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Cap.

21

Apesar de estar usando uma cueca, Elias sentia-se como se estivesse nu diante
dos outros homens que o conduziam. O carro ficou estacionado a entrada da clareira,
entre o Agente Luís e o Investigador Daniel ele foi sendo levado até uma árvore grande
no meio do descampado. Retiraram suas algemas e no tronco imponente de um angico
centenário ele foi amarrado com fios de náilon. O Agente Jusvaldo vinha um pouco
atrás carregando uma maleta grande e encapada de couro: abriu a maleta e Elias
reconheceu de imediato os instrumentos de tortura. Já tinha visto aqueles apetrechos e
sofrido com eles. Viu um pequeno aparelho de choque elétrico chamado “Henriqueta”,
este era movido a uma bateria de alta amperagem e ligada às partes íntimas da vítima.
Viu pequenas agulhas de acupuntura que eram introduzidas embaixo das unhas, não
deixavam marcas aparentes, mas causavam dores lancinantes no supliciado. Viu vidros
de pimenta e soda cáustica (era comum um ‘Policial Torturador’ violar as partes íntimas
dos suspeitos e depois esfregar estes líquidos, numa tentativa de intensificar a dor).

Nas mãos do Investigador Daniel, Elias viu um dos instrumentos mais temidos
nos interrogatórios Policiais: o “Esculachador”, este era feito com uma arma de fogo
antiga e barulhenta, como por exemplo, uma garrucha ou espingarda. Eram armas sem
cartuchos, carregadas manualmente, apenas com a pólvora que causaria o estampido e a
espoleta que detonaria o tiro. Nos interrogatórios em que o esculachador era utilizado o
supliciado recebia o som de um disparo ao lado do ouvido. Os decibéis do tiro eram tão
fortes que machucavam os tímpanos do torturado até que sangrassem.

O esculachador nas mãos do Policial tinha sido fabricado através de uma


garrucha muito antiga. O cano desgastado da arma produziria um barulho muito maior
que num modelo novo: como por exemplo, um revólver ou pistola. O Investigador
Daniel acariciava a arma e sorria malicioso, para aquele que seria sua vítima.

O Agente Luís chegou seu rosto bem perto ao de Elias e fez a pergunta:

__Diz pra gente, Elias... Cadê o curau?

Elias pareceu pensar numa resposta e respondeu com um sorriso debochado:

__O quê? Curau... Ah! Porque não me perguntou isso antes Seu Luís? Você
quer saber onde está o curau? Deve tá lá na pamonharia! É nas pamonharias que se
encontram essas coisas feitas de milho!

Elias não teve tempo de rir da piada de improviso, pois foi socado no estômago
pelo Agente Luís. O murro dado com bastante força o fez tossir, depois foi à vez de
fazer vômito. Ainda com a boca escancarada e tentando vomitar, ele sentiu sua língua
presa e puxada por um alicate. O seu novo torturador era o Agente Jusvaldo que
apertava sua língua e sorria de maneira sádica.

O Agente Jusvaldo foi interrompido pelo Investigador Daniel que deu uma
palmadinha em seu antebraço para interrompê-lo, enquanto dizia entre gargalhadas:

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__Ah ah ah! Cuidado com a língua do Elias, Jusvaldo! Tadinho dele coitado...
Se ocê continuar mexendo na língua dele vai acontecer duas coisas: ele num vai poder
conversar com a gente e ainda vai apaixonar por você! Elias precisa da língua... Mas eu
acho que eu vou brincar um pouquinho com um dos ouvidos dele!

Mal acabou de pronunciar a última palavra da frase, o Investigador Daniel


disparou seu tiro de esculacho rente à orelha esquerda de Elias. Os decibéis do
estampido foram direto ao seu tímpano e levaram com eles uma dor aguda e terrível. A
pólvora faiscante e o cano quente da garrucha tocaram sua orelha: a dor das
queimaduras provocadas era quase tão atroz quanto às dores no seu ouvido. Elias
conheceu marginais que ficaram surdos para o resto de suas vidas com este tipo de
suplício. Os tímpanos feridos ficavam inchados por semanas e até meses. Se as lesões
não fossem tratadas infeccionavam, produziam pruridos e poderiam necrosar o aparelho
auditivo.

