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Auge e Declínio dos Fundos Setoriais: Uma Proposta de Reestruturação do


Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico -FNDCT

Research · February 2020


DOI: 10.13140/RG.2.2.16408.96002

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Carlos Américo Pacheco


University of Campinas
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1

Auge e Declínio dos Fundos Setoriais:


Uma Proposta de Reestruturação do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico — FNDCT
Carlos Américo Pacheco1

1. O FNDCT e os Fundos Setoriais

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) foi criado em


1969 com o objetivo de financiar o desenvolvimento científico e tecnológico do país.
Desde sua origem, o FNDCT foi um fundo de natureza contábil, não possuindo pessoal e
estrutura física própria. A gestão e operacionalização do FNDCT era responsabilidade do
Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT e da Secretaria Executiva do Fundo, a
Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP. Atualmente esta gestão é compartilhada
entre o Conselho Diretor do FNDCT, o Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC), e parcialmente, como veremos, pelos Comitês Gestores dos
Fundos Setoriais. A FINEP segue sendo a Secretaria Executiva e a principal agência de
fomento a operar com o FNDCT, embora também o CNPq - Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico opere recursos transferidos pelo Fundo.
O FNDCT é o sucessor do FUNTEC - Fundo de Desenvolvimento Tecnológico, criado em
1964, no então Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico – BNDE (hoje Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES), e extinto em 1975. De
forma análoga, a FINEP é uma sucessora do FINEP - Fundo de Financiamento de Estudos
e Projetos e Programas, criado em 1965 e dirigido por uma Junta Coordenadora
presidida pelo Ministro de Planejamento, com a finalidade de financiar a elaboração de
estudos de viabilidade de programas e propostas de investimento. Com a criação da
FINEP, em 1967, a empresa assumiu as atribuições do Fundo e a missão de avaliar a
viabilidade de projetos de investimentos para o Ministério de Planejamento.
A criação do FNDCT está no contexto da promulgação, em 1968, do Plano Estratégico de
Desenvolvimento que, pela primeira vez, explicitava a questão científica e tecnológica
como objeto de política governamental. Os termos do Decreto-Lei n⁰. 719, de 31 de
julho de 1969, que instituía o FNDCT, deixavam claras as razões de criação do Fundo:
“dar apoio financeiro aos programas e projetos prioritários de desenvolvimento
científico e tecnológico, notadamente para a implantação do Plano Básico de
Desenvolvimento Científico Tecnológico – PBDCT”, que, por sua vez, deveria detalhar o
Plano Nacional de Desenvolvimento – PND na área da ciência e da tecnologia. 2
Na sua origem, os recursos do FNDCT eram basicamente oriundos do orçamento fiscal
e/ou contrapartidas de empréstimos externos obtidos nos organismos internacionais,
em especial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial

1 Presidente Executivo da Fapesp e Professor da Unicamp.


2 Este Decreto-Lei foi posteriormente ratificado pela Lei n⁰ . 8.172, de 18/1/1991. Ver: Pirró e Longo, Waldimir &
Derenusson, Maria Sylvia, FNDCT, 40 Anos, Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro (RJ), 8 (2), p.515-533,
julho/dezembro 2009, e também, Ferrari, Amílcar Figueira, O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico - FNDCT e a Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP, Revista Brasileira de Inovação Vol. 1 Ano 1
janeiro/junho 2002.
2

(BIRD), bem como destinados ao aumento do capital da Financiadora de Estudos e


Projetos.3
A Figura I traz a evolução dos recursos desembolsados pelo FNDCT desde sua criação
até 2017. É visível que, após o período de criação do Fundo, estes recursos foram
sensivelmente reduzidos, especialmente entre 1982 e 2001. A recuperação do FNDCT
só veria a ocorrer com a criação dos chamados Fundos Setoriais, detalhados na
sequência, que começaram a ser criados em 1998, com o Fundo do Setor de Petróleo e
Gás (CT-Petro) e que foram fundamentalmente aprovados entre 2000 e 2001.

Figura I
Recursos Desembolsados pelo FNDCT (R$ de dezembro de 2017)

Fonte: Melo, L. M. (2009) e Relatórios FNDCT, diversos anos. Valores deflacionados pelo IPCA.

Os Fundos Setoriais basicamente carrearam para o FNDCT receitas vinculadas a diversos


setores, recompondo sua capacidade financeira. Entre estas fontes estão “parcela sobre
o valor de royalties sobre a produção de petróleo ou gás natural; percentual da receita
operacional líquida de empresas de energia elétrica; percentual dos recursos decorrentes
de contratos de cessão de direitos de uso da infraestrutura rodoviária para fins de
exploração de sistemas de comunicação e telecomunicações; percentual dos recursos
oriundos da compensação financeira pela utilização de recursos hídricos para fins de
geração de energia elétrica; percentual das receitas destinadas ao fomento de atividade
de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico do setor espacial; as receitas da
Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico; percentual do faturamento bruto

3Melo, Luiz Martins. Financiamento à Inovação no Brasil: análise da aplicação dos recursos do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP) de 1967 a
2006, Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro (RJ), 8 (1), p.87-120, janeiro/junho 2009.
3

de empresas que desenvolvam ou produzam bens e serviços de informática e


automação; e percentual sobre a parcela do produto da arrecadação do Adicional ao
Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) que cabe ao Fundo da Marinha
Mercante (FMM)”.4
Para além das receitas vinculadas, o FNDCT também recebe o produto do rendimento
de suas aplicações em programas e projetos, bem como recursos provenientes de
empréstimos de instituições financeiras ou outras entidades; e o retorno (amortizações
e juros) dos empréstimos concedidos pelo FNDCT à FINEP; e, eventualmente, o que era
mais comum no passado, recursos do Tesouro. Esses recursos são aplicados em
operações reembolsáveis (financiamentos a empresas), não reembolsáveis
(financiamento de projetos de Instituições de Ciência, Tecnologia e Inovação - ICTs),
subvenção econômica e equalização de encargos financeiros nas operações de crédito
e investimento.5
No ano de 2017, os recursos arrecadados pelo FNDCT totalizaram R$ 4.381,9 milhões,
sendo R$ 2.107,8 milhões provenientes da CIDE sobre remessas ao exterior, R$ 858,6
milhões em royalties do petróleo, R$ 855,3 milhões referentes a outras fontes e R$ 560,2
milhões oriundos das amortizações e juros pagos pela FINEP, relativos aos empréstimos
concedidos pelo FNDCT à Financiadora para realização do apoio reembolsável à
inovação nas empresas.

2. O Esgotamento do Modelo ‘Setorial’ dos Fundos Setoriais6

A Criação dos Fundos Setoriais tinha dois grandes objetivos. De um lado, carrear os
recursos necessários ao desenvolvimento científico e tecnológico do país, recuperando
o papel anterior do FNDCT, quando de sua criação. De outro lado ampliar a capacidade
de articulação do MCT, conectando o Ministério com os principais interlocutores em
setores como agricultura, energia, saúde, óleo e gás, informática, etc.
Este segundo objetivo procurava endereçar uma questão muito relevante da agenda
institucional de CT&I, relativa à coordenação das ações de governo, em especial entre
as Agências Reguladoras e os Ministérios setoriais. Esta dificuldade sempre fez parte de
todos os diagnósticos como um dos gargalos institucionais mais importantes de nosso
sistema de inovação. No centro deste debate está a definição do papel do MCT, hoje
MCTIC, que desde sua criação mostrou-se um ministério frágil e com baixa capacidade
de articulação.
O esforço de superar esta falta de coordenação sempre esteve na agenda do MCTIC. Ao
longo dos anos, alguns instrumentos foram sendo criados para contornar este fato. Um
dos mais importantes foi a instituição, em 1996, do Conselho Nacional de Ciência e
Tecnologia (CCT) como "órgão de assessoramento superior do Presidente da República",
com a participação de representantes da sociedade civil e, originalmente, de seis
Ministros de Estado, número acrescido para treze em 2007. A criação de uma instância

4 A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico referida é a CIDE sobre Remessas/Royalties. Relatório de


Gestão do Exercício de 2017 do FNDCT, FINEP, Rio de Janeiro, 2018.
5 Idem.
6 Utilizo aqui partes de um texto a ser publicado numa coletânea organizada por Elizabeth Reynolds e Ben Schneider:

Pacheco, C. A. Institutional Dimensions of Innovation Policy in Brazil, forthcoming.


4

junto à Presidência, com a participação de vários Ministros, e secretariada pelo Ministro


