam bem de si mesmas, algumas
chegam ao exibicionismo, ou até mesmo ao estrelismo.
Nesses casos, o orgulho é logo percebido – exceto para
quem o pratica. O propósito de Deus não é “educar”
123
nosso orgulho nem diminuí-lo ou disfarçá-lo, e sim, eli-
miná-lo. O que ele mais deseja é que sejamos como Je-
sus, mansos e humildes DE CORAÇÃO. Para isto devemos
reconhecer o orgulho em todas as suas manifestações,
desde as mais visíveis até aquelas que por falta de luz se
tornaram aparentemente aceitáveis. Quando contem-
plamos a absoluta humildade de Jesus, não pode haver
mais complacência em nossas vidas para com nenhuma
forma de orgulho.
O primeiro passo que devemos dar é o de reconhe-
cer o quanto somos orgulhosos. Devemos nos dar conta
de que o orgulho está entranhado em nossa carne e que
a humildade só pode reinar se houver constante luta
contra ele, através do Espírito de Cristo.
O orgulho é mais facilmente reconhecido quan-
do o homem pensa que é grande coisa diante dos de-
mais. Mas precisamos aclarar o conceito do orgulho,
pois, mesmo uma pessoa com baixa auto-estima pode
ser muito orgulhosa. Ela não pensa que é grande coisa,
mas ela QUER ser, e esforça-se para isto. Isso é orgulho.
A obra do Pai para nos fazer semelhantes ao seu Fi-
lho Jesus precisa ter, em seu início, um ingrediente. Nosso
coração deve ser tomado de uma compreensão. A glória só
cabe bem ao Criador. O papel da criatura é glorificar. E de-
pois da queda, pertence ainda ao homem, se envergonhar.
Alcançar esta verdade, nos livrará da necessidade de ser
grande coisa. E isto será o início de uma obra no coração.
124
Mesmo uma pessoa com baixa auto-
estima pode ser muito orgulhosa. Ela
não pensa que é grande coisa, mas
ela quer ser.

Jesus quer nos livrar deste mal que está arraigado


no meu e no seu coração, para que nossa vida se torne
coerente com a verdade de Deus que nos foi revelada
em Jesus. Vamos ver abaixo como este mal se manifesta
na prática, para que possamos reconhecê-lo, e evitar
seu domínio sobre nossas vidas.

A necessidade de aprovação dos


homens
Esta é a principal manifestação do orgulho no co-
ração. Dela procedem muitas outras. Foi por meio des-
te mal que Lúcifer concretizou a sua queda. Ele quis o
louvor das criaturas no lugar da aprovação do Criador.
Desejou a glória do reconhecimento.
Todos nós necessitamos ser aceitos, amados e re-
cebidos por nossos semelhantes. Isto é natural e aceitá-
vel. Mas o que no princípio era natural, por causa do
pecado, tornou-se maligno, porque tomou o lugar que
era de Deus. João relata que “muitas autoridades creram
em Jesus, mas não o confessaram para não ser expulsos da
sinagoga, porque amaram mais a glória dos homens do que a
125
glória de Deus” (Jo 12.42-43). Arão quis agradar ao povo
e “o deixou à solta para vergonha diante de seus inimigos”
(Ex 32.25). Saul havia sido escolhido por Deus, mas
tornou-se reprovável. Tinha grande inveja da fama de
Davi e em seu orgulho tornou-se desobediente a Deus.
No final, as marcas de Lúcifer eram fortíssimas em seu
caráter; havendo sido reprovado e rejeitado por Deus,
ainda se preocupava em que Samuel o honrasse diante
do povo (1Sm 15.30). Outro exemplo é o de Pedro que
quis agradar aos da circuncisão e, por isso, tornou-se
vergonhosamente repreensível (Gl 2.11-12).
Amar a glória dos homens! Que miséria isto, não?
Quem de nós estará isento deste mal? Aqueles que con-
fessaram a Cristo, de alguma forma já renunciaram a
esta glória louca e vã, deram um primeiro passo de esva-
ziamento. Resta-nos entender que precisamos continu-
ar nos esvaziando, aprendendo com Cristo e nos humi-
lhando até sermos verdadeiramente pobres – humildes
– de espírito (Mt 5.3). E não há nada mais importante
a este respeito do que vencer a necessidade carnal e
pecaminosa de obter a aprovação dos homens.
Não quero insinuar que devamos ignorar a opi-
nião de nossos irmãos. Devemos, sim, buscar a paz e a
harmonia com todos. Agradar aos irmãos naquilo que
for bom para a edificação (Rm 15.2). Devemos ouvi-los
e aceitar a correção que nos fazem – e isto será uma
forma de esvaziamento. Mas que triste será se dermos

126
qualquer passo nesta direção se não for para, na cla-
ra luz da consciência, agradar ao Senhor. Jesus nunca
disse ou fez nada agradável aos homens simplesmente
para ser popular. Ele sempre quis agradar ao Pai, seja
dizendo coisas que o faziam agradável aos homens, seja
para os escandalizar até ao ponto de todos o abandona-
rem. Tinha o coração completamente puro diante do
Pai. Agradou ao Pai até o fim. E escandalizou tanto aos
homens que foi condenado por eles.
Sabemos que a necessidade de aprovação dos ho-
mens é a raiz de muitos males. Observemos alguns:

A fome de elogios.
Este mal se manifesta em todos os níveis, tanto
no mundo como na igreja. No mundo ele é Intenso.
Artistas e jogadores de futebol competem em busca
dos melhores elogios e vivem em função disto. E para
alimentar a auto-idolatria foi criada toda sorte de pre-
miações e reconhecimentos. Por exemplo, o Oscar no
cinema, o melhor do mundo nisto e naquilo. Concursos
para eleger a mulher mais bela, o homem mais muscu-
loso, o melhor jogador de futebol, o homem mais rico.
Não tem fim a busca do homem pelo reconhecimento
e pela glória.
O ideal seria se esta corrupção espiritual ficasse
apenas no mundo e não invadisse a igreja. Que des-
ventura! A carne não se converte, e este mal invade

