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Thomas D. Seeley
1. Introdução ........................................................................................................................... 3
2. A Vida na Colônia de Abelhas ............................................................................................ 19
3. A Casa dos Sonhos das Abelhas.......................................................................................... 41
4. O Debate das Batedoras ...................................................................................................... 71
5. Acordo sobre o Melhor Local.............................................................................................. 95
6. Chegando a Um Consenso .................................................................................................. 113
7. Começando a Transferência para a Nova Moradia.............................................................. 141
8. Orientando o Enxame em Voo ............................................................................................ 171
9. O Enxame como Entidade Cognitiva .................................................................................. 193
10. Enxames Expertos............................................................................................................... 213
PREFÁCIO
Há muito que os apicultores observam e lamentam a tendência das
colônias enxamearem no final da primavera e início do verão. Quando
isso acontece, a maioria dos membros da colônia – um amontoado de
cerca de dez mil abelhas – voa com a rainha velha para produzir uma
colônia filha, enquanto o restante permanece em casa e cria uma nova
rainha para perpetuar a colônia materna. As abelhas em migração
pousam no galho de alguma árvore num amontoado semelhante a uma
barba e ali permanecem penduradas juntas por algumas horas ou al-
guns dias. Durante este tempo, estes insetos sem teto realizam algo re-
almente surpreendente: eles levam a cabo um debate democrático com
o objetivo de escolher sua nova moradia.
Este livro trata da forma como as abelhas conduzem este processo
democrático de tomada de decisão. Examinaremos como algumas cen-
tenas das abelhas mais velhas do enxame agem como exploradoras à
procura por um local de nidificação e vasculham as redondezas em
busca de cavidades escuras. Veremos como estas caçadoras de casa
avaliam os potenciais locais de nidificação que elas encontram; comu-
nicam suas descobertas para suas companheiras exploradoras através
de danças vívidas; debatem vigorosamente para encontrar o melhor lo-
cal de nidificação; depois levam todo o enxame a levantar voo; e, final-
mente, pilotam a nuvem de abelhas em voo para sua casa. Esta é, tipi-
camente, um buraco numa árvore que fica a milhas de distância.
Minha motivação para escrever este livro sobre a democracia nos en-
xames de abelhas é dupla. Primeiro quero apresentar aos biologos e ci-
entistas sociais um resumo coerente das pesquisas sobre este assunto
que foram realizadas no decurso dos últimos 60 anos, começando com
o trabalho do Martin Lindauer na Alemanha. Até agora, a informação
sobre este assunto permaneceu espalhada entre dúzias de trabalhos
publicados em diversas revistas científicas, o que torna difícil apurar
como uma descoberta está conectada com as demais. A história de co-
mo as abelhas tomam a decisão democrática face a face, assembléia
que busca um consenso, é, certamente, importante para os biologos do
meio ambiente interessados em como os animais sociais tomam deci-
sões em grupo. Espero também que se torne valioso para os neuro-
cientistas no estudo da base neuronal da tomada de decisão, uma vez
que existem similaridades fascinantes entre os enxames de abelhas e o
cérebro dos primatas na forma como eles processam a informação para
tomar decisões. Alem disso, espero que a história das abelhas caçado-
ras de moradia seja útil aos cientistas sociais em sua busca pelas for-
mas de aumentar a capacidade de tomada de decisão pelos grupos de
Thomas D. Seeley 1
pessoas. Uma lição valiosa que podemos colher das abelhas sobre esse
assunto é que mesmo num grupo formado de amigos com interesses
comuns o conflito pode ser um elemento útil no processo de tomada de
decisão. Ou seja, seguidamente ele permite ao grupo debater cuidado-
samente assuntos para encontrar a melhor solução para um dado de-
safio.
Meu segundo motivo para escrever este livro é dividir com os apicul-
tores e leitores em geral o prazer que experimentei ao estudar os enxa-
mes de abelhas. Devo agradecer a estas maravilhosas pequenas criatu-
ras pelas muitas horas da mais sincera alegria da descoberta, espalha-
da em (para ser sincero) dias e semanas de trabalho inútil e muitas ve-
zes desencorajador. Para fornecer exemplos de excitação e desafio no
estudo das abelhas, relatarei inúmeros eventos pessoais, especulações
e conjecturas sobre a condução dos estudos científicos.
O trabalho aqui descrito repousa sobre uma base sólida de conheci-
mento que o Prof. Martin Lindauer (1918 – 2008) criou com seus estu-
dos sobre as abelhas caçadoras de moradia na década de 1950. Dedico
este livro ao Martin Lindauer, meu amigo e professor, cujas pesquisas
pioneiras inspiraram minha exploração da terra maravilhosa da socie-
dade das abelhas.
Go to the bee,
Thou poet:
Consider her ways
And be wise.
Veja a abelha
Diz o poeta:
Analise seus modos
E fique esperto
Thomas D. Seeley 3
humanos. A abelha é maravilhosamente social. Podemos ver esta bele-
za em seus ninhos de favos dourados, este arranjo delicado de células
hexagonais esculpidas com a mais fina cera (fig. 1.1). Além disso, po-
demos vê-la em sociedades, formadas por dezenas de milhares de abe-
lhas operárias, abdicando do próprio interesse, cooperando para servir
o bem comum da colônia. Neste livro veremos vividamente a beleza so-
cial das abelhas e, examinaremos, nos mínimos detalhes, como uma
colônia consegue precisão quase perfeita ao selecionar sua casa.
Inteligência Coletiva
Este livro trata do que acredito ser o exemplo mais maravilhoso de
como uma multidão de abelhas na colméia, muito parecido à multidão
de células no corpo, trabalha junto sem uma supervisão para criar
Thomas D. Seeley 5
uma unidade funcional que transcende em muito a dos seus constitu-
intes. Especificamente, examinaremos como um enxame de abelhas
consegue uma forma de inteligência coletiva na escolha da sua moradi-
a. Como será descrito no capítulo 2, o processo de procura do local de
nidificação das abelhas acontece no final da primavera e início do ve-
rão, quando as colônias ficam congestionadas no abrigo do ninho (col-
méia e buracos de árvores) e então liberam um enxame. Quando isto
acontece, cerca de um terço das operárias ficam em casa e criam uma
nova rainha, perpetuando, desta forma, a colônia materna, enquanto
os outros dois terços da força de trabalho - um grupo de cerca de dez
mil - parte com a rainha velha, para criar uma colônia filha. As emi-
grantes percorrem cerca de 30 metros (cerca de 100 pés) apenas, ou al-
go parecido, antes de se amontoarem na forma de uma barba, onde e-
las ficam literalmente penduradas juntas por várias horas ou alguns
dias (fig. 1.2). Uma vez acampado, o enxame despacha alguns milhares
de abelhas caçadoras de ninho para explorar cerca de 70 quilômetros
quadrados (30 milhas quadradas) da redondeza em busca de potenciais
locais de nidificação, localizar uma dúzia ou mais de possibilidades,
avaliar cada um em relação a critérios múltiplos que definem a casa
dos sonhos das abelhas, e democraticamente selecionar o favorito para
sua nova moradia. O julgamento coletivo das abelhas quase sempre fa-
vorece o local que melhor preenche sua necessidade de acomodação
suficientemente espaçosa e muito bem protegida. Então, pouco depois
de concluído o processo de seleção, o enxame de abelhas implementa
sua escolha levantando voo em massa, voando direto para sua nova
moradia, normalmente uma pequena cavidade numa árvore a algumas
milhas de distância.
A história encantadora da busca por uma casa pelas abelhas apre-
senta-nos dois mistérios intrigantes. Primeiro, como um grupo de abe-
lhas com cérebro pequeno, pendurado num galho de árvore, consegue
tomar decisão sobre assunto tão complexo e o faz tão bem? Revelare-
mos a solução deste primeiro mistério nos capítulos 3, 4, 5 e 6. Segun-
do, como um conjunto rodopiante de dez mil abelhas em voo é pilotado
por si mesmo, permanece junto através dos campos em voo para a casa
escolhida, uma jornada cujo destino é normalmente um pequeno bura-
co numa árvore não conspícua num canto remoto da floresta? A solu-
ção a este segundo mistério será revelada nos capítulos 7 e 8.
Veremos que 1,5 quilogramas (3 libras) de abelhas num enxame, i-
gual a 1,5 quilogramas (3 libras) de neurônios do cérebro humano,
consegue sua sabedoria coletiva pela organização delas próprias de tal
forma que embora cada indivíduo tenha informação limitada e inteli-
gência limitada, o grupo como um todo toma decisões coletivas de pri-
meira linha. Esta comparação entre enxames e cérebro pode parecer
6 Democracia das Abelhas
superficial, mas nela existe fundamento real. Durante as últimas duas
décadas, enquanto outros sociobiologistas e eu analisávamos o meca-
nismo comportamental de tomada de decisão pela sociedade dos inse-
tos, os neurobiologistas investigavam a base neuronal da tomada de
decisão pelo cérebro dos primatas. Fica evidente que existem seme-
lhanças intrigantes nos cenários que emergiram destas duas linhas de
estudo independentes. Por exemplo, os estudos da atividade neuronal
individual no cérebro do macaco, associada com a decisão de movimen-
tar o olho, e os estudos da atividade da abelha individual no enxame de
abelhas, associada com a decisão sobre o local de nidificação, ambos os
estudos concluíram que o processo de tomada de decisão é essencial-
mente uma competição entre alternativas para acumular apoio (por e-
xemplo, explosão de neurônios e visitas de abelhas), e a alternativa es-
colhida é aquela cuja acumulação de apoio ultrapassar primeiro o limi-
ar crítico. Consistências como estas sugerem que existem princípios ge-
rais da organização na montagem de grupos muito mais inteligentes do
que o mais inteligente dos indivíduos do grupo. Exploraremos estes
princípios no capítulo 9, onde compararemos os mecanismos de toma-
da de decisão do enxame de abelhas e dos cérebros dos primatas, e no
capítulo 10, onde revisaremos as lições aprendidas das abelhas sobre
como estruturar um grupo de tal forma que ele aja como um tomador
de decisão inteligente.
Grupos de pessoas para tomar decisão são comuns e importantes,
sejam elas decisões de pequena escala (p. e., acordos feitos entre ami-
gos e colegas), escala média (p. e., escolhas feitas em encontros demo-
cráticos da municipalidade) ou de grande escala (e. g., eleições nacio-
nais ou acordos internacionais). Não é de estranhar que os homens têm
quebrado a cabeça sobre como otimizar a tomada de decisão grupal por
milênios, pelo menos desde a A República de Platão (360 A.C) e sem
dúvida muito antes, e ainda permanecem em aberto muitas questões
sobre como os homens podem melhorar a escolha social. No capítulo
10 apresentarei algumas sugestões, que chamo de “Inteligência de En-
xame” pois elas foram aprendidas das abelhas, como os grupos de pes-
soas podem se organizar para melhorar suas tomadas de decisão. O
ensaísta Americano Henry David Thoreau manifestou ceticismo sobre a
sabedoria dos amontoados quando escreveu, “A massa nunca atinge o
padrão do seu melhor membro, mas pelo contrário se degrada ao pa-
drão do pior.” O filósofo Alemão Friedrich Nietzsche foi ainda mais ne-
gativo sobre a inteligência grupal quando escreveu, “A tolice é rara no
indivíduo - mas nos grupos ... é regra.” Certamente existem muitos e-
xemplos de grupos tomando decisões vis - pense nas bolhas das bolsas
de valores ou fuga em massa de edifício em chamas - mas a realidade
da tomada de decisão pelo enxame de abelhas mostra-nos que ali real-
Thomas D. Seeley 7
mente existem meios de dotar um grupo com QI coletivo alto.
Fig. 1.2 Um enxame de abelhas com aproximadamente dez mil operárias e uma
rainha.
Abelhas Dançantes
A história científica narrada neste livro começou na Alemanha, cerca
de setenta anos atrás, no verão de 1944, quando um renomado profes-
sor de zoologia da Universidade de Munique, Karl von Frisch, fez a des-
coberta revolucionária pela qual ele recebeu, conseqüentemente, o
Prêmio Nobel: um inseto, a operária da colméia, pode informar a suas
companheiras a direção e distância de uma rica fonte de alimento atra-
vés do comportamento da dança. Von Frisch já conhecia, por mais de
trinta anos, que quando uma solitária forrageadora encontra uma rica
fonte de néctar, ela retorna excitadamente para sua colméia e realiza
uma conspícua “dança do requebrado”. Ao assumir esse comportamen-
to visível aos nossos olhos, a dançarina se desloca em linha reta para
frente sobre a superfície vertical do favo, requebrando seu corpo de la-
do a lado, em seguida interrompe a “corrida do requebrado” e se volta
8 Democracia das Abelhas
para a direita ou para a esquerda para realizar uma “corrida de retor-
no” de volta para o ponto de início, quando então produz outra corrida
de requebrado seguida por outra corrida de retorno, e assim por diante
(Fig. 1.3). Cada dança do requebrado consiste, conseqüentemente, de
uma série de circuitos de danças, e cada circuito de dança contm uma
corrida de requebrado e uma corrida de retorno. Von Frisch sabia tam-
bém que a abelha podia continuar dançando por alguns segundos ou
mesmo alguns minutos, sendo seguida constantemente por forrageado-
ras desocupadas que, em suas próprias palavras, “tomavam parte em
cada uma das manobras de tal forma que a própria dançarina, em seus
frenéticos movimentos, parecia arrastar atrás de si um constante rabo
de cometa de abelhas”. Além disso, ele sabia que depois que uma se-
guidora da dança tinha seguido atrás da dançarina durante alguns cir-
cuitos da dança, ela partia da colméia para encontrar a bonança anun-
ciada pela dança da abelha. Mas antes de 1944, von Frisch pensava
que as seguidoras da dança aprendiam da dançarina apenas a fragrân-
cia das flores por ela visitadas - a qual elas detectavam mantendo suas
antenas próximas da dançarina para sentir o odor floral aderido a seu
corpo - e que ao deixar a colméia as abelhas recém provocadas sim-
plesmente procuravam através de círculos concêntricos até descobrir
as flores com a fragrância memorizada. O que von Frisch descobriu em
1944 foi quase inacreditável: as seguidoras da dança não procuravam
pelas flores com perfume igual por toda parte ao redor da colméia, mas
somente nas proximidades onde a dançarina tinha forrageado, mesmo
que ela tivesse forrageado em local remoto, como seguindo uma trilha
sombreada à margem de um lago muito longe da colméia. Sem dúvida,
as que chegavam tinham de alguma forma conseguido a informação da
forrageadora bem sucedida sobre a localização da fonte de alimento
bem como sobre seu perfume. Seria esta informação da localização co-
municada dentro da colméia através das danças das abelhas?
