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RESUMO: O objetivo deste artigo é refletir acerca do conceito de família presente na política
de assistência estudantil do ensino superior federal, especialmente em suas regulamentações
na Universidade Federal do Cariri (UFCA). Para tanto, realizamos uma pesquisa documental
e revisão de literatura tendo como método o crítico dialético. Os achados nos permitiram
vislumbrar avanços, contradições e retrocessos na concepção e no uso do conceito de família
como elemento-chave para acesso dos estudantes à assistência estudantil, corroborando a
perspectiva ―familista‖ tão buscada e defendida no capitalismo dos monopólios,
especialmente em sua fase neoliberal.
1 INTRODUÇÃO
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Assistente Social da Universidade Federal do Cariri (UFCA). Mestre em Serviço Social pela UEPB e
Doutoranda em Serviço Social pela UFRN.
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complexidade do tema, exigindo estudos e reflexões, o que torna o presente trabalho relevante
para o Serviço Social e demais profissionais que atual na assistência estudantil.
limita apenas à repressão física. Assim, tem um papel específico na organização das relações
ideológicas3 dominantes, sendo por elas invadido. Assim,
Em outros termos, o autor compreende que não há uma relação ―natural‖, enquanto
teoria geral, entre Estado e dominação - que o faz comportar-se como árbitro e monopolizador
da arbitrariedade de uma única classe -, embora isso não signifique que as ações desse mesmo
Estado não estejam marcadas pela dominação política, uma vez que no capitalismo esse
Estado apresenta tais elementos.
O que ocorre, para o autor, é que as relações de forças entre as classes sociais e suas
frações são permeadas por contradições que constituem a base material do estado e são
condensadas nele. Essa condensação conforma uma unidade do bloco no poder, sob a
liderança de uma das forças sociais. Por esse motivo, a ideia de que esse estado terá,
necessariamente, a função de dominação política não tem fundamento, pois o Estado age
constantemente na produção de um substrato material do consenso entre as massas e o poder
por meio de ―medidas materiais positivas‖. Ou seja, ―o Estado também age de maneira
positiva, cria, transforma, realiza‖, podendo favorecer os interesses da classe operária, ainda
que em menor medida, ainda que reflitam concessões impostas pelas lutas dos trabalhadores,
ainda que sob o aspecto ―ideológico-engodo‖ (POULANTZAS, 1985).
A possibilidade acima mencionada é real e fora colocada pela ordem capitalista
―madura e consolidada‖ (capitalismo monopolista) que se ampliou no contexto em questão.
Quando o capitalismo recoloca em patamares mais altos as suas contradições fundamentais -
combinando-as com novas características -, novos processos complexos são deflagrados no
sentido de contrariar as consequências4 de seu objetivo primário, que é o ―acréscimo dos
lucros por meio dos monopólios‖ (NETTO, 2011, p. 21), entre os quais o mais importante é a
refuncionalização estrutural do Estado.
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Para Poulantzas (1985), a ideologia vai muito além de um sistema de ideias e representações. Compreende a
materialidade da vida cotidiana das pessoas
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Entre suas consequências está a dificuldade de valorização do capital excedente, dada a supercapitalização e o
parasitismo, próprios desse modo de produção no estágio monopolista.
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Assim, a política social é funcional às requisições do capital, porque ela intervém nas
expressões da ―questão social‖ fragmentando-a em problemas sociais individuais,
incorporando à sua perspectiva ―pública‖ o ―substrato individualista da tradição liberal‖, ou
seja, para o Estado no capitalismo monopolista, ―o destino pessoal é função do indivíduo
como tal‖ (NETTO, 2011, p. 38).
Assim, dá-se a responsabilização dos indivíduos - demarcada pela ―família‖ como
núcleo de intervenção no marco legal das políticas sociais – pela atenuação ou resolução dos
seus ―problemas‖ sociais, de onde decorrem os trabalhos e/ou estratégias públicas de
ajustamento e modificação das características pessoais dos indivíduos e, portanto, das
famílias.
Essa perspectiva de intervenção estatal nas refrações da ―questão social‖ é respaldada
por um patrimônio teórico-cultural que se configura o pensamento conservador: o
positivismo, que tem um estilo de pensar o social, naturalizando-o e, em razão disso,
especificando o ser social a partir da esfera moral (IDEM, 2011). Assim, o Estado deve atuar
numa linha de controle social, buscando garantir a vigência de comportamentos ―normais‖ e
considerar ―disfuncional‖ tudo àquilo que foge a esse modelo.