127
a igreja e segue contaminando mentes e corações. O
Senhor manso e humilde previa isto e deixou o ensino:
“Guardai-vos de exercer a vossa justiça diante dos homens
com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte não tereis
galardão junto de vosso Pai celeste” (Mt 6.1).
Podemos pensar que este mal exista apenas por
breve tempo entre aqueles que são novos na fé e bebês
em Cristo. Mas por estranho que pareça, ele é mais co-
mum entre aqueles que são líderes na casa de Deus do
que entre os demais.
Creio que isto ocorre por um motivo simples:
através dos anos de serviços na casa de Deus, o Senhor
nos usou tantas e tantas vezes para abençoar a muitos,
além daquilo que poderíamos pedir ou pensar. O povo
de Deus tem um coração muito grato por isto. Como
conseqüência, as manifestações de gratidão e os elogios
são intermináveis, ao ponto do exagero. Eles nos procu-
ram, nos abraçam, nos telefonam, nos elogiam e man-
dam e-mails. Estão gratos e por isso cheios de amor,
carinho e palavras elogiosas. Onde está o problema? O
problema é que podemos acabar acreditando naquilo
que eles dizem. Como somos tolos!
Benito, um dos companheiros de ministério diz
que os elogios se tornam uma droga que vicia. Ele a
chamou de “elogina”. E é assim mesmo. Se não discer-
nimos o que é próprio do Espírito de Cristo e o que é
próprio de Lúcifer, poderemos gostar dos elogios até ao
128
ponto de eles se tornarem indispensáveis para o nosso
equilíbrio emocional. Muitos dos irmãos que nos elo-
giam não conhecem bem o princípio que está em Pv
29.5 “O homem que lisonjeia seu próximo arma-lhe uma
rede aos passos”.
Benito escreveu assim: “Lideres na igreja sabem
que prestam serviços da maior relevância à vida das pes-
soas e suas famílias, trazendo-lhes benefícios inestimáveis
e frequentemente são muito honrados, acima do devido, e
se atrapalham nas motivações. Na verdade não deveria ser
difícil a nós, reconhecermos que não valemos nada, e que
nenhuma obra útil podemos fazer por nós mesmos. Mas
o coração é enganoso e, não raramente, nos encontramos
tomando para nós a honra e roubando a glória do Todo
Poderoso”.
Palavras de ânimo, de honra e de reconhecimen-
to são cabíveis no reino de Deus. Paulo reconheceu e
recomendou a Timóteo de maneira muitíssimo honrosa
(Fp 2.19-22) e em suas cartas sempre reconhecia o que
havia de bom nas igrejas (Rm 1.8; 1Co 1.4-8; Ef 1.15-
16; Fp 1.3-5; Cl 1.3-4; 1Ts 1.2-4; 2Ts 1.3-5), mesmo
aquelas igrejas que necessitavam sérias repreensões. O
próprio Senhor, nas cartas às igrejas em Apocalipse, em
meio a muitas repreensões, referia-se àquilo que via de
bom e correto nelas.
No entanto precisamos entender a diferença en-
tre a lisonja que glorifica o homem e a palavra de ânimo
129
que anima o homem, mas exalta a Deus. É nessa hora
que o nosso coração é provado como o crisol prova a
prata (Pv 27.21). Se acreditamos completamente no
elogio e desejamos recebê-lo ainda mais, nosso coração
está revelado e reprovado. Se, entretanto, recebemos
com ternura o amor dos irmãos, cuidamos em corrigir
os exageros, e de coração entregamos toda glória ao Se-
nhor, então estaremos aprovados. Deveríamos acostu-
mar-nos a sair de cada conversa destas com um misto
de três sentimentos.
1. Gratidão ao Senhor por usar os irmãos para nos
animar.
2. Forte sensação de que não somos e não temos
nada e a graça de Cristo é que opera maravi-
lhosamente em nós.
3. Certo senso de humor considerando que o ir-
mão ou irmã que nos elogiou, não enxerga bem
as coisas.
Muito aprendemos sobre isto com nosso amado
irmão Ivan Baker. Todas as vezes em que eu o vi sen-
do elogiado, ele fazia uma careta e dizia: “Por favor, não
falem bem do meu pior inimigo. Ivan é o meu pior inimigo
e vocês não devem falar bem dele dessa maneira”. Isto não
significa que ele não recebia bem nosso amor e carinho
quando lhe demonstrávamos nossa gratidão. Mas ele
diferenciava bem a gratidão que glorificava a Deus, do
elogio lisonjeiro que lhe serviria como armadilha.
130
Amados irmãos, nossa glória é Cristo. Nossa satis-
fação está nele. Sua aceitação é o nosso maior bem. O
Pai nos amou e nos quis. E isto deveria bastar-nos. To-
dos nós necessitamos ser amados, recebidos, aceitos e
valorizados. Isto não é errado. Todavia fomos contami-
nados pelo pecado. Tornamo-nos dignos de vergonha
e desprezo. Esta deveria ser nossa herança. O bendito
Senhor tomou esta herança para si na vergonhosa cruz.
Ali foi pendurado nu. Agora o Pai nos aceita e nos va-
loriza em Jesus seu Filho. Se esta realidade toma a nossa
mente e o nosso coração, somos felizes e satisfeitos. Es-
taremos emocionalmente resolvidos. Não necessitamos
nada mais. Somos miseráveis, mas maravilhosamente
amados, aceitos e valorizados. Somos inúteis e impo-
tentes, mas graciosamente revestidos da capacitação do
Espírito Santo. Se estamos necessitados de aprovação e
de elogios dos homens não estamos vivendo conforme
esta fé, pois “Como podeis crer, vós os que aceitais a glória
uns dos outros, e contudo não procurais a glória que vem do
Deus único?” (Jo 5.44). Que permaneça, pois, em nosso
coração a verdade: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas
ao teu nome dá glória” (Sl 115.1). E todo aquele que me
vir desviando deste caminho, em nome de Jesus, ajude-
me, corrija-me e salve-me de tão grande erro.

A dificuldade para aceitar correção.


Eis um mal mais comum do que estaríamos dispos-
tos a reconhecer. Ele geralmente vem acompanhado do
131
anterior – a necessidade de elogios. Quando se manifesta
nos mais novos, costumamos considerar como rebeldia.
Muitas vezes os consideramos como “bodes” e não como
ovelhas. Pensamos que não podem ser pastoreados. Pre-
ferimos aqueles irmãos que são dóceis e tratáveis!
Entretanto, conforme os anos passam, o saber en-
soberbece e mesmo aqueles que antes foram maleáveis
e fáceis de apascentar tendem a tornarem-se incorrigí-
veis. Não suportam críticas, nem mesmo as feitas com o
maior cuidado e respeito. Entre nós, que estamos inves-
tidos de autoridade, isto é ainda mais grave, pois temos
a tendência de pensar que a simples menção dos nossos
erros destruirá nossa autoridade e prejudicará nosso
ministério. Quanto equívoco! Ouvir sobre nossos erros
nos possibilitará correção e crescimento, tornando-nos
exemplo para todos, pois quem há que não necessite
sempre de correção? Por outro lado, fechar-se e preten-
der uma santidade que só nossa imaginação vê, com o
passar dos anos vai sedimentar-se em visível orgulho.
E este sim afetará nosso ministério e limitará a graça
de Deus que a dá aos que se humilham, ficando nossa
presunção visível a muitos.
Nesse declínio alguns chegam ao ponto de se tor-
narem melindrosos. O melindroso necessita de constan-
te elogio e rejeita toda a critica e correção. O melindre
é uma sirene do orgulho, faz propaganda dele para que
todos o percebam. Pobre melindroso, ao querer defen-

132
der sua imagem, ele próprio a denigre dia após dia, pois
aquele que mais se protege, mais se torna vulnerável.
Tenho pensado sobre a insensatez deste tipo de
comportamento. Quando alguém prefere que os demais
não lhe falem de seus erros, está querendo ignorar o
que para os outros é uma evidência. De que adianta ca-
larem? Pois continuarão pensando a mesma coisa sobre
os seus erros! Melhor que falem e que sejam ouvidos!
Esta atitude pode tornar-nos intocáveis. Os que pro-
curam nos ajudar podem chegar ao ponto de desistir. E
não falar mais nada.
Ficaríamos à mercê de nossa própria sabedoria e
expostos à tolice de confiar em nosso próprio coração
(Pv 28.26). Deveríamos antes entender, que as corre-
ções não demonstram uma reprovação total ou exclu-
são de nossa pessoa, mas são um recurso de Deus para
o nosso aperfeiçoamento.

Pobre melindroso. Ao querer defen-


der sua imagem, ele próprio a deni-
gre dia após dia.