A resposta se revelou ser um solene sim. No verão de 1945, no meio
do caos na Europa que ocorreu após o final da II Grande Guerra, von
Frisch retornou às suas abelhas dançarinas, observando agora seus
movimentos mais cuidadosamente do que antes, examinando-os à pro-
cura de dicas que pudessem ajudá-lo a resolver o mistério. Ele desco-
briu que quando a abelha realiza a corrida de requebrado dentro da
colméia escura, ela produz uma réplica miniaturizada de seu voo re-
cente fora da colméia no campo ensolarado, e desta forma indica a lo-
calização da rica fonte de alimento que ela visitou há pouco (fig. 1.4).
Sua codificação da informação sobre a localização da fonte de alimento
ocorre da seguinte maneira. A duração da corrida de requebrado - tor-
nada conspíqua, a despeito da escuridão, pelo zumbido audível das a-
sas da dançarina enquanto ela requebra o corpo - é diretamente pro-
Thomas D. Seeley 9
porcional à distância da jornada. Em média, um segundo da combina-
ção do requebrado do corpo / zumbido das asas representa cerca de
1000 metros (seis décimos de milha) de voo. E o ângulo da corrida de
requebrado, em relação à vertical, representa o ângulo da jornada em
relação à direção do sol. Assim, por exemplo, se uma forrageadora bem
sucedida se desloca diretamente para cima enquanto realiza a corrida
de requebrado, ela indica que “o local de alimentação se encontra na
mesma direção do sol”. Ou se a abelha requebrando aponta 40 graus à
direita da vertical, sua mensagem é, “O local de alimentação está a 40
graus à direita do sol”, como mostrado na figura 1.4. Talvez mais notá-
vel, a abelha que segue a dançarina, monitorando suas corridas de re-
quebrado, tem condições de decodificar sua dança e seguir as instru-
ções de voo.
Fig. 1.4 Como a abelha dançarina codifica a informação sobre a distância e dire-
ção de um rico sítio de flores. Codificação da distância: a duração de cada
corrida de requebrado é proporcional à distância a ser voada fora da colméia.
Codificação da direção: fora da colméia a abelha registra o ângulo de seu voo
em relação à direção do sol e, depois, dentro da colméia ela oriente sua corri-
da de requebrado segundo o mesmo ângulo em relação à vertical. Duas se-
guidoras estão conseguindo as informações da abelha dançarina.
Thomas D. Seeley 11
Frisch. Mais tarde Lindauer disse que quando ele assistiu a palestra e
viu o von Frisch falando sobre a divisão de células, ele entrou num
“mundo novo de humanidade,” onde as pessoas criavam mais do que
destruiam. Ele decidiu estudar biologia e no verão de 1943, depois de
dar baixa do exército como soldado severamente ferido, ele começou os
estudos em Munique. Posteriormente iniciou suas pesquisas de PhD
sobre abelhas, na qual von Frisch foi seu orientador, na primavera de
1945.
Fig. 1.5 Karl von Frisch (o senhor idoso, no centro), Martin Lindauer (jovem se-
nhor, à esquerda) e outros estudantes enquanto se preparavam para realizar
um experimento com abelhas, por volta de 1952.
Dançarinas Sujas
Lindauer possuía uma destreza para perceber pequenos detalhes de
passagem - alguma anomalia curiosa ou comportamento surpreenden-
temente peculiar - que podiam eventualmente se tornar valiosos. Gra-
ças a este talento especial é que Lindauer abraçou seu estudo sobre a
caça ao ninho pelas abelhas, ao qual mais tarde se referiu como “a
Captando a Mensagem
Em Junho de 1952, quando Lindauer estava ocupado em seu segun-
do verão de observações de enxames em Munique, eu nascia a cerca de
6.500 quilômetros (4.000 milhas) numa pequena cidade da Pensilvânia.
Alguns anos mais tarde, minha família mudou-se para Ithaca, Nova
York, que foi minha cidade natal desde então. Crescendo em Ellis Hol-
low, uma comunidade rural, algumas milhas a leste de Ithaca, gastava
a maior parte do meu tempo sozinho explorando as áreas silvestres em
volta de nossa casa: floresta fechada sombreada nas encostas das mon-
tanhas, campos ensolarados abandonados onde a terra era levemente
Thomas D. Seeley 15
inclinada, e o sinuoso Córrego Cascadilla desembocando no pântano no
fundo do vale. Meu achado favorito ficava a cerca de uma milha da mi-
nha casa onde eu chegava através de uma rua empoeirada que levava a
uma velha casa de fazenda. Ali, numa clareira ensolarada ao lado de
um campo de goldenrod, descobri duas colméias de abelhas feitas de
madeira que pertenciam a um apicultor. Gostava de visitar estas col-
méias. Sentado ao lado de uma delas eu podia ver as abelhas pousando
pesadamente no alvado carregadas de pólen brilhante colorido, podia
ouvir o zumbido das abelhas abanando suas asas para ventilar a col-
méia, podia cheirar o aroma do mel sendo amadurecido. O fato de mi-
lhares de insetos viverem amontoados tão densa e harmoniosamente, e
construirem delicados favos de cera e enchê-los de mel delicioso, era
algo quase milagroso que deixava profunda impressão. Não menos im-
pressionante era o que eu vi ao deitar na grama alta ao lado dessas col-
méias: milhares de abelhas zumbindo cruzando o céu azul do verão
como estrelas cadentes.
Foi apenas na universidade - quando meus colegas pareciam mais
interessados em esportes, motocicletas e gurias - que eu fiquei comple-
tamente fascinado pelas abelhas. Tinha uma grande curiosidade sobre
as abelhas desde que um apicultor fez uma palestra-show no terceiro
ano da escola elementar, e me agradou muito receber, na Escola ele-
mentar, como escoteiro, uma distinção por um Estudo de Insetos. De
tempos em tempos sonhava em encomendar uma colméia e abelhas do
catálogo da Sears e iniciar na apicultura. Na verdade comeceia a me
envolverno verão de 1969 quando encontrei um enxame pendurado
num galho de uma árvore, apressadamente preguei algumas taboas fiz
uma colméia rude, derrubei as abelhas dentro da minha colméia e as
levei para casa. Agora eu tinha estas pequenas centelhas de surpresa
vivendo numa caixa que podia abrir com cuidado para observar de per-
to, e assim o fazia por várias horas todo dia depois do trabalho, magne-
tizado pelo intrigado comportamento das abelhas individuais e pela paz
de sua grande comunidade.
No Outono de 1970, meu primeiro ano no Dartnouth College, eu ain-
da não tinha entendido que o estudo das abelhas podia ser assunto sé-
rio, e eu almejava ser médico e teria como hobby a apicultura. Mas a
fascinação pelas abelhas ficava cada vez maior. As abelhas e a apicul-
tura era assunto de quase todos meus textos. Escolhi a química como
área de estudo preferida assim poderia me tornar um decodificador da
linguagem química (feromônios) das abelhas, que começava a ser deci-
frada. Como todos os verões eu voltava para Ithaca eu podia trabalhar
no Laboratório Dyce dedicado a estudar as abelhas em Cornell. O dire-
tor deste laboratório, Roger A. Morse (“Doc”), percebeu minha paixão
pelas abelhas e me aconselhou a pensar um pouco sobre minha gradu-
16 Democracia das Abelhas
ação. Durante meus dois últimos anos em Dartmouth, paulatinamente
me conscientizei que o interesse pela entomologia eclipsou o inperesse
pela medicina, assim que ainda que eu tivesse me inscrito e tivesse si-
do aceito em três escolas de medicina, fiquei emocionado quando fui
aceito em Harvard para seguir os estudos com o notável sociologista de
insetos Edward O. Wilson, cujo livro de 1971 The Insect Societies me
impressionou profundamente.
Quando cheguei a Harvard no outono de 1974, tive a felicidade de
ser orientado por Bert Hölldobler, um brilhante pesquisador do com-
portamento das formigas e pessoa jovem muito simpática, na elabora-
ção de minha tese. Bert retornara há não muito tempo da Universidade
de Frankfurt, Alemanha. Ele fora contratado pela Harvard como profes-
sor de tempo integral para semear na universidade as idéias de Karl
von Frisch sobre o comportamento animal: observações cuidadosas dos
animais vivendo na natureza combinadas com investigações experi-
mentais incisivas sobre os mecanismos subjacentes a estes comporta-
mentos. Na Alemanha, Bert estudou com Martin Lindauer, assim que
ele conhecia as abelhas tão bem quanto as formigas, sua primeira pai-
xão. Ele apoiou minha abelhofilia, e rapidamente ficamos amigos.
O vínculo de Bert Hölldobler com Martin Lindauer foi decisivo para
mim porque eu sabia que desejava que minha pesquisa para a tese de
PhD se aprofundasse na investigação de Lindauer de como uma colônia
de abelhas trabalha como uma unidade, uma espécie de superorga-
nismo. Eu estava especialmente interessado em analisar em grande de-
talhe o processo de tomada de decisão do enxame de abelhas. De volta
a Darthmouth, li o pequeno livro de Lindauer, Communication among
Social Bees, e fiquei especialmente intrigado com o capítulo 2, intitula-
do “Communication by Dancing in Swarm Bees”, no qual ele resume
seus estudos de como um enxame escolhe sua casa. De fato, fiquei tão
fascinado que fui ao encalço de todo o relatório de Lindauer sobre esse
assunto, um documento de 62 páginas, em alemão, intitulado “Sch-
warmbienen auf Wohnungssuche” (O Enxame de Abelhas na Caça ao
Ninho). Havia apenas um problema, eu não entendia Alemão. Minha
solução foi me inscrever num curso introdutório de Alemão em Dart-
mouth, comprar um dicionário Alemão-Inglês, fazer uma cópia Xerox
do trabalho de Lindauer, e pacientemente decifrar o grande trabalho de
Lindauer. (Anotei a lápis nas margens do papel o significado de cada
nova palavra Alemã e esta cópia, densamente anotada, agora com 38
anos de idade, é a parte premiada de minha coleção de separatas.) Ao
estudar este trabalho comecei a me dar conta que as investigações pio-
neiras de Lindauer sobre o processo do enxame de abelhas de tomada
de decisão coletiva fornecem apenas um entendimento preliminar sobre
o assunto, e que, como todo bom estudo científico, levanta mais ques-
Thomas D. Seeley 17
tões do que apresenta respostas. Fiquei também surpreso - e confesso
que me agradou - que durante os cerca de 20 anos desde que Lindauer
publicou seu trabalho em 1955, ninguém aprofundou a investigação.
Resolvi fazê-lo, iniciando minha pesquisa para a tese de PhD (fig. 1.7).
Este livro pretende apresentar aos biologos e leitores em geral o que
Lindauer aprendeu em 1950, e eu e outros desde 1970, sobre como as
operárias de um enxame conduzem o processo de tomada de decisão
democrática para fazer a escolha de vida ou morte de onde construir
sua nova moradia. Este trabalho revelou como o processo de evolução
por seleção natural, agindo durante milhões de anos, moldou o com-
portamento das abelhas de forma a elas coalescerem numa inteligência
coletiva e única. Esta história sobre as abelhas fornece também orien-
tações úteis aos grupos de pessoas cujos membros compartilham inte-
resses comuns e desejam tomar boas decisões grupais. Principalmente,
ainda, este livro tenta ser uma janela para dentro do mundo privado da
colônia de abelhas. Se ele provocar, de alguma forma, uma curiosidade
para com estas pequenas criaturas pela beleza de seu comportamento
social, pelo seu serviço em manter o mundo florido e repleto de frutas,
então ele terá atingido seu propósito.
Fig. 1.7 O autor em 1974 fazendo um estudo piloto sobre a escolha da moradia
por um enxame.
Um Ser Composto
Quando olhamos através da lateral de vidro de um núcleo de obser-
vação, ou levantamos cuidadosamente a tampa de uma colméia con-
vencional e espiamos seu interior, vemos o oposto a abelhas solitárias:
milhares e milhares de abelhas vivendo junto. Praticamente todas são
abelhas fêmeas operárias, todas são filhas de uma mesma abelha rai-
nha que vive entre elas. Ainda que estas operárias sejam fêmeas e do-
tadas do instinto para cuidar dos descendentes, seus ovários são pouco
desenvolvidos e raramente depositam ovos. Caso examinarmos cuida-
dosamente os favos da colméia encontraremos a rainha, parecida com
as operárias mas um pouco maior, com abdômen e pernas mais longas
(fig. 2.1). Seu porte maior é impressionante, mas o que mais lhe confere
conspicuidade é como ela se desloca lentamente, ainda que majesto-
samente, pelos favos e como ela é tratada por suas filhas operárias. À
medida que a rainha avança, as operárias que se encontram à sua
frente recuam para lhe dar passagem e, quando ela para, uma dúzia ou
mais de operárias avança cuidadosamente para alimentá-la e limpá-la,
Fig. 2.1 A rainha é maior do que as operárias que a rodeiam, alimentam e lim-
pam.
Fig. 2.2 Quando a rainha encontra um alvéolo vazio e limpo ela insere nele seu
longo abdômen e deposita um único ovo na base do alvéolo.
Fig. 2.5 A temperatura elevada e estável dentro do ninho de uma colônia de abe-
lhas, comparada com a temperatura do ar exterior.
Fig. 2.7 Ninho de uma colônia que não encontrou uma cavidade protegida para
nidificar.
Fig. 2.8 Variação semanal do peso de uma colônia de abelhas (colméia mais abe-
lhas e alimento armazenado).
Reprodução da Colônia
A reprodução da colônia de abelhas é um acontecimento curiosa-
mente complexo, pois cada colônia é hermafrodita, significa que ela tem
tanto o poder reprodutivo masculino quanto feminino. Isto é decidida-
mente diferente de nós e da maioria dos outros animais, onde cada in-
divíduo é macho ou fêmea, mas é surpreendentemente semelhante à
maioria das plantas como a macieira. De fato, para entender como a
colônia de abelhas se reproduz, penso ser útil comparar como as colô-
nias de abelhas e as macieiras conseguem a reprodução sexual. Sua
similaridade é que ambos os tipos de indivíduos - colônia e árvore -
produzem tanto o propagador masculino quanto o feminino. Os propa-
Fig. 2.9 Alvéolos contendo larvas, visíveis como vermes brancos em forma de C.
