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Índice

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Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Epílogo 1
Epílogo 2
Agradecimentos
Sobre o autor
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1ª Edição | Belo Horizonte - Outubro de 2021

Título: Meu Vizinho Federal

Autora: Rapha Fagundes

Revisão: Aglycia Chaves

Capa e Diagramação: Will Nascimento

∞∞∞
Esta é uma obra de ficção, criada com o objetivo de
entretenimento. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência. Este livro segue as regras da Nova Ortografia da
Língua Portuguesa.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer


parte dessa obra, através de quaisquer meios - tangível ou
intangível - sem o consentimento por escrito da autora.
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Capítulo 01
Olívia

Não dava tempo de esperar pelo elevador, pela terceira vez naquela
semana saía de casa atrasada, no limite para enfrentar o trânsito
matinal de São Paulo e chegar ao escritório da Soraya Lins,
localizada na Rua Oscar Freire.

Há cinco anos eu trabalhava como estilista-chefe na marca que


levava o nome da sua proprietária. Iniciei como estagiária, alcei
algumas promoções e cheguei ao cargo máximo na área de criação,
acima de mim estava apenas a dona.
Desci as escadas em uma velocidade recorde, equilibrando-me
em cima dos saltos, carregava em mãos uma bolsa e, também, uma
pasta de couro que continha uma infinidade de croquis e o meu
notebook.

Cheguei à garagem com a respiração ofegante, afinal, foram


nove andares abaixo. Talvez esperar o elevador tivesse sido uma
decisão mais inteligente. Talvez, não, com toda certeza teria sido,
pois quando empurrei a porta corta-fogo ouvi o ruído da caixa de aço
chegando à garagem.

Suspirei ruidosa.

Caminhei em direção a minha vaga e no percurso encontrei


Afonso, o síndico do prédio.

— Bom dia, senhorita Olívia! Tenha um excelente dia! — Ele


pausou os passos e, quando me aproximei, passou a andar ao meu
lado.

— Bom dia e obrigada, Afonso! Que o seu dia também seja


ótimo. — Dei-lhe um sorriso e não parei para render uma conversa, o
síndico bem que gostava de se estender, uma brecha e ele me
contaria detalhes da sua administração e até mesmo da sua vida.

Eu só precisava entrar logo no carro, sair pelas ruas de São


Paulo e, com sorte, chegar ao trabalho dentro do meu horário.

Ele me encarou desolado, ao perceber que eu já me acomodava


no banco do motorista e não lhe daria a atenção que desejava.

— Estou atrasada para o trabalho, vida corrida, Afonso. —


Justifiquei, pois ele era bem legal comigo.

Normalmente, os síndicos de prédios não costumam serem


pessoas queridas pelos moradores, afinal, são eles a fiscalizar o
cumprimento das regras do condomínio, mas ele sempre aliviava para
o meu lado. Por exemplo, ao fazer vista grossa quando eu me
estendia no horário noturno com amigos no apartamento ou passeava
com Chanel, minha cachorrinha da raça Yorkshire, pelo condomínio,
deixando que ela andasse, ao invés de carregá-la no colo. Em geral,
ele era bem implicante com os cachorros dos moradores, mas tinha
uma relação amigável com Chanel.

— Oh, que coisa chata, senhorita Olívia. Mas dará tudo certo e
você conseguirá chegar a tempo. Bom trabalho!

— Para nós dois, Afonso! Você também tem muitas atribuições.


— Ele inflou, deu um sorriso preguiçoso e cheio de orgulho.

A vida dele era bem tranquila, isso sim. Recebia uma gorda
pensão de uma tia que morreu e não deixou herdeiros, além do bônus
por atuar como síndico, é claro

No entanto, a verdade é que todo mundo reclama, e quase


ninguém quer se arriscar na administração de um prédio.

— Ah, senhorita Olívia, a vida não está mesmo fácil. Mas dias
melhores virão. Mais tarde irei passar na porta do seu apartamento e
conversar um pouco com Chanel, a pobrezinha deve ficar desolada
por estar sozinha.

— Obrigada pelo carinho, ela vai adorar — dei uma piscadinha e


liguei o carro, não podia ficar mais nem um minuto dentro da
garagem. Passei pelo portão rindo, Chanel não dava a mínima por
passar o dia sozinha, desde que eu não atrasasse o horário do seu
jantar. Mantinha uma babá eletrônica em casa, com o aplicativo de
câmera conectado ao meu celular e tinha uma boa noção de como ela
se comportava durante minha ausência.

O dia na Soraya Lins se arrastou, como sempre acontecia nos


dias que Soraya, minha chefe e proprietária resolvia dar as caras na
empresa. A marca possuía várias lojas espalhadas por shoppings de
São Paulo e do interior do Estado, no entanto, os demais setores de
vendas e o setor criativo que era comandado por mim, ficavam dentro
de um anexo na loja principal.

— Não sei se concordo com esse tom de coral, Olívia. Me


parece aberto demais, não consigo enxergar nele o requinte das
nossas peças. — Eu estava de pé diante da enorme mesa que usava
para expor os croquis, quando Soraya adentrou a minha sala. Ainda
não havia ido falar diretamente comigo, nos encontramos apenas na
reunião de estilo e depois na sala do café.

Com muita sorte, consegui chegar no horário, do contrário, teria


tido problemas com ela. Revirei os olhos e suspirei baixinho, para
então virar em sua direção.

— Foi o tom que aprovamos na última convenção, Soraya.


Pautamos as discussões no resultado das pesquisas de público —
respondi calmamente, mas por dentro consumida pela raiva. Em todo
o período de pesquisa para definirmos as cores que usaríamos na
próxima coleção, que levou meses do ano anterior, Soraya participou
apenas de dois encontros. Na verdade, ela esteve presente, mas
duvidava que lembrasse de algo que havia sido discutido, afinal, toda
a sua atenção estava em seu iphone.

— Eu não concordo com o tom, definitivamente. Veja o que dá


para ser feito. — Se eu pudesse a esganaria, ou então, proferiria um
monte de xingamentos contra Soraya, mas não podia fazer nem um e
nem outro. Não reagi e mantive os nossos olhares conectados. Ela só
podia estar enlouquecendo. Os tecidos e os aviamentos, como
botões e zíperes, já haviam sido encomendados. Não dava para,
simplesmente, alterar a principal cor da nossa paleta, que seria
utilizada em uma coleção inteira.

Soraya saiu da sala fechando a porta atrás de si e me joguei em


minha cadeira de trabalho, diante da outra mesa, uma menor que
usava para as demais atividades. Ainda sem reação, talvez até
tivesse pálida, o que eu ia fazer?
O restante do dia passou lento, não tomei nenhuma decisão
quanto a sua ordem para mudar a paleta, pois jogaria fora todo um
planejamento e o risco de não ter uma coleção pronta a tempo de
chegar às lojas era um risco bem real.

Com fome e exausta, já que havia pulado o almoço em razão do


grande volume de trabalho, verifiquei o relógio em meu pulso e era
quase dezenove horas. Eu precisava correr para casa, pois Chanel
devia estar faminta.

Juntei minhas coisas e saí da empresa sem falar com ninguém, e


longe do olhar dos demais funcionários, principalmente, os que eram
da minha equipe. Eu estava brava, com raiva, e não queria que me
vissem daquele jeito para não criar animosidades contra a empresa.

Dentro do carro liguei o sistema de som e escolhi o pop


animadinho da Taylor Swift, tentando afastar a energia ruim que me
consumia. Eu podia até estar sempre correndo e com muito trabalho,
mas era alto astral em quase todo o tempo.

Menos quando pegavam minha vaga na garagem, o que descobri


me irritar alguns bons minutos depois de sair do trabalho.

Eu morava em um prédio de nove andares e uma cobertura, cada


andar com quatro unidades de apartamentos. Tinha direito a uma
vaga de garagem, opção que fiz quando comprei o imóvel, afinal
morava sozinha e o prédio contava com algumas vagas para
visitantes. Não tinha motivo para pagar uma taxa de condomínio ainda
maior apenas para ter direito a mais uma.

Estanquei dentro do meu mini cooper ao me deparar com um


carro enorme ocupando a minha vaga. Grande, todo preto e com as
rodas cromadas. Arregalei os olhos, de quem seria aquele carro?
Desliguei o meu, desci, dei a volta ao redor do automóvel intruso e
olhei todo o ambiente, não havia ninguém próximo.
Meu sangue ferveu. Com fome, cansada, precisando alimentar
minha bebezinha que me esperava em casa e também com vontade
de fazer xixi. Andei entre as vagas e não havia mesmo ninguém. Elas
até tinham um bom tamanho, mas o carro que ocupava a minha era
enorme, um modelo Jeep Compass, de jeito nenhum daria para parar
o meu junto.

Ouvi o barulho do elevador e vi quando Afonso saiu de dentro


dele, acompanhado de uma moradora. Talvez a minha feição fosse de
total aflição, pois ele se alarmou e, após despedir da mulher,
caminhou rápido em minha direção.

— Algum problema, senhorita Olívia?

— Preciso abrir uma reclamação, alguém está usando a minha


vaga, não conheço o carro e é provável que seja visitante de algum
apartamento. — Não seria uma novidade visitante ocupar vaga
indevida e já havíamos decidido em reuniões que, sempre que
ocorresse, íamos levar ao síndico. Na verdade, o combinado era que
o visitante não poderia estacionar nem mesmo na vaga do dono do
apartamento, mas apenas na área reservada para eles.

— Senhorita Olívia, irei fazer o registro da ocorrência e buscar


na câmera o dono do automóvel, enquanto isso, peço que use a
minha, ela segue desocupada. — Assenti, pois sabia que não ia
atrapalhá-lo, afinal ele não dirigia e sua vaga estava sempre vazia.

Agradeci e depois de estacionar o carro, corri para meu


apartamento.

Chanel me recebeu animada, a pequena passava o dia na


preguiça e despertava apenas quando estava perto do meu horário
de chegar do trabalho. Correu ao meu redor, pulou em minhas
pernas, abanou o rabinho e quando a peguei no colo, aninhou-se em
meus braços.
— A mamãe sentiu saudade, meu amorzinho — eu disse
passando o nariz em seu pescocinho e depois beijando-a — Hum,
você também? — soltou um gemidinho, o que sempre fazia quando eu
lhe dava carinho. — Agora a mamãe é toda sua!

Antes de dormir, enquanto tentava ler um livro na cama, me perdi


em pensamentos. Ora era a briga que pretendia comprar com a
Soraya, pois estava decidida a não alterar a cor da paleta, ora
questionando quem seria o dono do carro. Digo dono, pois senti ser
carro de homem.

Demorei a adormecer, pois a cabeça cheia atrapalhava meu


sono, mas, finalmente, consegui quando passava de meia-noite.

∞∞∞

Acordei bem disposta no dia seguinte, diferente do que imaginei.


Cuidei da Chanel, peguei a lista de afazeres da casa para entregar a
diarista, ela limpava meu apartamento e tomava conta de outras
tarefas em dois dias da semana e preparei um cappuccino, em uma
cafeteira própria. Eu não abria mão da bebida bem docinha pela
manhã.

Tomei banho e me arrumei, um longo dia me esperava, mas eu


estava animada. Pela manhã, teria uma reunião com a equipe do
marketing e à tarde um evento na loja da Oscar Freire com o time de
influencers que faziam parte do nosso trabalho de divulgação da
marca.

O dia que iniciei bem já me deixou irritada assim que saí do


elevador na garagem. Lá estava o trambolho que alguém chamava de
carro ainda ocupando a minha vaga. Podia parecer pouca coisa,
talvez fosse mesmo, mas poxa, custava pará-lo no lugar correto? Eu
pagava pelo uso da vaga, tinha direito a ela. E, para o condomínio
funcionar bem, todos tinham que seguir as regras.
— É muita falta de respeito, muita. — Disse alto para mim
mesma.

À noite cobraria providências do Afonso.


Capítulo 02
Luiz Henrique

Há duas semanas havia me mudado para o apartamento novo e já


não enfrentava tanto trânsito, pois ficava mais próximo da delegacia
da Polícia Federal, onde eu trabalhava, o que já era maravilhoso. Mas
o destino quis deixar minha vida ainda mais animada, ao me
presentear com uma vizinha, digamos que, interessante.

Vinha de uma rotina intensa de plantões, fruto da participação


de uma operação policial muito importante na cidade . Quando o
assunto era prender bandido, ainda mais se fosse engravatado e com
fama de bom moço, eu dispensava sono, comida e qualquer outro
prazer. Essa era a minha realidade no momento, estava na Operação
Suga Laranja, prestes a prender um empresário conhecido em âmbito
nacional que usou uma longa lista de empregados e familiares como
laranjas em seus negócios de lavagem de dinheiro.

Cheguei em casa no dia anterior depois passar mais de vinte e


quatro horas sem dormir e só tive ânimo para um banho antes de cair
na cama. Nem quis saber de jantar, embora estivesse com fome.

Acordei com o telefone tocando sobre a mesa de cabeceira, era


o meu dia de folga, pretendia dormir até mais tarde e descansar. Se
a nossa investigação conseguisse uma prova através dos telefones
grampeados que o suspeito utilizava, os próximos dias seriam ainda
mais insanos.

Estava decidido a ficar off, não daria as caras no clube de tiro e


tampouco na ONG, meu único trajeto seria do quarto para o sofá
grande e confortável da minha sala, um dos poucos móveis que havia
providenciado.

No entanto, meus planos foram frustrados quando o nome da


Dani, ou agente federal Daniele Paes, surgiu na tela do meu celular.
Ela sabia que eu estava de folga, pois estávamos juntos nos últimos
plantões e, se estava me ligando, é porque algo muito sério
aconteceu.

E eu curtia pra caralho quando surgia treta, significava


adrenalina, operação na rua e bandido com o rabo entre as pernas.

Saí da cama e fui em direção ao banheiro, coloquei o telefone no


viva-voz e entrei embaixo do chuveiro. Enquanto isso, Dani contava
que o empresário havia sido pego em uma chamada telefônica
interceptada durante a madrugada e que os mandados de busca e
apreensão, assim como a de condução coercitiva já estavam sendo
expedidos.

Após 10 minutos estava vestido com a camiseta preta da Polícia


Federal e uma calça também preta, calcei o coturno enquanto
aguardava a cafeteira expresso trabalhar. Juntei os meus pertences,
a mochila de couro ainda estava sobre o sofá desde o dia anterior.
Peguei a minha pistola Glock e coloquei na cintura, os demais
aparatos seriam vestidos na delegacia como colete a prova de bala,
coldre e os armamentos especiais.

Quando dei o primeiro gole na bebida quente e amarga, ouvi o


barulho de porta fechando. Devia ser a minha vizinha gata saindo para
o trabalho. Eu ainda não sabia o seu nome, não havíamos nos
encontrado diretamente, mas, em pouquíssimo tempo, tive uma boa
percepção da sua rotina. Saía cedo para o trabalho, chegava
correndo em casa e tinha uma cachorrinha de madame, dessas que
usam laço e roupinha combinando. Já havia tomado nota de toda a
rotina dos meus vizinhos do andar. Hábitos de um policial.

Terminei a bebida, coloquei na boca uma bala de hortelã e saí de


casa, sem hora para voltar, sem fazer ideia de como seria o meu dia.

Ainda estava um pouco sonolento, embora animado com os


próximos passos da operação Suga Laranja que daríamos em
algumas horas e os dias dedicados cem por cento ao trabalho me
cobravam a conta. Desci pela escada, na esperança que os nove
andares abaixo me fizessem despertar.

Cheguei à garagem mais rápido do que se tivesse esperado o


elevador, peguei a chave do carro no bolso da calça e antes de
desativar o alarme, escutei uma voz irritada reclamando de algo.
Andei silencioso por trás do meu carro, era grande, do jeito que
gostava. Avistei minha vizinha dentro do seu minúsculo mini cooper
perolado. Não tinha como ela ter outro carro, era uma mulher
pequena, magra e tinha um ar angelical, delicado, ainda que brava.

Estiquei o pescoço por trás do carro e a vi zangada com a


pessoa que estacionou o Jeep Compass em sua vaga, no caso eu
mesmo. Com dificuldade, engoli o riso. Maravilha, já tinha conquistado
uma inimizade em meu novo endereço.
Mantive-me escondido, eu que não ia enfrenta-la. Sabia lidar com
bandido, não tinha pena e muito menos temor, mas mulher brava eu
preferia não comprar briga.

Ouvi quando ela cantou pneu ainda dentro da garagem, somente


então destravei meu carro. Coloquei os óculos de sol, me acomodei
no banco do motorista, e, então Afonso, o síndico esquisito do prédio,
saiu de trás de uma das pilastras próximas a mim, surgindo ao meu
lado, me fazendo crer que também havia se escondido dela. O
homem dava mostras de apreciar cuidar da vida alheia, no entanto,
deve ter achado melhor não enfrentar a vizinha estressadinha.

— Bom dia senhor Luiz Henrique, como vai? — formal até o


último fio de cabelo, usava uma calça social bege, camisa polo verde
e um suéter sem manga por cima. As mãos estavam no bolso da
calça e o cabelo havia sido penteado para o lado e de forma
meticulosa. Uma figura!

— Bom dia, Afonso. Estou bem, mas precisei me esconder de


uma treta logo cedo. — Dei um sorriso contido e ele me acompanhou.

— A senhorita Olívia ficou um pouco chateada por você ter


ocupado a vaga dela. — Interessante, agora eu já sabia o nome da
vizinha. Informação anotada e que me seria útil em algum momento.

— Não irá acontecer mais, foi um lapso de memória. — Apontei


para a vaga ao lado, indicando que eu sabia qual era a minha. — Não
irei esquecer. — Ou, talvez, se eu tivesse outro lapso de memória,
será que Olívia ficaria muito irritada?

Mais uma vez segurei o riso, sendo encarado por Afonso.

— Certo, senhor Luiz Henrique, estou às ordens.

Assenti e ele saiu em direção ao elevador.

∞∞∞
Minutos depois estacionei meu carro no pátio da Polícia Federal,
desci apressado e encontrei com Dani na sala de descanso da
delegacia, que era onde parávamos para fazer as nossas pausas,
refeições e também onde ficavam os armários. Assim que me viu
entrar, me entregou um copo da Starbucks e um pacote de papel
pardo.

— Agora sim, bom dia, Lui! — me cumprimentou chamando-me


pelo meu apelido, deixando um beijo em meu rosto.

— Essa raça de policial precisa ser estudada, está toda


animadinha porque sabe que hoje vai ter treta, né morena? Aposto
que mal dormiu essa noite. — Ela riu e me observou abrir o pacote e
tomar um gole do café. — Obrigada pelo lanche, não como nada
desde ontem quando saí do plantão.

— Eu imaginei. Paulo está à sua espera... — Dentro do pacote


havia dois salgados folhados, recheados com queijo, presunto e
bacon.

— Certo. Vou terminar aqui e já falo com ele. A equipe foi


montada? — Sentei em um dos bancos, devorando o lanche e ela
permaneceu parada próxima aos armários. Estava estranha e, pelo
súbito desânimo que demonstrou, eu podia imaginar o que estava
prestes a acontecer.

— Ele não deu detalhes, Lui. Mas pediu que você fosse até sua
sala assim que chegasse.

Não foi necessário, pois não havia cinco minutos da minha


chegada e Paulo também entrou na sala.

— Bom dia, Brandão. — parou diante da mesa encostada em


uma das paredes, com as mãos nos bolsos, seus olhos, antes de
focarem em mim, passaram por Dani, que logo saiu da sala.
— Bom dia, Diniz. Recebi seu recado, já estava indo a sua sala.
— Estendi o lanche, oferecendo-o, que recusou.

— Sem problemas. Imagino que já esteja sabendo, Daniele disse


que você estava a caminho da delegacia, mesmo sem ter recebido
um chamado oficial. — Levantei o olhar para ele, que me encarava
com a sobrancelha erguida. Quase revirei os olhos, quase. Mas ali
quem falava comigo era o Delegado Federal Paulo Diniz, então me
contive. — Conseguimos os mandados de busca e apreensão e de
condução coercitiva contra Mauro Lins.

— A policial Paes me avisou hoje cedo, como já estava na


investigação, vim logo para cá. — Dei um último gole no café e
embolei a embalagem que anteriormente protegia os salgados,
atirando em uma lixeira próxima. — Então, é hoje?

— É hoje... — respondeu e por nada deixava de me encarar.

— Vai Diniz, o que você quer falar. — Fiquei de pé e cruzei os


braços, também parado próximo à mesa.

— Você vai liderar a operação, Lui.

— Agradeço pela confiança, Paulo. E a equipe, vou poder


montar?

— Eu já esperava por isso. Fique à vontade. Mas, preciso da


policial Paes livre, tenho um trabalho para ela aqui na delegacia. —
Como era cara de pau. Eu ainda não havia intervindo, pois Paulo era
o nosso superior, além de sempre ter enxergado sua implicância com
a Dani como algo pessoal, que só cabia a eles dois. Mas, daí não
permitir que eu a convocasse para a operação que ia liderar, já era
demais.

— Porra, Paulo. Não fode. Daniele tem participado ativamente de


toda a investigação, sabe cada detalhe do que estamos procurando.
Além de ser uma das melhores policiais em ação. Eu preciso dela na
operação. — Disse firme, com as mãos espalmadas sobre a mesa.
Ele não gostou do meu tom e exigência. Mas talvez soubesse que
pegava pesado. A mulher tinha bastante experiência em campo e
estava na nossa superintendência desde que retornamos a São
Paulo, há três anos.

— Daniele não se concentra quando você está na operação, Lui.


E você sabe disso. Vai ferrar tudo. — Foi demais para mim, como
amigo e como parte da sua equipe. Revirei os olhos e suspirei. Não
era a primeira vez que ele fazia tal reclamação, mas eu ainda não
havia pegado nenhum erro dela e, quando pedi que explicitasse a
situação, ele encerrou o assunto irritado.

— Respeito a nossa hierarquia e também a sua competência e


experiência. Mas agora vou falar como amigo. Seu e dela. Está
agindo como um babaca. Você disse que estou na liderança da
operação de hoje e eu digo que preciso da policial Paes.

— Apenas hoje, Brandão. Não vou tolerar as suas intervenções e


muito menos a sua insubordinação. Esteja em dez minutos na sala de
operação.

— Certo.

∞∞∞

O comboio de carros parou diante da mansão no Morumbi, bairro


que eu conhecia como a palma da minha mão. Desci com a escolta
em meu encalço, em mãos os papéis que me dava o poder para
revirar aquela fortaleza, bem como encaminhar o seu dono para o um
interrogatório que o faria perder até o rumo.

Fui até a guarita, distintivo em mãos e mostrei ao funcionário que


ali estava. Ele me recebeu com os olhos arregalados, não era todo
dia que recebia uma visitinha da Polícia Federal.
— Bom dia, meu nome é Luiz Henrique Brandão, agente da
Polícia Federal e iremos entrar na residência. Abra o portão e chame
o senhor Mauro Lins. — Ainda não havia mostrado os mandados, o
melhor jeito de iniciar uma operação era sendo o mais pacífico
possível.

— Bom dia, doutor. Vou confirmar se ele está. — Ele já estava


com o interfone na orelha quando lhe estendi os papéis.

— Nós dois sabemos que ele está, abra o portão e chame o seu
patrão. — Ordenei, sem dar espaço para qualquer contestação.

O show só estava começando.


Capítulo 03
Luiz Henrique

O funcionário não pestanejou e prontamente, minha equipe e eu,


estávamos dentro da enorme propriedade. Mauro Lins nos encontrou
na alameda que levava até o suntuoso jardim, diante da entrada
principal da casa.

Deparei-me com um homem um tanto assustado, a pele clara


estava avermelhada em toda a extensão do seu rosto e os cabelos
levemente bagunçados. Mais acima, avistei sua esposa, agitada e
parada no jardim, vestindo um robe longo e preto. Ainda era o início
da manhã.
— Lui, o que está acontecendo, meu filho? — Com toda certeza,
Mauro não esperava que a polícia fosse até sua casa e muito menos
que eu estivesse presente.

— Luiz Henrique Brandão — olhei duro para ele, deixando claro


que não haveria qualquer intimidade entre nós e lhe mostrei os dois
mandados. — Estamos em uma operação da Polícia Federal, vamos
cumprir a busca e apreensão, bem como conduzi-lo até a delegacia,
onde será colhido o seu depoimento. — Minha voz saiu o mais natural
possível, até mesmo sem emoção. Eu estava ali para realizar o meu
trabalho.

— E eu posso saber do que estou sendo acusado? — Ele não


gostou do meu tom, me direcionou a pergunta um tanto petulante.
Mas eu tinha a resposta na ponta da língua.

— O senhor está sendo investigado pelos crimes de lavagem de


dinheiro, extorsão, e corrupção ativa. Quando constituir um advogado,
ele terá acesso ao inquérito policial, senhor Mauro Lins.

— Preciso falar com os meus advogados. — Eu quase ri, já


imaginando quem seriam eles. As ironias da vida.

— Os advogados não participam da operação policial, ninguém


mais entra ou sai da propriedade, até que estejam liberados. Mas, se
preferir, pode depor acompanhado do seu procurador. E senhor, nós,
representantes da Polícia Federal, prezamos por uma operação
tranquila e sem maiores danos. Conto com a sua colaboração, da sua
família e funcionários. — Disse cada palavra de forma calculada, não
tolerava gracinhas ou qualquer tipo de desrespeito. Minha equipe e eu
estávamos ali em nome da lei, não éramos os “errados” da história,
ele, investigado, que baixasse a crista.

— Claro, fiquem à vontade. — Vencido, ele estendeu a mão em


direção a casa, pra onde direcionei a equipe.
Até aquele momento, íamos seguir os passos que tracei na sala
de operação da delegacia, e estaria ali atento a toda e qualquer
movimentação, se necessário, tínhamos os planos A, B, C...

O agente Rios ficou responsável pela guarda do Mauro; Daniele


e outros dois agentes foram para o andar superior; três agentes
cobriram o andar térreo, onde estávamos, e Paulo, agente Silva e
eu, varremos cada canto da propriedade, conversamos com
funcionários e asseguramos que Mauro e toda sua família
permanecesse sentada no sofá da luxuosa sala durante toda a
operação.

— Agente Brandão, na linha? — O rádio comunicador que eu


usava apitou, era Daniele me chamando. De pronto, eu vi quando o
olhar de Paulo grudou em mim, prestando atenção no que falávamos.

— Positivo, agente Paes.

— Venha até o andar superior, segundo cômodo à esquerda.

Apressado, fui ao encontro dela, que já havia pedido reforço pelo


rádio, pois uma infinidade de computadores, HDs, documentos,
dinheiro e armas haviam sido apreendidos. E pelo visto, ainda tinha
novidades por ali.

— O que precisa? — Entrei em um cômodo que parecia ser


utilizado como sala de TV, onde havia sofás retráteis e que Dani
deixou abertos e com o fundo, abaixo das almofadas, revirado; lá
também havia uma parede inteira de marcenaria, sistema de som e
TV e, claro, quadros. E foi atrás de um deles que a policial achou a
parede falsa.

— Veja isso, Brandão.

— Que maravilha. São desenhos? — Disse, pegando os papéis


que ela descolou da parede. Estava na cara que eram documentos
disfarçados.
— Você estava certo sobre o local onde grande parte do dinheiro
está sendo lavado. — ela me deu um sorriso. E ali tive que concordar
com o que Paulo me alertou mais cedo na delegacia. A policial, que
me encarava com olhos brilhantes e uma expressão muito carinhosa,
deu uma importante pista da investigação na frente de um agente
administrativo, o que de maneira alguma poderia acontecer, pois não
tinham acesso aos detalhes das operações.

— Discrição, Paes. Finalize aqui e desça — Ela meneou a


cabeça, assentindo, visivelmente chateada com o tom que usei.

Meia hora depois passei pelos portões da casa no encalço de


Mauro Lins, com uma mão em seu ombro. Ao nosso redor estavam
os agentes que participaram da operação e, ao meu lado, o
delegado. Chegando à rua, fomos engolfados por muitos repórteres e
fotógrafos, que gritavam como urubus sobre a carniça. Vai saber
como tomavam conhecimento das operações em tempo recorde, e ali
já era noticiado que o famoso empresário estava nas mãos da Polícia
Federal.

— Quantos minutos para o doutor Brandão telefonar? — Paulo


perguntou, entredentes, exibindo um sorrisinho debochado e sem se
importar com o fato do Mauro estar ali ao lado escutando. Eu ri, tirei
do bolso da calça o telefone que vibrava e virei a tela em sua direção.
— É sempre um prazer revê-lo! — Ele disse, gargalhando.

∞∞∞

Olívia

Cheguei ao trabalho e me tranquei em minha sala, torcendo para que


Soraya não aparecesse por ali. Normalmente, ela causava um
alvoroço na equipe. Com as suas ideias de gosto duvidoso, fazia com
que movêssemos mundos e fundos para que as alterações exigidas
fossem feitas e depois sumia.

Além disso, eu realmente não estava disposta a fazer mudanças


no projeto da próxima coleção, então torcia para que ela não desse
as caras na empresa.

A manhã passou rápida, entrei em uma reunião com a Joyce,


responsável pelo marketing da marca e só saímos quase duas horas
depois. Na sequência, fui à sala de estilo fazer a prova dos protótipos
de peças da coleção em andamento e, quando me dei conta, já
estava no horário de almoço.

— Chefe, vamos ao italiano, você vem com a gente? — Du, meu


assistente, bateu na porta da minha sala e espiou com a cabeça.
Verifiquei o horário e o respondi.

— Só tenho trinta minutos e estou faminta. — rapidamente,


afastei a cadeira de trás da mesa de vidro e peguei minha bolsa, que
estava sobre um móvel na lateral da mesa.

— Então vamos. Cissa disse que as equipes de todas as


influencers já deram o ok para o evento, até então, nenhum
contratempo. — contou, após sairmos da sala.

— Que assim seja, Du. Preciso que esse evento seja perfeito. —
atravessamos o corredor e conseguimos pegar o elevador no andar.

— Sempre são, chefinha. — Ele passou o braço pelo meu ombro


e fez um carinho ali. — Ah, Oli, desculpa me meter, mas já sabe
como vai tirar da cabeça da Soraya que não dá para mudar a paleta
assim, de última hora?

— Não há o que fazer. Apenas não irei trocar. Não faz sentido,
Soraya estava na reunião de aprovação, o material de produção já foi
encomendado. Ela, como dona da marca, deveria saber que mudar a
cor principal da paleta com o projeto em andamento, significa
inviabilizar grande parte da produção da coleção. E sem coleção, não
tem roupas para vender nas lojas. Para mim é uma conta bem fácil de
executar.

Du me olhou apreensivo, que era o estado natural que Soraya


deixava os funcionários e dei de ombros.

Almocei em tempo recorde, retornei à empresa, escovei os


dentes, passei uma escova no cabelo e retoquei a maquiagem. Em
seguida, desci para a loja da Oscar Freire, onde aconteceria o
evento.

Conversei com a Lilian, a gerente da loja, verifiquei os detalhes


da coleção cápsula que íamos apresentar às influencers e então as
convidadas começaram a chegar.

— Olívia Torres, eu amo trabalhar com essa mulher! — Bruna


Diniz foi a primeira a me cumprimentar, trabalhava para a marca
desde que iniciei na empresa, sabia bem o que esperávamos dela e
do uso da sua imagem.

— Pois veja que coincidência, eu adoro uma tal de Bru Diniz,


conhece? — Trocamos um abraço e, de mãos dadas comigo, ela
lançou um olhar ansioso. — Está tudo bem? — Com o tempo e
muitos eventos em que nos encontrávamos, fomos nos aproximando e
nos tornamos boas amigas. Bruna nasceu em berço de ouro, mas
fazia parte de uma família discreta. Ganhou os holofotes da mídia
quando esteve casada com um famoso jogador de futebol brasileiro.

— Não está sabendo, Oli? — Perguntou-me com o cenho


franzido.

— Não! Do que você está falando? Não me assuste! — A


interpelei de volta, tomando cuidado com o tom de voz, para não
chamar a atenção de quem chegava.
— A Polícia Federal esteve na casa da Soraya hoje cedo,
apreenderam documentos, computadores e até conduziram o marido
dela para depor na delegacia. — sussurrou, também tomando
cuidado com as demais pessoas presentes. Arregalei os olhos, pega
de surpresa.

— Meu Deus! Não fazia ideia. Mas também a manhã foi tão
corrida. É até curioso não ter virado assunto no corredor da empresa.
— Será mesmo que ninguém da empresa sabia? Essa não era o tipo
de informação que funcionário conseguia guardar.

— Pelo o que tive ciência, já conseguiram abafar o caso na


mídia. Mas como você sabe, meu irmão mais velho é delegado e ele
apareceu em um noticiário justamente ao lado do marido dela. —
Uau! Nos vários anos morando na capital paulista, dei-me conta que
investigações da polícia, principalmente federal, não eram tão
incomuns no meio corporativo, infelizmente. No entanto, eu não estava
acostumada com práticas ilícitas de qualquer natureza, e, portanto,
não me sentia confortável em saber que minha chefe e sua família
estavam sob uma investigação policial.

— Que situação. O que será que aprontaram?

— Bom, eu realmente não tenho notícias. Não encontrei Paulo,


mas, ainda assim, ele é bem discreto com as operações que conduz.

— Claro. Bom, que eles consigam esclarecer tudo...

Pedi licença à Bruna e fui recepcionar as outras influencers.

Conversei, tirei fotos e bajulei as responsáveis por jogar nas


mídias sociais os produtos da Soraya Lins. Da loja para fora, o
trabalho era com elas.

— Hey, Oli! — Luma, me puxou pelo braço, me colocando na


rodinha animada. — Estávamos aqui falando, bem que você poderia
nos acompanhar na próxima viagem a Nova York. A nossa ideia é que
profissionais como você, que sabem garimpar as tendências, estejam
com a gente. Iremos mostrar as novidades ao nosso público, através
dos nossos looks.

— Nossa, eu tenho um plano, sei que talvez esteja um pouco em


cima para uma ação deste tamanho, fora do país, mas pensem, as
peças podem ser exclusivas da Soraya, talvez uma outra marca
parceira para compor — Natalia, complementou.

— Mas a Oli tem que ir! — Alguém disse e todas concordaram.

— Calma gente, muita informação de uma só vez! Bom, eu achei


bárbara a ideia, já é sucesso! É óbvio que eu ia amar acompanhar
vocês! Mas isso é assunto para o nosso marketing e, claro, dependo
da autorização da Soraya. Serão alguns dias fora da empresa, não
sei o que ela vai achar. — Era claro que a minha chefe diria não e por
um simples motivo: eu já havia percebido o quanto ela sentia ciúmes
do meu relacionamento com os seus funcionários, parceiros e até
clientes. E ali a ideia era uma ação intimamente ligada a mim, ao meu
trabalho, embora a divulgação orgânica fosse para a marca dela.
Soraya, com toda certeza, ia preferir não ter a ação.

— Ao menos vai levar essa conversa até o marketing e à


Soraya? — Luma, pediu.

— Hum... Deixe-me pensar... — Brinquei batendo o dedo


indicador no queixo, fazendo-as rir. — É claro! É por isso que faço
questão de ter vocês ao nosso lado, sempre com ideias boas! —
praticamente, desculpando-me da provável recusa que iria receber da
dona da marca.
Capítulo 04
Luiz Henrique

— Você quer me foder, Luiz Henrique? — Não havia atendido as


chamadas do doutor Brandão, mas quando chegamos ao pátio da
Polícia Federal, lá estava ele, dentro de um terno bem cortado. Meu
pai tinha o cabelo preto como o meu, mas com alguns fios grisalhos,
que estavam penteado para trás; tinha o porte altivo e aparentava
ser, pelo menos, dez anos mais novo. Em seu rosto carregava a
expressão destemida de sempre. No entanto, ironicamente, estava
acompanhado do segurança particular, que também lhe servia como
motorista e aguardava dentro do seu Mercedes.
— Bom dia para o senhor também, pai. — Trocamos um rápido
aperto de mão, ele tinha o olhar contrariado, mas que não me
causava qualquer temor.

— Sua mãe teve uma queda de pressão quando te viu na TV


conduzindo o Mauro. — Cruzei os braços e ergui a sobrancelha em
sua direção. — Porra, Lui. — Era sempre assim, eu não abaixava a
guarda e ele diminuía o tom. Respeitava os meus pais, no entanto,
não admitia ser repreendido por causa do meu trabalho. — É nosso
amigo de anos, você vivia na casa dele e praticamente namorou com
a Melissa, uma de suas filhas. — Suspirei fundo, renovando minha
paciência.

Eu fazia parte de uma tradicional família paulista, filho do Heitor e


da Lêda Brandão, donos de um famoso escritório especializado em
advocacia criminalista. Meus pais, assim como meu avô paterno,
defenderam casos emblemáticos para o país, não era raro
aparecerem em programas de TV e darem entrevistas sobre os
processos enfrentados pelos seus clientes, sendo eles, em sua
maioria, políticos e empresários.

Além disso, por frequentarem a alta sociedade paulistana, muitas


vezes os clientes que defendiam eram também seus amigos
pessoais, assim como Mauro Lins. Frequentei muito sua casa,
igualmente a de outros transgressores da lei que precisei prender ou
conduzir à delegacia.

— Pai, meu querido pai, o melhor advogado de São Paulo e


provável que do Brasil também, com toda certeza o senhor sabe que
nada disso afasta os crimes que Mauro cometeu. Acredite, preferiria
não conhecer nenhum dos criminosos que preciso investigar, entrar na
casa, prender e etc., eu juro que preferiria. Mas fazer o que?

Soltei os braços e coloquei as mãos no bolso da calça,


encarando-o tranquilo. Já havia perdido a conta de quantas vezes
tivemos aquele tipo de conversa.
— Você não faz ideia da situação constrangedora que nos
coloca, sua mãe e eu somos questionados pelos nossos clientes. —
ponderou, estava puto, mas não alterava o tom de voz. — Aliás, sabe
sim, já te falamos isso. — suspirou, resignado.

— Sou um excelente policial, destaque da minha


superintendência, entro em grandes operações e, claro, acabo
prendendo pessoas conhecidas. O senhor e a mamãe são excelentes
advogados criminalistas e conseguem, em tempo recorde, habeas
corpus para os seus clientes. É isso, não tem muito o que explicar,
pai.

Doutor Brandão balançou a cabeça em negação, mas agora tinha


um sorrisinho no rosto e após despedir-se, foi para dentro da
delegacia, acompanhar o depoimento do seu cliente e amigo.

Eu sei que ele se orgulhava de mim, trabalhando com ele ou não,


meu nome era sempre citado e bem falado.

— Lui, estava te procurando — dei um tempo no pátio e, quando


passava pela sala principal, fui abordado por Dani.

— Estava lá fora. O que precisa? — Ela tinha um sorriso no


rosto e parecia aliviada por ter me encontrado.

— Fiquei muito feliz por você, um puta reconhecimento ter


conduzido a operação. — Não tinha dúvida sobre a sinceridade das
suas palavras, mas minha atenção estava inteira em suas mãos que
pousaram em meus ombros e ali ficaram. Mirei seus olhos por um
instante e lá estavam brilhando novamente.

— Não posso negar, também fiquei feliz. — Dei um sorriso em


agradecimento e aguardei o que mais ela ia falar.

— Já está indo para casa? — perguntou e eu assenti, com um


aceno de cabeça. — O que acha de almoçar comigo? — Um convite
corriqueiro entre nós, mas a conversa que tive com Paulo, antes de
colocarmos a operação na rua, bem como o que ocorreu na sala de
TV da casa do Mauro, ainda eram acontecimentos frescos em minha
mente.

— Adoraria, Dani. Mas realmente preciso dessa folga para


descansar. Vou para casa, pedir um delivery e passar o dia no sofá.
— deixei que a voz saísse fria e prometi a mim mesmo ficar mais
atento quanto a ela.

— Ah, claro! Também estou exausta, mas ainda com adrenalina


nas veias... É melhor mesmo ir para casa. — não havia
ressentimento, mas ficou sem graça com a minha escusa, melhor
assim.

Peguei minhas coisas no vestiário e fui embora.

Era uma mulher muito bonita, embora eu nunca tenha me sentido


atraído por ela ou desejado algo além da amizade que construímos.

Dani e Paulo tiveram um tumultuado relacionamento, ele se


encantou logo que ela chegou à delegacia. Não demorou para
começarem a sair, embora nunca tenham assumido o namoro para os
demais colegas. Apenas eu sabia o que de fato tiveram e fazia mais
ou menos seis meses que se separaram. No entanto, Paulo colocou
na cabeça que Dani era apaixonada por mim. Eu não o levava a sério
e dizia que ele estava com ciúmes da minha amizade com ela. Mas
iria observar.

Já ele, era um amigo de longa data. Havíamos nos conhecido na


adolescência, quando estudamos por três anos no mesmo colégio. O
reencontro aconteceu na faculdade de Direito e, qual não foi a nossa
surpresa, quando ambos fomos aprovados no concurso da Polícia
Federal: eu para agente e ele para delegado. Acabamos sendo
designados para a mesma superintendência em Brasília.
Posteriormente, conseguimos voltar para São Paulo, nossa cidade
natal.
Como ele sempre dizia, tinha que haver algum propósito
relevante para trabalharmos juntos e uma coisa era certa: Paulo e eu
tínhamos sede de justiça. E, provavelmente, foi essa característica
em comum que nos levou para a mesma instituição.

Essa parte da nossa história, apenas Dani conhecia, Paulo teve


que contar quando um amigo nosso em comum os encontrou em um
aniversário e perguntou por mim, relembrando a nossa época de
faculdade.

Cheguei ao meu novo endereço, cansado, com fome e apenas


uma coisa poderia animar o meu dia. E eu ia fazê-lo. Com um sorriso
no rosto, e subitamente animado, estacionei meu carro na vaga da
vizinha esquentadinha e linda. Será que ela ia até meu apartamento
brigar comigo? Eu esperava que sim!

∞∞∞

Olívia

Não era possível! Alguém queria muito me irritar, porque não havia
cabimento simplesmente pegarem para si minha vaga de garagem. E,
se um dia a do Afonso estivesse ocupada, eu teria que estacionar na
rua? Estava puta pela falta de noção do folgado e, também, por me
irritar com algo relativamente pequeno.

Respirei fundo e estacionei o carro na vaga do síndico.


Calmamente, eu iria entrar em contato com ele e questionar se havia
descoberto quem era o dono do carro. Talvez até fosse um morador
novo que se confundiu, algo bem possível de acontecer e que não
merecia tamanha irritação da minha parte.
Peguei as minhas coisas no banco do passageiro, travei o carro
e fui em direção ao elevador com o celular em mãos, procurando na
agenda o número do Afonso. Chamou até cair na caixa postal, então
enviei uma mensagem pelo aplicativo de conversas instantâneas.

Cheguei ao meu andar e uma voz estridente pediu para segurar.


Franzi o cenho, ainda não havia visto quem era e nem reconhecido a
voz. Mas fiz o que me pediu e logo uma mulher alta e loira, sorridente
demais e com um perfume forte, surgiu e me agradeceu.

— Obrigada querida! Tenha uma boa noite! — Acenei para ela e


no mesmo instante a porta do novo vizinho bateu, sendo fechada.
Olhei em sua direção, sem consegui vê-lo, quase que horrorizada.

Havia cerca de duas semanas que ele mudou para o prédio, e já


dava mostras de uma agitada vida amorosa, tendo em vista que já
era a terceira mulher que eu via sair do seu apartamento. E todas,
TODAS, com um sorriso irritante no rosto. Irônico que eu ainda não
tinha visto a cara dele, inclusive, estava irritada comigo mesma pela
curiosidade que me corroía, mas sabia descrever cada mulher que
passou por ali.

Entrei em casa, verifiquei o aplicativo e Afonso ainda não havia


respondido. Cuidei da Chanel, tomei banho e jantei uma sopa leve
sentada no sofá, com a bebezinha deitava ao meu lado e com a
cabecinha em meu colo.

Estava quase cochilando quando meu telefone tocou.

— Mamãe? A essa hora a senhora costuma já está dormindo! —


A cumprimentei e emendei o comentário, logo após checar o relógio
em meu pulso, passava das onze da noite. Assustei-me ao ver o
nome da minha mãe piscar na tela do celular, teria acontecido algo?

— Oi, meu amor. Bem que eu gostaria, mas acabei de chegar da


confecção. — Ufa, suspirei aliviada, não era nenhum emergência.
Meus pais moravam em Taubaté, interior de São Paulo, cidade em
que nasci. E eu estava na capital desde os meus dezoito anos,
quando vim cursar a faculdade de moda.

— Bem tarde, mamãe. — Arrumei-me no sofá e segurei um riso,


ao ouvir a reclamação de Chanel, que se sentia confortável e não
gostou do meu movimento.

— Pois é, Oli. Aquela marca que lhe contei do Rio, lembra? Nos
passaram uma enorme encomenda, estamos trabalhando dobrado
para dar conta de entregar tudo. Liguei agora porque vi que estava
online no aplicativo, já que durante o dia está sempre na correria e
não conseguimos falar direito.

Ela, junto com duas irmãs, possuía uma confecção. Durante


alguns anos mantiveram um comércio com as suas peças, e também
eram contratadas por marcas famosas, que enviavam suas coleções
para serem produzidas por elas. A minha paixão por moda, em todos
os seus processos de produção, nasceu dentro de casa.

— Posso imaginar, mamãe. Mas está tudo bem? — Ainda


estranhava a ligação naquele horário, mas não insisti.

— Está sim — ela fez uma pequena pausa. — Estou te achando


com a voz estranha, filha. Aconteceu alguma coisa?

— É cansaço. — De fato, era isso mesmo. Embora também


estivesse apreensiva com relação ao dia em que Soraya desse as
caras na empresa. Tentei disfarçar na frente do Du, mas estava
previamente com preguiça do embate que teria quando a encontrasse
pessoalmente.

— Oli, não sei não, viu. Por que não vem passar o fim de semana
com a gente? Acho que está precisando de colo de mãe e pai. — Nós
duas rimos, desde que saí de casa, há quase dez anos, ela sempre
falava isso para que eu fosse a Taubaté.
— Bem que eu queria... E sim, estou precisando muito de colo!
— Soltei outro suspiro, estava com saudades de casa. — Sempre
estou...

—Estamos te esperando, filha! — não discuti, não havia dúvidas


que ir para minha cidade e passar o fim de semana ao lado da minha
família, me renovava. Afinal, há um mês não os via.

Quando estava muito atarefada no trabalho, meus pais


acabavam indo me encontrar na capital. No entanto, seu José Torres
pegou uma gripe e demorou para restabelecer sua saúde, portanto
mamãe achou melhor não viajar.

— Eu vou! Boa noite e manda um beijo para o papai. — Dona


Cida ainda fez recomendações sobre eu precisar me alimentar bem e
não acelerar demais na estrada, que eu só pegaria na sexta-feira,
quando saísse do ateliê. E quando ia desligar, depois de ter me
despedido duas vezes, lembrou de contar que José Filho, meu irmão
mais velho, havia almoçado com ela naquele dia, junto da Vivian, sua
esposa.

Dormi bem, certamente era o que precisava mesmo, passar uns


dias tranquilos no interior e ganhar colo de pai e mãe.
Capítulo 05
Olívia

Fui para o ateliê mais cedo do que o habitual, pois havia muitas
pendências para resolver e precisava fazer o dia render.

Parei em uma cafeteria no quarteirão da empresa, comprei um


cappuccino e um pedaço generoso de bolo de cenoura com calda de
chocolate. O bolo não era tão bom quanto o que mamãe fazia, mas
não deixava de ser saboroso, além de satisfazer as taxas de glicose
no sangue que eu precisava para começar o dia bem.

Ia levar o lanche para comer em minha sala, no entanto, como


estava bem adiantada no horário, então decidi que uns minutos na
cafeteria não me atrapalhariam.

Pouco tempo depois, alimentada e passando mentalmente o


que era mais urgente e precisava ser feito ainda na parte da manhã,
percorri o corredor da empresa até o meu setor. Ainda estava vazio,
girei a maçaneta da porta e quase caí dura quando dei de cara com a
minha chefe.

Soraya estava lá, sentada na cadeira atrás da minha mesa, em


carne e osso.

— Bom dia, Soraya. Aconteceu algo? Não esperava encontra-


la tão cedo. — Seu olhar frio me analisava, não respondeu meu
cumprimento.

Deixei minha bolsa sobre uma das cadeiras diante da mesa e


retirei o casaco trench coat que usava. A peça fez parte da nossa
última coleção de inverno e, embora eu evitasse usar roupas que não
tínhamos mais disponíveis em nossas lojas, era um item especial e
que desenhei quando ainda estava na faculdade. Apenas fiz alguns
ajustes na modelagem para inseri-lo na coleção, a pedido da Soraya.

Ela permaneceu muda, ainda me encarando e eu lutando


bravamente para não revirar os olhos. Tudo o que não precisava em
um dia que tinha tudo para ser tumultuado de trabalho, era lidar com
os caprichos dela. Liguei o ar condicionado e já não havia mais nada
a fazer senão iniciar o trabalho. Espalmei as mãos sobre a mesa, um
tanto irritada e seus olhos frios encontraram os meus.

— Qual o seu nome? — Perguntou raivosa, franzi o cenho


porque a mulher diante de mim dava mostras de ter enlouquecido de
vez. — Vamos, garota. Diz qual é o teu nome.

— Olívia — ergui o queixo e não desviei o olhar, já não


gostando do rumo que a sua presença em minha sala tão cedo,
parecia seguir.
— Muito bem. Olívia. Seu nome é Olívia. E não Soraya. Muito
menos Soraya Lins... Interessante. — Ela ficou de pé, postura
ameaçadora. Eu tremia de raiva por dentro, porque já presenciei seus
rompantes sobre os funcionários, inclusive, já fui vítima várias vezes.
Minha chefe não era uma mulher muito equilibrada. E tudo indicava
que estava diante de mais um deles. — Posso saber o motivo de
você, que é somente a Olívia, achar que tem o direito de mandar na
minha marca? Isso aqui é meu, meu, Olívia, está escutando? — Ela
girou de um lado para o outro, apontando, com o dedo em riste, cada
extremidade da sala. Havia raiva em sua voz, mas também um
genuíno descontrole. E eu não sabia lidar com aquela Soraya. —
Você é minha empregada, você não manda em nada aqui dentro e se
eu disse que a cor da paleta tem que ser mudada, não estou pedindo
sua opinião, estou mandando que mude a cor.

Quando finalizou, estava aos berros. Eu não tinha reação,


apenas a encarava. Tentei pronunciar alguma palavra, não sei se foi
melhor assim, mas nenhum som saiu.

De raiva, seu olhar que não desviava de mim, passou para


desprezo. Soraya olhava-me quase que com asco. Eu, que não
esperava por aquele show, tentava organizar as ideias em minha
cabeça para então me pronunciar, afinal, não dava para ficar muda
para sempre.

— Isso tudo aqui é seu sim, Soraya. Mas, em nome da


confiança que deposita em mim nesses cinco anos em que trabalho
para você, era o meu papel tentar te mostrar que mudar a principal
cor da paleta de cores da próxima coleção não vai dar certo. Boa
parte das peças não ficará pronta a tempo, se houver a alteração.
Isso irá defasar as vendas, tanto nas lojas quanto no site. — ser
humilde e ao mesmo tempo demonstrar que sabe o que está falando,
não lembro quem me deu essa dica, mas me pareceu caber naquele
momento. Se não fosse Soraya a interlocutora. Pois só de ouvir
minha voz sua expressão ficou ainda pior.
— Você não precisa se preocupar, nem com as cores, nem
com a coleção da minha marca e muito menos com o que irei vender
em minhas lojas. Deixa comigo, Olívia. Você está fora de tudo. Se
quer tanto fazer tudo do seu jeito, então vá trabalhar na confecção do
interior. Errei ao acreditar em você, é uma garota do mato, falta a
classe que as consumidoras da Soraya Lins buscam. Arrume suas
coisas e procure o RH. E passar bem.

Cruel, dura, despida de qualquer sentimento bom. Foi assim


que ela colocou um ponto final em minha trajetória dentro da sua
marca. Por puro capricho, porque não aceitava ser contrariada e,
pior, talvez não suportasse a realidade que suas clientes eram
apaixonadas pelas coleções que eu criava. A Soraya Lins, quanto ao
estilo, era muito mais minha do que dela.

Meus olhos encheram-se de lágrimas, mas eu teria muito


tempo para derramá-las e não seria na frente da Soraya.

— Boa sorte e obrigada pela oportunidade! Aprendi muito com


você, que sejamos bem-sucedidas em nossos caminhos... — as
palavras saíram embaralhadas, no automático. Sua decisão estava
tomada e nada que eu falasse mudaria o fato de que era a nova
desempregada de São Paulo. E não lhe daria o gostinho de me ver
implorando pelo meu emprego.

— Seja rápida, Olívia. Quero essa sala desocupada ainda


hoje, de preferência antes do almoço.

Mais uma vez suas palavras doeram, feriram, mas não deixei
que ela percebesse o quanto me afetou. Se Soraya me queria fora,
eu não podia fazer nada.

Ela saiu da sala, meu peito parecia ter sido esmagado e numa
coisa ela tinha razão: não foram raras as vezes que me achei ser a
dona da marca. Não para usurpar seu lugar, mas por amá-la demais.
Eu comemorava cada degrau que subíamos, tinha orgulho da minha
equipe, preocupava-me com o que as clientes achavam das nossas
coleções e me congratulava, genuinamente, a cada vez que a Soraya
Lins figurava nas listas de marcas mais influentes do Brasil ou no
ranking das que mais vendiam.

No entanto, aquele ciclo havia chegado ao fim.

Não podia negar, a Soraya Lins foi um porto seguro para mim.
E agora eu me sentia um tanto perdida.

Girei na cadeira, que sentei após ela ter saído da sala, respirei
fundo diversas vezes, o horário foi avançando e logo os funcionários
chegavam. Às nove em ponto, Du bateu em minha porta e perguntou
se eu queria um cappuccino, pois estava indo buscar algo da rua.
Apenas neguei e agradeci, ainda sem coragem de contar que havia
sido mandada embora.

Liguei no estoque e pedi que levassem até minha sala duas


caixas organizadoras, não dava para adiar, tinha que retirar meus
pertences dali. Enquanto isso, separei alguns itens, fazendo pequenos
montes sobre a mesa. E depois que as caixas chegaram, fui
guardando-os dentro delas.

O tempo passou que sequer percebi, mas quando ouvi o som


do telefone da sala tocar, voltei à realidade.

— Minha diva poderosa, acho que está atrasada para a


reunião que marcou com a equipe. Estamos te esperando. — Du
disse do outro lado da linha. Óbvio que esqueci. Não havia mais
sentido em seguir com a reunião, o objetivo era passar diretrizes para
as pesquisas de uma coleção do ano seguinte. No entanto, seria a
oportunidade para contar a todos que eu estava fora.

— Diga à equipe que já estou indo, tenho uma notícia


importante para dar.

— Está tudo bem, Oli? — perguntou alarmado.


— Sim, querido. Eu não demoro.

Desliguei o telefone e fui até a outra mesa, onde ficavam


expostos os croquis. Dobrei os papeis que ali estavam, eram minhas
criações e quando ia guardá-los dentro de uma pasta, a porta da sala
foi aberta em um rompante, me assustando.

— Polícia Federal, sou o agente Brandão, estou cumprindo


mandado de busca e apreensão e preciso que a senhora não toque
em mais nada da sala. — Fui tomada pelo choque, meu corpo passou
a tremer infinitamente mais do que quando Soraya me humilhou
minutos atrás e devia estar pálida, pois sentia como se meu sangue
estivesse sendo drenado. Os olhos do policial grudaram nos meus e,
por um instante, eu vi um certo divertimento neles. Mas logo sua
expressão tornou-se dura.

— Aqui, revistem tudo. Depois passem por aquele armário. O


computador também vai junto. — Ao seu sinal dois agentes, um
homem e uma mulher passaram a revirar a sala. — Qual o seu nome,
senhora? — O homem que anunciou a operação voltou sua atenção a
mim e perguntou. Ele me olhava fixamente, era muito alto e forte,
usava uma roupa toda preta e no peito, o distintivo da Polícia Federal.

— Olívia. Olívia Torres, eu trabalho aqui, senhor. — Eu


gaguejava e meu corpo não parava de tremer, como se tivesse vida
própria, sentia que poderia cair a qualquer momento, tamanho era o
meu nervosismo.

— Não precisava ficar nervosa, o mandado é em relação à


empresa. — Enquanto ele falava comigo, os agentes mexiam em
minhas coisas, abriam pastas e a mulher não sabia se cumpria a
ordem do agente, que parecia estar na liderança, ou se prestava
atenção no que conversávamos.

— Hoje é o meu último dia aqui, por isso as coisas estão fora
do lugar — achei melhor explicar, porque em um contexto geral,
poderia ser bem suspeito eu estar guardando itens da sala dentro de
caixas. Ele me analisou por inteira e depois balançou a cabeça em
afirmação.

— Certo, respira. Apenas colabore com o que a gente


precisar, ok? — assenti e suspirei nervosa, nunca passei por nada
nem parecido, não fui parada nem em blitz. Até que o agente estava
sendo simpático, será que era sempre assim?

De repente, seu telefone tocou e, depois de me direcionar um


longo e caloroso olhar, ele foi até a porta para atendê-lo.

Por um segundo, me desliguei do que acontecia dentro da


minha sala e voltei à tarefa de antes da polícia chegar: guardar os
croquis dentro da pasta. Ali havia os primeiros passos de uma
coleção e de maneira alguma eu os deixaria para trás.

— Mãos para o alto — arregalei os olhos e, aí sim quase


desmaiei, a agente apontava uma arma em minha direção com os
olhos fixos em mim.

— Meu Deus eu não fiz nada... — Em automático, procurei o


agente Brandão, que guardava o telefone no bolso da calça e, ao
entrar na sala, não parecia nada feliz.

— O que é isso, Paes? — Carrancudo, questionou a agente,


os olhos grudados em mim. Que diabos eu havia feito?

— Ela está subtraindo documento, agente Brandão. —


respondeu, firme. Lentamente, abaixou a arma, mas ainda me
encarava. Acuada, encostei-me à mesa onde estavam os croquis e
ele se aproximou.

— Senhora, eu pedi que não mexesse em nada, estamos no


meio de uma operação policial. — Embora estivesse me
repreendendo, seu olhar havia acalmado. Já eu, era pura bagunça
emocional.
— Desculpe-me, eu só guardei os documentos. — a voz saiu
em um sussurro. — Ainda estou desorientada.

— Sente-se ali, por favor. — Ele puxou uma cadeira, sob o


olhar reprovador da agente que minutos atrás chamou atenção por
me apontar sua arma e seguiu com a diligência na sala.

Em pouco tempo, era possível escutar os burburinhos no hall


diante da minha sala e no corredor. Os funcionários deviam estar
todos apavorados e Soraya não apareceu mais.

Mais de uma hora depois, o agente Brandão, que havia saído


da sala por outras duas vezes, indicou que terminaram o trabalho por
ali.

— Até mais, vizinha! — Disse baixinho, apenas para que eu


escutasse, seguida de uma piscada de olho.

Estatelada na cadeira, eu fiquei. Vizinha? Aquele homem só


podia ser louco.
Capítulo 06
Luiz Henrique

— Paes, pode ir direto para a viatura — ordenei, sem encarar


Dani. Seria sua última operação ao meu lado, quando eu pudesse
escolher a equipe com quem trabalharia. — E você, me acompanhe.
— Apontei para o outro agente.

Devia ter escutado Paulo, o cara não passou para o cargo de


delegado à toa. Até podia ser apaixonado pela ex, mas era
inteligentíssimo e muito perspicaz. Ele enxergou o que eu não vi.

Dani tinha ciúmes de mim e perdia toda a razão por isso. Ela
empunhou a arma contra uma funcionária da empresa, e que estava
visivelmente amedrontada. Se os seus anos trabalhando como agente
não foram suficientes para perceber que Olívia desorientou com a
nossa chegada, e, não por esconder algo, pois a mulher exalava
inocência, então não servia para atuar comigo.

Um agente administrativo subiu até o andar onde estávamos para


recolher os materiais apreendidos. E eu segui para as outras salas,
supervisionando a operação.

Soraya pediu para conversar comigo em particular, o que neguei,


deixando-a carrancuda. A vergonha estava estampada em sua face.
É engraçado como as pessoas não têm o mínimo pudor em roubar,
sonegar, corromper e tantos outros crimes, mas ficam pudicos
quando são pegos.

— Brandão, por aqui finalizamos. — Um agente informou e essa


era a última sala que verificávamos dentro da empresa.

— Certo, leva os materiais daqui, fim da operação.

Quarenta minutos depois eu estava dentro da sala do Paulo


entregando-lhe o relatório da ação que concluímos durante toda a
manhã. Não mencionei nada sobre o comportamento da Dani, mas
em breve teria que fazê-lo, pois ele não ia engolir quando eu pedisse
que ela não estivesse mais na mesma operação que eu.

— Então correu tudo bem, Lui — fechou a porta e aí podíamos


nos tratar como os velhos amigos que éramos.

— Você tem material suficiente para indiciá-los. — recostei-me


na cadeira, diante da sua mesa. Ainda não havíamos analisado o que
tínhamos em mãos, no entanto, não havia dúvida quanto a nossa tese
de que o dinheiro acumulado por Mauro através de jogos ilegais e
cassinos clandestinos, era lavado na empresa da sua mulher e outras
de fachada que ele possuía.
— Provável, meu amigo. E você sabe que essa história vai feder
muito ainda. Eles não fazem ideia que chegamos aos prefeitos. —
Como normalmente acontecia, Mauro não estava sozinho. As
falcatruas iam além, prefeitos do interior de São Paulo também
faziam parte do esquema, recebendo propinas para facilitar os
negócios ilegais nas cidades.

— Será mesmo que não sabem? Porque estava muito mal


escondido. — questionei, desacreditado e ele confirmou sua teoria.

— Uma coisa que a PF nos ensinou: o dinheiro não apenas


deslumbra, mas deixa as pessoas burras, tamanha a sede por ganhar
mais.

— Tem razão.

— Agora vai, me conta logo o que aconteceu na loja da madame.


— ele também recostou na cadeira e cruzou os braços. Revirei os
olhos, nem sei o porquê achei que iria embora sem relatar o ocorrido
de mais cedo. — Eu posso até adivinhar, mas, para não dizer que
estou sendo injusto, quero ouvir da sua boca.

— Está sendo patético.

— Desembucha, Brandão.

— Dani apontou a arma para uma funcionária da empresa. —


Contei, após um suspiro e sem revelar que, de certa forma, eu a
conhecia. Não encontrei um motivo válido para chamar atenção para
Olívia.

— E a mulher fez por onde? — Paulo fechou a cara, até então,


ela não havia feito nada tão sério.

Não é porque sempre estamos com uma arma na cintura e temos


o poder de atirar, que saímos acuando as pessoas. A academia de
polícia nos prepara para separar inocentes de culpados. Essa é a
primeira lição que levamos para a rua e a segunda, não menos
importante, é o equilíbrio emocional. Estar armado não era para
qualquer um, nunca seria.

— Óbvio que não, do contrário nem estaria te contando.

— Então, agora você concorda que não dá para colocá-la na


mesma operação que você? — Perguntou com a sobrancelha
erguida, adorando estar com a razão. Mas, ao mesmo tempo, tinha o
semblante preocupado.

— Sim, Paulo. — Respondi, seco.

— Não vou tirá-la da rua ou de operações importantes. Mas irei


deslocá-la para trabalhar em outras equipes. Daniele é uma das
melhores agentes com quem já trabalhei, mas é passional demais. —
concordei, ela era mesmo muito boa no que fazia. E eu ainda não
conseguia compreender o que havia mudado. — Confesso que
durante o nosso namoro não havia percebido o interesse dela em
você, mas ele é real, Lui.

— E você sabe que eu também não percebi nada. E muito menos


estou interessado. — Era o que importava no momento, meu amigo
saber que eu nunca estive entre ele e sua ex.

— Eu sei.

— Certo. Bom, preciso terminar algumas diligências. Almoçamos


juntos? — Convidei, quando já estava à porta da sua sala.

— Vamos, topa aquela costela com mandioca?

— Fechado.

Trabalhei por mais de duas horas ininterruptas, fechei dois


relatórios de outras operações e agendei reuniões com os peritos
para o fim do dia. Pretendia acompanhar, ao menos uma parte, da
análise que fariam no material que apreendemos na Suga Laranja.
O trabalho só não foi mais produtivo porque em todo o tempo a
mulher baixinha e de olhos assustados não saía da minha mente.

Foi uma enorme surpresa ter encontrado Olívia justamente


durante a Operação, e difícil demais manter a concentração com a
presença dela ali. Éramos vizinhos, poderíamos ter ficado frente a
frente pela primeira vez em diversas outras situações, mas quis o
destino que fosse justamente quando precisei revirar seu local de
trabalho.

De perto, era ainda mais linda. Possuía traços delicados, um


corpo bonito e bem distribuído, olhos intensos. E um cheiro que tinha
certeza que não sairia da minha memória. Já fazia algumas horas que
havia saído da Soraya Lins, mas ainda o sentia com clareza de
detalhes. Suave e feminino. Gostoso demais, assim como ela.

Quando entrei em sua sala com o mandado de busca e


apreensão e distintivo em mãos, pronto para fazer o meu trabalho, a
encontrei com os olhos úmidos e melancólicos. Alguma coisa havia
acontecido, e juntando que na ocasião guardava objetos dentro de
caixas, certamente estava de saída da empresa. A estilista-chefe da
Soraya Lins, cargo que descobri exercer durante a Operação,
recebeu a mim e aos agentes com os olhos arregalados,
notoriamente tremia, e falava comigo em sussurros. Uma graça!

Nunca fui o policial violento e que tenta intimidar as pessoas a


qualquer custo. Eu deixo claro que o meu problema é com bandidos.
Então, fosse qualquer outra pessoa no lugar de Olívia, explicaria com
calma o procedimento. Mas, naquele momento, meu desejo era
protegê-la e acolhê-la em meus braços. E quase esganei Dani,
quando a vi com a arma apontada para sua cabeça, que me procurou
com os olhos assustados. Sim, ela me procurou e a sensação foi boa
pra caralho.

— Bora, Brandão? — Paulo me tirou dos devaneios, enfiando a


cara dentro da sala onde eu estava.
Saímos juntos e almoçamos no restaurante que ele escolheu, no
mesmo bairro da delegacia. Era bom quando conseguíamos um
momento sem os nossos colegas de trabalho, pois ali éramos apenas
o Lui e o Paulo que se conhecem há anos e acumulavam muitas
histórias em comum.

Após o almoço, ele foi para uma reunião com uma das suas
equipes e eu caminhava pelo corredor até a sala onde estive
trabalhando antes de sair, quando encontrei Pamela, uma das
agentes que trabalhava na delegacia.

— Que milagre é esse nos encontrarmos, Brandão? —


Cumprimentou-me com um demorado beijo no rosto, que retribuí.

— Estamos como gato e rato! Quando chego aqui, você foge. —


Cruzei os braços e respondi rindo.

— E quando eu apareço, você se esconde... — Ela também riu.


Fazia tempo que não tirávamos plantões juntos ou estávamos na
mesma Operação. Era uma excelente agente, exímia atiradora e
esperta demais. Pamela sentia cheiro de mentira de longe e era
daquelas policiais que impunha respeito. Mas fora do trabalho, era
uma pessoa divertida. Já tivemos bons momentos juntos.

— Como estão as coisas?

— Tudo ótimo e com você? Aliás, parabéns pela operação! —


Ela tocou em meu ombro e me deu um sorriso.

— Obrigado! E está tudo bem. Na verdade, tenho andado


exausto. — Confessei.

— Posso imaginar, mas agora você deve ter uns dias de paz até
iniciar em uma nova Operação — meneou a cabeça e riu, nem ela
acreditava que, estando na delegacia do Paulo, teríamos dias de
calmaria. O cara era uma máquina no trabalho e só mantinha lá quem
tinha o seu ritmo. — Inclusive, sabe se o delegado está por aqui?
— Está sim, acabamos de voltar do almoço.

— Tá, vou lá falar com ele. — Ela se despediu com outro beijo
em meu rosto e antes de sumir pelo corredor, parou e virou em minha
direção. — Mais tarde irei ao clube, você vai? Faz tempo que não nos
vemos fora daqui, Lui.

— Não tinha planejado nada, mas não seria nada mal dar uns
tiros hoje. — Seria uma boa, na verdade.

— Então, até mais tarde!

Desde que retornei da operação à delegacia, não encontrei mais


Dani, e também não quis saber se havia encerrado o expediente ou
apenas estava me evitando. As duas opções eram bem possíveis, ela
veio calada dentro da viatura, mantendo um olhar perdido pela janela.
E eu não soube ler se estava arrependida, sem graça ou muito puta
da vida.

∞∞∞

Olívia

Perdi o emprego, passei por uma Operação da Polícia Federal, tive


minhas coisas reviradas e uma arma apontada para minha cabeça.
Um dia péssimo e que não sairia da minha memória.

Despedir-me da minha equipe foi triste, mas, ao mesmo tempo,


um bálsamo para o aperto no peito que eu sentia, pois recebi muito
amor.

“Você foi a melhor chefe que já tive, Oli”; “Vamos sentir tanto a
sua falta”; “Me leva junto para onde for”; “Esse ateliê nunca mais
será o mesmo sem você”;

Foram declarações das pessoas que mais conviveram comigo


nos últimos cinco anos, afinal, passava a maior parte do meu tempo
na empresa. Não saímos para um almoço de despedida e nem teve
um bolo com salgadinhos, como eu costumava providenciar para
todos os funcionários que saíam da empresa, mas teve afeto,
cuidado e muitas lágrimas.

Passei em para buscar Chanel e fiz uma mala pequena, ansiosa


para chegar logo em Taubaté e ter o colo da minha família.

Dirigi pela Dutra ao som das rainhas do pop, o que normalmente


gostava de escutar e vez por outra algumas lágrimas desciam pelo
meu rosto, como quando lembrei da rápida conversa que tive com Du.
Eu já estava dentro do carro indo embora e ele com a metade do
corpo debruçado sobre a janela do motorista.

— Tire uns dias para descansar, minha diva. E, quando voltar,


sabe exatamente o que fazer. Você levantou a marca dela, está na
hora de fazer algo por Olívia Torres.

— Está louco! Não é bem assim, eu tinha toda uma estrutura,


funcionários, materiais e muita verba para divulgação e formação de
branding. Começar um negócio do zero e fazê-lo ser lucrativo, não
depende apenas de uma coleção bem desenhada.

— Tem muita gente que te ama! Descanse e quando voltar,


vamos conversar. Olívia Torres não vai ser só um nome bonito — Eu
ri, além de meu assistente, Du tornou-se um grande amigo. E
passava metade dos seus dias dizendo que eu ainda teria minha
própria marca de roupas. Claro que em muitos momentos eu
desejava, até fazia alguns planos. Mas tinha um bom emprego e
voltava minha energia para ele.

Eu tinha um bom emprego, assim, no passado.


— Se cuida, Du. Vou sentir sua falta!

— Eu também... Quando retornar para São Paulo, me liga!

— Combinado!

Outra parte da viagem até minha cidade natal foi perdida em


pensamentos, direcionados ao policial bonitão que esteve em minha
sala pela manhã. Alto, forte e com os cabelos muito escuros, assim
como a barba espessa. A blusa estava colada em seus músculos,
igualmente a calça. Seu olhar era tão intenso, duro e, ao mesmo
tempo, caloroso. Eu senti medo. E, curiosamente, também me senti
em casa por ele estar ao meu lado, enquanto os demais agentes
trabalhavam.

Tinha um ar misterioso que o deixava ainda mais atraente, um


quê de inalcançável. Inclusive, a agente que o acompanhava devia
pensar o mesmo, visto que não disfarçou o fascínio por ele.

Até mais, vizinha!

O que aquele homem quis dizer? Eu devia estar enlouquecendo.


Sim, era loucura, afinal, eu também não conseguia tirá-lo da cabeça.
Capítulo 07
Olívia

Estacionei o carro diante da casa dos meus pais, desci, toquei o


interfone, voltei para a direção e logo que abriram, avistei seu José,
meu pai, com o controle em mãos. Acenei enquanto entrava na
garagem e, pelo vidro do parabrisa, peguei o olhar ansioso que
lançou em minha direção.

Mal havia saído e papai puxou-me para um abraço.

— Achamos que chegaria no final de semana, minha filha —


ele beijou meu rosto e me inspecionou.
— Quis vim antes, papai. — Chanel pulou para fora e brincava
na perna dele, que a pegou no colo.

— O que aconteceu? — Perguntou, alarmado.

— Podemos entrar? Preciso ir ao banheiro — pedi, para


ganhar tempo. Meus pais sempre apoiaram minhas decisões, mas
era óbvio que, se pudessem escolher, eu estaria morando em nossa
cidade, de preferência na casa deles. Então, não era confortável para
mim contar que estava desempregada em São Paulo.

— Claro, vou pedir a Carmem que prepare um lanche para


você. — Disse, referindo-se à funcionária que trabalhava na casa
desde quando meu irmão e eu éramos bem pequenos.

— Mamãe está na confecção?

— Está sim, mas daqui a pouco vamos buscá-la, ela tem


ficado lá até muito tarde. Acabei de chegar da loja. — Papai era dono
de uma loja de peças automotivas, que ficava no centro da cidade.
Era uma referência na região e atualmente administrada pelo Zé, ou
José Filho, meu irmão, embora meu pai ainda fosse para lá todos os
dias.

Caminhamos ao lado do pequeno e bem cuidado jardim da


casa, subimos a escada lateral e chegamos à varanda. Era sempre
nostálgico estar na casa dos meus pais, eu me sentia invadida por
uma avalanche de lembranças. Por exemplo: de brincar na varanda
com as minhas bonecas, normalmente trocando as roupinhas que eu
mesma costurava nas máquinas da minha mãe, enquanto ela e o
papai liam um livro ou tomavam café, e o Zé implicando comigo.

Suspirei e entramos na sala ainda tinha os móveis com a


mesma disposição que eu bem conhecia. O lugar era simples,
confortável, bem cuidado e cheiroso. Eu amava a casa dos meus
pais.
Fui ao banheiro e depois corri para a cozinha. Ali, agarrei
Carmem, que estava diante da pia, cortando um bolo.

— Aí, menina, que susto!

— Sentiu minha falta? Porque eu senti a sua! — Beijei seu


rosto rechonchudo e a abracei pelo ombro, colocando-me diante dos
seus olhos , trocamos um longo olhar e um sorriso.

— Mas é claro! Está tão bonita, minha menina! — Ela se soltou


do meu braço, me colocando diante dos seus olhos e trocamos um
longo olhar e sorriso. — Sua mãe preparou todo um cardápio para o
fim de semana, vamos ter que adiantar, Oli. — Disse, voltando sua
atenção para o bolo.

— Não quero ninguém se preocupando com isso.

— Vai lá pra mesa, já levo um lanche para você e seu pai.

Ignorei a sua ordem e ajudei-a com os preparativos do lanche.


Havia uma sala anexa à cozinha, onde sempre fazíamos as refeições
do dia a dia. E para hoje teríamos: bolo, pães, suco, geleia e queijos.

— Chanel estava com sede — papai chegou à sala com a


pequena preguiçosa em seus braços. Era sempre engraçado ver meu
pai com a minha bebê no colo, pois ele nunca gostou de cachorro
pulando na gente ou dentro de casa. Já Chanel, tinha toda a sua
atenção e cuidados.

— Vim direto, sem paradas.

— Agora conte- me o que aconteceu, minha filha. — Ele se


acomodou e colocou Chanel na caminha dela, que estava no chão, ao
seu lado.

— Fui mandada embora, papai. — Pronunciar o que me


aconteceu dava um aperto no peito. Eu já sentia falta do meu
trabalho. Omiti a parte do dia em que a Polícia Federal invadiu minha
sala, pois, por estar longe deles, evitava a todo custo deixar meus
pais preocupados.

— Oh... Que coisa chata. — Surpreso, ela me encarou e


pegou minha mão sobre a mesa. — Mas fazia tanto tempo que
trabalhava na empresa.

— Pois é, tive um desentendimento com a Soraya. Nem achei


que tivesse sido algo grande, mas, hoje cedo, quando cheguei à
minha sala, ela estava lá para me demitir. — Busquei alguma pena ou
repreensão em seu olhar, mas só encontrei seu afeto.

E quase chorei.

— Fique uns dias com a gente, filha. Descanse e pense no que


vai fazer.

— Esse é o plano, pai.

∞∞∞

Luiz Henrique

Após a reunião com os peritos, encerrei o expediente na delegacia e


fui para casa. Poderia ter ido direto para o 001, o clube de tiro do
qual eu era sócio, como fiz muitas vezes, mas inventei para Paulo,
que também decidiu ir, que precisava de um banho.

A verdade é que queria rever a minha vizinha.

No entanto, não ouvi qualquer ruído vindo do apartamento dela,


nem mesmo da sua cachorrinha brincando. Não que eu vigiasse os
meus vizinhos, mas era treinado para ouvir bem, e embora morasse lá
há pouco tempo no prédio, já sabia distinguir quando o bichinho
brincava próximo à porta da área de serviço, sempre no fim do dia.

Tomei banho, vesti a minha usual roupa básica, que era calça
jeans, camiseta preta, que eu variava apenas para o branco ou cinza
e tênis ou bota, completei com uma jaqueta de couro preta e touca,
na mesma cor, pois havia esfriado.

Saí do apartamento e enquanto aguardava o elevador, o que


eu quase nunca fazia, fiquei de olho na porta da Olívia. Inútil, pois
nenhum sinal seu.

Atravessei os enormes portões do 001, que foram abertos


após o vigilante fazer o reconhecimento do meu carro, estacionei na
área gramada reservada aos filiados e caminhei em direção à
construção.

