Você está na página 1de 5

Viver

Mas era apenas isso,


era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?
E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?
Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projeto de abri-la
sem haver outro lado?
O projeto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?
Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?

Carlos Drummond de Andrade


Sendo eu um aprendiz
Sendo eu um aprendiz
A vida já me ensinou que besta
É quem vive triste
Lembrando o que faltou

Magoando a cicatriz
E esquece de ser feliz
Por tudo que conquistou

Afinal, nem toda lágrima é dor


Nem toda graça é sorriso
Nem toda curva da vida
Tem uma placa de aviso
E nem sempre o que você perde
É de fato um prejuízo

O meu ou o seu caminho


Não são muito diferentes
Tem espinho, pedra, buraco
Pra mode atrasar a gente

Mas não desanime por nada


Pois até uma topada
Empurra você pra frente

Tantas vezes parece que é o fim


Mas no fundo, é só um recomeço
Afinal, pra poder se levantar
É preciso sofrer algum tropeço

É a vida insistindo em nos cobrar


Uma conta difícil de pagar
Quase sempre, por ter um alto preço

Acredite no poder da palavra desistir


Tire o D, coloque o R
Que você tem Resistir

Uma pequena mudança


Às vezes traz esperança
E faz a gente seguir

Continue sendo forte


Tenha fé no Criador
Fé também em você mesmo
Não tenha medo da dor

Siga em frente a caminhada


E saiba que a cruz mais pesada
O filho de Deus carregou

Bráulio Bessa
Objeto sujeito
Você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado dentro
como fazer de um verso
um objeto sujeito
como passar do presente
para o pretérito perfeito
nunca saber direito
 
você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo
 
você nunca vai saber
e isso é sabedoria
nada que valha a pena
a passagem pra Pasárgada
Xanadu ou Shangrilá
quem sabe a chave
de um poema
e olhe lá

Paulo Leminski
Motivo

Eu canto porque o instante existe


e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Cecília Meirelles

Você também pode gostar