Contaram-me certa vez, uma história cômica e


real, que tragicamente ilustra esta realidade.
Num certo lugar de reunião havia um irmão que
sempre se levantava durante os cultos e fazia a mesma
oração. – Ó Senhor – dizia ele. – Tem misericórdia de
133
mim porque sou um grande pecador. Sou um homem
indigno e não mereço a sua bondade e o seu amor.
Os filhos do pastor eram dois meninos muito es-
pertos e brincalhões e imaginavam que aquele irmão
não poderia estar sendo muito sincero. Um dia decidi-
ram colocá-lo a prova.
Esperaram a reunião terminar, e quando o irmão
ia saindo o interpelaram dizendo.
– O irmão nem imagina o que ouvimos dizer a seu
respeito. Ouvimos alguém falando muito mal do senhor.
Ao que o dito irmão arregalou os olhos, e espan-
tado perguntou:
– O que falaram de mim? – E os garotos responde-
ram segurando o riso – Falaram que o irmão é um peca-
dor muito mau. Na verdade é uma pessoa sem nenhu-
ma dignidade e que só mesmo Deus para perdoá-lo.
Então, em alta voz, excitado e nervoso ele per-
guntou. – Como ousaram falar assim de mim? Quem
fez isto?
Os meninos então já não seguravam o riso e dis-
seram – O senhor mesmo, irmão. Em sua oração falou
essas coisas. – E saíram correndo e rindo.
Este irmão conhecia bem a doutrina da humildade
e da justificação. Jesus ensinou claramente por meio de
uma parábola (Lc 18.9-14). Sabia imitar corretamente

134
ao publicano arrependido. Só não tinha o coração que
nesta parábola Jesus estava ensinando a ter. Na verdade
seria engraçado se não fosse tão comum. É, sim, muito
comum, que em oração ou até em conversas se diga
aquilo que sabemos ser doutrinariamente correto e de
aparente humildade, mas logo, a seguir, se demonstre
indignação se alguém nos acusar com as mesmas pala-
vras que usamos na oração.
Esta é a humildade que é de palavras e não de
coração. Precisamos aprender com o Mestre manso e
humilde. Ele não tinha erros para reconhecer, mas não
se melindrava com críticas até mesmo de seus irmãos.
Além disso, Jesus, como o Esvaziado, reconhecia o que
era. Como homem destituído da glória que tinha antes
que houvesse mundo (Jo 17.5), ele admitia e confessava
sua necessidade do Pai e dele dependia. Se quisermos
aprender com Jesus temos que reconhecer o que somos.
Não apenas homens limitados e necessitados que de-
pendemos do Pai celeste. Além disso somos cheios de
todo tipo de erros, fraquezas e até mesmo pecados de
caráter que persistem. Precisamos sempre da correção
de nossos irmãos.
A correção que vem da igreja, seja ela amorosa ou
rude, é uma das grandes bênçãos que o Senhor provi-
denciou para a nossa edificação. Que grande desperdí-
cio cometemos quando dela fugimos.

135
Há uma outra história. Esta nos mostra uma
atitude oposta a da história anterior. É um excelente
exemplo para nós. Refiro-me a Davi. As suas orações
de arrependimento foram profundas e de todo coração.
O salmo 51 brilha diante de todos os pecadores, apon-
tando o caminho da verdadeira contrição. Queremos
aprender como se expressa um coração verdadeiramen-
te arrependido? Leiamos este salmo com atenção e al-
cançaremos a sabedoria que nos aproximará do coração
do Altíssimo.
Entretanto, alguém pode perguntar: “Davi era um
experimentado poeta e hábil com as palavras. Como sa-
beremos se sua oração era apenas fruto desta habilidade
ou se continha verdadeiros elementos de contrição e
quebrantamento?” Sugiro uma forma bem prática de
comprovar isto. Para sabermos se a oração diante de
Deus foi autêntica, basta olhar sua atitude diante dos
homens.
Leia com atenção 2Sm 16.5-14. Que história ex-
celente! Davi fugia de seu filho Absalão. Os castigos de
Jeová por seu grande pecado já eram tantos que poucos
o suportariam da forma como ele suportou. Amnom
comete incesto, Absalão, seu irmão o assassina e depois
se rebela. Que pai suportaria isto sem cair em profunda
amargura? Agora Davi está fugindo de seu filho Absa-
lão e é apedrejado por Simei, parente de Saul, com toda
sorte de maldições e acusações. Seus companheiros

136
querem defendê-lo cortando a cabeça de Simei. Nesta
hora Davi comprova diante dos homens seu profundo
quebrantamento diante do Senhor. Defende Simei e
ainda diz. – “o Senhor lhe disse. O Senhor lhe ordenou”.
Davi estava tão consciente de sua indignidade diante
de Jeová que já não tinha como defender-se. Conside-
rava justa e procedente do Senhor qualquer acusação
dos homens, mesmo a mais descabida.
Que contraste entre as duas histórias das quais to-
mamos conhecimento! Qual delas você crê que espelha
melhor o seu coração, querido leitor?

Outras manifestações de orgulho.


Há outras manifestações, que, por não serem de
acintosa presunção ou vaidade, acabam por se torna-
rem comuns e aceitáveis, inclusive entre renomados
lideres.

Falta de retratação autêntica equivalente ao erro.


Se temos dificuldades em aceitar correção e reco-
nhecer nossos erros, quando porventura o fizermos, exis-
te a tendência de o fazermos superficialmente. Nossas
fraquezas e pecados geralmente ofendem e trazem danos
aos demais. Se falamos indevidamente, ou ofendemos,
ou julgamos, ou difamamos alguém, nossos pecados po-
dem ter causado profundas feridas Se pela obra da graça
137
chegamos a perceber nosso mal, devemos estar prontos
para que nossa retratação seja sincera e profunda. Deve-
mos comunicar nossos sentimentos da forma mais inten-
sa possível. Muitas vezes isto demandará um conserto
diante de outras pessoas que foram envolvidas.
Entretanto, nessas ocasiões o orgulho novamente
se levantará e vai querer resolver tudo da forma mais
rápida e menos sacrificial possível. A velha preservação
da imagem volta a reinar e o Espírito de Cristo é mais
uma vez ignorado.

Exigência de retratação equivalente ao erro.


Isto também é uma forma de orgulho. Aquele que
se julga ofendido pode exigir um conserto ao seu gosto.
É uma forma de dizer que não tolera ver a sua imagem
maculada ou sua dignidade desrespeitada sem a devida
retratação.
É o contrário da atitude do pai, na parábola do
filho pródigo, que manifestou alegria e pleno perdão à
simples visão do filho que retornava. Se Deus agisse as-
sim conosco, não poderíamos ir nem para o céu nem
para o inferno, pois teríamos que passar a eternidade
em algum departamento de retratação.

Julgamento com difamação.


Eis uma questão controvertida que provoca inú-
meros males. Controvertida porque temos dificuldade

138
de entender o nosso limite. Como conseqüência, pode-
mos causar profundas mágoas e algumas perdas.
Por um lado Jesus disse que não devemos julgar
(Mt 7.1-2); mas por outro lado, Jesus e Paulo se referi-
ram muitas vezes a um tipo de julgamento que deve ha-
ver na igreja. Aquele que é espiritual deve julgar (1Co
2.15); a igreja deve julgar os que se dizem irmãos, mas
demonstram conduta ímpia (1Co 5.11-13); não somen-
te podemos, mas até devemos julgar os falsos irmãos (2Jo
7-11), discernir os falsos profetas (Mt 7.15) e os falsos
apóstolos (Ap 2.2); Na igreja deve haver quem julgue
os litígios (1Co 6.3-5); devemos julgar todas as profecias
(1Co 14.29) e julgar todas as coisas (1Ts 5.21). Na ver-
dade estamos todo o tempo julgando. É impossível viver
sem julgar. Cedo as crianças aprendem a julgar entre
seus parentes quais são os que lhes agradam e dos que
devem fugir. À medida que vão crescendo, aprendem
a julgar cada vez melhor. Com base neste julgamento
escolhem amigos, cônjuge, trabalho e tudo mais.
Então do que Jesus estava falando quando nos
proibiu de julgarmos uns aos outros? É necessário que
interpretemos as suas palavras do contrário ficaremos
confusos com os textos bíblicos que nos mandam julgar.
Creio que está relacionado com o orgulho. O julgamen-
to que Jesus proibiu é aquele que nos faz presunçosos e
chegamos a tomar o lugar que é de Deus. Ele se expres-
sa das seguintes maneiras:

