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Doutrinando Um Bolsominion Qua - Blame P.T
Doutrinando Um Bolsominion Qua - Blame P.T
Blame P.T.
Copyright 2022 © Blame P.T.
Sumário
Capítulo 05 - “É golpe!”
Capítulo 06 - Vermelho
Capitulo 10 - A fraquejada
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— Rafaela.
Leon:
Novato ou iniciado?
Sérgio:
Você não entendeu: é uma entrevista XD
Quero te entrevistar pro meu canal no
Youtube
O status “digitando” ficou um bom tempo na tela, até
que apareceu a mensagem:
Leon:
novato então: R$ 350,00 a hora, mais a
taxa de gravações de 100,00. O pagamento
é adiantado, pra evitar espertinhos que
marcam e depois somem ; ) posso te
encaixar na quarta, às 19 hrs?
Jogou o nome da rua no Google Maps: já passara por
ali, mas nunca notara o clube “Kama Sutra”. Só achou o
preço salgado. Pediu um desconto, ao que o cidadão
respondeu: “Ninguém aqui trabalha de graça”. Comunistas
hipócritas...
Sérgio:
ñ pode ser online?
Leon:
Pode, mas é bem menos divertido...
Parou, pensativo. Ficar em casa com certeza seria
mais discreto e seguro. Por outro lado, ir até o lugar e filmar
toda a bizarrice do cenário com certeza lhe renderia mais
cliques, quem sabe até o vídeo fosse parar no “Em alta”?
Correr riscos fazia parte do negócio. Teclou depressa:
Sérgio:
eu vou aí.
Capítulo 02 - “Melhor Jair se
arrependendo”
― Conhece essa?
Leon:
QUE PALHAÇADA É ESSA?
Ele mandou um print do tuite. Sérgio riu: não
esperava uma resposta tão rápida. Teclou:
Sérgio:
Não entendi XD
Leon:
Nunca te ameacei fisicamente! Você editou
toda a entrevista pra parecer que eu fiz
isso!!!! Vc tem noção do q tá fazendo?
Sérgio:
Liberdade de expressão. Vc tem a sua, e eu
tenho a minha versão dos fatos
Leon:
Só que a sua versão é mentira! Eu disse
“ainda dá tempo de te dar um tapa na cara,
se vc quiser”, eu nunca disse q faria sem
consentimento
Sérgio:
Não foi o que pareceu. Vc mesmo disse q
via em mim “uma vontade grande de
apanhar”, o q quer dizer isso???
Leon:
Vc é doido ou se faz. O q eu disse foi q vc
parecia mesmo estar tentando me provocar
pra q eu fizesse isso. Acontece q vc não
passa de um recalcado q não entende como
o BDSM funciona. Tudo o q fazemos tem q
ser são, seguro e consensual. Pelo jeito vc ñ
sabe o significado dessa palavra
Sérgio:
Se queria tanto me bater, pq ñ fez? Não é
macho o suficiente?
Leon:
0.o Sua sessão tinha acabado. Se vc ñ tem
coragem de assumir suas vontades, ñ posso
fazer nada
¯\_( )_/¯
Mas se vc não apagar aquele tuite e falar a
verdade sobre o nosso encontro, me vejo
obrigado a entrar na justiça contra vc
Mordeu o punho fechado. Esse esquerdista era mais
difícil do que pensava. Geralmente, todos que viravam
assunto de seus vídeos se recolhiam pra fugir dos ataques
de seus seguidores, mas ali estava Leon, reagindo e
praticamente jogando a verdade em sua cara. Não seria
bom tomar um processo justo agora, faltando tão pouco
para o casamento, pensou.
Leon:
Vai por mim, vc ñ vai querer o clube todo
protestando na porta da sua empresa. Todo
mundo aqui tá me apoiando. Só vc pode
consertar essa situação agora, camarada
Um calafrio correu por seu corpo. Não queria nem
imaginar aquele bando de indecentes incendiando pneu na
frente da Enrique-se. Correu com os dedos no teclado do
celular.
Sérgio:
Ok, me dá um tempo
Leon:
Vou procurar um advogado ainda hoje se vc
ñ consertar essa merda
Foi depressa no aplicativo e deletou o respectivo
comentário. Talvez pudesse remediar a situação com o
pessoal depois.
