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SNUFF
ROCCO
Título original
SNUFF
preparação de originais
Amanda Orlando
Sr. 600
Sr. 72
Trazer rosas foi um plano idiota. Sei lá. Assim que você entra, eles lhe
dão um saco de papel pardo com um número entre um e seiscentos escrito
na lateral.
— Ponha suas roupas aí dentro, garoto — dizem, entregando também um
pregador de madeira com o mesmo número escrito com tinta preta. —
Prenda isso no calção. Se perder o número, você não recebe as roupas de
volta.
A coordenadora de elenco tem um cordão com um cronômetro
pendurado no peito, onde o coração dela deveria estar.
Grudado na parede atrás da mesa onde o pessoal se despe, há um cartaz
de papel pardo com a mesma tinta preta, avisando que a produtora não se
responsabiliza pelos pertences de ninguém.
Outro cartaz anuncia: “É proibido usar máscaras.”
Alguns sujeitos põem os sapatos nos sacos, com as meias emboladas
dentro. O cinto bem enrolado e aninhado num dos pés. As calças vão
dobradas, com os vincos retos, por cima de tudo. Eles prendem a camisa
embaixo do queixo, enquanto dobram as mangas, o colarinho e as fraldas
para amarrotar menos. A camiseta também é dobrada. A gravata é enrolada
e enfiada no bolso do paletó. Sujeitos com roupas boas.
Já outros sujeitos arrancam o jeans ou calças de malha, as camisetas ou
suéteres, e deixam as roupas viradas do avesso. Depois tiram as cuecas
úmidas e metem tudo dentro do saco, pondo por cima os tênis fedorentos.
Depois que cada um se despe, a garota do cronômetro põe o saco com a
roupa no chão, perto da parede de concreto.
Todo mundo fica parado ali de calção, segurando carteiras, chaveiros,
celulares e coisas do gênero.
Foi pura burrice minha trazer esse buquê de rosas já quase murchas,
porque é mais um bagulho para segurar.
Enquanto eu desabotoava a camisa, a garota do cronômetro distribuía
sacos de papel. Ela aponta para o meu peito e pergunta:
— Você está planejando usar isso diante da câmera?
Ela está segurando um saco de papel marcado com o número 72. Há um
pregador de roupa preso numa das alças de papelão. Meu número. A garota
do cronômetro aponta um dos dedos para o meu peito como quem aponta
um revólver e diz:
— Isso.
Encolhendo o queixo, eu baixo o olhar até doer, mas só consigo enxergar
o crucifixo na corrente dourada em torno do meu pescoço.
Pergunto se isso é problema. Um crucifixo.
A garota estende o pregador de roupa à frente, abrindo as pontas, e tenta
prender meu mamilo, mas eu recuo. Ela explica:
— Nós fazemos isso há muito tempo. E sabemos que precisamos vigiar
os fanáticos religiosos como você.
Pelo rosto, a garota do cronômetro talvez seja uma estudante de ensino
médio, com mais ou menos a minha idade. Ela conta que para estabelecer o
recorde de 721 atos sexuais da atriz Candy Apples foi usado o mesmo
grupo de cinquenta homens na produção inteira. Isso foi em 1996, e Candy
só parou porque a polícia de Los Angeles invadiu o estúdio e interrompeu a
filmagem.
— Isso é fato — conclui a garota.
Depois ela conta que, quando Annabel Chong estabeleceu o antigo
recorde de 252 atos sexuais, embora oitenta homens tenham se candidatado,
uns 66% deles não conseguiram ficar com o pau suficientemente duro para
fazer o serviço.
Nesse mesmo ano, 1996, Jasmin St. Claire quebrou o recorde de Annabel
com trezentos atos sexuais numa única filmagem. Spantaneeus Xtasy
quebrou o recorde com 551. No ano 2000, a atriz Sabrina Johnson recebeu
dois mil homens, fodendo até ficar tão machucada que a equipe precisou
colocar gelo entre suas pernas enquanto ela chupava o restante do elenco.
Depois que seus cheques de direitos autorais começaram a ser devolvidos,
Sabrina foi a público com a notícia de que seu recorde era uma fraude. No
máximo, ela participara de quinhentos atos sexuais, e apenas trinta e sete
homens haviam comparecido ao teste de elenco, em vez de dois mil.
A garota do cronômetro aponta para o crucifixo dizendo.
— Não tente salvar a alma de ninguém aqui.
O próximo sujeito na mesa tira uma camiseta preta. A cabeça, o peito e
os braços exibem um bronzeado uniforme. Ele tem um anel dourado num
dos mamilos. Os pelos do peito parecem achatados, todos aparados do
mesmo tamanho curto. Olhando para mim, ele diz:
— Ei, carinha... não salve a alma dela antes que eles façam um close
meu, tá legal?
E dá uma piscadela tão grande que metade do rosto se enruga em torno
do olho. Ele tem cílios suficientemente longos para levantar uma brisa.
De perto, dá para ver que ele passou uma camada de maquiagem rosada
na testa e nas bochechas. Há três tons de base marrom acumulada nos pés
de galinha em torno dos seus olhos. Enfiado embaixo do braço, entre o
cotovelo e as costelas bronzeadas, o sujeito segura um troço branco. Talvez
sejam mais roupas.
Do outro lado da mesa, a garota do cronômetro vira a cabeça para olhar
nas duas direções, e depois enfia a mão no bolso dianteiro da jaqueta,
perguntando para mim:
— Ei, pastor, quer comprar uma garantia?
Ela mostra um frasco pequeno, da largura de um tubo de ensaio, mas
mais curto, e chacoalha as pílulas azuis que estão lá dentro.
— Dez paus cada. — A garota do cronômetro chacoalha as pílulas azuis
ao lado do rosto. — Para você não fazer parte daqueles 66%.
Para o sujeito de maquiagem, ela entrega um saco com o número “137”,
perguntando:
— Você poderia colocar o urso de pelúcia dentro do saco?
A garota do cronômetro meneia a cabeça na direção do troço branco
embaixo do cotovelo do sujeito. Mais que depressa, o Número 137 estende
a coisa à frente.
— O Mister Toto não é uma coisa vulgar feito um urso de pelúcia... ele é
um caçador de autógrafos. — Ele beija o troço. — Você não acreditaria na
idade que ele tem.
O bicho é feito de lona branca costurada: um corpo de cachorro em forma
de salsicha, com quatro pernas troncudas se projetando para baixo.
Costurada no topo, uma cabeça de cachorro com olhos feitos de botões
pretos e orelhas molengas de lona. Letras se apinham por toda a lona
branca, escritas com canetas azuis, pretas e vermelhas. Algumas são letras
tortas, outras são de forma. Algumas têm datas. Números. Um dia, mês e
ano. O cachorro fica com uma mancha vermelha no lugar em que o sujeito
beijou.
Ele ampara o cachorro na dobra do cotovelo, tal como se ampara um
bebê. Com a outra mão, aponta para as letras escritas. Assinaturas.
Autógrafos. Carol Channing, mostra ele para nós. Bette Midler. Debbie
Reynolds. Carole Baker. Tina Turner.
— O Mister Toto é mais velho do que eu jamais admitiria ser — diz o
sujeito.
Ainda segurando o frasco de pílulas azuis, a garota do cronômetro
indaga:
— Você quer que a Cassie Wright autografe o seu cachorro?
O Número 137 nos informa que Cassie Wright é sua estrela adulta
favorita. O nível do trabalho dela está muito acima de qualquer outro.
Ele conta que Cassie Wright passou seis meses seguindo uma
endocrinologista, aprendendo as tarefas dela, estudando o comportamento e
a linguagem corporal, antes de interpretar uma médica no inovador filme
adulto Plantão médico pelos fundos. Cassie Wright fez uma pesquisa de
seis meses, escrevendo para sobreviventes e estudando documentos de
tribunal, antes de pôr os pés no set de filmagem do megaépico filme adulto
Titanic pelos fundos. A única frase de Cassie Wright, “Essa embarcação não
é a única que vai se abrir toda hoje à noite”, era falada com um certeiro
sotaque do Oeste da Irlanda, ilustrando com perfeição o ardor da suruba
geral em que o convés deve ter se transformado nos últimos instantes do
pior desastre naval da humanidade.
— Na cena lésbica com as duas fogosas assistentes de laboratório em
Plantão médico, é óbvio que Cassie Wright é a única participante que sabe
manipular corretamente um espéculo — lembra o Número 137.
Ele conta que os críticos deliraram, justificadamente, com a interpretação
dela no papel de Mary Todd Lincoln no épico da Guerra Civil Ford a porta
dos fundos do teatro. Mais tarde relançado como Camarote particular. Mais
tarde ainda, relançado como Camarote presidencial. E que, na cena em que
transa com John Wilkes Booth e o Honesto Abe Lincoln ao mesmo tempo,
Cassie Wright faz a história americana voltar verdadeiramente à vida,
graças à pesquisa que realizou.
Ainda amparando o cachorro de lona, com o mamilo de anel dourado
encostado nos olhos de botões pretos, o Número 137 pergunta:
— Quanto custam as suas pílulas?
— Dez paus — diz a garota do cronômetro.
— Não — recusa o sujeito, enfiando o cachorro de volta embaixo do
braço e tirando uma carteira do bolso traseiro da calça. Ele pega vinte,
quarenta, cem dólares. — Quero saber quanto custa o frasco inteiro.
— Vire para cá, que eu escrevo o número no seu braço — pede a garota
do cronômetro.
O Número 137 pisca para mim outra vez, com o olho grande parecendo
maior ainda dentro daquela base marrom, e comenta:
— Você trouxe rosas. Quanta doçura...
3
Sr. 137
Sheila
O suor se acumula.
O suor empoça, formando pálidas bolhas dentro das minhas duas
camadas de luvas de látex. Peguei emprestada uma antiga precaução do
pornô gay: você usa uma camisinha azul por dentro de uma camisinha
rosada comum, e, assim, se o pau ficar azulado ao fazer sexo anal, dá para
perceber que a camisinha de fora estourou. Uma garantia. Isso é fato. Ao
usar luvas rosadas por cima de luvas azuis, eu sinto calor nos dedos, que
latejam a cada batida do meu coração. O suor se acumula em bolhas que
deslizam por baixo da minha pele de látex, unindo-se e fundindo-se a outras
bolhas de suor. Crescendo. Gordos calombos de suor surgem na palma das
minhas mãos. O suor escorre sobre ajunta dos meus dedos por dentro do
látex, avolumando a ponta, que parece inchada e macia. Dormente.
Eu não sinto coisa alguma. Só meu próprio pulso, e o suor que desliza
por dentro da minha pele.
O látex está manchado por esse bronzeador marrom de merda.
