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AMBIENTALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO

BRASIL

Deraldo Antonio Moraes da Silva1

RESUMO: Este artigo compreende uma retrospectiva sobre o papel do Estado em


suas diversas fisionomias, descrevendo a construção da razão estatizante, e,
especificamente, a origem da educação como função estatal. São explicitadas a crise
do Estado moderno, a ambientalização das políticas educacionais no Brasil e os
desafios da educação contemporânea.
Palavras-Chave: razão estatizante, Estado moderno, ambientalização das políticas
educacionais, desafios da educação.
ABSTRACT: This paper covers a retrospective about the State part in its diverses
features, disbelieving the nationalising reasoning construction, and, specificly, the
origin of education like state function. It´s plained the crisis of modern State,
ambientalization of the educationals politics in Brazil and the contemporary education
challenges.
Key-Words: nationalisin reasoning, modern State, ambientalization of the
educationals politics, education challenges.

1. INTRODUÇÃO

A educação libertadora é incompatível com uma pedagogia


que, de maneira consciente ou mistificada, tem sido prática
de dominação. A prática da liberdade só encontrará
adequada expressão numa pedagogia em que o oprimido
tenha condições de, reflexivamente, descobrir-se e
conquistar-se como sujeito de sua própria destinação
histórica (FREIRE apud GUIMARÃES, 1995, p. 24).

Pensar as políticas públicas pressupõe o pensamento sobre o Estado e a


evolução do seu papel social, entendendo a “razão estatizante” e a “desestatizante”
nos diversos contextos históricos, civilizacional e societal.

O homem é naturalmente levado ao conflito, apesar de possuir a razão, de


pensar e dominar uma comunicação mais sofisticada do que a comunicação primária

1
Mestre em Desenvolvimento Sustentável (UnB); Pós-graduado (especialista) em Gestão
Ambiental (FUNDESP/UCSAL); Pós-graduado (especialista) em Educação Ambiental (UDESC);
Consultor do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA) do Ministério do Meio Ambiente (MMA);
Professor de graduação: da APM e da FTC/EaD; Professor de Pós-graduação: do IBPEX e da FTE.
E-mail: moraes87@gmail.com
dos outros animais. O conflito gera discordâncias e diferenças, por isso é que as
sociedades humanas precisam de regulação. As sociedades primitivas não precisavam
de regulação, pois eram extremamente simples, até mesmo comunicação precária e
havia recursos naturais em abundância. Com a evolução das sociedades humanas e a
escassez dos bens ambientais, foi necessária a regulação, que ocorre de forma
proporcional ao grau de desenvolvimento de cada sociedade.

Hobbes (1971) afirma que a rivalidade existe a partir da necessidade de


surgimento de uma autoridade, que gera poder e, consequentemente, obediência.
Assim, a representação do fluxo nas relações de poder, segundo Hobbes seria:
rivalidade autoridade poder obediência.

A necessidade de regulação, sobretudo nas sociedades instrumentais, levou


ao surgimento do Estado, que é um ente abstrato, que se situa por fora e por cima
da sociedade civil. Esse Estado precisa de um governo, que é a representação da
sociedade, que delega a autoridade de governar a um de seus membros.

O objetivo deste artigo é elaborar uma retrospectiva histórica sobre o papel


do Estado em suas diversas fisionomias, descrevendo a construção da razão
estatizante, e buscando a origem da educação como função estatal.

A metodologia utilizada para a construção deste artigo é baseada numa


pesquisa bibliográfica em diversos autores: Guimarães (1995), Hobbes (1971),
Bursztyn (1991; 1994; 1998; 2001), Capra (1982), Przeworski (1992), Anderson
(1995), Morin (1999), Morin e Kern (1994) e Santos (1987); e, em leis pertinentes:
Brasil (1981; 1988; 1996; 1999). Propõe explicitar a crise do Estado Moderno, a
ambientalização das políticas educacionais no Brasil e os desafios da educação
contemporânea.

2. A CONSTRUÇÃO DA RAZÃO ESTATIZANTE E A ORIGEM DA EDUCAÇÃO


COMO FUNÇÃO DO ESTADO

Compreender a razão estatizante requer uma análise retrospectiva histórica


sobre as diferentes fisionomias do Estado, do feudalismo - fragmentado - ao Estado-
nação moderno, onipresente, estruturado e pretensamente onisciente - Estado do
bem-estar social.