Ney era um bandido de Anápolis que trabalhou com Elias e ficara surdo do
ouvido direito, depois de uma sessão de tiros de esculacho. O tiro também parecia ter
paralisado o seu lado facial machucado. Todo lado esquerdo de sua cabeça parecia que
ia explodir na dor intensa que o afligia. Ele entendeu o porquê de a morte ser um sonho
para um supliciado. Se a morte chegasse naquela hora e o levasse, não viria em melhor
instante.

O Investigador Daniel trazia algo em suas mãos que Elias não conseguia
distinguir, então ele fez a mesma pergunta que já tinha feito:

__Diz o que a gente quer saber! Cadê o ouro e a prata?

Elias decidiu-se que daquele momento em diante iria fazer de tudo para o
matarem: foi por isso que ao ver uma aliança no dedo do Policial resolveu dizer um
verso indecente onde à mãe e a mulher do outro apareciam:

__Seu Daniel é meu amigo e meu colega, mas sua Mãe é uma cadela e sua
Mulher é uma égua! Ouro e prata não são baratas, quem quiser joias que faça de latas!

O Investigador Daniel que era um homem inteligente, percebeu a atitude de


Elias para ter uma morte rápida, por isso falou:

__Eu sou um homem adulto e não vou guardar rancor disso que você falou da
minha mãe e da minha esposa... Pode ficar tranquilo, Elias: nós ainda vamos brincar o
dia todo antes que eu te mate! Tá pensando o quê? Até a morte tem um preço: diz o que
a gente quer saber e isso será a paga duma boa morte pra você; com direito a uma bala
na cabeça e um sono profundo!

O Investigador Daniel abriu a boca machucada de Elias e colocou um líquido


que imediatamente começou a fazer efeito: era um corrosivo misturado com pimenta.
Um urro de dor e desespero ecoou nas montanhas da Cascalheira. O produto cortou as
partes já feridas da boca do supliciado e queimou como brasa viva através da pimenta
malagueta. Elias sentiu sua urina morna escorrer até aos seus pés. Não sentiu vergonha
dos outros homens por verem-no urinar de dor, pois sabia que se eles estivessem em seu
lugar, talvez não aguentassem aquelas torturas por tanto tempo. É comum em certos

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tipos de interrogatórios, se alcançarem um nível de sofrimento tão grande que partes
obedientes de nosso corpo deixam de nos obedecerem. O aparelho urinário e o esfíncter
se afrouxam, diante de uma dor muito acima do normal, então a urina e as fezes tornam-
se as testemunhas de nossas limitações.

Passaram-se horas onde os mais bizarros meios de tortura foram usados para
fazê-lo dizer aquilo que queriam saber. Elias recebeu pelo menos cinco descargas
elétricas de Henriqueta nos testículos. Sua bolsa escrotal estava tão inchada que sentia
não poder andar de outro modo que não fosse de pernas abertas. Suas pernas já não o
obedeciam e o que ainda o mantinha de pé eram as amarras que o prendiam ao tronco
do angico. Aos poucos seus olhos não o obedeceram e ele desmaiou devido aos maus-
tratos. Nem soube por quanto tempo ficou desacordado, mas acordou com o Agente
Jusvaldo que tocava seu rosto com o bico do sapato. Não tinha mais forças para andar e
por isso foi arrastado pelo Investigador Daniel e pelo Agente Luís, até as bordas de um
precipício.

Os homens o vestiram com duas calcinhas e Elias entendeu que fariam à tortura
do “Entra Cueca”. Neste tipo de interrogatório o supliciado era vestido com duas ou
mais calcinhas e erguido por dois homens que seguravam nas bordas das peças íntimas,
mantendo a vítima suspensa por estas. O efeito deste meio de tortura era machucar os
testículos e o ânus do sujeito que ficava suspenso no ar. Duas cordas foram atadas às
calcinhas e Elias ficou suspenso e encostado às paredes do despenhadeiro: sentindo
como se as tiras finas do tecido fossem penetrar em sua carne. Depois de brincarem com
ele num balanço de tortura, puxaram-no para a beirada do despenhadeiro onde ele ficou
sentado, tomando fôlego.

