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266 DOI: http://dx.doi.org/10.

1590/1982-02592020v23n2p266

ESPAÇO TEMÁTICO: DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E NEOCONSERVADORISMO

Reflexões sobre a política habitacional: estado e


conflitos de classes

Angela Michele Suave 1 Lindamar Alves Faermann 2


https://orcid.org/0000-0002-2927-3438 https://orcid.org/0000-0002-1622-6202

1
Universidade de Taubaté, Programa de Mestrado em Desenvolvimento Humano, Departamento de Serviço Social, Taubaté, SP, Brasil
² Universidade de Taubaté, Departamento de Serviço Social, Taubaté, SP, Brasil

Reflexões sobre a política habitacional: estado e conflitos de classes


Resumo: O presente artigo tem como objetivo evidenciar os traços presentes na política habitacional no contexto dos governos petistas
e seus influxos na vida dos trabalhadores, assim como as regressões atuais nesse setor no governo Bolsonaro, tendo como centralidade
para essa análise a crise mundial do capital e suas particularidades contemporâneas, o papel do Estado na sociedade burguesa e os
conflitos de classes. Para tal, considerou-se o contexto brasileiro de ofensiva ultraliberal e conservadora expresso nas contrarreformas
das políticas e das ações governamentais reacionárias. Do ponto de vista metodológico, foi usada a pesquisa bibliográfica para elucidar
a questão debatida. Como resultado relevante, constatou-se a importância da organização sociopolítica dos trabalhadores que, por meio
dos movimentos sociais e de suas lutas cotidianas, imprimem forças para o acesso aos seus direitos, notadamente o da moradia. Nessa
direção, foi essencial discutir o direito à cidade nas relações contraditórias da sociedade capitalista e os limites da democracia.
Palavras-chave: Política habitacional. Conflitos de classe. Direito à cidade. Estado. Crise capitalista.

Reflections about housing policy: state and class conflicts


Abstract: This article aims to highlight the features present in housing policy in the context of PT governments and their influence on
the workers lives as well as the current returns in this sector under the Bolsonaro government, having as centrality for this analysis the
global crisis of capital and its contemporary peculiarities, the role of the State in bourgeois society and class conflicts. To this end, it was
consider the Brazilian context of ultraliberal and conservative offensive expressed in the government reactionary counter-reforms,
policies and actions. From methodological point of view was used the bibliographical research to clarify a debated issue. As a relevant
result, the importance of the socio-political organization of workers was found, which, through social movements and their daily
struggles, impress forces for access to their rights, notably that of housing. In this direction, it was essential to discuss the right to the
city in the contradictory relations of capitalist society and the limits of democracy.
Keywords: Housing policy. Class conflicts. Right to the city. State. Capitalist crisis.

Recebido em 31.10.2019. Aprovado em 11.02.2019 . Revisado em 31.03.2019

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Introdução

Este artigo traz reflexões sobre a política habitacional no contexto dos governos petistas (2003-2016) e
elucida as particularidades de suas gestões, bem como algumas medidas regressivas adotadas pelo atual go-
verno Bolsonaro (2019) no tocante a essa política.
Para essa discussão foi necessário contextualizar a crise mundial do capital, aproximando-se de seus
traços contemporâneos e demarcando o papel do Estado no que toca à manutenção dos interesses burgueses
e aos conflitos de classes, decorrentes das desigualdades que compõem a sociedade capitalista e que atraves-
sam o cotidiano de vida dos trabalhadores. Assim, diante da reiterada violação dos direitos sociais no Brasil e
nesta discussão em especial, do direito à moradia e, de forma mais abrangente, do direito à cidade, pontuam-se
os limites da democracia em uma sociedade de classes, cujo acesso a essa necessidade é restringido ou
negado, ocasionando os conflitos sociais.
A análise dos conflitos por moradia para a conquista do direito à cidade na atualidade brasileira é funda-
mental para a compreensão da realidade urbana, pois é nesse espaço que os sujeitos expropriados dos meios de
produção constroem a sua trajetória e convivem com os expropriadores. Ainda, é nesse mesmo espaço que se
particularizam as relações determinadas pelo sistema capitalista e se institui a luta de classes. Nesse sentido,
considerou-se a cidade como um lugar de mediação da produção e reprodução social da sociabilidade humana.
Para a condução deste artigo foi usada a pesquisa bibliográfica com autores clássicos que versam sobre
as relações capitalistas, o Estado e a luta social e política dos trabalhadores, como Luxemburgo (2010), Marx
(2009) e Trotsky (2004). Para discutir a categoria do direito à cidade, apoiou-se em Lefebvre (2001, 2008),
além de recorrer a outros autores contemporâneos que estudam moradia, espaço urbano e democracia sob a
perspectiva teórico-metodológica crítica.
Dessa forma, apoiou-se no método dialético para alcançar as relações de totalidade, no sentido de
aprofundar as reflexões acerca do objeto pesquisado em suas determinações mais amplas advindas das rela-
ções capitalistas. Logo, se considerou as especificidades da sociedade dividida em classes, que tem por base a
exploração do trabalho e a propriedade privada, sendo atravessada pelas relações de dominação, alienação,
conflitos e resistências.
Fica evidente neste artigo que a resistência e a ação dos trabalhadores se tornaram um problema para os
interesses burgueses que buscam ampliar seus lucros e que, nessa fase do capitalismo, não podem mais fazer
concessões. Para conter esses conflitos, o Estado cumpre fielmente sua função, pois como bem lembra Mas-
caro (2013), a forma política estatal é a forma do capital. Por isso, existe para garantir a exploração e a
opressão dos trabalhadores, usando, para isso, métodos de conciliação e/ou de violência. Nesses termos, a
modulação da democracia cessa no capital.
Diante desse cenário, é necessário resistir por meio dos movimentos sociais, das lutas e dos embates
cotidianos para avançar na consciência de classe e impulsionar o direito à cidade por meio da organização
social e política dos trabalhadores, pois “mesmo na noite mais triste em tempo de servidão há sempre alguém
que resiste, há sempre alguém que diz não” (ALEGRE, 1965).