de Estado de C&T, tinha por ambição articular ações no âmbito federal e abrir espaço
para a participação da sociedade civil.
O CCT, contudo, nunca conseguiu se estabelecer como instância relevante de
coordenação ou de formulação estratégica. Os Ministérios eram representados não
diretamente pelos seus Ministros e as resoluções do Conselho eram sequer
sistematizadas e disponibilizadas. O Conselho foi sempre visto apenas como um lócus
de reivindicação da comunidade científica e do próprio MCTIC junto à área econômica.
Ou seja, um instrumento de pressão junto ao Executivo Federal, não uma instância de
coordenação das ações da União.
Uma tentativa de superar as limitações do CCT foi formulada quando da criação dos
Fundos Setoriais. A gestão de cada Fundo (Petróleo e Gás, Energia, Transportes,
Recursos Hídricos, Atividades Espaciais, Telecomunicações, Informática, Biotecnologia,
Agronegócios e Saúde), de acordo com suas respectivas Leis de criação, ficava a cargo
de um Comitê Gestor coordenado pelo MCT, com presença do CNPq e da FINEP, de
representantes da comunidade científica e empresarial, mas sempre com participação
do Ministério setorial e da Agência Reguladora do setor, quando ela existisse. A ideia
aqui era ir além do CCT, ao permitir que o Ministério setorial e a respectiva Agência
tivessem voz ativa na gestão dos recursos de fomento, objetivando articular de fato as
ações do MCT com as ações dos demais ministérios.7
Um exemplo de que a criação dos Fundos não visa apenas captar recursos de terceiros
é a criação dos Fundos Setoriais do Agronegócio, de Saúde, de Biotecnologia e do Setor
Aeronáutico. Todos foram criados pela Lei n⁰. 10.332/2001, a partir de sub-vinculações
das receitas da CIDE sobre Remessas. Ou seja, não tinham receitas próprias. Sua criação
visava tão somente articular as ações com estes setores.
Para completar este modelo, foi criada uma Organização Social, o Centro de Gestão e
Estudos Estratégicos - CGEE, com o objetivo de realizar prospecção tecnológica e dar
suporte às Secretarias Técnicas de cada Fundo Setorial. Esta iniciativa foi inspirada em
modelos exitosos de outros países, a partir de visitas realizadas pela FINEP e de um
seminário internacional sobre o tema. As Secretarias de cada Fundo eram responsáveis
por mobilizar painéis de especialistas, com representes das agências e da comunidade
científica e empresarial, que auxiliassem na produção de um documento anual de
Diretrizes Estratégicas, contendo uma avaliação das tendências tecnológicas e dos
desafios, bem como uma proposição de política de investimento, para deliberação do
Comitê Gestor de cada Fundo.8
O MCT/MCTIC, a FINEP e o CNPq tinham assento nos Comitês Gestores e auxiliavam na
elaboração destes documentos de diretrizes. O CGEE dava suporte à Secretaria Técnica,
mas não tinha direito a voto nas deliberações do Comitê Gestor. O que se buscava, com
a Secretaria Técnica e estes painéis de especialistas, era melhorar a qualidade do

7 A Exposição de Motivos levada ao Presidente da República para a criação dos Fundos Setoriais afirmava que os
problemas da Política Nacional de C&T não eram apenas de recursos. Entre seus grandes desafios um seria a “ainda
baixa capacidade de coordenação e articulação das ações setoriais (progressivamente descentralizadas) em C&T e
P&D”. Ver: Ministério de Ciência e Tecnologia, A Aceleração do Esforço Nacional de C&T. Revista Brasileira de
Inovação, Rio de Janeiro (RJ), 6 (1), p.191-223, janeiro/junho 2007, pg. 204.
8 Parte destes documentos pode ser acessada nos sites do CGEE ou da FINEP. Ver, por exemplo:

https://www.finep.gov.br/images/a-finep/fontes-de-orcamento/fundos-setoriais/ct-bio/diretrizes-estrategicas-para-o-
fundo-setorial-de-biotecnologia.pdf
5

processo decisório e trazer para a mesa os órgãos setoriais. Além de suas reuniões
regulares, anualmente os Comitês tinham a oportunidade de discutir e deliberar sobre
as prioridades e a estratégia de fomento de cada Fundo. Mas a implementação
operacional das ações era feita, com bastante autonomia, pelas agências do MCT/MCTIC
(CNPq e FINEP).
O primeiro grande objetivo — mobilizar recursos adicionais e superar a instabilidade —
foi plenamente alcançado. A Figura I mostra que os recursos dispendidos foram
ampliados sensivelmente após 2001, alcançando patamares superiores, em alguns anos,
àqueles dos anos setenta. Mas este sucesso foi parcial — como veremos com mais
detalhes à frente — por conta de contingenciamento de recursos e das restrições
colocadas aos limites de empenho do FNDCT.
Como relata Valéria Bastos, a previsão inicial de assegurar estabilidade no dispêndio,
por meio da manutenção no FNDCT dos saldos de caixa não utilizados ao fim do período
de execução orçamentária anual, que originalmente estava prevista na Medida
Provisória 2.010-30, de março de 2000, acabou não prevalecendo quando da conversão
desta MP em Lei (Lei n⁰. 10.148/dezembro de 2000). Com isto, o “FNDCT foi excluído do
conjunto de fundos que estariam desobrigados a recolher superávits financeiros ao
Tesouro Nacional”.9
O modelo inicial de gestão — baseado na articulação setorial — funcionou bem até fins
de 2002, momento em que os Fundos começavam a arrecadar recursos mais
significativos. Em 2003, com a mudança de governo, uma série de alterações foram
introduzidas no sentido de reduzir o papel dos Comitês Gestores, centralizar as decisões
no MCT e flexibilizar a alocação de recursos para prioridades definidas internamente no
Ministério.10 Em paralelo, o CGEE deixou de operar como Secretaria Técnica dos Comitês
Gestores e quase foi fechado, não fosse uma intervenção da Presidência da República.
Para além desta mudança, a iniciativa que de forma mais objetiva esvaziou o papel dos
Comitês Gestores dos Fundos Setoriais foi a criação das chamadas ‘ações transversais’.
Um processo de alocação de recursos dos Fundos definido pelo MCT, sem participação
dos Comitês. Ela supostamente se justificava para possibilitar “maior aderência dos
investimentos do FNDCT aos objetivos estratégicos nacionais, particularmente à Política
Industrial e Tecnológica vigente à época”11. Um argumento que se valia da ideia de que
os setores prioritários da Política Industrial e Tecnológica não obrigatoriamente
coincidiam com os setores focados pelos Fundos. Um argumento frágil, pelo papel
absolutamente secundário ou até mesmo nulo do MCT na formulação e implementação
da nova política industrial.12
Na prática isto significava dar maior liberdade ao MCT/MCTIC para a alocação de
recursos. Como comenta um analista privilegiado: “O uso do dinheiro dos fundos para
suplementar necessidades do sistema federal de C&T esvaziou o poder dos comitês

9 Bastos, Valéria D. Fundos Públicos para Ciência e Tecnologia. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v.10, n.20,
p.229-260, dezembro de 2003.
10 Um conjunto de Portarias do MCT/SECEX regulou estas alterações: em abril de 2003 foram criados os Grupos

Técnicos para apoio à operação dos Fundos Setoriais, sob a coordenação geral da Secretaria Executiva do MCT; em
julho do mesmo ano foi criada a Secretaria Técnica de Apoio ao Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais; em
abril e 2004 foi criado o Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais.
11 Apud: http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/fundos/fndct/paginas/governanca.html
12 O MCT foi na prática excluído da primeira versão destas políticas (PITCE), pelo seu posicionamento relativamente

refratário à política de inovação e à Lei de Inovação.


6

gestores dos fundos, que passaram a administrar quantias cada vez menores”. Ou, de
forma muito clara, “os fundos acabaram servindo para tapar buracos do orçamento do
Ministério, o que não era sua função original”.13
Um longo Relatório acerca dos Fundos de Incentivo às atividades de P&D produzido em
2016 pela Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal traz um retrato claro e
inequívoco do conjunto de desacertos feitos na condução dos Fundos Setoriais.14
Ao abordar a governança dos Fundos Setoriais, o Relatório detalha o papel dos diversos
Conselhos e Comitês criados e a progressiva “captura do FNDCT pelo MCTIC”. Sobre o
Conselho Diretor do FNDCT ele afirma: “Além de poucas reuniões, a leitura das atas
revela que os temas abordados não são discutidos com a profundidade esperada e que
alguns dos conselheiros parecem pouco envolvidos com os detalhes da gestão do fundo.
Há intervenções que demonstram pouco domínio dos temas da pauta.” O Relatório
também aponta que a criação de um Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais e
depois de um Comitê de Coordenação Executiva do FNDCT, compostos exclusivamente
por membros do MCT/MCTIC, mostra que a coordenação dos Fundos passou a ser
totalmente dominada pelo MCTIC.15
O Relatório é bem claro: “essa captura do FNDCT pelo MCTIC também favorece a
manutenção das debilidades nas ações de avaliação dos resultados do fundo. Isso
porque não se pode esperar que o MCTIC, beneficiado por práticas questionáveis na
gestão do fundo – como, por exemplo, pela substituição de fontes –, ressalte e critique
essa ação.”16
O conjunto do processo que se inicia em 2003 é a descaracterização dos Fundos Setoriais
como um mecanismo de articulação de interesses externos ao MCT/MCTIC. Os Comitês
Gestores foram paulatinamente perdendo relevância e, nos termos do Relatório:
“encontram-se (hoje) substancialmente distanciados do processo de governança do
FNDCT”. Este esvaziamento reflete-se na progressiva redução dos valores dedicados às
ações setoriais (ou verticais), como pode ser visto na Figura II a seguir.
A desvinculação dos recursos dos Fundos permitiu que estes valores fossem utilizados
para a concessão de bolsas de produtividade e para o programa Ciência sem Fronteiras,
entre outras ações. As ‘ações transversais’, por sua vez, possibilitaram fomentar
iniciativas sem relação com os propósitos dos setores que arrecadavam os recursos.
Note-se, também como aponta este Relatório, que “as ações transversais não são
aprovadas pelos Comitês Gestores dos Fundos Setoriais; na prática, são decididas apenas
pelo MCTIC, o que configura verdadeiro desvirtuamento do próprio modelo de
governança do FNDCT”. Ou ainda, como aponta o mesmo Relatório: “Como resultado,
atualmente, pouco mais de 10% dos recursos aplicados se destinam, de fato, às
finalidades setoriais. Esse quadro provocou um verdadeiro esvaziamento dessas ações,
13 A primeira afirmação é de Hernan Chaimovich, ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). A segunda é de Fernanda de Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(Ipea). Ver: Financiamento em Crise, Revista da Fapesp, Ed 256, junho de 2017,
http://revistapesquisa.fapesp.br/2017/06/19/financiamento-em-crise/. Ver também, De Negri, F., Novos Caminhos
para a Inovação no Brasil, Wilson Center & Interfarma (org.), Wilson Center, Washington, 2018., pg 112 e ss.
14 Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal – CCT, Fundos de Incentivo ao Desenvolvimento Científico

e Tecnológico, Relatório, 6 de dezembro de 2016, Senado Federal, Brasília.


