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Laís Nogueira Monteiro

Thiago Fernandes Peixoto Silva

MEDICINA
AMBULATORIAL
5ª edição
MEDICINA
AMBULATORIAL
© 2023 — copyright by
Rede de Ensino Terzi

MEDICINA AMBULATORIAL

CEO HNe
Hélcio Neto

VP HNe
Luiz Guilherme Calderon

Diretor Técnico-Científico RET


Bernardo Faria Levindo Coelho

Produção Editorial
Rede de Ensino Terzi

Preparação de Originais
Bernardo Faria Levindo Coelho

Projeto Gráfico e Diagramação


Bruno de Morais Oliveira

Revisão
Bernardo Faria Levindo Coelho
Ficha catalográfica Renan Detoffol Bragança

M489 Medicina ambulatorial / Organizadores:


Laís Nogueira Monteiro, Thiago Fernandes Capa
Peixoto Silva. – Revisores: Bernardo Faria Rede de Ensino Terzi
Levindo Coelho e Renan Detoffol Bragança
– 5. ed. – Belo Horizonte : Rede de Ensino Ilustrações
Terzi, 2023. 164p.; 17 × 24 cm. Rede de Ensino Terzi

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-84888-28-9
Reservados todos os direitos de
  1. Urgências médicas. 2. Medicina de publicação à Editora RET
emergência - Diagnóstico. 3. Protocolos
médicos. I. Título. II. Assunto. III.
Organizadores.
É proibida a duplicação ou reprodução
CDU: 612.08 deste volume, no todo ou em parte,
sob quaisquer formas, sem permissão
Bibliotecária Fernanda Costa CRB6/2730 expressa da Editora RET.
MEDICINA
AMBULATORIAL

5ª edição

Belo Horizonte
2022
ORGANIZADORES

Laís Nogueira Monteiro Thiago Fernandes Peixoto Silva

Discente do curso de Medicina pela Discente do curso de Medicina pela


Universidade de Itaúna (UIT). Atual- Universidade de Itaúna (UIT). Atual-
mente, é Diretora do corpo Científico mente, é Diretor do corpo Científico
da empresa HELPS Med; é Diretora da empresa HELPS Med; é Diretor
Sócio-Fundadora da rede social SOS de Comunicação do Comitê Brasi-
Medicina; é idealizadora e instruto- leiro das Ligas Acadêmicas de Orto-
ra do Curso Técnicas em Suturas. pedia e Traumatologia (CBLAOT); é
Ademais, foi membro da Liga Aca- Diretor Sócio-Fundador da rede so-
dêmica de Clínica Médica da UIT cial SOS Medicina; é membro da Liga
(LACLIM - UIT) durante 2019 e 2020 Acadêmica de Cirurgia Pediátrica da
e membro da Liga Acadêmica de Ur- UIT (LACIPE - UIT); é idealizador e
gência e Emergência da UIT (LAUEM instrutor do Curso Técnicas em Su-
- UIT) durante 2021 e 2022; foi Presi- turas. Ademais, foi Diretor Científico
dente da Liga Acadêmica de Derma- da Liga Acadêmica de Ortopedia e
tologia da UIT (LADERM - UIT) du- Traumatologia da UIT (LAOT - UIT)
rante 2019 e 2020; foi organizadora durante 2021 e 2022; foi membro da
e fundadora do Projeto de Extensão Liga Acadêmica de Pneumologia da
Musicalidade - UIT; foi voluntária UIT (LAPNEUMO - UIT) durante 2019
no Projeto de Extensão "Passaporte e 2020; foi membro da Liga Acadê-
para Aquarela V" (PpA5); foi membro mica de Cardiologia da UIT (LACUIT)
organizadora da segunda edição da durante 2019 e 2020; foi membro do
Semana Médico-Científica da Uni- Projeto de Extensão "Musicalidade"
versidade de Itaúna (SEMCI - UIT); durante 2019 e 2020; foi membro
participou do Diretório Acadêmico do diretório acadêmico no cargo de
no cargo de Coordenação de Ligas Coordenador Sociocultural durante
durante 2021 e 2022. Saiba mais. 2019 e 2020. Saiba mais.
SUMÁRIO

SEÇÃO 1 - DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA PERIFÉRICA

Capítulo 1. Doença arterial obstrutiva periférica: introdução ........... 11


Valéria Alves Campos
Julia Maria Campos Martins
Gabriel Guimarães Barbosa
Ana Carolina Mendes de Sá

Capítulo 2. Diagnóstico da doença arterial obstrutiva periférica ..... 14


Luiza da Conceição Sabadini
Gleison Carlos Arantes Filho
Matheus Silva Cordeiro Jabour
Lívia Oliveira Campos

Capítulo 3. Classificação e tratamento clínico


da doença arterial obstrutiva periférica ................................................. 20
Pedro Nilo Vilaça e Silva
Joao Vitor Goulart Marius
Pedro Ferreira Mendes
Bruna Godinho Pereira

Capítulo 4. Tratamento cirúrgico e complicações


da doença arterial obstrutiva periférica ................................................. 26
Lorenzo Bueno Fernandes
Castilho Vitor Quirino dos Santos
Luiz Augusto Castro Ribeiro

SEÇÃO 2 - HANSENÍASE

Capítulo 5. Aspectos gerais da hanseníase ........................................... 31


Aila Fernandes Oliveira Cardoso
Gabriela de Menezes Leite Praça
Jescejeime de Andrade Júnior
João Paulo Almeida Rodrigues

Capítulo 6. Diagnóstico e manejo terapêutico da hanseníase ........ 36


Carlos Pereira dos Santos Junior
Christina Santos Barbosa
Débora Stefany Fernandes
Luciana do Prado Rocha
Capítulo 7. Predisposição e prevenção da hanseníase ...................... 43
Karenn Parreiras Pires Barcaro
Mylena Ventury Conterini
Thais Fava Sanches
Vitória Novaes Portella

Capítulo 8. Avanços recentes acerca da hanseníase ......................... 46


Arthur Leandro Ribeiro de Freitas
Gabriella Mesquita Bonfim
Igor Gabriel Machado Soares
Mariana Santos Cardoso

SEÇÃO 3 - OSTEOMIELITE

Capítulo 9. Aspectos gerais acerca da osteomielite .......................... 55


Víctor Morelli Andrade Barbosa
Dhara Vitória César Garcia
Ian Garrido Kraychete
Manoela Amaral Francisco

Capítulo 10. Patogênese bacteriana, fisiopatologia


e manifestações clínicas da osteomielite ............................................ 60
Jéssica Chávare
Arthur Rezende Gonçalves
Jenniffer Kelly Assis de Barros
Warley Cleiton Rufino Fernandes

Capítulo 11. Classificação e investigação


diagnóstica da osteomielite ...................................................................... 64
Laura Pifano Soares
Melanie Monteiro Rodrigues
Helena Fontenelle de Carvalho Costa
Isabela Luz de Moraes

Capítulo 12. Manejo terapêutico, complicações


e medidas preventivas da osteomielite .................................................. 71
Ana Carolina de Souza Cerqueira
Giovanna Dandara Leite Silvério de Sousa
Lucas Guilherme Souza Santos
SEÇÃO 4 - SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL

Capítulo 13. Etiologia e fisiopatologia


do sangramento uterino anormal ............................................................ 79
Mariana Maia Batista
Laura Paiva Eisenberg
Letícia Rennó Schumann
Paulo José Soares André Oliveira

Capítulo 14. Manifestações clínicas e


diagnóstico do sangramento uterino anormal ..................................... 86
Manuella Martins de Moura
Cindy Lima Vidigal Malta
Pedro Negreiros Lemos

Capítulo 15. Tratamento e prognóstico


do sangramento uterino anormal ............................................................. 91
Luís Filipe Fernandes Cabral
Lara Maria Toledo Pires
Vitória Carvalhais Goulart
Millena Kellen Sousa Carvalho

SEÇÃO 5 - SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS

Capítulo 16. Epidemiologia e etiologia


da síndrome dos ovários policísticos ..................................................... 99
Luciana Penido Ribeiro
Leandra Carla Saez Martins
Luisa Carolina Sena Cota
Renata Silva Ferreira

Capítulo 17. Fisiopatologia e manifestações


clínicas da síndrome dos ovários policísticos .................................... 104
Amanda Nascentes Coelho dos Santos Omer
Ana Madeira Carneiro Braga de Freitas
Ana Luiza Lacerda Ribeiro
João Vitor Carmo de Novaes
Capítulo 18. Investigação diagnóstica
da síndrome dos ovários policísticos ..................................................... 110
Letícia Dias Dantas
Julia Resende Silva
Maria Eduarda Evangelista Resende
Ana Carolina Camargos Guimarães

Capítulo 19. Manejo terapêutico e prognóstico


da síndrome dos ovários policísticos ..................................................... 114
Camilla Fruchtengarten
Ana Clara Lemos de Andrade
Bruno Pyramo Braga de Souza
Cláudio Renê Barreiros Júnior

SEÇÃO 6 - TIREOIDECTOMIA

Capítulo 20. Funções endócrinas metabólicas


da tireoide e indicações para tireoidectomia ....................................... 121
Julia Oliveira Santos
Amanda Mendes Rocha
Augusto César da Silva Ramos
Sérgio Gustavo Romeiro Barcaro

Capítulo 21. Avaliação pré-operatória e


abordagem cirúrgica por lobectomia tireoidiana ............................... 126
Marcelo Oliveira Teixeira Roly
Beatriz Cerqueira Prinz
Beatriz Duarte Ferreira

Capítulo 22. Tireoidectomia total, complicações,


cuidados e avaliação pós-operatória ..................................................... 131
Anna Carlinda Arantes de Almeida Braga
Ingrid Santana Oliveira
Ana Elisa Choucair Hosken Arão
Pablo Vinicius Flores
Capítulo 23. Pós-operatório, hormônio da paratireoide,
benefícios e desvantagens da tireoidectomia .................................... 138
Ana Luiza Andrade Rabelo
Igor Diniz Gonçalves
Igor Yury Silva

SEÇÃO 7 - TRANSTORNOS ALIMENTARES

Capítulo 24. Panoramas gerais dos transtornos alimentares ......... 145


Bárbara Farkasvolgyi
Beatriz Charbel Leitão de Almeida
Daniella Flávia Alvarenga Gonçalves
Thiago Vitor de Melo Ferreira

Capítulo 25. Classificação dos transtornos alimentares ................ 149


Esther Marchisotti Ferreira
Lucca D Heronville Watanabe
Rafaela Gontijo Lima
Sarah Fonseca e Silva

Capítulo 26. Novas perspectivas dos transtornos alimentares ..... 154


Daiane Cristine Silva Lopes
Giovanna Queiroz Marques de Mendonça
Lucas Valadares Motta
Marcela de Oliveira Vitarelli

Capítulo 27. Associação dos transtornos alimentares


à gravidez e aos distúrbios de sono-vigília ......................................... 159
Ana Carolina Quintino Ferreira
Mariana Queiroz Cunha Marques
Luís Filipe Souza Trindade
SEÇÃO 1
DOENÇA ARTERIAL
OBSTRUTIVA PERIFÉRICA

CAPÍTULO 1
DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA
PERIFÉRICA: INTRODUÇÃO
Valéria Alves Campos
Julia Maria Campos Martins
Gabriel Guimarães Barbosa
Ana Carolina Mendes de Sá

INTRODUÇÃO

A Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP) tem por de-


finição o acometimento da aorta e seus ramos, ocorre predomi-
nantemente decorrente de fenômenos ateroscleróticos sistêmicos.
A DAOP dos membros inferiores se define pela oclusão em algum
ponto desde o segmento aortoilíaco às artérias pediosas. As mani-
festações mais presentes nos pacientes com DAOP incluem clau-
dicação intermitente, dor em repouso, redução da capacidade

11
Medicina ambulatorial

funcional e perda da integridade dos tecidos nos membros, devido


a isquemia crítica nestes, o que pode levar a sua amputação. Além
disso, tendo em vista sua fisiopatologia relacionada à aterosclerose,
a DAOP é tida como um importante fator de risco cardiovascular
(ADAY; MATSUSHITA, 2021; ANNEX; COOKE, 2021).
Entre os fatores de risco para o desenvolvimento de DAOP
podemos citar como principais a idade avançada e o tabagismo,
outros relacionados são a hipertensão arterial, diabetes, dislipide-
mia e história de doença cardiovascular. Estudos apontam que a
DAOP acomete cerca de 5 a 10 milhões de americanos e, à medida
que a população envelhece, esse número tende a aumentar. Estu-
dos anteriores sugeriam que a DAOP era típica de homens cauca-
sianos, sendo mais frequente no sexo masculino. Entretanto, dados
atuais mostram que a frequência em mulheres pode ser igual ou
mesmo maior (TEODORESCU; VAVRA; KIBBE, 2013; MIRANDA; CO-
VRE; PRESTI, 2015; BAROCHINER; APARICIO; WAISMAN, 2014).

FATORES DE RISCO

Os fatores de risco mais relevantes da DAOP são: tabagismo,


idade avançada, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus,
dislipidemia e doença renal crônica. Quando se compara pacientes
com DAOP que são tabagistas e os que não são, aqueles que fumam
possuem uma taxa de mortalidade duas vezes maior em relação aos
que não fumam, ademais, de maneira geral, é nítido na literatura a
correlação do tabagismo com um pior prognóstico da doença. Ou-
trossim, vale ressaltar que o cigarro é o fator de risco mais determi-
nante para o desenvolvimento da DAOP (FIRNHABER; POWELL, 2019).

12
Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

PATOGÊNESE

A aterosclerose é uma doença crônica imuno inflamatória e


fibroproliferativa em artérias de grande e médio calibre relacionada
ao depósito de lipídios, envolvendo processos fisiológicos nos níveis
celular e molecular. É importante enfatizar que irritantes ambien-
tais como o tabagismo, fatores de risco cardiometabólicos como hi-
pertensão, hiperlipidemia, diabetes e sedentarismo, além de fatores
genéticos, contribuem para os estágios iniciais desse processo. Jun-
tos, uma variedade de citocinas, fatores de crescimento, hormônios
e moléculas de adesão, irão participar da formação de um trombo
intraluminal (MULLER et al., 2013).
As etapas básicas na formação de um trombo intraluminal
em membro inferior serão descritas a diante. Inicialmente, o coles-
terol LDL do sangue passa pelas células endoteliais disfuncionais
e entram em sua camada íntima, onde são oxidados. Prontamente
os monócitos detectam a inflamação local e migram para a parede
arterial, englobando o LDL oxidado e tornando se em células espu-
mosas, que aparecem histologicamente como uma linha gordurosa.
Quando as células espumosas morrem, elas liberam seu conteúdo
lipídico, criando um núcleo lipídico envolto por células musculares
lisas que proliferam e formam uma capa fibrosa. Quanto mais LDL
se acumula, mais a membrana elástica externa se expande gerando
um esforço para manter o fluxo sanguíneo (MULLER et al., 2013).
Eventualmente, o vaso não será capaz de compensar esse
processo e a placa se projetará cada vez mais para dentro do lúmen,
aumentando assim a sua resistência e a rigidez. Com o tempo pode
haver a sua ruptura, seguida de cicatrização. Este é um importante
processo patológico pelo qual os trombos passam, aumentando o
seu tamanho e reduzindo a perfusão sanguínea para regiões mais
distais (MULLER et al., 2013).

13
Medicina ambulatorial

CAPÍTULO 2
DIAGNÓSTICO DA DOENÇA ARTERIAL
OBSTRUTIVA PERIFÉRICA

Luiza da Conceição Sabadini


Gleison Carlos Arantes Filho
Matheus Silva Cordeiro Jabour
Lívia Oliveira Campos

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A claudicação intermitente é o sintoma mais característico


da DAOP. Ela se origina da diminuição do aporte de fluxo sanguíneo
para os membros inferiores durante atividade física e se manifesta
como dor ou desconforto na região da panturrilha, induzida por ca-
minhada ou outro exercício e que é consistentemente aliviada após
o repouso. Pode resultar em incapacidade funcional e redução sig-
nificativa da qualidade de vida (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015; FIR-
NHABER; POWELL, 2019).
Apesar de característico, apenas 10% das pessoas sabida-
mente com DAOP apresentam claudicação intermitente. Cerca de
50% apresentam sintomas atípicos de dor (dor ao esforço que não
impede o indivíduo de andar, não envolve as panturrilhas ou não se
resolve dentro de 10 minutos de repouso) e o restante dos pacien-
tes são assintomáticos (TEODORESCU; VAVRA; KIBBE, 2013; FIR-
NHABER; POWELL, 2019).
Outros achados do exame físico de um paciente com DAOP
incluem alteração do índice tornozelo-braquial (medido em repouso
ou após exercício), da ausculta das artérias femorais (sopros) e da

14
Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

palpação dos pulsos das áreas da extremidade inferior (femoral


comum, poplítea, tibial anterior e tibial posterior). Ainda, pode-se
identificar nos membros inferiores, perda de pelos, pele brilhante,
atrofia muscular e úlceras arteriais (caracterizadas por lesões bem
demarcadas, “punched-out”) (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015; FIR-
NHABER; POWELL, 2019).
Também é válido ressaltar que as mulheres tendem a ser
mais assintomáticas ou a ter seus sintomas mascarados ou mal in-
terpretados como artrite, osteoporose ou estenose espinhal. Ade-
mais, o exame físico para detecção de DAOP pode ser mais enganoso
nas mulheres, já que elas tendem a ter uma distribuição periférica
de gordura depositada, particularmente, na parte inferior do corpo.
Isso explica por que as mulheres, quando finalmente diagnostica-
das, apresentam doença mais avançada, maior percentual de isque-
mia crítica de membros e pior qualidade de vida do que os homens
(ANNEX; COOKE, 2021).

DIAGNÓSTICO CLÍNICO

A Diretriz da AHA/ACC de 2016 explicita oito principais acha-


dos do histórico e exame físico sugestivos de DAOP: (i) pulsos dos
membros inferiores diminuídos, (ii) marcha prejudicada, (iii) claudi-
cação intermitente, (iv) dor isquêmica em repouso, (v) gangrena de
membros inferiores, (vi) ferida não cicatrizante em membro inferior,
(vii) palidez em elevação de pernas ou rubor dependente e (viii) so-
pro vascular (FIRNHABER; POWELL, 2019). Entretanto, como a maio-
ria dos pacientes com DAOP são assintomáticos, a utilização de um
método diagnóstico objetivo é essencial para o diagnóstico ade-
quado, de forma que vários métodos – invasivos e não invasivos –
estão disponíveis na contemporaneidade (BAROCHINER; APARICIO;
WAISMAN, 2014; ADAY; MATSUSHITA, 2021).

15
Medicina ambulatorial

A angiotomografia contrastada, apesar de ser considera o


padrão-ouro para o diagnóstico de DAOP, possui relevantes riscos
associados à exposição ao contraste e à radiação, portanto, vale
ressaltar que existe um método não invasivo, menos oneroso e sem
riscos como teste preferencial de DAOP: o Índice Tornozelo-Braquial
(ITB) em repouso, como dispositivo de triagem primária e que deve
ser posterior ao diagnóstico clínico e anterior às modalidades inva-
sivas (BAROCHINER; APARICIO; WAISMAN, 2014; CRIQUI et al., 2021).
Para mensurar o ITB, o paciente deve estar em posição su-
pina para que seja aferida a Pressão Arterial Sistólica (PAS), bilate-
ralmente, nas artérias braquiais, pediosas e tibiais posteriores com
o auxílio de um manguito de esfigmomanômetro e uma sonda Do-
ppler. Em seguida, o resultado da razão entre a maior leitura das
duas pressões do tornozelo – pediosa e tibial posterior – sobre a
maior leitura da pressão da artéria braquial direita ou esquerda in-
dica o valor do ITB, devendo ser calculado separadamente para cada
membro (ADAY; MATSUSHITA, 2021). Nesse sentido, valores > 1,0 e
≤ 1,3 são considerados normais; > 0,9 e ≤ 1,0 são limítrofes; > 0,7 e
≤ 0,9 indicam DAOP leve; > 0,4 e ≤ 0,7 indicam DAOP moderada; e
< 0,4 indicam DAOP severa (FIRNHABER; POWELL, 2019).
O ITB demonstra estar diretamente relacionado à gravidade
da DAOP, de forma que pacientes com valores < 0,5 e < 0,4 têm risco
maior de isquemia crítica de membros e dor em repouso ou perda
de tecido, respectivamente. Ademais, pacientes com ITB ≤ 0,9 apre-
sentam maior propensão ao desenvolvimento de outros fatores de
risco cardiovasculares – insuficiência cardíaca, diabetes mellitus e
acidente vascular encefálico – e maior taxa de mortalidade. Outros-
sim, a incorporação do ITB na estratificação do risco cardiovascular
demonstrou melhor modificação dos fatores de risco e precisão da
predição (TEODORESCU; VAVRA; KIBBE, 2013).
É importante ressaltar que valores ≥ 1,3 são sugestivos de va-
sos incompressíveis dos membros inferiores devido, provavelmente,

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Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

à aterosclerose grave e/ou calcificação, sendo, portanto, um índice


limitado em pacientes muito idosos, com diabetes ou insuficiên-
cia renal em estágios avançados. Nesses casos, para desmascarar
o índice elevado, recomenda-se mensurar o índice hálux-braquial
(IHB), o qual segue protocolo semelhante ao ITB, mas o resultado
é obtido pela razão entre a maior PAS do hálux direito ou esquerdo
sobre a maior PAS da artéria braquial direita ou esquerda, devendo
também ser realizado para cada membro. Valores > 0,7 são conside-
rados normais; > 0,4 e ≤ 0,7 indicam anormalidade e DAOP; e < 0,4
indicam DAOP severa (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015; CRIQUI et al.,
2021; ADAY; MATSUSHITA, 2021).
Além disso, em casos de suspeita de DAOP, mesmo com ITB
normal em repouso ou pacientes com claudicação intermitente, o ITB
pós-exercício está associado ao aumento do rendimento do teste.
Para tanto, pode-se lançar mão de testes de exercício em esteira com
protocolo padronizado de carga em progressão ou fixa com inclina-
ção positiva de 12° a 3,2 km/h (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015).
Apesar de não serem patognomônicos para o diagnóstico de
DAOP, métodos de imagem adicionais podem ser úteis na avaliação
da distribuição e extensão da doença, bem como no planejamento
da revascularização (ADAY; MATSUSHITA, 2021).

ECODOPPLER DUPLEX

O Ecodoppler duplex é um método de exame por imagem


que auxilia na identificação precisa de vasos com alguma obstrução
ou estenose. Esse é um método diagnóstico não invasivo e livre de
radiação que permite avaliar o padrão circulatório através da análise
do fluxo sanguíneo. Para a realização do exame, utiliza-se o trans-
dutor do ecógrafo, esse desliza sobre a pele com auxílio de um gel
aplicado no local. Dessa forma, são fornecidas imagens a partir da

17
Medicina ambulatorial

onda sonora emitida e, assim, é possível ter uma visualização da cir-


culação sanguínea local e de possíveis alterações nos vasos avalia-
dos (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015).
Por ser um procedimento indolor, não invasivo e seguro, o
Ecodoppler duplex é um método de exame de imagem muito uti-
lizado para auxiliar não só no diagnóstico de doenças vasculares,
como é o caso da DAOP, como também para o acompanhamento de
pacientes submetidos a outros procedimentos, como enxertos de
bypass e angioplastia, auxiliando, dessa forma, na análise da pervie-
dade do vaso. O Ecodoppler duplex também possui algumas limita-
ções, como na análise de artérias muito calcificadas, em pacientes
obesos ou na avaliação de regiões com presença de úlceras abertas
que podem estar presentes em quadros avançados da doença (BA-
ROCHINER; APARICIO; WAISMAN, 2014).
Na DAOP, como há estenose ou obstrução de segmentos ar-
teriais, exames de imagem como o Ecodoppler duplex podem ser
úteis para auxiliar na análise do fluxo sanguíneo arterial do local
avaliado e, assim, orientar a revascularização quando necessária.
Portanto, os exames de imagem, embora não sejam imprescindíveis
para o diagnóstico da DAOP, são ferramentas de grande utilidade
para acompanhamento e orientação do profissional quanto ao local
de obstrução, estenose ou calcificação vascular, já que permitem
uma avaliação do padrão circulatório no membro acometido (ADAY;
MATSUSHITA, 2021).

ANGIOTOMOGRAFIA

A Angiotomografia Computadorizada (ATC) é outro método


de diagnóstico disponível na avaliação de DAOP. Entretanto, é con-
siderado um exame caro e de alta complexidade. A ATC permite que

18
Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

o profissional avalie as estruturas e a anatomia com maior deta-


lhamento, uma vez que concilia técnicas de angiografia juntamente
com a tomografia computadorizada, permitindo uma avaliação tridi-
mensional dos vasos analisados. Nesse procedimento, o paciente é
submetido a uma radiação ionizante, bem como o uso de contraste
iodado (BAROCHINER; APARICIO; WAISMAN, 2014).
Embora não seja necessária para diagnosticar um paciente
com DAOP, a ATC é um método de suma importância em momentos
em que julga-se necessário uma melhor avaliação e mapeamento
da região onde se encontra a patologia, e também em pacientes que
necessitam realizar a revascularização. Sendo assim, na maioria dos
casos, a ATC apresenta-se como um exame adicional, com cerca de
90% de especificidade e sensibilidade ao comparar-se com o exame
da angiografia contrastada (CRIQUI et al., 2021).
A ATC auxilia no desenvolvimento do plano terapêutico e na
viabilidade de possíveis procedimentos invasivos em indivíduos com
DAOP. Essa técnica permite uma avaliação rápida e por completo do
sistema circulatório mapeado. Entretanto, pacientes que apresen-
tam um quadro de calcificação e múltiplas oclusões em vasos tibiais
pequenos, por exemplo, a ATC não se enquadra como um método
eficiente, devido a sua dificuldade em detectar casos de calcificação
(CRIQUI et al., 2021). Além disso, há desafios quanto ao uso desse
método em pacientes alérgicos ao contraste iodado e com quadro
de disfunção renal (BAROCHINER; APARICIO; WAISMAN, 2014).

19
Medicina ambulatorial

CAPÍTULO 3
CLASSIFICAÇÃO E TRATAMENTO CLÍNICO DA
DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA PERIFÉRICA

Pedro Nilo Vilaça e Silva


Joao Vitor Goulart Marius
Pedro Ferreira Mendes
Bruna Godinho Pereira

CLASSIFICAÇÃO DA DOENÇA ARTERIAL


OBSTRUTIVA PERIFÉRICA

A apresentação clínica da DAOP pode variar desde quadros


assintomáticos a isquemias críticas que resultam em lesões trófi-
cas extensas. Essa variabilidade de sintomas e a necessidade de pa-
dronizar uma linguagem em que se pudesse classificar os pacientes
portadores da DAOP originou duas classificações distintas, conhe-
cidas como Classificação de Fontaine e Classificação de Rutherford
(MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015).
A classificação de Fontaine foi originalmente proposta em
1954 por Fontaine e colaboradores e aloca os pacientes em quatro
estágios. Posteriormente, foi proposta por Rutherford e colabora-
dores em 1997 uma nova classificação que separa os portadores da
doença em 7 categorias. Ambas as classificações estão ilustradas
na Tabela 1 (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015).

20
Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

Tabela 1. Classificações da DAOP baseadas na


sintomatologia clínica
Classificação de Fontaine Classificação de Rutherford

Estágio I: Assintomático Categoria 0: Assintomático

Categoria 1: Claudicação leve


Estágio IIa: Claudicação
intermitente limitante
Categoria 2: Claudicação moderada

Estágio IIb: Claudicação


Categoria 3: Claudicação severa
intermitente incapacitante

Estágio III: Dor isquêmica


Categoria 4: Dor em repouso
em repouso

Categoria 5: Lesão trófica pequena


Estágio IV: Lesões tróficas
Categoria 6: Necrose extensa

FONTE: MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015

Existe ainda uma classificação da DAOP não baseada em


sintomas, mas em achados de imagem. É, portanto, mais objetiva e
consequentemente é mais utilizada na prática clínica para orientar
a conduta terapêutica, especialmente cirúrgica. Trata-se da classi-
ficação conhecida como TASC II, inicialmente proposta em 2000 e
atualizada em 2007 pelo TransAtlantic Intersociety Consensus. Essa
classificação considera os critérios extensão da lesão, segmento ar-
terial afetado (como o aortoilíaco ou o femoropoplíteo, por exem-
plo), presença de oclusão arterial completa e lesões calcificadas
(MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015).

21
Medicina ambulatorial

EXERCÍCIOS E CESSAÇÃO DO TABAGISMO

A prática de exercícios físicos regulares é uma abordagem


terapêutica de grande valor no manejo de paciente com DAOP, fa-
zendo sempre parte do plano de tratamento inicial destes pacientes
(MULLER et al., 2013).
A atividade física consistente aumenta a capacidade funcio-
nal dos pacientes com insuficiência arterial, aumentando o tempo
de caminhada livre de dor. Além disso, atua sobre fatores de risco
– tais como resistência insulínica, obesidade central e dislipidemia
– para doença aterosclerótica sistêmica, reduzindo a progressão da
doença, tanto em artérias periféricas quanto no sistema circulató-
rio cardíaco e cerebral. Dessa forma, a atividade física é uma tera-
pia barata e eficaz na melhora da qualidade de vida e prognóstico
do paciente com DAOP, reduzindo sintomas, progressão da doença,
uso de medicamentos e tratando comorbidades associadas (MUL-
LER et al., 2013).
A recomendação atual é que o paciente realize exercícios,
tais como caminhada em esteira, entre 3 a 5 vezes na semana. O
paciente deve caminhar até sentir dor leve ou moderada, repetindo
a atividade com a resolução dos sintomas. É importante salientar
que exercícios supervisionados são mais efetivos no tratamento do
que atividades não-supervisionadas (MULLER et al., 2013).
A cessação do tabagismo é outro aspecto da modificação
comportamental necessária ao tratamento da DAOP. O tabagismo é
fortemente associado a doenças cardiovasculares, sendo um fator
de risco importante para o desenvolvimento e progressão da doença
arterial periférica. A persistência do hábito nestes pacientes se asso-
cia com maior incidência de isquemia ameaçadora ao membro, ne-
cessidade de revascularização e amputação, enquanto a interrupção
do tabagismo se relaciona com melhores desfechos em estudos ob-

22
Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

servacionais. As estratégias terapêuticas incluem aconselhamento e


intervenção farmacológica com terapia de reposição de nicotina, bu-
propiona ou vareniclina (HOLDER; GUTIERREZ; ADAY, 2021).

ANTICOAGULANTE E ESTATINAS

O tratamento antitrombótico é um dos pilares do tratamento


conservador da DAOP, e compreende a administração de terapia an-
tiplaquetária e anticoagulantes. No que tange aos anticoagulantes,
no estudo COMPASS (Cardiovascular Outcomes for People Using An-
ticoagulation Strategies), a adição de rivaroxabana de baixa dose
(2,5 mg, duas vezes ao dia) à aspirina em pacientes com doença
arterial coronariana e DAOP sintomática reduziu o risco relativo de
eventos adversos cardíacos maiores em 28%, e de eventos adversos
graves nos membros em 46%. Por outro lado, também aumentou o
risco absoluto de sangramento importante em 1,2%, mas sem au-
mento do risco de hemorragia intracraniana (HARDUNG et al., 2021;
FIRNHABER; POWELL, 2019).
Em relação à varfarina, antagonista da vitamina K, a terapia
em conjunto com a aspirina não evidenciou benefício em relação à
aspirina isolada, pois não representou redução relevante em even-
tos adversos cardíacos maiores e houve significativo aumento de
sangramentos com risco de vida. É importante ressaltar que a es-
colha do uso de antiplaquetários e antitrombóticos em pacientes
com DAOP é baseada em múltiplos fatores, incluindo comorbida-
des adicionais – como diabetes, presença de doença aterosclerótica
polivascular, revascularização arterial prévia, indicações para anti-
coagulação terapêutica (por exemplo, fibrilação atrial ou tromboem-
bolismo venoso) – e outras condições que podem aumentar ainda
mais o risco de sangramento (HOLDER; GUTIERREZ; ADAY, 2021).