A propriedade era rodeada por uma área montanhosa e com


muitas árvores, o que tornava difícil de acreditar que estávamos na
maior capital do país e que, para mim, era o meu pequeno paraíso na
Terra.

Ajeitei a jaqueta no corpo e a touca na cabeça, a sensação


térmica na área do clube era ainda mais baixa, considerando que a
noite já estava fria.

Desde a adolescência, meus irmãos e eu acompanhávamos


nossos pais no clube de tiro em que eram filiados na cidade e eu
fiquei fascinado pelo universo das armas e munições. Queria entender
como funcionava cada pistola e fuzil, a estratégia de uso e sua
origem.

Depois que alcancei a maioridade, fiz o curso de atirador no


clube e há cinco anos, fundei a 001 ao lado do João Miguel, meu
irmão mais velho e Renan, um amigo e o responsável pela
administração.
Poucas pessoas sabem que sou um dos sócios. As decisões,
ao menos a maioria delas, são tomadas por Renan. No máximo,
apareço para dar aulas de tiros e sempre para alguém especial ou da
família. No entanto, não passo muitos dias longe do clube e nem fico
sem praticar meu esporte favorito.

Atravessei o gramado na parte da frente e cumprimentei


André, funcionário que estava trabalhando no turno da noite em nossa
loja, onde comercializávamos armas, munições, acessórios e
vestuário. Segui caminhando, passei em frente à entrada do anexo
administrativo, no térreo ficava a sala de armas; uma pequena
exposição contando a história das armas pelo mundo; a recepção de
atendimento aos filiados e visitantes; e banheiros com vestiários. No
andar superior, havia um pequeno hall com banheiro, onde ficava a
secretária, as salas dos sócios, uma delas era onde Renan
trabalhava e uma sala de reunião. Após o anexo, havia o galpão com
as baias, onde os visitantes podiam praticar tiro ao lado dos
instrutores e, então cheguei à pista aberta, um enorme espaço ao ar
livre, onde somente os filiados podiam atirar.

Paulo, Pamela e Davi, outro agente que também trabalhava na


delegacia, já estavam lá, conversando animados em uma rodinha.

— Boa noite, senhores! — Cumprimentei os dois homens com


um toque de mãos e beijei a testa da Pamela, que passou um braço
pela minha cintura.

— Ah, a mocinha precisou ir em casa pegar agasalho e passar


perfume. — zombou Paulo.

— É uma moça mesmo. — Davi complementou e eu ri, se eu


confessasse que fui lá porque queria ver a minha vizinha, seria pior a
zoação.

— Nunca vi ninguém reclamar — dei uma piscada de olhos


para ele e de relance, vi Pamela engolir o riso.
— Frio, gatinha? — Perguntei à mulher, que se encolheu junto
ao meu corpo, passei o braço pelas suas costas, abraçando-a e ela
confirmou.

— Acho que preciso um pouco de adrenalina, Lui. Para


esquentar. — Disse baixinho.

— Adrenalina, hein? — Ergui a sobrancelha, insinuante.

— Outra sugestão? — Ela devolveu o gesto, nós dois ainda


abraçados.

— Ah, gatinha. Não brinca porque posso ter boas opções. —


Gargalhamos juntos e Pamela me soltou, depois que beijei seu
pescoço.

Uma mulher linda, de pele bronzeada, cabelos pretos, lisos e


longos até a altura da cintura. Estatura mediana, um corpo delicioso,
cheio de curvas e barriga plana. Pamela mexia com a cabeça dos
homens na delegacia e por onde passava. Já nos divertimos muito
juntos, na cama e fora dela. E tínhamos uma amizade legal. Era boa
de papo, inteligente, divertida e zero grudenta. Uma mulher
independente, nunca tentou nos expor para as outras pessoas ou
demonstrou ciúmes, tinha a própria a vida e, quando dava vontade,
ficávamos juntos. Funcionava para os dois.

— Franco, arruma o rifle que acabou de chegar para a


Pamela, a garota tá braba! — Pedi ao funcionário do clube que iria
nos dar o suporte. Os olhos dela brilharam, como se eu tivesse lhe
oferecendo uma joia.

— Arma nova? — perguntou, enquanto o seguíamos, íamos


pegar os abafadores, acessório para nos proteger do ruído.

— Novíssima, essa veio da Rússia, unidade única.


— Uau! Veja, Paulo, aqui não tem nada de delegado para
você, a melhor arma estará comigo! — Ela o gritou, que seguia logo
atrás de nós, seguido do Davi e do Renan, que havia acabado de
descer do escritório.

— Esse Lui é um safado, isso sim. Mas você vai dividir uma
munição com a gente, Pam.

— Vou pensar, quem sabe.

Minutos depois, Franco chegou com o armamento novo, e para


mim, era uma verdadeira joia. Linda, enorme com o seu cano longo,
preto e marrom, eu também estava louco para experimentá-la.
Pamela teria que dividi-la com todos nós.

O funcionário passou as principais instruções sobre a arma,


colocamos os abafadores e voltamos à pista. O fundo da propriedade
era ladeado por um enorme paredão pintado de preto, com alvos em
tamanho real do corpo humano, e, atrás, havia um rochedo, além de
muitas árvores. A iluminação ficava por conta dos refletores.

— Alvo um, Pamela. — Franco direcionou, ela empunhou o rifle


e ele a seguiu, pronto para prestar qualquer auxílio necessário.

— Iremos assistir, Franco. — avisei ao funcionário e ele


assentiu, seguindo-a. Nenhum de nós piscava.

Pamela caminhou com passos firmes, arma bem posicionada,


ouvimos a contagem do funcionário e no três, os tiros dispararam em
direção ao paredão. Embora todos estivéssemos com os abafadores,
eu podia imaginar o ruído ensurdecedor da arma poderosa. E,
experiente, a mulher foi implacável, não parava de caminhar e atirar,
seu corpo permanecia firme e em linha reta. E deixou-nos, os
marmanjos, para trás, babando por ela e pelo rifle.

— Ela é muito boa — Davi comentou, vidrado.


— Demais, demais. — disse Paulo.

Pamela retornou até onde estávamos e foi muito elogiada.


Seus olhos pousaram em mim, discretamente passou a ponta da
língua sobre o lábio inferior e o mordeu. Ela queria e eu não podia
negar, uma mulher com arma na mão era sexy pra caralho.

— Mandou muito bem, gatinha! Como sempre! — Cochichei,


quando ela parou ao meu lado.

Na sequência, os caras e eu testamos o rifle novo e passamos


quase duas horas, acompanhados da Pamela, conversando e
atirando.

Paramos para comer um sanduíche na lanchonete que ficava


em outro anexo do clube, pedi o lanche e a cerveja. Paulo foi o
primeiro a levantar para ir embora.

— Vou nessa, amanhã estarei de plantão. Carona, Pam? —


Ela não gostava de dirigir e raramente saía com o seu carro. Quando
estava com a gente, oferecíamos carona para que tivesse
companhia, não por segurança. Pam estava sempre com sua arma na
cintura ou na bolsa, coitado do taxista ou motorista de aplicativo que
fizesse graça para cima dela. Trocamos um rápido olhar e respondi.

— Eu vou deixá-la em casa.


Capítulo 08
Olívia

Depois do lanche, meu pai chamou-me para irmos até a confecção


buscar a mamãe.

— Sua mãe vai gostar de te ver — disse.

— Eu também, estou com saudades dela. De todos vocês —


respondi e lhe dei um sorriso. Seu José assentiu com a cabeça.

— Podemos ir comer uma pizza mais tarde. O que acha? —


Perguntou, enquanto descíamos as escadas da varanda.
— Eu acho ótimo! — Seguimos de braços dados, uma cena que
repetimos muitas vezes, principalmente quando ele saía cedo da
cama para me levar ao colégio e eu reclamava que estava com sono.
Papai mandava eu segurar em seu braço, para não cair da escada.

— Vou ligar para o Zé, não é todo dia que consigo reunir todos
para o jantar! — Disse, sacando o celular do bolso da calça. — Ah,
mas antes venha cá, quero te contar uma ideia que tive —
caminhamos para a parte de trás da casa, onde ficava uma pequena
área com churrasqueira e piscina.

Quando Vivian, minha cunhada, engravidou do Neto, meu


sobrinho de três anos, papai disse que estava na hora de termos uma
piscina em casa. À época eu vim para casa passar um feriado com a
família e lhe disse que gostaria de pagar por uma sauna, seria um
presente para ele e mamãe.

— Filha, vou mandar fazer a sauna, mas não quero que você
gaste comigo ou com a sua mãe, na verdade, quero que você venha
mais vezes para usá-la.

Lembro de tê-lo abraçado, emocionada demais, e voltado para


São Paulo com lágrimas nos olhos. Seu José sempre se desdobrou
para nos dar conforto.

Ele me mostrou uma pequena horta que plantou recentemente,


era o seu novo orgulho. Gostava de cuidar da propriedade, sempre a
mantendo organizada e limpa, além de, vez ou outra, incrementá-la
com algo novo.

Na confecção foi uma festa quando cheguei. Fui abraçada por


mamãe, que, até então, não sabia que eu estava na cidade e
imediatamente me questionou sobre o motivo de eu ter adiantado a
viagem. Minhas tias e as funcionárias mais antigas que me viram
crescer também estavam curiosas.
A confecção ficava dentro de uma casa com arquitetura clássica,
a mesma há anos, foi o meu paraíso na infância e adolescência, onde
fiz muitas roupinhas para as minhas bonecas, depois, para mim
mesma e até amigas.

Andei pelos cômodos, admirando, reconhecendo,


cumprimentando funcionárias. Passei longos minutos no quarto de
tecidos, meu lugar preferido, e depois cheguei à sala que minha mãe
e tias ocupavam, lá tinha uma enorme mesa de desenho, semelhante
à minha antiga sala na Soraya Lins. Peguei alguns croquis e
reconheci a assinatura de dona Cida.

— São só alguns rascunhos, filha. — Mamãe parou ao meu lado


e passou o braço pela minha cintura, deitando a cabeça em meu
ombro.

— São lindas! — Eram quatro modelos de calças de alfaiataria, o


traço era tão particular dela, elegante e preciso. Já podia me
imaginar usando as peças.

— Quase não consigo mais desenhar. — Lamentou, mas busquei


seus olhos e não encontrei rastro de tristeza, ela gostava e estava
satisfeita com a confecção que colocou de pé ao lado das irmãs. No
entanto, era evidente que sentia falta dos modelos de criação própria.

— Eu perdi o emprego, mamãe. — Contei, de uma vez. Ela


arregalou os olhos, surpresa, e me abraçou, apertando os braços ao
redor do meu corpo.

— Oh minha filha, e como você está?

— Bem triste. — Confessei e soltei um suspiro.

— Bom, imagino que vá passar alguns dias por aqui e vamos ter
tempo para nos acalmar e conversarmos. Mas acho que está na hora
de pensar em algo novo. Você tem talento, conhece tudo de
confecção, ganhou bastante experiência trabalhando em uma marca
grande. — Ela puxou duas cadeiras e me convidou para sentar. —
Ah, minha filha, você conhece todo o caminho para colocar uma
marca na rua. Encare essa situação ruim como um impulso para algo
muito bom em sua vida.

— Ainda estou sem saber o que fazer. — Estava cansada de ser


a mulher segura que cuidava da própria vida e dava conta de tudo; da
chefe que comandava um setor enorme e tinha muitos subordinados;
um tanto cansada de ser quem há anos resolvia tudo sozinha.

Não era uma reclamação interna, mas apenas um desabafo.


Deveria admitir mais vezes que era reconfortante o apoio e a
segurança que tinha em meus pais.

— Mas é claro que está, foi hoje? — Perguntou, as duas mãos


sobre as minhas pernas.

— Sim.

— Muito recente. — Mamãe pegou as minhas mãos e beijou meu


rosto. — Vieram me buscar, né? Em casa quero saber tudo o que
aconteceu.

— O papai quer nos levar para comer pizza.

— Então vamos embora.

Ante de irmos à pizzaria, passamos na casa da tia Dulce, irmã da


minha mãe e uma das sócias na confecção. Ela havia acabado de se
tornar avó e insistiu que eu precisava conhecer o bebê o quanto
antes. Preferia fazer a visita no dia seguinte, em um horário mais
confortável para a mãe da criança, que, no caso, era sua nora e
esposa de um primo meu. Mas não quis fazer desfeita ao seu convite.

Da visita na casa da minha tia, fui até uma vizinha dela, que era
mãe da Helena, uma das minhas amigas de infância e, que estava
grávida, após quatro anos de casada. Mãe e filha haviam me visto da
varanda de casa, fazia muitos meses que não nos encontrávamos e
passei um tempo conversando com elas.

Com meu pai inquieto, devido ao tempo que precisou esperar


mamãe e eu, resolvemos nos despedir e depois fomos à pizzaria,
finalmente. Lá, encontramos meu irmão, minha cunhada e meu
sobrinho que chegaram antes.

— Cada dia mais bonita, Oli! — Zé me abraçou e então me dei


conta de que eu estava mesmo com muita saudade da minha família.
Ele era só dois anos mais velho que eu e sempre fomos bem amigos.

— E você também!

— Tem um rapazinho aqui que não para de falar da tia Oli —


antes de abraçar Vivian, peguei Neto, meu sobrinho, no colo, e que
rapidamente passou os bracinhos ao redor do meu pescoço.

— A titia estava com saudades, meu amor! — O afastei um


pouco para olhar o seu rostinho e beijei sua bochecha. Ele não
apenas herdou o nome do pai, como também estava se tornando uma
cópia do Zé.

— Eu também — respondeu com a vozinha infantil e deitou a


cabeça em meu ombro e eu o apertei seu corpo contra o meu.

— Cunha, só tem bebês nessa cidade, estou até com medo de


tomar a água daqui — comentei baixinho, rindo. Vivian arregalou os
olhos, mas logo se recompôs, sem emitir qualquer comentário. — Ah!
Não me diga? — outro sobrinho? Só podia ser, pela reação dela.

— Acho que sim, mas não fala nada, seu irmão ainda não sabe.
— sussurrou.

— Ele vai amar, Vi! — eu tentava conter a empolgação e ela


também, mesmo agindo discretamente.

— Vai, eu sei. Mas ainda é só achismo meu.


— Amanhã eu vou à casa de vocês e resolvemos isso.

— O que tanto fofocam? — Zé aproximou, enlaçando a cintura


da esposa — pode me dar o Neto, o garoto tá pesado — com a outra
mão ele pegou o filho do meu colo. Uma bonita imagem, a família que
meu irmão estava construindo.

— Nenhuma fofoca, apenas colocando o assunto em dia. —


Vivian respondeu. Ele ergueu a sobrancelha, mas não insistiu, e juntos
caminhamos para a mesa que o garçom estava indicando aos meus
pais.

— Veio passar uns dias? — minha cunhada perguntou.

— Sim... Ainda não sei quantos, mas não será muito tempo.

— Então tenho que te aproveitar na cidade! — ela disse e eu


assenti.

Vivian costumava me pedir ajuda para comprar alguma roupa


nova, tanto para ela, quanto para Zé e Neto, mas também quando
queria mudar algo na decoração da casa deles. Segundo ela, eu era
o seu olhar estético. E eu gostava dos nossos momentos juntas.

A noite foi gostosa, estar na companhia deles era bom,


nostálgico e me colocava no eixo do meu equilíbrio. Era como
reencontrar o porto seguro. E eu sabia que minha família sempre
seria um esteio para mim.

No entanto, como sempre acontecia quando eu estava em


Taubaté, toda hora aparecia algum conhecido, um colega do colégio
ou do bairro, um professor, ou apenas alguém que conhece minha
família. Por saberem que moro em outra cidade, quando me
encontravam puxavam assunto, mesmo sem termos muito em comum.

Assim, a noite foi dividida entre aproveitar minha família e contar


para um tanto de gente que eu estava apenas passando uns dias por
ali.

Encerramos a noite e voltei para a casa dos meus pais, na


companhia deles. Fui tomada por uma certa melancolia, estar em
Taubaté tinha disso, ficava repassando os meus dias desde que saí
da cidade aos dezoito anos.

Depois de um banho demorado, vesti o pijama e fui até a cozinha


preparar um chá, com Chanel em meu encalço. Mesmo cansada, eu
sabia que teria dificuldade para pegar no sono, pois estava pensativa
demais.

Abri a porta da sala e sentei no sofá da varanda, a noite estava


bem fria, cobri as pernas com uma mantinha que mamãe sempre
deixava à mão, e ali repassei mentalmente o meu dia.

E por mais incrível que fosse, pois eu não era de ficar pensando
em casamento, filhos ou mesmo achar que o meu tempo estava
passando, não saía da minha cabeça que se ainda morasse em
Taubaté, era bem provável que já tivesse uma família formada e uma
vida bem mais tranquila do que a que levava em São Paulo.

Meu irmão, embora trabalhasse bastante na loja, tinha uma rotina


serena: saía e voltava para casa todos os dias no mesmo horário ,
almoçava com a esposa e o filho e estava há menos de dez minutos
da casa dos nossos pais.

As minhas amigas estavam todas casadas, a maioria com os


nossos colegas de colégio e com filhos, ou, ao menos, grávidas.
Assim como as minhas primas e primos.

Já eu, estava há poucas horas de minha cidade natal e pela


primeira vez sentia o peso de viver uma frequência bem diferente da
deles.

Desde que me mudei para São Paulo, não cogitei voltar a morar
em Taubaté. Não era que eu não gostasse, muito pelo contrário, mas
por ter me adaptado tão bem a selva de pedra que, do seu jeito, me
acolheu quando era só a menina do interior, mais perdida que cega
em tiroteio.

Acontece que a menina cresceu, o suficiente para aprender a


desviar das balas, pois ainda se sentia um pouco cega e às vezes em
fogo cruzado.

Eu gostava do que construí, da minha carreira, conseguir me


tornar uma estilista e, de certa forma, de ser respeitada no meio em
que atuava.

Lembro do único namorado que tive antes de me mudar, raivoso


por eu estar indo embora, disse que era o melhor que eu fazia, pois
não havia espaço para uma estilista em Taubaté.

E ele não poderia estar mais coberto de razão. Eu poderia fazer


muitas coisas na cidade, trabalhar na confecção da minha mãe, me
enfiar na loja do meu pai, ou mesmo tentar a sorte no comércio local.
Quem sabe até ter um comércio próprio. Mas de uma estilista a
cidade não precisava. E aos dezoito anos, eu não tinha plano B. Ainda
bem!

E agora, aos vinte e sete anos e meio melancólica por ser a


única da minha antiga turma que ainda não tinha uma aliança dourada
no dedo e nem sabia nada de roupinhas de bebê, o plano continuava
sendo um só?

Suspirei e tomei o que ainda havia do chá na caneca.

— A mamãe está tão confusa, Chanel — a pequena estava


encolhida no meio das minhas pernas, levantou a cabecinha quando
me ouviu pronunciar seu nome e lhe fiz um carinho.
Capítulo 09
Olívia

Dormi com uma sensação estranha de vazio no peito e,


curiosamente, acordei renovada. Mamãe, quando estávamos tristes,
costumava dizer que uma noite de pranto não deveria ser negada.

“Chore por uma noite e depois é vida que segue, Olívia”, foi o
que ela disse quando terminei o namoro com o menino da cidade e
que hoje trabalha na farmácia do pai; ou quando levei um pé na bunda
em São Paulo e quando tive pequenas decepções com amigos,
trabalho. Resolvi seguir esse mantra.

E a noite passada era a prova da sabedoria de dona Cida.


Cheguei à mesa para tomar café com os meus pais e já
arrumada para ir com a minha mãe para a confecção. Escolhi calça
jeans justa, camisa branca de alfaiataria e tricô rosa clarinho, todas
as peças desenhadas por mim e vendidas pela minha antiga
empregadora. Nos pés, calcei bota marrom de cano baixo.

— Podemos utilizar meu carro, mamãe — eu disse quando ela


saiu da mesa para buscar sua bolsa no quarto. Dona Cida não tinha o
costume de dirigir, então meu pai a levava e buscava todos os dias do
trabalho, bem como em todos os seus compromissos. Fazia tantos
anos que não ligava um carro, que era bem capaz de nem saber mais
como fazê-lo andar.

Ela assentiu e, quando retornou, nos despedimos do meu pai.

— Nos vemos no almoço — disse, deixando um beijo nos lábios


dele.

Na parte da manhã eu andei de um lado para o outro, conversei


com as costureiras, fucei os protótipos de peças da coleção da
marca do Rio e das outras encomendas da confecção. Também fiquei
de olho nos setores de bordados, pedrarias e outros trabalhos feitos
à mão. Mamãe e suas irmãs conseguiram algo difícil no ramo das
confecções, unir a produção em massa com personalizados. Não era
à toa que estavam sempre fechando bons contratos. Eram
completas.

Almoçamos em casa e, quando retornamos à confecção, minha


mãe me chamou até sua sala.

— O que está achando? Esteve bem pensativa e observadora


por toda a manhã. — Ela se sentou na cadeira giratória atrás da
mesa e eu me encolhi sobre as pernas no sofá.

— Eu contrataria duas costureiras, mamãe. E, se fosse possível,


mais uma bordadeira. Vai dar fôlego para as meninas e vocês vão
trabalhar confortáveis.
— Você tem razão. Elas estão fazendo muitas horas extras e
isso não era comum. – Abriu uma pequena agenda e fez alguma
anotação.

— Mas elas também sabem que é devido a esse contrato novo.


— Fechou a agenda e meneou a cabeça, concordando comigo.

— Você foi dormir tarde ontem, quer conversar?

— Estive pensando na vida que as minhas amigas têm aqui na


cidade. — Eu que acordei pronta para deixar esse assunto de lado, lá
estava me abrindo para minha mãe.

— E?

— Estão casadas. Todas com família. — Eu contei o óbvio.

— Não achei que você sentisse falta disso. — Recostou na


cadeira com o cenho franzido e eu começando a me achar boba pelos
últimos pensamentos que tive.

— Ah, mamãe. De repente, fiquei triste, sei lá, um tanto


pensativa.

— Oli, você melhor do que ninguém sabe que eu daria tudo para
te ter aqui em Taubaté. Vem, vamos ali na cozinha fazer o cappuccino
que você gosta. — ela se levantou e foi para a porta da sala, me
esperando passar. — Mas quero te ver feliz. E eu conheço a minha
filha, você estaria entediada e achando que fez tudo errado, caso não
tivesse ido realizar seus sonhos em São Paulo.

Chegamos ao cômodo bem arrumado, a confecção tinha uma


boa estrutura, era confortável e havia uma funcionária responsável
pela limpeza e pela organização do lugar.

— Veja o seu irmão, até faculdade ele quis fazer por aqui. O Zé
está satisfeito com a loja do pai, faz um trabalho ótimo por lá,
conseguiu aumentar o faturamento, mas não abriria mão da vida que
tem aqui, mesmo se fosse ganhar mais. Ou trabalhar em outro lugar.
Já você, para início de conversa, quis um curso que não tinha na
cidade e nem nas cidades vizinhas, e, embora amasse a minha
confecção, nem cogitou trabalhar nela. — Ela me olhou divertida e eu
ri. Lembro da gente procurando faculdades alguns anos atrás. —
Você foi sozinha para São Paulo, aquele lugar enorme, com medo,
sem saber como seria, mas foi. E conseguiu estágio, cresceu na
empresa, passou os seus perrengues sem voltar chorando para casa.
Se sustentou, ganhou dinheiro, saiu várias vezes do país. Comprou
carro e apartamento, filha! Seu pai e eu temos muito orgulho de você.
— Ela me entregou uma caneca com a bebida doce e quentinha,
meus olhos inundados de lágrimas. — Neste momento você está com
o sentimento que sonhou alto demais e deu tudo errado. Mas não tem
nada disso. Você sonhou o que podia realizar, foi lá e fez. Agora é
hora de reformular a rota e seguir em frente.

Joguei-me nos braços da minha mãe, que me acolheu e deu colo


na medida, o suficiente para me colocar de pé.

— Obrigada, mamãe.

— Vamos voltar para a minha sala, quero que tire do papel o seu
sonho de abrir uma marca própria. Agora é a hora e sei que você
está pronta.

∞∞∞

Luiz Henrique

Uma semana sem qualquer sinal da vizinha. Seu apartamento estava


em completo silêncio, bem como estava desocupada a sua vaga na
garagem e, também a do síndico, que ela usava quando eu parava
meu carro no lugar errado.

Passei por três plantões e fui chamado para duas emergências


na delegacia, encontrei pouco a Dani, o delegado e meu amigo a
manteve em serviços distintos dos meus. Por um lado, achei bom,
principalmente para ela, que em um ato impensado poderia colocar
sua carreira em risco. Mas por outro, confesso que sentia falta do
seu jeito brincalhão, que sempre amenizava o dia a dia pesado da
nossa profissão.

Era uma quarta-feira e minha folga, acordei cedo, fui à


academia do prédio e estava pronto para sair de casa, quando ouvi a
porta da vizinha abrir. Ridiculamente, meu coração bateu um pouco
mais forte. Peguei a chave de casa, carteira, celular e saí apressado.

— Bom dia, vizinha! — Ela estava parada diante do elevador e


sua cara de total descrédito ao virar em minha direção e se deparar
comigo, deixou-me renovado.

Olívia arregalou os olhos e, sem emitir qualquer som, abriu e


fechou a boca por pelo menos três vezes. Parei ao seu lado, coloquei
as mãos no bolso e a observei com a sobrancelha erguida.

— Você? — Ela perguntou e riu, meneando a cabeça em


negação.

— Surpresa? — Direcionei-lhe um longo olhar, varrendo-a


inteira.

— Porque eu acho que, quando me viu naquele dia, já sabia


que éramos vizinhos?

— Sou policial, Olívia. — respondi, achando ser uma


explicação lógica. Mas franziu o cenho, então percebi que para ela
não era nada óbvio. — Sou treinado para observar tudo ao meu
redor. Em dois dias morando aqui, tomei conhecimento de quem eram
os meus vizinhos do andar. Em três, eu sabia de todos os moradores
do prédio.

— Sei. — Ela assentiu, com um olhar desconfiado, e o


elevador chegou.

— Indo trabalhar? — perguntei, querendo estender a conversa.

— Sua visão observadora não te deu pistas? — respondeu,


divertida, gostei do seu jeito despretensioso.

— Esperta! Na verdade, deu sim. Você está usando uma


sandália crocs e calça de moletom. Além disso, já passou muito do
horário que costuma sair para o trabalho. Eu só quis mesmo puxar
assunto. — Ela olhou para si mesma, um tanto horrorizada e
arregalando os olhos, estava engraçadíssima dentro da calça cinza,
quase um pijama, talvez até fosse, e sapato rosa. — Luiz Henrique,
seu vizinho! — estendi a mão em sua direção e, depois de um longo
olhar, ela a pegou.

— Olívia, mas isso você já sabe. — apresentou-se, revirando


os olhos e me deixando preso em cada reação sua.

— Em minha defesa, foi o síndico quem me deu a informação.


— A porta do elevador abriu ao parar no térreo, onde ficava a
portaria do prédio. Eu ainda desceria mais um andar até a garagem,
ela soltou minha mão e olhou para fora.

— Até mais, Luiz Henrique.

— Lui, pode me chamar de Lui. — ergueu a sobrancelha, como


quem diz “é mesmo?”. — E eu também vou descer aqui.

Mantendo o olhar desconfiado, caminhou até a guarita,


conversou algo com o porteiro e depois foi até o espaço onde ficavam
os escaninhos de correspondências e encomendas. Já eu permaneci
parado ao lado do elevador, mexendo no celular e observando toda a
movimentação dela.

Não demorou dez minutos e estava de volta.

— Ainda aqui? — perguntou, após chamar o elevador. E eu, o


que estava fazendo ali parado? Deveria revirar os olhos para mim
mesmo.

Guardei o celular no bolso da calça e a encarei. Ali, toda


natural e usando roupas de gosto duvidoso, pareceu-me mais linda do
que das outras vezes que a vi.

Os olhos eram intensos, escuros, assim como o cabelo, e


contrastavam com a pele clarinha. A sua boca era rosada e carnuda.
Um conjunto que parecia quase uma obra de arte, pois, ao menos na
aparência, não parecia ter qualquer defeito.

— Estou indo tomar café da manhã em uma padaria aqui


perto, Olívia. E gostaria que me acompanhasse. — A surpreendi com
o convite. Demorou quase um minuto para que reagisse. E claro,
negou o convite.

— Ah, obrigada, Luiz... Lui — corrigiu. — Mas eu já tomei café.

— É o meu dia de folga, você está em casa. Somos vizinhos,


moramos sozinhos, não há nada demais em conversarmos um pouco.
— eu estava me explicando muito e quase suplicando que ela
aceitasse. A que ponto cheguei. — É só um café. — Olívia não
rendeu fácil, eu podia quase enxergar as engrenagens funcionando
dentro da sua cabeça.

— Tá, um café. — Deu um leve suspiro e o elevador chegou.


— Mas antes vou ao meu apartamento trocar de roupa.

— Está belíssima. — Ela arregalou os olhos e vi suas


bochechas corarem. — Gosto de crocs, Olívia. De moletom também.
— Meneou a cabeça e acabou rendida, me dando um sorriso. Com a
mão eu segurava a porta do elevador.

— Vai me esperar aqui?

— Desça para a garagem. — respondi e ela assentiu. Eu desci


pela escada, destravei o carro e me acomodei no banco do motorista.

Na noite anterior cheguei em casa muito puto da vida, a vaga


dela ainda estava vazia e decidi usá-la. O motivo? Não sei. Talvez eu
quisesse ter um motivo para aliviar a raiva que sentia no momento.

Depois de inúmeras reclamações da minha mãe sobre eu


demorar para ir vê-la, resolvi passar na casa dos meus pais e, ao sair
da delegacia, dirigi para o Morumbi.

Estávamos reunidos na cozinha e minha mãe fazia uma


macarronada a meu pedido. Meu pai abriu uma cerveja, enquanto
conversava comigo e meus irmãos: João Miguel e Maria Clara.

A noite estava agradável, tirando minha irmã que não tinha uma
ocupação fixa, ela havia acabado de se formar em Direito e mexia em
alguns poucos processos no escritório dos meus pais, todos nós
tínhamos uma agitada rotina de trabalho, então era raro
conseguirmos um momento para nos reunir. Ainda mais raro, que
fosse fora de um compromisso formal, como os muitos jantares que
ocorriam ali.

— Conversei com o papai e a mamãe, Lui. Quero fazer o curso


de tiro. — Minha irmã caçula contou. Desde que fez dezoito anos, nós
tentávamos convencê-la, mas era a única da família que não via a
mínima graça em armas, clube de tiro e afins. Só frequentava o 001
porque João e eu éramos os donos.

— Maravilha, eu mesmo serei seu instrutor. — dei um último


gole na long neck e João pegou mais três garrafas na geladeira,
servindo a mim e ao meu pai. Minha mãe e Maria passavam longe de
cerveja, só tomavam vinho, ele também encheu as taças delas.

— Acha que dou conta?

— De olhos fechados. — Foi o João quem respondeu,


deixando um beijo em sua cabeça, e eu confirmei.

— O que acham de irmos no fim de semana ao 001? Faz


tempo também que não tiramos um dia para atirarmos juntos. E aí, a
Maria Clara aproveita para programar as aulas. — Minha mãe
sugeriu.

Todos concordaram e assim que o jantar ficou pronto,


dissemos à minha mãe que comeríamos no balcão. Enquanto meus
irmãos e eu ajudávamos a pegar os pratos e talheres, o interfone da
guarita tocou.

— Lui, meu filho, eu não sabia que eles viriam. — parou


próximo ao balcão, com as mãos no bolso da calça e me encarou.

— Eles quem, pai? — perguntei-lhe, pois ganhou toda a minha


atenção.
Capítulo 10
Luiz Henrique

— Mauro e Soraya Lins estão entrando — meu pai contou.


— E eu vou nessa. — Abri a lixeira e joguei fora a garrafa de
cerveja que tomei. João me olhava sério e, Maria Clara, com o
semblante triste.

— Não faz assim, filho. Vamos jantar. — Minha mãe pediu,


com a mão em meu ombro. Neguei.

— Eu volto depois. — dei um beijo em sua testa e,


rapidamente, despedi-me dos meus irmãos. — E vocês hão de convir
que não dá mais para sentar-me com eles à mesa e fingir que nada
aconteceu. — Porra, eu estava investigando o casal. Meus pais
entendiam, mas não aceitavam. Não quando, além de amigos,
atuavam como seus advogados.

— Eu vou dispensá-los. — Meu pai disse, depois de um longo


minuto.

— Não precisa. Nem teria como fazer isso e o senhor sabe. Se


decidirem ir ao clube, avisem-me para eu encontrá-los lá.

Não dei tempo para mais conversa, eles sabiam que eu não
mudaria de ideia. Meu pai me olhou impassível quando passei por ele,
indo em direção à porta.

— Ah Lui, que bom vê-lo, rapaz — Eu encarei o velho Lins com


uma expressão séria, mas o cara era bom em disfarçar, não se
abalava com pouco.

— Boa noite, senhores. Estou de saída. — Passei por eles,


sem dar um segundo olhar ou brecha para conversas.

— Não vamos tomar nem um uísque? — Eu já estava no jardim


quando Mauro perguntou.

— Não, não vamos. Boa noite.

Ia para casa, mas no meio do caminho decidi passar no 001 e


fazer um lanche por lá. Os filhos da puta ainda atrapalharam meu
jantar. Encontrei com Pamela e mais uma amiga, a mulher havia
começado o curso de tiro e decidiram estender na lanchonete após a
aula.

Cheguei a cogitar ter mais uma noite ao lado dela, a morena


jogou a isca, mas eu estava bem puto mesmo, sem disposição até
para sexo.

Menos de uma hora depois estacionava meu carro na vaga da


Olívia e, somente então consegui dar um sorriso, lembrando da
expressão brava que ela fez naquela manhã em que precisou parar na
vaga do síndico e eu a espiei escondido.

Saí dos meus devaneios, em relação à noite anterior, quando vi


um corpo pequeno vagar pela garagem, de cenho franzido, a vizinha
me procurava.

Pisquei o farol do enorme Jeep Compass e mais uma vez


naquela manhã pude saborear sua expressão de surpresa. Olívia
conseguiu ficar ainda mais linda.

Ela caminhou até o carro, vestia calça jeans e um casaco


comprido bege clarinho, mas tenho certeza de que, sendo estilista,
ela corrigiria o nome da cor. Os dias em São Paulo estavam bem
frios.

— Surpresa mais uma vez, vizinha? — Perguntei com um


sorriso torto no rosto.

— Pagou mais barato no apartamento e aí ficou sem vaga de


garagem, Luiz Henrique? — ela se acomodou ao meu lado, incrível
como seu corpo pequeno ornava bem dentro do meu carro enorme e
eu gargalhei com a sua pergunta.

— Gosto da sua! — respondi, conseguindo um sorriso dela.

— Que coincidência, eu também! — Uma mulher divertida, eu


gostava. Encaramo-nos, e, aos poucos, o sorriso foi esvaindo.

— Podemos ir?

— Sim. — Ela assentiu e eu saí com o carro da garagem.

A padaria ficava há poucos quarteirões de casa, parei o carro


no estacionamento privativo do estabelecimento, desci e abri a porta
para a Olívia.
— Gosto daqui. — comentou enquanto caminhávamos lado a
lado. Havia algo diferente nela, um astral bom. E eu queria saber mais
sobre aquela mulher.

— Adorei que agora moro perto, antes eu dirigia uns vinte


minutos para comer o sanduíche de rosbife e molho pesto que eles
vendem. — Comentei.

— É bárbaro! Eu amo! — Um sorriso genuíno surgiu em seu


rosto, ao falar sobre o lanche.

— Mas, infelizmente, só fazem à tarde.

— Sim...

Escolhemos uma mesinha no deck e logo a atendente


entregou-nos o cardápio. Ia pedir o de sempre e Olívia também
demonstrou conhecer bem o que eles vendiam, pois não gastou mais
que um minuto para dizer que estava pronta para fazer o pedido.

— Para mim, pão na chapa, ovos mexidos com bacon e café


expresso, sem açúcar. E você, Olívia?

— Bolo de coco, aquele que tem calda, cappuccino e... mini


sonhos também, o que tem recheio. — Meu estômago revirou com a
quantidade de açúcar que a garota ia consumir em uma única
refeição. Era muito além do que eu conseguia ingerir na semana.

— Uau! — Não perderia a oportunidade de tirar sarro dela,


teve a cara de pau de dizer que já havia se alimentado quando fiz o
convite.

— Eu estava plena em casa, você que inventou de me fazer


tomar café de novo. — retrucou, com as bochechas coradas.

∞∞∞
Olívia

Que homem era aquele que me levou para tomar café da manhã?
Estava tudo muito gostoso e toda a comida que pedi tornou-se
uma boa e providencial distração para que eu não ficasse babando
diante do meu vizinho policial federal e muito gato.

Luiz Henrique era muito mais bonito do que um vizinho deveria


ser. Alto, forte, mas não daqueles homens inchados de tantos
músculos, o corpo dele era proporcional. O cabelo preto e liso
parecia um pouco desarrumado, o deixando com a feição ainda mais
masculina. E o olhar? Enigmático. A cada piscada daquele homem, eu
me sentia inteiramente despida. Para fechar o conjunto de perdição,
tinha olhos azuis, quase esverdeados, que se destacavam ao
contrastar com a pele bronzeada e cabelo escuro, e um sorriso que o
deixava muito, mas muito sexy.

Em menos de uma hora, depois de uma noite quase insone, eu


descobri que o policial que cumpriu o mandado de busca e apreensão
no meu antigo emprego morava ao lado da minha porta, que, por
acaso, era o sujeito que pegou a minha vaga de garagem e, como um
bônus, o vizinho que recebia em seu apartamento as visitas femininas
e as deixavam com um sorriso no rosto quando iam embora.

Informação demais para o início do dia.

Menti quando ele me convidou para ir tomar café da manhã, o


cara conseguiu ser sedutor oferecendo café. Eu estava com fome,
cansada por ter pegado estrada na noite anterior, chegado bem tarde
em casa, tão tarde que nem me estressei com o seu carro na minha
vaga, e passado boa parte da madrugada pensando nos novos
planos que colocaria em prática. No entanto, fiquei sem graça de sair
com ele. A primeira e única reação que me pareceu inteligente, foi
dizer que já havia me alimentado.

Naquela manhã, acordei com uma insegurança que não me era


comum. Estava tão esquisita que nem preparei meu café docinho,
ainda usando a calça do pijama, calcei uma crocs e fui até a portaria
buscar minhas correspondências. E, como o destino gosta de sambar
na minha cara, escolheu aquele momento, para que eu encontrasse
Luiz Henrique.

— É sempre assim, caladinha? — Dei-me conta que estava


brincando com o pedaço de bolo, delicioso com a calda, que mais
parecia um creme de coco, quando ele falou comigo. Levantei o olhar
e o encontrei relaxado na cadeira, finalmente, pois quando chegamos
ele parecia preparado para a guerra ao percorrer com o olhar cada
cliente e, antes que eu pudesse escolher onde sentar, puxou uma
cadeira para mim, ficando ele de frente para a rua.

— Não! — respondi rindo, eu até me retraía em alguns


momentos, mas, no geral, era bem falante.

— Então, é uma cortesia para mim? — sua feição era


divertida, cruzou os braços na altura do peito, à espera da minha
resposta. Com o movimento, a camiseta que usava colou em seus
braços, mostrando o quanto era mesmo forte, e fazendo-me perder
mais um pouquinho do rumo

— Você me pegou em uma manhã que estou bem pensativa...


— e quando eu estava assim, em meus momentos reflexivos,
precisava falar.

— Hum, sei... — coçou o queixo, um gesto tão simples, mas


que nele, foi tão, assim, bonito. Segurei-me para não revirar os olhos
para mim mesma, um tanto deslumbrada com o meu vizinho. —
Naquele dia, lá no seu trabalho, você estava guardando suas coisas
em caixas, depois sumiu por uma semana e hoje está aqui tomando
café comigo, em um horário que já teria saído de casa. Quer
conversar?

Suspirei, pois o cara era observador demais, em um nível que


me deixou atordoada. E ao mesmo tempo, com uma sensação boa
de ter alguém que prestou atenção em mim. E não tinha nada a ver
com insegurança ou alguma necessidade de receber atenção, era
sobre se importar em enxergar detalhes, o que perdemos e muito no
dia a dia agitado.

— Você é bem esperto e já matou a charada. — Também me


recostei na cadeira, efetivamente havia acabado de conhecê-lo, mas,
curiosamente, estava à vontade em sua presença.

— Demitida?

— Sim, pouco tempo antes de você entrar na minha sala...

— No caso, desculpas pelo péssimo time... — ele riu e eu


acompanhei, de fato, se tivesse chegado duas horas depois, eu não
teria tido uma arma apontada para a minha cabeça.

— Tá tudo bem... Minha mãe acha que foi a melhor coisa que
me aconteceu. Tentei pegar um pouco do entusiasmo dela.

— Pela sua cara, só tentou mesmo —riu de novo, dessa vez


um sorriso torto, meio de lado e levou a xícara de café à boca. Não
sei se consegui disfarçar, mas eu acompanhava com maestria cada
movimento dele.

— Mais ou menos. É que... — eu ia mesmo contar minha


intimidade para um estranho? Claro que ia, né Olívia? — Bom, como
você já percebeu, moro sozinha aqui em São Paulo, minha família
está em outra cidade, perdi o emprego que pagava um ótimo salário
mensal e me mantinha. Por mais que já tenha um plano, e, até acho
que ele seja bom, estou insegura. — Fui o mais genérica possível, e,
de certa forma, senti-me mais leve por falar.
— Mudanças, em geral, trazem inseguranças. É normal. — Ele
deve ter percebido que, quis falar, mas não revelar muito, pois se
manteve neutro. Olhando para ele e seu jeito observador, era
provável que poderia fazer muitos outros comentários.

— Acho que sim.

— Tenho um convite. — Disse, depois de um longo minuto sem


desviar o olhar do meu.

— Mais um? — Perguntei.

— Para você ver, estou usando minha folga do trabalho para


lhe fazer convites.

— Devo agradecê-lo?

— Só você pode me responder isso! — Seu olhar me


examinava, firme, quase me sugando. — Para de bobagem! Quero te
levar a um lugar.

— Hum. — respondi já pensando na desculpa que daria,


insegura quanto ao seu convite.

— Você está certíssima em fazer essa cara de dúvida. Afinal,


está oficialmente me conhecendo hoje. Mas é que, eu tenho esse
compromisso, você está aí meio para baixo, talvez fosse bom
acompanhar-me. — Refleti sobre o que ele disse, já havia quebrado
uma importante regra de segurança ao entrar no carro de um
estranho. E ia aumentar o risco, ao aceitar ir para outro lugar. Eu
queria dizer sim e precisava dizer não.

— E o que seria esse compromisso?

— Vou te levar a uma ONG... Mas gostaria que o resto fosse


surpresa, lá você vai descobrir do que se trata.
— Um vizinho federal, bom, vou confiar em você. Vamos lá
conhecer essa ONG.

Ele me de uma piscadinha, causando um arrepio em mim.


Chamou o garçom, pediu a conta, disse que eu era sua convidada e
iria pagá-la sozinho. Quando nos levantamos para sair da padaria,
pousou uma mão na base da minha coluna, guiando-me para o carro.
Capítulo 11
Olívia

— Você é bem curioso, mas quase não fala de si mesmo. —


comentei quando entramos em seu carro. Ele riu e depois de colocar
os óculos de sol, olhou em minha direção, ainda com o carro parado.

Qual a necessidade daqueles óculos? Só servia para deixá-lo


mais lindo, isso sim. E ainda era tão cedo. Uma afronta à comunidade
masculina, com toda certeza. E um desafio a mim mesma, que só
queria ficar admirando-o.

— Acha isso, Olívia? O que você gostaria de saber?


— Ah. — Vai lá, bonita! Provoca o cara, mas agora não sabe o
que dizer. — Hum, o que você gostaria de me contar?

— Bem esperta, hein? — ele deu a partida e dirigiu pegando a


via que saía do nosso bairro. — Bom, tenho vinte e nove anos, sou
agente da Polícia Federal, seu vizinho...

— Vamos focar em informações que ainda não sei? — Ele fez de


novo, deu outro sorriso torto e suspirei baixinho, controle-se, garota.
É só um homem bonito.

— Você não sabia a minha idade. — Olhei para ele com a


sobrancelha erguida. — Tá, diferente de você, a minha família
também mora em São Paulo, no Morumbi. Meus pais e irmãos são
advogados.

— Está doendo, contar da sua vida? — Estava bem óbvio que eu


estava diante de um homem reservado, então era melhor brincar com
o momento.

— Engraçadinha. Não tenho o costume de falar sobre detalhes


pessoais.

— E está me contando porque não tenho cara de maníaca.

— Não que maníacos tenham cara, mas, no quesito crime, você


me parece bem inofensiva. — Paramos em um semáforo, ele olhou
para mim e deu uma piscadinha. Senhor!

— Você não sabe o que eu fiz no verão passado!

— Mas posso saber o que vai fazer no próximo verão. — Nós


dois rimos. Estava gostando disso, dele me fazer rir toda hora. — E,
assim como você, não tive uma noite muito boa, dormi agitado.

— Quer conversar?
Ele contou por alto sobre o jantar frustrado na casa dos pais,
mas achei melhor não fazer perguntas, pois envolvia seu trabalho e
imaginei que preferisse não entrar em detalhes.

Mudamos o assunto, ele falou como eram seus dias de folgas,


que normalmente dormia, ia à ONG e em um clube de tiro. Fiquei
curiosa para saber sobre o tal clube, será que tiro era mesmo o que
eu estava pensando, tipo, de armas? Fiquei sem graça de perguntar
e ele também não explicou.

Pausamos um pouco a conversa quando meu celular apitou a


chegada de uma mensagem nova, era Vivian, minha cunhada.
Havíamos confirmado, ela estava grávida! Emocionei-me ao
descobrimos juntas, pois levei um teste em sua casa e fiquei com
Neto, para que o fizesse. Meu irmão ainda não sabia, ela decidiu
contar no aniversário de casamento deles, que aconteceria em duas
semanas.

Na mensagem, Vivian contava não saber se ia conseguir


esconder a informação, pois havia acordado com enjoos.

— Eu vou ser tia! — Disse ao guardar o celular na bolsa. — De


novo!

— Hum, isso é bom! Irmã?

— Não, é minha cunhada, esposa do meu único irmão. Eles já


têm um filho, de três anos, e ela descobriu estar grávida novamente.

A gestação da Vivian e o fato dela ainda não ter contado ao Zé,


foi o nosso assunto até chegarmos ao bairro da Saúde, onde ele
disse que ficava a ONG.

Ele parou o carro diante da garagem de uma casa, muro alto,


portão grande pintado na cor cinza, fachada bem cuidada. Acionou o
controle remoto acoplado ao volante do carro e o portão foi aberto.
Entramos na garagem e havia outros dois carros estacionados, todos
enormes, assim como o dele.

— Seja bem-vinda! — Disse, ao abrir a porta para mim.

Ele me guiou por uma pequena escada e saímos em um quintal


plano, no fundo havia uma área coberta de churrasco, fiquei surpresa
por também haver ali uns dez jogos de mesa e cadeiras, estilo
escolares e uma lousa sobre um cavalete.

— É uma sala de aula improvisada — explicou, ao ver onde


estava meu olhar.

— É agora que você me conta do que trata a ONG?

— Em alguns minutos. Vem comigo!

Subimos outra escada, agora uma maior e chegamos a uma


sala, que parecia funcionar como uma recepção. Era simples, havia
um balcão de madeira e, atrás dele, uma jovem mulher falava ao
telefone. De frente, um jogo com dois sofás pequenos e uma mesinha
entre eles. Luiz a cumprimentou batendo continência e seguimos por
um corredor. Ouvi vozes e paramos diante do primeiro cômodo, ele
fez sinal para que eu ficasse em silêncio e de leve abriu a porta. Era
uma sala de aula, estava cheia, por alto, pensei ter ali cerca de vinte
alunos. O professor usava farda da Polícia Militar de São Paulo, ele e
Luiz trocaram cumprimentos, mais uma vez batendo continência.
Fechou a porta e nos três cômodos seguintes também estavam
sendo ministradas aulas. Ao final do corredor, havia uma pequena
sala, composta por duas poltronas, sofá e uma estante de livros que
tomava toda uma parede.

— Uau! — exclamei, diante do espaço.

— Legal, né? Vamos lá fora para conversarmos melhor. — Ele


abriu uma porta e chegamos à uma espaçosa cozinha. No centro do
cômodo havia uma enorme mesa de madeira com dois bancos
laterais. Dois rapazes estavam sentados em uma ponta, próximo a
eles havia uma garrafa de café e duas xícaras.

— Fala, Brandão! — Foi cumprimentado pelo rapaz que usava


uma camisa preta com o nome da Polícia Civil, era novo, não devia
ter muito mais que vinte anos.

— Como vai, cara? Correria? — O outro também falou com ele.

— Muitos plantões seguidos. — Luiz aproximou-se dos rapazes e


trocou um aperto de mão com eles. — Hoje tô de folga. Borges e
Caio, essa é Olívia, uma amiga que veio conhecer a ONG.

— Seja bem-vinda, Olívia! — Desejaram, com um sorriso


amistoso no rosto.

— Obrigada!

— Fiquem à vontade. — Luiz pediu. Depois, saímos da cozinha,


passamos pela última porta e, então, estávamos no fundo da
propriedade. Puxou-me para um banco embaixo de uma árvore,
gostei do sol que chegava ali, pois o dia estava bem frio. — Como
você viu, ministramos aulas aqui na ONG. — Disse, brincando com
umas pedrinhas que decoravam o canteiro abaixo dos nossos pés,
sem me encarar nos olhos. Tímido? Hum, até que enfim alguém
afetado que não eu.

— Legal...

— Aulas para quem quer prestar concurso público na área da


segurança pública e não possui condições de arcar com cursos e
materiais. — Completou. Lentamente, levantou o olhar para mim, mas
ainda acanhado.

— Que incrível! É de graça? — Maravilhosa a iniciativa deles. Eu


não fazia parte de nenhum projeto social e, confesso, que nos últimos
anos não parei para pensar onde poderia ser útil. E ali eles me
pareceram prestar um serviço de qualidade e de utilidade para a
sociedade.

— Sim, mas tem vários alunos que acabam contribuindo com


algum valor, mesmo que simbólico.

— Muito interessante!

— Estou vendo sua cabecinha funcionar. Quer saber como


fazemos isso aqui acontecer, né? — Aos poucos, pareceu mais à
vontade para falar a respeito da ONG. Após fazer um carinho em meu
joelho, ergueu o corpo, cruzando os braços. Seu olhar corria por todo
o espaço, parando, quase saudoso, na parede onde havia algumas
janelas.

— Claro! — Desviou o olhar para mim, depois voltou para a


construção e então suspirou.

— Eu e mais um grupo de quatro amigos, todos trabalham com a


segurança pública, investimos um valor mensal, fomos nós quem
fundamos a ONG. Hoje contamos com alguns empresários, são
conhecidos nossos, que gostaram da iniciativa e fazem doações. A
casa pertence a um delegado amigo meu, ele prefere não aparecer,
mas a disponibilizou para uso da ONG. E tem as contribuições dos
alunos, mas essas são ínfimas ante os gastos mensais.

— Você também dá aula aqui? — Havia um brilho e orgulho no


olhar dele, na forma como explicava o trabalho que desenvolviam. E
tinha mesmo que se orgulhar, eu estava encantada.

— Não tenho uma grade fixa, em razão dos compromissos com a


administração e da rotina puxada na Polícia. Mas quando tenho
tempo, pego algumas matérias para ensinar. A maioria dos
professores com aulas fixas, já se aposentou. — De novo sua mão foi
para o meu joelho e, em um impulso, retribuí o carinho, passando os
dedos pelo dorso da sua mão. O toque foi suficiente para que nossos
olhares se encontrassem e nos perdêssemos neles.
— Nossa, que incrível isso! — Ele assentiu, e depois de um longo
silêncio voltou a falar.

— Aquele rapaz, que está com a blusa da Polícia Civil e te


cumprimentou na cozinha. — Assenti com a cabeça, confirmando que
sabia de quem ele estava falando. — O pai é traficante e a mãe deve
ter uns oito filhos vivos. Ela o deixava com o pai por várias
temporadas, o moleque já estava trabalhando para o tráfico. O
primeiro professor que você viu, que está fardado, ele o encontrou em
uma batida da Polícia Militar. Muita coisa aconteceu desde então e
Borges veio parar aqui, ainda estava concluindo o ensino médio num
desses programas do Ministério da Educação. Em resumo, ele
passou em um concurso da Polícia Civil, vai começar faculdade de
Direito e está focado em ser delegado de Polícia. — Nossos olhares
não desgrudavam, o ouvia com atenção, pensando no quanto ele era
lindo e que, o que mais me agradava nele, naquele momento, era o
seu jeito divertido e como demonstrava se importar com o outro. —
Então, eu tenho o maior prazer em colocar meu tempo e dinheiro aqui
dentro. Lido com o que há de mais sujo na sociedade, mas acredito
em segundas chances e novas oportunidades.

— E oportunidade é justamente o que vocês estão dando a


muitas pessoas.

— Acho que sim. Não faço isso aqui para me promover. Não
mesmo. E tirando as pessoas com quem trabalho, minha família e
alguns amigos, que eu quero e preciso que sejam voluntárias, não
saio falando da ONG em todo tempo e lugar.

— E mesmo se falasse, é válido para o crescimento do projeto.

— É, pode ser. Mas o que quero dizer é que não estou aqui
porque sou uma pessoa boazinha, nada disso, estou longe de ser,
inclusive, mas unicamente por acreditar que temos que dar
oportunidade aos que não tem. E cabe a pessoa fazer a parte dela. A
ONG não passa ninguém em concurso, mas oferece aulas de
qualidade, espaço para que venham aqui estudar, disponibiliza
computadores com internet e até impressoras, que podem ser
utilizadas a um preço abaixo do mercado. Eu não dou dinheiro a
pedinte, Olívia, mas se o moleque estiver vendendo bala no sinal, eu
compro tudo o que ele tiver em mãos.

— Eu entendi e a verdade é que é tão mais fácil entregar o


dinheiro, né?

— Muito mais. Mas só o dinheiro, sem dar oportunidade à


pessoa de conquistar um emprego, uma profissão, a deixa no mesmo
lugar.

— Fico muito feliz por existirem pessoas com o seu pensamento


e disposição para fazer acontecer. E como fico!

Luiz pegou minha mão e fez o contorno dela, no mesmo instante,


ouvimos um barulho de pessoas conversando e chegando próximo de
onde estávamos.

— Vai ter um intervalo agora, quer ir lá dentro conhecer as


salas? — Ofereceu.

— Quero!

De mãos dadas comigo, ele caminhou de volta à construção,


olhares curiosos pairavam sobre nós dois. Ele cumprimentou algumas
pessoas e, pacientemente, mostrou-me todas as salas e apresentou-
me aos professores que estavam em horário de descanso.

Saímos da ONG cerca de uma hora depois, eu pensativa, ele


também, não nos falamos muito no caminho de volta para casa.

Da minha parte, estava muito consciente de tudo o que o


envolvia. Da sua presença, do seu toque, de cada sorriso que me
deu, da forma como seus olhos estreitavam enquanto prestava
atenção em algo que eu falava, do seu perfume gostoso.
Formalmente, nos conhecíamos há poucas horas e parecia-me
ser tão pouco perto do que já sentia na companhia dele.

— Obrigada, Lui! — eu disse quando estacionou o carro na


garagem do nosso prédio, dessa vez em sua vaga.

— Por? — perguntou, os olhos fixos em mim.

— Por me deixar saber do seu projeto, levar-me até lá, se não


fosse você, eu provavelmente estaria assistindo alguma série. —
comentei e rimos ao final, embora estivéssemos tímidos um com o
outro.

— Sempre às ordens, vizinha!


Capítulo 12
Luiz Henrique

Iniciei o dia agitado, fruto da noite mal dormida e consegui deixá-lo


confuso, no momento que julguei ser uma boa ideia levar Olívia até a
ONG.

O que eu vi nos olhos dela balançou-me: admiração e interesse


pelo projeto.

Isso sempre mexia comigo, qualquer pessoa que sabia do


trabalho que iniciei na ONG tinha ciência que este era o meu ponto
fraco. Eu amava demais o que fazíamos naquela casa, as vidas que
eram alcançadas e cada futuro transformado.
E ela não tentou impressionar-me contando seus feitos em
algum outro trabalho social ou disse que estaria ali nos dias
seguintes, Olívia olhou atenta cada detalhe da casa, se surpreendeu,
e me encarava com carinho, querendo descobrir mais do trabalho.

Dirigi para casa quando minha vontade era chamá-la para


almoçar comigo, estender nosso tempo juntos. Mas freei meus
pensamentos, pois meu interesse por ela já estava muito além do fato
dela ser linda e atraente. Bastou algumas horas em sua companhia,
para descobrir que não era a beleza o aspecto mais interessante em
Olívia, não quando mostrou ser uma pessoa divertida, simples,
inteligente e humana.

Senti-me preso a cada reação dela, a cada olhar, a cada


sorriso... Ou ainda no seu jeito que quase paralisou, quando toquei
em seu joelho e peguei sua mão. Quase, pois ela retribuiu. Foi tão
natural, nossas mãos se encaixaram e só.

Pedi almoço em um delivery para comer em casa e à tarde,


inquieto demais, resolvi ir para o clube. Depois de praticar uma hora e
meia de jiu-jitsu, em nossa sala de lutas, segui para o treino de tiro.

A pista aberta não tinha ninguém, escolhi duas armas de cano


longo, coloquei o abafador e parei diante do paredão.

— Pegue, por favor, os alvos articulados. Vou treinar com eles


— havia um funcionário à espreita, ele assentiu e em poucos minutos
voltou com o que eu pedi e os arrumou no paredão. Era uma espécie
de bonecos que se movimentavam constantemente, imitando o corpo
humano. — Obrigado — eu disse quando ele parou ao meu lado,
novamente.

Três... Dois... Um...

A coronha bem posicionada em meu ombro, o olho fixo no


binóculo, minha atenção totalmente voltada ao gatilho sendo puxado,
a viagem da bala, o revés da arma a cada acionamento.
Sangue correndo firme nas veias, uma adrenalina indescritível!

Disparei toda a munição do rifle em direção aos alvos,


acertando os pontos fatais com precisão enquanto eles se mexiam, a
ideia era que o treinamento fosse o mais perto da realidade. O filho
da puta que estivesse na mira de uma arma, não ficaria lá paradinho
esperando que você o atingisse. Ele corre, coloca outros alvos na
frente, daí porque na maioria das vezes o atirador recua quando há
um refém, mas jamais fica à sua mercê.

E quem está na defesa, tem que se preparar para todas as


variantes.

Troquei de arma, o funcionário me trouxe um modelo mais


pesado, que a gente também usava na Polícia Federal.

Não contei o tempo atirando, mas foi muita munição gasta,


assim como minha energia, até que, finalmente, senti meu corpo
cansado. Nem uma boa hora de exercício pesado na academia
conseguia tal feito. Sangue fervendo, coração acelerado, pernas
bambas.

— Vai treinar pistola, Lui?

— Hoje não, só fuzil. Vou tomar uma água, tem aluno por
agora? — Ele confirmou e eu olhei em direção às salas, onde eram
passadas as primeiras instruções, havia um grupo de cinco pessoas
que eu não conhecia e estavam assistindo-me. — Pista liberada,
então.

Arrumei o boné preto na cabeça e enfiei as mãos no bolso do


agasalho de moletom que usava, passei pelo grupo, que já caminhava
para dentro da pista e fui até a parte gramada, onde encontrei Renan
e meu irmão.

— Achei que fosse vir à noite, vou fazer aquele treino também
— disse Renan, cumprimentando-me.
— Estava sem nada para fazer em casa. — João Miguel me
observava, taciturno, tinha os braços cruzados na altura do peito.

— Tenho uma reunião em breve, preciso subir. Você fica mais


um pouco? E aí a gente treina junto. — Renan perguntou.

— Fechou, vou estar aqui.

Ele voltou para o seu escritório e, indicando com a cabeça,


chamei meu irmão para a lanchonete, no outro anexo. Caminhamos
calados e ele observava cada detalhe do clube. Nas últimas semanas,
Renan havia feito algumas mudanças e João era o que menos
aparecia de nós três.

— Diz aí, o que você manda? — Perguntei, quando


escolhemos uma mesa e nos acomodamos.

— Imaginei que estivesse aqui, sua folga hoje? — respondeu,


pedimos um lanche e a garçonete nos deixou a sós. — Vim trocar
uma ideia.

— Saiu cedo do escritório.

— Hoje eu só estive lá pela manhã, depois do almoço fui para


uma audiência e, quando acabou vim direto para cá. — Explicou,
depois que fizemos os pedidos. Ele ainda estava alinhado dentro do
terno, mas logo afrouxou a gravata e recostou, relaxado, na cadeira.
— O velho ficou puto com o casal Lins. — Meus pais e os seus
clientes que eu investigava estava longe de ser o assunto que eu
pretendia conversar com o meu irmão. Mas deixei que ele
continuasse. — Eles não ficaram nem dez minutos lá em casa.

— Uma pena, iam adorar a macarronada da dona Lêda. —


comentei.

— Ela ficou bem sentida. — comentou, sério.

— Imagino.
— Porra, Lui. É a nossa mãe.

— Eu fui jantar em casa, não fui? Amo a nossa família e estar


com vocês, nós nem precisávamos estar falando sobre isso. — disse,
incomodado.

— É complicado para você e para eles.

— Não vejo como ser diferente, não quando nenhum de nós


três vai abrir mão do trabalho.

— Eles ficam orgulhosos de você, mesmo quando aparece na


TV prendendo algum cliente do escritório.

— Um jeito bem peculiar de sentir orgulho, normalmente eles


tentam me convencer a sair da PF. — eu ri, entredentes.

— Depois que os Lins foram embora, estávamos sem clima


para o jantar, mas a mãe insistiu. Voltamos para a cozinha, o pai
comentou que você está construindo uma carreira bem-sucedida,
óbvio que ele preferia que fosse no escritório, mas que você
aprendeu que nada vem fácil, mesmo tendo nascido em uma família
rica. E citou que você tem um olhar diferenciado, não se acomoda,
veja, o clube foi ideia sua, abriu a ONG e faz a gente contribuir e dar
aulas, enfim. Ah, Lui, você entendeu aonde quero chegar.

— O pai acabou de descobrir, depois de anos em que estou na


PF, que não vou sair, não por causa de salário, já que aqui no clube
eu tiro mensalmente quase três vezes do que ganho como agente
federal e olha que não ganho mal. Estou na Polícia porque gosto.

— Isso também. Em algum momento, eles acharam que você


ia curtir por uns anos e depois sairia fora.

— Provável que não vá acontecer.

— Lui, eu vou sair da casa deles. — ele soltou, depois deu


uma longa pausa, e olhei-o surpreso. Não compreendia o motivo do
João ainda morar com nossos pais, já estava com trinta anos, a meu
ver, deveria ter vazado de lá há pelos uns cinco. Mas nunca
conversamos abertamente sobre isso, embora desconfiasse de que
ele soubesse qual era a minha opinião.

— Uma boa decisão.

— Queria ter feito muito antes, mas quando você saiu foi
aquele caos, né? Você indo para outro Estado, entrando na Polícia, a
mãe quase enlouqueceu. E depois me acomodei, confesso. — João
suspirou, nunca analisei toda a situação por aquele ângulo, enquanto
eu fui fazer a minha vida, ele esteve ao lado dos nossos pais,
segurando a barra. — Eu vivo no escritório, só vou em casa para
dormir. Mas faz um tempo que tenho pensado sobre isso.

— Acho que é o melhor que pode fazer por você. Por mais
liberdade que tenha lá, não é a sua casa, o seu espaço.

Os lanches e as bebidas foram servidos, aguardamos a


garçonete se afastar para voltarmos a conversa.

— Há uns três anos comprei um apartamento, não contei para


ninguém. Por coincidência, é no mesmo bairro onde você comprou e
está morando agora.

— Seremos quase vizinhos, então? — Ele assentiu e dei uma


mordida no sanduíche que chegou, era o terceiro dia consecutivo
comendo porcaria, havia pedido pizza no almoço, não curtia muito
cozinhar, embora soubesse o básico, mas estava sentindo falta de
uma comida de verdade. — E quando pretende mudar? — perguntei,
de boca cheia do sanduíche que escolhi.

— Estou organizando as coisas. Comprei alguns móveis,


colocando tudo no lugar e deixando o apartamento habitável. —
Discretamente, ele esfregou os dedos entre si, mexeu as pernas
embaixo da mesa e mordeu o lábio, movimentos quase
imperceptíveis. Mas não para mim. Meu irmão não estava querendo
apenas contar a novidade que finalmente ia sair de casa. E duvidava
que um belo dia tenha acordado e tomado tal decisão.

— Por que acho que tem mulher nessa história, João?

— Porque você é bem insuportável. — Eu ergui a sobrancelha,


divertindo-me com a sua expressão de quem achou que eu não
perceberia. — Não vou mentir e dizer que não tem ninguém na
história. Mas é complicado.

— E por que é complicado? — Indaguei.

— Isso não é um interrogatório.

— Se começou, fala até o final.

— É muita ironia do destino, cara. — balançou a cabeça rindo,


depois fez um longo silêncio, pensativo. — Achei que apagava
incêndio quando você prende cliente do escritório ou tenho que
acompanhá-lo em depoimento e dou de cara com você fardado na
delegacia. — Franzi o cenho, o que eu tinha a ver com a mulher que
João estava saindo? Será que era alguma ex minha? Mas ele
mencionou sobre o meu trabalho... Ah, será?

— Não me diga que tá saindo com uma policial? — Perguntei,


uma risada quase escapando.

— Uma delegada — respondeu, já rindo também. Ele estava


muito fodido.

— Eu vivi para ver isso. — Gargalhei com vontade, e, pela


cara dele, já devia ter dado treta. Assim como meus pais e eu, era
uma relação em que ele e a mulher estavam em lados opostos. Ia
demandar bastante maturidade e vontade de fazer dar certo.

— Não fode, Lui. — deixou de lado a lata de refrigerante e


pediu uma cerveja à garçonete.
— E já é namoro? — perguntei, tentando conter o riso, ante
sua cara de indignação.

— Ela acha que não vai dar certo. Uma merda, irmão. Eu
consegui a soltura de dois clientes, os cabeças de uma quadrilha que
ela está no comando da investigação.

— Sei como é. Qual crime?

— O de sempre, lavagem de dinheiro, corrupção, negócios


ilegais. Consegui soltar porque não seguiram a porra da lei quando os
prenderam. Eu sei que ela está envolvida, disse que não queria ver
mais a minha cara quando fui buscar os clientes na delegacia, mas
me deixou passar a noite em seu apartamento quando apareci lá
quase na madrugada.

— Cara, não sou a melhor pessoa para conselhos amorosos,


mas tenta mostrar para ela que não é pessoal, que você respeita o
trabalho dela e o quanto ela lutou para chegar onde está. E que você
também só está fazendo o seu trabalho, que foram muitos anos de
estudo e dedicação. Se ela gosta de você e está afim, vai entender.

— Tomara. — respondeu, desacreditado. — Vamos falar de


você, fiquei sabendo que esteve na ONG hoje. E acompanhado de
uma mulher. Até andaram de mãos dadas.

— Aquilo lá é uma ONG ou bastidores de algum site de


fofoca?

— Vamos meu irmão, quem era ela?

— Sinto lhe informar, mas não tenho nada para contar. Apenas
uma amiga que encontrei pela manhã e convidei para conhecer o
projeto.

— Você também vai se apaixonar, Lui. E essa marra vai toda


para o chão.
— Ih, papo de apaixonado que não quer sofrer sozinho.

A garçonete serviu outra cerveja para o João e uma para mim,


logo Renan juntou-se a nós dois e decidimos ficar só na conversa e
deixar os tiros para outra ocasião. A noite já havia avançado quando
decidi ir para casa, no outro dia, logo cedo, teria que estar na
delegacia.

— A sua garota acaba de chegar — Renan comentou, virando


o aplicativo de câmeras do celular em minha direção. Ele
acompanhava toda a movimentação do clube em tempo real, eu
também mantinha o aplicativo em meu celular.

— Não tenho nenhuma garota — despedi e deixei ele e João


rindo da minha cara.

A caminho do estacionamento, encontrei Pamela e a amiga da


noite anterior. Apenas a cumprimentei com uma continência, sem dar
tempo para conversas.
Capítulo 13
Olívia

— Que inspiração, minha diva, que inspiração! — Du comentou


animado, quando lhe mostrei, em uma chamada de vídeo, os
desenhos que fiz durante a semana que passei em Taubaté.

— Gostou mesmo? — Logo após a conversa que tive com a


minha mãe na cozinha da sua confecção, decidi que ia, ao menos,
fazer alguns esboços de uma coleção. Algo pequeno, sem
pretensões, pois já estava com várias ideias na cabeça. Comigo
funcionava assim, enquanto produzia um trabalho, o próximo já estava
borbulhando na mente, pronto para ser colocado no papel.
— Preciso dessa coleção sendo produzida para ontem! — Ele
esticou as pernas sobre a sua mesa de trabalho, que era um pequeno
anexo a que eu ocupei por alguns anos na Soraya Lins. Contou que
minha vaga ainda não havia sido ocupada e que uma das filhas dela
estava lá tentando apagar o incêndio, tanto da minha saída, quanto
da visitinha da Polícia Federal.

— Não tenho certeza. — Mordi o lábio, o que a minha mãe e Du


mandavam-me fazer demandaria um investimento, sem que eu tivesse
a mínima noção de retorno, somado ao fato que eu não possuía mais
renda fixa.

— Vamos almoçar juntos, você está precisando de alguém para


te falar que é incrível, que está no caminho certo e que as suas
inseguranças não fazem o menor sentido.

— Bobo, mas não irei recusar.

— Podemos nos encontrar meio-dia?

— Pode ser, estou com saudades da comida do Vittorio. — Era


o meu restaurante italiano preferido para almoçar em São Paulo e
ficava próximo ao meu antigo trabalho.

— Seu desejo é uma ordem. Agora preciso ir, Oli.

Despedimos-nos e voltei minha atenção para os desenhos. Eram


bons, não, eles eram muito bons. Mas, estando apenas no papel não
tinham o menor valor.

“Roupa tem que sair do molde, filha. Não estou entendendo


essa sua falta de coragem, nunca foi assim”. Mamãe disse no dia
anterior ao meu retorno a São Paulo. Não sossegou até que eu me
sentasse em um dos cômodos do ateliê e começasse a desenhar. A
inspiração veio fácil, era o que eu amava fazer. No entanto, tirá-los do
papel estava sendo o meu dilema.
Suspirei, um nome não saía da minha cabeça. Na verdade, dois.
Meneei a cabeça, rindo. Foca no trabalho, Olívia, homem bonito,
gostoso, atraente e inteligente não enche barriga. Mas me leva para
tomar café da manhã, pensei, digladiando comigo mesma.

Peguei o celular e abri o aplicativo de mensagens, o nome da


Bruna estava no topo, havíamos conversado na noite anterior. A
pocket coleção que criei foi inspirada em uma conversa que tive com
as influencers no último evento que comandei na Soraya, quando me
convidaram para acompanhá-las em uma viagem a Nova York.

O que eu colocaria na mala delas? Fui lá e desenhei.

Elas entraram em contato comigo assim que souberam que eu


estava fora da marca, foram solidárias e sondei Bruna sobre a
viagem. Ocorreria em um mês.

Fiquei olhando para o seu nome, mas desisti de falar com ela
sobre a coleção, primeiro ia ouvir Du e ver se ele tinha alguma ideia
melhor que a minha.

∞∞∞

Havia anoitecido, estava animada com o dia produtivo que tive,


acertei detalhes nos desenhos e após o almoço com o meu amigo,
criei coragem para fazer uma oferta às influencers.

— O máximo que você vai receber é um não. E as meninas te


adoram, ficaram bastante sentidas com a sua saída da marca. — Ele
me encorajou.

— Você tem razão, preciso tirar esse medo bobo de dentro de


mim. Du, nunca me senti tão insegura, nem quando cheguei sozinha a
essa cidade.
— Eu consigo te entender. Mas concordo com a sua mãe. Essa
demissão pode ser transformada em uma benção na sua vida. Olha
pra frente!

Ao chegar em casa, mandei mensagem para Bruna, Luma e


Natalia, elas toparam encontrar-me no dia seguinte.

Peguei a coleirinha da Chanel e a chamei para darmos uma volta


na rua, a bichinha chegou animada ao meu lado, abanando o rabinho
e ficou quietinha para eu colocar o lacinho marfim com pérolas. Vesti
nela um suéter também na cor marfim e com listras rosa, pois estava
frio.

A coloquei no colo e quando abri a porta de casa quase atropelei


um muro, de tão alto, em forma de ser humano, que estava com a
mão erguida.

— Oi vizinha, ia tocar a campainha! — Lá estava ele, lindo dentro


de uma roupa preta, camiseta com o nome da Polícia Federal e uma
jaqueta de frio. Carregava um embrulho de papel pardo em uma das
mãos.

Seu olhar intenso e profundo veio acompanhado de um sorrisinho


torto nos lábios. Meu vizinho era uma boa tentação. E a tentação
ainda maior era ele chamando-me desse jeito.

— Oi, Luiz Henrique! — Seus olhos passearam de mim para a


Chanel.

— Lembro de ter dito que podia me chamar de Lui.

— Oi, Lui! — consertei e nós dois rimos. — Chegando do


trabalho?

— Sim! Estão indo passear?

— Levar essa mocinha para dar uma volta... — Chanel agitou-se


em meu colo, certamente não gostando do atraso em nossa
programação.

— Estava vindo para casa e passei na padaria para fazer um


lanche... Lembrei que você gostou do bolo de coco que eles vendem.
— Lui estendeu-me o embrulho, deixando-me com os olhos
arregalados. Era isso mesmo? Senti um frio na barriga, tá, era só um
bolo, mas ele lembrou de um detalhe, do café da manhã que
tomamos juntos três dias atrás.

— Você comprou pra mim? — Perguntei desconcertada, sem


conseguir disfarçar o quão afetada havia ficado. Ele assentiu,
mantendo aquele sorrisinho sexy e irritante. — Oh, muito obrigada...
Por ter lembrado e trazido, eu realmente gosto muito!

— Então seja feliz com a sua explosão de glicose, vizinha! Bom,


eu vou indo, preciso descansar.

— Muito trabalho? — Perguntei, no ímpeto, inconscientemente,


eu não queria encerrar o nosso contato.

— Dois plantões seguidos. O ritmo está puxado na delegacia,


acho que preciso de umas férias. — Olhando bem, sua aparência era
mesmo de quem passou muito tempo acordado. Tinha olheiras e os
ombros estavam levemente caídos. Uma banheira e massagem,
esse homem sairia renovado. Como é que é Olívia? Suspirei curto e
o encarei.

— Hum, férias eu não posso te dar, mas sei cozinhar. Se tiver


descansado, vem jantar aqui mais tarde. — Disparei as palavras,
para não ter a chance de recuar. Sim, eu convidei meu vizinho bonitão
para jantar em minha casa. O convite quase foi feito de outro modo,
olha, Lui, não tenho banheira e nem intimidade para lhe fazer uma
boa massagem, mas eu te sirvo um jantar delicioso. No entanto,
para o meu bem, o discernimento às vezes demorava, mas não
falhava.
— Posso vir às nove? — ele perguntou, após uma longa
avaliação, onde pareceu querer me engolir com os olhos, e eu
assenti.

— Vou esperar, então!

Como uma boba, fiquei inerte na porta do meu apartamento,


enquanto ele despediu-se e entrou no dele. Quando fechou a porta,
eu corri para dentro de casa, fui vasculhar a dispensa e ver o que
tinha disponível para o jantar.

Ainda não sabia bem o que faria, muito menos o que ele gostava
de comer. Tem que ser algo comum, Olívia. O que poderia ser mais
comum que uma massa? Bife com batata frita, mas não precisamos
do cheiro de fritura no apartamento!

Bom, uma Carbonara ele deveria gostar, pois leva bacon e ovo, e
ele comeu das duas coisas naquele dia na padaria. Também havia
algumas garrafas de vinhos, todos Cabernet, o meu favorito.

Finalmente, consegui sair com Chanel, que estava irritadíssima,


embora tenha encurtado o passeio, pois queria dar uma arrumadinha
em casa, deixar tudo no lugar.

∞∞∞

Luiz Henrique

Então íamos jantar juntos.


Um programa para dois adultos.
E eu havia levado bolo para ela, embora tenha acontecido um
pouco diferente do que lhe contei. Saí da delegacia, exausto dos
plantões, mas o nome dela vinha na minha mente por mais vezes que
o saudável. Portanto, desviei um pouco o caminho e parei na padaria,
jurando que o estava fazendo em automático. No entanto, apesar do
cansaço, ao ver a emoção dela vi que valeu a pena.

Eu estava pensando mais do que o normal naquela mulher.

Que acontecesse o que tivesse para acontecer.

Tomei um longo banho, sentia o corpo e a mente cansada. O que


precisava era deitar-me na cama e só sair dela no dia seguinte. Avisei
Paulo de que nada me tiraria de casa na minha folga, eu realmente
precisava respirar. Mas o que eu queria era ir lá jantar com ela.

Vesti uma calça leve, entrei embaixo do edredom e programei o


relógio para despertar às oito e meia, tempo suficiente para tomar
outro banho e trocar de roupa. Se não fosse assim, ia apagar até o
dia seguinte.

∞∞∞

Pouco mais de três horas depois, lá estava eu pronto para ir


encontrá-la.