Sérgio:
Já apaguei. Satisfeito?
Leon:
Ñ basta apagar, tem q explicar direito o q
aconteceu, q eu ñ te ameacei e q BDSM ñ
tem nada a ver com agredir pessoas
gratuitamente
Sérgio:
Com certeza. Paguei 450,00 só pra vc me
chamar de recalcado e falar imundícies
esquerdistas XD
Leon:
E vc adorou isso, ñ queria nem ir embora
Um pequeno sorriso de canto brotou em seu rosto.
Mesmo assim, não se sentia à vontade para admitir. Digitou:
Sérgio:
E se eu te chamasse pra almoçar, como um
pedido de desculpas?
Leon:
???
Sérgio:
Pode ser num restaurante perto daí? Aquele
japonês?
Leon:
Pode sim.Mas vc paga
Sérgio:
E a distribuição igualitária de bens? Vc não
era comunista?
Leon:
Muito engraçadinho XD tenho mais o q fazer
Sérgio:
Tá, eu pago.
Leon:
Certo.
— Yes! — Comemorou com o celular na mão, mas
primeiro teria que marcar presença na reunião do sogro,
infelizmente.
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— Quanta desconfiança!
— Então, já se retratou comigo?
— Não mesmo.
Droga, Sérgio, não era isso que você queria? Era isso
o que eu queria, o tempo todo, concluiu. Abriu a cueca para
vesti-la, quando se deparou com o fundo dela, ou melhor, a
ausência de fundo. Só um fio dental, que ele teve o
pressentimento de ser a coisa mais incômoda do mundo, ter
algo relando no cuzinho dele o tempo todo. Não conseguiu
pensar nisso por tanto tempo sem que se torna-se algo
excitante, porém. Se vestiu, ajeitando os ovos no lugar e se
olhou no espelho vertical pendurado: podia ver toda a
bunda, quase como se estivesse nu. O cuecão com uma fina
corrente o cobria e o fazia pensar em personagens
estereotipados de tv. Um pensamento condenatório
atravessou sua mente ao imaginar que estava prestes a se
tornar o tipo de pessoa que ele tanto condenava, exceto
que não tinha feito nada ainda. Ele não era nada daquilo,
um fetichista. Era só... um cara curioso.
— Tudo bem aí? — Leon abriu a porta do banheiro.
— Sim.
— A partir de agora, vai se dirigir a mim como senhor,
sempre. — Ele pôs a mão sugestivamente sobre o cós da
calça e deixou um sorriso escapar por sua expressão séria:
— Sabia desde que te vi. Cê tava doidinho pra apanhar de
mim. Agora vai saber como é.
Ele voltou para a cadeira de madeira. Sentou nela, e
ordenou: — Venha aqui!
Sérgio teve um impulso de recuar em direção à porta.
Não era como se ele próprio tivesse pago pela sessão, mas
como se fosse uma pessoinha, uma criança que tivesse feito
besteira e estivessem lhe chamando a atenção.
— Um...
Paft!
— D-dois...
Paft!
— T-trêees...
Paft!
Sérgio parou, choramingando. Não aguentava mais de
dor, podia jurar que se olhasse para trás se veria em carne
viva. Mas Leon não quis saber.
Paft!
— D-doze...
Paft!
— Treze! — disse num só fôlego. A palmatória de
couro explodiu seu último estalo no centro de suas nádegas,
convertendo Sérgio numa geleia trêmula de soluços e
lágrimas. Ficou deitado no colo dele, totalmente humilhado
e dolorido, sem conseguir se mover.
— Qual?
— Tire a roupa.
— S-sim. — respondeu.
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Após aquele evento apoteótico-erótico, poderia ter
dito muitas coisas, a maioria das quais talvez se
arrependesse depois. Mas quando terminou de se limpar e
se vestir, o que saiu de sua boca foi: — Então você faz
sociologia? — Era uma pergunta idiota, visto a obviedade
dela, mas ele não sabia outra forma de retomar a conversa
sem que dissesse “Esse foi o maior orgasmo da minha
vida!” Por mais que fosse verdade (e pelo Mito, como era)
não estava pronto para admitir e talvez nunca estivesse.