139
1. Quando julgamos sem ouvir a pessoa que está
sendo acusada. Esta forma de julgamento nos faz piores
que os ímpios, pois neste mundo a pessoa que é julgada
tem o direito de defender-se, e o faz através de um ad-
vogado, um profissional que passou anos numa universi-
dade para aprender como fazer a defesa de um acusado.
Pois na igreja é muito comum que se julgue sem que a
pessoa em questão possa manifestar-se. Quando julga-
mos assim, estamos nos colocando orgulhosamente no
lugar de Deus, pois julgamos como se soubéssemos todas
as coisas e não precisássemos ouvir a ninguém.
3. Quando o julgamento é sobre as motivações
e o caráter daquele a quem julgamos. Quando Paulo
disse para julgarmos todas as coisas, estava falando das
coisas em si e não das pessoas envolvidas nelas (exce-
tuando-se os casos de pecados graves ou de heresias,
nos quais já vimos os textos em que as próprias pesso-
as devem ser julgadas, para que sejam disciplinadas ou
para que delas nos afastemos). Mas há muitas coisas
que temos que julgar. Podemos e devemos julgar aquilo
que outros irmãos estão pregando. Podemos até mesmo
demonstrar nosso desacordo. Mas a presunção e o or-
gulho afloram quando somamos a este julgamento líci-
to, um julgamento de caráter e aí concluímos: “Fulano
faz assim ou procede desta maneira porque ele é...” E
após este “é...” fazemos penosas acusações de caráter.
Novamente estamos agindo como se fôssemos o próprio
Deus e trazendo sobre nós mesmos o seu juízo.
140
3. Passamos adiante este juízo que fazemos.
Esta atitude presunçosa raramente se detém nas
duas manifestações anteriores. Se temos a presun-
ção de nos colocar no lugar de Deus e julgar nossos
irmãos sem ouvi-los, ou se mesmo ouvido-os chega-
mos ao ponto de estabelecer um veredicto do tipo (é
interesseiro, quer aparecer, quer a primazia, é frouxo,
é radical, é proselitista, é isto, é aquilo outro), por
certo que vamos considerar como direito e até dever
apregoar este veredicto aos quatro ventos. É nessa
hora cruel, da difamação, que se consuma a presun-
ção de tomarmos o lugar de Deus como legislador e
juiz (Tg 4.11-12).

O orgulho de manifestar humildade.


Quem de nós nunca participou de alguma con-
versa bem humorada, aonde alguém, brincando, disse
– eu me orgulho da minha humildade – ou algo pareci-
do com isto? Nessa hora nós nos rimos. Ninguém com
um mínimo bom senso falaria isto seriamente.
Mas sem perceber, podemos fazer algo seme-
lhante. Querendo parecer humildes podemos con-
descender com o que é de Deus. Se alguém, para
agradar a outros, pretende ser humilde abrindo mão
daquilo que Deus falou, creio que se equivoca. Se
desprezarem a nós, devemos aceitar, mas se despre-
zarem aquilo que Deus nos falou, não devemos con-
descender.
141
Creio que só há uma forma de nos livrarmos des-
se erro: mantermos em nosso coração o firme propó-
sito de agradar a Deus e não aos homens. O Senhor
não está buscando simplesmente atos que demonstrem
humildade. Ele olha para o nosso coração. O que ele
busca é uma atitude como a de seu amado Filho. O
esvaziamento, a sincera renúncia da glória dos homens.
E muitas vezes colocará isto a prova para que apren-
damos. Muitas vezes exigirá de nós um procedimento
que levará os homens a nos julgarem orgulhosos. Então
estaremos diante de um dilema. –Obedeço ao Senhor
e sou julgado como um orgulhoso pelos demais, ou me
calo e sou tido por humilde? Não pense que Deus não
o colocará diante desta prova, pois certamente o fará.
Ele quer o nosso coração inteiramente para si e vai nos
levar ao despojamento de todo orgulho, inclusive o da
fachada de humildade.
Deus exigiu isto dos profetas, dos apóstolos e prin-
cipalmente de seu Filho Jesus. A maior acusação contra
o Senhor Jesus foi de orgulho, por querer fazer-se igual
a Deus. E Jesus não tinha o direito, para parecer humil-
de, de retirar esta afirmação. Assim também Paulo, aos
olhos de alguns parecia orgulhoso ao acusar fortemente
aos judaizantes, mas também não tinha o direito de se
calar para parecer um humilde conciliador.
Se estas últimas palavras o confundem e você co-
meça a pensar que é muito difícil saber como agir em

142
cada situação, não se aflija. Há uma direção simples e
segura. Ame sinceramente ao Senhor e queira agradá-
lo acima de tudo. Ele o guiará. E se alegrará.
Mas cuidado! Jamais use este argumento, de que-
rer agradar a Deus, para simplesmente manter sua tei-
mosia e inflexibilidade diante dos irmãos, pois Ele verá
isto e não o aprovará.

O orgulho do “nós”
Em Mc 9.38 vemos João falando com Jesus. Ele
dizia: “Mestre, vimos um homem que em teu nome expelia
demônios, o qual não nos segue; e nós lho proibimos, porque
não seguia conosco”. Jesus imediatamente corrigiu aos
discípulos: “Não lho proibais. Quem não é contra nós é
por nós” (vs. 39).
Certa vez ouvi de meu pai que os discípulos aqui
estavam fundando a primeira seita da história da igreja.
A seita do “nós”. É assim até hoje. Perto de minha casa
há um templo evangélico que por muitos anos exibiu
uma placa assim: “Igreja ... a igreja que prega o que a
bíblia ensina”. Ou seja, no conceito deles, todos os de-
mais não respeitam a palavra de Deus.
Esta forma infantil de orgulho é uma das mais co-
muns na igreja. Geralmente é um orgulho grupal e não
individual. É comum encontrar irmãos que influencia-
dos pelo meio em que vivem pensam que estão no único
lugar do mundo em que verdadeiramente se conhece a
143
Deus. Em todos os demais não há poder de Deus nem
conhecimento das escrituras.
Não creio que sejamos orgulhos por crermos fiel-
mente naquilo que nos ensinaram no meio cristão em
que vivemos. Se nós cremos que o ensino vem da pala-
vra de Deus devemos nos apegar a ele e nunca nos des-
viar. Mas isto não dá o direito de nos sentirmos melhores
que os outros, nem como grupo, nem como indivíduos.
Paulo tinha maior e mais clara revelação do que todos
os demais. E lutava bravamente em defesa daquilo que
o Senhor lhe havia revelado, mas nunca se considerou
pessoalmente superior a ninguém. Pelo contrário, via-
se como o principal dos pecadores e como um indigno
do apostolado.
Procurei destacar acima algumas das manifesta-
ções de orgulho que considero como as mais danosas
para a comunhão e edificação da igreja. Mas há muitas
outras que não vamos abordar aqui.

