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Ler o sintoma da criança

“Aquele que me interroga sabe também me ler” Televisão Outros escritos p. 509
Ler o sintoma é um texto do Miller que explicita a orientação lacaniana em relação à
interpretação.

Considerar que a interpretação é da ordem de uma leitura é uma indicação que


encontramos no Seminário 4, onde Lacan propõe ler o caso Hans que sofria de uma
fobia de cavalos no capítulo XVII. Encontramos aí uma serie de considerações sobre a
interpretação. Nesse capítulo, Lacan sugere que a interpretação tem a mesma estrutura
do chiste. Para elucidar o caso Hans, a leitura do caso Hans, temos que seguir certas
regras. Que não concernem só a análise de crianças, mas também de adultos. Trata-se de
levar em conta que na clínica quando se fala de objetos, de relações ou atos
sintomáticos, estes devem ser abordados como significantes. Nesse sentido, o objeto
cavalo, sua função e seu valor para Hans é porque ele é um significante fundamental.

Dando ênfase ao significante, Lacan propõe extrair a psicanálise, especialmente a


psicanálise como crianças de um desvio psicoterápico, que consiste em impor a criança
as significações que os analistas consideram apropriadas.

Que implica uma significação? Isso que se diz, isso que você faz, ou isso do que você
sofre, quer dizer tal coisa. Isso implica em uma universalização ao nível da
interpretação “para toda” criança, ou seja, o significado de tal sintoma se resume a um
querer dizer edípico.

Impor significação à criança é o que Lacan caracteriza como contratransferência, ou


seja, a implicação dos prejuízos do analista ao analisante. Lacan nos propõe no
Seminário 4 o que ele chama regra de ouro:

1- Reter em conta o significante e não a significação


2- Nenhum significante poder ser considerado tendo uma única significação
3- Casa significante se define em sua articulação que se produzem a nível de
combinações metonímicas e substituições metafóricas
4- O significante do sintoma, que ‘é enigmático pode recobrir múltiplas
significações ao longo da cura

Sabemos que na leitura do caso Hans. Lacan se orienta segundo os circuitos, as


permutações e as transformações dos significantes que a criança elabora, que elabora

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com o fantasma, aos quais Lacan lhes dá o estatuto de mitos, mitos que tratam e dar
conota em uma trama significante para significantizar o impossível ao qual a criança
está confrontada. Nesse sentido, Lacan nos convida a considerar as histórias das
crianças, seus desenhos e seus jogos, como sendo, através dos quais, por intermédio da
articulação significante, a criança trata o real, ou seja, o gozo.

É precisamente no Seminário 4, no capítulo XIX, Permutações, contém uma indicação


preciosa: “Transportamos a questão da análise do significante para o nível da decifração
hieroglífica da função mitológica” (Lacan, Seminário 4, p.331). O termo “mitológica”,
já introduz o sem sentido. E Lacan acrescenta: “Voltar a atenção para o significante
queria dizer, em primeiro lugar, é saber ler”. Miller diz que o saber ler, completa o bem
dizer. Ou seja, o bem dizer próprio à psicanálise se funda sobre o saber ler. A
psicanálise não é só uma questão de escuta, ele é também uma questão de leitura. Há
uma distância entre falar e escrever. É nessa distância que opera a psicanálise, é essa
diferença que a psicanálise explora. Quer dizer que já no Seminário 4 Lacan postula a
intepretação psicanalítica como sendo da ordem de uma leitura. A interpretação como
leitura terá no curso de seu ensino um valor diferente, centrando-se ao final de seu
ensino na leitura da letra. Nesse momento do seu ensino correspondente ao Seminário
4, leitura implica na insistência do significante e leitura da articulação dos significantes
S1-------S2. O analista é que lê e essa leitura se propõe com interpretação. Podemos
dizer que a supervisão também é um disposto de leitura, em um dispositivo onde o
analista põe a prova a sua leitura do caso e submete a sua própria leitura a outra leitura,
outro leitor que nesse caso é o analista que faz a supervisão.

Nas Conferências sobre o sintoma em “Introdução à psicanálise”, Freud nos apresenta


duas vertentes fundamentais do sintoma. Na Conferência XVII o sintoma é o que se lê
na vertente do sentido como mensagem recalcada que há que decifrar, porem na
Conferência XIII Freud nos propõe a vertente fundamental do sintoma, que é a do gozo,
a bedeutung do sintoma. Nesse sentido o sintoma indica que: o sintoma é uma entidade
de linguagem como um mito, um mito que evoca Lacan com Hans. O sintoma fala,
como Lacan recorda na Universidade de Colúmbia, o sintoma diz algo, pelo qual, Freud
pode avançar que o sintoma se interpreta com as formações do inconsciente: os sonhos,
os lapsos, os atos falhos, se interpretam no registro do efeito de verdade. E em função,
como diz Miller, de um desejo em jogo, é a fase do desejo em jogo, é a fase verdade do
sintoma freudiano, porém - como Miller assinala- o paradoxo que se impõe a Freud, é

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que na experiência analítica podemos constatar que se as formações do inconsciente e
são fugazes, o sintoma, pelo contrário, é permanente. Os efeitos de verdade, em
definitivo, podem não ter maior incidência no gozo do sintoma, o qual manifesta uma
permanência e uma persistência que resiste a intepretação, e essa vertente da bedeutung
do sintoma, de referência de gozo que Lacan vai isolar em seu último ensino com o real
do sintoma.

Então, a pergunta é a seguinte; como operar na experiencia analítica a partir dos efeitos
de sentido, quando se trata de tocar o real do sintoma que escapa ao sentido? Nessa
perspectiva se encaminha o último ensino de Lacan: considerar qual deve ser a operação
do analista a partir desse novo questionamento relativo ao real do gozo que escapa ao
sentido? A ideia de Lacan será então promover não a palavra e sim a escritura, e por
essa via abordara uma redefinição do inconsciente. É somente considerando o
inconsciente com um texto escrito, que a operação analítica pode ser concebida com
uma leitura da letra, esta grande virada se produz nos Seminários 19 e 20.