Enxameação
Na parte norte do estado de Nova York, onde vivo, minhas colônias
começam a liberar seus zangões no final de Abril e seus enxames - ca-
da um consistindo de uma rainha acompanhada de várias milhares de
operárias - uma semana ou duas mais tarde, no início de Maio. Em es-
sência, a reprodução da colônia começa pouco depois do término do in-
verno. Na maioria dos anos, a estação de enxameação começa depois
de termos gozado algumas semanas de dias agradáveis e grande flores-
cimento do bordo (Acer spp.), salgueiro (Salix discolor) e skunk cabbage
plants (Symplocarpus foetidus). Nesta época, as colônias já coletaram
muito alimento, suas rainhas já depositaram ovos e sua população de
operárias cresceu significativamente. Posso prever com grande confian-
ça quando encontrarei meu primeiro enxame observando quando mi-
nha colméia instalada sobre a balança termina os seis longos meses de
queda livre de peso e começa a recompor suas reservas de néctar e pó-
len frescos (ver fig. 2.8).
A enxameação começa no início do verão pois cada colônia nova tem
muito a fazer para sobreviver o próximo inverno. Especificamente, cada
enxame (nova colônia) precisa localizar uma cavidade conveniente para
nidificar, ocupá-la, construir um conjunto de favos, criar novas operá-
rias e armazenar provisões suficientes para agüentar o inverno. Inici-
ando mais cedo certamente ajuda a colônia vencer tais desafios. Apesar
disso, infelizmente, muitas novas colônias não armazenam mel sufici-
Fig. 2.10 Uma realeira grande semelhante a um amendoim na qual as rainhas são
criadas.
Fig. 2.11 Uma operária sacudindo a rainha. A seta indica a vibração dorso-ventral
do corpo da abelha.
Rainhas filhas
são criadas
Ótimo
A rainha mãe par-
te com parte da
A força de trabalho A primeira rainha
força de trabalho
das operárias cresce filha herda o ninho A segunda rainha
(enxame primário)
até a força total materno filha herda o ninho
materno
Colônia I
Thomas D. Seeley 37
Fig. 2.13 Principais eventos no ciclo de vida da colônia de abelhas.
Fig. 2.14 Sinais de pio da rainha, registrados como vibrações do favo. Uma prin-
cesa sobre o favo produz um apito que provoca um grasnido de outra prince-
sa ainda confinada em sua realeira. A unidade no eixo vertical - milímetros
por segundo - é medida da energia do som.
Thomas D. Seeley 39
3. A CASA DOS SONHOS DAS ABELHAS
Thomas D. Seeley 43
Bert Hölldobler e Edward O. Wilson explicam que von Frisch e Lindau-
er tinham a filosofia da pesquisa baseada em:
um interesse sem limite e apaixonado – um sentimento - no orga-
nismo, especialmente assim como ele vive no ambiente natural. Estu-
dar a espécie de sua preferência, de toda forma que você puder, exige
uma abordagem do todo orgânico. Tente entender, ou pelo menos tente
imaginar, como seu comportamento e fisiologia o adapta ao mundo re-
al. Em seguida selecione uma peça do comportamento que pode ser se-
parada e analisada como se fosse um pouco da anatomia. Tendo identi-
ficado um fenômeno que lhe interessa, oriente a investigação na dire-
ção mais promissora.
Meu orientador da tese, Bert Hölldobler, apresentou esta forma de
estudar o comportamento em seu curso de etologia em Harvard e, mais
importante, demonstrou seu poder em seus próprios estudos espetacu-
lares e maravilhosos sobre o comportamento social das formigas. As-
sim, ao final do meu primeiro ano na escola de graduação, eu estava
ansioso para começar. Eu queria sentir as abelhas vivendo na nature-
za, para depois analisar o seu comportamento de caça ao ninho, e ver
se eu poderia continuar a investigação onde Martin Lindauer parou há
cerca de 20 anos atrás.
Eu sabia que podia abandonar Harvard no momento em que tivesse
feito meus exames do semestre da primavera, e tinha a intenção de re-
tornar ao Laboratório Dyce para os estudos sobre a abelha, em Cornell,
onde tinha trabalhado durante os quatro verões anteriores como estu-
dante não graduado. O Diretor do Laboratório, Professor Roger A. Mor-
se, era realmente um homem generoso. Ele me deu as boas vindas por
meu retorno, arrumou uma mesa e providenciou diversas ferramentas
para o projeto – uma potente motosserra, cunha de ferro, marreta e
uma pickup verde do laboratório. Mais importante, “Doc” Morse me a-
presentou a um membro da equipe técnica do Departamento de Ento-
mologia, Herb Nelson, que na juventude trabalhara como lenhador nas
florestas de Maine e podia me ensinar como cortar grandes árvores sem
ser morto por elas.
Herb e eu começamos com algumas árvores com abelhas que eu ti-
nha descoberto antes de ingressar na Universidade quando explorava a
floresta perto da casa da minha família. Além desses outros que locali-
zei através de anúncio no jornal local, o Ithaca Journal. O anúncio dizia
“Procura-se árvores com abelhas. Paga-se $15 ou 15 libras de mel por
uma árvore que esteja alojando uma colônia viva de abelhas. 607-254-
5443.” Eu temia que não receberia nenhum telefonema, mas dentro de
uma semana consegui 18 árvores com abelhas nos arredores de Ithaca.
Dois proprietários preferiram dinheiro; todos os demais queriam mel.
44 Democracia das Abelhas
Fig. 3.2 Árvore com abelhas, com um buraco num nó, que serve de entrada de ni-
nho, visível em cima à esquerda da forquilha.
Thomas D. Seeley 45
abelhas de cada colônia selvagem ao dissecar o ninho.
Fig. 3.3 Ninho de abelhas natural na árvore mostrada na figura 3.2. A seção da
árvore que abrigava as abelhas foi aberta, mostrando os favos com mel (aci-
ma) e a cria (abaixo). O buraco de entrada está à esquerda, a cerca de dois
terços da altura da cavidade.
Fig. 3.4 Distribuição dos volumes das cavidades para 21 ninhos em buracos de
árvores.
Thomas D. Seeley 49
latório inicial sobre ninhos perto do solo foi um erro que se originou por
influência não intencional da forma como amostrei a população de ni-
nhos naturais. Os ninhos que estudei foram os encontrados ao acaso
por pessoas caminhando ao passarem perto das árvores com abelhas, e
porque é muito mais provável que as pessoas sejam alertadas pelas a-
belhas em voo de entradas de ninhos ao nível do solo do que de entra-
das no alto das árvores, involuntariamente estudei ninhos cujas entra-
das ficavam longe do local típico. Estou certo desta conclusão pois vá-
rios anos mais tarde, quando me tornei um caçador de abelhas e domi-
nei a antiga habilidade de seguir abelhas (localizando árvores com abe-
lhas através da amostragem de forrageadoras em flores e observando
seus voos de retorno ao ninho), concluí que toda a caça terminava
perscrutando as abelhas entrando e saindo do ninho alto na árvore,
como o mostrado na figura 3.2. Até a presente data localizei 27 ninhos
de abelhas seguindo abelhas e posso relatar que a média da altura da
entrada de seus ninhos é 6,5 metros (21 pés). Não é necessário dizer,
estou alerta a perigos ocultos de influencia não intencional nas amos-
tragens.
Thomas D. Seeley 55
Fig. 3.7 Duas das caixas iscas utilizadas para testar se as abelhas preferem uma
cavidade de ninho que seja hermética (à direita) a uma que seja rude (à es-
querda), com muitos furos nas paredes.
Gratuito
Um dos aspectos que torna o estudo das abelhas tão agradável é a
forma como algo aprendido pela pesquisa impulsionada pela curiosida-
de, seguidamente, revela, inesperadamente, ter valor prático. Meu me-
lhor exemplo deste fenômeno é como, conhecendo algo sobre os hábitos
das abelhas Asiáticas de se livrarem das fezes, ajudei a eliminar ten-
sões entre os Estados Unidos e a União Soviética na década de 1980.
Esta história começa na década de 1970 quando eu terminei a gradua-
ção e tive a felicidade de viajar além mar para estudar as admiráveis
espécies de abelhas que vivem nos trópicos da Ásia: a abelha Asiática
(Apis cerana), a abelha anã (Apis florea) e a abelha gigante (Apis dorsa-
ta). Com apoio da National Geographic Society, minha esposa Robin e
eu partimos para um estudo, durante 10 meses, das estratégias de de-
fesa das colônias das três espécies de abelhas Asiáticas que vivem na
Tailândia. Instalamos acampamento na floresta virgem das montanhas
do vasto Parque Nacional Khao Yai no nordeste da Tailândia, onde se
pode desfrutar a visão dos búceros voando entre as árvores frondosas,
o sinistro cheiro de urina do tigre Asiático depositada ao longo de sua
trilha, a gritaria dos grandes macacos de cara branca logo após o ama-
nhecer e a misteriosa biologia da abelha Asiática. Lentamente fomos
formando uma imagem das fascinantes e complexas formas de defesa
de cada espécie de abelha contra inimigos como as vespas gigantes, as
formigas tecedoras, o buzzard do mel, o musaranho das árvores, o ma-
Fig. 3.8 Caixa isca projetada com base nas preferências para local de nidificação
das abelhas.
Imposto Predial
Provavelmente todo dono de uma casa tem curiosidade de saber co-
mo o governo local avalia a área do lote em que se encontra a moradia,
área da casa que se encontra no lote, número de quartos e banheiros
na casa e assim por diante a fim de determinar o valor do imposto de
uma propriedade particular. Eu estava curioso sobre o mesmo tema
com as batedoras em Agosto de 1974, quando vi várias batedoras pers-
crutando um local candidato a moradia. Isto aconteceu no verão antes
de partir para iniciar o curso superior em Harvard. Eu estava traba-
lhando feliz para Doc Morse no Laboratório Dyce em Cornell, mas esta-
va um pouco ansioso sobre a escolha do assunto para minha tese de
doutorado; aprofundar o trabalho de Martin Lindauer de como um en-
xame escolhe sua casa. Em 20 anos, ninguém retomou, muito menos
resolveu, os muitos mistérios levantados pelo estudo de Lindauer. Cla-
ramente, estava ali uma oportunidade de primeira linha, mas teria eu
sucesso em fazer algo sobre o assunto? Para começar a ver o que eu
poderia fazer, decidi simplesmente olhar, com meus olhos bem abertos,
um enxame durante o processo democrático de tomada de decisão.
Trabalhando para o Doc, aprendi como fazer um enxame artificial – sa-
cudindo uma colônia (rainha e operárias) numa gaiola para deixar as
sem casa, em seguida alimentando-as abundantemente com xarope de
água com açúcar para deixá-las estufadas com alimento como as abe-
lhas de um enxame natural - assim preparei um enxame e o instalei
nos fundos da casa dos meus pais em Ellis Hollow (ver fig. 1.7). Tam-
Thomas D. Seeley 59
bém preguei uma caixa para enxame, que construíra com pedaços de
compensado, a um pinheiro que ficava a cerca de 150 metros (500 pés),
na esperança que as batedoras a descobrissem e a escolhessem para
sua nova moradia. Instalei a caixa na altura dos olhos assim eu podia
observar facilmente toda batedora que a visitasse.
O final de semana em que observei este enxame se tornou um marco
em minha vida. As batedoras começaram a anunciar de imediato vários
possíveis locais com suas danças e em pouco tempo uma abelha estava
dançando com entusiasmo evidente para um local próximo e para o
norte: minha caixa ninho! As danças vívidas dessa abelha fizeram apa-
recer de imediato um pequeno grupo de abelhas na caixa. De volta ao
enxame eu marquei várias abelhas que dançavam para a minha caixa
com pontos de tinta no tórax e no abdômen, dotando diferentes abelhas
com diferentes combinações de cores. Este truque simples transformou
estes indivíduos de meros membros de Apis mellifera em indivíduos
com os quais criei uma relação pessoal cujas atividades se tornaram de
grande interesse para mim. No enxame vi como uma batedora pode
realizar uma sessão de danças vigorosas, contatar outras abelhas com
movimentos ágeis das antenas para implorar uma gota de mel, por ve-
zes se limpar da incômoda marca de tinta e sair novamente em voo por
20 a 30 minutos. Quando ela retornava, ela podia dançar novamente,
mas ela podia também apenas permanecer quieta dentro do amontoado
do enxame. Na caixa ninho, vi como minhas abelhas marcadas pousa-
vam e corriam agitadamente pela abertura da entrada e retornavam a-
pressadas, um minuto mais tarde, em seguida elas podiam correr bre-
vemente em torno da entrada e depois retornar para dentro ou realizar
um voo lento pairando em volta da caixa, normalmente de frente para a
caixa e pairando a algumas polegadas da caixa, aparentemente fazendo
uma inspeção visual detalhada da estrutura do ninho (fig. 3.9). Nunca
antes eu tinha visto uma abelha se portar com intenção tão persistente
para conseguir informações. Fiquei profundamente intrigado. Também
meus receios sobre a escolha do tópico da tese se desvaneceram, pois
me senti confiante que poderia explorar como uma batedora inspeciona
um local.
Comecei a estudar cuidadosamente o comportamento de inspeção do
local de nidificação pelas batedoras no verão seguinte, em Junho de
1975. Para fazê-lo, devia abandonar as florestas em volta de Ithaca,
onde desde inicio de Maio eu estivera ocupado procurando árvores com
abelhas e descrevendo ninhos naturais, e passar para um local sem a-
brigos naturais para as abelhas: Ilha de Appledore (fig. 3.10). Esta ilha
rochosa e com muito vento tem no máximo 900 metros (meia milha) de
comprimento e fica a 10 quilômetros (6 milhas) Oceano Atlântico a den-
tro ao sul da costa de Maine. É o local do Shoal Marine Laboratory da
60 Democracia das Abelhas
Cornell University e da University of New Hampshire. Senti-me atraído
pela Appledore pois não existiam abelhas residentes e não havia árvo-
res altas. Pelo contrário, era ocupada por aproximadamente mil pares
de grandes gaivotas (Larus argentatus) e grandes gaivotas de costas
pretas (Larus marinus), e era coberta por um bosque cerrado de eras
venenosas com 3 metros (10 pés) de altura juntamente com arbustos
de amoras e arbustos de cerejas castigados pelo vento, tudo ricamente
fertilizado pelas gaivotas. Conclui que se eu levasse um enxame de abe-
lhas para esta pequeníssima ilha, as abelhas deveriam concentrar sua
busca pela moradia nos locais de nidificação artificiais que eu provi-
denciasse. Se isso acontecesse, eu poderia observar seu comportamen-
to sob condições controladas e aprender como elas avaliam o local de
moradia.
