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Ficha Técnica
ISBN: 9789892354231
©© 2017, M. L. Rio
www.leya.pt
Índice
Capa
Ficha Técnica
ATO I
PRÓLOGO
CENA 1
CENA 2
CENA 3
CENA 4
CENA 5
CENA 6
CENA 7
CENA 8
CENA 9
CENA 10
CENA 11
CENA 12
ATO II
PRÓLOGO
CENA 1
CENA 2
CENA 3
CENA 4
CENA 5
CENA 6
CENA 7
CENA 8
CENA 9
CENA 10
ATO III
PRÓLOGO
CENA 1
CENA 2
CENA 3
CENA 4
CENA 5
CENA 6
CENA 7
CENA 8
CENA 9
CENA 10
CENA 11
CENA 12
CENA 13
CENA 14
CENA 15
CENA 16
CENA 17
CENA 18
ATO IV
PRÓLOGO
CENA 1
CENA 2
CENA 3
CENA 4
CENA 5
CENA 6
CENA 7
CENA 8
CENA 9
CENA 10
ATO V
PRÓLOGO
CENA 1
CENA 2
CENA 3
CENA 4
CENA 5
CENA 6
CENA 7
EPÍLOGO
Exeunt omnes
Nota da Autora
Agradecimentos
Para os muitos atores estranhos e maravilhosos
alguma coisa.
– Oliver.
– Joe.
Parabéns.
desde que nos vimos pela primeira vez), como se eu estivesse a maçá-
lo.
de sempre?
– Bem? – digo.
– Bem o quê?
– A forca é bem feita. Mas porque é que é bem feita? Porque faz bem
– De facto – diz ele –, penso que desta vez talvez consiga fazer-te
mudar de ideias.
– Como?
meus filhos.
vincadas.
com atenção.
cães.
– Diz-me uma coisa – pede. – Alguma vez ficas deitado na tua cela a
esta, Joe. Para si, foi só um dia, e depois voltou tudo à normalidade.
Para nós, foi um dia e todos os dias que se seguiram. – Inclino-me para
dele, para que ouça cada palavra quando baixo a voz. – Deve roê-lo por
dentro, não saber. Não saber quem, não saber como, não saber porquê.
– Porque queria.
– Ainda queres?
pareceu. Olhando para trás, anos depois, não tenho tanta certeza de
– Estou a ouvir.
antes. Em segundo lugar, isto não pode ter repercussões nem para mim
nem para mais ninguém... nada de dupla incriminação. E, por fim, não
é um pedido de desculpa.
até ao momento.
ganharem vida.
Filippa: – Poupa-nos.
cinquenta dólares.
– Não me lixes.
comprido.
fitando o lume.
– Está bem, vamos lá ouvi-la – disse Filippa, com um suspiro débil,
– Et tu, Brute?
Richard e a Wren não podem ser casados, porque isso seria inaceitável,
portanto ela vai ser Pórcia; a Meredith, Calpúrnia; e Pip, tu vais acabar
de homem sempre que ficávamos sem papéis bons para mulheres, uma
arte.
Alexander: – Cinquenta dólares em como vai ser esse exato elenco.
Meredith: – Eu não.
levantou-se do sofá.
– Vou. O Alexander fez com que todo este trabalho pareça bastante
horas a fio. Wren atirou com o seu livro para trás, por cima da cabeça,
falas – disse.
noite.
– Pip?
garganta.
rubor,
fumo.
Ele desviou a atenção dos versos que estava a ler, fossem eles quais
– Constantemente.
mais alto dos três quartos numa pequena coluna de pedra normalmente
ler amanhã?
ganga.
Encolheu os ombros.
– É a Gwendolyn.
de Cássio.
primavera.
– Porquê? A peça é tanto sobre sexo como sobre guerra – disse ele. –
A Gwendolyn vai querer que o Richard seja Heitor, claro, mas isso faz
de ti Tróilo.
– Não olhes assim para mim – disse ele, com uma nota baixa de
de parceiro secundário.
apagar a luz.
suficientemente bonito.
dos dois sobrepunham-se tantas vezes que se tornava difícil dizer onde
castelo, mas um pequeno edifício de pedra que por acaso tinha uma
excecionalmente silencioso.
verdadeiramente.
– Não há necessidade – disse ele. – Tu nunca és tão horrível como
com a sua enorme mão, e eu estava tão distraído que fui projetado para
– Tu não prestas para nada – disse eu, mas com um sorriso relutante.
para o outro, com Wren (Hérmia, com uma camisa de noite curta cor-
agarrada à almofada com que ela e Wren tinham batido uma na outra
treinada. Alguns dos nossos trunfos teatrais eram óbvios: Richard era
curvas graciosas e pele como cetim. Mas havia algo implacável no seu
sex appeal – olhava-se para ela quando se movia, fosse o que fosse que
dormitórios. Quando abri a nossa porta pela primeira vez, ele ergueu
que pisava o palco, e eu não fui exceção. Mesmo nos nossos primeiros
criança, quer no palco quer fora dele. Ao longo de três anos, desfrutei
que James pudesse ter sido o meu espectador. Mesmo quando não era
apareceu na fresta.
– Ótimo.
– Com certeza.
CENA 3
habitual no Bore’s Head (uma piada tão esperta quanto Broadwater era
3
capaz de inventar) e os copos vazios iam-se acumulando em cima da
puro.
perfeita idiota.
senhora!
acertaste em tudo!
– Acertei, pois.
vez.
– Vais, e eu tenho três: Décio Bruto, Lucílio e Titínio. – Fez-me um
– Mas os do terceiro ano vão levar à cena a Fera – disse Wren. – Vão
Ator-Rei com os do quarto ano. Estava em ensaios oito horas por dia.
segundo numa peça levada à cena pelo quarto ano. Essa opção
Richard ou Colin.
Richard.
– Quem dera.
CENA 4
Deixámos as nossas coisas no Castelo e corremos loucamente por
(Não havia barco na margem sul do lago desde que o Castelo fora
veloz do que o resto do grupo, correu, com o seu cabelo a adejar como
braços por cima da cabeça, deixando visível uma faixa pálida das
minhas mãos, porque eu era o que estava mais perto dela. – Vamo-nos
sentar aqui, deixar que os sons da música / Nos subam aos ouvidos; a
todos, ofegante.
me na parte de trás das coxas com um dos seus sapatos. – Oliver, vens
farpas do rabo.
assobio.
– Dá uma passa. Não temos nada para fazer amanhã – disse, o que
ligeiramente pedrado.)
Eu: – Odeio-te.
Richard: – O ódio é a forma mais sincera de lisonja.
que já víramos o melhor e o pior uns dos outros e nem uma coisa nem
– Não – respondi. – Parece que foi ontem que o meu pai se pôs a
Alexander resfolegou.
– O que te disse?
académico.
desperdiçar os meus anos de universidade. Atuar era mau, mas algo tão
circulares – com base no facto de a minha irmã mais velha estar prestes
para ser o filho de quem se gabariam nos jantares de festa. (Por que
– Quem me dera que a minha mãe tivesse ficado assim tão furiosa –
mãe de Alexander dera-o para adoção em tenra idade e quase não fazia
contar-lhe sobre o seu pai foi que o homem ou era de Porto Rico ou da
Costa Rica – não se lembrava de qual dos dois – e não fazia ideia de
que Alexander existia.) As propinas dele eram custeadas por uma bolsa
perdulária.
James.
confirmadas.
homem na doca. Não acreditava em Deus, mas pedi a quem quer que
CENA 5
costume («um atraso chique» como nos dizia sempre), envolta num
a pairar sobre nós, com as mãos nas ancas ossudas. – Bem, isto é
para ela, até que ergueu as mãos e disse: – Todos de pé! Vamos lá!
dolorosas. Gwendolyn, para uma mulher dos seus sessenta e tal anos,
realmente atenção.
sua aula. (Os atores eram como ostras, explicava ela quando alguém
dentro.)
de ser. Sei do que são capazes, e diabos me levem se não vos arranco
cá para fora tudo isso até ao dia em que deixem este lugar.
bom desempenho?
para o outro até se equilibrar e prendendo o cabelo por trás das orelhas
Respira.
sensual).
– Ótimo. Comecemos por algo fácil. Qual é o teu ponto mais forte
como atriz?
boa, e, como atriz, tens de ser capaz de mo dizer. Qual é o teu ponto
mais forte?
– Sou física! – disse Meredith. – Sinto tudo com o corpo todo e não
– Não tens medo de o usar, mas tens medo de dizer o que queres
olhar para ti. Ora bem, deita cá para fora. Cá para fora.
corpo.
caraças para o ter. Adoro ter este aspeto e adoro que as pessoas olhem
roupas ali mesmo, e eu não fazia ideia de para onde olhar. Meredith
acenou com a cabeça e fez menção de voltar a sentar-se, mas
Gwendolyn disse:
teus pontos fortes. Agora quero ouvir-te falar sobre os teus pontos
Gwendolyn. – Até tu. A coisa mais forte que podes fazer é admiti-lo.
Estamos à espera.
merda.
que, por causa disso, ninguém alguma vez vá levar-me a sério. Como
relance à minha volta, para os outros. Wren estava sentada com uma
estátua, uma escultura, algo moldado há mil anos para representar uma
quantidade de ar e disse:
CENA 6
(de que havia mais do que eu alguma vez adivinharia), Gwendolyn deu
semanas seguintes.
passos à nossa frente, com o braço de Richard à volta dos seus ombros,
– Nunca pensei vir a dizer isto, mas estou cheio de vontade de ficar
giz que ele usava no quadro negro e passava a maior parte do tempo na
galeria a espirrar.
expressão absorta quando passámos por eles nas escadas. O que quer
do terceiro anos. Era uma sala estreita e com um pé direito alto que em
que tomávamos chá com Frederick (o que acontecia duas vezes por
negro para fora de uma pequena alcova entre uma estante e busto sem
James disse:
pequeno Pai Natal livresco. – Gostei das vossas audições ontem e estou
de Wren.
cómica para o público. Mas essa é uma conversa para outra ocasião. –
Filippa: – Estrutura.
Wren: – Imagística.
académico.
nome de monarcas ingleses. Por que outras razões? O que faz de Júlio
para ela ao lado de, não sei, o ciclo de Henrique VI, em que todos
estão só a lutar pelo trono, Júlio César é mais pessoal. Tem que ver
com as personagens e com quem elas são, não apenas com quem está
no poder. – Encolhi os ombros, sem saber ao certo se conseguira
íntimos?
todos nós, com as mãos unidas atrás das costas e a luz do sol do meio-
CENA 7
algum modo escapar à morte, faria 187 anos. Um bolo enorme com
faixa por trás do pódio – um sautor branco num campo azul, uma
Como sempre, foi uma das primeiras coisas que Holinshed disse na
reunião geral.
uns pequenos óculos quadrados com lentes tão grossas que lhe
sentados nesta sala esta tarde – disse –, significa que foram aceites na
alguns inimigos. Não deixem que esta segunda perspetiva vos assuste;
ser avaliada numa escala numérica. Não hesito em vos dizer que são
enorme bolo no andar de cima que precisa de ser devorado. Boa noite.
aplaudir.
CENA 8
seu prato antes ainda de nós nos sentarmos à mesa. – Beber aquela
Wren.
envelopes.
mesma coisa, não é suposto que saibamos quem desempenha que papel
antes do espetáculo.
ligeiramente desconfiada.
olhar intrigado.
vinco fundo na testa. Tocou-lhe no braço, disse alguma coisa, mas ele
ficou a vê-lo afastar-se e depois regressou à nossa mesa para nos dizer
voltou a sentar-se.
de cor para Júlio César antes do dia em que teriam de os dizer sem o
CENA 9
moderação.
rapazes – quase não chegava ao metro e setenta e sete, magro mas não
desceu da balança.
Ficou a olhar para nós os seis, sentados como patinhos numa fila
passada?
Filippa: – Bofetadas.
Camilo: – E?
Camilo: – E?
Camilo: – Como?
cruzar o corpo.
braço, ficando com a ponta do seu dedo médio quase a tocar a ponta do
nariz de James.
rosto de James em câmara lenta, sem tocar nele. James virou a cabeça
na mesma direção. – Mas, com uma bofetada de revés, não deves fazer
ver? Uma linha longa e direita. Não devem de maneira nenhuma cruzar
– Está bem.
acidental. Alguma vez viram uma luta a sério? É uma coisa feia. É
público não acreditará nela. – Olhou para cada um de nós até os seus
a James.
– Ora bem – disse Camilo, pousando uma mão no ombro de James e
a outra no meu –, toda a gente sabe que vocês são bons amigos, não é?
Sorrimos um ao outro.
– James, vais tentar o revés no Oliver. Não o digas em voz alta, mas
quero que penses no que ele teria de fazer para te levar a agredi-lo. E
cana do nariz.
cabeça rápido e seco. Eu sabia o que vinha aí, mas um qualquer reflexo
sua mão cortou o ar na direção da minha cabeça, mas não reagi, não fiz
passou levemente a mão pelo lado do meu rosto. Sangue. – Meu Deus,
desculpa.
James, não esquecido – como poderia sê-lo? –, olhava para mim com
CENA 10
que ali as levara. Como ainda haveria mais seis semanas de ensaios,
puzzle gigante.
James: – Recusaste!
os olhos e dizer:
– A minha deixa.
nesses defeitos.
irmão;
ponto, mas, antes de Gwendolyn ter tempo de lhe dizer a sua fala,
quase vazio. – Vamos passar a noite toda com esta cena? Claramente,
ele tivesse dito algo obsceno, enquanto Meredith ficara paralisada onde
sentado ao lado dela, com as mãos unidas, a fitar o chão com a testa
franzida.
deixei-me ficar até James passar por mim e depois segui-o lá para fora,
charro.