144
Capítulo 8

O ORGULHO NO SERVIÇO
DA CASA DE DEUS

Auto-suficiência
Esta é a mais comum e a mais constante das formas
de manifestação do nosso orgulho. A auto-suficiência se
reveste de maior gravidade quando permanece naque-
les que são investidos de autoridade na igreja. Estamos
sempre pensando que podemos fazer as coisas. E o maior
dos sintomas deste mal é a escassez de oração. Quando
é que mais oramos? Quando as circunstâncias ao nosso
redor estão mais críticas e nossa fraqueza aparece, então
mergulhamos em constantes momentos de oração. Mas
se as coisas estão bem, oramos menos.
Mas Jesus disse: “Sem mim nada podeis fazer”. Ora,
deveríamos então orar constantemente e pelas mais
145
simples necessidades. Não foi esta uma das maiores
provas do esvaziamento de Jesus? Nada sabia sem o
Pai. Nada fazia que não fosse por direção do Pai. E por
isso orava tanto. Não apenas porque amava o Pai, mas
porque precisava dele. Jesus sentia que sem o Pai ele
não era suficiente. E isto é o contrário de nossa orgu-
lhosa auto-suficiência.

Demonstração de eficácia
Por demonstração de eficácia nos referimos àque-
le esforço para demonstrar resultados e comprovar su-
cesso diante dos homens. Exibem-se números, constru-
ções e realizações de todo o tipo.
Quanto contraste com Jesus. Ele fazia milagres
impressionantes, mas solicitava que não o divulgassem.
Não se envergonhava de andar com as pessoas humil-
des e desprezadas. Não se envergonhou de formar sua
mais importante equipe ministerial com homens iletra-
dos e desprezados pelas elites. Ele mesmo não fugiu da
profissão que lhe dava fama de homem simples – “o
carpinteiro”. Sendo o maior de todos os mestres amou a
programação que o Pai fez: morrer tendo apenas um po-
vinho como resultado de seu trabalho, deixando o cres-
cimento e o sucesso nas mãos de seus rudes discípulos.
Ó quanta glória! Foi por isso que o Pai o amou. Ele era
o perfeito anti-Lúcifer. O anti-Adão. O anti-pecado.
146
Creio sinceramente que foi por assemelhar-se
a esta atitude que Deus se agradou tanto de Davi ao
ponto de dizer que este era segundo o seu coração (At
13.22). Era segundo o coração de Deus porque tinha
um coração anti-Lúcifer e semelhante ao do Senhor Je-
sus neste aspecto. Deveria nos surpreender o fato de
que mesmo ele tendo pecado tão gravemente, depois
disto, por muito tempo, Deus se referia ao rei Davi com
terna recordação (2Rs 14.3; 18.3; 22.2 – quatro séculos
depois!). Ocorre que Davi não buscava a glória dos ho-
mens. Não buscava glória para si mesmo (Sl 131.1-3),
mas desejava ardentemente a glória de Deus em Israel
(Sl 132. 1-5). Queria construir o templo não para ser
reconhecido, mas para ver a glória de Jeová. Quando
Deus o proibiu por ser homem de guerra, ele manteve
firme o propósito da construção através de Salomão,
seu filho. Doou grandes somas em ouro de seu tesou-
ro real e levantou ofertas entre o povo de modo que
Salomão de nada veio a precisar. Davi amava a glória
de Jeová, e Jeová muito o amou. Não foi por acaso que
Jesus, segundo a carne, veio da descendência de Davi.

Exigência de acato
Lúcifer queria não somente glória, mas também
o poder. Nós, os que exercemos autoridade na igreja,
também podemos cair facilmente nesta armadilha do
pecado.
147
Já não é uma honra estranha que tenhamos rece-
bido tanta autoridade? Tomamos decisões que incidem
sobre dezenas, centenas e em alguns casos milhares de
pessoas. Definimos rumos para a igreja. Aconselhamos
as pessoas em áreas da maior importância em suas vi-
das. Já não é demais para um pobre mortal? A submis-
são que tantos amados irmãos nos concedem deveria
nos constranger.
Por que buscaríamos ser inquestionáveis em nossas
decisões? Por que julgaríamos que nossa sapiência é tão
soberana? Que outra coisa se não o veneno de Lúcifer
em nossa carne nos faria detestar o ser contrariados?
Mais uma vez Jesus é o nosso modelo. Ele foi o
mais sábio de todos os que já andaram pela terra, mas
com que paciência suportou a contrariedade dos que
por não o compreenderem se escandalizavam nele, tan-
to seus conterrâneos (Mt 13.57), quanto seus próprios
discípulos (Jo 6.60-61).

Mais autoridade que submissão


Para que possa exercer seu ministério com eficácia
e conduzir os irmãos pelos caminhos do Senhor, Deus
investiu de muita autoridade a liderança da igreja. Es-
tes líderes devem tomar decisões que interferem na
vida de todo o povo de Deus. Estabelecem programas
de trabalho, estratégias de ação e toda sorte de eventos
148
e atividades. Além daquilo que é organizacional, estes
homens exercem ainda a sua influência sobre a própria
vida particular dos irmãos. Recebem da parte do Se-
nhor a autoridade para esclarecer a doutrina, instruir os
irmãos em todas as áreas de suas vidas, insistir, corrigir,
exortar e até mesmo disciplinar.
Devemos reconhecer que esta é uma questão
muito delicada, pois todos estamos sujeitos a erros, e
quando um líder falha ele pode causar muitos males.
Só há uma garantia: que todos na igreja se sujeitem,
principalmente os que estão investidos de autoridade.
Estes devem ser os primeiros a dar exemplo. Um dos
maiores males da igreja são os líderes solitários que não
se sujeitam a ninguém.
Somente o orgulho da carne pode sustentar este
tipo de atitude. Como explicar que alguém exerça au-
toridade sobre os demais ao mesmo tempo em que ele
mesmo não se sujeita a ninguém? Parece que a autori-
dade recebida é vista como um atestado de competên-
cia e aprovação e que já não é necessário sujeitar-se.
Mais um engano que provém do orgulho.
Paulo disse: “sujeitando-vos uns aos outros”. No
Novo Testamento vemos como as lideranças pratica-
vam este ensinamento. Não havia líderes independen-
tes. Em todos lugares onde a igreja surgia, pastores e
presbíteros se sujeitavam às equipes apostólicas que
havia. Seja à de Paulo e seus companheiros no mundo
149
gentio, seja à dos doze de Jerusalém no mundo judeu. E
os próprios apóstolos sujeitavam-se uns aos outros nos
seus relacionamentos. Paulo repreendeu a Pedro diante
de todos e este evidentemente acatou a repreensão (Gl
2.14). O mesmo Paulo dependia tanto de seus compa-
nheiros, que quando o próprio Senhor lhe abriu uma
porta para a pregação em Trôade, não encontrando
a Tito, ficou sem paz para aproveitar a oportunidade
(2Co 2.12-13). A sujeição entre eles era tão consisten-
te que quando não foi praticada entre Paulo e Barnabé,
isto foi surpreendente para todos e destacado como
coisa anormal e indesejável
Nestes anos de serviço na casa de Deus, tenho
observado que aqueles homens que nunca se sujeitam
a ninguém são, justamente, os mesmos que usam a sua
autoridade com maior intensidade. Reúnem em torno
de si, homens e mulheres subservientes. Abusam da fé
dos simples e os atemorizam com ameaças de todo tipo.
Ai de quem os questionar ou desobedecer! Mas eles
mesmos consideram-se inquestionáveis e intocáveis.
Há algo de Lúcifer nesta atitude. É lamentável
constatar que haja tantos que se sujeitem a isto. Paulo
mencionou esta atitude tolerante na sua segunda carta
aos coríntios: “Tolerais quem vos escravize, quem vos devo-
re, quem vos detenha, quem se exalte, quem vos esbofeteie no
rosto” (2Co 11.20). Os evangélicos costumam repudiar o
Papa, mas que faremos quanto aos nossos “papinhas”?