Thomas D. Seeley 61
sim que eu podia espiar dentro da caixa sem perturbar as batedoras.
Nas superfícies internas da caixa foi traçada uma grade de coordena-
das, sistema que me permitia registrar como a batedora se movimenta-
va enquanto dentro da caixa. Depois de instalar o abrigo no vale de um
lado da ilha, instalei um pequeno enxame (cerca de 2.000 abelhas) no
centro da ilha. As abelhas estavam marcadas com pontos de tinta em
que foi utilizado um código de cores de tal forma que tornava as abe-
lhas identificáveis individualmente. Recolhi-me ao abrigo para esperar
as batedoras.
Fig. 3.10 Acima: Ilha de Appledore, Maine, em primeiro plano, com oito das várias
outras ilhas do arquipélago Isles of Shoals ao fundo. Abaixo: rochas, vegeta-
ção raquítica e as gaivotas residentes numa manhã enevoada.
Fig. 3.13 Indicação do caminho percorrido pela batedora para inspecionar uma
possível cavidade para nidificação pelo traçado do deslocamento da batedora
em quatro de 25 incursões que ela fez durante sua inspeção da caixa do ni-
nho de observação. As linhas sólidas indicam onde a abelha estava cami-
nhando; linhas tracejadas indicam voo da batedora.
Thomas D. Seeley 65
dora caminhar perto da entrada durante suas jornadas no interior, en-
quanto mais tarde ela penetra até o canto mais remoto da cavidade (fig.
3.13). A reconstrução tridimensional do caminho percorrido por uma
batedora individual revela que quando a inspeção é finalizada, uma ba-
tedora percorreu 60 metros (200 pés) ou mais no interior da cavidade e
cobriu todas as superfícies internas.
Despendi quatro semanas na Ilha Appledore em 1975, parti sem re-
solver o mistério de como as batedoras avaliam os locais candidatos a
moradia. Contudo, conclui que fiz um progresso satisfatório. Aprendi
como trabalhar com enxames nesta ilha em mar aberto, onde ventos
gelados e cerração pesistente, por vezes, atrapalham meu trabalho com
abelhas, mas também onde o ar salgado, ondas quebrando nas praias
rochosas e as gaivotas barulhentas sempre são encorajadoras. Descobri
ainda como uma batedora se comporta quando inspeciona um possível
local de moradia. Conhecer este comportamento se mostrou valioso ao
planejar o futuro trabalho experimental em Appledore. Quando retornei
à ilha em Julho de 1976, me concentrei na charada de como as batedo-
ras podiam medir o porte de uma cavidade de nidificação em potencial,
que é imensa comparada com o tamanho de uma abelha. O volume da
cavidade é a propriedade do local de nidificação que talvez seja a mais
crítica para a sobrevivência, a longo prazo, da colônia, uma vez que
qualquer colônia ocupando uma cavidade de 10 litros ou menos não
consegue armazenar mel suficiente para passar o inverno, assim sus-
peitava que as abelhas tivessem desenvolvido uma forma de medir o vo-
lume da cavidade com precisão.
Como a batedora mede o volume da cavidade? Sua longa caminhada
durante a inspeção inicial pode fornecer a base para uma estimativa,
mas outra hipótese era que elas simplesmente entravam e olhavam ao
redor. Inicialmente realizei experimentos com caixas ninho nas quais
eu podia variar a iluminação do interior (mudando a quantidade de luz
que entrava através do orifício de entrada) e a superfície da área trans-
versal (pintando a superfície interna com Fluon, material do tipo do te-
flon que cria uma superfície gordurosa sobre a qual a abelha não con-
segue caminhar) (fig.3.14). Concluí que para medir o volume da cavida-
de, a batedora precisa de iluminação interior maior do que 0,5 lux (i-
luminação semelhante à fornecida pela lua cheia) ou de superfícies in-
ternas que pudessem ser percorridas livremente. Quais são as condi-
ções dentro de uma cavidade típica de árvore? Certamente as paredes
de madeira dentro da cavidade são facilmente percorridas pela batedo-
ra. Para medir a luminosidade em cavidades do tipo inspecionado pelas
batedoras, construí um modelo baseado nas medidas que fiz dos ni-
nhos naturais. Dispunha de uma série de aberturas nas quais inseria
um medidor de intensidade luminosa. Concluí que a iluminação era
66 Democracia das Abelhas
menor do que 0,5 lux com exceção de perto da entrada onde entrava
alguma luz solar. Evidentemente, na natureza as batedoras confiam em
primeiro lugar no caminhar pelo possível local de nidificação para me-
dir seu volume.
Fig. 3.14 Dispositivo experimental utilizado para testar como a batedora mede o
volume de uma cavidade. À esquerda: Dispositivo no qual o volume da cavi-
dade podia ser alterado entre 5 litros (com a tampa interna instalada) e 25 li-
tros (tampa interna retirada). O defletor de luz torna possível variar a quanti-
dade de luz que chega pelo buraco da entrada, para ver se as batedoras podi-
am medir o tamanho da cavidade sem confiar muito na visão. Pintando a su-
perfície da parede interna era possível variar a área superficial total atraves-
sável dentro da caixa para descobrir a importância do andar. À direita: Dispo-
sitivo pelo qual a parede da cavidade cilíndrica podia ser rodada para aumen-
tar ou diminuir o percurso da batedora para circunavegar o espaço.
Thomas D. Seeley 69
4. O DEBATE DAS BATEDORAS
Thomas D. Seeley 71
Enquanto estas diferenças – interesses comuns versus conflitantes e
conhecimento local versus global – entre o enxame de abelhas e o en-
contro da cidade são reais, elas não ofuscam muitas semelhanças ex-
tremamente importantes entre a democracia direta das abelhas e dos
seres humanos. Em primeiro lugar, tanto na forma inseto como na
forma humana desta tomada de decisão coletiva, cada decisão sobre o
futuro das ações reflete as contribuições, livremente fornecidas e com
peso igual, de várias centenas de indivíduos. Em outras palavras, o
controle das ações do grupo é distribuído entre muitos de seus mem-
bros em vez de ficar concentrado em alguns líderes. Em segundo lugar,
como centenas de indivíduos participam integralmente, o grupo pode
conseguir e processar informação de múltiplas fontes simultaneamen-
te, até mesmo as que estiverem muito espalhadas. Considere, por e-
xemplo, o primeiro estágio de todo processo de tomada de decisão, on-
de o desafio crítico é identificar as opções disponíveis. Pela vantagem de
existirem numerosos indivíduos examinando um problema e apresen-
tando soluções possíveis a ele, tanto o enxame quanto o encontro da
cidade tem muito mais condições do que qualquer abelha solitária ou
qualquer pessoa individual de trazer uma grande gama de opções al-
ternativas. E quanto maior for esta gama de opções, é muito mais pro-
vável que ela inclua a melhor opção. Em terceiro lugar, e mais intrigan-
te, tanto no enxame como no encontro da cidade, a forma como o grupo
seleciona o curso das ações futuras é preparando uma competição a-
berta entre as alternativas propostas. Um indivíduo propõe uma forma
de prosseguir, cada ouvinte faz uma análise independente da proposta
e decide rejeitá-la ou aceitá-la, e os que a aceitam podem manifestar
seu próprio apoio à proposta. Estes endossos seguidamente recrutam
ainda mais apoiadores para esta opção. Quanto melhor a proposta,
mais apoiadores ela atrairá, e é mais provável que ela consiga apoio su-
ficientemente amplo para se tornar a escolha da comunidade.
No caso das abelhas, na caça ao ninho, a competição entre as apoia-
doras das diferentes propostas seguidamente é violenta, com algumas
batedoras defendendo vigorosamente uma atraente cavidade de árvore
enquanto outras batedoras, a apenas algumas abelhas de distância so-
bre a superfície do amontoado do enxame, anunciando entusiastica-
mente um segundo, terceiro ou até um quarto local de moradia desejá-
vel. (Adiante neste capítulo, veremos quais abelhas assumem a “profis-
são” de batedoras do local de nidificação e o que faz estas abelhas exe-
cutarem este trabalho perigoso. Em poucas palavras, as batedoras do
local de nidificação são abelhas mais velhas que trabalhavam como for-
rageadoras comuns, mas abandonaram esta atividade quando percebe-
ram que sua colônia, se preparando para enxamear, não mais precisa-
va de alimento adicional). Mas sempre é uma competição “amigável”; as
72 Democracia das Abelhas
batedoras concordam com terás dualidades do local de nidificação ide-
al, elas estão unidas no objetivo de escolher o melhor local disponível,
elas compartilham suas informações com honestidade total e, por fim,
elas conseguem um acordo unânime sobre sua nova residência. Uma
lição valiosa que podemos aprender das abelhas é que mantendo uma
competição aberta e justa de idéias obtem-se uma solução brilhante
para o problema de tomada de decisão baseada num conjunto de in-
formações dispersas num grupo de indivíduos.
Enxames de Lindauer
A descoberta que enxames usam debates para juntar informações
dispersas foi feita por Martin Lindauer em 1951 e 1952, quando rece-
beu permissão de Karl von Frisch para usar todos os enxames que sur-
giam das colméia de abelhas mantidas no jardim atrás do Instituto de
Zoologia da Universidade de Munique. Assim, finalmente, Lindauer teve
condições de fazer um estudo cuidadoso sobre o que despertou sua cu-
riosidade na primavera de 1949: abelhas empoeiradas dançando sobre
a superfície de um enxame (fig.4.1). As colônias do instituto fizeram
sua parte fornecendo a Lindauer 17 enxames durante os meses de
Maio, Junho e Julho. Muitos dos enxames voaram através das ruas pa-
ra o Jardim Botânico onde pousaram em diversos objetos, e Lindauer
charmosamente identificou cada enxame pelo local de pouso: o enxame
Linden em 18 de Maio de 1951, o enxame Hawthorn em 9 de Julho de
1951, o enxame Balcony em 22 de Junho de 1952, e assim por diante.
Seu cuidado imediato foi determinar se as abelhas dançantes sobre o
enxame eram batedoras de local de nidificação, mas seu objetivo final
era entender como o enxame encontra o local da nova moradia. Saben-
do o valor de iniciar uma investigação sobre comportamento animal
com uma fase de “observação e admirar”, durante a qual pacientemen-
te se fazem muitas observações que podem fornecer descobertas não
esperadas, Lindauer observou do amanhecer ao por do sol as abelhas
realizando danças de requebrado sobre a superfície de cada enxame
amontoado. Sabendo também que ele queria suas abelhas dançarinas
identificadas individualmente, de forma que ele pudesse começar a en-
trar no mundo da abelha num enxame, ele aplicou pintas de tinta colo-
rida no tórax de cada dançarina. Karl von Frisch tinha proposto um es-
quema de marcação em 1910 que permitia numerar abelhas de 1 a 599
com apenas 5 cores, e Lindauer usou este sistema, lançaando habil-
mente com um fino pincel uma a quatro pintas de tintura de goma laca
no tórax de cada dançarina.
Thomas D. Seeley 73
Fig. 4.1 Batedora realizando um dança do requebrado sobre a superfície do enxa-
me.
Thomas D. Seeley 75
ximadamente a 1.500 metros ao norte, enquanto outra propunha um
segundo candidato a 300 metros a sudeste. Pelas 3:00 p.m. o céu ficou
coberto de nuvens carregadas e a temperatura caiu, assim as batedo-
ras pararam suas explorações pelo restante do dia. No dia seguinte as
batedoras permaneceram inativas até o final da manhã quando as nu-
vens sumiram e o sol tornou brilhar. A Figura 4.2 mostra que Lindauer
identificou 11 novas dançarinas entre o meio dia e 5:00 p.m., e que três
delas anunciavam um local a 1.500 metros ao norte, duas outras a-
nunciavam um local a 300 metros a sudeste, e as restantes seis indica-
vam seis outros locais em diferentes direções e distâncias. Claramente,
não foi conseguido acordo entre as abelhas neste segundo dia de deba-
te. No terceiro dia, a chuva predominou durante o dia e Lindauer regis-
trou apenas duas novas dançarinas, ambas no final da manhã. Uma
defendia o local ao norte, reforçando assim este local com alguma lide-
rança entre as dançarinas (com o total de cinco abelhas até o momen-
to), e a outra indicava um novo local, a cerca de 400 metros a sudoeste.
No quarto dia, o céu clareou, o ar ficou ameno, e as abelhas entra-
ram em atividade. Foram relatados mais de 20 novos locais, surpreen-
dentemente o local a 1.500 metros ao norte não recebeu dançarina adi-
cional. Lindauer sugeriu que ele devia ser uma cavidade com vazamen-
to pelo telhado pelo qual a água da chuva deve ter gotejado no dia an-
terior, tornando-o não atrativo como local de nidificação. A maioria des-
tas vinte novas possibilidades foi anunciada, cada uma, por uma única
abelha e assim não seriam sérias propostas no debate das abelhas,
mas algumas receberam a atenção de muitas abelhas e assim se torna-
ram possibilidades importantes. Por exemplo, entre 9:30 a.m. e 4:00
p.m. nove abelhas anunciaram um local situado a 1.500 metros a oes-
te. Mesmo aqui, no entanto, o interesse das abelhas por vezes definha-
va; das 4:00 às 5:00 p.m., Lindauer não registrou nenhuma nova dan-
çarina para o local a oeste. Somente um local, o localizado a 300 me-
tros a sudeste, apresentou interesse das abelhas durante todo o dia,
com novas dançarinas para este local recebendo pinta de tinta sobre o
enxame a cada hora. A figura 4.2 mostra que a taxa registrada por Lin-
dauer de novas dançarinas para o local a sudeste cresceu gradualmen-
te com o passar do dia, e que pelas 4:00 p.m. este local se tornou o pre-
ferido). Mas não foi a não se ao final da hora da atividade de dança, en-
tre 4:00 e 5:00 p.m., que o recrutamento de batedoras para o local a
sudeste suplantou completamente os demais locais, com 61 dançarinas
recém recrutadas anunciando o local a sudeste e somente duas recru-
tando para locais alternativos. A situação permaneceu a mesma na
manhã seguinte, com 83 de 85 dançarinas a favor do local a sudeste.