O vento que vinha do meio das matas tocou em seu rosto de uma forma
deliciosa: fazendo as dores de seus ferimentos encontrarem um pouco de alívio. O
Agente Luís deu uma palmadinha em seu ombro para que olhasse e visse alguma coisa:
ao virar se deu de encontro com o Investigador Daniel, girando a garrucha presa ao dedo
como se imitasse um cowboy dos antigos filmes de faroeste. O Agente Luís e o Agente
Jusvaldo levantaram-no do lugar em que estava. Ele entendeu o que viria a seguir. A
garrucha esculachadora tinha dois canos e como recebeu apenas um tiro, o outro seria
dado naquele momento. O Investigador Daniel sorriu com seu sorriso tranquilo e
assustador, colocou o terrível instrumento de suplício ao lado da orelha ferida do
torturado apertando o gatilho.

O corpo fragilizado de Elias vibrou nos braços de seus algozes. O barulho


ensurdecedor do disparo fez sua cabeça balançar, como se o seu pescoço fosse à
articulação de uma boneca. Desta vez, os decibéis penetraram como pregos em seus
tímpanos. Sentiu a umidade do sangue dentro do ouvido machucado. Nem um grito lhe
foi possível, pois aonde sua consciência percorreu, encontrou-se com as trevas de um
novo desmaio. Esta fração de segundos consciente em Elias deu-lhe a certeza de que
fosse finalmente descansar: teria a morte libertadora de um torturado. Os Policiais o
jogariam dentro do precipício e lá ele dormiria abraçado a outras vítimas.

A gruta natural da Cascalheira era semelhante a uma grande cisterna, com


aproximadamente 20m de profundidade por uns 40m de largura. Aquilo era um sepulcro
de marginais, pois estes eram jogados ali e a própria natureza do lugar os enterrava. A
terra da Cascalheira era grudenta e saibrosa: os cadáveres apodreciam somente até as

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primeiras chuvas de outubro, quando as enxurradas levariam a terra que os soterraria
para sempre. O lugar era de difícil acesso: o fundo era coberto por arbustos e árvores de
pequeno porte. Somente uma equipe de resgate e investigação empenhada descobriria os
corpos. Jamais as pessoas que soubessem dos assassinatos teriam a coragem de
delatarem a Polícia da cidade: acidentes aconteciam todos os dias e pessoas morriam
disso... Os mortos da Cascalheira eram criminosos indigentes, sujeitos que os amigos e
parentes já conheciam o final. Ninguém iria querer entrar para a lista negra dos Policiais
Assassinos: por causa de vítimas, cujos corpos nunca seriam encontrados.

Era como dizia um dichote do banditismo: “Tortura de malandro nas mãos da


Polícia, só dura pouco pra eles que a praticam!”. Elias pensou que morreria e pensando
já estar morto, acordou sendo chutado nas costelas pelo Investigador Daniel. Ele não
quis se levantar, como numa pirraça pela raiva que sentia de ainda estar vivo. Os
Policiais que também já estavam cansados de carregá-lo: fizeram pirraça bem maior, o
arrastando pelo chão pedregoso da Cascalheira. Urinado, defecado e suarento pela
sessão de tortura, Elias não poderia ir sentado no interior do carro, entre as autoridades,
por isso foi jogado pelo porta-malas adentro. Estava algemado e a tampa traseira do
veículo só ficou um pouco aberta porque não queriam que ele morresse asfixiado.
Afinal, morrer mesmo só seria possível, quando desistissem do tesouro ou quando
soubessem onde estava. Ou quando ele não suportasse mais o interrogatório, então teria
uma morte a contragosto dos Policiais que também não lucrariam nada com isso. Esta
era sua ideia fixa: morrer sem dar aos seus assassinos a oportunidade de lucrarem
naquilo que sempre fora a razão de sua vida. Elias passou quase toda a sua existência
tentando um grande roubo e não iria dividir seu tesouro com ninguém (ainda mais
sabendo que não ganharia nada em troca).

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