150
A pompa dos títulos.
O que é um título? É um reconhecimento que se
recebe, pelo qual a sociedade nos dá o direito de colocá-
lo antes de nosso nome. Por exemplo: “doutor”. Por isso,
devemos por respeito a este direito adquirido, chamar
alguém de “doutor Fulano” ou “professor Beltrano”.
A função ou ofício que alguém exerce na socieda-
de nunca deve ser usada na frente do nome como um
título. Soa estranho. Por exemplo: “dentista Fulano” ou
“balconista Beltrano”. Quem não tem nenhum título
não deve usar nada. É só fulano ou beltrano.
Jesus nunca nos conferiu um título. Deu-nos funções
de serviço. Quando alguém está sendo reconhecido como
pastor não está sendo promovido, está sendo rebaixado.
Antes era um servo como todos os demais servos do Se-
nhor. Agora está sendo rebaixado a servo dos servos. Isto
se evidencia na parábola do servo vigilante (Lc 12.42).
Um pastor recebe autoridade sim, para servir na
igreja, mas é um engano confundir esta autoridade com
um posto de proeminência com direito a título. Pau-
lo disse que os apóstolos tinham autoridade na igreja
acima dos pastores e dos profetas (1Co 12.28 – e isto
confere com At 2.42), mas qual a proeminência que
eles tinham? “Em último lugar... lixo do mundo, escória de
todos”. (1Co 4.9-13 – na mesma carta!). Ser apóstolo,
então, é mais rebaixamento ainda.
151
Por que então usamos esta função de serviço na
frente do nome, como se fosse um título? “Pastor Fulano”!
E agora isto já não basta, pois temos “Apóstolo Beltrano”
e “Bispo Mengano”. Onde isto vai parar? Onde lemos
Paulo ou Pedro fazendo isto? Paulo era Paulo e Pedro era
Pedro. O próprio Senhor Jesus ama que seu povo o tra-
te simplesmente pelo nome. Nunca vi ninguém orando
– Pastor Jesus. Mas apenas Jesus, ou então amado Jesus.
Quantos pastores se escandalizariam se os irmãos sim-
plesmente os chamassem de “querido Fulano”.

Política partidária.
No exercício de autoridade podemos ser tentados
a tomar decisões que favoreçam o nosso ministério em
detrimento de outros. Isto manifesta orgulho e é uma
afronta a glória de Deus. É o que chamamos de polí-
tica partidária. Aproxima-se do comércio que Lúcifer
fez por ocasião de sua rebelião: usou dos dons e da sua
autoridade para se promover.
Da mesma forma podemos fazer comércio se usar-
mos desta autoridade para favorecer aqueles que são
próximos a nós. Devemos, antes, decidir sempre em fun-
ção do que é mais justo e melhor para a glória de Deus
e a edificação da igreja. O contrário disto demonstrará
um coração desejoso de grandeza. A influência dos in-
teresses sobre as deliberações na igreja leva a decisões
carnais que desagradam profundamente ao Senhor.
152
Capítulo 9

CURANDO-NOS POR MEIO


DE JESUS CRISTO.

Nos quatro primeiros capítulos nos dedicamos a


olhar para Jesus. Nosso alvo foi o de ajudar nosso leitor
a admirá-lo na humildade do seu esvaziamento, alcan-
çando, assim, o primeiro item de nossa proposta.
No capítulo 5 nos referimos ao impacto que esta
visão de Jesus deve produzir em nós: TRÊS REAÇÕES AO
CONTEMPLAR O ESVAZIAMENTO DO VERBO.

1. Profunda admiração por Jesus.


2. Profunda vergonha por nosso orgulho.
3. Profundo desejo de ser transformado à sua ima-
gem.
Nos capítulos 6 e 7 nos dedicamos a olhar um
pouco para nós mesmos, pois não basta dizer que somos
153
diferentes de Jesus, precisamos saber no que somos di-
ferentes. Diagnosticar nosso orgulho para chegar a re-
pudiá-lo. Este é o segundo ponto de nossa proposta.
Queremos encerrar, abordando o terceiro e último
ponto: O DESEJO DE SER TRANSFORMADO À SUA IMAGEM.
Para isto devemos voltar ao ponto inicial: o Senhor Jesus.
Ele é o motivo e a razão de ser deste livro. Se estivemos
por alguns capítulos olhando para nós mesmos e para as
muitas formas de manifestação do nosso orgulho, foi ape-
nas para ver o contraste entre nós e ele, admirá-lo ainda
mais, e desejar de todo coração a sua semelhança.
Estou convencido de que este propósito de ser à
imagem do Filho de Deus não deve ser almejado como
uma “coisa” espiritual, um “status de crescimento” um
“nível de maturidade”. Estes desejos podem conter ne-
les mesmos a própria essência do orgulho. Não devemos
almejar um “nível de espiritualidade”. O Espírito Santo
está trabalhando em nós para produzir algo maior: o
amor a Cristo e a tudo o que ele é.
Fazer-nos semelhantes ao seu Filho: eis a mara-
vilhosa intenção e proposta do Pai. Nossa reação mais
natural é de espanto e quase incredulidade. Será que po-
deríamos? Não é o seu coração tão perfeitamente puro?
Sua humildade e mansidão não são tão absolutas que se
tornam inatingíveis? Mas estas perguntas não deveriam
ser feitas. As promessas são muitas: “até que todos chegue-
mos...” (Ef 4.13); “aquele que começou a boa obra em vós
154
há de completá-la” (Fp 1.6); “O meu conselho permanecerá
de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.10).
Acima de todas estas promessas, como sólido fun-
damento para nossa fé, estão as maravilhosas declara-
ções da escritura a respeito da pessoa de Jesus. Uma das
que mais me impactam é a declaração de João Batista.
“Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”.
Por muitos anos os meus olhos estavam apenas na
primeira parte da frase – Cordeiro de Deus – Ela desta-
ca por um lado a sua mansidão de cordeiro e por outro
lado sua designação como aquele que iria ser sacrifica-
do em nosso lugar para remissão dos nossos pecados.
Mas a segunda parte contém também um rico tesouro.
Certa vez, estando em viagem com minha esposa,
o Espírito santo me surpreendeu maravilhosamente. Nós
dois estávamos em silêncio e eu dirigia absorto em meus
pensamentos. Sem nenhum aviso prévio o Espírito me re-
cordou deste texto de uma forma tão enfática que eu logo
percebi que era ele querendo falar comigo. Minha mente
se encheu de perplexidade e de perguntas. Então eu come-
cei a imaginar um diálogo entre mim e João. E eu dizia:
– Como? Ele faz o quê? – E João respondia:
– Ele TIRA o pecado.
– Como? – perguntava eu – Há muito pecado no
mundo, João! Milhões de pecadores com todo tipo de
pecado! Você não está exagerando?
155
– E João apenas repetia – Eu disse que ele TIRA o
pecado do mundo.
Eu tentei mais uma vez.
– João, o pecado está arraigado na natureza huma-
na. Mesmo aqueles que querem servir a Deus têm muita
luta contra o seu próprio pecado. Como um só homem
poderia fazer isto? E que homem é este?
E João, impassível e sorridente afirmava:
– É simples. Ele é Jesus. Ele é perfeito. É poderoso.
Sua encarnação, morte, ressurreição e exaltação destro-
em o poder do Diabo e da carne (Hb 2.14; Rm 6.6). ELE
TIRA O PECADO DO MUNDO.