No Seminário 20 Lacan recorda que os linguistas diferenciaram significante e


significado, porem ele radicaliza essa distinção introduzindo uma separação radical
entre ambos. Nesse sentido, o significante é o que se escuta a nível de sonoridade de
uma língua, o significado é um efeito do que se escuta como sonoridade e implica a
vertente do que se quer dizer. Lacan radicaliza esta relação como uma não relação, o
cito: distinguir a dimensão significante é destacar que se só postula aquilo que se ouve,
ou seja, somente com a leitura do que se ouve com o significante, o que não tem nada a
ver com o significado, ou seja, com aquilo que se ouve. O que se ouve é o significante.
O significado é efeito do significante (LACAN,1982, p. 39).

Podemos supor que cada um lê o que se escuta com a chave do seu fantasma, daí o mal
entendido. A proposição de Lacan, precisamente, para não infligir aos analisantes uma
leitura fantasmática, é escutar o significante isolado do que ele quer dizer, disjunto do
efeito de sentido, quer dizer, tomado com letra e é a letra que gira a passagem da
palavra à escritura. Para Lacan é evidente que em psicanálise não se trata de outra coisa,
e sim do que se lê mais além do que há incitado o sujeito a dizer.

Agora, bem qual a diferença entre a leitura que Lacan nos propõe no Seminário 4 e a
leitura que ele nos propõe no Seminário 20? A diferença é radical, no semanário 4 a
leitura implica em uma articulação significante e no Seminário 20 tomar o significante

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como que se escuta separado do que ele quer dizer, quer dizer tomar o significante Um
sozinho, separado do outro significante, no qual introduz o efeito de significação.
Romper essa articulação implica extrair o significante da relação com o significado,
fazendo valer o equívoco. De maneira tal que, pelo equívoco que equivoca a nível da
ortografia, da gramática e da lógica. Lacan postula a interpretação como equivalente da
leitura de um texto, uma leitura de letra e por essa via, o analisante no discurso
analítico, trona-se um leitor. Quer dizer, que a questão é introduzir ao analisante a
leitura do seu texto pela via da ressonância dos significantes fora de todo efeito de
sentido.

“A gramática é aquilo que, da linguagem só se revela por escrito” Lacan sem 20, p. 50

O que podemos constatar é o choque, o golpe desse significante como marca sonora, no
qual produziu na criança um acontecimento de corpo, quer dizer uma desesperança se,
fim. É possível que fazendo ressoar esse significante, em suas versões homofônicas que
introduzem toda uma serie de significações novas, passou-se o vestígio desse
significante do dito ao dizer.

Transmitirei o que um adolescente vem me ensinando a esse respeito na minha prática,


a partir de um fragmento clínico.

Freud descobriu que o sintoma se interpreta como um sonho, se interpreta em função de


um desejo e que é um efeito de verdade. Só que num segundo tempo há a persistência
do sintoma mesmo depois de ser interpretado. Quer dizer um paradoxo, se o sintoma é
pura e simplesmente um ser de linguagem, como explicar que fica um resto? O
paradoxo é o resto, mais além da interpretação freudiana. Vamos além dos restos
sintomáticos que era onde Freud parava. Sob o nome de restos sintomáticos, Freud
chocou-se com o real do sintoma, com o que, no sintoma, é fora de sentido.

Queria assinalar isto: o gozo? Em certo sentido, sim. Podemos dizer que o gozo
primário é o gozo do próprio do corpo como tal, que é um fenômeno de corpo. Um
corpo é o que goza de si mesmo, é o que Freud chamava o auto-erotismo, o que é uma
verdade para todo corpo vivo, o gozar de si mesmo. O que distingue o corpo do ser
falante é que seu gozo sofre a incidência da palavra. E, precisamente, um sintoma
testemunha que houve um acontecimento que marcou seu gozo e que introduz
um Ersatz, um gozo que não faria falta, um gozo que transtorna o gozo de sua natureza
de corpo. Portanto, nesse sentido, não, o gozo em questão no sintoma não é primário. É

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produzido pelo significante. E é precisamente esta incidência significante o que faz
do gozo do sintoma, um acontecimento, não apenas um fenômeno. O gozo do
sintoma testemunha que houve um acontecimento, um acontecimento de corpo depois
do qual, o gozo natural, entre aspas, que podemos imaginar como o gozo natural do
corpo vivo, transtornou-se e se desviou. Este gozo não é primário, mas é primeiro em
relação ao sentido que o sujeito lhe dá e que lhe dá por seu sintoma enquanto
interpretável.

A leitura, o saber ler consiste em manter à distancia, a palavra e o sentido que ela
veicula, a partir da escritura como fora de sentido, como letra, a partir de sua
materialidade. Enquanto a palavra é sempre espiritual, se posso dizer assim, e a
interpretação que se sustenta puramente ao nível da palavra não faz mais que inflar o
sentido, a disciplina da leitura aponta para a materialidade da escritura, quer dizer, a
letra enquanto que ela produz o acontecimento de gozo que determina a formação dos
sintomas.

Para Freud, como ele partia do sentido, isso se apresentava como um resto, mas, de fato,
esse resto é o que está nas origens do sujeito, é, de algum modo, o acontecimento
originário e, ao mesmo tempo, permanente, quer dizer, que se reitera sem cessar.

É o que se descobre, o que se desnuda na adicção, não “mais um copo” que escutamos
falar há pouco6 . A adicção é a raiz do sintoma que é feito da reiteração inextinguível do
mesmo Um. É o mesmo, quer dizer, precisamente, não se adiciona. Não teremos jamais
o “bebi três copos, portanto, é suficiente”, bebe-se sempre o mesmo copo uma vez mais.
Essa é a raiz do sintoma. É neste sentido que Lacan pôde dizer que um sintoma é um
etcétera. Quer dizer, o retorno do mesmo acontecimento. Podemos fazer muitas coisas
com a reiteração do mesmo. Precisamente, podemos dizer que o sintoma é, neste
sentido, como um objeto fractal, porque o objeto fractal mostra que a reiteração do
mesmo pelas aplicações sucessivas lhes dá as formas mais extravagantes, inclusive se
pôde dizer, as mais complexas, que o discurso matemático pode oferecer.

