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Apostila de sociologia Geral e Jurídica

Conceito:

A SOCIOLOGIA GERAL é uma ciência que estuda os modos de


organização e as relações dos seres humanos em sociedade. Vale dizer: a
sociologia estuda as relações entre os seres humanos e a sociedade, porque a
própria construção do ser humano é feita dentro da sociedade.

O homem é um animal político, segundo Aristóteles. Logo, a função


da sociologia é estudar essas conexões dos indivíduos com a sociedade.

QUANDO E COMO SURGIU?

A Sociologia, como ciência nasce no Século XIX, com o positivismo


científico de Augusto Comte.

O contexto histórico é pós-industrial. Novas sociabilidades surgem


pelo êxodo rural e urbanização.

E a sociologia do Direito?

A SOCIOLOGIA DO DIREITO é um ramo da sociologia geral que


procura estudar as conexões existentes entre a sociedade e a ordem jurídica.

A sociologia do direito estuda as relações biunívocas, estabelecidas


entre o direito e a sociedade, vale dizer, estuda a influência que os fatores sociais
exercem sobre o direito, assim como estuda a influência que o direito exerce sobre
a sociedade. Vale dizer: a sociedade influencia a produção, interpretação e
aplicação das normas jurídicas, assim como o ordenamento jurídico, através das
suas disposições normativas, influenciam o desenvolvimento da vida social.

E um dos exemplos, e os exemplos não faltam, porque a todo


momento o direito vai sendo criado, interpretado e aplicado pela sociedade.
Importante que nós percebamos que o direito é muito mais influenciado pela
sociedade do que propriamente capaz de interferir no desenvolvimento das
transformações sociais. O direito serve mais como instrumento de controle, do
que de mudança.
Diversos fatores sociais interferem na produção do direito. Três
subsistemas sociais se destacam: o subsistema ideológico, o subsistema político
e o subsistema econômico. Para Norberto Bobbio, a sociedade é um conjunto de
subsistemas que se interferem reciprocamente. E esses subsistemas (ideológico,
político e econômico) interferem a todo instante na produção do direito, senão
vejamos: quando eu trato do subsistema ideológico, eu estou a referir o conjunto
de concepções, valores e visões de mundo prevalecentes numa dada sociedade.

A sociedade é organizada a partir de certos valores, concepções e


visões de mundo e, naturalmente, essas ideologias acabam interferindo no
chamado “processo nomogenético”, ou seja, no processo de produção do direito.
Por exemplo: durante muito tempo prevaleceu, na sociedade ocidental, inclusive
no Brasil, uma ideologia patriarcal, ou seja, uma concepção ideológica que
estabelecia a superioridade do homem em face da mulher. E, evidentemente, essa
ideologia patriarcal acabou interferindo na produção, interpretação e aplicação
do direito ocidental e particularmente do direito brasileiro. No Código Civil de
1916 havia direitos e deveres distintos para homens e mulheres. Somente com a
constituição de 1988, houve a igualdade formal entre ambos os gêneros. O antigo
código civil estabelecia normativamente a prevalência do homem em relação a
mulher, pois o homem era o consorte responsável pela administração dos bens
do casal; a mulher, inclusive, era considerada relativamente capaz.

O subsistema ideológico da sociedade acabou sendo transportado


para o plano normativo do direito civil, particularmente aqui, para o plano
normativo do CC/16.

Ainda no direito civil, temos outro exemplo: até 1977 não havia
divórcio no Brasil, ou seja, o vínculo conjugal era indissolúvel segundo o Código
Civil de 1916. Somente em 1977, a Lei do Divórcio, em 77 acolheu esse instituto.
Isso porque o Código Civil também refletia uma ideologia religiosa de base
sobretudo católica, e a religião católica influenciou muito a conformação
normativa do Código Civil 1916. Vigorava na sociedade uma concepção
ideológica, segundo a qual o que Deus havia unido os homens não poderiam
separar. O fato de esta concepção ideológica de base religiosa estar muito
arraigada na sociedade brasileira, fez com que somente em 1977, o Brasil
acolhesse o instituto do divórcio e por conseguinte, a possibilidade da
solubilidade do vínculo conjugal..