15 O primeiro Comitê foi criado inicialmente pela Portaria MCT nº 529, de julho de 2003 e depois sancionado pela

Lei do FNDCT (Lei nº 11.540/07). O segundo Comitê foi criado pela Instrução Normativa nº 2, de 2010, do próprio
Conselho Diretor do FNDCT.
16 Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal, op. cit.
7

que deveriam ser a principal aplicação do FNDCT. Provocou ainda uma perda de
relevância dos Comitês Gestores dos Fundos Setoriais.”

Figura II
Recursos dos Fundos Setoriais aplicados em ações verticais (setoriais)
em bilhões de Reais e em percentual do total dos recursos

Fonte: Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado Federal, op. cit.

Como apontei numa avaliação recente sobre a necessidade de um novo modelo de


financiamento para a CT&I no Brasil: “O isolacionismo da política de CT&I reduz sua
capacidade de articulação e reduz o apoio necessário à busca de recursos. Em grande
parte, o esgotamento dos Fundos Setoriais foi sendo paulatinamente forjado dentro do
MCTIC, ao usar seus recursos de forma generalizada, para tudo, menos para apoiar as
ações setoriais necessárias a consolidar um sistema de inovação.”17
Os dados do último Relatório de Gestão do FNDCT ilustram que esta tendência se
agravou após a publicação do estudo da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado.
Em 2017, as ações transversais foram responsáveis por 34,6% do dispêndio, a
equalização de taxas de juros respondeu por 32,3% do total, o Fundo Setorial de
Infraestrutura - CT Infra por 18,9% e a subvenção econômica por 9,0%, como mostra a
Figura III na sequência. Todas as ações de fato setoriais somadas responderam por
apenas 5,3% do valor empenhado pelo Fundo. Na realidade, dos Fundos Setoriais o que
restou foi apenas o nome, uma ‘marca’ suficientemente forte que interessava manter.
A desconexão entre o MCTIC, o FNDCT e os setores que deveriam estar contemplados
pelas ações de fomento e financiamento dos Fundos Setoriais se traduziu, ao fim deste
período, no total desinteresse dos Ministérios, Agências e da comunidade empresarial
e tecnológica de cada setor de defender o modelo. Apesar da relevância econômica de

17Pacheco, C. A. “O FNDCT e a Reforma do Financiamento de CT&I”, Apresentação no Encontro Anual da ANPEI,


Belo Horizonte, 2017.
8

setores como petróleo e gás, energia, saúde ou agropecuária, não se assistiu nenhuma
reação relevante, em termos econômicos ou políticos, ao severo contingenciamento dos
recursos dos anos recentes. Reações relevantes foram apenas da própria comunidade
científica, principalmente dirigidas a preservar os Fundos como fonte de receita, não
como uma estratégia de articulação do MCTIC com outros Ministérios setoriais.18

Figura III
Distribuição dos recursos de 2017 do FNDCT segundo as principais ações

Fonte: Relatório de Gestão do Exercício de 2017 do FNDCT, FINEP, Rio de Janeiro, 2018.

3. O Esgotamento Financeiro do FNDCT

A Figura I já trazia a informação da sensível queda do desembolso de recursos do FNDCT


de 2015 em diante. Aqui convém ressaltar que a restrição à capacidade de gasto do
Fundo teve um enorme impacto sobre praticamente todas as atividades de ciência,
tecnologia e inovação dependentes de recursos federais. Isto porque, como mostra a
Figura IV, o FNDCT sozinho chegou a representar de 30% a quase 40% da execução
orçamentária do Ministério de Ciência e Tecnologia.19
A redução dos limites de gasto do FNDCT impactou fortemente a execução orçamentária
do Ministério, mas não foi seu único determinante. Na realidade, o Ministério (e
18 Uma reação interessante de ser analisada, talvez como expressão de um certo isolacionismo, é a crítica de algumas
entidades da comunidade científica à fusão do MCTI ao Ministério de Comunicações. Arranjos similares a este
existem em outros países, em que TICs são tema de Ministérios no campo da ciência, tecnologia e inovação, como já
ocorria com o MCT antes da fusão, em função da Secretaria de Políticas Digitais, uma herança da Secretaria Especial
de Informática. Este é um arranjo lógico e que poderia fortalecer o Ministério, bastando delegar para a Anatel
algumas das funções que permanecem na Secretaria de Telecomunicações e na Secretaria de Radiodifusão.
19 Os dados utilizados excluem, inclusive para os anos recentes, os empenhos realizados pela área de

telecomunicações, de forma a capturar apenas a trajetória dos gastos do que era o antigo MCT, depois MCTI.
9

igualmente o FNDCT) perdeu importância no conjunto do Orçamento Geral da União


(OGU). A Figura V traz esta trajetória. Fica claro que a queda relativa do peso do
orçamento do MCTI foi mais acentuada que a queda similar ocorrida com o FNDCT. O
Ministério representava (apenas, saliente-se) 0,4% do OGU em 2008 e 2009, chegando
a 0,5% do OGU em 2010, percentual que caiu para 0,25%, em 2017, e que pode ficar
abaixo de 0,2%, em 2018, a depender da liberação ou não de limites de empenho até o
final do ano.

Figura IV
Peso Percentual do FNDCT no dispêndio total do MCTIC

Fonte: Portal do Orçamento e Relatórios de Gestão do FNDCT, vários anos.


Observação: exclusive atividades atinentes ao Ministério de Comunicações.

Figura V
Peso do Orçamento do FNDCT e MCTIC no Orçamento Geral da União.

Fonte: Portal do Orçamento e Relatórios de Gestão do FNDCT, vários anos.


Observação: exclusive atividades atinentes ao Ministério de Comunicações.
10

No caso do FNDCT, esta restrição financeira foi em parte consequência da alteração da


legislação de petróleo e gás que, no contexto da aprovação do modelo de partilha,
suprimiu recursos do CT-Petro.20 Mas esta alteração do marco legal responde apenas
em parte pelas dificuldades recentes do FNDCT. Grande parte deste resultado não
decorre do menor volume de receitas, que de fato caíram, mas sim da restrição ainda
maior ao limite do gasto. A Figura VI mostra com clareza que, após 2013, houve uma
queda da arrecadação dos Fundos, que se recuperam apenas em 2017. Mas a queda do
valor executado é muito maior que a queda da arrecadação. A diferença entre ambas
(representada pela barra azul da Figura VI) amplia-se e atinge seu valor máximo em
2017, repetindo uma prática dos anos anteriores. Mas amplia para patamares de tal
monta que o Fundo é incapaz de dar conta inclusive dos compromissos anteriormente
assumidos.

Figura VI
Arrecadação e Dispêndio do FNDCT (valores em R$ de 2017).

Fonte: Portal do Orçamento e Relatórios de Gestão do FNDCT, vários anos.

Para além dos elevados valores retidos pelo Tesouro, a própria alocação do orçamento
do FNDCT suprimiu, neste período, recursos que deveriam servir para fomentar o
desenvolvimento científico e tecnológico. O Fundo foi usado como fonte de recursos
para pagamento bolsas de diversas naturezas ou para outros programas, como os Editais
Universais do CNPq ou o Programa Institutos Nacionais de C&T do MCTIC, substituindo
as fontes regulares do Tesouro. Num caso extremo, o FNDCT financiou parte do

20A Lei nº 12.351/2010 que introduz o regime de partilha de produção alterou os critérios de distribuição de royalties
definidos até então pela Lei do Petróleo (Lei nº 9.784/97), carreando boa parte dos recursos destinados à União para o
Fundo Social.
11

Programa Ciências sem Fronteira, para o qual foram alocados R$ 2,1 bilhões, entre 2013
e 2015, cerca de 28% de todo o comprometimento do FNDCT nestes três anos.
Do ponto de vista estritamente financeiro, um último ponto chama muito a atenção. À
medida que os empréstimos concedidos pelo FNDCT à FINEP, como funding para
operações de crédito junto às empresas, começaram a gerar caixa, pelo retorno destas
operações, assistiu-se, em paralelo, um maior contingenciamento dos recursos
arrecadados pelos Fundos. Aumentou a receita própria do FNDCT e cortaram-se os
recursos da CIDE e demais fontes de receita do FNDCT. Esta prática alcança agora
patamares difíceis de se imaginar, quando se estabelece que o limite de empenho é
praticamente igual à receita própria gerada. Na prática isto significa que toda a
arrecadação dos Fundos Setoriais está sendo contingenciada e destinada ao Tesouro,
numa flagrante ilegalidade, uma vez que as contribuições que constituem suas receitas
têm destinação específica para o apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico.

4. Propostas e Alternativas de Reestruturação Financeira do FNDCT

Muitos analistas têm apontado que este quadro de esgotamento do modelo dos Fundos
Setoriais vai exigir uma profunda reforma do sistema de financiamento às atividades de
ciência, tecnologia e inovação. Esta reforma decorre não apenas de reverter os níveis de
contingenciamento exorbitantes dos dias atuais, mas decorre da necessidade de
examinar o papel do MCTIC e de sua capacidade de articular interesses externos ao
Ministério, em especial sua capacidade de dialogar com a área econômica do Governo
Federal em temas como produtividade e competitividade, mostrando assim a relevância
destes investimentos e seus impactos e retornos esperados, seja na dimensão
econômica, na qualidade de vida, ou mesmo, quando for o caso, no avanço do
conhecimento.
Algumas propostas e alternativas têm sido apontadas, muitas delas complementares
entre si. Elas abarcam a busca de novas fontes de recursos para o FNDCT, uma tarefa
difícil, num contexto de elevada carga tributária e pressão da sociedade para reduzir a
incidência de tributos. Mas incluem também reformas na governança, na engenharia
institucional dos Fundos e na natureza contábil do FNDCT. Vejamos as principais
alternativas hoje existentes.