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Desse modo, a família é inserida nas políticas sociais como núcleo central de
intervenção, sendo considerada a principal mediação para acesso ao indivíduo e, portanto, sua
responsabilização pelas mazelas sociais as quais lhe atinge. Mioto (2004, p. 04), ao refletir
sobre o trabalho dos Assistentes Sociais com famílias, faz menção ao fato dessa intervenção
estar calcada em uma lógica arcaica e culturalmente enraizada nas instituições, as quais tiram
―de foco a discussão da família no contexto de uma sociedade desigual e excludente‖,
fortalecendo uma ―visão da família como produtora de patologia‖.
Conforme sinalizamos, as Políticas Sociais são os principais instrumentos de
intervenção estatal nas expressões da ―Questão Social‖ e é nelas que o conceito de família é
colocado numa perspectiva ―familista‖, cuja ideia central, segundo Mioto (2010), é que a
esfera pública só deve prover a satisfação das necessidades sociais quando os dois canais
naturais falharem, que é o mercado e a família. ―A ideia que vem embutida no campo da
incorporação da família na política social é a ideia de falência da família. Isso corresponde a
uma menor provisão de bem-estar por parte do Estado‖ (MIOTO, 2010, p. 169-170).
Contraditoriamente à sua incorporação pelo Estado nas políticas sociais, a família é
uma relação social complexa, construída e reconstruída historicamente entre os diversos
âmbitos da sociedade, a exemplo do Estado, do mercado, do trabalho, entre outros (MIOTO,
2010), não podendo, portanto, ser resumida apenas a construção privada responsável pelo
bem-estar da dos seus membros.
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Os anos que sucederam a Constituição Federal de 1988 são marcados pelo avanço neoliberal no Brasil, cujas
consequências são a regressão dos direitos sociais. Entretanto, nos anos 2000, com a eleição de um governo que
teve como origem bandeiras de esquerda vislumbrou-se uma mudança de rota, especialmente nas políticas de
Assistência Social e Educação, muito embora a política macroeconômica tenha sido mantida.
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Os dados corroboram a análise de Gueiros (2010), que afirma que a noção ampliada de
família ainda encontra limites nas ações institucionais, as quais desconsideram os aspectos
sociais, especialmente da região local, que historicamente encara o processo de emigração,
assim como parte do pressuposto de que ―a educação superior conta com a família para a
manutenção de seu membro na universidade‖ (BRAGA & PRÁ, 2021, p. 128).
Ademais, os critérios são ainda mais limitadores ao considerar, para o cálculo da renda
bruta familiar, todas as pessoas que ―usufruem com a renda familiar ou contribuem com ela,
residentes ou não no mesmo domicílio‖ (PRAE, 2021, p. 11), mas a percapita depende da
quantidade de pessoas que residem no mesmo domicílio, o que acaba sendo um critério
excludente, especialmente a estudantes que recebem contribuições financeiras de terceiros.
Assim, percebe-se que
o consenso existente sobre as transformações da família tem se
concentrado apenas nos aspectos referentes à sua estrutura e
composição, pois as expectativas sociais sobre suas tarefas e
obrigações continuam preservadas. Ou seja, espera-se um mesmo
padrão de funcionalidade das famílias, independente do lugar em que
estão localizadas na linha da estratificação social, padrão este calcado
em postulações culturais tradicionais referentes aos papéis paterno e
materno, principalmente (MIOTO, 2004, p. 04)
Nesse processo é importante situar o trabalho dos Assistentes Sociais que realizam a
análise socioeconômica e que têm a autonomia na emissão de um parecer social ao considerar
criticamente o perfil apresentado por cada estudante, o que permite contrabalancear os
critérios conservadores.
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O principal desafio nesse contexto é interferir nessa relação dialética entre a realidade
dos estudantes e as legislações que regulamentam a assistência estudantil na perspectiva da
noção de família ampliada, considerando a ―heterogeneidade de arranjos familiares presentes
atualmente na sociedade brasileira, não se podendo falar em um único conceito de família,
mas sim de ‗famílias‘‖ (ALVARES & FILHO, 2008, p. 11).
APROXIMAÇÕES CONCLUSIVAS
REFERÊNCIAS
10
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POULANTZAS, Nicos. O Estado, o poder, o socialismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985).