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Cap.

12
Nesta operação criminosa Elias seria um Falso Mendigo que vigiaria tanto a
quadrilha de golpistas, quanto a falsa repartição. De posse de informações simples,
sobre o movimento do negócio e o número de pessoas envolvidas, ele deveria disfarçar-
se em uma idosa, interessada no golpe da aposentadoria. Quando os estelionatários
estivessem todos reunidos, Elias deveria dar um telefonema, avisando Jorge Fagundes.
A família Fagundes havia investido muito dinheiro neste golpe: eles e mais um grupo de
homens disfarçados se passariam por Agentes da Polícia Federal. Para isso, clonaram
duas Blazers que ficaram idênticas as originais, mandaram fazer os uniformes e
credenciais, além do que no ato da prisão os Falsos Agentes estariam portando
armamentos pesados: como fuzis AR15, submetralhadoras e escopetas Cal. 12.

Vinte quatro horas antes da falsa prisão, uma casa alugada pelos Fagundes seria
transformada em delegacia, com direito a celas de interrogatório e tudo que fosse
necessário a um cenário perfeito, para enganar os presos. A ideia por trás desta trama
teatral era a extorsão, Juliano Fagundes seria o líder da operação, batizada por eles
como ‘São Paulo Mais Honesta’. O pai Jorge Fagundes seria o delegado e ordenaria
torturas, exigindo um suborno no valor de 300 mil reais. Como todos já conheciam os
integrantes da quadrilha rival e eram conhecidos por estes; deveriam estar muito bem
disfarçados para não serem reconhecidos. Mais uma vez Elias entraria em ação com
seus conhecimentos de palco, montaria figurinos e maquiagens, para que todos
incorporassem seus novos papéis.

O mendigo incorporado por Elias para aquela interpretação chamava-se ‘Zé


Limpeza’. Indigente e sem carteira de identidade ou qualquer outra identificação, o
morador de rua tinha este apelido como uma ironia a sujeira em que andava. Além de
ser cego ainda era leproso. Suas roupas eram molambos encardidos e sujos, por uma
tintura especial. A tez do personagem recebia a mesma cor de seus andrajos. Uma
peruca grande de cabelos anelados e sujos combinava com uma barba postiça, onde era
possível de se ver até ciscos e fiapos de coberta. Lentes de contato embaçadas para
darem veracidade ao papel de cego. Uma bengala e um olhar perdido, voltado ao
horizonte. Aqueles eram os ingredientes perfeitos para a fabricação de um cego. Na
perna uma ferida pustulenta em carne viva (uma chaga feita de látex e goma de polvilho
caseiro, tinturas para darem realismo e lá estava uma perna leprosa em decomposição).
Com uma tigela de alumínio amassada, Elias postou-se embaixo duma marquise que
ficava em frente à falsa repartição. A Pequena L estava com ele, como guia e auxiliar de
pedinte.

Neste dia o golpista teve um prova do caráter e bondade de L: ia passando na


calçada uma mendiga idosa, vendo as condições de Zé Limpeza condoeu-se dele por
achá-lo mais miserável que ela, jogou duas moedas de um real dentro da tigela de
esmolas. Elias disse a mulher, um “Deus-lhe-pague” com jeito irônico, L o olhou com
ar de reprimenda, por ter aceitado donativo de alguém que precisava muito mais que
eles. A menina correu atrás da velha pedinte que já ia um pouco longe e devolveu-lhe o
dinheiro, dizendo que seu pai não precisava, pois tinha ganhado o suficiente por aquele
dia.
Elias sentiu orgulho da filha adotiva, afinal ela era uma boa pessoa, mesmo sem
a imposição de exemplos como foi o seu caso. Sentiu intimamente vergonha de si
mesmo, pois seu pai era desonesto com todos os fiéis de sua igreja, mas nunca deixou

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de amá-lo e ser um bom pai. É verdade que não entendeu sua opção sexual, mas
independentes de serem pais ou não, as pessoas não aceitavam umas as outras, ele, por
exemplo, abominava as hipocrisias do Pastor. Já L era filha de um homem pago pelo
Estado para cuidar dos menores, mas era um dos Pedófilos da cidade. Aquela menina
era filha de um monstro, mesmo assim ainda havia uma centelha de amor e bondade em
seu espírito. Elias jurava que não iria errar na educação de L, igual aqueles que eram
maus exemplos: o Juiz de menores de Teixeira de Freitas e seu pai o Pastor.