Leon sorriu, passando um paninho com álcool no potro
e no flogger: — Faço sim. Pela manhã. É o único horário em
que eu não atendo aqui, percebeu?
— Teria mesmo?
— Fala, Paixão.
— Ela pode não ser burra, mas vai ter que ser muito
tolerante. Eu vi que você saiu de casa com o carro, o que
fez com ele? Deixou estacionado num canto qualquer? Ou
usou pra pagar pó? Não me diga que você tá usando pó,
Sérgio!
— Mãe, eu não sou o tio Neves!
— Leon, eu...
— Qual?
— Já encoleirou ele?
Sérgio:
Oi, Leon, tudo bem? Já conversei com a
Camila. Ela deixou sim, isto é, desde que
ninguém mais fique sabendo e você não
apareça na frente dela.
Um pequeno sorriso brotou em seu rosto, junto a um
suspiro cansado. O sujeito pensava que o enganava,
igualzinho tinha previsto. Ah, agora pegaria esse liberal
safado:
Leon:
Minha semana tá cheia, vai ter que ser na
próxima, naquele mesmo horário. Mas
antes, eu queria passar na sua casa pra te
entregar algo. Pode ser?
“Claro” foi a resposta dele.
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Sérgio não sabia o que esperar. Achava que Leon
nunca cairia numa mentira tão deslavada. Nem imaginava
que ele o responderia tão rápido. “Parece que meu dinheiro
vale mais que os escrúpulos dele, afinal”. O pedido dele
para visitá-lo o pegara ainda mais desprevenido.
— Mais alto!
— A vizinhança inteira vai escutar assim!
“Tu pediu pra eu te botar
E eu boto com pressão
Então vai, já se prepara
Na raba toma tapão”
Um pequeno deslocamento de ar se antecedeu ao
tapa, o impacto amplificado tanto pela letra quanto pela
batida da música se espalhou por todo seu corpo.
Se apoiava com dificuldade, o pau engaiolado
balançando entre as suas pernas e as de Leon. Só de estar
naquela posição já começava a deixar aquela gaiola
pequena. Caía para frente de ponta cabeça, quando Leon o
puxou pelo cinto e o segurou pelo quadril, estapeando-o
com a palma e as costas da mão, sucessivamente. A
ardência logo despertou Sérgio para começar a se remexer.
— Isso dói!
— Leon...
— É senhor!
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Baixou o vidro.
Ele suspirou.
— E você, gosta?
— Eu curtia algumas músicas deles. Às vezes, tocava
no rádio e a minha babá cantava pra mim. Tipo aquela,
“Mais louco é quem me diz, que não é feliz...”
— “E brrrrrruuuuuummmmmm!” — imitaram o
barulho sem nexo que o vocalista fazia.
— Adoro essa parte! — seu dominador disse, e Sérgio
se viu sorrindo. A mão de Leon saiu de suas costas e veio
para seu rosto, acariciando sua bochecha de leve.
— Está mais tranquilo agora. Já comeu alguma coisa?
— Hum, delícia!
— Receita da presidenta! — Serviram-se no balcão
mesmo. Aquele espaguete estava divino, o melhor que já
tinha comido.
— Tenho que admitir, ficou muito bom! Obrigado.
— Prova.
Leon:
começou cedo hein? Não termine antes de
eu te dar aquele presente que te falei. Bom
trabalho! ;D
Esperou ansioso e nem fez questão de esconder seu
sorriso ao revê-lo. Seu senhor sorriu também, lhe
estendendo uma sacolinha: — Preciso te explicar umas
coisas antes de prosseguirmos.
— Tira, Leon...
— Tenta ficar só um pouco mais com ele... ah,
esqueci! — ele se afastou indo até um caderno, de onde
tirou um adesivo com símbolo da foice e o martelo. Mostrou-
o antes de colar, fazendo Sérgio esboçar uma careta: —
Considere seu cu expropriado!
— Tá bom, mas agora tira, vai! — pediu, rebolando
ante aquela queimação. Leon lhe trouxe um espelho para
que admirasse seu cu tampado pelo adesivo socialista.
— Se quisesse realmente q eu tirasse daí, usaria sua
palavra de segurança, não?