– Aquele filho da mãe – disse. – Tem metade das linhas que nós
Merda para ele. – Sentou-se, deu uma passa sôfrega no charro e depois
fez.
– É verdade.
Alexander deu mais uma longa passa e deixou ficar a boca aberta,
– Está a ser uma noite longa – disse James, num tom inexpressivo.
– Porquê? – perguntei.
– Por ele ser um burro – disse ela, como se fosse óbvio. – Lá porque
ela dorme com ele não quer dizer que não consiga ver quando ele é um
pulha.
coisas.
Eu: – Pelo menos, não vai fazer sexo durante algum tempo.
nem sequer podemos ficar zangados com ele. A sério, merda para ele.
CENA 11
então.)
inesgotável, mas o seu ego fazia com que fosse difícil trabalhar com
não conseguia deixá-las para trás e aprender a ser de novo ele mesmo.
às inseguranças uns dos outros que o facto de eu dizer que era a pessoa
– Oliver, tu fazes com que todas as cenas em que entras sejam sobre
da água. James espreitou pela janela por cima do meu ombro e disse:
direção dele e fiquei a vê-lo levar a chávena aos lábios, ainda a sorrir.
que a estrutura trágica está à vista em Macbeth; faz com que Júlio
Eu: – [espirro]
para um desastre.
– Mas não são vilões, pois não? – perguntou Wren. – Cássio talvez,
mas Bruto faz o que faz por um objetivo superior, o bem de Roma.
– Não que eu amasse menos César, mas amava Roma ainda mais –
recitou James.
Macbeth.
Frederick: – Alexander!
Alexander: – Desculpe.
equiparar-se a Banquo.
– Hum, é óbvio.
no quinto ato, cena cinco. É a tua deixa, Oliver, o que é que ele diz?
– Porque não?
disse Alexander.
– Não quis dizer que são exatamente catorze – disse Richard num
tom forçado. – O que queria dizer era que seria impossível isolar um
maxilares e eu soube que não fora sua intenção dizer tudo aquilo em
voz alta.
– Tu ouviste-me.
disse:
peça de teatro.
CENA 12
Deixei-me ficar junto às árvores, olhando para trás, pela colina acima,
Ele saiu de entre dois pinheiros pretos, o seu rosto uma oval pálida
nas trevas. Estava vestido mais ou menos como eu, mas nos seus
– Olhem!
dedos pingavam e o tecido das vestes estava tão colado aos seus corpos
outro.
afastar do rosto.
– Quando voltaremos a encontrar-nos? – perguntou, numa voz baixa
agarrar.
tropeçar.
respiração.
vagueou até à minha boca e traçou com as pontas dos dedos o meu
lábio inferior, até James, que tinha estado a observar a cena com uma
delas.
erguidas na expectativa.
– E vós também.
fogueira.
– Obrigado. – Enfiei por trás do barracão junto à praia. Como ele era
seguinte.
me ouvir.
– O que foi?
como um lobo.
acompanha e me sorri.
baixa.
– Jesus Cristo – disse eu, desabotoando à pressa o casaco. – De
enquanto eu tirava as botas. – Acho que vamos ter de lhes dar pontos
pela autenticidade.
colarinho, e esbarrei com toda a força contra ele. – Pode-se pôr sangue
nessas calças? – perguntou ele, segurando-me pelo cós das calças para
me equilibrar.
ombros, enfiou os dedos pelo meu cabelo para o pôr de pé. – Já está. –
Como eu só estava a par das minhas partes, não podia saber ao certo
minha pele.
para a praia.
Meredith: – Fala!
Wren: – Pergunta!
Richard.
todos os lados, tão alta que chocalhava nos meus ossos. James não
em Dunsinam.
Pó de bruxa embalsamada,
Goelas de tubarão...
árvores.
com a história empolgante de ter estado na água por mais de uma hora.
voltar à praia.
cerveja a transbordar.
– Bela fatiota.
bastante transparente.
– Prefiro a tua.
– Achas que vão tentar pôr-nos a todos completamente nus este ano?
– Viste os outros?
– Mostra o caminho.
quase como ser uma celebridade. Pessoas que eu não conhecia, que
deboche durante algum tempo sem participar nele. Fui bebendo goles
– Ora viva.
beber, mas aguentava o álcool melhor do que nós. – Por outro lado,
talvez só queiram uma desculpa para tocar em ti. – Lambeu uma pinta
acrescentei alto e bom som: – Onde está o teu namorado? Acho que
– Está amuado, a tentar fazer com que nem eu nem ninguém nos
sentado sozinho num banco, com uma bebida na mão e a olhar para os
furioso.
para o ouvir.
– Fantástico. Dá-lhe mais umas bebidas e ele vai dizer a toda a gente
o quanto o desejas.
Eu: – Diz a rapariga que está junto à fogueira com o casaco de outra
pessoa.
olhou para dentro do copo meio vazio dele, tirou-lho e estendeu a mão
para o meu.
Via pelo seu sorriso cético que não acreditava em mim, mas
surpreendentemente convincente.
Encolheu os ombros.
novo à superfície. Disse para comigo que era só uma dor de estômago,
Passou mais uma hora, ou talvez duas ou três. O céu estava tão
escuro que era impossível dizer como os minutos corriam a não ser que
depois da sétima, mas a minha mão nunca estava vazia. Os alunos mais
deixando ficar. Alguém decidiu que a noite não podia terminar sem
para apontar para nós: ela tentou agarrar-se à sua outra mão para não
cair.
ainda restantes.
à bruta?
falso que desse era ciosamente saboreado por pelo menos algumas
pessoas.)
– O quê, eu?
certeza de que não vou mesmo. – (Ao invés do resto de nós, que nos
expressão dela fez com que a recusa não parecesse uma opção viável.
James protestou, mas não ouvi o que disse, porque Meredith tinha-
– Aposto que ela diz isso aos rapazes todos – disse Alexander. – Não
– Aposto que ele diz isso às raparigas todas – disse Filippa, com uma
coração.
– Assim é que é. – Ela passou uma perna por cima do meu ombro,
depois a outra, e quase a deixei cair. Não era pesada, mas eu estava
olhos, por favor. O primeiro par a atirar uma rapariga à água ganha.
fantoche, fora!
pintado? Fala!
chegar-lhe.
E arremessámo-nos para eles. Eu vacilava sob o peso de Meredith, a
– Meredith, agora!
acabou.
– Apoiado!
Limpei a água dos olhos e olhei para ele. Estava sentado na areia, a
a um pouco mais para a frente. Ela afastou-me o cabelo dos olhos com
– És o meu herói.
Contudo, antes de ela ter tempo de se encavalitar nele, uma voz que
opinião?
amplificada.
força, a tentar avisá-la de que não devia dizer mais nada. Ela não
todo o mundo.
mas não tive tempo para me sentir perplexo com ele. Ela ficou
perigosamente calada.
interrompeu-o.
calmo?
peso extra, era como se estivesse cheio com hélio. Pisquei os olhos
– Não sou, quero jogar agora. Vá lá, julguei que querias um último
merda.
água borbulhava à volta deles – era tão maior do que James que seria
impossível uma luta justa entre os dois. Eu estava a avançar na direção
baixo.
– RICHARD! – berrei.
me como um parasita.
a afundar-se.
nó cego.
– Jesus Cristo – disse Colin, em voz baixa. – Mas que diabo foi
aquilo?
nunca vira Meredith tão furiosa, com as faces em chamas mesmo à luz
Era só um jogo.
– Vai-te embora – disse. Ele abriu a boca para responder, mas ela
interrompeu-o. – Volta para o Castelo e vai para a cama antes que faças
– Não está tudo bem. – Ela ainda tinha as mãos a cobrir o rosto.
– A culpa não é tua, Mer – disse eu. A ideia de Meredith chorar era
Nenhum de nós é.
sóbrio do que meia hora antes. – Meu Deus, que merda de espetáculo.
fingir durante pelo menos oito horas que isto não aconteceu.
– Acho que um sono seria bom para todos – disse Filippa, e houve
um murmúrio de concordância.
– Está bem.
alguma maneira, ele não parecia o James que eu conhecia. Parecia tão
era mais do que de músculo e osso, era como se uma coisa afiada o
11. O diminutivo de Richard, Dick, pode também ser usado como termo pejorativo (idiota,
parvo) a que anda associado o seu outro sentido, de pénis. (N. da T.)
33. O nome do bar explora a homofonia de bore (maçador/maçadora) e boar ( javali). «Cabeça
branco ofuscante num céu cinzento da cor de água em que foi lavada
encostada ao lado do seu carro, com a luz a refletir-se nos seus óculos
braços mais tempo do que seria o normal nesta situação. Ela é sólida e
penso que vou desatar a chorar, mas quando a solto ela está a sorrir.
duas semanas desde que fui preso. Além de Colborne, foi a única a
fazê-lo.
– Obrigado – digo.
– Porquê?
Sou inocente como tu. – O seu sorriso desvanece-se e ela retira a mão.
– Ele não se importa. Pensei que não ias querer aparecer com as
– Sabes o que quero dizer – diz ela. – Não te ficam bem. Dá a ideia
de que engordaste uns dez quilos. A maior parte das pessoas não perde
peso na prisão?
camisa.
– E o Alexander?
pergunta que fiz. – Envolveu-se com uma companhia qualquer que faz
– Porquê?
entrar nessa peça. Acha que foi a que nos lixou a todos. Ando sempre a
– Não sei se isso é verdade – digo, mas nem eu nem ela continuamos
a falar do assunto.
minha pena de dez anos, fora recompensado pelo meu bom (isto é,
cão. Ela ri-se de mim, mas não diz nada. O ar fresco do Illinois saltita-
uma vedação para impedir que os miúdos vão para o lago. Talvez agora
Oberon ou a ilha de Próspero. Há coisas que não nos dizem sobre esses
lugares mágicos – que são tão perigosos quanto belos. Porque haveria
ensino, quanto uma seita. Quando entrámos pela primeira vez por
desde que fosse oferecida no altar das Musas. Loucura ritual, êxtase,
– Anda daí.
ao que era ou não – mas do que não estava à espera era da súbita dor
desesperadamente.
– Porque não?
– Preocupa-me mais que elas não estejam prontas para me ver a mim
– digo, porque sei que é nisso que ela está realmente a pensar.
bem-vindo aqui. Não perguntei a Filippa quem mais sabe que estou de
mais tempo. Será que ao virar de uma esquina vou dar de caras com
Holinshed?
abandonada.
ver.
Eu: – Chefe.
se é para arriscar levar um tiro todos os dias, devia pelo menos ser bem
– Provavelmente.
ela e Milo. Não sabia que tinham começado a viver juntos. Ela é um
mistério quase tão grande para mim agora como era há dez anos, mas
não gosto menos dela por isso. Sei, mais do que a maioria das pessoas,
em tempos – mas agora? Será que olha para ela e vê uma suspeita?
– Não deve ter grande razão para vir cá – diz ele, num tom
razoavelmente amistoso.
isso na cidade.
Temos dois que efetivamente partilham algum ADN, pela primeira vez
– Tão bom como sempre. Por uma vez, escolhemos mais raparigas
do que rapazes.
nunca.
relógio.
diz:
– Para onde?
– Sabes melhor do que eu.
– Queres um café?
quem as enchia.) Volta com uma caneca, pousa-a à minha frente. Olho
– Por onde achares que é melhor. Oliver, eu não quero só saber o que
confusão.
– Talvez.
café, mesmo nos melhores dias. O calor da bebida acalma a dor que me
peito. James, imaculado num fato de um azul escuro como tinta, podia
montado uma tela preta para ser o nosso pano de fundo. Queriam
– Acho que é o ego dele que o faz parecer mais alto – disse James.
– Talvez sim. Mas não podem negar que o tipo tem um aspeto
ensaios para fazer isto. De cada vez que fazemos a merda da cena da
o chão e morrer.
espetáculo, mas ela faz aquela cena parecer tão real que olho para ti
– Para quieto.
– Desculpa.
Eu: – Em minha defesa, tentei beijar-te com bons modos, mas não
óbvio que o guarda-roupa passara mais tempo com elas. Wren trazia
peça vermelha que se lhe colava às curvas como uma camada de tinta e
presunçosa.
voluntários. – Não fez com que soasse a razão para ela se sentir
presunçosa.
para ontem.
pontas dos pés nos seus sapatos de verniz brilhante entre os cabos
contas.
virar.
podre.
disse:
– Como?
Inicialmente, não fazia ideia do que ele estava a falar. Mas depois vi
um pedido de desculpa por mera formalidade, que foi aceite com uma
– Como sabes?
Encolheu os ombros.
Olhei-o de soslaio.
Via que ele queria que lhe perguntasse o quê, portanto não o fiz.
Alexander.
com uma madeixa do cabelo de Wren, mas na nuca dela, onde eu tinha
ele estava a fazer aquilo. Wren sorriu – talvez para a objetiva – como se
tivesse um segredo.
– Só estás a ver isto agora? – disse. – Oh, Oliver. Andas tão alheado
como eles.
CENA 2
do sol.
suficiente no rosto.
– Estás bem?
– Porquê?
– Tens a certeza?
– Estou bem.
Hesitou.
– Sim, claro.
– Marcas de dedos.
– O quê?
– Tens de lhe mostrar – disse eu. – Talvez nem saiba que te está a
magoar.
– Quando foi a última vez que deixaste uma marca como esta em
cada uma que ele provocara em James, mas não tinha a mínima
– Só ao Frederick, então.
– Não.
promessa.