A interpretação como saber ler visa reduzir o sintoma a sua fórmula inicial, quer dizer,
ao encontro material de um significante e do corpo, quer dizer, ao choque puro da
linguagem sobre o corpo. Então, certamente, para tratar o sintoma, é preciso passar pela
dialética móvel do desejo, mas também é necessário se desprender das miragens da

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verdade que essa decifração lhes aporta e apontar mais além, à fixação do gozo, à
opacidade do real.

*Jacques Alain-Miller apresentou no final do Congresso da NLS que se realizou em Londres, nos dias 2 e
3 de abril de 2011, o tema do próximo congresso que acontecerá em Tel-Aviv, em junho de 2012. Texto
estabelecido por Dominique Helvoet, não revisado pelo autor.

A interpretação, hoje

Miquel Bassols

"Interpretação hoje" é o título que me foi proposto para realizar este Seminário na II
Conferência da NEL em Medellín. 

O não-todo interpretável

Inicio trabalho

A interpretação é o que torna a prática da psicanálise específica em relação à nebulosa


das psicoterapias, especialmente aquelas que utilizam o único meio da palavra. Alguns
falam de interpretação sem explicitar que foi a psicanálise que a introduziu com sua
prática, embora a própria psicanálise pós-freudiana se encarregasse de diluir seu sentido
em uma panóplia de intervenções (esclarecimentos, indicações etc.)

Sintoma e formações do inconsciente

Não se pode esquecer que foi Freud quem mostrou a dimensão do sentido e da
interpretação como essencial no sintoma, quem mostrou que o sintoma, como a série de
formações inconscientes, era interpretável.

Inicio do trablaho

Mas, em si, o campo da interpretação é um campo muito ambíguo. O que torna algo
interpretável? E o que faz com que algo não seja interpretável? Quando uma criança
que ainda não sabe ler se aproxima do adulto que lê um jornal e lhe pergunta “o que diz
aí?”, podemos nos perguntar o que a fez supor que ali, naquele papel manchado de tinta,
há algo para decifrar, para interpretar.

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Algo se torna um signo interpretável para o sujeito apenas sob determinadas
condições. E uma dessas condições é precisamente que nem tudo seja interpretável, ou
seja na medida em que algo é isolado, enquadrado, como um signo interpretável e algo
distinto fica fora dessa referência.  Se tudo se torna um signo interpretável, estamos
diante da psicose, diante do delírio interpretativo que não se detém em nenhum ponto,
onde se impõe um "tudo é interpretável". 

O "tudo é interpretável" é, por assim dizer, uma interpretação delirante da


interpretação.  Certos modos de interpretação transferencial nos quais tudo se faz
interpretável no "aqui e agora" da sessão analítica parecem seguir essa inclinação. . Na
verdade, a própria estrutura da linguagem nos submerge numa espécie de delírio
generalizado em que qualquer signo pode referir-se, numa metonímia infinita, a
qualquer outro signo. Mas, veremos que a interpretação analítica não pode se resolver
em um único eixo da metonímia, que se tem lugar na mediada em que parte de um não
todo é interpretável.

Meta linguagem

Em outras palavras, a interpretação faz parte do próprio texto interpretado. Como no


caso do sonho, a interpretação coincide com o desejo que está articulado nele. A
máxima lacaniana de que "desejo é interpretação" leva essa ideia às suas últimas
consequências: não há interpretação do desejo como algo exterior à sua estrutura, como
uma metalinguagem desse desejo, mas a interpretação é o próprio desejo. A identidade
entre desejo e interpretação estará assim de mãos dadas com o “não todo” interpretável
ou “não há metalinguagem”.

Nos termos de Lacan de 1964: “o analista faz parte do conceito do inconsciente”, não há
analista fora do texto do inconsciente, que, por sua vez, não existe sem aquele analista
que dele faz parte.

 O primeiro índice que podemos encontrar da inclusão do Outro da palavra como sua
interpretação está na eminente função da pontuação, uma forma canônica de
interpretação colocada por Lacan já em 1953, em “Função e campo da palavra e da
linguagem em psicanálise ".
"A interpretação coextensiva da história ..."

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Quais são as consequências dessa estrutura de interpretação necessariamente "não-
toda"? Uma consequência importante é que a interpretação não está aberta, como às
vezes se pode supor, a todos os sentidos. O sentido de uma interpretação depende do
momento em que é feita, é relativo à sua enunciação. É por isso que podemos dizer que
há uma história da interpretação ou, melhor ainda, como Lacan indica em “A direção da
cura ...” (Escritos, p. 578) essa interpretação é “coextensiva à história”. Significa que a
interpretação se estende simultaneamente, uma vez que, a história que se supõe que
interpreta. A interpretação em "extensão", é a própria história como é contada, não
como um conjunto de fatos que se pretende narrar.

 A mesma interpretação, por mais “correta” que seja, feita em um momento ou outro,
pode ter efeitos muito diversos ou também pode deixar de tê-los. Foi o que aconteceu
nos primórdios da psicanálise com a interpretação "edipiana", que teve efeitos
fulminantes, efeitos que foram se perdendo com o tempo, pois o sentido "edipiano" já
estava incorporado à própria história da interpretação. As interpretações mais
verdadeiras não valem tanto por seu enunciado quanto por sua enunciação, no momento
em que se realizam.

Ao mesmo tempo, uma interpretação pode ter efeitos “après coup”, de forma
retardada. Na verdade, sempre há aquele tempo lógico necessário para a interpretação,
passando por um tempo de indeterminação do sujeito até que ele produza seu efeito de
sentido. Às vezes esse tempo é muito breve, às vezes o efeito ocorre logo após o
término da sessão, quando o sujeito está no patamar da escada, outras vezes pode
demorar muito mais. Quantas vezes uma interpretação não revelou seus efeitos mais
verdadeiros até anos depois de ter sido enunciada.

Silvia Salman realiza un Recorrido y estudia las variaciones de la "resonancia" en la


obra de Lacan, pasando de la "resonancia semántica" a la "resonancia libidinal".

Tradução

Silvia Salman percorre as variações de "ressonância" na obra de Lacan, indo da


"ressonância semântica" à "ressonância libidinal".