Leon:
Não dá pra ler, tem uma barreira só pra
assinantes.
Sérgio:
Eu te pago a assinatura
Leon:
Que isso, não precisa não! Vou usar um site
aqui. Guarde esse dinheiro pra doar pra
uma ONG q eu vou te indicar depois, ok?
Vamo ver essa produção, seu puto
Sorriu, esperando. Recebeu um monte de
interrogações e um gif de personagem de anime irritado.
Leon:
Não foi isso que eu mandei vc fazer! Está no
seu escritório?
Sérgio:
Sim, pq? Vc vem aqui me dar uma coça, é?
Leon:
Vc bem que merece, liberal safado
Sérgio:
Vem, comuna de merda
Leon:
!!!
To indo
Levou a mão à boca. Será que tinha ido longe demais,
tal qual a Pabllo Vittar, aquela militante petista? Leon nem
sabia onde ficava seu escritório, mas não seria difícil achá-lo
pela internet... Paralisou na cadeira, sem saber o que fazer,
até finalmente se decidir. Recolheu as coisas depressa e
procurou a secretária no corredor.
Não encontrando Regina, chamou a outra: — Val,
cancela meus compromissos por hoje!
— Pronto, acabou.
— Um médico cubano.
— Diferente como?
— Submisso?
— Isso. Gosto das brincadeiras, mas você pegou
pesado. Não quero ser punido. Só quero que me foda,
apenas isso. — falava, recebendo um longo silêncio em
resposta.
— Tudo bem, mas eu não funciono assim. Não sou um
garoto de programa. Não que eu tenha algo contra, é que
eu só fico excitado se for nesse esquema,
dominador/submisso. Fora disso, não é minha praia, saca?
— Podemos conversar?
— C-claro! O-onde...
— E a sua mãe?
— E você?
— Qual?
— Por quê?
— Nossa!
— Não, e você?
— Acho que vou comer alguma coisa leve e ir pra
Kama Sutra. Comprei um gel que queria testar. Pode ser que
apareça algum cliente antigo.
— Ah, tá bom.
Almoçaram juntos e mataram o tempo olhando discos
num antiquário. Ofereceu comprar uma edição especial de
Raul Seixas pra Leon. Ele tocou de leve a capa dela,
suspirando: — É mesmo uma relíquia, mas eu nem tenho
toca-discos, doido. E olha o preço!
— Eu gosto de ardência.
Desistiu.
Deixou o celular no silencioso. Faltavam cinco meses
para o casamento. Leon achava que tinham terminado.
Continuava mentindo pra ele. Será que ele se importava?
Ou só queria pagar de consciente?
Sérgio:
...
Terminou digitando três palavras, tão imbecis e tão
bobas e tão... verdadeiras. Seriam mesmo? Era isso o que
sentia, ou só usava aquilo para se sentir menos sozinho e
incompreendido no mundo? Mas não era pra isso que
serviam essas coisas? E Leon? Será que ele...
Continuou dirigindo.
— CALA A BOCA!
— O quê?
— Só fica quieta!
— Mas...
— Não aguento mais te ouvir falando, Camila!
— Tá falando comigo?
— É verdade isso?
Soraya passava as compras: — Você duvida porque
não liga de verdade pra ele! — murmurou, tirando o
dinheiro da carteira e ignorando a expressão da atendente
ao dizer: — Você só lembra dele quando quer alguém pra
chicotear esse teu cu e te enfiar uma piroca. Se ligasse
mesmo, teria respondido!
— Eu queria, mas...
— Mas tu é frouxo! Igual a todo bolsominion. Eu sei, tu
nunca ia trocar a sua vidinha de luxo e hipocrisia por uma
de verdade com o Leon. Você não merece ele. — Ela saiu
com as sacolas nas mãos, deixando-o com aquelas
verdades difíceis de engolir.
Entregou as compras na casa da mamma de Camila.
Ia embora assistir a apuração dos votos na casa de amigos,
mas como sua mãe e seu pai estavam ali, inclusive Bulhões,
sentiu-se mais seguro para ficar.
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As semanas entre um turno e outro geralmente são
decisivas para carreiras e vidas de muita gente nos
próximos quatro anos, mas para Sérgio significava mais.