Olívia abriu a porta pra mim, cumprimentei-a com um beijo no


rosto e, no ímpeto, aspirei seu cheiro. Leve, feminino, e, na minha
percepção, bem provocante.

— Ah, vizinha... Eu nem me toquei de trazer um vinho. Aliás,


você gosta? Podemos pedir por algum aplicativo de entrega. —
Estava parado próximo à porta, encostado na parede, saquei o
telefone do bolso e já desbloqueava a tela.
— Hey, calma! — Ela disse rindo e fechou a porta, fazendo-me
levantar o olhar. — Eu te convidei para vir à minha casa, o vinho já
está separado! — Quando erguia a sobrancelha, como naquele
momento, ficava ainda mais bonita.

— Hum, bem precavida! — Mais uma vez, por impulso, estiquei o


braço e toquei sua mão. Por um mísero segundo, ela se mostrou
surpresa com o toque, mas logo sorriu e encaixou as nossas mãos,
puxando-me pela sua sala.

— Uma excelente anfitriã! — comentou, ainda com o sorriso no


rosto.

— Ah, mas eu não tenho dúvidas! — Dei uma piscadinha, quando


paramos diante de um sofá.

— Fique à vontade. — Nós dois nos sentamos, ela escolheu uma


cadeira, dessas de designer diferente. Logo, um serzinho pequeno e
peludo correu em minha direção, até tinha estranhado que não tivesse
aparecido ao lado da sua dona quando toquei a campainha.

— Hey, gatinha! Como vai? — A pequena usava uma roupinha


diferente da que estava mais cedo, agora tinha uma estampa xadrez
nas cores vermelha e branca e lacinhos combinando. Deixou várias
lambidas em minhas mãos, enquanto eu a acarinhava.

— Chanel gostou de você! Normalmente, ela late e reclama, não


é bem uma cachorra sociável com as minhas visitas. — Olívia olhava
com admiração para ela.

— Eu também gostei de você, Chanel! — sorri para a dona e


virei em direção a cachorrinha, que pareceu ter me entendido, pois,
em um impulso, o pequeno corpinho estava sobre o meu colo, bem
aninhada.

— Isso não, Chanel. A mamãe não gosta de desobediências. —


Olívia disse firme, embora a sua voz ainda fosse doce, a pequena
levantou as duas orelhinhas e logo se encolheu em meu colo. — Pode
descê-la, Lui. Eu realmente não estou entendendo a Chanel.

— Imagina, eu não ligo. — Fiz mais um carinho no bichinho e


Olívia pareceu relaxar. — Legal seu apartamento, a planta, ao menos
na área social, é igual à do meu. — O espaço era bem decorado,
móveis em cores claras e objetos coloridos, que combinavam entre si.
Havia também plantas espalhadas, mas sem fazer parecer que a sala
era uma selva. Em uma das paredes, próximo ao hall de entrada, ela
colocou um painel ripado de madeira e todo o conjunto era iluminado
em pontos estratégicos. A casa da Olívia era a cara dela.

— Eu adoro morar aqui, foi uma diversão decorá-lo. —


Comentou, seu olhar me acompanhou, passando por todo o ambiente.

— Prometi à minha irmã que a deixaria vir dar um jeito no meu,


pois ainda não tive tempo de arrumá-lo. — Maria Clara já estava com
vários planos, assim que comprei o apartamento a levei para
conhecê-lo.

— Se quiser, posso te dar umas dicas depois.

— Gosto de cores escuras. — Também não me lembrava de ter


conversado sobre decoração com alguma mulher, mas ali estava eu.
O outro apartamento em que morei minha irmã e minha mãe foram
quem cuidaram de tudo.

— Tons de preto, cinza e madeira. — Ela elencou, o olhar


brilhando, eu podia ver de longe as combinações formando em sua
cabecinha.

— É, pode ser... Acho que a Maria Clara perdeu o posto de


decoradora do meu apartamento.

— Ah, não faça isso com ela! Quem gosta de decoração, não
pode perder uma oportunidade de fazê-la, ainda mais se for com o
cartão de crédito de outra pessoa.
— Isso, com toda certeza! Ela terá o maior prazer em usar meu
cartão. — Nós dois rimos. Diferente do dia que passamos na ONG,
estávamos mais à vontade um com o outro.

— É mais nova que você? — perguntou, interessada. E curiosa.

— É sim, tem vinte e três anos.

— Bacana! Toma alguma coisa? — Olívia perguntou, pondo-se


de pé. — Podemos abrir o vinho!

— Aceito o vinho.

— Tá, vou buscá-lo.

— Sem essa de ficar me servindo, se não se importar, eu te


acompanho e ajudo. — Também fiquei de pé e trocamos um longo
olhar.

— Então, vem... — Dessa vez não pegou minha mão, mas eu


não saí do seu encalço, acompanhado da Chanel.
Capítulo 14
Luiz Henrique

— Não repara a bagunça, deixei algumas coisas preparadas para


o jantar. Ah, gosta de massa? — Parei próximo ao balcão da cozinha
estilo americana, enquanto ela tirou duas taças do armário e pegou a
garrafa de vinho, entregando-me para abri-la.

— É um dos meus pratos preferidos!

— Maravilha, vou preparar uma carbonara para a gente!

— Olívia, Olívia! — Ela me olhou tímida e eu o sustentei. Não me


lembrava da última vez que uma mulher cozinhou para mim. Talvez
tenha sido alguma ex-namorada. — Não quero te dar trabalho,
vizinha! A gente podia ter pedido algo no delivery.

— Não é trabalho! E eu não ligo de cozinhar!

— Eu vou amar provar a sua carbonara! — Servi as nossas


taças com o vinho, era um bom rótulo de cabernet sauvignon. Em
geral, eu curtia tomar cerveja, mas não me importava em tomar um
bom vinho, ainda mais se fosse em boa companhia. Como naquela
noite. — Em que posso te ajudar?

— Em nada, deixei tudo adiantado. Aliás, você está aqui para


descansar e se distrair um pouco.

— Um brinde, a nossa amizade que está iniciando! — Propus e


erguemos as nossas taças, nossos olhares grudados, como se
nenhum dos dois quisesse quebrar o contato.

— Um brinde a nós!

Olívia tinha razão quando disse que o jantar estava bem


encaminhado, pois não se passaram nem quinze minutos até avisar
que a refeição estava pronta. Ela havia arrumado a mesa de jantar,
com pratos, guardanapos de tecido e aquele monte de coisa que
mulher gosta de enfeitar.

— Leva para mim? — pediu, apontando para a travessa onde


havia colocado a massa.

— Claro.

Acomodamos-nos à mesa, Olívia serviu nós dois e eu repus o


vinho, o cheiro estava maravilhoso.

— Uau! — eu disse, após a primeira garfada. Admito que era a


melhor carbonara que havia experimentado. — Mandou bem demais,
vizinha! Acho que vou passar aqui mais vezes depois dos plantões. —
Dei uma piscadinha, arrancando um sorriso dela. E Olívia sorrindo,
era ainda mais bonita.

— Gostou mesmo? — assenti e ela mordeu o lábio, discreta. —


Pode ficar à vontade, Lui!

— Cozinha de tudo ou tem preferências?

— Gosto de cozinhar, adoro fazer carnes e inventar molhos. Mas


as massas têm o meu amor! A cozinha italiana é a minha preferida.

— Eu também curto.

— E você, cozinha? — perguntou.

— O suficiente para não pedir delivery em todas as refeições.

— Cozinhar é um ato de liberdade. Imagina, depender de outra


pessoa todas as vezes que tiver fome?

— Você tem toda razão. Eu aprendi o básico.

Conversamos mais um pouco e o tempo pareceu voar enquanto


jantávamos. Após finalizarmos, ela disse que ia buscar a sobremesa e
voltou com pudim de leite, servido em pratos individuais.

— Não esperava um banquete! — Eu disse, admirado, quando


colocou o doce diante de mim.

— Só porque é a primeira vez que vem jantar aqui. — respondeu.

— Está uma delícia! — parei o olhar nela, que retribuiu. —


Obrigado pelo convite e pelo jantar.

— Às ordens!

Ela ofereceu mais doce, que recusei e então fomos para a sala,
tocava uma música baixinha no sistema de som, o clima era
acolhedor. Além disso, conseguíamos manter uma boa conversa.
Olívia mostrava-se tímida em vários momentos, principalmente
quando eu não conseguia disfarçar, ou apenas não queria, meus
olhares cheios de segundas intenções, mas se mostrava pronta para
falar sobre qualquer assunto.

— Sem querer ser indelicado, mas você tem algum plano agora
que não trabalha mais naquela marca de roupas? — Minha pergunta
a pegou de surpresa, vi que relutou por um pequeno instante a
responder. E eu estava prestes a pedir que desconsiderasse, havia
mesmo sido indelicado.

— Hum, bom, eu tenho sim, mas ainda não sei bem como vou
fazer. — respondeu incerta.

— É mesmo? E pode contar? — Já que iniciei o assunto, tinha


que demonstrar interesse. Não era nenhum sacrifício, pois eu estava
mesmo interessado em saber mais.

— Sempre quis ter minha própria marca... Adquiri bastante


experiência. Tenho pensado sobre isso.

— E o que já fez a respeito?

— Eu... Eu desenhei o que poderia ser uma pequena coleção, de


apresentação, sabe? — De repente, havia um brilho em seu olhar, até
o tom de voz que demonstrava insegurança, estava mudando.

— Que bacana! Bom, a marca da Soraya é bem famosa, tenho


certeza de que se esteve lá como estilista, é por ser muito talentosa.

— Eu gosto do que faço. — Fez uma pausa, pensativa. E então


continuou. — Um dia antes de ser dispensada por ela, aconteceu um
evento com digitais influencers que fazem divulgações para a marca.
E elas me chamaram para acompanhá-las em uma viagem a Nova
York. A ideia era que levassem peças da Soraya Lins e eu montaria
os looks. Uma ação de marketing orgânico e espontâneo. — Em um
estalo, Olívia colocou-se de pé. — Vou te mostrar algo, peraí —
disse, saindo da sala em direção ao corredor, que em meu
apartamento levava aos quartos, imaginei que ali fosse o mesmo.

Em poucos minutos retornou à sala, carregando uma pasta


transparente. Sentou-se novamente no sofá e mordeu o lábio, antes
de me encarar.

— Quer ver os desenhos? — perguntou.

— Mas é claro! — Com um sorrisinho no rosto, tirou algumas


folhas da pasta e me estendeu, em cada uma havia um look completo
desenhado e com vários comentários ao redor. — Me parecem ser
bem urbanos, estou certo?

— São sim... Bom, foram criados de última hora, não tive tempo
para pesquisas de referências, então pensei na viagem que as
influencers me convidaram e desenhei os looks que eu colocaria na
mala para Nova York.

— E você vai produzir essas roupas, dá tempo delas levarem?


Gosto de Nova York. Confesso que não sou muito ligado à moda,
praticamente tenho as mesmas peças em meu guarda-roupa, mas é
perceptível que a sua criação tem tudo a ver com a cidade —
Comentei, sem graça, pois não sabia muito o que dizer.

— Ainda não falei com elas.

— Então vou me meter nessa história... Vá logo, mulher.


Aproveita que estou aqui te dando coragem e manda uma mensagem
para elas.

— Mas está tarde, Lui. — respondeu com os olhos arregalados.


Em pouquíssimo tempo que nos conhecíamos, ela se mostrava uma
caixinha de surpresas. Ora era a mulher decidida que veio morar
sozinha em São Paulo, ora tinha as suas inseguranças. E, naquele
momento, ela pareceu-me precisar de um empurrãozinho.
— Não são dez da noite, acha mesmo que é tarde em São
Paulo?

— Hum... Será? — Mordeu o lábio e torceu os dedos da mão.

— É o seu sonho! — Meu tom de voz abrandou, ela se sentia


mesmo insegura.

— Tá, é, pode ser. —direcionou-me um longo olhar, até parecer


ter sido vencida. — Vou mandar mensagem para a que eu tenho mais
intimidade.

Ela passou um tempo digitando, vez ou outra levantava o olhar


para mim e sorria, depois pediu que eu aguardasse só mais um
pouquinho, ouviu algum áudio que havia sido enviado e minutos depois
bloqueou a tela do celular e o colocou em um canto do sofá.

— Amanhã eu vou almoçar com a Bruna, acho que pode dar


muito certo! — Seus olhos brilhavam e eu estava verdadeiramente
feliz com o entusiasmo dela. Algo em Olívia me atraía, era um fato. E
não tinha nada a ver com a sua beleza. Ia bem além e eu,
estranhamente, queria descobrir o que era.

— Gosto de ver esse sorriso e essa animação, melhor assim! E


eu também acredito em você, vai dar tudo certo!

— Obrigada, de verdade!

— Não tem nada para me agradecer.

Encaramo-nos, nossos olhos já pareciam estar se acostumando


a ficarem longos minutos mirando o outro, pois era algo que fizemos
com intensa frequência naquela noite. No entanto, o contato foi
quebrado quando, involuntariamente, fechei os olhos ao bocejar.

— Você está morto de cansaço e eu lhe tirei do seu descanso.


— Cansado era pouco, estava com privação de sono e, naquela
altura, já apresentava dificuldades até para manter uma conversa,
mas ela não precisava saber desse detalhe.

— De forma alguma... Sim, ainda estou exausto. Mas eu escolhi


estar aqui com você. — Estava sendo sincero, talvez um tanto direto,
a deixei sem graça e com as bochechas coradas, mas ainda bem
sincero. — Não precisa ficar tímida, quero que saiba que gostei
muito do convite e, se pudesse, escolheria de novo jantar aqui com
você.

— Ham... Bom, fico feliz! — Adorável a carinha que ela fez de


quem gostaria de enfiar a cabeça em algum lugar e se esconder de
mim. Segurei o riso, só um pouco, mas consegui com que ela também
sorrisse. Não havia nada que me impedisse de demonstrar que
estava a fim dela e, de algum modo, querer levar isso em frente.
Precisava descobrir se ela queria o mesmo. Mas naquele momento
estava claro que não rolaria nada e o melhor que eu tinha a fazer era
ir dormir.

— Bom, vizinha, é hora de seguir meu rumo. — Coloquei-me de


pé e a cachorrinha, que brincava em um canto da sala deitada em sua
cama, logo estava ao meu lado, abanando o rabinho minúsculo.

— Eu te convidaria para passar mais tempo, Lui. Também gostei


da sua companhia, mas sei que está cansado! — Ela também ficou
de pé, parou ao meu lado, senti uma vontade enorme de abraçá-la e
sentir seu corpo contra o meu, mas me contive. Mais uma vez nossos
olhares grudaram, mas naquele momento não encontrei a usual
timidez da Olívia, ela retribuiu, com intensidade, assim como eu.

— Eu adoraria e já me convido para fazermos isso mais vezes.


— Peguei sua mão, nós dois conectados, fiz um carinho sobre o seu
dorso e a saí puxando até a porta. Nos soltamos e Olívia a abriu.

— Não irei recusar! — Ela disse, finalmente. A puxei para mais


perto e a abracei, deixando um beijo em sua testa. — Boa noite! Sua
comida estava uma delícia! — Eu disse próximo ao seu ouvido e após
correr o olhar por todo o seu corpo. — Até mais, Chanel.

Internamente eu estava agitado, entrei em casa e joguei-me no


sofá, de olhos fechados, pensei nas últimas horas que passei ao lado
dela. Olívia era divertida, natural, inteligente e sensível. Sentia-me à
vontade na sua presença. Conhecíamo-nos há tão pouco tempo e ela
não saía da minha cabeça.

Eu estava fazendo hora extra fora da cama, mas a minha cabeça


estava um turbilhão. Saí do sofá e fui em direção à varanda do
apartamento, que eu mal havia usado. Abri a porta de vidro e afastei
a cortina, um dos poucos itens que ornavam a minha sala, sendo
recebido por uma lufada de ar frio. O céu estava estrelado e a noite
iluminada pela infinidade de luzes vindas dos prédios.

Apoiei os cotovelos sobre o guarda-corpo e suspirei. Não tive


muito tempo para pensar na vida, pois ouvi o abrir de uma porta e fui
surpreendido por uma voz falando comigo.

— Desde a sua mudança para cá, ainda sem saber que era você
o meu novo vizinho, perguntava-me o porquê dessa vista não ser
devidamente apreciada.

— Um sacrilégio, com toda certeza. E um grande erro da minha


parte não estar aproveitando-a. Então quer dizer que nossas
varandas ficam lado a lado, vizinha? — Que providencial! E eu fingi
que não sabia.

— Pois é, graças à arquitetura circular da fachada. — Olívia


havia vestido um casaco comprido e segurava a taça com vinho. O
vento batia em seu cabelo, bagunçando um pouco os fios.

— Isso será interessante, já que ainda não tenho o número do


seu telefone. Vamos nos comunicar da varanda. — Já havia virado em
sua direção, as mãos no bolso da calça e encostado no guarda-
corpo.
— Se queria o meu telefone era só ter pedido, vizinho! —
respondeu, após sorrir e morder os lábios. Vizinho. O jeito que eu
gostava de chamá-la.

— Anotado, basta pedir! — Respondi, encarando-a. E pela


milésima vez na noite, Olívia ficou sem graça com o meu sorriso
sugestivo. Nós dois sabíamos que eu não falava apenas do telefone.
Em uma longa pausa, apenas nos olhamos. — Já está indo dormir?

— Estava, mas antes gosto de vir aqui fora.

— Já sei que a partir de hoje, também irei fazer o mesmo! — Ela


virou a taça, tomando o que restava do vinho.

— Está tarde! Vamos descansar...

— Boa noite, vizinha!

— Boa noite, vizinho!


Capítulo 15
Olívia

Que noite! Tudo estava indo rápido demais, mas Luiz Henrique não
fazia o mínimo esforço para disfarçar que queria me beijar e eu, bom,
eu queria o mesmo. No entanto, mantinha a cabeça no lugar. Ao
menos, tentava. Não era nenhuma puritana, tive as minhas aventuras
amorosas, embora preferisse um relacionamento estável.

Mas estávamos falando do meu vizinho, não era como se eu


pudesse beijá-lo ou ter alguma intimidade a mais, e nos dias
seguintes assistir uma fila de mulheres bem satisfeitas saindo do seu
apartamento sem sentir nada.
Porque, sim, eu ia me corroer de ciúmes. E nos conhecíamos há
dias, não havia espaço para qualquer conversa além da vida de
solteiros que tínhamos.

Éramos isso, dois adultos solteiros que estavam se interessando


pelo outro e, por ironia do destino, compartilhavam o mesmo
endereço.

Forcei-me a dormir, pois no dia seguinte teria que tomar várias


decisões em relação ao trabalho. Graças ao empurrãozinho dado por
Lui, consegui um almoço com a Bruna Diniz, apenas adiantei que
gostaria de conversar sobre um projeto pessoal, que era em relação
à moda e ela ficou eufórica. Seria bom ouvir sua opinião e ver no que
ela poderia me ajudar.

Eu tinha um plano e fui dormir animada, de repente, disposta a


torná-lo realidade. Precisava resgatar em mim a coragem da menina
de dezoito anos que chegou sozinha a São Paulo e, mesmo tendo
medo, enfrentou todas as oportunidades de peito aberto.

Não imaginava que a minha demissão fosse me impactar tanto,


quase a ponto de me paralisar. Mas agora era a hora de erguer a
cabeça e ficar de pé.

∞∞∞

Eu tinha uma rotina intensa de trabalho na Soraya Lins e quase


nunca conseguia me exercitar. Esse foi um dos pontos que resolvi
mudar. Ainda não sabia como seria o meu dia a dia cuidando da
Olívia Torres, sim, minha marca levaria meu nome, mas coloquei
como regra que tiraria um tempo para cuidar de mim.

Acordei cedo, coloquei uma roupa de ginástica, cuidei da Chanel


e desci para a academia do prédio. Quando retornasse, certamente
ia repor as calorias gastas na esteira jogando-me no cappuccino, ao
menos agora eu teria a compensação.

Desci meio sonolenta no elevador, sério que era uma boa ideia
sair da cama tão cedo? Suspirei e caminhei lentamente pelo corredor
que levava a sala da academia. Franzi o cenho com o som que passei
a escutar, não era tão alto, pois as portas de vidro estavam fechadas,
mas eu ouvia perfeitamente a música eletrônica animada que tocava
lá dentro.

Diminuí a velocidade dos meus passos, não estava nos planos


ter companhia. Suspirei e continuei seguindo em frente, para estancar
logo em seguida.

Meus olhos arregalaram-se e senti a garganta secar.

Uau!

Usando uma calça esportiva preta, que, talvez pelo suor, estava
colada em suas pernas torneadas e, sem camisa, Lui corria na
esteira; os cabelos meio bagunçados, uma verdadeira tentação
matutina ou em qualquer horário do dia. Seu ritmo era rápido, ele
praticamente voava no ritmo da música que tocava.

Diferente do que imaginei, até por não tê-lo visto desnudo, seu
corpo era muito bem definido por músculos. Braços enormes, costas
largas e algo me dizia que de frente, eu veria vários gominhos em seu
abdômen.

Não tive opção, a não ser admirá-lo e imaginar as gotículas de


suor que estariam percorrendo suas costas. Ou pelo seu peito e
abdômen.

Mordi os lábios e quase fechei os olhos com a viagem que os


meus pensamentos faziam. Quase. Pois, de repente, a música parou
e um par de olhos astutos e divertidos estavam lá me encarando.
Por que mesmo Lui tinha que me surpreender naquela situação
constrangedora?

Ele saiu da esteira e caminhou em direção à porta, no caminho


arrumou os fios do cabelo com os dedos. Eu permanecia
ridiculamente congelada do lado de fora.

— Acho que tivemos a mesma ideia! — Disse ao abrir a porta de


vidro, encostado a ela. De perto pude comprovar os meus
pensamentos, havia um rastro de suor por seu corpo, foi difícil não
deixar meus olhos vagarem pelo seu abdômen bem trabalhado e
definido. Eu só podia agradecê-lo por deixar algumas horas do seu
dia dentro da academia.

— É, acho que tivemos — disse completamente estarrecida por


ter sido pega admirando-o. Ele tinha um sorriso torto nos lábios, seus
olhos passeavam desde o meu rosto até os meus pés, sem esconder
as pausas que fez ao passar pelos meus seios. Ao menos, ele não se
envergonhava por me comer com os olhos.

— Dormiu bem? — perguntou, após a inspeção.

— Uma noite maravilhosa! E você?

— Igualmente... — Sua voz estava mais rouca que o tom


habitual, talvez fosse pelo esforço físico de instantes atrás.

— Malha sempre aqui? — perguntei, ainda um tanto afetada.

— Em todas as minhas folgas... Às vezes, quando chego do


trabalho e, não estou tão exausto, também venho. — Estávamos os
dois parados na porta da academia, o que não fazia o menor sentido.
Ele deve ter pensado o mesmo, pois riu, abriu passagem e fez um
sinal com a mão, para que eu entrasse. — Se importa com a música?

— Não, claro que não. — Escolhi uma esteira e coloquei a


garrafinha com água e meu celular no suporte. — Achei que tivesse
acabado... — comentei, virando em sua direção. Péssima escolha, ou
não, a depender do ponto de vista, pois ainda sem camisa e suado,
Lui virava a água da garrafinha em sua boca e várias gotas escorriam
ao redor. Ainda bem que eu não havia ligado a esteira, já que mal
sentia as minhas pernas. Definitivamente, aquele homem mexia muito
comigo e sem sequer me tocar.

— Ainda não, gosto de alternar os aparelhos, vou fazer um pouco


de bicicleta, antes da musculação. — Respondeu, após o show
gratuito com a garrafinha d’água.

— Certo!

Soltei um suspiro e iniciei na esteira, precisava me desligar dele


e, foi providencial a música que logo ele acionou, tentei me concentrar
na batida eletrônica. Consegui fazer trinta minutos de corrida,
intercaladas com algumas caminhadas curtas, de dois a três minutos.
Se mantivesse uma constância, logo estaria correndo bem, assim
como era anos atrás, época em que eu curtia me exercitar.

Parei exausta, e lamentei não ter descido com uma toalhinha,


pois estava muito suada. A adrenalina era tão grande que eu
realmente me esqueci que não estava sozinha.

A jaqueta esportiva que usava quando cheguei, havia sido


amarrada na cintura, tendo ficado apenas com um top preto. Saí da
esteira e caminhei até uma pilastra onde ficava o suporte com papel.
Tirei algumas folhas e sequei meu colo, depois peguei mais folhas e
quando ia secar minha nuca, senti sua presença e sua voz soou forte
próxima ao meu ouvido.

— Deixa que eu te ajudo, vizinha! — Ele pegou o papel da minha


mão e calmamente passou uma das folhas pela minha nuca e pelo
meu pescoço. Pediu outra folha e passou também pelas minhas
costas. Eu sentia meu corpo pegando fogo, o coração palpitando no
peito e de novo a garganta seca. Finalizou o trabalho de me secar e
senti suas mãos grandes tocarem em minha cintura. Ele se aproximou
um pouco mais, nossos corpos colados e sua respiração ruidosa em
meu ouvido. Eu ia enlouquecer.

— Olívia, Olívia... — Suas mãos me apertaram e fechei os olhos,


sem saber como reagir. Queria era puxá-lo para que me abraçasse
ou virar em sua direção e tocar seu corpo, beijar sua boca. Mas não
conseguia tomar nenhuma iniciativa e ele parecia também, por algum
motivo, se segurar.

— Acho que vou fazer um pouco de exercício... Talvez um


abdominal — Foi a única coisa que me veio à cabeça, do contrário,
eu seguiria com o plano de aproveitar o corpo do meu vizinho. Um
plano prazeroso, não podia negar.

— Eu te ajudo — aos poucos ele soltou o aperto em minha


cintura e me surpreendeu com um beijo no topo da cabeça. Forcei-me
a sair do torpor que me encontrava, afastei-me um pouco para jogar
os papéis na lixeira e pegar um colchonete.

— Tem alguma série pronta? — perguntou.

— Uma básica... Não tenho o costume de malhar, mas pretendo


mudar esse hábito. — respondi, já sentada no colchonete.

— Exercício físico faz bem para a mente e, claro, para o corpo,


embora o seu seja perfeito. — ele deu uma piscadinha e foi até um
dos aparelhos, surpreendendo-me ao vestir a camisa.

— Lui!

— Só um elogio. Bom, se não se importar, posso te ajudar com


algumas séries. Depois você anota a sequência e vai conseguir fazê-
las quando estiver sozinha.

— Eu quero!

∞∞∞
Passei mais tempo na academia do que havia planejado, Lui e eu
retornamos juntos ao nosso andar, ele disse que ia para a ONG. O
homem era incansável, seu dia de folga depois de muita correria nos
plantões na delegacia e lá ia para outra atividade.

Passei o resto da manhã cuidando da minha vida financeira. Para


tirar a Olívia Torres do papel e continuar me mantendo em São Paulo,
eu precisava de dinheiro. Papai ofereceu um patrocínio que não
recusei, pois nunca se sabe o dia de amanhã, mas também não
aceitei de imediato, agradeci e disse que no momento não seria
necessário.

Chequei minha conta bancária, os investimentos que possuía e


conversei com uma assessora financeira. Chegamos à conclusão de
que, para as minhas demandas do momento, o melhor caminho seria
liquidar alguns ativos, como ações que comprei ao longo dos anos.

À tarde almocei com Bruna que ficou empolgadíssima com os


meus planos.

— Só sei que Olívia Torres já é um sucesso e a minha nova


marca favorita! — Disse com os meus desenhos em mãos. Meus
olhos marejaram, Bruna trabalhava com moda, assim como eu, tinha
olho clínico para o que vendia e o seu público era justamente o que eu
tinha como alvo principal. Então ouvi-la aprovar o meu trabalho era de
grande importância para mim.

— Não é para tanto, Bru!

— Claro que é! Mulher, você não faz mesmo ideia do quanto é


talentosa. As pessoas piram com as suas criações. As suas peças
são objetos de desejo. A questão é que até hoje, elas não tinham seu
nome. Mas foi você quem criou, é o seu feeling!
— Prometi a mim mesma afastar toda insegurança. — confessei.

— Assim que se fala! Temos que marcar com as meninas para


tirarmos as medidas e escolher os looks. — Ela sacou o telefone e já
digitava alguma coisa.

— Quero fazer o convite para cada uma. E vou ver o quanto


antes consigo reunir todas. — Ela me olhou por cima dos óculos de
sol e fez uma pausa, meio impaciente.

— Seu tempo está correndo, ok? Temos menos de vinte dias


para a viagem. Então, agora você precisa agir.

— Convido agora. — Meneei a cabeça em afirmação. Por Deus,


o que estava acontecendo comigo, a cada instante parecia precisar
de alguém para me empurrar para frente.

— Agora. — Ela disse firme. Peguei meu telefone e enviei uma


mensagem para as influencers que planejei convidar. Logo, as
respostas começaram a chegar.

— Pronto, consegui confirmar com algumas para hoje ainda, você


pode ir à noite ao meu apartamento? — Perguntei, quase dez minutos
depois.

— Marcadíssimo, gata! Agora preciso ir, tenho um compromisso


daqui a pouco e algumas publis para gravar. — Bruna fez um sinal
para o garçom e eu tinha um sorriso no rosto. Estava saindo do lugar
e minha marca ganhando forma.

Pagamos a conta e caminhamos juntas até o estacionamento do


restaurante.

— Até mais tarde! — Abracei-a e ela beijou meu rosto.

— Estou muito orgulhosa de você, Oli!


Capítulo 16
Luiz Henrique

Passei a tarde na ONG, meus pensamentos deveriam estar focados


na reunião que eu fazia com dois empresários, bem como no acordo
de patrocínio que me apresentavam, mas minha cabeça, durante
quase toda a totalidade do dia, esteve em Olívia; em seu sorriso fácil,
embora tímido; e naquele corpo delicioso que quase me fez perder a
linha pela manhã na academia.

Após a reunião, senti uma vontade enorme de contá-la sobre a


proposta que recebi.
O projeto estava crescendo e chamando a atenção, tínhamos
bons números de aprovados nos concursos da segurança pública e
até havíamos sido procurados por um programa de TV, que queria
saber mais sobre o trabalho que desenvolvíamos.

Naquele dia não daria aula, na verdade, já havia me dado conta


de que seria mais útil coordenar a ONG e, assim, vinha fazendo.
Aproveitei que estava ali e chamei Mércia para falarmos sobre a
contabilidade e fecharmos alguns relatórios.

Uma hora depois estava liberado e não via a hora de voltar para
casa. Tinha planos para aquela noite.

Descia as escadas em direção à garagem quando ouvi o estalar


do portão, sinal de que a recepcionista abriu-o lá de cima. Logo,
surgiu no pátio a pessoa que menos imaginei encontrar ali. Mal
estávamos nos vendo dentro da delegacia.

— Oi Lui, como vai? — Dani perguntou receosa ao se aproximar


de mim, tirou os óculos de sol e o encaixou na gola da camiseta que
usava. Também devia estar de folga, pois não usava a farda da PF.

— Surpreso, você nunca vem aqui. — Enfiei a chave no bolso da


calça e cruzei os braços.

— Ah, pois é. — Disse, sem graça. — Eu vim porque quero


conversar com você, imaginei que estivesse aqui.

— Sei, bom, eu estava indo embora. É coisa rápida? —


questionei.

— Prometo não demorar.

Assenti e dei às costas a ela, dirigindo-me à escada. Ela me


acompanhou, em silêncio, atravessamos a parte interna da casa e
chegamos ao pátio externo, onde passei um tempo com Olívia, dias
atrás.
Sentamos-nos em um dos bancos e depois de um longo minuto,
ainda em silêncio, a mulher puxou a conversa.

— Eu vim te pedir desculpas. — Contou, enquanto eu observava


o muro em nossa frente, coberto por trepadeiras. — Passei de todos
os limites, estou arrependida e envergonhada. Você é meu amigo,
sinto falta da nossa convivência, das conversas. Talvez eu tenha
confundido as coisas entre nós dois, eu sei que somos só amigos e
estou bem com isso. Mas te peço desculpas e gostaria muito que
voltássemos a ser como antes. — Suspirei fundo, após ouvi-la. Eu
não esperava por suas palavras.

— Bom... Acho que você já sabe que foi longe demais, vacilou
enquanto estávamos em duas ações policiais — Olhei em sua
direção, Dani encarou-me, encolheu os ombros de leve e assentiu.

— Sim, eu sei.

— Eu te desculpo, claro. Fico feliz, de verdade, que tenha vindo


falar comigo. Mas tem algo mais que precisamos esclarecer — ela
me lançou um olhar apreensivo e eu soltei outro suspiro — Além da
questão do trabalho, que me incomodou muito, temos que considerar
que você e o Paulo tiveram um relacionamento, gosto dos dois e
essas atitudes suas me deixam em uma situação delicada. Você e eu
não temos nada além da amizade. E eu preciso que você entenda
isso.

— Eu também não tenho mais nada com Paulo. — retrucou e eu


ergui a sobrancelha.

— É uma condição, não falaremos mais sobre esse assunto.


Podemos continuar com a amizade, mas nada além disso. — Ela
crispou os lábios, mas rapidamente disfarçou o descontentamento
que achei ter visto.

— É o que também quero: ter meu amigo de volta.


Embora feliz por termos nos entendido, estava determinado a
manter os olhos abertos, não botei fé em sua promessa.

∞∞∞

Saí da ONG e passei em um supermercado perto de casa, a


geladeira e a despensa estavam praticamente vazias. Comprei o
suficiente para não passar fome nos próximos dias e aproveitei para
escolher algumas garrafas de vinho.

Quando cheguei em casa já era fim da tarde. Liguei para Maria


Clara e combinamos que no dia seguinte ela iria até o apartamento
ver o que podíamos comprar para deixá-lo com cara de casa e mais
confortável.

Tomei um banho e acabei cochilando. Quando acordei, já era


noite. Dei um pulo da cama, tomei outra ducha e fui ver as horas.
Passavam das oito. Vesti uma camiseta e saí do apartamento,
decidido que seria o último dia a não ter o número do telefone da
Olívia.

Toquei a campainha e logo me arrependi, pois ouvi várias vozes


do outro lado da porta. Se tivesse sido um pouco mais inteligente,
teria ido até a varanda. E, então, teria escutado os ruídos. Na noite
anterior, não lhe contei que eu sabia bem quem era a vizinha da
varanda ao lado, eu só não tinha tido tempo de usufruir daquele
espaço, a ponto de quase esquecer que ele existia.

— Oi, Lui! — a porta foi aberta e ela surgiu linda, o cabelo


estava preso em um coque no alto da cabeça, alguns fios caíam
soltos pelo seu pescoço e os olhos brilhavam. Olívia estava feliz!

— Oi, vizinha! — Cumprimentei-a e logo engatei um pedido de


desculpas. — Não sabia que estava com visitas.
— Ah, não tem problema! Na verdade, são as influencers que te
falei, lembra? — Atrás dela havia vários pares de olhos femininos
espiando-nos e podíamos ouvir o som de risadas abafadas. Olívia
puxou mais a porta atrás de si, quase a fechando. — Vieram aqui tirar
as medidas e escolher os looks da coleção que irei produzir.

— Então, elas irão levar as roupas para Nova York? — Perguntei


e ela assentiu animada. Olívia conseguiu! Fiquei contente por ela, por
ter dado um passo em direção ao seu sonho.

— Vão sim, não é demais?

— Parabéns, você merece! — Uma mecha maior escorregou do


cabelo preso e eu não pestanejei em colocá-la atrás da sua orelha,
demorando um pouco ao tocar sua pele com o nó do dedo. — Estou
feliz por você, por estar dando certo.

— E eu tenho muito a agradecê-lo, praticamente me obrigou a


mandar aquela mensagem ontem. — Disse com um sorriso no rosto.
Eu estava feliz de verdade por sua conquista e ainda que já não
soubesse dos seus planos, teria me empolgado com a sua animação.
Ali não havia um pingo da insegurança que ostentava na noite anterior.

— Estou às ordens.

Nossos olhares estavam presos um no outro e assim


permanecemos por um longo instante.

— Bom, mas então, está precisando de algo?

— Vim te convidar para comer uma pizza no meu apartamento,


comprei um vinho para a gente. — Foi o que fiz no supermercado
quando parei na adega, escolhi os rótulos que achei que fosse
agradá-la, muito otimista que tomaria todas as garrafas em sua
companhia.
— Eu não posso agora... — mordeu o lábio, mostrando-se de
certa forma também frustrada, pois eu estava. — Mas... Você
trabalha cedo amanhã? — Questionou-me com o olhar ansioso e,
mesmo se eu fosse sair de casa às seis da manhã, não negaria a
ideia que imaginei ela ter tido no momento.

— Não, estou com um banco de horas enorme, o delegado pediu


que eu fosse compensando. Amanhã irei à tarde para a delegacia.

— Se não for te atrapalhar, posso ir mais tarde, quando as


meninas forem embora. — Sugeriu e na sequência as bochechas
estavam coradas. Ficava incrivelmente mais bonita, quando sorria e
quando corava.

— Eu vou te esperar. — Estendi a mão e toquei seu queixo, a


pele macia sobre a minha, encarando-a firme.

— E a não ser que queira muito comer pizza, não precisa pedir,
tenho várias comidinhas aqui. — Avisou. — Modelos e influencers
praticamente não comem. — Complementou, abaixando o tom de voz,
como se confabulasse.

— Tá certo, volta lá para finalizar seu trabalho. Nos vemos mais


tarde! — Aproximei, deixei um beijo na sua testa e voltei para casa.

∞∞∞

Olívia

Como explicar o mix de sentimentos que havia dentro que de mim?


Minutos atrás eu não me aguentava de emoção por ter dado um
passo enorme no meu projeto. As garotas iam levar as minhas roupas
para a viagem, haviam amado cada peça que apresentei e estávamos
todas com boas expectativas. Era como se nada pudesse ser mais
animador no meu dia.

Então, Lui apareceu. Lindo, disponível, batendo em minha porta


com um convite para jantar em seu apartamento, fazendo meu
coração palpitar e não voltar ao normal.

Já devo ter dito em algum momento e até para mim possa ter
soado repetitivo, mas meu vizinho estava mexendo muito comigo.

— Pode ir contando tudo, mocinha. — Luma, pediu e logo eu


estava rodeada por todas as mulheres, a curiosidade quase
explodindo por cada poro delas.

— Desde quando você tem um vizinho gato desse jeito? — Nath


perguntou, tomando em seguida um golo do espumante que as servi.
Eu não conseguia responder, pois tumultuaram em cima de mim e
falavam todas ao mesmo tempo. E, por um mísero momento, eu não
quis compartilhar informações sobre ele, mantendo-o apenas para
mim.

— Droga, eu não consegui ver a cara do sujeito, mas se estão


dizendo que é gato, eu acredito. — Reclamou Bruna, ela estava no
banheiro quando Lui chegou e logo eu fechei a porta, dando-nos
privacidade do lado de fora do meu apartamento.

— É muito, mas muito gato, Bru! — Foi Nath quem respondeu.


Era ridículo, mas senti uma ponta de incômodo. Fazer o quê? Lui era
lindo mesmo.

— Falem baixo, a varanda dele é logo ali ao lado! — Eu pedi


rindo e as puxei para a cozinha, afastando-nos ao máximo do espaço
aberto. — Bom, ele mudou para cá faz pouco tempo.

— Hum! E veio te pedir açúcar emprestado? — Lore perguntou,


arrancando uma risada de todas nós. Mas isso não fazia o tipo do
Lui.

— Boba... Veio me chamar para comer pizza na casa dele! —


Contei, sentindo-me um tanto envaidecida. Um homem lindo daquele,
convidando-me para jantar. No entanto, já sabia que Lui era bem mais
que beleza, o cara era muito gente boa e divertido. Ou seja, uma
combinação perigosa, que já estava ferrando com a minha cabeça.

— Hummmm!!! — Exclamaram, em uníssono.

— É melhor a gente andar logo, eu me recuso a empatar foda


alheia. — Luma disse, arrastando-nos de volta para a sala, ainda
faltavam vários ajustes para fecharmos o que cada uma ia levar de
peças na viagem.

— Gente, não tem nada disso, nem nos beijamos, tá — fiz com
que parassem e me ouvissem, de preferência, longe da varanda.

— Oh, isso é bem triste. Porque ele me pareceu ter uma boca
bem beijável. — Nath fez com que todas gargalhassem novamente. —
O que acha, Olívia?

— Acho que vocês estão muito assanhadas! E ele tem sido um


bom amigo!

— Amigoooooo!!!

— Isso, amigo. Agora vamos trabalhar!!


Capítulo 17
Olívia

Não foi difícil encerrar a noite com as meninas, elas também se


mostraram ansiosas para que eu fosse jantar com o meu vizinho. Não
me lembrava de estar tão animada. Tantas coisas acontecendo ao
mesmo tempo, sentia-me feliz e realizada.

E jantar com Lui era quase uma comemoração, o fechar com


chave de ouro daquele dia tão especial.

Fui até a minha suíte, soltei o coque que tinha feito no cabelo e
passei a escova pelos fios. Dei uma pincelada de blush nas
bochechas e renovei o perfume. Estava pronta.
Na cozinha, arrumei dentro da embalagem a torta intocada de
palmito com catupiry e em outro vasilhame coloquei os mini
sanduíches e salgadinhos. Despedi-me da Chanel que estava exausta
das tantas visitas que recebemos e fui ao apartamento dele.

Toquei a campainha e, rapidamente a porta foi aberta.

— Muito tarde? — Seus olhos pousaram firmes sobre os meus.


Não me lembrava de algum dia já ter sido olhada da forma como Lui
fazia, intenso, firme, como se fosse me devorar inteirinha.

— Eu disse que te esperava! — Ele deu uma piscadinha, sorriso


torto e pegou as embalagens da minha mão, apontando, na
sequência, com a cabeça para dentro do apartamento. — Deixa que
eu levo isso, entre!

— É, sua irmã vai se divertir, ela praticamente tem todos os


cômodos para se esbaldar na decoração! — Dei uma olhada por todo
o ambiente, enquanto ele colocava as comidas sobre a bancada da
cozinha.

A planta do nosso apartamento era mesmo igual, ele parou ao


meu lado, também observando os espaços praticamente vazios. Tinha
uma excelente aparência, pintura bem feita e parecendo novinha,
assim como a marcenaria e os poucos móveis.

— Já estou me preparando mentalmente. Marquei com ela para


amanhã... — comentou preguiçoso, deixando claro que não teria
ânimo para escolher móveis.

— Legal! Nossa casa é lugar de descanso, de paz, faz bem


deixar tudo do seu jeito.

— Concordo. Mas me conta como foi com as garotas? Estou te


achando animada! — Puxou-me para o balcão da cozinha, abriu uma
garrafa de vinho e eu me sentei em uma das banquetas.
— E estou! Sério, muito animada e feliz. — Estendemos as taças
e brindamos. — Bom, as meninas amaram todas as peças, agora
tenho que produzir em tempo recorde. Amanhã mesmo minha mãe irá
me passar todo o material que preciso, assim que comprar irei para
Taubaté, levar a matéria-prima para a produção. — Contei-lhe e
escutou-me atencioso.

Em uma das nossas conversas eu havia contado sobre a minha


cidade natal, que minha mãe tinha uma confecção e, que foi lá,
inclusive, que eu comecei a brincar de moda quando produzia as
roupinhas das minhas bonecas.

— Terá dias de muito trabalho, então. Se precisar de alguma


ajuda, não hesite em me pedir.

— Pode deixar!

Ele organizou sobre o balcão o nosso jantar improvisado,


comemos e o tempo passou sem que percebêssemos.

Tínhamos assunto, era incrível como conversávamos sobre tudo


naturalmente. Ele só se retraía quando eu perguntava algo do seu
trabalho, percebi que, talvez por serem investigações sigilosas e que
envolviam a Justiça, ele não se sentia à vontade para falar. No
entanto, contava com animação sobre seu dia a dia e a relação com
os colegas do trabalho.

Depois que limpamos tudo, pegamos nossas taças e fomos para


a varanda. A noite, mais uma vez, estava linda. Paramos diante do
guarda-corpo e ficamos um longo instante em silêncio, ouvindo um
rock baixinho que tocava quando cheguei ao apartamento.

— Então quer dizer que tenho uma boca beijável, vizinha? Acho
que escutei algo neste sentido. — Lui deu um passo em minha
direção, parando logo atrás de mim, sua voz aveludada soou em
minha nuca, deixando-me toda arrepiada. Sentia forte o impacto das
batidas do meu coração, como se ele fosse escapar do peito. Ao
nosso redor, a noite de São Paulo em seu misto de escuridão
iluminada. Minhas bochechas ardiam, avisei que ele ia escutar e as
matracas não me ouviram e nem se calaram. No entanto, não havia
nenhuma mentira no que Nath disse, ele era sim muito beijável. Ah,
como era! — Será que escutei errado? — Senti seu corpo grande e
quente perto demais do meu, quase colado, seu peitoral já tocando
em minhas costas. Fechei os olhos, a noite estava fria, mas eu sentia
a sua quentura.

— Acho que não — suas mãos pararam ao lado das minhas, me


prendendo entre o seu corpo e o guarda-corpo. Minha voz saiu
entrecortada, envolta a tantas emoções, sentindo a garganta seca de
desejo, medo e expectativa pelo que ia acontecer.

— Entendi certo ou não, Olívia? — Lui desceu a boca até


próximo ao meu ouvido, a voz suave e firme, o que fez todo o meu
corpo estremecer.

— Foi o que disseram — respondi e como se ainda fosse


possível, ele colou mais os nossos corpos e suas mãos enlaçaram
minha cintura. Envolveu-me em um abraço delicioso, sem pensar eu
descansei a cabeça em seu peito e soltei um suspiro, me rendendo-
me completamente.

— E o que você acha? — Ele correu a boca pelo meu pescoço,


deixando um rastro de fogo em minha pele, fazendo todo o meu corpo
formigar.

— Acho que você quer me enlouquecer. — Tomada por tantas


sensações boas, eu já nem conseguia formular algo para dizê-lo,
meus pensamentos estavam totalmente desordenados e meu corpo
pegando fogo.

— Ah, eu quero muitas coisas, vizinha! E te enlouquecer é só


uma delas. — O seu cheiro gostoso, seu corpo acolhendo o meu e
sua voz próxima ao meu ouvido já me levavam à loucura, mas ele foi
além, passou a beijar meu pescoço, beijos molhados sobre a pele
quente, fazendo-me desejar ainda mais a sua boca sobre a minha. —
Nós dois queremos a mesma coisa, Olívia. Eu te desejo desde a
primeira vez que te vi, brava dentro do carro, pois eu estava usando
sua vaga na garagem. Não houve um só dia em que não pensei em
você. Eu quero te beijar, mas antes estou dando-lhe a chance de me
afastar. Amanhã eu ainda estarei aqui, ao lado da sua porta, assim,
como depois de amanhã e na semana que vem também.

— É uma loucura isso — respondi, quando ele virou meu corpo


em sua direção, deixando-nos cara a cara, seus olhos faiscavam,
senti seu hálito quente. Eu tive a grande oportunidade de negar seus
beijos, mas eu queria e queria muito. Involuntariamente, passei a
pontinha da língua pelo meu lábio superior, eu o sentia seco, como se
precisasse do contato da boca dele.

— É sim — sua boca tomou a minha, Lui subiu uma mão para o
meu cabelo e segurou firme a minha cabeça, sua língua me invadiu,
em um beijo forte, profundo, molhado, levando com ele todo o meu
fôlego. Com a outra mão ele me abraçou forte, fundindo nossos
corpos. Eu o sentia, suas reações, as batidas em seu peito, as veias
saltadas em seu pescoço sob as minhas mãos. — Eu quis muito te
beijar! — disse ao afastar levemente nossas bocas, seus lábios
grossos estavam avermelhados e inchados, já seus olhos quentes me
devoravam. — Eu não vou te largar tão cedo. — E logo estávamos
entregues novamente aos beijos, seu corpo moendo o meu sobre o
guarda-corpo e suas mãos me agarrando.

∞∞∞

Luiz Henrique
Não contamos os beijos, mas estávamos a um passo do precipício
e, mais um pouco, nada nos tiraria de lá. Passava de uma da manhã
quando, ainda agarrada ao meu corpo, depois de sairmos da varanda
e deitarmos juntos no enorme sofá da minha sala, Olívia disse que
precisava ir para casa. Fujona!

— Está tarde, vizinho! — Eu estava com as costas repousadas


sobre no encosto do sofá, ela com a cabeça deitada em meu peito,
meu braço segurava firme seu corpo junto ao meu e deixávamos
rastros pelo tecido de suede. Fingir não ter entendido, continuei
beijando seu pescoço, seu rosto, sua boca, minha mão corria pela
sua coluna, em um looping, enquanto ela falava sobre o horário. —
Amanhã, nós dois temos que trabalhar... — argumentou, com a voz
afetada, grave e rouca.

— É verdade — enfiei a mão entre os fios macios do seu cabelo,


erguendo levemente sua cabeça, deixando-a a altura do meu rosto,
admirando-a. — Linda, você é linda demais! — desci a boca pela pele
do seu rosto, passando pela mandíbula, pescoço, retornei o mesmo
caminho esfregando minha barba por fazer, deixando-a levemente
avermelhada e recebendo seus gemidos. Ergui um pouco mais o seu
cabelo, alcançando a nunca. Prendi a pele entre os dentes, assistindo
o seu arrepio enquanto deixava várias mordidas em toda a sua
extensão.

— Oh, Lui — gemeu, quando passei a língua onde havia


mordiscado. Foi demais para mim, sua voz suplicante próxima ao meu
ouvido, seu corpo quente, o olhar lânguido, nós dois sabíamos para
onde estávamos indo.

Em um impulso, a deitei por completo no sofá, finquei o joelho


entre as suas pernas e coloquei as minhas mãos ao redor dos
ombros dela. Todo o meu corpo cobria o seu. Nossos olhares não se
desgrudaram, toquei seu rosto, correndo dois dedos pelas bochechas
rubras e passei o nariz pelo vão do seu pescoço, a cheirando-a. Beijei
seus lábios de leve, várias vezes, depois passei a língua, deixando-os
molhados para mim, sentindo seu gosto delicioso. Olívia era toda
gostosa e me enlouquecia de um jeito que eu não lembrava de outra
mulher ter feito.

Ela retribuía, explorando meu corpo, meus braços e meu


abdômen com suas mãos quentes e pequenas, me apertando,
querendo mais. Certamente, eu estaria marcado no dia seguinte, pois
arranhava-me com vontade e puxava-me para si. Olhava-me nos
olhos, ferina, devassa, em contrapartida com o seu jeito doce do dia
a dia. Tudo nela me despertava.

Abaixei meu corpo, ficando sobre ela e a beijei com vontade,


minhas mãos também deslizavam pelo seu corpo, ora apertando-o ou
apenas tocando-o, sentindo Olívia inteirinha. Eu estava no meu limite,
todo o meu corpo reagia, chegava a doer.

Quando paramos, ela tocou meu rosto, me puxou para um último


beijo e ali eu soube que a nossa noite acabaria.

— Eu preciso mesmo ir! — Disse com a voz rouca, o olhar


preguiçoso, cheio de desejo.

— Eu vou te levar — com cuidado, saí de cima dela, vesti a


camisa e, após ficar de pé, ajudei a levantar do sofá.

— Faz sentido, eu moro muito longe. — Com os braços ao redor


do meu pescoço, ficou na ponta dos pés para alcançar minha boca.
Segurei firme em sua cintura, beijando-a novamente. Deixá-la ir
estava sendo quase uma tortura.

— Engraçadinha. — Deixei um último selinho em seus lábios e de


mãos dadas, saímos do meu apartamento. Poucos passos e
estávamos diante da sua porta. — Como eu te disse antes de nos
beijarmos, nada vai mudar amanhã, continuo sendo seu vizinho e o
cara que ainda quer te beijar muito! Sem constrangimentos!
— É uma novidade para mim. — disse tímida, suas duas mãos
passeando pelo meu peito, enquanto eu a segurava pela cintura.

— Pegar seu vizinho? — Perguntei, com a sobrancelha erguida.

— Lui, não fala assim! — reclamou, dando um soquinho em meu


peito, repreendendo-me, toda envergonhada.

— Para mim, também! E, na verdade, quase um fetiche, já que é


a primeira vez que beijo uma vizinha! — Antes que ela reclamasse
novamente, eu a beijei. — Verei você amanhã à noite?

— Sim, à noite estarei em casa.

— Certo, toma, grava seu número aí — pedi ao entregar meu


celular a ela, já com a tela desbloqueada. Assim que me devolveu o
aparelho, eu disquei para o número dela e a beijei em despedida! —
Até amanhã!
Capítulo 18
Luiz Henrique

Fazia tempo que não trabalhava com uma rotina tão tranquila na
delegacia, basicamente desenvolvendo trabalhos administrativos e
cumprindo uma jornada quase que comercial. Não me iludia, sabia
que esse era o prelúdio para uma sequência de tiro, porrada e bomba
no início de uma nova operação.

O que foi muito providencial, pois nas últimas duas noites eu


saí do trabalho correndo para casa pronto para agarrar e beijar minha
vizinha. E foi exatamente o que fizemos.
No primeiro dia após termos ficado juntos em meu
apartamento, trocamos algumas mensagens ao longo do dia, Olívia
se mostrou tímida, a princípio, mas aos poucos percebeu que eu não
daria espaço para constrangimento entre nós. Não havia nada demais
em dois adultos beijarem-se e fazerem o que bem quiser.

“Liberada, vizinha? Estou saindo da delegacia...” (Luiz Henrique)

Bom, não era minha intenção informar a programação do meu


dia a Olívia e nem à outra mulher, mas foi o que eu fiz e logo chegou
a resposta.

“Estou agarrada no Bom Retiro, ainda demoro um pouco a


chegar em casa.”(Olívia)

Ela havia saído para orçar e comprar a matéria-prima da sua


primeira coleção. Mais cedo havia enviado uma selfie com os olhos
marejados, após escolher os primeiros tecidos. Estava radiante,
emocionada e estranhamente sentia-me realizado por Olívia. Estava
acontecendo tudo rápido demais, mas eu me envolvi com a conquista
dela.

“Precisa de ajuda aí?” (Luiz Henrique)

“Obrigada, Lui... Está tranquilo, estão carregando os tecidos no


carro, daqui a pouco finalizo. Mas irei pegar trânsito.” (Olívia)

As respostas vinham rápidas, embora ela estivesse focada na


atividade da sua nova empresa. Provavelmente nem tenha se
alimentado, já que passou o dia todo entre lojas.

“Certo, vou comprar o nosso jantar. Até mais tarde!” (Luiz


Henrique)

Isso era o mínimo que eu podia fazer para recebê-la,


ignorando que não tínhamos nada um com o outro e morávamos em
casas separadas. O que não nos impedia de compartilhar uma
refeição.

“Até, Lui!” (Olívia)

Não convidei Olívia para passar a noite, pois ela demonstrou


com atitudes que íamos pegar leve, se é que os nossos beijos,
abraços e toques podiam ser alocados dentro de tal conceito. A
gente só não fazia sexo. Infelizmente.

Ela chegou agitada ao meu apartamento, falando pelos


cotovelos e me mostrou em fotos tudo o que havia comprado. Como
se eu entendesse de tecidos, aviamentos e croquis, repassou, no
balcão da minha cozinha, toda a coleção que em poucos dias seria
produzida em Taubaté.

Eu não entendia. Mas me senti importante por ela ter


compartilhado comigo.

— Uau, essa lasanha está um espetáculo! — Apreciava que


Olívia não se acovardava diante de uma boa comida, ao contrário,
jogava-se. O cantinho esquerdo da sua boca estava sujo do molho ao
sugo e fiz questão de limpar com o dedo e depois levá-lo a minha
própria boca, deixando-a, pela milésima vez, corada. Dei uma
piscadinha e ela demorou uns segundos para reagir.

— Gosto deste restaurante! — Comentei, com um sorrisinho


no rosto, gostava mesmo era de causar reações naquele espetáculo
de mulher que estava ao meu lado.

— Quero ir lá, sempre que passo na porta prometo que irei


entrar para conhecê-lo, acho um charme...

— Você vai gostar! Quando voltar de Taubaté podemos


combinar de ir. — Maravilha, Luiz Henrique. Você está marcando
programas com a sua vizinha, inclusive, uma programação que
envolve jantar à luz de velas, pois é esse o clima do tal restaurante
italiano que fica em nosso bairro.

— Lui — Os olhos arregalados eram a prova que eu a estava


assustando. Sério? Não é exatamente o que as mulheres gostam?
Um jantarzinho, cinema e conversa além da pegação? Pelo visto, não
ela.

— Amigos, Olívia. — bufei e enfiei um pedaço enorme de


lasanha na boca. Era melhor comer.

— Posso parecer infantil, mas é que... — Ela levantou o olhar


e, ao me encarar, deu um sorriso lindo, mordendo o lábio inferior, na
sequência. — É, não tenho uma boa desculpa, só estou sendo
medrosa.

— Não tem motivo! — confirmei. — Se comer tudo, tem


sobremesa! — Dei uma piscadinha e quando ela finalizou, saí em
direção à pia, acomodando o prato e os talheres dentro da cuba. Na
geladeira, eu tirei a embalagem com tiramisu e coloquei sobre a
bancada.

— Hum, está me saindo um ótimo anfitrião, vizinho! — ela me


acompanhou e parou ao meu lado.

— Prezo pelo prazer da visita! — comentei e ela revirou os


olhos, enquanto servíamos o doce.

Olívia foi embora perto da meia-noite, estava exausta, os olhos


quase fechando de sono. No dia seguinte, saí cedo para a delegacia
e ela disse que novamente passaria o dia na rua, pois ainda havia
vários itens que precisava comprar e não acharia em Taubaté.
Trocamos algumas mensagens e à uma da tarde, quando questionei
se havia almoçado, mandou-me a foto de um pedaço de pizza,
comprado em uma lanchonete.
Quando voltava para casa ela enviou a última mensagem,
estava anoitecendo e eu peguei o celular ao parar no sinal vermelho
de um semáforo.

“Hoje é o meu dia de providenciar o jantar.” (Olívia)

“Não lembro de ter sido questionado quanto ao cardápio,


vizinha!”(Luiz Henrique)

Respondi com um sorriso no rosto, imaginando-a revirando os


olhos, como fazia quando eu lhe soava atrevido.

“Não que esteja em discussão, mas o menu é T-bone e arroz à


piamontese" (Olívia)

Eu ria sozinho dentro carro, já sabia bastante sobre as caras e


bocas que Olívia fazia, era expressiva.

“Você tem muito bom gosto, vemos-nos logo mais! Ps: Vou
poder sugerir irmos visitar o restaurante pessoalmente sem que
você dê defeito?” (Luiz Henrique)

“Engraçadinho, se demorar eu dou a sua parte no jantar para


o porteiro. Ele vai amar!” (Olívia)

Cheguei em casa e, após tomar banho e trocar de roupa, saí


apressado para o apartamento dela, antes peguei um vinho na
geladeira, uma das várias garrafas que comprei pensando em
tomarmos juntos.

— Acabei de te mandar uma mensagem — ela disse ao abrir a


porta para mim. Com a mão livre, enlacei sua cintura e procurei sua
boca, beijando-a gostoso.

— Isso tudo é saudade? — pergutei com as nossas bocas


ainda coladas.
— Fome, Lui. — Ri com gosto e beijei seu pescoço. — Queria
saber se você já estava chegando para poder ir servindo! —
Justificou-se.

— Sei. — Ela me puxou em direção à cozinha e eu senti falta


da bolinha peluda de lacinho, que ainda não havia aparecido. — Cadê
a Chanel?

— Ah, ela está jantando, comprei um patêzinho de carne e ela


fica enlouquecida, nem o som da campainha a afasta da comida.

Olívia prendeu o cabelo em um coque e com rapidez se


movimentava arrumando o nosso jantar nos pratos. Contou que o
havia aquecido no forno e em minutos já estávamos sentados à mesa.

— Tudo certo para viajar amanhã? — perguntei, ela passaria


alguns dias em sua cidade.

— Sim... Estou ansiosa! — respondeu.

— É um grande passo. Em breve, a Olívia Torres estará em


todos os lugares.

— Parece um sonho, Lui. — Ela descansou os talheres sobre


o prato e me encarou. Fiz o mesmo, até que Olívia tivesse sua
coleção em mãos, não acreditaria que as coisas estavam dando
certo.

— Sonhos só fazem sentido quando corremos atrás para


realizá-los. — Servi-nos um pouco mais de vinho e tomei um longo
gole.

— Essa frase é sua? — perguntou, escondendo um sorriso


atrás da taça.

— Palhaça. — Revirei os olhos e ela riu, agora abertamente.


— Sobremesa? — Ofereceu, nós dois havíamos finalizado o
jantar e, juntos, levantamos da mesa, levando os pratos para a
cozinha. — Sorvete de limão, pois o cardápio de hoje foi mais
pesado.

— Gosto de sabores ácidos, a louca por açúcar aqui é você!


— Ela parou diante de um armário superior e, baixinha precisou ficar
na ponta dos pés para alcançar o basculante e pegar as vasilhas para
servir o doce. Parei logo atrás e pressionei meu corpo contra o dela.
Enlacei sua cintura, tocando o pedaço de pele a mostra, abaixo da
blusinha solta que usava. Olívia soltou um suspiro e eu mordisquei sua
nuca nua. — Mas o que eu mais tenho curtido é o gosto de Olívia,
com vinho então, é delicioso!

Ela virou o corpo ficando de frente para mim e enlaçou meu


pescoço, se entregando, receptiva ao beijo que iniciei quando avancei
sobre sua boca. Desci as mãos para o seu quadril e em um impulso,
a sentei sobre a bancada. Ela me abraçou com as pernas e senti sua
pele quente sob a blusa, tocando-a e puxando-a para mim.

Nossas línguas encontravam-se e brincavam em um beijo


molhado, cheio de tesão, que era exatamente como eu estava, duro e
extasiado por Olívia. Suas mãos seguraram-me pela nuca, me
guiando para ela, ditando o ritmo do nosso beijo, ao mesmo tempo,
ela me arranhava com a unha, fazendo meu corpo estremecer.

Eu estava no limite.

— Se não for seguir em frente, a hora de dar uma pausa é


agora, vizinha! Ou só irei parar quando tiver feito tudo com você! —
Tirei as mãos de dentro da blusa dela e segurei pela cintura, voltando
a beijá-la.

— Acho que você vai gostar do sorvete. — disse, os olhos


levemente arregalados e faiscando, ela queria mais, estava na cara,
mas também optava por parar. Não havia o que fazer. — Ele é, hum,
é gostoso. — Fechei os olhos e rindo, joguei a cabeça para trás,
descobrindo que ainda possuía autocontrole.

— Se é bom eu não sei, mas com toda certeza bem útil para
apagar fogo! — Beijei sua testa e a desci da bancada.

— Vamos descobrir agora!

∞∞∞

Eu estava dentro da delegacia, sei lá há quanto tempo, com


uma lista de documentos em mãos que precisava analisar e
lembrando que hoje iria para casa apenas para me alimentar e dormir.

Paulo me chamou para ir ao 001, meu irmão comentou em uma


mensagem enviada durante o dia que talvez fosse também e estava
pensando em levar Maria Clara. Podia ser uma boa ideia.

— Acho que agora vamos trabalhar bastante juntos, estamos


mexendo no mesmo caso — Pamela desviou a minha atenção ao
parar na porta da sala onde eu estava. Ela carregava uma caneca e,
na outra mão, uma pasta preta. — Café? Estou indo buscar na copa.

— Aceito o café, na verdade, vou lá também, estou há horas


sentado. — Fechei a pasta que usava e travei a tela do computador.
Após levantar da cadeira, estiquei o corpo, não tinha o costume de
passar tanto tempo na mesma atividade.

— Entediado de ficar fora da rua? — ela perguntou, enquanto


caminhávamos lado a lado.

— Aproveitando os últimos dias antes da loucura que será sair


quase de madrugada para cumprir mandados, revirar casas, etc.

— Que é exatamente o que você gosta! — confirmei e rimos.


Era verdade, eu gostava da loucura.
— Por aí! Também acho que vamos estar juntos na próxima
operação.

No fim do dia resolvi que ia ao clube, muito mais porque minha


irmã ligou e pediu que eu estivesse lá, caso decidisse fazer alguma
aula experimental de tiro. Dentro do carro troquei a camiseta da PF
por outra limpa, que eu sempre deixava no porta-malas e vesti uma
jaqueta de couro e touca, estava pronto.

Cheguei cedo, resolvi algumas pendências com Renan e fui


sozinho para a pista aberta, aproveitando que estava vazia.

Depois de descarregar duas munições completas e sentir meu


corpo esquentar, mesmo sob a baixa temperatura do início da noite,
permiti-me desviar a atenção do Rifle. Coloquei-o no suporte de chão,
era uma arma rara, produzida na Alemanha e de alto potencial bélico.
Pagamos uma pequena fortuna por ela e o seu uso no clube só era
permitido para os associados que possuíssem larga experiência e,
somente Renan, João e eu podíamos usá-lo fora do suporte, pois
também era bem pesado.

Olhei para o lado e havia um grupo de quatro ou cinco pessoas


conversando na divisa da área administrativa, próximo às baias, com
o campo aberto e me observavam. Avistei duas mulheres, uma delas
era bem pequena e tinha os cabelos castanhos, me lembrando de
Olívia.

Será que a minha vizinha ia curtir conhecer o clube?

Seria, no mínimo, engraçado, como foi duas noites atrás.

Em casa eu possuía várias armas, todas ficavam bem


guardadas, as menores no cofre, com exceção das duas pistolas que
me acompanhavam no dia a dia. Uma delas era a Glock, que não
saía da cintura.
Olívia pediu para ir ao lavabo lavar as mãos, eu estava na
cozinha organizando o nosso jantar. Ela retornou pálida, tinha os olhos
arregalados e as mãos trêmulas. Pensei até que estivesse passando
mal.

— Está tudo bem? — Saí de trás do balcão e a segurei pelos


ombros.

— Eu acho que vi uma arma, Lui. — A voz saiu em um fio e


eu levantei o olhar por cima dela. As pistolas estavam sobre o sofá,
pela força do hábito esqueci de guardá-las em outro lugar, sem me
tocar que ela poderia se assustar. — Uma não, duas armas. Mas
posso estar ficando doida.

— Hey, está tudo bem! — Beijei sua testa e lhe abracei. —


Calma! Estão travadas, ok? Irei guardá-las!

— Então eu as vi mesmo...— Olívia sussurrou para si mesma


e não precisei esconder o riso, pois já estava de costas. Tirei as
duas pistolas do sofá e levei para o meu quarto, deixando em uma
gaveta da cômoda.

Mas, ainda assim, eu queria levá-la ao clube, poderia ser


divertido.
Capítulo 19
Olívia

Às cinco e meia da manhã, já estava na cozinha da confecção e


fazia o cappuccino que eu tanto gostava. Devido ao tempo frio, tive
que ajeitar o casaco em meu corpo para me aquecer e, assim como
nos dias anteriores desde a minha chagada em Taubaté, eu era a
primeira a chegar e a última a ir embora.

Coloquei a mão na massa, minha mãe e minhas tias já tinham


as próprias encomendas para produzirem e com prazos apertados.
Portanto, não dava para colocar todas as funcionárias à minha
disposição. Elas conseguiram duas costureiras na cidade, que
toparam fazer o trabalho comigo e, juntas, tínhamos que dar conta do
recado. As atividades mais específicas, eu deixei para as
profissionais da confecção que, com muita boa vontade, incluíram o
extra na agenda delas.

Peguei a caneca com a bebida fumegante e doce e saí para a


sala que ocupava. As peças prontas para a primeira prova estavam
expostas em manequins, mas ainda haviam algumas para serem
finalizadas e, no dia seguinte, voltaria para São Paulo com elas para
entregar às influencers.

Se tudo desse certo, eu montaria uma logística mais assertiva


e eficaz e, também, fecharia um contrato com a confecção. Mas, por
enquanto, o que eu estava fazendo era um teste para tirar a Olívia
Torres do papel.

“Os plantões voltaram, eu te falei que aqueles dias tranquilos


eram só fachada”. (Luiz Henrique)

Li a mensagem do Lui com um sorriso no rosto. Nós nos


falamos todos os dias, sempre conseguíamos um tempinho para
trocar mensagens.

É, a gente estava se falando bastante.

Basicamente, e, talvez, sem que nos déssemos conta,


narrávamos toda a nossa rotina um para o outro.

Subi um pouco a nossa conversa no aplicativo, eram seis da


manhã e eu havia contado quando saí de casa e cheguei à confecção.
Ele, igualmente, acordou às cinco, correu meia hora na esteira do
prédio e foi para a delegacia.

Para onde estávamos indo?

“Estava te achando bem folgado mesmo!” (Olívia)


Enviei e bloqueei a tela do celular, precisava focar em finalizar
o trabalho.

Pouco mais de duas horas depois, as funcionárias começaram


a chegar, inclusive, minha mãe.

— Saiu muito cedo, filha! — Ela beijou meu rosto e colocou sua
bolsa sobre um móvel ao lado da mesa onde trabalhava.

— Saí sim, mas consegui dar um gás aqui, adiantei bastante


coisa. — Estava sentada no chão, dando acabamento na bainha de
uma calça.

— Estou tão orgulhosa de você! As peças estão lindas, um


capricho, vai ser sucesso! — Levantei o olhar e sorri para ela, a
mulher que me ensinou a profissão que eu amava.

— Deus te ouça, mamãe!

Na hora do almoço, minha cunhada chegou à confecção e


disse que tinha algumas horas livre para me ajudar. Passou peças e
embalou, colocando os descritivos em cada saquinho, indicando quem
iria experimentá-las e as medidas.

— Seu telefone não para de apitar, Oli — ela disse quando


voltei da cozinha. Não teria tempo de ir em casa almoçar, então meu
pai levou a refeição para nós três, já que Vivian e mamãe decidiram
me fazer companhia.

— Já organizei o almoço, vamos? — Peguei o celular e saímos


juntas do cômodo.

— Agora, ela não tira esse sorriso no rosto, o que acha,


Vivian? — Mamãe surpreendeu-me quando parei diante do balcão na
cozinha e lia as últimas mensagens enviadas por Lui. Numa delas, ele
disse que esperava o jantar pós-plantões, lembrando do dia que o
convidei para o meu apartamento.
— Acho que isso tem cheiro de romance, sogra! — As duas
conversavam e o meu interesse era só mesmo em respondê-lo. Ah,
Luiz Henrique, se você soubesse como eu gostaria de recebê-lo
quando chegasse virado dos plantões, saberia que tem mais a ver
com cama macia. E massagem. E banho de banheira!

— Nada de romance, só um amigo que mandou algo


engraçado. Vamos almoçar, estou faminta.

∞∞∞

Apertei o roupão contra o meu corpo, os pés estavam


calçados por meias. A elegância do inverno!

Sobre o fogão havia uma panela com um caldo quentinho de


abóbora, o meu preferido. Servi um prato, salpiquei um pouco de
queijo ralado e fui para a sala. A casa estava escura e silenciosa,
havia chegado da confecção, já passavam das onze da noite e ainda
fui tomar banho.

Instintivamente, mandei uma foto para Lui do meu prato. O


homem parecia ter alguma obsessão com comida, pois em todas as
nossas conversas ele questionava se eu estava me alimentando.

No entanto, ele não respondeu e eu finalizei o jantar sozinha.

Ele estava sendo uma boa companhia, era engraçado, tinha


um bom papo e eu me sentia à vontade para falar sobre quase tudo
com ele. Além de lindo, dono de um corpo muito desejável e ainda
sabia beijar, ah como ele beijava bem!

No entanto, ao mesmo tempo em que já me sentia envolvida,


eu tinha os meus receios. Não saía da minha cabeça que ele era o
vizinho que sempre recebia visitas femininas. Aquelas que saíam
sorridentes e com cara de satisfeitas. Tá, sendo honesta, não foram
muitas, mas o suficiente para incomodar-me.
Eu não era a mulher puritana que nunca transou apenas por
diversão. Já tive as minhas aventuras, mas essa não era a minha
praia. E depois de uma certa idade, aprendi a respeitar as minhas
preferências. E o que gostava era de um bom relacionamento estável.
Não fazia questão de estar sempre acompanhada, funcionava bem
sozinha, mas se fosse para ter alguém do lado e fazer sexo, preferia
um namorado. Gostava da intimidade de mandar mensagens e poder
telefonar sem ficar insegura se a pessoa do outro lado se sentiria à
vontade; de compartilhar meu dia a dia; minha rotina; de também ter
os meus dias ruins e estar tudo bem.

Eu imaginava um relacionamento com Lui e aí estava o perigo.


Ele não era o cara que, se cansasse e não quisesse mais sair
comigo, eu apenas seguiria em frente. Não, o buraco era mais
embaixo. A porta dele era ao lado da minha e da varanda do meu
apartamento eu ainda poderia escutá-lo com outra mulher.

— Perdeu o sono? — Levei um susto quando a voz de dona


Cida soou dentro da sala. Ela caminhou em minha direção, segurado
uma xícara de chá. Havia colocado o prato vazio sobre uma mesinha
ao lado do sofá, esticado as pernas e a cabeça pendia sobre o
encosto. Mamãe também vestia um roupão felpudo, por cima do
pijama.

— Oi mamãe, acabei de tomar um caldinho, estou fazendo


hora para ir dormir. — Encolhi as pernas e ela se sentou ao meu lado.

— Ouvi o seu barulho na cozinha... Precisa descansar para


pegar estrada amanhã cedo.

— Não vou demorar...

— Tenho te achado diferente.

— Diferente?
— Sim... Eu falei sério naquela pequena conversa que tivemos
na confecção, sobre você não tirar mais o sorriso no rosto. Mesmo
estando tão atarefada durante estes dias, sempre arrumou tempo
para conversar com alguém aí, mesmo que rapidinho — disse
apontando com a cabeça para o meu celular, que estava ao meu lado
no sofá. — Está com um brilho diferente nos olhos. Pena que mal
tivemos tempo de conversar.

Ah, como era esperta essa dona Cida, deve ser coisa de mãe.
Também senti por não ter conseguido parar para aproveitar melhor a
companhia dela.

— Conheci uma pessoa. — ajeitei-me no sofá e mamãe deu


um gole no chá, como se não estivesse bastante curiosa para me
ouvir.

— Isso eu imaginei... Estão juntos? — perguntou, o olhar me


analisando.

— Hum, não. — Pensei um pouco sobre como descrever o que


tinha com Lui. — Nada sério, nos damos bem e, às vezes, ficamos
juntos, mas além de ser bem recente, não demos nenhum rótulo.

— Sei. — Ela fez uma pausa, mais um gole do chá e depois


me encarou com a sobrancelha erguida e um sorrisinho no rosto. —
Vai me dizer que ele é um amigo.

— Na verdade, ele tem se saído um ótimo amigo. É sério,


mamãe... — revirei os olhos, pois ela continuava encarando-me,
exigindo que eu falasse mais. — E tenho gostado da companhia dele.

— Entendi. Do que tem medo, Oli?

— Medo? Não sei se é a definição correta. Mas... Bom, ele é


meu vizinho.
— Oh! Hum... — observou-me, surpresa. — Compreendo. Seu
medo é que se der errado, vai continuar encontrando-o todos os dias
ou quase isso.

— Por aí. — Parecia-me tão óbvio o meu receio.

— Vocês já deram o pontapé, um começo pelo menos. Se


falam toda hora e a senhorita está mesmo com um brilho diferente
nos olhos. Não se prenda aos pontos negativos, só viva, Oli!

— Está me encorajando a ter uma aventura amorosa? — foi a


minha vez de erguer a sobrancelha para dona Cida. Ô mulher que não
parava de me surpreender.

— Você não gosta disso, filha. Não preciso me preocupar! Se


entrar nessa, vai ser para namorar o seu vizinho. — respondeu e deu
de ombros.

— Tenho que saber se ele quer o mesmo... Pode estar a fim


apenas de passar o tempo.

— Pode ser... Mas isso você vai acabar descobrindo. —


Mamãe ficou de pé e fez um sinal para que eu fizesse o mesmo. —
Agora vamos para a cama, está bem tarde.

∞∞∞

Cheguei em São Paulo, onde em meio à mistura da garoa com o


cinza inspirador do céu e das construções, sentia-me em casa. Tomei
um banho e saí para almoçar com Luma, a pessoa que teve a ideia
inicial para a minha coleção. Foi ela quem, durante o evento na loja da
Soraya, chamou-me para a viagem.

No banco traseiro do carro, levava as peças para influencers


experimentarem. Após o almoço, deixaria na casa de cada uma e
logo teria que estar com tudo anotado para os ajustes que se
fizessem necessários.

Marcamos em um restaurante próximo ao meu bairro e que


vendia a melhor feijoada da cidade. Os dias continuavam bem frios,
havia acordado sentindo o corpo meio mole, quase uma fraqueza.
Então, sugeri uma comida quentinha e que me animasse.

— Oli, desculpe o atraso! Estava no salão dando uma geral,


daqui vou direto para um trabalho! — Luma aproximou-se apressada
da mesa que escolhi. Cumprimentamos-nos e ela assentou-se. Era
uma das mulheres mais bonitas que já conheci, alta, cabelos
ondulados e ruivos, olhos azuis. E generosa! Ela nem se dava conta
do quanto já havia me ajudado.

— Imagina! Como está, muito trabalho? — O garçom aproximou-


se e ela acompanhou o meu pedido inicial de água com gás e limão.

— Bastante, não posso reclamar, só agradecer. E essa semana


está bem corrida, pois estou adiantando a gravação de algumas
publis para as minhas redes sociais, na viagem quero aproveitar um
pouco da cidade!

— Que coisa boa! Vocês vão se divertir muito!

— Mas me conta mulher e essa coleção? Vai ser babado, hein?