4.1. FNDCT como Fundo Financeiro

A direção atual da FINEP já apresentou publicamente uma minuta de Medida Provisória


que transforma o FNDCT num fundo de natureza contábil e financeira com o aporte
automático ao FNDCT dos recursos não utilizados no exercício, bem como dos recursos
correspondentes aos rendimentos oriundos de suas aplicações em programas e projetos
e dos resultados de suas aplicações financeiras.
A Medida Provisória altera a Lei nº 11.540, de 12 de novembro de 2007, que dispõe
sobre o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, incluindo
dispositivos que visam em essência permitir ao FNDCT reverter para o Fundo os saldos
financeiros anuais não aplicados.
12

Atualmente, os recursos não utilizados já são contabilizados como sendo do FNDCT,


junto à conta única do Tesouro Nacional. Mas no contexto de seu contingenciamento,
eles ficam retidos junto ao Tesouro, sem possibilidade de uso. De tempos em tempos, o
Ministério da Fazenda tem proposto, via Medida Provisória, com ‘sucesso’, do seu ponto
de vista, o uso destes valores acumulados para abatimento da dívida federal, zerando
estas reservas.
Segundo o Presidente da FINEP, “se o FNDCT tivesse sido transformado em fundo
financeiro há dez anos, mesmo com todos os contingenciamentos feitos nesse período,
o fundo teria um saldo acumulado de R$ 45 bilhões, em vez dos R$ 9 bilhões atualmente
em caixa. No modelo atual, os recursos contingenciados voltam para o Tesouro e não
retornam para o setor científico”.21
A proposta é sem dúvida muito pertinente e meritória. Embora não ataque a questão
dos limites de empenho do FNDCT, cria uma perspectiva de acumular recursos junto ao
Fundo, que retornariam para serem aplicados, quando possível, na finalidade para o
qual estas contribuições foram criadas.
Num contexto de grave restrição fiscal, a oposição a esta medida é essencialmente de
natureza macroeconômica. Em primeiro lugar, por conta do saldo atual acumulado de
R$ 9 bilhões, segundo estimativas da FINEP. Em segundo lugar, porque a área
econômica, embora não expresse isto formalmente, deve esperar usar as receitas
futuras dos Fundos Setoriais no seu esforço de ajuste fiscal, como faz com outras
Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico ou com outras modalidades de
receitas próprias de vários Ministérios.
Uma negociação com a área econômica sobre como transitar de um modelo a outro, de
um fundo contábil, para um fundo financeiro, é o que se impõe. Isto passa pela discussão
de como tratar o saldo acumulado e não utilizado, que pode ser parcialmente
incorporado ao patrimônio do Fundo, mesmo que apenas inicialmente como funding
para operações de crédito ou para novos Fundos de Venture, sem impacto fiscal pelo
lado do dispêndio. Passa, também, pela questão de como tratar as receitas futuras. No
limite, mesmo que nem todo o saldo acumulado volte para o Fundo, uma reversão
parcial já seria um ganho para o FNDCT, além de superar a flagrante ilegalidade de usar
as contribuições para uma finalidade completamente distinta daquela estabelecida
quando de sua criação.

4.2. Aplicação dos Saldos de Compromissos de obrigações de P&D

Uma segunda proposta, que não se contrapões à primeira e que vem sendo estuda há
muitos anos, em especial pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, e que
ganhou impulso com a proposta da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - CAPES de criar um Fundo para um Programa de Excelência das
Universidades e Institutos de Pesquisa Brasileiros22, é o uso dos recursos não aplicados
por concessionárias ou beneficiárias de incentivos que têm obrigações acessórias de

21Entrevista com Marcos Cintra, em O Estado de São Paulo, 07 de agosto de 2017.


22Emenda substitutiva ao Projeto de Lei n⁰. 158/2017. Ver
http://www.capes.gov.br/images/stories/download/legislacao/CAPES-PL158-2017.pdf
13

aplicação em atividades de P&D, como contrapartida de suas concessões ou de seus


incentivos.
Isto se aplica a muitas atividades, com destaque para os setores de óleo e gás, energia
elétrica e informática, em que muitas empresas, por razões diversas, não têm aplicado
os valores mínimos de suas obrigações de P&D, definidos nos respectivos marcos
regulatórios setoriais.23
Embora com peculiaridades setor a setor, estas obrigações de aplicação em atividades
de P&D têm sido objeto de críticas gerais do tipo: serem fixadas em patamares muito
elevados, frente aos gastos médios de P&D em relação ao faturamento de cada setor;
serem muito focadas na obrigação de cooperação com universidades, vis-à-vis outras
formas de realizar P&D, como cooperação com fornecedores, pequenas empresas ou
criação de startups24; desestimularem programas de mais longo prazo, em função do
periodicidade anual de submissão e aprovação dos planos de P&D e dos riscos de não
aprovação destes planos; de forma similar a este último tópico, uma crítica ainda mais
importante tem sido reiterada por empresas e analistas, a de que a sistemática de
aprovação dos planos pelo órgão regulador, com o risco real de glosas significativas e de
suas implicações sobre os balanços já encerrados, induz uma conduta conservadora das
empresas, que tendem a repetir atividades que sabidamente são aceitas pelas Agências,
fugindo do risco regulatório, mas também se afastando do horizonte de atividades mais
ousadas em termos de P&D.
Em alguns casos, a insegurança quanto às regras de aplicação dos recursos e o volume
de glosas impostas às empresas acabam derivando soluções ad hoc, como
recentemente ocorreu no setor de informática, com a publicação da Medida Provisória
(MP) nº 810 de dezembro de 2017, convertida na Lei n.⁰ 13.674 em 2018, que alterou a
natureza dos relatórios demonstrativos de cumprimento das atividades de pesquisa,
desenvolvimento e inovação previstas no regime incentivado do setor. A MP introduziu
a figura de auditoria por profissionais credenciados pela CVM acerca dos Relatórios
Demonstrativos Anuais (RDAs), para atestar que os investimentos realizados pelas
empresas seguem as exigências legais de P&DI e as normativas contábeis, e de um plano
de reinvestimento na hipótese de não aprovação do cumprimento das obrigações, de
forma a minimizar os riscos regulatórios do passado.
Fatos similares ocorrem nos setores de petróleo e gás e no setor elétrico, embora não
com a gravidade do que veio a acontecer na área de informática. Tratam-se de recursos
expressivos, da mesma ordem de grandeza da arrecadação anual do FNDCT e que
deveriam ter um impacto significativo sobre a capacitação tecnológica destes setores, a

23 Estas obrigações se referem às cláusulas de investimentos em P&DI de um mínimo da receita bruta previsto nos
contratos para exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural, reguladas pela ANP; às obrigações
das empresas do setor de geração de energia elétrica de também investir um percentual de sua Receita Operacional
Líquida em projetos de P&D regulados pela ANEEL; e às aplicações em atividades de P&D exigidas como
contrapartidas da renúncia fiscal permitida pela Lei de Informática (Leis n.⁰ 11.077/04, n. ⁰ 10.176/01 e n. ⁰ 8248/94).
24 Uma inovação importante trazida pela Lei n. ⁰ 13.674/2018, editada para contornar o impasse advindo de um

volume excessivo de glosas impostas às empresas do setor de informática, foi autorizar que parte dos dispêndios em
P&D possam ser efetuados sob a forma de aplicação em fundos de investimentos ou outros instrumentos autorizados
pela CVM que se destinem à capitalização de empresas de base tecnológica e sob a forma de aplicação em programa
governamental que se destine ao apoio a empresas de base tecnológica, conforme regulamento a ser editado pelo
Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
14

exemplo da criação de startups, mas que aparentemente não têm sido capazes de
alavancar a inovação de maneira expressiva.
Duas observações são importantes aqui.
Primeiro ressaltar que se tratam de recursos privados, mesmo que decorrentes de
obrigações de concessionários ou de contrapartida ao gozo de incentivos fiscais. Isto é
importante e desejável, pois poderia induzir uma conduta mais ativa das empresas no
terreno da inovação tecnológica. Além do mais, por serem privados, seria desejável que
o uso destes recursos mantivesse sua maior flexibilidade, frente ao que ocorre no uso
de recursos públicos. Em caso de alteração destas regras, estas características deveriam
nortear a regulação setorial, preservando a flexibilidade decorrente da natureza privada
dos recursos e contemplando alternativas de uso capazes de fortalecer a inovação
nestes setores, a exemplo de parcerias com institutos e universidades, mas também com
outras empresas, notadamente com startups.25
Em segundo lugar, é preciso evitar que as regras inibam pesquisas de maior ousadia. Ao
contrário, estes marcos reguladores deveriam incentivar e premiar este tipo de conduta,
com horizontes de médio e longo prazo, inclusive também para projetos de nível de
maturidade tecnológica (TRL) baixos, dentro de um portfólio balanceado de iniciativas.
Isto poderia ser alcançado com planos de trabalhos de médio prazo de aplicação em
P&D, acompanhados de metas anuais, com incentivos diferenciados de acordo com o
risco tecnológico.
Além destas observações, há ainda uma questão importante. O FNDCT já é, em parte, e
isto deveria ser reforçado, destinação alternativa de recursos não aplicados pelas
empresas. Esta destinação deveria ter um tratamento similar ao que ocorre com o
Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, que admite o parcelamento dos débitos com
benefícios de redução de multas, condicionada à desistência expressa e irrevogável das
ações administrativas e judiciais. Os recursos assim carreados ao Fundo deveriam, em
todo o caso, ser aplicados nos setores que o originaram, atuando inclusive de forma
colaborativa com empresas destes setores. Um estímulo a este tipo de destinação
poderia ser criado, na forma de um percentual de um benefício fiscal para as empresas
que optassem por esta alternativa ou em parcerias com o FNDCT de interesse dos
setores, a exemplo da criação de novos Fundos de Venture e Equity, para apoio a
startups, que combinassem recursos da FINEP e do BNDES, com recursos das obrigações
de P&D das empresas.