Pela primeira vez desejava algo por si mesmo mais do que
tudo. Mais que a idolatria por um mito, seu coração ansiava
pelo que o tirava do chão, algo que muita gente leva a vida
inteira para encontrar, ou morre procurando. Abandonou
seus compromissos para ir ao comício do partido opositor.
Tal como no dia da manifestação em frente à carreata,
centenas de pessoas lotavam a praça.
O candidato discursava sobre o palanque coberto,
recebendo aplausos do público diverso cujas cores das
roupas e bonés contrastavam com seu terno bem asseado.
Passava por um assessor perdido no meio do povão,
tentando identificar entre eles aquele que era o motivo de
estar ali, tal qual um Cid Gomes no meio de uma reunião
petista. Andou por todo o lugar, sabendo que aquele seria
um dos últimos grandes eventos permitidos.
— É cis.
— O quê?
“Vermelhou o curral
A ideologia do folclore avermelhou
Vermelhou a paixão
O fogo de artifício da vitória avermelhou”
Se beijavam em meio a centenas de mãos erguidas na
Avenida Paulista, batendo palmas e acompanhando a
música. Devagar, abriu os olhos, ainda nos braços dele.
Olhava ao redor, com medo, mas tudo era alegria e os que
não aguentavam tinham saído muito tempo antes.
Caminharam de mãos dadas, parando perto do bar onde
tinham estado há pouco. O pessoal vibrava olhando a
televisão.
— Quer ir ver?
— Tá nervoso?
— É que eu nunca... você sabe, com um...
— Assustador?
— 65 conto.
— E você dá conta?
— Eu dou.
— Tá arrependido, bolsominion?
— Nem um pouco!
— Desculpa, eu só...
Ouviram um barulho.
— Hum?
“Eu quis cantar minha canção iluminada de sol
Soltei os panos sobre os mastros no ar
Soltei os tigres e os leões nos quintais
Mas as pessoas na sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer
Mandei fazer de puro aço luminoso um punhal
Para matar o meu amor e matei
Às cinco horas na avenida central
Mas as pessoas da sala de jantar
São ocupadas em nascer e morrer”
Cumprimentou o porteiro do condomínio com um
abraço apertado e esfuziou até em casa. Tão distraído
estava, tropeçou na pilha de tochas em seu quintal.
— Sei...
— A gente não tem praticamente nada em comum,
mas sei lá, eu gosto dele! Acho que amo de verdade. Ele é
equivocado? Muito, mas é tão fofo e aprende tão rápido! E
ainda assim continua igual quando começamos. Ele entende
o jogo e adora, Sô!
— Hum-hum.
— Se não fosse essa noiva miliciana dele, a gente
podia já tá junto.
— É.
— Tá terminando, ou já terminou?
Ele fez aquela cara de cão sem dono, e Leon já sabia o
que ouviria: — Tá difícil, não tenho praticamente nenhum
controle nisso. Meus pais me empurraram pra esse
casamento. Os irmãos dela já quase me mataram no meu
trabalho e...
— Faz tempo?
— Foi durante a pandemia. Não dava pra chamar
ninguém pra dormir aqui, a Kama Sutra tava fechada. Devia
me ver pedindo empréstimo no banco e tentando explicar a
finalidade.
— Sério?
— Sérgio...
— Eu devia era lavar essa sua boca com sabão pra ver
se para de dizer mentiras! Ainda não acredito que teve a
coragem de mentir sobre isso. Sabe o risco que se expôs e
aos outros? Era pra você levar muita, mas muita chicotada
nessa tua bunda de negacionista, mas eu não quero
comprometer a sua integridade física por enquanto.
Amanhã você vai aparecer aqui, bem disposto e nós dois
iremos até o postinho pra consertar isso.
— Tão inteligente...
— Nem acho.
— É de criança.
###
A derrota do mito dividiu o público de seu canal entre
os que acreditavam em teorias conspiratórias e os
conformados, mas todos esperavam por sua opinião. Porém,
isso tinha sido um dia antes, enquanto buscava a camisa de
Leon da lavanderia. Se tivesse olhado naquela hora, não
teria se assustado menos quando viu a foto compartilhada
por todas as redes sociais.
— E aí?