Política habitacional: faces dos governos petistas e tendências do governo Bolsonaro no


contexto da crise do capitalismo contemporâneo

Para uma análise da política habitacional e dos conflitos por moradia para a conquista do direito à cidade,
é importante considerar os elementos da crise mundial capitalista, as relações forjadas no capitalismo contem-
porâneo e as suas incidências na realidade brasileira e no conjunto da vida dos trabalhadores.
Pelo limite textual, resgata-se o período dos governos petistas (2003-2016), que tiveram uma “face
progressista” quanto às políticas direcionadas ao conjunto de trabalhadores, e as imposições e as tendências
regressivas adotadas no governo Bolsonaro no tocante à política habitacional.
Inicialmente é oportuno evidenciar que, para Lefebvre (2008, p. 13), o direito à cidade é o direito à vida
urbana, com a condição de um humanismo e de uma democracia renovada. A compreensão teórica da socie-
dade urbana apresentada pelo autor refere-se à sociedade que nasce da industrialização, constituída por um
processo que absorve a produção agrícola em um bojo em que “explodem as antigas formas urbanas, herdadas
de transformações descontínuas”.
A discussão sobre o direito à cidade provocada pelo autor surge como crítica aos políticos, aos
urbanistas e à própria sociedade quanto à alienação ocasionada pelos imperativos de uma urbanização
desenfreada e regulatória, objetivando com isso uma reflexão da cidade como espaço de encontro e de
simultaneidade. Tal ideia é reforçada por Lefebvre (2001, p. 117) ao afirmar que “o direito à cidade não