4.3. O Fundo da CAPES

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior — CAPES apresentou


recentemente um Projeto de Lei criando um Fundo para um Programa de Excelência das
Universidades e Institutos de Pesquisa, lastrado em recursos de obrigações de P&D não
efetivadas de concessionárias ou de empresas beneficiárias de incentivos fiscais. Isto foi
feito por meio de uma emenda do Senador José Agripino ao Projeto originário da

25No setor de petróleo e gás, há uma demanda antiga de flexibilização das regras de obrigatoriedade de P&D, de
forma a incluir fornecedores e startups. Ela expressa uma opinião existente na Organização Nacional da Indústria do
Petróleo - ONIP e no Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis – IBP. A Agência Nacional do Petróleo
– ANP anunciou recentemente a intenção de rever estas regras, em especial pelo papel que startups podem vir a ter no
esforço tecnológico do setor. Ver: O Valor Econômico, 6 e 7 de setembro de 2018.
15

Câmara dos Deputados, de autoria da Deputada Bruna Furlan, que tratava da instituição
de fundos patrimoniais junto às universidades públicas e instituições de pesquisa. O
objetivo do Programa de Excelência seria apoiar a pesquisa de qualidade e incentivar a
internacionalização da pós-graduação destas instituições, de forma a que pudessem se
posicionar como instituições de classe mundial.
O Fundo proposto seria de natureza privada para também apoiar, além do citado
Programa de Excelência das Universidades, as atividades de inovação e pesquisa. A
operacionalização deste Programa ficaria sobre a responsabilidade da CAPES, que
também responderia pela Secretaria Executiva do Fundo criado, ao menos nos seus três
primeiros anos.
Poderiam ser creditados ao Fundo obrigações de aplicação em P&D não levadas a cabo
por concessionárias ou empresas incentivadas. A destinação de recursos ao Fundo teria
“eficácia liberatória para obrigações de investimento em P&DI, desde que pelo menos
metade das obrigações (fosse) destinada ao fundo com a mesma periodicidade prevista
na obrigação”.26
Trata-se de uma proposta criativa e interessante, especialmente frente ao contexto de
grave restrição fiscal, que obriga as instituições a ir buscar recursos novos para cumprir
suas missões, o que atinge também a CAPES. Particularmente criativa é a proposição de
que o Fundo criado seja de natureza privada, coincidindo com a origem dos recursos,
dando-lhe assim grande flexibilidade e evitando que estas dotações adentrem ao
orçamento público, o que dificultaria sua utilização. Para assegurar esta natureza, o
Conselho do Fundo teria maioria de membros externos ao setor público, com grande
participação do setor empresarial e de entidades da comunidade científica. Em
complemento ao estabelecido anteriormente, as diretrizes do Projeto de Lei apontavam
para a determinação de que “até cinquenta por cento dos recursos do fundo deverão ser
aplicados em projetos dirigidos para a inovação tecnológica”.
É uma ideia criativa, calcada no programa Alemão de excelência acadêmica — Academic
Excellence Initiative. Se a inspiração original prevalecer no seu detalhamento e se
houver seletividade, pode trazer uma alteração importante no sistema de ensino
superior, incentivando algumas poucas instituições a se posicionarem como
universidades de classe mundial.
Esta ideia acabou derivando uma Medida Provisória, recém editada, que além de regular
Fundos Patrimoniais (Endowment Funds) para o apoio a inúmeras atividades27, instituiu
o Programa de Fomento à Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação - Programa de
Excelência com o objetivo de promover a produção de conhecimento, ciência,
desenvolvimento e inovação, por meio da pesquisa de excelência de nível internacional,
da criação e do aperfeiçoamento de produtos, processos, metodologias e técnicas. 28
Tal como no Projeto de Lei do Senador José Agripino, esta Medida Provisória também
autoriza empresas com obrigações legais ou contratuais de investimento em pesquisa,

26 Art. 14, § 3º do PL 158/2017, já citado.


27 Os Fundos de que trata a MP poderão apoiar atividades relacionadas à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa
e à inovação, à saúde, ao meio ambiente, à assistência social, ao desporto e à cultura, caso em que a doação se
equipara a projeto cultural para fins do disposto na Lei Rouanet.
28 Artigo 28 da Medida Provisória nº 851, de 10 de setembro de 2018, que autoriza a administração pública a firmar

instrumentos de parceria com organizações gestoras de fundos patrimoniais e cria o Programa de Fomento à Pesquisa,
Desenvolvimento e Inovação - Programa de Excelência.
16

desenvolvimento e inovação a aportar recursos em fundos patrimoniais (de instituições


públicas), por meio do Programa de Excelência criado, para comprovar o cumprimento
de suas obrigações de investimento em P&DI. Mas a Medida Provisória vai além e
autoriza que estes investimentos possam ser feitos também em Fundos de Investimento
em Participações - FIP, nas categorias de capital semente, empresas emergentes; e
produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.29
A Medida Provisória proposta tem o mérito de corrigir alguns itens mais problemáticos
do PL em discussão no Senado Federal, como a ideia de que as aplicações do fundo não
teriam mais a obrigação de aplicação dos recursos arrecadados nos setores em que se
originam as receitas, tal como ocorreu com os Fundos Setoriais. Tem também a
vantagem de manter um papel mais ativo das Agências Reguladoras que podem solicitar
informações sobre a aplicação dos recursos e obstar novos aportes com a eficácia
liberatória, quando constatar a desconformidade da aplicação dos recursos em P&DI nas
áreas de interesse da empresa originária. Por fim, também exclui dos recursos em
questão, aqueles decorrentes de obrigações decorrentes de benefícios fiscais.
A Medida Provisória também tem a vantagem de superar a possível insegurança jurídica
associada à natureza privada do Fundo previsto no Projeto de Lei. Pois, ainda que a ideia
de conferir flexibilidade ao Fundo seja correta, a destinação a um fundo privado, na
forma estabelecida pelo PL, de recursos de obrigações de P&D, dificilmente poderia ser
compatível com o desejo de que estas contribuições tivessem eficácia liberatória para
obrigações de investimento em P&DI destas empresas. Não só pelo possível vício de
iniciativa de uma proposição oriunda do Legislativo, mas também pela natureza das
obrigações contratuais das empresas.
Outra vantagem da Medida Provisória é superar a ideia de que até cinquenta por cento
dos recursos do fundo deveriam ser aplicados em projetos dirigidos para a inovação
tecnológica, o que na prática representava um comando para que os demais cinquenta
por cento pudessem ser utilizados para outros fins, o que não está completamente
afastado na nova proposta, mas ao menos fica condicionado às áreas de interesse da
empresa que origina os recursos e, também, à supervisão da Agência Reguladora.
O trâmite desta Medida Provisória no Congresso Nacional deve levar à elaboração de
uma Emenda aglutinativa que reúna outras iniciativas legislativas que tratam da mesma
matéria, como o PL já mencionado e outros Projetos sobre Fundos Patrimoniais, como
o Projeto de Lei do Senado n° 16, de 2015 (PL n° 8694/2017 na Câmara dos Deputados).
Será uma oportunidade de aprimorar estes instrumentos. Em especial, será conveniente
para atentar e talvez reverter o possível excesso de regras trazidas pela Medida
Provisória para a constituição de fundos patrimoniais, que aliás não contam com
qualquer benefício ou incentivo.
Uma alternativa bem mais simples, que talvez endereçasse a questão mais problemática
destes fundos — a manutenção da natureza privada dos fundos vis-à-vis a natureza
pública das instituições apoiadas —, seria autorizar as instituições públicas a qualificar
como seus, Fundos Patrimoniais de direito privado e sem fins lucrativos. A Lei deveria
apenas definir em que condições esta qualificação seria possível, como por exemplo,

29Fundos regulados pela Instrução CVM nº 578, de 30 de agosto de 2016 (alterada pontualmente pela Instrução
CVM 579/2017). Observe-se que os FIPs voltados para atividades de infraestrutura e multiestratégia (investimentos
em diferentes tipos e portes de sociedades investidas) não são contemplados pela Medida Provisória.
17

estabelecer que os objetivos do Fundo deveriam ser receber e administrar recursos


provenientes de doações de pessoas físicas e jurídicas, para fomento atividades de
ensino, pesquisa e inovação realizadas pela instituição; ou ainda definir que esta
qualificação representaria apenas o ‘direito’ de representar a instituição nas atividades
de captação de recursos, usando sua marca ou nome, sem que lhe gerassem obrigações
e ônus; e definir outros requisitos específicos, como o grau de participação da instituição
no Conselho de Administração do Fundo, a exigência de Comitê de Investimento, ou
ainda suas regras de compliance e de auditoria. O termo de parceria proposta na MP
traz parte destas regras, mas dá grande autonomia à organização gestora de fundo
patrimonial, via-à-via às instâncias máximas das instituições apoiadas, que poderiam,
num modelo mais flexível, estabelecer em que condições especificas — adaptadas à sua
realidade — autorizaria o uso de seu nome para esta captação.
O trâmite da matéria também vai gerar um debate e talvez um maior detalhamento da
grande novidade desta Medida Provisória, que é a possibilidade de alocar recursos das
obrigações das empresas em Fundos de Investimento em Participações – FIP voltados
para capital semente, empresas emergentes e atividades econômicas intensivas em
P&DI.

