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LIMBO

Escrito por

Miguel Coelho
1 BLACK 1
Sons de tiros de metralhadora são ouvidos. Ouvem-se gritos de
diversas pessoas dentro duma confusão incompreensível.
PESSOA 1
EM FRENTE, EM FRENTE!!!
Silêncio.
CUT TO:

2 INT. SALA PRETA 2


Olhos abrem-se numa sala absolutamente preta, não tem janelas
nem qualquer tipo de decoração, é uma pequena sala com cerca
de 5 metros quadrados e com um longo corredor sem saída.
Apesar de não ter nenhuma fonte de luminosidade, o indivíduo
que lá se situa consegue ver sem problemas a sala e quão
preta ela é.
O indivíduo em questão é um soldado, evidenciado pelo seu
uniforme militar. É um homem jovem barbudo, de 24 anos de
idade, mas com um olhar maduro.
Ele olha à sua volta na sala sem encontrar nenhum ponto de
referência que o ajude a localizar-se.
A parede que estava presente no fundo do corredor abre-se
como uma porta e de lá sai outra pessoa. Um homem igualmente
jovem de óculos com uma camisa branca, calças bege e sapatos
pretos.
O homem de óculos olha para o soldado, gaguejando e ajeitando
os óculos, chama-o.
HOMEM DE ÓCULOS
Por aqui... Por favor...
O soldado olha para o homem e dirige-se pelo corredor até à
porta.

3.1 INT. ESCRITÓRIO 3.1


O soldado entra com o homem de óculos num pequeno escritório.
Sem janelas, partilha de um ambiente sinistro semelhante ao
da sala anterior, no entanto, desta vez, está mais decorado
com uma mesa, duas cadeiras, plantas artificiais, um jarro de
água com dois copos semi-cheios de água, um telefone antigo
com números rotativos em cima da secretária e um candeeiro
que emite uma luz quente. Numa das paredes está presente uma
porta vermelha.
2.

Enquanto o soldado olha em redor da sala, ambos se sentam nas


suas cadeiras, de modo a ficarem frente a frente, com uma
mesa a dividi-los.
SOLDADO
Chegou a minha hora, não foi?
HOMEM DE ÓCULOS
Huh... Receio que sim... É assim
tão óbvio...?
SOLDADO
A sala escura, a pessoa misteriosa
e o facto de ainda há bocado estar
num campo de batalha com corpos e
balas a voar à minha volta. Diria
que isto tudo são indicações de que
devo ter levado com uma bala no
meio dos olhos.
O homem de óculos olha a suar para o bloco de notas que tem à
sua frente.
HOMEM DE ÓCULOS
Ehh... Pois... O senhor,
infelizmente, foi baleado três
vezes no peito e duas na cabeça
pelo exército inimigo e encontra-se
morto.
O soldado respira profundamente.
SOLDADO
Pois, era de esperar, quando me
inscrevi também não imaginava durar
muito tempo, durei mais do que
pensava inicialmente até.

O homem de óculos ajeita o seu bloco de notas


SOLDADO (CONT’D)
Mas pronto, há que servir e cumprir
as nossas ordens. Diz-me só uma
coisa, ainda estou no campo?

HOMEM DE ÓCULOS
Como assim?

SOLDADO
O meu corpo, ainda está no meio do
tiroteio?
3.

HOMEM DE ÓCULOS
Não sei até que ponto é que isso é
relevante... Mas, sim, o seu
cadáver está deitado no meio do
chão. Os seus amigos ainda não o
encontraram, mas o corpo do senhor
também não está muito reconhecível.
O soldado olha seriamente para o homem enquanto retira um
medalhão do bolso, abre-o e revela uma fotografia de uma
mulher com cerca de 50 anos a sorrir.
HOMEM DE ÓCULOS (CONT’D)
Eu peço desculpa.

O soldado distrai-se com os seus próprios pensamentos, coloca


o medalhão de volta no bolso e volta à realidade.

SOLDADO
Enfim, a vida continua, quer
dizer... Neste caso, não.
(silêncio)
Mas, de qualquer forma, que raio de
sítio é este? Eu vou ser honesto,
eu já imaginei a vida após a morte
de muitas formas, estar no campo de
batalha todos os dias faz-te pensar
nisso e a tua mente vagueia, mas
realmente nunca pensei que o que
vinha a seguir era algo assim.
Afinal, o que é isto?