Que tremenda e preciosa verdade! Ao olhar para


o mundo, a força de Satanás e a malignidade da carne
parecem ser entidades indestrutíveis. A tendência é de
crermos que não há remédio. Porém os céus nos presen-
teiam com maravilhosa cura. Não um simples paliativo,
mas uma solução completa. JESUS, o “Deus Forte” de
Isaías. ELE TIRA O PECADO DO MUNDO.

Olhando para Jesus.


Este foi um dos tópicos do primeiro capítulo. Na-
quela oportunidade destacamos a importância de olhar
para Jesus (Hb 12.2). Deixamos uma outra parte para
dizer agora, pois queríamos começar e terminar olhan-
156
do para ele. Ele é o Alfa e o Ômega. O princípio e o fim.
Pois que seja assim para nós, não apenas neste livro,
mas em todo nosso viver.
O texto diz: “Olhando firmemente para o autor e
consumador da fé, Jesus”. E cada uma destas expressões
é importante.

Olhando
Você tem olhos espirituais. Use-os. De tudo o que
Deus colocou em nosso ser não há nada mais importante
do que este espírito dotado de olhos. Eles podem con-
templar a Deus. Contemple-o por meio de Jesus Cristo.

Firmemente
Quer dizer contínua e intensamente. Se você
olhar para Jesus alguns minutos ou só nas reuniões da
igreja e passar o restante do tempo olhando para seus
problemas, sua pequena conta bancária, a situação do
seu país e do mundo, suas próprias fraquezas e derrotas,
os pecados dos irmãos e as debilidades da igreja, não
haverá grande esperança para você. Desta forma você
viverá um pessimismo crescente. Mas, se não tirar os
olhos do Senhor Jesus, vai ver uma revolução se desen-
volvendo dentro do seu coração.

O autor e consumador da fé
Aquele que um dia produziu a fé em seu coração e
lhe deu uma nova vida, e uma nova esperança, é o mes-
157
mo que fará com que esta fé cresça e seja plenamente
consumada. A fé que o trouxe até o reino de Deus foi
gerada por Jesus. A fé para você completar a carreira
será garantida por ele também.

Jesus
Ame ao querido Pai celeste, dependa do seu Es-
pírito Santo, mas olhe para Jesus, pois foi assim que o
Pai determinou. Nele há uma profundeza interminável.
Passaremos toda a eternidade contemplando-o e sua
beleza nunca se esgotará.
• Contemple seu poder criador e a diversidade e
abundância da sua criação.
• Dedique-se a meditar na indescritível humil-
dade da sua encarnação. Se você quer vencer
o seu orgulho contemple-o como um pequeno
bebê na manjedoura de Belém.
• Contemple sua vida perfeita e tão agradável ao
Pai e a maravilha de seus ensinamentos. Des-
frute de sua sabedoria ao responder aos fariseus
e da doçura de sua misericórdia para com o im-
petuoso Pedro, a rejeitada Maria Madalena e o
espantado Zaqueu.
• Deixe seu coração apascentar-se com o valente
amor de sua cruz. Comova-se com seu brado:
“Eli, Eli, lemá sabactâni”.

158
• Deixe também que seu coração se contagie com
a mesma alegria que inundou os discípulos ao
vê-lo ressuscitado. “Tragada foi a morte pela vitó-
ria” (1Co 15.54).
• Exulte com os santos anjos no céu, porque ele
para lá voltou e está assentado em glória e ma-
jestade. É o Rei dos Reis e Senhor dos Senho-
res. Todos os anjos o adoram.
• Não se esqueça de olhar sempre para aquilo que
maior poder lhe dará. Ele não está apenas no
céu, mas também veio habitar poderosamente
dentro de você. Ele é a sua vida, sua redenção
e santificação. Foi dado pelo Pai na cruz para
morrer em seu lugar e agora foi dado como pre-
sente a você para viver em seu lugar. Aprenda a
viver por meio dele e a concupiscência da carne
perderá o seu poder.
• E se você quer ser mais santo, determinado e
feliz, olhe todos os dias para a bendita promessa
de sua poderosa vinda. Ele virá. Ele virá. Ele
virá. Maranata!

O poder deste olhar.


Hebreus 12 nos ordena que olhemos para Jesus.
Mas há outro texto que poderá nos motivar ainda mais.
Ele não contém uma ordem, mas proclama uma verdade
159
e declara uma profecia: “E todos nós com o rosto desven-
dado, contemplando, como por espelho, a glória do Senhor,
somos transformados de glória em glória, na sua própria
imagem, como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18).
Perceba, querido irmão, como é poderoso este Je-
sus. Na bíblia está escrito pouco sobre imitar a Jesus e
muito a respeito de olhá-lo. Isto é para que não pense-
mos que viver como Jesus é resultado dos nossos esfor-
ços. O texto acima expressa algo incrível, surpreenden-
te! Repete a grande promessa: vamos ser transformados
à sua própria imagem! Mas a melhor notícia é que isto
acontecerá simplesmente por contemplá-lo! Quão po-
deroso é o nosso Cristo! Basta olhar para ele!
A Bíblia também nos ensina sobre esforço, perse-
verança e até sacrifício. Entretanto, tudo isto será em
vão se não olharmos para Jesus. Ao passo que se nos
mantivermos olhando para ele, o próprio Jesus se en-
carregará de nossa perseverança e piedade.
Assim fez Maria. Enquanto Marta andava ocupa-
da com muitos serviços, Maria estava aos pés de Jesus,
olhando-o e ouvindo-o. Jesus então disse que pouco
era necessário, ou mesmo uma só coisa: fazer o que Ma-
ria estava fazendo. (Lc 10.42).
Olhar para Jesus não vai ser apenas o segredo de
nossa transformação, mas também vai agradá-lo muito.
Nossa relação com o Senhor é tipificada em Cantares
de Salomão. Neste livro lemos sobre algo que agrada
160
muito ao noivo: que a noiva tenha os olhos como os da
pomba. Isso ilustra a nossa atitude de estar mansamen-
te olhando para ele. E mostra o contentamento dele ao
dizer: “Eis que és formosa, ó querida minha, eis que és for-
mosa; os teus olhos são como os das pombas” (Ct 1.15).
Portanto, aprenda a olhar para ele. Para isto você
tem olhos. Fixe-os em Jesus e você conhecerá crescente
bem-aventurança. Contemple a sua humildade e o or-
gulho fugirá de você porque este não pode permanecer
onde Jesus se faz presente. Não há em todo o universo,
nada mais belo e prazeroso para Deus do que seu Filho
Jesus. À medida que você o contemplar, ele será tam-
bém, sua maior alegria e prazer.

Precioso amor
Bendita humildade
Santa mansidão
Gloriosa santidade

Nada é mais belo


Nada é mais puro
Que o verbo esvaziado
Na pequena Belém.