4.4. Novas Fontes de Financiamento: Fundo Social

O Fundo Social, criado pela Lei n⁰. 12.351/2010, com receitas derivadas especialmente
dos royalties e da participação especial decorrentes da exploração e petróleo e gás nas
áreas localizadas no pré-sal, tinha por finalidade constituir fonte de recursos para o
desenvolvimento social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de
combate à pobreza e de desenvolvimento nas áreas de educação, cultura, esporte,
saúde pública, meio ambiente e mitigação e adaptação às mudanças climáticas, mas
também para ciência e tecnologia.30
Originalmente, o Fundo Social foi pensado como uma poupança pública de longo prazo,
com prioridade para investimentos no exterior e uma preocupação de minimizar os
impactos de uma liquidez interna excessiva causada pelo eventual crescimento
expressivo das contrapartidas geradas pela exploração do pré-sal.
Esta concepção original acabou sendo parcialmente alterada pela Lei n⁰. 12.858 de 2013,
que dispôs sobre a alocação de recursos do Fundo Social para as áreas de saúde e
educação, com prioridade para a educação básica. Como exemplo desta destinação, o
Orçamento Geral da União de 2018 alocou R$ 6,1 bilhões oriundos do Fundo Social para
o Ministério da Educação, dos quais R$ 1,5 bilhões junto ao FNDE e R$ 2,5 bilhões junto
à CAPES, apesar da prioridade definida em Lei ser a educação básica.
As receitas recentes do Fundo Social não atingem os valores inicialmente previstos, mas
são muito expressivas. Nos três últimos trimestres, os repasses foram respectivamente
de R$ 2,2 bilhões, em fevereiro de 2018, R$ 2,6 bilhões, em maio de 2018, e 3,4 bilhões
em agosto de 2018. É possível estimar, com base nos preços atuais do petróleo e com a
subida do dólar, que os repasses ao Fundo Social ultrapassem R$ 11 bilhões em 2018. 31

30 Lei n⁰ 12.858 de 22 de dezembro de 2010.


31 Agradeço a João De Negri a sugestão de explicitar aqui estes valores das receitas do Fundo Social.
18

Já há previsão legal, no âmbito da Lei n⁰. 12.351/2010, para alocar recursos para a área
de CT&I. Por outro lado, a destinação para a área de educação e saúde dada pela Lei n⁰.
12.858/13, atinge apenas 50% dos recursos do Fundo Social e os demais 50% ainda não
foram regulados. Bastaria, portanto, para alocar recursos do Fundo Social junto ao
FNDCT, um decreto que regulamentasse este instrumento jurídico. Para tanto, a
questão central é saber se esta destinação se insere nas prioridades do Executivo
Federal ou não. Há aqui duas alternativas: alocar diretamente no FNDCT, nos moldes de
outras fontes, por exemplo 15% do montante transferido anualmente ao Fundo Social,
para atividades de fomento voltadas para inovação, por exemplo; ou uma alternativa de
menor impacto fiscal que seria aportar recursos ao FNDCT destinados para funding de
crédito para P&D e suporte a novos Fundos de Venture, com previsão de retorno do
principal ao FNDCT, a fim de capitalizá-lo no futuro.

4.5. Novas Fontes de Recursos: CIDE das Remessas

A Lei n⁰ 10.168, de 2000, modificada pela Lei nº 10.332, de 2001, e regulamentada pelo
Decreto 4.195 de 2002, instituiu uma Contribuição de Direito Econômico de 10% sobre
os valores de remessas ao exterior decorrentes de importâncias pagas, creditadas,
entregues, empregadas ou remetidas ao exterior, a título de royalties ou remuneração,
que tenham por objeto fornecimento de tecnologia; prestação de assistência técnica
(serviços de assistência técnica e serviços técnicos especializados); serviços técnicos e
de assistência administrativa e semelhantes; cessão e licença de uso de marcas; e cessão
e licença de exploração de patentes. Atualmente esta receita é uma das principais fontes
do FNDCT. Em 2017 ela totalizou R$ 2,1 bilhões, praticamente metade dos R$ 4,3 bilhões
arrecadados pelos Fundos Setoriais naquele ano.
As mesmas Leis que criaram a CIDE também reduziram a alíquota do Imposto de Renda
incidente sobre estas remessas, anteriormente de 25%, para 15%, de forma a manter a
carga tributária total no percentual de 25%.32 Posteriormente, em 2003 e 2004, novas
Leis acabaram fazer incidir sobre estas remessas também o ISSQN, o PIS-Importação e a
COFINS-Importação, onerando ainda mais a importação de serviços.33
No que toca à CIDE, apesar das regulamentações posteriores e das Instruções
Normativas da Receita Federal sobre esta matéria, sempre restaram controvérsias
acerca da interpretação das Leis e dos Decretos que regulamentam esta Contribuição e,
em especial, sobre qual sua base de incidência. Consolidou-se, no âmbito da advocacia
privada, a noção de que a Lei teria uma redação problemática e sujeita a interpretações
distintas.
Um primeiro questionamento foi sobre a incidência da CIDE sobre as remessas ao
exterior de royalties devidos por direitos autorais. A Câmara Superior do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) acabou definindo que a CIDE incide também
sobre esta modalidade de remessa. Aqui reside uma questão até maior, pois a noção de
royalties, na legislação tributária, vai muito além do que supostamente seria o objeto

32 Algumas alíquotas do IRRF sobre remessas haviam sido reduzidas antes da criação da CIDE. As distorções
causadas por diferentes alíquotas, conforme a natureza da remessa, levaram a Secretaria da Receita Federal - SRF a
propor a CIDE como forma de evitar práticas de administração tributária indesejáveis.
33 A importação de serviços está sujeita, além do IRRF e da CIDE, ao pagamento de PIS-Importação, do COFINS-

Importação, de IOF e do ISSQN. Ver: Confederação Nacional da Indústria, Tributação sobre importação de serviços:
impactos, casos e recomendações de políticas. Brasília, CNI, 2013.
19

inicial da Lei de abarcar contratos de transferência de tecnologia, ampliando, portanto,


a base de incidência da CIDE.34
Um segundo questionamento jurídico, mais importante que o anterior, refere-se à
necessidade ou não de que os contratos sobre os quais incidissem a CIDE necessitassem
ser de transferência de tecnologia e devessem ser averbados pelo Instituto Nacional da
Propriedade Industrial – INPI e registrados no Banco Central do Brasil. Esta interpretação
deriva da própria redação da Lei n⁰. 10.168/2000, que estabelece que a CIDE é “devida
pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos
tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de
tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior”. Esta controvérsia
gerou questionamentos jurídicos e segue sendo uma peça de insegurança jurídica,
embora no entendimento da Receita Federal do Brasil não exista esta limitação,
interpretação confirmada pelo Supremo Tribunal Federal - STF, valendo, portanto, a tese
de a CIDE, notadamente após sua ampliação pela Lei n.º 10.332/01, incide também
sobre contratos não averbados, com exceção do licenciamento de software.35
De fato, a Lei nº 11.452, de 2007, estranhamente introduziu um dispositivo novo na
legislação que criava a CIDE, determinando que esta contribuição não incidiria sobre a
remuneração pela licença de uso ou de direitos de comercialização ou distribuição de
programa de computador, salvo quando envolverem a transferência da correspondente
tecnologia.36 37
O que torna este fato estranho é que a CIDE objetivava exatamente estimular o
desenvolvimento tecnológico brasileiro. Não teria sentido fazer incidir a CIDE sobre
aqueles contratos em que se prevê a transferência de tecnologia e não a fazer incidir
sobre operações em que não há esta transferência de tecnologia. Basta para tanto
examinar a exposição de motivos que criou a CIDE e seus documentos iniciais, em que
um dos setores incentivados seria o de software, fato que deu origem ao Fundo Verde
Amarelo e à própria CIDE. 38
Aliás, desde a aprovação da nova Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), se
questiona a exigência de que os contratos desta natureza sejam averbados pelo Instituto
Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e registrados no Banco Central do Brasil. Um fato
que provavelmente inspirou a Instrução Normativa 70 do INPI, de 2017, atualizando norma

34 Ver: Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, nº 1455, de 06 de março de 2014, Art. 17 e ss. Para a
definição de royalties no âmbito do Imposto de Renda ver: Artigos 52 e ss, Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999.
35 “Pela Lei n.º 10.332/01 (...) a CIDE incide também, a partir de 1º de janeiro de 2002, nos pagamentos efetuados

pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência
administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas
jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários
residentes ou domiciliados no exterior. Assim, também os demais royalties – não só os de propriedade industrial –
estão abrangidos pelo tributo”. Apud: Barbosa, Denis B., Contratos em Propriedade Intelectual, sem data. Disponível
em: http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/apostilas/ufrj/contratos_propriedade_intelectual.pdf
36 Art. 20 da Lei nº 11.452/2007, que alterou o disposto na Lei nº 10.168/2000.
37 Ao longo dos anos, exceções à incidência da CIDE foram criadas por regimes tributários diferenciados, como no

caso do setor de petróleo e gás. Ver: Lei nº 12.249/2010.


38 “A proposta inicial (de criação dos Fundos Setoriais) tratava da criação dos seguintes Fundos: Petróleo,

Informática, Telecomunicações, Energia, Recursos Hídricos, Transporte, Mineral, Aviação Civil, Saúde,
Aeroespacial, Software e Inspeção Veicular. O Fundo de Software acabou dando origem ao Fundo Verde-Amarelo, o
de Inspeção Veicular nunca foi criado, em seu lugar originou-se o Fundo de Biotecnologia.” Pacheco, C. A., A
Criação dos “Fundos Setoriais” de Ciência e Tecnologia, Revista Brasileira de Inovação, Rio de Janeiro (RJ), 6 (1),
p.191-223, janeiro/junho 2007.
20

anterior que regulava o procedimento administrativo de averbação de licenças e cessões de


direitos de propriedade industrial e de contratos de transferência de tecnologia e franquia.
Estranho também, porque de há muito a Receita Federal interpreta que as importâncias
remetidas por pessoa jurídica domiciliada no País a residente ou domiciliado no exterior,
sob qualquer forma, como remuneração pelo direito de distribuir ou comercializar
programa de computador (software), se enquadram no conceito de royalties, devendo
inclusive ser registradas no Siscoserv, que acompanha as operações externas de
comercialização de serviços e bens intangíveis.
Por todas estas razões, seria conveniente atualizar as definições utilizadas na Lei n⁰
10.168/2000 (modificada pela Lei nº 10.332/01) e na sua regulamentação. De um lado
isto poderia trazer mais clareza sobre a real base de incidência da CIDE; de outro poderia
reforçar as receitas do Fundo Verde Amarelo, desde que fique claro que esta incidência
não implicasse em aumento da carga tributária, como originalmente havia sido proposto
na criação da Contribuição. A CIDE, nestas condições, poderia incidir não apenas sobre
os Serviços de propriedade intelectual e outros pagamentos de royalties, mas também
sobre as remessas a título de Serviços de telecomunicação, computação e informações
e sobre os Serviços de pesquisa e desenvolvimento, contabilizados na rubrica Outros
serviços de negócios do Balanço de Pagamentos. Isto tornaria mais clara a base de
incidência da CIDE e atenuaria eventuais práticas não recomendáveis de administração
tributária.
Evidentemente, uma alteração desta natureza pressupõe conseguir comprovar uma
efetiva não elevação de carga tributária. Talvez fosse factível no contexto proposto, ao
final este documento, de eliminação de uma série de contribuições criadas para amparar
outros Fundos Setoriais. Também seria mais factível, no decurso de uma reforma
tributária que simplificasse o sistema, revendo igualmente a incidência do PIS e da
COFINS sobre a importação de serviços. Ademais, há outras questões afetadas por uma
decisão desta natureza. De um lado, a redução do IRRF tem impacto nos Fundos de
Participação de Estados e Municípios, ainda que sejam valores baixos. De outro lado, há
que atentar para o fato de que os acordos de bitributação que o Brasil tem com vários
países tratam basicamente apenas do Imposto de Renda, sendo a CIDE muito
questionada por subsidiárias de empresas estrangeiras que operam no Brasil.3940