Bursztyn (1998, p. 144) relata que:

[...] na Europa feudal, o Estado se caracterizava por uma estrutura de poder


central fraca, relativamente à autoridade dos senhores feudais. O Estado
representava, ali, principalmente, a soma de sistemas locais de poder, que
funcionavam quase que como nações autônomas. Os fundamentos da
legitimidade desse Estado se encontravam nas esferas ideológica e moral: a
obediência resultava das relações paternalistas e patriarcais, que eram
asseguradas por rígidos condicionantes religiosos.

A base do feudalismo era mantida pela regulação proporcionada pela


religião, todos pertenciam ao mesmo credo religioso e acreditavam em seus
dogmas, por isso não se insurgiam contra os senhores feudais, não se mudava o
status quo, pois para os súditos, na figura do senhor, estava representado Deus. A
igreja era mais poderosa que os senhores feudais. A longevidade do feudalismo se
deu, porém, não apenas pela regulação religiosa, mas também pela
impenetrabilidade, pois era uma sociedade hermética, que durou mil anos.

Com as cruzadas, inicia-se o mercantilismo, que atinge as bases do


feudalismo, pois a possibilidade de conhecer novos produtos que não existiam nos
feudos, tentava os senhores a adquiri-los. O consumo de novos produtos,
principalmente especiarias, endividou os senhores feudais. O sistema feudal que só
conhecia troca, passa a utilizar a moeda. A dependência econômico-financeira dos
senhores feudais aos banqueiros extingue o feudalismo, provocando mudanças
bastante significativas na estrutura dos Estados.

A colonização portuguesa no Brasil repetiu o modelo feudal, mas com maior


perfeição. As relações sociais eram mais sólidas, os senhores tinham filhos
bastardos, portanto criavam laços familiares. Era um modelo híbrido: feudal-
capitalista mercantilista possuía uma base agrária feudal, representada pelas
capitanias hereditárias, mas com características do capital mercantil, pois havia uma
estrutura produtiva de açúcar para a exportação.
Bursztyn (1998, p. 144) avalia que “[...] a nova ordem do capitalismo
comercial exigia estruturas de poder centralizadas, capazes de permitir a delimitação
de fronteiras territoriais bem nítidas, onde deveria viger uma autoridade nacional”.
Dessa nova arrumação estrutural, emerge o conceito de Estado-nação, que precisa
de mecanismos de legitimidade mais sofisticados que os do feudalismo, onde o
poder soberano bastava. O Estado-nação-absolutista precisa de um ordenamento
jurídico eficaz, para embasar o monopólio da violência pelo Estado centralizador,
que será exercido pela justiça e polícia, segmentos fundamentais para a nova forma
de legitimação.

O Estado absolutista possuía uma estrutura burocrático-administrativa


bastante simples, biministerial: o das Finanças - para arrecadar; e o da Justiça - para
garantir a arrecadação. Era um Estado enxuto, voltado quase exclusivamente para a
formação e manutenção do patrimônio, desta forma, ocupava somente a dimensão
econômica.

O pensamento político renascentista, inaugurado por Maquiavel, em seu


livro intitulado O Príncipe, evoluiu de forma simultânea com os sistemas
econômicos. Maquiavel, nesta sua obra, apresenta o método político que o Estado
do capitalismo comercial deveria adotar, para conquistar e manter a dominação
econômica.

A revolução industrial marca o surgimento de uma nova era para o Estado, o


liberalismo econômico, que se baseia em novas formas de legitimidade, como o
“Estado civil”, descrito por Rousseau. Para a doutrina liberal, cada um produz o que
sabe e troca com o outro o que não sabe fazer, e, sob esta perspectiva, torna-se
necessária a regulamentação do Estado.

Os ideais de Rousseau e Montesquieu estimulam a Revolução Francesa,


que transforma a estrutura do Estado. O iluminismo, a industrialização e a abertura
de mercados em escala internacional exigem novas funções, que se somam às
antigas – Finanças e Justiça. Gradativamente, o perfil do Estado vai-se modificando,
aumentando seu tamanho, o que resultou no surgimento de novos ministérios, para
atender a novas demandas na reforma agrária, educação, políticas de proteção
social e relações exteriores.
O liberalismo propõe a liberdade das relações econômicas privadas com o
mínimo de intervenção do Estado. Entretanto esses princípios servem para os
políticos ludibriarem os opositores e implantarem suas ideias, mas, quando
assumem o poder, sua ação não é coerente, não é nada liberalizante. Portanto é
uma farsa, uma falácia. Veja-se os exemplos dos três grandes arautos do
liberalismo, os EUA, Japão e Inglaterra, que defendem a liberdade econômica fora
de seus domínios, entretanto em seus territórios são extremamente protecionistas.