— A gente terminou.
— Eu te amo.
— Também te amo.
— Mas...
— Você acha?
— Claro. Mas e aí, o que você gostaria de dizer a ela?
— Enviado!
— Seu desgraçado!
— É.
— E a Laika?
— Eu avisei...
— A senhora me perdoa?
— Meu filho, mas você não fez nada!
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—Desculpa, tio.
Olhava pra ele com raiva. Por que a mãe dele não
podia aceitar ir pro Morumbi, onde tudo seria mais fácil?
Limpou os olhos: — Vocês comunistas não tinham a solução
pra tudo? E aí, CADÊ?
— Como assim?
— Já? De verdade?
— Posso ficar dias sem falar com ela, mas foi só notar
o dinheiro diminuindo que rapidinho se lembrou de mim. —
comentou, olhando pro alto. Riu: — E se eu fosse pobre,
Leon? Ainda ia me querer como namorado?
— Ei!
— Direitos de imagem, é bom se acostumar. Toma,
guarda pra você. — Devolveu exatamente um terço do total
a ela e a levaram de volta pra casa.
###
Assim que chegaram, Leon fez uma lista de itens para
a festa: copos descartáveis, pratinhos de bolo, balões de
festa, tudo nas cores preta, vermelha e amarela. Sérgio
comprou tudo pela internet e mandou entregar na casa de
BDSM, já que preferia evitar sair na rua por questão de
segurança.
Sua caixa de e-mails e redes sociais continuavam
lotadas, já que não tinha coragem de olhá-las. Seu
namorado o aconselhou a guardar tudo para eventuais
boletins de ocorrência, mas que não perdesse tempo lendo
pra manter sua saúde mental. Encarava mortificado a tela,
descansando na cama dele.
— Só porque eu quero.
— Cala a boca.
Os “companheiros” também assistiam à posse, todos
com plena concentração. Diferente do usual, o candidato
perdedor não compareceu à cerimônia, repetindo a falta de
esportividade do militar ditador em 85. Assim que o
sucessor colocou o adorno verde e amarelo no peito, todos
se levantaram e bateram palmas. O namorado apertava sua
mão e a erguia para o alto, contente como nunca o vira. A
comemoração foi grande, só não foi maior porque Leon
queria todos sóbrios para aquela noite. Cantaram “Lula lá”,
almoçaram comidas leves, terminaram a decoração e
descansaram.
— O que é isso? — Sérgio apontou um monte de
canos empilhados e cobertos por uma capa.
— Desculpe, senhor.
— Tudo bem. Não é de hoje que o Camarada Stalin
tenta roubar um sub meu. Ele adora fazer isso — disse,
acariciando seu cabelo: — Você está bonito. E cheiroso... —
Aspirava seu perfume, beijando sua nuca e pescoço.
— Sim, senhora.
O tapa nem foi forte, mas só por não poder falar, tinha
vontade de chorar. O Douglas sorria cada vez mais.
— Me perdoa! Eu tô arrependido!
— Ah, tá. Agora é hora da sua bunda se arrepender
junto! — Ele pegou uma vareta do porta guarda-chuvas.
Tinha todo um suprimento de bengalas e varas e aquela
estava longe de ser a mais ameaçadora dali, mas Sérgio
não queria saber. O que ele e Leon faziam na masmorra não
tinha que ser da conta de mais ninguém, muito menos pra
risada alheia.
— CALA A BOCA!
— Militante do PSTU! — Ele agarrou o outro pela gola
da jaqueta e só pararam quando o gerente apareceu. Todo
mundo falava ao mesmo tempo e Sérgio assistia
envergonhado e em silêncio aquela reunião que não tinha
nada da camaradagem que imaginava existir entre os
déspotas vermelhos. Talvez o único ponto de concordância
era o que fariam ao bolsominion arrependido.
— Conversa...
— Mas eu te amo!
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Em casa, Sérgio organizava os preparativos pra
viagem quando recebeu a ligação de Rosa. Seu coração
parou, a cabeça mergulhada num turbilhão. Ela dizia que
ele ainda estava sendo avaliado, que parecia estável, mas
não conseguia ouvir nada depois daquelas duas frases.