– Diz-me porquê.
souber que consegue magoar-me com tanta facilidade, o que vai fazê-
que não está a resultar. Portanto, promete-me que não vais dizer nada.
– Eu sei.
CENA 3
Richard, mas, por acaso, quando ele foi demasiado longe eu não era o
único a observá-lo.
outra com Ligário. (Não fazia ideia de como James conseguia dizer
bem todas as suas falas.) Wren e Filippa tinham saído do palco pela
acotovelou Alexander.
– Calpúrnia – murmurei.
vender bilhetes.
James: – És nojento.
por ignorar.
serviçal sair. – Hoje não sais de casa. – Estava com uma mão na anca
ficasse em casa.
responderam.
impercetivelmente.
– Calma, tigre.
estridente e distante.
mão.
– Vais mesmo fazer uma cena agora? – disse ele. – Se fosse a ti, não
fazia isso.
corri para o palco com o James logo atrás de mim. Mas Camilo chegou
beira do palco.
– Meredith, espera!
A fúria de Richard tremeluziu e apagou-se como uma lâmpada
me.
– Camilo, vais ver se ela está bem? – pediu Gwendolyn. Ele acenou
com a cabeça e saiu pelo fundo do palco. Ela virou-se para Richard. –
– Desculpe.
– Não me peças desculpa a mim – disse ela, mas a sua fúria estava já
zangada.
– Não, é claro que não – disse Filippa numa voz calma e controlada
mãos.
– Não, Richard, nem tentes – disse Wren, quando ele voltou a abrir a
boca. Ela abanou a cabeça, com uma expressão contraída e tensa não
– E seguiu Filippa.
Alexander:
estivesse ali, mas nem um nem o outro falaram. O silêncio entre eles
detonar.
CENA 4
rangeu a abrir-se.
– Ah, estás aqui – disse Meredith. – Não sabíamos para onde tinhas
ido.
recordei a mim mesmo que ela era uma atriz por natureza.
como água na sua pele. Via-se uma equimose já a inchar abaixo da sua
– Não quero pensar nele. – Na sua voz havia um tom cru, terno, que
A única coisa que não fiz foi dissuadi-la. Ela continuava a olhar para
mim, mas de uma maneira como nunca tinha olhado, com algo
impulsivo a brilhar nos seus olhos da cor de vidro polido pelo mar.
outra parte sentia vontade de lhe bater com a cabeça contra a parede
para lhe meter algum juízo. Ela encostou-se a mim e a pressão do seu
para encontrar a curva da sua cintura, alisando a seda contra a sua pele.
a toda a velocidade.
parar.
– Meredith, porque estás a fazer isto? – Não conseguia olhar para ela
– Porque quero.
com força.
– Sabes, acho que tens razão – disse. – As pessoas podem mesmo
magoar-se.
resto dela menos real? Passei a mão pelo rosto, a sentir-me nauseado.
– Que diabo – disse em voz baixa. Foi tudo o que consegui dizer.
CENA 5
das sete para irmos correr. As equimoses nos seus braços tinham-se
vestida uma sweatshirt com as mangas puxadas para baixo até aos
estranho.
– Como sabes?
– Porquê?
– Só por causa da maneira como tem andado a olhar para ti
ultimamente.
Eu: – Porque é que toda a gente anda a usar essa palavra para me
descrever?
– O quê?
– Nada?
– Essa é a única razão? – Pelo seu tom de voz, compreendi que não
estava convencido.
– Quer dizer, não sei. – Ficara deitado sem dormir a maior parte da
últimas palavras, a pensar em mil e uma coisas que devia ter dito em
vez delas, a desejar que tivesse corrido de outra maneira. Não podia
era o alvo mais fácil. Mas não podia admitir isso a James – porque me
tontas que ainda não tinham voado para sul para escaparem ao inverno.
– O que achas?
– Sobre a Meredith?
– Sim.
uma resposta; havia algo por dizer, algo preso por trás dos seus dentes.
Eu queria saber no que ele estava a pensar, mas não sabia como
James brilhavam num tom febril de vermelho, mas o resto da sua pele
distintamente doente.
– Quero.
inalar o vapor de uma taça de cereais cheia com água quente, talvez
correio.
proclamavam
James e eu ficámos a fitar aquele cartaz por tanto tempo que a maior
parte das outras pessoas que tinham vindo investigar perdeu o interesse
e foi-se afastando.
– Que se lixe isto – disse. – Não o quero a olhar para mim como o
desonrosas tumbas.
– Pareces o Alexander.
– Não foi bem assim – disse eu, e desejei imediatamente não ter
falado.
– Tem cuidado, Oliver – disse ele com ar sabido, como se
toda a gente a quer, não é? Quando eu lhe disse que não, mudou de
atrás do Richard.
curioso por saber que tipo de segredos toda a gente andava a esconder.
dedo e perguntei:
de que Richard estava a olhar para mim, o cartaz era uma mancha
– Tu não?
– Vai-se conter, mas só nos próximos dias. Vai esperar pela noite da
disse:
CENA 6
seu não era o único. Também apareceram cartazes com James – o dele
até se tornar tão forte que todo o auditório parecia conter a respiração.
meu ombro.
– Exatamente.
fora disto.
– Como?
me como um mosquito.
gemeram por trás de nós como o cordame de um navio. A sua mão era
mesmo tempo. Amanhã, se ele tentar mais uma das suas, em vez de o
– O mesmo digo.
ansiedade.
CENA 7
que for, que tenha substância. Sem conseguirmos articular essa ideia,
limitávamo-nos a aceitar os elogios e os parabéns deles com a
que claramente significava Não te vás abaixo, pá. Logo que as aulas
deixara uma marca mais funda do que três anos de uma amizade
Dionísio e desfrutar.
entoar: «Ai, ai, ai, ai! Ó vós, homens de pedra.» Quando apareceu um
acelerado.
É dia santo?
– Oliver!
– Estás pedrado?
– Não.
– Estou.
passadiço até Richard avançar por ali, fazendo tanto caso de mim como
sabíamos que o pior estava por vir. Quando Calpúrnia entrou em palco,
bruto com ela, mas não violento; ela, impaciente com ele, mas não
– Vamos lá.
implorar pelo irmão. Eu era o que estava mais perto, tão perto que
Olhou à sua volta para nós com uns olhos vivos e brilhantes,
mantivemos o silêncio.
público visse o aço que brilhava nos seus cintos. Lambi o lábio
minha lâmina debaixo do seu braço que o público não via. Os outros
para trás com força. Caí pesadamente sobre o cóccix, a levar a mão ao
barriga de Filippa, com força suficiente para a derrubar. Ela aterrou nas
junto a Filippa, que estava imóvel, mas agarrava com força a minha
– Et tu, Brute?
pescoço dele.
alforria!
dívida da ambição.
latejante no pescoço.
CENA 8
quatro charros grossos enrolados (um para cada um de nós e outro para
– Tivemos uma semana muito longa. Planeio ter uma noite longa e se
Compreendido?
Alexander: – Diretamente.
Obedientemente, fomos.
teatro juntara-se na cozinha, onde falavam e riam duas vezes mais alto
a sala de jantar, tão fracamente iluminada que eles só faziam uma vaga
estremecia e vibrava, até Filippa atirar umas pedras de gelo para dentro
dela.
Estás bem?
– Ótima – disse ela, com um sorriso algo dorido. – Tenho uma nódoa
tudo bem?
se manter vivo.
todas lá fora. Acho que está a vigiar, para se certificar de que ninguém
as arranca.
perguntou.
– Ótimo – disse ele, e saiu à procura dos amigos. Virei-me para ver
jardim.
rodeado em três lados por árvores – não estava tão cheio de gente
tornozelos finos rematados por uns sapatos pretos com saltos de dez
soubesse de que ano era – continuou a falar, sem se dar conta de que a
alívio. Ela virou-se de novo para o violoncelista, mas olhou para a sua
Despenteei-lhe o cabelo.
aguentar-se de pé sozinha.
– Não sei o que lhe deu – disse ela, com uma ponta de azedume na
voz que eu nunca lhe ouvira. – Ele sempre foi um bocado cabrão, mas
Era uma palavra tão inocente que senti um leve sentimento protetor,
– Porque não?
condições.
Abanou a cabeça.
Não era a palavra que eu teria escolhido, mas acenei com a cabeça,
de qualquer maneira.
dará ouvidos.
– Talvez. Mas vai ter de esperar até de manhã. Neste momento, ele
imprudente.
mais uma?
Wren soluçou.
como uma irmã. Virou-se para mim. – Uma azeitona, Oliver? – Ergueu
mas sabes como ele é, recusa-se a pedir desculpa seja pelo que for. –
ideias.
– Oh.
pesadas.
dois dedos.
azul entre os topos escuros das árvores, uma lasca branca da Lua a
James deteve-me.
– Sim.
– Andei de grupo em grupo durante um pedaço, mas foi demasiado
Ri-me.
– Por esta altura, duvido que ele se lembre sequer de nos ter dito
aquilo.
amigo mais velho, mais sábio, perpetuamente fora de vista mas nunca
do céu.
– Olha – disse.
de dentro, a gritar.
conseguíamos.
lado para entrarmos na cozinha, onde pelo menos uma dúzia de outras
lado, empoleirada nos dedos dos pés, por entre um caos cintilante de
servir de árbitros.
O rapaz que estava por terra gemeu e inclinou-se para a frente, com
– Pois, acho que o Richard é capaz de ter feito isso mesmo. Ele
precisa de ir à enfermaria.
medo.
de toda a gente.
– Não fales assim com ela. Vira-te e olha para mim – disse ela. –
mim.
– Cala essa boca... – começou ele a dizer, mas ela não o deixou
terminar.
Desafio-te!
pedaços.
peito com um murro surdo; antes de ela ter tempo de recuar de novo,
ele agarrou-a pelo pulso. – Não tem que ver com ele. Estás a fazer com
que tenha que ver com ele, porque não podes bater-me a mim e estás
brusquidão. Ela torceu o braço, a tentar soltar-se, até a sua carne ficar
divisão ao lado.
quando ela lhe deu uma bofetada com as costas da mão – nada como
uma mecha do cabelo dela na mão, e ela gritou de dor quando ele o
fitava Richard sem fazer caso de nós, com os braços hirtos ao lado do
que ela fora habituada. Tudo o que sentia estava estampado no seu
num guardanapo para limpar a boca. Ouvia Wren gemer, mas o som
para mim como se afastara para Meredith. Virei para o corredor entre a
pelo nariz até deixar de sentir a cabeça andar à roda. Já nem sequer
para as escadas.
– Meredith – disse eu, pela terceira vez. Ela era a única pessoa ali, a
meio das escadas. A música vibrava nas paredes, meio abafada. Uma
– Deixa-me em paz.
– Para quê? Estou farta da merda desta festa, deles todos lá em baixo.
O que queres?
– Só quero ajudar.
– Ai sim?
– Oliver!
– Sim?
dúvida dela.
esbugalhados e indefesos. Nada nela alguma vez fora simples, mas ela
dela.
atravessava a parede:
– Oh, merda.
soubesse, Richard (que merecia muito pior do que uma traição assim
altos dela, pela minha embriaguez e pela nossa recusa tonta de não
– Pois, eu sei.
O facto de ela saber era de certo modo mais sexy do que fingir que
fundo das costas dela, e a pele parecia elétrica sob a ponta dos meus
dedos. O toque quente e sedoso dos seus lábios na minha orelha fazia-
PORTA!
meu pescoço.
descontrolada.
– Ele que tente. – Ela empurrou-me para cima da cama, e não ofereci
resistência.
MATO-VOS, JURO POR DEUS QUE VOS MATO AOS DOIS.» Era impossível
escutar, com Meredith entre mim e ele, tangível, inebriante, a sua mais
Sentia a cabeça tão leve que, sem o peso dela em cima de mim, o meu
CENA 9
não conseguia deixar de a fitar – por uma vez, não por ela ser linda,
por pequenos pontos roxos, como violetas a florir na sua pele. Umas
uma mão mais pesada do que a minha tocara nela, onde dedos
curva do joelho. Ela estava tão cheia de equimoses como James. Senti
estômago.
interior.
uma concha vazia onde algum ser mole sem espinha costumasse viver.
algum confronto, mas não queria encará-lo mais cedo do que tivesse de
só isso.
– Jesus!
meu corpo, para fechar a porta. O seu braço roçou na minha barriga e
– Estás bem?
um quarto há três anos e James nu não era nada que eu não tivesse
sua privacidade.
– Importas-te que volte para o duche? – A sua mão ergueu-se por um
– Força. – Passei por ele para chegar ao lavatório e bebi água fria das
– Hum. Sim.
– Não especialmente.
– Suponho que toda a gente sabe – disse eu. Deitei água no rosto,
me mexer.
– Vais voltar para o quarto dela? – perguntou James. Estava de costas
– E não é?
perplexidade.
– Oh?
– Olha, sei que ela não é tua favorita, mas também não é uma
rapariga qualquer.
Piscou os olhos.
Esforcei-me por formar palavras – sentia a sua forma, mas não a sua
– Oh.
CENA 10
bater à porta com força. Havia uma voz também – de mulher. Não de
não queria que acordasse Meredith, deslizei da cama e abri a porta sem
Imediatamente.
roupas do chão.
sentirmo-nos perplexos.
– Com o quê?
– Não disse.
em parte submersa onde a água devia ser como vidro e lisa. Richard
me o braço.
seu rosto reage a algo que digo – com um erguer subtil das
seguinte.
mão para a roçar nas cascas dos troncos, como se cada um, com os
seus nós, fosse o ombro de um velho amigo em que toco quando passo
por ele, sem pensar. Reconsidero essa ideia: não tenho velhos amigos,
pedra cinzenta.
ocultar. – Pelo menos, penso que sim. Tínhamos todos estado a beber,
Abana a cabeça.