O subsistema político também influencia o direito. Trata-se do modo


de organização, distribuição, aquisição e exercício do poder na sociedade. A
sociedade é sempre o palco para as lutas pelo poder, e evidentemente, influencia
na produção da norma jurídica.

O direito constitucional, por exemplo, é um ramo muito influenciado


pelo subsistema político, pois o sistema constitucional trata do estudo da
Constituição, que é a lei de organização fundamental do Estado, que estabelece
os direitos fundamentais do cidadão. Logo, o direito constitucional é muito
sensível às mudanças que no subsistema político. Exemplo é a emenda da
reeleição, que foi introduzida na década de 90 em nosso sistema constitucional,
que positivou, na Constituição, uma nova conjuntura política.

E o subsistema econômico seguramente interfere, molda, condiciona a


produção, interpretação e aplicação do direito. O direito brasileiro reflete o modo
de produção capitalista. A CF de 1988, ao tratar da ordem econômica, estabelece,
no art. 170, os princípios da livre iniciativa e da propriedade privada, fato que
consubstancia a influência de fatores econômicos na produção da normatividade
jurídica. Isso se dá pelo fato de que a livre iniciativa e propriedade privada como
direitos fundamentais refletem a organização de uma sociedade segundo o modo
de produção capitalista. Paralelamente, destacamos que sociedades organizadas
conforme o modo de produção socialista, delineiam sua ordem econômica pela
propriedade coletiva e pela planificação econômica estatal, contrapondo-se à
livre iniciativa, e à propriedade privada dos meios de produção.

Nesse diapasão, demonstramos que os fatores sociais interferem na


produção do direito e essa influência é biunívoca, ou seja, o direito também
influencia os fatores, os subsistemas ideológico, político e econômico. Essa
influência do direito no plano ideológico pode ser observada, na a reforma
administrativa por que passou o Estado brasileiro a partir da segunda metade da
década de 90. A transição de uma administração burocrática para uma
administração gerencial se positivou na Emenda 19/98. A reforma
administrativa ensejada pela Emenda Constitucional 19 de 1998 tinha por
objetivo redefinir o papel do Estado brasileiro e implementar a administração
gerencialista no Brasil. Em razão dessa reforma gerencialista, houve novas leis
como a da “PPP” (Parceria Público Privada), por exemplo. Esses novos institutos
administrativos ensejaram mudanças nos paradigmas ideológicos, axiológicos na
sociedade brasileira.

Há também influência do direito no subsistema político e, como


exemplo, temos a emenda da reeleição, trazendo à sociedade brasileira o
paradigma da continuidade dos programas de governo, contemplando o
planejamento de médio prazo e longo prazo, o que alterou também a postura
política dos ocupantes de cargos eletivos do Poder Executivo.

ABORDAGENS SOCIOLÓGICAS DO FENÔMENO JURÍDICO

Há duas perspectivas para estudar os fenômenos jurídicos direito:


a perspectiva dogmática e a zetética.

O que é a perspectiva dogmática?

É a perspectiva normativista do fenômeno jurídico, destacando os


aspectos normativos do direito. Por essa perspectiva, a análise se atém à validade
da norma, sem contemplar a dimensão critica, a norma, é, portanto, um dogma,
uma premissa inquestionável de raciocínio.

E a perspectiva zetética?

Esta se atém à noção de efetividade, ou seja, eficácia social ou mesmo


de legitimidade, realização da justiça na compreensão do direito, desenvolvendo
uma reflexão crítica sobre a norma jurídica.

A sociologia do direito é eminentemente zetética, ou seja, lastreia-se


na dimensão zetética. Sendo assim, o sociólogo do direito não se preocupa
exclusivamente com a dimensão exclusivamente normativa do direito, mas as
conexões entre direito e sociedade. Logo, o âmago da sociologia do direito se
fulcra nas seguintes perguntas:

O sistema jurídico está em consonância com a sociedade?