5. Uma Proposta de Reestruturação da Gestão do FNDCT

5.1. As questões de Governança do FNDCT

O esgotamento do modelo ‘setorial’ do FNDCT sugere que a reforma necessária não


pode se limitar à questão dos recursos, mas deve especialmente atacar a problemática

39 O Brasil tem cerca de trinta acordos de bitributação com países como China, Argentina, França, Coréia do Sul e
Japão, embora não tenha om países muito relevantes como Estado Unidos. Estes acordos tratam fundamentalmente de
Impostos sobre a Renda e incluem capítulos específicos sobre royalties, estabelecendo limites sobre a tributação nos
Estados contratantes, mas não incluem a CIDE sobre Remessas.
40 As negociações para entrada do Brasil na OECD colocam outras questões acerca da tributação de royalties. Ainda

que os princípios da ‘Tax Convention on Income and on Capital’ da OECD não sejam aceitos por muitos países, eles
partem do preceito de que a taxação de royalties derivados de patentes deveriam, como regra geral, se dar apenas no
país de residência do detentor da patente. OECD (2017), Model Tax Convention on Income and on Capital:
Condensed Version 2017, OECD Publishing.
21

de sua governança. As inúmeras iniciativas que retiraram poder de orientação


estratégica dos Comitês Gestores setoriais mostram que, no formato atual, eles não
fazem mais sentido, e que se deveria buscar um quadro institucional mais conciso e mais
eficaz. Seria conveniente que este novo desenho recuperasse parte da capacidade do
MCTIC de coordenar iniciativas no campo da C&TI de interesse mais amplo, da mesma
forma que seria também útil enfatizar dimensões da política de C&TI que ficaram ainda
mais relevantes, vinte após a criação do primeiro dos Fundos Setoriais, notadamente a
agenda da inovação, o apoio às startups e o fomento à pesquisa acadêmica de maior
ousadia e classe mundial.
Isto poderia ser combinado com uma enorme simplificação da legislação existente, dos
compromissos financeiros de diversos setores e com a supressão do esforço, na prática
apenas burocrático, de manutenção de inúmeros Comitês Gestores que não têm mais
função. Há atualmente, ao menos de forma nominal, 16 Fundos Setoriais, como pode
ser visto no quadro anexo a este documento. Eles remetem a 21 Leis e inúmeros
Decretos.
A estrutura de governa atual dos Fundos Setoriais está retratada na Figura VII. Ele reflete
os instrumentos já citados aqui e a Lei do FNDCT (Lei nº 11.540/2007). Por sobre os
Comitês Gestores dos Fundos, se colocam três outras instâncias41:
 O Conselho Diretor do FNDCT – CD, instituído pela Lei do FNDCT, órgão de
instância colegiada, deliberativa e de natureza permanente, responsável pela
definição das políticas, diretrizes e normas para a utilização dos recursos do
FNDCT. Presidido pelo Ministro de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações - MCTIC com participação de representes dos Ministérios da
Educação, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, do Planejamento,
Desenvolvimento e Gestão, da Defesa, da Fazenda, das agências Finep e CNPq e
de representantes das comunidades empresarial, científica e tecnológica, da
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMPRAPA e do BNDES, bem como
dos trabalhadores das áreas de ciência e tecnologia.
 O Comitê Coordenação Executiva – CCE: instituído pela Instrução Normativa nº
2 de 2010 do Conselho Diretor do FNDCT (alterada pela Instrução Normativa nº
1, de 2012), é instância responsável pelo detalhamento e implementação das
políticas e diretrizes emanadas do Conselho Diretor. Presidido pelo Secretário-
Executivo do MCTIC, com participação do Presidente da FINEP, do Presidente do
CNPq, do Secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do
MCTIC; do Secretário de Ciência e Tecnologia para Inclusão Social do MCTIC; do
Secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTIC e o Secretário
de Política de Informática do MCTIC.
 Comitê de Coordenação dos Fundos Setoriais – CCF, instituído pela Portaria
Ministerial do MCT nº 151, de 2004, atua como instância integradora das
estratégias de ação dos Comitês Gestores e é responsável pela compatibilização
dos interesses estratégicos nacionais definidos pelo Governo Federal. Presidido
pelo Secretário-Executivo do MCTIC, com a participação do Presidente da Finep,
do Presidente do CNPq, dos Presidentes dos Comitês Gestores dos Fundos

41 Ver: http://www.mctic.gov.br/mctic/opencms/fundos/fndct/paginas/conselho-diretor-cd.html.
22

Setoriais, do Presidente do CGEE, do Presidente da Agência Espacial Brasileira –


AEB, do Presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN e do
Subsecretário da Subsecretaria de Coordenação das Unidades de Pesquisa -
SCUP do MCTIC.
Em síntese são 16 Comitês Gestores Setoriais, dois Comitês de Coordenação e um
Conselho Diretor. São atribuições reforçadas pela Lei n⁰. 11.540/2007, que entre outras
coisas aponta que cabe ao Conselho Diretor definir as políticas, diretrizes e normas para
a utilização dos recursos do FNDCT, além de poder recomendar aos Comitês Gestores
medidas destinadas a compatibilizar e articular as políticas setoriais com a Política
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, por meio de ações financiadas com recursos
dos Fundos Setoriais.
Esta mesma Lei prevê a criação do Comitê de Coordenação já referido, com a finalidade
de promover a gestão operacional integrada dos Fundos Setoriais. Da mesma forma,
institucionaliza de forma definitiva as ações transversais, para apoiar diretrizes da
Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e prioridades da Política Industrial e
Tecnológica Nacional, relacionadas com a finalidade geral do FNDCT, mas não vinculadas
à destinação setorial específica prevista em Lei.

Figura VII
Estrutura de Governança dos Fundos Setoriais

Fonte: Relatório de Gestão do Exercício de 2017 do FNDCT, FINEP, Rio de Janeiro, 2018.

5.2. Uma Reengenharia dos Fundos Setoriais

Visto os problemas de financiamento, de desempenho e de governança dos Fundos


Setoriais, já é possível avançar para uma proposta preliminar de sua reforma. O que se
propõe aqui é reestruturar o FNDCT a partir do redirecionamento dos diversos Fundos
Setoriais existentes para um conjunto de quatro grandes ‘fundos’ (rubricas do FNDCT,
na forma atual), com alocação de aproximadamente ¼ dos recursos arrecadados para
23

cada uma destas categorias de programação específicas, todas tendo como Secretaria
Executiva a FINEP, mas podendo ser operados também pelo CNPq, que especificamente
coordenaria uma destas contas, acabando ao mesmo tempo com as ações transversais,
a saber:
 Fundo de Infraestrutura e Fomento à Ciência Básica (25% das receitas do
FNDCT), com o objetivo de fomentar a infraestrutura de pesquisa do país,
inclusive por meio de contratos de gestão com Organizações Sociais
qualificadas pela União, apoiar grupos de excelência, com foco na pesquisa
básica de maior ousadia e qualidade, e enfatizar a internacionalização da
colaboração acadêmica. Este Fundo seria operacionalizado pelo CNPq, com
papel similar ao de uma Secretaria Executiva do Fundo, e se constituiria na
prática no seu principal orçamento de fomento, complementado pelas fontes
do OGU, não sendo permitido utilizar recursos do Fundo para programas de
bolsas regulares, que deveriam ser cobertas pelo orçamento próprio do
CNPq;42
 Fundo de Fomento às Áreas de Ciências Aplicadas e Tecnologias Agrárias, da
Vida, Biológicas e da Saúde (25% das receitas do FNDCT), com o objetivo de
fomentar pesquisas nas áreas especificadas, sejam elas básicas ou aplicadas,
incluindo iniciativas de apoio à inovação e à pesquisa colaborativa universidade
empresa ou para empresas emergentes (startups), abarcando atividades ao
longo de toda a cadeia do conhecimento necessária para o desenvolvimento
científico e tecnológico destes setores, a serem definidos em Diretrizes
Estratégicas aprovadas anualmente pelo seu Comitê Gestor;
 Fundo de Fomento às Áreas de Ciências Aplicadas e Tecnologias em Energia,
Engenharias, Tecnologias da Informação e Comunicações e Aeroespacial (25%
das receitas do FNDCT), com o objetivo fomentar pesquisas nas áreas
especificadas, sejam elas básicas ou aplicadas, incluindo iniciativas de apoio à
inovação e à pesquisa colaborativa universidade empresa ou para empresas
emergentes (startups), abarcando atividades ao longo de toda a cadeia do
conhecimento necessária para o desenvolvimento científico e tecnológico
destes setores, a serem definidos em Diretrizes Estratégicas aprovadas
anualmente pelo seu Comitê Gestor;
 Fundo FNDCT Inovação (25% das receitas do FNDCT), com o objetivo de apoiar
atividades de risco tecnológico, em parceria com investidores anjos, fundos de
venture e de equity, com foco em startups de base tecnológica, fomentar
parcerias público-privadas voltadas à inovação tecnológica, pesquisa
cooperativa entre Universidade e Empresa, operar programas de subvenção
econômica a empresas e plataformas demonstradoras ou o escalonamento de
tecnologias e projetos de P&D pré-competitivo de empresas ou consórcios de
empresas, nos moldes do Art. 20 da Lei de Inovação.43 Este Fundo deveria
voltar-se a promover maior integração das ações da FINEP com outras