23
Medicina ambulatorial

Outro ponto importante a ser abordado no contexto da DAOP


é a dislipidemia aterogênica. Esta é caracterizada por concentrações
elevadas de colesterol total e baixos níveis de lipoproteínas de alta
densidade (HDL), e representa um forte fator de risco para o desen-
volvimento de DAOP. Por mais que dados demonstrando uma liga-
ção entre o colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-C) e a
DAOP incidente sejam escassos, estudos recentes mostraram um be-
nefício consistente da melhora do perfil lipídico para reduzir eventos
adversos cardíacos maiores, bem como o acometimento de mem-
bros em pacientes com DAOP (HOLDER; GUTIERREZ; ADAY, 2021).
Nesse sentido, as diretrizes dos EUA recomendam que to-
dos os pacientes com DAOP sejam tratados com terapia de estatina
de alta intensidade para uma redução de LDL-C de 50% ou mais, en-
quanto as diretrizes europeias recomendam uma meta de LDL-C in-
ferior a 70 mg/dL. As opções de estatina de alta intensidade incluem
atorvastatina 40 a 80 mg/d ou rosuvastatina 20 a 40 mg/d. Em pa-
cientes com DAOP que não atingem seu alvo de LDL-C apenas com
terapia com estatina, deve-se usar terapia hipolipemiante adicional
com ezetimiba ou um inibidor de PCSK9. A atorvastatina de alta in-
tensidade também melhora a distância de caminhada livre de dor e a
atividade física em comunidade naqueles com claudicação intermi-
tente (HOLDER; GUTIERREZ; ADAY, 2021; FIRNHABER; POWELL, 2019).

TERAPIA ANTIPLAQUETÁRIA

Quando abordamos um paciente com DAOP, devemos nos


atentar às complicações clínicas mais expressivas – eventos cardio-
vasculares e eventos vasculares que afetam os membros – o que
leva à necessidade do manejo clínico antitrombótico, visando mini-
mizar os índices de agravamento do quadro. O tratamento antitrom-

24
Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

bótico consiste na associação entre a Terapia Antiplaquetária (APT)


e anticoagulantes, amplamente utilizados nos pacientes com DAOP
(HARDUNG et al., 2021; FIRNHABER; POWELL, 2019).
A terapia antiplaquetária inibe a agregação das plaquetas,
processo fundamental para a formação dos coágulos. Os agentes
antiplaquetários mais utilizados incluem o Ácido acetilsalicílico (ini-
bidor da ciclooxigenase-1) e Clopidogrel (inibidor do receptor P2Y12
ADP). Segundo a metanálise divulgada pelo Antithrombotic Trialists'
Collaboration, o uso da APT levou a uma redução relativa de 23%
nos índices de complicações vasculares graves em pacientes com
DAOP. Os estudos randomizados mostraram que a utilização da APT
é baseada em alguns fatores, como presença de comorbidades, re-
vascularização arterial prévia e condições que propiciem o sangra-
mento (HOLDER, T. A.; GUTIERREZ, J. A.; FIRNHABER; POWELL, 2019).
Tratando-se de uma terapia com manejo ainda discutido,
devemos ponderar quanto ao risco-benefício diante do quadro ex-
posto pelo paciente, tendo como variáveis o risco de sangramento
em oposição ao risco de isquemia do membro. Para pacientes com
quadro de risco alto de sangramento associado a um baixo risco de
isquemia do membro, não devemos utilizar a APT, optando pelo uso
da anticoagulação isolada. Para pacientes com alto risco de sangra-
mento, associado a alto risco de isquemia, devemos iniciar a utili-
zação de APT por 4 semanas em associação com a anticoagulação,
mantendo a terapia isolada com anticoagulantes após. Para pacien-
tes com baixo risco de sangramento, associado a quadro com alto
risco de isquemia, optamos pela terapia combinada contínua (HAR-
DUNG et al., 2021).
Outras terapias antiplaquetárias utilizadas no tratamento
farmacológico da DAOP consistem na utilização do Cilostazol, me-
dicação com efeito antiplaquetário, antitrombótico e vasodilatador.
Distintas metanálises evidenciaram uma melhora no quadro de clau-

25
Medicina ambulatorial

dicação dos pacientes após utilização do medicamento, segundo a


diretriz de 2018 da American Heart Association (AHA) e do American
College of Cardiology (ACC) o Cilostazol é a única medicação eficaz
para melhora dos sintomas dos pacientes com DAOP que queixam
dificuldade na deambulação, evidenciando um aumento significante
nas distâncias percorridas pelos pacientes com claudicação após a
tratamento farmacológico com a droga (HOLDER, T. A.; GUTIERREZ,
J. A.; MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015; CRIQUI et al., 2021).

CAPÍTULO 4
TRATAMENTO CIRÚRGICO E COMPLICAÇÕES DA
DOENÇA ARTERIAL OBSTRUTIVA PERIFÉRICA

Lorenzo Bueno Fernandes


Castilho Vitor Quirino dos Santos
Luiz Augusto Castro Ribeiro

TRATAMENTO CIRÚRGICO

O tratamento cirúrgico da (DAOP pode ser dividido em duas


abordagens principais: cirurgia convencional e endovascular, sendo
necessário analisar de maneira criteriosa o uso destas em deter-
minados pacientes (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015; FIRNHABER;
POWELL, 2019).
A terapia cirúrgica convencional consiste na realização de
uma cirurgia aberta, a qual é comumente realizada a endarterecto-
mia ou enxerto de by-pass (FIRNHABER; POWELL, 2019). A cirurgia

26
Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

de revascularização distal com veia autóloga para o portadores de


isquemia crítica grave apresenta taxas de perviedades primárias e
secundárias de 70,7% e 77,7%, respectivamente após 5 anos, eviden-
ciando, dessa forma, sua efetividade terapêutica. Entretanto, atu-
almente, sua recomendação deve ser limitada para pacientes que
possuem estilo de vida comprometido pela doença e quando a te-
rapia endovascular é contraindicada ou apresentou falha terapêu-
tica (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015; FIRNHABER; POWELL, 2019).
A respeito do tratamento cirúrgico endovascular, o cirurgião
pode realizar uma angioplastia com cateter-balão ou com stent pri-
mário. No segmento Aorto-ilíaco, de acordo com a metanálise pu-
blicada em 2011, na qual foi avaliada a angioplastia percutânea no
tratamento de pacientes com lesões ilíacas (TASC C e D), foram ob-
servados desfechos a curto e longo prazo, aceitáveis, com melhora
da perviedade com o uso de stent primário. Já no segmento femoro-
poplíteo, o documento TASC 2006 preconiza a angioplastia com ba-
lão como terapia endovascular primária, contudo, com o progresso
no desenho estrutural de stents e a experiência técnica obtida pelos
cirurgiões vasculares, de acordo com TASC C e D, estudos recentes
estão demonstrando benefícios na opção pelo uso do stent primário
em lesões mais extensas. Por fim, no segmento infrapoplíteo, a an-
gioplastia transluminal percutânea vem apresentando resultados de
perviedade, salvamento de membro e sobrevida aceitáveis em curto
e médio prazo (MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015).
Ademais, existe a possibilidade do uso de stents e balões
com propriedades farmacológicas. Existem evidências de que o tra-
tamento endovascular da isquemia crítica com balões liberado-
res de paclitaxel proporciona melhores resultados de perviedade
quando comparados com balões convencionais. Por outro lado, os
ensaios clínicos SIROCCO I e II, que compararam o uso de stent com
sirolimus versus stents convencionais de nitinol em artéria femoral
superficial, e o ensaio STRIDES, que comparou o uso de everolimus

27
Medicina ambulatorial

com stents convencionais em artérias femoral superficial e poplítea,


não mostraram diferença significativa na redução de reestenoses
(MIRANDA; COVRE; PRESTI, 2015).
Percebe-se, pois, que tanto a revascularização arterial peri-
férica convencional quanto a endovascular são importantes etapas
do tratamento de um paciente com sintomas mais graves de uma
DAOP. Nesse cenário, o estudo BASIL (Bypass versus angioplasty in
severe ischaemia of the leg), publicado em 2005, evidenciou que o
tratamento endovascular apresentou menos complicações e meno-
res custos em até 12 meses. Por outro lado, a cirurgia convencional
apresentou menor necessidade de reintervenções para preserva-
ção da perviedade. Ainda nesse estudo, é importante ressaltar que
o grupo cirúrgico apresentou maior tendência de mortalidade em
até seis meses, entretanto, após esse período, houve inversão (MI-
RANDA; COVRE; PRESTI, 2015).

COMPLICAÇÕES

No que se refere a DAOP, os profissionais de saúde devem


sempre se atentar para possíveis quadros de complicações relacio-
nadas à doença. Por exemplo, a mortalidade é uma das complicações
mais frequentes, sendo que, uma pesquisa realizada pelos Centros
de Controle e Prevenção de Doenças no ano de 2019, demonstrou
que dos 58.210 casos de mortes sem menção tinham 11.753 indiví-
duos que possuíam DAOP como causa base da morte, ou seja, 20,19%
dessa amostra. Uma associação fortemente ligada a incidência de
mortes por DAOP é o Índice Tornozelo Braquial (ITB), uma metanálise
com 48.294 indivíduos explicitou que o risco de mortalidade calcu-
lado em 10 anos para homens é de 18,7% para ITB ≤ 0,90, o que di-
fere para as mulheres que possuem taxas na casa de 12.6% (ADAY;
MATSUSHITA, 2021).

28
Seção 1 | Doença arterial obstrutiva periférica

Outra complicação observada é a necessidade de amputa-


ções. Nos EUA existem alguns fatores externos que se relacionam com
o aumento do índice do risco de amputações por DAOP, como po-
pulações negras e em vulnerabilidade socioeconômica. Ademais, te-
mos também as questões de segmentos, as quais pode-se dizer que
quanto mais distais as amputações menores os riscos de complica-
ções. As amputações são consideradas uma boa opção para quadros
graves de DAOP, no entanto, são por outro lado, marcadores de des-
fechos cardiovasculares pouco favoráveis (ADAY; MATSUSHITA, 2021).
Por fim, temos que a Isquemia Aguda de Membros (IAM)
também é uma complicação expressiva na DAOP. Alguns estudos
que explicitam a incidência desta complicação retratam uma taxa
de acometimento não muito considerável das populações estuda-
das. Em contrapartida, algo digno de nota é que boa parcela desta
que evoluem para óbito. Por exemplo, a mortalidade geral foi de
quase 20% da população acometida por IAM numa parcela de 138
casos na Suécia – 1,5 milhões de pessoas – em um ano (1980). Es-
tudos mais recentes como o EUCLID com 13.885 participantes com
DAOP estudaram a evolução para IAM, dizendo que apenas 0,02%
desta população foram acometidos (ADAY; MATSUSHITA, 2021).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. ADAY, A. W.; MATSUSHITA, K. Epidemiology of Peripheral Artery Disease and Poly-


vascular Disease. Circulation Research, v. 128, n. 12, p. 1818–1832, 11 jun. 2021.

2. ANNEX, B. H.; COOKE, J. P. New Directions in Therapeutic Angiogenesis and


Arteriogenesis in Peripheral Arterial Disease. Circulation Research, v. 128, n. 12,
p. 1944–1957, 11 jun. 2021.

29
Medicina ambulatorial

3. BAROCHINER, J.; APARICIO, L.; WAISMAN, G. Challenges associated with pe-


ripheral arterial disease in women. Vascular Health and Risk Management, p.
115, mar. 2014.

4. CRIQUI, M. H. et al. Lower Extremity Peripheral Artery Disease: Contemporary


Epidemiology, Management Gaps, and Future Directions: A Scientific State-
ment From the American Heart Association. Circulation, v. 144, n. 9, 31 ago. 2021.

5. FIRNHABER, J. M.; POWELL, C. S. Lower Extremity Peripheral Artery Di-


sease: Diagnosis and Treatment. American Family Physician, v. 99, n. 6, p.
362–369, 15 mar. 2019.

6. HARDUNG, D. et al. Antithrombotic Treatment for Peripheral Arterial Occlusive


Disease. Deutsches Ärzteblatt international, 9 ago. 2021.

7. HOLDER, T. A.; GUTIERREZ, J. A.; ADAY, A. W. Medical Management of Peripheral


Artery Disease. Cardiology Clinics, v. 39, n. 4, p. 471–482, nov. 2021.

8. MIRANDA, F.; COVRE, M.; PRESTI, C. Projeto Diretrizes SBACV DOENÇA AR-
TERIAL PERIFÉRICA OBSTRUTIVA DE MEMBROS INFERIORES DIAGNÓSTICO
E TRATAMENTO Planejamento e Elaboração -Gestões 2012/2015 Elaboração
final: novembro de 2015 Participantes: Responsável pelo Projeto Diretrizes da
SBACV: Calógero Presti Coordenação geral. [s.l: s.n.].

9. MULLER, M. D. et al. Physiology in Medicine: Peripheral arterial disease. Jour-


nal of Applied Physiology, v. 115, n. 9, p. 1219–1226, 1 nov. 2013.

10. TEODORESCU, V. J.; VAVRA, A. K.; KIBBE, M. R. Peripheral arterial disease in


women. Journal of Vascular Surgery, v. 57, n. 4, p. 18S26S, abr. 2013.

30
SEÇÃO 2
HANSENÍASE

CAPÍTULO 5
ASPECTOS GERAIS DA HANSENÍASE
Aila Fernandes Oliveira Cardoso
Gabriela de Menezes Leite Praça
Jescejeime de Andrade Júnior
João Paulo Almeida Rodrigues

DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

A infecção bacteriana crônica provocada pelo bacilo gram-


-positivo intracelular obrigatório chamado Mycobacterium leprae (M.
leprae) é chamada de hanseníase e afeta principalmente a pele e
o sistema nervoso periférico (SNP). No entanto, a grande variedade
de respostas imunológicas dos pacientes e seus aspectos clínicos
faz com que a doença seja classificada em um espectro de cinco
formas, cujos nomes são: tuberculoide (TT), borderline tuberculoide
(BT), borderline borderline (BB), borderline lepromatosa (BL) e lepro-

31
Medicina ambulatorial

matosa (LP). Além disso, a classificação de acordo com o envolvi-


mento do sistema nervoso e com a quantidade de lesões cutâneas,
contendo a hanseníase paucibacilar e multibacilar, é utilizada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS). Há cerca de 40 anos, existe
tratamento medicamentoso para a hanseníase, ofertado gratuita-
mente pela OMS, o que ampliou taxas de cura e reduziu o número
de novos casos em vários países (MI; LIU; ZHANG, 2020; MAKHAKHE,
2021; CABRAL et al., 2022).
Ademais, a hanseníase tem, como características clínicas,
alterações físicas – como placas hipopigmentadas e hiposensíveis
na pele ou deformações –, e causa incapacitação permanente. Além
disso, há por volta de 65% de chance de comprometimento da fun-
ção dos nervos em pacientes em tratamento de início há menos de
dois anos; e indivíduos tratados e curados há 10-15 anos têm 30%
a 35% de chance de apresentar incapacidade física. Dessa maneira,
possui consequências em âmbitos social, econômico e cultural, uma
vez que é fruto de preconceito, o que prejudica a procura pelo diag-
nóstico, a realização do tratamento correto e a saúde mental do
indivíduo. Assim, embora a OMS tenha comunicado, em 2005, que
essa doença não é mais considerada um problema de saúde pública,
não houve redução significativa da taxa de incidência em países em
desenvolvimento e locais de vulnerabilidade social, sendo notifica-
dos aproximadamente 200.000 novos casos por ano (DE MACEDO
et al., 2020; ACHDIAT; ARIYANTO; SIMANJUNTAK, 2021; MAKHAKHE,
2021; BARBOSA et al., 2022; FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).
Outrossim, a hanseníase permanece endêmica em determi-
nados países, como Índia e Brasil. Neste, em 2019, foram contabiliza-
dos 27.863 novos casos da doença; em 2020, no entanto, houve uma
redução de 41,4% na detecção de novos casos no país: essa queda,
entretanto, foi atribuída ao cenário de pandemia por COVID-19, au-
mentando o subdiagnóstico da doença, problema já existente no

32
Seção 2 | Hanseníase

Brasil anteriormente. Ademais, estima-se que mais da metade dos


casos de hanseníase no mundo concentram-se na Índia, represen-
tado em termos estatísticos cerca de 63% da população porta-
dora da doença no mundo. Por conseguinte, em 2020, contaram-se
127.558 novos casos no mundo, localizados majoritariamente – cerca
de 74% – no Brasil, na Índia e na Indonésia. Outrossim, a principal
maneira de transmissão é o contato doméstico, principalmente as-
sociado à idade superior a 50 anos e escolaridade baixa. Contudo,
nesses países foi identificado que 50% das transmissões foram rea-
lizadas em espaços não domésticos (SENGUPTA, 2019; BARBOSA et
al., 2022; CABRAL et al., 2022).

MECANISMOS DE TRANSMISSÃO DA DOENÇA

A hanseníase é conhecida por ser transmitida por meio do


contato prolongado e íntimo com uma pessoa infectada. No en-
tanto, os principais organismos que atuam como reservatório da
doença são ainda desconhecidos, o que dificulta a prevenção e o
controle da lepra. Além disso, existem outras formas de transmis-
são que não foram completamente compreendidas, como a trans-
missão aérea da doença (PLOEMACHER et al., 2020).
Além disso, pesquisas sobre a transmissibilidade da doença
por animais ou insetos foram direcionadas por meio de pesquisa de
zoonoses e vetores. As evidências mais sólidas mostram um risco
aumentado de transmissão por meio de partículas de aerossóis in-
fecciosos, criados por tosse e espirro, mas possivelmente também
por contato pele a pele. Revisões sistemáticas ressaltam, também,
que a transmissão de pessoa para pessoa não é a única maneira
pela qual a hanseníase pode ser adquirida sendo que a transmis-
são antroponótica e zoonótica são propostas como formas de con-

33
Medicina ambulatorial

trair a doença, com base em dados que mostram linhagens de M.


leprae compartilhadas entre humanos, tatus e esquilos (PLOEMA-
CHER et al., 2020).
Quanto aos hospedeiros é mostrado que o bacilo da lepra é
um patógeno intracelular obrigatório que nunca foi cultivado in vitro,
mas pode ser cultivado in vivo em animais experimentais. No ano
de 1971 foi relatado a primeira infecção experimental bem sucedida
do tatu-galinha com o patógeno. Desde então é conhecido que nas
américas há o compartilhamento do bacilo entre humanos e tatu-
-galinha. Na Inglaterra, em 2016, foram encontradas cepas do M. le-
prae em esquilos vermelhos. Essa descoberta foi inesperada visto
que a hanseníase era anteriormente apenas descrita em humanos e
tatus. A partir de então, esses estudos também indicaram a infec-
ção dessa espécie de esquilo com o mesmo patógeno que infecta o
ser humano (PLOEMACHER et al., 2020).
Outrossim, as vias de transmissão por meio desses animais
possivelmente estão inter-relacionadas com o meio ambiente, po-
rém o ciclo ecológico envolvido por essa via ainda não é conhecido.
Isso pode explicar em parte a incidência global constante da han-
seníase, visto que a terapia multi medicamentosa reduz apenas a
transmissão de pessoa para pessoa. Portanto mais pesquisas são
necessárias para esclarecer os mecanismos de transmissão da do-
ença (PLOEMACHER et al., 2020).

FISIOPATOLOGIA

Como abordado anteriormente, a transmissão não é total-


mente compreendida, mas estudos evidenciam que ela ocorre de
pessoa a pessoa em convívio próximo de suscetíveis com doentes
sem tratamento por meio do trato respiratório superior, através de
aerossóis infecciosos e possivelmente por contato pele a pele. É esti-

34
Seção 2 | Hanseníase

mado que mais de 95% dos infectados sejam naturalmente resisten-


tes ao M. leprae e não irão desenvolver sinais ou sintomas da doença.
Porém, em um pequeno número de expostos, a infecção pode não
ser controlada, ocorrendo o crescimento e a disseminação da bac-
téria nas células do hospedeiro (FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).
Além disso, em termos imunológicos, a resposta imune in-
clui a resposta inata e adaptativa após o contato com o bacilo. A pri-
meira, constitui a resposta inicial em que receptores toll-like (TLR)
identificam o agente por meio de macrófagos, os quais irão secretar
interleucinas – principalmente interleucina 12 (IL-12) – e, por meio
das células dendríticas, irão apresentar o antígeno aos linfócitos T,
causando sua ativação e induzindo-os à diferenciação em linfócitos
de perfil Th1, os quais irão induzir componentes da resposta imune
para eliminação do bacilo (FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).
Outrossim, a doença é separada em um espectro de formas
fundamentado em características clínicas, baciloscópicas e histo-
patológicas; os polos tuberculoide e virchowiano caracterizam os
extremos entre o controle bacteriano e a infecção disseminada, res-
pectivamente. Pacientes com predominância da resposta Th1, diante
da liberação de interleucina 2 (IL-2), interferon gama (IFN-γ), fator de
necrose tumoral alfa (TNF-a) e IL-12, irão evoluir para o forma tu-
berculoide da doença, apresentando poucas lesões de pele e pou-
cos bacilos. Por outro lado, caso a ativação da resposta Th1 for fraca
e houver um predomínio da resposta Th2, a qual cursa com libera-
ção de IL-4, IL-6 e IL-10, acontecerá menor ativação de macrófa-
gos e maior estimulação de linfócitos B e mastócitos, com evolução
do paciente para a forma virchowiana da hanseníase, apresentando
múltiplas lesões cutâneas com alta carga bacilar (CABRAL et al.,
2022; FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).

35
Medicina ambulatorial

CAPÍTULO 6
DIAGNÓSTICO E MANEJO
TERAPÊUTICO DA HANSENÍASE

Carlos Pereira dos Santos Junior


Christina Santos Barbosa
Débora Stefany Fernandes
Luciana do Prado Rocha

CLASSIFICAÇÃO E ACHADOS CLÍNICOS

A hanseníase foi classificada em 1966 por Ridley-Jopling ba-


seada em características clínicas, baciloscópicas e histopatológicas.
Como dito anteriormente, essa classificação divide a doença em dois
polos principais (TT e LP) e um polo intermediário (BT, BB e BL) que
caminharia para um dos polos principais na evolução natural da do-
ença. O tipo de estratificação do paciente dependerá da maneira
como a resposta imune acontecerá diante da presença do bacilo.
Aqueles com forte resposta imunológica celular Th1 apresentarão
poucas lesões e pequena quantidade ou ausência de micobacté-
rias à baciloscopia. Doentes que não desenvolveram imunidade ce-
lular protetora, ditos anérgicos, manifestarão múltiplas lesões e alta
carga bacilar (CHEN et al., 2022; FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).
Na maioria das ocorrências, a hanseníase tuberculoide é
estável, raramente contagiosa e autolimitada; nela é possível en-
contrar granulomas bem definidos que atingem a epiderme e con-
sistem em células epitelioides, células gigantes multinucleadas e
macrófagos, circundados por um anel de linfócitos T CD4+ com o

36
Seção 2 | Hanseníase

achado de poucos ou nenhum bacilo. Clinicamente, esses pacientes


apresentam placas anulares eritematosas bem definidas e perda de
sensibilidade, variando de uma a cinco lesões, podendo apresentar-
-se com alopecia e/ou anidrose (CHEN et al., 2022; FROES; SOTTO;
TRINDADE, 2022).
Por outro lado, indivíduos com hanseníase virchowiana (forma
lepromatosa) apresentam um grande número de lesões, as quais no
exame histopatológico revelam granulomas com macrófagos vacuo-
lizados (células de Virchow). Clinicamente, essa forma caracteriza-se
por lesões bilaterais extensas e múltiplas, incluindo máculas, pápu-
las, nódulos e placas. Ademais, evidencia-se a predileção do M. le-
prae por regiões mais frias do corpo, percebida ao exame atento pelo
endurecimento difuso da face, orelhas e/ou membros (cotovelos e
joelhos). O acometimento neural na hanseníase LP tende a ser lento
e múltiplo, piorando durante os episódios reacionais, evoluindo, por-
tanto, mais precocemente para incapacidades (CHEN et al., 2022;
FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).
Entre os polos tuberculoide (resposta imune de células com-
petentes) e virchowiano (ausência de resposta imune celular especí-
fica) estão as formas borderlines ou dimorfas. Na histopatologia, as-
sim como na apresentação clínica, a hanseníase borderline apresenta
aspectos tanto do polo tuberculoide quanto do polo virchowiano.
Em indivíduos com apresentação clínica BT, as lesões variam em
número de cinco a dez, com bordas maiores e menos definidas. Os
troncos neurais são aumentados assimetricamente, causando neu-
ropatia mais grave, com infiltração neural no exame histopatológico
(CHEN et al., 2022; FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).
Todavia, em indivíduos com manifestação da forma BB cos-
tuma haver dezenas de placas anulares assimétricas na pele. Nesse
sentido, o achado clássico é a lesão boderline, tipicamente anular
com bordas externas mal delineadas e bordas internas bem defi-
nidas. Além disso, os pacientes podem ter espessamento de nervos

37
Medicina ambulatorial

periféricos e neurite crônica. Por fim, doentes que manifestam a forma


BL também podem apresentar as clássicas lesões borderline descritas
acima, que podem estar associadas a pequenas máculas, pápulas e
nódulos de diferentes formas e tamanhos. Ademais, costuma ocorrer
envolvimento clínico assimétrico e generalizado dos nervos periféri-
cos; a resposta inflamatória tecidual nessas lesões é semelhante à da
hanseníase LP, porém com maior circunscrição da resposta imune
celular (CHEN et al., 2022; FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).
Ademais, a hanseníase em sua apresentação inicial, deno-
minada hanseníase “indeterminada”, costuma ter manifestação clí-
nica discreta, representada por uma pequena mácula hipocrômica
com sensibilidade diminuída na pele, podendo haver hipoidrose e/
ou afinamento dos pelos no local da lesão. A histopatologia mostra
apenas a presença de infiltrado linfo-histiocitário de localização pe-
rineural e perianexial, sem a presença de bacilos. A hanseníase in-
determinada pode evoluir para cura espontânea ou para qualquer
uma das cinco apresentações clássicas, dependendo do padrão de
resposta imune desenvolvido pelo hospedeiro (CHEN et al., 2022;
FROES; SOTTO; TRINDADE, 2022).
Em 1982, a OMS estabeleceu uma classificação operacional
com base no índice bacteriano (IB) – densidade dos bacilos da han-
seníase no exame de pele – para acesso à assistência médica em
regiões onde os recursos médicos são insuficientes e dividiu a do-
ença em paucibacilar (PB) e multibacilar (MB). Os PB indicam aque-
les que têm IB menor que 2, e os MB, têm IB maior ou igual a 2. Ou-
trossim, em 1988, o Comitê de Especialistas em Hanseníase da OMS
recomendou que o tratamento fosse iniciado antes dos exames de
baciloscopia; assim, foram desenvolvidos métodos de classificação
práticos e rápidos que não exigiam equipamentos de diagnóstico
caros e não colocavam em risco os profissionais de saúde de pri-
meira linha. De acordo com essa classificação, os casos PB são de-
finidos como aqueles em que há menos de cinco lesões cutâneas
e/ou apenas um tronco nervoso acometido, enquanto os casos MB

38
Seção 2 | Hanseníase

envolvem mais de cinco lesões cutâneas e/ou mais de um tronco


nervoso. A classificação dos pacientes com hanseníase em multiba-
cilares e paucibacilares determina a duração do tratamento: 12 me-
ses e 6 meses, respectivamente (CHEN et al., 2022; FROES; SOTTO;
TRINDADE, 2022).

DIAGNÓSTICO

O exame clínico é o primeiro passo e também a principal


ferramenta para o diagnóstico de hanseníase na grande maioria dos
casos, sendo as lesões de pele a primeira manifestação clínica fre-
quentemente encontrada. Assim, os principais critérios diagnósti-
cos, segundo a OMS são: lesão cutânea hipocrômica ou eritematosa
com perda de sensibilidade local; espessamento ou alargamento do
nervo periférico com perda de sensibilidade e/ou fraqueza do mús-
culo envolvido; bacilo álcool-ácido resistente em um esfregaço de
pele/biópsia. Dessa forma, quando as três alterações estão presen-
tes, a acurácia no diagnóstico chega a 95% (CHEN et al., 2022).
Ademais, outro método que pode auxiliar no diagnóstico é o
exame de baciloscopia. A coleta deverá ocorrer preferencialmente no
local da lesão ativa ou com alteração de sensibilidade, bem como no
lóbulo da orelha e no cotovelo contralateral; na ausência de lesão, é
realizado um raspado intradérmico em lóbulos de orelha e cotove-
los bilateralmente. Dessa maneira, após a coleta de amostra, é feita
a coloração de Ziehl-Neelsen para visualizar a presença de bacilos
álcool-ácido resistentes; o resultado positivo indica que o paciente
possui a doença; contudo, o resultado negativo não exclui o diag-
nóstico de hanseníase pois o teste tem uma sensibilidade de 50%
e especificidade de 100%. Além disso, outra importante ferramenta
diagnóstica é a biópsia de pele, através da qual é possível analisar a
extensão da doença e as características do infiltrado. A análise his-
topatológica pode ser útil para diferenciar o tipo de hanseníase. Por

39
Medicina ambulatorial

exemplo, na forma TT, os bacilos são escassos, enquanto que na


forma LP existe um infiltrado inflamatório com numerosos bacilos.
Vale ressaltar que a especificidade deste exame complementar varia
de 70-72% e a sensibilidade é de 49-70% (CHEN et al., 2022).
Outra possibilidade é o teste de lepromina. Trata-se de uma
injeção intradérmica na superfície flexora do antebraço contendo o
antígeno M. leprae inativado; nesse sentido, a leitura do resultado
é feita em dois tempos: a primeira, é chamada de reação de Fer-
nandez e a segunda, reação de Mitsuda. O teste é positivo quando
o nódulo formado é > 5 mm e trata-se de uma reação de hipersen-
sibilidade tardia; pacientes do polo TT possuem uma forte reação
cutânea, enquanto pacientes do polo LP não desenvolvem nenhuma
reação. Esse teste é útil para confirmar a classificação da hansení-
ase e também para fins prognósticos (CHEN et al., 2022).

TRATAMENTO

De acordo com a OMS, o tratamento da hanseníase é com-


posto de uma poliquimioterapia única, envolvendo as drogas: rifam-
picina, dapsona e clofazimina. O tempo de tratamento irá depender
da classificação da doença, na forma paucibacilar ocorre por 6 me-
ses e na forma multibacilar se estende por 12 meses, como abordado
anteriormente. Ademais, o Ministério da Saúde (MS) está alinhado
com a OMS e recomenda que uma vez por mês ocorra a adminis-
tração supervisionada da medicação em Unidade básica de Saúde
(UBS) para garantir a efetividade do tratamento (MAKHAKHE, 2021).
Como segunda linha terapêutica, as drogas minociclina,
ofloxacina e claritromicina estão entre os medicamentos usados
para o tratamento da doença. Os pontos fortes da poliquimiotera-
pia incluem a prevenção da resistência à dapsona, rápido declínio
na infecciosidade dos indivíduos infectados e baixa taxa de recor-
rência de reações hansênicas do tipo I e tipo II, que geralmente

40
Seção 2 | Hanseníase

ocorrem após início da antibioticoterapia. A do tipo I é caracteri-


zada por uma mudança clínica da doença em direção ao polo LP,
e a do tipo II é caracterizada pela formação do eritema nodoso
hansênico devido ao grande número de bacilos mortos. Ademais,
o esquema de poliquimioterapia consiste em auto administrações
diárias de dapsona e clofazimina pelo paciente, na dose de 100 mg
e 50 mg respectivamente. Outrossim, mensalmente ele deve rea-
lizar uma administração supervisionada por profissional da saúde
de 100 mg de dapsona, 300 mg de clofazimina e 600 mg de rifam-
picina. No caso de crianças, a auto administração de clofazimina
ocorre em dias alternados na dose de 50 mg, e a dapsona é ad-
ministrada diariamente na dose de 50 mg. Assim como o adulto, a
criança deve realizar uma administração mensal supervisionada em
UBS: dapsona 50 mg, clofazimina 150 mg e de rifampicina 450 mg
(MAKHAKHE, 2021; CHEN et al., 2022).
Nos casos em que não seja possível utilizar algum medica-
mento do esquema-padrão, a diretriz em hanseníase prevê esque-
mas substitutivos de tratamento combinados com os medicamentos
ofloxacino 400 mg e/ou minociclina 100 mg. Nos casos de crianças
abaixo de 30 kg, as doses de rifampicina, clofazimina e dapsona de-
verão ser ajustadas conforme peso corporal (rifampicina: 10-20 mg/
kg; clofazimina: 1 mg/kg diariamente e 5 mg/kg mensalmente; dap-
sona: 1,5 mg/kg diariamente e mensalmente) (CHEN et al., 2022).