– Já não.
verdade?
Uma pausa.
Sem poesia.
pequeno sorriso privado e olho para baixo, esperando que ele não o
Olho para o outro lado do lago, para o topo da Torre. Uma ave
Sinto o seu olhar no lado do meu rosto, mas não ergo a cabeça.
Como Afrodite, ela exigia louvores e idolatria. Mas qual era a sua
mistério.
Enquanto conto a história a Colborne, a culpa contorce-se, qual
media, uma atenção que se revelou excessiva até mesmo para ela.
Caleb.)
série era popular na prisão, não por causa das fontes shakespearianas,
mas porque ela passa muito tempo a pavonear-se vestida com camisas
de noite coladas ao corpo que lhe deixam ver as formas. Veio visitar-
ou era óbvio: que ela era naturalmente ruiva, tinha um pequeno sinal
verdades mais íntimas guardava para mim mesmo: que fazer amor com
ela fora tão doce quanto selvagem; que, apesar de ela normalmente
dizer muitos palavrões, os únicos sons que emitiu na cama foram para
– Sabes, ela veio ver-me uma noite – diz ele, enterrando os tacões
falar comigo, disse que não podia esperar, que havia uma festa e era o
único momento em que vocês todos não dariam pela falta dela.
– Quando foi isso?
CENA 1
três palavras – Ainda está vivo – lhe saíram da boca, James desatou a
queda de um pássaro.
Alexander.
– James, vá lá! – Icei-o para trás, puxei-o para cima. Ele resistia
me de si. – Larga...
um minuto...
bem porquê.
– Ei! Para com isso. – Alex puxou-a para cima com força, a levantá-
merda...
mesmo?
– Pois, exatamente.
Fitei-o, abismado.
Esquecera-me de que ela estava perto de mim, com uma mão nas
Alexander contra a parede com tal força que ele quase a furou.
respondeu. Wren fechou os olhos com força. – O que é que ele lhe fez?
– Julgam que tudo isso vai parar? – perguntou Alexander, com uma
agora.
continuava suspenso entre mim e ela, com a boca aberta num horror
abjeto, como o de uma criança. Ao nosso redor, as silhuetas negras e
não estava escuro; aparecera uma luz fria, que se acocorava na linha do
– Nada.
mais do que qualquer outra pessoa, devias compreender... Nós não lhe
devemos nada.
outros. Ele estremeceu ao sentir o peso das minhas mãos nos seus
ombros.
– Como ninguém possui aquilo de que se despede, que importa
deixá-lo mais cedo ou mais tarde? – disse eu. Ele olhou para mim com
Richard vivo, queria que ele e os outros não sofressem nenhum mal
novo.
lábios de James.
suspirar um dos outros, talvez Filippa, e soube que não era o único a
pescoço e dos braços salientes como cabos de aço, embora ele não
estendera para o som das nossas vozes abriu-se como uma flor. Os
Por fim, Alexander rodou os ombros para a frente e todo o fumo que
volta, virando-se para dentro, uns para os outros, de costas para o lago.
minuto esquecido. Já não havia razão para alvoroço. Não havia pressa.
garganta.
aconteceu.
onde estiveste?
Eu: – Ele estava bêbedo. Bebeu até ficar podre de bêbedo e depois
Wren: – Vão querer saber porque é que um de nós não foi atrás dele.
Meredith: – Ela não pode dizer isso, seu idiota; parece um motivo.
gesso.
– Desculpa lá – disse ela –, mas que motivo tenho para matar o meu
namorado?
– James olhou dela para mim, e aquela dor no meu peito regressou,
minhas costelas.
– Olha, ele tem razão – disse Filippa, antes de Meredith ter tempo de
sentido tornar isto mais difícil para nós. Quanto menos dissermos,
– OK, mas não podemos não falar sobre a briga na cozinha, porque
Meredith para mim. – E alguém viu estes dois idiotas a curtirem nas
escadas.
– Tu sabes. Antes.
tudo bem?
tudo bem.
Wren bateu com as pontas dos pés contra a doca, desviando o olhar,
perguntei.
de ter a certeza.
às pernas, até todos os pelos do meu corpo ficarem eriçados. Mais três
passos.
mexesse. Olhei para os outros, para lhes dizer que não era capaz de
CENA 2
interna do meu pulso que eu quase não a sentia. Ela, James, Alexander
– Oliver Marks.
para o outro lado, a olharem para tudo menos para mim ou uns para os
Era maior do que contava, como a galeria, mas com o teto mais
por cima dos óculos com uma expressão implacável e severa. – Vai
lixa.
– OK.
a aparecer com um pequeno gravador preto, que ele colocou atrás de si,
mas eu sabia que não poderia recusar. – Se não tiver de anotar tudo,
tu?
segundo:
– Sim.
pergunta.
Eu: – Sim.
Eu: – Melhor.
ter visto nas escadas com Meredith não significava que tivéssemos de
quanto possível.
era um pouco arranhada, o que o fazia soar mais velho do que era.
Castelo por volta das onze. Bebemos e depois cada um foi para seu
lado. Eu, não sei, só andei por ali durante algum tempo. Alguém me
– Fazes alguma ideia da razão por que ele não estava a conviver com
– Continua.
– Fui lá para fora. Falei com a Wren. Falei com o James. Depois,
– Sim.
com ele.
mim.
Colborne.
colados ao seu batom, riscos pretos de seda na raiz das suas pestanas, a
quentes. – Ela não queria falar com ele, e disse-lho, mas pela porta,
– E quando saíram?
me que o Richard tinha ido para o bosque com uma garrafa de whisky.
hesitava.
novo, sufoquei tudo. Ele tomou o meu acesso de náusea por emoção e
dizer:
– Sim.
– O que precisar.
de um modo estranho?
Outro mosaico de recordações ganhou forma como um vitral
abrandou.
– Penso que é tudo por agora – disse, depois do que deu a sensação
Mas é claro que não o faria. Não até passarem dez anos.
CENA 3
uma sala de estar grande no meio, onde havia uma lareira, uma coleção
auditório de música para esse fim de tarde, mas decidiu que não
que dava para o resto do quinto andar, onde ficou sentada a fungar para
entusiasmo.
consciente dos nossos colegas, todos reunidos sem nós. O exílio era
– Achas que vão dizer a toda a gente que estamos aqui em cima? –
tantas horas.
seu corpo.
substituir o Richard.
– Lá se vai aquela coisa de «o espetáculo tem de continuar».
de todos?
expressão indignada.
outros... não por causa disto. O que não tem remédio / É preferível
agradou nada.
se a vaguear pela sala num ziguezague sem objetivo, tocou umas notas
estantes.
na parte de trás da sala com uma garrafa de algo de cor âmbar na mão.
– Alguém quer um brandy?
armário.
Wren não respondeu, mas, para minha surpresa, tanto James como
adormecer.
– Não sei se alguma vez voltarei a dormir – disse eu. O rosto meio
três quartos.
ao mesmo tempo.
monumentalmente árduo.
– Nove e um quarto.
estendeu a mão de novo para a garrafa. Encheu o copo quase até cima e
todos sabemos que não sou esquisito quanto a parceiros de cama. Boa
noite.
Saiu da sala com uma pequena inclinação rígida do corpo. Vi-o sair
pela porta, a limpar sangue falso do rosto e a rir-se cruelmente por nos
ter enganado.
erguer a cabeça.
a cama?
Falou comigo como se James não estivesse ali. Ele não reagiu nem
todo.
agulha, mas não tinha nada que ver com Richard, não propriamente.
Queria dizer alguma coisa, mas não consegui encontrar uma só palavra
cara.
– Devíamos dormir.
– Podemos tentar.
manta a tapar as pernas. No outro sofá, James fez o mesmo, com uma
suficiente. Como tudo tinha dado para o torto tão depressa, tão de
mesmo, mas meses antes... Com Júlio César? Com Macbeth? Era
Nessa altura, não o reconheci, mas nos meses que se seguiram ele
trepava para o meu peito todas as noites e ficava ali sentado a rosnar,
como adormecer.
– Oliver.
– Oliver.
outro olhar furtivo a James. Ele estava deitado de costas, com a cabeça
virada para o lado oposto a mim. Não percebi se estava ferrado no sono
– Queres entrar?
manhã.
Tinha sido bem treinado para desconfiar de Meredith. E por quem? Por
James, mais uma vez. Só via um tufo do seu cabelo a despontar por
Ela acenou com a cabeça, só uma vez, e voltou para o quarto. Segui-
tenha sido uma hora, levantei o braço, sem olhar para ela. Aproximou-
CENA 4
connosco uma vez, mas durante os dois dias que faltavam para as férias
sábado.
Richard.
– Porquê?
carro com o tio e a tia e depois apanharia um avião para Londres com
importante.
– Sabes que podes vir comigo para minha casa se quiseres, certo? –
disse eu, abruptamente. – Não estou a dizer que o faças ou que devas
fazê-lo, só que... se precisares de algum sítio para onde ir. Quer dizer,
eles iam passar-se, porque nunca levei uma rapariga lá a casa, e iam
interpretar tudo mal, mas só... para o caso de ser preciso. É tudo,
Ela virou-se de costas para o lume e senti-me aliviado por ver que
Mas a diferença entre nós era que ela presumia que as pessoas
– Oliver – foi o que ela disse de facto. Suspirou o meu nome como se
Encolheu os ombros.
– Do que vai acontecer agora. – Nem um nem o outro voltámos a
meia.
recordar.
– Sim?
– Não estejas com medo. – Era egoísta dizer aquilo. Se ela perdesse a
calma, eu não conseguia imaginar o que seria dos outros todos. Ela era
– OK.
CENA 5
Fui dar com James no topo do trilho, parado, a fitar o caminho até lá
fusco, sem saber o que fazer. Um mocho piou algures no topo das
na praia.
ombros que ele não viu. – É como se o lago se tivesse virado contra
cabeça de modo que eu lhe via o lado do rosto, a curva da face. – Por
Deus, Oliver. Dorme com ela se tem de ser, mas não deixes que se
Não figurativamente.
convincente.
– O quê?
– Se é figurativo.
– Não compreendo.
lâmina.
Desviou o olhar.
– Eu não...
– Não sejas ingénuo, Oliver, por uma vez na vida. Ele está morto há
Boato fala?
– Porque é o que parece que podemos ter feito, merda! Achas que as
pessoas não vão pensar que alguém pode tê-lo empurrado para o lago?
punho.
Deve ter visto o medo no meu rosto, porque as linhas duras à volta
– Sim, é claro que foi isso que aconteceu. – Olhou para baixo, largou
nervosa.
Sempre.
CENA 6
lago.
murmúrios que abria alas com relutância para nos dar passagem. Wren,
Alexander afastámo-nos para lhe dar lugar entre nós. Porque nos
sentada junto do tio, que se parecia tanto com Richard que não
mesmos olhos pretos, a mesma boca cruel. Mas o rosto familiar era
mais velho e tinha rugas, e uns fios prateados tinham-se insinuado nas
de tal acontecer.
Ele deve ter sentido o meu olhar, da mesma maneira que eu sentia o
de dentro para fora. Inspirei fundo, com as luzes das velas a bailarem
acreditou Filippa, mas, antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa,
com a chave e a pena bordadas numa das pontas) que lhe pendia mole
do pescoço. Além dessa fita de cor, ele era uma figura sombria e
rosto.
morte também. Quem vos recorda isto? – Fez nova pausa, mordeu o
Richard. Ele pisou o nosso palco muitas vezes, em muitos papéis. Mas
substituir a claridade!
tempos e os Estados,
Richard bem, como ele teria querido. É meu privilégio desvendar para
Richard surgiu de trás dele – o seu retrato para Júlio César, como era
Apertei a mão de Filippa com tanta força que os nós dos seus dedos
ficaram brancos. Holinshed estava errado: Richard não queria ser bem
quase não o ouvi. – Não tive o privilégio de o conhecer tão bem como
pé e a dirigir-se para o pódio. Quando chegou lá, quase não era visível,
microfone.
Holinshed teve razão ao dizer que ele era maior do que a vida. Mas
nem todas as pessoas gostavam disso nele. De facto, sei que muitos de
vocês não gostavam nada dele. – Ergueu a cabeça, mas não olhou para
também não gosto... não gostava dele. O Richard não era uma pessoa
de quem fosse fácil gostar. Mas era uma pessoa que era fácil amar.
com uma mão a agarrar a gola do seu casaco. O marido estava sentado
isto.
primo. Sinto que perdi uma parte de mim. – Soltou uma espécie de
gargalhada trágica.
James agarrou a minha mão tão repentinamente que me sobressaltei,
mas ele não parecia ver-me. Olhava para Wren com um certo desespero
Viola, mas lidam com isso de maneiras muito diferentes. Viola muda
Apertávamos as mãos uns dos outros com tanta força que já não
CENA 7
Fez-se um velório de improviso no pub The Bore’s Head. Estávamos
(ninguém queria sequer olhar para o espaço vazio onde ele devia ter
lhe, não em frente aos outros. Sentia um aperto no peito, como se todo
tempos.
da voz de Alexander. – Ela vai para casa, vai ao funeral do primo, tem
voltar.
– Isso pode não ser o melhor para ela – disse Meredith. – Talvez
sombrio.
CENA 8
pacata rua suburbana. Cada uma das casas era completada por uma
para «parar de brincar com o jantar e comer» mais do que uma vez e os
desconfortável.
enquanto Caroline nunca mostrara o menor interesse por ela. (Eu sabia
interesse por alguma coisa que não estivesse relacionada com exercício
Mundial.
passado.