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O que me interessa explorar neste trabalho é o lugar que o termo ressonância ocupou na
obra de Lacan e sua articulação com a interpretação lacaniana para localizar o que
permaneceu constante nele e o que nele variou ao longo de seus desenvolvimentos. A
tensão entre o que permanece constante e o que varia, nos permitirá extrair suas
consequências na prática.

A postulação do princípio da singularidade é o que me orienta nessa direção, na medida


em que o considero um dos princípios em que se sustenta a interpretação lacaniana.

No Seminário 20 Lacan nos lembra, seguindo o fio dos discursos, que na experiência
analítica o máximo que se pode produzir é S1, S1 que ele designa como significante do
gozo, e do qual observa que é um gozo muito singular. Assim, a partir do momento em
que se trata de gozo, o que prevalece é a singularidade.

A partir daqui a interrogação de Lacan não recairá mais sobre um significante, mas
sobre o significante Um, podendo romper com a linguística e explorar na perspectiva da
lalangue aquilo com que podemos designar o que é assunto de cada um.

Em 1971, quando Lacan se dirigiu aos psicanalistas de Ste Anne, ele lhes apontou qual
é o princípio que sustenta o que eles fazem quando interpretam, e lhes diz que não há
interpretação que não diga respeito ao gozo. Ou seja, ao laço do que se manifesta na
palavra com o gozo. Essa é a questão de cada um, o que cada um deve colocar de sua
parte.

A questão que nos é colocada na experiência da análise é saber como se pode apreender
esse gozo com o dizer, como se pode chegar a tocá-lo e modificá-lo? Como dizer? Essa
é a questão do lado do analista.

A orientação que encontramos no Seminário 23, quando Lacan afirma que deve haver
algo no significante que ressoe. No entanto, Lacan já nos falava sobre a ressonância da
interpretação em "Função e campo da palavra e da linguagem na psicanálise".

1- A ressonância semântica

Em "Função e campo ..." Lacan situa a experiência da análise como experiência de


palavra e sustentada pela estrutura da linguagem.

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Lá ele se propõe a renovar a interpretação, devolvendo à palavra seu valor de evocação.
Desse modo, a posição do analista se situa como aquele que pode jogar como poder do
símbolo, evocando-o de forma calculada nas ressonâncias semânticas das expressões.

No horizonte, a questão que se formula neste momento é como transformar, por meio da
palavra, o sujeito a quem a palavra se dirige? Nessa perspectiva, o fundamento da
palavra é a comunicação. Lacan diz: “... o que procuro na palavra é a resposta do outro,
o que me constitui como sujeito é a minha pergunta”. A interpretação é considerada,
então, fundamentalmente como reconhecimento e o que se destaca é a sua função de
evocação.

Em "O escrito na palavra", Miller localiza uma tensão entre ressonância e comunicação.
Enquanto a ressonância da palavra restitui à palavra seu valor de evocação, tem-se a
impressão de que ela está ao lado da comunicação, ou seja, destaca elementos não
comunicacionais. Por fim, conclui que a ressonância é em todo caso uma comunicação,
embora pelo viés indireto.

Ou seja, comunica-se indiretamente evocando o sujeito para transformá-lo. Esta é a


ideia em "Função e campo ...". Não está fora do plano de comunicação.

Assim, destaca-se a propriedade semântica da ressonância, ou seja, seu valor simbólico.

Como a ressonância está se tornando relevante neste momento? Lacan sustenta que é o
eco da palavra, é a propriedade da palavra que consiste em fazer ouvir o que ela não diz.
Ao mesmo tempo que não diz, faz escutar. Acentua-se assim o modo indireto de
interpretação, e o dizer ao lado que assumirá diferentes formas ao longo do seu ensino,
mas preservando este eixo.

Nessa perspectiva, o referente de interpretação é a linguagem e, portanto, o registro


simbólico. O que se destaca é a posição particular que o sujeito tem em relação ao
significante. Interessa-me destacar o estatuto do particular, visto que o que a
interpretação isola por esse viés, é a posição do significante que se recorta no fundo da
linguagem, isto é, na cadeia. Um particular é então revelado mantendo sua
referência ao Universal. E o "todos" é necessariamente semântico.

Posteriormente, Lacan dirá, como assinalamos no início, que o que lhe interessa é o
Um, o significante como Um. É com o Um que tem a oportunidade de escapar do
sentido e por isso é desse Um, que surgem os mal-entendidos.

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O equívoco é um significante liberado pelo analista que tem a propriedade de ser um
enunciado de tal abertura, que não determina inequivocamente o sentido, é um convite a
não concluir o sentido. Essa forma de dizer obriga o analisando a colocar algo de sua
parte, ou seja, a produzir o erro de sua parte, interpretando assim seu gozo. Esse
movimento capta o deslize que vai se dar do particular do sujeito em direção ao singular
do parlêtre e seus efeitos na prática.

2- A ressonância metonímica

Algum tempo depois, a clínica será modificada com a introdução do falo, e é em "A
direção da cura e os princípios de seu poder" que ele formalizou a doutrina da
interpretação com o termo alusão.

Com a conceituação do falo como um significante ímpar, a indicação de Lacan é que a


interpretação deve exibir sua virtude alusiva. A alusão mostra algo mas sem nomeá-lo,
ou seja, pode fazer escutar algo sem fazer passar pelo dito.

Desse modo, ele põe em jogo a propriedade metonímica da ressonância. A alusão então
acentua, não tanto a cadeia significante, mas o intervalo. É por isso que Lacan o ilustra
com o dedo levantado do São João de Leonardo, o índice do indizível.

Pode-se pensar que entre a evocação e a alusão Lacan passa da dimensão do recalcado
para a dimensão do vazio e da falta, e isso tem consequências na clínica. Da clínica sem
o falo de "Função e campo ..." à clínica do falo de "A direção da cura ...", é um dos
eixos que Miller aborda no curso "Da natureza dos semblantes "

É interessante notar que, neste momento de seu ensino, Lacan toma como referência,
por um lado, o que a tradição hindu ensina sobre a propriedade da palavra de fazer
entender o que ela não diz: “... A ausência do leão pode, portanto, ter tantos efeitos,
como o salto que, de estar presente, eu só daria uma vez. "

E, por outro, apela aos recursos de uma linguagem e sobretudo àqueles que se
concretizam nos seus textos poéticos. Assim, trata-se de manejar a função poética da
linguagem para dar ao desejo sua mediação simbólica.