COMPLICAÇÕES

Quando diagnosticada e tratada tardiamente, a hanseníase


pode progredir resultando em graves complicações e danos per-
manentes à pele, membros e olhos; decorrentes principalmente do
comprometimento de nervos periféricos, com evolução insidiosa e
perda de sensibilidades térmica, dolorosa e tátil, cronologicamente.
O curso clínico da neuropatia periférica é insidioso e em estágios

41
Medicina ambulatorial

mais avançados, o paciente pode apresentar parestesias e plegias e


em alguns casos, amputação de extremidades secundária a traumas
por perda sensorial (EBENEZER; SCOLLARD, 2021; MAKHAKHE, 2021).
A primeira manifestação neurológica é frequentemente o
desenvolvimento de perda sensorial ou parestesia em uma ou mais
manchas cutâneas. Durante o curso da doença, reações como neu-
ralgia, perda de sensibilidade e fraqueza muscular seguida de dé-
ficit motor podem levar rapidamente a lesões nervosas graves e
deterioração dos nervos periféricos. A hanseníase envolve prefe-
rencialmente nervos localizados superficialmente como ulnar, me-
diano, auricular posterior, radial superficial, fibular comum, fibular
superficial, tibial posterior, facial e trigêmeo, ocorrendo com maior
frequência em áreas onde os nervos periféricos atravessam as ar-
ticulações, passando por túneis fibro-ósseos inflexíveis, já que a
localização subcutânea superficial com temperaturas teciduais re-
lativamente mais frias favorecem a proliferação do M. leprae. Ade-
mais, sabe-se ainda que os nervos da córnea podem ser afetados,
passando por um processo de espessamento em virtude do acú-
mulo de células bacilares e inflamatórias dentro e ao redor dos
nervos do estroma, promovendo ulceração da córnea e subse-
quente perda da acuidade visual (SANTOS et al., 2018; EBENEZER;
SCOLLARD, 2021; CABRAL et al., 2022).
Além disso, as lesões nervosas causadas pelo M. leprae po-
dem ocorrer de forma direta em virtude de processo inflamató-
rio com produção de proteínas, citocinas e quimiocinas resultando
em degeneração axonal e desmielinização, ou indiretamente de-
vido ao grande influxo de células e edema durante o curso das res-
postas imunes ao bacilo nas reações hansênicas tipo I (EBENEZER;
SCOLLARD, 2021; BARBOSA et al., 2022; CABRAL et al., 2022; FROES;
SOTTO; TRINDADE, 2022).
Em relação à sua apresentação clínica, a neuropatia peri-
férica pode ocorrer como neurite aguda – comumente associada a
reações tipo I e tipo II, geralmente começando como dor nervosa es-

42
Seção 2 | Hanseníase

pontânea, parestesia e sensibilidade nervosa, evoluindo para com-


prometimento da função nervosa com perda sensório-motora –,
paralisia do nervo silencioso – caracterizada por déficit neurológico
sem quaisquer manifestações cutâneas ou sensibilidade nervosas
–, neuropatia subclínica – presença de lesões cutâneas de hansení-
ase, sem evidência clínica de comprometimento sensorial ou motor
porém com anormalidades de condução nervosa – ou dor neuro-
pática – a dor raramente é reconhecida como um sintoma na han-
seníase porém estudos mostraram que a dor neuropática pode se
desenvolver vários anos após o término da quimioterapia (EBENE-
ZER; SCOLLARD, 2021; MAKHAKHE, 2021; BARBOSA et al., 2022).

CAPÍTULO 7
PREDISPOSIÇÃO E PREVENÇÃO DA HANSENÍASE

Karenn Parreiras Pires Barcaro


Mylena Ventury Conterini
Thais Fava Sanches
Vitória Novaes Portella

FATORES DE RISCO

A hanseníase é uma doença infecciosa crônica que continua


sendo endêmica em 13 países de baixa e média renda ao redor do
mundo. Estimativas indicam que a doença tem ligação com o sexo
masculino, trabalho braçal, carência de alimentação no passado, ter
contato direto com alguém que sofre da doença e residir em locais

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Medicina ambulatorial

com alta população. Junto a isso, a idade avançada, as condições


sanitárias e socioeconômicas, o menor grau de escolaridade e o pe-
rigo de fome são considerados fatores de risco para a hanseníase.
Além disso, os estudos mostram que as condições de maior equi-
dade, desenvolvimento humano, acesso a cuidados de saúde e pro-
gramas de transferência de recursos financeiros estão ligados a um
menor risco da doença (PESCARINI et al., 2018; LEANO et al., 2019).
Dessa maneira, essas descobertas destacam uma ligação
entre a hanseníase e as desvantajosas condições econômicas e,
portanto, evidenciam a necessidade imediata de estratégias para o
controle da lepra, especialmente para alcançar grupos socialmente
vulneráveis em países de alto índice de doenças (PESCARINI et al.,
2018; LEANO et al., 2019).

SUSCETIBILIDADE GENÉTICA

Estudos realizados desde o final do século XX vêm demons-


trando a possível contribuição de características genéticas como fa-
tores predisponentes à manifestação da hanseníase em indivíduos
infectados. Ademais, evidências recentes mostram que tanto o ba-
ckground genético quanto a resposta imune do hospedeiro têm pa-
péis essenciais no desenvolvimento e manifestação da hanseníase
(MI; LIU; ZHANG, 2020).
Atualmente, sabe-se que células imunes inatas reconhe-
cem patógenos invasores através de receptores para padrões mo-
leculares associados a patógenos e então desencadeiam respostas
imunes inatas específicas. Nesse sentido, alguns estudos encontra-
ram genes específicos que funcionam como codificadores de re-
ceptores de reconhecimento de padrão extracelular e intracelular

44
Seção 2 | Hanseníase

associados à hanseníase. Dessa forma, genes alterados ou ausentes


poderiam modificar a resposta imune ao bacilo causador da doença
(MI; LIU; ZHANG, 2020).

PREVENÇÃO

Atualmente, a vacina Bacilo de Calmette-Guérin (BCG) é a


melhor medida profilática contra a hanseníase; apesar de ter a sua
proteção notoriamente conhecida para o M. tuberculosis, também
atua contra o M. leprae pela reatividade cruzada das células T e B
dos antígenos micobacterianos. Duas doses da vacina proporcionam
certa proteção no desenvolvimento da doença na população como
um todo e em contactantes domiciliares (GAMA et al., 2020; YAMA-
ZAKI-NAKASHIMADA et al., 2020; MAKHAKHE, 2021).
Outrossim, a vacina é de microrganismo vivo atenuado e de-
sencadeia uma infecção, geralmente assintomática, que entre 8 a
12 semanas obtém-se resposta imune celular contra os antígenos
micobacterianos. Sua administração está incluída em programas
de imunização em diversos países, sendo feita em dose única nos
recém-nascidos, evitando a aplicação em imunossuprimidos, que
possuem o risco de desenvolver infecção disseminada fatal (YAMA-
ZAKI-NAKASHIMADA et al., 2020).
Além disso, uma alternativa estratégica de controle contra a
hanseníase é a quimioprofilaxia de contactantes. Nesse sentido, um
estudo de 2008 em Bangladesh mostrou que ao administrar uma
dose profilática de rifampicina nesses indivíduos, houve prevenção
do acometimento da doença em 57% destes. Entretanto, apesar de
mais de 80% dos contactantes não adquirirem a doença mesmo
sem a quimioprofilaxia, esta ainda é uma medida fortemente reco-
mendada pela OMS (GAMA et al., 2020; MAKHAKHE, 2021).

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Medicina ambulatorial

CAPÍTULO 8
AVANÇOS RECENTES ACERCA DA HANSENÍASE

Arthur Leandro Ribeiro de Freitas


Gabriella Mesquita Bonfim
Igor Gabriel Machado Soares
Mariana Santos Cardoso

NOVAS PERSPECTIVAS FISIOPATOLÓGICAS

Rudolf Virchow (1821-1902), médico, patologista e microbio-


logista alemão, foi a primeira pessoa a descrever a habilidade do M.
leprae de alterar quimicamente e metabolicamente o ambiente ci-
tosol das células hospedeiras. Posteriormente, o mesmo fenômeno
foi percebido em células de Schwann em nervos de indivíduos com
hanseníase. Ao examinar os lípidos da doença humana, foi identi-
ficada a acumulação de ácidos graxos e fosfolipídios. Além disso,
experimentos em laboratório comprovaram a capacidade do M. le-
prae de provocar o acúmulo de lípidos nas células infectadas, que
servem de depósito para as células. Esta indução é acionada por
meio dos receptores TLR2 e TLR6, em que partículas grudam-se
aos fagossomas que possuem bactérias, e ao suprimi-las, impossi-
bilita a proliferação da doença (DE MACEDO et al., 2020; PLOEMA-
CHER et al., 2020).
Outra via metabólica que pode desempenhar um papel re-
levante na baixa imunopatologia da hanseníase virchowiana é a de-
gradação do triptofano, na qual a indolamina 2,3-dioxicenase (IDO-1)

46
Seção 2 | Hanseníase

é intensamente expressa nos macrófagos e células dendríticas das


lesões. Ademais, níveis elevados da enzima foram detectados no
soro de pacientes com a forma virchowiana em comparação com
aqueles com a forma tuberculoide. Apesar da ativação desta via pro-
mover a degradação de patógenos, a IDO-1 tem principal papel na
supressão da imunidade inata e adaptativa (DE MACEDO et al., 2020;
PLOEMACHER et al., 2020).
A regulação metabólica do ferro também pode ser responsá-
vel pela baixa imunidade relacionada à tolerância de doença obser-
vada na hanseníase virchowiana. Os macrófagos infectados nessas
lesões contêm grandes quantidades de ferritina, sugerindo que
este nutriente necessário está amplamente disponível para o cres-
cimento bacteriano intracelular. Esta hipótese é sustentada pelo
grande teor de ferro encontrado nos bacilos em culturas de pacien-
tes. Além disso, uma maior proporção de receptor de transferrina,
níveis mais altos de CD163 (um receptor que se liga ao complexo de
hemoglobina-haptoglobina), e níveis mais altos de cadeias leves e
pesadas de ferritina foram observados em lesões virchowianas que
contribuem para a acumulação de ferro (DE MACEDO et al., 2020;
PLOEMACHER et al., 2020).
Dessa forma temos que a regulação metabólica das células
do hospedeiro contribui para um funcionamento normal de macró-
fagos infectados e células de Schwann adaptadas à sobrevivência
e proliferação do M. leprae, ao mesmo tempo em que diminui a res-
posta imunológica ao patógeno, propiciando a ocorrência de infecção
crônica. Além disso, o meio ambiente produzido em especial na forma
virchowiana favorece a tolerância da doença, o que faz com que os
pacientes apresentem patologia moderada apesar da carga bacte-
riana elevada (DE MACEDO et al., 2020; PLOEMACHER et al., 2020).

47
Medicina ambulatorial

NOVAS PERSPECTIVAS DIAGNÓSTICAS

O diagnóstico de hanseníase é comumente realizado atra-


vés de características cardinais definitivas, porém, a ausência de
tais sinais clínicos pode ser um empecilho para a confirmação da
doença. Nesse contexto, a histopatologia é a ferramenta mais uti-
lizada para confirmar um caso clinicamente duvidoso. Atualmente,
no entanto, outros procedimentos diagnósticos têm sido utilizados
para o estágio inicial da doença, tais como: testes cutâneos com
antígeno M. leprae (lepromina); respostas de anticorpos do hospe-
deiro a M. leprae e técnicas moleculares para detecção de compo-
nentes de M. leprae nas lesões (SENGUPTA, 2019).
A lepromina é um teste cutâneo, em que uma suspensão
salina dessa bactéria é inoculada por via intradérmica no antebraço,
com o intuito de testar a hipersensibilidade tardia ou a imunidade
mediada por célula de um indivíduo ao bacilo. Esse teste, porém,
não serve para o diagnóstico de hanseníase, mas sim para identifi-
car os potenciais candidatos negativos à lepromina, que poderão se
beneficiar de vacinas para M. leprae. Isso porque, a resposta nega-
tiva à lepromina indica deficiência desta imunidade no hospedeiro
(SENGUPTA, 2019).
Ademais, os testes sorológicos, por sua vez, visam à iden-
tificação de infecção através de anticorpos específicos contra o M.
leprae. Tais testes são importantes para avaliar a disseminação da
infecção em uma comunidade, bem como monitorar a eficácia da
terapia ao determinar a prevalência da doença. O glicolipídeo fenó-
lico 1 (PGL-I) é um antígeno específico do M. leprae utilizado pelo
ensaio imunoenzimático (ELISA) para o diagnóstico de hanseníase.
Embora a sensibilidade deste ensaio tenha sido alta (90-95%) para
detectar casos de BL/LL, foi baixa para casos de PB (0-40%). Nesse
ensaio para o anticorpo PGL-1, cerca de 26% dos contatos domici-
liares testaram positivos, já os controles endêmicos saudáveis fo-
ram negativos em sua maioria (SENGUPTA, 2019; CHEN et al., 2022).

48
Seção 2 | Hanseníase

Outrossim, os testes diagnósticos moleculares, como a re-


ação em cadeia da polimerase (PCR), é uma técnica com alta sen-
sibilidade e especificidade, capaz de detectar quantidades ínfimas
de ácido desoxirribonucleico (DNA) do M. leprae. Nesse sentido, di-
ferentes genes-alvo e sequências têm sido empregados para am-
plificação de DNA por PCR do bacilo, principalmente de biópsias
cutâneas. Embora seja uma técnica cara, a PCR é comumente uti-
lizada para confirmar o diagnóstico clínico da hanseníase, sendo a
reação em cadeia de polimerase quantitativa (qPCR) cerca de 20 ve-
zes mais sensível em relação à detecção microscópica, tornando-se
mais importante para o diagnóstico precoce e para casos difíceis de
diagnosticar (GAMA et al., 2020; CHEN et al., 2022).

NOVAS PERSPECTIVAS TERAPÊUTICAS

Com o decorrer dos anos, tem-se buscado alternativas no


manejo terapêutico da hanseníase, visto que a terapia tradicional in-
clui um tempo de duração mais longo além de elevada toxicidade,
bem como consideráveis efeitos colaterais e alta taxa de recorrên-
cia. Em vista disso, as novas propostas terapêuticas pretendem
auxiliar na melhora da qualidade de vida dos pacientes como, por
exemplo, reduzir a intensidade do quadro álgico crônico, o avanço
para casos mais graves, incapacitações, entre outras limitações ine-
rentes à doença (SANTOS et al., 2018; EBENEZER; SCOLLARD, 2021).
Nesse sentido, por exemplo, produtos bioativos estão sendo
pesquisados para o tratamento da hanseníase, pois aparentemente
oferecem inúmeros benefícios. Eles são menos tóxicos que outras
drogas e têm um custo baixo, possibilitando aos indivíduos e sis-
temas de saúde economizarem. Além disso, muitos produtos bioa-
tivos estão disponíveis em alimentos comuns, como arroz, gérmen
de trigo e cereais. Por exemplo, a fucsina básica, um corante nuclear
usado para identificar o Mycobacterium tuberculosis, foi patenteada

49
Medicina ambulatorial

como princípio ativo de uma droga para inibir o bacilo ácido-resis-


tente em M. tuberculosis e M. leprae, ajudando no tratamento con-
tra a lepra e a tuberculose. Esta droga pode ser administrada por via
oral. Outro exemplo é um composto farmacêutico que contém ta-
lidomida e outros componentes biodisponíveis, que são usados no
tratamento de eritema, feridas dérmicas e inflamação no intestino,
entre outras doenças, inclusive a hanseníase. Estes compostos são
facilmente fabricados e já são aprovados para uso humano (SANTOS
et al., 2018; EBENEZER; SCOLLARD, 2021).

IMPACTO SOCIAL

O impacto social da hanseníase é documentado historica-


mente desde o surgimento da doença. Um estudo realizado nos Es-
tados Unidos da América (EUA) entre o período de 1950 a 1953 já
revelava uma maior prevalência de psicose, esquizofrenia, depres-
são e ideação suicida nas pessoas com hanseníase. Tal fato pode
ser atribuído ao isolamento social provocado pelo medo de trans-
missão da doença, à vergonha devido aos aspectos físicos provoca-
dos pela condição e à negação quanto ao diagnóstico, que atrasa a
busca por serviços de saúde e o início do tratamento desses indiví-
duos. Já no período de 1980 a 2003, diversos estudos realizados no
continente asiático demonstraram um baixo nível de conhecimento
da população com hanseníase sobre a própria condição, além de
um grande estigma social – fatores como dieta, clima e relação com
rituais religiosos foram citados como as principais causas de hanse-
níase pelos indivíduos (LEANO et al., 2019; ACHDIAT; ARIYANTO; SI-
MANJUNTAK, 2021).
Ademais, demonstrou-se que a maior parte das pessoas es-
tava ciente dos sinais clínicos e alterações cutâneas presentes, mas
desconhecia a causa destes. Por fim, as pessoas atribuíam a trans-
missão da doença a fatores como respirar o mesmo ar, compar-

50
Seção 2 | Hanseníase

tilhar talheres ou frequentar o mesmo ambiente frequentado por


pessoas com hanseníase. Em estudos mais recentes, a partir de
2014, pessoas com hanseníase já apresentavam melhor conheci-
mento sobre a transmissão, etiologia e sintomas da doença; entre-
tanto, apesar disso, apresentavam uma atitude ruim com relação a
esta, com baixa procura e adesão ao tratamento (LEANO et al., 2019;
ACHDIAT; ARIYANTO; SIMANJUNTAK, 2021).
A hanseníase também apresenta impactos sociais impor-
tantes no campo das relações afetivas, conforme foi demonstrado
em um estudo brasileiro de 1997: pessoas com hanseníase apresen-
taram menor vontade de se relacionar, vergonha em procurar par-
ceiros e sustentar relações, possuindo também maiores índices de
divórcios. Além disso, ocorre também uma maior dificuldade de ser
contratado em novos empregos, um maior índice de demissões e o
enfrentamento de estigma social nos ambientes de trabalho. Situ-
ações como medo de consumir produtos tocados por pessoas com
hanseníase e receio de dividir o mesmo ambiente de trabalho foram
evidenciados em um estudo realizado de 2013 a 2015, na Indoné-
sia. Dessa forma, tais impasses provocam mais um prejuízo direto
à qualidade de vida desses indivíduos, contribuindo para o agrava-
mento de condições associadas ao sofrimento mental (LEANO et
al., 2019; ACHDIAT; ARIYANTO; SIMANJUNTAK, 2021).
Assim, pôde-se concluir que, ainda que o conhecimento
das populações sobre a hanseníase tenha aumentado ao longo dos
anos, o estigma social da doença ainda permanece, assim como
a má atitude dos pacientes no que tange à busca de serviços de
saúde e à manutenção do tratamento adequado. Com isso, obser-
va-se um atraso médio de 2 a 3 anos após o diagnóstico para iniciar
o tratamento, o que contribui para o surgimento de complicações
e de condições físicas incapacitantes. Nesse sentido, a OMS apre-
sentou o programa “Leprosy Elimination Campaign”, bem como o
governo indiano instituiu o “National Leprosy Elimination Program”,
com objetivo de aumentar a cobertura vacinal e a realização de qui-

51
Medicina ambulatorial

mioprofilaxia da doença, mas ainda enfrentam diversas barreiras


socioculturais. Para que se possa reduzir a prevalência e, conse-
quentemente, os impactos da hanseníase, é necessária a realização
de campanhas informativas para reduzir o estigma social e oferecer
suporte emocional para os pacientes diagnosticados (LEANO et al.,
2019; ACHDIAT; ARIYANTO; SIMANJUNTAK, 2021).

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prosy: a review. Epidemiology & Infection, v. 146, n. 14, p. 1746–1749, 1 out. 2018.

15. SENGUPTA, U. Recent laboratory advances in diagnostics and monitoring


response to treatment in leprosy. Indian Dermatology Online Journal, v. 10,
n. 2, p. 106, 2019.

16. YAMAZAKI-NAKASHIMADA, M. A. et al. BCG: a vaccine with multiple faces. Hu-


man Vaccines & Immunotherapeutics, v. 16, n. 8, p. 1841–1850, 29 jan. 2020.

53
SEÇÃO 3
OSTEOMIELITE

CAPÍTULO 9
ASPECTOS GERAIS ACERCA DA OSTEOMIELITE
Víctor Morelli Andrade Barbosa
Dhara Vitória César Garcia
Ian Garrido Kraychete
Manoela Amaral Francisco

INTRODUÇÃO

A osteomielite leva à destruição do arcabouço ósseo através


de um evento de progressão inflamatória (ARSHAD et al., 2021). A
osteomielite é uma doença que tem um significado histórico muito
importante. Epidemiologicamente, é uma condição que está mais
propensa na faixa pediátrica, apesar de atingir adultos e idosos de
uma maneira geral. Sua incidência anual nos EUA é de mais de 20
casos a cada 100.000 pessoas (JHA; CHAUDHARY, 2022). O quadro
pode se desenvolver de diversas maneiras dependendo da causa e
da anatomia óssea em que ocorreu, além da importante diferença

55
Medicina ambulatorial

de faixa etária. Na chamada osteomielite hematogênica aguda, o de-


senvolvimento está associado a um quadro venoso em certas áreas
ósseas do corpo humano, enquanto outras etiologias devido a trau-
mas, cirurgias e implantes, que geram um ambiente propício para a
colonização de microrganismos e implantação de uma infecção ós-
sea (URISH; CASSAT, 2020).
O curso da osteomielite, geralmente, se apresenta com os
sinais característicos da inflamação: dor, calor, rubor e edema em
uma extremidade, sendo a dor a apresentação mais comum. Essas
manifestações clínicas afetam a qualidade de vida dos pacientes,
sendo que nas crianças podem cursar com um déficit no cresci-
mento (ZHAO et al., 2021). No que se refere ao diagnóstico, essa con-
dição é pautada na suspeita clínica devido a apresentação ao quadro
atrelado a avaliação inicial que se baseia nos marcadores inflama-
tórios. As radiografias podem ser utilizadas na triagem para descar-
tar outros possíveis achados, como fraturas e malignidades, embora
a Ressonância Nuclear Magnética (RNM) seja uma técnica bastante
sensível e específica para detectar a osteomielite, outros exames
de imagem, como tomografia computadorizada (TC), ultrassonogra-
fia (US) e cintilografia, também podem ser utilizados para confirmar
o diagnóstico (URISH; CASSAT, 2020).
No que tange ao tratamento da Osteomielite, por ser uma
condição complexa, seu manejo no geral exige muitos recursos, já
que na maioria das vezes são necessárias inúmeras intervenções ci-
rúrgicas e também uma antibioticoterapia a longo prazo. Existem di-
versas terapêuticas para a osteomielite, desde uma técnica invasiva
até um tratamento conservador, e todas elas se baseiam em pila-
res para uma abordagem adequada (ARSHAD et al., 2021). Apesar de
se ter um amplo espectro de manejo, a osteomielite pode ter com-
plicações que aumentam a morbimortalidade, dentre elas infecção
sendo a mais comum e mais devastadora na etiologia traumática.

56
Seção 3 | Osteomielite

Além da infecção, tem-se também as amputações como uma das


complicações mais comuns dentre os pacientes com úlceras de pé
diabético. Dessa maneira, as variadas complicações consequentes
dessa condição se tornam um grande desafio para a ortopedia ci-
rúrgica (URISH; CASSAT, 2020).

ETIOLOGIA

Osteomielite implica em uma inflamação óssea a partir de


um processo inflamatório, sendo que ela pode ser de caráter crônico
ou agudo. Entre as possíveis causas da osteomielite, incluem-se:
infecções bacterianas, fúngicas, intervenções cirúrgicas, traumas e
feridas abertas, que são responsáveis por 80% dos casos. Também
se relaciona com a condição prévia do paciente, como uma possível
imunossupressão prévia associada a deficiência nutricional. A defi-
nição etiológica da osteomielite tem sua importância no desfecho
clínico ao direcionar o tratamento adequado para o paciente, defini-
ção essa realizada por meio de uma anamnese detalhada e análise
de culturas (ARSHAD et al., 2021, AWADA et al., 2021).
A relação com infecções prévias é amplamente documen-
tada, com a disseminação de microrganismos de forma hematogê-
nica, geralmente mono microbianas, ou não hematogênica, em sua
maioria polimicrobiana. No caso de uma osteomielite hematogênica
o patógeno invade o osso através de uma infecção proveniente da
corrente sanguínea, enquanto que a não hematogênica envolve pro-
cedimentos cirúrgicos, traumas ou disseminação por tecidos moles
e articulações adjacentes (JHA; CHAUDHARY, 2022).
Além disso, comorbidades prévias são fatores de risco para
essa enfermidade. Um cenário estudado nesse aspecto é o paciente
com diagnóstico de diabetes associado à ocorrência de osteomie-

57
Medicina ambulatorial

lite devido a imunossupressão e doença vascular. Cita-se também


neoplasias malignas, desnutrição e patologias autoimunes, possi-
velmente devido a uma desregulação imunológica levando a um
quadro inflamatório (CHAPMAN; CHOUDHARY; SINGHAL, 2021, JHA;
CHAUDHARY, 2022).
As etiologias infecciosas mais comuns, são Staphylococ-
cus aureus e Staphylococcus epidermidis. Já Enterobacteriaceae e
Pseudomonas aeruginosa, estão mais presentes em casos de infec-
ção nosocomial ou uso prolongado de antibióticos, enquanto em
pacientes com bacteremia, são Salmonella e Streptococcus pneu-
moniae. Em pacientes infectados pelo HIV destaca-se a Bartonella
henselae. Fungos, vírus e parasitas também são possíveis agentes
etiológicos, porém com menor incidência. Por outro lado, a osteo-
mielite crônica sem envolvimento bacteriano, decorre de uma des-
regulação na expressão de citocinas, possivelmente associados a
alterações genéticas e epigenéticas (WONG; HOLTOM; SPELLBERG,
2018, HEDRICH et al., 2020).

EPIDEMIOLOGIA

A osteomielite ocorre através de uma infecção fúngica ou


bacteriana de tecido ósseo, sendo uma ferida aberta a porta de en-
trada em aproximadamente 80% dos casos. É também o principal
sintoma da infecção pós-operatória de fraturas expostas. A doença
pode acometer qualquer faixa etária, no entanto, acomete majorita-
riamente crianças menores que 5 anos, sendo mais comum em me-
ninos. Além disso, a osteomielite pediátrica representa um grande
problema de saúde a nível global. Essa condição afeta mais fre-
quentemente os ossos longos dos membros inferiores, sendo o fê-

58
Seção 3 | Osteomielite

mur o mais acometido, seguido da tíbia, úmero, pelve e calcâneo.


A infecção é iniciada normalmente na região metafisária dos ossos
(JHA; CHAUDHARY, 2022).
A osteomielite pode ser classificada em hematogênica, mais
comum em crianças e em indivíduos com doenças crônicas, en-
quanto a osteomielite não hematogênica, mais comum em adultos
jovens e em indivíduos com um sistema imunológico comprometido,
dependendo do mecanismo da infecção. Em termos de mecanismo,
a forma hematogênica ocorre mais frequentemente em imunocom-
prometidos, crianças e idosos. A osteomielite vertebral é o tipo mais
prevalente de osteomielite hematogênica. Já a osteomielite não he-
matogênica advém de trauma, inoculação durante cirurgia, ou por
infecção disseminada de articulações e tecidos moles (JHA; CHAU-
DHARY, 2022, MASSACCESI et al., 2022).
O desenvolvimento da osteomielite também é influenciado
pelos mecanismos de defesa do indivíduo, sendo a osteomielite ligada
a diversas condições sistêmicas como diabetes, câncer, desnutrição
e AIDS. A osteomielite pode ser encontrada concomitantemente a
artrite séptica em 33% dos casos (JHA; CHAUDHARY, 2022, MASSAC-
CESI et al., 2022).
Por fim, a osteomielite é uma doença relativamente comum
que pode afetar qualquer faixa etária, sendo mais comum em indi-
víduos com fatores de risco, como trauma ósseo, intervenções ci-
rúrgicas, feridas abertas, uso prolongado de cateteres intravenosos,
imunossupressão, diabetes, doenças autoimunes, desnutrição e uso
prolongado de antibióticos. As bactérias são os agentes etiológicos
mais comuns e a epidemiologia da doença pode variar dependendo
do tipo de osteomielite em questão (MASSACCESI et al., 2022).

59
Medicina ambulatorial

CAPÍTULO 10
PATOGÊNESE BACTERIANA, FISIOPATOLOGIA E
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA OSTEOMIELITE

Jéssica Chávare
Arthur Rezende Gonçalves
Jenniffer Kelly Assis de Barros
Warley Cleiton Rufino Fernandes

PATOGÊNESE BACTERIANA NO
CONTEXTO DA INFECÇÃO ÓSSEA

A patogênese bacteriana envolve um processo complexo que


começa com a adesão e colonização de bactérias na superfície do
osso. As bactérias podem entrar no osso através de diferentes vias,
incluindo feridas abertas, trauma, disseminação hematogênica ou
procedimentos cirúrgicos. Uma vez dentro do osso, as bactérias po-
dem se multiplicar e formar um biofilme bacteriano, que é uma co-
munidade complexa de bactérias aderidas a uma superfície e envol-
tas por uma matriz extracelular. A estrutura bacteriana complexa é
resistente aos mecanismos de defesa do hospedeiro e aos antibióti-
cos, tornando o tratamento da osteomielite crônica uma tarefa difí-
cil (KAVANAGH et al., 2018, URISH; CASSAT, 2020).
A patogênese também é influenciada por fatores de viru-
lência bacteriana, incluindo enzimas proteolíticas, toxinas e fatores
de adesão, que permitem a colonização e a sobrevivência das bac-
térias no osso. Além disso, a resposta imunológica do hospedeiro é

60
Seção 3 | Osteomielite

um importante fator modulador da patogênese bacteriana, uma vez


que a capacidade do hospedeiro para reconhecer e responder à in-
fecção pode influenciar a progressão da osteomielite (KAVANAGH et
al., 2018, URISH; CASSAT, 2020).

FISIOPATOLOGIA

As osteomielites não são todas iguais, sua fisiopatologia e


etiologia sempre vai depender dos mecanismos de desenvolvimento
da doença, a localização anatômica do osso e a diferença estrutu-
ral existente entre o osso adulto e da criança. O foco da sua fisio-
patologia ocorre nos ossos que são acometidos, principalmente por
conta das características teciduais que envolvem constantes re-
modelamento e renovação com a participação de três células im-
portantes tanto para o osso sadio quanto para osteomielite, sendo
eles: osteoblastos, osteócitos e osteoclastos. Quando falamos so-
bre osteomielite hematogênica aguda, associamos quando alguns
vasos venosos dentro da estrutura anatômica dos ossos (coluna,
placas de crescimento) possuem certas áreas de turbulência san-
guínea com limitação de células fagocitárias de revestimento o que
torna o local mais propício a lesões e que pode facilitar a infecção
por bactérias e fungos. Outros tipos de osteomielite podem exis-
tir por traumas ou feridas crônicas, o que envolve os fatores de
risco como edema, tabagismo, baixa imunidade, diabetes e desnu-
trição que podem facilitar gravidade da infecção osteomielítica (KA-
VANAGH et al., 2018, URISH; CASSAT, 2020).
Na osteomielite hematogênica aguda ocorre uma oclusão
sanguínea de forma fisiológica ou após um trauma importante, por
conta disso as bactérias infectantes realizam a deposição de mi-
cróbios perto da metáfise, o que permite que migrem para a epí-

61
Medicina ambulatorial

fise ou podem migrar pelos sistemas de Havers e Volkmann, o que


ajuda a bactéria a se espalhar por todo osso. Por causar inflamação,
o sistema imune do hospedeiro desenvolve um aumento da pres-
são intramedular que acaba por diminuir a pressão sanguínea, aju-
dando no desenvolvimento de trombose óssea por coagulase, que
em conjunto com a inflamação, acarreta à necrose óssea, que tam-
bém ocorre por conta da resposta no periósteo (responsável pelo
suprimento local de sangue), limitando a perfusão sanguínea no lo-
cal afetado e o desenvolvimento de um abscesso subperiosteal em
caso de invasão da inflamação no córtex metafisário (HEDRICH et al.,
2020, URISH; CASSAT, 2020).
Em relação às diferenças entre a osteomielite em crianças e
adultos é importante frisar o papel da fise na osteomielite na criança,
já que é uma área entre a epífise e a metáfise, locais importantes para
o crescimento dos ossos até o final do desenvolvimento infantil, por
ser composta por cartilagem é considerada uma barreira natural para
que não ocorra infecções importantes, porém, quando a osteomie-
lite subaguda atravessa o córtex, a disseminação da infecção é rápida,
principalmente nas articulações, o que pode acarretar artrite infantil
(HEDRICH et al., 2020, URISH; CASSAT, 2020).