HOMEM DE ÓCULOS
Peço desculpa desapontar... Mas é
isto que temos, atualmente o senhor
está no que nós chamamos “Limbo”.

O soldado, confuso, olha para a parede atrás do homem de


óculos e repara num grande sinal com a frase “Memento Mori”
escrita.
SOLDADO
Hãn?

HOMEM DE ÓCULOS
Essencialmente, estamos aqui para
olhar para trás e rever todos os
seus atos enquanto pessoa, julgá-
lo, de forma a criar um balanço
moral do seu ser. De seguida,
entramos no Elevador situado atrás
daquela porta.

O homem aponta para a porta vermelha.


4.

HOMEM DE ÓCULOS (CONT’D)


E, com base no que é revelado nesta
nossa conversa, decido se o senhor
vai para o andar de cima ou para o
andar de baixo. É o protocolo.

SOLDADO
Okay, acho que estou a perceber
aqui a vossa lógica.

O soldado começa a entreter-se ao tocar com os dedos na mesa.

SOLDADO (CONT’D)
Isso é um método bastante estranho,
mas não percebo, há gente a morrer
a toda a hora. Como é que tu tens
tempo para atender todos os pobres
coitados que aqui vêm parar?

HOMEM DE ÓCULOS
Ah, eu não trabalho sozinho, há
vários como eu a tratar de vários
como você. Aliás, hoje é o meu
primeiro dia a trabalhar aqui. Você
é o meu primeiro... caso.

O homem de óculos pega num copo de água em cima da mesa e


começa a bebê-lo.

O soldado ri-se.

SOLDADO
Wow! Não acredito que te vou
desflorar!

O homem de óculos engasga-se na água que estava a beber.

HOMEM DE ÓCULOS
Mas é melhor continuar, este
processo não pode demorar muito
tempo, tenho muitas mais pessoas
com quem falar.

SOLDADO
Certo.

O soldado olha para o homem de óculos e ficam ambos em


silêncio durante alguns segundos.

SOLDADO (CONT’D)
Como é que isto começa...?

O homem de óculos dá um ajeita-se na cadeira e ajeita os


óculos.
5.

3.2 3.2
HOMEM DE ÓCULOS
Ah! Sim, claro. Exato. Ora bem,
ponto 1, o senhor considera que
viveu uma vida isenta de maldades?
SOLDADO
Epa... Isso é algo bastante
impossível, não é? Todos nós já
cometemos algumas maldades nas
nossas vidas, mas não acho que seja
o suficiente para me mandar lá para
baixo.
O soldado ri-se.
O homem de óculos aguarda que o soldado diga mais alguma
coisa enquanto agarra no seu bloco de notas.
HOMEM DE ÓCULOS
Tem a certeza disso... senhor...?
O soldado endireita-se.
SOLDADO
O que é que estás a querer
insinuar.
O homem de óculos é apanhado de surpresa e engole a seco.
HOMEM DE ÓCULOS
Não sei... Apenas acho curioso que
o senhor diga uma coisa dessas,
tendo em conta as circunstâncias do
seu caso.
O soldado olha duvidosamente para o homem de óculos e agarra
nos braços da cadeira.
SOLDADO
As circunstâncias do meu caso?
HOMEM DE ÓCULOS
Bem... o senhor claramente já
cometeu maldades, você literalmente
morreu em guerra.
SOLDADO
Sim, e então? Estava a cumprir o
meu dever.
HOMEM DE ÓCULOS
Matando outros indivíduos?
6.

O soldado volta-se a rir.


SOLDADO
Okay, já percebi.
O homem fica confuso.
HOMEM DE ÓCULOS
Não sei se percebi?
SOLDADO
És um pacifista.
HOMEM DE ÓCULOS
Eu não diria que sou um pacifista.
Sou um realista. Preciso de o ser
neste trabalho. E a realidade é que
o senhor matou efetivamente outros
indivíduos
SOLDADO
Matei indivíduos? É isso que estás
a chamar à minha situação?
HOMEM DE ÓCULOS
Que outra palavra usaria sem ser
“matar”?
SOLDADO
Defendi-me. Defendi-me desses
indivíduos.
O homem olha para o bloco de notas.
HOMEM DE ÓCULOS
Está aqui registado que o senhor
“se defendeu” de 9 homens em campo
de batalha.

O homem de óculos faz aspas com as mãos enquanto diz “se


defendeu”.
HOMEM DE ÓCULOS (CONT’D)
Está-me a dizer que foram todos
casos de autodefesa?