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pode ser concebido como um simples direito de visita ou de retorno às cidades tradicionais. Só pode ser
formulado como direito à vida urbana transformada, renovada”. Para ele, as ruas da cidade são tomadas
pela lógica da mercadoria em benefício do rendimento e do lucro, em que prevalece o valor de troca e não
o de uso – este que é débil, alienado e alienante.
A evidência dessa lógica fica explícita nas desocupações atuais dos centros urbanos e na valorização de
terrenos em forma de mercadoria, dando lugar ao lucro em detrimento das necessidades sociais e básicas dos
sujeitos. A especulação do mercado imobiliário e as possibilidades de lucro sobrepõem-se ao acesso à moradia e
à cidade. Dessa forma, as ocupações organizadas por movimentos sociais significam uma força política nas
cidades e constituem parte da reprodução das relações, reafirmando a tese de Lefebvre (2008) de que a realidade
urbana ultrapassa o campo da distribuição e intervém diretamente na produção e nas relações de produção.
Nesse sentido, entende-se a cidade contemporânea como um espaço de dominação política, econô-
mica, cultural e social de uma classe sobre a outra, acumulando-se os problemas advindos da desigualda-
de gerada pela divisão social do trabalho e da riqueza. O autor sinalizou que, em seu processo contraditó-
rio, a cidade serve à formação do capital, à realização e à distribuição da mais-valia; portanto se, por um
lado, funciona como uma empresa, por outro a ultrapassa em forma de reencontro com a comunidade,
quando lhe são impostas suas necessidades.
Contudo, como pensar na cidade sob esse aspecto se nela tem se legitimado muito mais o desencontro
e a violação dos direitos humanos e do direito à própria vida? O contexto de crise mundial do capital tem
acirrado as contradições urbanas e afetado a governabilidade do capital.
Nas análises de Mota (2012, p. 29), a crise que se iniciou nos anos 1970 se mostrou a mais profunda do
sistema capitalista, expondo que as contradições da acumulação se manifestaram em diferentes frentes: “a
financeira, a ambiental, a urbana e a do emprego”. De acordo com a autora, as alternativas encontradas pelos
capitalistas para enfrentar essa crise compõem um projeto classista por uma direção restauradora que cria e
reinventa iniciativas conservadoras sob o influxo das ideias liberais. É nesse sentido que essas alternativas
adentraram e adentram as políticas sociais, materializando-se na vida dos trabalhadores que necessitam suprir
suas necessidades mais básicas, como, por exemplo, a da moradia.
No Brasil, a contrarreforma do Estado realizada nos anos de 1990 expressou parte dessas alternativas,
e foi orquestrada pelo capitalismo financeiro mundializado, devido ao seu predomínio econômico-político. Para
Mota (2012, p. 33), esse projeto se expressou na “generalizada privatização do Estado com a venda de empre-
sas estatais, e mercantilização dos serviços públicos e a redução dos benefícios da seguridade social, ao tempo
em que oportunizava a financeirização do capital”.
Na leitura de Castelo (2012), essa crise que ameaçou a hegemonia neoliberal em meados dos anos 1990
desencadeou uma revisão ideológica do neoliberalismo, denominada social-liberalismo, que se trata de uma
tentativa político-ideológica de responder às tensões da luta de classes. Centralmente, o autor explica que, para
os intelectuais do social-liberalismo, o mercado permanece a melhor opção para organizar as relações de
produção; porém, devem-se ocorrer mudanças em suas principais falhas materializadas na má distribuição de
renda e na destruição ambiental.
O autor tratou das particularidades do social-liberalismo no Brasil, postulando os principais conceitos da
ideologia conservadora que dá sustentação ao referido projeto, bem como os da equidade e da eficiência, com
uma ênfase tecnicista e focalista para o conjunto de reformas destinadas às políticas sociais1.
A lógica do social-liberalismo por ele apontada fundamenta-se na caracterização de que a pobreza
dos brasileiros tem origem na perversa desigualdade na distribuição dos recursos nacionais e das oportu-
nidades de inclusão social. Fica evidenciado pelo autor que o modelo do social-liberalismo sintetiza múlti-
plos fatores para as causas da desigualdade, envolvendo aspectos relacionados aos indivíduos, à educa-
ção e à luta política, hierarquicamente.
Contudo, evidencia que essa é uma forma perversa de responsabilizar singularmente as pessoas pela
desigualdade: não se alcança a gênese da desigualdade que tem como base a apropriação privada das riquezas
socialmente produzidas, mas sim a escolarização dada aos sujeitos, que devem buscar sair da condição de
pobreza que vivem. Assim, tira-se a centralidade do trabalho e da luta de classes para focalizar na política
educacional como formalidade de investimento no “capital humano”, instigando a capacidade de competitividade
no mercado de trabalho, além de ter como justificativa para essa saída o apoio ao microcrédito.
Seguindo esse princípio de responsabilização dos sujeitos pobres e trabalhadores, Castelo (2012) pontua
as medidas sociais-liberais e as suas proposições políticas e analíticas para o combate à pobreza: prioridade e
focalização dos gastos públicos nas camadas mais pobres da sociedade; integração e coordenação dos progra-
mas sociais em todos os níveis do governo e do setor privado; flexibilidade nas ações de combate à pobreza,
adaptando-se às necessidades locais dos municípios e às especificidades das regiões; e aumento do grau de
cooperação e do envolvimento das comunidades empobrecidas nos programas sociais.

