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Cap.

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Elias reconheceu imediatamente os dois homens ao lado do Golf: era o Coronel


Andrade e o soldado da PM Paulo Sérgio de Britto ou ‘Brittão’, como era conhecido na
Polícia e na Malandragem. Os dois militares estavam vestidos á paisana. O Coronel
vestia uma jaqueta jeans e uma calça desbotada do mesmo tecido. Era um homem
diferente por seus traços fisionômicos em um goiano: alto e magro. Branco e bastante
loiro de cabelos cor de palha e olhos de um azul bem vivo. Os traços do militar não
negavam suas origens do Sul do Brasil onde nasceu. Descendia de alemãs e se não
trazia o sobrenome é porque seu pai era da família Andrade (uma família de tradições
seculares em Goiás). Ele estava na faixa dos cinquenta anos e não fez esforços para se
graduar na Polícia e receber um salário mais alto. Diziam que era rico e só entrou para a
vida militar para sustentar um vício: matar pessoas! Enquanto muitos Policiais se
corrompiam pelo dinheiro, apenas uma coisa seduzia Andrade33 e essa coisa era o
cheiro de sangue.

Brittão era moreno escuro como um indiano e extremamente musculoso apesar


de estar um pouco gordo. Era alto, deveria ter mais de 1,80m e não chamaria muito
atenção se não fosse por seu semblante carrancudo e sua testa enrugada. Estava vestindo
bermuda e uma camiseta regata de cor branca que deixava seus braços musculosos á
mostra. Enquanto o coronel não trazia armas aparentes, Brittão ao contrário, estava
portando duas armas e uma delas não se usava comumente na Polícia: uma
submetralhadora MT-12 que o PM carregava á tiracolo. Sua outra arma era um revólver
38 sem o coldre, enfiado apenas por dentro da bermuda.

O quarteto da Polícia civil encontrou-se com os militares e se saudaram como


se fossem colegas e desconhecessem a antipatia existente entre as duas instituições.
Elias ouviu bem o Investigador Daniel perguntar ao Coronel Andrade sobre a quantia
infamante pela qual ele seria vendido. Realmente o Delegado havia dito a verdade: dois
salários mínimos foram o preço de sua vida. Estavam em 1997 e o salário fora
reajustado por aqueles dias ao valor de 130 reais e isso lhe dava o valor de 260 reais a
serem divididos a título de gorjeta se comparado ao que os Policiais Civis estavam
ganhando. Aquilo fez Elias sentir nojo de si mesmo, por pertencer à espécie humana:
uma raça que vendia seus semelhantes tão barato!

O Coronel disse ao Investigador Daniel enquanto lhe entregava um maço de


notas miúdas de um e cinco reais:

__Tá aí o dinheiro Daniel, pode conferir!

__Deixa eu ver__ disse o Investigador Daniel enquanto ia contando as notas__


é tá certo, aqui tem 260 real!

Em seguida o dinheiro foi distribuído entre os quatro Policiais Civis e o Agente


Dasilva disse olhando o Coronel Andrade por baixo dos olhos:

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__É Coronel... O Elias deu muito trabalho pra nóis encontrar, investigamos
muito, o senhor sabe como é essa coisa de prender malandro! Sabe por que a gente é
colega...

O Coronel Andrade retrucou:

__Nunca mais diga que somos colegas, eu não sou colega de Policial Civil! Pra
isso eu uso farda e faço honra a ela sem precisar investigar nada e sem obedecer
Delegado que nunca nem segurou um revólver!

Quando disse estas palavras os olhos azuis do Coronel Andrade estavam


crispados de ódio. O Investigador Daniel tentou acalmar o homem que conseguia
intimidar até mesmo outros homens armados.

__Não repara o que o Dasilva disse não ‘Seu Coronel’ __falou o Investigador
Daniel desculpando-se pelo colega __é que ele só quis dizer que o senhor deveria saber
como é mexer com gente à-toa igual o Elias!

O Coronel respondeu antes que o outro terminasse dizendo:

__Vocêis tão querendo mais o quê? É mais dinheiro é? Não tem 260 reais
divido pros quatro?

O Agente Dasilva respondeu:

__Têm sim Coronel, mas bem que o senhor podia dar mais um cafezinho pra
nóis!

O Coronel retirou algumas notas de 10 reais do bolso às estendo ao Investigador


Daniel e dizendo-lhe:

__Some da minha frente Daniel, você e seus colegas são iguais a filhotes de
gato e só querem mamar deitados... Sumam da minha frente!