Earhart. Acho que era a única rapariga lá que não estava vestida com
não tinha vindo muito a casa nos últimos quatro anos e ainda pensava
nela como muito mais nova do que os seus dezasseis anos. – Enfim –
– Não lhe metas ideias na cabeça, por favor – disse o meu pai. – Já
para isso.
Uma penosa meia hora depois, a minha mãe empurrou para trás a
Sentei-me mais direito, à espera. Mas ele não disse mais nada,
lado do meu pai na cadeira que Leah tinha ocupado durante o jantar e
Virou-se para a minha mãe (como fazia sempre que era preciso dizer
«algo difícil»).
– Linda?
Ela estendeu o braço por cima da mesa e pegou na minha mão antes
me soltar.
lágrimas nos olhos. – E, provavelmente, vai ser uma surpresa para ti,
– A Caroline – disse o meu pai, como se não fosse óbvio a qual delas
mãe. – Tem andado a tentar a todo o custo acabar, mas o médico acha
– Estás a ver, meu querido, a Caroline não vai voltar para a escola,
mas não vai ficar aqui – explicou a minha mãe. – Os médicos acham
que ela precisa de ser mais vigiada do que nos é possível, já que
Caroline era a que tinha menos senso comum de nós os três, mas o
facto de os meus pais falarem sobre ela como se não pudesse ser
Olhei dela para o meu pai e de novo para ela antes de dizer:
O meu pai: – Sim. Mas agora temos de falar sobre o que significa
para ti.
mesmo tempo.
atordoado.
de uma vela. – Temo-nos debatido com isto, mas a verdade é que, neste
para o cérebro.
– Bem, vais ter de falar com a escola – disse o meu pai. – Pensar em
curso.
Encolheu os ombros.
– Eu... O quê?
só...
CENA 9
até para o reitor Holinshed. Todos eles pareciam exaustos, mas todos
fitar o teto.
cartaz, colados nas paredes, uma galeria das minhas tentativas teatrais
semanada e andava com ele para todo o lado, muito contente por poder
Pouco depois das sete, a minha mãe bateu à porta do meu quarto e
– Lamento muito.
– Vou arranjar o dinheiro em algum lado. Não posso não voltar para
Dellecher.
porcelana.
outro.
parecesse estranho.
Revirou os olhos.
– Roto. Nu.
uns aos outros fazê-lo. Nada une mais os homens do que um inimigo
fazer?
dele, por uma ou duas horas. Pior do que a culpa era a incerteza. Estou
mim, a lassidão que persiste depois de uma febre alta passar. Não
tardei a adormecer em cima dos cobertores, a atravessar um sonho em
realmente alguma coisa, passei as pernas pelo lado da cama e fui abrir
enquanto descia o corredor nas pontas dos pés, mas já tivera bastante
prática de andar à socapa pela casa depois do cair da noite e não era
– James!
Ele estava no alpendre, com um saco almofadado aos pés, o seu bafo
completamente inesperado.
– Não, tudo bem... entra, está frio. – Com a cabeça fiz-lhe sinal de
ninho. James seguiu-me e ficou parado a olhar à sua volta com uma
parecia pequeno.
fazes ideia de como me sinto contente por te ver... por que carga de
casa sozinho durante o dia, andar nas pontas dos pés à volta dos meus
arrasado, na verdade.
manhã.
maneira.
em baixo?
não podemos?
– Não.
– O quê?
– Na cama. – Apontou para ela.
subindo toda a costa até uma qualquer praia parda e esbatida pelo
adormecemos na areia.
desmaiámos na praia...
desaparecido?
de nos atormentar.
É
– É claro – respondi, contente por os seus pensamentos e os meus já
isto é.
– No quê?
– No pardal, de Hamlet.
Hamlet é um fatalista.
– O quê?
CENA 10
contra o meu ombro e recordei: James. Ao invés das poucas noites que
passara deitado ao lado de Meredith em Hallsworth House, senti-me
nosso ano.
Caroline: – A ruiva?
Uma pausa.
Caroline: – Tretas.
Meredith realmente...
almoço connosco.
não o mostrava.
– Desculpa lá.
– Não vou dizer que não. Gostava de conhecer o resto da tua família.
encontrar o caminho?
– Cá me arranjo.
tempo. Aliviado por, ao que parecia, o meu pai já ter saído, fui à
socapa pelo corredor até ao escritório dele, entrei e fechei a porta. Era
atendesse.
– Estou?
Aquela nota baixa da sua voz fez com que uma fagulha voltasse a
cá em casa ontem à noite. Não fazia ideia de que ele vinha, mas não
posso simplesmente deixá-lo aqui. Acho que Nova Iorque não vai
acontecer.
– É claro.
CENA 11
andar do Hall para um breve encontro com o reitor Holinshed, onde ele
escadas.
– Porque quero dar uma vista de olhos antes de aqueles miúdos todos
que tinha sido quase com certeza tricotado à mão. Uma trunfa de
sugeria que não era a primeira vez que dava a instrução. – Não sou o
encontrava.
É
Walton: – É a primeira vez que perdem um aluno?
Descobriu que não tinha passado para o quarto ano, foi para o quarto e
cortou os pulsos.
– Vi.
– Era ele.
erguer-se.
– Não.
lá então.
miúdos descem pelo bosque até aqui, onde a festa já está em pleno
cima?
namorada.
– Quem é a namorada?
– Achas que é por isso que ninguém lhe está a apontar o dedo?
que foi o Oliver Marks. É outro aluno do quarto ano. Admitiu ter ido
«conversar».
Colborne: – Ainda não viste a tal rapariga. Não sabes até que ponto é
improvável.
Walton riu-se.
que foram para o quarto dela, onde estiveram a conversar até o Richard
subir e tentar deitar a porta abaixo. Não o deixaram entrar e ele acabou
vagas.
– Vagas como?
parece capaz de dizer com certeza que horas eram... praticamente todas
Farrow.
sótão.
violento, porque nem um nem outro foram atrás dele. Seja como for, o
fazer.
janela estreita. O dia lá fora estava encharcado com uma luz do sol
branca e crua que não fazia nada para atenuar o frio cortante.
dizer com quê. Inicialmente, supusemos que foi essa a causa da morte.
sangue.
talvez ele tivesse sido atingido com ela, mas estava intacta. Vazia,
intacta, sem sangue nem impressões digitais de alguém a não ser dele.
Portanto, que diabo andou ele a fazer entre as três e as seis da manhã?
neles.
– Porque não?
– O que fazemos?
cozinha.
– OK, e depois?
Walton respondeu, mas baixou tanto a voz que não consegui ouvir o
Escorreguei para o chão, a sentir as pernas tão fracas que pareciam não
pudesse ter falado, ter-lhe-ia dito: «Tivestes tal lazer, neste tempo de
perguntei-lhe.
CENA 12
feira que nenhum de nós a viu e ela teve autorização para dormir mais
João:
É
– É claro que não. Como estás? – Filippa pôs-se de pé, com os
braços já abertos.
Wren vogou para o seu abraço e apertou-a com força pela cintura.
– Melhor agora.
Segui Filippa para fora do sofá e, num momento de afeto tonto, pus
– Nós também.
Alexander resfolegou.
baforada de ar quente.
– Meredith.
lentos. Não a via desde o aeroporto e senti uma ligeira falta de ar.
suavizou-se.
– Wren.
sofás.
bem-vinda.
precisas.
disse:
de Meredith parecia ter abandonado a sala com Wren, e ela estava ali
ao pontapé.)
empoleirado no lado do joelho da outra perna. Fazia com que até essa
enfiei-as nos bolsos traseiros das calças, o que dava a sensação de ser
demasiado casual.
um desfile.
– Certo.
mencionar.
– Oh.
irmãos e pais tão pouco familiares que bem podiam ser de outra
– Vou para a cama, a não ser que tenhas alguma coisa a dizer.
estava vazia. Para alguém que amava as palavras tanto como eu, a
Ficou à espera, a olhar para mim, e quando viu que eu não dizia
com o James?
rompante no seu quarto, encostá-la à parede e beijá-la até ela ficar sem
A noite estava tão fria que sair para o exterior foi como levar uma
houvesse nenhum outro lugar lógico aonde ir. À noite, o lago estava
sobre a água.
falámos.
queimar-me a garganta.
– Nada bem.
para as guardar.
– Quando?
– Ontem.
– Não, mas ouvi-o falar com outro polícia. Um tipo novo, ruivo.
Alexander engoliu uma golfada de fumo, que lhe saiu pelas narinas
– De... tudo isto. – Fiz um gesto amplo, pouco específico, que incluía
alguém que não o conhecesse tão bem como eu, ele poderia não
parecer assustado.
– Merda.
– Pois.
Deu uma passa no charro, cuja ponta ardeu alaranjada, uma fagulha
que a beata. Passou-ma para as mãos. Dei uma última passa e apaguei-
a.
se descaia.
Abanou a cabeça.
Castelo.
– Porquê?
dentes.
– Porquê?
– Com o Colin.
– Nem ele.
antes.
mesma coisa.
obrigado.
mais revolto do que o normal e os meus olhos azuis encovados pela luz
– Oh. Não.
– Ainda bem. Não faças isso. – Pôs-se de pé. – Anda daí. Está frio
do colo.
Alexander enterrou as mãos nos bolsos, a perscrutar a escuridão que
aleatória até ele acrescentar –, quando dei com ele. Vim até aqui para
fumar e... ali estava ele. Nem sequer me passou pela cabeça verificar se
estava vivo, parecia tão absolutamente morto. Não me deve ter ouvido.
– O quê?
– E então?
e desaparecerem.
– Que pássaro?
o Richard – disse.
CENA 13
e osso.)
diz.
para mim.
– Podia ser pior. – Wren empurrava os ovos no prato, sem comer.
nossa mesa e pousou a mão (sem que ninguém reparasse a não ser eu)
– Bom dia – disse, e depois franziu a testa. – Está toda a gente bem?
correio.
– Oliver?
– O que foi?
línguas fixos nela até eles baixarem de novo a cabeça sobre o seu
– Sim?
Ação de Graças. Sou o primeiro a admitir que não sei o que andamos a
– Tipo, um encontro?
fingi que não os via e abri o meu primeiro envelope. A letra na parte da
de Frederick. Na parte de trás, tinha sido fixada uma fita de seda azul
mascarada de natal
sábado, 20 de dezembro.
dezembro.
Saí do refeitório sem voltar para a nossa mesa. Colin tinha ocupado o
dizia o quê. Pela primeira vez, decidi que não queria realmente saber.
CENA 14
as suas falas; quase não tínhamos tempo suficiente para lhes fazer
conduzia para uma pequena mesa no lado oposto do bar. – Não têm
trabalhos de casa?
– Sim, mas não têm também metade de uma peça de teatro para
Ela sentou-se e fingiu olhar para a lista dos cocktails (como se não a
cabeça quando paguei e levou o seu copo à boca sem uma palavra.
outro lado do bar, com cuidado para não derramar nada sobre mim
estava à espera de ser servido, pensei em pedir um shot para mim. Não
direito à mesa.
incerto.
realmente bem?
que morreu.
– O que...
frente e desempenhar o papel dele, agora que saiu de cena. Não é o que
eu quero.
dele. Sei que ninguém quer recordar isso, agora que ele está morto, mas
tu devias.
Baixei a voz.
dizer, olha só para ti... mas não compreendo. Porquê eu? Eu não sou
ninguém.
estivesse a tentar não chorar ou talvez não gritar. A sua mão ficara
do corpo. Nas mesas dos nossos dois lados, as pessoas tinham parado
de falar.
– Sabes, toda a gente te chama «simpático» – disse ela lentamente,
és bom. Tão bom que não fazes ideia de quão bom és. – Riu-se, uma
nós que não está sempre a atuar, que não está simplesmente a
uma rapariga como uma puta e ela aprenderá a comportar-se como tal.
Fechei os olhos com força e depois ergui-os para o teto. Era o único
lugar seguro para onde olhar, o único lugar onde sabia que não
– Desculpa – disse mais uma vez, a desejar não ter dito nada, a
desejar ter tido o bom-senso de ficar ali sentado com ela a maravilhar-
me com o facto de ela quer estar ali sentada comigo, e não perguntar
porquê. Devia ser muito fácil, mas nada entre nós alguma vez seria
fácil. Se isto era o que queríamos, tínhamos feito batota para o obter.
Podíamos sair do bar e escapar aos olhares dos outros estudantes, mas
observava.
ser profundo.
pouco mais de tempo. Ela não pareceu senti-la, mas na mesa ao lado
CENA 15
na sexta-feira.
Gwendolyn.
imagens transportou-me com mais constância até «Que vos parece este
empolgado, aliviado por ser alguém que não eu durante algum tempo,
– Obrigado.
preocuparia. Senta-te.
– Bom dia – disse ela; a sua voz era apenas um eco na sala
cavernosa.
– Estou bem – disse ela, mas não acreditei. O seu rosto e as suas
destemperada.
lhe um olho.
Wren tentou rir-se, mas foi sacudida por uma tosse forte. Lancei um
– O que tens para nós hoje? – perguntou ele. – Lady Anne, não é?
– É isso mesmo.
mesa. Do outro lado da sala, franzi a testa, sem saber ao certo se ela
Ficou com a voz alquebrada, o seu som demasiado áspero para ser a
afetação de uma atriz. Bateu com força no peito com o punho, mas eu
não saberia dizer se era uma expressão da sua dor ou uma tentativa
Contudo, antes de ela ter tempo de dizer alguma coisa, a voz de Wren
lados da cadeira com tanta força que as pontas dos meus dedos ficaram
dormentes.
Filippa estavam no sofá, com os narizes enfiados nos seus textos, até
Filippa: – Oliver!
discurso dela.