Satisfez ao Pai
Aos anjos surpreendeu
A si mesmo se esvaziou
Meu coração agora é seu

161
Estou poderosamente atraído
Sua nobreza me encanta
E ao olhá-lo a cada dia mais
Todo meu mal será vencido

162
A multiforme sabedoria.
Pelos séculos eternos, os anjos contemplaram a
grandeza do Altíssimo e nele se deleitaram, adorando-
o e servindo-o. Entretanto, as insondáveis riquezas de
Deus são inesgotáveis, e nossos amigos Deslumbrael e
Admirael não podiam imaginar as surpresas que esta-
vam reservadas. Pois os de barro, justamente aqueles que
tantas tristezas trouxeram aos céus, eram, agora, o espe-
táculo que revelava a multiforme sabedoria de Deus, de
forma nova e inesperada (Ef 2.10). Nossos amigos mais
uma vez conversavam:
– Chama-se Igreja – lembrou Admirael ao seu ami-
go – Também é chamada de “Noiva do Cordeiro”.
– É um milagre maior do que toda a criação –
acrescentou Deslumbrael. Todos os seres celestiais es-
tão imensamente impressionados. Ouvi dizer, que até
mesmo entre os seguidores do querubim perdido há um
grande espanto, pois perderam o domínio que tinham
sobre os de barro.
– Sim – Concordou Admirael – Quando “O Es-
vaziado” atraiu sobre si toda a maldade dos de barro,
os das trevas foram envergonhados. Perderam seus ar-
gumentos e não podem mais zombar do Altíssimo, pois
todos os que são da Noiva tornaram-se uma nova raça
que não tem mais culpa, pois Jesus, o Cristo, a tomou
totalmente para si 1.
163
– E não somente isto. O que mais me impressiona
é que o comportamento deles muda totalmente, quando
ouvem sobre Jesus e o recebem 2. Embora, eu nunca en-
tenda o que significa este “receber”.
– Nunca entenderemos. Não foi dado a nós. Aque-
les que foram rebeldes dentre os anjos jamais poderão
retornar a Deus. A corrupção deles não tem solução.
Estão destinados à condenação eterna. Deus criou para
eles um lago cheio de fogo e sofrimento 3.
– Pelas conversas dos de barro, a mudança deles
ocorre com algo chamado arrependimento e fé. Se eles
ouvem a respeito de Jesus e dão crédito ao que é dito,
surge também um desejo de abandonar a rebelião. Isto é
chamado de arrependimento. A seguir são mergulhados
na água. A mudança é radical. É tão grande que Jesus, o
Senhor, chamou-a de novo nascimento 4.
– Mas esta não é uma linguagem simbólica de Jesus
– disse Admirael – porque não é apenas uma mudança
de mentalidade ou de comportamento, embora seja isto
o que nós podemos ver. Mas algo ocorre com a própria
natureza deles! A própria vida do Criador entra neles e
eles passam a participar dela! (1Pe 1.4). Isto é muito
mais do que nós conhecemos. É algo que nunca tivemos!
Eles chamam o Altíssimo de “Pai Querido”. E este olha
para eles com uma ternura que nós nunca vimos. De-
pois disto, eles entram num processo de transformação
contínuo, que é chamado de santificação 5.
164
– Entretanto, alguns deles não mudam – lembrou
Deslumbrael – Continuam com a mentalidade e o com-
portamento antigo. Há também outros que passam por
uma mudança inicial, entretanto, depois de um tempo,
mesmo que permaneçam no convívio da Igreja, abando-
nam a santificação de suas vidas 6.
– Estão sendo chamados de “os enganados” – com-
pletou Admirael. Pois chamam Jesus de Senhor, mas não
fazem o que ele manda 7. Alguns até mudam seu com-
portamento mais grosseiro, abandonam vícios de grande
imoralidade, mas continuam mentindo, ou tratando mal
suas esposas. Há mulheres que não se sujeitam aos seus
maridos. E ainda há muitas outras formas de desobedi-
ência entre eles.
– Mas Jesus avisou que isto iria acontecer – in-
terrompeu Deslumbrael – Um dos seus discípulos, cha-
mado Paulo, afirmou que aconteceria ainda em maior
número no final dos tempos deles, quando haveria um
grande desvio da fé, chamado de “Apostasia” 8. Neste
tempo haverá uma falsa “igreja” que, pouco a pouco,
aceitará o pecado e a imoralidade dos homens como
coisa normal. Até mesmo que homens abandonem suas
esposas e vivam com outras, apesar de Jesus ter dito cla-
ramente que isto é adultério.
– Nesta época, o orgulho se instalará neles com
toda sua força. Apesar de aceitarem várias formas de
pecado estarão convencidos de que Deus está conten-
165
te com eles. Falarão de seu crescimento, seus números,
suas construções e seus programas, mas estarão longe de
seu primeiro amor 9.
Neste momento, eles interrompem a conversa, pois
ela trouxe um sentimento de tristeza, um sabor desagra-
dável. Se algum dos rebeldes estivesse por perto poderia
dizer que o esforço do Bendito Verbo Encarnado não
era eficaz. Como se toda sua humilhação e sofrimento
não fossem suficientes para curar os de barro. Mas eles
sabiam que não era assim. E era isto que os mantinha em
constante exultação na presença do Altíssimo. Foi então
que Deslumbrael deu novo rumo à conversa:
– Lembremo-nos dos discípulos verdadeiros, Ad-
mirael. Aqueles que realmente conhecem a Jesus e, por
isso, abandonam sua rebelião e abominam o seu próprio
orgulho. Que admiração nós temos pela transformação
que eles experimentam! E que grande alegria o Altíssi-
mo demonstra!
– Sim – concordou Admirael – o trabalho feito
pelo Verbo Esvaziado foi perfeito. Ele deu tudo o que é
necessário 10. Deu sua própria vida santa e perfeita para
que eles vivam por meio dela 11.
Deslumbrael então sorri. Parece que se agiganta
e fala em alta voz: – Eles fazem mais do que nós, Ad-
mirael. Experimentam o que nunca experimentamos e
conhecem o Altíssimo como Pai. O Triuno vive dentro

166
deles 12. Jesus os ama infinitamente e está sempre ad-
vogando as suas causas diante do trono 13. Deus os fez
participarem da própria natureza divina e eles herdarão
com Cristo toda a sua glória 14. Apesar de viverem limi-
tados àquela terra, podem entrar e morar na sala do tro-
no todo o tempo 15. Não necessitam, como nós, esperar
um chamado.
– Também praticam o que nunca praticamos –
continuou Admirael – amam como nunca nos foi dado
amar. Sofrem por amor de seu amado Senhor. Suportam
perseguições e maltratos. Alguns dão as suas vidas por
amor a Jesus. Outros são encarcerados, padecem afli-
ções, perdem seus queridos, são rejeitados, escarnecidos
e desprezados. Mas a sua grande alegria é agradar aquele
que os conquistou 16.
– E eles estão continuamente mudando. A vida de-
les vai se modificando um dia após o outro 17. O Altís-
simo diz que quer fazê-los semelhantes a Jesus 18. Como
é poderosa a sua obra entre os de barro! Seres rebeldes e
imundos tornam-se limpos e santos!
– Parece que há um detalhe – disse Admirael – que
é o mais importante para o Altíssimo. Algo que o co-
move e o alegra sobremaneira, pois quando este detalhe
acontece, eles estão sendo poderosamente transforma-
dos e santificados.

167
– E o que vem a ser isto? – Perguntou Deslum-
brael.
– Ocorre quando eles se humilham e acei-
tam ser humilhados – respondeu Admirael – pois
nada os faz mais diferentes do querubim e mais
parecidos com Cristo Jesus.

Notas

1. Is 53.12
2. Jo 1.12
3. Mt 25.41; Ap 20.10
4. Jo 3.3-10
5. Rm 6.22
6. Mt 25.1-13
7. Mt 7.21-23; Lc 6.46
8. 2Ts 2.3
9. Ap 3.15-17; 2.4
10. 2Pe 1.3
11. 1Jo 4.9
12. Jo 14.23
13. Rm 8.34; Hb 7.25
14. Rm 8.17
15. Hb 10.19
16. Hb 11.36-38
17. Pv 4.18
18. Rm 8.29; 2Co 3.18
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