Largou a comida pré-pronta assando no forno, a tv e mais
três eletrodomésticos diferentes ligados e pegou um táxi.
Encontrou o irmão de Leon no corredor, terminando
de falar com o médico. Era o único do grupo além dele
próprio que não usava roupa de couro preta.
— Cadê o Leon, onde ele tá?
— Eu?
— Val... me ajuda!
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— Tá blefando!
Sorriu: — Será? O “mito” já foi. Falta o resto.
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Assim que saiu do hospital foi com a secretária até a
empresa, mas seu celular continuava desaparecido. Com
certeza Camila ou os irmãos já o teriam pego, mas não quis
dizer nada porque a ameaça de expô-la era a única coisa
que tinha para defender Leon. Andava pelo lado de fora,
procurava atrás dos vasos de planta e perguntava aos
serventes, mas era tudo em vão. Pisar ali outra vez
reavivava sua memória de quando vira a morte de perto.
Suas contas estavam trancadas por uma ação judicial
movida por seus pais, que o interditaram por sua
“insanidade” evidente. Não tinha dinheiro nem mesmo para
pagar o matador de aluguel mais barato que pudesse achar
e nenhum conhecido se arriscaria a ajudá-lo e provocar a ira
do ex-senador.
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— Oi. — Leon se amparava numa muleta. O fixador
externo saltava de sua perna como um doloroso lembrete
dos últimos eventos.
Anônimo:
Hacker aqui. Adiantando um assunto que
vcs terão de lidar na semana. nada contra
vc, gatinha, mas ninguém melhor que eu
pra te mostrar a verdade sobre o Sérgio
Inspirou fundo:
Camila:
Aqui é o noivo dela falando, idiota! Quem vc
pensa q é??? Se escondendo atrás de um
perfil fake pra tripudiar de mim?
Ficou sem resposta por longos instantes. A doida
continuava no segundo andar da confeitaria, se
empanturrando com amostras.
Anônimo:
Vc pode ser o noivo dela, mas nunca a
amou de verdade
Deu um riso contido. Ah, não podia ser...
Camila:
Nestor? É vc, né? Eu sei q é
Ele parou de responder, retornando depois:
Anônimo:
não sou esse funcionário, nem sei quem é
Camila:
eu não disse q era um funcionário, como
sabe q ele trabalha pra mim?
Anônimo:
Tá bom, Sérgio, vc quer negociar? Pode
resgatar seu celular, eu só quero ter a
oportunidade de mostrar a ela o tipo de
pessoa q vc é. Na verdade, seria ideal
mostrar pra todos, quem sabe assim ela
não desiste de vc? ;)
Por mais tentador que fosse, duvidava que outra saída
espetacular do armário o ajudaria naquele momento. Além
disso, as provas contra Camila estavam nele.
Camila:
Eu quero meu celular, com todos os
arquivos. Onde te encontro?
Anônimo:
Me encontra no estacionamento dessa
pizzaria aqui. Quero 50 mil em espécie.
Recebeu o link do Google Maps, mas sua indignação
superava todo o absurdo que estava sendo aquilo.
Camila:
50 MIL? VC SABE QUE TODAS AS MINHAS
CONTAS ESTÃO BLOQUEADAS! COMO VOU
CONSEGUIR ISSO TUDO?
Anônimo:
E eu com isso? Do or quit, parça! faz isso,
ou eu mando o vídeo da sua suruba pra ela
Queria jogar o celular longe, mas precisava negociar:
Camila:
Vc quer casar com ela? Ou isso tudo é só
pra se vingar de mim? De q lado vc está? Pq
se fizer isso, vai deixá-la ainda pior
Anônimo:
Não penso dessa forma. Eu não tenho
ideologias, não tenho partidos, não tenho
lado, sou apenas um funcionário revoltado
com a injustiça contra a mulher q ama
Camila:
Vai devolver meu celular?
Anônimo:
Se me pagar, sim
Ouvia os passos delas. Teve tempo apenas de jogar o
celular no aquário e correr de volta para o carro. Fechou os
olhos, fingindo dormir enquanto as dondocas procuravam o
aparelho. Ele tocou debaixo d’água por alguns minutos até
apagar, seguido pelo chilique da dona.
— Me dá meu celular!
— Já terminou aí?