— Mordi o lábio em expectativa, não via a hora de ver tudo pronto, as
meninas usando as minhas peças e fazendo a divulgação. Eu ainda
estava sem acreditar que era real.

— Graças a vocês! Sou suspeita, porque estou apaixonada e um


tanto babona, mas olha, é vocês quem vão dar cara a ela. — Eu era
muito grata por terem abraçado a minha ideia, não cobraram um
centavo para me divulgarem.

— Estamos todas animadas! A gente gosta muito de você, do


seu trabalho. Vai ser um prazer vestir a Olívia Torres e acompanhar a
marca desde o início!

Fizemos o pedido do almoço e aproveitei o tempinho até os


pratos chegarem para mostrá-la o que eu havia pensado para o
marketing. Luma havia me dito que eu poderia compartilhar com ela
as minhas ideias, pois era formada na área e me ajudaria no que
fosse possível.

— Você vai amar o González e ele vai deixar tudo bem


profissional, o site e as redes sociais — ela disse sobre Roberto
González, um amigo dela que trabalhava com social media e eu havia
contratado para criar e organizar as redes e o site onde venderia as
minhas peças. Estava abrindo um arquivo no celular para lhe mostrar
a prévia da identidade visual quando uma movimentação, na entrada
do restaurante, fez-me estancar.

— Uau, tenho um fraco por policiais! — Ela comentou, de cenho


franzido eu olhava na mesma direção.

Vestindo uma camiseta preta da Polícia Federal e uma calça


também preta, Luiz Henrique adentrou o estabelecimento. Ao seu
lado, havia uma mulher morena e de corpo escultural, usando o
uniforme da polícia. Entraram juntos e ela falava algo próximo ao seu
ouvido, mostrando-lhe o celular, a mão em seu ombro e eles riam em
sincronia. Íntimos demais. Ele não me viu e em todo o tempo ela o
tocava.

Logo atrás, havia outro casal, também fardados, conversavam de


forma mais contida. Os quatro foram para uma mesa há poucos
metros de distância da que ocupávamos.

Já fazia muitas horas que não nos falávamos, a mensagem que


enviei à noite não havia sido respondida, tampouco a de hoje cedo. E
agora ele estava ali, tão pertinho de mim. Mas na companhia de outra
mulher, é provável que seja uma colega de trabalho.
— Está tudo bem? — Luma perguntou, curiosa, pois eu não
conseguia deixar de olhar para a mesa dele, o que também chamou a
atenção da mulher próxima a Lui, que me surpreendeu.

— Ah, sim, está sim. O almoço está demorando, né? —


rapidamente, desviei o foco, mas não Luma, que olhava de mim para
a outra mesa.

— Um dos policiais bonitões está vindo aqui, você o conhece?


Capítulo 20
Luiz Henrique

A vida andava esquisita e eu tentava não me ater aos detalhes.


Desde que Olívia viajou para Taubaté, eu fiquei sem a minha nova
companhia noturna. Aproveitei as noites no 001, Maria Clara,
finalmente, teve a sua primeira aula de tiro e junto com João Miguel,
tivemos bons momentos no clube.

Havia me tornado motivo de comédia entre os meus amigos,


Renan fez questão de explanar que eu estava dispensando mulher.
Isso porque Pamela também esteve lá e deixei com ele ou Paulo a
incumbência de levá-la em casa. Tínhamos uma boa amizade, não era
só pegação. No entanto, a mulher demonstrava que me queria, jogava
as iscas e, estranhamente, eu não sentia vontade de estar com outra,
senão Olívia. Logo, me esquivei por achar ser o jeito menos
constrangedor de dizer que não íamos para o meu apartamento. Ou
para o dela.

Pamela e eu éramos solteiros e livres, porém, dentro da nossa


turma de amigos e conhecidos, não ficávamos com outras pessoas. E
todo mundo sabia disso, nosso envolvimento não era novidade.

O que causava estranheza era eu escolher passar algumas


noites sozinho, ao invés de curtir com aquela mulher gata. Fazer o
que?

Descobri que havia esquecido o celular na delegacia quando


cheguei ao clube e minha irmã reclamou ter me ligado várias vezes,
pois queria que a buscasse em casa. Naquela noite, não teria como
trocar mensagens com Olívia. Fazer o quê? A notícia boa era que,
dentro da sua programação, retornaria a São Paulo no dia seguinte.

— Você está diferente, Lui — passei toda a noite por conta da


caçula, ensinado-lhe dentro das baias. Ela ainda demoraria a atirar no
campo aberto. Maria Clara demonstrou estar cansada e fizemos uma
pequena pausa, após tirar os abafadores e guardar em segurança as
armas.

— É mesmo? — Perguntei, sem dar muita atenção.

— Não faz essa cara, está diferente, sei lá, mais calmo. — Ela
me encarou e franziu o cenho. — E o mais intrigante, não está dando
a mínima para toda a atenção feminina que recebe aqui no clube. —
Ri alto com a sua observação. Evitava sair com alunas, tá, evitar não
é a melhor palavra, mas Renan e João achavam que era inadequado.
Já eu, só saía com elas e torcia para não ter problemas.

— Não vi ninguém diferente por aqui.


— Não chamou a Pamela de gatinha. Convenhamos que é o
apelido mais tosco que já ouvi, mas ela deve gostar, em todas as
vezes que a vi você a chamou assim — Dei de ombros, talvez, nos
últimos dias tenha me afastado da Pamela além do que imaginei ter
feito.

— Não tenho nada para contar. — Era a hora de mudar o


assunto. — Um lanche?

— Ah, eu queria uma comida quentinha... — disse, tirando os


acessórios de segurança.

— Podemos ir em outro lugar, se você quiser.

— Aceito o sanduíche. Mas está na hora de repensar o


cardápio da lanchonete. — Abracei de lado seu corpo, tentando
esquentá-la e caminhamos em direção ao anexo onde ficava a
lanchonete.

— Vou olhar isso com o Renan, faz sentido.

Fizemos os pedidos e ela me mostrou no celular alguns itens


que havia comprado para o meu apartamento. Não tinha saco para
escolher móveis e decoração, mas, de repente, eu quis ficar por
dentro.

— A cozinha está montada, amanhã vou comprar os


eletrodomésticos que faltam. Todos na cor preto ou em inox. Para a
sala, como você prefere os espaços mais cleans, escolhi essas
mesinhas e podemos decorar com uma luminária e alguns livros.
Olha, os detalhes em madeira, achei a sua cara. — Os móveis tinham
uma pegada pesada e industrial, em cores escuras, metal, madeira e
acabamento fosco.

— É, gostei. Mandou bem. E a mesa de jantar, achou alguma?


— Ela riu quando lhe pedi, pois eu realmente não dava mínima para
esses detalhes, inclusive, ficava muito pouco em casa.
— Claro! — Ela abriu outra pasta no celular e foi mostrando as
fotos. — Olha essa, é incrível, não?

— Maravilha, mas porque oval? — A mesa era bonita, tinha o


tampo preto, os pés em inox e as cadeiras estofadas, seguindo a
mesma cor.

— Designer mais moderno e orna bem com os outros móveis.


— Ela guardou o celular e recostou na cadeira, os nossos lanches
haviam chegado. — Bom, também comprei tapetes e mandei fazer
cortinas para os cômodos que ainda não tem. Já para o seu quarto,
comprei luminárias e itens de decoração. Pois você disse que vai
manter a marcenaria.

— Perfeito. A marcenaria de todo o imóvel está ótima. — O


apartamento foi usado por pouco tempo, o casal que o adquiriu
resolveu sair do país apenas um ano depois de o montarem.

∞∞∞

Logo que coloquei os pés na delegacia, Paulo passou a ordem


de que em meia hora estaríamos na rua. Tomei um café rápido na
copa, encontrei meu celular descarregado dentro do armário e fui
para a sala de operações, onde as orientações seriam passadas pelo
delegado. Mais um plantão iniciava.

Paulo nomeou a equipe. Pamela, Davi e eu trabalharíamos


juntos naquela manhã, fazia tempo que não acontecia de sairmos os
três juntos para a rua. Já Dani, continuava sendo destacada para
outras operações, diversas das quais eu entrava.

A manhã passou rápida, como era quando tínhamos muitas


diligências para executar, não paramos um segundo sequer. Dois
mandados de prisão cumpridos e cinco salas de uma empresa foram
vasculhadas. Na parte da tarde seriam colhidos os depoimentos.
— Merecemos uma boa feijuca, animam? — Pamela convidou,
ao entrarmos na viatura.

— Eu vou passar, estou com uma puta dor de cabeça. Prefiro


almoçar algo mais leve — Davi declinou e Paulo ergueu a sobrancelha
em minha direção, em um questionamento mudo.

— Bora lá, eu topo — confirmei e recebi um sorriso de


satisfação dela.

— Não posso demorar, vou fazer as duas oitivas ainda hoje —


o delegado complementou.

Depois de resolvermos algumas questões burocráticas na


delegacia, saímos juntos para ir ao restaurante. Dani chegou no exato
momento em que entrávamos no pátio e Pamela também convidou a
amiga.

Após dez minutos, estacionei meu carro diante do restaurante,


depois de duas voltas no quarteirão, havia conseguido uma boa vaga.

Pamela e eu tentávamos quebrar o gelo, pois os outros dois


mal conversavam, um puta climão. Comentamos sobre a operação de
mais cedo e Dani se soltou um pouco, falando sobre o que havia feito
enquanto também esteve na rua.

— Aquela mulher é amante dele, acredita? —Enquanto eu fazia


a baliza na vaga, Pamela fofocava sobre os caras que prendemos e,
ao descermos do carro, ela foi me mostrar o que havia descoberto.

Entramos juntos no estabelecimento, estava um pouco cheio,


mas o maître garantiu que arrumaria uma mesa para quatro, minha
colega de trabalho ainda matracava.

— E choca um total de zero pessoas, ela apareceu demais nas


escutas. — Comentei e, após o funcionário sair em nossa frente para
nos direcionar a uma mesa, ela se aproximou mais, mostrando-me
fotos em seu celular.

— E ainda frequenta o mesmo salão que a esposa, veja, elas


passam as tardes juntas e depois saem para tomar chá.

— É o verdadeiro “cuidando do inimigo” — comentei e


explodimos em uma risada.

Antes de nos acomodarmos fizemos uma inspeção visual no


local, era até engraçado, mas em automático cada um focou em um
ponto do restaurante e, em uníssono, sinalizamos que estava tudo
certo. O garçom colheu os pedidos todos de uma vez, não havia
mistério, fomos lá para comer a tradicional feijoada da casa. Ele
também informou que adiantaria as nossas bebidas e pediu licença.
Tentei não dar muita atenção, para não os constranger, mas percebi
que Paulo e Dani conseguiam manter uma conversa entre si, ainda
que não fosse algo discreto. Assim, foquei em falar com Pamela. Virei
um pouco em sua direção, ela havia mudado o assunto e contava que
estava a fim de fazer uma viagem no próximo final de semana.

Foi quando eu a vi.

Vestia um casaco vermelho, os cabelos estavam presos em


um rabo de cavalo, encolhida na cadeira, falando com uma outra
mulher. A sua colega de mesa olhava-nos, achando que estava sendo
discreta e ninguém percebia, em um rápido olhar vi que os meus
companheiros de mesa também haviam notado.

— Curiosa, não? Desde que entramos, ela não desvia o olhar.


— Dani comentou.

— A ruiva? — Perguntei.

— As duas, mas a outra olha mais, quase você a pegou no


pulo. — respondeu, com um olhar de desgosto. Será que havia a
reconhecido? Provável.
Afastei a cadeira e saí rapidamente da mesa, escutei quando
Pamela perguntou algo como “Aonde você vai?”, mas não dei brecha
para respondê-la.

— Boa tarde, meninas! — Precisei de segundos para chegar à


mesa delas, parei com as mãos no bolso da calça, meu olhar
varrendo Olívia inteira.

Cara, eu senti a falta dela.

— Lui, nossa, que coincidência! — respondeu, surpresa. Deu


um sorriso contido, como se estivesse… chateada?

— Tudo bem, Olívia? — Perguntei, erguendo a sobrancelha. A


ruiva observava-nos com uma expressão divertida, o olhar indo de um
para o outro.

— Sim, e você? — Assenti e ela arregalou um pouco os olhos,


como se lembrasse de algo. — Ah, deixa eu apresentar vocês, minha
amiga Luma, esse é Luiz Henrique, também um amigo.

— Prazer em conhecê-lo! Fique à vontade para se juntar a nós.


— A mulher foi simpática e apontou para uma cadeira livre.

— Eu agradeço, mas estou com amigos! — Dei um sorriso e


voltei minha atenção a ela. — Pode vir aqui, rapidinho? — Ela mordeu
o lábio, discreta, mas assentiu e se levantou. — Oi! — eu disse
abaixando o tom de voz e segurando em sua cintura, quando ficamos
frente a frente.

— Oi! Cheguei hoje... — respondeu, meu olhar a pegou


torcendo os dedos na frente do corpo. O frescor gostoso do seu
cheiro invadiu minhas narinas, quase avancei sobre ela e beijei sua
boca, seu pescoço, queria senti-la.

— Estou sem celular, ontem o esqueci na delegacia... —


Expliquei-me e ela soltou um suspiro curto. Linda e engraçadíssima.
Eu podia apostar e ganhar que na sua cabecinha, chegou a achar que
eu não quis respondê-la. — Tentou falar comigo?

— Mandei mensagens ontem e hoje. — Um biquinho formou-se


em seus lábios, uma reação rápida, mas que enxerguei.

— Ainda não vi, ele está descarregado. — Contei, segurando o


riso.

— Entendo.

— Vim almoçar com alguns amigos do trabalho e hoje estou de


plantão. — Lá estava eu bancando o cara que dava justificativas para
a mulher que beijou, muitas explicações, inclusive. Ah, como o mundo
girava!

— Bem que você avisou... — ela riu, finalmente parecendo


relaxar.

— Pois é... Quando chegar em casa, falo com você. — Ainda


tocava em sua cintura, não conseguia e não queria soltá-la, levantei
um pouco os dedos e encontrei um pedacinho de pele sob a blusa e
o casaco, fazendo um carinho ali.

— Tá, vou passar o dia fora resolvendo algumas questões de


trabalho.

— E eu tenho dois interrogatórios de bandidos para


acompanhar. — Dei uma piscadinha e fiz uma expressão de preguiça.
Estava animado para as oitivas, quando chegamos da operação
Paulo avisou que eu entraria com ele, mas naquele dia preferia ir para
casa cedo. E beijar muito Olívia, né Lui? — Por enquanto.

— Tarde animada!

— Vou te deixar almoçar em paz, nos falamos depois... —


Puxei um pouco mais seu corpo para junto do meu, toquei seu rosto,
passando o nó do dedo em sua bochecha e sentindo sua pele macia.
Seus olhos não me deixavam, encaravam-me profundamente. Um
simples toque em Olívia era o suficiente para me acender, meu corpo
reagia a ela, e eu segurei um suspiro frustrado.

— Se quiser passar lá em casa quando chegar, posso guardar


alguma comida para você. — A voz saiu em um fio e, no segundo
seguinte, ela estava vermelha. Mais uma vez, quase tomei sua boca
ali mesmo.

— Se não estiver muito tarde, eu te chamo! — Plantões eram


imprevisíveis, infelizmente. Enlacei a sua cintura com uma mão e
deixei um beijo demorado no canto da sua boca. — Tchau, Olívia. —
disse em seu ouvido.

— Oli, você não me chama de Oli, meu apelido. — Reclamou e


eu ri. Do nada?

— Porque você nunca disse que podia!

— Bobo, seu almoço chegou. — Deixei outro beijo em seu


rosto e virei para voltar à mesa. — Tchau, Lui!

— Perdemos um soldado? — Paulo perguntou, sem desviar a


atenção do prato de feijoada. De soslaio olhei as duas mulheres, Dani
mostrou-se neutra, naquele momento ela não ia me contar se havia
reconhecido Olívia. Já Pamela, fingiu ignorar a pergunta que Paulo
fez, mas não conseguiu disfarçar que estava atenta a minha resposta
que eu daria.

— Hum, não. Ainda não.

— É, perdemos um soldado. — Meneei a cabeça em negação


e nós dois rimos.
Capítulo 21
Olívia

Tentei alcançar a garrafinha de água que deixei, na noite anterior,


sobre a mesinha de cabeceira, ao lado da cama. A cabeça latejou.
Fechei os olhos e suspirei fundo, estiquei o braço e consegui pegá-la,
meu corpo, no entanto, doeu como um todo. Tomei um pequeno gole
da água, a garganta ardeu fortemente, engolir doía, ainda mais.

Eu não podia ficar doente. Não tinha nem tempo para isso.

Afastei um pouco o edredom e um calafrio varreu o meu corpo.


Com dificuldade, sentei na cama. Soltei um espirro e, parece que uma
janelinha foi aberta, pois mais uns cinco saíram na sequência,
acompanhados de um tremor por todo o meu corpo. Receosa, subi as
mãos para o pescoço, a pele estava quente, como se estivesse em
chamas.

O que eu ia fazer?

Esgueirei-me até a beirada da cama, consegui abrir a primeira


gaveta do móvel e achei uma cartela de antitérmico e um outro
remédio para gripe. Tomei os comprimidos e voltei para debaixo do
edredom. Antes, chequei a hora em meu celular, eram sete da
manhã.

Era uma segunda-feira e, na sexta, as meninas embarcariam


para Nova York. E justo naquele dia eu precisava voltar a Taubaté,
pois havia ajustes a serem feitos nas peças e eu não tinha maquinário
em São Paulo. Os últimos dias foram de intensa correria para deixar
a coleção pronta, comi e dormi mal.

E não podia dar-me ao luxo de não pegar estrada e levar as


peças para a confecção.

Meu telefone apitou a chegada de algumas mensagens e, logo,


fui tomada por mais uma sequência de espirros. E o corpo doendo,
trêmulo, cabeça latejando, garganta ardendo, até para engolir saliva.
Um looping de pesadelo.

Tinha que tentar me recuperar, ao menos, até o horário do


almoço, para conseguir viajar.

Não sei quantas horas havia passado, desde que adormeci


após tomar os remédios, mas um feixe intenso de luz adentrava o
cômodo e uma coisa gelada fez todo o meu corpo arrepiar. Abri os
olhos e encontrei uma Chanel incomodada tentando me acordar, ela
passava o focinho em meu braço. A bichinha, certamente, estava com
fome.
Ainda me sentia péssima, tudo doía e bastou um minuto
acordada para que os espirros reiniciassem. Mas precisava levantar.
Peguei um robe quentinho e vesti sobre a camisola, tremia de frio,
meu pescoço ainda estava quente. Fiz a minha higiene e cuidei da
Chanel.

Na cozinha, sentei-me em uma das banquetas e, apática,


pensei no que faria.

Um chá. Isso, mamãe sempre fazia chá quando estávamos


gripados.

Peguei limão, mel e água. Logo, estava com uma caneca em


mãos tomando a bebida fumegante, no entanto, ainda me sentia mal
demais, não daria conta de dirigir por algumas horas e tinha que
achar uma solução.

Embora o momento fosse péssimo para tal gasto, um


motorista particular seria necessário.

Terminei o chá, havia aberto a porta da varanda para deixar o


sol entrar e esquentar-me um pouco. Senti-me levemente disposta, o
suficiente para consegui trocar de roupa. Iria até a portaria conversar
com o funcionário que estivesse lá, porteiros costumam conhecer
muita gente e, talvez, conhecesse um motorista de confiança para me
indicar.

Prendi o cabelo em um coque malfeito e vesti um moletom


quente. A imagem refletida diante do espelho era péssima, meu rosto
estava pálido, com exceção do nariz, cuja ponta estava avermelhada.

Mais um espirro quando parei à porta e suspirei fundo e a abri.


Chamei o elevador e, quando ele parou no meu andar, a surpresa.

— Oli? Está tudo bem? — Lui saiu lá de dentro e, alarmado,


pegou minha mão. Minha aparência estava mesmo péssima, pois ele
mostrou-se assustado. Senti um alívio enorme ao vê-lo, de imediato,
quis ir para os seus braços. Não havia percebido o quanto tremia,
teria que medir a temperatura, talvez ainda estivesse com febre.

— Acordei um pouco mal, por causa de uma gripe. — ele me


inspecionou inteira, o cenho franzido. Vestia uma roupa de academia
e estava suado. Passou o braço ao redor dos meus ombros, levando-
me para junto do seu corpo.

— Você está quente, aonde vai desse jeito? — questionou ao


tocar meu pescoço. Eu quase desfaleci em seus braços, sentindo o
seu aconchego.

— Na portaria — logo precisei me afastar, pois voltei a


espirrar, várias vezes seguidas. — É rápido.

— Eu posso ir para você. É melhor voltar para o seu


apartamento, venha, eu te ajudo. Tomou algum remédio ou foi ao
médico? — Ao mesmo tempo que falava, ele nos girou em direção
oposta ao elevador, mas o detive colocando as mãos em seu peito.

— Tomei remédio. — O olhar que me lançou foi de pura


incompreensão, então expliquei. — Vou para Taubaté hoje, Lui. —
levantei os olhos e o encarei, os dois parados no corredor.

— Você não tem condições de dirigir. — fechou a cara e disse-


me o óbvio.

— Por isso, vou à portaria pegar uma indicação de motorista.


— Agora, o olhar era de repreensão, quis revirar os olhos, pois não
era nenhuma garotinha, mas não o fiz. Pois ele se mostrou mesmo
preocupado comigo.

— Uma pessoa que você nem conhece? De jeito nenhum. —


Com a mão livre, esfregou a sua têmpora e, por um segundo, fechou
os olhos, após verificar o horário no apple watch em seu pulso. A
outra mão ele havia descido para a minha cintura. — Que horas
precisa estar lá? Eu te levo.
— Claro que não, Lui. Não vou te dar esse trabalho. — meneei
a cabeça, em negação, e ele revirou os olhos.

— Eu vou te levar, Olívia. Está decidido. Que horas saímos?

Não ia conseguir fazê-lo mudar de ideia e, no fundo, ou não tão


fundo assim, eu preferia que fosse ele a me levar. Mas estava morta
de vergonha por lhe dar tal trabalho.

Lui acompanhou-me de volta ao meu apartamento e contou-me


que era sua folga. Nos últimos dias, mal nos vimos e, somente em
uma noite, conseguiu ficar comigo. Ele estava tendo plantões e
trabalhei até bem tarde.

Tomei um banho, enquanto ele preparava um lanche para nós.


Depois, ele foi para casa se arrumar, mas, antes, verificou minha
temperatura e constatou que eu ainda tinha febre. Tomei outro
antitérmico e pegamos estrada no início da tarde.

— Lui, nem sei como te agradecer. Fiquei desesperada


quando acordei. — Ele dirigia concentrado, mas virou-se,
rapidamente, em minha direção e nossos olhares cruzaram-se.

— Agradeça cuidando de você. — voltou a atenção para a via,


olhando-me com o rabo do olho. — Você ia procurar um motorista
qualquer, podia ter me pedido ajuda.

Embora tivesse sido atencioso e cuidado de toda a logística


desde organizar as mercadorias dentro do carro até se certificar de
que eu estava bem acomodada, mantinha uma carranca.

Algo que havia percebido nele era que o homem tinha enorme
espírito de liderança e bom faro para cuidar. Até poderia chamá-lo de
mandão, mas achei um tanto injusto, pois, embora, às vezes soasse
assim, estava bem óbvio que sua intenção era mesmo cuidar, ser útil,
além de se preocupar com a minha segurança.
O famoso alfa. E eu gostava disso, muito provável que se
fosse diferente, não daríamos certo. Assim como não deu com os
meus ex.

— Pensei em você, mas não teria coragem de te pedir para


me trazer. — Foi a primeira pessoa que me veio à mente e, não pela
viagem, pensei nele cuidando de mim, fazendo-me companhia, que
não estaria sozinha. — Tem o seu trabalho e uma rotina tão puxada.

— Bobagem... — A feição fechada foi desaparecendo e ele


fez um carinho em meu joelho, subindo a mão para minha perna,
deixando-a ali. — Como está se sentindo?

— Como se um caminhão tivesse me atropelado — fiz uma


careta e nós dois rimos. — Sério, o corpo todo dói. Parece que os
remédios não fazem efeito.

— Gripe forte, tem que dar tempo para o corpo combater e


reagir. Ao menos, a febre cedeu. — disse, após subir e mão e checar
meu pescoço. — Vamos parar em algum restaurante, ok? Você
precisa se alimentar.

Ele bem que tentou me fazer comer antes de sairmos de casa,


mas não passei de duas mordidas no sanduiche natural que ele
montou.

— Não sei se dou conta, a garganta está doendo também. —


lamentei.

— Tem um lugar que vende comida caseira, lá sempre tem uns


caldos. Vai incomodar menos.

∞∞∞

Chegamos em Taubaté durante a tarde, aos poucos, enquanto


ainda estávamos na estrada, caiu a ficha que eu levava Lui para a
casa dos meus pais.

Será que ele também havia se dado conta deste fato? Tá, ele
estava ali como meu amigo, que fez um enorme favor. Mas fiquei
totalmente sem graça e já sem saber como reagir quando fosse
apresentá-lo.

Distraí-me um pouco quando Du me ligou e passamos bons


minutos conversando durante o trajeto. Ele acompanhou todo o
desenvolvimento da minha coleção, porém, a distância, pois desde a
minha saída da Soraya ele vinha acumulando várias atividades.
Chegaram a contratar uma estilista na última semana, mas a mulher
ficava em pânico por ter que lidar com o temperamento difícil da
Soraya e de suas filhas, além do enorme volume de trabalho.

Já Lui, demonstrava não ter nenhuma preocupação.

Como ainda era cedo, somente Carminha estava na casa dos


meus pais, paramos o carro na garagem, ele preferiu ir dirigindo o
seu Jeep, disse que era mais espaçoso.

— Oh menina, como você está? — Ela nos recebeu no quintal


de casa e me abraçou-me forte, franzindo o cenho. — Isso é gripe,
Olívia?

— Gripe forte e em um péssimo momento. — soltei-me do seu


aperto e apresentei Lui. — Esse é Luiz Henrique, um amigo. Eu não
tinha condições de dirigir e ele se ofereceu para me trazer.

— Ah, meu rapaz. Prazer em conhecê-lo. — Carminha também


o abraçou e deu dois tapinhas em suas costas. — A gente fica com o
coração apertado com a Olívia morando sozinha e longe de casa.

— O prazer é todo meu, senhora!

— Carmem ou Carminha, nada de senhora! Venham, estão


todos fora. Vou preparar um chá e um mingau bem quentinho para
você, Oli. E, para o seu amigo, tem um lanche fresquinho, acabou de
sair.

Ela saiu em nossa frente. Lui passou a mão de leve pela minha
cintura, e, após deixar um beijo em meus cabelos, soltou-me.
Entramos em casa, mostrei-o onde ficava o lavabo e Carminha sumiu
para a cozinha.

— Quer deitar-se um pouco? — Perguntou, quando fomos


para o meu quarto. Deixei a pequena bolsa de viagem sobre a
poltrona e sentei-me na cama, ele permaneceu de pé, parado diante
de mim.

— Quero! Mas não posso... — Dei um sorriso amarelo a ele.


Observador, correu os olhos por todo o cômodo. — Depois que você
comer o lanche que ela preparou, preciso ir à confecção da minha
mãe. — contei, sem graça. Adoraria passar o resto da tarde
coladinha nele, de preferência deitada em minha cama. Mas tinha
trabalho e o tempo correndo.

— Certo! — passou os braços ao redor do meu pescoço, ergui


a cabeça levemente, para encará-lo. — Sua pele está morna, essa
febre vai voltar. Trouxe os remédios?

— Trouxe.

— Linda! — fez um carinho em meu cabelo e beijou a ponta


vermelha do meu nariz. — Vai ficar bem, logo...

∞∞∞

Lui não demonstrava ser uma pessoa tímida, mas,


estranhamente, ficou retraído quando passamos pela entrada da
confecção. Não era novidade para a minha família que eu chegaria
em Taubaté naquela segunda e Carminha já devia ter avisado mamãe
que eu estava acompanhada.
— Seja bem-vindo, querido. Muito obrigada por tê-la trazido.
— Mamãe nos recebeu com um sorriso no rosto e deu um abraço
caloroso em Lui.

— Imagina, prazer em conhecê-la. — ela pediu licença, pois


uma funcionária a chamava e nos deixou a sós na recepção.

— Bom, agora você está entregue... — disse, será que entendi


certo e ele pretendia ir embora?

— Mais uma vez, obrigada! Não vou demorar por aqui. — fingi
de boba, não queria despedir-me e seria cansativo para ele pegar
estrada novamente.

— Quando volta para São Paulo? — perguntou com os olhos


colados nos meus.

— Se tudo der certo, na quarta.

— Me avisa quando chegar? — pediu e tocou meu queixo,


segurando-o de leve.

— Você está indo embora? Achei que fosse passar a noite


aqui. — perguntei e ele me encarou por um instante, antes de
responder.

— Acho que pode ser estranho…

Estava pronta para insistir que ele ficasse, embora também


estivesse tímida em relação aos meus pais, quando mamãe voltou
para onde estávamos. Ele me soltou rapidamente e nos viramos para
ela.

— Desculpe-me a intromissão, mas faço questão que você


fique. — Disse olhando nos olhos dele. — A não ser que vá te
atrapalhar. O pai da Olívia também faz questão. Você nos fez um
enorme favor trazendo-a, pegou estrada, precisa descansar e
gostaríamos que jantasse conosco. E, não se preocupe com o que
vai vestir, meu filho mais velho tem o seu porte físico e ,lá em casa,
há muitas peças limpas dele.

— E, então? — questionei, em expectativa.

— Bom, preciso voltar amanhã cedo. — respondeu com um


sorrisinho, ainda tímido. Tirou o celular do bolso e virou em direção à
porta. — Vou avisar no trabalho que irei na parte da tarde.

Minha mãe passou o braço por cima dos meus ombros e beijou
meu cabelo, seguindo o meu olhar, que não desgrudou dele, mesmo
quando saiu de perto.

— É ele, né filha? — perguntou.

— Sim, é ele... — soltei um suspiro e ela riu.

— Fatinha, peça às meninas para levarem essas sacolas para


a minha sala, por favor. — mamãe pediu a uma das funcionárias.
Logo, eu iria abrir tudo com ela, conferir e passar o que precisava ser
feito.
Capítulo 22
Luiz Henrique

O que eu estava arrumando para a minha vida?


Desliguei o chuveiro e voltei para o quarto que Olívia me
contou ser o que seu irmão usava, quando ele ainda morava na casa
dos pais. Troquei de roupa, vesti uma calça e um agasalho, por
precaução, sempre tinha peças reservas no porta-malas do carro e
saí em direção à sala.

Lá estava ela, encolhida no sofá, dentro de um moletom


clarinho, que de longe já se mostrava ser bem quente, usava ainda
uma calça preta justa e pantufas. Linda! Aproximei-me e sentei-me ao
seu lado, estávamos sozinhos no cômodo, segurei com cuidado sua
nuca e lhe dei um beijo rápido na boca. Olívia correspondeu o beijo e
o contato, deitando levemente seu corpo em meu peito, mas logo nos
soltamos.

— Como você está? — Perguntei, inspecionando-a.

— Acabei de tomar mais remédios... Vou ficar bem! — Embora


tentasse parecer positiva, tinha o olhar caído e a feição abatida. Era
nítido que lutava para não se entregar.

— O jantar está pronto, meninos. — O pai dela surgiu no liame


da sala onde estávamos, que era um ambiente à parte da sala de
jantar e nos chamou. Era um homem alto e sério, mas que me
recebeu muito bem. Quando voltamos da confecção, fomos
apresentados e passamos um bom tempo conversando. — A sopa da
minha mulher é a melhor que existe, Luiz Henrique! Fique à vontade.
— ele disse e, quando nos aproximamos, puxou Olívia para os seus
braços, abraçando-a.

Uma família carinhosa e cheia de cuidados.

Sentamo-nos à mesa, a mãe dela justificou que o filho mais


velho e sua família não iam jantar com a gente em razão da esposa
estar grávida e não ser seguro entrar em contato com a Olívia.

— O senhor tem razão, é a melhor sopa que já provei. — disse


ao seu José, mas o meu olhar vagou dele para a mulher, que recebeu
o elogio com um sorriso no rosto. Ela era uma versão mais velha da
Olívia. — Obrigado, dona Cida!

— Uma pena ter que ir embora tão rápido, Luiz Henrique. —


ela disse.

— Não nos programamos, prometa-me outra sopa dessa e


arranjo uma folga na delegacia. — Todos nós rimos, estava mesmo
uma delícia, as torradas que ela serviu de acompanhamento pareciam
coisa de outro mundo, de tão saborosas, crocantes e bem
temperadas.

— Então, você é policial federal, uma profissão muito


interessante! — o pai de Olívia comentou.

— Não vou negar, gosto do que faço. — respondi, satisfeito.

— Deve ser a única pessoa que ama plantões, papai. — Olívia


disse e, como era típico dela, ficou vermelha, pois acabava de contar
aos pais que de alguma forma éramos íntimos. O que não devia ser
novidade, já que eu estava ali, na casa deles.

— Gosto de operações novas e, normalmente, elas iniciam


com os plantões!

O jantar foi regado a boas conversas, que disfarçavam o olhar


preocupado que seu José e dona Cida tinham sobre Olívia, que mais
brincava com a sopa no prato do que comia. Ela reclamou que não
estava conseguindo engolir.

Quando acabamos a refeição, fomos para a sala, seus pais


disseram que cuidariam da louça e pediram que eu fizesse companhia
a ela.

Sentados de volta no sofá confortável, minha vontade era


abraçá-la, mantê-la na proteção dos meus braços, poder cuidar dela
sem preocupar com quem estivesse ao redor. Mas, ali, eu era apenas
o amigo que fez um favor. E, pensando bem, em outro lugar, o que eu
era para Olívia? Estávamos nos envolvendo, isso era fato.

Fui tomado pela preocupação quando a encontrei na porta do


elevador em nosso prédio pela manhã, sua aparência era péssima,
estava frágil e desejei ter o poder de arrancar dela a gripe e os seus
efeitos, deixando-a bem novamente.
Havia sentido sua falta, trabalhamos como loucos nos últimos
dias e mal tivemos tempo para ficarmos juntos. E, por não termos
nada oficial, confesso que, de certa forma, hesitava em dizer
claramente que queria vê-la. Não gostaria de ser chato ou pegajoso.
Então, apenas deixei rolar.

Nossos olhares cruzaram-se, ela estava perto demais, seu


cheiro doce impregnado em mim. Sem pensar muito, virei-me de lado
no sofá e enlacei sua cintura, Olívia soltou um suspiro e apertou meus
braços ao redor do seu corpo. Encaixei o queixo em seu ombro,
antes, beijei seu pescoço várias vezes.

— Não quero te soltar — disse baixinho, sentindo-me em casa


por abraçá-la.

— Daqui a pouco meus pais vão dormir.

E assim foi. Cerca de vinte minutos depois, eles foram se


despedir, eu já não a tinha em meus braços e assistíamos um filme na
netflix, antes Olívia pegou uma manta e cobriu as pernas, que
estavam encolhidas no sofá.

Depois de ter certeza de que estávamos sozinhos, estiquei-me


no sofá, que era modelo retrátil, puxei-a para junto do meu corpo e
abracei-a, sentindo-a inteira. Ela deitou a cabeça em meu peito e um
braço rodeava minha cintura, o outro estava em meu abdômen, que
ela acariciava embaixo da manta que agora nos cobria.

Nenhum de nós prestava atenção no filme, nossos olhos não


desgrudavam do outro, com o nó do dedo eu acariciava seu rosto. A
pele lisa e macia. Quente pela febre que insistia em não ir embora
totalmente. Abaixei a cabeça em direção ao rosto dela, beijei
demoradamente sua testa, depois desci pela bochecha até chegar
em sua boca. Olívia arfou quando colei nossos lábios, abriu
passagem para a minha língua e se entregou ao beijo. Foi calmo,
quente, gostoso.
Beijei-a longamente, sentindo nossas línguas se encontrarem,
a quentura da sua boca, seu gosto, apertei seu corpo contra o meu e
ela desceu a mão, enfiando-a dentro do agasalho que eu usava,
tocando minha pele. Quando a senti perder o fôlego, diminuí o ritmo,
deixei que respirasse e fiquei dando beijos leves em seus lábios, sem
soltá-la dos meus braços.

— Ah, se eu pudesse passar a noite assim... — disse em seu


ouvido, estávamos no escurinho da sala, da TV saía um som baixinho,
mas o suficiente para não deixar sobressair o barulho produzido pelos
nossos beijos.

— Esquentando-me? — ela perguntou e beijou meu maxilar.

— Exatamente, esquentando — ri rouco e apertei seu corpo.


Eu queria muitas coisas com Olívia e, naquele momento, todas as
possibilidades que vinham em minha mente envolviam uma cama
grande e macia recebendo-nos.

— Vou te contar um segredo — ela tirou a mão de dentro da


minha blusa, senti a falta do seu contato e ergueu um pouco o corpo.
— Quando acordei hoje, sentia-me tão mal, fraca e você foi a
primeira pessoa que eu quis ao meu lado; fiquei pensando que me
abraçaria, cuidaria de mim... — disse sem deixar de me olhar, mesmo
tímida, sustentou o nosso contato. Era o que eu faria, cuidaria dela,
com toda a certeza.

— Mas ia procurar um motorista desconhecido. — ainda não


havia engolido a ideia que teve. Gostaria que tivesse falado comigo
primeiro, cogitado pedir-me ajuda.

— Esquece isso... — pediu e subiu sua mão para o meu rosto,


fazendo um carinho no maxilar, onde havia beijado há pouco. —
Mas... É tudo tão novo entre a gente, eu fico meio que sem saber
como agir. E agora nós estamos aqui, na casa dos meus pais, eu
também quero passar a noite inteira grudada em você. Quem poderia
supor que terminaríamos a noite dessa forma?
Olívia tinha toda razão. Eu também havia me retraído durante
os dias em que estivemos cheios de afazeres, sem querer incomodá-
la, embora tudo o que o desejasse era encontrá-la depois do plantão,
beijá-la e me distrair em sua companhia. No entanto, não tínhamos
nada formal um com o outro e martelava em minha cabeça que
poderia estar incomodando-a. Ali, ela me dizia que se sentia da
mesma forma.

Uma grande bobagem, estávamos os dois perdendo tempo, já


que gostaríamos de passar mais tempo juntos.

— Entendi o que você está querendo dizer. — segurei sua


nuca e, depois de trocarmos um longo olhar, beijei-a. — Sinto o
mesmo, também quis estar com você nos últimos dias.

— Mas não me procurou.

— É. Não te procurei. Não quis incomodar ou, sei lá, ser de


algum modo inconveniente. — confirmei, agora também acarinhando-
a.

— Eu te esperei para cuidar de você após o plantão. — contou


e, envergonhada, escondeu o rosto na curva do meu pescoço por
alguns segundos. — Lui, a gente está se conhecendo, mas já
sabemos que queremos e gostamos da companhia do outro. Então,
acho que podemos ficar menos receosos quanto a isso.

— Podemos. Agora você já sabe que eu gostaria de te beijar


todos os dias! — beijar e fazer muitas outras coisas, estar ao lado da
Olívia significava sentir uma enorme tensão em meu corpo, dado o
desejo contido. Não me lembrava de ter passado tanto tempo com
uma mulher sem me satisfazer sexualmente. E, a cada dia, desejava-
a mais.

— Eu quis que você me beijasse todos os dias. — mordeu o


lábio inferior e eu o capturei, prendendo-o entre os dentes depois de
beijá-lo.
— Agora eu quero dormir agarrado com você. Só para deixar
claro, caso não tenha entendido. — sussurrei baixinho, após chupar o
lóbulo do seu ouvido.

— Eu também gostaria de dormir nos seus braços, bem


quentinha. — gemeu baixinho, respondendo a carícia.

— Mas aqui não vai rolar. — completei e ri, beijando mais uma
vez sua boca.

— Não mesmo! Meu pai pode sofrer um enfarto amanhã e não


queremos isso.

— Quero te levar de volta para o nosso canto. — Tínhamos a


nossa bolha em São Paulo, onde fazíamos o que queríamos. Era sim
o nosso canto, abria a porta de casa e podia ver Olívia. E,
ironicamente, perdi tempo nos últimos dias.

— No próximo final de semana, estarei em casa, já sabe da


sua escala de trabalho? — perguntou e eu vi quando seu corpo
estremeceu, ela puxou a manta se cobrindo um pouco mais e eu a
abracei.

— Hum, tenho que conferir, mas se não acontecerem


imprevistos, acho que estarei livre no sábado e domingo.

— Então, teremos tempo! — toquei sua testa, estava quente,


muito quente. A febre tinha voltado.

— Vai ter que tomar mais antitérmico. — avisei.

— Acho melhor ir para cama, Lui. — Olívia tinha o olhar


desanimado, a ideia de poder passar a noite com ela em meus
braços era mesmo tentadora.

— Vamos — desliguei a TV e ficamos de pé.


Caminhamos até o seu quarto. Enquanto ela usava o banheiro,
afastei o edredom da cama e sentei-me no colchão, esperando-a. Ela
havia contado que no ano em que foi para São Paulo, os pais
estavam reformando a casa e fizeram modificações na decoração do
espaço. O ambiente ainda era muito feminino e tinha a cara dela. As
paredes pintadas em marfim, cortinas clarinhas e com voil florido,
móveis clássicos e, também, clarinhos. Havia almofadas coloridas,
muitos porta-retratos, vários objetos menores de decoração, que
pareciam ter uma finalidade no cômodo. Era bem parecido com o seu
apartamento em São Paulo.

Ela voltou ao quarto e pegou a garrafinha, que estava sobre o


móvel ao lado da cama, uma mesa de cabeceira.

— Espero que amanhã tenha passado — disse, ao tomar o


remédio para a febre. Chamei-a para a cama e, prontamente, veio.

Deitamo-nos juntos, eu atrás dela, que apoiou a cabeça em


meu braço, mantive nossos corpos agarrados, aspirei seu cheiro ao
passar o nariz pela pele do seu pescoço, nossas respirações um
tanto entrecortadas.

— Assim que você pegar no sono, vou para o outro quarto.

— Se amanhã você acordar primeiro, chama-me antes de ir


embora? — pediu, fazendo um carinho em minhas mãos.

— Claro, não vou pegar estrada sem antes beijar essa boca
gostosa.

— Tão sutil! — ela disse e eu ri em seu pescoço.

— Muito! Agora dorme, está tarde e vou sair cedo.

Olívia estava em meus braços, ela confiava em mim, queria os


meus cuidados e dei-me conta de que eu precisava dela em minha
vida.
Foi uma noite agitada, peguei no sono já estava no meio da
madrugada. Ela tinha razão quando explicou o motivo de não ter me
procurando quando acordou doente. Não havíamos dado garantia
sobre nada, ficávamos juntos quando surgia a oportunidade. E, por
querermos mais, nos retraímos, ao não saber a intenção do outro.

Ela também queria! Porra. Ela estava comigo nessa! E meus


dias sem Olívia já haviam se tornado estranhos.
Capítulo 23
Luiz Henrique

— Vai me contar o que está acontecendo? — Paulo e eu


escolhemos um bar na Vila Madalena, quando saímos da delegacia e
já passava da meia-noite. Ainda que fosse noite de terça-feira, o lugar
estava cheio e tudo o que nós dois precisávamos era espairecer a
cabeça.

Havia sido um dia mentalmente exaustivo. Foi deflagrada uma


operação especial que ia abalar as estruturas da cidade, mas que
ainda não estava nas ruas. Desde que retornamos a São Paulo,
investigávamos uma quadrilha, que dentre os vários crimes
cometidos, traficava mulheres e elas trabalhavam em bordéis de luxo
na maior capital do país.

— Não tem nada, desencana — pedi uma cerveja e ele me


acompanhou.

Quando cheguei à delegacia, perto do horário do almoço,


contei-lhe que precisei levar uma amiga a Taubaté e, desde então, ele
não parava de futricar minha vida.

— Claro que tem — respondeu com a sobrancelha erguida,


após dar um gole na bebida.

— Paulo, você é um fofoqueiro — reclamei.

— Anda logo, Brandão — disse rindo. Ele não pararia e não é


que Olívia fosse um segredo.

— Conheci uma mulher — contei.

— Isso é óbvio, inclusive, a encontramos no restaurante, no dia


da feijoada, quando você conseguiu irritar duas agentes federais. —
Encarou-me com um sorriso debochado no rosto. Irritante. — Como
você faz isso?

— Não seja ridículo... — Revirei os olhos e suspirei. Ele não ia


parar até que eu contasse detalhes. — Enfim, é mesmo aquela
mulher. Ela é minha vizinha

— Que providencial — riu e eu acompanhei. De fato, era bem


cômodo.

— To curtindo ficar com ela.

— E?

— Não tenho mais nada para contar, mas preciso de uma folga
no fim de semana. — pedi de uma vez, tinha um bom plano, que
surgiu em minha cabeça quando estava com Olívia em meus braços,
nós dois embolados no sofá na casa dos pais dela.

— Não sei se consigo salvar essa, o bicho vai pegar nos


próximos dias. — avisou, referindo-se a nova operação.

— Imaginei.

— É namoro?

— Ainda não... — respondi, pensativo. Não era, mas podia ser.

— Ah, Brandão... — ele bufou e encheu nossos copos. — Eu


vejo isso amanhã, vai pegar folga antes da operação ir para a rua?

— Acho melhor abater algumas horas amanhã, as coisas ainda


estarão sob controle e, se rolar, pego a folga no fim de semana...

— Fechado. Vou analisar a situação. Os puteiros, bom,


puteiros não, várias garotas estão lá forçadas. Os bordéis serão
invadidos todos de uma vez e faço questão que seja em um fim de
semana, se não for nesse, será no próximo. Amanhã te dou a
resposta e você vai ter os dias românticos com a gatinha. O que tá
planejando?

— Você não vai ficar sabendo antes dela. — entreguei o ouro,


estava ansioso para fazer o convite a Olívia.

— Agora eu vi, o cara está apaixonado — debochou.

— Babaca.

— Bom, já que estamos falando de mulher... — ele virou o


copo, sorvendo o líquido, tirou um maço de cigarros do bolso da
calça, ofereceu-me e acendemos juntos. — Não era sempre que eu
fumava, só acontecia algumas vezes quando eu bebia. E,
normalmente, quando estava com Paulo. Um hábito ridículo desde
quando estávamos na faculdade. — vamos conversar sobre a Dani.
— Estão se pegando de novo? — puxei a fumaça e a traguei,
absorvendo a nicotina. Minha garganta ardeu e me achei estúpido por
ter conseguido ficar cerca de vinte dias sem colocar aquela porcaria
na boca e agora estar soltando fumaça.

— Nada... Mas ela é complicada. — respondeu, taciturno. Não


estava nem um pouco, a fim de conversar sobre a vida amorosa do
meu amigo, mas se ele precisava falar, cabia a mim ouvir.

— Desembucha.

— Desde aquele dia que fomos comer feijoada, ela tem me


procurado. Na delegacia, é sempre discreta, mas envia mensagens e
chegou a me ligar convidando-me para ir à casa dela.

— E você?

— Mano, foi ela quem quis terminar o namoro e não fomos


muito cordiais um com o outro. Confesso ter insistido para que ela
voltasse atrás. Mas agora estou de boa. Inclusive, passei a enxergar
um comportamento estranho nela.

— Está falando em relação ao que rolou na empresa da mulher


do Mauro? — questionei, tínhamos liberdade para falar sobre
qualquer assunto e foi o próprio Paulo quem me alertou sobre a forma
como sua ex me enxergava, como se quisesse mais do que amizade.

— Também... Lui, a Dani é louca por você, convenhamos. —


ele riu e matou o copo de cerveja, fez um sinal ao garçom, pedindo
outra garrafa.

— Mas também quer você. — constatei.

— Pode ser. Ela está vindo atrás porque me viu com uma
mulher.

— Mesmo?
— Aí vem a parte estranha. Ela estava me vigiando, usou um
carro que não é dela, mas a reconheci na rua do meu prédio, me
pegou chegando com uma mulher que já saí algumas vezes.

— Acha que ela só quer mesmo ser o centro das atenções?

Era algo que eu vinha percebendo, principalmente, após o


nosso distanciamento. Na delegacia, como quase sempre estávamos
nas mesmas operações, ela demonstrava gostar de ser uma das
pessoas mais próximas a mim, mostrava suas habilidades, se
engrandecia e ficava toda feliz quando elogiava a forma como
trabalhava. No entanto, estava sempre achando defeito na atuação
dos outros agentes. E, se fosse mulher então, tornava sua inimiga. A
Pamela, que a chamava de amiga, vivia sendo alvo das suas críticas.

— Tenho certeza.

— Não vou ficar te dando conselho amoroso, mas ela é sua


subordinada, se era complicado mandar na sua namorada, você viu
que foi ainda pior lidar com a ex. — Dani o desafiava e colocava em
cheque a sua autoridade. E eu caí como um pato. Por exemplo, no
dia da operação na casa do Mauro Lins, ela comprou o meu café da
manhã e se mostrou entristecida, pois já imaginava que Paulo a
deixaria fora. No entanto, comprei sua briga e meu amigo estava
coberto de razão.

— Ou seja, é melhor ficar longe. — ele concluiu.

— Tem muita mulher na cidade. — lembrei-o, mas ciente que


não seria tão fácil, se tivesse sentimentos envolvidos.

— Eu gosto dela. — ele bufou e eu meneei a cabeça, o cara


estava enrolado.

— Aí é problema.
— E essa mulher que você está saindo, tá gostando? — ele
suspirou e perguntou, mudando o assunto para a minha vida amorosa.

— É tudo muito recente, mas estou curtindo a companhia.


Gosto de estar junto dela, estamos deixando rolar. — Fui sucinto por
não saber o que responder de outra forma. Eu gostava de estar com
Olívia, gostava demais. E o que estávamos vivendo era mesmo
recente. A questão era, internamente, eu já sabia que queria mais.

Conversamos mais um pouco, saindo do assunto mulher e


trabalho, até que chequei o relógio e já era de madrugada.

— Já está tarde. Vamos pedir a conta. O cansaço bateu. —


Confirmei e, em dez minutos, já estava dentro do carro, indo para
casa.

∞∞∞

Olívia

Terminei de empacotar as peças, todas etiquetadas e já separadas


com o nome de cada influencer que ia recebê-las. Eram três da tarde
e fui para o banho. Papai ofereceu-se para me levar a São Paulo e
disse que sairia mais cedo da loja.

Passei mais tempo que o normal embaixo da água quente. Já


me sentia melhor da gripe, embora ainda tivesse algumas crises de
espirros e uma tosse que insistia em permanecer. No entanto, a
fraqueza e a febre haviam passado.

Ri sozinha embaixo d’água, lembrando do Lui querendo


resolver a minha gripe com banho e comida. “Precisa tomar um
banho quente, Oli.”; “Já almoçou?”; “O que lanchou à tarde?”

No dia anterior, ele foi embora bem cedo e antes disso


tomamos um café que minha mãe preparou. Às oito da manhã, ele já
estava dentro do carro, deixando-me toda saudosa.

Ele cuidou de mim, não apenas por ter me trazido para a casa
dos meus pais, mas em cada detalhe. O tempo todo checava a minha
temperatura e fazia o cálculo do tempo em que tomei as medicações.
E era carinhoso. Mesmo correndo o risco de sermos surpreendidos
pelos meus pais, não deixava de me tocar, abraçar e ainda roubava
beijos, vários deles.

Pouco mais de vinte e quatro horas longe dele e já sentia sua


falta.

Desliguei o chuveiro e no quarto vesti a roupa que usaria para


viajar. Penteei os cabelos e passei uma maquiagem leve. Provável
que só veria Lui no dia seguinte, pois convidaria meu pai para passar
a noite em meu apartamento, ao invés de voltar no mesmo dia, para
Taubaté.

— Tudo pronto, filha? — assustei-me com a minha mãe, que


havia aberto a porta do quarto e colocado a cabeça dentro do
cômodo.

— Ah, sim! Agora é só esperar o papai. — respondi,


levantando o olhar para ela.

— Vim embora mais cedo, caso precise de mim. — Mamãe


me observava e eu assenti, sorrindo para ela.

— Vai com a gente? — Queria mesmo é que eles ficassem uns


dias em São Paulo comigo, mas, sempre davam um jeito de fugir do
passeio, não curtiam muito toda a agitação da capital.
— Hum, quem sabe. Deixa o seu pai chegar e decido com ele.
Mas talvez eu vá sim. — Ela respondeu e saiu, fechando a porta.
Uma coisa que era comum lá em casa, todas as decisões meus pais
tomavam em conjunto, das mais simples às mais complexas.

Sentei-me na cama e peguei minha bolsa, com o intuito de


conferir se a minha carteira estava dentro dela. No entanto, fui
interrompida pelo ruído do meu celular vibrando, havia alguns
pertences espalhados sobre a cama, então gastei alguns segundos
até achar o aparelho.

Arregalei os olhos e senti um tremor nas mãos, a ansiedade


tomando conta de mim. Aérea, atendi a chamada.

— Lui, tudo bem? — minha voz saiu ansiosa, quase uma


adolescente apaixonada e eu pouco me importei.

— Oi, Oli! Estou bem e você? — Já a voz dele, era segura e


grave, a mesma que me causava arrepio quando ele falava algo no pé
do meu ouvido.

— Também... Que surpresa boa! — soltei e ele riu.

— Está se sentindo melhor?

— Sim... A febre não voltou, desde ontem à tarde.

— Isso é ótimo. Onde você está?

— Na casa dos meus pais, devo sair daqui no fim da tarde. —


contei, omitindo que era provável que não nos encontrássemos ainda
naquele dia.

— Que bom, pois senti a sua falta. — Se tivesse de pé, teria


caído, pois tive a impressão de que as minhas pernas amolecerem.
Ele sentiu a minha falta.
— Lui... Eu também senti a sua. — confessei, depois de um
silêncio quase prolongado, pois precisei me recuperar.

— Hum, é mesmo? — suspirei, imaginando a sua feição


naquele momento, olhar estreito e o sorriso torto que me enlouquecia.

— Sim...

— Então, porque não abre o portão para mim, assim a gente


mata logo a saudade e eu não preciso te esperar chegar em São
Paulo. — Oi? Devo ter escutado errado, já que mesmo à distância,
distraía-me pensando em cada detalhe dele.

— Abrir o portão, como assim?

— Abrir o portão da casa dos seus pais, Olívia. — respondeu


divertido.

Dei um pulo da cama e saí apressada do quarto. Se Lui falava


sério, significava que ele estava em Taubaté e a poucos metros de
distância de mim. Desci as escadas correndo e cheguei ofegante ao
portão, antes de abri-lo levei a mão ao peito, recuperando-me.
Depois, a passei pelo cabelo que estava úmido, arrumei o que deu.
Dei fim à agonia, abrindo-o deparando-me com um Lui incrivelmente
lindo, parado em minha frente, com um sorriso torto no rosto e as
mãos dentro do bolso da calça jeans.

Usava óculos de sol e a usual camiseta preta, que sempre


aderia aos seus braços fortes. Era até injusto com o mundo o tanto
que aquele homem era lindo, charmoso e cheiroso também, nem o
havia abraçado e já sentia seu cheiro bom.

— Oi! — eu disse e mordi o lábio inferior. Era verdade, ele


estava ali mesmo.

— Vem cá, senti sua falta! — puxou-me para os seus braços e


abraçou-me forte, passando o nariz em meu pescoço — O que você
está fazendo comigo, hein Olívia?

— O que você está fazendo, né? Pois eu também senti! —


Ainda agarrada a ele levantei o olhar e os nossos olhos encontraram-
se. Fiz-lhe um carinho arranhando sua nuca e senti seu corpo retesar.
Ergui a sobrancelha para ele, contendo um sorriso.

— Isso é a combinação de zona erógena e tesão reprimido,


Olívia — deu uma piscadinha e apertou-me contra o seu corpo.

— Lui!

— Vim te buscar — ele me encarou novamente, deixando-me


sem palavras. Quanto mais iria me surpreender?

— Está falando sério?

— Bom, você disse que voltaria hoje a São Paulo. Então vim te
buscar. — Meu coração quase perdeu uma batida.

— Sabe que posso me acostumar?

— Quero que você se acostume a ser muito bem cuidada por


mim! Saudade dessa boca gostosa — ele me beijou, seus lábios
carnudos tomaram os meus, macios, molhados e sua língua pediu
passagem, envolvendo-me em seu beijo, que era sempre uma delícia.
Não nos demoramos, pois estávamos no portão de casa e sob o sol
da tarde. — Talvez eu aceite aquela massa que só você sabe fazer!

— Talvez você ganhe um jantarzinho — eu disse, com os


braços ao redor do seu pescoço.

— E o que mais? — perguntou, encostando a ponta do nariz


no meu.

— Muitos beijos — ele colou nossas bocas, sem deixar de me


olhar.
— Podemos ir para casa agora? — neguei rindo e ele me
beijou novamente.

— Obrigada, por ter vindo! — levantei uma mão e toquei seu


rosto, fazendo um carinho. — Não vou ficar segurando as palavras,
Lui. Eu senti saudades de você e queria te ver, estar em seus braços.
— contei e ele não parava de beijar minha boca.

— Estou aqui, exatamente onde quis estar o dia todo, Olívia!


— ele deu o seu recado, nós dois queríamos a mesma coisa.
Capítulo 24
Olívia

A viagem de volta a São Paulo foi uma confusão de sentimentos.


Para nós dois. Ora contávamos ao outro tudo o que fizemos nas
horas que passamos longe. Ora ficávamos em total silêncio, perdidos
em pensamentos.

— Viaja comigo? — perguntou de súbito, surpreendendo-me já


na metade do trajeto, enquanto eu tamborilava dois dedos em minha
perna, no ritmo da música que tocava baixinho no som do carro.
Segurou minha mão, chamando minha atenção para ele.

— Como? — perguntei, desconcertada.


— No fim de semana... — deu-me uma rápida olhada, eu
continuava meio atônita e voltou a atenção para a estrada — pedi
folga ao delegado, na verdade, nem sei se vou conseguir. Mas se der
certo, passa o fim de semana comigo? Pensei em te levar a um lugar
que um amigo já comentou ter ido, fica em uma região serrana. A
gente aluga um chalé, só nós dois.

Senti um arrepio atravessar todo o meu corpo, da cabeça a


todos os dedinhos dos meus pés formigaram. Meu cérebro não
conseguia seguir o ritmo daquele homem. Eu me sentia bugada.

Porque o queria, ah como eu o queria. Mas Lui ia além. Levou-


me e buscou-me na casa dos meus pais, viajando mais de duas
horas, cuidou de mim e agora me chamava para uma viagem
romântica. Pois era isso o que ele me propunha, certo? Uma viagem
a dois.

Tentei raciocinar e soltei um suspiro.

— É isso o que você quer, Lui? — questionei, com o pouco de


lucidez que me restava.

— Eu quero você... — respondeu após soltar uma risada leve,


como se fosse bem óbvia a sua resposta.

— Eu topo a viagem... — disse, finalmente, ainda atordoada.


Lui mantinha uma expressão divertida, claramente, tentando não rir da
minha cara.

— Certo. — deu um sorriso lindo, aquele torto e sexy que eu


amava — Vou dar uma pressionada no Paulo.

— O delegado?

— Sim...

— Lui... — lá ia eu ser a chata que tentava ser racional. Mas


eu não era baú para ficar guardando as minhas inseguranças. — Eu
também quero muito.

— E vai me contar o motivo de estar aflita.

— Vou... É que... — soltei um suspiro, tímida por me abrir. —


Pergunto-me se não estamos indo muito rápido. Mas, ao mesmo
tempo, eu não quero esperar. Gosto de estar perto de você.

— Só estar perto? — ele ergueu a sobrancelha e meneou a


cabeça. — Pois eu gosto de beijar sua boca, te agarrar —
complementou com a naturalidade de quem falava sobre o tempo.
Senti minhas bochechas queimarem.

— Lui...

— Também gosto de conversar, te ouvir. Estar com você,


Olívia, tem sido muito bom! Para mim, isso basta.

— O que precisamos fazer para o seu chefe te dar a folga? —


perguntei com um sorriso e relaxada. Para mim, também bastava.

— É assim que fala! — ele brincou com o meu joelho,


apertando-o. — Bom, por ora, vamos torcer para que ele queira
prender uns filhos da puta que traficam mulheres no próximo fim de
semana. — minha mente parou de funcionar exatamente aí, um bolo
foi formado em minha garganta e meus olhos arregalaram. — Aí, vou
ter a minha folga e passar o fim de semana colado em você. Fazendo
muitas coisas boas. Melhores que prender bandido. E olha que gosto
bastante de prender bandido.

— Meu Deus. Você disse traficar mulheres? — minha voz saiu


em um fio, eu nem tinha certeza se ele havia me escutado. Uma
gargalhada escapou dele, que de soslaio, olhou-me incrédulo.

— E você só escutou essa parte? Eu estou aqui pensando nas


várias coisas prazerosas que vamos fazer, diante de uma parede
envidraçada, de frente para as montanhas...
— É que...

— É o meu trabalho... Infelizmente, vejo coisas ruins mais


vezes do que gostaria. Ou do que seria saudável, talvez. Mas não
tenho para onde fugir. E você vai me distrair, lembrar-me que existem
pessoas boas no mundo e ele não se resume às sujeiras que eu
investigo e prendo através da Polícia Federal. — essa parte fez meu
coração disparar as batidas. Do seu jeito, Lui contava-me que eu era
a sua calmaria. O seu conforto. E cara, eu podia ser isso para
alguém, para ele.

— Você disse chalé nas montanhas e parede envidraçada... —


comentei sugestiva, levando minha mente para quão deliciosa poderia
ser a nossa viagem. Meu corpo vibrou em expectativa, senti meu
âmago apertar. Cruzei as pernas, tentando desfazer o desconforto
em meu centro. Achei que havia sido discreta, pois sentia-me quente,
mas Lui riu alto. Fechei os olhos, mortificada.

— Isso, linda. Foca no que importa... Adianto que tenho vários


planos.

— Posso imaginar!

Eu ia me entregar ao que estávamos vivendo, sem medo.

Meu histórico amoroso não era muito animado e, embora eu


não fosse do time que adorava falar mal dos ex, precisava admitir que
eles não foram, nem de longe, um exemplo do que eu gostaria de
referência para um homem em minha vida.

O primeiro que me relacionei, quando ainda morava em


Taubaté, desdenhou do meu sonho de estudar moda. Não me apoiou
e achou que, na primeira oportunidade em que algo desse errado em
São Paulo, eu voltaria correndo para me casar com o herdeiro da
farmácia. Terminamos antes mesmo da minha saída de lá.
Nos primeiros meses em São Paulo, comecei a sair com o
gerente comercial de uma marca. Conhecemo-nos no aniversário de
uma colega de turma da faculdade, tínhamos amigos em comum e,
alguns meses depois, ele me pediu em namoro. Era bonito, tinha uma
carreira profissional constituída e nos dávamos bem. Mas ele
competia comigo, o tempo todo parecia ter a necessidade de provar
que estava anos luz em minha frente no ramo da moda. Terminar
aquele relacionamento foi um alívio.

E teve o cara que me deu um pé na bunda, trocando-me por


sua estagiária. Sofri horrores, pois não fazia ideia de que já estava
sendo traída há alguns meses, antes dele aparecer em minha porta e
terminar o namoro.

Mas passou e coloquei na minha cabeça que havia aberto mão


do conforto da casa dos meus pais e de estar perto da minha família,
por um motivo: crescimento profissional.

E foi o que fiz, enfiei a cara no trabalho.

O que me assustava de vários modos era que, além de estar a


fim demais do Lui e ele não sair dos meus pensamentos, o homem
demonstrava ser diferente de todos os outros com quem me
relacionei. Era divertido, carinhoso, tinha curiosidade pelo meu
trabalho e gostava de me ouvir. Além de lindo. E ter um corpo quente
como o inferno. E beijos. Ele também era o dono dos melhores beijos
que já recebi.

Por todo o conjunto da obra, estava claro que Lui me teria em


suas mãos sem muito esforço. E eu havia me desacostumado, até
mesmo, a me apaixonar.

Soltei um suspiro lento, concluindo que estava bem ferrada.

Talvez por ter me percebido pensativa, ele não insistiu muito


em conversas, também ficando quieto. Vez ou outra, fazíamos algum
comentário.
— Em casa — disse, beijando-me a lateral do rosto e o peso
do seu braço sobre os meus ombros. Não percebi que havia
cochilado.

— Poderia dizer que a viagem foi bem rápida, mas você


responderia que eu não participei de parte dela. — dei um sorriso
preguiçoso para ele, as pálpebras ainda pesadas do sono recente.

— De trinta minutos, para ser exato. — ele mexeu em meu


cabelo, colocando-o atrás da orelha.

— Desculpa? Você fez a gentileza de me buscar e eu durmo


no caminho.

— É absolutamente normal, não estava no volante e, portanto,


não precisava prender a atenção na estrada. — Lui já havia desligado
o carro e estávamos dentro da garagem do nosso prédio. Ele recolhia
alguns pertences que estavam no console e quando foi abrir a porta
para sair, fez uma pausa e virou-se em minha direção. — Estive
pensando, saí de lá ontem de manhã com o seu pai me curtindo, já
hoje, acho que perdi a simpatia.

Ele deu uma risada fraca e eu mordi os lábios. Em partes, ele


tinha razão. Embora meu pai tivesse se esforçado para fingir ter
gostado de não precisar viajar, ficou nitidamente contrariado por Lui
ter ido me buscar. Ficou difícil sustentar que ele era, apenas, meu
amigo.

— Bom... Seu José é uma caixinha de surpresas... Meu pai


ainda não se acostumou que eu não vivo debaixo das asas dele.

— Acha que foi de algum modo desrespeitoso com ele? Já que


ia te trazer... — Questionou, demonstrando estar genuinamente
preocupado. Pensei bem no que ia responder e como ele insistia no
assunto, decidi esclarecer.
— De verdade? — perguntei e ele assentiu, a atenção presa
em mim. — Serei bem sincera e peço que não veja pelo ângulo da
cobrança. Pois não é a intenção. — suspirei e escolhi o que seria, a
meu ver, as melhores palavras. — Meu pai espera, que se
continuarmos saindo, eu oficialize uma relação com você, que te
apresente da forma devida.

— Seu pai quer nomes aos bois. — eu poderia estar


enganada, mas sua expressão passou a ser de alívio, após a minha
rápida explicação. Meu pai não queria a filha em um relacionamento
quase clandestino. E quando apresentei Lui como amigo, mas dando
pistas que tínhamos algo a mais, ele ficou incomodado. Coisa de pai.
Não me falou nada, mas eu o conhecia bem.

— Você entendeu... — concluí e ele confirmou. Tocou meu


rosto, subiu do meu queixo para a minha bochecha, demorando no
carinho. A mão caminhou até a minha nuca, delicado, ele me puxou
para sua boca e beijou-me. Nossos lábios encaixaram-se e as línguas
encontraram-se, o melhor beijo, intenso e molhado. Depois de um
longo instante, entregue a ele, foi diminuindo o contato até deixar
vários selinhos em minha boca e encarar-me nos olhos.

— Eu respeito muito você, quero um relacionamento e prezo o


que estamos construindo. É simples, descomplicado. E, em breve,
pretendo ir tomar uma cerveja com o sogrão. Desfazer aquela
carranca de quando entramos no carro. — eu meneei a cabeça e ri.
Sabia me cuidar, evitava levar lamentações aos meus pais, mas
gostava dos cuidados deles.

— Ele gostou de você.

— Mas não gostou de imaginar que a filha dele pode estar


dormindo na minha cama.

— Ou você na minha. — complementei, com a sobrancelha


erguida.
— Mal sabe o sogrão que ainda não tive esse privilégio. — ele
fez um bico engraçado, quase um lamento para a nossa condição
física atual, deixando-me morta de vergonha.

— Lui...

— Vai ser um privilégio, Olívia! Ter você todinha. Você e esse


corpo delicioso! — ele me puxou para outro beijo, engolindo minha
boca e a reclamação que quase escapou. — Agora vamos subir,
antes que esse rostinho lindo fique mais vermelho. Se é que é
possível.

— Sem palavras. — disse, revirando os olhos.

Lui subiu com Chanel no colo, que já estava reclamando do


tempo que ficamos dentro do carro com ele parado, e na outra mão
levava a minha bolsa de viagem. Eu carregava uma bolsa menor e os
pertences da pequena folgada que adorou estar nos braços dele. Ele
disse que mais tarde buscaria as roupas que estavam no porta-
malas.

Subimos em silêncio pelo elevador e, quando chegamos ao


nosso andar, quase caí de susto ao dar de cara com Afonso.

Seu olhar vagueou de mim para Lui, um tanto acusatório, mas


logo se recompôs.

— Senhorita Olívia, Luiz Henrique. — o síndico nos


cumprimentou com um aceno, Lui retribuiu, nem um pouco simpático.
— Vim checar se você e Chanel estavam bem, faz três dias que não
te vejo e os porteiros também disseram não terem tido notícias suas.
— explicou, olhando diretamente para mim.

— Oi, Afonso! Estamos bem, chegando de uma pequena


viagem.
— Ah, claro. Bom, não vou prender vocês, depois nos falamos.
— disse, nitidamente sem graça e chamou o elevador, que já havia
descido.

— Claro, até mais!

Entramos em meu apartamento, fui direto para a cozinha e


atravessei até a área de serviço, onde Chanel ficava. Coloquei sua
caminha e as vasilhinhas de água e comida no chão.

— Esse cara gosta de você... — Lui afirmou, sisudo, mas a


coisa mais linda carregando minha bebê, que usava um par de
lacinhos na cor dourada, com aplicação de vários strass.

— O Afonso? — Questionei e ele assentiu. — Que nada! É


que eu dou atenção e ele gosta. Só isso. — Peguei dois copos no
armário e nos servi com água, ele ainda parado próximo a mim. Até
que saiu andando para a área de serviço.

— Ele é a fim de você, linda! Vou colocar a Chanel na caminha.


Capítulo 25
Luiz Henrique

Trabalhei como um louco durante todo o dia, dei o sangue analisando


dados e documentos na investigação que culminaria com a invasão
nos bordéis de luxo. Muita sujeira ia explodir. A parte divertida ainda
não havia iniciado, mas eu já sentia o gosto da adrenalina correndo
nas veias.

Não parei nem para almoçar, Paulo chamou-me para ir com ele
em um restaurante próximo a delegacia, mas declinei. Caso
conseguisse a folga no fim de semana, precisava ter todo o trabalho
burocrático fechado.
Na noite anterior, após sair do apartamento da Olívia, fui para
casa e refleti sobre o nosso relacionamento. Para ser mais
específico, sobre o que gostaria de avançar com ela. Poderia parecer
que nos envolvemos rápido demais, mas, para mim, estou tendo o
tempo que precisava para saber que a queria em minha vida.

Eu gostava de estar ao lado dela. Gostava de beijá-la. E sentia


um tesão descomunal. E, ainda, nem havíamos ido para a cama.
Então, bastava. O resto descobriríamos juntos.

Como Olívia estava vivenciando algo novo, pretendia ir com


calma. Primeiro nos conhecemos, conversamos, iniciamos uma
amizade, até nos beijarmos. E, embora sentisse vontade de ir além e
me perder em seu corpo, a ausência de sexo não atrapalhou em
nada. Muito pelo contrário, fez-me desejá-la em níveis
estratosféricos, além de embarcar na jornada de conhecê-la melhor.
E foi tudo natural.

Olívia não estava fazendo jogo duro, o famoso valorizar o


passe. Não rolou simplesmente porque não estava na hora. E preciso
confessar, até que gostei. Quando acontecesse, seria incrível e eu
estava fazendo muitos planos para levar minha garota à loucura.

Em meus outros relacionamentos, foi tudo muito fugaz. Tive, ao


menos, umas quatro namoradas, além dos inúmeros rolos. Não
possuía problema em me relacionar ou passar um tempo dedicado
apenas a uma pessoa, mas, também, nunca fiquei procurando
namoros, preferia curtir o que estivesse vivendo.

Perdi as contas de quantas vezes conheci uma mulher na


balada e acabamos na cama, fosse na minha, na dela ou na de algum
motel. Acordar no dia seguinte e nunca mais a ver. Ou estender os
encontros. Isso nunca foi problema

A questão é que tudo com Olívia soava diferente dentro de


mim. E não me assustava. Eu estava até curioso para avançar e
descobrir o que tinha para viver com ela. Uma coisa era certa, ela
jamais seria a garota de uma noite só. Nada contra as que já foram,
elas também preferiram que fosse assim. O ponto é que eu não
queria ter minha vizinha por apenas uma vez. E isso já estava bem
claro em minha mente. E acho que ela também gostaria de ir além,
para o meu próprio bem.

No meio da tarde, Paulo chamou-me em sua sala. Até ficar de


pé e esticar o corpo, não havia percebido que passei horas sentado
na cadeira diante de um computador, com a pasta de documentos em
mãos.

Dei um toque na porta e ele autorizou minha entrada.

— Sente-se aí, Brandão — disse apontando uma cadeira


diante da sua mesa.

— O que pega? — perguntei em alerta, pois ele tinha o


semblante fechado.

— Nosso alvo está embarcando hoje para o Nordeste. —


Estendeu-me duas folhas impressas, onde havia fotografias de um
Armando Muller descontraído na sala de embarque do aeroporto de
Guarulhos. Usava roupa elegante e segurava um copo com uma
bebida cor de âmbar. Uísque importado, na certa. — Está
acompanhado da família. Olha que irônico, levando a esposa e as
duas filhas para um resort de luxo em Maragogi. — o tom de escárnio
na voz do Paulo expunha sua revolta. Não era para menos. Três
mulheres bem arrumadas e, incrivelmente bonitas, estavam
acomodadas nos sofás ao lado dele. Ao redor, malas da Louis
Vuitton e bolsas de outras marcas também importadas.

— Sem o menor ressentimento por explorar outras muitas


mulheres sexualmente. Filho da puta. Quando ele volta?

Armando era um famoso empresário, mais um que tinha


enorme prestígio no ramo comercial e conduzia um grupo de
empresas. Figurava na alta sociedade, saía em revistas de negócios
e vivia dando entrevistas. Profissional com boa reputação, casado há
mais de duas décadas com a mesma esposa, duas filhas que não lhe
davam trabalho, ao contrário, seguiam os passos de socialite bem
trilhados pela mãe.

Era a perfeita fachada para esconder o seu verdadeiro negócio


lucrativo e que bancava o luxo exacerbado que sua família desfrutava:
os bordéis de luxo em todo o estado de São Paulo. E ainda não
parecia ser o bastante. A questão era termos descoberto que as
garotas, algumas menores de idade e que usavam documentos
falsos, chegaram ao Brasil achando que trabalhariam como modelos.
E eram todas usadas como prostitutas.

— Segundo apurei, não será uma viagem longa, provável que


na terça que vem ele esteja de volta.

— Certo. Mas o negócio continua ativo. O que vamos fazer?

Paulo deu um sorriso duro, recostou em sua cadeira e cruzou


os braços na altura do peito.

— Bom, eu vou trabalhar, pois já que terei tempo, irei fechar


algumas investigações e focar cem por cento nessa nova. Já você,
acho que vai ter seu fim de semana romântico. — Ele ergueu o queixo
e a sobrancelha em minha direção.

— Vai me dar folga? — perguntei, surpreso. Por mais que


quisesse muito, não estava tão certo que conseguiria, tendo em vista
a sede do meu amigo e chefe em prender os ratos que traficavam
mulheres.

— Vá logo, antes que eu mude de ideia. — respondeu rindo e


apontou a porta com o olhar.

— Valeu chefe! — bati continência e saí em disparada da sua


sala.
Precisei conter a ansiedade em querer fechar logo o local para
onde levaria Olívia, mas também precisava finalizar o trabalho. E, no
meio do processo, tive mais uma ideia. E todas as que eu estava
tendo nos últimos dias, envolviam-na.

Deixei para contar que íamos mesmo viajar quando a


encontrasse, queria ver sua reação pessoalmente.

De volta à sala onde estava trabalhando, tirei o celular do


bolso da calça e disquei seu número. Ela demorou um pouco para
atender e, quando já ia desligar, sua voz doce soou do outro lado da
linha.

— Oi! — Era engraçado como eu me sentia quando falava com


ela, que coisa esquisita essa expectativa.

— Oi, linda!

— Tudo bem?

— Eu estou e você?

— Na rua, encostei o carro para falar com você! — Ela devia


estar fechando os vidros, pois o barulho foi diminuindo. Revirei os
olhos, pois já havia alertado de como era perigoso andar com o vidro
aberto, mas ela justificava que não curtia muito o ar-condicionado.

— Hum, posso te ligar depois. — sugeri, torcendo para ela


negar.

— Não, tudo bem. Estou entregando as roupas para as


meninas. Ainda tenho dois endereços para ir. — contou, animada. E
sorri! Era gostoso acompanhar o início do sonho dela, a forma como
estava descobrindo-se e empenhando-se para fazer dar certo.

— Ah, que coisa boa! Bom, liguei para perguntar se você


jantaria comigo hoje!
— Hum... Faz tanto tempo que não jantamos juntos, Lui! —
brincou, afinal, na noite anterior, havíamos terminado na minha casa.
Ela foi organizar algumas coisas depois que chegamos da sua cidade
e pedi um delivery.

— Cada dia mais engraçada! Não é jantar no meu


apartamento, vou te levar em um restaurante!

— Ah sim! Vou amar!

— Consegue ficar pronta às oito?

— Consigo!

— Então, até mais tarde!

Despedimo-nos e deixei meu pensamento ir longe, tirando um


pouco da mente a carga pesada do trabalho. Antes que usasse o
celular mais uma vez, agora para fazer uma reserva, a porta da sala
abriu e o barulho do salto no assoalho gasto, soou forte.