Sob a égide do liberalismo, no século XIX há um crescimento das estruturas


públicas. No final desse século, o mundo vê um agigantamento dos aparelhos de
Estado, principalmente nos países mais desenvolvidos. Entretanto o Estado, que até
então intervém apenas na economia, passa a adquirir novas responsabilidades no
setor social, fruto de pressões da sociedade organizada, que cobra, das elites
daqueles países, mudanças radicais em suas estruturas, a fim de abolir as práticas
tradicionais herdadas da ultrapassada aristocracia feudal.

A Inglaterra foi pioneira, inovando em políticas públicas sociais no século


XVII com a poor laws (lei dos pobres), que determinava a cada cidade cuidar dos
seus próprios pobres; e a corn laws (lei dos grãos-trigo), que garantia a distribuição
de cestas básicas para os pobres. Entretanto é no governo de Otto von Bismark na
Alemanha, que surgem os primeiros indícios do futuro Welfare State. Assim:

É no governo conservador de Bismark que as primeiras raízes do que viria


depois a ser chamado de Welfare State começam a se implantar. São
adotadas leis de proteção ao trabalhador, em aspectos sobre doenças,
acidentes, seguro por velhice, dentre outras. Ainda que discriminassem as
mulheres e as crianças trabalhadoras, tais leis constituíram avanço para a
época e serviram de referência para outros países (BURSZTYN, 1998, p. 145).

É importante ressaltar um fato histórico experimentado por Bismark, para a


manutenção do poder, que modificou a fisionomia do Estado e, conseqüentemente,
das políticas públicas. Paradoxalmente, por não conseguir impor ao país seu
liberalismo e anti-socialismo, emerge uma nova forma política: o liberalismo
intervencionista de Estado.
A educação passa a figurar como nova função do Estado e, no final do
século XIX, os países europeus, EUA e Japão adotam o princípio da universalização
da educação. Essa nova missão exige uma maior participação do Estado e,
simultaneamente, uma laicização do ensino, como ocorreu na França. Conforme
assinala Hobsbawm (apud BURSZTYN, 1998, p. 146):

Já em 1850, os países escandinavos, a Alemanha, a Suíça, a Holanda, a


Escócia e os EUA (os brancos) possuíam menos de 30% de sua população
adulta em situação de analfabetismo. Em 1913, todo o grupo acima e mais a
França, Inglaterra, Irlanda, Bélgica, Áustria, Austrália e Nova Zelândia, já se
situavam num patamar de menos de 10% de adultos analfabetos.

Para atender à demanda proporcionada pela agregação de novas funções


ao Estado, na educação, saúde e previdência social, foi necessário o crescimento
das estruturas públicas, que implicaram uma maior participação do setor público no
Produto Interno Bruto (PIB) e um maior número de empregos públicos em relação ao
emprego total. A tendência ao aumento da oferta de empregos públicos, fruto da
participação do Estado em políticas sociais, se manteve crescente.

Os países pioneiros do Welfare State, que primeiro implantaram programas


de bem-estar social, foram a Alemanha, Suíça, Itália, Áustria, Dinamarca, França,
Noruega, Nova Zelândia, Bélgica, Austrália e Finlândia (BURSZTYN, 2001).

Veja-se o quadro a seguir:

Quadro 1. Países que primeiro implantaram programas de bem-estar social

Benefício Implantação – Ordem / Países / Ano

Primeiro Segundo Terceiro


Seguro de Alemanha (1871) Suíça (1881) Áustria (1887)
acidente industrial
Saúde Alemanha (1883) Itália (1886) Áustria (1888)
Pensão Alemanha (1889) Dinamarca (1891) França (1895)
Seguro França (1905) Noruega (1906) Dinamarca (1907)
desemprego
Alocação familiar Áustria (1921) Nova Zelândia Bélgica (1930)
(1926)
Sufrágio França (1848) Suíça (1848) Dinamarca (1849)
masculino
Sufrágio universal Nova Zelândia Austrália (1902) Finlândia (1907)
(1893)
Fonte: Bursztyn (2001).