James.
– Tenho de ir.
– Não, espera... – Estendi a mão para o seu braço, mas só lhe rocei a
chão tão depressa que não consegui apanhá-la, e agora James também
tinha desaparecido, porta fora para a noite, como água a escorrer por
pânico.
Meredith: – Não sei o que vocês sentem, mas eu estou farta deste
mistério todo.
– James? – chamei.
e para trás como se aquilo fosse uma estação de comboios, mas a mim
Meredith.
– Nada – disse Alexander, antes de um dos outros dois ter tempo de
dos nossos colegas de turma está morto e outra acabou de ter uma
– E que aspeto é que achas que isso dá? – perguntou ele. – Entendo
que não podemos fingir que não estamos afetados pelo que aconteceu,
– Não, é claro que não – disse Alexander, e fez cada palavra picar
sabíamos, tão bem como Richard soubera, que não havia nenhuma
diferença.
e perplexidade.
CENA 17
que me tinham dado estava lançada sobre um ombro e presa com uma
constrangido.
preto e prateado. (Como tinham sido feitas por medida pelos alunos de
podíamos ficar com elas.) Atei a fita de seda atrás da cabeça com
ele sobressaltou-me tanto que cambaleei para trás. Olhou para cima de
companhia?
– Estou a ser mais sério que o costume; / E assim devíeis vós estar. –
Baixou a cabeça sobre a mesa e fungou com força. Virei as costas, sem
querer ver aquilo, furioso com Alexander por uma qualquer razão
– Vais-me ralhar?
pessoas que não conhecia e evitar pensar no assunto por umas horas. A
gibão.
– Oliver – disse Alexander, e ignorei-o. Mal conseguia manter-se a
isto?
– Vou.
uma razão para abrir esta coisa toda outra vez, e se tu lhe deres uma
esperto do que isso. Não vou guardar mais segredos teus. Tira-me a
mais funda.
CENA 18
inverno de 1997 não foi exceção. O chão de mármore tinha sido polido
até ficar tão brilhante que dava a sensação de que as pessoas andavam
varandim:
– A briga é entre os nossos amos e nós, seus criados.
gibões.
corto-lhes a cabeça!
rapidamente em discussão.
Abraão: – Mentis!
que me fitava por trás de uma máscara preta e vermelha, com os lados
asas de dragão.
Toma, cobarde!
real estonteante.
botas de couro de cano alto, o rosto ocultado por uma máscara branca
manto até aos pés varria as escadas atrás dela enquanto as descia.
a mão enluvada.
impaciente.
orla da multidão, a ver os seus pés nos degraus até ela desaparecer, e
sabia quem, apenas com os seus olhos castanhos visíveis através dos
lado leste, todo vestido de azul e prateado, com a sua máscara a curvar-
por me ver ali, embora eu não fizesse a mínima ideia porquê. Eu não
se a fazer o jogo, até que por fim disse, com mais firmeza:
– Adeus, primo.
– Cala-te, estou perdido, não estou aqui; / Não é Romeu, ele está
reciprocado.
exatamente as corretas.
– Vai por mim – disse, alguns versos demasiado cedo. – Não penses
nela.
disse:
James com tanta força que o ouvi gemer de dor. Comecei a dirigir-me
para eles, mas, mal dei um passo, Alexander empurrou James para trás,
de pernas paradas.
Alexander: – Eu também.
trás, mas não com suficiente rapidez – ele agarrou-me pelo cabelo,
ouvido.
É ela mesma...!
mais lentamente.
Fez uma pausa, olhando para cima com uma surpresa suave e a
outras raparigas exceto pela fita preta que trazia atada à volta do
tombaram em silêncio.
Daquele fidalgo?
O público virou-se para ver o que ele estava a fitar. E ali, ténue e
o rosto para cima, para o seu, e beijou-a, tão suavemente que ela
vir cá abaixo?
de que não passa de uma doca e de que não há nada para ver, perdem o
– Como o quê?
Encolhe os ombros.
átrio por trás do teatro. Essa recuperámo-la, mas não antes de alguém
me de que és inocente.
– Já estás convencido?
lhe devo um novo final para a nossa velha história, mas parece-me
Paro no fim da doca e olho para baixo, para a água. Envelheci bem,
forte do que estava antes da prisão. Agora preciso de óculos para ler,
mas, além disso e de mais algumas cicatrizes, não mudei muito. Sinto-
Que idade tem Colborne agora? Não lhe pergunto, mas podia fazê-
doca, sem falar. O cheiro verde da água é tão familiar que sinto um nó
frouxo na garganta.
Penso que nunca mais vi alguém sentar-se nela depois de ele morrer.
Ele imita o meu sorriso, embora o seu seja hesitante, sem saber onde
– Porquê?
saber ao certo se estou a fazer algum sentido. Ele continua com aquele
sorriso incerto nos lábios, mas acena com a cabeça, portanto continuo.
– Um bom ator shakespeariano, um bom ator de qualquer tipo, na
gerir que cambaleávamos sob o seu peso, como Atlas com o mundo
dor no peito, que talvez seja da pureza pouco familiar do ar, mas talvez
quanto nós.
– Era a isso que te referias quando falaste de sentir tudo duas vezes?
roupa, a saltarmos para a água, prontos para cairmos dentro dela todos
longa a projetar-se sobre a casa do barco, que está a cair aos pedaços. –
– Já tinha começado.
– Ficámos abalados – digo, mas aquela expressão soa errada. Não foi
tão simples nem tão decisivo como o efeito de um sismo. – Mas só nos
CENA 1
um gemido.
género.
com lágrimas.
Atirei uma pilha de roupas – não fazia ideia se sujas ou limpas, e não
ao mesmo tempo.
minha irmã.
sido a minha melhor opção, mas não fazia ideia de onde se encontrava
solteiro, a entrar aos pontapés e aos berros nos seus trinta anos), o
festividade religiosa era uma menorá com quatro velas meio derretidas
O seu quarto era mais pequeno do que eu esperava, mas um teto alto
Embora uma fotografia dela com os irmãos (em pequenos eram muito
aterrado ali. James, a sorrir, mas não para a objetiva, com uma mão
Fiquei ali a fitar aquela colagem nostálgica que ela tinha criado até
lisa sobre a cama, o soalho sem tapetes – ocorreu-me por fim que ela
fizesse pouca diferença para nós, uma festa de Ano Novo de arromba.
À
Às nove e meia do dia 31 de dezembro, o apartamento já estava
garrafa até ela nos ser confiscada por um agente da polícia exasperado.
olhos e dar com ele a pairar sobre mim, ele recusou-se a aparecer. Em
inquieta e perturbada.
Lançou a cabeça para trás e disse num tom ligeiro. – Tu andarias com o
– Que estranho vai ser – disse, mais séria –, ter toda a gente aqui na
cidade.
qualquer em Queens, tal como nós. – Inclinei-me para ela até os nossos
contra isso.
não estava pronto para falar sobre isso com mais ninguém.) Arranquei
teatro. Porém, ali parado na Torre com a sua sombra no quarto, senti
CENA 2
As audições do segundo semestre foram afixadas no quadro de avisos
rei lear
problema.
outra pessoa que já tivesse feito a sua leitura. (Alexander e Wren não se
pelas rajadas de ar frio que sopravam a neve pela rua abaixo. Quando
se sentou, perguntei:
– Queres uma bebida?
balcão com duas canecas de sidra quente, e Filippa ergueu a sua num
ao meu lado.
– Porque não?
– A sério? Essa fala é tão... Não sei, agressiva. Não parece realmente
o estilo dele.
que é seu, foi como se, de um momento para o outro, tivesse ficado
para a mostrar, porque esses papéis iam sempre para o Richard. Porquê
dar-se a esse trabalho? Mas agora tem uma oportunidade de fazer algo
diferente.
Suspirou.
outros.
Não depositei grande fé na previsão dela (no que fui bem tolo). A
neve consigo.
– A lista foi afixada e vocês não vão acreditar – disse, pondo o papel
outros.
lado da mesa.
Meredith.
depois decidissem que mexer nos papéis das raparigas era demasiado
esforço.
para o merecer.
coisas de Filippa.
cama – disse Meredith. – Acho que não quer arriscar-se a ter outro
vinha ao bar e ele disse que não, que queria ir dar uma volta.
desapareceram no cabelo.
que pouco lhe importava o que estivesse na lista do elenco; que estaria
Colin.
próprio.
Philip.
eu disse:
de Hamlet.
Bebemos mais seis sidras entre nós os três, à espera, em vão, de que
Seria possível que, tal como Colborne, não confiassem em nós? Talvez
era uma personagem recorrente nos meus sonhos – como meu parceiro
e dava com ela a tremer ao meu lado. Por duas vezes, fomos todos
bully na morte como fora em vida, um gigante que deixara não tanto
esmagador que, mais cedo ou mais tarde, engolia tudo o que pudesse
confortar-nos.
responsabilidade.
à lareira.
Os restos de algumas achas estavam na grelha como uma pilha de
frente, algo veio arrastado por baixo das cerdas. Uma tira longa e
dominado pelo horror que não ouvi a porta lá em baixo. Mas os passos
nas escadas foram-se tornando mais altos à medida que iam subindo e,
um escudo.
reconhecimento.
– Oliver.
– Posso entrar?
– Se quiser.
Não me importo.
– Ambos, talvez.
– Devo ficar nervoso? – perguntei, mas sentia-me marcadamente
gostado dele.
dentro e fora da casa dela tantas vezes – disse eu, sem pensar. Ele não
mais próxima.
– Lemos.
– Como assim?
– Bem, veja-se por exemplo Júlio César – disse eu, sem saber ao
andar pelos quinze anos, e pensei que estava a ser castigado por
alguma coisa.
– Qualquer coisa pode dar a sensação de ser um castigo, se não for
bem ensinada.
um miúdo mais ou menos dessa idade decida dedicar a sua vida inteira
a Shakespeare.
– Está a perguntar-me?
– Não sei – respondi. Era mais fácil continuar a falar do que parar. –
Mordi o «isco» muito cedo. Quando tinha uns onze anos, a escola
tornasse menos tímido, acho eu... e, de algum modo, acabei por me ver
tinham todos o dobro do meu tamanho. E ali estava eu, a berrar «Novo
depois disso não quis fazer mais nada. É uma espécie de vício.
– Faz-te feliz?
– Desculpe?
– Faz-te feliz?
– Não vou fingir que não é difícil. Estamos sempre a trabalhar e não
estar.
sentimos tudo.
– Fascinante. – Colborne observava-me, com os dedos entrelaçados
entre os joelhos, uma pose casual, mas com todos os músculos do seu
– Em relação a quê?
aquele nome tão facilmente, aquele nome que evitávamos todos como
sinceridade.
olhou para o teto. – Aquilo com que me debato, Oliver – disse, falando
mais para o candeeiro do que para mim –, é que, matematicamente,
expressão.
x.
provocadora.
Encolhi os ombros.
Fiz uma pausa, suficientemente longa para que ele acreditasse que eu
não tinha planeado o que dizer a seguir. – Ou, por vezes, bebem
avaliado mal.
biblioteca.
quero dizer é que gostava de confiar em ti. Mas é pedir muito, portanto,
– Está bem.
encenação.
contigo. E deixa que ponha isto de uma maneira que compreendas sem
nas suas costas é que abri a mão que tinha fechada no bolso. O farrapo
pela porta das traseiras. Corri todo o caminho até ao FAB sem parar,
com o gelo a estalar debaixo dos meus pés. Quando cheguei, tinha as
fevereiro.
mão a deslizar pelo corrimão, desci os degraus dois a dois para a cave.
planeara ir lá, nem pensara sequer nisso até chegar a meio do caminho
Pouco depois, dei com um canto cheio de teias de aranha onde uma
escorria das suas guelras como sangue seco e alastrava pelas suas
olhar. Nem sequer tinha a certeza de que fosse sangue, mas a minha
inócua. Tanto quanto eu sabia, era isso mesmo. Repreendi-me por estar
com força, mas depois hesitei. Não sabia o código do cadeado. Não
queria voltar ali, nunca mais, mas, pelo sim pelo não, deixei o cadeado
pendurado, aberto.
ninguém alguma vez viesse sequer a saber que eu tinha estado ali.
CENA 5
impassível. Estava mortinho por lhe fazer a mesma pergunta, mas não
Camilo interrompeu.
Edgar?
O cenário para Rei Lear tinha sido delineado no chão com fita
um metro e vinte.
mas não fazia sentido convocá-la quando tudo o que ela faria seria
assistir.
em franja.
os dentes.
de nos olhar nos olhos. Ele atacou primeiro; o meu bloqueio foi
fim da Ponte, onde ele tombaria, com uma mão na barriga e sangue a
dedos e tombou ao meu lado quando caí para trás sobre os cotovelos,
torneira.
esbugalhados.
apontou primeiro para o mais alto dos dois soldados, depois para o
CENA 6
Só saí da enfermaria quando já passava das onze da noite. Tinha o
nariz partido, mas não gravemente. Puseram-me uma tala sobre a cana,
Parecia improvável que James estivesse lá, mas eu não queria arriscar.
porta.
aconteceu, mas não julguei que fosse assim tão mau. – Tinha os olhos
ele tinha pregado uma tapeçaria na janela. A sua cama estava enterrada
branco, mais fino. Adicionou-o ao charro sem me dizer o que era. Não
perguntei.
atacou-te?
– Basicamente.
– Estás bem?
– Tens a certeza?
– Tenho – respondi. – Vou ficar bem. – Fui a tatear até à porta como
– Sim?
fiquei no caminho para a casa com o charro, a ganza, o que quer que
um mocho, o restolhar seco das folhas, uma brisa deslizando por entre
me dormente.