Finalmente, às 9:40 da manhã de 30 de Junho, este enxame levantou
voo e voou 300 metros para o sudeste para fixar residência na parede
76 Democracia das Abelhas
de um edifício danificado por uma bomba.
O padrão geral que Lindauer relata para o enxame Eck - inicialmente
aparecem novas dançarinas no enxame indicando vários possíveis lo-
cais de nidificação, depois pouco a pouco as novas dançarinas ficam
concentradas em um dos locais, e finalmente o enxame levanta voo na
direção do local preferido – se mostrou típico para os 17 enxames que
ele observou. Eventualmente, no entanto, Lindauer se deparou com
enxames nos quais o debate não progredia tão harmoniosamente. Por
exemplo, algumas vezes as batedoras encontravam dois locais que pro-
vocavam danças vigorosas iniciando quase concomitantemente. Nesta
situação, ambos os locais podiam receber inúmeras novas recrutadas e
assim novas dançarinas para ambos os locais podiam continuar a apa-
recer no enxame por várias horas. De fato, isto tornava extremamente
difícil as dançarinas chegar a um acordo.
A fig 4.3 mostra um exemplo como surge um prolongado debate
quando as batedoras de um enxame criam dois grupos de dançarinas
de igual força. A saga do enxame Propyläen começou no dia 11 de Ju-
nho de 1952, quando ele partiu de sua colméia materna às 2:14 p.m.
Durante o restante da tarde, as batedoras descobriram e relataram 11
locais, um dos quais atraiu o maior número de dançarinas. Vemos que
Lindauer identificou 15 dançarinas para um local a cerca de 900 me-
tros a nordeste, e somente um total de 14 para os outros 10 locais. Ini-
cialmente parecia que as batedoras neste enxame tinham chegado per-
to de um acordo em menos de três horas de discussão. Na manhã do
segundo dia, no entanto, apareceu outro grupo de vigorosas dançari-
nas, com cada um dos seus membros promovendo um local a 1.400
metros a sudoeste. Lindauer relata que “suas danças não eram menos
vívidas nem menos contínuas, e para o observador era tarefa exaspe-
rante testemunhar o cabo de guerra destes dois grupos de danças que
se prolongou por dois dias sem perspectiva de vitória.” Durante todo o
segundo dia o aparecimento de novas dançarinas para os locais a nor-
deste e sudoeste era quase simétrico, e não foi antes do final da manhã
do terceiro dia, 13 de Junho, que esta simetria começou a sumir. Por
alguma razão, o vigor das danças para o local a sudoeste foi enfraque-
cendo lentamente, assim foram marcadas poucas novas dançarinas pa-
ra este local, e durante a tarde a visão de novas dançarinas para o local
a nordeste tomou a frente para o local a sudoeste: primeiro 25 novas
dançarinas contra 9 (12:00 a 2:00 p.m.), depois 41 novas dançarinas
contra 7 (2:00 a 4:00 p.m.) e finalmente 34 contra 0 (4:00 a 5:00 p.m.).
Vemos que no final do terceiro dia foi conseguido um acordo, mas, infe-
lizmente, era muito tarde para o enxame levantar voo para a nova casa.
(Os enxames raramente levantam voo depois das 5:00 p.m., talvez para
evitar o risco de uma mudança sem um longo período de luz do dia pe-
Thomas D. Seeley 77
la frente. A rainha do enxame pode precisar fazer um pouso de emer-
gência para descansar, e quando isto acontece pode demorar cerca de
uma hora para as operárias de um enxame em voo suspenderem o voo
do grupo, localizarem a rainha perdida e voltarem a se reunir em torno
dela.) A demora na tomada de decisão pelo enxame Propyläen forçou
sua permanência até o dia seguinte, o qual se tornou frio e chuvoso,
assim não foi antes da tarde do dia 15 de Junho, quatro dias completos
depois de ter partido da colméia materna, que as abelhas finalmente
voaram para sua nova residência a nordeste.
Lindauer também observou um enxame que não conseguiu chegar a
um acordo, ou seja, nunca surgiu um grupo de dançarinas que domi-
nasse tanto que levasse Lindauer a marcar novas dançarinas para a-
penas um local. Este foi o enxame Balcony de 22 de Junho de 1952
(fig. 4.4). Assim como no enxame Propyläen, suas batedoras entraram
em competição equilibrada, com um grupo de dançarinas defendendo
um local a 600 metros para o noroeste e um segundo grupo favorecen-
do, por sua vez, um local a 800 metros para sudoeste. Por quatro horas
(12:00 a 4:00 p.m.) nenhum grupo conseguiu decidir a seu favor. Ape-
sar disso, às 4:00 p.m. o enxame levantou voo e em seguida fez algo
que Lindauer dificilmente poderia acreditar ainda que estivesse vendo
com seus próprios olhos. Em suas palavras, “O enxame ... parecia se
dividir a si mesmo. Metade queria voar para o noroeste e a outra meta-
de para o sudoeste. Aparentemente, cada grupo de batedoras queria
abduzir o enxame para o local de nidificação de sua escolha.” E cada
grupo conseguiu em parte, pois metade das abelhas em voo começaram
a se mover para sudoeste em direção da estação Ferroviária central en-
quanto a outra metade começou a tender para o noroeste em direção a
Karlstrasse (ver fig. 1.6). Mas nenhum grupo conseguiu manter as abe-
lhas para a sua direção desejada, talvez porque a cada um faltasse a
rainha, e finalmente as duas nuvens de abelhas se reuniram em voo no
ar no ponto onde começaram. Em seguida começou um memorável ca-
bo de guerra entre os dois grupos. Durante a próxima meia hora, um
grupo tentou novamente avançar para noroeste, avançando cerca de
100 metros antes de retornar, depois o outro grupo avançou 150 me-
tros para o sudoeste, mas em seguida também ele retornou ao local o-
riginal. Nesta altura as abelhas pousaram no balcão onde elas estavam
anteriormente aglomeradas. Infelizmente, a rainha do enxame se per-
deu durante o cabo de guerra aéreo, e durante as horas que se segui-
ram Lindauer viu o amontoado do enxame se dissolver lentamente pois
as abelhas sem rainha partiam para sua colméia materna.
Fig. 4.4 Padrão de danças produzido pelas batedoras do enxame Balcony, obser-
vado por Lindauer em Junho de 1952. As batedoras deste enxame nunca
conseguiram um acordo.
Meus Enxames
Uma grande descoberta científica é aquela que esclarece brilhantes
percepções, cuja luz afasta a escuridão, apresenta novas perspectivas e
revela horizontes desconhecidos. Martin Lindauer fez tal descoberta
quando ele concluiu que um enxame escolhe sua futura moradia atra-
vés de um debate no qual as batedoras do local de nidificação expres-
sam seus argumentos através de danças do requebrado. Ele esclareceu
a função das danças nos enxames, abriu uma trilha para o entendi-
mento do sistema de tomada de decisão do enxame de abelhas e, mais
importante, ele nos guiou através de um território científico totalmente
Thomas D. Seeley 83
Fig. 4.6 Padrão de danças produzido pelas batedoras do Enxame 1, observado por
Seeley e Buhrman em Junho de 1997. A espessura de cada seta mostra o
número total de dançarinas para o local durante o período indicado. As bate-
doras deste enxame conseguiram um consenso rapidamente.
Fig. 4.7 Padrão de danças produzido pelas batedoras do Enxame 3, observado por
Seeley e Buhrman em Julho de 1997. As batedoras deste enxame chegaram a
um consenso rapidamente, mas somente depois de uma prolongada disputa
entre as batedoras dos locais B e G.
Fig. 4.8 Arranjo preparado por Lindauer com dois locais de nidificação artificiais
ao lado de uma pequena mesa de alimentação com um alimentador suprido
com xarope rico em açúcar.
Foi uma grande satisfação ver a competição pela dança entre as abe-
lhas batedoras, mas foi um prazer ainda maior analisar diagramas co-
mo das figuras 4.6 e 4.7 que preparamos várias semanas mais tarde,
depois de termos extraído todas as informações de que precisávamos
das 48 horas de registros. Estes diagramas nos fornecem uma imagem
clara da característica do processo de tomada de decisão das batedo-
ras. Primeiro, eles mostram que o debate entre as abelhas começa lento
Thomas D. Seeley 87
com uma fase de acúmulo de informação durante a qual as batedoras
colocam “sobre a mesa” um número relativamente grande de alternati-
vas. Nos três enxames que Susannah e eu observamos o número de lo-
cais considerados foi 13, 5 e 11. Estes locais estavam situados em vá-
rias direções e a várias distâncias (200 a 4.800 metros) do amontoado
do enxame, o que indica que as intrépidas batedoras destes enxames
procuraram por cerca de 70 quilômetros quadrados (cerca de 30 milhas
quadradas) pela redondeza por possíveis locais de moradia. A maioria
dos locais candidatos era introduzida durante a primeira metade das
deliberações, mas como podemos ver com os locais L e M no Enxame 1
(fig. 4.6), por vezes alguns são introduzidos um pouco mais tarde na
discussão. Certamente um enxame não espera identificar todas as op-
ções simultaneamente, mas como veremos no capítulo 5, esta falta de
sincronia normalmente não leva os enxames a tomar uma decisão po-
bre.
Segundo, os gráficos dos registros das danças mostram que o debate
das batedoras termina com todas ou quase todas as dançarinas anun-
ciando apenas um local, isto é, evidenciando o consenso. Uma questão
interessante é, conseqüentemente, como uma competição acirrada en-
tre grupos de abelhas apoiando diferentes opções se transforma em a-
cordo harmonioso? Especificamente, como aumenta o número de dan-
çarinas para um local (geralmente o melhor, como veremos no capítulo
5) enquanto ao mesmo tempo cai para zero para os outros locais? Ve-
remos, no capítulo 6, como as abelhas conseguem essa proeza usando
um interessante truque.
Terceiro, nossas análises mostram que o processo de tomada de de-
cisão das abelhas é altamente distribuído e assim um processo demo-
crático envolvendo dúzias ou centenas de indivíduos. Susannah e eu
observamos 73, 47 e 149 abelhas realizando danças em três enxames
que estudamos. Estas contagens, no entanto, provavelmente subesti-
mam o número típico de dançarinas num enxame. Estes resultados se
devem ao fato de termos usado enxames pequenos, com somente
3.252, 2.357 e 3.649 abelhas - para tornar factível nossa tarefa de ro-
tular individualmente as abelhas. Enxames na natureza contem nor-
malmente 6.000 a 14.000 abelhas. A percentagem média de dançarinas
em nossos enxames com abelhas rotuladas foi de 2,8 por cento, o que é
semelhante aos 5,4 por cento apresentado por enxames naturais como
relatado por David Giilly, outro dedicado estudante de graduação da
Cornell que investigou o mistério da identidade das batedoras (próxima
seção). Considerando que 3 a 5 por cento das abelhas de um enxame
participam do debate da dança, podemos estimar que um enxame típi-
co com 10.000 abelhas terá aproximadamente 300 a 500 indivíduos
contribuindo para o processo de tomada de decisão.
88 Democracia das Abelhas
Exploradoras Intrépidas
A profissão de procura por um local de nidificação é exercida apenas
alguns dias a cada ano, normalmente no final da primavera ou início
do verão. Este fato, junto com o fato que o tempo de vida da abelha é
curto - apenas três a cinco semanas durante os meses quentes do ano -
nos diz que muitas gerações de abelhas passarão sem a necessidade de
aparecerem indivíduos que busquem por novas acomodações. E ainda
quando uma colônia se prepara para enxamear, uma pequena fração
de sua força de trabalho entra em ação na busca por local de nidifica-
ção. Estas intrépidas exploradoras são as principais provocadoras de
todo o processo de enxameação. Elas determinam quando o enxame
deixará sua colméia materna (como discutido no capítulo 2), elas fazem
a escolha, que significa a vida ou morte do enxame, de uma convenien-
te cavidade de nidificação, elas incitam o enxame a levantar voo para
sua nova moradia (ver capítulo 7), e elas conduzem o enxame durante o
voo (ver capítulo 8). Quem são estas abelhas tão importantes? E o que
as faz entrar em ação?Evidentemente as batedoras são forrageadoras
que trocaram radicalmente seu comportamento, assim em vez de pro-
curar flores brilhantes elas procuram cavidades escuras. A primeira e-
vidência de que as batedoras são forrageadoras reconfiguradas vem de
um experimento conduzido por Martin Lindauer. Em 11 de Maio de
1954, Lindauer instalou uma colônia a leste de Munique onde a planí-
cie atingia o horizonte e eram poucas as árvores e casas a oferecerem
cavidades para nidificação. Havia, no entanto, abundante forragem pa-
ra as abelhas e dentro de uma semana elas começaram a encher os fa-
vos em sua colméia com cria, pólen e mel. Lindauer esperava que elas
enxameassem em breve e elas o fizeram, liberando um enxame em 27
de Maio. Dez dias antes, no dia 17 de Maio, Lindauer tinha instalado
uma mesa 250 metros (820 pés) da colméia e colocado um alimentador
com solução rica em açúcar (sacarose granulada dissolvida em mel).
