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REMONTAGEM
DE PEÇAS
16 | FEVEREIRO DE 2023
Promessa de recuperação de investimentos
públicos suscita discussão sobre prioridades
e planos para a ciência brasileira
Fabrício Marques | ILUSTRAÇÃO Alexandre Affonso
E
mbora com vigor e velocidade ainda
não definidos, é esperada uma recu-
peração nos investimentos em ciência,
tecnologia e inovação nos próximos
anos que trará novas responsabili-
dades à comunidade científica e aos
formuladores de políticas públicas.
Eles terão a incumbência de resgatar
a capacidade de instituições de pes-
quisa e de estabelecer prioridades. Os
anos recentes foram ásperos. O Fundo Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (FNDCT), principal instrumento federal
de custeio da pesquisa, vem sofrendo desde 2016 bloqueios de re-
cursos sucessivos e vultosos – o Ministério da Economia atribuía
os cortes à necessidade de cumprir o teto constitucional de gastos.
O torniquete no financiamento ocorreu na contramão de um no-
tável crescimento na arrecadação do fundo, hoje na casa dos R$ 10
bilhões anuais. Ele é abastecido por percentuais de receitas e im-
postos de empresas de 14 diferentes segmentos da economia, que
compõem os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia. Segundo
análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ape-
nas algo próximo de R$ 1 bilhão em recursos não reembolsáveis
do FNDCT foi investido anualmente entre 2019 e 2021 (ver qua-
dro). Em valores atualizados, trata-se do pior patamar de aportes
do fundo em projetos científicos e de inovação em instituições de
pesquisa e empresas registrado neste século.
A
ganização trabalha em um inventário de projetos e anos sua capacidade de articulação.”
laboratórios que interromperam seus trabalhos por
falta de dinheiro, a ser divulgado neste ano. economista Fernanda De Negri,
A contenção orçamentária atingiu bolsas, proje- coordenadora do Centro de Pes-
tos e despesas de custeio, mas não alcançou gastos quisa em Ciência, Tecnologia e
obrigatórios, como salários de docentes e de pes- Sociedade do Ipea, ressalta a ne-
quisadores de instituições e universidades públicas cessidade de fazer um diagnóstico
federais. Esse contingente seguiu trabalhando, ain- preciso sobre a situação dos recur-
da que com desfalques, uma vez que houve poucos sos humanos em áreas estratégicas
concursos públicos para reposição de aposentados. para o país, tais como tecnologia de
Mas surgiram rachaduras na usina que forma pro- informação e energias renováveis.
fissionais de alto nível no país: o sistema nacional “É preciso avaliar até que ponto dis-
de pós-graduação. Também por influência da pan- pomos de pesquisadores preparados para atuar em
demia, o número de doutores formados em 2020 e grandes desafios, já que houve uma desaceleração
2021 foi de pouco mais de 20 mil, 4 mil a menos do na formação de doutores”, afirma. Vale a mesma
que o contingente titulado em 2019 (ver Pesquisa lógica, segundo ela, para a infraestrutura de pes-
FAPESP nº 315). quisa: “Não houve em anos recentes editais para
10,298 9,842
OS RECURSOS
DO FNDCT 0,8
00
federal de financiamento 27 87
à ciência – em R$ bilhões 1,6 2,6
12
1,4
28
0,9
51 38
0,8 4,6 77
4 9 4,3
4,0
Crédito
Não reembolsável
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Produção de radiofármacos
no Ipen, em São Paulo,
e instalações do Ceitec,
em Porto Alegre: resgate
de projetos antigos
A
riores a R$ 4 bilhões no FNDCT. Segundo análise ção aprovada no Congresso Nacional.”
feita pela Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC), vários órgãos terão de novo inda que ocorra logo uma recom-
um ano difícil se não receberem socorro. O CNPq, posição de recursos e do valor de
por exemplo, previa aplicar R$ 1 bilhão em bolsas, bolsas, uma recuperação robusta
mesmo patamar do ano passado, mas os recursos é esperada a partir de 2024, se o
para projetos de pesquisa, nos quais os bolsistas de teto de gastos for substituído na
FOTOS 1 LÉO RAMOS CHAVES / REVISTA PESQUISA FAPESP 2 CEITEC INFOGRÁFICO ALEXANDRE AFFONSO / REVISTA PESQUISA FAPESP
3.129,4
2.555,3 2.553,2
FONTE SBPC
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federal e orçado em cerca de R$ 500 milhões, mas
PESQUISA DENTRO suas obras físicas, em Iperó, interior paulista, não
O
República, Luiz Inácio Lula da Silva, fará a Beijing.