As normas jurídicas apresentam eficácia social?

As normas são observadas, pelos atores sociais?

O olhar sociológico não está voltado para o sistema jurídico em sua


dimensão normativa, enquanto “dever ser”. Seu objeto é a efetividade do direito
no mundo do “ser”. Como exemplo, podemos trazer o Direito Penal. No plano
do ser não é observado nas comunidades desfavorecidas do rio de janeiro e nos
grandes centros urbanos do Brasil. Há uma discrepância entre o mundo do dever
e o mundo do ser. O Direito Penal dentro de comunidades favorecidas apresenta
um outro perfil. A CF/88, o próprio Código Penal de 1940, são legislações pouco
observadas naqueles contextos. Nesse sentido, a CF/88 proíbe a tortura no art.
5°, no plano do “dever-ser”, e no plano do “ser”, a tortura pode ser perpetrada
pelo próprio Estado.

A sociologia do direito tem por objeto essa incongruência do direito


no mundo normativo em sua conexão com a sociedade.

A importância da dimensão fática do direito reside na contribuição


científica para o aperfeiçoamento da ordem jurídica, pois a partir do diagnóstico
da perda de efetividade do ordenamento jurídico, é possível propor políticas
públicas para reorganizar a relação entre direito e sociedade.

CARACTERÍSTICAS DA SOCIOOGIA DO DIREITO

A sociologia do direito se caracteriza pela sua natureza zetética, pois é


uma ciência crítica e especulativa.

Tem também natureza empírica pois é um conhecimento construído a


partir da observação da realidade social. Esse tratamento empírico visa a
enfatizar a apreensão da realidade concreta, fenomênica, perceptível pelos
sentidos. Trata-se de um conhecimento que busca estabelecer as relações fáticas
e concretas entre o direito e a sociedade.

Qual a diferença entre sociologia e filosofia do direito?

A filosofia do direito é um saber idealista porque seus temas (tais como a


ontologia, a axiologia, a própria ética, semiótica) refletem um plano abstrato,
muitas vezes desvinculado da realidade concreta. Já Sociologia tem por objeto os
fatos sociais. Logo, a sociologia do direito não analisa os fenômenos por uma
perspectiva idealista, enquanto dever-ser, mas sim numa dimensão realista, no
mundo do ‘ser’.

Exemplo: o estudo do funcionamento do sistema prisional brasileiro. A


sociologia não o faz numa perspectiva abstrata e ideal, como deve ser, mas sim
numa perspectiva fática, como efetivamente esse sistema se apresenta. Nessa
perspectiva, o sociólogo indaga, por exemplo, se o sistema prisional brasileiro
opera de forma seletiva, punindo somente as classes economicamente
desfavorecidas, em detrimento das classes economicamente favorecidas. O objeto
de pesquisa deve buscar respostas para questões como: há efetiva ressocialização
dos apenados nesse sistema prisional? Ou deforma ainda mais a sua
personalidade, tornando-o mais perigoso para o convívio em sociedade? Existe
violência num determinado sistema prisional?

Natureza causal.

A causalidade é a lógica do “ser”. A lógica do dever-ser se estrutura na


imputação. Logo, a causalidade se contrapões a imputação, pois estabelece uma
relação necessária entre um antecedente e um consequente. O conhecimento
dogmático do direito é um conhecimento que se vale da lógica do dever-ser, ou
seja, da imputação. Na perspectiva dogmática e da imputação, o art. 121 do
Código Penal estabelece o crime de homicídio e proíbe a conduta “matar
alguém”, imputando pena de 12 a 20 anos, de modo que se o sujeito A mata
alguém, deve ser condenado a pena estabelecida no preceito secundário, ou seja,
privação da liberdade. Nesse aspecto reside a lógica da imputação. Se a análise
for causal haverá a busca das causas do crime: Dado “A” é “B”.
Dada a ocorrência de um certo fenômeno, com grande probabilidade,
ocorrerá uma conseqüência. Pode-se estabelecer como hipótese que a pobreza
interferindo no aumento da criminalidade, porém essa relação causal não é fixa
e necessária, afirmando, por exemplo, que todo pobre será um criminoso, pois
essa causalidade não é determinante; é apenas probabilística, portanto, é possível
que a pobreza interfira com grande probabilidade no aumento da criminalidade,
ou na escalada da violência. Isso se dá porque a sociologia, como ciência humana,
estuda a os seres humanos em sociedade, e, o ser humano, não é regido por um
determinismo biológico.