O moderno Welfare State apresenta, como princípio, a eliminação dos cinco


gênios malfeitores da história: a doença, a ignorância, a dependência, a decadência
e as condições precárias de habitação.

Bursztyn (1998, p. 148) avalia que:

[...] ao longo da história, o Estado sempre cresceu, entrando no século XIX com
seis ministérios e, no último pós-guerra, atingindo o número de 40 pastas. No
Brasil, a tendência à hipertrofia do Estado não foi diferente dos países
europeus, mesmo com a herança colonial portuguesa, que restringia algumas
funções como as relações exteriores. No início da República, em 1889, já havia
sete ministérios: Guerra, Marinha, Relações Exteriores, Justiça, Fazenda,
Obras Públicas e Agricultura. Até 1930, no início do governo de Getúlio Vargas,
o aparelho administrativo do Estado permanece praticamente o mesmo.
Entretanto, em seguida, implantam-se os Ministérios: do Trabalho, da Indústria
e do Comércio, da Educação e da Saúde.

Particularizando a questão da educação, observa-se um atraso temporal do


Brasil em relação aos países europeus, EUA e Japão. Esses países universalizaram
a educação no final do século XIX, enquanto o Brasil somente no século XX –
década de 30, quando a institucionaliza – incorpora a educação como função
pública, criando um ministério, mas não a universaliza.

A compreensão da lógica que levou à configuração dos Estados Modernos,


requer uma retrospectiva sobre a origem da ordem econômica. Há historicamente,
de forma pragmática, uma interdependência entre sistemas econômicos e políticos,
que surgem quase simultaneamente para se completar, um garantindo e legitimando
o outro. Por trás e pari passu à construção da “razão estatizante”, está a elaboração
da lógica econômica.

3. A CRISE DO ESTADO MODERNO E A AMBIENTALIZAÇÃO DAS POLÍTICAS


EDUCACIONAIS
Após a tendência mundial ao agigantamento das estruturas estatais, em
todos os matizes político-ideológicos, que culminaram com o Welfare State, Estado
providência e o Estado socialista, o final do século XX foi marcado por diversas
análises convergentes, quanto à crise do Estado moderno, com enfoques políticos,
econômicos e sociais, apesar do keynesianismo, pós-Segunda Guerra. Os Estados
socialistas entram em crise também simultaneamente com os Estados liberais, e de
repente o planeta apresenta problemas multidimensionais, aparentemente insolúveis
com as fórmulas e os equipamentos conhecidos. Será que só o Estado passa por
esta crise? Ou está inserido em um contexto maior – civilizacional? A ‘crise de
valores’, que apresenta multifacetas, como se fossem várias, tem uma só origem, o
desequilíbrio moral da humanidade. A crise paradigmática também é uma faceta da
crise maior. Assim:

As últimas duas décadas de nosso século vêm registrando um estado de


profunda crise mundial. É uma crise complexa, multidimensional, cujas facetas
afetam todos os aspectos de nossa vida – a saúde e o modo de vida, a
qualidade do meio ambiente e das relações sociais, da economia, tecnologia e
política. É uma crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise
de escala e premência sem precedentes em toda a história da humanidade.
Pela primeira vez, temos que nos defrontar com a real ameaça de extinção da
raça humana e toda a vida no planeta (CAPRA, 1982, p. 19).

Há consenso quanto à crise da atual configuração político-institucional do


Estado, entretanto não o há quanto à origem e quanto à forma de solucionar os
problemas. Sob esta perspectiva, surgem vários diagnósticos e emergem diversas
receitas.

As políticas do Estado de bem-estar social perderam a capacidade de


funcionamento satisfatório para a sociedade, quando entra em crise o setor
trabalhista. Bursztyn (1998, p. 152) observa que “[...] o pós-industrialismo e seu
corolário – o desemprego – desmantelam os fundamentos da proteção social ao
desequilibrar a relação securitária entre população ativa e inativa”. Outro fato
relevante apresentado por este autor é o “surgimento do fenômeno da exclusão
social no mundo desenvolvido – novidade do final do século XX – que contribui para
o questionamento do Welfare State.”
A crise do Welfare State serviu de plataforma para as reformas
desestruturantes das instituições estatais. Entretanto essas práticas desestatizantes,
que tiveram início na Inglaterra, não são homogêneas, pois foram implementadas
em diferentes tipos de crise e de Estados. Aqui, trata-se apenas, de maneira
resumida, da fórmula neoliberal para a crise do Estado.