Em poucos dias ele tinha mais de 100 abelhas desta colméia forrage-
ando avidamente no alimentador, e ele rotulou cada uma com pinta co-
lorida para identificação individual. Depois, no dia 22 de Maio, ele ins-
talou dois ninhos artificiais ao lado do alimentador: um skep de palha e
uma colméia de madeira (fig. 4.8). Nos dias que se seguiram Lindauer
começou a ver uma mudança curiosa no comportamento das abelhas
que visitavam o alimentador. Primeiro, diminuiu sua avidez pelo forra-
geamento. Menos e menos abelhas rotuladas faziam viagens para o a-
limentador e as que continuavam visitando o faziam menos e menos
freqüentemente. Algumas vezes elas sugavam apenas com hesitação o
rico xarope de açúcar. Finalmente, na manhã do dia 25 de Maio, Lin-
dauer registra que “as abelhas forrageadoras fizeram apenas uma pre-
tensa chegada no alimentador. Elas sugaram muito rapidamente nele,
Thomas D. Seeley 89
mas em seguida elas sobrevoaram e zumbiram nas proximidades por
algum tempo.” Um buraco em um nó num carvalho próximo chamava
sua atenção, bem como os dois ninhos artificiais que Lindauer tinha
providenciado. Durante a tarde, seis de suas forrageadoras rotuladas
(Abelha 73, Abelha 100, Abelha 106, Abelha 113, Abelha 119 e Abelha
156) realizaram 15 inspeções no skep e oito na colméia. Não havia dú-
vida: algumas de suas forrageadoras se tornaram batedoras!
A segunda indicação de que as batedoras em busca de um novo local
de nidificação são forrageadoras convertidas vem de um estudo realiza-
do por Dave Gilley, um talentoso estudante que aderiu ao meu labora-
tório e rapidamente ficou fissionado pelas abelhas. Para obter o grau de
louvor na Cornell o estudante de biologia deve escrever uma tese com
base em pesquisa original. Dave chegou na primavera de seu primeiro
ano procurando um projeto de tese sobre abelhas. Sugeri que ele inves-
tigasse o mistério de quais se tornam batedoras por um novo local de
nidificação, e ele aceitou prontamente. Lindauer mostrou que algumas
batedoras eram anteriormente forrageadoras. Dave queria ver se todas
ou a maioria das batedoras eram forrageadoras anteriormente. Em
sendo assim, as batedoras deveriam estar entre as abelhas mais velhas
do enxame, pois é consenso que as forrageadoras são as abelhas mais
velhas da colméia. Dave testou esta predição instalando cinco peque-
nas colônias de abelhas no inicio de Maio e a cada três dias, de 5 de
Maio a 22 de Julho, acrescentou a cada uma delas levas de 100 abe-
lhas que recém tinham emergido dos favos de cria mantidos numa in-
cubadora (abelhas com zero dias de idade). Todas as abelhas de cada
leva estavam rotuladas com uma pinta colorida de uma cor em particu-
lar indicando o grupo ao qual elas pertenciam. Durante as semanas
que se seguiram, Dave enchia as colônias com abelhas coloridas e as
abelhas enchiam seus favos com cria, pólen e mel. Em seguida, uma
após a outra em Junho e Julho, as colônias enxamearam. Assim que o
enxame tinha pousado num amontoado fora do prédio do laboratório,
Dave podia observar pacientemente as abelhas marcadas com cores re-
alizando danças, e toda vez que ele via uma abelha ele podia registrar
sua idade e aplicar sobre ela outra pinta colorida (para evitar contar
essa abelha novamente). Assim que ele tinha marcado aproximadamen-
te 50 batedoras de um novo local de nidificação com idade conhecida,
ele apanhou todo o enxame, anestesiou as abelhas com dióxido de car-
bono e as colocou num freezer e, finalmente, retirou as abelhas mortas
para contar quantas pertenciam a cada leva de idade. Estas contagens
lhe permitiram calcular a distribuição de idade das batedoras por um
local de nidificação que se poderia esperar se elas tivessem surgido ao
acaso de entre todas as abelhas com idade conhecida no enxame. A fi-
gura 4.9 mostra o resultado típico para um enxame. Vemos que no
90 Democracia das Abelhas
conjunto de batedoras do local de nidificação existem muito mais abe-
lhas mais velhas – isto é com idade de forrageamento – do que se pode-
ria esperar caso as batedoras tivessem surgido ao acaso do conjunto de
abelhas com idade conhecida no enxame. Estas conclusões confirmam
a hipótese que as batedoras em sua maioria, se não totalmente, surgem
do conjunto de forrageadoras da colônia. Tanto as batedoras quanto as
forrageadoras fazem voos de longa distância a partir do local central
(colméia ou enxame) e depois devem encontrar seu caminho de volta
para casa, assim é fácil imaginar que as abelhas com experiência de
forrageamento são as melhores batedoras.
O Melhor de N?
Para investigar se as batedoras de um enxame conseguem acordo
sobre o melhor local disponível, precisei prosseguir observando suas
danças para os locais naturais de nidificação sobre o amontoado do
enxame. Especificamente, precisava lhes apresentar um conjunto de
locais de nidificação artificiais que diferissem na qualidade, e precisava
fazê-lo onde não existissem locais naturais para nidificação assim que
as batedoras tivessem que concentrar sua atenção nos locais que lhes
ofereci para moradia. Com tal montagem poderia concluir se as batedo-
ras do enxame escolhem consistentemente o melhor local de nidificação
de um conjunto de alternativas – os biólogos se referem a isto como re-
solver o problema de escolher o “melhor-de-N” – ou se elas na verdade
não conseguem uma tomada de decisão ótima.
Pode-se imaginar várias formas segundo as quais a escolha do en-
xame por sua nova moradia possa ficar um pouco fora da perfeição.
Como vimos no capítulo 4, as batedoras de um enxame não fazem en-
trar no debate todos os locais candidatos ao mesmo tempo, mas em vez
Thomas D. Seeley 97
disso o fazem durante várias horas ou até mesmo alguns dias. Caso
aconteça de o melhor local ser apresentado mais tarde no debate, as
apoiadoras desse local podem ter dificuldade em superar as que defen-
dem um local mais pobre que tenha sido apresentado mais cedo e te-
nha recebido muito apoio. Ou até mesmo se a melhor alternativa entrar
no debate logo no início, ele pode perder caso as abelhas que o apóiam
não consigam propagar sua alta qualidade. (Será discutido no capítulo
6 como as batedoras indicam a qualidade do local em suas danças).
Ainda, outra forma pela qual o melhor local pode perder no debate das
batedoras, mesmo que ele tenha sido anunciado apropriada e correta-
mente, é se esse local é especialmente difícil de ser encontrado pelas
recrutadas, seja por ele estar afastado seja porque ele tem uma entrada
camuflada. Qualquer uma dessas situações atrasará o crescimento do
apoio ao melhor local. Considerando as muitas situações semelhantes
que podem ocorrer para o enxame fazer uma escolha sub-ótima para
sua casa, eu realmente me surpreenderei se os enxames são tão habili-
dosos na solução do problema melhor-de-N. Para tirar minhas dúvidas
eu precisava testar suas habilidades na tomada de decisão com expe-
rimentos controlados.
Mediocridade em 15 Litros
Para realizar esses experimentos, retornei no verão de 1997 para a
Ilha de Appledore, no Golfo de Maine, onde há vinte anos fui bem suce-
dido em fazer enxames ficarem interessados em locais de nidificação
artificiais. Nos anos que se seguiram, estudei as abelhas principalmen-
te na Cranberry Lake Biological Station, na meio da floresta Andiron-
dack Mountains no norte do estado de Nova York, onde as flores são
esparsas e as abelhas ficam ávidas por forragear em fontes artificiais de
alimentação. Estudar as abelhas nas florestas do norte foi estimulante;
a cada verão meus estudantes e eu descobríamos segredos sobre os be-
los trabalhos realizados pela colônia de abelhas no recôndito da col-
méia, particularmente os que permitem à colônia conseguir alimento
com eficiência. Também, gostei muito de nadar nas águas cristalinas
do lago, olhando o brilho da aurora boreal no céu da meia noite, e ca-
indo no sono ouvindo o canto das gavias. Mas em 1997 eu estava pron-
to para retornar ao sol brilhante, às gaivotas ferozes, à viçosa era vene-
nosa e ao revigorante ar salgado da Ilha de Appledore.
Meu primeiro objetivo foi imaginar um ninho artificial que fosse acei-
tável mas não ideal para as abelhas. Se eu pudesse resolver este desa-
fio, eu poderia então testar se os enxames conseguem tomar uma deci-
são ótima. O projeto do teste foi apresentar aos enxames (um de cada
vez) um arranjo de cinco caixas ninho que pudessem oferecer quatro
locais de nidificação aceitáveis e um local ideal, e então ver como real-
mente os enxames selecionavam a melhor das cinco caixas ninho. De
meus estudos realizados em meados da década de 1970 sobre os locais
de nidificação preferidos pelas abelhas, eu sabia que as abelhas prefe-
Thomas D. Seeley 99
rem cavidades para nidificação que tem um grande volume (40 litros) e
uma pequena entrada (15 centímetros quadrados), assim que decidi ver
se eu conseguia diluir a vantagem de uma caixa ninho diminuindo o
volume da cavidade ou aumentando a área da entrada. A figura 5.1
mostra das caixas ninho como concebidas. Cada uma tinha um volume
de cavidade de 40 litros, mas este podia ser reduzido para 20, 15 ou 10
litros instalando uma parede interna no local apropriado, como mos-
trado. De forma semelhante eu podia alargar a entrada de cada caixa
de 15 cm2 para 30 ou 60 cm2 substituindo o redutor de entrada. Era
imprescindível que as caixas variassem apenas no volume da cavidade
ou na área da entrada, assim instalei cada caixa ninho num abrigo a-
berto numa lateral (fig. 5.2). Estes abrigos estavam todos voltados para
a mesma direção assim todas as cinco caixas ninho tinham idêntica
exposição ao vento, sol, chuva e ... fezes das gaivotas.
Fig. 5.3 Arranjo dos experimentos realizados em 1997 na Ilha de Appledore (com
duas caixas ninho, A e B) e em 1998 (com cinco caixas ninho, 1 a 5). Linhas
de contorno indicam elevação acima do nível do mar. Sw, localização do en-
xame.
Fig. 5.4 Caixa ninho sendo inspecionada por várias batedoras em voo.
Assumindo que esta janela é tão eficiente para as abelhas que anun-
ciam locais de nidificação quanto fontes de alimento, decidimos obser-
var através dela para ver como as batedoras anunciavam nossa caixa
de 40 litros e a de 15 litros julgando a qualidade de cada uma como
uma possível moradia. Nós o fizemos registrando em vídeo as danças
realizadas lado a lado no enxame pelos dois grupos de batedoras, as
que anunciavam nossa caixa ninho de 40 litros e as que anunciavam a
caixa ninho de 15 litros. O fato de ambas as caixas ninhos provocarem
danças das batedoras nos dizia que ambas despertavam interesse con-
siderável nas abelhas. Mas foi até mais impressionante o que aprende-
mos revendo cuidadosamente os registros em vídeo e medindo o vigor
106 Democracia das Abelhas
de cada dança. Concluímos que as abelhas anunciando a caixa de 40
litros realizavam danças que continham em média 35 circuitos e per-
duravam 85 segundos, enquanto as abelhas que anunciavam a caixa
de 15 litros realizavam danças mais débeis que continham em média
apenas 14 circuitos e perduravam apenas 45 segundos. Estas observa-
ções apóiam fortemente as conclusões que as abelhas julgaram nossa
caixa ninho de 15 litros ser um local de nidificação aceitável mas medí-
ocre. A indicação de aceitabilidade é que as batedoras realizavam dan-
ças para a caixa de 15 litros (nós não esperamos que as abelhas anun-
ciássem um local não aceitável), e a indicação de mediocridade é que as
batedoras realizavam danças relativamente débeis para a caixa de 15
litros.
Experimento Crítico
Na Ilha de Appledore durante os dias ensolarados de Agosto de 1997
aprendi das abelhas como qualificar minhas caixas ninho de tal forma
que eu pudesse apresentar ao enxame uma possibilidade entre cinco
locais de nidificação, quatro deles de alta qualidade e uma casa dos so-
nhos. Nesta altura eu estava pronto a apresentar para os enxames o
problema da escolha do melhor de cinco, e eu estava extremamente an-
sioso para fazê-lo, mas tinha de esperar até o verão seguinte para reali-
zar este teste crítico sobre sua habilidade de tomada de decisão. O se-
mestre de outono em Cornell inicia na última semana de Agosto, e no
semestre de outono faço parte da equipe que leciona um curso popular
sobre comportamento animal, assim que tinha de retornar a Ithaca pa-
ra as aulas. Eu também precisava instalar as colméias especiais com
parede de vidro que usamos no curso para despertar nos estudantes o
prazer de olhar e admirar o comportamento das abelhas.
Em Junho de 1998 voltei para a Ilha de Appledore. Comigo estava a
esperta e dedicada estudante de graduação de Cornel, Susannah Bu-
hrman, que tinha me ajudado no verão anterior e tinha documentado o
debate das batedoras. Nosso objetivo agora era testar a habilidade da
tomada de decisão dos enxames submetendo-os ao teste da escolha do
melhor de cinco. A realização deste teste exigia duas pessoas traba-
lhando em equipe, uma posicionada no enxame para eliminar todas as
batedoras que realizavam danças pra locais diferentes das caixas ninho
(fig. 5.6), e outra circulando pelas caixas ninho para contar o número
de batedoras que as visitavam. Como mostrado na figura 5.3, instala-
mos as caixas ninho num arranjo em forma de leque no lado leste da
ilha, de tal forma que as caixas ficavam quase na mesma distância (a-
proximadamente 250 metros) mas em direções diferentes (afastadas de
Fig. 5.6 Susannah Burmann fazendo o censo num dos enxames de dançarinas
anunciando os diferentes locais.
1
A taxa expressa em circuitos de dança por segundo é igual a T=1/(W+R) (inverso da
soma dos tempos para a corrida de requebrado e o retorno)
118 Democracia das Abelhas
estudante em Harvard, e ele foi sempre o melhor colaborador possível:
inteligente, habilidoso, de boa índole e altamente entusiasmado.
Nossa conclusão principal deste trabalho foi que existia uma forte di-
ferença entre as batedoras das caixas ninho de alta qualidade (40 li-
tros) e de qualidade mediana (15 litros) no quão zelosamente elas a-
nunciavam os locais, isto é, no número total de circuitos de dança que
a abelha realizava antes de se afastar do ativo trabalho de procura.
Como mostrado na figura 6.6, existiu grande diferença entre as abelhas
122 Democracia das Abelhas
de cada grupo, mas na média o número total de circuitos de dança por
abelha foi maior para as batedoras da caixa de 40 litros comparado
com as batedoras para a caixa de 15 litros: 89 contra 29 circuitos de
dança por abelha. E parece claro que estas batedoras podiam dizer se o
seu local era de qualidade alta ou mediana após a primeira visita para
o local, pois em seu primeiro retorno para o amontoado de enxame, 76
por cento (31 de 41) das batedoras a anunciaram a caixa ninho de 40
litros com uma dança, mas somente 43 por cento (16 de 37) das bate-
doras da caixa de 15 litros o fizeram.