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A ideologia social-liberal é mais uma vertente do neoliberalismo para a tentativa de dominação da bur-
guesia, revestindo-se de uma aparência universal para a defesa dos pobres sem que os trabalhadores a perce-
bam como um instrumento de manutenção do capitalismo.
O que se viu no caso brasileiro é que, nos governos petistas, essa fórmula foi hábil por um tempo para
segurar os ânimos da classe trabalhadora no que diz respeito a uma luta mais ofensiva para a destruição do
sistema, atendendo apenas parte das demandas de reprodução social dos segmentos mais pauperizados.
O fortalecimento do neoliberalismo do ponto de vista ideológico cooptou lideranças dos movimentos
sociais e atingiu os mais diversos setores da classe trabalhadora. O Partido dos Trabalhadores (PT), com base
no neoliberalismo, e combinado com princípios do social-liberalismo, executou políticas que beneficiaram a
burguesia e colocou o Estado como o efetivo aparato que administra políticas focalistas de “combate à pobre-
za”. Como expressão máxima desse intento, há o Programa Bolsa Família, além de outros programas mais
diretos para a geração de lucros da burguesia com uma “aparência humanizada do capitalismo financeirizado”,
como o Programa Minha Casa Minha Vida.
Diante desse processo de cooptação o PT, que fez coro com a ideologia burguesa de neutralizar as lutas,
não teve como base o rompimento com o capitalismo e perdeu sua identidade classista na tentativa de fundir o
liberalismo do mercado com o progressismo social.
O projeto de aliança de classes abandonou possibilidades progressistas na defesa mais ampla dos direi-
tos sociais dos trabalhadores, esvaziando, inclusive, os próprios mecanismos criados pelo PT de participação
democrática, como, por exemplo, a dos conselhos populares que foram acopladas ao Estado, dentre outras
medidas usadas pela via da inserção em movimentos sociais que cooptou lideranças atuantes e combativas.
As contradições concretas do social-liberalismo apa-
receram na vida dos trabalhadores que pagaram (e pagam)
A efetivação da democracia pela crise capitalista com medidas de austeridade, sobretu-
do no governo Dilma (2011-2016), com cortes sociais e com
àqueles que vendem a sua o aumento do custo de serviços básicos, como o da energia
elétrica, e com a alta da inflação. Esse aumentou prejudi-
força de trabalho apenas se cou, principalmente, os setores mais empobrecidos, que mal
conseguiram manter a compra de alimentos essenciais para
materializa como ato histórico sua vida e pagar os juros do seu endividamento.
O descontentamento com essa realidade teve como
quando puderem acessar à expressão emblemática as manifestações de Junho de 2013
riqueza que eles mesmos que, ao mesmo tempo em que revelou o dissabor ao modo
petista de governar, franqueou um novo estágio às lutas de
produzem, sem a usurpação classes no Brasil, soando, como adverte Mattos (2015), o
alarme das classes dominantes e abrindo “um ponto de in-
daqueles que se dizem donos de terrogação: valeria à pena continuar apostando na alternati-
va petista nas próximas eleições, ou era hora de retornarmos
áreas privadas. aos métodos de contenção mais tradicionais”.
O Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em
2016 e as eleições presidenciais de 2018 foram resultados
desse processo, que se articularam à crise econômica brasileira no ano de 2014, às pressões do grande capital
para aumentar as taxas de lucros, às lutas e às manifestações de caráter classista e conservadores de 20152.
Ainda, houve o papel da grande mídia para desqualificar o PT e, como consequência, proporcionar o repúdio da
classe média ao Partido dos Trabalhadores.
Ademais, houve a investida de setores do Poder Judiciário, aliados a setores políticos com objetivos
claros de interferir na vida pública do país para benefícios próprios. Isso expressa, segundo Casara (2018), o
que se convencionou chamar de ativismo judicial, ou seja, a intromissão do Judiciário na política, que teve sua
representação máxima na “Operação Lava Jato”: uma ação que se apresentou contra a corrupção, mas que na
prática operou com seletividade e não respondeu efetivamente ao que se propôs.
Os sujeitos envolvidos, bem como o Juiz Sergio Moro (atualmente Ministro da Justiça e Segurança Pública)
e o Procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol, usaram de métodos parciais em relação aos processos
contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, com a sua prisão, impediram-no de ser candidato à Presidência
da República no ano em 2018, impossibilitando assim a vontade popular e, em última instância, a democracia.
O plano de austeridade em relação às políticas sociais foi aprofundado no governo Temer com a aprova-
ção da Reforma Trabalhista e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241 de 2016, transformada na
emenda constitucional 95/2016, que restringiu por vinte anos os gastos públicos na área da educação, da saúde
e da assistência social, e vem sendo ampliado no governo Bolsonaro.

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Está em curso a Reforma da Previdência, que, em essência, objetiva transformar o Sistema de Seguridade
Social brasileiro em um sistema de capitalização, abrindo espaço ao capital especulativo. Suas proposições reti-
ram direitos dos trabalhadores mediante o aumento no tempo de serviço e na contribuição para a aposentadoria;
a redução da pensão por morte; a diminuição do valor do Benefício de Prestação Continuada destinado aos idosos
e deficientes em situação de pobreza; dentre outros pontos que configuram ataques aos direitos sociais.
Para atender as pautas do liberalismo, outras medidas também foram tomadas pelo governo, como a
extinção dos ministérios do Trabalho, Cultura, Cidades, Esportes e Integração Racial; a apresentação da Me-
dida Provisória nº 881, que flexibilizou ainda mais as relações de trabalho; a criação da Secretaria das Privatizações
que visa privatizar o patrimônio público, envolvendo setores do transporte e segmentos estratégicos para a
economia; os cortes em programas sociais, incluindo o Programa Minha Casa Minha Vida; os contingenciamentos
em Saúde e em Educação; além das mudanças na política ambiental que comprometem a fiscalização e a
prevenção do desmatamento e possibilitam a liberação de agrotóxicos ao agronegócio.
No governo Bolsonaro, a pauta liberal se acentua com políticas conservadoras e militaristas. Para Moraes
(2019, p. 39), há diversas interpretações a esse respeito, e algumas “discernem um fator de equilíbrio num
governo composto de ultraliberais entreguistas, vociferantes criptofascistas e talibãs evangélicos”. Outras
análises caminham pela consideração de que há ocupação de poder pelas Forças Armadas. Assim, a forte
presença militar visa estabilizar um regime de direita, ainda que necessite o uso da força e de traços autoritá-
rios, como o governo tem apresentado em diversas ações.
Essa direção política, moral e militarista constituída pela presença de militares, conservadores e liberais
no governo Bolsonaro tem colocado em evidência o tema da democracia no Brasil, tendo expressão máxima
em algumas narrativas que deturpam a história brasileira e chegam a negar que houve uma ditadura militar
(1964-1985) no País. O depoimento do Presidente Jair Bolsonaro à TV Bandeirantes em março de 2019 é um
dos indicativos desse desvario:

Temos de conhecer a verdade. Não quer dizer que foi uma maravilha, não foi uma maravilha regime nenhum.
Qual casamento é uma maravilha? De vez em quando tem um probleminha, é coisa rara um casal não ter
problema, tá certo? [...] E onde você viu uma ditadura entregar para a oposição de forma pacífica o governo?
Só no Brasil. Então, não houve ditadura. (VEJA..., 2019).

São inúmeras as propostas e as narrativas do governo Bolsonaro, além dos escândalos que envolvem seus
aliados e familiares e que caracterizam o autoritarismo e o despotismo presentes no Congresso Nacional. Essa
realidade convoca os trabalhadores urgentemente à organização das lutas sociais. O que se assiste é a alteração
de um Estado Social, que deveria assegurar direitos, para um Estado Penal, alicerçado na proposta vigente de
militarização da vida social. A criminalização dos movimentos sociais e da população pobre e da periferia tornou-
se corriqueira nos dias atuais. Nesses termos, fica evidenciada a necessidade de pensarmos como as relações dos
movimentos sociais por moradia estão lidando para a garantia da democracia em sua luta no território urbano.

A democracia e a luta por moradia no território urbano

Do ponto de vista da democracia burguesa e do espaço para as lutas por moradia na realidade brasileira,
é importante elencar alguns elementos que retratam a luta dos trabalhadores que se organizam em movimentos
sociais por habitação.
Prioritariamente, é importante considerar os sujeitos em sua condição real de vida, ou seja, numa condi-
ção de trabalhadores e de produtores que estão à procura de fazer valer o seu direito de acesso à riqueza
socialmente produzida. Portanto, é fundamental entender que a ação política dos sujeitos que ocupam um
terreno é advinda de uma relação de exploração que os priva do acesso ao produto que eles mesmos produzem,
e não uma vontade autônoma e isolada das relações sociais estabelecidas.
Assim, a democracia para os trabalhadores já é tolhida quando vendem sua força de trabalho por não
terem acesso aos meios de produção. Logo, não há democracia possível para os sujeitos que não estiverem em
condições de adquirir alimentos, moradia, vestuário, saúde e educação.
Aos que compreendem que vivemos em uma democracia, sinaliza-se que prevalece a abstração,
que serve para beneficiar os donos da propriedade privada. A efetivação da democracia àqueles que
vendem a sua força de trabalho apenas se materializa como ato histórico quando puderem acessar à
riqueza que eles mesmos produzem, sem a usurpação daqueles que se dizem donos de áreas privadas.
Esses que o fazem pela posição que ocupam na divisão social do trabalho na sociedade capitalista, calca-
da na desigualdade da repartição da riqueza socialmente produzida.

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A apropriação privada da riqueza distancia os sujeitos dos interesses coletivos e os tornam existentes
apenas num plano abstrato, como se o Estado se autonomizasse desses conflitos das relações de trabalho para
almejar uma democracia para todos e universalizasse os interesses coletivos. Marx e Engels (2009, p. 47)
denominam as lutas que ocorrem no interior do Estado como ilusórias, dentre elas a luta por democracia, pois
“não são tratadas as lutas reais das diferentes classes entre si”.
Dessa feita, a compreensão de que se vive em uma democracia na sociedade capitalista passa a ser
uma alienação, pois não alcança a totalidade das relações de produção. Os próprios trabalhadores, quando
reproduzem abstratamente essa ideologia da democracia, não a vivem em sua vida concreta. Não há condi-
ções materiais para a escolha e para a liberdade dos trabalhadores expressarem seus sentimentos, vontades e
acessarem suas necessidades sem a abolição da propriedade privada. Nesse sistema os trabalhadores perma-
necerão escravizados sob um poder que lhes é alienado. Portanto, é imprescindível entender que vivemos em
uma democracia burguesa, cujo limite é dado pelos capitalistas. Sob essa lógica, Chauí (2000, p. 558) esclarece
que a “democracia liberal” é

[...] uma ideologia política e justifica a crítica que lhe dirigiu Marx ao referir-se ao formalismo jurídico que
preside a ideia de direitos do cidadão. Em outras palavras, desde a Revolução Francesa de 1789, essa
democracia declara os direitos universais do homem e do cidadão, mas a sociedade está estruturada de tal
maneira que tais direitos não podem existir concretamente para a maioria da população. A democracia é
formal, não é concreta.

