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“A história mostra que essas áreas do cenário de risco (dentro dos setores, em qualquer

momento; e no início, quando novos setores estão surgindo), que são


definidas pelo grande investimento financeiro, alto nível tecnológico e grande
risco mercadológico, tendem a ser evitadas pelo setor privado e têm exigido
grandes montantes de financiamento (de diferentes tipos) do setor público,
assim como a visão e o espírito de liderança do setor público para decolar. O
Estado está por trás da maioria das revoluções tecnológicas e longos períodos de
crescimento. É por isso que um “Estado empreendedor” é necessário para
assumir o risco e a criação de uma nova visão, em vez de apenas corrigir as
falhas do mercado.” (p. 42)

“(...)O fato de as principais empresas farmacêuticas estarem gastando cada


vez menos em P&D, enquanto o Estado está gastando mais — ao mesmo tempo
em que aumentam as quantias despendidas em recompra de ações —, torna esse
ecossistema de inovação específico muito mais parasitário do que simbiótico.
Isso não é efeito do crowding out : isso é parasitismo. Os esquemas de recompra
de ações fazem a cotação disparar, beneficiando os altos executivos,
administradores e investidores que detêm a maioria das ações da empresa. O
aumento do valor das ações não gera valor (a questão da inovação), mas facilita
sua extração. Os acionistas e os executivos acabam sendo “recompensados” por
pegar carona na onda da inovação criada pelo Estado.” (p. 45)
Antes desta passagem a autora aponta como duas grandes gigantes farmacêuticas, a
Pfizer e Amgem, vem reduzido drasticamente seus investimentos em P&D ao passo que
aumentam o montante de recursos destinados para o mercado financeiro.

“(...)O apoio e envolvimento do Estado em biotecnologia tomam várias formas,


sendo a mais importante delas o fato de que a enorme base de conhecimento da
qual dependem as empresas biofarmacêuticas se desenvolveu mais com
investimento do governo do que das empresas. Essa base de conhecimento se
expandiu com o investimento fundamental do governo no financiamento da
ciência básica. Na linha de frente estão os Institutos Nacionais de Saúde (NIH ) e
outros programas governamentais que investiram em muitas das conquistas
fundamentais sobre as quais a indústria construiu seu sucesso. Com base nos
dados relativos aos gastos do NIH levantados por Lazonick e Tulum (2011), é
fácil ver como esse financiamento foi crucial para a inovação biotecnológica. De
1978 a 2004, os gastos do NIH com pesquisas em ciências naturais chegaram a
365 bilhões de dólares. Entre 1970 e 2009, com exceção de uma pequena queda
em 2006, o financiamento dos NIH cresceu ano a ano em termos nominais, ao
contrário dos financiamentos flutuantes do capital de risco e do mercado de
ações.” (p. 90)
Seria interessante buscar uma atualização desse quadro, tendo como pano de fundo a
pandemia, e avaliar se essa situação pode evidenciar essa relação.

“Por que então o capital de risco costuma receber tanto crédito pela criação da
revolução biotecnológica? A história dos investimentos públicos e privados em
biotecnologia é perfeitamente descrita na frase atribuída a Paul Berg (ganhador
do Prêmio Nobel de Química em 1980) e citada no início deste capítulo. Berg
tinha consciência de que o Estado abriu o caminho para o futuro
desenvolvimento da indústria com a coragem, a visão e os financiamentos que
faltavam ao setor privado. Ou talvez, para sermos mais justos, investindo em
novas tecnologias até que a incerteza causadora do medo se transformasse em
mero risco.” (p. 92)
“A questão central deste capítulo foi mostrar que o investimento do Estado vai além da
pesquisa básica “sem objetivo definido”. Na verdade, ele se aplica a
todos os tipos de pesquisa “arriscada” e incerta, uma vez que o setor privado é,
sob muitos aspectos, menos empreendedor do que o setor público: ele foge de
produtos e processos radicalmente novos, deixando os investimentos mais
incertos para o Estado. Assim, apesar de necessária para que ocorra a inovação,
a pesquisa sem finalidade prática imediata está longe de ser suficiente e na
verdade o papel do Estado é mais profundo.(...)” (p. 92-3)

“O papel do Estado na Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa


(DARPA ) vai muito além do mero financiamento da ciência básica. Trata-se de
direcionar recursos para áreas e orientações específicas; trata-se de abrir novas
janelas de oportunidades; intermediar as interações ente os agentes públicos e
privados envolvidos no desenvolvimento tecnológico, incluindo aqueles entre o
capital de risco público e privado; e facilitar a comercialização (Block, 2008;
Fuchs, 2010).” (p. 95)
Aqui ela começa a desenvolver a sua tese.

“O lançamento do Sputnik, em 1957, provocou pânico entre os formuladores de


políticas americanos, receosos de estarem perdendo a batalha tecnológica para
os soviéticos. A criação da DARPA , em 1958, foi consequência direta. Antes
disso, os militares controlavam sozinhos todos os dólares investidos em P&D
para fins militares. Com a criação da DARPA , uma parte desses recursos passou a
ser usada para o “pensamento sem finalidade prática imediata” — ideias que
iam além do horizonte, que talvez não produzissem resultados em menos de dez
ou vinte anos. Com isso, a DARPA ficou livre para se concentrar no
desenvolvimento da inovação tecnológica com novas estratégias. Isso abriu
inúmeras perspectivas para cientistas e engenheiros, que propuseram ideias
inovadoras e receberam financiamento e colaboração (Block, 2008).
Indo muito além do simples financiamento das pesquisas, a DARPA financiou a
formação de departamentos de ciência da computação, deu apoio a start-ups com pesquisas
iniciais, contribuiu para a pesquisa de semicondutores, apoiou a pesquisa da interface homem-
computador e supervisionou os estágios iniciais da internet. Muitas dessas atividades foram
executadas por seu Information
Processing Techniques Office (IPTO ) [Departamento de Técnicas de
Processamento de Informação], criado originalmente em 1962. Essas estratégias
contribuíram enormemente para o desenvolvimento da indústria da informática
nas décadas de 1960 e 1970, e muitas das tecnologias incorporadas
posteriormente ao projeto do computador pessoal foram desenvolvidas por
pesquisadores financiados pela DARPA (Abbate, 1999).” (p. 97)
Historicizando...

Na chave apresentada pela autora na p. 96 o surgimento das start-ups tem uma


finalidade prática clara: desbravar caminhos arriscados e até incertos, por onde empresas
grandes e consolidadas não querem se aventurar! Tais empresas, por serem menores, tinham
custos infinitamente inferiores aos das grandes empresas consolidadas e isto se apresentava
como um atrativo adicional ao investimento estatal. Por outro lado, a ampliação do horizonte
de concorrência promovido pelo investimento estatal, fez com que as grandes empresas
precisassem se mexer para concorrer pelos recursos do Estado, que neste processo observou a
sua influência aumentar exponencialmente.

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