Alaranjado por poeira de batata frita ou embranquecido por açúcar em pó e
cocaína. Avermelhado por dinheiro manchado de ketchup ou sangue.
Dá para sentir outras bolhas. Às vezes, minha mão se curva em torno de
uma esferográfica, ou meus dedos pegam um dólar. Então outras bolhas
escorrem de volta para o punho das luvas, estourando em cima do meu
antebraço, quente e molhado. O filete de suor já está frio quando começa a
pingar dos meus cotovelos.
Um bundão segura uma nota de cinquenta pelas pontas. Suas mãos
esticam bruscamente a nota duas vezes, fazendo uma espécie de estalido.
Depois o bundão repete a coisa. Ele está tão perto que a cabeça gotejante do
seu pau encosta no meu quadril. Suave feito um beijo. Um aríete diminuto.
Depois de mais dois estalidos, eu olho para ele, recuando.
E baixo o olhar para o reluzente fio que se estende entre a perna da minha
calça jeans azul e a cabeça do pau dele.
O bundão coloca a nota de cinquenta na minha prancheta, dizendo:
— Escute aqui, gata. Eu só tenho uma hora para almoçar. Meu patrão já
vai me matar...
Eu dou de ombros, enxugando meus cotovelos molhados na cintura já
manchada de suor da camiseta.
O que está em jogo aqui hoje é uma questão de livre-arbítrio.
Devemos permitir que indivíduos adultos tomem suas próprias decisões
em termos jurídicos?
Esses bundões. Esses punheteiros. Basta um olhar para ler a mente deles.
Por exemplo: aquele garoto com a braçada de rosas. Ele se imagina uma
espécie de Príncipe Valente. Aparece aqui hoje para salvar Cassie Wright de
uma vida inteira tragicamente composta por escolhas ruins. Tem metade da
idade dela. Acha que com um beijo ela vai despertar e chorar de gratidão.
É preciso ficar de olho nesses fracassados.
Desde o primeiro recorde de Annabel Chong, a regra do sexo em série é
que todos os homens precisam aguardar de pau para fora, nus. O medo de
Annabel era que aparecesse algum maluco com uma arma ou faca. Algum
fanático, ouvindo ordens diretamente de Deus, poderia responder ao
anúncio de elenco e assassinar Annabel. Isso é fato. Portanto, todos os
seiscentos panacas precisam ficar ali quase de bunda de fora.
O que está em jogo aqui hoje é uma questão de livre-comércio.
Devemos restringir a capacidade do indivíduo de gerar renda e exercer
poder pessoal?
Devemos restringir o comportamento das pessoas para impedir que elas
saiam machucadas? Mas e os pilotos de carros de corrida? Ou os peões de
rodeio?
Esses estranguladores de frangos. Nem se deram ao trabalho de ler
alguma teoria feminista além daquela baboseira ultrapassada de Andrea
Dworkin. Nada sexo positivo. Nada segundo as linhas de Naomi Wolf. Eu
gozo, logo existo... Não. A mulher pode ser uma concubina para foder ou
uma donzela para salvar, mas nunca deixa de ser um objeto passivo para
realizar o objetivo de um homem.
Esses ordenhadores de macacos. Um deles ergue o indicador e o dedo
central, acenando para mim como se chamasse o garçom num restaurante.
Meu olhar cruza com o dele, e eu vou até lá. O fracassado ergue a outra
mão, abrindo os dedos para mostrar uma nota de cinquenta dobrada ali. O
dinheiro está tão coberto de manteiga de pipoca que parece translúcido.
Úmido de água engarrafada. Manchado de batom vermelho num dos cantos.
O fracassado coloca a nota na minha prancheta, dizendo:
— Se você conferir a sua lista, meu bem, vai ver que eu sou o próximo...
Dinheiro de propina.
Pela versão oficial, nós temos um gerador aleatório de números. Vai para
o cenário o número que aparecer, seja qual for.
Eu puxo do bolso traseiro a caneta fluorescente. Traço uma linha na nota
para testar se não é falsa. Uso a luz projetada por um monitor para ver se há
uma faixa metálica magnética passando pela nota. Por trás do dinheiro, a
bunda de Cassie Wright se contorce lá no filme.
Enfiando a nota embaixo da primeira folha de nomes, eu anoto o número
do fracassado. Batedor de carne 573. Achatado sob a folha, dá para sentir
um grosso maço de notas de cinquenta ou vinte. E duas de cem. Um gordo
colchão de grana.
Na minha opinião, o que Annabel Chong fazia melhor era controlar
multidões. Foi ideia dela trazer os homens para o cenário em grupos de
cinco. Entre os cinco, o primeiro homem a ter uma ereção era o que
conseguia comer Annabel. Cada grupo permanecia dez minutos no cenário,
e quem conseguisse podia ejacular. Mesmo que alguns homens nunca
ficassem de pau duro ou tocassem em Annabel, todos eram contados para o
recorde total de 251.
O toque genial foi transformar aquilo numa competição. Uma corrida
pela ereção. Além disso, há estudos mostrando que a contagem de
espermatozoides sempre sobe quando alguns machos são agrupados antes
de um ato sexual. Esses estudos se baseiam em fazendas produtoras de leite,
onde os touros são agrupados perto de uma vaca fértil. A colheita resultante
sempre produz volumes maiores de sêmen viável. A base da pelve sofre
convulsões mais fortes, maximizando a altura e a distância do fluido
seminal expelido.
A ciência por trás de uma boa gozada.
Aumento da tensão de superfície e da afinidade. Viscosidade mais alta. A
física de uma gozada na cara.
Um imperativo biológico, só que melhor. Basear o cinema pornô em
procedimentos modernos da produção leiteira. Segredos comerciais que
podem destruir o romantismo de qualquer boa suruba.
Isso é fato.
Quer dragar das profundezas todos os fracassados e tarados com
problemas de intimidade, homens com pavor de rejeição e completamente
incapazes de se expor? Quer um corte transverso desses habitantes das
trevas? Basta publicar uns dois anúncios procurando participantes
masculinos para um filme de suruba.
Segundo a antropóloga britânica Catherine Blackledge, o feto humano
começa a se masturbar no útero um mês antes de nascer. Na trigésima
segunda semana, aquela ondulação, aquele tremor dentro do útero não é um
chute do bebê. O sacaninha começa a bater bronha no terceiro trimestre, e
nunca mais para.
Foi essa turma de punheteiros, de puxadores de salsicha, que matou a
Betamax da Sony. Eles decidiram que o VHS era melhor que a tecnologia
Beta. Trouxeram para suas casas a primeira geração da internet, que era
bastante cara. Tornaram a Rede possível. Tudo com seu dinheiro solitário
pago aos provedores. Foi a aquisição de pornô on-line que gerou a
tecnologia de compras, com toda a segurança antivírus que permite a
existência do eBay e da Amazon.
Esses gozadores solitários, votando com seus paus, decidiram que Blu-
ray era melhor que HD para dominar a tecnologia mundial de alta definição.
“Primeiros a adotar” é o nome que a indústria de bens eletrônicos dá a
eles. Com sua solidão patológica. Sua incapacidade de formar laços
emocionais.
Isso é fato.
Esses punheteiros lideram o restante de nós. O que eles curtem é que
decide aquilo que os seus milhões de crianças vão querer no próximo Natal.
Do outro lado da sala, mais um fracassado atrai a minha atenção com o
braço erguido, agitando no ar entre dois dedos uma nota de cinquenta.
Se você quisesse falar de uma terceira onda feminista, poderia citar Ariel
Levy e a ideia de que as mulheres já internalizaram a opressão masculina.
Passar as férias de primavera em Fort Lauderdale, tomar um porre e colocar
os peitos para fora não é um ato de libertação pessoal. É você, tão formada
e programada pelos construtos da sociedade patriarcal, que já nem sabe o
que é melhor para si mesma.
Uma donzela burra demais até para saber que está em perigo.
Você poderia citar Annabel Chong, cujo nome verdadeiro é Grace Quek,
que estabeleceu aquele primeiro recorde mundial fodendo com 251
fracassados porque queria, ao menos uma vez, que uma mulher fosse “o
garanhão”. Porque ela adorava sexo e estava farta de ver as teorias
feministas retratarem as participantes do cinema pornô como idiotas ou
vítimas. No início da década de setenta, Linda Lovelace já apresentava
exatamente as mesmas razões filosóficas por trás do seu trabalho em
Garganta profunda.
E a última coisa em jogo aqui hoje é o crescimento pessoal.
Devemos respeitar o direito individual de procurar desafios e revelar
potenciais? Em que participar de uma suruba é diferente de arriscar a vida
escalando o Everest? O sexo pode ser aceito como uma forma viável de
terapia emocional?
Só mais tarde veio a público que Linda Lovelace fora violentada e
mantida como refém. E que, antes de virar uma estrela pornô, Grace Quek
havia sido estuprada em Londres por quatro homens e um garoto de doze
anos.
Os primeiros a adotar adoram Annabel Chong. Os danificados adoram os
danificados.
Isso é fato.
Enquanto conto o dinheiro que acolchoa a lista de nomes, o látex na
ponta dos meus dedos torna-se preto devido ao contato com as cédulas.
Outro fracassado avança até seu pau quase encostar em mim. Ele pergunta
onde estão as camisetas. Vai ao meu lado enquanto cruzo o piso de
concreto, passo a passo, sempre junto ao meu cotovelo.
— Trinta dólares em dinheiro vivo — eu informo ao homem.
Ele terá chance de comprar uma camiseta ao deixar o prédio. Os bonés de
suvenir custam mais vinte pratas. Já para reservar uma cópia autografada do
filme, estamos falando de 150 paus.
Cassie Wright já assinou as capas, ou as folhas para enfiar dentro das
caixas, caso seja estrangulada pelo batedor de carne 573 por ordem de
Deus. Ou sofra um derrame enviado por Ele. Ou seja vítima de um
terremoto. Ou um tsunami.
Outra última coisa em jogo aqui hoje é a realidade.
O que você faz quando toda a sua identidade é destruída
instantaneamente? Como reagir quando toda a sua história de vida se revela
errada?
O suor se acumula dentro das minhas luvas, que continuam rosadas, de
modo que as duas camadas de látex ainda estão intactas. Meus dedos estão
enrugados feito ameixas por ficarem submersos por tanto tempo. A pele
parece manchada e velha. Minhas defesas continuam intactas. Eu estou
segura e limpa, mas não sinto coisa alguma. Sou velha demais para o resto
de mim, que só tem vinte anos.
Do outro lado da sala, à luz de uma dúzia de filmes pornôs, outro par de
dedos acena. As juntas peludas e curvadas querem que eu vá até lá. Há mais
dinheiro de propina, dobrado e escondido na mão fechada.