Inicialmente ficamos surpresos por encontrar variação tão grande
(“ruído”) na força dos relatos para seus locais pelas batedoras, porque a
grande dispersão dos relatos, tanto para o local de alta qualidade quan-
to para o local de qualidade mediana, criava muita superposição entre
as distribuições da força da dança para estes dois locais. É apenas na
média que o local de alta qualidade provoca dança com mais circuitos.
Com um pouco de reflexão, no entanto, nos damos conta que para o
enxame, como um todo, o relato sobre cada local candidato é espelhado
para muitas abelhas. Assim, embora exista ruído no relato individual
sobre a qualidade do local, existe um relato claro para o enxame sobre
a qualidade do local. Em outras palavras, para o grupo existe uma dife-
rença nítida no vigor do anúncio das alternativas que diferem na quali-
dade. A superioridade do relato para o enxame pelo relato individual é
demonstrada a seguir. Tomando-se ao acaso o relato de uma abelha de
cada uma das distribuições mostradas na figura 6.6 e comparando o
número de circuitos de dança desses dois relatos, e repetindo para
mais e mais abelhas, encontrar-se-á que o anúncio para a caixa de 40
litros é mais vigoroso do que o anúncio para a caixa de 15 litros em a-
penas cerca de 80 por cento do tempo. Isto mostra que uma única ba-
tedora do melhor local nem sempre faz um relato mais vigoroso do que
uma única batedora do local mais pobre. Mas tomando-se o relato de
seis batedoras escolhidas por acaso de cada uma das duas distribui-
ções, somando os circuitos destes seis relatos, e, então fazendo isto re-
petidas vezes, verificar-se-á que o total de anúncios para a caixa da 40
litros é maior do que para a caixa de 15 litros não em 80 por cento do
tempo mas em 100 por cento do tempo! Isto mostra que seis abelhas do
local melhor farão sempre um anúncio coletivo mais forte do que seis
abelhas do local mais pobre. Assim caso um enxame tiver de escolher
entre dois locais candidatos aceitáveis, como nossas caixas ninho de 40
litros e de 15 litros, é altamente provável que a força de persuasão - o
número total de circuitos da dança realizados para um local - será
maior para o melhor local.
A Figura 6.7 ilustra como isso ocorre numa situação básica de com-
petição entre dois locais de qualidade diferente. O local de alta qualida-
de da direita, que é mais desejável em virtude da sua menor abertura
de entrada, estimula suas apoiadoras a anunciá-lo com 90 circuitos de
dança em média (como ocorreu com nossa caixa ninho de 40 litros; ver
fig. 6.6). O local de qualidade mediana da esquerda, que tem abertura
de entrada maior, evocou 30 circuitos de dança em média de suas a-
Thomas D. Seeley 127
poiadoras (como ocorreu com nossa caixa ninho de 15 litros). Os dois
locais são descobertos simultaneamente, cada um por apenas uma ba-
tedora, às 10:00 a.m. Durante as três primeiras horas as duas batedo-
ras executam 90 e 30 circuitos de dança, assim que a força relativa de
persuasão (quantidade total de anúncios) para os dois locais é 3:1. Se
assumirmos que 8 batedoras neutras são recrutadas para os dois lo-
cais, e na proporção dos anúncios para cada local, então por volta da
1:00 p.m. deverão existir seis batedoras apoiando o local de mais alta
qualidade e duas o de qualidade mediana. (Por volta da 1:00 p.m. as
duas batedoras originais terão parado de anunciar e de visitar os lo-
cais.) Agora, o que aconteceu durante o período das próximas três ho-
ras? As seis apoiadoras do local de alta qualidade executarão um total
de 540 circuitos de dança (seis abelhas * 90 circuitos de dança por abe-
lha) enquanto as duas apoiadoras do local de qualidade mediana exe-
cutarão um total de 60 circuitos de dança (duas abelhas * 30 circuitos
de dança por abelha). Assim a força relativa de persuasão para os dois
locais se torna 9:1 durante este segundo período de três horas. Caso 20
batedoras neutras sejam recrutadas para estes locais (mais recrutadas
agora do que antes porque existem mais anúncios), e se elas forem re-
crutadas para os dois locais na proporção da quantidade de anúncios
para cada um, então pelas 4:00 p.m. existirão 18 batedoras apoiando o
local de alta qualidade e apenas duas apoiando o local de qualidade
mediana. Assim podemos ver que ainda que este debate tenha começa-
do com a relação 1:1 de apoiadoras para os dois locais, depois de três
horas a relação se tornou 3:1, e depois de mais três horas alcançou
9:1. Podemos também ver que se o debate continuar, não demorará
muito para que o local de alta qualidade domine completamente o de-
bate, como ocorre na natureza.
Uma característica curiosa do processo para chegar a um consenso
das abelhas é que o domínio sobre o debate pelas apoiadoras a um lo-
cal pode ser conseguido inteiramente pelas diferenças per capita da
força do anúncio para os vários locais. Pode-se supor que para atingir o
consenso entre as dançarinas seria necessário que as batedoras neu-
tras que estão se convertendo em apoiadoras prestassem atenção aos
diferentes tipos de anúncios e ignorassem os mais fracos que represen-
tam locais pobres. Mas na verdade, as batedoras neutras não precisam
seguir danças seletivamente. No exemplo acima, as abelhas neutras se
tornaram apoiadoras para os dois locais estritamente na proporção da
quantidade de danças para os dois locais. Tudo acontece como se as
batedoras neutras passeassem sobre a superfície do enxame e seguis-
sem a primeira dança que encontrassem, e fossem recrutadas para o
local anunciado por esta dança, e em seguida apoiassem este local.
Contudo, não sabemos se é exatamente assim que uma seguidora de
128 Democracia das Abelhas
dança se comporta, temos evidência que elas não seguem seletivamente
danças para certo local, mas, em vez disso, seguem danças ao acaso.
A evidência vem de um experimento realizado por Kirk Visscher e um
amigo nosso, Scott Camazine, um médico talentoso, fotógrafo da natu-
reza e companheiro no fanatismo pelas abelhas. Em Dezembro de
1995, no deserto a leste de Indio, Califórnia, onde grandes árvores são
uma raridade e assim abrigos naturais para as abelhas são escassas,
Kirk e Scott instalaram enxames artificiais (um de cada vez) e duas cai-
xas ninho. Estas caixas atraíram o interesse das batedoras dos enxa-
mes. Kirk e Scott rotularam então para identificação individual cada
batedora que realizava uma dança para uma das caixas ninho, e regis-
traram em vídeo todos os movimentos da dançarina e das seguidoras
da dança durante o processo de tomada de decisão de cada enxame.
Depois eles analisaram os registros para ver qual das dançarinas rotu-
ladas tinha se tornado seguidora de dança. Para estas que se tornaram
eles determinaram se cada abelha seletivamente seguiu danças para a
outra caixa que não tinha sido visitada anteriormente e anunciada, tal-
vez assim ela poderia fazer alguma “comparação de compra”. Notavel-
mente eles concluíram que as dançarinas que se tornaram seguidoras
de danças seguiram danças para as duas caixas simplesmente na pro-
porção da quantidade de danças para as duas caixas. Assim estas abe-
lhas não demonstraram estar fazendo nada mais sofisticado do que se-
guir danças escolhidas ao acaso.
Vemos, assim, que as batedoras que debatem parece usarem um mé-
todo simples para construir um acordo: quanto melhor o local de mo-
radia em potencial, mais vigorosas as danças das batedoras que o a-
nunciam e maior sua efetividade em recrutar apoiadoras adicionais pa-
ra o local. As novas apoiadoras para cada ponto visitam-no e o avaliam
por si próprias - desta forma comprovam as “alegações” das defensoras
do local e evitam que a informação não comprovada seja espalhada
como um boato - e então elas provavelmente anunciam com danças,
fracas ou fortes de acordo com sua avaliação do local. Pouco a pouco,
por causa da retroalimentação positiva (o recrutamento de recrutadas)
é mais forte para o melhor local, as apoiadoras para este local de modo
crescente dominam a discussão. Um acordo completo exige, no entan-
to, não apenas que o apoio para o melhor local cresça regularmente,
mas também que o apoio para os locais mais pobres caia gradualmen-
te. Retornemos agora para ver como o apoio para os locais perdedores
desaparece.
O Desaparecimento da Dissidência
Para que surja um acordo dentro de um grupo que debate múltiplas
opções, todos os membros do grupo que apoiam as opções perdedoras
devem retirar seu apoio a estas opções e ou passar a apoiar as opções
vencedoras ou, em conjunto, abandonar o debate. Em poucas palavras,
a dissidente deve desaparecer. Nós vimos que isto acontece nos debates
de dança entre as batedoras nos enxames (ver fig. 4.6 e 4.7), de tal
forma que toda abelha que inicia a dançar para um local rejeitado fi-
nalmente para de fazê-lo, mas ainda não vimos como exatamente isto
ocorre. Retornando à década de 1950, Lindauer lidou com este enigma
sobre o processo de obtenção do consenso entre as abelhas mas ele
nunca o resolveu. Parece que ele era a favor da idéia que a batedora
deixa de apoiar - de dançar - um dos locais somente quando ela toma
conhecimento de um local superior e passa a dançar para ele. Ele ex-
pressou seu ponto de vista como segue:
Batedoras que encontram apenas locais de nidificação inferiores
facilmente mudam seu voto a favor de outro local de nidificação.
Mesmo que elas tenham dançado para seus locais de nidificação
primeiro, elas diminuem suas danças pouco a pouco, ficam clara-
mente mais interessadas nas danças vívidas das outras batedoras
e finalmente levantam voo para inspecionar o outro local de nidifi-
cação. Em sua visita de inspeção elas podem agora fazer uma
comparação entre seu próprio e o novo local de nidificação, se o úl-
timo é realmente mais apropriado, de agora em diante elas também
dançam para ele sobre o amontoado do enxame. Desta forma todo
o interesse das batedoras fica concentrado pouco a pouco no me-
lhor de todos os locais de nidificação.
Existem dois elementos críticos nesta hipótese de como as batedoras
param de dançar para os locais perdedores: uma abelha compara seu
velho local com o novo local (para o qual ela foi recrutada por danças
vívidas de outras abelhas) e se ela conclui que o novo local é superior
ela se converte em dançarina para o novo e melhor local. Podemos
chamar esta hipótese para o desaparecimento das dissidentes de com-
parar-e-se-converter. Certamente é uma hipótese plausível. É, no final
Fig. 6.9 Plotagem para três batedoras mostrando quando cada abelha se encon-
trava no enxame ou longe dele e quantas danças ela realizou ou seguiu cada
vez que se encontrava no enxame. É mostrada a história de dois dias para
cada abelha durante os quais o enxame escolheu sua futura moradia. As se-
tas grandes no início e no final dos registros de cada abelha indicam quando
o enxame foi instalado e quando levantou voo. Cada círculo em volta de uma
seta indica uma dança que a abelha realizou ou seguiu, e a direção da seta
indica a direção da bússola do local (uma seta para cima significa norte, etc.).
O número ao lado de cada círculo contendo uma seta indica o número de cir-
cuitos de dança que a abelha realizou ou seguiu.
Fig. 6.11 Comparações dos padrões de danças das batedoras anunciando um lo-
cal excelente ou um local medíocre. Ambas as batedoras diminuem o vigor de
suas danças segundo a mesma taxa (menos 15 circuitos de dança por viagem
de retorno ao enxame), mas a batedora do local excelente começa com moti-
vação maior para dançar e assim dança mais (6 viagens contra 2 viagens) e
“mais ruidosamente” (90 + 75 +60 + 45 + 30 + 15 = 315 circuitos de dança
contra 30 + 15 = 45 circuitos de dança)
Fig. 7.2 Acima: O manto de abelhas com temperatura ambiente de 28°C (82°F).
Abaixo: As mesmas abelhas a 13°C (55°F). Com frio o manto de abelhas fica
mais compacto reduzindo sua porosidade.
Fig, 7.5 Evolução do percentual de abelhas sobre a superfície do enxame que têm
seus músculos suficientemente aquecidos para sair em voo (temperatura do
tórax pelo menos a 35°C ou 97°F). Determinamos a temperatura torácica de
cada abelha visível na fotografia infravermelha, minuto a minuto, por 30 mi-
nutos antes de iníciar a saida em voo.
A constatação que mais atraiu nossa atenção foi a forma como a per-
centagem de abelhas com temperatura torácica de pelo menos 35ºC
aumentou exponencialmente durante a última meia hora antes da par-
tida. Como mostrado na figura 7.5, até 20 minutos antes da partida a
percentagem de abelhas da camada superficial com tórax suficiente-
mente aquecido para voar subia lentamente e permaneceu abaixo de
20 por cento. Depois, começando em torno de 10 minutos antes da par-
tida, a percentagem de abelhas aquecidas subiu mais e mais rápido.
Logo logo 100 por cento das abelhas da camada superficial tinha a
temperatura torácica em pelo menos 35ºC, e exatamente neste momen-
148 Democracia das Abelhas
to o enxame de abelhas levantou voo. Temos certeza que no momento
do enxame levantar voo todas as abelhas do amontoado, não apenas as
da superfície do amontoado, estão aquecidas suficientemente para vo-
ar. Além disso, o trabalho de Heinrich mostrou que as abelhas do nú-
cleo do agrupamento do enxame estão aquecidas suficientemente para
voar a qualquer momento. As imagens da nossa câmara sensível ao in-
fravermelho mostraram, também, que quando os nossos dois enxames
se aproximaram do momento da partida, as abelhas do interior come-
çaram a brilhar fortemente, antes das abelhas da superfície, se pare-
cendo como brasas brilhando em baixo de uma camada de cinzas. Mos-
traram também o fato que imediatamente depois que ambas as parti-
das começaram – isto é, quando as abelhas mais externas levantaram
voo – as abelhas do interior começaram a levantar voo. De fato, por
causa desta pequena defasagem entre a partida das abelhas externas e
internas é que o aglomerado do enxame precisa de 60 segundos para se
desintegrar.