França
Turquia
utra meta anunciada pela ministra é
Alemanha a formulação de uma nova estratégia
Eslovênia para o setor de semicondutores, cuja
Dinamarca produção, concentrada em países asiá-
Canadá ticos, escasseou durante a pandemia,
Hungria comprometendo a cadeia de suprimen-
China tos da indústria eletroeletrônica e de
Finlândia
computação do mundo inteiro. Luciana
Santos manifestou a intenção de reto-
Bélgica
mar as atividades do Centro de Exce-
União Europeia
lência em Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec),
Irlanda
uma empresa pública criada em Porto Alegre, no Rio
Singapura Grande do Sul, em 2008, para produzir chips, mas que
Rep. Checa só conseguiu fabricar circuitos integrados de baixa
Noruega complexidade. Em 2020, o governo anunciou a liqui-
Itália dação da empresa e a decisão de vender os ativos para
Suíça o setor privado. Segundo o Ministério da Economia,
Rússia
em seu melhor exercício anual, o empreendimento
gerou receita de R$ 7,8 milhões, mas sustentava uma
Polônia
despesa operacional média de R$ 80 milhões por
México
ano desde sua fundação. No ano passado, o Tribunal
Islândia
de Contas da União (TCU) suspendeu a liquidação.
Reino Unido Para discutir os caminhos da política científica do
Luxemburgo país, a nova ministra avisou que convocará uma nova
FOTOS 1 E 2 INPE INFOGRÁFICOS ALEXANDRE AFFONSO / REVISTA PESQUISA FAPESP
E
de ponta sobre a floresta.” Finlândia
OCDE
la menciona também a pesquisa em com- Islândia
China
bustíveis renováveis, em que o país tem
França
tradição: “Os recursos poderiam vir do
Países Baixos
FNDCT, mas há espaço para aproveitar Noruega
melhor outras fontes. Setores regula- União Europeia
dos, como petróleo e eletricidade, são Eslovênia
obrigados a investir um percentual em Rep. Checa
P&D, mas esses recursos poderiam ser Singapura
utilizados de forma mais efetiva”. Se- Austrália
Reino Unido
gundo De Negri, como os recursos para
Estônia
pesquisa sobre petróleo oscilam muito de um ano Canadá
para outro, por conta dos preços internacionais, há Hungria
uma dificuldade de manter pesquisadores e labora- Itália
tórios mobilizados para projetos de longo prazo. “É Nova Zelândia
necessário mudar regulamentos e criar uma espécie Portugal
de fundo em que esses recursos seriam depositados Polônia
Grécia
e administrados, podendo ser usados na busca de
Espanha
novas fontes de energia”, sugere.