5
Sr. 600
Sr. 72
Sr. 137
Sheila
Na primeira vez que abordei Cassie Wright, eu perguntei o que ela podia
me falar sobre uma imperatriz romana chamada Messalina.
Nosso encontro cara a cara foi num café. Ficamos bebendo cappuccinos
enquanto nossos joelhos se esbarravam embaixo de uma mesa de mármore
diminuta. Cassie Wright sentou de lado para poder olhar pela janela, com as
pernas cruzadas na altura dos joelhos. Dizem que isso provoca varizes. Mas
seus olhos não seguiam os passantes. Tampouco observavam os cães nas
coleiras, ou os bebês em carrinhos. Sem olhar para mim, Cassie perguntou
se eu já ouvira falar de uma atriz chamada Norma Talmadge.
Ou Vilma Bánky? John Gilbert? Karl Dane ou Emil Jannings?
Com os cílios falsos realçados por rímel, sem piscar, Cassie Wright
contou que Norma Talmadge era uma estrela do cinema mudo. A maior
bilheteria de 1923. Recebia três mil cartas de fãs por semana. Em 1927,
essa tal de Norma pisou por acidente num trecho de cimento úmido na
frente do Grauman’s Chinese Theater, inaugurando a era das marcas de pés
e mãos deixadas por astros de cinema.
Cerca de dois anos após o episódio do concreto, Hollywood começou a
fazer filmes sonoros. Norma Talmadge trabalhou um ano com um
especialista vocal, mas continuava soltando ganidos do Brooklyn quando
abria a matraca. O principal astro hollywoodiano, John Gilbert, pronunciava
suas falas guinchando feito um canário. Já Mary Pickford, que só
representava meninas e moças, falava grosso como um caminhoneiro. Os
diálogos de Vilma Bánky se perdiam devido ao sotaque húngaro. Os de
Emil Jannings também, só que devido ao sotaque alemão. Já os de Karl
Dane se afogavam no pesado sotaque dinamarquês.
Lá fora escurecia por causa de algumas nuvens baixas. O toldo sobre a
janela do café também não ajudava. Cassie Wright ficou sentada, absorta no
reflexo de seus olhos e lábios na vidraça, e disse:
— John Gilbert nunca mais fez outro filme. Ele bebeu até morrer aos 37
anos. Karl Dane se matou com um tiro.
Todos esses astros, os atores mais poderosos do cinema, desapareceram
num instante.
Fato real.
Aquilo que o cinema sonoro fizera com as carreiras deles, explicou
Cassie Wright, a alta definição estava fazendo com uma nova geração de
atores. Dando informação demais. Uma overdose de realidade. A
maquiagem de cena já não aparentava ser pele. Batom parecia graxa
vermelha. Base virava uma camada de gesso. Arranhões de navalha e pelos
encravados passavam por lepra.
Tanto no caso de os astros machões que se revelam bichas, como no de
atores de filmes mudos cujas vozes parecem horríveis quando gravadas, o
público só quer uma quantidade limitada de honestidade.
Fato real.
No ano anterior, só um roteiro fora oferecido a Cassie Wright. Era um
musical de baixo orçamento: um filme fetichista, baseado no clássico de
Judy Garland e Vincent Minnelli sobre uma doce moça inocente que vai
para a Feira Mundial e se apaixona por um belo rapaz sádico. Intitulado
Agora treparemos felizes.
Cassie Wright aprendeu as canções e tudo. Fez aulas de dança. Mas
nunca foi chamada para um segundo teste.
Ela olha pela janela, inclinando a cabeça um pouco para cima como que
em direção a um refletor, e fecha os olhos brevemente. Com a voz de quem
sussurra uma cantiga de ninar, cantarola:
— I got bang, bang, banged on the trolley...
Seus olhos se abrem, e a voz se perde. Cassie Wright engole em seco,
inclina o corpo para o lado, mete a mão dentro da bolsa no chão e tira um
par de óculos escuros, que põe no rosto.
Ela continua com o olhar perdido voltado para a janela do café, sem ver
os carros passando na rua ou os transeuntes andando na calçada. Um
infindável cortejo de figurantes. Personagens anônimos abrindo guarda-
chuvas ou segurando jornais para proteger o cabelo. Ainda sem ver tudo
isso, Cassie Wright pergunta:
— Mas então... qual é a sua grande ideia?
Minha jogada. Por que eu ando telefonando para o seu agente? Telefonei
para cada produtora em que ela trabalhou nos últimos cinco anos. Escrevi
cartas. Por que fiquei insistindo que eu não era uma tarada? Uma babaca
qualquer.
Eu perguntei se ela sabia que Adolf Hitler inventou a boneca sexual
inflável?
E os óculos escuros de Cassie Wright se viraram para mim.
Durante a Primeira Guerra Mundial, eu contei a ela, Hitler trabalhou
como estafeta, entregando mensagens entre as trincheiras alemãs, e ficou
enojado ao ver seus colegas soldados visitando os bordéis franceses. Para
manter a pureza do sangue ariano e impedir a proliferação de doenças
venéreas, ele encomendou uma boneca inflável que as tropas nazistas
pudessem levar para a batalha. O próprio Hitler desenhou o modelo, com
cabelos louros e seios fartos. O bombardeio aliado sobre Dresden destruiu a
fábrica antes que as bonecas fossem amplamente distribuídas.
Fato real.
As sobrancelhas depiladas de Cassie Wright se arqueiam, aparecendo
acima dos óculos escuros. As lentes negras refletem a minha imagem. E
refletem a borda de papel do copo de café dela, manchada de batom
vermelho. Os lábios dizem:
— Sabia que eu sou mãe?
Nas lentes dos óculos eu estou com um conjunto de tweed. Meus dedos
puxam a trava e eu abro a maleta, inclinando o corpo à frente. Meu cabelo
está preso num coque francês.
Para a minha jogada, eu planejava desenvolver um projeto baseado
naquela primeira boneca sexual. Explorar o ângulo nazista. Explorar o
aspecto histórico. Alinhavar uma história com autêntico valor educacional.
Os lábios de Cassie Wright prosseguem:
— Pois é, tive um bebê quando eu tinha mais ou menos a idade que você
tem agora.
Se esse projeto da boneca sexual de Hitler for realizado da maneira
correta, eu digo, o tal bebê receberá uma montanha de dinheiro. Seja quem
for que o bebê tenha virado, Cassie Wright poderá lhe proporcionar
dinheiro para estudar numa faculdade, dar entrada numa casa e investir num
negócio próprio. Seja quem for que o bebê tenha virado, será simplesmente
forçado a amar Cassie.
Ela vira o rosto a fim de olhar para si mesma, refletida na janela. Nos
reflexos dos reflexos dos reflexos, entre a janela e os óculos escuros, as
muitas imagens de Cassie Wright vão ficando cada vez menores, até
desaparecerem no infinito.
Na escola religiosa que frequentou quando criança, conta ela, todas as
meninas precisavam usar um lenço amarrado para tapar as orelhas o tempo
todo. Isso se baseava na ideia bíblica de que a Virgem Maria engravidou
quando o Espírito Santo sussurrou no seu ouvido. A ideia de que as orelhas
eram vaginas. De que, ao ouvir uma única ideia errada, a inocência era
perdida. Um detalhe a mais e tudo estaria arruinado. A pessoa teria uma
overdose de informação.
Fato real.
A ideia errada poderia se enraizar e crescer dentro das pessoas.
Os óculos escuros de Cassie Wright me refletiam abrindo uma pasta de
papel. Tirando um contrato. Destampando e estendendo uma caneta sobre a
mesa. Meu rosto relaxado e confiante. Meus próprios olhos sem piscar. Meu
conjunto de tweed.
— Esse cheiro é do xampu 100 Carícias? — dizem os lábios de Cassie,
sorrindo. — Quem foi que...
A imperatriz romana Messalina.
— Messalina — repetiu Cassie Wright, pegando a caneta.
9
Sr. 600
O Garoto 72 é bem fácil de achar, agora que seu buquê de rosas começa a
se desmanchar, largando uma trilha de pétalas murchas por onde ele anda na
sala. As pétalas de rosas brancas seguem o Cara 72, que persegue Sheila,
perguntando:
— Posso ir logo?
Ele olha para as flores que tem nas mãos e diz:
— É verdade?
Depois insiste:
— Você acha que ela vai morrer?
O Cara 137, da televisão, por sua vez, diz:
— Pois é, minha jovem, quando nós poderemos ver o corpo?
— Tu num é engraçado — resmunga o Garoto 72.
— Por que Cassie Wright quereria morrer? — quer saber a gata Sheila.
Seiscentos de nós esperando numa sala e respirando o mesmo ar pela
terceira ou quarta vez. Quase já não há oxigênio aqui, somente o fedor
adocicado de laquê. Água de colônia Stetson. Old Spice. Polo. A fumaça
azeda de maconha que sai de pequenos cachimbos de vidro. Há caras
parados junto ao bufê, farejando o cheiro doce de roscas polvilhadas,
tortilhas com queijo e manteiga de amendoim. Há caras engolindo e
peidando ao mesmo tempo. Com as tripas arrotando bolhas gasosas de café
preto. Respirando com a boca cheia de chiclete Juicy Fruit, goma de mascar
rosada ou pipoca amanteigada. Há também o fedor químico do gordo
marcador de feltro preto de Sheila. E o cheiro das sobras do buquê de rosas
do garoto.
Os pés descalços de algum cara fazem lembrar um odor de vestiário, e
nós respiramos esse cheiro como se fosse o de alguns queijos franceses, que
parecem o chulé daqueles tênis que usamos o ano inteiro sem lavar nas
aulas de educação física durante o ensino médio.
Cuervo passou tanto bronzeador que seus braços grudam nos músculos
laterais do peito. Os pés grudam no piso de concreto. Quando ele dá um
passo, a pele parece ser descascada do chão, fazendo o barulho de um
esparadrapo ao ser arrancado.
No único banheiro que temos, compartilhado por seiscentos caras, o piso
está tão inundado de mijo que o pessoal fica no umbral, tentando acertar a
pia ou o vaso dali mesmo. O fedor que exala daquela porta é tão ruim
quanto qualquer passo escorregadio que uma pessoa já tenha dado ao ar
livre, sabendo que é uma cagada antes mesmo de sentir o cheiro da bosta de
cachorro que será preciso escavar da sola do sapato.
Cuervo ergue o braço, fazendo aquele barulho de esparadrapo quando a
pele coberta de bronzeador se estica. Ele enfia a cabeça embaixo do
cotovelo e fareja o sovaco, dizendo:
— Devia ter trazido mais água de colônia.
