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manifestações contemporâneas
Alzira do Carmo Carvalho Ericeira1
1. INTRODUÇÃO
1
Assistente Social, Professora na Faculdade do Maranhão – FACAM, Mestre em Políticas Públicas pela
Universidade Federal do Maranhão - UFMA, Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do
Maranhão – UFMA. E-mail: alziradocarmo@hotmail.com
argumentações desenvolvidas aqui, uma vez que tampouco se comunga com a máxima
ideológica do „fim da luta de classes‟ propagada pelas teorias neoliberais.
Evidencia-se em primeiro lugar alguns comentários em torno da polêmica discussão
sobre a existência ou não de uma doutrina marxista do Estado, problemática esta que se
constitui numa tarefa que dia após dia, se refaz no campo teórico. Esta dimensão já foi
abordada por Noberto Bobio (1979), um severo crítico ao marxismo, em um instigante artigo
onde questiona: “existe uma doutrina marxista de Estado?”. A resposta que o autor vai dar
por si só já é motivo para polêmica, pois, por não existirem delineamentos em tal teoria, este
compreende que a abordagem marxista do Estado é genérica, incompleta, sumária e irreal,
afirmando por fim que não existe tal elaboração no pensamento marxista ou até mesmo
socialista.
Dessa forma, embora não exista na teoria marxista a ou as obras que tenham como
objetivo específico caracterizar o Estado, Ianni (1992, p.31) afirma que, a análise marxista
do capitalismo seria ininteligível se Marx não tivesse elaborado, também e necessariamente,
uma compreensão dialética do Estado e das classes sociais, haja vista que todas as
contradições e antagonismos vividos no sistema capitalista permeiam essas categorias.
Assim, o presente estudo busca desvelar as determinações concertas do Estado e
suas manifestações na particularidade brasileira. Em seguida, discute-se sobre o papel que
o Estado brasileiro assume no sistema capitalista, sobretudo a partir dos ajustes neoliberais
impostos à periferia do sistema que promovem rebatimentos perversos na política social.
O referido autor apreende o Estado como uma totalidade concreta que se situa no
tempo e no espaço, sendo assim, é um silogismo, que assume a forma-Estado
(generalidade), a forma de Estado (particularidade) e a forma do Estado (singularidade).
Ambas as formas estão interligadas dialeticamente à terceira através da segunda.
No pensamento marxista, o Estado se manifesta como uma instituição acima de
todas as outras (BOTTOMORE, 2001, p. 133), cuja função é a de assegurar e conservar a
dominação e a exploração da classe burguesa sobre o proletariado. Isto equivale a dizer,
que “a categoria Estado corresponde a um ser social rico em determinações que se
estruturam material e socialmente tanto no fenomênico quanto no essencial” (FARIAS,
2001a, p. 30).
No primeiro nível manifestam-se as relações sob a forma de aparência, que é a sua
forma de governo, a legitimação do Estado por meio da democracia formal burguesa. Nesse
sentido, [...] “o governo não deve ser confundido com o Estado propriamente dito, que é a
sua substância oculta. Esta essência da forma-Estado resulta da luta entre as classes
sociais, tendo por eixo a divisão capitalista do trabalho, constituindo um todo [...]” (Idem, p.
30).
No segundo, sob o aspecto de ocultação, encontra-se a forma- Estado, que é a sua
essência, resultante da divisão capitalista do trabalho, cujo eixo é a manutenção da
dominação política de uma classe sobre as demais, onde a base de ação política é a luta de
classes.
Nessa sociedade capitalista fixada na propriedade privada dos meios de produção e
na exploração dos operários assalariados despojados dos meios de produção e compelidos
a vender invariavelmente sua força de trabalho, a função do Estado é defender os
interesses da classe dominante sobre o conjunto da sociedade. Entretanto, o Estado
moderno capitalista aparece aos olhos, mentes e corações do grosso da população
enquanto Estado de todos e não apenas de uma fração de classe ou classes, isto se dá
porque segundo Marx, tal instituição tem quatro funções basilares a especificar: em primeiro,
a ordem, o Estado exerce a função de capitalista coletivo ideal, criando e mantendo as
condições materiais gerais para a produção (infraestrutura básica para o desenvolvimento
do capital em seus diferentes ramos de atuação). Ou seja, o Estado garante, mantém e
estimula o avanço das forças produtivas.