Sintetizando...

A sociologia do direito estuda as conexões entre o direito e a sociedade


por uma óptica zetética, empírica e causal.

OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA

AUGUSTE COMTE

Comte criou a Sociologia no século XIX, dentro do seu modelo


positivista, visto que cria uma nova concepção chamada positivismo científico.

Para Comte, só haveria conhecimento verdadeiro através da ciência.


Para Comte, a religião e a filosofia, por serem conhecimentos abstratos e
metafísicos, não permitiriam que o homem alcançasse a verdade. Daí porque,
para ele, a evolução da sociedade (atenção meus amigos, esse é um ponto
importante), seria feita através de três estágios. É a chamada lei dos três
estágios.

O primeiro estágio, seria o estágio religioso:

As primeiras sociedades se organizariam ao redor da prevalência da


religião e da fé, como forma de se alcançar a verdade.

O segundo estágio, o filosófico, caracterizado pela prevalência de um


conhecimento racional, porém, ainda metafísico.
O terceiro estágio de evolução da sociedade, e mais importante, seria
o estágio científico, alcançado pelas sociedades européias no final do século XIX,
ou melhor, no início, durante o século XIX.

E por que estágio científico? Porque na visão de Comte, somente a


ciência poderia oferecer ao homem o caminho da verdade. Denominava a
sociologia de “física social”.

Agora qual era o modelo de ciência para conte? O modelo de ciência


para Comte era um modelo de ciência de base empírica, concreta e experimental,
ou seja, uma ciência que seria construída a partir da observação e dos
experimentos. E para que o cientista pudesse oferecer respostas verdadeiras
acerca dos fenômenos naturais e sociais, o cientista deveria preservar, em
primeiro lugar, o distanciamento entre sujeito e objeto e a neutralidade
axiológica, ou seja, ele não poderia trazer para o conhecimento científico os seus
valores, os seus preconceitos e as suas visões de mundo.

Para Comte, a Sociologia explica todos os fenômenos sociais, e, em


função disso, oferece respostas para todos os problemas humanos. Daí a frase de
Auguste Comte: a sociologia seria saber um para prever e prever para prover.

A ciência, e particularmente aqui a Sociologia, possibilitaria o


homem planejar de forma racional a vida social e trazer o conforto material e
espiritual. Para Comte, a Sociologia permitiria às sociedades a superar a fome, a
pobreza, a marginalidade, a criminalidade, já que todas as respostas para os
problemas sociais seriam resolvidas.

Comte dizia que a Sociologia permitiria ao homem substituir a


moral, o direito e a religião. Porque para ele direito, moral e religião só
subsistiriam porque o homem viveria de carências. Numa fase em que todos
vivessem confortáveis materialmente e espiritualmente, a moral, religião e
direito não teriam mais importância.

A sociologia surge com Comte como ciência enciclopédica, porque


uma ciência que procura descrever de forma ampla todos os fenômenos sociais,
econômicos, políticos, jurídicos, para oferecer um conforto material, espiritual
para a humanidade, para oferecer respostas certas e absolutas para os problemas
atinentes a convivência humana.

ÉMILE DURKHEIM

Durkheim é o autor mais importante de um movimento que surge na


França chamado Escola Objetiva Francesa. Durkheim estuda a Sociologia
Jurídica, e para muitos é o pai da Sociologia do Direito porque é o primeiro
professor de Sociologia do Direito no ocidente, já que ele inaugura essa cátedra
na Universidade de Paris, a conhecida Universidade de Sorbonne.