Frente ao exposto, vale ressaltar que a tão almejada e defendida propriedade privada pelo “Estado
Democrático de Direitos” só foi alcançada em sua história pela violência, guerra, pilhagem e rapinagem san-
grenta. Nesses moldes, a democracia defendida pelo Estado passa essencialmente pelo atendimento dos inte-
resses capitalistas, com parcas concessões aos trabalhadores.

Como o Estado é a forma em que os indivíduos de uma classe dominante fazem valer os seus interesses
comuns e se condensa toda a sociedade civil de uma época, segue-se que todas as instituições comuns [...]
que adquirem uma forma política são mediadas pelo Estado. Daí a ilusão de que a lei assentaria na vontade
e, mais ainda, na vontade dissociada da sua base real na vontade livre. Do mesmo modo o direito é, por sua
vez, reduzido à lei. (MARX; ENGELS, 2009, p. 112).

Com efeito, a organização sociopolítica dos movimentos sociais por moradia, que ultrapassa o cam-
po da lei burguesa e das ideias abstratas, sinaliza um passo importante na tomada de consciência; uma
aproximação perspicaz de sua atividade material no intercâmbio com outros homens. “A consciência
nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente, e o ser dos homens é o seu processo real de vida”
(MARX; ENGELS, 2009, p. 31).
Contudo, é importante considerar que as lutas dos movimentos sociais transcorrem por um período de
esgotamento da social-democracia, colocando-se a necessidade de superar as reformas democráticas, como
as que ocorreram no período de crescimento capitalista nos países centrais. Hoje, as tarefas democráticas
devem ser superadas pelos movimentos sociais de trabalhadores com vistas ao alcance de uma transformação
social e política, como já dizia Trotsky:

É necessário ajudar as massas, no processo de suas lutas cotidianas, a encontrar a ponte entre suas
reivindicações atuais e o programa da Revolução socialista. Essa ponte deve consistir em um sistema de
reivindicações transitórias que parta das atuais condições e da consciência de largas camadas da classe
operária e conduza, invariavelmente, a uma só e mesma conclusão: a conquista do poder pelo proletariado
(TROTSKY, 2004, p. 13).

Com essa base trazida por Trotsky (2004) fica claro que a condução da luta por moradia para o alcance
do direito à cidade não deve ser transportada de maneira separada em seu programa de reivindicações – com
os limites das reformas colocados pela sociedade burguesa –, mas sim deve ser usada como mediação para
alcançar a substituição desse sistema. Por isso, discutir moradia pressupõe discutir a cidade, e discutir a cidade
pressupõe pensar em uma cidade para os trabalhadores, o que só é possível com a superação do próprio
capitalismo, que pensa a cidade para a burguesia.
Aos trabalhadores cabe-lhes lutar contra o peso da crise que lhe é atribuída pelos capitalistas:
desemprego, fome, miséria, alta dos juros, inflação, violência, desigualdade, pobreza, falta de moradia, de
educação e de saúde, precariedade do transporte, crimes ambientais, dentre tantas outras demandas

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presentes no seu cotidiano. Portanto, a agonia capitalista deve ser devolvida aos burgueses, pois se “o
capitalismo é incapaz de satisfazer as reivindicações que surgem dos males que ele mesmo engendrou,
que morra!” (TROTSKY, 2004, p. 16).
É importante destacar que os movimentos sociais por moradia e pela cidade colocam em destaque
reivindicações que alcançam um nível político, pois estão atuando diametralmente com o aparato estatal na
disputa de poder político. Entretanto, essas nem sempre vêm constituídas de um caráter classista do ponto de
vista da consciência dos sujeitos que se organizam pelos movimentos sociais e daqueles que vivem na cidade,
ainda que pertençam efetivamente à classe trabalhadora.
O alcance da consciência de classe pelos trabalhadores pode significar um avanço em sua organização
se combinado com ações políticas que expressem teorias e práticas transformadoras. Por outro lado, esse
processo não é linear e vem atravessado de diversas contradições e interferências da ideologia burguesa. Tal
ideologia que, por sua vez, é carregada de preconceitos e criminaliza os movimentos sociais, sendo necessário
um combate cotidiano e consciente a essa interferência.
Diante da atual conjuntura brasileira, é essencial salientar que as situações de conflitos urbanos que
envolvem a luta pela moradia tendem a piorar com a proposta de cortes no orçamento do principal programa
habitacional para 2020, o Programa Minha Casa Minha Vida.