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

A osteomielite pode acometer toda a estrutura do osso,


como a epífise e metáfise, em diversos locais do esqueleto, como
ossos longos, coluna e cintura escapular. Ocasionando o quadro clí-
nico como dor intensa na região acometida – geralmente refratária à
analgésico – associada à febre, calafrios, sudorese, edema no local,
dificuldade de movimentação e presença de sinais flogísticos – isto
é – dor, calor, rubor e aumento de temperatura. Manifestações, que

62
Seção 3 | Osteomielite

geralmente, estão relacionadas a um histórico de trauma, cirurgias


e infecções de partes moles próximas ao desenvolvimento da oste-
omielite. Como um quadro de febre, dor e drenagem de conteúdo
purulento em orelha, que não responde ao tratamento habitual de
otite, de modo que, com uma investigação mais detalhada, pode tra-
tar-se de uma osteomielite típica de base de crânio (HEDRICH et al.,
2020, AWADA et al., 2021, CHAPMAN; CHOUDHARY; SINGHAL, 2021).
Não há sintomatologia específica, porém a maioria dos pa-
cientes apresentam dor óssea crônica insidiosa que afeta a quali-
dade de vida e a rotina escolar dos pacientes. Crianças, geralmente,
apresentam fadiga e atraso no crescimento. A dor óssea noturna
é relatada por um subconjunto de pacientes e pode ser interpre-
tada como “dor crescente” ou tumor ósseo primário não maligno. O
exame físico, na maioria das vezes está dentro da normalidade, mas
sensibilidade focal e/ou calor podem estar presentes. O início agudo
da dor pode ocorrer e resultar em uma avaliação diagnóstica rápida
e intervenções oportunas. Às vezes, o inchaço regional sobre os os-
sos com pouco tecido mole sobrejacente pode ser palpável, como
na mandíbula, clavícula, ossos da mão, ossos do pé ou tíbia/fíbula
distal (ZHAO et al., 2021, CHAPMAN; CHOUDHARY; SINGHAL, 2021).
Além das manifestações acima, é notado também, asso-
ciação da doença óssea com alterações em outros sistemas, prin-
cipalmente, os próximos ao local da afecção, como na pele, com
presença de pústula, acne cística, psoríase e pioderma gangrenoso.
Assim como, presença de linfadenomegalia, manifestações intesti-
nais, com vômitos e diarreias, podendo estar filiada a doenças mais
específicas, como artrite idiopática juvenil e espondilartrite. Além
disso, são percebidas alterações neurológicas, como radiculopatia,
caso tenha acometimento vertebral, bem como, adinamia, diseste-
sia e paralisia. Relacionado a tais achados na anamnese e no exame
físico, tem-se alterações nos exames laboratoriais e de imagem, em

63
Medicina ambulatorial

especial, na proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação,


hemograma e raio X (HEDRICH et al., 2020, URISH; CASSAT, 2020,
KORYLLOU et al., 2021, MAAMARI et al., 2022).

CAPÍTULO 11
CLASSIFICAÇÃO E INVESTIGAÇÃO
DIAGNÓSTICA DA OSTEOMIELITE

Laura Pifano Soares


Melanie Monteiro Rodrigues
Helena Fontenelle de Carvalho Costa
Isabela Luz de Moraes

CLASSIFICAÇÃO DE WALDVOGEL

Atualmente, sabe-se que vários fatores interferem no des-


fecho da osteomielite, entre eles destacam-se o tempo de desen-
volvimento da doença, a etiologia da infecção e a estabilidade do
paciente. O ideal seria organizar tais fatores de forma sistemática,
classificando a osteomielite de forma universal, para definir um tra-
tamento com maiores taxas de sucesso. Contudo, infelizmente, ainda
não dispomos de uma classificação que aborda tantos aspectos de
forma satisfatória. Apesar disso, as classificações de Waldvogel e de
Cierny-Mader são frequentemente mais citadas nas publicações re-
centes com objetivo de definir a melhor terapêutica para apresenta-
ções distintas de osteomielite (JHA; CHAUDHARY, 2022).

64
Seção 3 | Osteomielite

A classificação de Waldvogel é considerada como de maior


relevância clínica, uma vez que divide as afecções primariamente
quanto ao tempo de duração da doença, a saber: osteomielite aguda
e osteomielite crônica. De acordo com essa sistemática, após con-
siderar a cronicidade da doença, deve buscar identificar a fonte da
infecção, ou seja, se o patógeno atingiu o foco da doença por via he-
matogênica, por contiguidade de lesão traumática ou se por uma
doença de base que curse com insuficiência vascular local. É impor-
tante esclarecer que a classificação de Waldvogel considera como
lesões traumáticas que podem ser fonte de infecção por contigui-
dade tanto um trauma em si quanto feridas cirúrgicas, abrangendo
assim a existência de material protético associado à cirurgia local
(KAVANAGH et al., 2018).
Os estudos de Waldvogel que levaram à criação de sua sis-
tematização datam da década de 1970, mas ainda hoje se mostram
relevantes nas publicações tanto pela simplicidade de critérios de
classificação quanto por introduzirem bases terapêuticas que ainda
são utilizadas. Atualmente, dispõe-se de uma gama de antibióti-
cos muito maior para o tratamento das osteomielites, mas a ideia
de antibioticoterapia com capacidade de penetração nos ossos tem
sua origem com Waldvogel e ainda é preconizada (CORTÉS-PEN-
FIELD; KULKARNI, 2019).
Dessa forma, pode-se afirmar que a utilização da Classi-
ficação de Waldvogel da osteomielite se revelou importante, visto
que possibilitou a compreensão de variações da apresentação clí-
nica da doença, bem como melhorou suas taxas de cura (KAVA-
NAGH et al., 2018).

65
Medicina ambulatorial

Tabela 1. Sistema de classificação de osteomielite por Critérios


de Waldvogel
Aguda
(internação/admissão atual do paciente
Estágio da relacionada à mesma doença)
Osteomielite Crônica
(paciente já apresenta história de internação/
admissão pela mesma doença)

Hematogênica
(patógeno disseminado pelo sangue)

Contiguidade
Fonte da (patógeno infectante penetra lesão traumática em
infecção na local próximo)
Osteomielite
Associada a Insuficiência Vascular periférica
(doença de base pré-existente como Diabetes
Mellitus que dificulta vascularização periférica e
facilita infecção patogênica local)

CLASSIFICAÇÃO DE CIERNY-MADER

Além da classificação de Waldovgel, outro sistema que é co-


mumente empregado para otimizar a abordagem da osteomielite é a
classificação de Cierny-Mader. Ela tem como objetivo fornecer deci-
sões quanto ao tratamento dessa patologia e, diferentemente da pri-
meira, não julga relevante distinguir a infecção em aguda ou crônica.
Cierny-Mader leva em consideração as condições do hospedeiro e a
implicação funcional causada pela doença, além do estágio de com-
prometimento ósseo, considerando a etiologia e o local de manifes-
tação (JHA; CHAUDHARY, 2022).

66
Seção 3 | Osteomielite

Diante desse sistema, estabelecem-se os estágios clínicos


para osteomielite em adultos. A classificação anatômica se dá por
quatro estágios (KAVANAGH et al., 2018):

• Tipo 1: Osteomielite medular;


• Tipo 2: Osteomielite superficial;
• Tipo 3: Osteomielite localizada (lesão em osso estável, ou seja,
que ainda aguenta cargas);
• Tipo 4: Osteomielite difusa (diferente da anterior, o osso é bio-
mecanicamente instável).

Já de acordo com as condições do hospedeiro, tem-se (KA-


VANAGH et al., 2018):

• Hospedeiro A: Paciente e membro previamente sadios;


• Hospedeiro B sistêmico: História de comorbidades ou imu-
nodepressão;
• Hospedeiro B local: Condições locais, como queimadura ou ci-
rurgias prévias, cicatrizes, celulite ou doença vascular no local;
• Hospedeiro B sistêmico e local: Combinação de agravos sistê-
micos e locais;
• Hospedeiro C: Paciente com múltiplas comorbidades, fazendo-
-se necessário tratamentos alternativos.

A combinação desses fatores resulta em 12 sistemas de es-


tadiamento clínico do paciente, exemplificando: no Estágio IVB sis-
têmico, tem-se uma lesão difusa em um paciente com comprome-
timento sistêmico, tal como uma doença imunodepressora. Dessa
forma, esse estadiamento tem a função de adaptar o tratamento
da osteomielite, que envolve a estabilização clínica do paciente, a
abordagem cirúrgica com técnicas de desbridamento, a gestão do

67
Medicina ambulatorial

espaço morto, além do tratamento medicamentoso com antibioti-


coterapia. Conhecer essas variáveis é imprescindível, pois elas for-
necem aos profissionais um maior domínio para o estabelecimento
de estratégias terapêuticas mais satisfatórias, que aumentem as
chances de salvar o membro acometido, por meio da redução das
complicações, dos riscos da abordagem e do ônus econômico (KA-
VANAGH et al., 2018, MA; YANG, 2020, JHA; CHAUDHARY, 2022).

DIAGNÓSTICO

A osteomielite é uma infecção heterogênea e potencial-


mente fatal, sendo o diagnóstico precoce indispensável para iniciar
a intervenção terapêutica, para prevenir o desenvolvimento de com-
plicações e, dessa forma, reduzir a mortalidade. Sua abordagem re-
quer uma combinação de estudos complementares cujo diagnóstico
é de exclusão, sendo baseado no quadro clínico e confirmado por
exames laboratoriais e de imagem, além da análise microbiológica
e histopatológica (KORYLLOU et al., 2021, JHA; CHAUDHARY, 2022,
MAAMARI et al., 2022).
Clinicamente, manifesta-se por dor de forte intensidade no
local acometido refratária a analgésicos, febre, presença de sinais
flogísticos e dificuldade de movimentação associada à história pré-
via de trauma, cirurgias ou infecções de partes moles próximas. A
realização de exames laboratoriais é indispensável no processo diag-
nóstico, devido às elevações leves a moderadas dos parâmetros in-
flamatórios, ainda que tenham relevância clínica limitada. Entre os
exames que devem ser solicitados é possível destacar: hemograma,
urina rotina, urocultura, hemocultura, velocidade de hemossedimen-
tação, proteína C reativa, proteínas séricas, biomarcadores genéti-
cos e painel metabólico (HEDRICH et al., 2020, AWADA et al., 2021,
MASSACCESI et al., 2022).

68
Seção 3 | Osteomielite

Quanto aos exames de imagem, a radiografia simples é fun-


damental e constitui o primeiro exame a ser realizado, a fim de in-
vestigar diagnóstico diferencial, visto que apresenta baixa sensibi-
lidade nos estágios iniciais da doença. Seus achados mais comuns
são inespecíficos, como edema de medula óssea, modificações nas
metáfises ósseas e lesões osteolíticas, mas estão presentes em 50%
dos pacientes. A ressonância nuclear magnética (RNM) e a tomografia
computadorizada (TC), também são essenciais e são mais utilizadas,
por realizarem diagnóstico precoce e fornecer maior precisão. A RNM
com contraste, por sua vez, possui maior sensibilidade e especifici-
dade para determinar a extensão da infecção, detectar a presença de
complicações e lesões silenciosas. As imagens, no entanto, podem
permanecer alteradas por semanas a meses, apesar da resposta
clínica ao tratamento, não sendo utilizadas para monitoramento da
doença (CHAPMAN; CHOUDHARY; SINGHAL, 2021, KORYLLOU et al.,
2021, JHA; CHAUDHARY, 2022, MAAMARI et al., 2022).
O diagnóstico definitivo, no entanto, é feito pelas culturas
microbianas e biópsia óssea, que frequentemente são indicadas em
casos de evolução atípica do tratamento, sendo utilizadas para ex-
cluir neoplasias e permitir a identificação do patógeno agressor. Nos
pacientes que não apresentam sintomas clínicos ou achados radio-
gráficos conclusivos para osteomielite, é necessária sua realização.
Quando a biópsia é indicada, as alterações mais comuns não são
patognomônicos e incluem: edema, hiperemia, infiltração de linfóci-
tos e plasmócitos, fibrose e osteonecrose. A medicina nuclear, atra-
vés do tecnécio Tc99m metileno difosfonato (Tc99m MDP), pode
demonstrar o aumento da atividade óssea osteoblástica que ocorre
em resposta à infecção, sendo utilizada para fornecer informações
funcionais e metabólicas, através da cintilografia óssea (HEDRICH et
al., 2020, CHAPMAN; CHOUDHARY; SINGHAL, 2021, KORYLLOU et al.,
2021, JHA; CHAUDHARY, 2022).

69
Medicina ambulatorial

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A osteomielite ainda constitui um desafio na ortopedia,


principalmente porque pode se relacionar com inúmeras afecções,
como grandes procedimentos cirúrgicos, úlceras no pé diabético e
artrite séptica, sendo esta última uma das condições em que a ci-
rurgia deve ser considerada imediatamente quando encontrada na
população infantil (URISH; CASSAT, 2020). Em relação ao pé diabé-
tico, sabe-se que os sintomas iniciais de osteomielite são pouco
específicos, desse modo, pacientes que apresentarem alterações
sensitivas, presença de calor ou endurecimento do local devem ser
avaliados quanto à possibilidade de infecção, sobretudo se possuí-
rem uma lesão que esteja aberta (JHA; CHAUDHARY, 2022, MASSAC-
CESI et al., 2022).
Além disso, fraturas por estresse ou traumas, em alguns
casos, também podem fazer o diagnóstico diferencial com o qua-
dro de osteomielite, visto que as duas patologias podem cursar,
por exemplo, com sinal de edema próximo da musculatura. Assim,
quando necessário, a RNM é um exame que pode auxiliar de ma-
neira eficaz na diferenciação entre um caso de osteomielite e de
uma fratura, por meio da presença ou ausência de uma linha de fra-
tura hipointensa. Além disso, a localização das fraturas por estresse,
que ocorrem mais nas regiões diafisárias dos ossos, ajuda a distin-
guir das infecções que tendem a ocorrer, na grande maioria das ve-
zes, nas regiões epifisárias ou das metáfises (LIM; BARRAS; ZADOW,
2021, JHA; CHAUDHARY, 2022).
Ainda é válido frisar que o aparecimento de osteomielite
também pode ter relação com o sistema imunológico do paciente,
por isso, as patologias de caráter sistêmico e doenças autoimunes,
como câncer e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, podem
ser associadas ao quadro. Em crianças, quando a dor e os sinto-
mas inflamatórios não são tratados de maneira eficaz, pode haver
perda da função física e baixa regularidade na escola. Por fim, em

70
Seção 3 | Osteomielite

alguns casos, ainda há uma possível correlação entre artrite séptica


e osteomielite acontecendo simultaneamente. A partir dessas in-
formações, percebe-se que a osteomielite é uma doença vasta, que
possui vários diagnósticos diferenciais e, por isso, seu estudo e in-
vestigação são indispensáveis para um melhor conhecimento da pa-
tologia (JHA; CHAUDHARY, 2022, MASSACCESI et al., 2022).

CAPÍTULO 12
MANEJO TERAPÊUTICO, COMPLICAÇÕES E
MEDIDAS PREVENTIVAS DA OSTEOMIELITE

Ana Carolina de Souza Cerqueira


Giovanna Dandara Leite Silvério de Sousa
Lucas Guilherme Souza Santos

TRATAMENTO

O tratamento da osteomielite pode ser realizado por uma


variedade de estratégias, que incluem uma série de procedimentos
divididos em alguns pilares primordiais, que incluem: a remoção da
área contaminada, por meio do debridamento da área infectada,
drenagem ou irrigação do abscesso; o uso de antibióticos locais,
em que há uma diversidade de complexos regionais de depósito de
antibiótico, como o cimento carreador de agentes bactericidas; a
manipulação do espaço morto, por exemplo o uso de enxerto ós-
seo ou muscular; o reconhecimento do microrganismo causador,
que idealmente é feito por meio de cultura óssea ou hemocultura; a
antibioticoterapia direcionada ao patógeno ou empiricamente, po-

71
Medicina ambulatorial

dendo ser por via oral ou endovenosa; o controle de condições mé-


dicas de base, que podem favorecer a perpetuação da infecção,
como o diabetes e a doença vascular periférica (URISH; CASSAT,
2020, ARSHAD et al., 2021).
No que tange o tratamento antimicrobiano na osteomielite,
existem hoje diversas diretrizes em que podemos basear nossa an-
tibioticoterapia. A melhor opção seria a escolha do medicamento
baseada no resultado da cultura do microrganismo causador da in-
fecção, mas, muitas vezes, isso não é possível na prática, tendo a te-
rapia empírica um importante papel nesse contexto, principalmente
nos casos em que a cultura se encontra em análise ou naqueles em
que não foi possível isolar a bactéria. O uso da clindamicina é re-
lativamente frequente quando se suspeita de que a causa seja por
S. aureus. Contudo, tem-se algumas limitações, como a resistência
e o fato de não ser indicado em casos mais críticos. Em situações
de ocorrência de osteomielite em que há resistência antimicrobiana
do S. aureus, a Sociedade Americana de Doenças Infecciosas acon-
selha o uso de vancomicina endovenosa, adicionada de rifampicina
nas primeiras duas semanas, além de rifampicina e um outro an-
tibiótico oral, como fluoroquinolona, sulfametoxazol-trimetoprima,
tetraciclina ou clindamicina até completar de 3 a 6 meses (URISH;
CASSAT, 2020, ARSHAD et al., 2021).
Uma outra situação recorrente nesse contexto, é o trata-
mento da osteomielite crônica não bacteriana tanto em crianças
quanto em adultos. Diante da dificuldade de evidências, a conduta é
empírica e baseada na experiência do profissional, em relato de ca-
sos e na troca de opiniões entre especialistas. Os anti-inflamatórios
não esteroidais (AINEs) são amplamente utilizados nos casos em
que não há o acometimento da coluna vertebral, uma vez que eles
possibilitam uma melhora dos sintomas e o manejo da inflama-
ção óssea estabelecida. No entanto, acredita-se que ao menos me-
tade desses pacientes terão crises álgicas diante deste tratamento
em até dois anos, sendo necessárias medidas adicionais. Outra op-

72
Seção 3 | Osteomielite

ção são os corticosteroides, que dificultam a expressão de citocinas


pró-inflamatórias. Estes podem ser administrados em dose baixa
de prednisona de 5 a 10 dias ou usados com terapia ponte para a
introdução dos DMARDs, drogas antirreumáticas modificadoras da
doença, que tiveram uma boa resposta em algumas pequenas coor-
tes de pacientes. Possíveis tratamentos futuros para essa condição
estão sendo estudados e incluem a ativação de proteínas quinases
e implicação de mastócitos na inflamação óssea (KAVANAGH et al.,
2018, ZHAO et al., 2021).
A opção cirúrgica também pode ser uma opção de funda-
mental importância no manejo da osteomielite. As principais indi-
cações consistem em: abscesso subperiosteal ou de tecidos moles,
perda óssea, indícios de infecção crônica, casos refratários à tera-
pia antimicrobiana inicial ou artrite articular séptica simultânea. A
cirurgia fornece, por meio do debridamento do tecido morto, uma
restauração do ambiente local, a diminuição da concentração bac-
teriana e o aumento da disponibilidade de antibiótico local. Em re-
lação a este último benefício, a abordagem cirúrgica permite um
depósito de antibiótico em altas doses. Um exemplo disso é o uso
de polimetacrilato de metila (PMMA) – cimento ósseo, transporta-
dor de antibiótico – pode-se usar 1 g de vancomicina e 1 g de gen-
tamicina ou tobramicina em cada saco de cimento. Os benefícios
desse método incluem a oferta de antimicrobiano local em altas
doses, o preenchimento do espaço morto e a conservação da pres-
são dos tecidos moles, mas esta opção requer uma cirurgia com-
plementar para remoção deste material (KAVANAGH et al., 2018,
URISH; CASSAT, 2020).
Apesar de todas as intervenções supracitadas, a osteomie-
lite ainda é motivo de grande estudo clínico, pois, em muitos casos,
as atuais opções terapêuticas são insuficientes tanto para tratar a
infecção quanto para restituir o osso afetado. Diante desse cenário,
novas abordagens estão sendo desenvolvidas e uma delas é a pro-
moção de biomateriais biofuncionais regenerativos ósseos, em que

73
Medicina ambulatorial

a porcentagem de degradação é proporcional à porcentagem de re-


generação do osso afetado, associada com a disponibilidade de an-
tibiótico local. Outra possibilidade em estudo é a utilização de uma
abordagem mais específica para combater o processo infeccioso,
que envolve o uso da tecnologia CRISPR e repetições palindrômi-
cas agrupadas regularmente inter-espaçadas por sua capacidade de
modificar os genes, mostrando uma conduta mais norteada e sele-
tiva para as infecções ósseas. Por tudo isso, acredita-se que muito
ainda pode ser desenvolvido para o aprimoramento do tratamento
das osteomielites (KAVANAGH et al., 2018, ZHAO et al., 2021).

COMPLICAÇÕES

Dentre as principais complicações da osteomielite, desta-


cam-se aquelas de caráter infeccioso, que conferem à doença maior
risco de recorrência e progressão para outros locais do organismo.
Nesse aspecto, a preocupação é a formação de biofilmes bacteria-
nos, que se relacionam diretamente com a capacidade do microrga-
nismo de se proteger contra a resposta imunológica do hospedeiro e
as terapêuticas medicamentosas existentes, aumentando o poten-
cial de complicação com a disseminação da infecção e a resistência
bacteriana. Em sinergia, alterações estruturais da própria bactéria
isoladamente, como mutações nas proteínas alvos dos antibióticos,
também favorecem a ocorrência destas complicações, visto que,
por se apresentarem resistentes a terapias conservadoras, tornam
imperativo o uso de medidas radicais que incluem o desbridamento
profundo do osso e até mesmo a sua amputação (KAVANAGH et al.,
2018, CHAPMAN; CHOUDHARY; SINGHAL, 2021).
Por contiguidade ou devido à disseminação à distância, pode
ocorrer o acometimento de nervos, predispondo a neuropatias com
grave comprometimento neurológico, tais como parestesia e parali-
sia. Compressões nervosas e medulares também podem se suceder

74
Seção 3 | Osteomielite

e estão relacionados a pior prognóstico. Caso os vasos sanguí-


neos sejam atingidos pela infecção, há também risco aumentado
de disseminação hematogênica, bem como a ocorrência de arteri-
tes, flebites, pseudoaneurismas e formação de trombos e êmbo-
los (CHAPMAN; CHOUDHARY; SINGHAL, 2021). Com a cronicidade da
doença, é possível observar o desenvolvimento de áreas de absces-
sos e tratos ósseos fistulosos. Essas regiões, por se apresentarem
pouco vascularizadas e ricas em necrose, comprometem o desen-
volvimento íntegro do osso e, também favorecem a continuidade da
infecção, ao formarem um nicho que isola o processo infeccioso da
resposta imune do organismo (LIM; BARRAS; ZADOW, 2021).
Também deve-se considerar que os pacientes com oste-
omielite podem apresentar complicações que não resultam dire-
tamente da infecção, por exemplo a destruição óssea por meio da
ativação dos osteoclastos pelas citocinas inflamatórias. Essa ativa-
ção favorece o processo de reabsorção óssea, proporcionando o en-
fraquecimento da matriz e a ocorrência de fraturas que modificam
a arquitetura do osso e levam a perda de função (LIU et al., 2019).
As células osteoblásticas também podem ser afetadas, impedindo
o processo sadio de neoformação óssea e predispondo a assime-
trias e deformidades. Nas crianças, a osteomielite pode provocar
graves distúrbios estaturais caso haja comprometimento das placas
de crescimento dos ossos longos (KAVANAGH et al., 2018, LIM; BAR-
RAS; ZADOW, 2021).

PREVENÇÃO

Pensando-se na prevenção do desenvolvimento da oste-


omielite e, consequentemente, de suas complicações e impactos
para a saúde, é possível elencar algumas medidas capazes de, não
somente de reduzir os riscos de ocorrência da moléstia, mas tam-
bém de reduzir os efeitos e repercussões na qualidade de vida do

75
Medicina ambulatorial

doente. Uma dessas medidas é o manejo adequado de doenças crô-


nicas, como a diabetes mellitus (DM), a síndrome da imunodefici-
ência humana adquirida (SIDA), a artrite reumatoide, entre outras,
configura uma importante medida de prevenção da osteomielite.
Dentre os fatores de risco relacionados à osteomielite, o diabetes
mellitus (DM) está entre os mais importantes devido à sua preva-
lência e às alterações orgânicas provocadas. Isso se deve porque é
uma condição clínica que confere ao seu portador certos propen-
sores, como: maior risco de desenvolvimento de úlceras e feridas,
principalmente em região plantar, além de diminuição na competên-
cia imune, o que irá interferir na resposta a um processo infeccioso
(JHA; CHAUDHARY, 2022).
Para que o plano preventivo se faça eficaz, é preciso que as
estratégias utilizadas sejam voltadas também para os fatores de
risco comportamentais, já que vários deles se relacionam com o
processo fisiopatológico da moléstia e também por serem passíveis
de mudança e de interrupção, ao contrário por exemplo, das doen-
ças crônicas supracitadas. Como vimos, o acometimento do leito
vascular ósseo, bem como a presença de bactérias infectantes no
sangue circulante, são algumas das alterações que possibilitam o
início do processo patológico que leva à osteomielite (URISH; CAS-
SAT, 2020). Por esse motivo, as condições clínicas comportamentais
que conferem maior risco vascular, maior risco de turbulência san-
guínea ou maior risco de bacteremia devem ser cessadas ou ao me-
nos controladas. Dentre tais hábitos, é possível citar o tabagismo,
alcoolismo e uso de drogas injetáveis, que, entre outras práticas,
uma vez suspensas, podem conferir a diminuição do risco de de-
senvolvimento da doença (JHA; CHAUDHARY, 2022).
Objetivando a mitigação do surgimento de osteomielite, é
fundamental que o profissional de saúde investigue em cada pa-
ciente suspeito o histórico de traumas e o risco de fraturas, uma
vez que, a partir de uma injúria óssea, inicia-se um processo infla-
matório no tecido que pode favorecer o aparecimento da doença

76
Seção 3 | Osteomielite

por haver um desbalanço celular durante a recuperação óssea. Essa


investigação se faz ainda mais importante, visto que em alguns pa-
cientes, como nos extremos de idade, as fraturas podem não ser
percebidas, o que levaria a um risco aumentado para o indivíduo
desenvolver um quadro de osteomielite e, por vezes, em uma faixa
etária cujo cuidado em saúde pode ser ainda mais desafiador (KA-
VANAGH et al., 2018, URISH; CASSAT, 2020).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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a scoping review. EFORT Open Reviews, v. 6, n. 9, p. 704–715, set. 2021.

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fetus. Journal of Infection and Public Health, v. 14, n. 9, p. 1233–1236, set. 2021.

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Comprehensive Imaging Review. American Journal of Neuroradiology, v. 42, n.
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Medicina ambulatorial

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Septic Arthritis: A Pictorial Essay. Radiology Research and Practice, v. 2021, p.
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and Surgery. Infection and Immunity, v. 88, n. 7, 22 jun. 2020.

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rent multifocal osteomyelitis (CRMO). Journal of Translational Autoimmunity,
v. 4, p. 100095, 2021.

78
SEÇÃO 4
SANGRAMENTO
UTERINO ANORMAL

CAPÍTULO 13
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DO
SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL
Mariana Maia Batista
Laura Paiva Eisenberg
Letícia Rennó Schumann
Paulo José Soares André Oliveira

INTRODUÇÃO

O termo sangramento uterino anormal (SUA) é utilizado para


definir alterações no sangramento proveniente do corpo uterino,
isto é, com parâmetros diferentes dos habituais. As modificações
podem contemplar os seguintes parâmetros clínicos: aumento de
volume, de frequência ou de duração. Estima-se que anormalidades

79
Medicina ambulatorial

menstruais afetam até um terço das mulheres globalmente, sendo


a queixa mais comum entre as que buscam atendimento médico na
idade reprodutiva (RAMALHO; LEITE; ÁGUAS, 2021; JAIN et al., 2022).
A fim de classificar as possíveis etiologias de SUA, o acrô-
nimo PALM-COEIN foi proposto pela Federação Internacional de Gi-
necologia e Obstetrícia (FIGO). Durante a avaliação, PALM é utilizado
para causas de sangramento estruturais, como pólipo, adenomiose,
leiomioma e malignidades; e COEIN para causas não estruturais,
como coagulopatia, disfunção ovariana, endometrial, iatrogênica,
além de incluir aquelas que não classificadas (DICKERSON; ME-
NON; ZIA, 2018).
Atualmente, sabe-se que o SUA pode ser causado por ne-
nhuma, uma ou múltiplas etiologias do PALM-COEIN. A título de
diagnóstico, é essencial que se considere a faixa etária durante a
abordagem das pacientes. Em adolescentes, por exemplo, a causa
mais frequente é a anovulação e em mulheres até os 50 anos, os
leiomiomas são a causa mais comum, estando presente em cerca
de 70 a 80% das que queixam algum tipo de SUA (CRITCHLEY et al.,
2020; RAMALHO; LEITE; ÁGUAS, 2021; TSOLOVA et al., 2022).
Além disso, de acordo com a FIGO, o SUA também pode ser
classificado de acordo com o tempo de evolução, sendo denomi-
nado como crônico quando o sangramento está presente há mais
de seis meses e; agudo quando ocorre um episódio de sangra-
mento intenso que requer intervenção imediata para prevenir uma
maior perda sanguínea. No que tange ao tratamento para SUA, este
baseia-se em tratar a causa e suas consequências (CHODANKAR;
CRITCHLEY, 2018).

80
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

ETIOLOGIA

A sigla PALM-COEIN é um acrônimo criado pela FIGO para


auxílio no diagnóstico etiológico. Geralmente, os tópicos do grupo
PALM são relacionadas a causas estruturais que podem ser iden-
tificadas visualmente com técnicas de imagem e/ou histopatolo-
gia; enquanto o grupo COEIN está relacionado a questões causais
que não são definidas por imagem ou histopatologia, denominadas
como não estruturais. A seguir está descrito o que cada sigla sig-
nifica e sua explicação detalhada, respectiva ao número indicado
(CHODANKAR; CRITCHLEY, 2018).

1. P - Pólipo;
2. A - Adenomiose;
3. L - Leiomioma;
4. M - Malignidade (tumores e hiperplasias);
5. C - Coagulopatia;
6. O - Ovulação (distúrbios ovulatórios);
7. E - Endométrio (desordens endometriais);
8. I - Iatrogenia;
9. N - Não classificados.

1. PÓLIPO

Os pólipos endometriais se formam da proliferação inade-


quada do tecido endometrial, advindo do estroma e das glândulas
endometriais, dentro da cavidade uterina. A prevalência relatada de
pólipos endometriais varia amplamente de 7,8 a 34,9%, dependendo
da definição de pólipo, do método diagnóstico utilizado e da popu-
lação analisada. Não há biomarcadores identificados para pólipos

81
Medicina ambulatorial

em uso clínico e seu diagnóstico depende de imagem, ultrassono-


grafia (USG), sono-histerografia e histeroscopia. Na maioria dos ca-
sos é assintomático (CHODANKAR; CRITCHLEY, 2018).

2. ADENOMIOSE

A adenomiose é a presença das células do endométrio in-


filtradas no miométrio. A sua ocorrência é, principalmente, em mu-
lheres pré menopausa e tem grande relação da doença com subfer-
tilidade e maior taxa de aborto espontâneo (HARMSEN et al., 2019).
Sangramento menstrual abundante e prolongado, presença de dis-
menorreia secundária que antecede até uma semana após o fluxo
menstrual, frequentemente, levam à suspeita de adenomiose. O
diagnóstico é feito por métodos de imagem, como ultrassom trans-
vaginal (USTV) e ressonância magnética (RM), além da histologia
(CHODANKAR; CRITCHLEY, 2018).

3. LEIOMIOMA

O leiomioma se refere a um tumor, geralmente, benigno que


surge das células musculares lisas do útero (JAIN et al., 2022). A do-
ença está presente em quase 80% de todas as mulheres até os 50
anos de idade (CHODANKAR; CRITCHLEY, 2018). A causa dos mio-
mas uterinos é complexa e pouco compreendida, sendo que fatores
genéticos, fatores epigenéticos, produtos químicos desreguladores
metabólicos, deficiências alimentares (como deficiência de vitamina
D), idade, raça, etnia, história familiar, esteroides ovarianos, citocinas
e fatores de crescimento foram envolvidos no desenvolvimento de
miomas, entre outros (JAIN et al., 2022). O diagnóstico pode ser rea-
lizado pelo exame físico, mas a ecografia pélvica transvaginal (EPTV)
confirma o diagnóstico e exclui outras patologias (JAIN et al., 2022).

82
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

4. MALIGNIDADE

A hiperplasia endometrial representa uma proliferação anor-


mal das glândulas do endométrio, com um acometimento difuso ou
focal, e com possibilidade de evoluir para neoplasia maligna. SUA é
o sintoma mais comum de câncer de endométrio (CE) em mulhe-
res na pós-menopausa. Em qualquer situação, as mulheres com
SUA devem realizar consultas médicas para investigação minunciosa
(HENRY; EKEROMA; FILOCHE, 2020).

5. COAGULOPATIA

Existem biomarcadores definidos para a análise de coagu-


lopatias em mulheres com SUA, entre eles o hemograma completo,
fatores de coagulação, fator de Willebrand e tempos de trombina
e protrombina. Cabe aos especialistas a triagem das mulheres em
risco, incluindo aquela em uso de anticoagulantes (CHODANKAR;
CRITCHLEY, 2018).