SOLDADO
Porque é que não haveriam de ser?
Era uma guerra, sejam 9 casos ou
9000, será sempre uma questão de
autodefesa. Não podes ver as coisas
em vácuo, analisa a situação dentro
do contexto.
7.

O homem de óculos pega numa fotografia de dentro do bloco de


notas. Fotografia esta que retrata uma criança que aparenta
ter 17 anos.
HOMEM DE ÓCULOS
Esta criança tinha uma mãe, uma
irmã, uma família que o esperava em
casa. E agora... Bem, agora está no
meio da lama a ser pisado nas
trincheiras.
O homem de óculos passa a fotografia para o soldado que pega
nela, reconhecendo a criança presente.
SOLDADO
Tal como eu.
O soldado procede a amachucar a fotografia.
SOLDADO (CONT’D)
Essa “criança” de que tu tens tanta
pena matou dois dos meus homens em
sangue frio. Tu não entendes,
naquela realidade é matar ou
morrer. Não há meio termo.

HOMEM DE ÓCULOS
O senhor é que decidiu aparecer no
campo de batalha, quando lhe
puseram uma arma nas mãos, você
pegou nela e disparou-a. Você
decidiu isso tudo quando se
enlistou.

O soldado revira os olhos.

SOLDADO
Oh, por favor... Eu fiz isso pela
segurança das pessoas que amo!

O soldado mete a mão no bolso e agarra no medalhão.


HOMEM DE ÓCULOS
As pessoas que você ama não lhe
pediram para ir para uma guerra.

SOLDADO
Não foi preciso, precisavam de mim
e assim fui.

HOMEM DE ÓCULOS
Quem é que precisava de si?
8.

SOLDADO
A minha mãe, a minha irmã, os meus
avós, todos os cidadãos do meu
país.
HOMEM DE ÓCULOS
Deixe-me ver se percebi, a sua
família e o seu país pediram-no
para matar pessoas?
SOLDADO
Estávamos em guerra, aliás, ainda
estamos, eu é que já não estou lá
para ajudar. Somos nós contra os
outros e os outros contra nós.
Portanto sim, foi a minha decisão,
a minha decisão de proteger quem
amo.
HOMEM DE ÓCULOS
O senhor já referiu isso. Mas
entenda que ao estar a “proteger”
quem ama, está a arruinar inúmeras
outras famílias com os seus atos.
SOLDADO
Fui lutar pela liberdade, pela paz,
não tenho prazer algum em matar,
mas quando os outros põem em risco
o sítio onde cresci, farei de tudo
para o proteger e quem nele habita.
HOMEM DE ÓCULOS
Ora, mas vamos lá ver, isso não
invalida os horrores que cometeu.
SOLDADO
Ora, poupa-me! Se não tivesse agora
na lama e tivesse continuado a
lutar pelo meu país, teria sido
considerado um herói, um patriota,
um exemplar símbolo de resiliência
e lealdade.
HOMEM DE ÓCULOS
Um mero peão...
9.

SOLDADO
Talvez mais que isso. Eu sei que és
novo nisto tudo, mas olha para
todos os grandes heróis de guerra
que foram honrados e relembrados
para toda a eternidade, muitos
deles também devem ter morto muitas
criancinhas, muitas delas
inocentes. Tudo depende da
perspetiva.
HOMEM DE ÓCULOS
Que perspetiva? Matar é matar.
SOLDADO
Porra, por favor não sejas assim
tão cego. Depende sempre de quem é
o vencedor... E tudo o que peço é
que o meu país consiga vencer sem
mim.

HOMEM DE ÓCULOS
Vencer com um rasto de corpos
mortos.

SOLDADO
No final das contas, a história é
escrita pelos vencedores e eu quero
que escrevam como o meu país lutou
pela liberdade e pela paz dos seus
cidadãos. Porque é para isso que
serve uma guerra, para trazer a
paz.
O homem de óculos levanta a voz.
HOMEM DE ÓCULOS
Desculpe, mas isso não faz sentido
nenhum, como é que uma guerra
causadora de sofrimento e horror
traz paz? O senhor está claramente
confuso.
SOLDADO
Porque a guerra serve para lutarmos
contra quem nos deseja mal, a
guerra é um meio para um fim.
HOMEM DE ÓCULOS
Mas não haverá outros meios para
chegar à tão desejada paz?
10.