A porta abriu-se, fechou-se. Olhei na sua direção sem expectativa ou
pela cana do nariz até ao cérebro. A palma da sua mão estava quente
CENA 7
vestida por baixo do cobertor. Ela empurrou-me para trás quando tentei
sentar-me.
– Sinceramente? Horrível.
– Muito calmas.
– Porquê?
disse eu.
simplesmente desapareceu.
Grunhi-lhe e disse:
– Mas?
se muito mais.
A boca de Filippa formou uma linha lisa cor-de-rosa. Por trás dos
óculos (não sabia porque os tinha posto, não estava a ler nada) os seus
– Olha, nós também estamos furiosos com ele. Acho que a Meredith
deixou uma marca de fogo no chão onde estava parada, quando ele
– Oliver.
– O quê?
– Quer dizer que tens melhores razões do que nós para lhe guardar
vestido.
Acenou com a cabeça, e pensei ver o brilho de uma lágrima por trás
não o via, não falava com ele, não comunicava com ele de nenhuma
– Confortável? – perguntei.
– Oliver...
Richard não é o pardal, tu é que és. Tu és... não sei, uma coisa frágil,
Ele estava com uma expressão terrível, magoada, mas não tinha
peguei num livro que estava em cima da mala aos pés da cama dele e
Caiu no chão, a seus pés, com uma página a pender torta da lombada.
– Oliver, eu...
só... por um minuto. – Enfiei os dedos no cabelo. Uma bola dura de dor
olhar, à espera de uma resposta que sabia que não obteria. – Devia
odiar-te neste momento. E quero... meu Deus, quero mesmo... mas isso
não é suficiente.
alguma pista a que me agarrar, mas durante muito tempo a única coisa
que ele fez foi respirar, com o rosto contorcido como se respirar fosse
doloroso.
– Ao meu nome, querida santa, tenho ódio – disse ele. – Por ser teu
inimigo.
– Não faças isso, James, por favor... neste momento, podemos ser
receosos, prudentes.
que se passa?
ergueu a mão, tocou na nódoa negra que alastrara por baixo do meu
como mel. – Não sei o que me fez fazer aquilo. Nunca tinha desejado
magoar-te.
disse:
mundo inteiro.
que fazer a seguir, senti a sua mão no meu peito e olhei para baixo. A
CENA 8
Não tenho de maneira nenhuma idade suficiente para ser tua mãe.
– Que fiz eu para que ouses dar à língua / Com um clamor tão rude
contra mim?
– Um ato / Que embacia a graça e o rubor da modéstia.
comigo mesmo por algum tempo, com as vozes dos outros a vogarem
se abriu.
disse: – Já não era sem tempo. Tenho estado à tua espera a noite toda –
lo fixamente.
não cheguei a descobrir para dizer o quê, porque Colin voltou a entrar
A porta bateu com força contra a parede quando Colin a abriu para
felpudo.
– Que se passa?
rosto dele.
alguma coisa.
– Oh, meu Deus. Do quê? O que é que ele andava a tomar, alguém
sabe?
– Não podes mandar essas coisas para o hospital... queres que ele
seja expulso?
fora da boca.
– Oliver, podes...
número de emergências.
– Qual é a emergência?
– Estou no Castelo, nos terrenos da escola Dellecher, e precisamos
Porquê? Porquê as drogas, porquê a overdose, o que é que ele fez o que
é que ele fez o que é que ele fez? Não podia voltar lá para cima, mas
também não podia ficar onde estava, aterrorizado com o que seria
CENA 9
É
Éramos só quatro nas aulas, na terça-feira de manhã: eu, James,
nos tinha sido dito. Nós tínhamos sido chamados da aula, um a um, na
stress e exaustão, tanto James como Wren – pelo que eu ouvira junto
aulas para descansar, mas, quando sugeri que James fizesse o mesmo,
ele disse:
Não argumentei, mas, como veio a revelar-se, ele não estava muito
que haja alguém disposto a receber materiais novos hoje, e, além disso
– A sua solução foi trabalhar cenas problemáticas de Rei Lear que não
questões de tempo.
chama para o palco. Não era fácil; Meredith quase não conhecia os
seus irmãos, e Filippa dizia não os ter. (Continuo sem saber se isso é
pelas minhas irmãs, um assunto pelo qual eu não tinha então – nem
Como o que está em jogo não poderia ser mais importante, não quero
Filippa deu-lhes uma deixa – não era uma fala dela, mas Gwendolyn
não esteve para se incomodar – e eles seguiram o guião com uma falta
chegar ao fundo da questão, seja ela qual for – disse –, mas falemos
aquilo.
– Ele vê outra maneira de obter o que quer e joga as cartas que ela
olhei para cima, surpreendido. – Falta algo enorme a esta cena, e está
arriscar-se a perder o título de Regan a não ser que haja uma proposta
– Oh, por amor de Deus... Oliver! – tão alto que dei um salto. – Eu
sei que tu sabes. O homicídio está tão perto do quê como a chama do
fumo?
como se ele fosse um tipo qualquer que conheceste numa festa. Não
jogarem ao sério.
não há? – Começou a andar à volta deles num círculo lento, como um
felino à caça na selva. – Olhas para ela como se te metesse nojo, mas
não penso que seja isso. Penso que ela te prende a atenção, como
que toda a gente por quem passas olhe para ti como se fosses uma
Ele é o único rapaz aqui que tu não podes ter. Até que ponto é que isso
te faz desejá-lo?
peça Júlio César. Algo se contorceu por baixo dos meus pulmões.
convicção. Filippa?
de Oswald:
mão aterrou no peito de James sem lhe dar tempo a afastar-se, segurou-
o à distância de um braço.
Podem realizar-se.
que sentia por baixo do tecido. Ele ergueu a mão para pegar no pulso
tivesse esquecido a razão por que ele devia ser mantido à distância.
com tanta força que quase a derrubou. Ela agarrou a camisa dele com
ofegantes.
A campainha tocou, e já não era sem tempo. Saí a toda a pressa para
olhos em mim.
CENA 10
Estúdio Cinco. Deixei cair um livro, mas não voltei atrás – alguém
iminente.
pouco de silêncio.
conter o espirro, e atravessei a sala para olhar pela janela. Tudo estava
com a manga.
abrir a janela de par em par, deixar que uma rajada fria de vento do
sorrir-lhe, mas deve ter parecido mais um esgar, porque ele bateu no
sincera.
– O resto?
meu cérebro cuspiu uma lista de razões para o atraso deles. Tinham
ocupada por James. – Olha para mim, por favor, Oliver – disse, num
tom severo mas suave. Ergui os olhos. – Ora bem. Conta-me o que se
passa.
nas estantes vazias tem apenas semanas, não anos. As camas estão sem
mão para uma das colunas da cama, com a sua madeira em espiral lisa
como vidro. Solto o ar que não sabia que estava a conter nos pulmões.
– Este era o teu quarto? – Por trás de mim, Colborne olha para o
roda. – Tu e o Farrow.
– Sim, eu e o James.
Os olhos de Colborne baixam-se lentamente e dão com o meu rosto.
Abana a cabeça.
pergunta.
sossego. Colei-me a ele como uma lapa desde o dia em que nos
sensação calorosa.
Sorri, trocista.
– Só isso?
Olho de novo para o seu rosto. Mais do que envelhecer, perdeu cor,
próprio diagnóstico.
enamorado dele.
saber porquê.
outra pergunta que está cheio de vontade de fazer, mas não a fará.
Espero.
– Sim?
Abandona a tentativa.
comum homem casado, pai de dois filhos, não muito diferente do meu
CENA 1
nessa altura. Era o último da fila – com olhos encovados, hirto e sem
É
– É um acrílico espelhado – explicou Camilo –, portanto não racha e
está a colocar uns adesivos especiais nas solas dos nossos sapatos, para
não escorregarmos.
– Olhem!
espelho por baixo dos pés de todos transformara-se num céu noturno
infinito.
estranho baque por trás do meu plexo solar, o que aquilo me recordava:
me mareado.
por vezes a mover-se tão lentamente que era insuportável, outras vezes
dos ensaios, Wren raramente saía do quarto, mas o mais frequente era
a luz ficar acesa toda a noite. Alexander, depois de ter alta do hospital,
deitada calma e calada ao meu lado, mas tinha sempre uma das mãos
lia (por vezes durante horas sem nunca virar a página), talvez só para
silêncio amistoso. Outras vezes, ele dava voltas sobre voltas e falava no
escuridão lá fora. Nunca lhe perguntei aonde ia, com medo de que ele
caóticas que eu não conseguia saber qual dos dois papéis estavam a
silêncio.
estava virado para cima, para Camilo, que se inclinara mais perto dela,
CENA 2
A nossa primeira representação de Rei Lear correu razoavelmente
dele:
papel entre dois dedos por baixo do nariz. Regressámos aos camarins
seu fato no varão e saiu do camarim sem uma palavra. Quando fomos
– Achas?
baixa. O vento era tão ruidoso que já estávamos quase à porta da frente
da biblioteca.
intocada.
com o som e a batida da música que vinha da sala ao lado, que dava a
bebida?
Eu: – Por mim, pode ser. Algum dos dois viu o James?
Abanaram a cabeça ao mesmo tempo.
– Fico perfeitamente.
Mais uma vez, Meredith estava sentada em cima da mesa. Seria uma
parecia mais pronta para um velório do que para uma festa. O cabelo
do rosto. Inicialmente, era difícil ver no escuro, mas a pele macia sob
pelo nariz, mas, fora isso, mantinha-se em silêncio. Não olhara para
– Nem um pouquinho.
seu perfume já me era familiar, âmbar e jasmim. Senti uma dor fundo
volta dos ombros. Ela pôs-se a mexer no bordo do copo com as unhas
uma coisa.
preto de aguarela pela sua face. Senti vontade de lha limpar, de lhe
olhou-me de lado.
– Amanhã.
esta noite.
A dor desvaneceu-se, tornando-se uma sensação de náusea e tristeza
bebida?
– Isso ajuda?
ela contar-me, tão tremendo que lhe provocara lágrimas, a ela, uma
me distrair, levei o seu copo aos lábios, para saborear as gotas que
restavam no fundo. Vodka. Desci da mesa e entrei pela porta das
cima, mas não especificara onde. Não no quarto de Alexander, que fora
encontrar vazia.
– James.
sala, fazendo esvoaçar as fraldas da sua camisa, que ele não se dera ao
com uma facilidade surpreendente para alguém que tinha bebido meio
a sala até ficar mesmo em frente a mim. Não tinha lavado a cara desde
lascivo.
– Estás estranho.
lado. Estava mais embriagado do que alguma vez o vira, e, sem saber
– Armado, irmão?
homem honesto.
Esperei pelo «se» que devia ter-se seguido, mas não veio. Voltou a
janela, abriu-a de novo. – Ele vem para cá, agora à noite, à pressa! –
saltitarem para a frente e para trás por entre os ramos das árvores
juízo.
assunto.
frente.
– James! Para!
já a berrar, e bateu com a mão com força contra o peito nu, deixando
passa?
– James! – Estendi novamente a mão para o seu braço, mas ele foi
mais rápido, com uma mão disparada para derrubar um par de velas da
nessa altura estava com gotas de suor, apesar do frio ar de março que
soprava da janela.
certeza, mas estavam sóbrias. James nunca fora de beber muito. Até
tinha vomitado na festa da peça Júlio César, mas... mas o quê? Não
vomitar.
– Com o quê?
vez.
Fitei-a até por fim compreender que se referia ao meu nariz partido.
ao lado.
Nove dos dez abanaram a cabeça, mas a última apontou para a porta
da frente e disse:
fechada, mas entrevia-se uma luz por baixo, e abri-a sem bater.
A cena ali era ainda mais estranha, mais perturbadora do que a da
– Dá azar.
– Não sei o que se passa, mas tens de falar comigo – disse eu,
Tremia-lhe o lábio e ele meteu-o por trás dos dentes, mas os braços
Abanou a cabeça.
– Não.
– Vá lá. Podes contar-me. Mesmo que seja grave, mesmo que seja
favor.
me ir!
– James! Espera...
o outro. Ele empurrou com mais força quando sentiu a minha mão em
– Solta-me! – disse ele, com a voz abafada por ter o rosto preso na
meu peito. Parecia tão pequeno, de repente. Quão fácil me teria sido
dominá-lo.
da torre.
– Sim.
Ele olhou para mim por cima da cabeça dela, com algo estranho,
ombro.
CENA 3
que ela não ia voltar. Às três e meia fui bater à porta de Filippa. Ela
grande e com meias de lã nos pés puxadas até meio da barriga das
pernas.
meu lado, tudo sem dizer uma palavra. Quando tremi, aproximou-se
sala de jantar, para o átrio. Não havia nada que pudesse fazer quanto ao
podia sem mexer nos pertences das pessoas. Fiz a cama no quarto de
Filippa. Ver a cama de Wren, lisa e sem sinais de se ter dormido nela,
caos que não havia muita coisa que eu pudesse fazer. Dei uma vista de
drogas, mas não encontrei nada. (Ele aprendera a lição, esperava eu.) O
protesto, sem sequer um rangido. A luz do fim do dia, com laivos cor-
seu relógio de pulso (sabia, sem querer saber, que Meredith lho dera
por que seria um tolo se, por um minuto que fosse, tivesse pena de ele
arredá-lo da nossa vista, com todos os nossos pecados mortais para lhe
quarto no sótão, com as suas duas camas, duas estantes, dois guarda-
lençol por baixo sobre o colchão, tentando não pensar nele com Wren e
colcha da cama de James e dei com mais uns tufos de algodão à volta
varridos para ali por pés passando descuidados. Dobrei a manta mais
irregular na ponta do colchão, como uma boca a sorrir, com uns quinze
cama, uma farpa espetada, mas não encontrei nada que pudesse ter
ferrugem.
chão e fugi do quarto, com uma mão a tapar a boca, receando vomitar
o coração no soalho.