3- A ressonância libidinal

Mas ... a interpretação lacaniana, aquela que sustenta nossa prática, ainda está por vir. É
a radicalização da noção de real que prepara o futuro da interpretação. Para isso, será

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necessário localizar alguns eixos em que se tornou a ressonância da interpretação no
último ensino de Lacan: Em primeiro lugar, direi que o que se enfatiza é a propriedade
econômica da ressonância.

A referência à pulsão e ao corpo são os dois elementos recortados nesta nova


abordagem. Por um lado, em Sem.23 Lacan dirá que "... as pulsões são o eco no corpo
do fato de que há um dizer".

Introduz-se assim a dimensão do real e o lado onde o inconsciente está ligado a ele. Há
uma referência direta do inconsciente ao corpo que convoca o analista a operar a
economia libidinal para elucidar o mistério do inconsciente, ou seja, o mistério do corpo
que fala. E o equívoco é proposto como o meio eficaz para que esse dizer ressoe nos
orifícios do corpo sensível.

Com efeito, o trabalho do inconsciente não se esgota na produção permanente de um


saber que, por estar inacabado, é, portanto, insistente. Nessa perspectiva, a experiência
de uma análise vai além do que o inconsciente metaforiza como saber, captando os
cortes por onde o real se mostra.

Por outro lado, no Seminário 24 ele dirá que "... é pelo forçamento que um psicanalista
pode fazer ressoar outra coisa que não o sentido" e desta vez nos remete à escrita
poética chinesa, ao chiste, para localizar a dimensão da interpretação analítica. Nesse
ponto fica claro que embora para Lacan seja necessário passar pela linguística, ele não
parou por aí. O deslocamento do significante para a letra o demonstra.

Por um lado, dá um novo alcance à metáfora e à metonímia, na medida em que, ao unir,


estreitamente, o sentido e o som, eles são capazes de "cantarolar" outra coisa. E, por
outro lado, ele se propõe a fazer um uso inédito da palavra, um uso diferente daquele
para o qual ela é feita. O que se percebe nessa última perspectiva é que o referencial de
interpretação deixa de ser a linguagem e o que surge como pano de fundo é a lalingua.

O caráter fundamental desta formulação visa situar que com a lalangue já não se
encontra assegurada a conexão com o Outro e que, nesse sentido, a interpretação
analítica se dirige ao que há do Um no parlêtre, revelando a singularidade do seu gozo.
Por isso essa ultima, é uma ressonância que se produz no corpo, na medida em que este
corpo é a substância sobre a qual se apoia o gozo e, portanto, assim se percebe que

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lalangue não é feita para dizer, mas para gozar, e que esse é o nosso cantarolar.
canturreo

Pode-se captar aqui um deslocamento da dimensão do vazio e da falta, vinculado à


propriedade metonímica da ressonância, para a dimensão de "Não há relação sexual"
cujo correlato é "Há o Um". O S1 é a marca sobre o sujeito de uma singularidade
indelével, é o traço que o diferencia na série do Uns. E daí decorre que, orientado pelo
real, cabe ao analista a responsabilidade de produzi-lo na experiência.

Portanto, considerar o princípio da singularidade como aquele em que se baseia a


interpretação analítica, permite-nos captar as diferentes formas como o termo
ressonância se apresenta na obra de Lacan, bem como a forma como a ela se articula a
posição do analista. .

A ressonância semântica é finalmente questionada em seu último ensino pela


ressonância libidinal. Dessa forma, distingue-se a singularidade do gozo, o que implica
a produção de um significante S1 desconectado do Outro. Do particular que emerge
como efeito do enlaçamento de um significante com outro, que Lacan denomina cadeia
S1-S2, e cujo referente é a linguagem. Deve-se notar que não se trata de corrigir o
referido enlace, mas de objetá-lo.

Desse modo, as três propriedades da ressonância que forma destacadas se entrelaçam


para dar lugar a interpretação lacaniana.

É nessa direção que se chega ao que poderíamos chamar de ponto limite do


inconsciente, onde um significante não chama mais outro, onde será possível ler o que o
Um escreve sobre a causa.

La interpretación analítica. Del impasse del cifrado ala reducción del sentido*

Rosa Durá Celma

Si uno entiende cómo funciona la interpretación, eso no es una interpretación analítica.

Jacques Lacan, citado por J.-A. Miller en «Lo real en el siglo XXI»

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O Seminário 18 Lacan (2009: 109), ao tentar elucidar os conceitos de escritura e letra,
afirma que tudo o que naquele momento de seu ensino tenta transmitir não teria sentido
sem sua prévia teorização do inconsciente. Ainda que sem ser explícita, é, a meu ver, a
premissa que tem norteado o trabalho deste grupo de investigação cujo trabalho tem
percorrido textos de cronologias muito diversas, oscilando entre trabalhos inscritos na
fase da primazia simbólica de Lacan até os escritos de sua autoria dos últimos
seminários, passando pelas contribuições fundamentalmente de Miller e de outros
autores também contemporâneos.

Tal como acontece com a maioria dos conceitos analíticos, a interpretação não pode ser
pensada sem se atentar a outros aspectos dos quais é indissociável: a posição do
analista, o lugar de onde ele interpreta e para onde dirige sua interpretação; o par
inconsciente transferencial e o inconsciente real. Ou seja, a prática interpretativa é
correlativa à noção de inconsciente com a qual cada analista opera (Miller, 2014: 48), e
a interpretação não só aponta para os significantes, mas também recai sobre as fissuras,
ali onde o sentido não tem lugar, onde habita o indizível; a passagem do conceito de
inconsciente ao de parlêtre; a pré-interpretação dos sintomas por parte do inconsciente
(Miller, 1984:7) e a interpretação do analisando e do analista?