Irlanda
A crise aguda do financiamento ofuscou o efeito Brasil
de alguns avanços de ordem institucional, analisa Luxemburgo
André Rauen. “Criamos instrumentos para fazer en- Turquia
comendas tecnológicas a empresas com segurança Rússia
jurídica e hoje dispomos de uma caixa de ferramen- Lituânia
tas moderna para regular as relações entre o setor África do Sul
Eslováquia
privado, as universidades e o governo”, diz, referin-
Letônia
do-se a um decreto de 2018 do governo federal que Romênia
regulamenta dispositivos da legislação sobre com- Argentina
pras públicas e permite a contratação de empresas Chile
que executem projetos de P&D. “Essa legislação foi Colômbia
fundamental na parceria entre instituições do país México
e empresas do exterior para a produção de vacinas
contra o novo coronavírus”, afirma. FONTE OCDE – MCTI
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Instalações da fonte de luz
síncrotron Sirius, em Campinas,
e laboratório de unidade
da Embrapii no Rio de Janeiro:
investimentos com resultados
1 2
O economista chama a atenção para um obstá- estratégia para ciência, tecnologia e inovação no
culo que pode surgir à medida que o financiamen- Brasil são dominadas por uma ideia de que o lugar
to retornar. A exemplo do problema que atingiu a de fazer a pesquisa é a universidade, a empresa é
formação de novos doutores, também pode haver um local para receber e utilizar o conhecimento e o
uma escassez de recursos humanos habilitados para governo é o patrocinador. Mas nos lugares do mundo
organizar e administrar grandes projetos de pes- que conseguiram organizar a ciência e a tecnologia
quisa. “Se bem utilizados, os instrumentos de que para benefício da sociedade, das pessoas e da eco-
dispomos vão exigir uma profissionalização maior nomia, não é desse jeito que se trabalha”, observou
da gestão em ciência e tecnologia. Não estamos for- em entrevista para o site de Pesquisa FAPESP. “Na
mando indivíduos que conheçam em profundidade pesquisa em computação quântica, empresas como
a lógica que une empresas, governo e universidades. Google, Microsoft e IBM têm um papel tão ou mais
FOTOS 1 LÉO RAMOS CHAVES / REVISTA PESQUISA FAPESP 2 SENAI CETIQT INFOGRÁFICO ALEXANDRE AFFONSO / REVISTA PESQUISA FAPESP
Esse profissional existe nos Estados Unidos e está importante do que as universidades.”
trabalhando em agências como a Darpa, agência de Ele mencionou dados produzidos pela Organiza-
projetos da área de defesa. Será preciso criar pro- ção para a Cooperação e Desenvolvimento Econô-
gramas e definir um norte tecnológico para o país, mico (OCDE) e pelo MCTI, segundo os quais o nú-
P
sob coordenação de profissionais especializados.” mero de pesquisadores contratados pelas empresas
no Brasil está abaixo da média de outros 44 países,
ara o físico Carlos Henrique de Brito ocupando as últimas posições da lista. No Brasil
Cruz, o momento é propício para re- há 59 mil pesquisadores trabalhando em empre-
pensar o sistema brasileiro de ciência e sas – equivalente a 280 por milhão de habitantes.
tecnologia em moldes mais ambiciosos Na Coreia do Sul, há seis vezes mais e, nos Estados
dos que vigoraram no passado. “Não Unidos, o número é 10 vezes maior.
daria para reconstruir melhor do que Na sua avaliação, seria útil discutir o que é ne-
era antes?”, indagou, em um evento cessário fazer para que as empresas se sintam esti-
em meados de dezembro que marcou muladas a inovar para ganhar dinheiro e conquistar
o encerramento das comemorações dos mercados. “A falta de exposição das empresas ao
60 anos da FAPESP. “Seria uma perda mercado internacional e de sua inserção nas cadeias
de oportunidade discutir apenas como voltar ao que de valor do mundo desestimula os dispêndios em
éramos em 2006 ou 2007, em uma espécie de back inovação. A complexidade das regras tributárias
to the future.” Brito Cruz, que foi diretor científico também atrapalha”, avalia. “Por que uma empresa
da FAPESP entre 2005 e 2020 e atualmente é vice- vai contratar um pesquisador e fazer um investi-
-presidente sênior da Elsevier Research Networks, mento de risco em um produto novo se ela acaba
no Reino Unido, lembra que o dinheiro público res- obtendo mais ganhos contratando um advogado
ponde por apenas uma parte, em geral minoritária, tributarista ou um contador que a ajude a lidar com
do financiamento à ciência dos países e afirmou que a complexidade da legislação? Várias dessas ideias
é necessário aumentar no Brasil gastos privados nem sequer custariam orçamento para o governo.
em P&D e a presença de pesquisadores atuando Dependem apenas de empenho e, claro, uma difi-
dentro das empresas, que é baixa. “A política e a culdade política a enfrentar”, afirmou. n