A segunda função (no nível da superestrutura) é a personificação da ordem jurídica,
o Estado apresenta-se enquanto árbitro nas relações de produção por meio de toda uma
legislação destinada a normatizar as relações sociais constituídas no interior do processo de
produção de mercadorias. O Estado é o mediador por excelência das relações entre capital
e trabalho assalariado, intervindo como se não fizesse parte das relações de produção
(neutro), isto é, age como um ente exterior no conflito de classes e assim completa o círculo
das condições internas para a produção e reprodução do capital.
A terceira função é a fisco-finança, isto é, o Estado gera fundos coletivamente que
lhe permite subsidiar sua ação estatal: “a permanência do Estado como forma particular e
relativamente autônoma diante das classes sociais e portanto, de sua existência para si
depende da geração de fundos” (FARIAS, 2001a, p. 35).
A quarta e derradeira função consiste na política comercial externa preenchida pelos
diferentes Estados nacionais contemporâneos no mercado internacional, cuja lógica é regida
pelos ditames dos países de capitalismo avançado. Por fim, o Estado burguês realiza uma
função estratégica no desenvolvimento, manutenção e conservação da sociedade
capitalista, condição essencial à formação do capital social coletivo, negando as
contradições inerentes e historicamente determinadas da relação capital e trabalho, em que
a alienação máxima ocorre da reificação entre o que é objeto e o que é sujeito.
Portanto, segundo Farias (1988 apud Farias, 2001b, p. 231) o Estado é um ser social
arraigado num modo de produção, cujas formas concretas mudam continuamente antes de
se tornar mediação real, relativa e transitória das contradições mercantis. Sendo assim, toda
análise das funções do Estado tem necessariamente que ser precedida do exame da forma-
Estado.
Tal visão abordada por inúmeros autores que buscam respostas às questões das
diversas formas de dominação internacional deixam de lado o caráter de particularidade
dessas situações concretas. Assim, defendem que o desenvolvimento capitalista periférico é
apenas uma cópia fiel da forma de industrialização dos países centrais, esquecendo as
determinações históricas do processo de desenvolvimento da nação que agregam fatores
determinantes para a manutenção do perfil de um Estado como forma de capitalismo
periférico.
Nesse sentido, Farias (2001b, p. 231), afirma que,
As análises correntes da dependência elaboram, ao contrário, uma espécie de sub-
história ou história negativa, referente aos obstáculos à constituição de uma
economia capitalista, de um Estado democrático burguês, de uma ordem social
pluralista e competitiva, de uma cultura verdadeiramente nacional etc.
A referida autora aponta tais questões como cruciais para entender a natureza da
construção nacional. Para tanto, afirma que há um tipo particular de dominação que
prevalece no Brasil para além dos ditames internacionais, a qual é denominada de pacto de
dominação interna. Assim, somente com a análise de tal dominação e da luta de classe,
pode-se entender a permanência da desigualdade e do subdesenvolvimento no Brasil, bem
como a difícil construção de uma nação democrática no país. Estas interrogações pedem
respostas estruturais que vão além de qualquer “teoria da dependência”, mesmo na mais
rigorosa versão centro-periferia.
Esquematicamente, Tavares (2000, p.137) enuncia o problema afirmando que a
peculiar “revolução burguesa”, em vez de permitir a passagem a uma “ordem competitiva”,
manteve um pacto de dominação social férreo entre os donos da terra, o Estado e os donos
do dinheiro que se caracterizou do ponto de vista político por uma oscilação permanente
entre uma ordem liberal oligárquica e um Estado interventor autoritário.
Para que se entenda ainda a dominação interna e externa do país é preciso que se
tenha claro a natureza e o papel do Estado. Segundo Farias (2001b, p.233), no Brasil o
Estado torna-se veículo e instrumento da penetração rápida, incompleta e desigual das
relações mercantis capitalistas somente depois da década de 1930, assumindo a tarefa de
mediar a difusão dessas relações submetidas às necessidades do centro e à valorização
dos capitais hegemônicos.
Nessa perspectiva, Tavares (200, p.138) aponta que as relações de dominação e
cumplicidade entre os agentes do dinheiro mundial e as burocracias do dinheiro nacional
foram a moldura estrutural que enquadrou a formação de nossas elites “cosmopolitas” e o
caráter mais ou menos dependente, ou associado, de nossa burguesia com o capitalismo
financeiro internacional. Dessa forma, as relações financeiras desiguais terminam em geral
num processo de endividamento externo do Estado que conduz periodicamente ao
estrangulamento das finanças públicas e alimenta os conflitos do governo central com as
elites locais por tornar escassos os “fundos públicos”.