E quais são as teses básicas de Durkheim?

Segundo Durkheim, a Sociologia deve estudar os fatos sociais e estudar os


fatos sociais como se fossem coisas, ou seja, Durkheim também se vale do
método positivista de Comte, marcado pelo distanciamento e pela neutralidade
axiológica.

Para Durkheim todos os fatos sociais seriam coercitivos. A coercibilidade


seria uma característica de todos os fatos sociais porque a sociedade condiciona
e restringe a liberdade dos indivíduos que são compelidos a adotar modelos de
comportamento que são socialmente esperados. A sociedade impõe modelos de
moralidade sexual, de moralidade social que condicionam, que restringem as
opções individuais.

Os fatos sociais são coercitivos, porque eles condicionam o


comportamento individual, à medida em que impõem padrões de
comportamentos que são internalizados pelo psiquismo dos indivíduos.

Na visão de Durkheim, o direito seria o principal fato social, seria o


fato social mais coercitivo. Por quê? Porque segundo ele, o ordenamento jurídico
teria uma maior capacidade de inibir ações anti-sociais.

O direito, ao apresentar sanções, que resultam na restrição do


patrimônio ou da liberdade dos indivíduos, acaba atuando de modo mais
coercitivo. É fácil inferir que os membros de uma sociedade temem muito mais
as sanções aplicadas pelo direito do que as sanções oriundas da moral ou das
normas de etiqueta, porque as sanções jurídicas restringem o patrimônio, como
por exemplo, a multa de trânsito ou privam alguém de sua liberdade, ou até
mesmo, sancionam ceifando a vida de um indivíduo, no caso de países que
adotam pena de morte como forma de sanção.

Nesse sentido o direito é uma instância de normatividade social muito


mais coercitiva do que os demais padrões de normatividade social, daí porque o
direito é o fato social mais coercitivo, segundo Durkheim.

Durkheim inclusive, ao estudar a coercitividade dos fatos sociais,


dedica uma especial atenção ao fenômeno do suicídio. Em “O suicídio”
Durkheim analisa como o suicídio é condicionado pela sociedade.

Uma das grandes contribuições de Durkheim para a Sociologia do


Direito, foi seu estudo sobre as formas de solidariedade e divisão social do
trabalho. Para Durkheim, as sociedades primitivas elas seriam caracterizadas
pela prevalência da coletividade sobre os indivíduos. Daí porque em tais
sociedades nós vislumbraríamos o que ele chamou de solidariedade mecânica.
E por que solidariedade mecânica? Porque na visão de Durkheim o termo
solidariedade designa o modo de interação dos indivíduos na sociedade, e essa
solidariedade seria mecânica porque a coletividade asfixiaria, os indivíduos se
comportariam sempre do mesmo modo, desenvolvendo sempre as mesmas
atividades, sem que houvesse uma divisão social do trabalho.

Entretanto, com o desenvolvimento das sociedades humanas, esse


modelo de solidariedade mecânica seria substituído por um modelo de
solidariedade orgânica. E no modelo de solidariedade orgânica, nós já
vislumbraríamos uma nova forma de interação dos indivíduos na sociedade. Nas
sociedades mais avançadas cada indivíduo cumpriria uma determinada função
e por desempenhar cada um deles uma função, a permanência do indivíduo na
vida social seria muito importante, ou o indivíduo seria valorizado como um ente
distinto da coletividade.
Na solidariedade orgânica, o termo orgânica aqui faz uma metáfora
com a biologia. É como se a sociedade fosse um corpo humano, cada indivíduo,
cada grupo de indivíduos desempenha uma função, assim como no corpo cada
órgão desempenha uma função: coração, rim, estômago, fígado, enfim.