A desestatização com base no neoliberalismo propõe a hegemonia do


mercado sobre o Estado na regulação dos sistemas econômico-sociais. O
encolhimento geral do Estado e a desregulamentação da economia constituem a
solução para a cura dos males do setor público e dos problemas que este estaria
acarretando.

Przeworski (1992) avalia que a era da ideologia neoliberal, projeto intelectual


desenvolvido no universo acadêmico norte-americano, inspirou vários países de
todos os quadrantes a promover transformações econômicas radicais rápidas, com o
propósito de curar os males econômicos e resolver os problemas da crise; mas isto
se traduziu em um engodo, uma falácia, subvertendo a ordem, desconstruindo e
desmantelando os Estados em favor do mercado. Para este autor, os mercados
concorrenciais, por si só, não são suficientes para alocar recursos e gerar
crescimento; portanto mesmo os argumentos neoclássicos sugerem alguma
intervenção estatal.

A receita neoliberal propõe a modernização da economia, entretanto este


processo torna-se sinônimo de internacionalização, levando os Estados que
adotaram esta estratégia, a aceitar uma submissão, pelo menos parcial, da
soberania nacional nos domínios político, econômico e cultural.

A prova de que o neoliberalismo é uma falácia é a sua inexeqüibilidade


paradoxal: “[...] quanto mais complexo o sistema de relações que gera o tecido
social, maior o grau de mediação do Estado de que ele necessita. Assim, quanto
maior a liberdade dos participantes no jogo social, mais necessária se torna a
organização” (BURSZTYN, 1991, p. 50). Desta forma, os pensadores da ideologia
neoliberal se equivocaram, pois “[...] é preciso muita organização para assegurar
mais liberdade a um grupo crescente de pessoas” (CROZIER, apud BURSZTYN,
1991, p. 50). E como garantir os anseios dos cidadãos com um Estado mínimo e
desestruturado?

A questão ambiental aparece como uma exceção à regra neoliberal, num


mundo em que a tendência era reduzir o tamanho do Estado. Segundo Bursztyn
(1994, p. 85), “[...] até mesmo os mais radicais expoentes do pensamento neoliberal
viriam a admitir que neste terreno caberia ao Estado o papel de definição das regras
do jogo econômico e de assegurar o seu cumprimento”.

No Brasil, a institucionalização da ação ambiental ocorre na década de 70,


influenciada pela primeira conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente
Humano – Estocolmo/72, sendo criada, então, a Secretaria Especial do Meio
Ambiente (SEMA). Em 1981, foi promulgada a Lei 6.938 (BRASIL, 1981), que
estabelece os objetivos e instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente,
propiciando a criação do Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA) e do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA).

Em 1988, com a promulgação da nova Constituição da República Federativa


do Brasil, a proteção ao meio ambiente ganha status constitucional, destinando um
capítulo a essa matéria. Este fato histórico foi um marco referencial para a
manutenção e a promoção das políticas públicas de meio ambiente no Brasil. A
Constituição Federal mostra uma tendência ambiental socialista, comum à década
de 80, em que os países socialistas possuíam, nas suas Cartas Magnas, um
capítulo reservado ao meio ambiente.

O capítulo VI (do Meio Ambiente) da Constituição Federal de 1988, § 1 o,


inciso VI reza que incumbe ao Poder Público: “[...] promover a educação ambiental
em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do
meio ambiente” (BRASIL, 1988). Este texto constitucional, de forma importante e
inovadora, ofereceu status à educação ambiental como política pública, inaugurando
no Brasil a institucionalização da ação estatal neste segmento.

Influenciada pela Constituição de 1988, a Lei 9.394 (BRASIL, 1996), que


institui as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, inclui a educação ambiental
entre os Temas de Relevante Interesse Social, e a considera como Tema
Transversal ao currículo. Essa Lei constitui um marco político-institucional, que
respalda a prática da educação ambiental formal e não-formal.