Segue a autora,
Essas relações de dependência financeira externa dificultam o processo de
arbitragem pelo Estado do valor do dinheiro nacional, como forma de denominação e
equivalência geral dos capitais particulares. O resultado histórico é que nossa
moeda foi quase sempre inconversível e tende secularmente à depreciação,
tornando vulneráveis várias frações da burguesia, além, naturalmente, de prejudicar
as condições de vida do povo (TAVARES, 2000, p. 138).
É nesse sentido que Farias (2001b, p. 234) chama atenção para o fato da difícil
constituição de um Estado representativo burguês moderno em um país como o Brasil que é
essencialmente marcado por uma industrialização tardia. Tal fato é representado pelos
governos desenvolvimentistas que se sucedem desde a segunda metade dos anos 1950,
“cuja ação longe de se definir unicamente por padrões nacionalistas, é fundada numa
dinâmica de acumulação e sobre um sistema de defesa, manutenção e justificação da
iniciativa privada”.
Prevalecem nesse cenário, os capitais privados das nações imperialistas,
especialmente dos Estados Unidos e associados locais, que tem sua dominação baseada
na inserção de multinacionais nos países periféricos que muitas vezes absorvem as
empresas locais, a exemplo Farias (2001b, p. 235) cita o caso brasileiro de privatização de
empresas públicas, como a Vale, Embratel etc.
A partir dos anos 1980 e 1990 percebe-se uma desarticulação formal na estrutura do
Estado brasileiro decorrente, sobretudo, das novas configurações que o capital assume, a
financeirização e a mundialização. Nesse sentido, Chesnais (1996, p.25) chama atenção
para a imposição posta aos países periféricos de adaptarem-se “ao jogo dos mercados
financeiros”, às novas formas de produção e intercâmbio, à desregulamentação financeira,
ao desenvolvimento cada vez maior da globalização financeira, e à utilização das novas
tecnologias. Assim,
No plano industrial, é então aos novos modos de organização da produção,
adotados pelas empresas multinacionais, que deveria se fazer a inevitável
adaptação. O problema, já a esse nível, é que a liberalização e a
desregulamentação, combinadas com as possibilidades proporcionadas pelas novas
tecnologias de comunicação decuplicaram a capacidade intrínseca do capital
produtivo de se comprometer e descomprometer, de investir e desinvestir; numa
palavra, sua propensão à mobilidade. Agora o capital está à vontade para pôr em
concorrência as diferenças no preço da força de trabalho entre um país – e, se for o
caso, uma parte do mundo – e outra. Para isso, o capital concentrado pode atuar,
seja pela via do investimento, seja pela da terceirização (CHESNAIS, 1996, p. 28).
Tais elementos são vistos no espetáculo público armado em torno do Estado, feito de
corrupção e impunidade, inoperância e irracionalidade das burocracias estatais, parecem
fornecer as provas de verdade de um discurso que prega o mercado como paradigma de
modernidade e elide a questão da responsabilidade pública que nunca teve lugar na cultura
política deste país. O assim chamado discurso neoliberal tenta a espantosa façanha de
conferir título de modernidade ao que há de mais atrasado na sociedade brasileira, um
privatismo selvagem que faz do interesse privado a medida de todas as coisas.
4. CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
FARIAS, Flávio Bezerra de. O Estado capitalista contemporâneo: para a crítica das
visões regulacionistas. 2ª ed. – São Paulo: Cortez, 2001a.
______. A descoberta do Estado Brasileiro. In: LIMA, Marcos Costa (org.). O lugar da
América do Sul na nova ordem mundial. São Paulo: Cortez, 2001b.
KARL, Marx. O Capital. Livro 1. v.1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil S.A, 1987.
SILVA, Maria Ozanira da Silva e; YAZBEK, Maria Carmelita; GIOVANNI, Geraldo di. A
Política Social Brasileira no Século XXI: a prevalência dos programas de transferência de
renda. 5ª ed. – São Paulo: Cortez, 2008.
TELLES, Vera da Silva. Sociedade Civil e a construção de espaços públicos. In: DAGNINO,
Evelina (Org.). Anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.