O quarteto saiu rápido em direção ao Voyage bege. O Agente Jusvaldo acelerou


e saiu cantando pneus no cascalho da estrada. O Coronel segurou Elias pelo braço
enquanto Brittão tirou uma corda de sisal do porta-malas do Golf. A corda foi entregue
ao Coronel que nem se deu ao trabalho de substituir as algemas do prisioneiro por ela:
este além de algemado foi amarrado ao tronco da caraíba que dava sombra ao veículo
dos PMS. O golpista e o Coronel já tinham se encontrado, sendo que do último encontro
entre os dois, Elias o enganou (fazendo-se passar por Vice-Presidente da OAB).

Elias foi atado de pé ao tronco da Caraíba. As cordas com seus fios


esfarrapados arranharam seu corpo dolorido pelas torturas. A razão de o soldado Brittão
estar ali era que a fama do Coronel Andrade como justiceiro já tinha se espalhado, ele
estava com a cabeça a prêmio entre os amigos e parentes dos marginais que vinham
sendo mortos por ele desde a década de 70, quando ingressara na Polícia Militar com o
intuito de ser justiceiro.

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Um instrumento brilhou nas mãos do Coronel e Elias reconheceu de imediato
um canivete que parecia afiadíssimo. Era uma arma de bolso muito simples: marca zebu
e cabo de madeira. Sua lâmina em aço carbonado e um sistema de trava no cabo não
deixavam dúvidas, era uma ferramenta usada na castração de animais.

Sempre houve na história uma grande diferença entre a justiça e o justiçamento:


a primeira é constituída ao longo dos anos dentro de uma sociedade e visa punir de
maneira exemplar, mas ao mesmo tempo humana. Por outro lado, os justiçamentos
quase sempre aconteceram e acontecem ao arrepio das leis. Nenhum país do mundo,
jamais aplicou penas de morte com tantos meios de crueldade quanto as que justiceiros
como o Coronel Andrade aplicavam. Elias pensou que talvez pudesse apelar para o lado
honesto do Militar, afinal, este era assassino, mas diferente de seus colegas da Polícia
Civil não era corrupto e nem desonesto. Os outros matavam em consequência de crimes
como roubo e torturas. Já o Coronel era um assassino justiceiro. Se Elias o convencesse
de que não era uma má pessoa, talvez pudesse sair vivo daquela situação.

O Coronel estava calado e indiferente a sua vítima, enquanto afiava ainda mais
seu instrumento de tortura. Sentindo que alguma parte de seu corpo seria machucada,
Elias resolveu dizer:

__Coronel! Eu sei que o senhor tem seus motivos, mas eu me arrependi e


muito! Se eu pudesse voltar atrás eu não tinha te enganado... Vingança não é justiça!

O Coronel respondeu:

__Eu sei que vingança não é justiça, é satisfação pessoal! “Aquele que comete
uma vingança já está com a metade de um direito: pois jamais se vingaria se não tivesse
sido ofendido primeiro”!

__Mas é que...

Com os olhos frios e inexpressivos o Militar o interrompeu com uma voz seca,
como era seu costume fazer com seus interlocutores:

__É normal você demonstrar remorso, é o medo! O medo é bem pior que
qualquer morte, pois faz um homem morrer várias vezes sem nunca ter morrido e faz
seres que só merecem o paraíso viverem a realidade de um inferno que jamais virá! Não
tenho mais raiva de você por ter me enganado, Elias! Eu vou te perdoar e você me
perdoa pelo que eu vou te fazer!

__Mas eu mudei... Eu tenho uma filha e não quero morrer!

__Eu também tenho filhos, Elias, eu também tenho uma esposa que eu amo e
que me ama também! Vocês malandros da pior espécie veem a nós da Polícia como
bichos monstruosos, assassinos da pior laia! Você pensa que eu e minha família
queríamos que eu fosse assassino? Eu sou Policial porque eu preciso matar sem ser
interrompido e se eu mato é porque essa foi à missão que Deus me deu aqui na terra!