SOLDADO
Isso não dependeu de mim. Como tu
próprio disseste, sou apenas um
peão, eu não comecei esta guerra,
mas pretendia ajudar a terminá-la.
HOMEM DE ÓCULOS
Não percebo porque é que guerra e
tortura seria sequer considerado um
meio para a paz. Isso é desumano.
SOLDADO
Ser desumano faz parte da natureza
humana. E sim, eu fui desumano por
ter morto aquele rapaz, mas ele
também foi desumano quando
assassinou os meus amigos. A
desumanidade corre-nos nas veias.
HOMEM DE ÓCULOS
Você pode achar que está na
natureza humana matar e cometer
atrocidades, mas a natureza humana
também mostra empatia, amor e
muitas coisas que o Homem é capaz
de fazer para o bem da humanidade.
SOLDADO
Nunca deixei de ter amor e empatia,
as coisas que fiz foi por amor e
empatia.
O homem de óculos leva a mão ao peito e olha incrédulo.
HOMEM DE ÓCULOS
Quando me colocaram aqui, devo
admitir que não esperava que o meu
primeiro caso fosse tão vil e
desdenhável.
O soldado cerra os dentes.
SOLDADO
Isso não é justo, de todo. Se
eventualmente ganharmos a guerra e
se eu tivesse vivido até aos 80,
seria um autêntico veterano, cheio
de medalhas e prémios, troféus e
monumentos em meu nome, por mais
inimigos que tivesse morto, mais
medalhas teria ao peito. Teria
recebido foguetes e um aperto de
mão do presidente.
(silêncio)
(MORE)
11.

SOLDADO (CONT’D)
E não estaríamos a ter esta
conversa.
HOMEM DE ÓCULOS
O que é que o faz dizer isso? O
senhor estaria a ser julgado na
mesma, seja com 20 ou 80 anos, os
seus atos permanecem no seu
cadastro.
SOLDADO
Tu não me estarias a ver da mesma
forma, claro que não.
O homem abre a boca mas é interrompido.
SOLDADO (CONT’D)
Não me digas que seria mentira.
Terias logo outro brilho nos olhos.
Seria um verdadeiro herói. Um velho
assassino herói.

O homem de óculos não chega a concluir o seu raciocínio e


olha de forma refletiva para o seu bloco de notas.

HOMEM DE ÓCULOS
Mas certamente tem que haver alguma
bondade no mundo. Não pode ser tudo
desgraça e miséria, corpos mortos e
assassinos veteranos a serem
louvados em televisão nacional.

SOLDADO
Haver, há. Apenas precisas de
cerrar um pouco os olhos. Muitas
vezes, nós escolhemos o que
queremos ver para nos sentirmos
melhor com a merda toda que há por
aí a boiar no planeta. A bondade e
a desgraça são dois lados da mesma
moeda.
HOMEM DE ÓCULOS
Eu escolho ver a bondade que há por
toda a parte. O senhor está a
retratar toda a gente como um monte
de chacinadores.

SOLDADO
Eu, enquanto soldado, também
escolho ver a bondade no mundo.
(MORE)
12.

SOLDADO (CONT’D)
A bondade que há no país que me
criou e a quem devo tanto, onde
vive toda a minha família que neste
momento reza por mim para voltar
vivo e saudável. Imagina a miséria
que vão sentir quando descobrirem.
O homem de óculos, ainda sentado, aproxima o seu corpo para
ficar mais próximo do soldado.
HOMEM DE ÓCULOS
Já pensou que, para o seu país, o
senhor não passa duma estatística?
De um número num papel?
SOLDADO
Sei que a minha família vai chorar
por mim, isso é que interessa e
espero que me vejam como um soldado
que estava meramente a lutar por
aquilo que acreditava, não como um
assassino.
HOMEM DE ÓCULOS
Mas o senhor continua a ser um
assassino... Não podemos retirar-
lhe esse título.
O soldado levanta-se da sua cadeira e vira-se de frente para
o homem de óculos.
SOLDADO
Eu sou muita coisa, é injusto da
tua parte colocares-me numa só
caixa. Sim, posso ser um assassino
porque matei aquela criança, mas
aos olhos dos pais dos meus amigos
que ele matou, sou um herói.
O soldado vira-se de costas para o homem de óculos.
SOLDADO (CONT’D)
Eu sou o que sou dependendo de quem
esteja a julgar.

O homem de óculos olha preocupado para o soldado.

SOLDADO (CONT’D)
Mas sim, se calhar também sou um
assassino.