Durkheim associa essa transição da solidariedade mecânica para a


solidariedade orgânica, e incrementa a divisão social do trabalho, há passagem
do que ele chamou de ordem jurídica repressiva para a ordem jurídica
restitutiva. Para Durkheim, o direito primitivo era essencialmente repressivo,
porque a coletividade prevaleceu sobre o indivíduo, daí porque o direito penal
prevaleceu sobre o direito civil; daí porque as sanções teriam sobretudo uma
natureza voltada para a exclusão social do indivíduo. As sanções seriam sanções
de exclusão social, como a pena de morte, banimento. A privação da liberdade
surge numa etapa mais avançada da evolução histórica.

A ordem jurídica tende a perder o seu caráter repressivo, para adquirir


um caráter restitutivo, o direito civil torna-se cada vez mais frequente, e o direito
penal torna-se a última ratio. Por isso, as sanções jurídicas adquirem cada vez
mais caráter restitutivo; restituir as situações jurídicas ao estado quo ante, ao
estado anterior da lesão.

MAX WEBER

Weber é um autor culturalista, um autor alemão que desenvolve


também estudos importantíssimos para a sociologia do direito.

Como primeira grande contribuição de Max Weber, eu citaria o seu


estudo acerca das ações sociais. Enquanto Durkheim estuda os fatos sociais
brutos, desvinculados, destituídos de qualquer significado cultural, Weber,
estuda o conceito de ações sociais, ou seja, para ele o sociólogo geral e do direito
deve estudar as ações sociais, ou seja, os comportamentos humanos, e os
significados que esses comportamentos humanos apresentam em determinadas
culturas.
Logo, diferentemente do tratamento positivista de Durkheim, que
reproduz o modelo positivista de distanciamento e neutralidade, Weber propõe
o método da compreensão como método sociológico mais importante. O
sociólogo deve, portanto, compreender o significado de cada ação humana,
mergulhando no universo de sentido de cada cultura.

Os sociólogos do direito somente entenderão o significado das ações


sociais se compreenderem a cultura, se mergulharem no universo cultural e,
desse modo, não poderão manter uma postura de distanciamento nem uma
postura neutra com relação aos fatos sociais.

Weber teve formação jurídica e contribui muito para a Sociologia do


Direito, em especial para os direitos humanos fundamentais. Esses direitos não
podem ser concebidos fora de um paradigma multicultural, fato que deita suas
raízes em Weber.

Em sua obra “Economia e Sociedade”, Weber estuda as relações entre


legalidade e capitalismo, demonstrando como o surgimento do capitalismo foi
facilitado pela legalidade. Para ele, o surgimento do Estado de Direito Moderno
e a valorização do princípio da legalidade, conferiu bases sólidas, objetivas e
previsíveis para o surgimento do capitalismo.

Ao comparar a lei com os costumes, depreende-se que a lei é um


instrumento normativo muito mais consentâneo com o capitalismo porque os
costumes, sendo fontes não escritas, geram insegurança e a lei, por ser escrita
estabelece bases mais objetivas e previsíveis. Para o sistema econômico
capitalista, a segurança conferida pela lei é fundamental para o capitalismo, pois
este se desenvolve sobretudo quando encontra um horizonte de estabilidade. É
por esse motivo que a legalidade weberiana tornou-se a forma jurídica mais
apropriada para orientar o avanço do sistema capitalista de produção.

Weber também dedica uma especial atenção para o estudo dos tipos
de legitimidade. Para Weber, o poder político se legitimaria de três formas, não
necessariamente excludentes: a legitimidade carismática; a legitimidade
tradicional; e a legitimidade legal-burocrática. Essa última aqui é de grande
contribuição para a Sociologia do Direito e para o Direito Público.

A Legitimidade carismática estabilizaria o exercício das relações


políticas através da valorização do carisma dos governantes. A legitimidade
carismática teria uma base personalista porque se assentaria em qualidades
pretensamente oferecidas, apresentadas pelos governantes. O sistema político ele
se ordenaria a partir das qualidades pessoais dos governantes. Vejam que esse
modelo de legitimidade carismática foi prevalecente em regimes totalitários,
como nazismo, fascismo, comunismo.