Girei na cadeira e dei de cara com Pamela, rapidamente olhei-


a, usava uma calça preta apertada, a blusa da polícia para dentro da
calça, as duas peças realçavam seu corpo bonito. Os cabelos longos
estavam soltos, como quase sempre ela usava e, nos pés, calçava
um par de botas com cano curto e salto alto.

Não nego que testei minha mente. Já nos divertimos muito


juntos e até muito pouco tempo, bastava que ela chegasse perto,
para, após uma troca de olhares, combinássemos o sexo de mais
tarde.

Pamela sabia como me deixar louco e, tirando as mulheres


com quem namorei, foi com ela que fiquei mais tempo junto. No
entanto, não senti absolutamente nada, a não ser constatar que ela
era mesmo uma mulher muito bonita. Nada além disso.
— Vim perguntar se você estaria livre à noite, mas acabei
pegando o fim da conversa. — Tudo que a mulher não possuía era
timidez, mas por um instante, foi assim que se apresentou. Mas logo
tratou de disfarçar e levantou o olhar para mim.

— Oi! Não te vi hoje... Mas sim, tenho um compromisso. —


Confirmei e nos olhamos longamente.

— Bom, certo, deixa para outro dia! — Ela deu um sorriso


fraco e virou em direção à porta. Ótimo, um climão.

— Pam, eu conheci uma pessoa. — confessei, em suas


costas.

Nunca tivemos um compromisso, mas trabalhávamos juntos,


ela fazia parte do meu dia a dia. Achei que lhe devia uma justificativa.
Até porque, o ato dela ir me procurar e sondar como seria a minha
noite, era absolutamente normal entre nós dois. Eu também a
procurei em muitas outras ocasiões. Ela precisava saber que eu não
estava disponível e que não seria apenas naquela noite.

— Está namorando? — virou em minha direção e perguntou.


Os olhos levemente arregalados, como se não acreditasse.

— Quase isso. Ainda não houve pedido, mas não estou saindo
com mais ninguém. — Fui direto, para não deixar dúvidas.
Independente do status do meu relacionamento com Olívia, eu queria
estar apenas com ela.

— Uau! — Exclamou, após abrir a boca por duas vezes.

Qual era a surpresa? Não era um acontecimento raro eu estar


namorando.

— Sempre fui fiel, você sabe disso. — Disse, levemente


irritado.
— Sim, eu sei... Mas achei que estivesse curtindo a fase
solteira. — Ela tentou se explicar, mas a irritação era comigo mesmo,
por estar abrindo demais minha vida pessoal. Era só falar que estava
com alguém e pronto. Uma coisa que eu tinha muito certo em minha
vida, na verdade duas: era ser fiel e preservar a namorada, achava o
cúmulo da estupidez trair e ficar detalhando o relacionamento para
qualquer pessoa.

— Curto tudo! Estou contando-lhe para não haver nenhuma má


impressão. — expliquei e levantei-me da cadeira, ainda teria, pelo
menos, mais três horas de trabalho e sentia o corpo cansado, tomaria
um café na copa.

— Bom, antes de tudo, somos amigos! — Ela deu um sorriso e


tocou em meu braço, quando me aproximei da porta. — E eu lhe
desejo felicidades!

— Obrigado. — Agradeci, sentindo um incômodo, por um


instante não achei certo que a mulher que estava em minha cama há
pouquíssimo tempo, estivesse desejando felicidades ao meu novo
relacionamento, até mesmo, por não saber se era sincero.

Pamela me acompanhou até a copa, servi um café e ela fez o


mesmo. Logo depois, dois agentes chegaram da rua com uma caixa
com salgadinhos para o lanche. Passei um tempo com eles,
conversando descontraído, mas não me prolonguei. O que queria
mesmo era terminar o trabalho e meter o pé para casa.
Capítulo 26
Luiz Henrique

Cheguei ao prédio quase oito da noite e só teria tempo para um


banho rápido e, em seguida, ir buscar Olívia em sua porta. E ao
pensar que somente alguns passos me separavam dela, fez-me rir
satisfeito. Ninguém nunca poderia me acusar de não ser esperto e/ou
inteligente. Arrumei uma garota que não me fazia pegar trânsito para
vê-la.

O restante da tarde na delegacia foi tão corrido, desde o


lanche com a equipe, que quase me esqueci de fazer a reserva no
restaurante. Quase. Isso porque ela me enviou uma mensagem
avisando que havia chegado em casa, o que se tornou comum entre
nós dois, e, então, lembrei-me do pequeno detalhe.

Entrei em casa e, mais uma vez, fui salvo pelo acaso, pois, por
algum motivo, lembrei-me que no dia seguinte era sexta. Logo, o dia
que enviava as roupas para a lavanderia e ainda não as tinha
separado. Isso me trouxe à mente que também seria meu último dia
de trabalho na semana e, então, teria a minha tão esperada folga. O
que significava que pretendia viajar com Olívia e não havia fechado o
chalé. Suspirei fundo.

Uma coisa precisava ser dita: ser solteiro dava menos


trabalho. E desde quando você está amarrado, Luiz Henrique? A voz
da minha mente disse para mim mesmo. E complementou: Se deixou
de ser solteiro, Olívia precisa saber! Compreendi quando não ligava
a mínima do trabalho que teria para conquistar minha mulher. A que
vinha virando minha cabeça e fazendo-me querer tê-la ao meu lado o
tempo todo.

— Como consegue ser sempre assim? — Puxei Olívia pela


cintura logo que ela passou pela porta do seu apartamento e enlacei
sua cintura, enfiando o rosto na curva do seu pescoço. Aspirei seu
cheiro, o perfume que me inebriava. Beijei ali e, depois, segurei seu
rosto, beijando sua boca de leve.

— Assim como, Lui? — Perguntou rindo, nossas testas


coladas, ela passou um braço ao redor do meu pescoço, com a mão
livre carregava uma bolsa pequena.

— Linda... Cheirosa... Gostosa demais... — Levei uma mão


até o seu rosto, fazendo um carinho com o nó dos dedos. — Algum
segredo?

— Bobo! —riu sem graça e correu os olhos pelo meu corpo,


avaliando-me. Depois ficou na ponta dos pés para alcançar minha
boca e me beijou. Essas reações dela me enlouqueciam, ora a
timidez ora a evidente luta interna para se soltar, ela se deixava levar
pelo o que realmente gostaria de fazer. — Gostei do paletó... Está
bem gato, senhor vizinho!

— Muito bom receber esse tipo de elogio de uma estilista!

— Eu te acharia um gato, de qualquer modo! — ela deu uma


piscadinha e finalizou com um sorriso. Suspirei fundo. Olívia era a boa
de uma sedutora, que naturalmente me tinha enlevado em suas mãos.
Meu corpo reagiu rápido a ela, deixando-me desconfortável com a
ereção que lidaria pelo resto da noite.

—Vamos logo jantar. Estou tentando ser civilizado! — avisei e


a puxei pela mão, em direção ao elevador.

— Foi você quem começou. — ela se deixou levar, rindo da


minha cara sem o menor pudor.

— Tudo certo com a entrega das roupas? — perguntei


enquanto descíamos para a garagem. Já estava de novo grudado
nela, meus braços ao redor da sua cintura e nossas bocas a poucos
centímetros da outra.

— Sim... Nem acredito que consegui! Agora vou cuidar da


produção dessa pequena coleção, testar as vendas e a aceitação do
público. — Alegre, ela contou. Deitou a cabeça em meu ombro, antes
tendo beijado o meu pescoço. Esse era o momento em que ela se
soltava comigo.

— Maravilha, vai ser sucesso! — puxei-a para dar um selinho


em seus lábios e saímos de mãos dadas do elevador. — Estive
pensando em algo, gostaria de presentear duas pessoas com as
suas peças, quando ficarem prontas não deixe de me avisar, por
favor. — pedi e entramos em meu carro. Eu senti quando seu corpo
retesou, sua mão ainda estava presa à minha.

— Ah claro, será um prazer! — respondeu sem dar muita


atenção e segurei o riso.
Saímos do prédio e dirigi por alguns minutos, o silêncio foi
quebrado quando pedi que ela colocasse uma música da minha
playlist e ela cantarolou a primeira que escolheu. Depois puxei
assunto, contando como havia conseguido a folga. Ela foi atenciosa,
como sempre, mas ainda um pouco distante.

O restaurante ficava em nosso bairro, mais cinco minutos e


estaríamos lá. E, como imaginei, Olívia estava mesmo incomodada.

— Hum, Lui, sobre o presente, preciso que me fale os


tamanhos e o estilo das mulheres. São suas amigas? — Olhei rápido
em sua direção e peguei sua mão, que estava sobre uma das pernas.

— Não. É para a minha mãe e minha irmã! — Gostaria de


estar frente a frente com ela, para poder desfrutar da sua reação,
mas não deu, eu ainda dirigia.

— Ah! — soltou um suspiro curto, mas audível e eu ri. Não


tinha como não ri. Ela ficou enciumada com as mulheres para quem
eu presentearia com as roupas da sua coleção. E fiquei todo
envaidecido, ah como eu fiquei!

— Mas irei, sim, te passar os tamanhos e te explicar um pouco


sobre o estilo delas. — completei, ela ainda estava mortificada no
banco do passageiro e eu tentando não me achar demais.

— Ah, claro. Bom, fico muito feliz, sério! — as palavras saíram


meio desengonçadas, mas ela sorriu para mim quando a olhei
novamente.

— Que bom, gosto de te deixar feliz! — apertei sua mão e o


clima dentro do carro tornou-se leve.

Seus olhos arregalaram-se em surpresa quando entrei na rua


do restaurante. Olívia olhava de mim para a janela e, quando parei na
porta do estabelecimento, ela levou a mão à boca.
— Lui... Você disse que um dia íamos jantar aqui! — lembrou
da noite em que pedi comida para nós dois no restaurante italiano e
jantamos em meu apartamento.

— Ah sim, eu disse mesmo! — comentei, fingindo não ser nada


demais e, por dentro, eufórico por ter ganhado um pontinho com ela.
— Vamos lá? — assentiu e desci do carro, fiz um sinal ao manobrista
que eu mesmo abriria a sua porta.

∞∞∞

Olívia

Meu coração retumbava no peito. Um programa tão comum que era


sair para jantar com o meu rolo fixo. Porque até podia ser muito bom
o que Lui e eu tínhamos, mas não era nada oficial e eu não sabia um
outro modo de nomear. No entanto, tudo o que envolvia, deixava-me
emocionada. Até demais.

Minutos antes quase tive um siricutico de ciúmes quando


pensei nas várias variantes sobre quem seriam as mulheres que ele ia
presentear. E, certamente, seria eu a escolher as peças. Tive uma
reação ridícula, afinal, independente de quem fosse, Lui teve a ideia
de apresentar minha marca. Como pude ser tão infantil? E, se não
fosse suficiente a cara quase amarrada que eu mantinha no trajeto,
enquanto ele tentava manter uma conversa, ainda fui lá futricar quem
eram as felizardas que ganhariam presente dele.

Meu rosto pegou fogo e senti as pernas moles quando ele


revelou que eram sua mãe e irmã, sem esconder que se deliciava
com o meu ciúme.
Poderia ter se poupado dessa, Olívia, pensei, morta de
vergonha.

Aquele homem lindo e que estava uma delícia dentro calça


jeans escura justa e o paletó, abriu a porta para mim e, quando desci,
beijou minha boca de leve. Na maior parte do tempo, Lui estava
vestindo blusa preta, cinza ou branca e calça escura, como se fosse
um uniforme. E eu quase tive uma vertigem ao sair do meu
apartamento e o encontrar. Estava lindo demais. E perfeito dentro da
roupa, a calça tinha um corte elegante e sofisticado, mas marcava
levemente as coxas e a blusa, como sempre, colou em seu abdômen
definido. Já o paletó, realçou ainda mais os ombros largos. Uma
tentação de homem.

Passei a mão em sua nuca, do jeito que sabia lhe fazer


arrepiar. Ele me respondeu com um sorriso torto e um beijo no topo
da cabeça, quando inclinou o tronco em minha direção, aspirei seu
perfume. Amadeirado, masculino, uma delícia.

— Boa noite, a reserva está em nome de Luiz Henrique


Brandão.

A hostess do restaurante que nos recepcionou, atrás de um


pedestal, arregalou de leve os olhos, olhando-o da cabeça aos pés e,
sua voz grossa e potente, em nada ajudou a mulher, que tentava
disfarçar o seu fascínio.

Com dificuldade, ela buscou alguma informação no tablet que


tinha em mãos.

— Mesa para dois, o Juliano irá levá-los, sejam bem-vindos.

Seguimos de mãos dadas. O restaurante era requintado com


uma decoração clássica, mas com toques que lembravam a cultura
italiana como: quadros nas paredes exibindo pontos turísticos do país
e os forros da mesa nas cores vermelha, verde e branca, as mesmas
que compunham a bandeira ítalo. Atravessamos o salão e, ao
passarmos por uma porta dupla, chegamos a uma aconchegante
varanda.

— Fiquem à vontade, senhores. — o garçom desejou, após


nos acomodarmos e nos entregar um tablete onde podíamos acessar
o cardápio.

— Aqui é lindo — exclamei. Lui recostou na cadeira e me


observava. Meu Deus, eu precisava parar de ficar tão afetada diante
dele.

— Realmente, é muito bonito. E a comida nós já sabemos que


é boa. —aproximou da mesa e esticou o braço, pegando minha mão.
— Quer escolher um vinho?

— Bom, já te contei que não entendo muito. — Dei um sorriso,


que ele retribuiu. Lui acabou confessando que vinho não era sua
bebida preferida, ele curtia mesmo era cerveja. Das tradicionais às
artesanais. No entanto, gostava de tomar a bebida quando estava
comigo. — Mas aquele último que tomamos na sua casa eu gostei
muito. Será que tem na carta deles?

— Bem lembrado, eu também gostei. Vamos ver. — ele abriu o


cardápio no aparelho e logo exibiu uma extensa lista de vinhos.

Fizemos os pedidos, Lui contou um pouco sobre como havia


sido o seu dia e disse, que como recebeu a notícia da folga no meio
da tarde, ainda não havia feito a reserva do lugar onde nos
hospedaríamos.

Falar que eu estava ansiosa para a nossa viagem do fim de


semana era eufemismo. Desde o momento que ele contou sobre a
possibilidade de irmos, já não conseguia me concentrar em quase
nada. Afinal, nenhuma atividade se mostrava tão interessante como
passar dois dias dormindo e acordando ao lado dele. Meu corpo
reagia em expectativa e minha imaginação fértil já esquadrinhava as
várias coisas que faríamos juntos, todas as suas prazerosas
promessas veladas seriam finalmente cumpridas.

— Posso saber o que a senhorita está pensando? — Uma


coisa que fazíamos bem era conversar, o tempo todo arrumávamos
assunto. E, de forma natural, estávamos construindo o hábito de
compartilhar nossas ideias, experiências, em outras palavras, o
contar tudo o que acontecia para o outro.

— Podemos pular daqui direto para sábado? — Eu disse, após


engolir uma garfada de comida, a pausa em nosso falatório ocorreu
tão somente porque os pratos principais haviam sido servidos.

— Então, não estou sozinho na expectativa de chegar logo à


nossa viagem? — perguntou, com a sobrancelha erguida e o sorriso
torto.

— Não mesmo!

— O que posso garantir é que será inesquecível! Tá difícil


fazer o tempo passar sabendo que vou dormir grudado em você, que
vou acordar e beijar esse corpo inteiro e te aproveitar o tempo todo!
— ele havia acabado de tomar um gole da água, que pedimos junto
com o vinho, já eu, quase me engasguei com o vento, sentindo meu
rosto ruborizar por completo, ganhando uma risada leve dele.

— Tenho pensado bastante em algo como chalé nas


montanhas e parede envidraçada. — Tentei, do meu jeito, entrar no
clima. Não era e, talvez não me tornasse tão descarada como Lui,
por ser tímida, mas também tinha as minhas armas para envolver um
homem. — O que você acha? — perguntei, após tomar um gole de
água. A sua expressão, depois de cruzar as mãos embaixo do queixo,
com os braços apoiados sobre a mesa, fez-me estremecer. Eu havia
provocado a fera.

— Quer mesmo saber? — assenti, com os olhos arregalados.


Ele riu e meneou a cabeça. — Então, vou te contar exatamente o que
vem à minha cabeça para o nosso fim de semana... Eu te dando
muito prazer, ouvindo seus gemidos enquanto vai estar embaixo de
mim e eu inteiro dentro de você! Olhando para as montanhas, claro!
Ouvi falar que tem banheira de hidromassagem. E, também, uma
vista privilegiada... Seria interessante beijar e lamber seu corpo
todinho enquanto desfrutamos da água quente, certamente você
estará se recuperando, pois não pretendo te dar sossego, Olívia!
Mas cuido bem, pode ficar tranquila! Agora coma, seu risoto vai
esfriar.

Minha boca secou, meu coração batia disparado no peito e um


tesão enorme varreu meu corpo. Até chegar sábado e esse homem
fazer tudo o que me prometia, promessas essas feitas com palavras,
olhares e toques, eu ia enlouquecer.

— Ah, capriche nas roupas de frio... — Ergui o olhar para ele,


ainda mortificada com as suas palavras bem diretas. Lui tinha o olhar
lascivo, pegando fogo e, senti uma pontinha de vaidade feminina, por
ser eu a causadora. Olhei-o em expectativa, pois o sorriso safado
que mantinha no rosto entregava que lá vinha mais. — Não que você
precise de ajuda para arrumar a mala, aposto que faz isso
infinitamente melhor que eu. No entanto, não se preocupe com
pijamas, vou pedir que deixem edredom extra no nosso chalé e não
pretendo te deixar dormir vestida!

Sim, eu ia enlouquecer.
Capítulo 27
Luiz Henrique

Estendemos ao máximo o nosso momento ali. Foi diferente estar


naquele restaurante com Olívia. Não era apenas um esquenta para
uma noite de sexo. Muito pelo contrário. Era um tempo a dois, para
nos conhecermos mais e nos distrair. E Olívia estava sendo uma
excelente distração, tendo em vista que eu esquecia de muitas coisas
quando estava ao lado dela. Menos instinto policial.

Sendo assim, não me passou despercebido que, logo após ter


dado a partida no carro e saído em uma movimentada avenida,
paralela à rua do restaurante, havia um carro com atitudes suspeitas
e em nosso encalço.
Uma SUV preta e com vidros escuros andava a uma distância
segura. Vi quando saiu de uma vaga há poucos metros de onde
estávamos, mas, naquele momento, não havia nada que me
chamasse a atenção. No entanto, a velocidade foi mantida muito
aquém do necessário para uma via que não estava com trânsito e
considerando o porte do automóvel. Além disso, não ocupavam a
mesma faixa que a nossa, embora fosse a mais livre, de modo que
dificultava ainda mais ter a visão dos ocupantes.

Saí da avenida e peguei uma rua à direita, mantive a conversa


em tom normal com Olívia, para não a alarmar. Sem me surpreender,
a SUV acompanhou-me, assim como em todas as manobras que fiz,
quase que andando em zigue-zague, entrando e saindo da avenida
principal. E assim, obviamente, a alarmei.

— Está perdido? — Perguntou-me com o cenho franzido e, se


não estivesse emputecido com o carro nos seguindo e sem fazer ideia
de quem era, teria me sentido ofendido. Estávamos em nosso bairro,
embora no limite com o bairro vizinho, por isso a necessidade de
acessar a avenida principal.

Não lhe respondi de imediato, pois ao entrar em mais uma


ruazinha, essa mal iluminada e mão única, a SUV praticamente colou
na traseira do meu Compass e abriu os vidros.

Eu fui ao limite para não desesperar Olívia, mas, agora, não


tinha outra opção, senão reagir. Precisava ser rápido. Não abriram os
vidros para tomar um ar, os filhos da puta iam tentar nos alvejar.

— Oli, arrede o banco para trás e abaixe. — Pedi com o


máximo de calma que consegui colocar em meu tom de voz. Mas,
mesmo sem ter noção do que estava acontecendo, ela me lançou um
olhar apavorado.

— O que está acontecendo, Lui? — perguntou gaguejando.


Não perdi tempo e saquei a Glock da cintura, observando pelo
retrovisor a distância que estavam de nós. — Meu Deus, você está
armado? — a voz saiu estrangulada e seus olhos eram puro horror.
Gostaria de acalmá-la e, até mesmo, explicar que não havia a mínima
possibilidade de sair de casa sem estar armado, não quando era um
Policial Federal e lidava com todo tipo de sujeira. Mas realmente não
tinha tempo.

— Agora, abaixe. — ordenei e assustada, ela fez o que eu


pedi.

Meti o pé no acelerador, a arma empunhada e já destravada.


Eu meteria bala em quem estivesse nos seguindo. Olívia falava coisas
desconexas ao meu lado, finalmente, tendo se abaixado na frente do
banco.

O primeiro tiro ecoou e o segundo veio logo atrás, ambos


acertando o para-brisa traseiro do carro. Junto do estrondo causado,
ouvi um grito sofrido de Olívia, que chorava encolhida.

— Linda, preciso que você tenha calma. — Que situação de


merda. Isso não podia estar acontecendo, não com ela ao meu lado.
Não era a primeira vez que me perseguiam e era provável que não
seria a última. Eu não era um policial sonso, quando entrava em uma
investigação, era para fazer história. E queria muito saber quem eram
os mandantes do ataque. — O carro é blindado, ok? Só não posso
deixar que eles cheguem ao nosso prédio. — Ela recuperou um pouco
da cor ao receber a informação, mas seu olhar ainda era de pânico.

A blindagem, se não fosse pela minha profissão, seria por


fazer parte de uma família de advogados criminalistas e que estavam
acostumados a receber ameaças.

— Quem são, Lui? — sua voz saiu em um fio e a minha


resposta fez-me ter ainda mais raiva dos desgraçados que estavam
em nosso encalço.

— Eu não sei.
Aguardei que eles tentassem emparelhar os carros com os
vidros abertos e consegui enxergar que havia, ao menos, três
homens. Eu estava em desvantagem. No entanto, eles não contavam
com a blindagem do meu carro e, certamente, recalculavam a rota.

Continuei acelerando, os olhos colados no retrovisor e, depois


de um breve momento de recuo, vi quando eles também aceleraram.
Suspirei fundo e mantive a concentração. Não podia errar. Tinha que
pará-los.

Andávamos por ruas calmas e vazias dentro do bairro e


precisava sair dali, pois de jeito nenhum entregaria de bandeja meu
endereço.

Mais um tiro e eles tentaram acertar os pneus.

Mais um grito dela, que me partia por dentro.

E eu precisei revidar. Em um movimento calculado, impulsionei


meu corpo para fora e disparei a Glock em direção a eles. Consegui
alvejar a lateral do carro e o para-brisa dianteiro. Sempre estive certo
em manter em dia o treino de tiro. Não adianta ter a melhor e mais
letal arma, se não tiver boa técnica e precisão.

Voltei a atenção para ela e a direção do carro, Olívia


encarava-me incrédula, tremia e chorava. Quando subi o olhar e
verifiquei o retrovisor, vi que recuaram. De novo. Por um milésimo de
segundo, pensei que fosse uma reação aos tiros que lhes direcionei.

Não era. O motivo estava na esquina seguinte: uma viatura da


polícia militar parada no semáforo. Meti o pé no acelerador e parei o
carro de qualquer jeito ao lado deles. O policial que estava no banco
do passageiro desceu, assim que me aproximei, pois saí como um
raio e com a arma ainda empunhada.

— Mãos para o alto e isso aqui vem comigo. — Ele pediu a


minha arma e lhe entreguei sem pestanejar. Não estava escrito em
minha testa quem eu era. — Está louco?

— Agente federal Luiz Henrique Brandão, estou com uma civil


no carro, é a minha namorada. Uma SUV preta nos perseguiu e atirou
três vezes em nossa direção. — Despejei, após soltar um suspiro e
tirar a carteira do bolso da calça, mostrando-o meu distintivo que
estava dentro dela.

— Já estou pedindo reforço. — Avisou o outro policial, que


dirigia a viatura e havia descido com o rádio em mãos.

— Ela está bem? Conseguiu anotar a placa? — O policial que


me abordou perguntou e devolveu a arma.

— QXA0139

— Vamos tentar localizá-los e preciso que compareça à


delegacia para lavrar o boletim.

Após trocar mais algumas palavras com os policiais, voltei para


o carro e a viatura saiu em disparada com a sirene ligada. Se
estivesse sozinho, teria os acompanhado na caçada. Mas não estava
e tinha uma difícil missão pela frente. Acalmar Olívia e, quando
estivesse pronta, contar um pouco sobre o meu trabalho. Esperava
que ela não me pusesse para correr.

— Linda... — Chamei-a ao retornar para dentro do carro e me


virei em sua direção. Olívia já estava sentada de volta no banco do
passageiro, assustada e com a feição séria. Peguei sua mão e passei
o polegar em seu dorso. O único motivo pelo qual fiquei apavorado e
me borrando de medo de dar tudo errado, foi por tê-la ao meu lado.
Odiei-me por ela ter passado por isso.

— O que foi isso?

— Podemos conversar em casa? Estamos perto?

— Tá.
Soltei um suspiro e tentei raciocinar. Não conseguia.

— Vem cá — puxei-a para um abraço, apertei Olívia em meus


braços e enfiei o rosto em seus cabelos. Consegui controlar a minha
agitação interna ao sentir um pouco do seu calor e do seu cheiro. —
desculpe-me, por favor. Daqui a pouco vamos conversar, mas me
desculpa?

— Você está bem? — perguntou com a voz chorosa, seus


braços apertaram-se ao meu redor.

— Estou, mas isso não importa. Meu único medo era que você
se ferisse ou te perdesse.

— Vamos para casa.

Soltei-a e deixei um beijo em sua testa, dando a partida no


carro.

∞∞∞

Olívia

A sensação que eu tinha era a de que o meu corpo não sairia do


torpor que o tomou. Eu sentia um tremor da cabeça aos pés, como
se todos os meus órgãos e ossos tivessem resolvido brincar de quem
dança melhor. Pois tudo dentro de mim estava fora de órbita.

Eu mal conseguia manter os olhos abertos. Ou falar. Respirar,


então. Inclusive, tenho certeza de que, se alguém medisse minha
saturação, levaria-me para a emergência de algum hospital e seria
internada às pressas.
Algo me dizia que eu poderia cair dura no chão a qualquer
momento.

É provável que Lui tenha achado a mesma coisa. Pois, assim


que ativou o alarme do carro, já na garagem do prédio, abraçou meu
corpo junto do seu, levando-me no colo em direção ao elevador.

Subimos em silêncio e, quando chegamos em nosso andar,


paramos em minha porta, que era a primeira.

— Dorme comigo hoje? — pediu, com a testa encostada na


minha e os braços ao redor da minha cintura. Atordoada, achava
mesmo era que precisava ficar sozinha, em uma tentativa de voltar à
realidade.

— Lui...

— Por favor? Fica comigo hoje, preciso ter você em meus


braços, ter certeza de que está bem. — Como negar, se eu também
queria estar perto dele? Estava desolado e mesmo eu, Estava
desolado e mesmo eu, imersa em um mistura de medo e chateação,
desejava cuidar dele. Não o deixaria sozinho.

— Tá... Mas porque não dorme aqui, já está tarde e aí não


preciso levar a Chanel. Além disso, amanhã você sai bem cedo para
o trabalho.

— Pode ser, já volto.

Entrei em casa e desabei após fechar a porta. As lágrimas


escorriam, meus ombros sacolejavam para a frente do meu corpo e,
sem que tivesse controle, escorreguei até chegar ao chão. Chanel
veio correndo e pulou em meu colo, lambendo-me e emitindo um ruído
fininho, como se também chorasse em solidariedade.

Não sei quanto tempo demorei por ali, mas em um estalo


lembrei que Lui logo chegaria. Com dificuldade, levantei-me e, com
Chanel no colo, fui para o quarto. Troquei a roupa por um baby doll
preto, tirei a maquiagem, escovei os dentes e o aguardei. Conferi o
horário, meia hora havia passado e nada dele.

Pensei em mandar uma mensagem ou telefonar. Ele estava


online no aplicativo de mensagens. Decidi esperar mais um pouco, fui
até a cozinha pegar água e, quando sentei-me no sofá para esperá-
lo, ouvi uma voz vinda da varanda do seu apartamento.

Afastei a cortina e abrir a porta de vidro, Lui estava com um


braço apoiado no guarda-corpo e falava ao celular. Mal havia
colocado os pés na varanda e ele já olhava na minha direção. Fez um
sinal para que eu aguardasse, pelo pouco que ouvi da conversa,
falava com alguém do seu trabalho.

Passei a tremer também pelo frio que fazia, o robe que


coloquei por cima do pijama não fez nem cócega ante a baixa
temperatura, mas não quis entrar e perder algum detalhe, pois
entendi que a perseguição que sofremos era o assunto.

— Abra a porta pra mim, linda — pediu, quando desligou o


telefone. A minha tentativa de compreender o que havia acontecido foi
frustrada, pois meus pensamentos ficaram longe.

— Ah, claro.

Entrei e abri a porta. Lui estava com o olhar pesado e colou


seu corpo junto ao meu.

Abracei-o forte, o choro voltou, eu quase soluçava. Ele enfiou


uma mão entre o meu cabelo, fazendo um carinho no couro cabeludo
e com a outra ele me segurava firme pela cintura.

— Eu senti tanto medo — disse, cortando as palavras, pois


não era uma tarefa fácil chorar, quase sufocar com o nariz entupido e
falar, tudo ao mesmo tempo.
— Passou... — Ele me soltou e, com as duas mãos, segurou
as laterais do meu corpo. — Eu só não queria que você se
machucasse. — Os olhos encaravam-me profunda e duramente,
estava sério, um vinco formou-se entre as duas sobrancelhas. Mas, lá
no fundo, eu enxerguei sua agonia, como se tivesse decepcionado.
Seria consigo mesmo?

— Vamos para a cama? — Subi uma mão para o seu rosto,


fazendo um carinho na barba. Àquela altura já imaginava que a
perseguição poderia ser alguma retaliação relacionada ao seu
trabalho. E estava bem brava por isso. Mas eu queria confortá-lo.
Cuidar dele. Lui assentiu e caminhamos de mãos dadas até o meu
quarto.

Afastei o edredom, subi na cama e ele me acompanhou, vestia


uma calça de moletom e blusa de malha. Assim que me deitei, ele me
puxou para os seus braços, ficando de conchinha comigo.

— Precisamos conversar. — Disse, decidido.


Capítulo 28
Luiz Henrique

— Eu realmente não sei quem são aquelas pessoas. Agora, já


faço uma ideia sobre quem pode tê-las enviado. Os mandantes,
sabe? Mas nem isso tenho certeza.
Apertei Olívia em meus braços como, se ali, junto de mim, ela
estivesse protegida. Porém, hoje, recebi a prova que é justamente o
contrário. Se ela não estivesse saído comigo, não teria passado por
uma perseguição daquelas e com direito à troca de tiros.
Ao chegar em casa, telefonei para Paulo e o cara já estava
dormindo. Antes de me escutar contar sobre o acontecido, xingou-me,
pelo menos, com meia dúzia de palavrões. Fizemos um apanhado das
últimas operações em que trabalhei ativamente. A de maior vulto era
a que envolvia Mauro Lins. Mas ele podia ser tudo, menos burro. E
não encomendaria um atentado contra o filho dos seus advogados.
Ele sabe que eu iria até o inferno para descobrir quem foi. E é o que
irei fazer.
“O peixe é maior do que imaginamos, Lui. Sinto muito pela
sua garota, essas merdas não deveriam atingir terceiros. Mas isso
me deu um gás. Semana que vem botamos fogo nos puteiros.”
Eu estava pronto para responder Paulo quando ouvi o barulho
dela chegando à varanda do seu apartamento.
“Sugiro trocarmos o dia, quem sabe uma quarta-feira? Bom,
nos falamos com calma amanhã. Boa noite.”
Disfarcei o assunto e logo encerrei a chamada.
Uma coisa era certa: deram-me ainda mais sangue no olho
para fuder com a vida dos cafetões e traficantes de mulheres.
Porque ficou claro para nós dois que, de algum modo, eles
sabiam da nossa investigação e enviaram um aviso. Queriam nos
parar. E isso não ia acontecer.
— Estou dentro de uma investigação pesada e, quando formos
para a rua, gente influente pode ser presa. É um daqueles casos em
que o delegado aparece no jornal do horário nobre, dando entrevista.
— contei-lhe de forma superficial, podia sentir o sobe e o desce do
seu peito e a respiração ofegante.
— Foi uma retaliação? — ela segurava minhas mãos, de
alguma forma, somente nós dois éramos capazes de nos confortar.
— É só suposição, temos sido discretos na delegacia, mas
tudo indica que é um recado, um aviso para pararmos.
— Eu senti tanto medo. — confessou, mais uma vez, depois de
longos minutos em silêncio.
A voz saiu fina, quase falha. Nem precisava ter me contado, eu
vi o medo explodindo em cada poro seu. E, dificilmente, irei me
esquecer da sua expressão de completo pânico. A mulher sempre
teve uma vida normal e não tinha que estar preparada para o que
passamos.
— E eu quero me socar por você ter passado por isso. —
Apertei ainda mais os braços ao seu redor, como se pudesse fundir
os nossos corpos.
— Mas você não tem culpa, essa é a verdade. — Beijei seu
pescoço, queria poder acreditar em suas palavras. Mas sim, eu tive
culpa.
— Linda, eu sei que estou do lado certo. Posso ajudar colocar
atrás das grades bandidos da pior espécie. Mas eu te coloquei em
risco e isso está me matando. Sei me defender e, se estivesse
sozinho, teria ido pra cima, chamado reforço e dado trabalho para
eles.
— Não sei o que dizer. Mas também senti medo por você.
Assustei-me por você estar armado. Tanta coisa, Lui. — O desespero
estava de volta em sua voz e havia mais uma coisa que eu precisava
explicá-la.
— Isso a gente também precisa conversar. Oli, eu sempre
estarei armado em local público. Sempre. Sou um policial, não tenho
como prever as situações de perigo e não posso contar com terceiros
para me proteger ou quem está comigo. Sou discreto, já saímos
outras vezes, até viajamos e você nem percebeu. Mas ontem eu
precisei usar. E poderia ter sido pior se eu não estivesse armado.
Um silêncio duro instalou-se no quarto. Eu expus a verdade nua
e crua. Entendia que a realidade dela era diferente da minha, nunca
precisou lidar com as merdas que eu enfrentava todos os dias. Mas
não era como se eu estivesse escolha. Na verdade, escolhi aquilo
quando decidi que entraria para a Polícia Federal e passei meses
trancado em um quarto me preparando para a prova.
— Eu sei... Mas, ainda assim, me assustei. — disse,
finalmente.
— Estar com você tem sido uma das melhores coisas que me
aconteceu nos últimos anos. O tempo todo penso em você, quero a
sua companhia. Mas vou te dar um espaço, amanhã, porque hoje não
te largo por nada e entenderei se quiser se afastar. — era o mínimo
que podia oferecê-la. Um espaço para pensar e aceitar se ela
quisesse colocar um ponto final no que iniciamos.
— Você precisa descansar, dá uma desacelerada, pois
amanhã vai acordar cedo para o trabalho. — Ela havia tirado as mãos
de sobre as minhas, mas, voltou naquele exato momento, segurando-
me junto de si.
— Hoje, eu preciso é de você — falei rente ao seu ouvido. Só
precisava dela ao meu lado e com todo o resto eu poderia lidar.
— Eu também — soltei o ar que nem sabia que prendia e, em
um ato desesperado, virei seu corpo de frente para mim, buscando
logo sua boca. Segurei-a pelo cabelo e a invadi, beijando-a.

∞∞∞

Olívia

Lui e eu fingimos ter dormido por boa parte da madrugada. E, depois


que nos cansamos de tentar nos enganar, ficamos de frente, olhando-
nos e falando tantas coisas em silêncio, descobrindo muitas outras
apenas pelo olhar.
Dentre as minhas descobertas estão o fato de ainda sentir
muito medo e não saber quando o pânico sairia de dentro mim; em
contrapartida, sentia-me segura ao lado dele e em seus braços.
Na minha cama, tinha um homem atormentado e que não
deixava de se culpar por eu ter ficado em risco. Embora sua postura
fosse dominadora e, ele tenha me libertado do seu aperto, apenas
para me beijar, em todo o restante do tempo, manteve-me cativa,
segurando-me, incansável.
O homem que eu enxergava era protetor e corajoso, que
sozinho e bem rápido, pensou e montou a estratégia de como
enfrentar os bandidos que nos perseguiam. Seu olhar era altivo e
focado. Eu percebia suas ações calculadas, a velocidade que usava,
o ângulo em cada curva para entrar e sair da avenida principal, o
domínio e a frieza na direção, mesmo quando fomos alvejados pelos
tiros. Ele não piscava, era como se estivesse dirigindo em um trânsito
intenso e precisasse ter atenção, não na mira de bandidos, atirando.
Mas nada me preparou para o momento em que ele esticou o corpo
para fora da janela e atirou na direção deles, todos os disparos os
atingiram e ele ainda continuava guiando o carro.
Ali, era o policial Luiz Henrique. Sem medo, sem pressa, sem
desespero. Cirúrgico, inteligente e perigoso. Ele foi incansável para
que nada de pior nos acontecesse. De minuto a minuto, desviava a
atenção apenas para me olhar e ter a certeza de que eu não havia
desfalecido. Nem sei como não desmaiei.
Por um segundo, desejei ter a sua destreza, o seu
conhecimento para que pudesse ajudá-lo e não dificultar ainda mais a
situação. Mas a realidade era completamente diferente e nem o meu
choro eu consegui conter.
Ali, deitada com ele na cama, veio à minha cabeça a vez que
nos encontramos no restaurante e ele estava acompanhado dos
colegas da delegacia. As duas mulheres também usavam o uniforme
da Polícia Federal e depois do que ele me contou sobre o seu
trabalho, elas, com certeza, também estavam armadas. E, em uma
situação como a que passamos, teriam tido outra reação.
Lui me deu a chance de repensar o que estávamos iniciando e
me afastar, disse isso de forma bem clara. E eu o entendia, afinal,
desde que chegamos em nosso prédio eu era um misto de medo e
irritação.
Mas não podia me afastar. Não mais. Já não fazia sentido ficar
longe dele. E eu nem conseguiria.
Estava amanhecendo quando senti o aperto em minha cintura
afrouxar. Não exagerei quando disse que passei a noite em seus
braços, Lui não me soltou. O calor do seu corpo no meu, a sua
respiração em meu pescoço e uma ereção cutucando-me, que nem
dentro do contexto horrível em que fomos para a cama, ele perdeu.
Olhei por cima do ombro e confirmei que ele havia finalmente
adormecido. Cinco da manhã, teria pouco tempo até ele levantar-se
para ir ao trabalho.
Com cuidado, consegui afastá-lo e saí da cama. Minha cabeça
doía e eu sentia como se um caminhão houvesse me atropelado.
Na cozinha, passei um café para ele, que logo acordaria e
montei uma bela mesa para o café da manhã.
— Queria ter acordado com você a meu lado... —
surpreendeu-me no balcão da cozinha. Eu mexia no celular,
aproximou-se sorrateiro e me envolveu com seus braços.
— Bom dia! Vim preparar um café para você... — Entrelacei
nossas mãos e deitei minha cabeça em seu peito. Seu corpo ainda
estava quente, o rosto meio amassado e o cabelo atrapalhado. Tão
lindo e carinhoso.
— Não brinca com isso, Olívia. Já vai ser difícil dormir sozinho
depois de ter passado a noite com você em meus braços. E agora
acordar e ganhar um café da manhã. Não estou acostumado com isso
não. — sua voz rouca, de quem acabou de acordar, ressoou dentro
de mim, agitando-me por completa. Eu também podia me acostumar
a ter aquele homem lindo e delicioso me agarrando em todas as
manhãs.
— Pensei em ir ao supermercado comprar algumas coisas
para levarmos na viagem, tipo, vinho, chocolates... O que acha?
— Isso significa que não vai correr de mim? — Eu havia virado
em sua direção, com carinho, ele segurou meu queixo e ergueu um
pouco o meu rosto.
— Significa que vou pagar para ver, nós dois queremos estar
juntos.
— Eu já te falei o que pretendo fazer com você durante todo o
fim de semana, espero que não tenha esquecido.
— Lembro vagamente.
— Olívia, Olívia. — nós dois rimos e ele me deu um beijo
gostoso. Beijo de bom dia.

∞∞∞

Luiz Henrique
Bastou que eu saísse da presença dela para que o meu humor
tornasse odioso. Eu estava muito puto, sem vontade de conversar
com quem quer que fosse e desejando meter bala no desgraçado que
encomendou aquele atentado.
Era óbvio que eram meros empregados. E burros. Não
recalcularam rota quando viram que o meu carro era blindado e,
mesmo sabendo que estavam em vantagem no número de pessoas,
continuaram atacando a traseira, sendo que nas laterais poderiam
tentar me atingir, já que abri o vidro do meu lado.
Enfurnei dentro de uma sala da delegacia e passei boa parte
da manhã listando os envolvidos na operação que íamos deflagrar na
rua, bem como as ligações dentro quadrilha que investigávamos.
— Tenho notícias — Paulo irrompeu na sala com uma folha
em mãos, virei a cadeira em sua direção e ele puxou uma que estava
vaga ao meu lado, sentando-se nela. — Olha isso — mandou,
esticando o papel para mim.
— Então, não estávamos errados — recostei na cadeira,
relendo as informações. Tratava da transcrição de uma conversa
obtida através do grampo no telefone do Armando Muller.
— De forma alguma. Não foi ele, mas sim o seu capanga de
luxo. — O cabeça da quadrilha e conhecido empresário, ainda que
falando em códigos, repreendia Josiel, seu braço-direito no crime,
sobre ter enviado os caras atrás de mim.
— Acho uma boa ideia explodirmos durante a semana. Não é o
maior movimento das casas, mas foge do óbvio. — Devolvi-lhe o
papel e aguardei que Paulo se manifestasse.
— Ele volta mesmo na terça-feira, já tenho os detalhes do voo,
terá um agente à paisana no aeroporto e irá segui-lo durante todo o
tempo. Não vamos perdê-lo de vista.
— Fechado. Vamos almoçar? — Ele assentiu e saímos juntos
da delegacia. Quando chegamos à rua, recebi uma mensagem no
telefone com a confirmação do chalé. Lamentei por antecipação
durante a madrugada, certo de que Olivia preferiria um tempo longe
de mim. Mas a mulher surpreendeu-me.
— E a garota? — perguntou depois que nos acomodamos no
restaurante localizado na rua da delegacia. Comida caseira e simples,
contudo, de boa qualidade e o ambiente era agradável.
— Foi foda. Foda pra caralho. Mas hoje ela acordou,
parecendo mais calma. A viagem tá de pé.
— Fica de olho, Lui. Se precisar, mete escolta atrás dela.
Já havia pensado nisso, talvez fosse necessário. E muito
provável que ela surtasse se soubesse que teria alguém a vigiando.
Mas com isso eu poderia lidar, só não deixaria Olívia em
perigo. Nunca mais.
Capítulo 29
Olívia

Passava das dez da noite quando paramos o carro no


estacionamento da pousada, Lui deu a volta para abrir a minha porta.
Imaginei que fôssemos sair cedo de São Paulo no sábado, mas,
durante a tarde, ele me telefonou e perguntou se eu conseguiria me
organizar para sairmos naquele dia mesmo, que era sexta-feira.
Confirmei, estava tão ansiosa quanto ele.
— A gente faz o check-in e eu volto para buscar as bagagens.
— Apenas balancei a cabeça em afirmação e senti que o vento frio
poderia, até mesmo, cortar minha pele. Dos meus lábios saía um leve
tremor. Ele percebeu que eu quase sucumbia e riu, abraçando-me
pelo ombro. — Vem cá, deixa eu te esquentar.
Resolvemos as burocracias e já com as bagagens, seguimos
um caminho de pedrinhas e ladeado por pequenos arbustos. Em
ambos os lados havia muita vegetação.
A pousada ficava em Serra Negra, há cerca de duas horas e
meia da capital e, em toda a sua extensão, havia uma suntuosa vista
para as montanhas. Como ele havia dito, quando me convidou.
Logo no início, havia uma construção muito bonita, arquitetura
estilo suíça, com muita madeira e um jardim bem cuidado à frente. O
funcionário que nos acompanhava explicou que era onde ficavam os
apartamentos.
Continuamos subindo, passamos pelas piscinas e, após uma
escadaria, chegamos à área dos chalés. Eu fui surpreendida pela
beleza, já era bem tarde da noite e eu tinha certeza de que estava
perdendo muitos detalhes, no entanto, era muito mais incrível do que
havia imaginado.
Os chalés pareciam estrar no meio das montanhas, com uma
enorme distância entre eles, permitindo que todos tivessem
privacidade.
— O de vocês é o último e é o maior deles. — o funcionário
avisou e eu procurei Lui com o olhar, que deu de ombros.
— Eu disse que tinha muitas ideias! — respondeu, dando uma
piscadinha ao final, o que já me deixou de pernas bambas em
expectativa.
O carinha não exagerou quando disse que o nosso chalé era
grande. Talvez ele tenha até atenuado. Era enorme, composto por
dois andares, todo em madeira e com paredes inteiras envidraçadas.
No térreo, havia uma pequena e equipada cozinha, banheiro, sala e o
hall de entrada. Uma escada, também em madeira, levava ao
segundo piso, onde estava localizada a suíte com closet e mais uma
sala. Nos dois pavimentos, havia sacadas. Sendo que, na suíte,
também tinha uma banheira de hidromassagem, redonda e posta
sobre um deque, de frente para a vegetação e montanhas, separada
por mais uma parede envidraçada.
— Gostou? — Lui me agarrou, colando suas costas em mim e
enlaçando minha cintura. Eu estava parada no liame entre o quarto e
a sacada. Diante de nós, somente a escuridão do céu iluminada pelas
estrelas. Tudo parecia tão mágico. Nós dois naquele chalé lindo e tão
romântico. A equipe da pousada havia o arrumado para nos receber,
na mesa redonda da sala havia uma cartinha endereçada a nós dois,
um balde de prata com champanhe, uma caixa de bombons finos e
um mix de frutas secas, morangos e castanhas. Todo o cenário era
como se tivesse saído de algum livro, parecia irreal demais.
— É tudo tão lindo... — apertei seus braços e aconcheguei-me
em seu corpo, de um jeito que eu estava gostando de fazer.
— Também gostei daqui... Pensei em um banho de banheira, o
que acha? — sugeriu, já atacando meu pescoço, com mordidas e
beijos molhados. E como negar? Eu jamais que eu perderia a chance
de entrar na banheira com aquele homem, ainda que estivesse quase
congelando de frio.
— Acho maravilhoso! — virei-me para ficarmos de frente e
enlacei seu pescoço. — Não posso negar, você tem tido ideias muito
boas, essa viagem, banho na banheira...
— Vou te mostrar que é só o começo, Olívia! — safado, deu
uma piscadinha e beijou minha boca. Eu estava viciada em seus
beijos, em seus braços enormes e onde eu em encaixava
perfeitamente, na voz forte ora sussurrando em meu ouvido o quanto
me achava linda ou falando mil besteiras, deixando-me acesa e
excitada demais.
— Vou lá preparar, então — ele me soltou e corri para o
banheiro. Lui entendeu que eu precisava de um momento sozinha.
Coloquei a banheira para encher, separei alguns dos sais de
banho que mais gostei, acendi as velas aromáticas. Lamentei não ter
pegado uma caixinha de som em casa, dessas pequenas que cabem
na bolsa, mas o celular serviria para ouvirmos alguma música. Tirei a
roupa que vestia, ficando apenas com a lingerie preta e de renda que
escolhi, enfiei-me dentro de um roupão branco e macio, prendi o
cabelo em um coque frouxo e, quando a banheira ficou pronta,
chamei-o para o nosso banho.
— Hum, está cheiroso aqui! — Disse observando todo o
ambiente, o aroma estava mesmo delicioso, não mais que o cheiro
dele. Deixou um selinho em meus lábios e eu já não conseguia
pronunciar uma palavra sequer, pois Lui surgiu como um deus grego
usando apenas cueca box preta.
Diante da minha reação e com um sorriso torto no rosto, ele
pegou minha mão e levou-me para junto de si.
— Esperamos muito por esse momento, não acha? — Uma
mão ele passou pela minha cintura e a outra levou ao meu rosto,
fazendo-me carinho.
— Hum, sim! — sibilei, afetada demais, com tanta vontade
dele, de senti-lo e experimentar todo o desejo que quase nos
enlouquecia.
— Mas não acho que tenha sido ruim, pelo contrário. Pode
parecer exagero, mas foram muitos dias e noites pensando como
seria quando eu te fizesse minha, pois é assim que te vejo, minha,
toda minha! — ele falava de forma cadenciada, mas sem perder seu
timbre forte, fazendo-me engolir em seco a cada palavra pronunciada.
Respirei fundo e voltei à realidade. O homem com quem eu
estava querendo viver muitas experiências e, não apenas sexuais,
estava ali na minha frente. Seduzindo-me, dizendo com todas as
letras que me queria. Não fazia sentido a minha reação de quase não
consegui falar. Quer dizer, até fazia muito sentido, mas não parecia
inteligente da minha parte.
— Eu também! — Reagi subindo as mãos pelo seu abdômen,
às vezes soo repetitiva, mas aquela perdição de homem era um
desacato com todos os outros. Demorei em cada gominho bem
definido, sem desgrudar os olhos dele.
— Andou tendo pensamentos sobre nós dois, Olívia? —levou a
mão que acariciava meu rosto para a minha nuca, segurando-me
firme ali e fazendo meu corpo estremecer, mais uma vez. E, embora
ele quase não transparecesse, também estava afetado, sua
respiração entrecortada entregava-o.
— Posso ter uma mente bem criativa! — mordi os lábios, não
era a sedução em pessoa, mas ele me encarava com os olhos
pegando fogo. É, de algum modo o federal marrento estava
vulnerável bem ali na minha frente.
— Podemos mudar para ações muito criativas! — dei uma
piscadinha e ele soltou uma risada rouca, gostosa. Lui colou nossos
corpos, levou a boca ao meu pescoço, arranhando a pele com o
dente e aliviando ao passar a língua pelo mesmo caminho.
— Hum... Estamos falando demais! — eu disse, achando-me
um tanto corajosa por atiçar um pouco mais a fera, que praticamente
grunhiu ao pé do meu ouvido, com a respiração pesada.
De repente, ele deixou um beijo leve em meus lábios e me
soltou.
— Fica nua para mim, quero te ver inteira, Olívia! — embora
as palavras que usou configurasse um pedido, seus olhos contavam
que não era como se eu tivesse uma opção.

∞∞∞

Luiz Henrique

Nossas respirações estavam ofegantes e eu podia ver o sobe e


desce do peito dela. Os dois com expectativas para a primeira vez
que faríamos amor. Não era apenas sexo ou prazer desmedido,
embora eu já imaginasse que teria minha melhor noite de sexo e que
todas as outras melhores vezes seriam com Olívia. Mas estávamos
escolhendo dar mais um passo na relação que construíamos.
O que era uma enorme novidade para mim.
Desde o fim da minha adolescência, eu não me relacionava
com alguma mulher sem o interesse sexual, até mesmo nos namoros
que tive.
Óbvio que desejava Olívia a todo instante, tinha ereções
épicas, que chegavam a doer, nos últimos dias eu nem me importava
mais em disfarçar. No entanto, todo o conjunto que se referia a ela
me parecia tão importante quanto o sexo. A amizade que nasceu
entre nós, sua companhia, ficar abraçado com ela ouvindo uma
música, nós dois deitados no sofá, no meu apartamento ou no dela.
Com delicadeza, ela desfez o nó do roupão.
Nossos olhares estavam faiscantes e fixos um no outro. Após
um impulso seu, a peça caiu pelos seus ombros até embolar no chão
atrás de si, desnudando o corpo que era uma perfeição divina,
coberto apenas pela lingerie pequena e delicada.
— Linda, você é linda demais! — Toquei em sua cintura,
segurando-a, sua pele estremeceu ao meu toque, macia, cheirosa,
feita para me tirar do eixo. — Eu amo esse corpo, cada parte dele e
agora eu quero beijá-lo inteiro, sentir seu gosto e a maciez da sua
pele. — Subi as mãos pelo seu abdômen, parando na base dos seios
pequenos, onde passei a acariciar sob o sutiã rendado. — Não tenho
pressa, vou te provar todinha!
Olívia era toda delicada, estatura baixa, poucas curvas, barriga
plana e seios pequenos. O corpo mais lindo, naturalmente lindo e
harmonioso que já tive o privilégio de ver. O corpo da minha mulher.
Cumpri minha promessa, de venerar e provar cada pedacinho
dela, o que fiz depois de sentá-la na bancada do banheiro e tirar as
únicas peças que impediam meu total acesso a ela.
Ainda com o seu gosto na boca e, constatei não haver nenhum
outro melhor, levei-a para a banheira, acomodando-a em meu colo,
de frente para mim.
Ela espalmou as mãos em meu peito, acariciou todo o meu
abdômen, tinha o olhar lascivo e mal sabia que onde me tocava, eu
pegava fogo. No entanto, eu queria que a nossa primeira noite fosse
completa, sem pressa, embora já tivesse a ponto de explodir.
— Eu poderia te agradecer pelas horas que dedica à
academia, à luta... — Suspirou e continuou o sobe e desce das mãos
pelo meu corpo, sem se dar conta do que causava em mim com a
fricção do seu centro sobre a minha pele.
— Tá gostando do que vê, Oli? — Ergui a sobrancelha e
segurei-a pela cintura. A diaba abriu um sorriso lindo, depois de
pender a cabeça um pouco para o lado, como se estivesse pensativa.
— As blusas que você usa e costumam colar em seu abdômen
escondem essa pequena perfeição aqui! — Deu uma piscadinha,
passeando as mãos em meu corpo friccionando-o, subindo e
descendo com os delicados dedos. Eu estava pronto e desesperado
para tomá-la e ela queria brincar. Já me considerava uma santidade,
por tamanha paciência.
— Espero que não seja uma reclamação por eu andar vestido!
— eu disse entredentes e ela riu fraco.
— Hum, não mesmo... — fez uma pausa e abaixou um pouco o
corpo. Prendi a respiração, em expectativa pelo que ela faria na
sequência. — Gosto que seja tudo meu. Inclusive, estou pensando
que também poderia provar cada pedacinho seu, sem pressa. —
Soltei o ar e gargalhei, ia me provocar usando as minhas palavras.
Desde que retribuísse a minha gentileza de minutos atrás, quando a
fiz delirar na bancada, podia gastar o tempo que quisesse.
E ela fez.
Olívia passou a língua pelo peito, causando um arrepio de
imediato, alternando a carícia, vez prendendo a pele entre os dentes
ou deixando beijos em todo o meu abdômen.
A cada centímetro que ela descia, eu me sentia aturdido. Até
que ela me levou ao céu, pela primeira vez, naquela noite.
A primeira de muitas, uma dança que descobrimos ser ainda
melhor quando dançávamos juntos.
Capítulo 30
Olívia

Não era a primeira vez que dormíamos juntos, ainda naquela


semana eu havia acordado em seus braços. Mas a situação era tão
diferente. Na noite após a perseguição que sofremos, por exemplo,
ele dormiu vestido.
Abri os olhos e, embora estivesse entrando uma intensa luz
dentro do quarto, pois fechar as cortinas, na noite anterior, não foi
algo que teve a nossa atenção, não me incomodava.
Pelo contrário. A vista que eu tinha direto da cama, através
das paredes envidraçadas, era infinitamente atraente. Muito verde, a
vegetação brilhava sob os raios solares e eu ainda não havia
acrescido à cena o homem que estava ali do meu lado, beijando
minha nuca e o topo das minhas costas nuas.
Lui passeou as mãos pelo meu abdômen e as subiu até os
meus seios, fazendo-me prender o ar. Provocava-me, apertava-me,
subia e descia chegando ao meu centro sensível, fazendo-me delirar
quando mal havia despertado.
— Estratégias de tortura? — Nem sei como consegui
pronunciar algo, ainda sonolenta e com a respiração entrecortada.
Empinei o corpo em sua direção, fazendo com que ficássemos ainda
mais colados, sentindo-o em mim e recebendo sua risada rouca em
meu ouvido.
— Servindo bem para servir sempre, seu prazer é a minha
missão! — antes que eu tivesse a chance de tecer algum comentário,
ele intensificou seus toques e de olhos fechados encontrei o paraíso.
— Não tenho do que reclamar, senhor Brandão! — disse,
finalmente. Lui enfiou o rosto no vão do meu pescoço, depois de dar
algumas mordidinhas em meu ombro. Lânguida, aconcheguei-me em
seus braços, o corpo, recuperando-se da descarga de adrenalina e
de prazer de segundos atrás.
— Bom dia, linda! — O que aquela voz rouca era capaz de
provocar em mim, meu Deus! Segurou-me firme e respirou em meu
pescoço. Mesmo embaixo do grosso edredom, dava para sentir que
lá fora o dia estava gelado e o corpo dele me esquentava inteira. O
conceito de dormir agarrado havia sido atualizado para mim, pois Lui,
de um jeito que me deixou incrédula, entrelaçou nossos corpos. E foi
uma delícia dormir e acordar grudada nele.
— Posso me acostumar a ser despertada deste jeitinho! — eu
não falava apenas das nossas brincadeiras sexuais, mas também do
calor dos seus braços ao meu redor, do ruído da sua respiração
enquanto dormia, do seu cheiro gostoso ao acordar e do seu corpo
quente.
— E eu vou gostar muito... — passou o nariz pela minha pele
nua, o pequeno pedaço do meu corpo fora do edredom — Cheirosa!
Ergueu um pouco o corpo em minha direção, apoiando a
cabeça sobre o cotovelo.
— O que acha de pedirmos o café da manhã e aproveitar um
pouco o lugar? Depois do almoço, podemos curtir a preguiça!
— Acho que sua ideia é muito boa! — Respondi animada, já
imaginando as tantas coisas gostosas que, certamente, seriam
servidas. Com o pouco do que havia visto da pousada, deu para
perceber que era um lugar bem legal, para não dizer luxuoso. Pois
era e muito.
— Como pode um ser tão pequeno comer tanto? — Jogou seu
corpo enorme em cima do meu, arrumando o edredom sobre nós
dois.
Eu estava a ponto de perguntar se ele tinha algum fetiche com
o meu pescoço, pois não perdia a oportunidade de me cheirar, beijar
e morder.
— Que deselegante falar para uma mulher que ela come muito,
Lui. — enlacei seu pescoço e mordi seu queixo.
— Ahh, mas a minha mulher é quase uma draguinha... — meu
coração perdeu algumas batidas ao ouvi-lo pronunciar a minha
mulher. — Uma draguinha linda, gostosa, que tem esse cheiro
enlouquecedor. E come pra caralho. — Eu ia reclamar, mas ele foi
mais ágil e rindo, colou nossas bocas.
— Todo mundo precisa de um bom café da manhã. — sibilei,
ao consegui uma pequena brecha.
— Concordo... — Ele espalmou as duas mãos sobre o
travesseiro, ao redor da minha cabeça e encostou o nariz no meu,
esfregando-o em uma carícia gostosa. — Mas vou alterar um pouco a
minha ideia, tem algo tão bom quanto café da manhã de hotel e
podemos ter as duas coisas. Não é incrível?
— Safado. Isso que você é... — Ele gargalhou e de novo,
afundou o nariz em meu pescoço. — E não estou reclamando!

∞∞∞
A água quentinha era um alívio em meu corpo, fazendo-o
relaxar, lavei os cabelos e fiz minha higiene. Assim como todo layout
do chalé, além do local onde estava a banheira, a área do chuveiro
também possuía uma parede envidraçada. E era indescritível tomar
banho olhando as montanhas.
Eu estava tão entretida com a vista, que nem percebi que Lui
já estava dentro do box.
— Pedi o café da manhã, em dez minutos será servido na
varanda. — ele espalmou as mãos em minha barriga e com destreza,
nos posicionou embaixo do jato d’àgua.
— É lindo — eu disse, apontando para as montanhas.
— É sim... Faz algum tempo que um amigo esteve aqui com a
esposa. Ele falou muito bem do lugar e, quando vi as fotos, quis
conhecer. Mas precisava de uma companhia especial. — Aproximou-
nos um pouco mais da vidraça, ainda embaixo da água e ficamos ali
abraçados e admirando a vista.
Suas palavras tocaram fundo em meu peito. Eu sentia sua
sinceridade e, convenhamos, já havíamos avançado o bastante para
não precisarmos de joguinhos.
— E eu sou a companhia. — Queria olhá-lo, então virei, em
sua direção, e levei as duas mãos até sua barba, acariciando-o ,
enquanto ele abraçava minha cintura.
— Você é a pessoa especial que chegou à minha vida! — Nós
dois suspiramos e ele beijou minha boca de leve, antes de continuar a
falar — Sabe... Eu morava em um bom apartamento, o único defeito
era ser um pouco longe da delegacia. Mas, do nada, deu-me uma
coisa de comprar outro e comecei a procurar antes mesmo de pensar
se o colocaria a venda ou para alugar. Será se eu teria te conhecido,
se não tivesse me tornado seu vizinho? — Uma mão ele soltou da
minha cintura e levou ao meu rosto, erguendo um pouco o meu
queixo.
— Era para ser assim... Rodrigo e Isabel, o casal que morava
lá, eram bons vizinhos. Tudo bem que a gente pouco se encontrava,
mas nunca tivemos problemas. E de uma hora para outra decidiram
sair do Brasil, pelo que me explicaram, foi uma decisão que tomaram
em uma noite, enquanto jantavam. Acho que não levou mais que dois
meses para a mudança deles. — Contei e ele me escutou atento. De
alguma forma, várias coisas aconteceram para que o resultado fosse
nós dois ao lado do outro.
— Eu precisava te conhecer. — Com as duas mãos ele
segurou meu rosto e disse, com muita firmeza, sem desviar nossos
olhares. Eu torcia para que Lui sentisse ao menos um pouquinho do
que havia em meu coração.
Eu me apaixonei por ele!
— Foi uma das melhores que coisas que me aconteceu desde
que cheguei em São Paulo. Sei que tem pouco tempo, mas o que
temos vivido juntos, nós somos bons juntos! E isso tem bastado... —
Reuni toda a minha coragem para dar uma dica sobre o que sentia.
Ele fez uma longa pausa, a vegetação e montanhas, olhando-nos, o
barulho da água caindo e ali, em nosso particular, eu quase podia
ouvir nossos corações batendo, pois o sobe e desce em seu peito já
me era visível.
— Ah, linda! Você tem ocupado um tamanho enorme na minha
vida! — ele disse e me abraçou forte.
— Você, igualmente!

∞∞∞
— Tá aprovado? — Perguntou-me com um sorriso travesso.
Fazer o que, eu estava quase tendo um orgasmo gastronômico com
as combinações de pãezinhos de vários tipos e sabores, que incluía
croissants de chocolate meio amargo e pasta de nozes. Que
combinação dos Deuses.
Lui havia colocado em seu prato pão australiano, creme de
queijo, ovos mexidos e bacon. Nada, absolutamente nada de doce. O
que me pareceu um sacrilégio diante do banquete que nos foi servido.
— Uau! Conseguiu superar o café da minha mãe, da Carminha
e da nossa padaria! — Ele concordou, ainda rindo.
Aproveitamos o café sem pressa, que foi organizado sobre a
bonita mesa de jardim que ficava na varanda. O sol cintilava sobre a
vegetação e sob a luz do dia e pude ver o quão maravilhoso era o
lugar. Cercado por verde e muitas flores. Tudo bem cuidado e
colorido. Pássaros rodeavam o lugar, tornando o ambiente ainda mais
bucólico. Na lateral do chalé, havia um lago enorme e, próximo a ele,
pergolados espalhados sobre o gramado.
Após o café, vestimos roupas de ginástica e, por cima,
agasalhos. A funcionária que nos recepcionou quando chegamos,
passou uma programação de atividades na região. Havia trilhas,
passeio de quadriciclo, rapel, dentre várias outras. Ainda não
tínhamos decidido qual fazer e saímos para conhecer todo o espaço
da pousada, que era incrivelmente lindo.
De mãos dadas, descemos a trilha que separava a área dos
chalés para a de convivência, onde ficavam os apartamentos e área
comum como: refeitório, academia, sala de chá e jogos.
Havíamos acordado mais cedo do que imaginamos quando
fomos para o banho, tanto que, no refeitório ainda havia hóspedes
tomando o café da manhã. Paramos diante de uma fonte, peguei meu
telefone que tocava e Lui fez sinal que iria até a varanda do local onde
eram servidas as refeições, nós é que preferimos fazê-la na varanda
do chalé.
Era Du quem me telefonava, assim que saí do banho, mandei-
lhe uma mensagem, pois ele estava com Chanel. Conversamos um
pouco, ele queria saber detalhes da minha noite ao lado do policial
bonitão o que, obviamente não lhe entreguei e, ao desligarmos, virei
em direção à varanda, procurando Lui.
E lá estava, lindo demais encostado no guarda-corpo,
observando a paisagem, todo de preto e com óculos de sol o que lhe
davam um aspecto ainda mais misterioso. Segurava uma xícara,
provável que com café, totalmente alheio aos olhares femininos nada
discretos.
Próximo à porta dupla que separava a varanda do salão de
refeição, havia quatro mulheres reunidas. Elas riam, comentavam algo
que eu não consegui compreender e olhavam em sincronia para Lui.
Há cerca de duas mesas ao lado, outra mulher também o cobiçava e
esta estava acompanhada, enquanto eu guardava o telefone no bolso
frontal do meu agasalho, vi quando o cara se levantou da sua mesa
para ir servir mais do café da manhã.
Bufei e, um pouco irritada, caminhei em direção a ele. Mas,
graças ao bom Deus, tive o discernimento de respirar fundo durante o
curto trajeto, o que me fez raciocinar e melhorar a cara que já
emburrava.
Era eu quem estava ao lado dele e foi comigo que ele acordou
pela manhã.
Foi o suficiente para erguer o cenho e caminhar segura. Sabia
que não conseguiria surpreendê-lo, pois perceberia qualquer mínimo
movimento meu, mas calmamente, espalmei as mãos em suas costas
largas e deixei um beijo por ali.
— Demorei? — virou em minha direção e negou, após beijar
minha boca.
— Como Chanel está?
— Achando que a casa do tio Du é uma colônia de férias! —
Nós dois rimos, ele virou um último gole da bebida, que era mesmo
café, e apontou para dentro do salão.
— Vamos ali comigo devolver a xícara? O gerente nos indicou
um passeio interessante, conhecido como Rota de Vinhos e Queijos,
assim poderemos conhecer mais do local através das fazendas e
vinículas. Pensei em fazemos uma visita depois do almoço, o que
acha?
— Eu vou adorar!
Pegou-me pela mão e entramos juntos dentro do salão. Eu
resisti, bravamente, em cometer o ato adolescente de olhar para as
mulheres que antes estavam comendo-o com os olhos.
Ao descermos para uma caminhada, pois, na região, havia
um pico muito conhecido e ele queria ir lá.
Durante todo o trajeto, de ida e volta, contamos nossas
histórias de vida, trocamos olhares, risadas, beijos. Compartilhamos
de alguns silêncios, como quando chegamos ao pico e ficamos
absortos em pensamentos. Creio que a natureza tem esse poder
sobre nós, causar-nos reflexões.
Absolutamente, tudo era mais interessante ao lado dele.
Suspirei quando voltamos ao chalé, não estávamos ligando
para horário, estendemos a rede na varanda e deitamos juntos, minha
cabeça eu sem peito, seu braço segurando-me.
Ali, eu me sentia em paz e esperava que ele também.
Capítulo 31
Luiz Henrique

Olívia era solar, alegria, riso sem precisar de justificativa e


apaixonante. E não era apenas eu quem pensava isso dela.
De braços cruzados e encostado em uma das pilastras na
enorme varanda da casa sede da vinícola, eu a observava
gargalhando sobre algo que dona Antonieta falou. A senhora de meia
idade e, proprietária do lugar, conversava com ela como se fossem
velhas conhecidas. E só havíamos chegado há uma hora.
Foi inevitável manter o sorriso em meu rosto.
Soltei um suspiro, sem desviar meu olhar dela, que agora
sorria em minha direção e tinha uma sobrancelha erguida. Havia me
pegado admirando-a e rindo como um cachorrinho adestrado. E era,
exatamente, assim que eu me sentia.
— Já sei quais garrafas quero levar! — Olívia se aproximou e
enlaçou meu pescoço, ficando na ponta do pé conseguiu alcançar
meus lábios e deu-me um beijo leve.
— Tenho certeza que sabe! — Mordi de leve seus lábios,
segurando sua reclamação. Olívia talvez seja a pessoa mais
apaixonada por vinhos que eu conheça. Para ela, toda ocasião
merece um bom rótulo, embora insista saber pouco do assunto e seu
único interesse seja tomar da bebida.
— Quero ir nas ruas, o que eu mais gosto nas vinícolas é
poder andar entre as plantações e pegar uva direto do pé. — Os
olhinhos brilhavam e ela tinha razão, eu já havia visitado muitas
vinícolas em minhas andanças pelo mundo e, olha que nem era
fissurado por vinho, mas a experiência de andar pela imensidão dos
pés de uva era sempre interessante.
— Vamos lá. — Concordei depois de beijar sua testa.
— Fiquem à vontade, queridos! Quando retornarem, faremos a
degustação. — Assentimos para dona Antonieta, que já havia nos
mostrado o setor de produção e, de mãos dadas, descemos as
escadarias da varanda.
O dia que iniciou gelado e nublado, mudou drasticamente perto
do horário do almoço e, quando nos arrumávamos no chalé para sair,
o sol havia aparecido, tornando-o quente.
E, naquela pequena viagem, estando o tempo todo grudado
em Olívia, vi o quanto ela era capaz de transformar qualquer clima
ruim em conforto; trazer paz; despertar coisas boas em mim. Eu me
sentia um homem bom ao lado dela.
E tentava relaxar, mesmo após a mensagem que recebi do
Paulo.
“Vamos explodir na quarta à noite, fica preparado”.
Ele também havia sido seguido na noite de sexta-feira, não
chegaram nem perto da abordagem que fizeram comigo, mas
estavam dispostos a nos intimidar. O que, se dependesse de nós, não
ia acontecer. Isso só serviu para nos deixar ainda com mais vontade
de acabar com a raça deles.
— Prova essa, é a minha preferida! — Olívia surgiu com
algumas uvas na palma da mão, oferecendo-me.
— Gosto assim, meio termo entre o doce e o ácido! — Segurei
em sua cintura e, aos poucos, a expressão sorridente dela foi
mudando e, de cenho franzido, ela tocou em minha barba, fazendo um
carinho.
— Você está preocupado, o que aconteceu?
— Estou bem, linda! — Puxei-a para mais perto, mal sabia
Olívia que somente ela poderia me fazer esquecer a loucura que seria
minha vida na semana seguinte.
— Não está! Mas tudo bem, mais tarde eu lhe faço falar! —
Ela mordeu o lábio e eu gargalhei com a sua certeza de que tinha
poder sobre mim. De todo modo, errada não estava. Com um braço,
enlacei sua cintura e colei nossos corpos, a outra mão segurou-a pela
nuca, nossos rostos próximos, assim como as nossas respirações.
— Podemos voltar agora para a pousada e eu te conto tudo o
que quiser, sem precisar de muito esforço da sua parte! — Acariciei
seu lábio inferior com a ponta da língua, o gemidinho que ela soltou
fez todo o meu corpo reagir e eu lhe mostrei, ao descer minha mão
até a base da sua coluna e, finalmente, encostar seu corpo no meu.
— Estou com vontade de ter você, Olivia! Muita!
Beijei seu pescoço e soltei um suspiro pesado.
— Acho que já aproveitamos o passeio e podemos dispensar a
degustação, afinal, vamos levar todas as garrafas que dona Antonieta
separou para nos apresentar! — Sua voz saiu rouca, do jeito que eu
já havia aprendido que ficava quando estava excitada. Soltei-a e
peguei sua mão, caminhando rápido em direção a casa sede.
— Eu compro até essa vinícola, mas vamos logo para o nosso
chalé!
Ela riu alto do meu desespero e eu não dei bola. Não
chegamos ao quarto, pois arranquei, com todo o cuidado do mundo, o
vestido florido que ela usava. Assim que passamos pela porta, meus
lábios atacaram a boca dela, eu alternava entre beijar sua boca, seu
pescoço e descer até chegar ao monte sobre os seus seios.
Enquanto isso, ela conseguiu livrar-se do calçado, deitei-a
sobre o sofá da pequena sala e corri o olho sem pressa por todo o
seu corpo. Olívia usava apenas um conjunto de lingerie rosa clarinho e
rendado. Absurdamente linda, sensual sem se dar conta, a obra
perfeita para me ter aos seus pés. Apoiei o joelho em um lado seu
sobre o sofá e o outro finquei no piso frio, mantendo-a presa. Abaixei
sobre o seu corpo e voltei a beijá-la, venerando com a minha boca
cada pedacinho dela.
Fizemos amor no sofá e depois repetimos no conforto da
cama, nada me faria cansar de tê-la, de amá-la e de dar-lhe prazer.
Assistimos o pôr do sol através da parede envidraçada do
quarto com os nossos corpos enrolados sob o edredom e sobre a
cama macia. As montanhas brilhavam sob os últimos raios solares, o
céu perdendo o azul para o alaranjado, que logo se tornaria
escuridão. Olívia lutava contra o sono, mas disse que seria um
pecado perder aquele fenômeno tão lindo.
Eu ri, ainda mais quando percebi que ela não aguentou cinco
minutos e estava apagada.
Consegui descansar, como há muito tempo não era capaz. Não
apenas o corpo, mas também a mente. E só foi possível porque a
minha atenção estava sobre ela.
Acordamos e já era noite. O céu novamente estrelado e a
tentativa de Olívia em sair do aperto dos meus abraços fez-me
despertar.
— Preciso ir ao banheiro — justificou, agoniada, e eu a soltei.
— Não demora — gritei em suas costas, rindo do seu
desespero.
Minutos depois, ela voltou correndo e enfiou-se rapidamente
sob o edredom. Não perdi tempo ao encaixar a conchinha, meu novo
lugar preferido, e abracei-a.
— Está frio! Muito frio! — segurou meus braços ao redor do
seu corpo e eu beijei seus cabelos.
— Já está tarde, está com ânimo de sair para jantar? — eu
torcia para que a resposta fosse negativa, estava tão confortável
dentro do chalé e com zero vontade para sair. Mas faria o que ela
decidisse.
— Não podemos pedir nada por aqui? — seu olhar era de
súplica, beijei a ponta do seu nariz e depois sua boca.
— O que acha de outro banho de banheira? — Sugeri e ela
assentiu. Eu tinha planos para Olívia, algo que rondava meu coração
há dias e não havia margem para qualquer dúvida. — Vou pedir algo
na cozinha...

∞∞∞

Olívia

Eu me sentia dentro de um conto de fadas, já fui para tantos lugares,


mas não encontrava em minha memória nada que fosse tão lindo e
aconchegante quanto aquele chalé e tudo ao seu redor.
Já não sabia se o que me deslumbrava era o cenário
apaixonante de frente para as montanhas ou aquele homem lindo e
gostoso, mimando-me.
Encolhi as pernas sobre o tapete, no colo carregava uma
almofada fofa. Lui estava de pé, a sua imagem imponente como
sempre, vestia um suéter cinza que abraçou cada pedacinho dos seus
braços e abdômen definidos e abria uma garrafa de vinho para
tomarmos, que trouxemos da vinícola.
— A nós dois — ele brindou, após dar-me um beijo leve,
sentado ao meu lado.
— A nós! — toquei seu rosto com carinho, meu coração
aquecido, que presente havia sido conhecê-lo!
Juntos, tínhamos paz, alegria e muita química. O tempo todo
eu queria estar em seus braços e sentir suas mãos e boca em meu
corpo. No entanto, não tínhamos pressa, tampouco, complicações.
Estávamos vivendo, sendo felizes juntos, divertindo-nos e dando-nos
prazer. Não tinha como ser mais perfeito.
Ele me chamou para mais perto e arrastei-me para ficar em
sua frente, encostada em seu peito. Lui me abraçou, uma mão dentro
do casaco quentinho que eu usava, sentindo meu corpo.
Uma cena digna de um bom romance: nós dois diante da
lareira acesa, sentindo o cheiro da madeira, ouvindo o crepitar do
fogo e tomando vinho. No entanto, viver a realidade ao lado dele
estava sendo muito melhor do que qualquer narrativa de ficção.
Ele afastou meu cabelo, que caía sobre as minhas costas, e
passou sua barba cerrada pelo pequeno pedaço de pele exposta, na
extensão do meu pescoço, acendendo-me, provocando-me, fazendo-
me querer mais dele, assim como tinha sido desde a noite anterior.
Era incansável, não conhecia a palavra descanso e arrepiei-me por
inteira, em expectativa, ao lembrar do que ele disse horas antes,
quando estávamos na cama.
“Ainda não te provei diante da lareira, Olívia!”
Isso porque o provoquei dizendo que já havíamos feito amor
em cada canto do chalé.
— O que foi, linda? — No lugar da barba, que arranhava minha
pele, estava seus lábios, deixando beijos molhados no mesmo lugar.
— Nada não... — respondi gaguejando, arrancado uma risada
dele. Sua voz rouca, ao pé do ouvido, sua boca e suas mãos em mim,
e os efeitos que causavam em meu corpo, provavam que a grande
questão não era ele ser incansável, mas sim fazer-me desejá-lo o
tempo todo. E eu queria Lui, ah como eu queria! De novo!
— Não esqueci a minha promessa — sussurrou, as mãos
segurando-me firme — como deve ser gozar assistindo o fogo
queimar na lareira?
— E-eu não sei... — respondi já tendo perdido o rumo da vida
e completamente entregue a ele.
— Então, vamos mudar isso, pois precisamos descobrir.