Em dois dias de espionagem, Zé Limpeza deu seu serviço por terminado,


conhecia todos os membros do esquema fraudulento da Avenida T.Z onde ficava a falsa
repartição. Elias chegou a tirar fotos daquele que parecia ser o líder do esquema. Dali
por diante deveria interpretar outro personagem: Maria Jerônima das Dores de Cristo; a
mesma idosa que chegou a enganar até o delegado lá em Mozarlândia de Goiás. A velha
iria procurar o grupo de estelionatários, como se fosse aposentada, mas querendo
receber mais uma contribuição, uma pensão de viúva, do marido falecido há 50 anos
que nunca contribuiu com a Previdência. Para interpretar a Dona Jerônima só precisou
dos disfarces, não precisou ensaiar, pois se inspirava em sua avó na hora de encená-la.

A avó Dona Ordália, era uma mistura de mulher goiana e mineira, arrastava a
letra ‘R’ quando a pronunciava e sempre falava ‘Uai’. Era sua avó pelo lado materno.
Tornou-se evangélica graças às pregações de seu pai. A velha fumava uns cigarros de
fumo de rolo enrolados na palha de milho. Foi só aceitar Jesus parou de fumar. Deixou
de usar os enfeites que gostava. Deixou de lado as festas de roça, como folia de Reis e
Festas Juninas. Foi ficando triste e triste. Não viveu nem dois anos depois de sua
conversão. O dia do funeral da anciã foi o único em que viu e ouviu um
desentendimento entre seus pais: sua Mãe disse de nada adiantar a mãe dela se
converter, sendo que morreria em tão pouco tempo, seria melhor ter aceitado a Jesus, ou
melhor, que ele a tivesse aceitado do jeito em que estava. Assim seus últimos dias não
seriam de tristeza e privações, pelas coisas que abandonou e que tanto gostava!

O Pastor, como sempre arrogante, disse que sua Mãe se calasse, pois não sabia
dos planos de Deus: da mesma forma que o barro não sabia das inspirações do artesão
que trabalhava com ele. Da mesma forma que um pedaço de costela não poderia falar de
amor ao coração. Do mesmo jeito que um pedaço de nossos ossos não poderia falar de
sabedoria a nossa mente, assim era a mulher de um sábio o repreender em seus
caminhos! Elias odiou ainda mais o seu pai, por aquele sectarismo machista e
preconceituoso, onde os sentimentos e pensamentos de sua Mãe não eram considerados.

Incorporando Dona Jerônima, Elias entrou na falsa repartição, mostrando boa


vontade em despender dinheiro com os estelionatários. O líder do grupo não encenava o
papel de líder dentro do cenário montado, lá ele era apenas o atendente que cuidava dos
que chegavam e usava sua supremacia discursiva para enganá-los. Seu nome era José
Inácio Leite Feitosa, vulgo ‘Inácio Leite’. Diferente de Jorge Fagundes e seu filho, este
golpista não tinha nenhuma elegância aparente, isso era seu verdadeiro charme. Entre os
outros estelionatários de São Paulo diziam que uma vítima de Inácio Leite, mesmo se
fosse um investigador dos melhores, o julgando por sua aparência jamais diria que ele
fosse quem era.
Quase tão rico quanto Jorge Fagundes, talvez Inácio Leite fosse até mais
inteligente que este outro. Possuía influências dentro e fora de quase todas as
organizações importantes do Estado: do judiciário a facções criminosas como o PCC e o

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CV. Tinha sempre um apoio ou proteção de alguém mais importante que ele. No
entanto, ali estava um homem que não poderia ser superestimado pela aparência.
Deveria ter uns 60 a 70 anos, era baixo e franzino. O rosto moreno e miúdo dava-lhe
uma aparência de pessoa frágil e desprotegida. Suas roupas de atendente da repartição já
estavam velhas e puídas, parecendo-se com o uniforme de um zelador de condomínio de
periferia. Elias riu de si mesmo, por estar tentando usar a aparência para enganar alguém
que tinha a pretensão de fazer o mesmo com ele.