Por imposição da Carta Magna do Brasil, foi promulgada a Lei 9.795


(BRASIL, 1999), que estabelece a Política Nacional de Educação Ambiental. Esta
Lei avança em vários pontos: amplia a definição de educação ambiental para uma
abordagem sistêmica, inclui a educação ambiental como componente da educação
nacional e a definição das políticas públicas por parte do poder público, com a
incorporação da dimensão ambiental, além de fortalecer a educação ambiental no
espaço escolar e propiciar o engajamento da sociedade nos processos de gestão
ambiental.

4. DESAFIOS DA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA

A ideologia neoliberal apresentou a educação, juntamente com a saúde, e a


segurança como prioridades do Estado, que seria reduzido para atender a esses
setores com maior eficiência e eficácia. Foi um engodo, pois presencia-se, ainda, um
processo de desmantelamento das estruturas estatais, e os setores considerados
prioritários continuam sofrendo graves problemas estruturais. No Brasil, juntamente
com outros adeptos latino-americanos do neoliberalismo, a situação é ainda mais
grave, porque, além de se diminuir a qualidade dos serviços públicos, vendeu-se
quase todo o patrimônio e não foram atendidos os anseios do povo.

Observa-se que não há um projeto neoliberal, existe um anteprojeto intervencionista.


O neoliberalismo não traz estratégias de construção, do que fazer, pois é uma estratégia de
desconstrução, que desfaz o Estado. Depois do fracasso do neoliberalismo, vive-se
atualmente uma nova crise: o que fazer para reconstruir o que foi destruído? Não há
fórmulas prontas, o Estado tem que fazer fazer, incitando os atores sociais que podem fazer,
criando incentivos fiscais para atrair investidores. Não se pode pensar este momento sem a
presença de um Estado forte, que deve continuar regulando – mediando nas áreas onde o
mercado regula e nas áreas prioritárias, estabelecidas pelo conjunto da sociedade. Conforme
assinala Anderson (1995, p. 200): “Para isto se precisa de um Estado duro e disciplinado,
capaz de romper a resistência dos privilegiados e bloquear a fuga dos capitais que qualquer
reforma tributária deflagraria. Todo discurso antiestatista que ignore esta necessidade é
demagógico”.

Diante do crescimento da pressão inter e intranacional, os países tiveram que


mudar suas agendas e esverdear seus programas. Tiveram que se institucionalizar
para atender à demanda das questões ambientais. O ambientalismo surge com uma
amplitude maior do que um movimento social, emerge como um movimento civilizatório.
O meio ambiente passa a ser transversal, não é mais encargo ou responsabilidade
setorial, mas direito e dever de todos, entretanto é problemático em termos de políticas
públicas, porque atinge questões complexas, portanto difíceis de resolver.

A questão ambiental torna-se o ponto motivacional civilizatório, para que,


emergindo da crise que levou à falência geral das instituições, se possa construir uma nova
utopia, que se poderia chamar desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a educação
exerce um papel fundamental, como um processo auxiliar da gestão ambiental.

A crise é promotora de riscos mas, simultaneamente, gera oportunidades,


impulsiona o surgimento do novo, da invenção, abre-se à perspectiva da ousadia.
Historicamente, passou-se por momentos cíclicos de euforia e de depressão, e
assim é a construção civilizacional. Agora, vive-se um novo período de instabilidade,
de incerteza em todas as dimensões que, consequentemente, afeta também as
políticas educacionais. O que fazer depois do fracasso do neoliberalismo? Quais os
desafios da educação contemporânea?

Para Morin (1999) a compartimentação do conhecimento impede a


contextualização e a globalização, e estas são condições essenciais para
compreender o mundo contemporâneo. A fragmentação do conhecimento é um dos
grandes entraves não só da educação, mas da ciência como um todo. Se, por um
lado, a especialização abstraiu, quebrou a sistemicidade e a multidimensionalidade
dos fenômenos, por outro, permitiu que os especialistas tivessem sucesso em seus
compartimentos. Entretanto essa visão determinista, mecanicista, quantitativa e
formalista ignora, ocultando ou dissolvendo, tudo que é subjetivo, afetivo, livre e
criador, perdendo a noção do todo. Assim, Morin e Kern (1994, p. 137) ressaltam
que “os pensamentos fracionários, que estilhaçam tudo que é global, ignoram por
natureza o complexo antropológico e o contexto planetário. Todavia não basta agitar
a bandeira do global: é preciso associar os elementos do global numa articulação
organizadora complexa e é preciso contextualizar esse mesmo global.”