Do Garoto 72 vem um cheiro verde de desodorante. Com um travo de
hortelã de antisséptico bucal.
Só para provocar o Cara 137, eu pergunto se esta será sua estreia diante
das câmeras.
O Cara 137 abana a cabeça, exalando cheiro de cigarro. Junto com isso,
vem o aroma do urso de pelúcia ensopado pelo suor do seu sovaco.
Eu falo para o cara pegar leve com as pílulas de tesão. Já tem gente do
outro lado da sala olhando para cá e apostando quanto tempo vai demorar
para que ele seja derrubado por um enfarte. O cara devia ver como seu rosto
está vermelho, com as veias na testa tão inchadas que parecem raios. Ou
isso, digo, ou é melhor ele também entrar no bolão e apostar num número
qualquer. Pelo menos assim vai ganhar alguma grana quando sofrer a
overdose.
— Por que uma estrela como Cassie Wright quereria se matar? — repete
o Garoto 72.
Talvez pela mesma razão que levou a superestrela Megan Leigh a rodar
mais de 54 filmes em três anos, e depois comprar uma mansão de meio
milhão de dólares para sua mãe. Só então a estrela de Ali Babá e as
quarenta devassas e Robocorno deu um tiro na própria cabeça.
Não existe um só jovem vivo que não sonhe em recompensar ou punir os
pais.
É por isso que o lendário garanhão Cal Jammer parou sob a chuva diante
da garagem da ex-esposa e deu um tiro na própria boca.
É por isso que a rainha da xota Shauna Grant morreu na ponta de seu
próprio rifle calibre 22. E porque certa noite Shannon Wilsey, a loura rainha
do pornô conhecida como “Savannah”, foi até a garagem e enfiou uma bala
na cabeça. Eu aposto na ideia de que Cassie Wright quer garantir o futuro
de algum bebê que ela teve há muito tempo. Se ela bater as botas hoje,
depois de quebrar esse recorde, a renda constante dos direitos de Terceira
guerra da bacanal, de suas camisetas, de sua lingerie e de seus brinquedos,
para não falar de todos os títulos na sua filmografia, tornará essa criança
outrora perdida... rica pra cacete. Tão rica que poderá perdoar a velha
Cassie. Por ter engravidado daquela maneira. Por ter doado o bebê. Isso, e
mais todo jeito fodido, cagado, triste e desperdiçado com que a velha Cassie
viveu e morreu.
Se fizer penitência com seiscentos caras, Cassie Wright será perdoada.
Eu, pessoalmente, conto ao Cara 137 que estou acrescentando um lema
gravado aos meus paus artificiais. Em alto-relevo ao redor da base, a
inscrição dirá: “O pau que matou Cassie Wright...” Será na parte mais
grossa, de forma que, se for torcido, as letras estimularão o clitóris.
— Você tem um pênis artificial? — pergunta o Cara 137. Sinto no seu
hálito um traço de birita. Além daquele cheiro de cera de vela que todo
batom tem. O cara usa gloss colorido nos lábios.
Bom pra cacete, falo pra ele. Um pau em seis cores diferentes, um
tampão de bunda e um cacetão com duas cabeças. Além disso, ando
desenvolvendo uma boneca inflável em tamanho natural.
— Você deve ter muito orgulho disso — comenta o Cara 137.
Digo a ele que antigamente eu vendia dez mil unidades por mês. Minha
comissão era 10% do preço de venda. Outros caras, como, por exemplo,
Cuervo, acrescentam alguns centímetros ao seu produto. Cuervo pode até
começar com um molde real, mas o que acaba chegando às prateleiras é
mais comprido e grosso do que ele jamais sonharia em atingir. Cuervo
chama isso de “licença artística”, mas é propaganda enganosa. De que vale
dizer que um produto é fiel à realidade quando não é?
O Garoto 72 fica parado ali, com as pétalas caindo das suas flores. Com
os dedos da outra mão, ele esfrega a pequena cruz de prata que pende da
corrente em torno do seu pescoço.
Toda vez que eu respiro, sinto o medalhão de ouro que Cassie me deu ser
apertado entre os meus peitorais. Dentro do pequeno coração de ouro
chacoalha a pílula. O ouro já está grudento devido ao sangue do meu
mamilo.
— Aquele ali é mesmo o Cord Cuervo? — O Cara 137 estreita os olhos
para espiar em meio ao nevoeiro formado por água de colônia e fumaça de
maconha. — O astro de Perverso tesão e A importância de comer
prudente?
— Além de O boquete de Lady Windermere — acrescento, balançando a
cabeça. Todos projetos de classe, intelectualizados. Faço um aceno para
Cord, e ele acena de volta.
Número 49. Número 567. Número 278. Cada cara que Sheila chama pega
o saco com suas roupas e segue atrás dela escada acima. Ninguém, exceto
Sheila, sai de lá. Aposto que, quando eles acabam, são levados até a saída
por outra porta. Para evitar que alguém volte aqui e nos conte o que esperar.
A definição jurídica de suruba é “instâncias de sexo”, abrangendo qualquer
buraco (a boceta, o cu ou a boca dela) e qualquer instrumento (seu pau, seu
dedo ou sua língua), por um minuto, no mínimo. Se você segue Sheila por
aquela porta, um minuto depois está tudo acabado. Gozando ou não, você
vai se ver despido e empurrado pela saída de incêndio, botando as calças na
viela dos fundos.
— Que visão patética — diz o Cara 137, ainda espiando Cord do outro
lado. Ele meneia a cabeça para Beamer Bushmills e Bark Bailey. —
Imagine um sujeito que conseguisse manter uma mentalidade virginal,
devotando sua vida a erguer pesos e ejacular na hora certa... Ele
permaneceria agressivamente retardado e preso a valores pré-adolescentes.
Até que um dia acordaria e veria que virou um pobre coitado de meia-idade,
flácido e pelancudo...
Juro que o cara olha bem para mim quando fala “pobre coitado”, mas
talvez estivesse simplesmente olhando para mim. Acho que poderiam
acontecer coisas piores. O sujeito poderia acabar escalado para duas
temporadas num seriado televisivo de sucesso em horário nobre, e depois
perder o papel por causa de algum escândalo sexual cabeludo. Mais tarde,
poderia descobrir que ficou tão marcado pelo personagem do programa
antigo (possivelmente um detetive particular amalucado) que jamais
arrumará um trabalho decente como ator no restante da sua carreira. Digo
que isso, sim, seria uma autêntica tragédia.
E eu falo para o Cara 137 que, caso ele queira cobrir o trecho calvo na
sua cabeça, tenho no meu saco um spray que pode funcionar. Apontando
com o dedão do pé (sempre uso sandálias Havaianas quando vou filmar),
mostro a trilha de cabelos que ele está deixando no chão. Todos nós
deixamos nossas pegadas, sejam pétalas de rosas, manchas de bronzeador
ou fios de cabelo.
Olhando para seu cabelo no concreto, para mim e para Sheila com sua
prancheta no outro lado da sala, o Cara 137 berra:
— Vamos logo! Quer acelerar isso um pouco, meu bem?
Eu pergunto se ele tem um lugar melhor para ir. Talvez algum teste?
Porque eu não tenho, confesso para ele. Posso esperar. E digo que, por
causa do que nós vamos fazer hoje, com aquela mulher lá atrás, algum
jovem que ela jamais viu nunca mais precisará trabalhar na vida. Para o dia
de hoje funcionar, eu preciso ser o senhor Último.
— Ninguém sabe quantos filhos já foram gerados por esses homens,
fazendo os filmes que fazem — diz o cara, olhando para o Garoto 72.
Olhando para mim, acrescenta: — Se é que realmente todos nós deixamos
nossas pegadas.
Isso nunca aconteceu, digo eu.
— Belo medalhão. — O Cara 137 estende a mão para o cordão de
Cassie, com o pequeno coração de ouro grudado pelo sangue entre meus
peitorais. Suas unhas brilham, envernizadas com esmalte transparente.
10
Sr. 72
Sr. 137
Sheila
Sr. 600
Sr. 72
A versão que eu contei para Branch Bacardi estava incompleta. Não era
nem metade da história. Quando baixei os clipes de Cassie Wright pela
primeira vez, eu queria que ela estivesse, sei lá, tricotando alguma coisa,
cozinhando algo numa panela no fogão, ou simplesmente lendo um livro
numa cadeira ao lado de um abajur numa sala agradável, sem litros de porra
quente por cima do corpo.
Nos grupos de discussão da internet, os fãs postam detalhes sobre todas
as verrugas, pestanas ou marcas de batom de Cassie Wright. Alguns caras
dissecam cada boquete, como se fosse dever de casa extra na faculdade, sei
lá. Cassie nasceu em Missoula, no estado de Montana. Seus pais se chamam
Alvin e Lenni Wright. Moram em Great Falls atualmente. E, sim, há
dezenove anos Cassie teve um bebê que acabou sendo adotado.
Navegando pela Rede, eu procurava imagens de Cassie passando o
aspirador no carpete ou dirigindo um carro. Vestida, sem algo sendo enfiado
dentro do seu corpo.
Fiz encomendas de fotos ou vídeos desse tipo, enviando dinheiro, e nada
voltou. Mas o primeiro pacote que recebi foi uma vagina de bolso Cassie
Wright. Era uma versão numerada, de luxo, com edição limitada. Número
4.200. Com qualidade digna de um museu. Nova em folha. Suficientemente
pequena para ser carregada para a escola no bolso da minha calça jeans.
Com a mão esquerda, eu ia alisando as dobras e os pelos macios ali dentro.
Na aula de estudos modernos americanos, sentava na última fila com os
dedos cegos tateando em braille no fundo do bolso, até conhecer de cor
cada dobra e ruga que havia ali. Se alguém me perguntasse quais eram as
capitais dos estados de Wyoming ou Phoenix, eu daria de ombros. Caso
perguntassem qualquer coisa sobre as dobras da xota de Cassie Wright,
porém, eu desenharia um mapa completo.
Quando pressionado, o clitóris daquela vagina de bolso se projetava para
fora. Empurrado, voltava para dentro do capuz. Pressionado outra vez,
tornava a se projetar para fora. Eu podia fazer isso até meus dedos ficarem
em carne viva, quase sangrando. Dormia com o troço embaixo do
travesseiro.
Um dia o professor Harlan, da aula de dinâmica da ciência, estava
devolvendo trabalhos corrigidos quando notou os calos na ponta dos meus
dedos, que parecia rachada, com um tom rosa escuro. Ele perguntou se eu
estava aprendendo violão. Sei lá. Digamos que aquelas horas e semanas de
prazer constante também não andavam fazendo bem à vagina de Cassie
Wright.