A Legitimidade tradicional, por sua vez, legitima o exercício do


poder, a partir do apelo às tradições. O poder é respeitado porque ele corporifica
as tradições e memoriais de um povo e sintetiza a consciência política de um
povo. Exemplo: a monarquia inglesa. Essa instituição se sustenta não por
qualidades pessoais dos eventuais monarcas, mas sim porque a monarquia é um
símbolo da tradição política daquela sociedade.

A legitimidade legal-burocrática, está mais fortemente relacionada à


sociologia do direito. Segundo Weber, na idade moderna, sobretudo com as
revoluções liberais burguesas (Independência dos EUA, Revolução Francesa), a
legitimidade foi gradativamente sendo formalizada, ou seja, deixou caráter
personalista, atávico ao poder carismático, e o caráter tradicionalista, para ganhar
um caráter mais formal. Isso porque as revoluções liberais burguesas trouxeram
a noção de poder legítimo como aquele exercido por governantes escolhidos
democraticamente pelo povo. A legitimidade legal-burocrática é o modelo típico
das democracias representativas.

Para Weber, o direito moderno não só permitiu o avanço do


capitalismo como também permitiu a racionalização e a formalização do modelo
de legitimidade política.

Destaca-se também a contribuição de Weber para o estudo das


relações entre o capitalismo e o protestantismo. Em “A ética protestante e o
espírito do capitalismo”, Weber estuda como o protestantismo favoreceu o
capitalismo. Segundo ele, as sociedades protestantes (calvinistas, luteranas,
anglicanas) teriam se desenvolvido economicamente muito mais do que as
sociedades marcadas pela hegemonia da religião católica. O autor demonstra que
o catolicismo projetaria uma ideia de conformismo social. O pobre deveria
permanecer pobre, porque permanecendo pobre ascenderia mais rapidamente ao
reino dos céus. A riqueza tradicionalmente no catolicismo sempre foi vista como
um sinal de pecado, fato corroborado pela condenação da usura pela igreja
católica.

O referido autor sustenta que o protestantismo, se contrapondo ao


catolicismo, teria criado uma atmosfera intelectual e ideológica muito mais
receptiva ao capitalismo. Isso porque o protestantismo valoriza o trabalho, as
posturas acéticas, de modo que o protestante não se desgasta em atividades
lúdicas, ele preserva a sua energia laboral, tende ao recolhimento, e
consequentemente preserva toda sua energia para o trabalho. Para o
protestantismo, a riqueza não era um pecado, e sim um sinal de predestinação
divina.

Weber explica o sucesso sócio-econômico dos estados protestantes, em


razão de o protestantismo, diferentemente do catolicismo oferecer um éthos
favorável ao acúmulo do capital.

KARL MARX

Marx completa a grande tríade sociológica, pois Marx inaugura a


teoria no materialismo histórico.

Marx com seu materialismo histórico e dialético procura estudar a


evolução das sociedades humanas através da ideia da luta entre classes sociais.
Marx sustenta que a infraestrutura econômica, vale dizer, o modo de organização
e produção de riquezas numa dada sociedade, interferiria na chamada
superestrutura político-ideológica, onde nós poderíamos vislumbrar instituições
como o Estado, o direito, a religião e a moralidade social.
Para Marx, portanto, os fatores econômicos seriam preponderantes
na organização da superestrutura político-ideológica. E ao longo de toda a
evolução histórica da humanidade esses fatores econômicos no plano estrutural
estariam interferindo na chamada superestrutura político-ideológica, onde nós
encontraríamos o Estado, o direito, a moral e a religião.

E de que forma, para Marx, a partir de uma primeira fase que ele
denominou de ‘comunismo primitivo’, teria surgido a sociedade de classes. E a
sociedade de classes teria surgido através da descoberta da propriedade privada
dos meios de produção. Na etapa do comunismo primitivo não existiam classes
sociais porque não havia a idéia da propriedade privada dos meios de produção.
Entretanto a partir de um determinado momento que não se pode precisar,
alguns instrumentos utilizados para a produção econômica (instrumentos de
caça, instrumentos de pesca ou a própria terra) se veriam, ou passaram a servir
como forma de diferenciar os indivíduos.