6. OVULAÇÃO

Os distúrbios ovulatórios podem levar desde a amenorreia


à hipermenorreia. Dentre as causas da anovulação podem estar as
causas endócrinas, como hipotireoidismo, síndrome dos ovários po-
licísticos (SOP) ou hiperprolactinemia, excesso de stress, e distúr-
bios de peso, sejam eles obesidade ou anorexia (CHODANKAR; CRI-
TCHLEY, 2018). Ademais, os distúrbios ovulatórios também podem
estar lincados a causas iatrogênicas por intervenções farmacêuticas
(JAIN et al., 2022).

83
Medicina ambulatorial

7. ENDOMÉTRIO

Os distúrbios primários do endométrio são uma possível


causa de SUA detectados pela exclusão de causas iatrogênicas, de
coagulopatias e de causas estruturais através de anamnese e exame
físico bem estruturados, visto que não há testes disponíveis (JAIN et
al., 2022). O SUA é causado por disfunções do endométrio que im-
pactam na hemostasia, angiogênese normal, integridade vascular ou
reparo endometrial (CHODANKAR; CRITCHLEY, 2018).

8. IATROGÊNICA

O uso contínuo de terapias hormonais de progesterona e es-


trógeno é uma possível causa de SUA. Nesse contexto, tem-se os
sangramentos não programados ou escapes. O uso de dispositivos
intrauterinos (DIU) também pode contribuir para SUA, ao passo que
pode levar a uma endometrite crônica. Como resolução para esta
causa, tem-se a retirada do DIU e do uso da terapia hormonal (CHO-
DANKAR; CRITCHLEY, 2018).

9. NÃO CLASSIFICADOS

Dentre as causas de SUA, têm-se aquelas que são raramente


encontradas e pouco definidas e, por isso, não são alocadas em ne-
nhum grupo específico (JAIN et al., 2022). Dentre estas causas es-
tão as malformações arteriovenosas uterinas, cicatrizes cesarianas
e pseudoaneurimas endometriais (CHODANKAR; CRITCHLEY, 2018).

84
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

FISIOPATOLOGIA

O endométrio é regulado pela sinalização hormonal durante


as fases do ciclo menstrual, que são, respectivamente: fase desca-
mativa, proliferativa e secretora. O estrogênio e a progesterona são
hormônios esteroidais fundamentais para essa regulação, uma vez
que o estrogênio possibilita a proliferação das células endometriais
após a menstruação; enquanto a progesterona é o principal hormô-
nio da fase secretora que estimula a diferenciação celular, a fim de
preparar o endométrio para a implantação do blastocisto. Caso a
gravidez não ocorra, o corpo lúteo entra em falência e a progeste-
rona é retirada, o que desencadeia a descamação do endométrio e
a repetição do ciclo (TSOLOVA et al., 2022).
O sangramento uterino anormal (SUA) é um sintoma alta-
mente prevalente de uma condição subjacente experimentada por
uma em cada três mulheres em idade reprodutiva. Por isso, é funda-
mental compreender a fisiopatologia desse quadro clínico a fim de
tratar corretamente as distintas etiologias que se manifestam como
SUA (DICKERSON; MENON; ZIA, 2018).
O primeiro passo para compreender a fisiopatologia desse
quadro passa pela compreensão dos componentes do útero e do
endométrio. O útero se divide nas camadas: serosa, miométrio e
endométrio. O miométrio é composto por fibras musculares lisas,
as quais sofrem contração durante o trabalho de parto e durante a
menstruação. Tal camada é o local das causas estruturais de SUA,
como os leiomiomas e a adenomiose. Já o endométrio é constituído
por duas camadas: a camada basal, contendo células progenitoras,
e uma camada funcional, que tem a função de servir como local de
implantação do embrião. É no endométrio que ocorre a formação de
pólipos, dos tumores malignos mais prevalentes e as endometrites
(TSOLOVA et al., 2022).

85
Medicina ambulatorial

Ademais, o SUA é dividido em anovulatório e ovulatório. No


SUA anovulatório o corpo lúteo não chega a se formar e, com isso, a
secreção de progesterona não ocorre e o estrogênio permanece es-
timulando a camada endometrial sem o estímulo secretor da pro-
gesterona. No fim o endométrio acaba se descamando de forma
incompleta e irregular, o que gera um aumento no volume de san-
gramento e/ou aumento do tempo de fluxo. Já no SUA ovulatório
o estímulo para a secreção de progesterona é prolongado e o des-
colamento irregular do endométrio ocorre, pois os níveis séricos de
estrogênio permanecem abaixo do normal, resultando num sangra-
mento uterino prolongado (HENRY; EKEROMA; FILOCHE, 2020).

CAPÍTULO 14
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO
DO SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL

Manuella Martins de Moura


Cindy Lima Vidigal Malta
Pedro Negreiros Lemos

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

O SUA é caracterizado por padrões de sangramento anormal


que incluem: menstruações regulares que são abundantes ou pro-
longadas; sangramento intermenstrual; sangramento irregular (ge-
ralmente associado à disfunção ovulatória) e amenorreia. Vale sa-

86
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

lientar que o sangramento crônico pode causar anemia ferropriva e


nos casos de sangramento intenso e agudo, pode gerar quadro he-
morrágico grave (CHODANKAR; CRITCHLEY, 2018).
Quando a hemorragia é grave, a paciente costuma apresentar
alterações hemodinâmicas, como: hipotensão, taquicardia, vasocons-
trição periférica e palidez cutâneo-mucosa. Nesse caso, é necessário,
primeiramente, restabelecer a homeostase, antes de estipular qual-
quer outra medida terapêutica. Em caso de sangramento de longa
duração, porém com menor intensidade, pode levar ao desenvolvi-
mento de uma anemia ferropriva (DICKERSON; MENON; ZIA, 2018).
Em decorrência da variedade etiológica do SUA, este se apre-
senta clinicamente diferente, a depender da causa subjacente (DI-
CKERSON; MENON; ZIA, 2018):

1. SUA aumentado: ciclos regulares, porém prolongados ou intensos.


1.1. Miomatose uterina - suspeitado pelo padrão de sangramen-
to e pelo volume uterino aumentado na palpação. Diagnos-
ticado pela ultrassonografia.
1.2. Adenomiose - frequentemente está acompanhado de dis-
menorreia ou dor pélvica crônica. Suspeitado pelo padrão de
sangramento e pelo volume uterino aumentado na palpação.
É confirmado apenas pelo anatomopatológico.
1.3. DIU de cobre - sangramento mais intenso nos primeiros 3
meses após a inserção, acompanhado de dismenorreia.
1.4. Coagulopatias - suspeita-se em mulheres com sangramen-
to uterino aumentado desde a adolescência, com história fa-
miliar de coagulopatias, com história de hemorragia pós-par-
to ou sangramentos frequentes como epistaxe, equimoses,
sangramento gengival, dentre outros.

87
Medicina ambulatorial

2. Sangramento uterino irregular: ciclos irregulares, geralmen-


te sem sintomas relacionados à menstruação, com volume do
sangramento variável.
2.1. Primeiro ano após a menarca - padrão menstrual muito fre-
quente em adolescentes nos primeiros anos após a menar-
ca, frequentemente acompanhado de dismenorreia.
2.2. Climatério - padrão menstrual dos anos que antecedem a
menopausa. Avaliar a probabilidade de climatério.
2.3. SOP (Síndrome dos ovários policísticos) - suspeita-se na
presença de ciclos menstruais irregulares, associados ou não
a sobrepeso/obesidade, com sinais de hiperandrogenismo,
como acne, hirsutismo e alopecia androgenética. No USTV
pode-se identificar microcistos no ovário.
2.4. Hipotireoidismo - clínica de hipotireoidismo: TSH aumenta-
do e T4 livre diminuído. Considera-se hipotireoidismo sub-
clínico se houver clínica de hipotireoidismo e TSH aumenta-
do, mas com T4 livre normal.
2.5. Hiperprolactinemia - suspeita-se se história de amenorreia
ou de ciclos menstruais irregulares. Associado ou não a ga-
lactorreia. Considera-se aumentada se > 40 ng/ml. No ma-
nejo, utiliza-se fármacos que podem aumentar a prolactina
(fenotiazínicos, antidepressivos, metoclopramida).

3. Sangramento uterino intermenstrual: sangramento uterino não


associado à menstruação. Os padrões mais frequentes são es-
cape e sangramento pós-coito.
3.1. Associado a ACO combinado - sangramento no padrão es-
cape, caracterizado por pequenos sangramentos sem rela-
ção com o ciclo menstrual. É mais frequente nos primeiros
3 meses de uso e quando utilizados ACO com doses mais
baixas de estrogênio.

88
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

3.2. Patologias do endométrio (pólipo, hiperplasia, câncer) - ge-


ralmente, o padrão de sangramento é spotting, mas pode se
manifestar como sangramento pós-coito. O diagnóstico, mui-
tas vezes, é feito pela ultrassonografia, mas, geralmente, a
mulher deve ser encaminhada para histeroscopia diagnóstica.
3.3. Patologias cervicais e ectopia - geralmente, o padrão de
sangramento é pós-coito. O câncer de colo uterino, em al-
guns casos, também pode se manifestar como sangramen-
to de escape. A inspeção do colo uterino a olho nu durante
o exame especular geralmente é suficiente para identificar
patologias cervicais que resultam em sangramento.
3.4. Doença inflamatória pélvica - geralmente, mas nem sem-
pre, está associada à dor pélvica, febre e/ou sangramen-
to pós-coito, intermenstrual ou do padrão de sangramento
uterino aumentado ovulatório. Ao exame, o colo uterino fre-
quentemente está friável, com secreção sugestiva de cervi-
cite e dor à mobilização do colo.
3.5. Associado à medroxiprogesterona de depósito - no início do
uso do acetato de medroxiprogesterona de depósito, pode
haver sangramento. Além disso, frequentemente há sangra-
mento de escape, especialmente nos primeiros anos de uso.

DIAGNÓSTICO

Primeiramente, a fim de caracterizar se o sangramento ute-


rino é anormal, deve-se saber determinar o que seria um padrão
normal de sangramento. A menstruação normal é definida por: fre-
quência (de 24 a 38 dias); regularidade (variação menor ou igual 7 a
9 dias, sendo que mulheres com menos de 25 anos e na perimeno-
pausa podem apresentar variações de até 20 dias; duração (menor

89
Medicina ambulatorial

ou igual a 8 dias) e volume (menor ou igual a 80 ml por ciclo, consi-


derando que o volume não interfira na qualidade de vida da mulher)
(CRITCHLEY et al., 2020).
Inicialmente, o diagnóstico de SUA consiste em confirmar,
através do exame especular, se o sangramento é proveniente do
canal cervical ou da cavidade uterina. Após isso, deve-se prosse-
guir investigando a causa ou as causas desse sangramento anormal.
Vale salientar que em caso de SUA agudo, a possibilidade de gesta-
ção deve ser descartada. Para diagnóstico de causas estruturais, a
USTV é o método mais utilizado e acessível. Contudo, a RM é pre-
ferível em casos de gestantes, obesas, mulheres que não toleram a
USTV, portadora de câncer uterino e mulheres que não iniciaram a
atividade sexual (JAIN et al., 2022).
Além dos exames imagiológicos, é imprescindível a realiza-
ção da anamnese e exame físico minuciosos, uma vez interferem no
diagnóstico, principalmente no que tange à história pregressa pato-
lógica da mulher. Ademais, deve ser solicitado a realização de exa-
mes laboratoriais para investigação de anemia e deficiência de ferro,
em decorrência da perda sanguínea pelo SUA (JAIN et al., 2022).
Vale ressaltar a importância de se considerar a faixa etária
ao estabelecer hipóteses diagnósticas. No que tange a pacientes
adolescentes, causas como SOP e demais distúrbios de ciclo ano-
vulatório devem ser investigadas, pois, além de serem etiologias fre-
quentes, podem passar despercebidas, não sendo diagnosticadas.
Em pacientes dessa faixa etária que iniciaram atividade sexual, cau-
sas traumáticas, estruturais e doenças inflamatórias pélvicas (DIP)
podem ser investigadas através do exame pélvico e bimanual (YAŞA;
GÜNGÖR UĞURLUCAN, 2020).
Por fim, o SUA pode ser classificado em: agudo, quando o
episódio de sangramento uterino ocorre na mulher em idade repro-
dutiva, que não está grávida, em quantidade suficiente para que seja

90
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

necessária uma intervenção para interromper a perda sanguínea ou


crônico, quando o SUA ocorre há pelo menos 6 meses (DICKERSON;
MENON; ZIA, 2018).

CAPÍTULO 15
TRATAMENTO E PROGNÓSTICO DO
SANGRAMENTO UTERINO ANORMAL

Luís Filipe Fernandes Cabral


Lara Maria Toledo Pires
Vitória Carvalhais Goulart
Millena Kellen Sousa Carvalho

TRATAMENTO

O tratamento de SUA é feito a fim de priorizar a melhoria da


qualidade de vida das pacientes, entretanto evidências atuais rela-
tam falta de satisfação após intervenções não cirúrgicas. Para alte-
rar essa situação é necessária investigação etiológica adequada e
tratamento individualizado (CHODANKAR; CRITCHLEY, 2018). Este,
no entanto, deve considerar a segurança e eficácia do tratamento,
bem como preferências do paciente, presença de comorbidades,
sintomas, impacto na qualidade de vida, desejo de fertilidade, den-
tre outros fatores (JAIN et al., 2022).
Nas consultas de adolescentes, o início da menarca, a du-
ração do ciclo, a variabilidade ao longo do tempo e a quantidade de
sangramento menstrual devem ser avaliados. A SOP e distúrbios he-

91
Medicina ambulatorial

morrágicos podem passar despercebidos nessa faixa etária. A doença


de Von Willebrand, defeitos da função plaquetária, trombocitopenia
e deficiências do fator de coagulação são os distúrbios hemorrágicos
mais comuns em meninas adolescentes que apresentam HMB. Além
disso, outras causas de sangramento intenso devem ser excluídas
(YAŞA; GÜNGÖR UĞURLUCAN, 2020).
O SUA de causa anovulatória é bastante comum em mulhe-
res na perimenarca e perimenopausa, bem como naquelas com SOP
ou obesidade. Na maioria dos casos, essas mulheres se apresentam
com queixas de ciclos menstruais irregulares, associados ou não a
aumento do volume menstrual. Nos casos de anovulação crônica, a
exposição prolongada ao estrogênio e a não proteção oferecida pela
progesterona acarreta um maior risco de neoplasias endometriais
(SOONTRAPA et al., 2022).
No exame físico, é importante se atentar aos sinais de ins-
tabilidade hemodinâmica e de hipovolemia, como hipotensão e ta-
quicardia, prosseguindo-se com a internação hospitalar. Durante o
manejo agudo, pílulas anticoncepcionais orais combinadas monofá-
sicas (ACO) contendo 30-50 mcg de etinilestradiol podem ser usadas
a cada 6-8 horas até que o sangramento diminua, depois reduzida
para duas e em seguida, um comprimido por dia. Se o sangramento
não diminuir após as duas primeiras doses de ACO ou as pacientes
não conseguirem fazer o tratamento hormonal oral, deve-se consi-
derar 25 mg de estrogênio conjugado intravenoso a cada 4-6 horas
até que o sangramento cesse (YAŞA; GÜNGÖR UĞURLUCAN, 2020).
A terapia com progestágenos resulta na pseudodecidualiza-
ção do endométrio e abrange os anticoncepcionais hormonais com-
binados, contraceptivos apenas com progestágenos e terapia com
progestágenos cíclicos, sendo a evidência deste último semelhante
ao efeito protetor da progesterona de uma ovulação regular. Suge-
re-se que a duração da terapia cíclica com progestágeno seja de
12 a 14 dias por ciclo para proteger o endométrio de forma eficaz,
contudo, progestágenos de terceira geração podem conseguir rea-

92
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

lizar seu efeito protetor em um período mais curto. As opções com


resultados semelhantes para normalização da menstruação e pro-
teção endometrial são o desogestrel (150 µg/d, 10 d/mês) e medro-
xiprogesterona (10 mg/d, 10 d/mês) (SOONTRAPA et al., 2022).
Ao analisar as pacientes portadoras de SUA, observa-se que
a maior parte não apresenta patologias estruturais que justificam
tal fato, o que favorece uso de terapias não cirúrgicas, que são os fi-
brinolíticos orais, progestágenos orais, medicamentos fitoterápicos,
anti inflamatórios não esteroidais orais e DIU hormonal. Os fibrino-
líticos orais, como o ácido tranexâmico, podem ser usados no ma-
nejo do sangramento menstrual intenso, devido à sua ação inibitória
das enzimas que degradam coágulos no endométrio. Ao comparar
os métodos ambulatoriais de tratamento, têm-se superioridade do
DIU hormonal, seguido do fibrinolítico oral, em comparação aos de-
mais (BRYANT-SMITH et al., 2018).
Em mulheres que ainda menstruam e que possuem uma in-
dicação de terapia com anticoagulantes, é recomendado uma coleta
cuidadosa do histórico menstrual antes e depois da introdução da
medicação. Para mulheres portadoras de Tromboembolismo Venoso
que estão sofrendo consequências contínuas devido a SUA, prefe-
re-se o uso da Apixabana em relação à Rivaroxabana como terapia
de anticoagulação de primeira linha (JACOBSON-KELLY; SAMUEL-
SON BANNOW, 2020).
Entretanto, nas situações em que as opções ambulatoriais
não são eficientes, é indicada a terapia cirúrgica, como a ablação en-
dometrial (AE) e histerectomia. Ao observar as pacientes submetidas
ao tratamento ambulatorial ou AE, conclui-se que nenhuma des-
sas opções é capaz de solucionar o problema, sendo necessário, em
grande parte dos casos, a realização posterior da histerectomia. A
histerectomia supracervical por laparoscopia remove o corpo uterino
sem remover o colo uterino, tornando a cirurgia mais simples com-
parada a histerectomia total, porém impõe a necessidade de manter
a realização de coleta de citopatológico cervical regular. Já a AE uti-

93
Medicina ambulatorial

liza fontes de energia de radiofrequência distribuídas para destruir o


endométrio e o miométrio, entretanto não garante amenorreia. Den-
tre essas opções, a histerectomia é considerada clinicamente su-
perior a longo prazo, apesar de ser um procedimento mais extenso,
caro e de tempo de recuperação prolongado (COOPER et al., 2019).
É importante ressaltar que o SUA é multifatorial e pode ocor-
rer juntamente com outras patologias, como os distúrbios sanguí-
neos, sendo necessária uma abordagem multifatorial, em conjunto
com hematologista para que a melhor conduta seja adotada, vi-
sando a melhoria da qualidade de vida da paciente. Dessa forma, o
objetivo do tratamento deve ser a estabilidade hemodinâmica das
pacientes e cessação do sangramento, seguido de outras terapias
de manutenção e correção da anemia. A maioria das pacientes ob-
têm melhora clínica apenas com tratamento farmacológico, hormo-
nal ou não-hormonal, sendo as cirurgias menos necessárias (RA-
MALHO; LEITE; ÁGUAS, 2021). Em resumo, as principais medidas
terapêuticas são (DICKERSON; MENON; ZIA, 2018):

• Terapia hormonal: é a primeira linha de tratamento, que tem


como objetivo estabilizar o endométrio, e abrange os contra-
ceptivos hormonais orais combinados, progestágenos puros ou
terapia com estrogênio. A escolha leva em conta a condição pri-
mária do endométrio e as possíveis contra-indicações aos mé-
todos anticoncepcionais que uma paciente possa apresentar;
• Terapia NÃO hormonal: as drogas anti-inflamatórias não es-
teroidais podem ser usadas nos casos de sangramento leve,
porém apresentam eficácia diminuída em comparação à terapia
hormonal. São os representantes dessa classe: ácido mefenâ-
mico 500 mg a cada oito horas, ibuprofeno de 600 a 1.200 mg ao
dia e naproxeno de 250 a 500 mg a cada 12 horas. É importante
ressaltar que por seus efeitos negativos na agregação plaque-
tária, esses medicamentos são desaconselhados nos casos de
distúrbios hemorrágicos;

94
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

• Terapia hemostática: o ácido tranexâmico é o antifibrinolítico de


escolha para diminuir o sangramento menstrual, prescrito pela
via endovenosa (10 mg/kg a cada oito horas) ou oral (1.300 mg
três vezes ao dia, até cinco dias). Segundo a literatura, não foi
encontrado risco aumentado de trombose quando associado
aos ACO, sendo uma opção quando a monoterapia falhar. Vale
ressaltar que o acetato de desmopressina, um análogo sintético
do hormônio antidiurético vasopressina, tem sido usado para
tratar SUA em mulheres com distúrbios de coagulação, espe-
cialmente aquelas com doença de von Willebrand e hemofilia;
• Agonistas de GnRH: medicamentos utilizados em casos graves
de hemorragia e pode servir como terapia adicional aos hormo-
nais em meninas com distúrbios hemorrágicos graves.

Diante do exposto, é essencial que o manejo adequado do


SUA seja realizado para que ocorra melhoria no atendimento e na
qualidade de vida de mulheres com essa condição. Para isso, é ne-
cessário uma intervenção em diversos níveis, considerando as ne-
cessidades socioculturais locais e realizando aprimoramento conti-
nuado das equipes de saúde que prestam cuidados a essas mulheres
(HENRY; EKEROMA; FILOCHE, 2020).

PROGNÓSTICO

O SUA, principalmente quando não diagnosticado e tratado


adequadamente, pode ter impacto negativo na qualidade de vida
das mulheres, com evolução para anemia ferropriva, com fadiga in-
tensa, cefaleia e alterações na função cognitiva. Além disso, afeta
negativamente a saúde mental das mulheres, que podem desenvol-
ver ansiedade, depressão e isolamento social, além de ter efeitos
sociais negativos no trabalho, escola e relacionamentos. Ademais,
o SUA, especialmente se de causa estrutural, pode evoluir com re-

95
Medicina ambulatorial

dução na fertilidade, menor sucesso em técnicas de reprodução


assistida e complicações durante a gestação (HENRY; EKEROMA; FI-
LOCHE, 2020; JAIN et al., 2022).
Pacientes com SUA crônico associado a disfunção ovariana
têm maior risco de desenvolver neoplasias endometriais devido a
exposição crônica a estrogênio, especialmente pacientes obesas.
Assim, deve-se educar a paciente sobre esse risco, além de acom-
panhar e estimular medidas de prevenção, como redução de peso
por mudanças no estilo de vida e uso de terapia com progesterona
(SOONTRAPA et al., 2022).
O acompanhamento longitudinal é imprescindível para pre-
venir eventos futuros, regularizar o ciclo menstrual e promover
maior qualidade de vida, em vista a reduzir esses impactos na saúde
das mulheres. Assim, após a resolução do SUA agudo, as pacientes
devem ser reavaliadas e acompanhadas, de acordo com a etiolo-
gia, gravidade do sangramento e presença de anemia. É importante
sempre avaliar a adesão a medidas dietéticas e atividade física, o
uso de suplementação vitamínica e o tratamento hormonal (YAŞA;
GÜNGÖR UĞURLUCAN, 2020; RAMALHO; LEITE; ÁGUAS, 2021).
Nos casos em que houve sangramento moderado, a reava-
liação deve ocorrer em, no máximo, 6 meses; enquanto que nos ca-
sos com anemia moderada devem ser reavaliados em, no máximo,
três meses. Pacientes que tiveram sangramento grave, mas que não
foram hospitalizadas, devem ser avaliadas mensalmente até esta-
bilização do ciclo menstrual e dos níveis de hemoglobina, com alvo
terapêutico de Hb > 10 g por dL. Por fim, pacientes que necessita-
ram de hospitalização devem ter nova consulta em até duas sema-
nas com acompanhamento mensal. A duração da terapia deve ser
guiada pela resposta ao tratamento. Além disso, é essencial avaliar
a necessidade de acompanhamento com hematologista e gineco-
logista em casos de falha terapêutica (YAŞA; GÜNGÖR UĞURLUCAN,
2020; RAMALHO; LEITE; ÁGUAS, 2021).

96
Seção 4 | Sangramento uterino anormal

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Medicina ambulatorial

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Adolescents. Journal of Clinical Research in Pediatric Endocrinology, v. 12, n. 1,
p. 1–6, 1 jan. 2020.

98
SEÇÃO 5
SÍNDROME DOS OVÁRIOS
POLICÍSTICOS

CAPÍTULO 16
EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA DA SÍNDROME
DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS
Luciana Penido Ribeiro
Leandra Carla Saez Martins
Luisa Carolina Sena Cota
Renata Silva Ferreira

INTRODUÇÃO

A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é o distúrbio en-


docrinológico que mais afeta mulheres em idade reprodutiva, ge-
rando um grande impacto na qualidade de vida destas mulheres
e aumentando o risco de algumas doenças, como a síndrome me-
tabólica, infertilidade, diabetes tipo 2 e câncer de endométrio (AL
WATTAR et al., 2021). Apesar de afetar cerca de 6 a 20% dessas mu-

99
Medicina ambulatorial

lheres, a depender do critério diagnóstico utilizado, pouco ainda se


sabe sobre sua etiologia. Acredita-se que a SOP é um distúrbio mul-
tifatorial que cursa com influência genética, epigenética, ambiental
pré e pós-natal (ISLAM et al., 2022).
As mulheres acometidas pela SOP possuem uma clínica di-
versa, sendo que entre as principais manifestações estão: distúrbio
ovulatório (oligomenorreia ou amenorreia), hiperandrogenismo (hir-
sutismo, acne e alopécia), obesidade, resistência insulínica, infertili-
dade e aumento do risco cardiovascular (JOHAM et al., 2022). Apesar
de ter alta prevalência e afetar a qualidade de vida destas mulheres,
grande parte das mulheres tem seus diagnósticos atrasados, de-
vido à variação no fenótipo da SOP e nos sintomas expressos. Além
disso, muitos médicos não possuem um bom conhecimento sobre
tal distúrbio. O principal critério diagnóstico utilizado é o Critério de
Rotterdam criado em 2003, o qual consiste em apresentar dois dos
três seguintes critérios: distúrbio ovulatório, hiperandrogenismo e
critérios ultrassonográficos de ovários policísticos (CHANG; DUNAIF,
2021 ; AL WATTAR et al., 2021).
Devido à complexidade da SOP e as diferentes manifesta-
ções clínicas, o tratamento deve ser individualizado e deve se basear
nos sintomas mais expressivos que afetam a paciente e suas priori-
dades (OSIBOGUN; OGUNMOROTI; MICHOS, 2020). Atualmente, não
há tratamento que cure a SOP, sendo que o tratamento de primeira
linha consiste em orientar as mudanças no estilo de vida (MEV) da
paciente, com perda de peso, dieta saudável e prática de exercícios
físicos, objetivando diminuir o risco de diabetes mellitus tipo 2 e de
doença cardiovascular (KITE et al., 2019). Quando as MEV não são
suficientes, pode-se recomendar o uso de metformina para aque-
las pacientes com resistência insulínica (OSIBOGUN; OGUNMOROTI;
MICHOS, 2020). Vale salientar que o tratamento farmacológico va-
ria de acordo com a queixa da paciente e seu quadro clínico. Acerca

100
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

de pacientes com irregularidade menstrual, algo recorrente, o tra-


tamento de primeira linha consiste nos uso de contraceptivos orais
(AL WATTAR et al., 2021).

EPIDEMIOLOGIA

A SOP consiste no distúrbio endocrinológico mais comum em


mulheres em idade reprodutiva. A taxa de incidência varia entre 5% a
20% dependendo dos critérios diagnósticos e do perfil demográfico
estudado em cada estudo (ALESI et al., 2022; ISLAM et al., 2022). Es-
tima-se que aproximadamente 1 em cada 10 mulheres enfrenta SOP
antes da menopausa e encara as suas complicações (SADEGHI et al.,
2022). Vale ressaltar que a SOP pode afetar mulheres de todas as
raças e etnias em idade reprodutiva (WOLF et al., 2018).
Apesar da alta prevalência da síndrome e de suas principais
morbidades, o diagnóstico oportuno é um desafio para médicos de-
vido às apresentações heterogêneas, variações étnicas e diferentes
fenótipos. Ademais, em decorrência da multiplicidade de comor-
bidades associadas à SOP, na maioria das vezes, o atendimento é
fragmentado, com sintomas individuais acompanhados por diferen-
tes profissionais, como endocrinologistas, ginecologistas, médicos
de cuidados primários, psicólogos, dermatologistas e nutricionistas
(COONEY; DOKRAS, 2018). Devido a isso, cerca de 70% das mulheres
com SOP permanecem sem diagnóstico (ISLAM et al., 2022).
Atualmente, sabe-se que a resistência insulínica é altamente
prevalente, ocorrendo em até 95% das mulheres com SOP obesas e
em até 75% das mulheres magras com SOP, o que aumenta o risco de
doença cardiovascular (OSIBOGUN; OGUNMOROTI; MICHOS, 2020).
Aproximadamente, 40 a 80% das mulheres com SOP são classifi-
cadas com sobrepeso ou obesas e, sabe-se que mesmo uma perda

101
Medicina ambulatorial

de peso moderada pode resultar em melhorias clinicamente signi-


ficativas no hiperandrogenismo e na irregularidade menstrual (KITE
et al., 2019; ALESI et al., 2022). Vale ressaltar que as mulheres com
a síndrome também podem ter maior probabilidade de ganhar peso
longitudinalmente e, consequentemente, cursar com síndromes me-
tabólicas e risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares,
devendo ser precocemente manejadas, o que ressalta a importância
do diagnóstico correto (BAHRI KHOMAMI et al., 2022).

ETIOLOGIA

A etiologia da SOP demonstra um distúrbio poligênico e


multifatorial, que indica fatores genéticos, hormonais, metabólicos
e ambientais como contribuintes para o seu desenvolvimento (PAT-
TEN et al., 2020). No estudo dos fatores genéticos, foram identifica-
dos genes envolvidos na biossíntese e no metabolismo da esteroido-
gênese ovariana. Sendo que a modificação na transcrição de genes
como CYP11A, CYP21, CYP17, CYP19, AR e Globulina Ligadora de Hor-
mônios Sexuais (SHBG), desencadeia a regulação positiva nos níveis
de andrógenos, estando relacionado a alterações na esteroidogênese
ovariana e a disfunções reprodutivas em mulheres com SOP (KHAN;
ULLAH; BASIT, 2019).
Além disso, a relação hormonal está diretamente ligada a hi-
perestimulação do hormônio luteinizante (LH) e a desregulação in-
trínseca da esteroidogênese, a qual promove o aparecimento das
características da SOP, a resistência à insulina e a hiperinsulinemia,
intensificando a hiperandrogenemia, o ganho de peso e a obesidade.
Apesar de ser desconhecido a dinâmica específica da relação do an-
drógeno e da insulina, há estudos que demonstram que o aumento

102
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

da fosforilação da serina no receptor de insulina e no substrato de re-


ceptor de insulina 1 (IRS1) no músculo podem prejudicar o reconheci-
mento da insulina e, consequentemente, seu metabolismo, evoluindo
para progressão da SOP (SHELE; GENKIL; SPEELMAN, 2020).
Outro importante fator que influencia nessa condição é o am-
biental, sendo este ligado a toxinas presentes no ambiente. Poluen-
tes químicos podem ser absorvidos por via oral, por via inalatória, e
também absorvidos pela pele ou mucosas. Alguns exemplos como
mercúrio, chumbo e tabaco podem ser importantes disruptores do
sistema reprodutivo. Existem pesquisas que mostram como toxinas
ambientais podem acionar ou até mesmo agravar a SOP; contudo,
ainda é um campo limitado. Há também disruptores endócrinos que
podem estar associados ao período pré-natal; um exemplo é como
a restrição do crescimento intrauterino é capaz de expor o feto a
glicocorticoides e androgênios que pode induzir a um futuro diag-
nóstico de SOP (ISLAM et al., 2022).
Outros fatores como a obesidade e o hábito alimentar tam-
bém estão diretamente ligados ao aparecimento desse quadro. Isso
acontece pois a obesidade exacerba o metabolismo e a disfunção
ovulatória da SOP (ISLAM et al., 2022). Sabe-se que a obesidade
pode ser resultado tanto de um mau hábito alimentar e sedenta-
rismo, como também de fatores emocionais e psicológicos, devendo
ser minuciosamente investigada, a fim de ser adequadamente tra-
tada. Todavia, tal quadro pode levar a um risco maior de outros
diagnósticos como resistência a insulina, infertilidade e hirsutismo.
Ademais, a própria SOP também pode cursar com ganho de peso,
levando a uma relação de feedback positivo (KUMAR et al., 2022).