∞∞∞
— É um dos melhores fondues que já experimentei — comentei
após ele levar à minha boca um pedaço de pão de especiarias, mas
antes mergulhou no queijo derretido. Com o dedo, ele limpou o
cantinho da minha boca.
— Eu também gostei muito!
— Por que estou com a sensação de que você quer me contar
algo? — Desde que acordamos, pela manhã, notei-o meio agoniado,
com a típica expressão de quem procura o melhor momento para
adentrar determinado assunto.
— Porque é uma mulher muito esperta e inteligente. — Ainda
estávamos no tapete da sala e colocamos os dois aparelhos de
fondue sobre a mesinha de centro, junto com os vasilhames onde
estavam os acompanhamentos. Lui chegou mais perto e apertou a
ponta do meu nariz, em uma brincadeira nossa. — Bom, não é bem
contar, mas sim fazer um convite.
— Hum... Que mistério!
— Já comentei com você sobre o clube de tiro do qual sou
sócio...
— Sim...
— Quero muito te levar lá... — Ergui a sobrancelha, já
imaginava que, em algum momento, tal convite poderia surgir. Estava
longe de ser o programa que eu escolheria por conta própria, eu tinha
zero familiaridade com armas, mas confiava em Lui e que ele não me
levaria para um lugar que não fosse seguro. Não de forma pensada.
— Quero mostrar o espaço e como funciona. É um dos lugares que
mais frequento.
— E tem algo mais nisso aí... — Ele pisava em ovos e eu não
me segurei, revirei os olhos, arrancando uma risada dele.
— Tem, Olívia. Bom, imagino que aulas de tiro você vai
dispensar, o que é uma pena, pois eu adoraria te ensinar a atirar, mas
gostaria que fizesse aulas de defesa pessoal. — Ele falou tudo de
uma vez e eu quase perdi o ar. Imagina, pegar em uma arma. Seria
até engraçado para não dizer impossível. Mas, defesa pessoal?
— Uau. Nossa... Nunca pensei em fazer nada nem parecido. —
Expliquei, nem sabia como funcionava uma aula do tipo.
—É para você, sua segurança. — E tocou em minha
mandíbula, fazendo um carinho em todo o contorno do meu rosto e
depois segurou o queixo. — Uma tentativa, você vai lá conhecer, ver
como é, participa de aula uma experimental e depois me dá uma
resposta. O que acha? — Eu poderia dizer sim para qualquer coisa
com aquele homem, olhando-me firme e com os olhos cheios de
desejo e determinação.
— Tá, eu posso tentar...
— Fácil assim? — Ele riu e, ainda segurando meu queixo, deu-
me um beijo gostoso, molhado, explorando cada pedacinho da minha
boca. Não me fiz de rogada e correspondi, enlacei seu pescoço e
quase sentei em seu colo, deixando que ele conduzisse.
— Não sabe o que te espera, senhor Luiz Henrique Brandão.
— Eu disse, pausadamente, sem desviar o olhar. — É provável que
eu não me controle vendo você todo malvadão, atirando pra tudo que
é lado. — Ele gargalhou e foi minha vez de beijá-lo. — Sabe que fica
bem sexy no modo policial?
— É mesmo? E o que pretende fazer? — Já havia me puxado
para o seu colo, minhas pernas ao redor do seu corpo e ele
encostado no sofá.
— Pode ter certeza que irei te contar em detalhes quando
sairmos do seu clube, mas, em casa, na minha cama ou na sua! —
dei uma piscadinha e Lui me encarou firme, a respiração pesada,
suas mãos apertando a minha cintura.
— Segunda-feira, pode colocar na sua agenda. Iremos visitar o
clube de tiro.
— Já estou ansiosa!
Capítulo 32
Olívia

— Minha diva maravilhosa e que agora está famosaaaaa... Ai, meu


pai amado, você está sendo muito notada, meu amor — Eu estava
pregada de sono e nem a voz estridente do meu amigo foi suficiente
para me acordar.
— O que aconteceu, Du? A propósito, quando vi seu nome
chamando, pensei que tivesse acontecido algo com Chanel.
— Que nada, minha sobrinha continua com a vida de rainha
que tem. Você ainda não viu nada, ne? — ele deu uma risada do
outro lado da linha, tão alta, que até olhei para trás, assegurando que
Lui ainda dormia. E lá estava leve, lindo como veio ao mundo e o
edredom, cobrindo-o da cintura para baixo. Resolvi descer para o
andar de baixo ou o acordaria. — Eu super te entendo, com um
homem desse do meu lado eu não faria questão nem de lembrar do
meu nome. Mas precisava te contar...
Du tagarelava sem parar, abri a porta da varanda e recebi uma
lufada de vento frio, que me fez arrepiar.
— Digamos que as coisas estão um pouco intensas por aqui,
quase não mexo no celular.
— Romance e sexo com um policial é o clichê de toda pessoa
romântica, Oli. Promete que vai me contar tudo?
— Só se for clichê de mentes pervertidas como a sua — deu
outra gargalhada e foi impossível não acompanhá-lo. Sentia saudade
de quando tinha Du todos os dias ao meu lado. De tédio e tristeza eu
não sofria. — Deixa de ser enxerido e me conta o que está
acontecendo.
— As meninas fizeram fotos incríveis com as suas peças,
contaram um pouco sobre a marca e a comunidade da moda está
fervendo querendo saber do seu trabalho. Muita gente me mandou
mensagem, Olívia Torres já é um sucesso! — De imediato, meus
olhos marejaram. Era o meu sonho e o fruto de muito esforço e
trabalho.
— Uau! Nossa, estou até emocionada. Eu ainda não vi nada,
só atendi sua ligação porque havia acordado com sede e escutei o
barulho do meu telefone vibrando. — Encostei no guarda-corpo da
varanda, mesmo dentro do roupão quentinho meu corpo ainda
arrepiava com a baixa temperatura. Mas estava no meio daquela
natureza tão incrível, era difícil não me conectar.
— Volte para o seu boy, já dei a notícia, sua filha está muito
bem cuidada e quando chegar em São Paulo conversamos melhor. —
Havia muita emoção na voz dele e nós dois suspiramos juntos.
— Obrigada, Du. Por tudo!
— Não vejo a hora de brilhar ao seu lado, minha amiga. Em
breve, estaremos juntos na Olívia Torres. — Eu o havia convidado
para trabalhar comigo, assim que a marca engrenasse no mercado e
esperava que fosse logo.
— Eu já sonho com esse dia!
Finalizei a chamada e apertei o nó do roupão. Aspirei e soltei o
ar algumas vezes, meus pensamentos indo longe. Naquele momento,
a coleção que eu criei estava em Nova York, sendo apresentada ao
mundo.
Foi proposital ter me desconectado desde sexta-feira, quando
saí de São Paulo. Claro que preferia curtir cada segundo colada em
Lui, mas ao não ficar focada no celular, eu consegui conter a
ansiedade com o trabalho e relaxar.
O único som que eu ouvia era o produzido pelos pássaros, que
voavam de um lado para o outro, até surgir o som dos passos dele.
Primeiro, descendo as escadas dentro do chalé e depois sobre o
assoalho da sala, até chegar à varanda.
Suspirei em expectativa, estava viciada em Lui.
— Bom dia, namorada! — Suas mãos vieram direto para a
minha cintura, colando nossos corpos. A voz rouca de quem acabou
de acordar foi sussurrada com a boca colada em meu ouvido. Qual o
problema dele? Devia ser proibido ser assim tão deliciosamente
quente em um domingo logo cedo. — Detestei acordar sozinho em
nossa primeira manhã de namoro!
Ele mordeu, de leve, a minha mandíbula, próximo ao ouvido e
riu baixinho com o meu arfar.
— Espero que não tenha se esquecido que, durante a
madrugada, aceitou ser minha namorada! Virei o meu corpo em sua
direção, ficando de frente com ele e enlacei seu pescoço. — A pele
ainda estava quente, o rosto levemente inchado e o cabelo
desarrumado. Lindo demais!
— Eu não me esqueceria!
Durante a madrugada, acordei com beijos em meu pescoço,
sentia suas mãos em todo o meu corpo, acariciando-me e já tendo
encontrado meu ponto de prazer.
— Preciso de você, linda! — ele sussurrou, com a ponta da
língua traçou o lóbulo da minha orelha.
Foi a chave para que eu despertasse e me entregasse a ele.
Delicioso e intenso, assim como foi em todas as outras vezes.
Lui só parava de me beijar para sussurrar alguma sacanagem ou
dizer o quanto eu era linda e gostosa. Abraçava-me e tocava-me,
apaixonadamente com as mãos, e eu nunca me senti tão em casa.
Chegamos ao ápice juntos, com a respiração ofegante ele
parou as duas mãos sobre o meu travesseiro, ainda dentro de mim,
ergueu levemente o corpo, para não me pesar sobre o meu. Seus
olhos me encaravam e, diferente das outras vezes, ele não deitou e
me puxou para o seu peito. Beijou de leve meus lábios e acarinhou
meu rosto, repetidas vezes.
— Eu te quero o tempo todo, mas é muito além do prazer que
é estar dentro de você, também te desejo ao meu lado. Namora
comigo, linda?
Meu coração quase falhou, esperava qualquer declaração,
mas não um pedido de namoro e, tampouco, naquela circunstância.
Também toquei seu rosto, fiz um carinho em sua barba e
ganhei outro beijo. Lui me aguardava com a sobrancelha erguida.
— Eu aceito!
— Linda, minha namorada, minha mulher!
— E você, todinho meu!
Brinquei com ele e logo pegamos no sono, mais uma vez,
com os nossos corpos embolados.
— Mas estava aí achando que eu sim... — Lui riu e eu não
neguei. Foi tudo tão fugaz, forte, acordamos para fazer amor e
fechamos com um pedido de namoro. Vai que ele estava sonhando!
— Boba! Eu também não me esqueceria.

∞∞∞

Luiz Henrique

Cumprimentei os agentes com quem topei até chegar à sala de


armas, a primeira atividade do dia era acompanhar uma coleta de
provas. Algo relativamente simples e que não demandaria mais do
que três horas fora da delegacia.
Paulo marcou uma reunião comigo para após o almoço, a fim
de montarmos a estratégia da operação.
Às dez da manhã, já havia retornado da diligência e o próximo
procedimento seria analisar alguns documentos e a gravação de dois
depoimentos.
O dia ia ser longo, eu que amava meu trabalho. Apesar de
amar o meu trabalho, eu já estava de saco cheio do plantão e com
uma vontade descomunal de estar com Olívia.
Saí para almoçar com Davi, por coincidência, o cara havia
iniciado um namoro na semana anterior, e ficamos como dois
românticos incuráveis contando sobre o fim de semana que passamos
com as namoradas.
Olívia havia me pegado de jeito.
— Caralho, Brandão. Tá desatento, cara. — Paulo reclamou e
eu fechei a cara.
Cheguei do almoço e fui direto para sua sala, ele já me
aguardava. Estávamos há duas horas analisando os mapas dos
bordéis que íamos invadir. E não chegávamos a um consenso sobre a
melhor forma de entrarmos.
— Porra nenhuma, você que tá andando em círculos. —
Afastei a cadeira de trás da mesa e levantei. — Vou pegar um café.
— Traz dois. — Pediu, rindo. O cara me irritava e depois
achava graça.
A missão não seria fácil. Mas quase nunca era. De pé, ao lado
do pequeno aparador na sala dele, enchi duas xícaras com a bebida
recém servida pela copeira.
— Ainda acho que a melhor opção é usar Pamela. —
Entreguei-lhe a caneca e fiquei de pé, encostado na beirada da mesa.
— Isca. — Paulo suspirou e afastou a cadeira, recostando
nela. Entraríamos primeiro no puteiro matriz que era onde ficava o
dono. Após a nossa ordem, as equipes, já munidas de mandados,
entrariam nas filiais.
É o tipo de operação que filho chora e a mãe não ouve. Pois,
os figurões que jamais poderiam ser vistos em tais lugares,
certamente, estampariam os jornais do dia seguinte.
Não caia na mentira de achar que vida de policial não tem nada
de divertido. É uma dose bem pequena, confesso, mas que vale para
o mês inteiro.
— Sim.
— Ela vai com Davi, tá decidido. — Eu assenti e fizemos uma
pequena pausa pra tomarmos o café. — Você fica na viatura, sabe
disso né?
— E não concordo. — Eu tinha verdadeiro horror de me sentir
inútil e era exatamente o que acontecia quando eu precisava ficar de
fora do show. De todo modo, a equipe era muito boa e eu não era
insubstituível.
— Mas vai ficar. Vamos pegar Armando Muller e é uma grande
merda que esses bandidos de colarinho conheçam sua fuça. — Tive
que ri, era uma grande ironia do destino, isso sim.
Mais uma investigação cujo personagem principal eu conhecia.
Não apenas isso, já estive com ele por incontáveis vezes, assim como
com a sua família. Por milagre, meus pais não eram seus advogados,
mas sim, um outro amigo deles.
Se eu colocasse o pé dentro do puteiro, no mesmo instante, já
saberiam que a Polícia Federal estava na porta para fuder com a vida
dele.
— Então, estou liberado? Vou adiantar os relatórios de
amanhã.
— Pode ir, caso encontre Pamela e Davi, peça que venham até
aqui.
Peguei meu telefone que estava sobre a mesa e um bloco de
papel, onde eu havia feito anotações sobre a operação.
— Combinado. — Disse quando já estava abrindo a porta.
— Lui — ele chamou e eu virei em sua direção.
— Sim?
— Tô precisando tomar uma cerveja, tem tempo hoje? —
Paulo estava de braços cruzados e me encarava sério. O cara não
era disso, ao contrário, fechado demais e discreto. No entanto,
ultimamente, estava sempre precisando conversar.
Se não houvesse marcado com Olívia, até poderia sair com
ele. Mas minha mulher me aguardava e eu não ia trocar a companhia
dela.
— Vou para o clube, aliás, estou namorando. Ela vai lá
conhecer... — Contei, pois sabia que mal chegaria com ela ao meu
lado e a informação seria entregue a ele.
— Então, o seu fim de semana foi bem produtivo, até voltou
comprometido. — Zombou e eu revirei os olhos. Se eu contasse, ele
ficaria era com inveja.
— Não posso reclamar. Mas porque não aparece lá?
— Estava fugindo desse programa hoje, a turma daqui
combinou de ir. Mas o fato é que nunca eu iria perder a oportunidade
de te ver chegando com a namorada e as caras emburradas da Dani
e Pamela. Boa sorte, meu amigo!
O imbecil tinha um sorrisinho estúpido no rosto e eu precisei de
poucos segundos para me arrepender de ter bancado o bom amigo.
Não contava de encontrar as meninas, não assim, na primeira ida de
Olívia ao clube. Mas, paciência.
— Vá à merda, Paulo.
Fechei a porta atrás de mim e o deixei gargalhando.

∞∞∞
Horas mais tarde, dirigia para casa. Queria com todo o meu
íntimo meter o pé no acelerador e chegar logo. Mas havia o trânsito
no meio do caminho.
Sozinho, perdi-me nos meus pensamentos.
Pedir Olívia em namoro foi natural. Pois ao lado dela eu tinha
paz. Tinha sossego, tinha cuidado. E eram requisitos que eu não abria
mão para estar com alguém, fosse namorada ou amigos.
O fato dela ser linda demais e termos descoberto uma incrível
sintonia na cama, era o bônus. Não tinha como não ser ela.
Minha namorada, a mulher que estava despertando muitos
sentimentos dentro de mim.
Já contei que nunca tive problemas em me relacionar, sempre
estava com alguém do lado. Passei por algumas paixões, algumas
fugazes, outras um pouco mais duradouras. Mas nenhuma chegou
perto do que eu já sentia ao lado dela.
E o que eu poderia fazer? Experimentar o que a vida havia
reservado para nós dois.
Eu queria Olívia e não ia fugir.
Capítulo 33
Luiz Henrique

Minha namorada era uma estilista, logo, vivia da moda. Então, não
estranhei quando cheguei à porta do seu apartamento para buscá-la e
encontrei uma Olívia, incrivelmente arrumada, dentro de uma calça
justa de couro e jaqueta do mesmo material. Toda de preto, ainda
usava bota e uma blusa de gola alta. Os cabelos estavam presos em
um rabo de cabelo e usava vários acessórios. Adorável! Quem a
visse, toda mulherão, nem imaginava que estava indo para um clube
de tiro e tinha um certo pavor de armas. Essa era a minha mulher!
— É até injusto com o resto da humanidade você ser linda
assim — Gostava da carinha que fazia quando eu a elogiava e
poderia repetir todos os dias o quanto a achava linda para vê-la feliz.
Puxei-a para os meus braços e beijei sua boca, saboreando
sua maciez e sentindo seu gosto. Estava com saudades dela, como
se não tivéssemos passado todo o fim de semana grudados.
— E você é galanteador assim, sempre? — Tinha um sorriso
no rosto, trancou a porta e enlaçou meu pescoço, iniciando outro
beijo.
— Com a minha mulher, sim! Eu te vi acordar, Olívia! —
Sussurrei em seu ouvido. Abracei-a, era o nosso primeiro encontro do
dia, e cheirei seu pescoço. — E continua linda com o rosto inchadinho
e os cabelos bagunçados que, inclusive, é a minha versão favorita de
você!
Senti seu corpo estremecer quando passei a pontinha da
língua na pele arrepiada do seu pescoço.
— O que será que meu namorado está querendo, hein? —
perguntou, divertida.
— Para começar a conversa, não ser chutado pela minha
namorada mais tarde. — Soltei-a do aperto dos meus braços e deixei
um beijo em sua testa. — Não gostei de acordar sozinho na manhã de
hoje!
—— Tão esperto esse garoto! Está lindo, também! — passou
os dedos em meu rosto e ficamos parados, ali no corredor do nosso
andar, olhando-nos.
— Já que vai fingir que não me ouviu, vamos lá, então?
Ela gargalhou, uma risada gostosa, e caminhamos para o
elevador.
O trajeto até o clube foi tranquilo, contamos como havia sido o
nosso dia e ela comentou que teria algumas reuniões ao longo da
semana. Apenas mencionei que participaria de uma operação grande
e, provavelmente, enfrentaria longos plantões.
Parei o carro diante da fachada do clube e acionei o controle
para abrir o enorme portão, ela olhava admirada.
— Quero que você se sinta a vontade, te trouxe aqui para que
conheça um pouco mais do meu mundo, das coisas que eu gosto de
fazer e com quem eu convivo. Se algo te incomodar, fale-me. Tudo
bem?
Eu tinha consciência de que era um ambiente completamente
diferente do que ela tinha o costume de frequentar, no pouco tempo
que estávamos juntos, pude perceber isso com clareza.
Mas também havia duas pessoas que eu preferia não ter que
apresentar a Olívia, não tão breve, pois sentia que ela ficaria
desconfortável. Pamela esteve em minha cama mais vezes que eu
gostaria de confessar e, Dani, bom, além da paixonite que parecia ter
por mim, foi a mulher que apontou uma arma na cara da minha
namorada.
— Não estou assustada, Lui! — Um sorrisinho seco surgiu em
seus lábios e ela ergueu a sobrancelha. — Mas tem algo que preciso
saber? — Por que as mulheres eram tão mais espertas que nós
homens?
— Só quero que aproveite... — respondi, desconcertado.
— Eu vou!
Beijei sua boca e, de mãos dadas, caminhamos pelo gramado.
Mostrei-lhe cada área do local, apresentei os funcionários que
encontramos e Olívia fazia vários comentários.
— É muito diferente do que imaginei — seus olhos corriam por
todo o espaço e ela parecia gostar do que via.
— Ou seja, pensou que encontraria um cenário de filme thriller,
para não dizer carnificina mais arrumadinha. — Ela riu alto e eu, que
não estava conseguindo me conter quando diante dela, beijei sua
boca, mais uma vez.
— Bobo! Na verdade, nem sei bem o que pensei que fosse
encontrar. Mas estou gostando.
— E ainda não chegamos na parte divertida.
Levei-a ao galpão com as baias onde havia um aluno com o
instrutor e, através das paredes envidraçadas, eu vi que a pista
aberta estava cheia.
— Caso decida por fazer aulas de tiro, é aqui que iremos
iniciar. Esse espaço também é aberto para quem quer apenas
praticar e não é filiado ao clube. — Mais uma vez, Olívia observou
com atenção cada detalhe, no entanto, vi que seus olhos demoraram
ao olhar lá para fora. Daqui a pouco, linda. Pensei.
— Quem sabe um dia! — Ela voltou seu olhar para mim e eu
mantive uma mão em sua cintura, como se Olívia fosse fugir.
— É, quem sabe. — Sibilei.
— E lá fora?
— Chamamos de pista aberta. Somente filiados podem atirar,
vou te levar para conhecer, mas antes quero te mostrar o anexo onde
acontecem as aulas de defesa pessoal e artes marciais. — Ela
assentiu e peguei sua mão.
Saímos das baias e atravessamos um corredor, chegando à
sala de lutas.
— Uau! É muito completo, Lui!
— Eu gostaria mesmo que você fizesse.
— Eu vou! Prometo!
— Certo, depois irei marcar sua aula experimental. Meus
irmãos estão aí, alguns amigos também, vamos lá.
Voltamos pelo mesmo corredor, senti sua mão gelada, não sei
se pelo frio que fazia ou por nervosismo, mas antes de colocarmos o
pé na pista, eu freei o passo e a segurei.
— Eles vão gostar de te conhecer! — Com uma mão, abracei
sua cintura e com a outra levei ao seu queixo, segurando-o. Minha
boneca, tão linda, tão delicada, nem sei se eu merecia tanto.
— Eu também vou! — Olívia forçou o maxilar em minha direção
e eu a soltei, deixando que me beijasse.
Foi leve e discreto, ela não fazia o tipo que me agarraria com
uma plateia de camarote nos observando.
Antes mesmo de nos afastarmos, senti que vários pares de
olhos nos encaravam. Suspirei e, juntos, viramos em direção a eles.
Meus irmãos não esperaram que nos aproximássemos e nos
encontraram no meio do caminho.
— Linda, esses são João Miguel e Maria Clara, meus irmãos.
— Os dois pararam diante de nós e eu os apresentei, mantendo uma
mão na base da cintura dela. — Olívia, minha namorada. — João
estendeu a mão e Clara abraçou-a. Os dois tinham um sorrisinho no
rosto, há dias insinuavam que eu estava com alguém.
— Prazer em conhecê-los! — Tímida, ela respondeu. Capturei
seu olhar para os meus irmãos e vi o quanto estava sendo sincera,
satisfeita por ter sido apresentada a eles, assim eu fiquei quando
conheci seus pais, embora tivesse que programar uma ida a Taubaté
com o nosso novo status.
— O prazer é todo nosso. Eu sabia que tinha namorada na
história, meu irmão está diferente. — Maria Clara me deu uma
piscadinha e voltou sua atenção para a cunhada, já João, discreto, ria
da minha cara. Ah, mas eu queria era ver sua coragem para assumir
a delegada.
— É mesmo? — perguntou, interessada. Apertei de leve sua
cintura e ela deu uma risadinha. Linda!
— Sim, cara de apaixonado, sabe? — Revirei os olhos e João
riu alto, Olívia me olhou com o canto do olho, e eu a envolvi ainda
mais com o braço. Não ia negar, mas também não precisava fazer
declarações para os meus irmãos ouvirem.
— Seja bem-vinda, Olívia! É sua primeira vez em um clube de
tiro? — João se adiantou em mudar o assunto e, internamente, eu o
agradeci.
— Sim... — A pergunta foi mais uma retórica, estava
estampado na cara dela que aquele não era o ambiente que ela
costumava frequentar.
— Você vai se divertir. — Ela assentiu, ainda meio incrédula.
Eu ri e beijei o topo da sua cabeça. Para João e eu, era inconcebível
uma pessoa não se divertir no clube, mas Olivia, por ser tão diferente
de mim, e sem ter consciência, ensinava-me muito. Por exemplo, o
fim de semana que passamos juntos em Serra Negra foi incrível. Tive
uma nova perspectiva de diversão.
E me dei conta de que a minha felicidade tinha a ver com ela
ao meu lado.
Por isso, eu quis tanto levá-la ao clube.
— Eles me falam isso há anos e comigo não aconteceu. Venho
porque é quase o único jeito de ficar com meus irmãos. Mas olha,
depois de muita insistência do Lui, comecei as aulas de tiro. — Maria
Clara voltou a tagarelar com Olívia, que a ouvia atentamente.
— Ele gostaria que eu fizesse, mas ainda não me imagino
encostando em uma arma.
— Tudo no seu tempo — interrompi a conversa pegando sua
mão.
Nós quatro caminhamos pela pista e paramos onde estavam
nossos amigos reunidos.
— Boa noite! — Cumprimentei todos de modo geral.
— Ah, o cara apaixonado chegou! — Paulo se adiantou e
pegou a mão dela, que retribuiu.
— Olívia, minha namorada. Esse é Paulo, Davi, Renan, Celso,
Junior, Dani e Pamela. Renan é meu sócio e essa turma é da
delegacia. — Expliquei rapidamente. Todos a receberam com um
sorriso, embora Dani tenha logo desviado o olhar e Pamela pareceu
sem graça.
— Olá, boa noite! — A voz que vinha me tirando do eixo, ou
melhor, devolvendo meu equilíbrio, fe-me parar de pensar demais. O
que importava era que ela estava ali do meu lado.
— Seja bem-vinda, Olívia! — Foi Davi quem desejou e ela
agradeceu com um sorriso.
— Pronta para atirar? — Paulo perguntou, ainda estávamos de
mãos dadas, e senti quando ela retesou. Passei o dedo no dorso da
sua mão, fazendo um carinho e respondi por ela.
— A Oli vai só assistir hoje. — Vários pares de olhos fingiram
compreender, fracassando, obviamente. Para eles, também era uma
enorme diversão estar ali. E eu quis socá-los por terem-na deixado
sem graça.
— Você fica comigo, ufa, agora tenho companhia! — Maria
Clara a agarrou pelo braço, depois teria que agradecê-la pela
atenção com Olívia.
Conversei um pouco com o pessoal. Eu quase nunca estava na
mesma operação que Junior e Celso, pois os dois eram atiradores de
elite, assim como eu, logo, Paulo, colocava um em cada ação. Só
saíamos juntos quando era algo muito grande.
— Tem uma lanchonete aqui, quer fazer um lanche antes? —
Virei Olívia de frente para mim e segurei em sua cintura. João e
Renan haviam saído com um funcionário do clube para buscar alguns
itens que íamos usar.
— Estou bem, mas depois quero ir lá conhecer! — Ela levou as
duas mãos ao meu pescoço e ficou fazendo um carinho em minha
nuca.
— Você vai... A gente sempre se reúne lá depois que
acabamos o treino. — Encaramo-nos por um longo instante. E, então,
dei um selinho em seus lábios. — Estou muito feliz por você ter vindo.
— E eu estou por você ter me convidado! — Rimos juntos e
ela também me beijou. Aos poucos, Olívia ficava mais solta comigo,
fazia carinho, beijava-me, sempre de forma espontânea.
— Linda! — Tirei uma mão da sua cintura para tocar seu rosto.
— Está confortável? Lá no carro tem outra touca.
— Sentindo um pouco de frio, mas tudo bem.
— Vem, cá. Vou te esquentar. — Envolvi-a em meus braços,
abraçando seu corpo pequeno e a senti relaxar. — Na verdade,
esquentar mesmo vai ser na hora de dormir, hoje eu quero passar a
noite inteira colado em você.
— Eu também quero! — sussurrou em meu ouvido.
Soltamo-nos quando os caras retornaram à pista.
— Qualquer coisa pode me chamar, ok? — Eu disse, após
beijar sua boca.
— Vou ficar aqui com a sua irmã.
— Toma conta dela! — Pedi a Clara e beijei sua testa. Deixei
as duas rindo e já iniciando uma conversa.
Todos estavam numa rodinha em um extremo da pista onde
tínhamos uma enorme bancada de apoio. Era lá que preparávamos
as armas ou aguardávamos que os funcionários o fizessem.
— Quero testar esse rifle e Renan está dificultando — ouvi
Pamela choramingar.
— Pode usar, mas com o suporte — avisei-a, que me olhou em
reprovação.
— Poxa, Lui. Estou louca para encostar naquela belezinha. —
Insistiu, manhosa, aproximando-se de mim. Vi quando suas mãos
subiram direto para o meu peito e dei uma leve desviada. Agora seu
olhar era magoado.
— Mas você vai poder atirar com ele, Pam. — Expliquei,
baixinho, apenas para ela.
— Sem o suporte, Lui. — seu pedido era quase uma súplica.
— Não dá, com ele não dá. Mesmo. Confio em você, na sua
habilidade, mas é uma regra. — Era a arma mais letal do nosso
arsenal e somente nós, os sócios, estávamos autorizados a usá-la
livre. Por mais experientes que nossos filiados fossem.
— O chefe deu o recado. — Renan aproximou-se e a abraçou
de lado, soltando-a depois de deixar um beijo no topo da sua cabeça.
No entanto, o olhar dela ainda era direcionado a mim.
— Não sou uma boneca. — Ela ainda falava sobre a arma? De
todo modo, estava era certa, não era mesmo.
— Com toda certeza, não. Mas temos que ter um limite, esse
é o do clube.
Ela saiu bufando, indo escolher outra arma.
Nos paramentamos e eu pedi os alvos móveis, eram os meus
preferidos. A adrenalina estava lá, como sempre. A concentração
intacta. Eu sentia como se fosse quase outra pessoa assumindo meu
corpo, pois nada afastava minha atenção.
E, na vida real, com alvos de verdade, é o que se espera de
um atirador. Máxima atenção e concentração.
Não se brinca com uma arma em mãos.
Na chamada do 3,2,1, saí em disparada, segurava firme o rifle
e, por longos minutos, não ouvia nada além dos tiros.
Gastei toda a munição e quando voltei à bancada, lá estava as
duas policiais, repondo a munição das suas armas.
— Vamos em dupla, Lui? Aquele treino de longa distância. —
Dani pediu e não vi porque negar. Já o fizemos várias vezes. Com a
Pamela também que, por sua vez, disse que ia chamar Davi para
fazer dupla com ela.
— Bora!
Organizamo-nos, paramos na extremidade da pista,
escolhemos os alvos, o funcionário os afastou para que tivéssemos
melhor mobilidade e, na chamada, saímos em disparada.
Armas em riste, Dani e eu trocamos um olhar decidindo em
qual alvo iríamos e, então, saímos juntos, lado a lado. Era um treino
que eu gostava, não dava para focar apenas no alvo, pois havia um
parceiro e precisávamos estar sincronizados.
Caminhamos por toda a pista, atirando, decidindo e
recarregando a munição em perfeita sintonia. Normalmente, quando
fazíamos aquele treino, por ser o mais atrativo visualmente, todos
paravam para assistir.
E não foi diferente daquela vez.
Quando acabamos, recebemos uma salva de palmas. Dos
nossos amigos e de todos os presentes no clube.
— Pam e Davi, vocês são ótimos, mas nada supera Dani e Lui
juntos atirando. A gente nem pisca — Renan deu um tapinha em
minhas costas e abraçou minha parceira. Eu também a cumprimentei,
gostava do treino com ela, pois realmente era uma das que mais se
conectava comigo quando o fazia em dupla.
— Mais uma rodada e depois comer, né? Tô varado de fome
— Davi pediu e concordamos.
Enquanto eles foram trocar as armas, eu corri até onde Olívia
estava com a minha irmã.
Capítulo 34
Olívia

— Lui é o melhor. Nem o Renan, que fica aqui todos os dias, tem a
mesma habilidade dele. — A voz da minha cunhada soou ao meu
lado, eu queria conversar com ela, conhecê-la melhor, mas como
quando estava diante dos meus olhos meu namorado todo
concentrado e malvadão atirando como se não houvesse amanhã?
Eu podia vir em todos os treinos, só para poder apreciar
aquela imagem. O meu Lui, lindo e perigoso, todo de preto, jaqueta
de couro e touca na cabeça. O uniforme que não tirava do corpo e
que era tão ele.
— Como? — Perguntei, sem graça. E ela riu, aliviando-me e,
com um gesto, ela apontou a pista. — Ah, sim. Atirando, né? Não
entendo muito, mas ele parece estar indo bem.
— Está sim, sempre escolhe as armas e os alvos mais difíceis.
Passamos mais alguns minutos em silêncio, apenas
observando. Todos ali demonstravam ser hábeis na artilharia, mas Lui
parecia estar há anos-luz na frente. A forma como segurava a arma,
que eu não fazia ideia qual modelo era, seu olhar firme, a postura que
não se abalava a cada tiro. Ele continuava andando em linha e sem
errar o alvo. Era uma cena de tirar o fôlego.
Desviei minha atenção para puxar assunto com Maria Clara e a
peguei encarando a pista. As mãos estavam entrelaçadas diante do
seu corpo e seu olhar fixo em uma pessoa.
Segui o olhar na mesma direção que ela, chegando, se não
estivesse enganada, em Paulo, o delegado. Arregalei um pouco os
olhos e depois a observei, que ainda o encarava de longe.
— Eu não deveria perder meu tempo com ele. É como enxugar
gelo, sabe? —comentou sem me olhar.
— Você gosta dele. — Afirmei, o cara estava a metros de
distância e, totalmente, alheio à adoração silenciosa de Maria Clara.
Uma pena, talvez.
— Gostar é muita coisa, né? — levantou o olhar para mim e
soltou um riso seco. Uma mulher linda, parecia-se demais com Lui.
Aliás, os três irmãos eram bem parecidos, daqueles que você olha e
tem certeza que fazem parte da mesma família. — Você é minha
cunhada, sinto que vamos nos dar bem. E não é como se fosse um
segredo. Gosto dele desde a minha adolescência. Eu pensei que
passaria com o tempo, mas a verdade é que só aumenta.
— Você disse que não é bem um segredo.
— Ele sabe, Olívia. — tirou uma das mãos do bolso do
sobretudo preto que usava e a enfiou entre os fios de cabelos,
arrumando a bagunça que o vento estava fazendo.
— Vocês já... Você sabe.
— Nem sempre ele é indiferente. Mas é complicado. — enfiou
a mão de volta no casaco e olhava para a pista, como se não
quisesse perder nenhum detalhe dele. — É um dos melhores amigos
do meu irmão...
— E? — Perguntei, pois pareceu-me que havia algo mais.
— Ali, eles namoraram — Ela apontou com o queixo para uma
mulher que Lui apresentou como Dani e não tirava o olho dele. Ela
caminhava para o fundo da pista, carregando sua arma.
— Uau. — Quase soltei que era a mesma que me colocou na
mira durante a operação na Soraya Lins, mas segurei-me. Até
porque, queria, primeiro, contar a Lui que eu sabia quem era a
mulher.
Ficamos mais um tempo em silêncio. Eu, olhando meu
namorado e, ela, a sua paixão platônica. Ou, não tão platônica assim.
Peguei o olhar de Paulo para Maria Clara, intenso, forte, mas que
durou bem pouco. E logo estava concentrado no treino.
— Eu vivo a minha vida, já tive outros relacionamentos, não
estou à disposição dele e Paulo sabe disso. Mas, às vezes, eu só
gostaria de ter a chance de tentarmos algo.
Ela retornou o assunto e eu voltei minha atenção a ela.
— Ele não quer?
— Ele estava com ela. — Crispou os lábios, fazendo uma cara
engraçada de desgosto e eu ri. — E terminaram. Até onde sei, é um
relacionamento meio conturbado. Enfim. Acho que também estou um
pouco cansada.
Ela suspirou e, de repente, sua feição era séria, pesada.
Lamentei por Maria Clara, desejei ter algo para falar a ela. Mas eu
sabia bem pouco sobre a história deles, não tinha nada útil para
opinar. Na verdade, eu até tinha, mas eu não seria insensível e
deselegante para falar que ela deveria sair correndo de um triângulo
amoroso. Não quando havíamos acabado de nos conhecer.
— Bom, depois podemos conversar melhor sobre esse
assunto...
— Eu vou adorar! — Ela me deu um sorriso lindo. Eu tinha uma
cunhada, que me recebeu tão bem, e queria poder retribuir. — Olha
lá, eles vão fazer o treino mais interessante, em dupla.
Incomodou-me ver que Lui estava ao lado da colega de
trabalho, uma besteira, afinal, os dois deviam se encontrar todos os
dias. Mas eu não gostei. Menos ainda dos olhares que ela me
lançava quando achava que eu não percebia. A outra mulher também,
que foi apresentada como Pamela, olhava-me quase que o tempo
todo. E quando eu não era o alvo, seu olhar estava sobre Lui. Era
menos discreta e demonstrava verdadeiro horror por eu estar ali.
Suspirei e, com uma pontinha de inveja, acompanhei de longe a
preparação dos dois. Falavam algo próximo, Luiz gesticulava e ela
sorria, admirando-o.
E, logo após, iniciou o tal treino, deixando meu coração
apertado.
Foi inevitável não pensar sobre a noite que sofremos aquele
atentado. Eu me senti quase como um peso para Lui, que precisou
pensar sobre como reagir, atirar e se preocupar comigo. Além de
cuidar de si mesmo. E lembro que veio a minha cabeça que se ele
tivesse ao lado de alguém com as mesmas habilidades dele, teria
sido tão mais fácil.
E, ali, diante de mim, estava a resposta. Teria sido mesmo. Lui
atirava com tanta precisão e mantinha o olhar entre o alvo e a sua
parceira que, igualmente, não se desconectava. Nem dos tiros e,
tampouco, dele.
Caminharam juntos, lado a lado, pela pista enorme. Era difícil
não admirá-los. E ao olhar rapidamente ao redor, vi que todos os que
estavam ali presentes pararam o que faziam para assistir ao treino.
Era mesmo incrível.
Por um longo instante, que durou todo o tempo que estiveram
ali juntos, eu quis estar com ele. Desejei que fosse eu ao seu lado.
Fiquei tão fora de mim, perdida em pensamentos, que não me
toquei que ele havia se aproximado e estava parado diante de mim.
— Está longe, linda — suas mãos foram para as minhas
costas, prendendo-me nele e eu me agarrei ao seu corpo.
— Gostei do treino! — Aspirei ainda com os nossos corpos
colados, sentindo seu cheiro misturado com o de roupa limpa, que
vinha da camiseta que ele usava por baixo da jaqueta.
— Ótimo, porque quero te trazer sempre! — deixou um beijo
no topo da minha cabeça e deu-me outro abraço apertado.
— Muito sexy você atirando, senhor Luiz Henrique! —
complementei baixinho, arrancando uma gargalhada sua.
— E todo seu! — Trocamos um olhar e ele deixou um selinho
em meus lábios. — Não vamos demorar e aí poderemos ir para a
lanchonete. — avisou e voltou para a pista.
Eu senti o coração quentinho e, ao mesmo tempo, uma tonta
pela insegurança que me tomou. Nunca fiz tipo para ele, o que
conhecia de mim era real. Era o que eu era. Não fazia sentido eu
querer ser algo diferente de mim mesma. Mas essa era minha razão
falando. O meu coração ainda seguia um pouco apertado.
Ele estava certo quanto ao tempo, pois, em menos de vinte
minutos, seguíamos para o anexo que ele disse ser onde ficava a
lanchonete e, logo, atrás de nós, os irmãos deles conversavam
animados.
Quando, mais cedo, eu disse que o clube era bem diferente do
que imaginei, referia-me sobre o que estava diante de mim. Era tudo
muito arrumado e bem cuidado, com tecnologias, segurança e
organização. Funcionários uniformizados e demonstrando serem
treinados.
Mas nada me preparou para a lanchonete. Um espaço
elegante, daqueles que dá vontade de entrar e provar os lanches. O
trabalho que Lui e seus sócios desenvolviam no clube era impecável e
eu senti muito orgulho dele.
Ele afastou uma cadeira para mim, mostrou-me o cardápio e o
que geralmente gostava de pedir. Logo, seus amigos estavam todos
acomodados ao nosso redor.
Maria Clara sentou ao meu lado, o que foi muito bom, eu não
sabia bem o que conversar com os demais. Eles se entreteram
rápido. Paulo e João estavam próximos a nós, conversando e rindo.
O delegado desviava da conversa apenas para olhar Maria. E era
engraçado como ninguém dava conta do que acontecia, nem o meu
observador namorado, salvo a tal Dani, peguei-a olhando na direção
deles por duas vezes. As duas policiais conversavam com os colegas
da delegacia e Renan, depois de ir à cozinha da lanchonete, sentou
ao lado do Lui e os dois iniciaram uma conversa.
Ouvi alguém falar o nome do meu namorado e nós dois
olhamos em direção à rodinha da delegacia ao mesmo tempo.
Depois, ele pegou minha mão, colocou-a sobre a sua perna e
aguardou.
— Estávamos aqui comentando, os idiotas que te perseguiram
não esperavam um carro blindado. — Um dos rapazes contou, era
Davi e Lui me pareceu gostar muito dele, pois toda hora faziam
alguma brincadeira um com o outro.
— E tiveram sorte de não me pegarem sozinho — meu
namorado riu, relaxado na cadeira, sem se dar conta de que o seu
comentário quase me matou por dentro. Retesei o corpo, o que
chamou sua atenção. Ele logo buscou meus olhos, encarando-me
com a sobrancelha erguida.
— Imagina se tivesse com alguém da delegacia, não sobraria
capanga para contar história. — Eles riam e continuaram o assunto.
O último comentário foi feito pela Pamela, a garota que no dia em que
nos encontramos no restaurante, entrou agarrada em Lui.
— Está tudo bem? — Ele perguntou, analisando-me. Ainda
segurava minha mão e agora fazia um carinho nela.
— Claro! — Dei um sorriso que, com toda certeza, saiu
amarelo. — Estou com fome...
— Uma draguinha, como sempre! — Apertou a ponta do meu
nariz e recostou novamente na cadeira.
— E aí, Olivia, animou-se com o treino? Lui deve estar louco
para atirar com você, conheço meu amigo. — Davi puxou assunto,
mas logo com o que me estava me perturbando. Fazer o que? Ele
não sabia.
— É... Achei bem interessante — tentei fazer a minha melhor
cara de quem gostou e eles riram, pois falhei. Eu acabei rindo
também e achei melhor ser sincera. — Mas nunca cheguei nem perto
de uma arma. Aliás, não sei se conta as do Lui. — Ouviam-me com
atenção e meu namorado sorria ao meu lado, devia estar lembrando
do dia em que encontrei as pistolas sobre o sofá do seu apartamento
e quase desmaiei. — Ele quer me ensinar, mas vou com calma. Por
enquanto, está ótimo só assistir.
Os outros dois rapazes enviaram olhares desolados ao Lui e
as mulheres entreolharam-se, sem falar nada. Apenas Davi
permaneceu neutro, como se não achasse nada demais no que eu
disse.
— Ah claro! Minha namorada também não curte muito. Mas irei
convencê-la a vir comigo na próxima vez. — Davi afastou-se um
pouco da mesa, dando espaço para a garçonete acomodar os
lanches e deu um gole na cerveja que também havia acabado de ser
servida.
— Convencê-la, Davi? Por isso, não namoro. — Um dos
rapazes tinha uma feição quase de indignação e procurou apoio no
amigo que estava ao lado que balançou a cabeça concordando com
ele. — Você ama vir aqui, é uma atividade que curte pra caralho, não
custa nada a garota te acompanhar.
— Hey, não se mete. — Davi alertou e, por um instante, todas
as atenções foram voltadas àquele diálogo estranho e que me
incomodou. Poxa, a mulher nem estava lá para se defender e ninguém
sabia sobre os motivos dela. — Estamos bem.
— Eita, não está mais aqui quem falou — o cara levantou as
mãos e olhou rindo para o outro. Davi não rendeu o assunto e falou
algo com as duas mulheres, passando a conversar com elas.
Quase uma hora depois, Lui me chamou para irmos embora, já
que no dia seguinte sairia cedo para a delegacia. A verdade que eu
não disse a ele era que me sentia aliviada, pois estava tensa ao lado
de algumas daquelas pessoas.
Capítulo 35
Luz Henrique

Às vezes, eu gostaria de ser menos observador, assim me pouparia


de ver certas coisas, principalmente aquelas que, incomodam na
hora, mas sobrevivemos a elas.
No entanto, não era uma característica minha que eu poderia
mudar.
Peguei cada olhar enviesado que Dani e Pamela enviaram para
a minha namorada. E me irritei com todos eles. Não gostei das
insinuações sobre ela não ser uma policial ou não saber atirar. E, por
pura ingenuidade, acabei fazendo um comentário que, para mim, não
tinha nada de errado, mas que percebi ter feito mal a Olívia.
O trajeto do clube até em casa foi feito, na maior parte, em
silêncio. Não insisti em manter uma conversa e a deixei pensar no que
quer que fosse.
Aliás, era algo que aprendi, ela preferia o silêncio quando
precisava se acalmar ou pensar.
Ao chegarmos, subimos para o nosso andar e ela disse para
dormirmos em seu apartamento.
— Eu quis tanto chegar em casa — entrei atrás dela e a
peguei de surpresa, pressionando-a contra a porta. Minhas mãos
foram para um lugar acima da sua cabeça, meu corpo cobrindo o dela
e minha boca descia por seu pescoço. — Sabe por quê?
— N-não — respondeu entre um gemidinho e outro, eu
passava a língua pela sua pele e a fazia sentir meu corpo pronto.
Suas mãos estavam em minhas costas, puxando-me ainda mais para
junto de si. Meio desesperada e ofegante. Éramos dois iguais ali.
— Porque eu te desejo tempo todo, Olívia. — disse em seu
ouvido e a afastei um pouco, o suficiente para retirar a sua jaqueta.
Enfiei uma mão dentro da sua blusa, sentindo sua pele quente e a
outra estava no cós da sua calça, trabalhando para abri-la. — Acho
que me viciei em você, em seu corpo, em seu cheiro, em seu gosto.
Tudo em você, absolutamente. — Beijei sua boca, do jeito que eu
sabia que a enlouquecia, molhado, sugando sua língua e deixando-a
pronta para mim. — E aí, eu fico querendo te beijar, ouvir seus
gemidos e estar dentro de você. Por isso, eu queria tanto chegar em
casa. Para ter você todinha para mim.
Com um impulso, eu a ergui no colo, suas pernas enlaçaram
minha cintura e suas mãos foram para o meu pescoço. Ela me beijou
intensamente e eu alcancei sua bunda, redondinha, gostosa,
apertando e traçando um caminho para provocá-la. Com cuidado e
destreza, fui sentindo-a até alcançar seu ponto, sobre a calcinha já
molhada. Soltei as nossas bocas e mordi seu pescoço.
— O quarto, vamos para o quarto. — ela pediu, também me
provocando, deixando um rastro de beijos em minha pele.
— Como quiser, meu amor!
∞∞∞
Ela estava inquieta. Eu não podia ver o seu rosto, pois abracei-
a por trás, nós dois embolados em sua cama e sob o grosso
edredom. Mas eu sentia a agitação através da sua respiração.
Soltei um suspiro
— Quer conversar? — perguntei.
Minha mão estava em sua cintura, ela segurou firme, como se
buscasse segurança. Dei um beijo em sua nuca e a aguardei.
— Eu te coloquei em risco no dia que nos perseguiram.
— Eu preferia estar sozinho — de imediato, ela soltou a minha
mão e tentou desvencilhar o corpo do meu. Segurei o riso, beijei
novamente sua nuca e passei a perna sobre as dela. — Porque eu
nunca mais quero vê-la em perigo. Apenas por isso. Não preciso de
ajuda, se é isso que está pensando. E eu teria feito uma loucura se
você não estivesse lá comigo.
Ela não respondeu, mas também não recusou os carinhos, que
eu fazia em sua pele.
— Já tive outras namoradas, Oli. E nenhuma delas era policial.
Estou te dizendo isso para que saiba que nunca foi uma condição
namorar alguém que faça as mesmas coisas que eu.
— Eu gostei de ir com você ao clube. — ela forçou o corpo
para soltar do meu aperto e virou em minha direção.
— E vai continuar indo. Vai fazer o que quiser, quando quiser.
— Puxei-a para perto e beijei sua testa, suas mãos foram para o meu
peito e seus olhos não me deixavam.
— Menos as aulas de defesa pessoal. — Ela riu e eu a beijei.
Como é que conseguia ter insegurança em relação a nós dois? Será
que não percebia que eu era louco por ela?
— Se precisar, eu coloco na cabeça do seu pai que você
precisa fazer e que é uma questão de segurança. Ele vai te infernizar
até que faça a matrícula. — ergui a sobrancelha, desafiando-a, e ela
revirou os olhos.
— Bobo. Eu já disse que estamos acertados quanto a defesa
pessoal. — levou a mão ao meu rosto, passando os dedos pela
barba grossa.
— Eu sou maluco por você e vou repetir, sempre, para que não
se esqueça. — Segurei seu queixo e me declarei olhando em seus
olhos, de forma alguma queria que ela se sentisse inferior à outra
pessoa. Não mesmo.
— Podemos estipular alguns horários do dia — comentou,
tímida, mordendo os lábios. Eu amava seu jeitinho meio moleca.
Mordi seu queixo e ela me abraçou.
— Ah, podemos colocar horário para outra coisa, meu amor.
— eu sabia do que a estava chamando e vi quando arregalou os
olhos.
— Repete, Lui? — pediu com a voz rouca, afetada.
— Sobre o horário? — ergui a sobrancelha e encenei bem. —
Já está ansiosa para repetir o que fizemos no fim de semana? Fazer
amor o dia e a noite toda, Olívia? — do seu queixo passei as
mordidas para o seu pescoço. Talvez ela ficasse marcada no dia
seguinte, mas não ouvi reclamações.
— Lui... — disse baixinho, o olhar quase magoado.
Empurrei de leve os seus ombros, deixando-a com as costas
sobre a cama e subi sobre o seu corpo. Coloquei as mãos ao redor
da sua cabeça e a encarei.
— Você é o meu amor! Todinha minha!

∞∞∞

Olívia

Meus olhos brilhavam diante da quantidade de pedidos computados


no site da Olívia Torres, nem em meus dias mais otimistas supus que,
logo, na primeira coleção, teria tanto sucesso.
E foi o que aconteceu.
O dia estava sendo agitado desde as seis da manhã, quando
acordei para fazer o café para Lui, antes que ele saísse para a
delegacia. Não voltei a dormir, ainda que estivesse cansada, pois
chegamos tarde do clube e o que conseguimos fomos míseras quatro
horas de sono.
Separei uma parte dos pedidos, cuidei de algumas
providências para a produção da coleção. Ás nove da manhã, entrei
na primeira reunião online com a minha mãe e tias, o contrato entre a
minha marca e a confecção funcionava a pleno vapor. Às dez e meia,
reunião com a advogada, que me auxiliaria com as providências
jurídicas. E, assim, foi até o meio da tarde, quando consegui parar e
almoçar.
De tempos em tempos, avaliava as interações nas redes
sociais da marca, ainda sem acreditar que estava mesmo
acontecendo. Tantos comentários, as pessoas elogiando as peças, a
produção e a ação em Nova York. Alguns itens da coleção já estavam
esgotados.
Durante todo o dia, o meu contato com Lui resumiu-se a uma
mensagem que enviei na hora do almoço e que foi respondida cerca
de quatro horas depois. Ah, os plantões...

∞∞∞
Já anoitecia quando Du telefonou e perguntou se eu estava em
casa. Após a minha confirmação, disse que estava indo para o meu
apartamento e levava alguns amigos nossos, pois íamos comemorar
o sucesso da marca.
Não era o que eu queria para aquela noite, estava moída de
cansaço e, no dia seguinte, teria que acordar cedo para dar
continuidade ao trabalho. Também desejava receber meu namorado
quando ele chegasse do plantão. Mas, por outro lado, estava com
saudade dos meus amigos e das reuniõezinhas que fazíamos,
normalmente, em meu apartamento. Eles foram importantes em
minha tomada de decisão, deram apoio, dicas, indicaram profissionais
que me auxiliariam. Estiveram nos bastidores ao meu lado. Além das
meninas, que levaram a coleção na viagem.
Rapidamente, organizei o apartamento e tomei um banho,
quando eles chegaram eu pedia pelo telefone alguns aperitivos em um
restaurante perto de casa.
— Um brinde a mais nova empresária de São Paulo! — Du
ergueu a taça servida com espumante que havia levado e foi seguido
por todos nós.
Meus olhos marejaram, era muita novidade e realizações em
um curto espaço de tempo. Eu ainda não havia conseguido processar,
por completo, tudo que estava acontecendo em minha vida.
— Muito sucesso e prosperidade à Olívia Torres! — quem
desejou foi Dominic, que trabalhou comigo por anos na Soraya.
— Estou tão orgulhosa de você, Oli! — Bruna me abraçou de
lado e deixou um beijo em meu rosto, depois de também erguer sua
taça.
Colocamos uma música animada e, sem muita demora, as
comidinhas chegaram. O grupo de, aproximadamente, dez pessoas
espalhou-se pela sala e varanda.
Tinha tanta coisa para conversarmos, fazia tempo que não nos
reuníamos, era trabalho, vida social, amorosa, viagens... Cada um
possuía alguma novidade para compartilhar. E, assim, a noite correu
sem que eu me desse conta de quantas horas haviam passado desde
que eles chegaram.
A turma estava animada, deixei a taça com vinho sobre a
mesinha da sala e saí em direção ao banheiro do meu quarto, ia
aproveitar para checar o celular, talvez tivesse alguma mensagem do
meu namorado. E tinha, há duas horas ele perguntou se eu estava em
casa. Também havia uma chamada perdida, de trinta minutos atrás.
Ainda estava no corredor e com o telefone na orelha, ansiosa para
ouvi-lo, quando me atendeu.
— Olívia, o que aconteceu? — perguntou com a voz irritada.
— Como assim, Lui? — não gostei do tom que usou e falei
firme.
— Você não me respondeu e nem atendeu a ligação que fiz.
Espera, está barulhento, onde você está? — Só me faltava essa,
ainda não havíamos tido qualquer desavença, mas se ele seguisse
com aquele jeito mandão, teríamos uma em nossa primeira semana
de namoro.
— Hey, vamos com calma. Primeiro, diga oi e tudo bem. — Fiz
uma pausa e só ouvia sua respiração pesada, do outro lado da linha.
— Eu estou em casa, alguns amigos vieram para cá. E você?
— Plantão, lembra? — respondeu e eu revirei os olhos.
Alguma coisa devia estar acontecendo, ele podia até ser
esquentadinho, mas nunca comigo.
— Lembro vagamente. — respondi, seca.
— Desculpa, vai. — Soltou um longo suspiro e quando voltou a
falar era o meu Lui de volta, até a voz havia abrandando. — Eu fiquei
preocupado com você.
— Sei. — respondi sem render o assunto. — Vai chegar
tarde?
— Provável.
— Quer dormir aqui?
— Quero dormir com você, tanto faz se na minha casa ou na
sua. Mas amanhã saio bem cedo de novo. — contive um suspiro, mas
sentido o coração bater mais forte, o que Lui sabia fazer bem.
— Não tem problema. — Também abrandei, já com muita
vontade de vê-lo novamente.
— Então, vamos para a minha casa. — pediu e eu assenti.
— Passa aqui quando chegar? — questionei, sem querer
encerrar a chamada e perder o nosso contato.
— Passo.
— Então, tá.
— Ainda está brava comigo?
— Claro! — Segurei-me com a vozinha de preocupação dele,
mas, minutos atrás, havia sido babaca. Então, mantive a pose.
— Tá, eu mereci. — deu uma risada curta e o acompanhei.
Nunca que conseguiria passar muito tempo brigada com ele. — Estou
com saudades.
— Eu também... — Ok, segurei-me bem pouco. Pois aquele
homem usando tom arrependido e dizendo estar com saudades, com
toda certeza, conseguia me amansar.
— Vou tentar ir embora o mais rápido possível.
— Até daqui a pouco.
Capítulo 36
Luiz Henrique

Passei o dia trabalhando na operação dos bordéis e já tinha aquele


caso decorado em minha mente, assim como cada passo que
daríamos para executá-lo. Tudo perfeitamente ensaiado e bem
delineado. Não podíamos cometer erros.
Ou custariam muitas vidas, principalmente, as das mulheres
traficadas.
Paulo havia decidido que a deflagração na rua ocorreria no dia
seguinte, uma quarta-feira.
Eu contava as horas para ir embora. Não apenas pelo cansaço
de um longo plantão. Mas porque, além da saudade que sentia de
Olívia, um incômodo aperto no peito não me deixava. Foi assim o dia
todo.
Já era quase nove da noite. Minutos atrás eu havia falado com
ela e a deixei brava, e muito, por sinal. O motivo foi porque antes do
nosso contato, mandei mensagens que não foram visualizadas, liguei
e não fui atendido; tudo isso somado ao mau pressentimento que me
rondava, eu, então, fiquei louco. E, quando ela me telefonou, embora
aliviado por constatar que estava bem, tive um ciúme bem juvenil ao
ouvir várias vozes ao seu redor.
Meneei a cabeça e ri de mim mesmo, ela deve ter me achado
um babaca.
Juntei a papelada em que trabalhei parte do dia e, no máximo,
às dez horas pretendia vazar da delegacia. Não tinha mais nada para
fazer ali.
Todos os agentes envolvidos na operação do dia seguinte
estavam focados em estudá-la. Cada um, com a sua função. Era algo
realmente grande.
Na mesma sala que eu, Davi também juntava um camalhaço de
papéis que estavam sobre a mesa central, Pamela mexia no
computador, estava ali, há pelo menos duas horas, em profundo
silêncio, outros dois agentes estavam no sofá, concentrados em algo
que liam. Tamborilei a ponta da caneta sobre a mesa, pensando em
como faria o tempo passar até dar dez horas.
Não precisei de muito planejamento, pois Paulo adentrou a sala
quase levando a porta consigo, tamanha a brusquidão com que a
abriu, atrás dele havia outros policiais, que deviam estar espalhados
pela delegacia, todos que estavam dentro da Operação.
— Mudança de planos, agentes. Vamos invadir hoje, sairemos
em meia hora. — Ele parou no meio da sala, a postura dura e os
olhos eram puro ódio.
— Como é? — Pamela deu um pulo da cadeira e ficou de pé.
— Isso aí que escutou. — respondeu para ela, mas logo virou
na direção de todos nós. — Armando está a caminho do bordel
principal, acabei de pegar uma ligação dele, vai ter uma reunião, pois
pretende tirar as mulheres de lá amanhã.
Já tínhamos a consciência de que ele tinha um informante
dentro da PF e o filho da puta só estava vivo e saudável para
repassar as notícias porque ainda não havíamos descoberto quem
era. Apenas especulávamos.
No entanto, Paulo restringiu os participantes e o fluxo de
informações e, ao menos, estávamos certos de que não era um
agente da Operação. Do contrário, Armando já teria corrido com as
mulheres de lá faz tempo e não no dia que marcamos de invadir.
— Não podemos perder esse flagrante. — também fiquei de
pé, pronto para ir à sala de armas, seguido por Davi.
— Meia-hora, conto com vocês. No mais, a operação segue
idêntica ao que planejamos.
De ímpeto, assim como entrou, Paulo saiu. Bom, tínhamos que
confiar no direcionamento dele, o cara sabia o que fazia.
Depois de paramentado, fui atrás dele em sua sala, carregava
o telefone em mãos, pois pretendia ligar para Olívia e avisar que não
voltaria para casa.

∞∞∞

Olívia

Tyrone Britto, um famoso relações públicas, responsável pelas mais


badaladas festas de São Paulo e, por acaso, amigo do Du, havia nos
convidado para a reinauguração de um restaurante japonês, no bairro
Jardins, que curtíamos bastante. Algumas das influencers iam a
trabalho, o papel delas era marcar presença e mostrar tudo em suas
redes sociais.
Declinei do convite, estava cansada e sem a mínima vontade
de ir para a noite sozinha. Lui chegaria exausto do plantão e, com
certeza, se eu o convidasse para me acompanhar, ele ia se esforçar
para ir junto. Mas não achei justo.
Assim, fiquei no meu apartamento com uns amigos, fazendo,
apenas, o esquenta para a festa.
Pouco depois das nove da noite, meus convidados já se
organizavam para ir embora e logo eu estaria nos braços do meu
namorado. Ele me irritou, mas eu já sentia sua falta.
— O que é essa penteadeira, dona Olívia? Estou apaixonada!
— Parada no limiar da porta do meu closet, eu ri para Luma.
Há cerca de um ano, fiz uma pequena reforma e montei um
cantinho para me arrumar dentro dele. O trabalho havia ficado
incrível, com marcenaria e iluminação impecáveis.
Ela se arrumava, retocando a maquiagem para o evento.
— Presente de gente grande que dei a mim mesma! — Ela
concordou e as outras meninas, que estavam ao redor e dividindo o
espelho maior que ficava em uma das paredes do closet, também
comentavam a respeito.
— Tem certeza de que não quer ir, Oli? O Ty disse que iremos
nos impressionar com o que ele organizou. — Bruna perguntou.
— Ah, tenho certeza de que ele mandou bem, como sempre!
Mas estou mesmo cansada, fiz uma viagem recentemente, ontem
fiquei até tarde na rua e tenho trabalhado bastante. Preciso
descansar, pois amanhã tenho compromisso logo cedo. — justifiquei,
eram motivos verdadeiros.
— Ela poderia ter resumido esse discurso com “só quero meu
namorado na cama ao meu lado”, ou, “em cima de mim”.
Todas explodiram em gargalhadas, não aguentei e ri junto com
elas.
— Ah, mas você não poderia estar mais certa! — confessei e
me joguei na poltrona, próxima a penteadeira.
— Estou muito feliz por você, seus olhos brilham quando fala
dele! — Luma virou em minha direção e retribuí com um sorriso.
— Quero muito apresentar vocês, em breve farei.
Enquanto elas usavam meu closet, Du e os rapazes
continuaram na sala, tomando drinques e conversando. Não demorou
e elas estavam prontas, anunciando que era a hora de partir.
Descemos pelo elevador entre conversas altas e muitas
risadas. Ás vezes, algum morador ou outro tinha razão de reclamar
quando eu levava visitas ao apartamento, meus amigos eram
barulhentos.
Chegamos à portaria. Apenas Bruna estava de carro e ela
daria carona para Luma e Vicky, outra influencer. Os demais haviam
chamado carros por aplicativo, que já os esperavam na porta do
prédio.
Terminava de me despedir deles quando ouvi o som do meu
telefone, ao tirá-lo do bolso traseiro da calça e, antes de atender a
chamada, vi que era Lui e que ele havia me ligado anteriormente.
No meio da bagunça que foi meus amigos indo embora, não
escutei as ligações. Mais uma vez.
Atendi, rindo. Mas ele estava sério, muito sério. Mais do que
isso. Desde a primeira palavra ele me soou preocupado.

∞∞∞

Luiz Henrique

— Temos um problema — Paulo sentou-se em sua cadeira e


apontou a outra, diante da sua mesa, para que eu também me
acomodasse.
— Uma grande merda ter que adiantar a invasão desse jeito —
comentei e me sentei, já desbloqueando a tela do celular.
— Esse é o problema pequeno, nós estamos preparados.
Coloquei uma pessoa para vigiar sua rua, Brandão.
— Como? — arregalei os olhos e me alarmei, ele ganhou toda
a minha atenção. E alguma coisa havia acontecido.
— Vai ter que agir rápido, pois ele percebeu uma
movimentação estranha por lá. — continuava falando de forma
calculada.
— Olívia. — sibilei, já sentido as mãos tremerem. Paulo tinha
os olhos colados em mim, estava sério e, também, alarmado.
— Ela está em casa? — confirmei e ele suspirou. — É melhor
tirá-la de lá.
— Já estou fazendo isso. — Sem desviar o olhar dele, liguei
para João, meu irmão, ele teria que quebrar essa para mim e sumir
com Olívia do nosso prédio. — O que o cara realmente viu?
A chamada foi para a caixa postal, coloquei para chamar
novamente enquanto já organizava em minha mente a próxima opção.
Eu abandonaria a missão sem pensar duas vezes e iria até ela.
— Um carro idêntico ao que te perseguiu passou por três
vezes na rua. E, Lui, eles pararam por quase dois minutos na porta do
seu prédio e depois foram embora.
Desgraçados.
Agora o número do meu irmão chamava, muitas vezes, e,
quando eu já ia desligar, ele atendeu.
— Espero que você esteja precisando muito falar comigo. — a
voz preguiçosa soou do outro lado.
— É urgente, João. Preciso que vá ao meu prédio e tire Olívia
de lá — despejei de uma vez e ele logo entendeu que a situação era
séria.
— O que aconteceu, Lui? — Perguntou, preocupado. Ao fundo,
havia uma voz feminina, alguém falava com ele e pediu para esperar
um momento.
— Por enquanto, nada. Mas recentemente fomos perseguidos
e tem um carro suspeito rondando o prédio. Estou em uma operação
importante, tudo indica que estão nos cercando. Preciso que a tire de
lá.
Meu coração apertou ainda mais depois que coloquei em
palavras o que estava acontecendo.
Por minha culpa, Olívia estava em risco.
— Vou agora. Para a sua sorte, estou no meu apartamento —
o imóvel ficava em meu bairro, acertei ao ter ligado para ele.
— Então, está perto leva a delegada junto, vai que seja
necessário.
— Deixa de ser ridículo. — Chutei e acertei, era mesmo ela
quem estava lá.
— Ela sabe que estou indo? — perguntou e ouvi o barulho de
chaves e porta fechando.
— Vou avisar agora.
— Certo, já estou entrando no elevador, vou desligar.
Finalizei a chamada com João e voltei para Paulo, antes de
telefonar para Olívia.
— Acha que eles sabem da nossa mudança de planos?
— Creio que não, acredito que eles já tinham planejado algo
contra vocês.
O telefone dela chamou por duas vezes, até desligar. Estava
difícil manter a sanidade e a paciência, Olívia conseguia me deixar,
incrivelmente, ainda mais enlouquecido do que já estava.
Paulo finalizava algo no computador, enquanto eu tentava mais
uma falar com ela. E, então, atendeu. A voz tranquila e alegre, minha
mulher não fazia ideia da loucura que estava ao nosso redor.
— Oi Lui! Hoje não estou muito boa para comunicação com
tecnologia! Mas prometo que quando você chegar, serei todinha sua!
Ela havia tomado alguma bebida, sua voz cantada denunciava.
Respirei fundo, escolhendo a melhor forma de alertá-la, sem deixá-la,
completamente, em pânico.
— Linda, preciso que me escute com atenção e faça
exatamente o que irei te pedir.
— O que está acontecendo? — praticamente gritou, fechei os
olhos por um milésimo de segundo e foquei na chamada.
— Onde você está? — com toda certeza, não era dentro do
apartamento, pois o som não estava abafado e o curto alívio que
senti por saber que tinha visitas com ela, se esvaiu.
— Vim aqui na rua despedir-me dos meus amigos — por que
diabos essa mulher tinha que ter saído? Meu coração batia agitado e,
de imediato, a cabeça doeu.
— Entra no prédio, Olívia — já não tinha controle no tom de
voz que usava com ela, só a queria em segurança.
Levantei o olhar para Paulo, que estava de pé, assim como eu
e prestava atenção na conversa.
— Você precisa me falar o que está acontecendo. — pediu e
logo eu ouvi vozes próximas a dela. — Boa noite, gente!
— Oli, entra no prédio. — Pedi, novamente, e a chamada ficou
muda por um instante.
— Estou indo, a Bruna foi no carro buscar um presente que
disse ter trazido de Nova York para mim.
— Eu vou ser bem direto com você: estão nos seguindo e,
hoje, estiveram na porta do nosso prédio. Então, você precisa entrar.
Agora. Está me escutando?
Ela não teve tempo de responder, pois assim que eu terminei
de falar, fui ao inferno ao ouvir seu grito abafado.
— LUUUUUUUUUUUUI.
Capítulo 37
Olívia

Uma mão, com um tecido fedorento, foi levada a minha boca após o
meu grito quando fui surpreendida com o cara colando as costas nas
minhas, a outra apertava-me na cintura e eu senti algo pontudo e
duro, pressionando-me.

— Caladinha, vadia. Se abrir a boca ou tentar qualquer coisa,


terei o maior prazer em estourar os seus miolos.

Era uma arma, meu Deus! Pegaram-me e havia uma arma


apontada para a minha nuca. Não era igual a do meu namorado, que
já me protegeu, ou as que ele usava quando estava no clube. Agora
uma arma colocava-me em risco. Estava nas mãos de um bandido.

Ele era enorme e, facilmente, arrastou-me e jogou-me dentro


de um furgão que brecou bem diante da portaria do prédio, entrando
atrás de mim. Rapidamente, olhei ao redor e havia um carro grande e
preto logo atrás.

— Então, essa é a vagabunda do policial. Seja bem-vinda,


docinho!

Fui surpreendida por outro homem dentro do furgão que tinha o


rosto coberto por uma touca preta, daquelas que bandidos usam e a
gente vê em filmes, apenas seus olhos estavam descobertos.

Ele tinha nas mãos uma fita adesiva grossa preta, retirou um
pedaço grande e cobriu minha boca. O cara, que me abordou,
amarrou minhas mãos com uma corda atrás do meu corpo.

Meu corpo inteiro tremia, lágrimas grossas escorriam pelo meu


rosto. Tentava processar o que estava acontecendo. Eu havia sido
sequestrada na porta de casa.

Um medo me varreu. O que eles queriam comigo? Falaram


dele, então, assim como foi o atentado de dias atrás, foram atrás de
mim por conta do trabalho do Lui. Eu quis gritar, poder pedir por
socorro e, clamava, internamente, para que ele tivesse entendido o
que aconteceu. Pois bradei seu nome ao ser surpreendida, enquanto
falava com ele pelo telefone. Com o baque do bandido agarrando
meu corpo, o aparelho voou das minhas mãos.

Pensando bem, ele já sabia que eu podia estar em perigo, pois


falava, desesperadamente, do outro lado da linha, mandando que eu
fosse para dentro do prédio.

Mais lágrimas caíam, meu peito poderia explodir a qualquer


instante, de tão rápido que batia meu coração.
Minha cabeça estava atordoada, um misto de medo e terror.
Vinha em minha mente o rosto de cada pessoa que eu amava. Meus
pais, Lui, irmão, cunhada e sobrinho, meus amigos. Chanel, que agora
estava sozinha em meu apartamento.

Eu me remexia, resistia, o pavor me consumindo e, com um


solavanco na corda que prendia minhas mãos, o sequestrador que
estava ao meu lado, fez-me saltar no lugar. O resvalar da corda em
minha mão devia ter me cortado, pois doía muito.

— Sem gracinhas, vadia. O chefe te quer inteira. Mas, tenho


certeza, de que não irá nos julgar se a levarmos faltando algum
pedaço.

Enquanto falava, segurou firme meu cabelo, puxando-o com


brutalidade. Senti meu couro cabeludo arder e arfei.

— É, bem quietinha. Aqui, não tem macho policial para te


defender. Agora, você é nossa.

O outro falou, seguido de uma risada diabólica.

∞∞∞

Luiz Henrique

— Eles a pegaram, porra — senti como se todo o sangue do meu


corpo tivesse sido drenado.

Virei em direção à porta, desesperado para ir atrás de Olívia,


mas fui parado por Paulo.
— Escute, com muita atenção, o que irei te falar agora. Neste
momento, ela precisa do agente Brandão e não do namorado.
Entende a diferença? Você é treinado, sabe lidar com o perigo e com
bandido. E é muito inteligente. Use isso em favor dela, para resgatá-
la. — Ele deu dois tapinhas em minhas costas e esperou que eu
dissesse algo. Mas eu estava paralisado.

— Não consigo nem raciocinar.

— É uma operação, agente Brandão. Agora, acorda. — O


som do seu telefone chamando soava alto dentro da sala e ele
levantou o aparelho em minha direção. — Vou atender. É o agente
que estava à paisana na sua rua.

Fechei os olhos, por um segundo, e soltei um suspiro. Paulo


estava certo, eu tinha os meios de buscar minha mulher.
Rapidamente, repassei as últimas palavras dela e tracei um plano.

— Ela foi à portaria do prédio levar alguns amigos que


estavam em seu apartamento. Uma delas trabalha como influencer e
trouxe um presente de Nova York, havia ido no carro buscar. Foi
nessa hora que pegaram Olívia, enquanto aguardava essa amiga.

— O agente disse que a colocaram em um furgão e atrás


havia um SUV preto, o mesmo que passou lá mais cedo. Ele está
seguindo a distância. Não pôde fazer nada quando ela foi capturada,
pois está sozinho e não daria conta de enfrentar todos eles. Peraí,
você disse influencer que chegou de Nova York?

Paulo levava o telefone à orelha novamente quando saí da sala


em busca de dois agentes que estivessem no plantão, mas não
fossem participar da operação nos bordéis. Eram eles quem iriam
sair comigo para buscar Olívia.

Conversei com Lauro e Motta, haviam acabado de chegar à


delegacia, expliquei por alto o que aconteceu e eles foram para a sala
de armas. Antes, atendi João, que chegou à minha rua quando Olívia
havia acabado de ser pega. Expliquei a ele a direção que o furgão
saiu, conforme narrado pelo agente, e os coloquei em contato.
Certamente, chegariam antes de mim.

Voltei à sala de Paulo, pois, em minutos, estaria na rua.

— Minha irmã estava com ela, viu tudo de longe. — Ele já


estava paramentado e juntou alguns pertences sobre a mesa, saindo
em direção à porta.

— Como? — Franzi o cenho, Olívia já havia mencionado sobre


as amigas, tinha mesmo uma tal de Bruna, mas não fiz qualquer
ligação entre ela e a irmã do Paulo, que eu conhecia.

— São amigas, uma puta coincidência.

A notícia se espalhou pela delegacia, quando cheguei à porta


que levava ao pátio do estacionamento, alguns agentes já estavam lá.
As duas operações saíram juntas, uma para os bordéis e a outra
para o resgate de Olívia. Esta última, reforçada com mais quatro
agentes, designados por Paulo e que iam logo atrás de nós.

— Você sabe qual é o objetivo deles — Paulo me parou


quando entrava dentro da viatura, Motta iria dirigindo e eu no banco
do passageiro, ao lado dele.

— Olívia é a moeda de troca — afirmei. Era isso que o


desgraçado do Armando planejou e não conseguimos pegar na
escuta.

Havia um ponto muito falho na investigação. Ou quem tramou o


sequestro dela, estava fora do nosso radar. Mas isso era uma
preocupação para depois que eu a encontrasse viva e inteira.

Caso conseguíssemos resgatar as mulheres traficadas, minha


mulher seria usada por ele para uma negociação.
— Temos a burrice deles como ponto positivo, tá na cara que é
mais uma ação mal planejada. Use a inteligência e lembre-se: Olívia
precisa do agente Brandão.

Assenti e dei sinal para que Motta arrancasse com o carro.


Paulo tinha razão em tudo o que falou. Vesti uma máscara de frieza
que em nada condizia com o meu estado. Tremia por dentro, só de
imaginar que colocaram as mãos nelas.

Minha doce Olívia estava em perigo. Era tão delicada e alheia


à sujeira do mundo, que chegava a ser ingênua. Seu coração puro
nublava em muito o julgamento sobre os outros, sobre a maldade e
sobre a coragem que o ser humano tinha para machucar, tomar a
força, matar.

Andava com o vidro do carro aberto, atendia o telefone na rua,


não tinha a mínima noção sobre defesa pessoal, nem passava em
sua cabeça observar um estabelecimento quando entrava dentro dele.

Eu morria de medo por ela, por achar que o tempo todo algo
poderia ter lhe acontecido

E aconteceu. Anos morando em São Paulo e sem passar por


um assalto sequer, mesmo com toda a sua falta de noção quanto à
própria segurança.

Olívia foi sequestrada e estava a pouco tempo ao meu lado.


Por minha culpa.

Pensar no medo que ela deveria estar sentindo, certamente


estaria chorando e eu não estava lá para dizer que tudo ficaria bem,
fez-me ter mais ódio do desgraçado que a pegou.

Eu iria ao inferno, mas vingaria cada lágrima que a fizeram


derramar. E era bom que nem um fio de cabelo dela tivesse caído.
Armando sentiria onde mais doía, ia aprender a nunca mais se
meter com aqueles que eu amo.

E era isso, eu amava Olívia.

∞∞∞

Olívia

O carro, finalmente, parou. A porta do furgão foi aberta e,


praticamente, arremessaram-me para fora. Estávamos dentro de um
galpão mal iluminado. Não tive tempo de reparar em detalhes, pois
um dos sequestradores, apertando-me contra o seu corpo, levou-me
para o fundo do espaço e, ao colocar-me sentada em uma cadeira,
amarrou-me.

Meu estômago revirava com o nervosismo e o forte odor de


óleo queimado e urina, uma mistura nauseante.

Olhei ao redor e percebi que além dos dois sequestradores


que me trouxeram, havia alguns outros homens, cerca de uns oito.
Todos encapuzados.

O espaço era enorme, o furgão estava estacionado próximo à


porta de aço. Havia muitas coisas velhas como: sofá, prateleiras,
mesa de madeira, tudo em péssimo estado. No canto esquerdo, perto
de onde me colocaram, havia uma porta entreaberta, deu para ver
que era um banheiro pequeno.

— Não é um spa, docinho. Parece que não está gostando


muito da acomodação. Mas posso deixar tudo mais prazeroso — um
dos sequestradores leva a mão ao meu queixo, quase vomitei,
apenas por tê-lo ouvido.
Fechei os olhos, sentia raiva e nojo. Lui precisava chegar logo,
tinha muita certeza de que ele me salvaria, essa era a convicção que
me mantinha de pé. Pois, ao pensar no que estava acontecendo,
podia desmoronar.