Olhando para alguns dos seiscentos sujeitos reunidos aqui hoje, a
esperança é que o artigo verdadeiro seja um mais durável do que a versão
em látex. Quando a vagina começou a se esfacelar, eu fui entregar jornais,
economizando dinheiro até poder encomendar pelo correio uma réplica de
segunda mão, feita em látex, dos seios de Cassie. Meu dinheiro só dava
para comprar o esquerdo, mas qualquer um diria que era o melhor dos dois.
Obviamente, é grande demais para caber no meu bolso ou sob o travesseiro.
É grande demais para fazer qualquer coisa além de acumular poeira
embaixo da cama.
Então fui aparar gramados. Fui devolver garrafas vazias para o depósito.
Fui passear com cachorros. Fui lavar carros. Fui recolher folhas secas.
Essa parte não contei a Branch Bacardi. Como poderia?
Nos invernos, eu retirava neve. Limpava calhas negras e fedorentas com
as mãos desnudas. Lavava cães São Bernardo. Pendurava lâmpadas
natalinas e aparava sebes.
À noite, eu ficava apertando minha réplica de seio. Esfregava nos lábios
o mamilo poeirento. Lambia. Torcia o bico entre dois dedos até adormecer.
Eu trocava o óleo dos carrões com quatro portas e transmissão
automática das velhotas. Quem precisa de dinheiro para comprar uma
réplica de Cassie Wright, de realismo sexual completo, vira quase escravo
de toda velhota da cidade. Sei lá.
No Dia das Bruxas, eu recolhia donativos para o UNICEF, mas aquelas
crianças esfaimadas e cheias de vermes não viam um tostão dos trinta
dólares que o povo doava.
No dia que o embrulho marrom chegou pelo correio, minha mãe adotiva
ligou para mim na escola, perguntando se devia abrir a encomenda.
Digamos que eu entrei em pânico. Contei a pior mentira que um garoto
pode contar. Falei para ela: Não. Disse que aquilo era um presente... um
presente especial e secreto que encomendara para dar a ela no Natal.
Pelo telefone, ouvi minha mãe adotiva sacudir a caixa e dizer:
— É tão pesado. Espero que você não tenha gastado uma fortuna.
Que vergonha.
Falei para minha mãe adotiva que todo o trabalho que eu fazia, aparando
gramados, passeando com cachorros e lavando carros, era para poder
comprar o presente dos seus sonhos, porque ela era uma mãe maravilhosa,
amorosa e incrível.
Ao telefone, ela disse com voz derretida:
— Ah, Darin, você não devia ter...
Quando cheguei em casa, o pacote estava sobre a minha cama. Era mais
pesado do que eu esperava: entre um grande dicionário de biblioteca e um
São Bernardo. Minha mãe adotiva fora para o curso de decoração de bolos,
e meu pai adotivo estava trabalhando. Sem ninguém mais em casa, eu
desembrulhei a caixa. Lá dentro parecia haver uma múmia cor-de-rosa, toda
dobrada e amarrotada. A pele lembrava o couro enrugado de uma múmia da
revista National Geographic.
O leilão on-line vendia a coisa como sendo nova em folha, uma virgem,
mas a peruca loura fedia a cerveja, e o cabelo parecia fragmentado quando
esticado. A parte interna das coxas era grudenta. Os seios, oleosos. Na sola
de um dos pés, encontrei o tipo de bico que se vê em bolas de praia para
encher o corpo de ar.
Desenrolei o troço em cima da cama e comecei a soprar.
Enquanto eu soprava, os seios subiam, desciam e subiam. Eu soprava, e
algumas rugas se alisavam, mas depois voltavam. Fiquei soprando ar na
sola daquele pé até começar a ver relâmpagos diante dos olhos.
Neste instante, aqui e agora, enquanto espero meu número na suruba ser
chamado, a garota do cronômetro passa, e eu estendo a mão. Para fazer com
que ela pare, encosto os dedos na curva do seu cotovelo e pergunto se é
verdade o que Branch Bacardi está falando para os caras. Cassie Wright
pode morrer hoje?
— Embolia vaginal. — A garota olha para mim e baixa o olhar para as
folhas na prancheta. Ainda passando a caneta pela lista de nomes, ela faz
uma marca ao lado de um cara. Torcendo o braço, olha para o relógio no
pulso e faz uma marca ao lado do nome de outro cara. Depois fala que é
preciso um sopro de ar equivalente ao necessário para encher um balão, mas
devido à densidade da corrente sanguínea na região pélvica da mulher, é
possível criar uma bolha de ar dentro do seu sistema circulatório. — Se a
mulher estiver grávida, é até mais fácil.
Em um caso ocorrido em 2002, lembra ela, uma mulher da Virgínia
estava usando uma cenoura para se estimular e morreu de embolia, mas
qualquer coisa com um formato estranho pode prender o ar e formar um
bolsão dentro da corrente sanguínea. Outros casos documentados incluem
pilhas, velas e abóboras.
— Para não falar de sabonetes amarrados a cordas — acrescenta a garota.
A coisa pode acontecer em qualquer buraco, tanto na vagina quanto no
reto.
— Mais de novecentas mulheres morrem assim por ano em média — diz
ela.
Todas as vítimas morrem dentro de poucos segundos.
— Caso você precise de fatos e números, recomendo Manual definitivo
do Cunnilingus, de Violet Blue. Ou o artigo “Embolia gasosa venosa:
considerações clínicas e experimentais”, na edição de agosto de 1992 da
Critical Care Medicine. — A garota olha outra vez para o relógio. — Agora
se me der licença...
Sei lá... abóboras?
Tantos anos atrás, soprando ar dentro da minha réplica de Cassie Wright,
eu quase desmaiei antes de ouvir o silvo. Um leve e suave sussurro de ar
escapando.
Depois de encher a banheira e arrastar o vulto rosado pelo corredor até lá,
enfiei a réplica embaixo da água à procura das bolhas do vazamento.
Minhas mãos ficaram espalmadas sob a superfície, segurando o corpo
submerso, enquanto os cabelos louros flutuavam em torno do rosto e os
olhos olhavam fixamente para cima. Morta. Afogada.
As bolhas foram subindo pelos lados do pescoço. Bolhas delineavam os
mamilos e as dobras da xota. Eram largos buracos em forma de semicírculo
vazando ar. Marcas de dentes. Mordidas naquela pele rosada.
Como meu pai adotivo tinha um trem em miniatura, usava todo tipo de
plástico e cola que era possível encontrar. Eu espalhei a pele rosada sobre a
paisagem plástica de montanhas e aldeias dele. Depois fui salpicando
borracha, epóxi, esmalte de unha transparente e acetato, até fechar todas as
marcas de mordida.
No fundo da gaveta de roupas íntimas na cômoda da minha mãe adotiva,
peguei emprestada a camisola rendada que ela usara na lua de mel e que
vivia enterrada lá entre camadas de lenços de papel. Também peguei o colar
de pérolas que ela só usava para ir à igreja no Natal. Ao vestir a réplica, fui
dizendo todas as falas iniciais de todos os vídeos com Cassie Wright que eu
já vira. Escovando a peruca loura, falei:
— Ei, dona, você encomendou uma pizza?
Passando nela o batom de minha mãe adotiva.
— Ei, dona, parece que você está precisando de uma boa massagem nas
costas...
Borrifando perfume.
— Relaxe, dona, eu só estou aqui para examinar os seus canos...
Meu computador exibia uma cópia pirata de Primeira guerra da bacanal,
e tudo que Lloyd George ia fazendo eu também fazia. Puxei para baixo a
diminuta calcinha rosada. Soltei o sutiã. Tanto Lloyd quanto eu estávamos
mandando brasa quando os seios de Cassie foram de convexos para
côncavos. A essa altura, meu pau já batia no colchão. Ela estava vazando e
perdendo ar. Quanto mais depressa eu metia, mais achatada ela ficava,
passando de côncava a plana. O corpo encolhia e se enrugava embaixo de
mim, emagrecendo. Quanto mais eu metia, mais o rosto de Cassie Wright
despencava e sumia. Sua pele parecia frouxa, bojuda e folgada. A cada
movimento meu, ela envelhecia uma década, morrendo. Já morta, ia
apodrecendo enquanto eu me apressava cada vez mais, golpeando e
esfregando o colchão, já em carne viva devido ao ímpeto de gozar. Metendo
naquele fantasma rosado. Aquela silhueta assassinada no meio do meu
beliche.
Toda mulher morre dentro de poucos segundos.
Não ouvi a porta se abrir atrás de mim. Nem senti a corrente de ar na
minha bunda desnuda e suada. Só virei para trás ao ouvir a voz de minha
mãe adotiva. A camisola da sua lua de mel. Suas pérolas de Natal.
Lá no computador, Lloyd George estava gozando na lateral do lindo rosto
de Cassie Wright.
Lá atrás, minha mãe adotiva berra:
— Você tem ideia de quem é essa mulher?
E eu me viro, com o pau ainda duro: uma vara envolta em látex rosado,
balançando uma bandeira com a forma de Cassie Wright.
Minha mãe adotiva urra:
— É a sua mãe biológica.
Foi a última vez que meu pau ficou duro.
Não. Não cheguei a contar esta parte a Branch Bacardi.
15
Sr. 137
Sheila
Sr. 600
Sr. 72
Sr. 137
Sheila
Sr. 600
Sr. 72
A garota do cronômetro fica chamando o tal de Dan Banyan até ele sair
do banheiro com o rosto molhado e sabão no couro cabeludo. O que sobrou
do seu cabelo está grudado nos lados da cabeça. A garota da prancheta fica
parada no topo da escada, silhuetada no umbral da porta aberta. Os
refletores do cenário são tão fortes que nem se pode olhar diretamente para
lá. A luz dança por trás do vulto escuro da garota. Ela continua chamando o
tal de Dan Banyan pelo número 137, até que ele parte escada acima, ainda
esfregando na testa chumaços molhados de papel toalha.
Todo mundo desvia o olhar, tanto do brilho lá em cima quanto da
imagem do detetive Dan Banyan fungando e secando os olhos com as duas
mãos. Seus ombros se projetam para a frente e tremem. Entre grandes
arquejos que engasgam na sua garganta, ele diz:
— Não é verdade...
Para desviar o olhar, eu me inclino, estico uma das mãos e apanho o
cachorro autografado caído no chão. Só que é tarde demais. Não sei se foi o
óleo dos pés de alguém, soda derramada ou mijo frio que vazou do
banheiro, mas algo encharcou o cachorro de pelúcia, borrando as letras que
antes formavam os nomes de Liza Minnelli e Olivia Newton-John. A pele
do cachorro está cheia de manchas escuras.