CENA 4
cabeça baixa.
cave, tão depressa que quase caí. O suor picava-me o rosto quando abri
abri a porta para trás. A caneca estava ali, intocada, com aquele pedaço
força e pontapeei-a até ela encaixar, sem ligar ao ruído que estava a
lingueta no buraco sem hesitar. Cambaleei para trás, fitei a porta por
quente, delirante.
dois alunos do segundo ano passaram por mim a toda a pressa para
minha indumentária?
estavas, porra!
Rodei nos calcanhares e dei com Timothy (um aluno do segundo ano
mão.
de Lear.
que ao da Cornualha.
divisão do reino, não se nota qual dos duques ele aprecia mais. Os
conseguir conter-me.
– Oliver, o que...
loucura do mundo: quando a nossa sorte não vai bem, muitas vezes
gargalhada dos seus lábios, que soou audaz e descarada aos meus
segue que sou rude e lascivo. – Riu de novo, mas agora o seu riso era
os pelos da nuca eriçados. – Eu havia de ser o que sou nem que a mais
podia ser uma máscara. Dizia as suas falas com a mesma calma de
rachar-me a meio de cada vez que olhava para ele. As palavras saíram-
suficiente para ele se ver forçado a olhar para além de Edgar e me ver a
para a coxia de cena, ouvi-o falar de novo, numa voz um pouco ténue.
Subitamente, a sua bravata soava falsa. Ele sabia o que eu sabia. Por
CENA 5
aparecesse. Não apareceu, mas eu sabia que não devia ir procurá-lo nas
o que o resto da noite poderia trazer. O som dos meus passos fê-la
– O quê?
– Não sei, mas é como se, quando olho para ti, de repente os sonetos
pela dúvida.
– Não compreendo.
qualquer maneira.
Não queria dizê-lo, mas não consegui conter-me. – Não voltes a beijar
o James assim.
ano saíram das coxias de cena e passaram por mim a toda a pressa,
– Precisamos de conversar.
que ele e, pela primeira vez, queria que ambos tivéssemos plena
ter ido lá fora fumar. Pensei na cave, mas não queria ver-me preso lá
O relvado por trás do Hall era largo e plano, o último espaço aberto
passa?
– Eu posso explicar.
tens quinze minutos para me convencer de que isto não é o que penso
que é.
mataste o Richard.
como morfina.
frio ar de março. James era ainda mais frio, esculpido em gelo, não o
bosque, para fazer o quê não sei, e a Wren tentou detê-lo. – A voz
insuportável. – Meu Deus, Oliver. Ele agarrou-a, e juro que pensei que
era capaz de a partir ao meio, mas atirou-a para a relva, para o outro
dizer: «Vai atrás dele, ele vai fazer mal a si mesmo.» Por isso, eu fui.
Abri a boca, incrédulo, mas ele não me deu tempo para dizer uma
idiota, a chamar por ele. Depois, pensei que talvez tivesse ido para a
encosta, mas não o vi. Fui à casa do barco, só para me assegurar de que
ele não tinha feito alguma coisa estúpida, como saltar para a água, e
quando me virei para voltar para cima, ali estava ele. Tinha andado a
catadupa. – E eu disse: «Ah, estás aí. Vamos voltar para cima, a tua
prima está desfeita.» E ele disse, consegues adivinhar o que ele disse,
ele lançou-me outra vez aquele olhar... Meu Deus, Oliver, há semanas
que sonho com ele... era como todo o ódio do mundo ao mesmo
isco, e a coisa foi de mal a pior. Porque é que não dás luta? Porque é
vamos jogar um jogo. Era só o que aquilo era para ele, mas eu sentia-
me muito assustado, e tentei, disse, mais uma vez, porque não voltas
que certo que não és dono da Wren. Bebe até caíres para o lado morto,
barco. Não são sólidas, são muito velhas, e eu, tipo, fui de roldão para
dentro, caí contra as coisas todas que estavam amontoadas lá. E ele
veio para mim outra vez e eu deitei a mão à coisa mais próxima, que
a tremer.
– E depois ele riu-se – disse James numa voz fraca, por trás da mão.
desta vez? E ele não se calava, não parava de dizer: não o fazes,
Não era minha intenção – disse, com um gemido baixo por trás da
mão. – Não era minha intenção. Mas estava tão assustado e tão
furioso.
aterrador.
– Oliver, julguei que ele estava morto – disse James, numa voz tão
fraca que quase não o ouvi. – Juro, julguei que já estava morto. E não
– Tu o quê?
fez trazê-lo.
– Ela sabia – disse eu, com aquele facto aos saltos e a repetir-se na
– Estava tão calma, era como se já esperasse aquilo. Nem sequer fez
banho e foi queimar tudo o que tinha sangue, comecei a vomitar sem
que isso, por si só, era pior do que tudo o resto. – Porque não me
disseste nada?
minha direção, e dessa vez não recuei. – A Filippa... talvez seja louca,
não sei, nada a tira do sério... mas tu? Oliver, tu... – Falhou-lhe a voz, e
na sua ausência ele apontou para mim, mas era um pensamento que eu
não pelo motivo que ele pensava. Observei-o na luz fria do luar, frágil
cada vez que olhava para ele desde o Natal misturaram-se e fundiram-
– Oliver?
confuso.
– Está tudo bem – disse eu, tanto a mim mesmo quanto a ele. Lancei
preparado é tudo. – Vai ficar tudo bem – disse, embora nunca tivesse
tido menos certeza de alguma coisa. – Vamos resolver isto, mas agora
– Estás...
– Sim, estou – disse eu, a única resposta possível para o que ele
– Está tudo bem – disse eu, novamente. – Mais tarde. Vamos resolver
de cena e ele na outra direção, para a casa de banho, para limpar todos
Mas é assim que uma tragédia como a nossa ou como a de Rei Lear
CENA 6
na espada.
Enunciei-lhe uma litania dos seus pecados e ele escutou com uma
escuridão hostil do auditório até ele não poder avançar mais. Com o
último tinido de aço contra aço a ecoar nos meus ouvidos, enfiei o meu
minha espada também, passei um braço à volta das suas costas para o
segurar em peso e, quando olhei para baixo, vi-o a fitar para lá de mim,
teu pai.
James.
eis-me aqui.
Camilo falou por trás de nós, mas quase não o ouvi. A minha fala
para baixo ao seu encontro. Foi um beijo quase fraternal, mas não
parta o coração!
segundo ano, dando-se conta de que nem eu nem James diríamos mais
braços para fora do palco, mas nem eu nem ele nos movemos,
Ao meu lado, James vacilou, abriu a boca para falar. Sem lhe dar
repeti. – Estou.
CENA 7
tão cheio de tristeza que não restava espaço para registar surpresa. Na
lado deles, tão sólido que parecia um milagre que mais ninguém
para respirar.
cujos nomes esqueci assim que os ouvi. Contei a história como James
digitais.
telefónica para a família. Não era com eles que queria falar. Na
com mais prisioneiros poderia querer dizer que não chegaria vivo à
escrita, vi que ele não acreditava totalmente nela. Afinal, fora ao FAB
– Só... à espera.
Passei um dedo ao longo de uma das barras das grades entre nós.
– Lamento muito.
cabeça, com um olhar duro e furioso. Quando voltou a falar, a sua voz
Sabia que ele não estava a perguntar por que matara eu Richard.
– Seu tolo, Oliver – disse ela. Eu não podia argumentar contra isso.
próprio não tivera coragem para falar com ela. Nem o meu pai nem
como eu em tempos.) Ele trouxe-a para me ver, mas ela não disse nada.
até ele ficar em carne viva. Passei o dia todo a pedir desculpa,
diria? Ela já tinha a sua resposta, nessa fase, à última pergunta que me
desde o intervalo de Rei Lear. Pressenti que havia alguém junto à cela
boneco de trapos.
– Não posso deixar-te fazer isto – disse. – Não vim mais cedo porque
não tinha? Seguira Meredith para o andar de cima, sem pensar no que
Cometera uma boa parcela dos erros trágicos e não queria ser
dias até todos os meus pecados serem expiados. Mas a sua alma era
novo, ele puxou-me a mão por cima da mesa, beijou-a e virou-se para
resolução fraquejava um pouco de cada vez que olhava para ela. Outros
acreditar em mim.
posso acusar-me de tais coisas que seria melhor que a minha mãe
nunca me tivesse dado à luz. Para que serve que as criaturas como eu
EPÍLOGO
– Bem, não posso pedir muito mais ao Oliver – diz ele. – Confirmou-
acontece agora?
depois olho Filippa nos olhos e dou-me conta de que também ela está a
resto da família se não quisessem ver-me. Mas mais do que isso... deve
tenciona dizer a seguir. Mas fico onde estou, colado àquele sítio pelo
enquanto estavas dentro, não quisesses sair nunca mais – diz ela. –
Portanto, esperei.
– Oh, Oliver – diz ela, com uma voz que é um eco distante da sua. –
estante ao meu lado, para algo a que possa amparar-me. Fito a marca
da queimadura na carpete, escutando os batimentos do meu coração e
– Há quatro anos – diz ela, em voz baixa. – Faz agora quatro anos.
na voz de Filippa, mas não sinto pena dela. Não há espaço para isso.
de perda. Filippa ainda está a falar, mas quase não ouço as palavras. –
Sabes como ele era. Se nós sentíamos tudo duas vezes, ele sentia tudo
quatro vezes.
que pudesses fazer. – Vejo que não tem menos medo agora. – Lamento
muito.
vez em dez anos, olho para a cadeira que sempre fora a de Richard e
vejo que não está vazia. Ali está ele sentado, com a sua arrogância
Agora já sei.
para nos selar num mundo de escuridão. Não há estrelas no céu esta
noite.
– Oliver – diz Colborne, quando por fim nos vemos na sombra do
maneira.
– Se alguma vez puder fazer alguma coisa por ti... Bem, sabes como
preocupar.
infância pura?
invencíveis.
– O quê?
poderia ter sido qualquer um de nós. – Mas a mim, Pip? Porque não
me contaste a mim?
– Conhecia-te melhor do que tu te conhecias a ti mesmo – diz ela, e
ouço dez anos de tristeza na sua voz. – Tinha um medo terrível de que
homem com uma bomba atada ao peito, pronto a fazer-se ir pelos ares
– E o Frederick?
reparámos.
chego a casa.
Não é uma promessa tão firme como ela quer. Mas não a vai obter.
Não vou a Chicago há dez anos, e demoro muito mais tempo do que
suave luz branca. Passaram sete anos desde a última vez que a vi, na
curto, embora não muito mais. Também usa roupas um pouco mais
– Uma vez, logo a seguir. Pensávamos que íamos cada um para o seu
lado, mas depois eu entrei na sala de música e ali estava ele. Quis
começou. Ouvimos vir alguém... a Filippa, claro, ela devia saber que se
E ele disse: «No que estás a pensar?» E eu disse: «Na mesma coisa em
– Pensei que tinha acabado – diz ela, numa voz tensa e indecisa. –
foi um gesto violento. Doloroso. Ele disse: «Ou talvez sejas a única que
acreditaria, mas porquê objetar? O que está feito feito está, e justiça
podia. Não sobre a doca, não sobre aquela manhã, mas tudo o resto. E
queria contar-te a ti, ali mesmo no passadiço, mas tive medo de que
Nunca pensei...
– Nós. Todo aquele tempo. Alguma parte foi real ou já sabias e nós
real para mim. Por vezes, pensava que eras a única coisa real.
Acena com a cabeça, como se quisesse acreditar em mim mas
isso. – Sim, estava. – Não é toda a verdade. A verdade toda é que ainda
copo a estilhaçar-se. Diz o meu nome e uma dúzia de outras coisas que
regaço como se ela fosse uma coisa frágil e preciosa que pudesse a
joelho, por vezes a ler, por vezes a fitar as páginas sem as ver. No
cabelo.
dececionada ou aliviada.
na próxima vez que ele venha a Chicago. Não espero falar com Wren –
Não voltamos a falar sobre James. Sei que, aconteça o que acontecer,
Filippa telefona e pede para falar comigo. Diz que pôs uma coisa no
estiver fora.
Sei mais agora sobre o que aconteceu. Ele foi de carro para norte, do
se nas águas gélidas de inverno das Ilhas San Juan. No seu carro,
OLIVER
ouvia aquelas palavras desde que ele mas entoou, deitado bêbedo na
areia numa qualquer praia em Del Norte, como se tivesse sido trazido
corro pelas escadas acima para o escritório, com a cabeça cheia das
que teriam sido as últimas palavras de Péricles – se ele não tivesse
pedido auxílio.
ser encontrado.
Exeunt omnes.
Nota da Autora
(2.ª edição) foi uma companhia quase constante não só na escrita deste
que embarquei desde que ele chegou à minha posse em 2010. Mais
Rei Lear. Dois outros livros que seria imperdoável não mencionar são
de René Girard, que poderia ter evitado muito do que corre mal aos
quarto ano falam uma espécie de inglês bastardo, tão saturado com
quer que eles possam ter sido) são sempre filtrados pela boca das
diz ou a cena. Como James comenta no quarto ato, «as vírgulas são
(Natalie Dekle, Brooke Linefsky, Greg Kable, Ray Dooley, Jeff Cornell
literatura desde tenra idade e me deixou beber todo o seu chá e a maior
tempo.