Pensar na interpretação deste último seria fazer da interpretação uma metalinguagem,


mais ainda, unilateralizar a interpretação do lado do analista que conduz a um beco sem
saída (Miller, 1996: 8 )?; o binômio sintoma e fantasma, na medida em que o primeiro
pertence à esfera do simbólico e pode ser decifrado, enquanto o último, cai do lado do
gozo, deve ser construído e não admite interpretação; a transferência e o SsS, uma vez
que a interpretação requer uma atmosfera que se constrói ao longo do tempo nas
sessões.

O fim da análise, dado o vínculo que este tem com a interpretação; a extimidade, como
função ou lugar que possibilita a interpretação do analista, pois só a partir desse lugar
existe a possibilidade de desfazer o sintoma (Miller, 1986:19) e um longo etc.

Tudo isso torna a abordagem da interpretação analítica, do ponto de vista teórico, uma
tarefa difícil. Com efeito, e como afirma Miller (2012: 47), a interpretação não tem um
matema, não é uma técnica, mas uma ética, logo, é um tipo de arte com a qual cada
analista deve saber fazer.

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Sostener que la interpretación analítica es un concepto solidario del de inconsciente
puede resultar una afirmación reduccionista si reparamos en que nos encontramos en un
momento, el actual, en el que el orden real está en el punto de mira teórico del discurso
analítico.

Sustentar que a interpretação analítica é um conceito solidário ao do inconsciente pode


ser uma afirmação reducionista se percebermos que estamos em um momento, o atual,
em que a ordem real está no ponto de mira teórico do discurso analítico.

Por isso, pode-se falar de uma interpretação simbólica que aponta para o inconsciente
transferencial e de uma interpretação de outra ordem que se dirige ao inconsciente real,
o que não quer dizer que esta última forma de proceder implique evitar a interpretação à
maneira freudiana, ou seja, a decifração das formações do inconsciente, visto que, pois,
como aponta Miller (2012: 49), a interpretação dos sonhos, lapsos e sintomas tem a
função de instalar a atmosfera interpretativa sem a qual a experiência analítica não seria
possível.

.Por outro lado, Marie-Hélène Brousse ilumina essa questão ao dizer que as operações
analíticas que funcionam se fundamentam na homofonia, como materializações sonoras,
com o witz; e então pode metaforizar, ampliar, ou seja, produzir sentido. Por isso,
continua a autora, as explicações que às vezes fazemos na cura analítica não surtem
nenhum efeito, não produzem nada, “o que acontece é que quando se produz isto,
também se produz ondas que são efeitos de verdade, o efeito real produz efeito de
verdade, pelo nó entre o simbólico, o real e o imaginário » (2002: 88-95).

prossegue o autor, as explicações que às vezes fazemos na cura analítica não surtem
efeito, não produzem nada, «o que acontece é que quando se produz isso também se
produz ondas que são efeitos reais, o efeito real produz efeito real, pelo nó entre o
simbólico, o real e o imaginário »(2002: 88-95).prossegue o autor, as explicações que às
vezes fazemos na cura analítica não surtem efeito, não produzem nada, «o que acontece
é que quando se produz isso também se produz ondas que são efeitos reais, o efeito real
produz efeito real, pelo nó entre o simbólico, o real e o imaginário »(2002: 88-95).

A definição do inconsciente freudiano como um saber baseado na articulação de


significantes a devemos a Lacan. No “Discurso de Roma”, ele explicita

15
contundentemente: “à ordem significante e a nenhum outro pertence o fenômeno do
inconsciente” (2012: 151). Assim, um inconsciente submetido às leis da linguagem em
que a noção de interpretação está muito próxima da de decifração que faz emergir um
novo sentido que atenua o sofrimento causado pelo sintoma.

Ora, a interpretação é o próprio inconsciente, por isso Lacan não a considera um


conceito fundamental da psicanálise, e o inconsciente? É o primeiro a interpretar?
Também quer ser interpretado, de maneira que a interpretação nada faça nada mais do
que somar, produzir sentido sem cessar, correndo o risco de infinitizar-se (Miller, 1996:
7-10), eternizando consigo o gozo que a cifração interminável traz consigo

No entanto, o delírio que pode trazer consigo a interpretação tem um limite, na medida
em que nem tudo é interpretável. O contorno do inconsciente transferêncial termina ali
onde um significante deixa de se remeter a outro significante. O inconsciente
transferencial se enoda com a interpretação, e o objetivo desta "não é tanto o sentido,
mas a redução dos significantes ao seu não-sentido" (Lacan, 2010a: 219).

O analista, então, deve abster-se de injetar mais sentido na interpretação do inconsciente


e do analisante. Assim, partimos da ideia do inconsciente estruturado como linguagem à
de um inconsciente em que o real se sobrepõe ao verdadeiro, um inconsciente solitário,
sem leis, intimamente vinculado aos fenômenos do corpo, ao gozo.

Quando em 1971 Lacan se dirigiu aos psicanalistas em Ste. Anne, Silvia Salman (2004)
nos diz, afirma que não há interpretação que não diga respeito ao gozo, isto é, ao laço do
que se manifesta na palavra com o gozo. Mas como tocar um inconsciente que, ao
contrário da transferência, não quer dizer? Como, a partir da posição do analista,
apontar para a dimensão real do corpo que fala, ao parlêtre, para tentar modificar o gozo
ou produzir uma relação menos mortifera do analisante com o seu gozo? Como passar
da linguagem à lalíngua? Todas as questões que se resumem em uma: que ato analítico
colocar poe em jogo quando significante e gozo são duas caras da mesma moeda,
quando o que está envolvido não é mais um saber, mas um real aleatório e contingente,
um fragmento assistemático separado do saber ficcional?

Repercutir no núcleo real do gozo de um sujeito só é possível por meio de um desvio; o


analista deve conduzir ao não dito, interpretar o silêncio da pulsão. Não se trata,

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portanto, de levantar a defesa, mas de perturbá-la. Nesse contexto, a tarefa do analista,
como afirma Miller (2003: 35-36), não consiste em interpretar a defesa, o que implicaria
em acrescentar mais sentido, mas sim em desestruturá-lo, perturbando-o no bom sentido
para fazê-lo ver. o impossível-de dizer. Quando se trata de defesa, portanto, o registro
de interpretação muda; o analista erra se apontar diretamente para a pulsão, pois o que
provavelmente surgirá daí será uma transferência negativa que fará o paciente
abandonar a análise.