103
Medicina ambulatorial

CAPÍTULO 17
FISIOPATOLOGIA E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
DA SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS

Amanda Nascentes Coelho dos Santos Omer


Ana Madeira Carneiro Braga de Freitas
Ana Luiza Lacerda Ribeiro
João Vitor Carmo de Novaes

FISIOPATOLOGIA

A SOP consiste em uma endocrinopatia multifatorial que so-


fre influência genética, epigenética, ambiental pré e pós-natal. A sua
complexidade, distribuição étnica e variação fenotípica dificultam a
compreensão de sua etiologia, entretanto, muitos mecanismos fi-
siopatológicos já são bem descritos (SANCHEZ-GARRIDO; TENA-
-SEMPERE, 2019). Embora não tenha fisiopatologia totalmente es-
clarecida, acredita-se que a SOP esteja ligada ao hiperandrogenismo
a nível ovariano (em que há uma disfunção ovariana intrínseca, a qual
é caracterizada por esteroidogênse e foliculogênse anormais) e à hi-
perinsulinemia, agravada por resistência insulínica (SAGVEKAR et al.,
2018; ROSENFIELD, 2022).
Nas mulheres, os hormônios esteroidais são produzidos a
partir do colesterol nos ovários e no córtex adrenal. Tal processo é
regulado por alças de feedback positivo com os hormônios hipofi-
sários e pela disponibilidade enzimática local nos tecidos. Nos ová-
rios fisiológicos, o LH regula a produção de androgênio nas células
da teca, enquanto o hormônio folículo estimulante (FSH) regula a

104
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

conversão de androgênio para estrogênio nas células da granulosas.


A testosterona produzida é, praticamente, toda convertida em es-
tradiol pela citocromo p450 aromatase, regulada pelo FSH. A produ-
ção desses hormônios sexuais sofre também autorregulação pelo
androgênio e estrogênio, que promovem um feedback negativo mo-
dulando a ação enzimática e regulação extra-ovariana pela ação da
insulina e do IGF-1 (SANCHEZ-GARRIDO; TENA-SEMPERE, 2019).
Em mulheres portadores de SOP ocorre um desequilíbrio
nessa produção de hormônios sexuais, resultando em hiperandro-
genismo (HA). Esse HA é resultado de alterações ovarianas locais
e alterações na resposta neuroendócrina. Nos ovários há aumento
da responsividade esteroidogênica ao LH, devido à falhas no meca-
nismo de “down regulation” de enzimas que participam da produ-
ção dos androgênios e têm sua atividade regulada pelo LH. Já a nível
central, três mecanismos diferentes explicam o aumento da frequ-
ência de pulsos de hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH), que
gera o aumento relativo do LH sobre o FSH, são eles: (1) a resistên-
cia do feedback negativo do LH pelo estrógeno e progesterona; (2) o
acúmulo do hormônio anti-Mulleriano (AMH), que encontra recep-
tores do tipo II nos neurônios de GnRH, e aumenta devido ao desen-
volvimento incompleto de folículos ovarianos; (3) a ação da insulina,
que aumenta a expressão de genes de GnRH (SANCHEZ-GARRIDO;
TENA-SEMPERE, 2019; ROSENFIELD, 2022).
O HA resulta em alterações metabólicas que retroalimentam
a produção de androgênio. Ocorre alteração do padrão adiposo com
acúmulo de gordura visceral, hipertrofia de adipócitos, supressão
dos níveis de adiponectina sensibilizadora de insulina e diminuição
dos níveis de tecido adiposo marrom, o que culmina em aumento
da resistência à insulina (RI). Tanto o acúmulo de gordura, quanto
a RI contribuem com a hiperprodução de androgênios, comumente
observado na SOP (SANCHEZ-GARRIDO; TENA-SEMPERE, 2019; RO-
SENFIELD, 2022; SADEGHI et al., 2022).

105
Medicina ambulatorial

A RI acomete 50%-70% das mulheres portadoras de SOP,


sendo um fator predisponente, mas também uma consequência da
própria síndrome. Como consequência da RI, tem-se uma hiperinsu-
linemia compensatória, que estimula ainda mais a adiposidade, por
meio do aumento da gênese de adipócitos e da lipogênese abdo-
minal, enquanto a lipólise é inibida. Além disso, a hiperinsulinemia
resulta na inibição da liberação hepática de SHBG, que é a principal
transportadora de testosterona no sangue. Assim, a diminuição nos
níveis da globulina culminam no aumento da testosterona livre, que
consiste na forma ativa do hormônio responsável pelos sintomas hi-
perandrogênicos característicos da síndrome (SANCHEZ-GARRIDO;
TENA-SEMPERE, 2019; ROSENFIELD, 2022; SADEGHI et al., 2022).
No caso da SOP, a RI é seletiva, presente na maioria dos teci-
dos, mas com preservação de sensibilidade nos ovários e adrenais,
o que permite que a insulina atue diretamente nos ovários aumen-
tando a produção de androgênios e contribuindo com a anovulação
dependente de androgênios (SANCHEZ-GARRIDO; TENA-SEMPERE,
2019; SADEGHI et al., 2022). Acerca da anovulação na SOP, ela pode
ser explicada por um excesso de formação de pequenos folículos,
luteinização de folículos prematuros e não maturação folicular até
o estágio pré-ovulatório, como consequência do HA. Além disso, os
níveis aumentados de LH existentes no SOP também são associa-
dos a maturação prematura dos folículos, o que agrava o HA ova-
riano e estimula uma secreção excessiva de estrógeno, que, por sua
vez, aumenta a supressão de FSH existente no SOP pelo excesso
de inibina. Outro fator prejudicial à maturação folicular é a hiperin-
sulinemia, uma vez que em associação ao FSH e aos andrógenos
é responsável por luteinizar células granulosas em estágio prema-
turo. Como consequência desses fenômenos ocorre a anovulação
e a presença de uma morfologia de caráter policístico nos ovários
(ROSENFIELD, 2022).

106
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

Em síntese, a fisiopatologia da SOP é complexa e apresenta


diversos componentes que são simultaneamente fatores de risco e
consequências da síndrome. Assim pode-se concluir que as altera-
ções metabólicas da SOP retroalimentam o processo, contribuindo
com a perpetuação das alterações e, consequentemente, das ma-
nifestações clínicas (ROSENFIELD, 2022).

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Por se tratar de um distúrbio complexo e multissistêmico, a


SOP pode apresentar diversas condições e manifestações clínicas.
Levando em conta que a SOP afeta de 8% a 13% das mulheres em
idade reprodutiva, mas que os critérios ideais para o diagnóstico de
SOP ainda demonstram-se inconsistentes entre os profissionais da
área da saúde, estima-se que 70% das mulheres portadoras da do-
ença permanecem sem diagnóstico. Dessa forma, faz-se necessário
analisar as principais manifestações clínicas de tal patologia, sendo
elas: oligo-amenorreia, HA, obesidade, RI, infertilidade e aumento
do risco cardiovascular (RCV) (JOHAM et al., 2022).
Inicialmente, destaca-se que mulheres com SOP, geral-
mente, apresentam ciclos menstruais irregulares e anovulação,
embora nenhum desses critérios seja intrinsecamente obrigatório
para o diagnóstico de SOP de acordo com os Critérios de Rotter-
dam. Nesse sentido, com o desenvolvimento lentificado dos folícu-
los devido à menor ação do FSH acarretada pelo nível elevado de
AMH, os ciclos menstruais, em mulheres portadoras de SOP, ten-
dem a ser mais longos, resultando em oligomenorreia. Ainda, em
casos com fenótipo de SOP mais grave, as mulheres podem acabar
apresentando amenorreia, já tendo sido evidenciado que mulheres
com anovulação apresentam, mais frequentemente, amenorreia,

107
Medicina ambulatorial

em comparação às mulheres com oligoovulação. Para pacientes


que apresentam anovulação, a duração média do ciclo é de, apro-
ximadamente, 60 dias e, para mulheres com oligovulação, cerca de
43 dias (JOHAM et al., 2022).
Existem também alguns desafios em relação à anovulação
e à menstruação irregular, especialmente em adolescentes e mu-
lheres jovens, uma vez que a disfunção ovulatória pode acabar per-
sistindo após a menarca e, dessa forma, os sinais e sintomas que
definem a SOP, frequentemente, se sobrepõem às mudanças fisio-
lógicas do eixo reprodutivo que ocorrem de maneira natural nesse
período da vida. Também é importante atentar-se ao fato que as
mulheres afetadas podem cursar com ciclos regulares ao longo do
envelhecimento, o que faz com que a presença de ciclos regulares
não impeça o diagnóstico de SOP em uma mulher com idade mais
avançada (JOHAM et al., 2022).
Ademais, o HA também é, comumente, encontrado em pa-
cientes portadoras dessa patologia, inclusive sendo considerado o
marcador mais consistente da SOP na adolescência, haja vista que
a presença de ciclos irregulares é muito comum nos primeiros anos
após a menarca. Esse fenômeno possui como manifestações clí-
nicas mais comuns o hirsutismo, a seborreia, a acne e a alopecia
androgenética. Nesse viés, devido ao aumento considerável da pro-
dução de androgênios (considerando a testosterona o principal re-
presentante dessa classe), ocorre o aparecimento de pelos excessi-
vos em áreas dependentes de andrógenos do corpo feminino, sendo
estimado que esteja presente em 65% a 75% das portadoras de SOP
(ISLAM et al., 2022).
Por se tratar de uma condição de saúde complexa e multi-
fatorial, a SOP pode manifestar-se de diversas formas no metabo-
lismo, sendo hiperinsulinemia e a RI os principais achados, geral-
mente mais evidentes em pacientes com sobrepeso ou obesidade.
Aproximadamente 88% das mulheres portadoras da patologia em

108
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

questão apresentam sobrepeso e obesidade, além de terem maior


risco de ganho de peso quando comparadas às mulheres não por-
tadoras de SOP. Apesar de extensas evidências confirmarem a liga-
ção de SOP com obesidade, maiores estudos são necessários para
confirmar tais achados e esclarecer a história natural e a evolução
dessa doença (JOHAM et al., 2022).
Além disso, estudos recentes demonstraram maior risco
quantificado de doença metabólica em pacientes com SOP quando
comparadas a pacientes hígidas. Os principais resultados incluem
circunferência da cintura, DM2, RI, intolerância à glicose, hiperten-
são, doença coronariana, perfil lipídico e doença tromboembólica
venosa. Tais desdobramentos estão associados ao mecanismo hi-
perandrogênico da fisiopatologia da SOP, que ocasiona a RI e a con-
sequente hiperinsulinemia persistente (ISLAM et al., 2022).
Sabe-se que a SOP cursa com repercussões ao longo da
vida e, recentemente, complicações gestacionais estão sendo reco-
nhecidas de forma gradual. Algumas delas são pré-eclampsia (PE),
diabetes gestacional (DG) e até mesmo aborto espontâneo. Tais
achados estão sendo relacionados aos efeitos metabólicos e en-
dócrinos como HA e aumento do IMC, presentes em mulheres por-
tadoras de SOP antes da gravidez. Especula-se que os androgênios
são capazes de promover resistência androgênica no endométrio da
SOP, o que sugere uma fase lútea comprometida entre as mulheres
afetadas, contribuindo para maior taxa de aborto e placenta rasa
entre as portadoras (ISLAM et al., 2022).
Todavia, apesar das manifestações variadas, as principais
condições, em geral, encontradas em pacientes com SOP são ano-
vulação e amenorreia (75-80%) e infertilidade (75%). Dessa forma,
conclui-se que além dos desdobramentos físicos causados pela
SOP, a qualidade de vida das portadoras é afetada e problemas de
saúde mental também podem ser desencadeados, como a depres-
são (WOLF et al., 2018).

109
Medicina ambulatorial

CAPÍTULO 18
INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA DA
SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS

Letícia Dias Dantas


Julia Resende Silva
Maria Eduarda Evangelista Resende
Ana Carolina Camargos Guimarães

DIAGNÓSTICO

Apesar da morbimortalidade, o diagnóstico é frequente-


mente negligenciado e os médicos muitas vezes são mal informa-
dos sobre a síndrome (CHANG; DUNAIF, 2021). O transtorno inclui
características clínicas variáveis e apresentação heterogênea, o que
torna seu diagnóstico desafiador. Como resultado, sabe-se que até
70% das mulheres permanecem sem rastreio, o que tem impacto
negativo na saúde a longo prazo, visto que as portadoras da sín-
drome também apresentam fatores de risco aumentados para do-
ença cardiovascular, síndrome metabólica, dentre outras doenças.
Desse modo, adotou-se dos princípios da medicina baseada em evi-
dências e estimulou a realização de pesquisas e a síntese de evidên-
cias sobre o diagnóstico e o tratamento da SOP (ISLAM et al., 2022).
Sendo assim, nas últimas décadas, alguns critérios foram de-
finidos para diagnóstico da SOP. Os principais critérios com maior
credibilidade existentes no momento são: os critérios de Rotterdam
(criado em 2003 pela European Society for Human Reproduction and
Embryology e a American Society for Reproductive Medicine); os Cri-
térios AES (criado em 2006 pela Androgen Excess Society) e os crité-

110
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

rios de NIH que, em 2012, patrocinou um workshop sobre SOP para


fazer uma análise e melhoria do estado atual da ciência no campo.
Tal reunião seguiu um processo de consenso formal, de modo que
mitigou erros e possíveis no diagnóstico da SOP (CHANG; DUNAIF,
2021; JOHAM et al., 2022).
As características clínicas observadas em mulheres com a
SOP foram analisadas, resultando no desenvolvimento dos Critérios
de Rotterdam, o qual é o mais utilizado, atualmente, para o diagnós-
tico de SOP (AL WATTAR et al., 2021). Fazem parte deles: (A) disfun-
ção anovulatória, (B) hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico e
(C) ovários policísticos à ultrassonografia, sendo necessária a inclu-
são de pelo menos dois itens para a confirmação diagnóstica, além
da exclusão de diagnósticos diferenciais (BAHRI KHOMAMI et al.,
2022; ISLAM et al., 2022).

A. DISFUNÇÃO ANOVULATÓRIA

Aproximadamente, 75% dos indivíduos com SOP possuem


disfunção ovulatória, sendo o estado de ciclo menstrual irregular.
Vale salientar que a irregularidade menstrual em um adulto consiste
em um ciclo com duração menor que 21 ou maior que 35 dias, ou
menos que oito ciclos menstruais por ano (ISLAM et al., 2022).

B. HIPERANDROGENISMO CLÍNICO
E/OU BIOQUÍMICO

É caracterizada por níveis elevados de andrógenos endóge-


nos circulantes (ROSENFIELD, 2022). Sinais de HA incluem hirsu-
tismo, acne e alopecia, sendo que o hirsutismo aparece com mais
frequência do que os dois restantes em cerca de 80% das pessoas
com HA. Refere-se ao crescimento visualmente detectável de pe-
los terminais. A extensão do hirsutismo é avaliada por meio do es-
core modificado de Ferriman-Gallwey (mFG), sendo conclusivo se a

111
Medicina ambulatorial

pontuação total de mFG estiver na faixa de ≥ 4–6. Vale ressaltar que


esse intervalo foi estendido para uma pontuação de oito, a fim de
ajustar a variação nas etnias (ISLAM et al., 2022; JOHAM et al., 2022).

C. OVÁRIOS POLICÍSTICOS À ULTRASSONOGRAFIA

A morfologia dos ovários policísticos ao ultrassom pélvico


é definida pela presença de 12 ou mais folículos medindo 2-9 mm
de diâmetro médio e/ou volume ovariano maior que 10 cm³. Um
ovário com essas características já é suficiente para definir SOP
(ISLAM et al., 2022).
Os Critérios de Rotterdam também permitem a classifica-
ção da síndrome de acordo com a apresentação clínica em quatro
fenótipos de A a D. Ademais, a avaliação de exames laboratoriais
como dosagem de androgênios e 17-alfa-hidroxiprogesterona po-
dem ser necessários para conclusão diagnóstica. Acerca dos fenóti-
pos, são eles (ISLAM et al., 2022):

A. hiperandrogenismo + disfunção ovulatória + morfologia de ová-


rios policísticos ao exame de imagem;
B. hiperandrogenismo + disfunção ovulatória;
C. hiperandrogenismo + morfologia de ovários policísticos ao exa-
me de imagem;
D. disfunção ovulatória + morfologia de ovários policísticos ao exa-
me de imagem.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

A SOP é uma condição cujo diagnóstico não pode ser reali-


zado através de testes específicos, por ser tratar de uma patologia
com fisiologia complexa e multifatorial, sendo necessária a realiza-
ção da exclusão de outras patologias que cursam com quadro clí-

112
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

nico semelhante, a fim de reduzir a gama de diagnósticos a serem


levados em consideração. Sendo assim, ao se investigar a SOP, a hi-
perprolactinemia, doenças da tireoide, síndrome de Cushing e hi-
perplasia adrenal congênita (HAC) são patologias que devem estar
contidas no rol de investigação (SADEGHI et al., 2022).
O hipotireoidismo cursa com irregularidades menstruais e
sangramento uterino anormal e sua exclusão é feita por meio da
solicitação do exame laboratorial TSH. Esse exame deve estar nor-
mal na paciente com SOP e aumentado na paciente com hipoti-
reoidismo (ISLAM et al., 2022).
A síndrome de Cushing cursa com obesidade, amenorreia,
hipertensão arterial e hirsutismo. Nessa patologia o teste do corti-
sol 24 h está elevado, enquanto na SOP normal. A HAC cursa com
excesso de andrógenos, irregularidade menstrual e hirsutismo e é
confirmada se os níveis circulantes de 17-hidroxiprogesterona es-
tão superiores a 500 mg/dL, enquanto na SOP encontra-se abaixo
de 200 mg/dL. Ambas as condições são caracterizadas por uma
secreção aumentada de cortisol e se assemelham a SOP, pois as
vias esteroidogênicas estão associadas nos ovários e nas glândulas
adrenais (ISLAM et al., 2022).
A hiperprolactinemia compartilha a galactorreia com SOP,
e é considerada quando a paciente apresenta nível de prolactina
acima de 200 µg/L (ISLAM et al., 2022). Portanto, é preciso uma boa
análise clínica do paciente, que envolve anamnese completa, exame
físico e laboratoriais, visando a exclusão de diagnósticos diferenciais
e manejo adequado da patologia (SADEGHI et al., 2022).
Ademais, devido à presença de hirsutismo, deve ser conside-
rada a possibilidade de hirsutismo idiopático, que ocorre sem a pre-
sença de HA, comum na síndrome. Há, também, variações étnicas
e raciais, além da própria variabilidade do julgamento do avaliador,
que é subjetiva. Tais fatores também são relevantes para a determi-
nação dos sintomas que serão considerados ao se realizar o diag-
nóstico da SOP (ISLAM et al., 2022).

113
Medicina ambulatorial

CAPÍTULO 19
MANEJO TERAPÊUTICO E PROGNÓSTICO DA
SÍNDROME DOS OVÁRIOS POLICÍSTICOS

Camilla Fruchtengarten
Ana Clara Lemos de Andrade
Bruno Pyramo Braga de Souza
Cláudio Renê Barreiros Júnior

TRATAMENTO

Atualmente, a SOP se trata de um distúrbio sem tratamento


curativo; entretanto, os médicos buscam terapias sintomáticas que
possibilitam uma melhor qualidade de vida para suas pacientes.
Diante disso, é válido ressaltar que a escolha de tratamento deve
ser individualizada e baseada nos principais sinais e sintomas en-
frentados e nas prioridades do paciente (OSIBOGUN; OGUNMO-
ROTI; MICHOS, 2020).
Intervenções no estilo de vida são consideradas tratamento
não farmacológico de primeira linha para a SOP. Entre essas inter-
venções está a implementação de uma dieta saudável com restri-
ção calórica e a prática habitual de exercícios físicos. Tais mudanças
permitem aliviar as manifestações clínicas, visto que, possibilitam a
redução do índice de massa corporal, melhora da sensibilidade à in-
sulina e maior regularidade no ciclo menstrual. Como consequência,
há redução do risco de desenvolvimento de doenças metabólicas,
como por exemplo Diabetes Mellitus tipo 2 e doenças cardiovascu-
lares (KITE et al., 2019; RASHID et al., 2022).

114
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

O tratamento farmacológico de primeira linha para as por-


tadoras da SOP são os contraceptivos orais, utilizados a fim de
controlar a irregularidade menstrual. Tais medicamentos são res-
ponsáveis por promoverem a suspensão dos fatores hipotalâmicos
de liberação (RH-FSH e RH-LH), levando à secreção deficiente das
glicoproteínas hipofisárias (FSH e LH) e, consequentemente, impe-
dindo o desenvolvimento dos folículos ovarianos e a ovulação (AL
WATTAR et al., 2021).
O enfoque terapêutico para pacientes que não alcançam a
perda de peso adequada mediante MEV para melhora da homeos-
tase metabólica e HA é a Metformina, a qual também é usada como
o principal tratamento para casos de infertilidade. Tal droga é, majo-
ritariamente, absorvida no intestino delgado e possui ação inibitória
da produção hepática de glicose. Com isso, diminui a captação in-
testinal de glicose e aumenta a sensibilidade à insulina. Ademais há
uma diminuição do nível sérico de andrógenos e regulação do ciclo
menstrual (RASHID et al 2022).
Para mulheres com desejo reprodutivo e infertilidade ano-
vulatória torna-se necessário terapias farmacológicas que possi-
bilitem a indução da ovulação. Os inibidores da aromatase, como
por exemplo o Letrozol, diminuem a atividade estrogênica, pois blo-
queiam a enzima aromatase responsável pela conversão de testos-
terona e androstenediona em estradiol e estrona. Com a diminuição
da atividade estrogênica, há o aumento da liberação do FSH. O Ci-
trato de Clomifeno possui atividade antiestrogênica no hipotálamo
e induz um aumento na frequência de liberação pulsátil do GnRH,
também levando a uma maior liberação do FSH e aumentando a
taxa de ovulação em 60–85% (RASHID et al., 2022). Vale salientar
que os tratamentos de fertilidade não anulam a necessidade de um
estilo de vida saudável antes e durante a gravidez, pois é necessário
alcançar o ganho de peso gestacional adequado para otimizar os re-
sultados maternos e fetais (BAHRI KHOMAMI et al.,2022).

115
Medicina ambulatorial

Há também alternativas cirúrgicas para os pacientes que


não conseguem atingir o peso ideal com tratamentos farmacoló-
gicos e MEV, como a cirurgia bariátrica, recomendada para aqueles
com um alto grau de obesidade. Tal procedimento mostra-se extre-
mamente benéfico para indivíduos com a SOP, levando à melhora
do IMC, do HA, do ciclo menstrual e das taxas de ovulação. Todavia,
os caminhos específicos pelos quais a cirurgia bariátrica gera efeitos
positivos no perfil metabólico e reprodutivo em indivíduos obesos
com SOP permanecem ainda sem uma conclusão efetiva (SANCHE-
Z-GARRIDO; TENA-SEMPERE, 2019). Além desse método cirúrgico,
têm-se a perfuração laparoscópica ovariana que, embora sua prá-
tica tenha melhorado a ovulação e reduzido os andrógenos, os estu-
dos sobre seu uso ao longo dos anos ainda são inconsistentes, pois
falharam no fornecimento de evidências sólidas para sustentá-lo
como uma forma de tratamento (ISLAM et al., 2022).
Por fim, mulheres com SOP tendem a ser deficientes em
muitos nutrientes e minerais, por isso, torna-se necessário estra-
tégias complementares para auxiliar em uma melhor qualidade de
vida. Diante disso, a suplementação de vitaminas (B-12, inositols,
folato, vitaminas D, E e K), nutrientes (bioflavonoides e ácido a-li-
póico) e minerais (cálcio, zinco, selênio e picolinato de cromo) deve
ser realizada (SADEGHI et al., 2022).
Algumas literaturas discorrem que o tratamento baseado
apenas em fármacos é eficaz em cerca de 60% dos pacientes; além
disso, alguns estudos ressaltam que o uso de medicina comple-
mentar e alternativa (MCA) como terapia adjuvante podem poten-
cializar o tratamento. Um dos fatores de sucesso da MCA, consiste
no fato de que os indivíduos acabam aceitando com mais facilidade
esse método terapêutico, em virtude das suas crenças e culturas,
tendo, por consequência, uma melhor adesão e tolerância à tera-
pia. Considera-se como métodos com bons resultados: psicotera-
pia, spa, ioga, Tai Chi, oxigenoterapia, acupuntura e alguns suple-
mentos (SADEGHI et al., 2022).

116
Seção 5 | Síndrome dos ovários policísticos

PROGNÓSTICO

A SOP é um transtorno endócrino, metabólico e reprodu-


tivo que afeta milhões de mulheres no mundo (COONEY; DOKRAS,
2018). Mulheres com SOP apresentam um risco maior de desenvol-
ver complicações de saúde que afetam seu prognóstico, como obe-
sidade e sobrepeso, doenças cardiometabólicas, incluindo DM2, RI,
intolerância à glicose, hipertensão, doença cardíaca coronariana e
doença tromboembólica venosa (JOHAM et al., 2022). Embora os
problemas de saúde relacionados à gravidez sejam encontrados
principalmente em mulheres em idade fértil, é importante enfatizar
seus vínculos com os riscos cardiometabólicos. Especificamente,
descobriu-se que DG, hipertensão induzida pela gravidez e PE têm
tais associações (COONEY; DOKRAS, 2018).
Desta forma, o prognóstico é expresso pela combinação de
fatores de risco que constituem o conceito de síndrome metabólica,
associado à avaliação da SOP, que muitas vezes vem acompanhada
de um estado de RI com hiperinsulinemia compensada. Assim, a
identificação de pacientes com tendência à hipertensão, metabo-
lismo alterado de glicose e processos de aterosclerose, entre outros
sintomas cardiometabólicos mais graves, permite traçar a evolução
da patologia (COONEY; DOKRAS, 2018).
É notória também, a influência do estilo de vida frente ao
prognóstico da SOP, principalmente em pacientes com sobrepeso e
obesidade. Adaptações do estilo de vida, principalmente associadas
à perda de peso, demonstram melhoras em aspectos como RI, tes-
tosterona livre, acne, hirsutismo e função reprodutiva, redução do
risco cardiovascular, além de influir positivamente nos quesitos psí-
quico e de qualidade de vida das pacientes analisadas. Vale salien-
tar que estratégias terapêuticas que associam MEV e intervenções
medicamentosas mostraram ser mais eficazes, uma vez que planos

117
Medicina ambulatorial

terapêuticos bem estruturados com o acompanhamento de profis-


sionais tendem a ampliar a adesão ao tratamento, o que melhora o
prognóstico da paciente (PATTEN et al., 2020).
Por fim, conclui-se que o estilo de vida exerce grande influ-
ência sobre o prognóstico da SOP e das comorbidades associadas
a esse distúrbio. Assim, conclui-se que da mesma forma que com-
portamentos de vida embasados em princípios saudáveis propiciam
a melhora do caráter patológico dessa síndrome; em contrapartida,
maus hábitos de vida podem induzir o surgimento de sinais e sinto-
mas em pacientes predispostas (PATTEN et al., 2020).

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Medicina ambulatorial

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120
SEÇÃO 6
TIREOIDECTOMIA

CAPÍTULO 20
FUNÇÕES ENDÓCRINAS METABÓLICAS DA
TIREOIDE E INDICAÇÕES PARA TIREOIDECTOMIA
Julia Oliveira Santos
Amanda Mendes Rocha
Augusto César da Silva Ramos
Sérgio Gustavo Romeiro Barcaro

INTRODUÇÃO

A tireoide é uma glândula endócrina, que produz os hormô-


nios triiodotironina e tiroxina (T3 e T4, respectivamente) em res-
posta ao hormônio estimulante da tireoide (TSH) da hipófise anterior,
sendo que a quantidade adequada desses produtos metabólicos é
essencial para o funcionamento adequado do corpo, pois atuam em
todos os sistemas fisiológicos do corpo, como cardiovascular e gas-
trointestinal (DE LEO; LEE; BRAVERMAN, 2016). A alteração desses
hormônios pode culminar em uma série de patologias, como exem-
plificação, tem-se o hipertireoidismo, caracterizado por excesso de

121
Medicina ambulatorial

hormônio tireoidiano, que pode cursar com sintomatologia impor-


tante, como: palpitações, fadiga, tremores, ansiedade, distúrbios do
sono, perda de peso, intolerância ao calor, sudorese, polidipsia, ta-
quicardia, tremor das extremidades e perda de peso. Essa afecção
direta em diferentes órgãos, deixa evidente que o desbalanço na
produção hormonal da tireoide culmina em muitas alterações no
paciente (SMITHSON et al., 2019).
Em relação às cirurgias realizadas em glândulas, a aborda-
gem na tireoide, constitui-se como a mais comum entre todas (ĐA-
NIĆ HADŽIBEGOVIĆ, 2020). Nesse sentido, esse método cirúrgico
possui indicações bem documentadas, tais como: bócios volumo-
sos e/ou baixa captação de iodo radioativo, câncer de tireoide sus-
peito ou confirmado, oftalmopatia moderada a grave (com contrain-
dicação em relação a terapia com iodo radioativo), bem como a
preferência pela cirurgia. Ademais, existem diferentes tipos de ci-
rurgia, como: tireoidectomia total (TT), a quase total (NT), a sub-
total (ST), a lobectomia (LT) e a tireoidectomia robótica. A escolha
adequada deve ser pautada na característica da doença, particula-
ridades do paciente e na experiência do cirurgião (RAFFAELLI et al.,
2020). Evidencia-se o avanço tecnológico e científico em relação
às opções de cirurgias tireoidianas, propiciando um aprimoramento
nas técnicas existentes, que apresentaram-se cada vez mais mo-
dernas, culminando em melhores resultados e reduzindo as com-
plicações (CHANG et al., 2017).
Os estudos e ensaios científicos sobre a tireoidectomia, tem
sido cada vez mais ampliados, a fim de documentar vantagens e
desvantagens de cada técnica, mas com o principal objetivo de di-
minuir a morbidade dos pacientes. Nas discussões sobre as dife-
rentes abordagens cirúrgicas são elencados pontos importantes so-
bre pré-operatório, intra-operatório e pós-operatório. Nesse sentido,
por exemplo, antes da cirurgia, a estratificação do risco de cada pa-
ciente é imprescindível para definir a extensão da cirurgia. No mo-
mento da operação, sabe-se que a posição do paciente deve ser

122
Seção 6 | Tireoidectomia

adequadamente identificada de acordo com o respectivo procedi-


mento a ser realizado, para que sejam evitadas complicações após
a cirurgia (PICCOLI et al., 2017). Além disso, cada abordagem pos-
sui pontos positivos e negativos, bem como respectivos efeitos ad-
versos, por exemplo, a abordagem subtotal, em comparação à total,
permite que, após o procedimento, permaneça uma função tireoi-
diana residual, o que reduz o risco de hipoparatireoidismo, reduzindo
o risco de causar paralisia do nervo laríngeo (LEE; BAEK; JUNG, 2016,
RAFFAELLI et al., 2020).
Portanto, dada a complexidade do tema, evidencia-se a im-
portância de analisar as particularidades de cada cirurgia, bem como
o diagnóstico do paciente, risco cirúrgico e possíveis complicações.
Dessa forma, é importante avaliar criteriosamente cada caso, como
no caso dos carcinomas, o tamanho do tumor é só um dos pontos
a serem analisados previamente à definição da abordagem cirúr-
gica. O paciente deve ser informado dos benefícios e riscos de cada
procedimento, bem como os efeitos colaterais que podem surgir.
Cada cirurgia possui suas particularidades, devido às diferenças no
acesso cirúrgico e espaço de trabalho, portanto, elencar as vanta-
gens e desvantagens de cada abordagem propicia uma decisão mais
adequada do cirurgião, bem como permite individualizar os casos
dos pacientes com base nas características dele e da afecção que
motivou a intervenção cirúrgica (CHANG et al., 2017, RAFFAELLI et
al., 2020, BARBARO; BASILI; MATERAZZI, 2021).