É preciso algo inovador, que recomponha o conhecimento historicamente


fragmentado; que repense o pensamento de uma forma integradora, reconhecendo a
parte sem desconsiderar o todo; que respeite o diferente, sem deixar de reconhecer o
igual. A solução apontada por Morin e Kern (1994) é uma reforma de pensamento,
que comporte o desenvolvimento da contextualização do conhecimento, mas que
pede, como condição essencial, a complexificação do conhecimento.

Naturalmente ainda há muita resistência à complexificação do


conhecimento, o que é compreensível, pois a tendência à compartimentação ainda é
muito forte na estrutura do saber. Observam-se cursos, programas, atividades e
projetos que têm uma proposta interdisciplinar, com dificuldades de efetivação,
repetindo, muitas vezes, a mesma lógica compartimentada. Não foram atingidos
estágios básicos como a interdisciplinaridade e a multidisciplinaridade, quanto mais
a transdisciplinaridade, fundamental à compreensão do mundo atual.

Morin e Kern (1994) ressaltam que o problema-chave para a reforma de


pensamento está na questão de a racionalidade aberta elaborar um jogo duplo:
manter as regras da lógica clássica, sendo capaz, em alguns casos, de transgredi-
las e retornar. A velha lógica não deve ser descartada, mas integrada em um jogo
complexo. A grande questão é combinar o simples e o complexo.

Para chegar à reforma de pensamento, há vários caminhos que confluem. É


necessário fazê-los confluir, unir os princípios das duas revoluções científicas, as
três teorias - dos sistemas, da cibernética e da informação e as reflexões
epistemológicas de Bachelard, Popper, Holton e Kuhn. Entretanto é evidente que a
reforma de pensamento precisaria de uma reforma de ensino, tal como este
necessitaria da reforma de pensamento.

Todos esses caminhos devem levar a uma questão fundamental, que é a


reforma paradigmática. A reforma do pensamento tem uma consequência direta no
ensino e na pedagogia, e se pode começar pela escola primária e em pequenas
classes, beneficiando-se da maneira natural e espontaneamente complexa do
espírito da criança. Mas há o “paradoxo colocado por Marx (apud MORIN, 1999, p.
34) a respeito da educação: Quem educará os educadores? É preciso que eles
eduquem a si mesmos”. Concorda-se que o processo de organização do outro
passa, primordialmente, por um processo de auto-organização. Todavia, sem
esquecer ou subjugar essa premissa básica, entende-se que a educação é um
processo bigeracional, assim, a primeira ação efetiva deve ser a formação de
professores e a segunda ação, a formação dos alunos. Os resultados só serão
atingidos em duas gerações, a longo prazo.

Santos (1987) avalia que há um predomínio da dicotomia: o saber científico


e o senso comum; as ciências naturais e as ciências sociais, caracterizando o
paradigma dominante como modelo de racionalidade. Afirma que este modelo é
totalitário, pois nega o caráter racional a todas as formas de saber que não foram
instituídas seguindo suas regras metodológicas e seus fundamentos
epistemológicos. Esta é também uma das grandes dificuldades da educação, romper
essa dicotomia é um desafio para a construção de um novo paradigma. O
paradigma emergente é caracterizado como revalorizante dos estudos humanísticos,
com a transformação das humanidades, do conhecimento indiviso local e total,
visando uma fragmentação temática e não disciplinar.

A solução dos problemas contemporâneos passa pela fusão dos saberes: o


científico mais o senso comum. Por exemplo: como compreender a dinâmica da
floresta, desconsiderando o saber comum local? É preciso reativar os canais de
comunicação entre a ciência pós-moderna e as outras matrizes de racionalidade,
reabilitando o senso comum. Desta forma, o conhecimento se transforma em
sabedoria de vida, enriquecendo o homem.

A busca da lógica da inclusão da dimensão ambiental nas políticas


educacionais do Brasil remonta à própria evolução histórica do papel do Estado,
compreendendo como este ente abstrato chegou à atual configuração institucional,
através de avanços estruturais na economia e no setor social, apesar das ideologias
minimalistas. Agora, com o agravamento dos problemas ambientais, o Estado
assume mais este encargo, juntamente com a sociedade, o de promover a gestão
ambiental que, para atingir seus objetivos, necessita da educação. Então, ressurge a
educação ambiental como uma dimensão do processo educativo, com o objetivo de
propiciar a participação de todos na elaboração de um novo paradigma que atenda
aos anseios populares de uma melhor qualidade de vida socioeconômica e da
reconstrução de um planeta ambientalmente sadio. Nesse sentido, a presença do
Estado, através da implementação de políticas públicas de educação ambiental,
exercendo o seu papel de agente regulador e mediador, possui uma importância
fundamental, pois lança as bases de um novo contrato, com alcance além do
contrato natural, o contrato ambiental.