Com a apropriação dos meios de produção surgiriam proprietários e


trabalhadores. A primeira sociedade de classes surgida na história da
humanidade seria a sociedade antiga de base escravocrata. O escravagismo,
como modo de produção da economia, caracterizou as sociedades antigas
romana e grega, sociedades que se baseavam na contraposição entre senhores,
nobres e escravos. O trabalho escravo, portanto, dinamizava o sistema econômico
e a partir dele eram erguidas as estruturas políticas, éticas e jurídicas.

Essa sociedade antiga de base escravocrata seria posteriormente


substituída pela sociedade medieval cujo modo de produção da economia era o
feudalismo. Como nós sabemos o feudalismo se baseia na exploração da terra
como fonte de riqueza e na diferenciação entre senhores feudais e servos. Os
servos, diferentemente dos escravos, trabalhavam nas terras dos senhores
feudais e, nesse sentido, no contexto feudal, a terra se tornava a fonte de riqueza
e o senhor feudal, o titular do poder político e econômico.

Marx estuda a terceira sociedade de classe, que seria a sociedade


moderna capitalista, uma sociedade que após a Revolução Industrial
apresentaria como nota característica o trabalho assalariado. O modelo de
sociedade capitalista estudado por Marx é o modelo de uma sociedade marcada
pelo trabalho assalariado, do operário trabalhando nas fábricas, e em
contrapartida recebendo salários para continuar a movimentar a mola
propulsora do capitalismo.

Essa sociedade capitalista agudizaria, intensificaria as contradições


sociais abrindo espaço, portanto, para a chamada ditadura do proletariado. Os
trabalhadores tomariam consciência da sua exploração e através de um
movimento organizado substituíram a sociedade capitalista por uma etapa
chamada ditadura do proletariado. Utilizariam o poder do Estado para
coletivizar a propriedade privada e isso nos levaria à última fase preconizada por
Marx, o chamado ‘comunismo evoluído’ onde não mais existiriam classes sociais
porque a propriedade privada desapareceria.

Em rápida síntese esse seria o itinerário histórico imaginado por Marx


em seu livro “O manifesto comunista”, “O capital”.

Qual o papel do Estado de Direito para Marx?

Na visão marxiana, o Estado aparece como um aparelho político de


violência organizada a serviço das classes dominantes contra as classes
dominadas. E o direito aparece como um conjunto de novas que corporifica o
interesse das classes dominantes estabelecendo também as estruturas jurídicas
de dominação das classes dominadas.

Vejam que essa leitura de Marx, embora possa ser criticada em muitos
aspectos, e talvez na segunda aula nós tenhamos espaço para fazer essas críticas,
é uma leitura que não se revela de todo inadequada mesmo hoje porque nós não
podemos negar que o Estado e o Direito nas sociedades ocidentais são
profundamente influenciados pela luta de classes sociais. Ninguém duvida, por
exemplo, que o Código Civil de 16/17, só para citarmos uma ilustração
interessante, representava os interesses econômicos dos proprietários, sobretudo
dos proprietários rurais. A sociedade brasileira naquele momento ainda não
conhecia o fenômeno da urbanização. E ninguém duvida que o próprio
surgimento do direito do trabalho no Brasil, no contexto do Estado Novo de
Getúlio Vargas, foi muito mais uma concessão das elites econômicas e políticas
para as classes dos trabalhadores para evitar, aí sim, a revolução socialista e a
instauração da ditadura do proletariado. O direito do trabalho é nesse contexto
um instrumento de reforma do sistema capitalista a fim de evitar a revolução e
consequentemente a instauração de uma ditadura do proletariado.

Destaca que os ramos jurídicos são, a expressão da luta entre classes


sociais, do conflito entre classes sociais. E a grande contribuição de Karl Marx foi
o de procurar demonstrar a influência do sistema econômico na configuração das
relações sociais utilizando um método dialético, porque segundo Marx, a
evolução das sociedades humanas seria feita a partir da luta entre classes sociais.

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