FUNÇÕES ENDÓCRINAS
METABÓLICAS DA TIREOIDE

Hipertireoidismo é o excesso da síntese e da secreção do


hormônio tireoidiano através da glândula tireoide; já a síndrome clí-
nica que aumenta os hormônios tireoidianos circulantes, indepen-
dentemente da fonte é denominado de Tireotoxicose. É caracteri-

123
Medicina ambulatorial

zada por captação normal ou elevada de iodo radioativo pela tireoide


(tireotoxicose com hipertireoidismo ou hipertireoidismo verdadeiro).
Este pode ser evidente ou subclínico. Assim, o primeiro é carac-
terizado por diminuídas concentrações séricas de hormônio esti-
mulante da tireoide (TSH) e concentrações séricas aumentadas de
hormônios tireoidianos: tiroxina (T4), triiodotironina (T3) ou ambos.
O segundo é caracterizado por TSH sérico baixo, mas concentra-
ções séricas normais de T4 e T3 (DE LEO; LEE; BRAVERMAN, 2016,
GREEN; BERNET; CHEUNG, 2021).
As causas mais comuns de hipertireoidismo são a doença de
Graves (DG), acompanhada dos bócios multinodulares tóxicos (BMT)
e dos adenomas tóxicos (AT). A DG é uma condição autoimune que
ocorre com o perecimento da imunotolerância, fazendo com que os
anticorpos do receptor de tireotropina (TRAb) desenvolvam, se co-
nectem e, posteriormente, estimulam os receptores do hormônio
estimulante da tireoide (TSH). Esse processo causa acréscimo da
síntese e secreção do hormônio tireoidiano. Bócios nodulares não
tóxicos podem desenvolver-se ocasionalmente e tornar-se autôno-
mos vindo a causar o hipertireoidismo. Essas circunstâncias eviden-
ciam produção autônoma de hormônios, que podem ser provenien-
tes de mutações de genes que normatizam a síntese de hormônios
tireoidianos ou do receptor de TSH, gerando hipertireoidismo não
autoimune familiar e esporádico. A prevalência de TAs e TMNGs au-
menta com a idade e a deficiência de iodo (DE LEO; LEE; BRAVER-
MAN, 2016, GREEN; BERNET; CHEUNG, 2021).

INDICAÇÕES PARA TIREOIDECTOMIA

A tecnologia e o desenvolvimento das técnicas cirúrgicas


atuais nos permitiram uma melhora considerável dos procedimen-
tos realizados na glândula tireoide. Hoje dispomos de instrumentos
que permitem um melhor controle de sangramento e até a moni-

124
Seção 6 | Tireoidectomia

torização dos nervos laríngeos recorrentes durante o intra-operató-


rio, com a finalidade de prevenção de possíveis lesões que podem
ocorrer durante as cirurgias realizadas na tireoide. Outro avanço nas
cirurgias de tireoide é o surgimento de técnicas assistidas por via
endoscópica, como a técnica TOETVA (tireoidectomia endoscópica
transoral por via vestibular), que permite a realização de cirurgia via
endoscópica e sem cicatrizes externas visíveis. Com todo o desen-
volvimento nesta área, estão disponíveis várias diretrizes de insti-
tuições renomadas como a American Thyroid Association (ATA) e a
European Thyroide Association (ETA), que nos guiam nas indicações
cirúrgicas das patologias da tireoide (DUEÑAS et al., 2020).
Uma avaliação individualizada de cada caso, com base nas
recomendações das diretrizes existentes atualmente por diversas
instituições renomadas no mundo deve ser feita para indicação ci-
rúrgica e a técnica utilizada de acordo com a patologia apresentada
e uma estratificação de risco. Os principais procedimentos realiza-
dos e suas indicações são a LT com ou sem istmectomia, que é in-
dicada principalmente para retirada de lesões benignas ou malignas
em condições específicas, como os microcarcinomas de baixo risco.
E a TT, que consiste na retirada de toda a glândula, e deve ser indi-
cada como procedimento de escolha principal para o câncer de ti-
reoide, bócio multinodular, doença de graves e em alguns casos de
tireoidite de Hashimoto (DUEÑAS et al., 2020, COLOMBO et al., 2021).
Outros procedimentos e indicações cirúrgicas, são a tireoi-
dectomia quase total, que consiste na preservação de uma pequena
quantidade de tecido tireoidiano com o intuito de preservar pelo me-
nos uma paratireoide normal e o nervo laríngeo recorrente, evitando
assim um hipoparatireoidismo permanente ou paralisia de corda vo-
cal, com sua indicação no tratamento do bócio multinodular, ou em
alguns casos de um câncer bem diferenciado. E a tireoidectomia
subtotal, em comparação com a NT, preserva uma quantidade maior
de tecido tireoidiano, com a ressalva de que pode ser necessária

125
Medicina ambulatorial

uma reoperação para TT ou mesmo uma terapia com iodo radioa-


tivo, se o diagnóstico final for de um carcinoma bem diferenciado
da tireoide (DUEÑAS et al., 2020, GREEN; BERNET; CHEUNG, 2021).

CAPÍTULO 21
AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA E ABORDAGEM
CIRÚRGICA POR LOBECTOMIA TIREOIDIANA

Marcelo Oliveira Teixeira Roly


Beatriz Cerqueira Prinz
Beatriz Duarte Ferreira

AVALIAÇÃO PRÉ-OPERATÓRIA

O pré-operatório de tireoidectomias envolve uma estrati-


ficação adequada do risco para cada paciente, sendo necessário
investigar características de maior risco, como crescimento rápido
do nódulo, disfonia e disfunção súbita da deglutição. Dados como
idade, sexo feminino, histórico familiar de câncer de tireoide e irra-
diação cervical anterior também devem ser considerados. Os testes
de ultrassom de alta resolução são um padrão pré-operatório e po-
dem contribuir para o aumento da incidência de câncer de tireoide.
A realização de testes moleculares citológicos pode reduzir a cirur-
gia diagnóstica desnecessária em nódulos tireoidianos indetermina-
dos e definir corretamente o prognóstico da malignidade da tireoide.
Já a associação de citologia e testes moleculares pode levar a um
aumento de cerca de 30% do tratamento cirúrgico inicial apropriado
em pacientes com carcinoma papilífero da tireoide. Sobre a investi-

126
Seção 6 | Tireoidectomia

gação genética, a mutação BRAF V600E está associada à metástase


linfonodal e maior risco de recorrência em pacientes com carci-
noma papilífero da tireoide (RAFFAELLI et al., 2020, GREEN; BER-
NET; CHEUNG, 2021).
Em relação a medicação, estudos abordam a incidência de
hipocalcemia após a tireoidectomia e sua relação com a suplemen-
tação de cálcio e vitamina D. Essa patologia varia bastante e para
reduzi-la no período perioperatório, é recomendada a reposição oral
de cálcio e vitamina D uma semana antes do início da cirurgia e
continuada por duas semanas após a mesma. É importante tam-
bém realizar a detecção pré-operatória da deficiência de vitamina D
e prescrever suplementos se necessário. Recomenda-se a medição
dos níveis de vitamina D na primeira consulta e dois meses após a
cirurgia. A suplementação com vitamina D e cálcio pode melhorar a
qualidade de vida do paciente e prevenir complicações pós-cirúr-
gicas (CHRISTOU; MATHONNET, 2013).

ATUAIS PROCEDIMENTOS
CIRÚRGICOS DA TIREOIDE

A tireoidectomia se faz presente em situações que a abor-


dagem cirúrgica para o tratamento da tireoide torna-se a primeira
escolha entre a equipe médica e o paciente, principalmente com
os avanços tecnológicos de diagnósticos e técnicas cirúrgicas, tor-
nando as intervenções mais rápidas e seguras. Assim, existem di-
ferentes tipos de tireoidectomia, como a total (TT), a quase total
(NT), a subtotal (ST), a lobectomia (LT) e a tireoidectomia robótica.
A escolha pela TT, na qual ocorre a retirada de todo o tecido tireoi-
diano, é favorável em situações de câncer da tireoide com tumores
considerados patologicamente grandes, tendo baixas mortalidade e
morbidade. Além disso, estudos mostraram uma vantagem em valor

127
Medicina ambulatorial

absoluto de tratamento da Doença de Graves pela TT em situações


em que se quer prevenir o hiperparatireoidismo recorrente (DUEÑAS
et al., 2020, RAFFAELLI et al., 2020, MU et al., 2021).
A NT é feita com a ressecção da tireoide quase total, com
a presença de remanescentes < 1 g do tecido tireoidiano bilateral-
mente. Ainda não se tem um número considerável de estudos de
metanálise que comparem a NT com à TT, porém, ao se revisar pes-
quisas já publicadas, há uma conclusão de superioridade da NT em
relação à TT para hipoparatireoidismo permanente após remoção
cirúrgica na Doença de Graves. Paralelamente, também na Doença
de Graves, há também a opção cirúrgica por ST, que pode ser di-
vidida em tireoidectomia subtotal bilateral (STB), na qual há rema-
nescentes de ambos os lados, e a ST unilateral total e contralateral,
conhecida como procedimento de Dunhill. Diante disso, a ST era a
primeira escolha de tratamento intervencionista, mas, nos últimos
20 anos, a TT se sobressaiu, principalmente com os resultados de
estudos recentes que apresentaram uma semelhança entre elas em
incidência absoluta de complicações (MU et al., 2021).
Quando comparada à TT, a LT, na qual ocorre a retirada de
apenas um lobo da tireoide, tem preferência em casos de tumores
de baixo risco de carcinoma papilífero da tireoide (CPT), visto que
ela reduz as chances de paralisação do nervo laríngeo e diminui os
riscos de hipoparatireoidismo ao manter as funções residuais da ti-
reoide. Na parte da robótica, a cirurgia da tireoide começou a ganhar
espaço, uma vez que os robôs possibilitaram a realização de proce-
dimentos complexos com uma maior precisão. Desenvolvida e bas-
tante disseminada no continente asiático, a tireoidectomia robótica
vem ganhando espaço no mundo todo e é realizada na área tran-
saxilar. Contudo, novas formas de incisão já estão sendo abordadas,
tais como retroauricular, axilar-mama e transoral. Mesmo em con-
tínua evolução, a robótica ainda tem um subgrupo muito específico
de pacientes e médicos aptos à sua realização (CHANG et al., 2017,
RAFFAELLI et al., 2020).

128
Seção 6 | Tireoidectomia

Ao analisar criticamente todas as escolhas expostas, fica


evidente que o setor cirúrgico de procedimentos da tireoide está
ampliando as opções de tratamento e modernizando as técnicas
empregadas, buscando uma maior eficácia combinada com a redu-
ção de complicações que surgem após a retirada da glândula. A ex-
pansão de procedimentos robóticos vem chamando a atenção da
medicina pela integridade estética e por viabilizar uma maior segu-
rança e visão tridimensional. No entanto, as cirurgias mais conven-
cionais não devem ser descartadas, tendo em vista que a escolha
do método pelo cirurgião deve levar em consideração toda as variá-
veis que envolvem o paciente nos momentos pré e pós-operatório,
fazendo-se necessária a estratificação das possíveis complicações
antes de escolher uma abordagem cirúrgica inicial (LEE; CHUNG,
2013, RAFFAELLI et al., 2020).

ABORDAGEM CIRÚRGICA POR


LOBECTOMIA TIREOIDIANA

Dentre os atuais procedimentos cirúrgicos da tireoide, está


a lobectomia tireoidina (LT), que consiste na retirada de apenas uma
porção da glândula tireoide. Esse procedimento é visto como mais
conservador quando comparado à tireoidectomia total (TT) e apre-
senta algumas vantagens, devido aos seguintes motivos:

• A LT permite a função residual da glândula tireoide;


• A LT reduz o risco de hipoparatireoidismo;
• A LT reduz o risco de lesão do nervo laríngeo recorrente.

Esses fatores ocorrem pois com a retirada parcial da glân-


dula, ela ainda é capaz de secretar os hormônios necessários, além
de que reduz o risco da retirada das paratireoides, decaindo tam-
bém as chances de hipocalcemia (RAFFAELLI et al., 2020).

129
Medicina ambulatorial

Nesse contexto, ainda não existe um consenso na literatura


acerca da escolha entre TT e LT diante de uma lesão apresentada
pelo paciente. Como justificativa à isto, está o fato de que apesar de
possuir as vantagens citadas acima, a LT se apresenta como mais
conservadora, podendo não ser suficiente como tratamento de cân-
cer avançado, por exemplo. Desse modo, a LT é proposta em casos
de neoplasias de baixo risco, como microcarcinomas. Entretanto,
mesmo em neoplasias de baixo risco, alguns pacientes necessitam
de tratamentos adicionais além da abordagem cirúrgica para que
haja remissão da lesão. Com isso, ainda está em discussão se a rea-
lização de uma abordagem menos agressiva seja o melhor caminho
(COLOMBO et al., 2021).
Dessa forma, alguns parâmetros podem ser utilizados para
estratificar o risco do câncer apresentado pelo paciente, para as-
sim, tomar a decisão da melhor abordagem cirúrgica. Alguns des-
ses fatores são: idade do paciente, tamanho do tumor, presença
de metástase para linfonodos, presença de lesão extratireoidiana e
extensão da invasão capsular. Seguindo essa estratificação, a me-
lhor indicação de realização de LT é na presença de microcarcino-
mas, menores que 1 centímetro, sem metástases e com baixa ou
nenhuma invasão capsular. Ainda assim, é importante ressaltar que
esses fatores não garantem a eficácia da LT e os pacientes talvez
tenham que receber tratamento adicional, como dito anteriormente
(BARBARO; BASILI; MATERAZZI, 2021).
Por fim, conclui-se que deve haver uma avaliação rigorosa e
individualizada para cada paciente, de modo a analisar todos os as-
pectos da lesão apresentada. Após a análise, é possível comparar
os riscos e benefícios na escolha de um tratamento mais conserva-
dor ou mais agressivo. Com o uso dessas informações, a escolha da
abordagem cirúrgica é mais efetiva e reduz as chances de possíveis
complicações e recidivas (RAFFAELLI et al., 2020).

130
Seção 6 | Tireoidectomia

CAPÍTULO 22
TIREOIDECTOMIA TOTAL, COMPLICAÇÕES,
CUIDADOS E AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA

Anna Carlinda Arantes de Almeida Braga


Ingrid Santana Oliveira
Ana Elisa Choucair Hosken Arão
Pablo Vinicius Flores

ABORDAGEM CIRÚRGICA POR


TIREOIDECTOMIA TOTAL

Carcinoma papilífero é o tipo mais comum de câncer de ti-


reoide e, também, o com maior grau de diferenciação celular. Possui
maior capacidade de invasão das estruturas locais e circunferentes
à tireoide, como os linfonodos, que podem ser acometidos por ex-
tensão direta ou por invasão extracapsular. O conjunto dessas ca-
racterísticas faz com que sejam necessárias, muitas vezes, cirurgias
mais invasivas, como a tireoidectomia total (TT), que não permite
função residual que favoreça a continuidade dessa condição (RAF-
FAELLI et al., 2020).
Ocorre que as estruturas anatômicas da região da tireoide,
bem como a complexidade orgânica da glândula e as complicações
pós-operatórias, como hipoparatireoidismo e lesão permanente do
nervo laríngeo recorrente, têm grande relevância na escolha por essa
abordagem cirúrgica. A estratificação da lesão e os critérios do perfil
do paciente acometido são indispensáveis para guiar a decisão tera-

131
Medicina ambulatorial

pêutica. A lobectomia de tireoide também é uma opção que pode ser


pensada. Todavia, o tamanho do tumor influencia de modo significa-
tivo para a seleção dessa abordagem em comparação com a TT, que
tem o intuito de ser mais resolutiva e não permitir operações poste-
riores, devido à recidiva da lesão. Isso faz com que essa abordagem
cirúrgica seja preferencial para a maioria dos pacientes com carci-
noma papilífero (BARBARO; BASILI; MATERAZZI, 2021).
É necessário ressaltar que não apenas o tamanho específico
é considerado para a TT ser realizada, pois há vários fatores que não
podem ser ignorados, como idade do paciente, presença de comor-
bidades e, até mesmo, a preferência pessoal do paciente, tendo em
vista as vantagens e os riscos dessa intervenção. À luz disso, as ca-
racterísticas histológicas e genéticas, bem como a típica evolução
do carcinoma papilífero, fazem com que a abordagem mais agres-
siva prevaleça sobre a menos invasiva. Entretanto, isso não confi-
gura uma regra de conduta médica, sendo a decisão final altamente
individualizada nos critérios de saúde de cada paciente (BARBARO;
BASILI; MATERAZZI, 2021).

ABORDAGEM CIRÚRGICA POR


TIREOIDECTOMIA ROBÓTICA

Diante do avanço da tecnologia, principalmente nos últimos


vinte anos, as abordagens cirúrgicas para tireoidectomia sofreram
significativas mudanças, o que possibilitou a utilização de robô ci-
rúrgico para realização do procedimento. Observou-se vantagens
como a acurácia da precisão cirúrgica, a ampliação do campo ope-
ratório, imagem tridimensional e de alta definição, além do resul-
tado estético mais interessante. A tireoidectomia robótica permite
a LT, a TT, a dissecação total ou de compartimento central da região

132
Seção 6 | Tireoidectomia

cervical anterior. Nesse sentido, pode-se citar três abordagens de ti-


reoidectomia robótica: transaxilar, retroauricular, transoral (CHANG
et al., 2017, PICCOLI et al., 2017).
A abordagem transaxilar é realizada sob anestesia geral, na
qual o paciente é posicionado em decúbito dorsal, com leve exten-
são do pescoço, bem como extensão e abdução do braço ipsilate-
ral, com o cuidado de se evitar lesão do plexo braquial. Posterior à
prega axilar anterior, é realizada uma incisão de 5-6 centímetros,
sobre o músculo peitoral maior. Após exposição do músculo ester-
nocleidomastoideo (ME), disseca-se até que seja possível a exposi-
ção do polo superior da glândula tireoide e da região cervical ante-
rior. O lobo contralateral deve ser igualmente exposto no caso de TT
e demanda por cirurgiões experientes pela complexidade do proce-
dimento. Com a utilização de um afastador e dos quatro braços ro-
bóticos, que contemplam o dissecador, o endoscópio de 30 graus, a
pinça e o bisturi, o polo superior da glândula é dissecado, seguido da
dissecção central da região cervical anterior e do polo inferior. Após,
o istmo é dividido e todo o conteúdo cervical, assim como a glân-
dula tireoide, são removidos (LEE; CHUNG, 2013, CHANG et al.,2017).
A abordagem retroauricular é realizada sob anestesia geral,
na qual o paciente, em decúbito dorsal, é posicionado com a cabeça
contralateral ao local da abordagem. A incisão é realizada do sulco
auricular posterior até o processo mastoide e inferior à linha do ca-
belo, de forma a expor a cauda da parótida e o ME. Após cuidadosa
dissecação dos músculos infra-hioideos, a glândula tireoide é ex-
posta. Utiliza-se de um afastador e, geralmente, três braços robó-
ticos, além do endoscópio de 30 graus. Por vezes, devido à restrita
área de campo operatório, são utilizados dois braços de instrumen-
tos, o que exige maior destreza por parte do cirurgião. Assim, o polo
superior da glândula é retirado, seguido da região do istmo e do polo
inferior, finalizando, portanto, a LT (CHANG et al.,2017).

133
Medicina ambulatorial

A abordagem transoral também é realizada sob a aneste-


sia geral, com a cabeça do paciente posicionada em extensão. É re-
alizada uma incisão transversal de aproximadamente 2 centímetros
na linha média da mucosa do lábio inferior, anterior ao frênulo la-
bial e duas laterais, próximas às comissuras labiais. É realizada uma
dissecção romba com o objetivo de afastar o músculo platisma dos
músculos infra-hioideos. É injetado solução de salina e epinefrina,
possibilitando a introdução do endoscópio 30 graus, assim como
CO2, com fluxo de 8-10 L/min. Dissecações similares também ocor-
rem nas incisões laterais, que permitem o acomodamento das cânu-
las que receberão os braços robóticos. Os músculos infra-hioideos
são dissecados da glândula tireoide, expondo os lóbulos que serão
abordados. A istmectomia é realizada, seguida do polo superior e do
polo inferior, concluindo a hemitireoidectomia (CHANG et al., 2017).
Estudos comparativos em relação ao nível de satisfação dos
pacientes que foram submetidos às diferentes abordagens, apontam
que os pacientes que realizaram a cirurgia aberta convencional apre-
sentaram maior insatisfação àqueles que optaram pela cirurgia ro-
bótica, principalmente em relação à cicatriz pós-operatória. Fatores
como dor e alteração da sensibilidade também eram melhor avaliados
entre os pacientes submetidos à cirurgia por robô (LEE; CHUNG, 2013).
Talvez a maior desvantagem em relação à tireoidectomia ro-
bótica está em relação aos custos envolvidos, uma vez que os valores
dos equipamentos são elevados e passíveis de depreciação. Somado
a isso, tem-se que a cirurgia é mais demorada quando comparada à
cirurgia aberta. Isso é explicado pela necessidade da criação de diver-
sos espaços, através das dissecções, para que se tenha acesso à ti-
reoide. Apesar de a cirurgia robótica oferecer um melhor campo de
visão e a eliminação de tremores por parte do cirurgião, a habilidade
e experiência do profissional são fatores determinantes para um re-
sultado bem sucedido (LEE; CHUNG, 2013, CHANG et al.,2017).

134
Seção 6 | Tireoidectomia

COMPLICAÇÕES DA TIREOIDECTOMIA

Assim como qualquer outro procedimento cirúrgico, a rea-


lização da tireoidectomia possui riscos de certas complicações, se-
jam elas de aparecimento durante a cirurgia, ou mais tardias. Vale
ressaltar que os riscos de desenvolvimento dessas consequências
são iguais quando comparados a TT ou ST. A hemorragia é um exem-
plo de possível complicação que pode ser vista dentro e fora do
bloco cirúrgico, sendo que sua abordagem durante o procedimento
será mais simples pela busca do foco de sangramento naquele mo-
mento. No caso da hemorragia pós-operatória, a equipe deve estar
atenta ao aparecimento dos seguintes sinais indicativos de altera-
ção: hematoma compressivo na região do pescoço, sangue no dreno
em um valor maior do que esperado para aquele paciente e dificul-
dade respiratória. Caso um desses sintomas, a equipe médica pode
realizar uma evacuação urgente à beira leito ou até mesmo a rea-
bordagem cirúrgica com identificação e correção do foco de sangra-
mento. Os fatores de risco para seu desenvolvimento incluem ser do
sexo masculino, ter câncer de tireoide, duração maior da cirurgia e a
experiência do cirurgião. Para sua prevenção, além de uma hemos-
tasia eficiente, o cirurgião pode solicitar ao anestesista para realizar
uma manobra de Valsalva após a retirada da tireoide, assim os san-
gramentos se tornaram evidentes (CHRISTOU; MATHONNET, 2013,
DE LEO; LEE; BRAVERMAN, 2016).
Dentre as complicações mais frequentes, em primeiro en-
contra-se a hipocalcemia pelo hipoparatireoidismo permanente se-
guida de lesão permanente do nervo laríngeo recorrente. A incidên-
cia da hipocalcemia após a tireoidectomia é extremamente variável
na literatura (2-83%) com o diagnóstico por meio laboratorial pelo
cálcio sérico total menor que 2 mg/dl ou o cálcio ionizado menor
que 0,275 mg/dl. Essa diminuição nos níveis de cálcio é gerada por

135
Medicina ambulatorial

um hipoparatireoidismo no pós-operatório, consequente da dimi-


nuição do hormônio da paratireoide, principalmente quando ocorre
uma paratireoidectomia incidental. Por isso, para evitar essa compli-
cação, a proteção cuidadosa das paratireoides com a identificação
da sua vasculatura, devem ser realizadas (DE LEO; LEE; BRAVER-
MAN, 2016, CHEN et al., 2018). O quadro pode ser persistente e per-
manecer após 6 meses, ou ser transitório – que é o mais comum. O
tratamento irá depender dos níveis laboratoriais do cálcio:

• Se hipocalcemia relativa (8 a 8,8 mg/dl) e assintomático: não tratar;


• Se hipocalcemia relativa e sintomático (parestesia): iniciar cálcio
e vitamina D diárias com adaptações semanais de acordo com
os níveis laboratoriais;
• Se hipocalcemia grave aguda (< 7 mg/dl) ou tetania, fascicula-
ções musculares, espasmo carpopedal, sinal de Chvostek po-
sitivo com riscos descompensação cardíaca e laringoespasmo:
tratamento urgente com gluconato de cálcio intravenoso nas
primeiras 24 a 48 horas associado a suplementação oral de
cálcio e se necessário de magnésio até resolução dos sintomas
(CHRISTOU; MATHONNET, 2013, CHEN et al., 2018).

A lesão do nervo laríngeo recorrente pode ser unilateral ou


bilateral. A unilateral gera disfonia e pode estar associada a dificul-
dade de deglutição. Já a bilateral é mais rara com risco de cerca de
0,4% e está associada a dispneia aguda grave. Os fatores de risco
para desenvolver essa complicação são similares aos da hipocal-
cemia, já que também dependem da extensão da ressecção e da
prática do cirurgião. Assim, para evitar, o cuidado com a identifica-
ção das estruturas deve ser o mesmo. O tratamento envolve o ma-
nejo dos sintomas, com acompanhamento da otorrinolaringologia.
Outras complicações, comuns em outros procedimentos cirúrgicos

136
Seção 6 | Tireoidectomia

também, podem ocorrer na tireoidectomia, como os seromas, a in-


fecção da ferida operatória e a má cicatrização com a cicatriz hiper-
trófica (CHRISTOU; MATHONNET, 2013, KREKELER et al., 2018).

CUIDADOS E AVALIAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA

Após a realização da tireoidectomia em um paciente, seja


pelo motivo etiológico que for, devemos sempre ter em mente que é
preciso alguns cuidados com ele, como o acompanhamento clínico
e avaliações pós operatória periódica para tentar evitar ao máximo
não causar danos secundários. É certo de que um dos cuidados a
se ter nesse momento é com a falência da glândula de paratireoide
após a realização da cirurgia – estima se que por volta de 80% dos
casos existentes de hipoparatireoidismo permanente é consequên-
cia de cirurgia no pescoço, principalmente de TT (CHEN et al., 2018,
SITGES-SERRA, 2021).
Como já dito, o hipoparatireoidismo é uma complicação co-
mum da tireoidectomia necessitando de um cuidado maior. Deve-
mos nos atentar a dosar níveis sanguíneos de íons cálcio, fósforo,
magnésio e PTH no pós operatório. Esse seguimento com exames
periódicos é feito desde o pós operatório imediato até dias, meses
depois da cirurgia. É preciso tentar, sempre que possível, manter o
cálcio sérico na faixa normal nos primeiros dias depois do ato cirúr-
gico pois aumenta a chance da glândula paratireoide se recuperar
(SITGES-SERRA, 2021).
Outro aspecto importante que devemos sempre lembrar é
a respeito de um possível ganho de peso durante o pós operatório
ao longo de meses e até anos. Isso é visto até em pacientes que te-
nham atingido os níveis normais de hormônios da tireoide durante a

137
Medicina ambulatorial

reposição. Outro fator que esse aspecto do ganho de peso é um dos


principais motivos de insatisfação gerando uma diminuição da quali-
dade de vida nessas pessoas (CHEN et al., 2018, HUYNH et al., 2020).

CAPÍTULO 23
PÓS-OPERATÓRIO, HORMÔNIO
DA PARATIREOIDE, BENEFÍCIOS E
DESVANTAGENS DA TIREOIDECTOMIA

Ana Luiza Andrade Rabelo


Igor Diniz Gonçalves
Igor Yury Silva

RECUPERAÇÃO PÓS-OPERATÓRIA

Indiscutivelmente, diversos fatores podem impactar com


a recuperação após a tireoidectomia. Dentre eles, estão o tipo de
abordagem cirúrgica. É fato que esta escolha torna-se influenciada
pela avaliação pré-operatória, pela experiência do cirurgião em de-
terminada técnica e por fatores individuais de cada paciente. Quando
avaliados estudos de comparação de métodos cirúrgicos pelos quais
cada paciente foi submetido, foram evidenciadas diferenças. Em re-
lação à cicatriz operatória, viu-se que os pacientes submetidos a ti-
reoidectomia robótica se mostraram mais satisfeitos do que aque-
les que realizaram a cirurgia aberta. Outros estudos, evidenciaram
que em relação a cirurgia endoscópica aberta, avaliações sensitivas
e funcionais do pescoço, favoreceram a cirurgia robótica; devido a vi-

138
Seção 6 | Tireoidectomia

sível abordagem menos invasiva e com menor potencial de lesão de


estruturas da região anatômica. Além disso, ainda em relação a essa
análise comparativa, a deglutição e as alterações funcionais da voz
possuíram resultados favoráveis em um prazo mais curto na aborda-
gem robótica (LEE; CHUNG, 2013, LEE; BAEK; JUNG, 2016).
Um outro ponto de grande relevância é o tempo cirúrgico que,
quando analisado, mostrou-se um significativo aumento do tempo
total de operação da cirurgia robótica, devido à consideração do
tempo de preparo do material e do espaço para a cirurgia. No en-
tanto, foi destacado uma equivalência do tempo operatório com o
aumento da experiência do cirurgião (LEE; CHUNG, 2013).
Em consequência ao procedimento operatório, o manejo pós-
-operatório mostra-se fundamental. De maneira geral, os cuidados
com a ferida operatória são extremamente necessários, observan-
do-se quaisquer mudanças de aspecto do local cirúrgico e manten-
do-se alerta para hemorragias, seroma ou a ocorrência de enfisema
subcutâneo. A depender da técnica cirúrgica escolhida, a recuperação
completa vê-se em cerca de 3 a 6 meses, considerando as possíveis
complicações e/ou alterações supracitadas (LEE; BAEK; JUNG, 2016).

HORMÔNIO DA PARATIREOIDE
APÓS A TIREOIDECTOMIA

Sabe-se que, na parte posterior da glândula tireoide, loca-


lizam-se as glândulas da paratireoide, que através da produção do
paratormônio (PTH), são responsáveis por manter o equilíbrio dos
níveis de cálcio, vitamina D e fósforo no organismo humano. Co-
mumente, durante a tireoidectomia, as paratireoides são acometi-
das, principalmente por ressecção não intencional, por manipulação
ou pela desvascularização, resultando em uma hipocalcemia asso-
ciada à hiperfosfatemia secundária à diminuição da secreção do pa-

139
Medicina ambulatorial

ratormônio, quadro clínico chamado de hipoparatireoidismo. Nesse


sentido, com o objetivo de evitar essa complicação, é crucial que
durante a tireoidectomia o cirurgião tome medidas intra operató-
rias tais como a busca sistematizada das glândulas paratireoides,
pois com uma boa visualização das estruturas a chance de preser-
var pelo menos duas delas aumenta, além da dissecção meticulosa
com o intuito de proteger o suprimento vascular e poupar a gordura
periglandular. Além disso, múltiplos estudos consideraram a men-
suração do PTH sérico em diferentes pontos de tempo na tentativa
de predizer precocemente o surgimento da hipocalcemia pós-TT,
demonstrando que a mensuração do PTH desde o intra-operatório
até o primeiro dia de pós operatório é bastante precisa no que diz
respeito ao desenvolvimento da hipocalcemia, dados que conse-
guem auxiliar na prescrição da suplementação de cálcio e calcitriol
e até mesmo permitir alta precoce (CHRISTOU; MATHONNET, 2013,
MAZOTAS; WANG, 2017).
A utilização do monitoramento dos níveis de PTH nos pa-
cientes que cursam com o hipoparatireoidismo é preferencial do
que a utilização do cálcio sérico pois os níveis de PTH declinam de
forma mais rápida, principalmente nas primeiras 3 horas, sendo as-
sim um preditor mais confiável para o surgimento da hipocalce-
mia. No que tange a suplementação, não há um consenso universal
quanto ao uso rotineiro da suplementação de cálcio, do calcitriol e
da vitamina D nos pacientes pós-tireoidectomia, havendo a neces-
sidade de mais estudos prospectivos para determinar com melhor
precisão, além de que quantidades excessivas de cálcio de forma
desnecessária envolvem mais riscos que benefícios. Entretanto, in-
dependente do cenário, é de suma importância que todos os pa-
cientes submetidos à cirurgia sejam bem orientados e informados
sobre os sintomas da hipocalcemia, assim como de todas as outras
complicações da cirurgia, para que sejam precocemente tratados,
caso necessário. Nesse contexto, dentre os sinais e sintomas mais

140
Seção 6 | Tireoidectomia

comuns, têm-se as parestesias, principalmente perioral e acral, as


cãibras musculares, a tetania, o alargamento do intervalo QT ao ele-
trocardiograma (ECG), as convulsões e a insuficiência cardíaca con-
gestiva (ICC) (MAZOTAS; WANG, 2017).

BENEFÍCIOS E DESVANTAGENS
DA TIREOIDECTOMIA

Normalmente, a discussão frente a um manejo cirúrgico para


o tratamento de causa base, consiste no levantamento das vanta-
gens e desvantagens da sua realização. Esse conhecimento tem o
objetivo de ajudar o cirurgião a definir a melhor abordagem, frente
ao caso ideal, para que consiga suprir a necessidade do paciente.
Cultivando mutuamente uma relação de transparência e consenti-
mento entre ambos (CHANG et al., 2017).
Não sendo diferente em relação a cirurgia de remoção da
glândula tireoide, a tireoidectomia. Ela demonstra ser a melhor es-
colha diante das diversas opções disponíveis em relação a resolu-
ção da disfunção tireoidiana. Estando fortemente interligado com a
menor taxa de recidiva, aumento da sensibilidade e percepção em
caso de doença recorrente e a maior probabilidade de diminuir as
complicações cirúrgicas através da realização do procedimento por
cirurgiões competentes, consequentemente aumentando a sobre-
vida do paciente. Além disso, em casos de câncer de tireoide, a ti-
reoidectomia pode ser o tratamento mais indicado para remover o
tecido canceroso e prevenir sua disseminação (TUTTLE, 2018).
Mas assim como toda cirurgia, há suas desvantagens e com-
plicações. No caso da TT, os pacientes definitivamente irão desenvol-
ver um quadro de hipotireoidismo, sendo necessário uma reposição
diária do hormônio tireoidiano para o resto da vida, diferentemente
da ST (SMITHSON et al., 2019).