— O chefe vai deixar que a gente brinque um pouco com ela, é


uma vadia bem gostosa — o outro cara, que me acompanhou no
furgão, parou diante de mim com os braços cruzados, meus olhos
arregalaram e quase caí da cadeira.

Talvez, pela primeira vez, desde que fui sequestrada,


compreendi que o risco que corria era muito maior do que imaginei. A
questão não era Lui me resgatar, mas sim, o que poderia me
acontecer até lá.

— Um de cada vez porque não quero macho encostando em


mim.

Eles riram, como dois animais. Meu peito doía, minha cabeça
girava e me sentia uma completa inútil.

De repente, o telefone de um deles tocou e todos se reuniram


ao redor do sequestrador que estava com o aparelho. Ele falava algo
que, para mim, era quase ininteligível. A única informação que
pesquei foi algo como “já estamos no galpão e quando for a hora
avise-nos”.

Será que pretendiam me tirar dali?

Dois deles foram até uma geladeira, caindo aos pedaços, e


voltaram com latas de cerveja, que distribuíram entre todos.

Depois de toda a tensão da nossa chegada, eles estavam


relaxados. Vez ou outra davam-se ao trabalho de irem até onde eu
estava. Então, talvez o próximo passo fosse demorar.
Quieta e encolhida na cadeira, clamei a Deus que olhasse por
mim e levasse Lui até aquele galpão.

Tentei me distrair pensando nos dias de pura paixão que


passamos em Serra Negra. Dormir e acordar ao lado dele, sentindo
seu cheiro gostoso pela manhã e seus braços fortes, segurando-me
junto ao seu corpo; contamos tantas histórias nossas, ávidos por
saber mais do outro, desejando nos conhecer; fizemos planos juntos;
fizemos amor em cada canto do chalé.

Ele foi o melhor acontecimento em minha vida nos últimos


anos. Gostava do seu humor ácido e da falta dele quando estava
irritado, gostava ainda mais dos vários sorrisos sem motivos que ele
arrancava de mim e da forma descontraída como levava a vida,
fazendo-me ser leve também. Mas nada, nada era tão bom como a
forma que me olhava, com desejo, paixão e admiração.

É claro que pensei mais vezes do que gostaria no fato de que,


se não tivesse entrado na vida do Lui, é provável que estivesse em
minha casa, segura ou então acompanhada dos meus amigos na
inauguração do restaurante.

Mas, nem por um instante, arrependi-me de ter aceitado ser


sua namorada.

Afinal, o que eu sentia por ele era irrevogável. Não era um


caso passageiro em minha vida, meu coração havia sido entregue a
Lui e eu só queria que ele chegasse logo para me resgatar.
Capítulo 38
Luiz Henrique

Coloquei o telefone no viva-voz, assim Motta não perderia nenhum


detalhe das coordenadas que João nos passava.

Pegamos a saída para Osasco e, antes de entrarmos na área


mais afastada da cidade, meu irmão nos avisou que já haviam
encontrado o destino para onde levaram Olívia.

Por conta do trânsito e, para não chamar a atenção dos


sequestradores, tanto ele, quanto o agente que o seguia à paisana,
não colaram nos bandidos.
— O GPS está marcando quarenta minutos para chegarmos
— avisei-o. Ansioso, só conseguia pensar no momento em que a
encontraria. No entanto, era mais do que necessário focar na
operação e mantê-la em segurança.

— Mas nós vamos chegar em no máximo vinte minutos,


Brandão — Motta garantiu, pisando fundo no acelerador.

Lancei-o um olhar em agradecimento. Algo em comum, entre


nós profissionais da segurança pública, era que todos tinham
verdadeiro pavor do nosso trabalho atingir as pessoas que amamos.
E, naquele momento, eu sabia que Motta também estava pensando
que, no lugar de Olívia, poderia ser sua esposa ou filho.

E eu só podia mesmo agradecê-lo pelo empenho.

— Estamos em uma rua adjacente, não dá para aproximar do


galpão sem reforço. — João contou.

— Conseguiu contar quantos são?

— No máximo, dez. Mas lá dentro pode ter mais.

Motta cumpriu a promessa e, na metade do tempo marcado


pelo GPS, encontramos os dois carros, logo atrás de nós, estacionou
a outra viatura da PF.

João estava do lado de fora do carro, junto dele havia uma


mulher falando ao telefone celular, imaginei que fosse a delegada.

Já descemos vestidos com os coletes à prova de balas,


entreguei os que havia levado de reserva para o agente, meu irmão e
a namorada.

— Viram algum sinal de câmera ao redor? — perguntei, pois já


haviam feito um breve reconhecimento do local.
— Nada, Brandão. — Foi o agente quem respondeu. Eu o
conhecia, participamos de poucas operações juntos, mas éramos da
mesma delegacia.

— Muito obrigado, cara. — estiquei a mão em um cumprimento


e ele assentiu.

— Não temos muito tempo, o melhor caminho é cercarmos o


galpão. Temos silenciadores, vamos usar isso a nosso favor.

— Temos quantos silenciadores? — a delegada perguntou, sua


postura era dura e focada, olhava-me nos olhos.

— As nossas armas já estão com eles. — respondi, apontando


para Motta e Lauro. — E trouxe dois reservas.

Ela escutava com atenção, meu irmão parecia um bobo logo


atrás, admirando a nossa interação, ainda que o momento não fosse
nada propício.

— Se me permite, sugiro estourarmos as fechaduras da porta


principal. Estamos em dez, pois João tem uma arma no carro e irei
fingir que não sei disso. — Crispou os olhos em direção a ele, que
revirou os olhos. Meu irmão só tinha autorização para portar arma de
fogo quando estivesse indo em destino a clube de tiro. — E ele vai
nos prometer não atirar em ninguém, não queremos balística dessa
arma e bala. Mas voltando, quem estiver com os silenciadores,
pegam a linha de frente, dois para cobertura e os demais nas laterais
do galpão. É o que temos e, se nos organizarmos, será suficiente.

Joguei um silenciador para ela e outro para o agente.

— Assuma o comando, doutora. — Trocamos um longo olhar e


soltei um suspiro. — Preciso da minha mulher viva e sem um
arranhão. Ela não tinha que estar nessa merda, a culpa é toda minha.
Mais uma vez, a identificação, assim como com Motta dentro
do carro. Ainda que nunca tivesse passado pela mesma experiência
que a minha, ela podia entender. Havia emoção em seus olhos.

O que fazíamos era perigoso pra caralho, mas não me lembro


de ter conhecido algum agente ou delegado que ligasse. Éramos
acostumados a ter essa adrenalina nas veias. No entanto, isso era
uma característica nossa, que fomos treinados. As pessoas ao nosso
redor não tinham motivos para compartilhar, eles sequer deveriam ser
atingidos.

— Olívia, certo? — De novo, estava a máscara fria e focada.


Ali, era a delegada tomando as rédeas. — Vamos pegá-la inteira,
agente Brandão.

Assenti e pedi, com um gesto, que todos se aproximassem,


para ouvi-la.

Apenas o carro utilizado pelo agente foi levado para próximo


do galpão, tudo no mais próximo possível do silêncio e sem chamar a
atenção. Caminhamos a pé, escondendo-nos entre os arbustos que
rodeavam o espaço.

O terreno era coberto por pedregulho e terra batida. A rua não


tinha nenhuma movimentação, a construção mais próxima estava há
pelo menos trezentos metros e era um imóvel caindo aos pedaços.

As laterais do galpão foram cobertas por dois agentes de cada


lado, logo, a delegada e eu nos posicionamos diante da entrada, os
outros três atrás, dando-nos cobertura e, meu irmão, próximo ao
carro, pronto se precisássemos sair às pressas.

Em silêncio, apenas observávamos e tentávamos ouvir a


movimentação lá dentro, escolhendo o melhor momento para
invadirmos.
No entanto, o momento surgiu da pior forma e quase levando
meu coração junto.

Olívia gritou forte, a voz cheia de pânico, clamando por socorro


com toda a sua alma.

Não pensei duas vezes, atirei na fechadura, estourando-a, com


ódio, muito ódio e pronto para fritar os miolos de quem tocou nela. A
delegada acompanhou-me também atirando e, em segundos, o
cadeado estava no chão. Rapidamente, com um chute forte, abri o
portão de aço.

Entramos juntos e não fomos recebidos com gentilezas. O


primeiro capanga atirou em minha direção e consegui acertar seu
abdômen, derrubando-o. Outro homem, que estava próximo a ele e,
também atirava, recuou, recalculando a defesa. Aproveitei os
segundos em que ele parou para alvejá-lo e tirei-o do combate. No
canto direito, a delegada havia derrubado mais um e, logo atrás,
Motta e Lauro respondiam os ataques deles, que em pouco tempo
haviam se organizado, embora atirassem de forma desordenada.

Não conseguíamos avançar muito para dentro do galpão, mas


juntos, resistíamos bem. Eu queria encontrá-la, apenas isso. O resto
que desse conta do recado. Mas de onde estávamos eu não a via,
chegando a pensar que talvez tivéssemos sido tapeados.

Eles atiravam e nós nos defendíamos.

Um barulho de brecada lá fora avisou-nos que tínhamos mais


companhia e, certamente, eram do bando deles. Tiros foram trocados
durante alguns minutos e depois só ouvíamos as pegadas nos
pedregulhos. Eu conhecia o som bem demais, era coturno pisando
duro em pedra. Então, os agentes estavam em vantagem.

Dentro do galpão, os capangas ainda de pé entreolhavam-se,


sabiam que tinha dado ruim e não haviam percebido que tínhamos
gente lá fora. Os que foram alvejados agonizavam no chão e o
sangue escorria.

Era a hora, precisávamos do ataque final. Troquei um olhar


com a delegada e, ao seu sinal, atiramos juntos, conseguindo acertar
quatro homens, que caíram sem vida. Era guerra e em nenhum
momento imaginei que teríamos alguma vantagem ao explodirmos o
cativeiro. Mas, ali, estávamos sem nenhum ferido e apenas dois
capangas de pé.

Foi quando ouvi seu choro, fraco e entre soluços. Ela estava
ali. Varri o lugar e encontrei uma porta fechada ao fundo. Eles haviam
a escondido. Filhos da puta.

Sem desviar a atenção, caminhei duro em direção a ela, ainda


duvidando de que havia conseguido encontrar Olívia.

Somente quando abri a porta e a vi, tive a certeza de que havia


conseguido salvá-la. Mas Olívia estava encolhida e amarrada em uma
cadeira com os olhos inchados, a pele do rosto vermelha.

Nossos olhos encontraram-se, eu podia cair, ali, diante dela,


tamanho foi o desespero que passei e medo que senti de perdê-la.
Era como se, apenas, naquele momento eu tivesse voltado a respirar.

Estiquei a mão e toquei seu rosto, mas sem deixar de prestar


atenção no que acontecia fora daquele minúsculo banheiro.
Rapidamente, consegui soltar a corda e Olivia agarrou-se ao meu
corpo, chorando e soluçando alto.

— Você veio! — disse com o rosto colado em meu peito.

Soltei um suspiro e beijei o topo da sua cabeça.

Os tiros intensificaram-se, tínhamos que sair logo, não podia


deixar que nos encurralassem dentro do pequeno cômodo.
∞∞∞

Olívia

Eu pensei tanto no Lui, clamei a Deus que o ajudasse a chegar até


aquele maldito galpão e lá estava ele.

Quando ele abriu a porta do banheiro minúsculo, onde me


jogaram quando perceberam o primeiro tiro no portão e, nossos olhos
se encontraram, entendi o quanto o amava e o queria para sempre
em minha vida.

Morri de medo de nunca mais vê-lo, não ouvir mais sua voz
grossa ou sentir seu cheiro marcante. Ficar sem seus abraços
aconchegantes que me envolviam inteirinha? Eu não poderia.

O choro saía de mim como se exorcizasse minha alma, sentia


o peito doer de tão forte os soluços, precisei apertá-lo para ter
certeza de que era real, Lui havia mesmo me encontrado. Encostei o
rosto em seu peito, podia ouvir as batidas agitadas do seu coração,
fechei os olhos, desejando que ele tirasse de mim as memórias
torturantes de minutos atrás.

— Nós precisamos ir, fique atrás de mim e não desvie, tudo


bem? — Ele corria dois dedos pelo meu rosto, meu corpo retesou
quando ele tocou na parte avermelhada, onde um dos sequestradores
havia batido, quando gritei em repulsa ao toque dele. A visão do meu
namorado nublou, dando-se conta do que havia acontecido.

— E os tiros? — Questionei, preocupada. Não achava que


fôssemos capazes de atravessar o imenso local onde parecia haver
uma guerra.
— Nenhum vai te atingir, apenas fique atrás de mim. — Meus
olhos marejaram, esgotada fisicamente e emocionalmente. — Está
acabando, meu amor. — Disse, ao atravessar o braço sobre os meus
ombros, puxou meu corpo para junto dele e beijou minha boca de
leve.

— Toma cuidado, por favor. — Levei a mão até seu rosto, fiz
um rápido carinho e ele assentiu.

— Agora, vamos.

Lui empunhou a arma, projetou o corpo para fora do banheiro


e, após analisar o espaço, fez sinal para que eu saísse logo atrás.

O fundo do galpão estava vazio e dois sequestradores


esgueiravam-se atrás de um armário e de uma pilha de caixas. Eles
atiravam e se protegiam de outras duas pessoas: um homem que
usava a farda da Polícia Federal e uma mulher, incrivelmente linda, de
aparência delicada e, se não estivesse vendo com meus próprios
olhos, jamais diria que um dia trocou tiros com bandidos..

Lui pediu que abaixasse um pouco o corpo, ainda seguindo


atrás dele, e caminhamos devagar pela lateral direita, tentando não
chamar a atenção dos dois bandidos.

Franzi o cenho ao me dar conta de que ali, diante de mim,


havia apenas dois deles. Então, onde estavam os demais? Deixei
meus olhos vagarem por todo o espaço e quase desmaiei ao me dar
conta de que estavam caídos, provavelmente mortos.

Arfei alto demais, o pânico, mais uma vez, dominando-me. O


ruído fez com que os bandidos virassem de uma vez em nossa
direção, ambos com a arma empunhada. No entanto, o cara com a
farda da PF aproveitou o movimento brusco e atirou neles, um caiu,
virei o rosto, pois não queria saber se ele havia morrido, e o outro
pareceu desnorteado. Estava sozinho.
Com uma mão, Lui me puxou e me pediu calma. Não ri porque
tive medo de presenciar outra quase morte ao assustar os bandidos.
Mas se não fosse tão trágico, seria engraçado ele me pedir calma
estando dentro daquela cena de terror.

Conseguimos avançar mais da metade do galpão, faltava


pouco para chegar à porta e ele sussurrou, apenas para que eu
ouvisse, que a mulher daria cobertura para que saíssemos.

— Aguenta firme. — Trocamos um olhar, eu lutava para


segurar as lágrimas, meu coração apertado e, batendo rápido
demais, a adrenalina parecia sugar-me por completo e sentia que
poderia desfalecer a qualquer momento.

Fechei os olhos, por um segundo, buscando forças para seguir


em frente rumo a saída do cativeiro.

Outro olhar e Lui virou de costas para mim, fazendo-nos


caminhar. Conseguimos dar mais alguns passos, até sermos parados.

— NÃOOOOOOOOOOOOOOOO.

Ele foi alvejado, bem diante de mim, um dos bandidos que


estavam caídos e, talvez até dado como morto, atirou com
dificuldade. Após atingi-lo na região do quadril, ele empunhou
novamente a arma mirando a cabeça dele.

Alguém gritou que Lui estava ferido, logo três policiais


entraram correndo e atirando, o único bandido que ainda estava de
pé, foi alvejado.

— Vem Olívia, temos que sair daqui — a mulher me segurou


pelos ombros e forçou para que eu ficasse de pé, mas eu não podia.
Ele agonizava de dor, a calça ensopada de sangue e seu rosto
completamente pálido. Ainda assim, ele apertava o local ferido e me
olhava preocupado.
— Eu vou ficar bem — garantiu e desisti de lutar com as
lágrimas.

— O Lui, eu não vou deixá-lo aqui — respondi para ela, que


tentava me colocar de pé, estava de joelhos, praticamente jogada em
cima dele.

— Os caras vão levá-lo. Já pediram o resgate? — Ela olhou


para os policiais e os questionou. — Agora, Olívia.

— Vai cunhada, eu estarei aqui com ele — a voz firme do João


soou ao meu lado, eu ainda não o tinha visto.

Rendida, levantei-me com dificuldade e deixei que ela me


levasse para fora.

— Eu sei que você está assustada e, com toda razão, mas


agora está livre, acabou. E logo o resgate chegará para atendê-lo. —
Ela me abraçou pelos ombros e caminhou comigo.

Passamos pela porta do galpão, havia outros policiais do lado


de fora, dois deles andaram apressados até uma viatura da PF e
ajudaram a mulher a me acomodar no banco traseiro.

— Aquele cara ia atirar na cabeça dele. Ia matá-lo. — disse a


ela, que agachou ao lado da porta aberta.

— Não consegui impedir o primeiro tiro. — Seu olhar era


pesado, o que contrariava a delicadeza que teve ao segurar as
minhas mãos.

— Você foi tão rápida, vi quando mirou nele e conseguiu


impedir o outro tiro. — As lágrimas, que nem sei se haviam cessado,
desceram livremente. — Você salvou a vida do meu namorado. Eu
não sei como te agradecer.

— Agradeça ficando bem, tente ficar calma agora. Esse


homem quase surtou por você está lá dentro. — Ela deu um sorriso
contido, ainda de mãos dadas comigo.

— Eu esperei tanto por ele, acreditei que ele não me deixaria


nas mãos dos sequestradores.

Trocamos um longo olhar e ela me soltou e colocou-se de pé.

— Fica bem, Olívia!


Capítulo 39
Olívia

Despertei e me vi dentro de uma sala exageradamente branca, as


paredes, a roupa de cama e, até o chão, era da cor clara. Um
silêncio incômodo pairava pelo ambiente, o único ruído era do
aparelho que eu só conhecia dos filmes. O famoso barulho de
hospital, que monitora os batimentos cardíacos.

Então, eu estava em um hospital.

Levei uma mão aos meus olhos, incomodada com a claridade


que invadia o quarto. Havia uma porta de vidro no lado esquerdo da
cama em que eu estava deitada e me dei conta de que tinha um
cateter preso no dorso dela.

O movimento brusco que fiz machucou um pouco a pele e gemi


de dor.

— Oli! Graças a Deus, você acordou. — Assustei-me com a


mulher que, em um estalo, estava de pé ao lado.

— Maria Clara? — perguntei, franzindo o cenho. Meu coração


batia acelerado, receosa de receber notícias ruins.

— Lembra de tudo o que aconteceu? — Devolveu o


questionamento, como se me sondasse.

— O sequestro... e... O Lui? — Arregalei os olhos e senti um


tremor em meu corpo. — Cadê seu irmão? Por que ele não está
aqui? — Fui tomada pelo desespero, enlouquecida querendo notícias
dele. — Ele foi baleado. Meu Deus, cadê ele?

Tentei levantar-me da cama, mas ela me impediu com uma


mão em meu ombro e a outra sobre uma perna. Não segurei as
lágrimas, elas desceram marcando a pele e deixando meu coração
ainda mais aflito.

— Calma, por favor. Eu vou te contar tudo, mas preciso que se


acalme.

— E eu preciso saber como ele está. — Exaltei-me, mas


respirei fundo e tentei controlar as emoções, meu coração ainda
disparado. — Ele caiu, estava desmaiado. Ai meu Deus, o que
aconteceu, Maria Clara? — Praticamente, implorei. Os olhos dela
também estavam marejados e, com delicadeza, ela passou os dedos
em meu cabelo.

— Eles vão te dar outro calmante e você vai dormir por horas.
Então, acalme-se.
— Tá, estou calma. — Respirei fundo e ela pegou minha mão.

— Lui foi baleado, como você sabe. Perdeu muito sangue, teve
sim um desmaio, como você lembrou e passou por um procedimento
para retirada da bala.

As palavras saíram calmamente, sua reação era o verdadeiro


extremo da minha. Eu só precisava vê-lo, olhar aqueles lindos olhos
azuis e ter a certeza de que o amor da minha vida estava vivo.

— Então, vamos até ele, já estou ótima. — Com um impulso,


consegui jogar as pernas para fora da cama, mas ela foi mais ágil e
me segurou, mais uma vez.

— No momento, nós vamos ficar aqui. — Disse, calmamente,


olhando em meus olhos. — Lui está se recuperando na Unidade
Intensiva, o médico responsável explicou que é um procedimento
padrão, até pelo risco de hemorragia e infecção. Mas ele está bem e
dormindo.

Tentei assimilar as informações, revoltada por não poder ir vê-


lo. Soltei um suspiro, cansada e vencida.

— Não me feri, por que estou nessa cama?

Ajeitei-me e, pela primeira vez, desde que acordei, senti a


adrenalina começar a abaixar e meu corpo doer. De fato, sai ilesa de
toda aquela loucura do sequestro. No entanto, as partes do meu
corpo onde eles bateram, doíam, como o rosto, costas e braços.

Depois de um longo olhar, em que me observou por inteira, ela


sentou-se na beiradinha da cama e, de novo, pegou minha mão.

— Você entrou em choque depois que ele desmaiou, teve uma


forte crise de ansiedade e acharam melhor te medicar.

— Faz quantas horas?


— Já é de manhã, você dormiu bastante.

Se chegamos no hospital ainda quando era noite, significava


que ela já estava há bastante tempo ao meu lado, enquanto poderia
estar com o irmão ou aguardando notícias dele ao lado da família. E
eu dando piti.

— Desculpa, nem te agradeci por ter vindo ficar comigo. — Fui


o mais delicada que consegui. Ainda que em uma situação horrível,
recebi o seu carinho. — Eu preciso vê-lo. — tentei justificar o meu
desespero e a sua resposta foi um sorriso, tímido, mas acolhedor.

— Enquanto Lui estava no procedimento, minha mãe quis vir


ficar com você, pois está louca para conhecer a nora. Mas achei
melhor que fosse eu a estar aqui quando acordasse, pois já me
conhece.

Ela não podia ter acertado mais... Eu morreria de vergonha se


tivesse que encontrar a mãe do meu namorado sozinha, em nosso
primeiro encontro.

— Eu vou adorar conhecê-la. — O que também era verdade.

— Vou chamar a enfermeira para trazer algo para você


comer e avisar o médico que já acordou.

∞∞∞

Luiz Henrique

— Ele está acordando — ouvi uma voz feminina anunciar, onde eu


estava?
Abri os olhos com dificuldade, sentia como se estivessem
pregados. A boca estava seca e a garganta ardeu quando tentei
engolir um pouco de saliva. Um forte enjoo tomou-me, deixando-me
com ânsia.

— Bom dia, Luiz Henrique. Estávamos aguardando que você


acordasse. — disse a mulher vestida de branco e recusei um
recipiente de prata que ela me ofereceu quando enfiava os dedos
entre os fios de cabelo.

— Onde estou? E cadê a Olívia? — A mulher desviou o olhar


para o lado e dona Lêda, que estava no sofá, aproximou-se da cama
e informou que ela era a minha namorada.

— Ah sim. Bom, você está no hospital, foi baleado ontem à


noite. Lembra do que aconteceu? — Enquanto conversava comigo, ou
tentava, levantou a blusa do pijama que eu usava e verificou minha
respiração com um aparelho, pedindo para que eu respirasse fundo e
soltasse o ar.

— Mãe? Cadê ela? — Havia urgência em minha voz, era difícil


não saber notícias dela.

— Calma, meu filho. Primeiro, responda a enfermeira. — ela


pediu e eu revirei os olhos. — Olívia está bem e sendo acompanhada
aqui no hospital.

— O que aconteceu com ela? — Até onde sabia, consegui tirá-


la daquele inferno sem ferimentos.

— Luiz Henrique, faça o favor de conversar com a enfermeira


— minha mãe pediu firme e segui o caminho mais breve para me ver
livre.

— Eu lembro de tudo... Minha namorada foi sequestrada, levei


um tiro enquanto tentava resgatá-la.
A enfermeira deu um sorriso contido, ainda me examinava, já
havia verificado a pressão arterial e testado os reflexos.

— Você passou por um procedimento para retirada do projétil,


perdeu muito sangue e esteve sedado durante a madrugada para que
pudesse se recuperar.

— Já estou liberado?

— Não, Luiz Henrique. — Ela deu outro sorriso e pegou uma


prancheta sobre a mesinha ao lado da cama. — Vou pedir seu café
da manhã e, em seguida, o médico irá passar para vê-lo.

Assenti e ela saiu do quarto.

— Cadê a Olívia, mãe? — perguntei, sem nenhuma paciência.


Era uma informação bem fácil de ser dada.

— Vou pedir sua irmã para trazê-la. — ela respondeu,


pegando o telefone na bolsa, sobre o sofá.

— Maria Clara está com ela?

— Passou a noite no quarto em que a colocaram.

Ela voltou o olhar para mim, tinha o olhar atravessado, como


se estivesse magoada.

— Hey, está tudo bem, foi um susto. — soltou um suspiro


fundo e me abraçou apertado. Senti que lágrimas desciam pelo seu
rosto, pois molharam o tecido fino do meu pijama. — Já a conheceu?

— Não. — Emocionada, fez um carinho em meu rosto e eu a


puxei para outro abraço, deixando um beijo em sua face. — Inclusive,
já me perguntei diversas vezes o motivo de não ter sido apresentada
à sua namorada.
— Não tivemos tempo. — Respondi, com um sorriso para a
cara de desgosto dela.

— Ela é importante, mãe. Mas é bem recente. — Tentei


explicar e ela assentiu, sem render o assunto.

— Depois falamos sobre isso. Agora, quero te ver bem e


recuperado. — Enviou alguma mensagem pelo celular e logo uma
enfermeira entrou no quarto, empurrando o carrinho com o café da
manhã.

— Bom dia, Luiz Henrique. O banho está liberado, prefere


agora ou depois de lanchar?

— Banho primeiro — respondi e ela saiu dizendo que um


enfermeiro homem viria para me ajudar.

∞∞∞

Saí da suíte com a sensação de que o banho fez mais por mim
do que horas sedado sobre uma cama. Dispensei ajuda e tomei todo
o cuidado dentro do banheiro, pois embora estivesse bem-disposto,
sentia-me fraco. O enfermeiro fez um novo curativo no local
machucado pela bala e me medicou.

— Qualquer coisa que precisar, basta tocar aquele botão e


alguém da enfermagem vem te checar.

— Obrigado!

Vesti um short e uma camiseta que meu irmão havia levado


para o hospital, em uma pequena mala de mão, e voltei para a cama.

— Cadê eles? — perguntei a minha mãe, que continuava me


fazendo companhia. Antes que ela pudesse responder, a porta foi
aberta.
— Saudades, senhor justiceiro? — João entrou no quarto
acompanhado do meu pai — ele se jogou ao lado da dona Lêda e
ganhei um abraço do meu pai.

— Lembre-me de agradecer sua namorada — o intuito era


mesmo só ser grato, devia minha vida a ela, mas aproveitei a
oportunidade para encher o saco do marrento, que me deu um olhar
enviesado, puto da vida.

— Você também, João Miguel? — Minha mãe perguntou, em


tom ameaçador, e segurei a gargalhada, apontando o machucado na
região do quadril, pois ele ameaçou me tacar uma almofada, que
estava ao seu lado no sofá.

— Seu idiota — João ralhou.

— Agradecer, por quê? — Meu pai estava em pé encostado


na cama, de braços cruzados, e perguntou com interesse no assunto.

— Era uma amiga. — respondeu, após revirar os olhos.

Meu irmão era o cara mais discreto que eu conhecia, talvez só


perdesse para Paulo, sistemático ao extremo. Mas precisava ter
coragem para ser feliz. E eu, que estava vivendo o ápice da alegria
ao lado da Olívia, senti-me no direito de dar uma forcinha.

— Que me salvou. Um dos sequestradores, que achei ter


matado, atirou em mim, e depois mirou a cabeça. Ela percebeu a
movimentação e, rapidamente, atirou nele, não dando tempo para o
segundo ataque. — Expliquei e, em meio à pequena revolta dele, por
eu tê-la exposto, surgiu um sorriso em seu rosto, tímido, mas por
sentir orgulho dela.

— Uma mulher com boa mira, armada e que estava na


operação ao lado de vocês. Quer nos contar algo, filho? — Meu pai
perguntou, astuto, com a sobrancelha erguida.
Antes de responder, João lançou um longo olhar a ele, esticou
as pernas, relaxado no sofá e cruzou os braços. Ali ele já havia
decidido que os dois não eram mais um segredo.

— Ela é delegada federal, doutor Brandão. E, infelizmente, não


é minha namorada. Já recusou todos os pedidos que fiz.

Meus pais se encararam, pálidos.

— Compreensível, ela prende e você solta — tentei brincar


com a situação, eles mudos, de olhos arregalados, e João com um
sorrisinho irônico.

— Dá para calar a porra da boca, Lui. — reclamou, mas no


fundo, satisfeito por ter contado sobre ela. E não era como se nossos
pais fossem proibir o relacionamento, ninguém ali tinha idade para
isso.

— Mas, continuando, envie os meus agradecimentos.

— Nós iremos conhecê-la? — Dona Lêda perguntou, depois de


passado o susto.

— Quando ela parar de fugir de mim.

Eu tentava me manter sério, mas meu irmão não colaborava.


Rimos todos juntos e decidi que havia passado tempo suficiente
acordado sem Olívia, precisava dela.

— Ela está vindo, filho. — minha mãe avisou quando me viu


inquieto.
Capítulo 40
Olívia

Caminhamos, lentamente, pelo corredor do hospital e não era que eu


não estivesse bem, mas, de repente, senti-me insegura para
reencontrá-lo. Mesmo com a garantia de Maria Clara de que Lui
estava se recuperando, eu não queria vê-lo mal, meu coração ficava
apertado só de imaginar.
Ela parou diante da porta e colocou uma mão em meu ombro.
— Preparada? A cada dez palavras que ele fala, onze são
Olívia. Está louco para te ver. — trocamos um sorriso, ela havia me
mostrado pouco antes, as mensagens que a mãe enviou.
— Eu também...
Então, vamos. Deu dois toques e abriu-a, meu coração batia
forte no peito, do jeito ansioso que ficava quando eu sabia que o
veria.
Atravessamos a antessala e chegamos a suíte. Lá estava ele,
deitado sobre a cama.
Detive-me quando nossos olhares se encontraram, as pernas
ficaram bambas e foi por muito pouco que não desmoronei no chão.
Um arrepio tomou-me por inteira. No entanto, um sorriso lindo, ainda
que contido, surgiu em seu rosto e não esperei mais. Praticamente,
corri para junto dele.
Eu só o enxergava, abracei-o forte e deixei que as lágrimas
descessem. De medo, não, pavor, de que algo pior pudesse ter
acontecido com ele; de amor; até de saudade. Soltei-o, por um
segundo, para segurar seu rosto e olhá-lo, estava meio pálido. Só,
então, dei-me conta de que poderia tê-lo machucado em meu aperto.
Trocamos um longo olhar e ele me abraçou de leve.
— Como você está, meu amor? — perguntou em meu ouvido.
— Eu é que deveria perguntar... — respondi, sem querer soltá-
lo.
— Eu só precisava te ver. — Com uma mão ele acariciou
minhas costas e a outra levou ao meu cabelo, úmido do banho recém
tomado.
Maria Clara foi uma querida, ajudou-me em tudo, inclusive,
pediu ao irmão mais velho que pegasse uma roupa dela para mim,
assim como produtos de higiene pessoal.
— Surtei quando acordei e não te vi. Eles te machucaram,
você está bem? —Afastei-me dos seus braços o suficiente para olhá-
lo e ter certeza de que estava inteiro.
— Agora estou... — deu um beijo em minha testa e um pigarro
chamou a minha atenção.
Estremeci, pois tinha certeza de que não havia sido minha
cunhada. Lentamente, virei o corpo para trás e, quase desmaiei, mais
uma vez. Além dela, havia outras três pessoas no quarto, que
estavam sendo, sumariamente, ignoradas por mim.
— Ai meu Deus, que vergonha. Desculpem-me, estava tão
nervosa para vê-lo, que fiquei cega. — As palavras saíram
atropeladas, arrancando um riso do Lui. — Eu sou Olívia.
— Ficamos felizes por você estar bem — a mulher bem
arrumada e elegante disse, também com um sorriso no rosto. Estiquei
a mão para cumprimentá-la, mas ela me puxou para um abraço. —
Lêda, mãe do Lui.
Era linda, com roupas e cabelo impecável. Um pouco abatida,
talvez. Afinal, o filho estava em uma cama de hospital e ela passou a
noite em claro. Mas, ainda assim, linda.
— Prazer.
— Eu sou Heitor, o sogro! — também com um sorriso, o
homem que era a cópia um pouco mais velha do meu namorado,
cumprimentou-me. Os pais tinham a aparência jovial, ambos bem
cuidados, dificilmente alguém diria que tinham três filhos adultos.
— Prazer em conhecê-los.
Já meu cunhado, observava a cena do sofá, olhando para os
dois.
— João, não sei se o seu irmão já o fez, mas preciso
agradecer sua namorada. Salvou o Lui e me tirou do galpão, não
gosto nem de lembrar.
Ele havia contado a Maria Clara um pouco do que aconteceu
na noite anterior e foi ela quem me informou do relacionamento entre
meu cunhado e a mulher que nos ajudou no galpão.
Toda a família explodiu em uma risada e eu fiquei sem saber o
motivo. Ele soltou um suspiro curto e acabou rindo também.
— Passou, cunhadinha. Mas irei repassar o agradecimento de
vocês.
Trocamos um sorriso e Lui beijou minha mão, sem tirar o olhar
de mim.
— Preciso conversar algo com a Olívia, importam-se de irem
tomar um café? Não demoro. — Eu poderia, facilmente, ter escondido
o rosto no travesseiro que estava sobre a cama, tamanha a vergonha
que senti com o pedido dele. Mas ninguém pareceu se importar.
— Vamos lá, inclusive, quero saber mais da outra nora. — Os
pais dele saíram de braços dados e os irmãos seguiram logo atrás.
— Não tem nada para saber, não. — João retrucou a mãe,
talvez essa fosse a piada interna, eles não a conheciam.
— Vem cá! — Antes que Maria Clara chegasse à porta, Lui a
chamou. — Muito obrigado por cuidar dela. — Ele segurou sua mão e
beijou sua testa. Logo depois, a irmã deu-lhe um abraço. Embora
disfarçasse, tinha os olhos úmidos.
Assim que ficamos a sós, ele arrumou o travesseiro e
recostou, chamando-me para mais perto.
— Senti sua falta, meu amor — declarou, acariciando meu
rosto, traçando todo o contorno.
— Não tenho psicológico para ouvir você me chamando assim
— também fiz um carinho nele, sentindo cada pedacinho da sua face.
Aproximei nossos rostos e toquei seu nariz com o meu, nossas
respirações quase em uníssono, aspirei seu cheiro, encontrando-me
de volta bem ali, conectada nele.
— Por que? É o amor da minha vida, tem que se acostumar —
enfiou uma mão em meus cabelos e guiou minha cabeça para mais
perto, capturando minha boca. Beijou-me tenro e delicado, suspirei
por tê-lo de volta e estar ali tão próxima, como se minha vida tivesse
ficado em suspenso durante as horas em que estivemos separados.
— Tem certeza de que está bem? — perguntei com as nossas
bocas quase coladas, depois que cessamos o beijo.
— Estou ótimo. Sério. — fez mais um carinho em meu rosto e
dei outro beijo leve nele. — E você?
— Também... Parece que tive uma crise de ansiedade e me
sedaram... — Mordi o lábio e fiquei um tempo só o olhando. Tão lindo
e tão meu. — O que você quer conversar comigo e achou necessário
pedir sua família para sair?
Lui me olhou longamente, sem a mínima pressa em acabar
com a minha curiosidade. Seu olhar era caloroso, o azul da sua íris
estava ainda mais intenso, havia... amor, dentro dele? Foi o que senti.
— Casa comigo?
— Oi? — perdi o ar, talvez eu pudesse ter tido uma pequena
alucinação e achei ter sido pedida em casamento.
— Aceita ser a Senhora Brandão, Olívia? — perguntou,
novamente, solene e, ao mesmo tempo, com um sorriso deslumbrante
no rosto e que me faria aceitar qualquer proposta sua. Novamente,
ele enfiou a mão em meu cabelo, segurando-me, como se eu pudesse
fugir a qualquer instante. Era real, ele estava me pedindo em
casamento. — Porque, ao sair daqui, eu não posso mais ficar longe
de você. Não me lembro de ter sentido tanto medo em minha vida. Só
de imaginar te perder, eu poderia morrer junto. Para mim, é tão
definitivo, eu te amo, sabe? Te amo muito! Quero você para sempre
em minha vida, então, não vejo motivo para segurar esse passo ao
seu lado.
Meus olhos marejaram, cada palavra dele tocou-me
profundamente. Era loucura? Claro que era... Mas parecia tão certo e
tão óbvio.
Eu sentia o mesmo.
— Casar, Lui? — Ainda estava em choque e minha reação
divergia do que eu sentia internamente, pois, para mim, era como se
já tivesse dito sim a ele.
— Não acho que seja tão moderninha assim, mas, se preferir,
aceito ir morar com você. — revirei os olhos e ele riu. Só se fosse
para fazer seu José ter uma síncope.
— Não, morar junto eu agradeço.
— E quanto a casar? — Nossas bocas estavam quase coladas
novamente.
— É sim, minha resposta é sim! E, se não fosse tão inusitado,
com toda certeza não seria você. Adora os pedidos excêntricos.
Ele ergueu a sobrancelha, antes de me beijar, e deu um sorriso
debochado. O que ele sempre fazia antes de falar alguma besteira.
— Ah, meu amor, você gostou muito do pedido de namoro,
isso eu posso garantir. Se quiser, relembro agora cada gemido seu.
— Lui... — eu ficava mortificada a cada vez que ele tratava
nossa vida sexual com tanta naturalidade. Eu amava fazer, claro, mas
falar era outra coisa.
— E posso também repetir o de casamento em nossa cama.
Nossa cama, Olívia. Ouviu? Não vou dormir mais sozinho.
Meneei a cabeça e rir Fazer o quê? Meu namorado, ops,
noivo, era mesmo terrível. Endireitei o corpo e me soltei um pouco
dele, havia algo importante para perguntar.
— Vamos construir uma vida juntos, uma família... É isso
mesmo que você quer?
— Você já é minha vida... Só vamos oficializar.
Meu coração quase saiu pela boca, ainda bem que ele estava
saudável, pois a cada instante passava por uma emoção diferente.
— Eu te amo e muito!

∞∞∞

Lui Henrique

Puxei Olívia para o meu peito, seu corpo pequeno aconchegou-se


perfeitamente ao meu, ainda que fosse uma cama de hospital.
Eu estava em paz novamente, com ela ali ao meu lado e
dando-me a doce ilusão que poderia protegê-la do mundo. Os
momentos de terror que passei ao saber que ela estava nas mãos de
bandidos, dificilmente, sairiam da minha mente.
Pela primeira vez, em anos, repensei minha profissão. Seria
uma tarefa difícil perdoar-me pelo que ocorreu a ela. Subestimei o
perigo. Por que não coloquei um guarda-costas em seu encalço?
Esse seria o nosso próximo assunto, ainda precisava pedir perdão
por ter sido relapso e informar que não daria para ela sair sozinha, ao
menos por um tempo. Na verdade, seria o segundo, pois, antes, eu
precisava tirar uma história a limpo. E, se aconteceu o que imaginei,
Armando pagaria bem caro, muito mais do que sua dívida pelo
sequestro dela.
— Amor, senti que seu rosto está um pouco inchado, logo
aqui. O que aconteceu? — Perguntei com toda calma do universo,
sem alarmá-la. Além de inchado, a pele estava avermelhada.
Seu corpo retesou e precisei segurá-la mais forte, meu
braço estava ao seu redor. Esperei por sua resposta, mas nada
disse.
— Amor? — Insistir e toquei levemente em seu queixo,
erguendo seu rosto em minha direção.
— Eu não lembro bem o que aconteceu — respondeu, a voz
já embargada e não conseguia olhar em meus olhos. Minha intenção
não era fazê-la reviver momentos ruins, mas precisava saber o que
cobrar do filho da puta que a colocou naquela situação. E me redimir,
pois a culpa batia forte dentro de mim.
— Lembra, você sabe que lembra. Conte-me, por favor. —
Falei sério, mas aconchegando-a ainda mais junto de mim.
— Lui... — suplicou. Beijei o topo da sua cabeça, mas não
me dei por vencido.
— Estou esperando.
— Eles me bateram — contou, contrariada. Mas não foi
apenas isso, óbvio que não. Não iam bater nela por nada, apenas por
sadismo.
— E como foi isso? Alguma outra parte do seu corpo está
machucada?
— Os braços e as costas estão um pouco doloridos. — Um
ódio descomunal já me dominava.
— Por que te bateram? Você tentou se soltar? Ou fugir?
Olívia não respondeu de imediato. Antes, levantou o olhar
para mim, observou-me, longamente, e depois deitou a cabeça
novamente em meu peito.
— Eles queriam me violentar, Lui. E eu resisti. Gritei, chutei,
haviam soltado meus braços e eu lutei para que não fizessem nada.
Meu coração, praticamente, parou naquele instante. Eu já
imaginava o que havia acontecido, desde o grito que ela deu quando
ainda estávamos do lado de fora do galpão. Mas ouvi-la contar era
doloroso. Olívia não tinha que ter passado por nada disso.
Capítulo 41
Luiz Henrique

— Penso que poderia ter sido útil deixar pelo menos um deles vivo
— Paulo estava sentado na poltrona ao lado da cama, no sofá,
estava Davi, meu pai e meu irmão. Minha mãe e Maria Clara haviam
ido com Olívia até seu quarto, pois avisaram que ela receberia alta.

Foram me visitar, contei como foi no local do sequestro e, se


fosse em outra situação, até poderíamos falar que tivemos sucesso.
Bandidos abatidos, a vítima foi resgatada e o mandante capturado.
Não perdemos nenhum policial.

Mas, para mim, não havia o que comemorar.


— Penso que seria incrível se eles ressuscitassem, só para
que eu pudesse matá-los mais uma vez. — respondi, o ódio voltando,
por lembrar do que ela passou.

— Que grande merda, Lui. — Todos ficaram sérios,


consternados, não haveria nada pior do que sequestro em si, senão
uma mulher ser agredida em sua intimidade. Foi o que fizeram.
Invadiram-na, constrangeram-na, machucaram-na. Porcos malditos. A
morte foi muito pouco para eles.

— Sim, os desgraçados a violentaram, tocaram nela à força,


se esfregaram, e só não foram até o fim porque chegamos. — meu
peito doía, desde o instante que ela me relatou o que passou no
cativeiro, nas mãos daqueles malditos. Eu me consumia de raiva e
culpa. — Bateram nela porque tentou impedir que a beijassem e
tocassem seus seios. Vocês conseguem fazer ideia do que
aconteceu? Para mim, é como se fosse um pesadelo e eu pudesse
acordar a qualquer momento, não consigo conceber que ela passou
por tudo isso.

— Prendemos Armando, está na carceragem da


superintendência, vou ouvi-lo ainda hoje. — Paulo anunciou, eu sabia
exatamente o que ele sugeria. Se fosse preciso, iria caçá-lo no
inferno e alguém pagaria pelo que fizeram com Olívia.

— Alguém mais? — perguntei, fingindo não ter entendido.


Não queria explanar meus planos na frente do meu pai. Mais do que
nunca, não conseguia compreender uma parte do seu trabalho. De
soslaio, vi o olhar que ele trocou com meu irmão, os dois estavam
mais sérios que os demais.

— Neste ponto, tivemos sucesso. Da laia deles, ou morreu


ou foi preso. Não sei o que realmente eles acham melhor. Armando
parece ter diminuído alguns centímetros, perdeu a marra, tá com
aquela cara de assustado. — ele contou para mim, mas, por um
breve momento, correu o olhar para todos. — Uma pena você não
estar lá para assistir.
— Estarei. — Disse firme e ele voltou a atenção para mim.
— Tenho certeza de que você vai precisar dividir esse depoimento em
pelo menos duas oitivas. E não vai ter médico que me segure aqui por
mais tempo. Fico no máximo até amanhã.

— Acho que posso fazer isso.

Meu pai ficou de pé, olhou-me firme, um longo olhar. Estava


sério, mas não distante ou frio. Eu sentia a sua presença, e, até
mesmo, uma dor em seus olhos.

— Paulo, esse assunto é comigo, preciso que me dê


cobertura. — catou o celular que estava sobre o sofá e encarou meu
amigo.

Naquele instante, falávamos com o Paulo amigo que


frequentava minha casa e meu pai assistiu virar homem. Mais do que
isso, o homem que, tornou-se delegado e ficava contrariado quando
meu pai conseguia soltar os bandidos que prendíamos.

— Ah, doutor Brandão. — Paulo revirou os olhos, sabia que


era uma guerra perdida. Mas reclamou apenas para ninguém dizer
que ele não lutou.

— Vamos, garoto. Seu prisioneiro ainda estará vivo no fim


do dia. — A voz grossa e firme não dava espaço para qualquer
recusa. — João, você vem comigo.

— Pai... Eu resolvo. — disse, por fim. Era a minha


responsabilidade. Mas fui ignorado. Ele nem cogitou discutir comigo,
não houve tal espaço. Doutor Brandão apenas ia lá fazer o que
achava ser necessário.

Talvez essa “guerra” fosse mesmo dele.

— Volto mais tarde, Luiz Henrique. Sua namorada vai insistir,


mas irei passar a noite com você.
Trocamos mais um olhar e ele saiu.

— Eu até poderia sentir pena do tal Armando. — Paulo


debochou.

— E, neste momento, talvez ele preferisse a minha visita.

∞∞∞

Olívia

Noiva! Eu estava noiva!


Quando foi que a minha vida se tornou tão emocionante?
Desde que conheci Lui, sentia-me em uma montanha-russa de
emoções. Só ele mesmo seria maluco o suficiente para me pedir em
casamento em cima de uma cama de hospital, menos de vinte e
quatro horas depois do meu sequestro.

Mas nada fazia tanto sentido quanto ter dito sim.

Parei um pouco encostado na porta de vidro, o sol estava


intenso na varanda do quarto e suspirei.

Ainda sentia meu corpo dolorido. Sentia ainda mais, minha


alma esmagada. Eles não tinham direito de me forçar. Doía. Não
foram até o fim, mas me marcaram.

Apenas quando estive nos braços do meu noivo, foi que tive
a sensação da minha vida estar voltando para o lugar certo. Até
aquele momento, não conseguia sequer tocar em mim mesma sem
que o asco me deixasse.
Nos braços dele me sentia segura.

Doeu assistir seu pedido de perdão desesperado e,


conhecendo-o, sabia que ainda iria se martirizar por muito tempo.

Nós dois teríamos que aprender a virar a página, não havia


outra opção para conseguirmos seguir em frente. Do contrário,
aqueles bandidos estariam vencendo.

— Eu sinto tanto... — Maria Clara aproximou-se e me


abraçou. As horas que passamos juntas, desde que acordei,
aproximaram-nos. Em lágrimas, contei a ela e à minha sogra sobre o
que aconteceu no galpão. Não pretendia contar, mas minha sogra era
esperta demais, acostumada a lidar com gente ruim, e soube tirar
rapidinho de mim os detalhes.

— Agora está tudo bem. — garanti. Estava, era isso. Lui


disse que eu ia precisar de um segurança, por algum tempo. Detestei
a ideia. Mas detestei ainda mais ter sido sequestrada. Então, apenas
aceitei.

— É, está.

— Quantas horas?

— Não passou nem dez minutos — ela respondeu com um


sorriso e eu soltei um suspiro. Estava ansiosa, pois meus pais
estavam a caminho de São Paulo.

Viram a notícia na TV, foi uma confusão danada, pois não


conseguiam falar comigo, eu estava sem celular. Apenas sabiam que
a filha havia sido sequestrada e libertada no mesmo dia, mas
nenhuma outra notícia do meu estado.

Quando acordei, pedi emprestado o telefone da Maria Clara


e liguei para eles. O clima era péssimo, choramos, lamentamos e eles
já estavam saindo para cá.
Não tive tempo de fazer qualquer comentário, sobre
perguntar as horas a cada minuto, pois a porta do quarto foi aberta,
até assustando Lêda, que resolvia alguma coisa no celular.

— Filha, oh meu Deus, você está bem? — Mamãe entrou


apressada e, assim que ouvi sua voz, corri para os seus braços.

— Mamãe. — seu olhar era de completo pânico, estava


pálida e o cabelo até um pouco desgrenhado. Meus olhos marejaram
só de ouvi-la e os dela também.

Acolheu-me em seus braços, choramos juntas, senti seu


calor, seu abrigo. Ela apertou e beijou o topo da minha cabeça.

— Oh meu amor, eu senti tanto medo. — disse com a voz


embargada, nós duas ainda abraçadas.

— Acabou, mamãe. Acabou. — ela me soltou um pouco,


vistoriou meu rosto e me olhou firme. Os olhos estavam úmidos, mas
as lágrimas não escorriam mais por seu rosto.

— Você não pode ficar sozinha nessa cidade, precisa voltar


com a gente. — senti uma dor em meu peito, em outro contexto, eu
concordaria com ela. Talvez, até voltasse para Taubaté por conta
própria. Mas não faria isso.

— Mamãe, calma. — pedi e suspirei. Ela me encarou, podia


apostar que passou toda a viagem repetindo para o meu pai que me
levaria para casa.

— Você foi sequestrada, Olívia. — O tom de voz aumentou,


o que não era do seu feitio. Significava que estava mesmo assustada.
E brava por eu não ter concordado de imediato. — Minha filha foi
sequestrada. Tem certeza de que está bem? Por que precisou
internar?
Era como se a sua ficha fosse caindo aos poucos e ela
enfrentasse uma confusão de sentimentos.

— Hey, calma. Deixe-me abraçar o papai. — segurei-a pelos


ombros e olhei ao redor. Ele não estava menos assustado, só
conseguia se conter mais. Minha sogra e cunhada nos observavam
abraçadas, as duas abatidas.

— Estamos preocupados, filha. — ele disse quando o


abracei. Era alto e forte, segurou-me firme, com a mesma segurança
que cuidou de mim enquanto estive embaixo das suas asas, e que
não diminuiu quando saí para voar.

Papai continuava sendo um porto seguro. Sempre calmo,


sereno e presente.

— Eu sei... Vou contar tudo. — Soltei-me dele e ganhei um


beijo na testa. — Mas, primeiro, venham cá. Lêda, mãe do Luiz
Henrique. E Maria Clara, irmã. — elas esticaram as mãos para serem
cumprimentadas, mas mamãe as recebeu com um sorriso, ainda que
triste, e abraçou as duas.

— Vocês estão com Olívia, desculpem meu descontrole.


Agradeço por cuidarem dela. — Lêda pegou suas mãos e trocaram
um olhar de identificação. Ali, eram duas mães. Ninguém seria capaz
de entendê-las, senão elas mesmas.

— Vocês estão juntos? — A pergunta feita pelo meu pai


causou um silêncio no quarto, todas voltaram a atenção a nós.

— Estamos, papai. É muito recente, íamos até Taubaté


contar pessoalmente sobre o namoro. — tentei explicar, mal sabia ele
que já estávamos noivos. Mas não daria a notícia longe do Lui.

— Vocês conhecem meu filho? — foi uma pergunta simples,


mas, assim como mamãe, peguei o que Lêda dizia nas entrelinhas.
Tinha o olhar quase que triste, ela queria ter sabido sobre nós dois
sem ser por um acaso.

— Ainda éramos só amigos, eu precisava ir a minha cidade


e tive um imprevisto. Fiquei doente. Lui se ofereceu para me levar.
Então, conheceu minha família. — expliquei.

— E falando dele, cadê seu namorado? — mamãe me


envolveu novamente em seus braços, mas mantendo-se ao meu lado.

— Está aqui no hospital, em outro quarto. — respondi e ela


assustou-se.

— Luiz Henrique também foi sequestrado? — foi papai quem


perguntou.

— Ah meu Deus, nas reportagens falaram que um policial foi


ferido. — logo, os dois entenderam e meu coração apertou
novamente, queria ele fora desse hospital.

— Ele foi lá me resgatar, mas tomou um tiro. — minha voz


embargou, mas eu sentia orgulho da coragem dele. Jamais sairia da
minha mente o seu rosto quando nos encontramos no banheiro do
galpão. Embora seguro do que fazia, estava apavorado querendo
saber como eu estava.

Mamãe trocou mais um olhar com Lêda e as duas soltaram


juntas um suspiro.

— Vamos deixar vocês conversarem, Olívia recebeu alta. —


minha sogra contou e aproximou-se, despedindo-se com um abraço e
com um beijo no rosto.

— Nós queremos ir até seu filho, precisamos vê-lo. —


mamãe falou para ela. Ótimo, não precisei me impor, pois eu já
estava pronta para ir para o quarto dele.
∞∞∞

Chanel não parava de soltar curtos gemidinhos em meu colo,


assustada. Ás vezes, levantava a cabecinha para me lamber um
pouco e logo se encolhia novamente.

Afonso estava sentado em uma poltrona da minha sala,


igualmente assustado, conversava com meu pai, enquanto mamãe foi
até a cozinha passar um café.

— Muito obrigada, senti tanto medo por ela, aqui, sozinha e


com fome. Ainda bem que temos você, sempre atento e cuidadoso.

Deixei-o, totalmente, sem graça com o agradecimento e o


elogio. Mas ele merecia muito mais. Os sequestradores não foram
cuidadosos, vizinhos de outro prédio viram a ação e chamaram a
polícia. Meus amigos também avisaram na portaria. Assim, como
ninguém tinha a chave, Afonso, ao saber do ocorrido, chamou um
profissional e abriu a porta. Foi assim que ele resgatou minha bebê.

— Não tem nada que agradecer, senhorita Olívia. Mas ela


queria era você.

Fiz outro carinho em Chanel, dificilmente ia desgrudar de


mim. A grande questão foi o susto de outra pessoa ter vindo pegá-la
dentro de casa.

— Uma pequena geniosa!

Conversamos mais um pouco e ele pediu licença, indo


embora. Mamãe foi para os quartos, disse que precisava abrir as
janelas e, meu pai e eu, permanecemos em silêncio na sala.

— Filha, o que você quer que eu coloque na mala?


Ela perguntou do quarto e veio do corredor, parando próxima
ao sofá e aguardando minha resposta.

— Mala?

— Seu pai não gosta de pegar estrada à noite, achamos


melhor sair depois do almoço. — explicou calmamente. Será que não
entendia? Eu não ia para Taubaté, Lui ainda estava no hospital, queria
ficar perto dele e acompanhar sua recuperação.

— Eu vou ficar, mamãe. — respondi, insegura. É claro que


era uma decisão minha e ninguém poderia me obrigar. Mas também
não queria chatear meus pais.

— Não vai fazer isso com a gente, Olívia. Não tem filhos,
não sabe como ainda estamos preocupados com você. — estava
feito, consegui deixá-la brava. Mais uma vez, em um único dia, pude
vê-la perder as estribeiras e falar alto.

— Mamãe... — pedi, cansada, triste, mas determinada a


ficar. Papai saiu do sofá, demorando quase uma vida para alcançá-la,
tamanha a sua serenidade, e passou um braço por seus ombros.

— Nós vamos ficar aqui com você, filha. Pode acalmar seu
coração. Mas agora vá se deitar um pouco, precisa descansar. Sua
mãe e eu estaremos aqui e chamaremos você para o almoço.

Ele beijou o rosto dela e me chamou para um abraço.


Capítulo 42
Olívia

Acordei cedo, não passava das sete da manhã quando saí da cama.
Na verdade, quase não dormi. Foram no máximo alguns cochilos e
nos intervalos em que Lui parava de responder as minhas mensagens.
Significava que ele também havia adormecido.

Sei que deveria tê-lo deixado descansar, mas não resisti ao


desejo de falar com ele. Saber como estava; narrar cada segundo
que estávamos longe do outro; falar coisas banais; os dois seguindo
um acordo mudo e mútuo que não iríamos comentar sobre o
sequestro e seus desdobramentos.
Tomei um longo banho, pois, na noite anterior, quando cheguei
em casa acompanhada dos meus pais, ainda estava entorpecida
demais, até deitar em minha cama e tentar relaxar, agi
automaticamente.

Vesti uma calça jeans e um tricô rosinha, que meu noivo, ah


estava adorando referir-me a ele desta forma, dizia amar quando eu
usava.

Saí do quarto arrumada, recebi olhares calorosos e, ao


mesmo tempo, reprovadores dos meus pais. Os dois de pé,
conversando ao redor do balcão em minha cozinha. A mesa da sala
de jantar estava, caprichosamente, arrumada. Será que dormiram?
Os bolinhos com muito açúcar e biscoitos caseiros só podiam ter sido
comprados naquela manhã. E, realmente, era bem cedo.

— Bom dia, meu amor — mamãe foi a primeira a me receber,


beijou meu rosto e só me deixou cumprimentar papai depois de um
longo abraço.

— Dormiu bem? — ele perguntou comigo agarrada em seus


braços.

— Uhum...

— Ainda bem que essa cidade não te tornou uma boa


mentirosa. — ele riu e me soltou e dei de ombros.

— Já tomaram café?

— Apenas café puro, te esperamos. — respondeu e mamãe


foi até a mesa e pegou uma xícara.

— Senta lá filha, vou preparar o seu cappuccino.

Poderia negar e eu mesma preparar a bebida, mas ela se


sentiria ofendida. Por mais que tentasse disfarçar, estava assustada
e, quando ficava assim, sua reação era dedicar-se ainda mais à
família. Como se fôssemos o seu porto seguro.

Conversamos apenas amenidades e me mostraram fotos do


Neto e da Vivian grávida, embora sua barriga ainda nem estivesse
evidente, eles também estavam evitando o assunto do sequestro.

— Estou indo ao hospital, ficam bem? — Enrolei o café da


manhã, não conseguia pensar em nada que não fosse Lui naquele
quarto em cima de uma cama. Talvez me acalmasse um pouco
quando pudesse checá-lo com os meus olhos.

— Não vai adiantar pedir que fique em casa e descanse mais?


— Mamãe tinha os olhos suplicantes, estava na cozinha colocando a
louça do café dentro da máquina de lavar e papai retirava a mesa.
Eram sempre assim, unidos, e, normalmente, faziam as atividades de
casa juntos.

— Não! — parei próximo a eles e respondi rindo. Não os


enfrentava, longe disso, e eles sabiam. Mas estavam preocupados,
era evidente.

— Vem almoçar aqui? — Ela insistiu e eu suspirei.

— Mamãe…

Sabia que estava sendo difícil para ela, claro que quis saber
detalhes do sequestro e não consegui esconder que havia sido uma
armadilha relacionada ao trabalho do Lui.

E era exatamente o que ela e papai desconfiavam que havia


acontecido.

Senti que estavam um pouco distantes quando fomos até o


quarto dele no hospital. Meus pais foram gentis, agradeceram por ele
ter me encontrado, mas eu os conhecia bem demais para saber que
algo não ia tão bem. E, ainda, nem havíamos conversado.
— Vou te levar e depois almoçar com a minha esposa. Aqui,
ninguém poderá nos interromper, nem o meu bebê preferido. Irei te
buscar quando quiser vir embora. — Papai, mais uma vez me salvou,
guardou no armário um pote pequeno e de cerâmica, onde ela havia
guardado biscoitos de nozes, e me empurrou para fora da cozinha.

— Eu amo vocês...

— Talvez exista algum protocolo por aí sobre não falar a


respeito das tragédias ou situações difíceis, mas eu não consigo
apenas fingir que não aconteceu — mamãe andou apressada até mim
e me apertou forte dentro do seu abraço.

Segurei firme as lágrimas, meus olhos ardiam. Eram um


bálsamo para mim, meu ponto de equilíbrio. Quantas vezes corri pra
Taubaté, pois precisava ouvi-los, ver a forma simples que viviam,
sentir o amor deles e o riso solto sempre tão presente.

— Eu sei. Estou bem, juro. — aconcheguei-me em seus


braços, nenhuma das duas sabendo como ou querendo se soltar.

— Está, mas meu peito dói só de imaginar o que passou —


sua voz embargou e foi demais para mim, as lágrimas desceram sem
rumo.

— Não quero que fique pensando nisso. — suspirei fundo,


lutando para me recompor. — Preciso vê-lo, estou angustiada, e ele
já acordou, perguntando se eu iria até lá.

Meus pais trocaram um olhar e me sorriram.

— Está tão apaixonada — o sorriso do papai morreu e eu


segurei o riso, ele fingia bravamente que não, mas tinha ciúmes de
mim.

— Vamos, Oli? — chamou-me, já próximo à porta, e, mamãe


que nunca teve muita piedade dele e do seu ciúme, riu da sua cara.
— Vamos papai, estou pronta! — beijei seu rosto e descemos
para a garagem. Ironicamente, parou o carro na vaga do Lui. O dele
havia ficado na delegacia e seu irmão levou para a casa da família.

Ah, que saudades dele. Das nossas histórias. Do nosso dia a


dia.

Sentia como se tivéssemos há muito tempo longe do outro.

∞∞∞

Peguei o elevador e subi para o andar do seu quarto. Sentia as


pernas meio trêmulas e as mãos quase úmidas. Sempre me sentia
ansiosa quando entrava em hospitais. Além disso, ia encontrá-lo.

Eu estava mesmo apaixonada. Uma boba apaixonada.

Segui o enorme corredor do Einstein e cheio de portas, passei


pelo posto de enfermagem, acenei para os dois enfermeiros que me
atenderam no dia anterior e fui em frente.

Reduzi os passos quando me aproximava do seu apartamento,


de repente, tímida e pensando que seria bom se Maria Clara
estivesse lá também, pois já imaginava que não estaria sozinho.

Recuei, timidamente, diante da porta, e criava coragem para


bater. Mas foi além da timidez. Ouvi vozes, especificamente um
timbre firme e sensual. E, na sequência, a dele:

— Foi um descuido que poderia ter me custado muito,


desviei a atenção, o que, você sabe, não é aceitável nestes
momentos. E agora estou aqui, claro que poderia ter sido pior, ele
mirou a minha cabeça, mas não era para ter me acertado de forma
alguma.

Foi como um soco no estômago.


“Aguenta firme” foi o que ele me pediu, quando pausou,
apenas por um pequeno instante, a nossa caminhada em direção à
saída do galpão e tentou me acalmar.

Foi neste exato momento, de curto descuido e desvio de


atenção, que o bandido conseguiu alvejá-lo.

— Você sabe que eu precisava ir para a outra operação,


certo? Mas não deixei de pedir ao Paulo que me deixasse ir com
você.

Meu coração perdeu uma batida. E o primeiro impulso que tive


foi girar nos calcanhares e sumir dali. Mas respirei. Não tão fácil. Que
fosse apenas para saber quem era a policial solícita. Se estava
envolvida em operações da mesma delegacia que ele trabalhava,
também devia ser policial.

No entanto, eu podia até ser bem tímida, às vezes, quase


paralisava. Mas covardia nunca foi um atributo meu.

∞∞∞

Luiz Henrique

Gostaria de poder ir pessoalmente buscar Olívia. Sentia falta


de absolutamente tudo relacionado a ela. Mas, em especial, do seu
sorriso e da forma como seus olhos brilhavam juntos; do cheiro que
era tão dela e me inebriava; das suas mãos em mim, sempre estava
me tocando e como eu gostava do calor da sua pele. Precisava da
minha noiva. Noiva. Iríamos nos casar.

E parecia a coisa mais certa que fiz nos últimos anos.

A segunda mais certa foi ter lutado por uma profissão e


independência financeira. Agora era um homem de família, teria
responsabilidades e, a principal delas, depois de fazer minha mulher
feliz, era dar tranquilidade para que ela focasse em correr atrás dos
seus sonhos.

Anderson, o enfermeiro que estava de plantão pela manhã, foi


até o quarto e me ajudou com o banho. Seu auxílio não passou da
prontidão ao lado da porta do banheiro. Ainda sentia dor, a carne
dormente, às vezes, parecia estar sendo rasgada. Mas era apenas o
processo de cicatrização. Que poderia ser um pouco longo, segundo
disse o médico.

Ela já estava acordada, despertei de um cochilo e havia uma


mensagem sua, dando-me bom dia.

Minha linda mulher, tão cuidadosa, sei que não dormiu, deve
ter pregado os olhos apenas quando o fiz. E me fez amá-la ainda
mais. Sempre mais.

Vesti uma calça leve e camiseta, voltei para a cama, pedi ao


enfermeiro que deixasse a porta da varanda aberta. O sol entrando
no quarto, trazendo luz e frescor, aliviava um pouco o clima mórbido
de hospital.

Ele avisou que o café já seria servido. Eu já me sentia mais


disposto e torcia para ser o último dia. Faria o meu melhor na ronda
do médico responsável pela alta.

— Que bom, já acordou! — meu pai havia saído cedo para a


lanchonete, mandou-me uma mensagem dizendo que precisava
resolver alguns assuntos de trabalho e não quis me acordar. — Como
se sente?

— Estou bem...

— Bom, isso é bom. — ele sentou na poltrona ao lado da


cama, fazia-me companhia, mas tinha o olhar longe desde quando
voltou ao hospital para passar a noite comigo ontem.
— Quer me contar algo? — indaguei, analisando-o.

— Ainda vamos conversar, mas não será aqui. Logo estará em


casa. Vai fazer a gentileza de ficar conosco por alguns dias e deixar
sua mãe cuidar de você. É importante para ela. Sua namorada é
bem-vinda. Gostamos dela e queremos conhecê-la melhor.

Já fazia alguns anos que não recebia tantas ordens vinda dele,
ainda mais ordens que pretendia seguir. Poderia passar alguns dias
na casa dos meus pais, não seria nada demais.

— Noiva. — e cuidei de deixar claro o papel de Olívia em


minha vida.

— Como? — ele não disfarçou o baque com a minha


informação.

— Fiz o pedido e ela aceitou. Agora, falta o anel.

— Tão rápido. — recostou-se na poltrona e me deu um logo


olhar, era sua vez de me analisar. Mantive firme a minha postura,
sabia bem o que queria da vida e o que ofereceria a Olívia.

— E tão certo. É ela, nem preciso pensar muito.

— Neste caso, posso ajudar com o anel. — Seu olhar não era
de repreensão, ele me pareceu até bem satisfeito.

— Posso pagar, pai.

— Claro que pode, desde moleque aprendeu a correr atrás


das suas coisas, sempre soube que teria que fazer a própria fortuna.
E é um homem firme, dinheiro não é o mais importante, mas traz
alguma facilidade e tranquilidade. Você está muito bem.

— É agora que coloca o “mas” e fala que eu poderia estar no


escritório e triplicando a fortuna dos Brandão? — ele deu um sorriso
seco em resposta a minha provocação.
— Não, não vou falar nada.

— Mas vai pagar um anel para presentear sua nora.

— Na verdade, não ia pagar. Seria algo como pedir a uma


vendedora de confiança que fosse até você.

— Vai pagar. — nós dois rimos, lembrando das várias vezes


que me provocou, dizendo que pagaria qualquer valor para que eu
arrumasse uma esposa e desse um pouco de sossego e eles. Isso
quando era mais novo e aprontava um bocado.

— Vou, claro que vou! Será um prazer, Lui.

Mais um longo olhar. Fazia tempo que não tínhamos uma boa
conversa de pai para filho. Os dois perdidos em uma rotina puxada,
com muitos afazeres e querendo provar que as escolhas que fizeram
eram melhores que a do outro.

— Sempre soube que era a minha mãe? — encarou-me


surpreso com a pergunta que fiz, coçou o queixo e depois prendeu
seu olhar no meu.

— Desde o dia em que a vi, demorou um pouco para que ela


aceitasse sair do posto de amiga para o de namorada. Tive um puta
medo de me tornar o responsável pela nossa casa, assumir uma
família. Mas, dúvida, não. Nunca tive.

— É isso. Sinto o mesmo.

— Saiu de casa há alguns anos, está acostumado a sustentar


uma casa.

— Vai além disso. Gostaria que ela nunca passasse por


qualquer preocupação, de poder cuidar o tempo todo, absorver
qualquer problema, sabe?
— E eu gostaria de dizer que não precisa fazer nada disso.
Mas é o que espero que faça em seu papel de marido. Tem que ser o
porto seguro dela. Mesmo que ela demonstre não precisar. Sua mãe
é toda independente, emocionalmente e nas finanças, tem os próprios
sonhos, uma carreira de respeito e, como você gosta de dizer, lida
com todo tipo de bandido. Mas, ainda assim, sou a sua segurança, é
no meu peito que ela dorme, é em meu ombro que conta sobre o seu
dia e talvez não exista outra pessoa no mundo que conheça as suas
inseguranças se não eu. Não é uma opção, filho. Se quer casar, seja
responsável com a sua família. Seja o porto seguro e ponto.

— Sempre te vi assim. Uma rocha. — confessei e o deixei um


pouco sem graça. Definitivamente, não era o tipo de conversa que
estávamos acostumados a ter.

— Morro de medo mais vezes do que gostaria. Mas vocês


sempre vieram primeiro, muito antes de qualquer receio meu.

— Obrigado, pai.

Havia muita coisa sendo dita dentro daquele “obrigado” e ele


sabia. Foram os anos a fio que cuidou da gente, da nossa família.
Imagino o quanto precisou se desdobrar para dar conta de todas as
demandas do trabalho e de casa, mas, do seu jeito, ele conseguiu.

Uma batida na porta e meu coração bateu acelerado no peito.


Aprumei o corpo e meu pai riu da minha falta de dignidade ou, cara de
apaixonado. Eu completamente focado nela, tinha que ser ela, minha
Olívia.
Capítulo 43
Luiz Henrique

A turma da delegacia adentrou o quarto, liderada por Paulo e todos


fardados. Talvez, só assim mesmo para não serem impedidos de
entrarem em bando no quarto de um convalescido. Seguindo meu
amigo estava Pamela, Dani, Davi, Lauro e Motta.

— Bom dia, paciente vip — ele foi o primeiro a me


cumprimentar e sentou-se ao lado do meu pai, que havia ido da
poltrona para o sofá.

Bobagem não ter acreditado, em sua palavra, quando disse


que viria todos os dias até minha alta. Ou achar que os demais não o
acompanhariam.

— Lui, que susto. Como está? — Dani beijou meu rosto, assim
como Pamela e logo estavam todos acomodados.

— Caras, vocês foram demais. Muito obrigado pela moral que


me deram... — agradeci Lauro e Motta. Os dois desconversaram,
visivelmente, detestando a atenção que receberam quando vários
pares de olhos viraram em sua direção.

— Deixa disso, somos uma família. — Motta respondeu por


ambos.

— Somos, e, se não sabiam, vou deixar bem claro. Podem


sempre contar comigo.

— Como ela está? — Lauro mudou o assunto e ganhou um


genuíno sorriso meu. Por ela, sempre por ela.

— Bem, teve alta ontem, foi para casa tentar descansar.

— Mas não fez nada além do que ficar o tempo todo no


telefone com ele. — meu pai complementou e dei de ombros.

Passamos mais de meia hora entre relatos e risadas, éramos


policiais, restava-nos rir da desgraça acontecida.

Senti que Paulo queria conversar com meu pai e que não o
faria na minha frente. Não tardou e os dois deram um jeito de sair do
quarto e, minutos depois, Lauro e Motta disseram que precisavam
comer alguma coisa. Estavam todos, visivelmente, esgotados dos
plantões. A operação dos bordéis rendia na mídia e a prisão de
Armando Muller mexeu com as estruturas da alta sociedade
paulistana, não se falava em outra coisa. Dani avisou que os
acompanharia até a lanchonete e Pamela permaneceu imóvel, onde
estava desde quando chegou, incomodamente ao meu lado na cama.

— Eu fico fazendo companhia ao Lui — garantiu aos colegas.


— Pode ficar à vontade, Pamela. Aqui é um entre e sai de
enfermeiros.

— Sem essa, Lui. E eu não mordo. — provocou e não


respondi.

Ficamos sozinhos e enfrentamos um minuto interminável de


constrangimento. Ela, ao que parece, nem se deu conta da
inconveniência. Pois, logo estava puxando assunto.

Falou da operação e como foi uma pena eu não ter ido com
eles, pois era um dos mais preparados. Não gostei do tom, da
insinuação. E, menos ainda, de me julgar como idiota.

— Minha namorada foi sequestrada por minha culpa —


lembrei-a, meu tom era seco, a paciência, que nunca foi meu forte, já
estava por um fio.

— Se fôssemos mais espertos, só nos envolveríamos com


gente do nosso meio e essas eventualidades seriam evitadas.
Bandido sabe com quem mexe, jamais se meteriam a besta com uma
mulher armada e pronta para estourar os miolos deles.

Ela se esforçava para ser despretensiosa, como se fosse


apenas um comentário corriqueiro entre dois policiais. Era o que disse
sobre me achar idiota. As duas coisas irritaram-me profundamente. E,
ao mesmo tempo, deixou-me sem reação. Eu poderia respondê-la de
tantos modos, principalmente com o meu jeito ácido, que, inclusive, às
vezes fazia Olívia, minha doce Olívia, repreender-me.

— Se fôssemos espertos, manteríamos a segurança de quem


mais importa em nossas vidas.

— Não pode pegar essa culpa. — Aproximou-se ainda mais da


cama, vi quando sua mão vinha em minha direção, provavelmente
para tocar a minha. Fui mais rápido e me ocupei catando meu celular,
que estava ao meu lado na cama.
— Não só posso, como devo. Mas, para a minha sorte, ela
sequer pode ouvir minha autoacusação. — levantei o olhar para ela,
mantendo as duas mãos bem ocupadas.

— Melhor assim, é o seu trabalho. — Assenti. — Mas me


conta, como foi isso de levar um tiro?

Suspirei e tentei ser mais educado. Não a correspondia, tinha


muita convicção do que sentia por Olívia e do compromisso que firmei
com ela. Não seria uma conversa a mudar isso. Mas eu também não
gostava de ser grosseiro, menos ainda com uma mulher.

— Foi um descuido que poderia ter me custado muito,


desviei a atenção, o que, você sabe, não é aceitável nestes
momentos. E agora estou aqui, claro que poderia ter sido pior, ele
mirou a minha cabeça, mas não era para ter me acertado de forma
alguma.

Ela arregalou os olhos, talvez não esperasse que eu


confessasse ter errado. Pois, foi o que fiz, errei. No entanto, era a
minha mulher em perigo, e nada nos prepara para isso.

— Você sabe que eu precisava ir para a outra operação,


certo? Mas não deixei de pedir a Paulo que me deixasse ir com você.

Havia sinceridade em sua fala, Davi também insistiu para me


acompanhar.

Antes que eu pudesse responder, a porta foi aberta, ficamos


os dois em alerta, e, um segundo depois, eu sabia quem era.

O andar macio, meu cheiro preferido em todo o mundo, a


delicadeza para fechar a porta. Só podia ser uma pessoa.

Mais alguns segundos e ela surgiu em meu campo de visão.


Linda, doce, usando um tricô que eu achava incrível nela e com o
olhar... magoado.
Suspirei.

— Bom dia! — Disse primeiro para mim e estendeu o


cumprimento para Pamela.

— Bom dia, linda! Vem cá — por um pequeno instante ela


paralisou diante da cama, mas caminhou até o meu lado e deixou um
beijo leve em meus lábios. Levei uma mão até a sua nuca, não
deixando que se afastasse. — Senti sua falta. — tentou dar um
sorriso, apenas tentou, pois estava longe de ser o lindo sorriso de
Olívia. Eu estava encrencado, isso era óbvio, só precisava descobrir
exatamente por qual motivo.

— Eu também.

— Lembra da Pamela? Você a conheceu no clube. — sacudiu


levemente o corpo, tentando desvencilhar-se de mim e só pude soltá-
la.

— Claro. Como vai, Pamela? — Ainda era educada, amável,


mas o tom de voz, ah, podia enganar qualquer um que não fosse eu.
Olhei-a preocupado, pois sua atenção estava voltada para a mulher
que saiu do meu lado e se acomodou na poltrona ao lado da cama.

— Estou bem. Espero que também esteja, sinto muito por tudo
o que passou.

— É isso, passou. Mas obrigada.

Estiquei a mão em sua direção e, quando ela a pegou, puxei-a


para mais perto. Internamente, torcia para que a turma voltasse logo.
Voltasse, pegasse Pamela e todos dessem o fora do hospital.

— Então, quer dizer que meu sogro queria te levar para longe
de mim. — fiz um carinho em sua mão, passando o polegar sobre a
pele.
— Sua sogra, papai foi mais realista e decidiu que ficariam
alguns dias por aqui. — ela tentava, Olívia não nasceu para briguinhas
e ressentimentos. Era leve demais para isso.

— Só posso agradecê-lo, seria complicado pegar estrada logo


que saísse daqui. — Lançou-me um olhar surpreso. E levei sua mão
até meus lábios, beijando-a. — Você pensou que eu ficaria em São
Paulo e você em Taubaté? Não mesmo! — Seus olhos brilharam.

— Você está bem? — Repetiu o meu carinho, passando o


dedo sobre o dorso da minha mão, presa a dela.

— Bem melhor que ontem. E Chanel? Deve ter ficado


assustada, coitadinha.

— Ainda está. Um grude comigo. E, agora, sendo bem cuidada


pelos avós.

Nossos olhos não se desgrudavam, cada ação, cada emoção


ou reação, nós dois atentos a ela. E eu me dando conta o tempo todo
de que ela estava chateada, mas a conversa seria em particular.