“Oh morte, tu que és tão forte
Que matas o gato, o rato e o homem
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me
buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas
alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela
noite”
Não acreditava em bobagens de premonição, mas um
arrepio o tomou.
Parou.
— Praticar o quê?
Teve de abrir o jogo. Contou apenas o básico pra que
ela entendesse e não continuasse a pensar mal deles ou vê-
lo como um criminoso capaz de dopar o filho dela.
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Era perfeitamente possível que os antigos patrões
tenham dado aquele forro de cama bordado com o nome da
criança. Era mais comum do que parecia, pensava consigo
mesmo, lembrando de quantas vezes inquilinos dos pais
deixavam traquitanas para trás numa mudança. Mas achava
estranho aquele lençol parecer tão novo. Indagou Dona
Sônia a respeito.
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Comemorava esquecido da dor em sua perna, até
aquela pontada voltar irradiando da canela até o quadril. Se
agarrou no encosto da cadeira, chorando de dor e de
alegria, ainda sem acreditar.
— Me perdoa, meu filho. Eu tive que mentir porque ele
me pediu. É a vida dele em risco, né? Foi preocupação e
amor de mãe. Mas eu vejo que você realmente ama ele e
merece saber a verdade.
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— Quer mais bolo? Pega mais um pedaço. Mamãe
deixou uma tonelada aqui. — Ele lhe oferecia mais do bolo
confeitado que descongelava num bloco retirado da
geladeira velha na casinha onde Sérgio, agora Cláudio,
morava. Apesar do sítio ser enorme, com piscina, lago,
horta e quadra, todo o conjunto mostrava apenas abandono.
A única parte um pouco melhor era justamente a parte que
o caseiro conseguia cuidar sozinho. Perto, tinha um
canteirinho com legumes e verduras, pé de banana, laranja.
Um vasinho de flores enfeitava a janela simples de madeira.
Acomodado na poltrona de couro sintético e sem pressa de
sair estava um gatinho listrado. Perguntou o nome dele.
— É Bitcoin! — ele exclamou: — Nunca sei como ele
vai estar daqui a pouco, bichinho inquieto ele.
— Nunca.
— Também fiquei com medo do pai dela fazer alguma
coisa. O meu pai foi preso, você sabe? Teve outro ataque
cardíaco, mas levaram ele de ambulância e tudo.
— Venha aqui!
— 33, senhor.
— Para, Leon!
— Estou parado. — Erguia as mãos do encosto da
poltrona onde sentara, vendo-o penar. Só podia imaginar o
que ele estaria escrevendo. Ele anotava de pé, debruçado
sobre a mesa. Parecia finalmente apressar o ritmo, usando
menos palavras e deixando de lado o capricho da caligrafia
ou as exigências do seu editor interno.
— Rabada, é?
—Um...
— Melhorou. — Repetiu, desta vez na outra nádega.
Continuaram sem pressa. Ia alternando os pontos em que
batia, deixando um tom uniforme nele, provavelmente
coral. Era bonito: — A vida é um presente, especialmente
uma como a sua, que se salvou por pouco. Trate-a bem,
meu servo.
— Vem se tu é macho!
— Peraí — Com seu 1,67 puxava o namorado um
palmo mais alto, que se debatia, dando falsetes mortais em
seus ouvidos. Pararam, rindo. Abraçados, ficaram a admirar
a paisagem.
O lago cobria uma boa parte do terreno, com patos se
banhando em suas águas tranquilas, verdes e cheias de
folhas. — É bem bonito mesmo. E aqueles são os tais
pedalinhos, ainda funcionam?
— Leon, cê tá me desconcentrando!
— Ótimo.
Andou olhando pra trás até não ser mais possível vê-
lo parado no portão. Mesmo assim, sabia que ele estava ali.
Limpou o rosto, olhando o céu e cantarolou pra si mesmo
até o terminal rodoviário: — “Pedro onde cê vai eu também
vou...”
Capítulo 13 - “Mais louco é
quem me diz”
FIM
Sobre a autora
Blame P.T. é uma pessoa. Ou não. Ela tem esse perfil
no Twitter e tem esse, no Wattpad. Bora conversar e tomar
os meios de produção junto com uns bons drinques?