Sem ninguém ver, o Sujeito 137, o tal de Dan Banyan, desaparece no
clarão de luz, com a testa ainda devastada pela palavra que Branch Bacardi
escreveu lá: “HIV”.
No cachorro, já não dá para saber o quanto ele é amado por Julia Roberts.
O corpo de lona parece molhado, frio e pegajoso. Meus dedos ficam
enegrecidos quando eu toco em qualquer ponto.
Conversando com Branch Bacardi, falo que Dan Banyan vai querer seu
cachorro. Para que minha mãe possa autografar o bicho.
Ele simplesmente fica olhando para a porta que se fecha no topo da
escada, onde Dan Banyan sumiu. Ainda olhando para a porta, diz:
— Garoto, o seu velho já levou com você aquele papo clássico sobre
sexo?
Eu falo que ele não é meu pai. E estendo o cachorro à frente, mas ele não
pega o bicho.
— O melhor conselho que meu velho me deu na vida foi-se você raspar
os pentelhos, duros ou macios, na base do seu pau, vai parecer que tem
cinco centímetros a mais ali. — Branch Bacardi ainda olha para a tal porta.
Ele sorri, fecha os olhos e abana a cabeça. Depois os abre, já olhando para
mim. Observa o cachorro na minha mão. — Você quer ser um herói?
No cachorro, as partes molhadas continuam dissolvendo as palavras,
transformando Meryl Streep em mais borrões de tinta vermelha e azul,
contusões arroxeadas da cor de bolhas de sangue, as marcas de pico e
câncer que meu pai adotivo costumava pintar numa miniatura de viciado
nos trens.
Branch Bacardi abre os dedos de uma das mãos, acenando para me
mostrar o porão inteiro.
— Você quer salvar todos os caras aqui dentro?
Eu só quero salvar minha mãe.
— Então dê isto aqui para a sua mãe. — Branch Bacardi bate com um
dos dedos no coração de ouro que pende de uma corrente em torno do seu
pescoço. A corrente está esticada feito um arame para poder abarcar o
pescoço grande dele, e o coração fica diante da garganta, tão junto que
chacoalha e pula a cada palavra que ele pronuncia. Fazendo o coração
dançar. Branch Bacardi diz: — Dê isto para ela, e você sairá daqui rico.
Sem chance.
Por descuido, acabei falando para meus pais adotivos do filme que seria
feito aqui hoje, e imediatamente eles me deram um esporro, dizendo que me
deserdariam se eu saísse de casa. Trocariam as fechaduras e pediriam que o
Exército da Salvação mandasse um caminhão buscar todas as minhas
coisas. A assinatura deles é necessária para fazer qualquer retirada na minha
conta bancária, já que o dinheiro é para financiar minha faculdade. Depois
que minha mãe adotiva contou que me pegara com aquela réplica sexual
inflável de Cassie Wright, eles impuseram essa condição para me permitir
ter uma poupança. Qualquer dinheiro que eu ganhasse, aparando gramados
ou passeando com cães, precisava ser posto nessa conta, onde não pode ser
gasto sem a concordância deles.
Ao contar isso para Branch Bacardi, vou me aproximando da comida
exposta aqui. As pastinhas e os doces. Depois de comprar estas rosas para
minha mãe, não fiquei com o suficiente para pagar uma pizza grande.
Enchendo a barriga de petiscos mexicanos e pipoca sabor queijo, falo que
meu plano era aparecer e salvar minha mãe. Salvar e sustentar minha mãe,
para que ela não seja forçada a fazer filmes pornô. Só que agora não posso
bancar nem meu jantar.
Passando pasta de queijo em bolachas e mergulhando bastões de aipo
num molho, continuo conversando, falando para Branch Bacardi que dentro
daquele saco de papel pardo com meu número, 72, está tudo que possuo no
mundo.
Equilibrando o buquê de rosas, vou fisgando salsichinhas com palitos.
Segurando o corpo encharcado do cachorro autografado sob o sovaco,
vou espalhando molho de churrasco em pão de alho.
Branch Bacardi fica olhando para mim, com a testa enrugada e a boca
franzida. Depois ergue as duas mãos até a nuca, revelando os curtos pelos
grisalhos nas axilas.
— Espere um instante. — Branch solta a corrente em torno do pescoço.
Ele balança o cordão numa das mãos e depois estende o coração de ouro
para mim. — Agora você tem isto... sua chave para a fama e a fortuna.
Balançando no ar o coração, que reflete a luz dos televisores, ele
continua:
— Imagine nunca mais precisar trabalhar na vida. Você consegue, cara?
Tente se visualizar rico e famoso de hoje em diante.
Minha mãe adotiva, eu falo para ele, é uma hipócrita. No dia em que me
pegou com a réplica sexual, ela estava chegando da aula de decoração de
bolos. Ela e meu pai adotivo dormem em quartos separados há séculos.
Minha mãe adotiva me impediu de navegar na internet com medo de que eu
ficasse mais corrompido, mas sua turma de decoração de bolos contratou
um padeiro que faz bolos eróticos para demonstrar seu trabalho. São
aqueles bolos sexuais com gente nua, uma espécie de brincadeira, do qual
ninguém pede o pedaço do canto ou uma flor do glacê, e sim o testículo
esquerdo. Que hipócrita. Depois disso, ela passava o tempo inteiro na
cozinha, treinando sacos escrotais com glacê fervido e cus de creme de
limão. Também misturava corantes alimentares para criar clitóris e
mamilos. Desperdiçava litros de glacê amanteigado espremendo fileira após
fileira de prepúcios em folhas de papel encerado. Quem abrisse nossa
geladeira encontraria folhas de lábios vaginais e sobras de coxas ou
nádegas, tal como na cozinha de Jeffrey Dahmer.
Meu pai adotivo ficava lá no porão, transformando diminutas enfermeiras
alemãs em prostitutas menores de idade: reduzia os seios delas com lixas de
unha, sujava as unhas e enegrecia os dentes delas. Minha mãe adotiva
ficava tingindo coco ralado para fabricar pentelhos, ou torcendo a ponta de
um saco de confeiteiro para injetar veias vermelhas na lateral de um
membro ereto feito de chocolate.
Um filete de tinta aguada vai escorrendo do corpo molhado do cachorro
autografado pelo meu flanco, pela minha perna e pela parte interna do meu
braço.
— Pegue. — Branch Bacardi segura o coração de ouro diante do meu
rosto. — Olhe aí dentro.
Meus dedos estão grudentos por causa do açúcar polvilhado e da geleia
que recheia as roscas. Continuo segurando na mão fechada a pílula que Dan
Banyan me deu, a tal droga que vou usar na hora que precisar endurecer a
salsicha. Enquanto faço malabarismo com o buquê de rosas, a pílula de
tesão e o cachorro molhado, meus dedos apertam o coração de ouro, que
acaba se abrindo com um estalido. Lá dentro há um bebê olhando para fora.
É só um chumaço esmagado de pele, careca e fazendo biquinho, tão
enrugado quanto a réplica sexual. Eu. Eu sou este bebê.
O coração ainda está quente pelo contato com a garganta de Branch
Bacardi. Escorregadio devido ao seu óleo de bebê.
Em outro compartimento interno, jaz uma pequena pílula.
Uma simples pílula pequena. Dentro do coração.
— É cianeto de potássio — informa Branch Bacardi. Depois manda que
eu esconda a pílula dentro do funil de papel das minhas flores. — A Cassie
é uma masoquista nata. Esse é o maior presente que um filho pode dar a
ela...
Eu não sei.
Ela quer isso, Branch insiste. Implorou para que ele trouxesse a pílula e
chegou até a emprestar o colar para que o troço entrasse escondido aqui
dentro.
— Fale que é da parte de Irwin, e ela entenderá — diz ele.
Eu pergunto a ele, Irwin?
— Era eu — explica Branch. — Esse era o meu nome antigamente.
Ele fala que se eu der a pílula a Cassie ela morrerá, e eu sairei daqui um
homem rico. Terei dinheiro suficiente, não precisarei de uma família, nem
de amigos. Quem é rico o suficiente não precisa de ninguém, diz Branch
Bacardi.
Lá dentro, o bebê é enrugado e ossudo. A pílula é lisa e pequena.
O que Cassie Wright não queria versus o que ela queria.
O que ela descartou versus o que ela pediu.
— Sua mãe sempre foi obstinada. Quando ela quis uma lipoaspiração, eu
paguei. Quando quis um implante nos peitos, eu paguei. Todo aquele
dinheiro para sugar gordura e injetar plástico.
Ela passou a maior parte da vida com o retrato do bebê em volta do
pescoço. E Branch continua:
— Foi a Cassie que quis fazer um filme pornô para fugir da casa dos
pais. E pediu que eu arranjasse alguma coisa para que ela ficasse relaxada.
O nariz do bebê é o meu nariz. O queixo gordo é o meu queixo. Os olhos
estreitos são os meus olhos.
Se minha mãe engolir essa pílula, talvez se der só uma mordida nela, seus
músculos ficarão paralisados. Ela não conseguirá respirar, porque o
diafragma estará parado e sua pele ficará azulada. Sem dor, nem sangue, ela
simplesmente morrerá.
Minha mãe estará simplesmente morta. Esse será o último filme de
suruba a quebrar um recorde mundial. Ela será uma heroína morta, e todos
nós entraremos nos livros de história.
— Uma vantagem adicional é que ninguém precisará pegar a doença do
cara do urso de pelúcia — prossegue Branch Bacardi. — Você estará
salvando vidas, garoto.
Eu só preciso esconder o cianeto no buquê, dar a ela as flores e falar que
são de Irving.
— Irwin — corrige Branch Bacardi.
Eu falo que temos um problema grande.
A umidade do cachorro autografado imprimiu o nome de Cloris
Leachman na minha pele, só que ao contrário. Ao lado disso está impresso
“Você significa o mundo para mim”, só que também ao contrário.
— Eu juro que é isso o que ela mais quer — garante Branch Bacardi.
Aquele bebê erguendo o olhar para nós dois.
E eu falo que não. O problema é a luz, que é fraca aqui embaixo. Sobre a
palma da minha mão estão as duas pílulas, a de cianeto e a de tesão. Eu não
consigo distinguir qual é qual. O que é sexo e o que é morte... não sei a
diferença.
E pergunto qual devo dar a ela.
Branch Bacardi se inclina para olhar. Nosso hálito parece quente e úmido
sobre a palma da minha mão.
23
Sr. 137
Sheila
Inclinada sobre Cassie Wright, com uma pinça cromada entre os dedos,
aperto as pontas afiadas em torno de um fio da sobrancelha. Mordendo
minha própria língua. Fechando os olhos quando arranco o fio. E apertando
a pinça em torno de outro fio fora de lugar.