— Se me dão licença, vou até a lanchonete. — Pamela disse


com o olhar fixo em mim. Depois, colocou-se de pé, pegou a bolsa
sobre o sofá e saiu do quarto.

— A turma da delegacia veio me visitar. Saíram agora a pouco


para lanchar. — expliquei e seu olhar era impassível, já havia perdido
um pouco da doçura de poucos minutos atrás.

— Ah sim...

— Estou te achando esquisita, linda. — Corri dois dedos pela


sua bochecha e não recebi o sorriso que sempre dava
correspondendo aos meus carinhos.

— Impressão sua. — Respondeu, sem gastar tempo


disfarçando a mentira.
— Em algum momento, a gente deve ter combinado sobre
sermos sinceros com o outro, principalmente em relação aos nossos
sentimentos. — continuei acariciando a sua bochecha, a outra mão
colada na dela. Poderíamos ter a DR que ela quisesse, mas seria
sem uma distância entre nós.

— Estou bem triste por te ver machucado. Mas não gosto de


ficar falando.

— Não precisa falar, eu vejo em seus olhos. — ela me


observava, mordia os lábios e crispava os olhos. — Assim como
também vejo que não é só isso.

Fez uma longa pausa, eu quase ouvia sua cabecinha


funcionando. Dei algum tempo para ela, espaço não, pois continuava
a segurando pela mão.

— Faltava tão pouco para a gente chegar à saída do galpão.


Eu sentia muito medo, um tanto de bandido caído no chão, nunca
tinha visto algo nem próximo daquela cena de terror. — Mais uma
pausa, tinha os olhos marejados e havia dor ali. Encarei-a, esperando
que terminasse. Um frio correu minha espinha, temendo o rumo que o
seu desabafo tomava. — Você parou um instante para falar comigo,
me acalmar...

— Para, por favor. — suspirei ruidoso. Não tinha nada que ter
mantido aquela conversa com Pamela. — Vem cá. E para de ficar
longe também. — Puxei-a para a cama, Olívia sentou-se com cuidado
ao meu lado, as pernas soltas para fora da cama. — Você chegou
quando eu estava conversando com Pamela, imagino que tenha
ouvido alguma parte. Escute bem o que vou te dizer... Descuidei-me
ao subestimá-los, como disse, já havíamos atravessado a maior parte
do galpão. Eu tinha certeza de que o cara estava morto. E meu erro
estava presente desde o início, ansioso demais para acabar com
tudo. E, ainda assim, eu moveria o mundo para te acalmar, Olívia.
Quero uma vida inteira ao seu lado e, se não for para te proteger,
cuidar de você, ser seu porto seguro, eu não teria te pedido em
casamento.

Uma lágrima escorreu pelo seu rosto, logo mais uma e, então,
minha noiva estava chorando.

— Eu sou uma boba. — Reclamou, enxugando as lágrimas,


que continuavam descendo e atrapalhando seu trabalho.

— Nunca. É linda, doce, o amor da minha vida. Boba, nunca.


— Enfiei uma mão entre seus cabelos e guiei seu rosto para o meu.
Beijei sua boca, seus lábios macios, acolhedores e depois subi
secando as lágrimas com beijos, até chegar em seus olhos.

— Não pode ficar falando essas coisas, entrei aqui bem brava
com você e sua amiga. — Ri do beicinho que formou em sua boca e o
beijei também.

Ajeitei-me na cama, erguendo um pouco o corpo.

— Quero te contar algo... — Olívia também mudou a postura,


encarando-me concentrada. — Pamela e eu temos um passado.

— Hum... — Sibilou, com uma sobrancelha erguida.

— Já ficamos algumas vezes, não somos amigos, mas


trabalhamos juntos. Antes de te pedir em namoro eu a avisei que
estava em um relacionamento. — Fiz uma pequena pausa, testando-
a, mas sua feição era impassível — Respeito você, Oli. Sobre hoje,
alguns colegas da delegacia vieram aqui, direto do plantão, ficaram
um tempo comigo e foram tomar café. Ela disse que me faria
companhia, mesmo eu tendo falado que não precisava. Não iria
expulsá-la. Nossa conversa girou em torno do trabalho. Jamais
manteria assuntos que pudessem te constranger ou sujar nosso
relacionamento. Confia em mim?
Ela recebeu minhas palavras aos poucos, bem lento, o olhar
frio foi mudando e quase chegando perto do seu olhar doce de
sempre.

— Sim. Não tenho dúvidas sobre o seu caráter...

— Mas, ainda assim, ficou incomodada. — Foi minha vez de


erguer a sobrancelha, ao menos, ela riu.

— Claro.

— Desculpa, amor. — Fiz mais carinho nela, passei o dedo


pela bochecha e depois beijei mais sua boca.

— Você não fez nada, sabe disso. — resmungou, com a boca


quase colada a minha.

— Mas é sábio desculpar-se — recebi uma gargalhada. E era


um dos meus sons preferidos no mundo todo.

— Safado!

— Muitas saudades de você! — Desci as mãos para a sua


cintura, apertando-a e recebi um olhar de estranhamento, com o
cenho franzido. — Do que não podemos fazer aqui.
Capítulo 44
Heitor Brandão

Caminhei a passos largos pelo corredor do hospital, João, meu


primogênito e fiel escudeiro, estava logo atrás de mim. Não precisei
trocar mais do que meia dúzia de palavras com ele, conhecia-me bem
demais e sabia o que eu pretendia fazer.

Chegamos ao meu carro, o motorista aguardava do lado de


fora e nos cumprimentou, quis saber do Luiz Henrique e seguiu para a
delegacia da Polícia Federal, onde meu filho trabalhava. E Armando
Muller estava detido.
Não poderia contar quantas vezes estive ali a trabalho, colheita
de depoimento, prisões ou solturas, analisar inquéritos ou apenas
arrumando uma desculpa ruim para ver meu filho trabalhando.

Lui era o melhor, bom policial, bom atirador, inteligente e


perspicaz, não passava da sua atenção um mísero detalhe quando
era ele a investigar.

Paulo, igualmente. Na roda dos advogados corria a conversa


que ninguém podia com ele, o destemido delegado federal.

Não era fácil conseguir a soltura de clientes presos através


das operações na delegacia deles, na verdade, era quase que uma
missão impossível. Eles não faziam ideia, mas muitos escritórios
cobravam mais pelo habeas corpus quando o auto de prisão era
lavrado por eles. O motivo era bem óbvio: sabiam cumprir a lei. Não
deixavam brechas. A colheita de depoimentos era sempre impecável.
Assim como o cumprimento dos mandados de busca e apreensão.

Por fim, o mérito das solturas em tempo recorde ficava muito


mais a cargo dos favores que os políticos e empresários podiam
cobrar das pessoas certas quando eram presos e pouco sobrava
para o talento dos advogados. Diferente do que acontecia em muitas
outras delegacias, em que policiais e, até delegados, agiam quase
como amadores.

O carro tomava as ruas movimentadas de São Paulo e eu


deixava meu olhar vagar pela janela. O dia não estava quente e o ar-
condicionado ligado na temperatura mínima, como o motorista
deixava quando Lêda não estava conosco, mas, ainda assim, sentia-
me quase sufocado, como se um calor subisse pela traqueia e
pudesse impedir minha respiração a qualquer instante.

João, ao meu lado, mexia no telefone, fingindo estar distraído,


mas muito ciente de cada movimento meu. Como sempre era. Atento,
também perspicaz e inteligente.
— Tem certeza do que vai fazer? — Não me encarou, ainda
com as mãos e olhos no telefone. Tinha que ter se envolvido logo com
uma delegada? Não mudava em nada em meu trabalho ou o da mãe
dele. Mas o afetaria. E eu não queria ver meu filho mal, mesmo que já
fosse um homem de trinta anos.

— Vou entrar sozinho. — ele soltou um suspiro, travou a tela e


somente então nossos olhos se encontraram.

— Pai.

— Isso, sou um pai. Pai de três filhos. E jamais permitirei que


um filho da puta mexa com vocês. Nunca permiti, João. Esse
problema é meu. — Podia sentir o ódio correndo em minhas veias,
misturado-se ao meu sangue. O mesmo sangue que compartilhava
com João Miguel, Luiz Henrique e Maria Clara. É provável que nunca
tenha falado com palavras. Mas eram e sempre seriam a minha maior
riqueza.

— Ele não é nosso cliente. Não tinha como controlá-lo. — João


insistiu, mas era inútil. Minha decisão estava tomada.

— Armando vai aprender uma lição, é o mínimo para a


sobrevivência, que ele já deveria saber. — Não poderia ter mexido
com a minha família.

— Entro com o senhor.

— Eu, realmente, preciso ir sozinho.

O carro estacionou dentro do pátio da delegacia, troquei um


longo olhar com João, que decidiu esperar-me do lado de fora e segui
em direção ao prédio.

Paulo preparou o terreno, não encontrei nenhum empecilho


para ficar frente a frente com o verme do Armando. Cumprimentei
alguns policiais, conhecia praticamente todos que trabalhavam ali, e
me encaminharam à sala de depoimento.

— Um instante, doutor Brandão. — O agente fechou a


persiana da sala e caminhou para a porta, havia informado que tinham
ido buscá-lo na carceragem.

— Agradeço muito a ajuda e a discrição. É importante. —


Coloquei-me de pé e cruzei os braços, ficando frente a frente com
ele.

— Seu filho é importante para nós. Mexeram com ele, com a


sua garota. Não se preocupe, o doutor nunca esteve aqui. —
Respondeu, firme.

Trocamos um olhar, naquele momento, eu não era o vilão que


soltava os bandidos, como eles falavam. Era apenas o pai do
companheiro de trabalho deles. E, inclusive, poderia ter sido qualquer
um deles no lugar do Lui, eu já havia entendido a associação que
faziam com o ocorrido.

Com as mãos no bolso da calça, andei pela sala, bem-


arrumada, não havia pilhas de papéis jogadas sobre a mesa principal
ou pastas esquecidas pelos móveis. Um armário de madeira limpo e
bem cuidado, expunha livros de direito e filosofia em suas prateleiras.
As portas fechadas a chave. O piso também estava limpo, tudo
exalava organização.

Puxei uma cadeira giratória e me acomodei. A qualquer


momento, Armando passaria pela porta. E não demorou dois minutos.
Assustou-se quando me viu, parou e tentou sair da sala. Revirei os
olhos e agradeci o agente. Não sei o que falaram com ele, mas, com
toda certeza do mundo, não mencionaram meu nome.

— Você não é meu advogado. — Disse contrariado e, rendido,


sentou-se em uma cadeira diante da mesa de madeira, nós dois,
encarando-nos.
— É, não sou. — Recostei no encosto e continuei a olhá-lo
firme. Ele desviava, covarde. Sozinho, era um grande bosta.

— Não temos nada para conversar.

— Mais uma vez, tem razão. — Olhou-me ansioso e confuso.


Retirei o telefone do bolso, desbloqueei a tela e dei um meio sorriso.
Detestei o que fazia, mas não era como se tivesse outra opção. —
Não será uma conversa. Um longo aviso, talvez. Mas não uma
conversa. Pegue. — Estiquei o celular para ele, que pegou relutante.

Sua feição tornou-se puro assombro, tentou falar por duas


vezes, mas gaguejou.

— Quando acabar, avise-me! — Pedi, fingindo estar


confortável. Não estava. Meu lado marido e pai sempre gritaria dentro
de mim quando precisasse ter alguma atitude reprovável. Mas, ali,
também gritava sobre quem eu deveria proteger.

— O que pensa que está fazendo? — questionou com a voz


trêmula, muito embora ele tenha tentado usar um tom mais alto,
achando que poderia impor algum respeito.

— Já foi mais inteligente, Armando.

— Eu não tive nada a ver com o que aconteceu. São uns


idiotas que tem problemas pessoais com seu filho. Eu não tive nada a
ver. — Desespero. O sentimento estava vivo nele.

— Mentiroso. Você e eu sabemos que meu filho é correto


demais para ter problema pessoal com bandido. Ele mata e prende
gente da sua laia, mas ter problemas com vocês, nunca. — Coloquei-
me de pé e apoiei as duas mãos sobre o tampo da mesa. Seu olhar
me seguia.

— O que acha que irá fazer com a minha filha?


— Acho que não assistiu os outros vídeos. — Entreguei,
novamente, o celular a ele, que havia me devolvido.

— O que você quer, Heitor? — Perguntou, afastando um pouco


do tremor, na voz e mãos, resgatando, com muito esforço, um pouco
de dignidade. Que, no caso, ele não tinha.

Aprumei o corpo e o avaliei, com calma, medindo cada palavra,


os braços cruzados na altura do peito.

— Vai ficar longe do Luiz Henrique e dos meus outros filhos.


Da Lêda eu nem preciso falar, pois você pode até ser burro, mas
ainda não é suicida. Longe, ouviu? E isso inclui qualquer pessoa que
faça parte do círculo pessoal deles. — Armando remexeu na cadeira,
incomodado, e ainda tinha a cara de pau em sustentar que não foi o
mandante do sequestro. Concordava com Lui, sua intenção era usar
Olívia como moeda de troca caso as mulheres dos bordéis fossem
resgatadas. Ele acreditou mesmo que era um bom plano? — Minha
nora não vai mudar de endereço, não vai andar com escolta como se
fosse uma criminosa e ninguém vai atrás dela. Desfaça, agora, todo e
qualquer plano que tenha contra eles. Você é sujo, eu desistir de ser
seu advogado anos atrás, justamente porque tenho os meus limites,
mas posso rebaixar-me ao seu nível e acabar com a sua raça.

— Minhas filhas, minha esposa, não tem nada a ver com isso.
São inocentes.

Praticamente berrou. Como eu já disse, não gostava da ideia


de ameaçá-las, até mesmo por conhecer as três, mas, ali, era a
minha família pela dele. Armando que cuidasse dos seus.

— De fato, elas não têm. Mas o fim justifica os meios. — Ele


franziu o cenho, encarando-me. — Maquiavel. O príncipe. — Sua
expressão ainda era de confusão, não fazia ideia do que eu falava. —
Não sabe nada disso, inteligência nunca foi seu forte. Nem irei entrar
no mérito que é um cafetão de merda e traficante de mulheres. Mil
vezes idiota. Mas, voltando às suas mulheres, não as que você
compra e vende, eu garanto que elas vão pagar por cada vez que
ousar pensar em minha família. Pronuncie o nome de qualquer
Brandão ou de quem importa para nós e começo a retaliação. —
Aproximei-me da mesa e, novamente, apoiei-me sobre o tampo. —
Ainda estou em dúvida se será Aline ou Bianca. Ah, Aline pareceu
gostar muito do rapaz, veja mais uma vez. — Ele negou-se a olhar
para a tela do telefone, onde um homem a mando meu, conversava
com sua filha na porta de uma padaria de luxo e precisei berrar,
fazendo-o quase pular da cadeira. — Veja, porra. Achei o olhar dela
um tanto empolgado. Está decidido, começo pela Aline.

Não dei chance para qualquer outra contestação, guardei o


telefone no bolso da calça e, depois de um último olhar, caminhei até
a porta da sala e a abri.

— O senhor Armando já pode ser levado de volta a


carceragem. — Avisei ao agente que estava de prontidão à porta.

— Certo, doutor Brandão. Tenha um bom dia! — Trocamos um


aceno e saí apressado da delegacia.

Quando a luz do dia me alcançou, parei um por um instante.


Por dentro, eu era um turbilhão. Não me arrependia do que fiz, mas
ainda não me sentia bem. Queria que minha mulher estivesse ali
comigo, ela me abraçaria e diria que está tudo bem. Lêda é corajosa,
forte e, acima de tudo, ferrenha defensora da família que formamos.
Mas ela não estava.

— Venha e tomaremos um café — João sabia onde me


encontrar, a cafeteria de sempre, em frente à delegacia.

Meu filho mais velho chegou poucos minutos depois. Pedimos


café coado e sem açúcar, idêntico ao que Lui também gostava. O
silêncio não era muito confortável, mas ele não insistiu em ter
qualquer conversa.
— Fiz o que precisava fazer — não sei se disse para ele ou
para mim mesmo.

— Não tenho dúvidas quanto a isso.

Se Luiz Henrique era justiceiro, ou como ele se definia, um


homem ávido com fome e sede de justiça, João era um exímio técnico
da lei e paciente. O que, com certeza, justificava as escolhas
profissionais deles.

Por muito tempo, pensei que Lui escolheu a Polícia Federal por
sempre ter sido mais contestador, afinal, seguiu uma profissão
diferente da tradição familiar, mesmo tendo cursado Direito. E que
João, por sua vez, seguiu-a para nos agradar. Dois erros de
julgamento, frutos de, talvez, ter passado horas demais longe de casa
e dentro do escritório. E não o repetiria com Maria Clara. Minha filha
caçula detestava advogar e, quando tivesse coragem de admitir, seria
livre para fazer o que quisesse. E para ser vigiada de perto também.

Eu tinha orgulho dos meus filhos, do que se tornaram e dos


seus feitos. Nunca lhes disse e teria que fazê-lo. O que eu também
nunca contei era sobre a segurança, sempre achei que mantê-los
embaixo das minhas asas era o caminho para que nada de ruim os
atingisse. Lêda e eu lidávamos com gente ruim, nunca fingimos que
não sabíamos.

E nunca tentaram nada contra a gente. Tínhamos a sensação


de que também poderíamos proteger os nossos três filhos.

— Acho que deveria expandir o nosso setor de Direito


Tributário — tomei o último gole do café e levantei o olhar para o ar
confuso dele.

— Como? — perguntou, com o cenho franzido.

— Montar um plano de ação para expansão do setor. Nada de


trabalhar apenas com alguns casos esporádicos, nosso escritório tem
condição e estrutura de angariar bons clientes. Está em suas mãos
cuidar disso.

— Não estou entendendo, pai.

— Nós dois sabemos que você não gosta da área criminal. É


um excelente advogado, nossos clientes já se sentem seguros com
você cuidando dos processos deles, mas prefere o tributário. Seus
olhos brilham por essa área estranha desde a primeira aula na
faculdade. Você tem carta branca, João.

Se ele fosse um moleque emotivo, teria chorado. Nós dos


teríamos, pois fiquei tocado com a alegria que vi em seus olhos.
Demorei, mas estava fazendo o certo.

A nova resolução em minha vida não era apenas cuidar e


proteger minha família, mas assegurar que estivessem felizes.

Lembro quando minha mulher e eu iniciamos na advocacia.

Em uma época em que as salas de aula do curso de Direito


eram dominadas pelo sexo masculino, aproximamo-nos, justamente,
porque me incomodava a forma como ela era ignorada pelos nossos
colegas. Primeiro, veio a amizade, depois o pedido ao meu pai que a
deixasse estagiar no escritório. Ele quase teve uma síncope quando
descobriu que era uma mulher. Mas, depois de muita insistência
minha, deixou que ela tentasse e, em pouco tempo, era a sua pupila
preferida, apelido que ainda a chamava.

Lêda se apaixonou pela advocacia e, ainda mais, pelo direito


penal. Eu também. Não mais do que me apaixonei por ela.

Éramos felizes e completos. E não poderia desejar algo


diferente para os nossos filhos.
Capítulo 45
Olívia

— Você está tão linda, minha filha! — Mamãe parou na entrada do


meu closet, já arrumada e com os olhos marejados. Ao seu lado,
estava Vivian.
— E a senhora, perfeita! — saí da frente do espelho, onde
finalizava a maquiagem e fui até ela, beijando seu rosto. — Você
também... Queria saber quem foi o gênio que desenhou esses
vestidos! — brinquei com a Vivian.
— Tão engraçadinha! — Ganhei um abraço da minha cunhada
e fiz um carinho em sua barriga, que já havia despontado. — Mas vou
te contar, a melhor estilista que já ouvi falar.
— Olívia Torres, por acaso? — Mamãe perguntou, com um
sorriso no rosto.
— Ela mesma, sogra!
— Estou muito feliz por vocês terem vindo. — soltei um suspiro
e troquei um longo olhar com elas.
Era noite de sábado, a convite dos pais do Lui íamos jantar na
casa deles. Era a ocasião para as famílias serem apresentadas
oficialmente.
Ele me assegurou que não seria um evento formal, apenas um
encontro familiar, mas resolvemos dar uma caprichada, afinal,
estávamos falando do clã Brandão.
Escolhi um vestido até a altura do joelho, em seda e na cor
verde água. Um dos modelos de minha autoria que eu mais gostava,
esse eu fiz pensando em mim, no que gostaria de usar. Bem feminino,
acinturado e com mangas longas, os punhos bordados com pedrarias.
Para os pés, escolhi uma sandália delicada.
Chegamos em dois carros na residência da família do meu
noivo, combinamos de informar durante o jantar que íamos nos casar.
Seria apenas um comunicado às pessoas que nos importavam.
— Sejam bem-vindos! Estamos muito satisfeitos por recebê-
los! — Fomos recepcionados por Lui e por seus pais. Minha sogra
abraçou-me e, depois das apresentações, entrou conversando com a
minha mãe.
— Ela não falava em outra coisa, se tivessem atrasado mais
dez minutos, certeza que telefonaria para você! — Ele confidenciou.
— Minha família também queria muito estar aqui! — Meu noivo
enlaçou minha cintura e me beijou calmo.
Sentia sua falta e da nossa intimidade. Desde que teve alta, na
quinta-feira, foi para a casa dos pais. Passei as tardes ao lado dele,
mas era diferente por termos sempre alguém ao nosso redor.
— E você, noiva?
— Estou muito feliz!
— Eu também!
Mais um beijo e fomos para uma elegante sala de estar. Heitor
e João estavam de pé, ao lado do meu pai e irmão, servindo bebidas.
Era um bar com balcão de madeira e cristaleira com uma infinidade
de taças.
Acomodei-me em um dos sofás, onde estavam Maria Clara e
Vivian.
Logo, Lêda e mamãe chegaram à sala e as mulheres ficaram
conversando amenidades e tomando os drinques que os homens nos
serviram.
— Ganhei uma nora tão linda, doce e muito elegante! — As
duas mães já haviam se tornado as melhores amigas e ambas
olhavam-me, segurando a mão uma da outra. — Amei o seu vestido,
Olívia!
— Sou uma mãe bem coruja, Lêda! E ela não gosta de falar,
mas foi a própria quem o desenhou. — Revirei os olhos, mas
sorrindo. Dona Cida não perdia a chance. Como eu contaria a minha
sogra que o macacão de alfaiataria que usava também era de minha
autora? Não falaria nada, óbvio.
— Uau! Muito talentosa! Acho que Lui comentou algo sobre
você trabalhar com moda, mas os últimos dias foram tão tensos,
quase não tivemos tempo para conversas amenas.
— Obrigada Lêda! Sou estilista, trabalhei alguns anos em uma
marca e agora criei a minha.
— Mamãe, tenho um modelo bem parecido com o da Oli. —
Maria Clara estreitou os olhos em minha direção, pensativa e depois
apontou para Vivian — o dela foi você também quem desenhou?
— Foi sim!
— Reconheço esse corte. Em qual marca você trabalhou? —
Já havia ganhado toda a atenção da sogra. Contive um suspiro, claro
que ela conhecia, não só ela, mas também filha também usava uma
peça minha. Estava na cara que eram clientes fiéis.
— Na Soraya Lins.
— Mas é claro, como não percebi antes? Agora que você
disse, vejo claramente o estilo. Era estilista na Soraya? — Lêda,
perguntou interessada.
— Sim...
— Que coisa, filha. — ganhei uma reprimenda da minha mãe e
senti meu rosto queimar. — Ela era responsável pelo setor de criação
da marca. Basicamente, desenhou todas as peças nos últimos anos.
A mais simples descrição e que correspondia à exata
realidade.
— Mamãe e eu somos clientes assíduas. E olha, eu jurava que
era Soraya quem criava. — É claro que achavam, minha ex-chefe
jamais contaria que tinha uma responsável pela criação das suas
coleções. Jamais. Peguei quando Lêda desviou o olhar, um pouco
desconfortável. Talvez até fossem amigas, era melhor não render o
assunto Soraya.
— Posso imaginar.
— Excelente estilista e um pouco meia boca no marketing! O
que faço, sogra? — Lui surgiu por trás do sofá e, apoiando as mãos
em meus ombros, beijou o topo da minha cabeça. Minha mãe, toda
derretida, apenas sorriu para ele. Os dois haviam se aproximado
bastante, meus pais também o visitavam diariamente. — Ela acabou
de lançar uma minicoleção, várias blogueiras levaram as peças para
Nova York. Inclusive, já esgotou!
— Olívia, como que não conta pra gente? — Maria Clara
questionou, surpresa, e Lêda lançou um olhar orgulhoso para o filho.
Eu sentia o mesmo que ela, mais, estava até emocionada.
— Vou melhorar, gente. A chavinha está virando em câmera
lenta. Nunca precisei preocupar em vender, sabe? Mas vou me
esforçar.
— E as vendas são online? — Maria insistiu no assunto.
— São sim, através do site da loja. E tem o acesso nas redes
sociais também.
— Estou na torcida, Olívia! Que seja sempre um sucesso e
você seja muito feliz e realizada. — Sorri em agradecimento à Lêda e,
então, coloquei-me de pé.
— Eu trouxe uma lembrança para vocês duas, fiquei o dia todo
me perguntando qual seria o melhor momento para entregar. Vou
buscar! — ainda ficava tímida diante delas, principalmente com a
minha sogra, mas lutava, internamente, para me soltar.

∞∞∞
Luiz Henrique

Minha mãe e Maria Clara estavam encantadas com Olívia e sua


família, assim como a minha noiva, eram pessoas agradáveis, com
bom papo e muito amáveis. As duas amaram os presentes que
ganharam, roupas da coleção Nova York.
Além do garotinho, Neto nos arrancava boas risadas.
Gostava de ver o cuidado que Olívia tinha com o pequeno,
toda hora ele a procurava, pedia seu colo e ganhava muitos beijos da
tia.
— O jantar está servido!
Após o aviso da minha mãe, caminhamos para a sala de jantar,
minha mão colada à dela, sentia o bolso da minha calça queimar.
Troquei um olhar com meu pai e ele me acalmou com um sorriso leve.
— Antes, eu gostaria de falar algumas coisas. Prometo ser
rápido.
De imediato, ganhei vários pares de olhos ansiosos em minha
direção. Olívia me encarou um pouco pálida, sua mão gelou e eu
beijei o seu dorso.
— Primeiramente, eu gostaria muito de agradecer a presença
de todos e aos meus pais por terem aberto as portas de casa.
Lamento que tenham vindo até São Paulo em uma situação tão difícil,
mas, se hoje estamos aqui reunidos, é porque podemos superar e
seguir em frente.
— Os momentos ruins serão apenas lembranças. — meu
sogro confortou-me, tocando em meu ombro.
— É o que eu espero, seu José! Bom, gostaria de me
desculpar com a minha família e a da Olívia, por terem sido pegos de
surpresa com o nosso namoro. Mas, realmente, foi muito recente.
Planejávamos ter feito as apresentações de forma mais agradável,
mas, enfim, como vocês viram, não deu. — Recebi vários sorrisos em
compreensão e me virei totalmente para ela. — No entanto, nós dois,
e, vou falar por ela também, estamos muito felizes, você me faz muito
feliz! — Toquei seu rosto, acarinhei e quase me perdi olhando em
seus olhos.
— Você também!
— O que fizeram com o meu irmão? — Maria Clara perguntou,
fingindo sussurrar.
— Efeito da anestesia, é a única explicação. — João
respondeu. Como eram ridículos.
— Calados! Eu disse a ela que tê-la conhecido foi a melhor
coisa que me aconteceu nos últimos anos. Trouxe cor e amor para a
minha vida, trouxe paz, alegria e uma vontade de nunca mais ficar
longe dela. Como sou bem esperto, tratei logo de pedi-la em namoro.
Mais uma vez, todos riram juntos, mas eu só conseguia
enxergá-la, meus olhos grudados nos dela.
— Lindo! Você também só trouxe coisas boas para a minha
vida! — Com os olhos marejados esticou o braço e tocou em minha
barba, fazendo um carinho.
— Um pouco de agitação, também, pode confessar
cunhadinha! — João era um idiota, mesmo.
— Pai. — pedi, arrancando uma risada da caçula.
— João e Maria Clara, façam o favor de escutarem em
silêncio.
— Bom, Olívia aceitou ser minha namorada. E, em poucos
dias, me dei conta de que era pouco. — Ainda nem havia dado a
notícia e já podia sentir todos eles segurando o ar e, finalmente, a
sala ficou em completo silêncio. — Eu amo essa mulher, não consigo
imaginar minha vida longe dela, então a pedi em casamento.
— Casamento? — Perguntaram em uníssono e Olívia e eu
trocamos um sorriso. Puxei-a para perto e beijei sua testa. Minha
noiva, que me aceitou!
— E ela disse sim! — contei, com o braço ainda ao redor do
seu pescoço, nós dois em nosso mundinho.
— Vocês vão se casar? — A voz do meu sogro destoou em
meio ao burburinho que formou ao nosso redor e eu a soltei.
— Seu José, Dona Cida, eu amo a filha de vocês, amo com
tudo o que tenho. —Aproximei-me dos dois e os encarei de frente. —
Quero fazê-la ainda mais feliz, cuidar dela, ser amigo, ótimo marido,
pai dos filhos dela. Já falei isso tudo para Olívia. — Senti o embargo
na garganta, mas segui firme. — E gostaria muito de ter a benção de
vocês.
— Olha... Rápidos vocês. Outro dia era só o amigo dando uma
carona até a nossa cidade.
Mais uma risada coletiva. Tentava me colocar no lugar dele,
até que me recebeu bem, nas duas vezes que estive em Taubaté.
— Papai, era verdade. — Olívia gemeu de vergonha.
— Eu sei, você não gosta de mentiras. — Eles trocaram um
longo e intenso olhar. Pai e filha, em um momento tão decisivo na vida
dela. — Bom, como pai de uma linda garota, a minha garotinha,
passei anos imaginando como seria quando um rapaz nos procurasse
para dizer que queria se casar com ela. E, confesso, que nada nos
prepara para esse momento.
— Vou ficar quieto, também tenho a minha garotinha. — Meu
pai trocou um olhar em solidariedade com meu sogro e ninguém
ousou fazer qualquer comentário.
— Olívia é uma mulher independente, saiu de casa tão novinha,
mas muito determinada a construir sua própria história. Tem muitas
conquistas, mas não conta, não expõe, apenas as curte. São dez
anos morando sozinha e cuidando da própria vida. — Ele soltou um
suspiro curto, parecendo ir longe nas lembranças, na contagem do
tempo e passou o braço ao redor da esposa. — E aí, você tem o
cuidado de pedir a nossa benção, surpreendendo-me, rapaz. Fico
muito feliz, por saber que vocês têm os mesmos princípios e
reconhecem o papel de um pai e uma mãe na vida do filho. Ainda que
já sejam adultos, vividos e, em tese, nem precisem mais dos pais. —
Olhei rapidamente para os meus pais, tinha tanto orgulho no olhar
deles, que até me senti mal por, às vezes, ser tão distante. — Em
meu nome e da minha esposa, vocês têm a nossa benção! Que sejam
muitos felizes e cuidem do relacionamento de vocês, exemplos os
dois têm em casa.
Olívia foi para os braços dos pais, recebendo um longo abraço
dos dois, seguido de beijos e suspiros.
— Então, acho que já posso fazer o pedido oficial, conforme
essa mulher linda merece. — Ela olhou para mim, surpresa, eu já
havia ajoelhado e tirado a caixinha com o anel do bolso. — Casa
comigo, meu amor?
— Lui! — Os olhos estavam cheios de lágrimas e a respiração
ofegante. Ela parou diante de mim, tímida, apaixonada, com os lábios
entreabertos. Ergui a sobrancelha e ela riu, sacudindo a cabeça. —
Para você é sempre sim, lindo!
Coloquei o anel em seu dedo e, de pé, a beijei. Um beijo de
certezas, era a mulher da minha vida, a minha melhor escolha.

∞∞∞

Olívia

— Olívia, você e sua família são muitos bem-vindos à nossa casa!


— Meu sogro foi o primeiro a nos cumprimentar, abraçou-me depois
de um momento com Lui.
— Obrigada por me receberem!
Ainda que eu tentasse colocar em palavras, não conseguiria.
Eu era a mulher independente que papai narrou, orgulhava-me de
cada conquista e de cada vez que precisei me reinventar longe de
casa. Mas, também, era a menina que sempre voltava de Taubaté
com a sensação de que faltava algo em minha vida. Mesmo que em
muitos momentos da minha vida, eu tenha deixado o sonho de me
casar bem guardado, pensava se um dia encontraria um homem com
quem tivesse a vontade de realizá-lo.
E só podia ser ele, Luiz Henrique Brandão, meu vizinho federal
e o amor da minha vida!
— Já amamos você, minha querida! — Lêda me beijou
carinhosa e me acolheu em um longo abraço.
Meus pais cumprimentavam Lui e, logo, mamãe desvencilhou-
se para me agarrar em um abraço tão dela, tão de dona Cida.
Abraço que me curava, dava-me afeto e me fazia sentir segurança.
— Minha filhinha vai casar! Estou tão feliz, tão emocionada!
— Vai me ajudar com todos os detalhes, mamãe? — Segurei-a
pelas mãos, nós duas com os olhos úmidos.
— Sonhei com esse momento, Oli!
Suspiramos juntas, sorrimos, deixamos as lágrimas descerem
e ajudamo-nos a secá-las.
— Um casamento abençoado, é o que desejo para você,
minha filha! — papai me abraçou e beijou o topo da minha cabeça, o
mesmo abraço e fortaleza desde que eu me entendia por gente.
— Obrigada, papai!
— Amo você! — ele beijou minha testa e me soltou para que
se fosse cumprimentada pelos demais.
Zé ria de alguma coisa que Lui falou e peguei o abraço que os
dois trocaram, cheio de significados. Meus cunhados estavam ao
lado, provocando-o e desejando coisas boas.
— Noiva?! E com um anel maravilhoso! — Vivian me fez
desviar a atenção. Uma cunhada tão querida e que era um presente
para nossa família. — Você é uma irmã para mim, sabe disso, né?
Parabéns, Oli!
— Você também é a minha irmã!
Ela deu espaço para que Zé se aproximasse de mim, ele com
o meu sobrinho no colo.
— Parabéns, irmãzinha! Amo você e desejo que seja muito feliz
— beijou meu rosto e me apertou em um meio abraço, eu dividindo
espaço com Neto.
— Já estou sendo! Amo você, Zé!
Por último, recebi os cumprimentos de João e Maria, que
percebi serem mesmo muito próximos e unidos.
— Estamos muito felizes! Gostamos de você desde a primeira
que te vimos! — meu cunhado, que era um pouco mais sério, tinha um
sorriso genuíno no rosto.
— E eu de vocês!
— Formam um casal lindo, sorte para vocês! — Abraçamo-nos
e, então, ele chegou para junto de mim.
Lindo, cheiroso, seu olhar exalava amor e certeza. Eu não tinha
medo, acreditava não apenas no amor dele, mas em sua maturidade
também.
— Minha noiva! Eu te amo, prometo te fazer feliz e cuidar de
você! — Lui rodeou minha cintura com os braços e me beijou a cada
promessa.
— Eu te amo, meu noivo! Prometo ser sua amiga, sua amante
e te fazer feliz!
— Linda demais e, em breve, a Sra. Brandão!
— Lindo, um vizinho muito gato! E só meu!
— Todo seu, para sempre!
Epílogo 1
Luiz Henrique

Túlio, o instrutor de defesa pessoal, recebeu-nos na entrada da sala


de artes marciais do Clube. Olívia estava tímida, mas disse que
determinada a se dedicar aos treinos.
— Seja bem-vinda! Animada? — Cumprimentou-a com um
aperto de mão e eu avisei que ia apenas assistir, ao menos, um
pouco da aula.
Acomodei-me em um canto da sala, onde havia um banco de
madeira, e fiquei de longe, admirando-a. Estava se desafiando, dias
atrás confidenciou que sentiu muito medo e que talvez poderia ter
reagido quando a capturaram na porta de casa, caso soubesse
alguns golpes de defesa pessoal.
Contrariado, tentei tirar tal ideia da sua cabeça. Duvidava que
os bandidos estivessem desarmados, logo, não havia muito o que
fazer senão render-se.
No entanto, ela continuava afirmando que nem cogitou
defender-se, pois não sabia o que fazer.
— Um pouco ansiosa, nunca me imaginei praticando algum tipo
de luta.
— Relaxa, Brandão me avisou. Vamos iniciar com os
fundamentos básicos, vou sentir sua desenvoltura, a reposta muscular
e o que me apresenta de reflexos. — Túlio a conduziu sobre o tatame
e pararam em frente à parede espelhada. — Após algumas aulas, já
estará bem entrosada com as técnicas.
— Melhor assim, não sou nenhuma grande admiradora de
esportes! Até pratico, mas, assim, uma vez em nunca.
— Sei como é.
Olívia fez algumas repetições de movimentos básicos,
aprendeu uma série variada de alongamento e foi orientada a manter
o aeróbico em dia, para melhorar o desempenho físico.
Saí da sala para atender uma ligação e permaneci do lado de
fora, depois de ter encontrado Renan.
— Estou liberada! — Eu mexia no celular distraído, meu sócio
havia voltado para a sua sala. Levantei o olhar e a encontrei, corada e
com alguns fios de cabelo escapando do rabo de cavalo.
— Gostou? — puxei-a para os meus braços e dei um beijo leve
em seus lábios.
— Foi melhor do que imaginei!
— Maravilha, quer fazer um lanche?
Sua resposta inicial foi uma careta, como se sentisse alguma
ojeriza à minha oferta. Franzi o cenho, confuso, e ela meneou a
cabeça, negando.
— Ah, acho melhor não. Meu estômago acordou brigado
comigo. — deu um sorriso tímido e me alarmei.
— Está passando mal?
— Nada demais, só um leve desconforto pela manhã.
— Mas, agora, passa das dezoito horas. Continua com o
desconforto?
— Ele voltou quando você mencionou sanduíche. — Estranho,
muito estranho. — Olha, até arrepiei. — Apontou para o próprio braço
e beijei sua testa.
— Então, vamos para casa.
— Não vai treinar nada de tiro?
— Na verdade, não programei nada, vim para ficar a sua
disposição.
— Tenho algo para te contar! — mais uma vez, estava
estranha. Mordeu os lábios em um ato discreto e me deu um olhar
ansioso.
— É mesmo? E quando vai fazê-lo?
— Agora? — Ela sorriu e eu confirmei.
— Sou todo ouvidos, Olívia.
— Bom, você sabe que está sendo difícil não relembrar o
sequestro. — Eu gostaria de ter o poder de apagar da nossa mente,
principalmente da dela. Mas parecia uma missão quase impossível.
— Mais do que isso, saber que não sei nada sobre me proteger.
Pensei que, talvez, seja o momento de vencer mais uma barreira e
aprender a atirar.
Assim, metralhou todo o meu juízo ao soltar a informação de
uma só vez.
— Acho que entendi errado, linda.
Com certeza, houve algum erro na passagem de informação.
Desejei muito que Olívia aprendesse a atirar. Tentei desmistificar e,
mais de uma vez, pedi que pensasse na possibilidade. Até então,
havia recebido apenas negativas.
— Sabe que entendeu bem o que eu disse. — ela sorriu e
enlacei sua cintura, colando nossos corpos. — Quero fazer as aulas
de tiro, amor.
— Tem certeza sobre isso? Pois estou ao seu lado para cuidar
de você. — Toquei seu queixo, encarando-a por alguns segundos.
Claro que moveria meio mundo para protegê-la, mas ela era gentil ao
não me lembrar, a todo instante, que não consegui impedir que fosse
sequestrada.
Talvez fosse eu a precisar mais de tirar da minha mente o
ocorrido.
— Sei... E sei também que aprender atirar não significa que
andarei para cima e para baixo com uma arma na cintura. Apenas me
acho ingênua demais para qualquer coisa que se refira a minha
proteção. Quero pelo menos tentar. — disse determinada. Gostava
disso, quando ela decidia algo, era para valer.
— Eu mesmo irei te treinar, meu amor. E estou muito orgulhoso
de você! — Abracei-a e ficamos assim por alguns minutos. Eu
tentando ser abrigo, ela sendo o meu mundo.
— O melhor, já tenho o melhor treinador. Quero aprender para
também te fazer companhia, sei que o clube é importante para você,
além do esporte. Enfim, é um começo.
Algo bateu forte em meu peito. O que ela dizia era muito forte.
Ia enfrentar um enorme desafio pessoal para também se aproximar
de algo que eu gostava muito. Olívia não precisava fazer nada para
ter meu amor, mas conseguia que ele aumentasse dia após dia.
— Um ótimo começo!

∞∞∞
Caminhamos de mãos dadas até as baias e pedi a um
funcionário que organizasse os acessórios para a primeira aula
enquanto a informava sobre os conceitos iniciais. Como funcionava
uma aula de tiro, breve história da sua evolução no tempo, apresentei
tipos de armas, munição, objetivos de cada marcação nos alvos.
Um pouco de prática, como segurar a arma e colocar a
munição, mas apenas tê-la em mãos. O próximo passo era deixá-la
segurar.
— Está à vontade para tentar? — Segurava em mãos os
abafadores, imprescindíveis caso ela decidisse atirar, e deixei que
ditasse o ritmo da experiência.
— Acho que sim. — Não estava, claro. Tinha que ser tudo
muito tranquilo, para que não gerasse nenhuma repulsa nela.
— Vamos no seu tempo, nem precisa atirar hoje.
— Acho que quero sentir um pouco como é. — Pediu, depois
de um longo suspiro. Estava receosa, o que era normal para
iniciantes. Mas, ainda, corajosa, como sempre era.
— Certo, então vamos iniciar com o posicionamento e te
entrego a arma. — Tentei tranquilizá-la, narrando cada passo, ainda
era a mulher que ficou pálida só de ver minhas armas sobre o sofá.
Então, imaginei que seria pressão demais para a sua cabecinha
quando precisasse pegar em uma. — Agora.
Toquei em sua cintura, sinalizando a correta e mais segura
posição do corpo, ela respondeu bem, por trás, estiquei os braços
rentes aos dela e, aos poucos, coloquei a arma em sua mão.
Olívia ficou imóvel por um minuto inteiro, a respiração ofegante
foi abrandando, até que a senti calma demais, assim como os braços,
que estavam estendidos e firmes, foram caindo ao lado do seu corpo.
Para que Olívia estivesse mole em meus braços e a pistola jogada
aos nossos pés, bastou um segundo.
— Olívia? Acorda Olívia. — O funcionário que estava por perto
veio correndo e pedi que buscasse água. — Amor, o que foi isso?
Acorda.
Depois de um breve tempo desacordada, o que, para mim, foi
uma eternidade, ela abriu os olhos com dificuldade, como se tivesse
sonolenta. Também me pareceu confusa, tentando se localizar.
— Amor, estamos no clube de tiro. Lembra do que estava
fazendo? — Havia abaixado seu corpo até o chão, quando vi que ia
cair, e a apoiei em meu peito e perna.
— Lembro, estou bem. Foi uma queda de pressão. — a voz
saiu baixinha e ela tocou minha barba. Estava pálida e ainda com um
quê de confusão no olhar.
— Vou te levar ao médico.
— Não precisa. Isso é alimentação. Os últimos dias foram
tensos e, depois, muito trabalho na marca. Tenho me alimentado mal.
— Justificou, beijei sua testa e testei se conseguia firmar os pés no
chão. Iria levá-la no colo até o carro, mas, antes, precisava ficar de
pé.
— Tudo bem, mas iremos ao hospital.

∞∞∞
— Olívia Torres
O nome da minha noiva pronunciado pelo médico, que a havia
atendido cerca de uma hora antes, era o anúncio da maior mudança
em nossas vidas.
Depois de avaliá-la, informou que tudo indicava ter sido mesmo
uma queda de pressão, mas pediu alguns exames de sangue.
Seguimos da sala de espera para o consultório e fomos
recebidos com um sorriso.
— Podem sentar-se, por favor.
Ele indicou as poltronas na frente da sua mesa, onde
estivemos há pouco, e nos acomodamos. Em mãos, carregava
algumas folhas, que havia acabado de retirar de um saquinho plástico.
— Está tudo bem, doutor? — Ela questionou, preocupada.
— Está sim, Olívia. Sigo com a conclusão de ter sido uma
queda de pressão, provável que tenha passado por alguma mudança
brusca em seu organismo ou no seu emocional. — Ele fez uma pausa,
quase dramática, seus olhos encaravam-nos, com emoção. Um
médico peculiar, longe da frieza usual que víamos nos hospitais. — No
entanto, mais do que nunca, terá que se cuidar. Está grávida!
Senti minha mão gelar no mesmo instante, na verdade, todo o
meu corpo, como se uma descarga elétrica tivesse me atravessado
da cabeça aos pés.
Olívia procurou-me com os olhos, em total aflição, e, talvez,
até desacreditada da informação que recebemos.
— Grávida? — perguntou com a voz trêmula.
— Sim, foi uma desconfiança e o exame confirmou. Por ora,
alimente-se bem, beba muita água e procure um médico da sua
confiança para o acompanhamento da gestação.
Ela ainda me olhava, em seus olhos havia confusão, medo e
preocupação. Bobagem. Não estava sozinha. Por dentro, eu parecia
que poderia explodir. Um filho. Medo era pouco para descrever o que
sentia. Mas, por outro lado, estava feliz demais e pronto para
amparar minha mulher.
Segurei firme sua mão, sem desviar o nosso olhar, e a puxei
para próximo de mim, deixando um beijo em sua testa.
Foi o suficiente para que a tensão evidente abrandasse, logo,
sua feição era de paz.
— Eu... Tá. Isso pode ser considerado uma mudança brusca
emocional, sem dúvida. — respondeu para o médico, arrancando uma
risada de nós dois, mas falava mais para si mesma.
— Pode sim, mas fique tranquila, não irá desmaiar dessa vez!
Soltei um curto suspiro, louco para sair daquela sala e abraçá-
la. Seríamos pais.
— Certo. Ok.
— Parabéns, aos papais!

∞∞∞

Olívia

Um bebê, tínhamos um bebê a caminho.


Gostaria de poder dizer que não sabia como foi que
aconteceu, mas não era o caso, óbvio.
— Eu disse que tomava pílula e, bom, nunca me esqueço. Só
tem uma explicação... — puxei-o para a sala de espera e nos
sentamos no sofá, estava vazia e, além de precisar respirar um
pouco, queria explicar meu lado.
— Ei, para. Tem uma excelente explicação, os pais desse
bebê parecem dois coelhos, na verdade, a mãe não pode ver o pai e
quer sexo o tempo todo, sem importar o lugar.
— Lui. — Acabei repreendendo-o. Nunca iria me acostumar
com a facilidade que ele falava besteiras, sem importar hora ou o
lugar.
— Então para de falar bobagem. — Levou uma mão até minha
nuca, fazendo um carinho gostoso que estava sendo muito eficaz para
afastar minha tensão. Sentia meu corpo tão rígido. E beijou de leve
meus lábios. — Acha mesmo que irei questionar que engravidou
tomando pílula? Até onde sei, vários fatores podem diminuir a sua
eficácia. — seu olhar era um tanto duro. Sim, senti insegurança
quanto o que ele pensaria. E sua resposta foi bem clara, não gostou
de eu ter cogitado ser questionada por ele. Ao mesmo tempo,
encarei-o surpresa por saber tanto sobre a pílula. — Um homem
também deve conhecer métodos contraceptivos e esse foi o que
escolhemos, mesmo sujeito a falhas. Embora eu não acredite muito
em acaso. Era para recebermos esse filho.
Meus olhos marejaram, podendo, finalmente, deixar meus
sentimentos fluírem. Estava feliz, realizada, mesmo sem tê-lo
planejado. E com muito medo de não ser suficiente para ele. No
entanto, a mão grudada a minha contava-me que eu não estava
sozinha.
— Pela quantidade de semanas, nosso bebê foi produzido em
Serra Negra.
Eu disse e logo me arrependi, pois o sorriso torto, o que
precede as grandes besteiras que Lui é capaz de falar, surgiu em
seus lábios.
— Para ficar mais emocionante iremos contar que foi no sexo
do pedido de namoro.
— Não iremos dar nenhum detalhe, inclusive, aquele pedido foi
alguma ilusão nossa, estávamos dormindo.
— Meu amor, eu posso te garantir que você estava bem
acordada. — Disse em um quase sussurro em meu ouvido, fazendo-
me arrepiar inteira.
— Sem detalhes. — exigi.
— Tudo bem! — Lui colocou-se de pé e me estendeu a mão.
Ficamos os dois parados de frente para o outro.
— Estou assustada.
— Estou feliz... Um filho, Oli!
— Nosso filho, amor!
Epílogo 2
Luiz Henrique

O relógio parecia estar brincando com a minha cara, um segundo


para cada sessenta minutos, era essa a proporção do tempo
passando.
Sexta-feira agitada, semana ainda mais, oito da noite e ainda
não havia conseguido sair da delegacia. Noite especial para minha
mulher e, se era importante para ela, tornava-se para mim também.
— Não imaginei que fosse demorar tanto — Paulo afastou o
documento, que lia concentrado, e me encarou. Diante dele e do
outro lado da sua mesa, eu tentava ler um outro bloco de papéis.
Nós nos preparávamos para mais uma grande operação que ia
para as ruas no dia seguinte pela manhã.
— Um detalhe puxa o outro, normal — chequei mais uma vez o
horário, já eram oito e vinte. E eu, certamente, começava a ficar
encrencado.
— Mais alguma observação para acrescentar? — Perguntou,
interessado.
— Carlos Pimenta, ele vai estar lá. — O fulano era um velho
conhecido, anos atrás deu boas pistas quando investigávamos o
esquema dos bordéis de luxo e tráfico de mulheres, comandado por
Armando Muller.
Inclusive, o empresário seguia preso. Já a sua esposa e filhas,
mudaram para o interior do Estado, envergonhadas demais com a
prisão e exposição dos vários crimes cometidos pelo patriarca.
— Confirmado?
— É o que diz aqui, escuta das onze e quinze, aos vinte e cinco
segundos.
Suspirei. O cara conseguia estar metido em tudo que era
sujeira e era muito astuto. Até o presente momento, não passava da
figura que sabia demais. No entanto, agora, parecia termos
conseguido, finalmente, ligá-lo ao esquema de lavagem de dinheiro
que investigávamos.
— Vamos iniciar a abordagem através dele. — Paulo esticou o
corpo, assim como eu, dava sinais da exaustão.
— É o melhor caminho.
Quase meia hora depois, quando finalmente consegui me
concentrar na análise do documento, fui despertado para realidade
com o barulho alto do meu celular tocando.
— É bom atender — apontou com a cabeça o aparelho em
cima da mesa. A foto da mulher mais linda do universo piscava na
tela. Engoli em seco, ela devia estar brava.
— Oi, linda. — Olívia bufou do outro lado da linha.
— Linda, Luiz Henrique? — Com todo o seu jeitinho de berrar,
que usava quando estava nervosa, permitia que meu amigo e chefe
ouvisse o nosso início de conversa, pois ele ria da minha cara. —
Posso saber onde você está?
— Trabalhando?
— E sabe que dia é hoje?
— É claro, meu amor.
— Para de tentar me amansar. — Segurei o riso. Era mesmo
que eu fazia, amansar a fera, utilizando o combo que quase nunca
dará errado: ser carinhoso e concordar com tudo o que falasse.
— Eu não demoro, prometo.
— Às vezes, você é inacreditável.
— Também te amo.
Finalizei a chamada e olhei para o nada por um instante.
Precisava ir embora.
— É assim que você resolve os conflitos conjugais? — Paulo
havia deixado os documentos de lado e me pareceu levar a sério a
pergunta que fez.
— Para o seu bem, é bom que nem sonhe em ter conflitos. —
respondi com uma sobrancelha erguida e ele negou com a cabeça.
Melhor assim.
— Vá logo, Brandão. Vejo vocês mais tarde.
— Ainda demora? — Não esperei outra ordem, em um
segundo estava à porta da sua sala, pronto para dar o fora da
delegacia.
— Acho que no máximo uma hora, mas não deixarei de ir.
Uma hora depois, muito tempo além do horário que havia
planejado, cheguei ao espaço de convenções do Fasano.
Identifiquei-me na entrada, ganhei uma credencial e caminhei
para dentro do espaço. Totens de acrílico e muitos arranjos de flores
faziam parte da decoração, sinalizando o bom gosto da anfitriã. Uma
música animada, embora em som ambiente, soava nos alto-falantes,
mulheres e homens elegantes transitavam entre as mesas.
— Senhor Brandão? — Fui abordado por uma jovem, vestia um
terninho, cabelo bem arrumado e tinha em mãos um rádio
comunicador.
— Sim.
— O camarim é por ali, gostaria que o acompanhasse?
— Não é necessário, obrigado.
Segui pelo corredor que ela indicou, delimitado no próprio
espaço com enormes arranjos de flores e postêrs dentro de molduras
de vidro, que expunham a história da Olívia Torres.
— Papai!!! — As duas vozes que eu mais amava no mundo,
depois da mãe delas, gritaram e correram em minha direção com os
bracinhos abertos.
— O senhor demorou muito.
Abaixei e as peguei no colo. Alice e Aurora, as gêmeas que
eram duas miniaturas de Olívia e os grandes amores da minha vida.
Pareciam duas bonequinhas, impecavelmente arrumadas, usavam
vestido preto de veludo, com mangas compridas, meia-calça e sapato
boneca de verniz, também pretos. Os cabelinhos foram presos em
duas marias-chiquinhas, arrematadas com laços vermelhos em
estampa xadrez.
— O papai estava trabalhando. — Beijei várias vezes os
rostinhos e as apertei em meus braços. Aurora pediu para se soltar,
querendo mostrar o look, logo sendo seguida da irmã. As duas eram
bem vaidosas e, se deixássemos, ficavam montadas o dia todo. —
Nossa, mas estão muito lindas.
— Igual às princesas, ne papai? — Alice quis confirmar.
— Muito melhor que princesas. — Beijei-as novamente e me
coloquei de pé, pegando-as no colo. Estavam enormes para os seus
seis anos, mas ainda cabiam com folga em meus braços.
— Sabia que agora que o senhor chegou vamos ficar aqui no
seu colo? — Caminhei com as duas agarradas em meu pescoço,
Alice avisou e brincava com a minha barba e Aurora limpava alguma
sujeira imaginária na lapela do meu paletó. Não era só na aparência
que as minhas meninas pareciam com a mãe.
— É, não é com a Berta. — A outra gêmea completou.
— Nossa, mas a Berta vai ficar muito triste. — Comentei,
segurando o riso para a esperteza das duas.
O backstage estava movimentado, como sempre era nos
desfiles da Olívia Torres. Um vai e vem de modelos, maquiadores,
fotógrafos e outros profissionais do meio. Mas tudo o que eu queria
era encontrar minha mulher.
— Não vai não, papai.
— A gente disse assim pra ela “tia Berta, quando o papai
chegar você vai descansar”.
Desisti de me conter e ri com gosto, quem estava ensinando
isso à elas? Olívia diria que, com toda certeza, era eu.
Paramos diante de uma porta de vidro, olhar toda a estrutura
ao nosso redor e as maiores riquezas, que poderíamos ter, em meu
colo, emocionava-me. Conquistamos muito mais do imaginamos, isso
quando dissemos sim à nossa família e continuávamos dizendo sim
todos os dias um para o outro.
— Um bom descanso, convenhamos. E cadê a mamãe?
— Eu, sirvo? — Ela surgiu linda, altiva e com o olhar
emocionado, como sempre ficava quando me surpreendia na
companhia das nossas filhas.
— Oi, linda! — Umedeci os lábios, em um claro convite e ela
aproximou, deixando-se ser beijada. Não teria como abraçá-la, como
gostava de fazer, mas não deu bola, gostava mesmo era de me ver
carregando as meninas no colo.
— Serve muito, nem imagina quanto! — Nossos olhares
grudaram-se no outro, cheios de promessas para a nossa noite a
dois, quando fechássemos a porta do nosso quarto. E, então,
seríamos apenas marido e mulher.
— Obrigada, por ter vindo! — Ela levou a mão ao meu rosto,
acariciando minha barba e eu a acariciei com o olhar.
— Estou muito feliz por você!
— Já vamos começar.
— Estaremos na primeira fila, como sempre! Te amo!

∞∞∞

Olívia

As cortinas foram abertas, sem, contudo, mostrar o backstage, a


playlist que escolhi com o setor de marketing animava o evento. Du
beijou minha mão e, depois, minha cunhada, Maria Clara, além de
coordenar o setor de criação da Olívia Torres, que eu comandava ao
lado dela, também era meu sócio no seguimento de sapatos, e, como
ele sempre dizia, sem qualquer modéstia, o que fazíamos era ditar
tendência nos pés de grandes nomes do país.
O primeiro grupo de modelos entrou na passarela, em
comemoração aos seis anos da marca, fizemos uma releitura da
coleção Nova York, nos telões passavam vídeos e fotos de clientes,
modelos, celebridades e anônimas, usando nossas peças na cidade
mais cool dos Estados Unidos.
O jogo de iluminação era um show à parte, dando ênfase e
tirando o destaque das modelos no momento certo.
Muitos aplausos, adrenalina nas veias, coração batendo forte e
olhos marejados. Eu tinha conseguido. A Olivia Torres tinha lojas
espalhadas em todo o país, era a nova queridinha entre a turma que
fazia a moda acontecer e contava com uma legião de clientes fiéis.
Enquanto assistia o desfile atrás das cortinas, um filme
passava em minha cabeça. O início de tudo, uma coleção
improvisada, que agora contava com uma estrutura enorme, meu
marido, que na época era só um amigo, levando-me até Taubaté, eu
cuidando de todos os setores da empresa recém-aberta e sendo
empurrada para perder o medo de tocar um projeto novo.
A marca que tanto idealizei e nasceu em uma situação tão
adversa, cresceu ao lado da minha família. As duas primeiras
coleções, depois da pocket, foram lançadas enquanto eu gerava
minhas duas bonecas, Alice e Aurora.
Enfrentei algumas dificuldades de iniciante como empresária,
assim, como também me deparei com pedras no caminho inicial do
meu casamento.
Cuidei, reguei e deu tão certo.
Descobri que poderia realizar-me como esposa, mãe e
profissional.
E, olhando para trás, vejo que foi possível porque nunca estive
sozinha. Lui sempre esteve ao meu lado, segurando minha mão e
dizendo que tudo daria certo.
— Vai, minha diva! É agora que você entra e arrasa!
— Não sozinha, vocês dois vêm comigo!
Du, Maria Clara e eu trocamos um longo olhar e abraços, os
três emocionados, também era uma vitória nossa!
Subimos até a passarela, assistimos Bru Diniz fechar a última
entrada e, então, pisamos nela. Passarela em vinílico branco, as
luzes haviam sido totalmente apagadas e somente um refletor nos
revelava.
Era o nosso momento.
Atravessamos a longa passarela sob aplausos, meu rosto
queimava, ainda preferia os bastidores e era nele que fazia meu
nome. Mas, também, tinha o que comemorar.
Ao final, paramos para saudar o público e meus olhos
recaíram diretamente neles. Minha família é o maior bem que construí
na vida. Nada poderia ser mais importante, para mim, que meu
marido e minhas filhas. Lui estava de pé, aplaudindo forte e diante
dele, as duas menininhas que trouxeram mais cor aos nossos dias.
Olhinhos brilhantes encontraram os meus, eu bem sabia o que
queriam e, após um gesto meu, Alice e Aurora foram erguidas pelo
pai.
— A gente vai desfilar, mamãe! — Disseram em uníssono e
empolgadas. Abaixei para beijar os rostinhos e encontrar muita
emoção. Elas estavam explodindo em alegria, há poucos metros o pai
e marido encarava-me, trocamos um olhar e ele sibilou “eu te amo”,
fazendo minhas pernas quase fraquejarem.
— As duas modelos mais lindas que já pisaram nessa
passarela.
Aplausos ainda mais fortes ecoaram pelo salão quando
finalizamos o desfile, Alice e Aurora em êxtase, eu com o coração
pulando dentro do peito, como sempre era após apresentar um novo
trabalho e, Du e minha cunhada, não conseguiam tirar o sorriso do
rosto.
Desci as escadas e estava de volta ao Backstage, tendo
deixado todo o glamour em cima da passarela.
— Quero cinco minutinhos com todos eles. — Com as minhas
filhas em meu encalço, cada uma segurando uma mão, pedi que a
minha assistente reunisse as modelos e a equipe responsável pelo
desfile.
— É pra já, chefe.
Alguns jornalistas, previamente autorizados, aguardavam-me
para uma coletiva de imprensa. Na sala vip que montamos também
havia blogueiras, digital influencers e artistas a minha espera. Era o
importante momento que eu tinha para me relacionar com os
profissionais responsáveis por divulgar, de forma espontânea ou
através de publicidades, a minha marca, sair dos bastidores e
mostrar a cara da Olívia Torres.
Recebi cumprimentos, assinei documentos de burocracias
finais e, então, meus olhos avistaram-no, no exato momento em que
as minhas menininhas saíram correndo.
Como se elas tivessem o peso de plumas, Lui ergueu as duas
no colo, que logo enlaçaram seu pescoço.
Com passos firmes e olhar altivo, ele caminhou em minha
direção, mantendo-me presa em seus olhos.
— Parabéns, meu amor! Foi tudo incrível! — Deu uma
piscadinha que eu sabia o que significava, mais tarde teríamos a
nossa comemoração de adultos e, por mim, já podíamos pular logo
para ela.
— Eu não demoro!
— Estarei aqui com as meninas.
Antes de virar em direção a minha equipe que me esperava,
trocamos um longo olhar. Meu marido era lindo e sexy de todas as
formas possíveis, com uma mesura especial para ele nu dentro da
nossa banheira, tomando um vinho depois de um sexo delicioso, no
entanto, nada superava ele cuidando das nossas filhas.
Todos os meus hormônios afloravam quando me deparava com
Lui sendo pai e o homem sabia exercer esse papel com maestria. Era
um ótimo marido, mas, pai, ele era excelente. E minha libido
agradecia.
Soprei um beijo e os deixei envolvidos, no colo dele as meninas
eram transportadas para outra dimensão, até descartavam Berta, que
cuidava delas desde que nasceram.
— Prometo que serei breve e os deixarei ir curtir essa noite de
sexta-feira. Quero, antes de tudo, parabenizá-los pelo trabalho
brilhante! Como sempre digo, a Olívia Torres precisa de vocês, os
melhores profissionais que eu poderia sonhar em trabalhar! Meu muito
obrigada e vamos para cima, o que não falta para os próximos meses
são projetos para tirarmos do papel!
Uma salva de palmas, abraços emocionados e nos
dispersamos.
Cerca de uma hora depois, estava livre para a minha família.
As meninas, embora sonolentas, cobraram a pizza que mais cedo
prometi e já era tarde da noite quando, finalmente, tive a
comemoração particular com o meu marido.
— Vou buscar um vinho na adega. — Lui avisou, após beijar
meus lábios, quando saímos do quarto das meninas.
Nós dois éramos responsáveis por colocá-las para dormir, ia
quem estivesse em casa. Às vezes, conseguíamos fazer juntos, dar o
banho, ouvi-las contar sobre o que fizeram durante o dia, contar uma
história, beijar os rostinhos sonolentos.
— Enquanto isso, irei preparar o nosso banho.

∞∞∞

Luiz Henrique

Entrei em nossa suíte carregando a garrava de vinho e duas taças, o


banheiro estava com as luzes baixas, velas aromáticas acesas sobre
a bancada e uma música tocava baixinha.
Olívia aguardava-me dentro da banheira, nua, linda, com os
cabelos presos no alto da cabeça, a pele já rubra pela nossa troca de
olhares. Também me despi, abri a garrafa e nos servi sem deixar de
olhá-la. Tinha tantos planos para aquela noite. Ainda mais planos para
uma vida inteira ao seu lado.
Entrei na água morna e lhe entreguei uma taça. Brindamos em
silêncio, eu a desejava de forma feroz e queria estar logo dentro dela,
mas admirar minha mulher era uma das coisas que eu mais gostava
de fazer na vida. E lá estava eu admirando-a. Seus olhos, que foi o
único detalhe seu que nossas filhas não herdaram, pois ficaram o com
o azul do papai, o formato da sua boca, a pele alva e viçosa, a
delicadeza dos seus dedos finos ao redor da taça.
Tão linda e tão minha!
— Conquistamos tanto... — Disse, sem graça pela intensidade
com que eu a olhava, arrancando um riso curto meu. Não importava
que fosse mãe e uma empresária de sucesso, ainda guardava em
muito aquele olhar quase ingênuo de quando nos conhecemos, da sua
doçura e timidez.
— Conquistei você! — Afirmei e ela riu, tomando um gole da
bebida. Passou aponta da língua pelo lábio inferior, fazendo-me
latejar de vontade dela.
— Desde o instante que me convidou para tomar café da
manhã, na nossa padaria!
— Ali, eu já estava completamente rendido a você! — Seus
olhos brilharam. Declarava meu amor sempre que tinha a
oportunidade e ela parecia se surpreender em todas as vezes. — Vou
pedir baixa da polícia.
Contei e Olívia arregalou os olhos, já fazia bastante tempo que
não tocava no assunto e ela também não insistia.
— E vai me contar o motivo?
— Já era para ter saído, você sabe.
Quando as meninas nasceram eu estava decidido a sair, ainda
muito envolvido com o sequestro que Olívia foi vítima. No entanto, foi
nessa época que chegamos ao policial que fazia jogo duplo na
delegacia e entregava nossos passos a Armando Muller. Antes de
entregá-lo para responder aos processos, Paulo e eu tivemos nosso
momento particular de vingança.
Depois dele, outras investigações importantes vieram e o plano
acabou ficando perdido.
— E você sabe que eu acho.
— Está aliviada.
— Estou! Confio em você, sei que a minha segurança e das
meninas é sua prioridade, mas sonho com o dia que você estará
longe da polícia. É tão perigoso.
— E eu te amo ainda mais por respeitar meu trabalho, sabe
que amo o que faço. Mas agora é mesmo o tempo de sair. E ainda
terei muito tempo livre para curtir as minhas mulheres!
— Eu te amo!
Virei o último gole de vinho e coloquei a taça na lateral da
banheira. Ergui com cuidado a perna direita de Olívia, o suficiente
para conseguir beijar seus pés. Passei a língua e acariciei um a um
dos dedos, aproximei nossos corpos e subi pela panturrilha, ao
mesmo tempo em que apertava seu quadril, beijei a parte interna do
joelho e lentamente subi pela coxa, até a sua intimidade.
Levantei o olhar e encontrei a sua expectativa, seu tesão, os
olhos faiscando. Sem pressa, encostei os lábios em seu centro, Olívia
arfou e tentou me segurar por ali pelos cabelos. Não parei e subi em
direção a sua barriga, beijando, lambendo, chupando, até chegar aos
seus seios, onde eu nunca deixava de me fartar.
— Sem pressa, linda! A noite é toda nossa... — Não importava
que no dia seguinte iria virado para a delegacia, mas aproveitaria
cada segundo ao lado dela, desfrutando do seu corpo.
Circundei a auréola rosada com a língua, seus gemidos me
enlouqueciam, mas antes do meu prazer eu iria adorá-la. Deixei-os
intumescidos, subi para os seus lábios e beijei minha mulher com
vontade e desejo. Alternei entre os seus seios e a sua boca por
longos e torturantes minutos, até que nenhum dos dois aguentava
mais segurar o tesão.
Sentado no centro da banheira, a puxei para o meu colo, a
penetrei do jeito que ela gostava, duro e de uma só vez, no entanto,
as estocadas eram lentas e prazerosas. Suas mãos apertavam-me
as costas ou acarinhavam meu peito, eu a afastava lentamente para
tocá-la em seu centro ou beijar seus seios, arrancando os melhores e
mais enlouquecedores gemidos dela.
Gozamos juntos, saímos da banheira e fomos para cama,
estendendo a segunda, e terceira rodadas, entre mãos, gemidos,
prazer e o nosso amor sendo celebrado a cada vez que chegávamos
ao céu.
∞∞∞
— Papai, a Chanel está querendo muito passear. — Alice e
Aurora aproximaram-se e, com cuidado, tocaram no jornal que eu lia,
sentado em um dos sofás da nossa sala.
Era a minha primeira manhã em casa depois de ter saído da
polícia. Ainda pensava em como ajustaria os horários, mas queria ter
mais tempo com as meninas e Olívia, além de me dedicar em mais
atividades da ONG e do Clube de Tiro.
— É mesmo? — Fiquei livre para olhá-las, duas garotinhas
sapecas que sabiam conseguir tudo que queriam de mim. Às vezes,
Olívia reclamava que eu precisava ser mais enérgico. Esse papel,
definitivamente, ela desenvolvia com maior maestria.
— Sim... — Alice, que foi quem contou da vontade da
cachorrinha, respondeu.
— E ela te disse isso? — Perguntei, segurando o riso para os
rostinhos horrorizados.
— Não né, papai! Ela tá com carinha que quer passear. —
Aurora explicou.
— Já nos arrumamos, olha os nossos lacinhos? Combinam
com o da Chanel. — Alice colocou as mãos na cintura, seguida da
irmã, as duas com vestidos na cor azul claro, na cintura um laço rosa,
da mesma cor que elas usavam nos cabelinhos.
— Estão lindas, as três! — Beijei as minhas meninas e me
coloquei de pé, indo em direção à área de serviço para buscar a
coleira e a cachorrinha.
— Isso, papai, as três.
Logo estávamos na calçada da nossa rua, fazendo o passeio
que agradava muito mais a elas do que Chanel. Nossa mascote
amava as irmãs mais novas, desde que chegamos da maternidade
com os dois pacotinhos, foi amor à primeira vista. No entanto, já
estava idosa e sentia o peso da idade, não tinha muito ritmo e
disposição para brincadeiras e longos passeios.
— Papai, hoje nós vamos lá na sua escolinha? — Aurora
perguntou e Alice esperava atenta pela minha resposta. As duas
amavam quando eu as levava na ONG.
— Hoje não, mas quem sabe amanhã? — Seguíamos de mãos
dadas e eu com a guia presa à coleira da Chanel.
— E vamos poder brincar no quadro?
— Hum, tenho uma ideia. Podemos fazer o dever de casa lá.
— As duas pareceram ofendidas com a minha oferta, eram muito
figuras.
— Não sei se assim é legal, papai. — Alice comentou e a irmã
balançou a cabeça, em concordância.
— Tão espertinhas.
Gostava que elas tivessem apreço pela ONG, ainda eram
muito pequenas e não faziam ideia do nosso trabalho, mas um dia,
quando crescessem, talvez se interessassem e, até mesmo, se
voluntariassem por lá.
Havíamos expandido, em São Paulo tínhamos duas unidades,
outras duas no interior do estado e uma longa lista de espera de
pessoas que gostariam de ser atendidas pelo nosso programa. Olívia
e as meninas estiveram ao meu lado em todas as inaugurações e a
minha esposa sempre dava dicas para o nosso crescimento. Ela se
envolvia, era querida pelos voluntários e chegou a fazer desfiles
beneficentes quando estávamos implantando novas unidades.
— Olha papai, a mamãe chegou!
Olhei em direção a portaria do nosso prédio e lá estava ela,
havia acabado de chegar do trabalho para almoçar em casa, como
fazia todos os dias.
Meu coração bateu mais forte, como podia sempre reagir a
ela, mesmo depois de tantos anos juntos?
— Oi! — Cumprimentou-me, depois de ter enchido as filhas de
beijos.
— Oi, meu amor! — Com a mão livre, puxei a sua cintura e
beijei sua boca, sob os protestos das pequenas, que já faziam carinha
de nojo quando nos beijávamos.
A vida era leve ao lado de Olívia, os primeiros anos do
casamento sim, foram um pouco difíceis. Além de estarmos diante da
novidade de dividir um lar, gastos e manias, também éramos
desafiados a sermos pais de duas garotinhas que dependiam o tempo
todo de nós dois. Superamos, com muito amor e compreensão. Mas
agora, era calmaria.
Gostávamos da vida de casados, das responsabilidades que
aprendemos a compartilhar, de acordar toda manhã enroscados no
outro, da intimidade que só aumentava e melhorava.
Desfrutávamos das viagens de casal; passeávamos com as
nossas filhas; aprendíamos a educá-las; curtíamos um cinema
durante a semana ou um filminho em casa com as duas coladas em
nós dois embaixo do edredom; sexo todo dia quando nos livrávamos
das semanas mais tensas que mal conseguíamos uma rapidinha ao
acordar.
A vida real de um casal, foi o presente que Olívia trouxe para a
minha vida.
— Que família linda! — Ela sussurrou, com os olhos
marejados, após soltá-la.
— A nossa família!
Agradecimentos

Agradeço primeiro a Deus, pelo dom da vida e por permitir que meus
sonhos saiam do campo imaginário para serem realizados.
Ao meu marido, pela paciência e compreensão com as horas
que me dediquei ao livro, pelo amor que transborda, por gostar de me
agradar e sonhar junto comigo. Te amo!

À minha família, por acreditar em meus sonhos e me ensinar


a correr atrás do que quero.

Aos meus amigos, por estarem na torcida e expectativa. Às


minhas amigas, Stela e Mônica, presentes que o mundo literário me
deu! Além de talentosas, vocês são generosas. Fico feliz por nossos
caminhos terem cruzado.

Às minhas parceiras, que sonham junto comigo e me ajudam


a realizá-los!

Às leitoras queridas que me acompanham, incentivam e estão


sempre na torcida, espero que vocês gostem! Um beijo especial para
as queridas do grupo de leitoras!`

Às minhas leitoras betas: Aglycia, Carol, Julieny, Laura, Letícia,


Scarllat e Suellen. Vocês foram demais! Muito obrigada pelo auxílio e
paciência em meus surtos!!

E à Carol Lisboa, minha assessora, psicóloga, amiga e que


faz meu trabalho acontecer! Você é um presente em minha vida!
Sobre o autor
Rapha Fagundes

Raphaela Fagundes, nasceu em setembro de 1990, em Belo


Horizonte, Minas Gerais. É casada, advogada, professora em cursos
de noivos e líder de casais. Começou a escrever na adolescência,
lotando seus cadernos com histórias. Em 2018 tomou a decisão de
publicar seus trabalhos, mas foi apenas no final de 2019 que
finalmente conseguiu coragem para tirar os planos do papel.
Também é autora de outros livros, como “Amor e Recomeço”, “Nosso
Reencontro”, “Um Recomeço para o CEO” e “Duda & o CEO” todos
disponíveis na Amazon.
Para mais informações sobre a autora, a siga nas redes sociais:
IG: autoraraphafagundes
Face: autoraphaelafagundes
Wattpad: raphaelabiagini
Livros deste autor
DUDA E O CEO (Livro 1 - Série Irmãs Klein)
“Em definitivo, eu era fraca demais para o Pedro na versão CEO.”
Maria Eduarda Klein teve seu coração quebrado ao descobrir que o
namorado, com quem praticamente morava junto, era casado e havia
engravidado a esposa. Após o término, passou dois anos sem se
envolver com o sexo masculino, bem como, sem sair de casa para
compromissos que não fossem relacionados ao estudo ou trabalho.
Pedro Salomão é o CEO da empresa fundada pelo avô, cresceu com
a ideia fixa de jamais se envolver em um relacionamento sério.
Enfrentou a morte da mãe ainda na infância e segundo o seu
raciocínio, amar alguém importaria em algum momento precoce
perdê-la e sofrer com a sua ausência.
Os destinos de Duda e Pedro se cruzaram e eles tiveram lidar com as
suas limitações e traumas.
E ante a enorme atração que sentiam pelo outro, fica o
questionamento se foram corajosos o suficiente para enfrentarem a si
mesmos.

UM RECOMEÇO PARA O CEO


Ricardo Lima e Assumpção é viúvo e CEO de uma empresa que
administra franquias. Aos vinte e oito anos perdeu a esposa em um
acidente de carro. Vivia preso às lembranças do casamento que
acabou precocemente.
Tudo mudou quando ele foi despertado para quem estava em sua vida
fazia alguns anos.
Chloe de Corse foi levada para a França aos cinco anos, quando
perdeu a mãe, tendo sido criada pela família do pai. Os irmãos e a
madrasta sempre demonstraram o descontentamento com os
transtornos que sua chegada trouxe.
Os caminhos de Ricardo e Chloe foram traçados quando eles não
faziam ideia que poderiam se envolver. E no tempo certo, o destino
provou que havia um recomeço para o CEO.

NOSSO REENCONTRO
Antônio e Marina se conheceram na faculdade e após cinco de
casados, decidiriam divorciar. Eles procuravam a felicidade e julgaram
que sozinhos, poderiam encontrá-la. Acontece que conseguiram
colocar fim no compromisso, mas não no forte sentimento que nutriam
pelo outro.
Dois anos depois da separação, período em que não se falaram e,
tampouco se encontraram, foram colocados frente a frente. E em
uma situação de emergência.
Será que o amor falará mais alto? Porém, eles já provaram para si
mesmos que somente amor, não é suficiente.
Vem, com Antônio e Marina, embarcar neste reencontro.

AMOR E RECOMEÇO
Alexia, após flagrar seu noivo com a amante, fez as malas e partiu
para uma temporada em São Francisco, na Califórnia. Nunca havia
viajado sozinha, mas acreditava que se aventurar em outro país iria
lhe fazer bem. Ela tentava recuperar a autoestima e queria dedicar
um tempo a si mesma. Assim, mergulhou no trabalho de escritora e
foi escrevendo que conquistou Álvaro.

Ele havia ido para São Francisco em uma fuga da depressão que
enfrentava. Bastou colocar os olhos na pequena ruiva, que ia todos os
dias ao seu café favorito para escrever, e queria saber tudo sobre
ela.
Semanas se passaram até que eles foram fortemente envolvidos em
um romance cheio de desafios. Eles se tornaram o amor um do outro
e ambos o recomeço.

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