42 Esta definição ajudaria a nortear a alocação e recursos entre as atividades científicas e de inovação, na linha do
sugerido por Marcos Cintra: “Para facilitar a governança dos recursos, é desejável de antemão uma divisão dos
recursos entre atividades científicas de excelência e as atividades de inovação”, Cintra, Marcos, Financiamento à
Inovação no Brasil: Uma Política Pública Incompleta, position paper, junho de 2018.
43 Este artigo possibilita contratar ICT, entidades de direito privado sem fins lucrativos ou empresas, isoladamente ou

em consórcios, para a realização de atividades de P&D e inovação que envolvam risco tecnológico, para solução de
problema técnico específico ou para a obtenção de produto, serviço ou processo inovador.
24

agências, notadamente o BNDES, seguindo o exemplo positivo do Programa


Inova Empresa, bem como estar autorizado a apoiar pesquisas cooperativas
universidade empresa, por meio de contratos de gestão com a Embrapii.
Os dois novos Fundos propostos aqui e que mantém dimensões ‘setoriais’ teriam por
missão recuperar a relação do MCTIC com Ministérios importantes, como Saúde,
Agricultura, Energia e Defesa, bem como com o próprio MDIC. Eles deveriam resgatar
um papel mais ativo das Agências Reguladoras e dos Ministérios setoriais e buscar
articular recursos e políticas de C&TI com estas instituições. Para tanto seria importante
empoderar seus Comitês Gestores e proibir que o MCTIC usasse estes recursos para
cobrir atividades regulares de sua responsabilidade. Aqui o fundamental é a natureza da
composição e das atribuições dos Comitês Gestores, com ampla participação externa e
poderes inscritos na legislação que evitem o desvirtuamento do modelo. Também é
fundamental observar que se espera uma carteira ampla de projetos, incluindo pesquisa
básica até atividades de inovação, o que requer uma qualificação muito especial de seus
Comitês Gestores.
O Fundo de Infraestrutura e Fomento à Ciência Básica cumpriria a missão de assegurar
uma fonte estável de recursos para as atividades de fomento do CNPq, dando ao
Conselho um instrumento mais apropriado de operação, do que a atual sistemática de
repasses de recursos, negociados caso a caso, com o FNDCT. Ele seria complementar às
operações da FINEP, que deveria focar muito mais nas iniciativas de pesquisa aplicada e
inovação. Ele se inspira em praticamente todos os melhores exemplos internacionais,
como no caso da Suécia, para citar apenas um de excelente desempenho, em que ao
lado de uma agência focada na inovação (Vinnova), há outra estritamente voltada à
pesquisa básica (VR - Swedish Research Council).44
O último Fundo teria como foco atividades claramente identificadas com a agenda de
inovação tecnológica. Ele deveria ser estreitamente vinculado à agenda econômica do
Governo Federal, com uma preocupação essencial no aumento da competividade e em
ganhos de produtividade da economia brasileira. Ele deveria, por exemplo, ser a âncora
de articulação com outras instituições, como Sebrae, Apex, ABDI, BNDES, mas também
Agências Reguladoras setoriais, de um programa significativo de apoio a startups, que
não apenas estruturasse novos Fundos, mas atuasse junto à Comissão de Valores
Mobiliários - CVM, ao Ministério da Fazenda e ao Ministério da Previdência Social, na
regulação e estímulo à poupança de longo prazo destinada às atividades de risco
tecnológico.
Por fim, cabe também ressaltar que a reestruturação do FNDCT não será completa se ao
mesmo tempo não se buscar um mecanismo estável de funding para as operações de
crédito para P&D, efetuadas tanto pela FINEP, como pelo BNDES. Isto poderia ser parte
da reforma do FNDCT, carreando recursos da reserva de contingência dos Fundos
Setoriais já depositados no Tesouro Nacional, inclusive do Fundo para o
Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações - FUNTTEL, bem como de novos
recursos do Fundo Social como abordado anteriormente.

44 OECD Reviews of Innovation Policy: Sweden 2016, OECD, Paris, 2016.


25

6. Conclusão

Este texto procurou fazer um balanço da trajetória dos Fundos Setoriais, buscando nesta
avaliação as bases para uma proposta de reestruturação do FNDCT. Esta é uma
necessidade indicada por muitos atores e analistas das políticas de C&TI. Será
claramente uma tarefa complexa, trabalhosa e eventualmente demorada. Mas ela é
imperiosa e deve ser priorizada pelo novo Governo, inclusive valendo-se do contexto de
outras reformas mais amplas que estarão na sua agenda.
Embora trabalhosa, é uma tarefa factível. Contextos de crise impõe que este exercício
seja estimulado, caso contrário não teremos alternativa de fomentar o desenvolvimento
tecnológico e a inovação e teremos muitas dificuldades para ampliar a competitividade
e a produtividade da economia brasileira.
Evidentemente, uma reforma desta natureza dificilmente possa valer-se de um blueprint
acabado de partida. As sugestões aqui apresentar são, neste sentido, muito mais um
estímulo para reflexão do que um roteiro definitivo para ser implementado. Creio,
contudo, que podem ser um bom ponto de partida para uma reflexão mais ampla de
como reformar o modelo de financiamento ao desenvolvimento científico e tecnológico
do país.
26

Legislação dos Fundos Setoriais


Fundo Setorial Acrônimo Legislação
Lei nº 8.387, de 30/12/1991, Lei nº 10.176, de 11/1/2001, Decreto nº
Fundo Setorial da Amazônia CT-Amazônia
6.008, de 29/12/2006, lei nº 11.077, de 30/12/2004.
Lei nº 9.478, de 6/8/1997, Lei nº 11.921, de 13/4/2009, Decreto nº
2.455, de 14/1/1998, Decreto nº 2.705, de 3/8/1998, Decreto nº
Fundo Setorial de Petróleo e Gás Natural CT-Petro 2.851, de 30/11/1998, Decreto nº 3.318, de 30/12/1999, Decreto nº
3.520, de 21/6/2000, Lei nº 12.351, de 22/12/2010, Lei nº 12.858, de
9/9/2013.
Lei nº 9.991, de 24/7/2000, Lei nº 10.848, de 15/3/2004, Lei nº
Fundo Setorial de Energia CT-Energ 12.212, de 20/1/2010, Lei nº 12.111, 9/12/2009, Decreto nº 3.867, de
16/7/2001.
Fundo Setorial Mineral CT-Mineral Lei nº 9.992, de 24/7/2000, Decreto nº 4.324, de 6/8/2002.
Fundo Setorial de Recursos Hídricos CT-Hidro Lei nº 9.993, de 24/7/2000, Decreto nº 3.874, de 19/7/2001.
Fundo Setorial Espacial CT-Espacial Lei nº 9.993, de 24/7/2000, Decreto nº 3.866, de 16/7/2001.
Fundo Setorial de Transportes Terrestres e
CT-Transporte Lei nº 9.994, de 24/7/2000, Decreto nº 3.915, de 12/9/2001.
Hidroviários
Lei nº 10.168, de 29/12/2000, Lei nº 10.332, de 19/12/2001, Decreto
Fundo Verde Amarelo CT-Verde Amarelo ou FVA
nº 4.195, de 11/4/2002, Portaria nº 173, de 23/4/2004.
Lei nº 10.176, de 11/1/2001, Lei nº 10.644, de 22/4/2003, Lei nº
11.077, de 30/12/2003, Lei Complementar nº 11.452, de 27/2/2007,
Decreto nº 5.906, de 26/9/2004, decreto nº 6.008, de 29/12/2006,
Fundo Setorial de Tecnologia da
CT-Info Decreto nº 6.405, de 19/3/2008, Decreto nº 7.010, 16/11/2009,
Informação
Portaria MCT nº 97, de 27/2/2007, Portaria Interministerial
MCT/MDIC/MF nº 148, de 19/3/2007, Portaria MCT nº 178, de
23/3/2007
Fundo de Infraestrutura CT-Infra Lei nº 10.197, de 14/2/2001, Decreto nº 3.807, de 26/04/2001
Fundo Setorial de Saúde CT-Saúde Lei nº 10.332, de 19/12/2001, Decreto nº 4.143, de 25/02/2002
Fundo Setorial de Biotecnologia CTBiotecnologia Lei nº 10.332, de 19/12/2001, Decreto nº 4.154, de 07/03/2002
Fundo Setorial de Agronegócio CT-Agronegócio Lei nº 10.332, de 19/12/2001, Decreto nº 4.157, de 12/03/2002
Fundo para o Setor Aeronáutico CT-Aeronáutico Lei nº 10.332, de 19/12/2001, Decreto nº 4.179, de 02/04/2002
Fundo Setorial Aquaviário CT-Aquaviário Lei nº 10.893, de 13/7/2004, Decreto nº 5.252, de 22/10/2004
Programa de Incentivo à Inovação
Tecnológica e Adensamento da Cadeia INOVAR-AUTO Lei nº 12.715, 17/9/2012
Produtiva de Veículos Automotores
Fonte: Relatório de Gestão do Exercício de 2017 do FNDCT, FINEP, Rio de Janeiro, 2018.
27

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2017.pdf.

Relatório de Gestão do FNDCT, FINEP, Rio de Janeiro, diversos anos.


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