5. CONCLUSÕES

Esta breve exposição de fatos históricos sobre a origem das políticas


públicas, especificamente na educação, não apresenta soluções mágicas, mas lança
desafios e faz alguns questionamentos. As deduções lógicas apresentadas aqui,
foram fundamentadas no texto e decorrentes da pesquisa. As fases serão expostas
com suas respectivas conclusões.

Quem fará essas reformas, nesta fase de transição para um novo modelo
político-institucional? Como pensar em complexificação e contextualização do
conhecimento, num cenário de desmantelamento do Estado, fragmentação
institucional e crise paradigmática? Será o mercado que implementará essas
reformas? No Brasil, este quadro se agrava, pois, além de todas estas dificuldades,
existem os problemas estruturais na educação ainda não resolvidos, como: falta de
universalização, analfabetismo e evasão escolar, além do equívoco conceitual
premeditado de que a eficiência da educação está atrelada à construção imponente
do prédio escolar, esquecendo-se da qualificação dos professores, com exceção de
alguns Estados.

Em a construção da razão estatizante e a origem da educação como função


do Estado, discutiu-se desde as diferentes fisionomias do Estado até o surgimento
das políticas públicas de educação, inaugurando a ação estatal neste segmento.
Conclui-se que a razão estatizante foi construída historicamente em consonância
com a razão econômica, há uma interdependência entre sistemas políticos e
econômicos. Apesar da educação ter sido incorporada como função estatal desde o
século XIX, pelos países europeus, EUA e Japão, que a universalizaram, no Brasil
há um atraso temporal, pois somente no século XX – década de 30, é que a
educação é institucionalizada - incorporada como função pública, por meio da
criação de um ministério, mas até hoje não universalizou.

Em a crise do Estado moderno e a ambientalização das políticas


educacionais, descreveu-se as diversas análises convergentes quanto a crise do
Estado moderno, com enfoques políticos, econômicos e sociais; e a
institucionalização da dimensão ambiental, por meio de políticas públicas de gestão
e educação ambiental. Conclui-se que a crise do Estado moderno está inserida em
um contexto maior – civilizacional, a crise de valores. A inclusão da dimensão
ambiental nas políticas educacionais do Brasil foi consolidada com a promulgação
da Constituição Federal (BRASIL, 1988), da Lei de Diretrizes e Bases – LDB
(BRASIL, 1996) e da Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999).

Em desafios da educação contemporânea, foram explicitadas as


dificuldades da educação na atualidade, como: a dicotomia – saber científico e
senso comum; e a reforma de pensamento, visando superar a compartimentação e a
dispersão do conhecimento. Conclui-se que, não se pode construir uma nova ciência
mantendo a velha dicotomia: saber científico e senso comum. Não é possível
desenvolver um processo de educação ambiental, sem uma reforma de pensamento
que contemple a complexificação e a contextualização do conhecimento. Entretanto,
estas são mudanças difíceis de implementar pelo quadro atual que se apresenta, de
transição para um novo modelo político e suas sequelas subjacentes, como o
desmantelamento do Estado, fragmentação institucional e crise paradigmática.

Apesar do cenário desanimador e dos grandes desafios a enfrentar, há a


esperança de que o amadurecimento social aconteça logo, para que possam ser
implementadas as reformas tão necessárias à educação, que servirão de suporte
para a construção de um Brasil melhor, mais justo e mais igual.
REFERÊNCIAS

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da educação nacional. Diário Oficial da. República Federativa do Brasil, Brasília,
20 dez. 1996.

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educação ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da. República
Federativa do Brasil, Brasília, 27 abr. 1999.

BRASIL. Lei no 6.938 de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do


Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
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1981.

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Referência do Artigo:

SILVA, Deraldo Antonio Moraes da. Ambientalização das políticas educacionais


no Brasil. In: Identidade Social: revista de segurança pública. Vol. 1, n. 1
(jul./dez. 2004). Salvador: Quarteto, 2004.

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