Dona Jerônima disse que acabara de vender uma casa, num bairro nobre de São
Paulo, agora queria investir o capital em mais uma fonte de renda, afinal, aposentadoria
era coisa para uma vida toda. Quando Elias abriu a bolsa cheia de dinheiro falso,
percebeu nos olhos de Inácio Leite o brilho da ambição: já tinha visto aquele olhar
várias vezes na vida, mas ver que um de seus personagens conseguiu desperta-lo em
alguém tão inteligente, mexeu com sua vaidade. O velho Inácio foi tão curioso quanto
inoportuno ao perguntar-lhe o valor da venda do imóvel, como sabia a quantia que
trazia na bolsa, Dona Jerônima disse o valor exato, disse também que ali estava todo o
dinheiro. Imediatamente outros estelionatários apareceram como ajudantes do falso
atendente. Elias entendeu pelo tom de voz usado por ele que tudo que era falado dentro
da repartição poderia ser ouvido nos outros cômodos (isso queria dizer que a quadrilha
dispunha de tecnologia, como escutas embutidas, microfone sem fio, câmeras e micro
câmeras). O grupo era bem mais organizado do que imaginou.

Estavam todos reunidos, mas Elias não sabia como ir a alguma parte da
repartição e ligar para Jorge Fagundes, ainda havia o risco dos golpistas descobrirem
que o dinheiro da idosa era falso. Foi então que Dona Jerônima pediu licença ao
atendente, para ir ao carro de sua neta estacionado defronte o prédio da repartição, só ia
avisar a moça para que não estranhasse sua demora. Inácio Leite, cortês e educado se
ofereceu para acompanhá-la, a anciã dispensou o cuidado do golpista; deixou a bolsa
com dinheiro falso sobre uma mesa e desceu os lances de escada correndo, para ligar ao
Jorge Fagundes.

Numa questão de poucos minutos após a ligação, as Blazers da Falsa Polícia


Federal estacionaram na entrada da repartição. Elias reconheceu dois filhos de
Fagundes, Juliano e Mauro, com estes também estavam mais uns seis homens
disfarçados. Bem armado o grupo subiu os degraus correndo. No meio dos
estelionatários, chegaram gritando voz de prisão, mandando deitarem no chão, sem
olharem seus raptores. Foi de manhã ainda no hotel dos Fagundes que Elias cuidou da
maquiagem e dos disfarces dos Federais, mas reparou que nem mesmo as tinturas dos
personagens estavam borradas, apesar do calor que fazia. Eram uns vinte funcionários
que trabalhavam na falsa repartição, foram algemados uns aos outros e levados para a
Delegacia. O Delegado interpretado por Jorge Fagundes encaminhou todos para suas
celas e disse que só iria ouvi-los depois de umas 15 horas. Eles ficaram todo este tempo
sem água e sem comida e já começavam a entender que aquilo era mais um sequestro
que uma prisão.

O primeiro a ser ouvido em depoimento foi Inácio Leite, o Delegado


transformou-se em um sequestrador chamado Investigador Otavio, disse que sua
proposta era simples: o líder do grupo pagava 300 mil reais, iam embora e nunca mais
seriam interrompidos em seus golpes. Ou não pagava nada e ficariam ali sem água e
comida até morrerem de inanição. As paredes da falsa delegacia eram revestidas de

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material a prova de som: a fome tornaria os gritos dos encarcerados fracos demais para
serem ouvidos. Inácio Leite disse que não tinha aquela quantia em mãos, tinha dinheiro
em forma de patrimônio, se o Investigador Otavio quisesse ele pagava 50 mil naquele
dia e o restante em 30 dias. Voltou para sua cela e 20 horas depois; sem água e comida,
decidiu negociar. Ele pagaria 50 por cento do valor pedido e seus cúmplices pagariam o
restante. Um a um os estelionatários eram conduzidos aos locais do dinheiro, sob a
promessa de serem libertados, mas apenas depois que a quantia estivesse liquidada.

Fagundes e seus homens foram embora. Depois fizeram uma denúncia


anônima por telefone, onde delataram uma falsa repartição do SINE e do INSS.
Cumpriram a promessa de liberdade com a prisão dos libertados. Quem socorreu Inácio
Leite e sua turma, foi a Verdadeira Polícia Federal que levou a quadrilha direta para a
cadeia. Foram todos acusados de fraude contra o patrimônio público combinando
estelionato, falsificação de documentos e formação de quadrilha. Corrupção ativa dos
investigadores da Polícia Civil que foram seus cúmplices e falsificação de moeda (esta
última acusação foi graças à bolsa com dinheiro falso, deixada na mesa da repartição
por Dona Jerônima). Elias recebeu 30 mil reais por sua contribuição e a promessa de ser
incluído num grande golpe.

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