Nem toda intervenção do analista é uma interpretação. Da mesma forma, nem toda
interpretação, mesmo com seus efeitos, é o único modo, por outro lado, de verificá-la,
se tem eficácia mutativa no que diz respeito ao gozo. A interpretação por citação, por
alusão, interpretação dissociativa ou interpretação apofântica, para ilustrar alguns
exemplos citados por Jorge Chamorro (2011), ou pontuação e as ressonâncias
semânticas e metonímicas mencionadas por Silvia Salman (2004) caem do lado do
sentido; o simbólico predomina sobre o real. Mesmo assim, toda interpretação contém
um silêncio, um enigma com o qual se tenta incomodar o discurso do ego, perturbar a
defesa.

A operação analítica que aponta ao gozo do analisante tem três pilares fundamentais: o
silêncio, que inclui o enigma, o corte e o equívoco.

A cadeia significante recobre o enigma do sintoma; trata-se de saber calar para que seja
o inconsciente quem interprete. No Seminário 17, Lacan nos diz que o enigma é uma
enunciação cuja função é dizer a metade: "Deixo para os [analistas] transformá-la em
enunciado" (2010b: 37). Jorge Chamorro (2011: 23), por sua vez, fala do enigma como
vazio; Não tem enunciado, pode ser um gesto, uma interjeição, um bocejo ... é o
analisante que interpreta os signos do oráculo, afirmação essa que se completa com o de
Graciela Brodsky (2001) quando sugere aproveitar a lei da comunicação e colocá-la do
lado dos analistas sendo conciso, ambíguo, oracular e enigmático para obrigar o
analisante a interpretar nossa interpretação com os recursos de seu inconsciente e não
com os de seu entendimento.O silêncio é uma interpretação primordial, ele desconstrói
o sentido, mas o que se opõe ao sentido, além do silêncio, não é o sem sentido, mas a
letra. No Seminário 18, Lacan desgarra do significante e poe a lupa sobre a letra,
certificando-se de localizar a que ordem pertence a que cada um : "A escritura, a letra,
está no real, o significante, no simbólico" (2009 : 114).

17
Mas a noção de letra e escritura que Lacan suscita em "A instância da letra no
inconsciente ou na razão desde Freud", um texto de 1957, está distante do que ele
formalizou em seu último ensino. Lá, como aponta Paskvan (2014), escritura e leitura,
ou seja, decifrar a significação, vão juntas, enquanto a letra separada do sentido faz
obstáculo à interpretação

A letra não contém mais uma mensagem cifrada, é um desperdício, um resto, e Lacan,
assimilando-se ao estilo joyciano, coloca em série os termos letra (letra) e lixo (lixo)
para ilustrar por meio de um equívoco o estatuto que a carta letra tem no inconsciente
(2009: 106-09). A letra se separa do significante, com efeito, mas não é anterior a ela,
na verdade é um efeito, uma consequência da linguagem.

A escrita forjada com esta carta traça o contorno da analogia que usa, desenhando a
borda real do buraco do conhecimento. A direção da cura no último ensino de Lacan,
portanto, assume uma nova orientação na qual o analista tem consciência da separação
entre o real e o semblante. A letra é separada do significante, com efeito, mas não é
anterior a ela, na verdade é um efeito, uma consequência da linguagem. A escrita
forjada com esta carta traça o contorno da analogia que usa, desenhando a borda real do
buraco do conhecimento. A direção da cura no último ensino de Lacan, portanto,
assume uma nova orientação na qual o analista tem consciência da separação entre o
real e o semblante.A letra é separada do significante, com efeito, mas não é anterior a
ela, na verdade é um efeito, uma consequência da linguagem. A escrita forjada com esta
carta traça o contorno da analogia que usa, desenhando a borda real do buraco do
conhecimento. A direção da cura no último ensino de Lacan, portanto, assume uma
nova orientação na qual o analista tem consciência da separação entre o real e o
semblante.

A redução de sentido implícita na interpretação que se dirige ao parlêtre se vincula ao


corte, ato que funciona como mola da pulsão na medida em que a põe para trabalhar.
Diante da pontuação, que sempre acrescenta sentido ao modo de elaboração, Miller
situa, a via da perplexidade, o corte “que conduz o sujeito à opacidade de seu gozo”
(1996: 13). No corte, o real predomina sobre o simbólico.

Ao contrário do enigma, o equívoco é, nas palavras de Silvia Salman (2004), um


enunciado, um significante liberado pelo analista que tem a propriedade de abrir, de tal

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maneira, o significado que impede que o sentido se feche, ou o que é o mesmo, força o
analisante a interpretar seu gozo. O equívoco pode, portanto, ressoar nos orifícios do
corpo sensível. O significante neste momento do ensino de Lacan adquire o estatuto de
letra e é separado do significado por meio de equívocos; se manifesta como um traço de
escritura, traço de quê? da marca original da línguagem no corpo.

A interpretação que se dirige ao real possibilita a emergência do gozo Um, ou seja, a


evidência de que não existe relação sexual (Miller, 2012: 50).

Como afirma Lacan em “A direção da cura” (2002: 578), a interpretação é coextensiva à


história (202: 578), ou seja, depende do momento em que ela é realizada; a interpretação
não tem garantias, só no a posteriori saberemos se teve efeitos; A interpretação põe em
trabalho não só o inconsciente transferencial, mas também a pulsão, e é alheia à
diacronia, ou seja, tanto aquela dirigida para o simbólico quanto aquela que aponta para
o real podem atuar-se em cada sessão.

Depois da experiência neste grupo de pesquisa encontramos algumas respostas, nunca


definitivas, mas também novas questões se abriram, sempre necessárias para manter,
como diz Lacan no Seminário 18, o conhecimento sob controle; é aqui que a psicanálise
se mostra melhor e essa é uma boa maneira de começar a trabalhar.