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__Deus não quer a morte de um ímpio, mas eu não preciso roubar, eu sou um
homem rico! Se o senhor me deixar ir embora eu vou cuidar da minha vida e ainda
posso te ajudar com uma parte do meu dinheiro!

__Eu não preciso de dinheiro, Elias! Isso porque eu sou o Anjo Justiceiro dessa
cidade! Eu trabalho por justiça e se mato com prazer é porque a sabedoria diz que não
devemos fazer só o que gostamos, mas aprender a gostar do que fazemos!

__Mas eu mudei...

__Não mudou não Elias! A prova de que você continua o mesmo é que apesar
de ter feito um grande roubo em São Paulo ainda continuou roubando e mentindo! Você
vai morrer mentiroso e ladrão! Pois mesmo a beira da morte você continua mentindo pra
mim que mudou e tentando me roubar o prazer de matar mais um ladrão!

__Mas...

__Não tem ‘mas’ e nem mais Elias, você quer viver e confunde isso com
arrependimento! Se eu te deixar ir embora, eu te garanto que quando o medo deste dia
sumir e sumirá em breve, você vai voltar a fazer as mesmas cosas!

A resposta que o Coronel recebeu de sua vítima veio em forma de uma lágrima
solitária e medrosa. O sofrimento de Elias e os ferimentos profundos que foram
deixados por seu interrogatório pareceram comover o Coronel que parou e pensou para
depois dizer:

__Você acredita em Deus, Elias?

__Já acreditei, mas agora não!

__Porque não?

__Porque eu sou malandro e duvido que Deus acredite em mim... Se a gente


acredita em quem duvida da gente a pessoa deve ficar com vergonha, é por isso que eu
não acredito mais em Deus, assim ele não fica nem com remorso e nem com vergonha
por desconfiar de mim!

__A sua resposta foi boa, mas a minha notícia pra você é que vai parecer ruim,
porque eu vou te entregar nas mãos de Deus! Eu vou te castrar e te deixar aqui, mas não
vou te deixar algemado, você vai ficar livre! Se conseguir chegar até o Bairro
Residencial das Flores antes de sangrar até morrer, lá alguém talvez te socorra! Isso é o
máximo que eu posso fazer por um bandido e conseguir conviver com o remorso de o
ter ajudado!

Elias conhecia os bairros de Anápolis o suficiente para saber que o Bairro


Residencial das Flores estava a uns 3 km de distância da Cascalheira. Se um homem já
esgotado por torturas fosse castrado, perdesse grande parte de seu sangue e ainda
conseguisse caminhar 3 km isso seria um milagre para fazer qualquer ateu convicto
acreditar em Deus. As chances de sobrevivência para o golpista eram de uns 5% e
olhem lá que nem isso.

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Certa vez ao visitar a fazenda de sua avó Ordália em companhia do Pastor ele
viu uma castração suína. A vítima do canivete foi um porco gordo chamado Hulk e o
castrador foi um peão da fazenda: Seu Zé. Como o animal era muito grande tiveram que
reunir uns quatro operários do lugar para segurar o bicho que esperneou e gritou até Seu
Zé terminar o trabalho. Tantos anos depois a lembrança de um porco grande, com a
bolsa escrotal aberta vinha em sua memória. Depois da castração o capador jogou sal
grosso no machucado. Já a pele foi costurada para que o suíno não sofresse hemorragia
através do ferimento. O castrador de Elias não teria o mesmo cuidado em costurar seu
ferimento.

O Coronel amolava o canivete numa pequena pedra esmeril, retirada de seu


bolso. Afiando o instrumento ele disse alternando seu olhar frio entre Brittão e Elias:

__Pode ficar tranquilo Elias que você vai ser tratado com misericórdia dupla!
Eu vou amolar bem minha ferramenta de capador pra não doer muito e depois vou
costurar sua capação! Se por um acaso você morrer antes da chegar ao Residencial das
Flores, eu não vou querer que você olhe pra mim lá do céu com raiva: dizendo que não
foi tratado nem igual um porco de engorda!

O Coronel caminhou até Elias e enfiou a sua mão esquerda dentro da cueca de
sua vítima. Retirou calmamente o órgão genital e parou com ele entre os dedos como se
tivesse se esquecido de alguma coisa.

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