A luta por moradia popular sofreu dois duros golpes na última semana. O primeiro foi o cancelamento de
duas portarias que previam a destinação de verbas federais para a construção de 35 mil unidades habitacionais
no país todo. O segundo veio com a Proposta de Lei Orçamentária (PLOA) de 2020, encaminhada pelo
governo para o Congresso Nacional. Ela prevê a redução de 41% nas verbas do programa ‘Minha Casa,
Minha Vida’ (MCMV), o que equivale a um corte de R$ 1,9 bilhão. (GOVERNO..., 2019)

Como uma forma de compensação a esse corte, o governo Bolsonaro propõe assegurar ao setor mais
empobrecido (famílias com renda de até 1,2 mil mensais), de municípios com até 50 mil habitantes, uma
espécie de crédito que comprova o pagamento e dá direito à compra do imóvel chamado de “Voucher”. Isso
significa a mercantilização da política e do direito social. Paralelamente significa que os grandes centros urba-
nos, como São Paulo, que representam expressiva parte populacional, ficarão de fora desse projeto – o que foi
frisado pelo atual Ministro do Desenvolvimento Regional, Gustavo Canuto3.
Nos grandes centros urbanos o despejo dos trabalhadores passou a ser regra para aqueles que vivem em
áreas ocupadas; ainda que, do ponto de vista jurídico, tenham-se criado instrumentos para fazer valer os
direitos sociais. Um exemplo desses instrumentos é o Estatuto da Cidade, que se instituiu sob a premissa de
regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, além de estabelecer diretrizes gerais da política
urbana e normas de interesse social para regular o uso da propriedade em benefício do “bem coletivo”.
Contudo, os dados recentes do Observatório das Remoções junho de 2019, mostram um cenário
adverso ao anunciado pelo Estatuto da Cidade. De acordo com o relatório no período de dois anos e meio de
pesquisa, 28.228 famílias foram removidas e 170.177 famílias estão ameaçadas de remoção, sendo que a
maior parte desses casos estão localizadas no extremo Sul de São Paulo (21%), seguido do extremo Leste
(16%) e da região do ABC (12%). 127 das ocupações removidas ou ameaçadas tem a presença de movi-
mentos de moradia. (EM..., 2019)
É notório que o Estado intervém nos impasses para a reprodução capitalista em meio aos ciclos de suas
crises para a manutenção dos seus lucros, socializando suas perdas com os trabalhadores. Porém, o que se
observa na realidade é que o Estado brasileiro não está efetivando os direitos dos trabalhadores, como previsto
nas legislações, e acaba promovendo ações violentas na remoção das famílias de suas moradias, constituindo
um cotidiano de instabilidade na vida de homens, mulheres, crianças e idosos. Dessa forma, o aparato estatal
coloca-se como um órgão repressor contra aqueles que resistem em suas lutas.
A materialização das políticas governamentais que se efetiva pela via dos programas sociais de moradia
passa, prioritariamente, pela interlocução direta com os poderes executivos dos municípios e do Estado e com
o setor empresarial da construção civil. Esse processo não prioriza as demandas dos sujeitos que compõem os
movimentos sociais de trabalhadores por moradia.
A luta pelo direito à moradia é fortemente influenciada pela ofensiva da especulação do mercado imobi-
liário e pela supervalorização dos terrenos. O principal objetivo dos setores burgueses é a geração de lucros.
No entanto, esse processo também acirra os conflitos da luta pela terra com setores da classe trabalhadora que
reivindicam o direito à moradia.
Ainda que o governo acene para o combate à especulação do mercado imobiliário, o que se contradiz
com o projeto liberal de mercado livre sem a interferência estatal, ele permanece apostando no crédito, bem
como é feito no Programa Minha Casa Minha Vida.

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Reflexões sobre a política habitacional: estado e conflitos de classes 273

Após definir os municípios que serão alvo do programa, o governo enviará técnicos para fazer uma pesqui-
sa de campo sobre o mercado imobiliário local e identificar o tipo de voucher necessário – para comprar
imóvel usado, reformar ou até construir uma nova casa – e o valor. Tudo será feito “na surdina”, afirma
Canuto, para evitar que o movimento gere especulação imobiliária, aumentando os custos do programa e
prejudicando o mercado como um todo (NOVO..., 2019).

Compreende-se que não é pela via do crédito e do consequente endividamento que os conflitos vão se
atenuar no território urbano para processo de construção de uma cidade aos trabalhadores. O crédito “ofere-
cido aos trabalhadores”, na verdade, é “oferecido às grandes empreiteiras” e mascarado pela política de
austeridade do governo para enfrentar a crise iniciada em 2008 pela bolha do mercado imobiliário estadunidense,
que chegou ao Brasil com força em 2015 e se arrasta até os dias atuais.
A intensificação da situação de desemprego desencadeada por essa crise coloca muitos trabalhadores
endividados a interromper o pagamento dos imóveis, passando então da condição da chamada “insegurança da
posse” para a condição de “sem teto”. As análises de Luxemburgo (2010) são elucidativas desse processo:

Se as crises nascem, como se sabe, em consequência da contradição entre a capacidade de expansão,


a tendência à expansão da produção e a capacidade de consumo restrita do mercado, o crédito é,
precisamente, [...] o meio específico de pôr em evidência essa contradição sempre que possível. Antes
de tudo, aumenta de forma incomensurável a capacidade de expansão da produção e constitui uma
força motriz interna que a leva constantemente a ultrapassar os limites do mercado. Fere, porém, por
dois lados. Depois de ter provocado a superprodução, na qualidade de fator processo de produção,
não deixa por isso de destruir com segurança, durante a crise, na qualidade de fator da troca, as forças
produtivas criadas às suas custas. Ao primeiro sintoma da crise, o crédito desaparece, abandona as
trocas, justamente quando seria, ao contrário, indispensável, e, onde ainda se oferece, apresenta-se
como inútil e sem efeito, reduzindo assim ao mínimo, durante a crise, a capacidade de consumo do
mercado. (LUXEMBURGO, 2010, p. 30).

Fica evidenciado que o crédito se constitui em um meio para especulações arriscadas e agrava a crise.
Assim, se não se tem acesso à moradia, que é o pilar para acessar o direito à cidade, como se garantem a
mobilidade social, a saúde e a educação do trabalhador, uma vez que grande parte desses serviços está privatizada
e ainda tende a sua intensificação privatizante em um mercado calcado no projeto neoliberalista? Sem menci-
onar, ainda, todas as necessidades objetivas e subjetivas dos trabalhadores, que ficam impossibilitados de supri-
las em uma sociabilidade extremamente desigual e violadora de direitos sociais.

Considerações finais

Diante desse quadro de violação dos direitos sociais, os conflitos urbanos revelam que o acesso à
moradia aos que necessitam de um local para viver fica cada vez mais difícil. Com base nas relações desiguais
do capitalismo, sobrepõem-se a segregação de grupos que ficam privados de suas necessidades sociais, cultu-
rais, políticas e econômicas. O que se materializa é a própria perda do direito à cidade, levando os sujeitos a
fazerem uso da sua força social para impulsionar a transformação das relações para soluções dos problemas
urbanos que passam pela propriedade da terra e pela marginalização social e espacial.
A tomada de consciência dos trabalhadores em relação aos problemas urbanos é um elemento importan-
te para impulsionar lutas pelo direito à cidade e para a materialização de ações dos movimentos sociais que
poderão se chocar com as estruturas para a sua transformação.
Em um contexto de democracia burguesa, em que o Estado representa os interesses capitalistas e viola os
direitos da maioria da população para garantir a dominação do capital, pode-se afirmar que não há Constituição
Federal, Estatuto da Cidade e programas sociais que consigam empalmar um processo de acesso universal ao
direito de moradia. É necessária uma mobilização social e política dos trabalhadores que dê sustentação a esses
aparatos institucionais para a destruição da lógica capitalista e do próprio Estado que a sustenta.
Nesse sentido, é necessária clareza política quanto à impossibilidade de conciliar os interesses antagôni-
cos das classes sociais, tanto para não se cair nas armadilhas de que é suficiente adotar políticas calcadas na
compensação para enfrentar as desigualdades, quanto de que vivemos em uma democracia de fato. Essa,
como menciona Safatle (2010), ainda não veio!

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Acesso em: 24 out. 2019.

Notas

1 Um exemplo da materialização desse projeto é o Programa Bolsa Família brasileiro, que focaliza sua intervenção na transferência de renda aos
setores considerados miseráveis da classe trabalhadora.
2 Em março de 2015 ocorre uma das maiores manifestações da direita contra o governo Dilma, protagonizado pela cúpula do movimento “Vem Pra
Rua”, apoiado por artistas, jogadores, atores globais e membros de redes socais que se juntaram em prol da insígnia do combate à corrupção e em
apoio a Operação Lava Jato.
3 Num momento de forte restrição de recursos, o ministro alerta que o programa foi desenhado para priorizar quem mais precisa e que as cidades
com mais de 50 mil habitantes “ficarão para um segundo momento”. (NOVO..., 2019).

Angela Michele Suave


michelesuave@hotmail.com
Doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Professora do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Humano e do Curso de Serviço Social da Univer-
sidade de Taubaté-SP (UNITAU)

Lindamar Alves Faermann


lindafaermann1@gmail.com
Doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Assistente Social do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Professora da Universidade de Taubaté-SP (UNITAU)

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Taubaté, São Paulo – Brasil
CEP: 12020040

Agradecimentos Aprovação por Comitê de Ética e consentimento para parti-


Não se aplica. cipação
Não se aplica.
Agência financiadora
Não se aplica. Consentimento para publicação
Consentimento das autoras.
Contribuições das autoras
Não se aplica. Conflito de interesses
Não há conflito de interesses.

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