Este escrito é a produção final do Grupo de Investigação do Instituto do Campo


Freudiano 2014-2015 intitulado: «A interpretação na prática analítica do século XXI»,
realizado na sede da ELP em Valência e coordenado por Patricia Tassara .

Presentación del tema del IX° Congreso de la AMP

por Jacques-Alain Miller

IX Congreso de la AMP • 14-18 abril 2014 • París • Palais des Congrès


• www.wapol.org

Hubo un tiempo, en el que Lacan enseñaba el inconsciente como un saber en lo


real, cuando lo decía estructurado como un lenguaje. En esa época, él buscaba las leyes
de la palabra, las leyes del significante, la relación de causa y efecto entre significante y
significado, entre metáfora y metonimia, a partir de la estructura del reconocimiento de

19
Hegel: reconocer para ser reconocido. También presentaba y ordenaba ese saber en
grafos, bajo la preeminencia del Nombre del Padre en la clínica y bajo el ordenamiento
fálico de la libido.

Pero luego se abrió a otra dimensión con lalengua en tanto que hay leyes del lenguaje
pero no hay leyes de la dispersión y de la diversidad de las lenguas. Cada lengua está
formada por contingencias, por azar. En esa dimensión, el inconsciente tradicional -para
nosotros el inconsciente freudiano- se nos aparece como una elucubración de saber
sobre un real; una elucubración transferencial de saber cuando, a ese real, se superpone
la función del sujeto supuesto saber que se presta a encarnar otro ser viviente. Es el
inconsciente que puede ponerse en orden, en tanto que discurso, pero solamente en la
experiencia analítica. Diré que la elucubración transferencial consiste en dar sentido a la
libido, que es la condición para que el inconsciente sea interpretable. Eso supone una
interpretación previa, es decir, que el inconsciente mismo interprete.

¿Qué es lo que interpreta el inconsciente? Para poder dar una respuesta a esta pregunta
hay que introducir un término, una palabra. Esa palabra es "lo real".

En la transferencia se introduce el sujeto supuesto saber para interpretar lo real. Desde


ahí se constituye un saber no en lo real sino sobre lo real. Aquí ubicamos el aforismo:
"lo real está desprovisto de sentido"[9]. El no tener sentido es un criterio de lo real, en
tanto que es cuando uno ha llegado al fuera de sentido que puede pensar que ha salido
de las ficciones producidas por un querer-decir. "Lo real está desprovisto de sentido" es
equivalente a lo real no responde a ningún querer-decir. El sentido se le escapa. Hay
donación de sentido a través de la elucubración fantasmática.

Lacan lo decía como un chiste: "si uno entiende cómo funciona la interpretación, eso no
es una interpretación analítica". En el psicoanálisis, tal como Lacan nos invita a
practicarlo, se experimenta la ruptura del vínculo causa-efecto, la opacidad del vínculo,
y es por eso que hablamos de inconsciente.

Voy a decirlo de otra manera. El psicoanálisis transcurre a nivel de lo reprimido y de la


interpretación de lo reprimido gracias al sujeto supuesto saber. Pero en el siglo XXI se
trata, para el psicoanálisis, de explorar otra dimensión: la de la defensa contra lo real sin
ley y fuera de sentido. Lacan indica esa dirección con su noción de lo real tal como lo

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hace Freud con el concepto mítico de pulsión. El inconsciente lacaniano, el del último
Lacan, está al nivel de lo real, vamos a decir por comodidad, "debajo" del inconsciente
freudiano. De tal manera que, para entrar en el Siglo XXI, nuestra clínica deberá
centrarse sobre el desbaratar la defensa, desordenar la defensa contra lo real.

En un análisis el inconsciente transferencial es una defensa contra lo real. Porque en el


inconsciente transferencial sigue vigente una intención, un querer decir, un querer que
me diga algo. Mientras que el inconsciente real no es intencional, sino que se encuentra
bajo la modalidad del "así es", y que, se puede decir, es como nuestro "Amén".

Varias preguntas se abrirán para nosotros en el próximo Congreso: la redefinición del


deseo del analista, que no es un deseo puro como dice Lacan, no es una pura metonimia
infinita, sino qu

Lacan disse isso como uma piada: "se se entende como funciona a interpretação, isso
não é uma interpretação analítica". Na psicanálise, como Lacan nos convida a praticá-la,
experimenta-se a ruptura do vínculo causa-efeito, a opacidade do vínculo, e é por isso
que falamos do inconsciente.

Vou colocar de outra forma. A psicanálise se dá no nível do reprimido e a interpretação


do reprimido graças ao sujeito suposto saber. Mas no século XXI, trata-se, para a
psicanálise, de explorar outra dimensão: a da defesa contra o real sem lei e sem
sentido. Lacan indica essa direção com sua noção de real, assim como Freud o faz com
o conceito mítico de pulsão. O inconsciente lacaniano, o do Lacan tardio, está no nível
do real, digamos por conveniência, "abaixo" do inconsciente freudiano. De tal forma
que, para entrar no século XXI, nossa clínica terá que se concentrar em frustrar a defesa,
desordenadamente a defesa contra o real.

Em uma análise, o inconsciente de transferência é uma defesa contra o real. Porque no


inconsciente da transferência ainda está em vigor uma intenção, um querer dizer, um
querer dizer-me algo. Enquanto o real inconsciente não é intencional, mas está no modo
de "assim é", e isso, pode-se dizer, é como o nosso "Amém".

Várias questões se abrirão para nós no próximo Congresso: a redefinição do desejo do


analista, que não é um desejo puro como diz Lacan, não é uma metonímia infinita pura,

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mas antes nos aparece como um desejo de alcançar o real, de reduza o Outro ao seu real
e o liberte de sentido.

Acrescentarei que Lacan tentou representar o real como um nó borromeano. Vamos nos


perguntar: de que vale essa representação? O que é isso agora? Para Lacan, esse nó, a
paixão pelo nó borromeano, serviu-lhe para chegar a essa zona irremediável da
existência; o mesmo espaço de Édipo em Colona, onde se apresenta a ausência absoluta
de caridade, de fraternidade, de qualquer sentimento humano.

É para lá que nos leva a busca do real destituído de sentido.

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