141
Medicina ambulatorial

Porém permanecem suscetíveis às seguintes condições:

1. Hipocalcemia transitória;
2. Hipocalcemia persistente;
3. Hipoparatireoidismo transitório;
4. Hipoparatireoidismo permanente (condição relacionada a possível
infiltração da glândula paratireoide decorrente do procedimento);
5. Lesão do nervo laríngeo recorrente (SMITHSON et al., 2019).

Por fim, com a certeza do hipotireoidismo, as desvantagens


continuam indicando novamente um efeito adverso da via cirúrgica,
em que frequentemente há indícios do aumento ponderal de peso,
em pacientes pós operatórios de tireoidectomia, sendo o elemento
primário de insatisfação e piora da qualidade de vida. Além de quei-
xas de disfagia transitória, portanto dificuldade de deglutição com o
desaparecimento após as duas primeiras semanas e em alguns ca-
sos, a tireoidectomia pode resultar em alterações na aparência do
pescoço, como uma cicatriz visível ou inchaço permanente (KREKE-
LER et al., 2018, HUYNH et al., 2020).

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144
SEÇÃO 7
TRANSTORNOS ALIMENTARES

CAPÍTULO 24
PANORAMAS GERAIS DOS
TRANSTORNOS ALIMENTARES
Bárbara Farkasvolgyi
Beatriz Charbel Leitão de Almeida
Daniella Flávia Alvarenga Gonçalves
Thiago Vitor de Melo Ferreira

DEFINIÇÃO E EPIDEMIOLOGIA

Os transtornos alimentares (TAs) são descritos como dis-


túrbios graves no comportamento alimentar e na preocupação com
peso corporal e/ou com a forma do corpo. São doenças complexas
com causas multifatoriais que podem alavancar múltiplos transtor-
nos psiquiátricos e complicações somáticas que impactam na quali-
dade de vida do indivíduo e até mesmo nas taxas de mortalidade. Os
variados tipos de TA estão descritos de acordo com o Manual Diag-
nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR) e a Classi-
ficação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde

145
Medicina ambulatorial

da Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo os mais frequentes a


anorexia nervosa (AN), a bulimia nervosa (BN) e o transtorno alimen-
tar compulsivo (TAC), considerados típicos (GALMICHE et al., 2019;
STEINGLASS; BERNER; ATTIA, 2019; YU; MUEHLEMAN, 2023).
Outrossim, a prevalência de TAs está aumentando de modo
preocupante em todo o planeta, agravado recentemente pela pande-
mia de COVID-19 que levou à exacerbação destes distúrbios. Atual-
mente, a prevalência é superior em mulheres em relação a homens,
devido a subestimação de dados e pesquisas em relação à popula-
ção masculina. Porém, evidências emergentes sugerem que não há
diferenças clínicas entre o sexo e a apresentação do distúrbio e que
as taxas de incidência masculinas estão aumentando em ritmo mais
rápido que as femininas (GALMICHE et al., 2019; YU; STEINGLASS;
BERNER; ATTIA, 2019; MUEHLEMAN, 2023).
Ademais, indivíduos com TAs apresentam altas taxas de co-
morbidades associadas como obesidade, diabetes e síndromes meta-
bólicas, necessitando de cuidados individuais que abordam o paciente
como um todo. Portanto, o tratamento dos distúrbios alimentares
frequentemente engloba várias abordagens terapêuticas comple-
mentares, como psicoterapia, educação nutricional e medicamen-
tos farmacológicos. A identificação precoce junto com a intervenção
é importante para o tratamento e a melhora do prognóstico do pa-
ciente (GALMICHE et al., 2019; STEINGLASS; BERNER; ATTIA, 2019;
YU; MUEHLEMAN, 2023).

COMORBIDADES ASSOCIADAS
- DIABETES E OBESIDADE

A prevalência de TAs é maior em indivíduos com DM do que


na população em geral e, na maioria das vezes, o diagnóstico da DM
precede o de TAs. Isso pode ser explicado pela pressão por alimen-
tação saudável e pobre em carboidratos que esse grupo de pessoas

146
Seção 7 | Transtornos alimentares

sofre desde o diagnóstico. Além disso, nos indivíduos com DM do


tipo I, pode ocorrer a diabulimia, que consiste na restrição ao uso de
insulina devido aos efeitos anabólicos desse hormônio, que podem
gerar ganho de peso. Ademais, os principais TAs associados à DM são
a BN e o TAC. Por fim, quando se trata do TAC, o tratamento correto,
tanto do transtorno quanto da DM, gera resultados positivos sinér-
gicos no que tange essas duas enfermidades (HAZZARD et al., 2020;
YU; MUEHLEMAN, 2023).
Outrossim, indivíduos com obesidade possuem maior risco
de apresentarem TAC, principalmente aqueles que estão em busca
de tratamento, com destaque para a cirurgia bariátrica. Além disso,
a gravidade do TAC tende a ser maior nos obesos do que naqueles
com índice de massa corporal adequado. Isso pode ser explicado
pela insegurança alimentar, definida por meios limitados de acesso
a alimentos saudáveis de forma segura e socialmente aceitável. In-
divíduos com essa condição, dentre os quais os candidatos à cirur-
gia bariátrica têm grande papel, apresentam maior prevalência de TA
(HAZZARD et al., 2020; YU; MUEHLEMAN, 2023).

COMORBIDADES ASSOCIADAS - DOENÇAS


PSIQUIÁTRICAS E SÍNDROME METABÓLICA

Os TAs podem ser identificados como graves distúrbios do


comportamento alimentar que acarretam em várias alterações psi-
cológicas e metabólicas. Ademais, portadores de TAs exibem al-
tas taxas de doenças psiquiátricas, o que pode acarretar em ele-
vadas taxas de morbidade e mortalidade (DAVIS; ATTIA, 2019; YU;
MUEHLEMAN, 2023).
Outrossim, diversas são as comorbidades psiquiátricas que
podem vir atreladas aos TAs; nesse sentido, as doenças psiquiátricas
mais prevalentes incluem transtornos de humor, ansiedade, abuso
de álcool e transtorno bipolar. Além disso, percebe-se uma íntima

147
Medicina ambulatorial

relação entre distúrbios alimentares e suicídio, de maneira que es-


tudos apontam que as taxas de suicídio ao longo da vida aumentam
de 3 a 5 vezes em pacientes adolescentes com TAs. Dessa forma,
entende-se que as morbidades intensificam os sintomas do trans-
torno alimentar e impactam tanto no seu tratamento quanto em sua
recuperação (YU; MUEHLEMAN, 2023).
Além disso, observa-se uma íntima relação entre o diag-
nóstico de TAs e a presença concomitante de síndrome metabó-
lica. Nesse sentido, como visto anteriormente, comorbidades como
a diabetes e a obesidade podem advir de uma alimentação desequi-
librada, tal qual como ocorre nos distúrbios alimentares. Ademais,
visto que tanto a diabetes e a obesidade podem ser reflexos da pre-
sença da síndrome metabólica, faz-se uma forte associação desta
com o aparecimento de TAs (YU; MUEHLEMAN, 2023).

IMPACTO DA COVID-19 NOS


TRANSTORNOS ALIMENTARES

A pandemia da COVID-19 tem causado um aumento signi-


ficativo no nível de estresse e uma sensação geral de falta de con-
trole pessoal devido às alterações sociais impostas pela pandemia.
Infelizmente, aqueles que sofrem de TAs e seus cuidadores estão
ainda mais expostos aos riscos físicos e mentais associados a essa
situação. Muito tem se investigado sobre o impacto do lockdown na
mudança de comportamentos alimentares da população (WALSH;
MCNICHOLAS, 2020; SIDELI et al., 2021; DEVOE et al., 2022).
Nesse sentido, acredita-se que as alterações do cotidiano
causadas pela COVID-19 podem ter um efeito negativo sobre os in-
divíduos que sofrem de TAs, aumentando os comportamentos ali-
mentares não saudáveis e intensificando os sintomas já existentes.
Vários fatores podem contribuir para isso, como a restrição de ati-
vidades e movimentos diários, a exposição a padrões alimentares

148
Seção 7 | Transtornos alimentares

inadequados nas redes sociais, o sofrimento emocional, o medo de


contaminação e a dificuldade em acessar tratamentos adequados
(WALSH; MCNICHOLAS, 2020; SIDELI et al., 2021; DEVOE et al., 2022).
Além disso, o confinamento em casa pode agravar o sofri-
mento psicológico de pessoas com obesidade. Durante as primeiras
ondas da pandemia, esses efeitos perturbadores foram particular-
mente evidentes em indivíduos com TAs, indicando que o confina-
mento domiciliar pode ter impactos negativos no controle de peso,
o que é especialmente preocupante para pessoas com obesidade
(WALSH; MCNICHOLAS, 2020; SIDELI et al., 2021; DEVOE et al., 2022).

CAPÍTULO 25
CLASSIFICAÇÃO DOS
TRANSTORNOS ALIMENTARES

Esther Marchisotti Ferreira


Lucca D Heronville Watanabe
Rafaela Gontijo Lima
Sarah Fonseca e Silva

TRANSTORNO ALIMENTAR
RESTRITIVO EVITATIVO

O transtorno alimentar restritivo evitativo (TARE) é um diag-


nóstico recente de distúrbio alimentar, o qual foi incorporado à
5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos
Mentais, no ano de 2013. O TARE expande o conceito prévio de TAs

149
Medicina ambulatorial

em crianças reportados no DSM-IV, e desde seu reconhecimento,


mais estudos e pesquisas acerca da temática vem surgindo (FRANK;
SHOTT; DEGUZMAN, 2019; SEETHARAMAN; FIELDS, 2020).
Dentre as principais particularidades do TARE, pode-se evi-
denciar: o esquivamento ou restrição alimentar motivada pela sen-
sibilidade às características sensoriais dos alimentos; o medo ex-
cessivo das consequências da alimentação; a perda de interesse
no ato de alimentar-se ou nos alimentos propriamente ditos. Para
atender aos critérios diagnósticos do TARE, a restrição alimentar
deve resultar em uma ou mais consequências, como perda signifi-
cativa de peso, deficiências nutricionais, comprometimento psicos-
social, alimentação dependente de sonda e/ou necessidade de fa-
zer uso de suplementos nutricionais. É importante ressaltar que o
TARE, diferentemente de outros TAs, não está relacionado à insegu-
rança alimentar, a práticas culturais, ao medo de ganhar peso e/ou
supervalorização da estética corporal. (BRIGHAM et al., 2018; THO-
MAS; WONS; EDDY, 2018; FRANK; SHOTT; DEGUZMAN, 2019).
Estudos recentes puderam identificar uma associação do
TARE com a presença de desordens neurocognitivas, sendo as mais
prevalentes o transtorno do espectro autista, transtorno de ansie-
dade e o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade. No
que diz respeito à epidemiologia, os pacientes com TARE são mais
propensos a serem do sexo masculino na faixa etária de 4 a 11 anos,
sendo uma doença com duração mais longa em comparação com
outros TAs, como a BN e a AN (FRANK; SHOTT; DEGUZMAN, 2019;
SEETHARAMAN; FIELDS, 2020).
Além disso, tendo em vista a heterogeneidade do TARE, as
complicações médicas podem variar de acordo com a forma de apre-
sentação clínica. Dentre as consequências do transtorno, é possível
evidenciar o atraso puberal, baixa densidade mineral óssea e anemia
ferropriva. Atualmente existem poucas pesquisas que investigam a
eficácia dos tratamentos no TARE, entretanto, estudos limitados re-

150
Seção 7 | Transtornos alimentares

alizados em centros especializados demonstraram que a abordagem


multidisciplinar – incluindo médicos, psicoterapeutas, nutricionis-
tas e educação parental – vem sendo a melhor opção para auxiliar
os indivíduos afetados, bem como suas respectivas famílias (FRANK;
SHOTT; DEGUZMAN, 2019; SEETHARAMAN; FIELDS, 2020).

TRANSTORNO ALIMENTAR COMPULSIVO

O TAC é um distúrbio alimentar que se caracteriza por episó-


dios de compulsão alimentar, associados à culpa ou à vergonha, sem
tentativas de neutralização do ganho de peso. Prevalece em países
ocidentais e em mulheres, impactando negativamente nos anos vivi-
dos com incapacidade, na qualidade de vida e nos custos econômi-
cos. É diagnosticado por meio da ocorrência de pelo menos 1 episódio
de compulsão por semana durante 3 meses (FRANK, 2019; GORRELL;
MURRAY, 2019; VAN HOEKEN; HOEK, 2020; QIAN et al., 2021).
Ainda que pouco elucidado, estudos mostram que o TAC
possui caráter hereditário e tem correlações genéticas com a BN,
dependência de álcool e obesidade. Além disso, alguns estudos
apontaram que há descargas cerebrais exacerbadas de dopamina e
noradrenalina em resposta a imagens de alimentos em indivíduos
com o transtorno. Ademais, esse tipo de comportamento pode estar
relacionado a menor espessura do córtex cerebral, que por sua vez
tende a normalizar com a mudança de peso (BULIK; BLAKE; AUSTIN,
2019; FRANK, 2019).
Em relação ao tratamento, a terapia cognitiva comportamen-
tal (TCC) se mostrou eficaz na redução de episódios compulsivos e
abstinência. Fármacos como a fluoxetina e lisdexanfetamina podem
ser úteis na diminuição da frequência dos atos de compulsão, en-
tretanto são inferiores aos resultados da TCC. Paralelamente, tera-
pias neuromoduladoras como estimulação magnética transcraniana

151
Medicina ambulatorial

e estimulação cerebral profunda estão sendo testadas como pos-


síveis intervenções. Contudo, a compreensão dos TAs no que tange,
principalmente etiopatogenia e manejo, ainda tem limitações e ne-
cessita ser aprofundada em mais estudos científicos (DAVIS; ATTIA,
2019; REAS; GRILO, 2020).

BULIMIA NERVOSA

A BN se caracteriza como um distúrbio alimentar que aco-


mete ambos os sexos, sendo que, ao contrário do senso comum,
tem prevalência de 1 homem para cada 3 mulheres, não devendo ser
diagnosticada apenas em mulheres, sendo assim, importante tam-
bém o diagnóstico no sexo masculino, não levando em consideração
apenas os critérios históricos associados. Ademais, em torno da de-
finição deste transtorno, destaca-se a compulsão alimentar, sendo
esta a ingestão de grande volume de alimentos em um parco período
de tempo, seguido de uma tentativa exacerbada de compensação –
porém inapropriada – através de vômitos, exercícios físicos intensos
em excesso e uso de medicamentos laxativos. Para o adequado diag-
nóstico, este ciclo deve se repetir, transcorrendo ao mínimo uma vez
por semana, com duração mínima de três meses (GORRELL; MUR-
RAY, 2019; REAS; GRILO, 2020; YU; MUEHLEMAN, 2023).
Além disso, em termos neurológicos, indivíduos com BN
apresentaram, em estudos, uma ligação de recompensa ao asso-
ciar uma tarefa à imagens de alimentos prometidos após sua con-
clusão. Estudos de imagem demonstraram uma diminuição tanto
da disponibilidade do transportador de dopamina quanto da libera-
ção deste neurotransmissor, estando isto relacionado à frequência
de episódios de compulsão alimentar nos indivíduos estudados e à
uma baixa força nodal no córtex orbitofrontal e no putâmen, regiões
associadas com o sistema de recompensa. Ainda, ao aumentar-se

152
Seção 7 | Transtornos alimentares

a conectividade neste sistema, observa-se uma redução dos sinto-


mas de compulsão no grupo estudado (STEINGLASS; BERNER; AT-
TIA, 2019; REAS; GRILO, 2020).

ANOREXIA NERVOSA

A AN é uma doença com bastante prevalência na popula-


ção mundial, principalmente na faixa etária dos adolescentes; nor-
malmente está associada a diversos transtornos psicológicos, como
ansiedade e obsessão. Ademais, a enfermidade é marcada pelo dis-
túrbio da imagem corporal e o medo de engordar, o que leva as
pessoas com a doença realizarem diversos métodos para o emagre-
cimento. Nesse sentido, exemplos de comportamentos associados
a pessoas diagnosticadas com a doença são: adoção de dietas hi-
pocalóricas, uso medicamentos para redução do peso e excesso de
exercícios físicos. Logo, nota-se que uma das principais etiologias da
AN é um distúrbio de imagem, o que leva muitas vezes à negligên-
cia do tratamento, gerando complicações médicas potencialmente
irreversíveis nos mais variados sistemas humanos (GORRELL; MUR-
RAY, 2019; STEINGLASS; BERNER; ATTIA, 2019; REAS; GRILO, 2020;
WALSH; MCNICHOLAS, 2020).
Além disso, as bases neurológicas destes comportamentos
são pouco compreendidas; entretanto, com o uso da aplicação da
neuroimagem e da neurociência cognitiva existem hipóteses de sua
fisiopatologia. Nesse sentido, estudos apontam que o comporta-
mento alimentar desadaptativo se baseia em alterações de meca-
nismos do sistema nervoso central, como o mecanismo de recom-
pensa, o mecanismo de controle cognitivo e comportamental e da
tomada de decisões. Dessa maneira, compreender melhor a fisio-
patologia acerca do funcionamento intrínseco desses mecanismos
seria a nova etapa elucidativa a respeito da doença, possibilitando,

153
Medicina ambulatorial

futuramente, o desenvolvimento de tratamentos novos e eficazes.


Outrossim, o tratamento ambulatorial é considerado o mais ade-
quado para a AN. Dessa forma, a avaliação médica e psiquiatra, es-
tratégias individualizadas nutricionais somado ao apoio familiar são
essenciais para o sucesso da intervenção (GORRELL; MURRAY, 2019;
STEINGLASS; BERNER; ATTIA, 2019; REAS; GRILO, 2020; WALSH;
MCNICHOLAS, 2020).

CAPÍTULO 26
NOVAS PERSPECTIVAS DOS
TRANSTORNOS ALIMENTARES

Daiane Cristine Silva Lopes


Giovanna Queiroz Marques de Mendonça
Lucas Valadares Motta
Marcela de Oliveira Vitarelli

NOVAS PERSPECTIVAS FISIOPATOLÓGICAS

Tendo em vista a complexidade, gravidade, prevalência e o


pouco entendimento que ainda se tem acerca da etiologia dos TAs,
é de extrema importância que mais pesquisas sejam feitas para me-
lhor compreender os mecanismos biológicos por trás de tais con-
dições psiquiátricas. Identificação, prevenção e tratamento serão
beneficiados e consequentemente otimizados a partir do avanço
nesses conhecimentos. Nos últimos anos, tornou-se mais evidente
que há uma relação importante entre microbiota intestinal, sistema

154
Seção 7 | Transtornos alimentares

imune e diversas doenças psiquiátricas. Além disso, como já se


sabe que composição dietética e ingestão calórica – ambas envol-
vidas no contexto dos TAs – estão diretamente relacionadas com
a regulação do microbioma intestinal e do sistema imune, torna-
-se ainda mais necessária uma melhor compreensão acerca dessas
interações (BUTLER; PERRINI; ECKEL, 2021; CARBONE et al., 2021;
GALLOP et al., 2022).
Um microbioma intestinal saudável é fundamental para a
preservação da integridade epitelial do intestino e para a prevenção
de diversas doenças. A disbiose, caracterizada por uma alteração
da proporção de bactérias patogênicas e bactérias simbióticas ou
comensais, contribui para o desenvolvimento de diversos TAs. Um
dos mecanismos pelos quais isso ocorre é por meio da alteração
da permeabilidade intestinal, o que permite a passagem de bacté-
rias para a circulação, gerando repercussões imunes que alteram a
regulação do mecanismo de fome e saciedade, comprometendo o
controle adequado de ingesta alimentar. Dessa forma, um entendi-
mento melhor a respeito das espécies de bactérias que habitam o
intestino pode contribuir não apenas para o tratamento, mas tam-
bém para a prevenção de TAs e definição de quais pacientes pode-
rão ou não se beneficiar de possíveis novos tratamentos (BUTLER;
PERRINI; ECKEL, 2021; CARBONE et al., 2021; GALLOP et al., 2022).

NOVAS PERSPECTIVAS TERAPÊUTICAS

Abordagem através da psicoterapia buscando entender os


distúrbios cognitivos e comportamentais que ocorrem simultanea-
mente nos TAs tem se mostrado eficaz em reduzir os sintomas e até
mesmo alcançar a remissão total dos mesmos. Os achados dos es-
tudos sustentam o uso de psicoterapias no tratamento de TAs con-
forme presente nas diretrizes do National Institute for Health and

155
Medicina ambulatorial

Care Excellence (NICE), o qual recomenda terapia cognitiva compor-


tamental em grupo, individual e até mesmo familiar na AN, na BN e
no TAC (DAVIS; ATTIA, 2019; REAS; GRILO, 2020; GALLOP et al., 2022).
Além disso, existe uma base forte de evidências científicas
para uso de medicamentos antidepressivos no tratamento de BN e
TAC, com resultados que demonstram significativa redução nos epi-
sódios de compulsão e punição. Outrossim, metanálises realizadas
comparando placebo com olanzapina, fluoxetina e dimesilato de lis-
dexanfetamina demonstraram melhores resultados nos grupos que
estavam em uso destas medicações, o que justifica a possibilidade
de seu emprego no tratamento de TAs. Ademais, avanços na com-
preensão dos neurocircuitos envolvidos nos TAs identificaram a neu-
romodulação como possível tratamento, especialmente em pacien-
tes com quadro graves, refratários a tratamentos convencionais. Os
métodos atuais para neuromodulação variam de modalidades re-
lativamente não invasivas, como estimulação magnética transcra-
niana repetitiva e tipos mais invasivos, como estimulação cerebral
profunda. Ambos demonstraram melhora dos sintomas dos pacien-
tes durante 12 meses de acompanhamento. Esses dados ainda são
preliminares e ainda não são totalmente compreendidos; entretanto,
os alvos neuromoduladores continuarão a ser explorados e tendem
a ser uma área promissora (DAVIS; ATTIA, 2019; REAS; GRILO, 2020;
GALLOP et al., 2022).

GENÉTICA E EPIGENÉTICA NOS


TRANSTORNOS ALIMENTARES

Os TAs são condições complexas e determinadas a partir da


interação de múltiplos fatores: genéticos, ambientais, físicos, men-
tais e sociais. Dentre os aspectos genéticos destaca-se o compo-
nente hereditário, presente na AN, na BN e no TAC. Nestes distúrbios,

156
Seção 7 | Transtornos alimentares

indivíduos com parentes de primeiro grau acometidos pela doença


apresentam maiores chances de desenvolverem um distúrbio ali-
mentar quando comparados à uma família não afetada, podendo
chegar a uma probabilidade onze vezes maior de desenvolvimento
do transtorno no caso da AN, por exemplo (BULIK; BLAKE; AUSTIN,
2019; HIMMERICH et al., 2019; STEIGER; BOOIJ, 2020).
Todavia, as variantes genéticas associadas aos TAs ainda não
foram completamente elucidadas. Estudos de genes candidatos in-
dicam uma associação entre estes transtornos e genes polimórficos
envolvidos na regulação de neurotransmissores e de moduladores
da fome e do metabolismo basal. Na AN, estudos de associação ge-
nômica demonstraram uma relação entre a doença e um locus no
cromossomo 12, que contém genes envolvidos no DM tipo 1 e genes
relacionados a traços psiquiátricos, metabólicos e antropométricos,
indicando que a AN pode apresentar uma vertente psiquiátrica, além
da metabólica (BULIK; BLAKE; AUSTIN, 2019; STEIGER; BOOIJ, 2020).
Ademais, ainda que a presença de fatores genéticos repre-
sente um risco para o desenvolvimento dos distúrbios alimentares,
acredita-se que os fatores ambientais possam influenciar na re-
gulação da expressão dos genes envolvidos, sem alterar suas se-
quências dos ácidos desoxirribonucleicos (DNA). Assim, o ramo da
epigenética avalia os efeitos de agentes externos na expressão gê-
nica e no remodelamento da cromatina por meio de mecanismos
que envolvem a metilação de DNA, a acetilação e a fosforilação de
histonas e a ação de ácidos ribonucleicos (RNAs) não codificadores
(HÜBEL et al., 2018; HIMMERICH et al., 2019; STEIGER; BOOIJ, 2020).
Outrossim, o perfil epigenético dos TAs ainda é incipiente e
se baseia apenas no estudo da metilação do DNA de portadores de
AN ou BN, sem a detecção de um padrão de metilação caracterís-
tico até o presente. Apesar de promissor, estudos epigenéticos mais
amplos se fazem necessários para identificar os efeitos dos estí-
mulos ambientais na regulação dos genes envolvidos nesses trans-

157
Medicina ambulatorial

tornos e, assim, identificar possíveis vias ou mecanismos biológicos


passíveis de intervenção terapêutica (HÜBEL et al., 2018; HIMME-
RICH et al., 2019).

REDES SOCIAIS

É clara a influência das mídias sociais sobre o comporta-


mento e vivência dos seus usuários. Essas redes estão entre as prin-
cipais vias de disseminação e perpetuação de padrões de beleza
muitas vezes inatingíveis, tornando-se gatilho importante para o de-
senvolvimento de TAs. Nesse sentido, o consumo inconsequente dos
conteúdos propagados e a falta de discernimento entre o que é midi-
ático e real, pode gerar sentimento de inadequação do próprio corpo
com consequente distorção de imagem, problemas físicos e morte,
principalmente de pessoas previamente insatisfeitas com a autoima-
gem e com tendências a comportamentos alimentares problemáti-
cos (PETER; BROSIUS, 2020).
Por outro lado, pelo fácil acesso a informações, as redes so-
ciais tornam-se uma importante via individual de busca pela me-
lhoria desses transtornos, que muitas vezes são auto diagnostica-
dos. Nesse sentido, algumas pesquisas mostraram que a inserção
de modelos com peso normal e imperfeições naturais na mídia tem
efeito positivo sobre a mente dos pacientes portadores de TAs, os
quais sentem-se incluídos nestes padrões propagados, ratificando
a importância desses meios de comunicação sobre os hábitos de
uma sociedade, tanto como influência positiva quanto negativa.
Dessa forma, a discussão sobre o assunto é complexa, pois de-
pende mais da forma como o indivíduo usa as redes sociais, já que
o conteúdo consumido pode ser direcionado devido a gostos pes-
soais e, dessa maneira, as redes sociais podem acabar sendo utili-
zadas como incentivo ou desincentivo à hábitos de vida saudáveis
(PETER; BROSIUS, 2020).

158
Seção 7 | Transtornos alimentares

CAPÍTULO 27
ASSOCIAÇÃO DOS TRANSTORNOS
ALIMENTARES À GRAVIDEZ E AOS
DISTÚRBIOS DE SONO-VIGÍLIA

Ana Carolina Quintino Ferreira


Mariana Queiroz Cunha Marques
Luís Filipe Souza Trindade

GRAVIDEZ

Durante a gestação ocorrem diversas alterações no orga-


nismo materno, sejam elas metabólicas, psíquicas, comportamen-
tais ou estruturais. Além disso, o aumento da demanda nutricional
e outras mudanças funcionais podem alterar o estilo de vida des-
sas mulheres, o que impacta no comportamento alimentar com
consequente desenvolvimento de TAs. Aproximadamente 7,5% das
gestantes apresentam visão distorcida do próprio corpo e preocupa-
ções excessivas com o ganho de peso durante a gestação. Ademais,
muitas gestantes apresentam distúrbios alimentares previamente
à gestação e esses transtornos podem estar relacionados a dificul-
dade de engravidar e também a impactos diretos na saúde da mãe e
do bebe. A respeito dos sintomas em gestantes, a preocupação ex-
cessiva com o peso, a compulsão alimentar, ansiedade e depressão
foram os mais prevalentes, estes pacientes normalmente desenvol-
viam comportamentos estereotipados como vômitos autoinduzidos
e uso indevido de diuréticos e laxantes (ARNOLD et al., 2019; MAR-
TÍNEZ-OLCINA et al., 2020).

159
Medicina ambulatorial

Dentre as diversas consequências desses transtornos, são


relatadas a desnutrição e a obesidade, ambas patologias deletérias
à saúde materna e fetal, durante a após a gestação. Como a dieta
nutritiva e equilibrada é essencial para o bom desenvolvimento dos
bebês, hipovitaminoses e deficiências de outros nutrientes podem
estar relacionados a defeitos no tubo neural, alterações musculo-
esqueléticas e disfunções imunológicas. Ademais, os TAs durante a
gestação estão associados a maior chance de parto cesárea, abor-
tos espontâneos, partos prematuros, restrição do crescimento ute-
rino, pré-eclampsia e outros problemas a gestante e ao feto. Além
disso, os distúrbios alimentares em gestantes são importantes fa-
tores de risco para a perpetuação dessa doença nos recém nas-
cidos, principalmente a AN. Em relação ao aleitamento materno,
não existem estudos consistentes que relacionem-no a alterações
de comportamento alimentar. Porém, nos casos de AN, o risco de
abandono dessa prática é maior (ARNOLD et al., 2019; MARTÍNEZ-
-OLCINA et al., 2020).
Nesse sentido, para evitar o surgimento e manutenção dos
TAs nas gestantes, é importante uma abordagem multidisciplinar
que contemple saúde mental, física, nutricional e obstétrica da pa-
ciente, visto que é descrito um possível aumento de seis vezes na
mortalidade perinatal associada a essas patologias. Logo, diagnos-
ticar e intervir no curso dessas doenças alimentares precocemente
tem grande impacto positivo no prognóstico dessas gestantes e ne-
onatos (ARNOLD et al., 2019; MARTÍNEZ-OLCINA et al., 2020).

CICLO CIRCADIANO

Os ritmos biológicos referem-se à organização temporal


dependente do ambiente. São classificados em ultradianos (menos
de 24 horas) e infradianos (mais de 24 horas). Os ciclos circadianos

160
Seção 7 | Transtornos alimentares

são endógenos, com duração de aproximadamente 24 horas. Es-


tes afetam fisiológica e comportamentalmente variáveis biológicas,
como temperatura corporal, frequência cardíaca e pressão sanguí-
nea, além de hormonais, como melatonina e cortisol, e do ciclo
sono-vigília. Estas variáveis apresentam periodicidade de 24 horas
(KANDEĞER; EĞILMEZ; SELVI, 2021).
O núcleo supraquiasmático (SCN) é o relógio biológico do
corpo e regula o ciclo sono-vigília, ritmo da temperatura central do
corpo, e liberação de hormônios. O cronotipo são as diferenças in-
terindividuais nesse ritmo e é dividido em três tipos – matutino,
intermediário e vespertino. Os tipos matutino e vespertino têm au-
mento e queda das variáveis fisiológicas no início ou no final do dia,
respectivamente. Dessa forma, estima-se que 40% dos adultos têm
um dos dois cronotipos extremos e o restante está no meio do es-
pectro (KANDEĞER; EĞILMEZ; SELVI, 2021).
Os cronotipos descrevem as diferenças entre as pessoas no
que diz respeito à síntese de ritmos biológicos, fisiológicos, com-
portamentais e sociais. No entanto, pesquisas têm evidenciado que
os tipos noturnos estão mais relacionados a sintomas e distúrbios
psiquiátricos. Estudos e revisões demonstram que os cronotipos
noturnos têm maior probabilidade de desenvolver dificuldades de
regulação emocional, comportamentos alimentares prejudiciais, im-
pulsividade, tabagismo e uso de drogas, além de transtornos do hu-
mor, ansiedade e vícios (KANDEĞER; EĞILMEZ; SELVI, 2021).
A ingestão de alimentos é regulada pelos mecanismos ho-
meostáticos e circadianos. Quando a fome é induzida pelo sono, o
apetite é aumentado e o comer é encorajado. Fatores orexinérgicos
são ativados no início da fase ativa, deslocando o processo home-
ostático para “alimentação”. O processo homeostático da ingestão
alimentar inclui a liberação da grelina, que ativa neurônios orexinér-
gicos no núcleo arqueado, e sinais hormonais anorexinérgicos, como
a insulina pancreática, a leptina e as glicoincretinas intestinais. Além

161
Medicina ambulatorial

disso, os efeitos hiperfágicos e hipofágicos dos endocanabinoides


também desempenham um papel. Portanto, o ciclo alimentação-je-
jum em humanos é regido pelos mecanismos homeostáticos e cir-
cadianos (KANDEĞER; EĞILMEZ; SELVI, 2021).

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