Cassie Wright nem pisca. Ela não faz careta de dor, nem recua na cadeira
para fugir. Fala que, quando alguém chamado Rudolph Valentino morreu de
apendicite, duas mulheres se jogaram dentro de um vulcão ativo no Japão.
Esse tal Valentino era um astro do cinema mudo e, quando morreu, em
1926, uma garota londrina tomou veneno em cima de uma coleção de fotos
dele. Em Paris, um ascensorista do Hotel Ritz tomou veneno em cima de
uma cama com uma coleção semelhante. Em Nova York, duas mulheres se
postaram diante do Hospital de Policlínicas, onde Valentino morreu, e
cortaram os pulsos. Durante o funeral, uma multidão de cem mil pessoas se
descontrolou e derrubou as janelas dianteiras da funerária, destruindo as
coroas e os arranjos de flores.
Um vibrador de vara chamado Rudy Vallee gravou uma canção de
sucesso sobre esse Valentino batedor de bacon, intitulada “There’s a New
Star in Heaven”.
Fato real.
Quando as sobrancelhas de Cassie parecem iguais, borrifo umidificador
numa esponja pequena, que passo na sua testa. Depois, passo a esponja em
suas bochechas e em torno dos olhos.
Nossos seiscentos cuspidores de creme ainda estão dormindo em casa,
com uma hora de despertador para gastar. Ainda está escuro, e o dia mal
nasceu. A iluminação já foi instalada. Os rolos de filme estão prontos. As
câmeras foram posicionadas. Os uniformes nazistas foram alugados e estão
pendurados, ainda nos invólucros plásticos da lavagem a seco. Aqui só há
Cassie Wright e eu.
Com os olhos fechados e a pele repuxada pela esponja com umidificador,
Cassie Wright fala que os agentes funerários embelezam os cadáveres,
aplicando maquiagem e penteando o cabelo a partir do lado direito, porque
esse é o lado que as pessoas verão num velório com caixão aberto. O dono
da funerária lava o cadáver com as próprias mãos. Ele encharca de
inseticida umas bolas de algodão, que depois enfia no nariz do morto, para
evitar que insetos se instalem ali. Com os dedos, ventila o ânus para
permitir que os gases presos escapem. Mete taças plásticas, feito bolas de
pingue-pongue cortadas ao meio, sob as suas pálpebras para manter os
olhos fechados. Passa cera derretida nos lábios para que não descasquem.
Estou passando base com a esponja. Espalhando suavemente um matiz
bege-médio em torno da boca de Cassie. Disfarçando as bordas sob a linha
da mandíbula.
Aboletada na cadeira de maquiagem branca, com o babador de papel em
torno do pescoço, Cassie Wright conta que um socador de salsicha chamado
Jeff Chandler estava filmando Bravos até o fim na Filipinas em 1961, mas
teve um problema de hérnia de disco. Esse Chandler era um grande nome,
rival de Rock Hudson e Tony Curtis. Gravou um álbum de sucesso e vários
compactos para a Decca. Então entrou na faca para fazer uma rápida
cirurgia no disco da coluna. Os médicos cortaram uma artéria. Despejaram
trinta litros de sangue dentro dele, mas mesmo assim o boiola morreu
fazendo aquele filme.
Com os olhos fechados, as pálpebras tremelicando e as sobrancelhas
arqueadas para deixar a sombra ser passada, Cassie Wright conta que o bola
murcha hollywoodiano Tyrone Power caiu fulminado por um enfarte
durante uma luta de espada nas filmagens de Salomão e a rainha de Sabá.
Ela conta que, quando Marilyn Monroe se matou, Hugh Hefner comprou
o nicho de mausoléu vizinho ao dela, porque queria passar a eternidade
deitado ao lado da mulher mais bela que já viveu.
Depois conta que o punheteiro Eric Fleming estava filmando High
Jungle, seu seriado de televisão, no rio Amazonas, quando a canoa em que
estava virou. A correnteza arrastou Fleming, e as piranhas locais
terminaram o serviço. Com as câmeras ainda rodando.
Fato real.
Enquanto uso o lápis para delinear seus olhos, Cassie Wright conta que o
poluidor de página Frank Sinatra foi enterrado com uma garrafa de uísque
Jack Daniel’s, um maço de cigarros Camel, um isqueiro Zippo e dez
moedas de dez centavos para poder dar telefonemas. O comediante Ernie
Kovacs foi enterrado com o bolso cheio de charutos Havana enrolados à
mão.
Quando o fã de figo Bela Lugosi morreu, em 1956, foi enterrado com seu
figurino de vampiro. O funeral parecia um dos seus filmes de Drácula, pois
ele estava usando aqueles dentes dentro do caixão. A capa de cetim, tudo.
Walt Disney não está congelado, diz Cassie Wright. Ele foi cremado e
lacrado dentro de um cofre com sua mulher. As cinzas de Greta Garbo
foram espalhadas na Suécia. As de Marlon Brando, em torno das palmeiras
de sua ilha particular nos mares do sul. Em 1988, quatro anos depois de
morrer, Peter Lawford continuava devendo dez mil dólares do pagamento
pelo seu último lugar de repouso no cemitério Westwood Village, bem perto
da mulher mais bela que já viveu. De modo que Lawford foi despejado, e
suas cinzas espalhadas no mar.
A esta altura, já estou passando blush em Cassie Wright. Cobrindo as
laterais do nariz com pó escuro. Enfatizando o contorno dos lábios com
delineador.
A porta que dá para a viela se abre, e dois integrantes da equipe entram
depois de descartar seus cigarros. São o sonoplasta e um câmera, fedendo a
fumaça e ar frio. Na viela, o ambiente já está indo do negrume para o azul-
escuro. Ao longe ouve-se o ronco surdo do trânsito. É a hora do rush
matinal.
Enquanto passo batom colorido nos seus lábios, Cassie Wright conta que
um sujeito chamado Wallace Reid, o “Rei da Paramount”, um homem com
um metro e oitenta e três de altura, morreu tentando se livrar do vício em
morfina numa cela acolchoada.
Quando o cinema falado mostrou ao mundo que a elegante e aristocrática
Marie Prevost falava com o sotaque popular do Bronx, ela desistiu. Bebeu
até morrer atrás da porta trancada do seu apartamento. Seu daschshund
esfaimado, Maxie, ficou roendo o corpo da dona por dias a fio, até o zelador
se dar ao trabalho de bater lá.
— A Marie Prevost era a maior estrela de cinema da época e virou
comida de cachorro assim. — Cassie Wright estala os dedos.
O astro cinematográfico Lou Tellegen ajoelhou em cima de uma pilha de
recortes de jornal e fotografias publicitárias, antes de arrancar as tripas com
um par de tesouras. John Bowers sumiu andando mar adentro. James
Murray pulou dentro das águas do rio East. George Hill estourou os miolos
com um rifle de caça. Milton Sills acelerou sua limusine na Curva do
Homem Morto no Sunset Boulevard. A bela Peg Entwistle escalou a
famosa placa de Hollywood e saltou para a morte. A modelo Gowili Andre
morreu queimada sobre uma pira alimentada por suas próprias fotos nas
revistas.
Umas gotas de perfume, algumas escovadas no cabelo, e eu acabo.
Cassie Wright abre os olhos.
Nada de algodão envenenado em seu nariz. Nada de ventilação anal.
Lentes de contato azuis, da cor do céu do deserto, nadam sobre seus olhos.
Nada de bolas de pingue-pongue cortadas ao meio.
Um exemplo perfeito da ideia que Hitler fazia de uma boneca sexual,
loura e com olhos azuis.
Cassie Wright examina seu reflexo no espelho acima da bancada.
Torcendo o pescoço para ver o perfil direito e esquerdo.
— Sempre existem maneiras piores de chutar o balde...
Sua mão tira um lenço de papel da caixa, e os lábios dizem:
— Vivi minha vida toda para mim mesma...
Com as duas mãos, ela amassa o lenço de papel e encosta os lábios no
bolo. Como se aquilo fosse um mata-borrão.
— Não que eu seja uma Joan Crawford...
Seus lábios soltam o lenço de papel, deixando um beijo vermelho
perfeito, e Cassie Wright continua:
— Mas talvez esteja na hora de fazer algo pela minha criança...
Estendendo a mão para o lenço de papel, eu pergunto:
— O seu menininho?
Cassie Wright fica calada. Só ergue o lenço beijado por seus lábios
perfeitos e entrega para mim o papel sujo.
25
Sr. 600
O cara do urso de pelúcia vira de lado para mim, torcendo a cabeça para
o outro lado. O cara acha que eu não estou vendo, mas dos seus lábios sai
uma camisinha usada e mastigada. Uma camisinha velha que ele usou ou
achou no cenário. Não quero saber. Já assisti à minha cota de filmes pornô
com viados e, para mim, não é surpresa que eles curtam comer a própria
porra. Ou a de qualquer um.
O garoto mostra a ele as duas pílulas, a de tesão e a de cianeto.
O cara do urso de pelúcia dá de ombros e aponta.
— Essa daí, acho eu.
Mantendo a porta aberta, de modo que as luzes do cenário nos cegam,
Sheila chama:
— Número 72, por favor, venha se juntar a nós...
O garoto entrega o urso de pelúcia encharcado de mijo. Ele tem a pele
dos dedos, dos bíceps, dos músculos laterais e oblíquos toda manchada de
preto e azul, que são as cores das lesões causadas pelo sarcoma de Kaposi,
o câncer gay. Os nomes manuscritos de Barbra Streisand e Bo Derek estão
sangrando por toda a sua mão.
— Obrigado — diz ele.
Nos televisores, é como se toda a minha vida estivesse passando diante
dos meus olhos. Em um deles, sou um presidente enfiando a ferramenta na
primeira-dama e Marilyn Monroe, até ter a cabeça baleada num conversível
que desce a rua. Em outro televisor, sou um entregador de pizza adolescente
trazendo mais salame para as meninas de um grêmio estudantil.
O Garoto 72 sobe a escada em direção a Sheila, que aguarda no umbral.
No último degrau, ele se detém e olha para trás. Parece magricela, com
todas as luzes ao seu redor. Mete algo na boca e joga a cabeça para trás.
Sheila lhe entrega uma garrafa cheia de água até a metade, e ele bebe um
pouco, criando bolhas cada vez que engole. Depois a porta se fecha, e o
garoto desaparece.
O cara do urso de pelúcia está agarrando a borda da mesa do bufê,
apoiando o corpo ali em cima.
Eu pergunto se ele, algum dia, teve qualquer tipo de conversa sexual com
o pai.