HOMEM DE ÓCULOS
Pelo menos reconhece essa sua
característica, é um começo.
13.

3.3 3.3
O soldado volta-se a sentar.
SOLDADO
Sim, okay, percebo, podes-me
catalogar como isso, se calhar
mereço.
O homem de óculos endireita-se na cadeira.
HOMEM DE ÓCULOS
Eu não sei o que achar, sabe? Eu li
o seu registo e pensei que fosse um
caso fácil. Um soldado com vítimas
que matou a sangue frio, certamente
deve ser punido.
SOLDADO
Sim, se calhar devo. Num mundo
perfeito, não pensariam duas vezes
em me condenar pelos meus atos, se
estivesse vivo... Mas se o mundo
fosse perfeito, também não me teria
enlistado, não teria havido
necessidade.
HOMEM DE ÓCULOS
Arrepende-se de ter ido para a
guerra?
O soldado olha para o teto e suspira.
SOLDADO
Se me arrependo? O que é que isso
interessa agora? Está feito, está
feito.
HOMEM DE ÓCULOS
Podia sentir um pouco de remorso
pelas vidas que acabou.
SOLDADO
Quando os outros nos querem fazer
mal, recuso-me a ficar parado e
aceitar.
HOMEM DE ÓCULOS
Você faz parte dos “outros” na
história de alguém, sabe?
SOLDADO
Claro, por isso é que não julgo
quem me matou. Era eu ou ele.
(MORE)
14.

SOLDADO (CONT’D)
Depois só espero que o meu lado
seja relembrado como o benevolente.
Caso contrário, acho que acabarei
como um dos “outros”.
HOMEM DE ÓCULOS
O que é que distingue os “outros”
dos restantes?
SOLDADO
Os “outros” estão no lado errado da
história.

HOMEM DE ÓCULOS
E esses ditos “outros”? Acha que
merecem sofrer?
SOLDADO
Não, não acho. Em guerra, somos
todos um “mais um” que funciona
para um bem maior. Infelizmente, o
meu bem maior às vezes não coincide
com o bem maior dos outros.
HOMEM DE ÓCULOS
Uma forma muito triste de viver e
morrer.
SOLDADO
Triste? Não diria que é triste. É
real.
O homem de óculos olha atentamente para o soldado.
SOLDADO (CONT’D)
Mas acho que agora dependo de ti.
Leva-me para onde quiseres, mas não
me empurres para um só rótulo.

O homem de óculos olha para o seu bloco de notas. Lê


nervosamente todos os apontamentos que lá estão escritos. O
soldado olha para baixo, refletindo.

HOMEM DE ÓCULOS
Consigo ver o ponto de vista do
senhor... Bem... na verdade, acho
que não consigo ver TOTALMENTE o
seu ponto de vista, mas tento
perceber de onde vem. Tem boas
intenções, mas acho que isso toda a
gente tem.
15.

O telefone em cima da secretária começa a tocar e o homem de


óculos levanta-se e atende.
HOMEM DE ÓCULOS (CONT’D)
Sim?
Compreendo.
Com certeza.
Certo, certo, obrigado. Com
licença.

O homem de óculos olha para o relógio que tem no pulso.

HOMEM DE ÓCULOS (CONT’D)


Bem... Acho que temos que dar o
nosso tempo como terminado.
Infelizmente, não me é permitido
muito mais tempo consigo, como
sabe, tenho muitos mais casos para
testemunhar e já estou a ficar
atrasado.

SOLDADO
Força, faça favor. Que nada o
impeça.

Ambos se levantam das suas cadeiras e o soldado estende a sua


mão para o homem de óculos. O homem de óculos retribui o
gesto e apertam as mãos um do outro. De seguida, dirigem-se
para o elevador. O homem de óculos abre a porta.

4 INT. ELEVADOR 4

Assim que os dois entram no elevador, a luz do teto para de


piscar. O homem fecha a porta do elevador.

HOMEM DE ÓCULOS
O senhor está pronto?

O soldado agarra novamente no medalhão que tem no bolso.


SOLDADO
Sim.

O homem olha para os botões na parede. Existem somente dois


grandes botões cinzentos. O botão com uma seta a apontar para
cima e o botão com a seta a apontar para baixo.

O homem de óculos olha para o soldado, mas este está de olhos


fechados. O homem aperta fortemente no seu bloco de notas e
com a mão direita carrega no botão.

CUT TO BLACK.
16.

Ouve-se um clique.

FIM.

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