O cara do urso de pelúcia pede:
— Você pode me emprestar seu celular?
Para quê? Eu quero saber.
O cara do urso de pelúcia apalpa a mesa com uma das mãos e apanha
uma camisinha. Mete o troço na boca, mas logo depois cospe tudo.
— Eu gostaria de pedir reforços — ele responde.
É claro que eu tenho um celular. Na bolsa de ginástica. Entrego o
aparelho a ele, falando que no ensino médio eu namorava uma garota
chamada Brenda, que era um tesão total, mas ao mesmo tempo uma
autêntica dama.
O cara do urso de pelúcia ergue o telefone até o topo do nariz, deixando
espaço apenas para um dedo apertar as teclas.
— Estou escutando...
Nos televisores, eu sou um velhote bimbando uma jovem enfermeira
numa clínica para idosos. Ao mesmo tempo, outro televisor me mostra
como um lobinho, traçando a matriarca da minha alcateia.
Conto que já me imaginava passando o resto da vida com Brenda. Já me
via casando com ela, tendo filhos, construindo uma casa e envelhecendo ao
seu lado. Qualquer coisa, desde que sempre estivéssemos juntos. Eu tinha
muito sentimento por ela. Amava Brenda tanto que nunca tentei foder com
ela, nem implorei para chupar seus peitinhos ou enfiei a mão dentro da sua
calça jeans. Nós tínhamos esse tipo de afeto e respeito mútuos.
— Lenny? — diz ao telefone o cara do urso de pelúcia. Ainda segurando
a borda da mesa com a outra mão, ele continua: — Preciso fazer uma
encomenda urgente.
No segundo ano, meu amor por Brenda era tanto que mostrei um retrato
dela para o meu velho.
Ele reagiu como sempre. Pegou o instantâneo na minha mão e ficou
olhando para a foto, enquanto abanava a cabeça. Depois me devolveu
Brenda, dizendo:
— Como um panaca feito você arrumou essa belezoca? Garoto, essa xota
não é para o seu bico.
E eu falo que queria casar com ela.
Nos televisores, eu sou um soldado veterano no Havaí, driblando as
bombas japonesas e arrombando as gatas havaianas em A uma pica da
eternidade.
— Estou precisando imediatamente de um acompanhante, alguém com
um peru, de qualquer raça ou idade, desde que consiga endurecer, enfiar,
bombear e tirar — explica o cara do urso de pelúcia ao telefone. — Não,
não é para mim. Nunca estou desesperado a esse ponto.
Quando contei meu plano de casar com Brenda, meu velho sorriu e
passou o braço em torno dos meus ombros, perguntando:
— Já papou a garota?
Eu abano a cabeça, fazendo que não.
— Quer saber um jeito 100% seguro de não engravidar uma gata? — o
meu velho oferece.
O cara do urso de pelúcia me pega olhando para ele e diz:
— Vá falando, eu juro que estou escutando...
Meu velho falou que antigamente os caras nunca engravidavam suas
mulheres, mesmo antes de haver camisinhas, pílulas anticoncepcionais,
esponjas e outras merdas. O jeito era o seguinte: os caras antigos sabiam
que, pouco depois de gozar, com o peru ainda lá dentro, o lance era dar uma
mijadinha. Então eles soltavam algumas gotas de mijo. Meu velho falou que
o mijo continha ácido suficiente para matar os espermatozoides.
Ele está falando de mijar dentro dela.
E garante que Brenda não vai perceber.
Meu velho fala que esse truque é algo que todos os pais carinhosos
contam para os filhos. É uma espécie de legado que eles passam de geração
em geração, e, se um dia eu tiver um filhinho, direi o mesmo para ele.
Aquele segundo ano na escola foi a última época maravilhosa da minha
vida. Eu tinha uma garota que amava. E tinha um pai que me amava.
— Cinquenta paus... é pegar ou largar — diz o cara do urso de pelúcia ao
telefone. Depois ele ri. — Você deve ter algum fracassado, um viciado
qualquer, que venha até aqui por cinquenta paus...
A noite em que finalmente fiz amor com Brenda foi linda. Nós
estendemos um cobertor embaixo de uma árvore cheia de flores cor-de-
rosa. Só havia estrelas e flores acima de nós. Tínhamos uma garrafa de
vinho que meu velho tinha me dado só para aquela ocasião. Champanhe.
Brenda assou biscoitos de chocolate, e nós ficamos um pouco altos antes de
fazer amor. Mas não foi como nos filmes, onde há um pau e uma xota em
luta mortal de sacanagem, batendo e arrombando. Foi mais como se nossas
peles estivessem tendo uma conversa. Através de cheiros, sabores e toques,
nós estávamos nos descobrindo. Dizendo o que não podíamos pronunciar
com palavras.
Deitamos nus no cobertor, embaixo das pétalas das flores que caíam, e
Brenda perguntou se eu tinha trazido alguma proteção.
Eu pus meu dedo nos lábios dela e falei que ela não precisava se
preocupar. Disse que meu pai tinha me contado o segredo da prevenção.
— Pouco me importa se ele é sujo e velho. Mesmo que seja gordo e
nojento, eu pago os cinquenta paus — diz o cara do urso de pelúcia ao
telefone.
Embaixo daquela árvore florida, Brenda e eu nos abraçamos e partimos
para nosso primeiro clímax juntos, o começo de nossa vida. O anel de
compromisso estava ao redor do dedo dela, e nós tínhamos bebido a garrafa
de vinho. Ficamos abraçados ali, eu por cima dela, ainda lá dentro, louco
para dar uma mijada devido ao champanhe doce.
Nos monitores, sou um milionário grisalho mandando ver com uma
secretária em cima de uma escrivaninha de madeira trabalhada. Em outras
telas, sou um bombeiro hidráulico desentupindo os canos de uma dona de
casa entediada.
Ainda dentro de Brenda, apenas à guisa de proteção, deixo sair um pouco
de mijo. Só que minha bexiga estava estourando, e eu não consegui
interromper o fluxo. A torrente foi aumentando, e Brenda revirou os olhos
para me encarar. Nossos olhos estavam quase se tocando, nossos narizes
estavam encostados e nossos lábios ficavam se roçando.
— O que você está fazendo? — quis saber Brenda.
Tentando deter o mijo, fazendo força para interromper o jorro, ainda
dentro dela, eu respondi:
— Nada. Não estou fazendo nada.
— Você tem alguém em mente? — pergunta o cara do urso de pelúcia ao
telefone. Depois, ri. — Já falei, pouco importa que ele seja repugnante...
Brenda ficou lutando contra mim, rolando de um lado para o outro no
cobertor e me dando socos, enquanto me xingava:
— Seu porco. Você é um porco.
Embaixo dos meus quadris, ela pinoteava e se contorcia, mandando que
eu saísse de cima do seu corpo. E que saísse de dentro dela.
Mas eu dizia: Ainda não. Segurando os seus braços, repetia que aquilo
era para que ela ficasse segura.
Nos monitores, estou em épocas arcaicas, comendo Cleópatra de quatro.
Também sou um astronauta, fazendo a volta ao mundo com uma gata
alienígena verde numa estação espacial com gravidade zero.
Embaixo daquelas flores e estrelas, em cima de Brenda, só fui parar
quando ela enfiou um dos joelhos entre as minhas pernas, deu uma joelhada
rápida e esmagou meus colhões. Com o baque, a dor tomou conta de mim.
Meu pau se torceu e pulou para fora, mas ainda estava duro feito pedra e
continuava jorrando mijo. O jato de champanhe quente cobriu nós dois. Eu
agarrei os colhões esmagados com as duas mãos, largando os braços de
Brenda, e ela se afastou de mim rolando para o lado.
Alguma coisa caiu e bateu no meu rosto. Era muito dura para ser uma
flor e doía demais para ser cuspe. Brenda agarrou suas roupas e fugiu
correndo. Foi a última vez que pus os olhos nela: fugindo por trás, com o
meu mijo escorrendo entre as coxas.
— Ótimo. Seja quem for, mande o sujeito para cá agora. — O cara do
urso de pelúcia fecha o aparelho e me entrega.
Foi por isso que eu aconselhei o garoto a fazer aquilo.
O cara do urso de pelúcia faz uma careta e cospe algo mastigado no chão.
Outro preservativo. Ele estreita os olhos para mim.
— Você sugeriu que aquele jovem confuso urine dentro da própria mãe?
Não, eu nego. E explico que Cassie queria uma pílula de cianeto e que eu
deveria carregar a pílula dentro do medalhão, mas o garoto concordou em
levar a pílula para ela.
O cara do urso de pelúcia fica de queixo caído e ergue as sobrancelhas.
Depois ele se recompõe e engole em seco.
— Aquelas duas pílulas que ele me mostrou... você está dizendo que uma
era de cianeto?
E eu balanço a cabeça, fazendo que sim.
Nós dois ficamos olhando para a porta fechada do cenário.
Nos monitores, sou um homem das cavernas de priscas eras, enfileirado
numa orgia com uma tribo de outros humanoides, sujos, cabeludos e
corcundas, nenhum de nós completamente humano, nem evoluído ainda.
O cara do urso de pelúcia dá de ombros.
— Mesmo que o garoto tome a pílula errada, nós vamos bater o recorde
mundial. Eu liguei para uma agência e a cavalaria já está a caminho.
O cara fala que essa agência conhece alguém que trabalha uma hora por
menos de cinquenta paus. Um velhote qualquer, como explicou a pessoa da
agência, a piada do ramo adulto, pelancudo e enrugado, de pele escamosa.
Com olhos injetados e mau hálito. Um dinossauro pornô que a agência
nunca consegue colocar em nenhum filme. Falaram que iam tentar entrar
em contato com ele e mandar o cara vir correndo substituir o Garoto 72.
Caso o garoto tenha morrido, brochado, ou dito que ama Cassie e sido
expulso.
— Baseado na descrição deles, mal consigo esperar para ver a feiura
desse monstro. — O cara do urso de pelúcia pisca um olho e depois o outro.
Ele esfrega os olhos com as duas mãos, pisca depressa e estreita os olhos
para os monitores, franzindo a testa.
Nos televisores, sou um modelo totalmente nu, no centro de uma aula de
pintura, sendo chupado por belas alunas de arte.
O que quicou do meu crânio naquela noite, minha última noite com
Brenda, o que bateu em mim com força demais para ser uma flor cor-de-
rosa... foi o anel de noivado que eu dera para ela.
Na minha mão, o celular começa a tocar. Pelo número no visor, o
telefonema é do meu agente.
26
Sr. 72
Sr. 137
Sheila
Sr. 72
Sr. 137
Sheila
Sr. 600
Sr. 72
Sr. 137
Sheila
FIM