O que estimula as abelhas da manta a se aquecerem, e porque a par-
tida de cada enxame começa apenas alguns segundos depois que todas
as abelhas da camada superficial aqueceram seus músculos de voo a
pelo menos 35ºC? Em outras palavras, o que estimula as abelhas a se
prepararem para voar e o que finalmente dispara sua saída em voo?
Sondaremos agora estes dois mistérios.
Fig. 7.6 Operária produzindo o sinal de piado. Durante uma pausa na corrida so-
bre as abelhas do amontoado do enxame, ela pressiona seu tórax no substra-
to, puxa as asas uma contra a outra sobre o abdômen, e ativa seus músculos
de voo para produzir uma vibração no substrato. Embora o substrato aqui
Fig. 7.7 Registro de uma abelha alternando entre piado e dança do requebrado
enquanto corre sobre a superfície do amontoado do enxame. Os traços ao
longo do trajeto indicam intervalos de 1 segundo. Os pontos pretos indicam
152 Democracia das Abelhas
piados e os zigzags indicam requebrados. Este registro começou 2 min e 45
seg antes do enxame levantar voo e perdurou por 62 segundos.
Fig. 7.8 Fonogramas de seis sinais de piados de operárias registrados num enxa-
me um pouco antes de levantar voo. A unidade no eixo vertical é kiloherz, ou
milhares de ciclos por segundo.
Fig. 7.9 Padrão do piado de uma operária (circulos cheios), temperatura do enxa-
me (círculos abertos e triângulos) e temperatura ambiente (cruzes) durante o
período de três horas antes do enxame levantar voo.
Fig. 7.10 Uma abelha (preta) sinalizando outra pelo comportamento de sacudida.
A seta indica a vibração dorso-ventral da abelha que sinaliza.
Fig. 7.11 Dispositivo em tela usado para testar se as abelhas da manta se aque-
cem em preparação para a partida quando impedidas de receber o sinal das
batedoras piadoras. A tela dispõe de duas gaiolas, cada uma equipada com
termopar. Ambas as gaiolas têm cobertura, mas uma cobertura tem uma
grande abertura. À direita: Resultados do experimento realizado com o dispo-
sitivo mostrado à esquerda. As abelhas da manta da gaiola fechada (que não
entraram em contato com as batedoras piadoras) não aumentaram sua tem-
peratura para 35+ºC (acima de 95ºF), enquanto as que estavam na gaiola a-
berta (entraram em contado com as batedoras piadoras) aumentaram.
Fig. 7.14 Conjunto de cinco caixas ninho na praia leste da Ilha de Appledore. O
enxame está afastado a 250 metros (820 pés), no centro da ilha à direita. O
assistente Adrian Reich faz a contagem de batedoras que chegam em cada
caixa ninho.
Perseguidores de Enxames
No verão de 1979, retornei para a casa de meus pais em Ithaca, Nova
York, para trabalhar novamente com meu primeiro mentor e grande
amigo, Roger “Doc” Morse, professor de apicultura em Cornell. Alguns
anos antes, Doc e um dos seus alunos, Alphonse Avitabile, atualmente
professor emérito na Universidade de Connecticut, concluíram que
quando um enxame de abelhas voa para sua nova casa, as operárias
monitoram continuamente a presença da rainha na nuvem do enxame
cheirando o feromônio “substância da rainha” que exala continuamente
do seu corpo. O componente mais abundante nste feromônio, material
secretado pelas glândulas mandibulares da cabeça da rainha, é um á-
cido graxo com 10 átomos de carbono cujo nome exato é ácido (E)-9-
oxo-2-decenóico (chamaremos simplesmente de 9-ODA). Se as abelhas
do enxame em voo continuarem a sentir esta substância química em
particular, elas se manterão voando na direção do endereço de sua ca-
sa, mas caso elas não captem o aroma, porque a rainha abandonou o
enxame para descansar, elas pararão de voar em frente, procurando
em volta até encontrar sua rainha perdida, e então se amontoam em
sua volta onde quer que ela tenha pousado. Mais cedo ou mais tarde o
enxame levantará voo novamente e continuará no caminho do seu des-
tino. Claramente, as operárias no enxame em voo tomam muito cuida-
do para não perder sua tão valiosa rainha.
Para testar se o 9-ODA é um indicador crítico da presença da rainha,
Doc e Al Avitable realizaram um experimento um tanto maldoso. Eles
Fig. 8.3 Velocidades de voo de três enxames ao voarem os 270 metros (886 pés)
até a caixa ninho. Sua velocidade máxima foi entre 5 e 7 quilômetros por hora
(3 a 4 milhas por hora). Quando os enxames voam para mais longe eles po-
dem atingir velocidades de aproximadamente 12 quilômetros por hora (7 mi-
lhas por hora).
Líderes e Seguidoras
O que torna tão maravilhoso o voo precisamente orientado do enxa-
me de abelhas para sua nova casa é que apenas uma pequena percen-
tagem de seus membros conhece a rota para o destino final. Como já
mencionado, menos de 5 por cento do enxame que Doc, Kirk e eu estu-
damos na Ilha de Appledore tinha visitado a caixa ninho e assim co-
nhecia sua localização exata antes de o enxame voar para sua nova ca-
sa. Esta conclusão foi confirmada mais tarde por Susannah Buhrman e
eu no estudo em que preparamos enxames com abelhas marcadas in-
dividualmente, registramos em vídeo as danças das batedoras e deter-
minamos quais dos propostos locais de nidificação cada batedora a-
Thomas D. Seeley 177
nunciava. Em todos os três enxames que estudamos, apenas 1,5 a 1,7
por cento das abelhas realizava danças para o local escolhido. Este ce-
nário, combinado com o cenário de aproximadamente 50 por cento das
batedoras do local de alta qualidade anunciando-o com danças (que
Kirk e eu encontramos em nosso estudo sobre como as batedoras codi-
ficam a qualidade do local de nidificação em suas danças; ver capítulos
6), resulta na estimativa que apenas 3 a 4 por cento das abelhas em
cada enxame tinha visitado o local escolhido e assim conhecia a locali-
zação exata do futuro local de moradia do enxame. Claramente, quando
um enxame voa para sua nova casa, ele confia num relativamente pe-
queno número de batedoras informadas - aproximadamente 400 indi-
víduos num enxame de porte médio de 10.000 abelhas - que agem co-
mo guias ou líderes de todas as demais. Como funciona este sistema de
líderes e seguidoras?
Foram propostas três hipóteses para explicar como uma minoria in-
formada guia a maioria desinformada quando um enxame voa para sua
nova casa. A primeira hipótese sugere que a transferência da informa-
ção das líderes para as seguidoras confia num sinal químico. Num tra-
balho de 1975 sobre como as operárias de um enxame percebem a pre-
sença de sua rainha sentindo o 9-ODA que ela libera, Al Avitabile, Ro-
ger Morse e Rolf Boch propuseram que as batedoras orientam o voo
com o feromônio de atração produzido pela glândula de Nasonov que é
parte do órgão do odor na ponta do abdômen da abelha (fig. 8.4). Sua
idéia era que as batedoras podiam liberar este feromônio na frente da
nuvem do enxame para atrair, e assim guiar, as não batedoras para se
deslocarem em sua direção.
As outras duas hipóteses sugerem que a transferência da informação
das abelhas informadas para as abelhas desinformadas é feita pela vi-
são e não pelo olfato. Uma hipótese, chamada de "hipótese da orienta-
ção sutil", foi proposta em 2005 por uma equipe de biólogos da Univer-
sidade de Princeton dos Estados Unidos e pelas universidades de Leeds
e Bristol no Reino Unido: Iain Couzin, Jens Krause, Nigel Franks e Si-
mon Levin. De acordo com esta hipótese, as abelhas informadas não
sinalizam conspicuamente a direção correta do deslocamento; em vez
disso, elas simplesmente pilotam o enxame voando na direção da nova
casa. Fazendo uma simulação no computador de um enxame em voo,
os autores mostraram que se cada abelha num enxame em voo (1) evita
colisões se mantendo afastada das vizinhas numa distância crítica, (2)
se mantém atraída para e alinhada com suas vizinhas fora da distância
crítica, e (3) voa ou segundo o movimento preferido (abelhas informa-
das) ou em direção diferente do movimento preferido (abelhas desin-
formadas), então o enxame será pilotado na direção de sua nova casa
mesmo que a proporção de indivíduos informados seja muito pequena.
178 Democracia das Abelhas
Notavelmente, em grandes grupos, como enxames de abelhas, esta
proporção pode ser menor do que 5 por cento. É uma hipótese intrigan-
te, pois mostra que as abelhas num enxame em voo podem não saber
quais delas conhecem a rota, ainda que sejam as líderes.
Fig. 8.4 Operárias expondo o órgão do odor para liberar o feromônio atrativo do-
brando para baixo o último segmento do seu abdômen.
Fig. 8.6 Abelhas com seus órgãos do odor selados pousadas na frente da caixa ni-
nho e tentando liberar o feromônio de Nasonov.
Correntes de Riscas
Em seguida Madeleine e eu começamos a testar a hipótese da abelha
risca. Acreditávamos ter visto, enquanto observávamos nossos enxames
se movendo através do prado para a caixa ninho, o que Lindauer rela-
182 Democracia das Abelhas
tou ter visto num enxame em voo. A maioria das abelhas voando dentro
da nuvem do enxame em voo lento e em círculos, mas algumas dispa-
rando direto através da nuvem na direção da nova casa do enxame.
Também, pareceu-nos que as abelhas riscas zuniam principalmente no
topo da nuvem do enxame. Mas não estávamos 100 por cento certos de
nossa percepção e não tínhamos qualquer dado, assim que decidimos
tentar fotografia, ainda convencional, para obter informação sólida e
verificar nossa impressão. Usando uma câmara de 35 mm, filme colori-
do e filme de baixa velocidade (DIN 64), e tempo de exposição modera-
damente longo (um treze avos de segundo), concluímos que se fotogra-
fássemos lateralmente um enxame em voo e contra céu claro, podíamos
obter fotos que "capturariam" toda a nuvem do enxame na qual as abe-
lhas individuais apareciam como riscas pequenas e escuras num fundo
claro (ver fig. 8.2). O comprimento de cada risca de abelha indicaria a
velocidade de voo, e a inclinação da risca indicaria a direção do voo em
relação à horizontal, a orientação do voo. Estas fotos mostraram sem
dúvida que uma pequena minoria de abelhas no enxame em voo dispa-
rava através do enxame com a velocidade máxima de uma abelha em
voo - cerca de 34 quilômetros por hora (20 milhas por hora) - e que to-
das as demais voavam muito mais lentamente. Concluímos também
que as riscas das abelhas rápidas, comparadas com as de voo lento,
são mais horizontais, indicando voo direto e horizontal. Finalmente, a
partir das fotos concluímos que as abelhas velozes, as riscas, ocorrem
realmente no topo da nuvem do enxame. Isto faz sentido, assumindo
que estas abelhas estão fornecendo informação da direção do voo para
as outras abelhas, pois guiando sobre suas irmãs as abelhas de voo
mais rápido se posicionavam onde elas eram mais facilmente vistas
contra o fundo claro do céu.
Fig. 8.8 Vista esquemática dos vetores de velocidade das abelhas no enxame que
voa para a direita. As abelhas risca se encontram principalmente na porção
superior da nuvem do enxame. Os vetores de velocidade estão mostrados pa-
ra apenas uma fração das abelhas do enxame.
I'm a systems neurobiologist who studies how the three pounds of goo we
call a human brain makes decisions.
Fig. 9.3 Estrutura conceitual da tomada de decisão que ilustra os estágios do pro-
cessamento para a tomada de decisão (esquerda) e a aplicação desta estrutu-
ra no mecanismo de escolha do local de nidificação por um enxame de abe-
lhas.
Fig. 9.6 Modelo da distribuição randômica no qual a evidência para dois locais é
acumulado num único total. A evidência para o local A aumenta o total en-
quanto a evidência para o local B diminui. A escolha é feita quando o ganho
líquido em evidência para um local excede um valor limite.
Vejamos agora que lições nós humanos podemos aprender das abe-
lhas sobre como estruturar um grupo de tomada de decisão de tal for-
ma que o conhecimento e o poder do cérebro de seus membros seja di-
rigido efetivamente para produzir boas escolhas coletivas. Este é um
assunto vital, pois a sociedade humana acredita que grupos sejam
mais confiáveis do que indivíduos quando se trata de tomar decisões
ponderadas. É por isso é que temos juízes, curadores, blue-ribbon pa-
nels e nove juízes na Suprema Corte de Justiça nos Estados Unidos.
Mas como todos nós sabemos, ainda assim, os grupos nem sempre to-
mam decisões inteligentes. A menos que o grupo esteja apropriadamen-
te organizado, de tal forma que as discussões face a face dos membros
resultem em raciocínio coletivo que esteja amplamente informado e
profundamente cuidadoso, o grupo está apto a ser um corpo de tomada
de decisão desastrado. Neste caso, as decisões tomadas pelo grupo po-
dem resultar em fracasso para a comunidade afetada. Felizmente, a
procura de casa pelas abelhas nos mostra uma solução brilhante para
o enigma do que leva o grupo a tomar uma boa decisão. É uma solução
moldada pela seleção natural durante muitos milhões de anos – fósseis
da época do Oligoceno indicam que as abelhas existem há pelo menos
30 milhões de anos – assim que, certamente, é um método testado pelo
tempo para obter sabedoria coletiva.
De fato, utilizar sociedade de insetos como modelo de administração
tem suas limitações e não podemos imitar cegamente seus métodos. No
entanto, digo, as abelhas demonstram para nós vários princípios para a
tomada de decisão grupal e ao implementá-los podemos aumentar a
confiança na tomada de decisões pelos grupos de pessoas. A última
Thomas D. Seeley 213
parte desta alegação não é meramente hipotética, pois eu tenho aplica-
do o que aprendi com as abelhas nos humanos, especialmente com
meus colegas da Cornell. Em 2005, quando a forma do processo de to-
mada de decisão das abelhas estava apenas começando a ficar claro,
assumi a chefia do Departamento de Neurobiologia e Comportamento.
Por brincadeira, e como experimento, decidi introduzir algumas das
formas como as batedoras agem na busca pela casa na forma como
meus colegas professores e eu deliberávamos em nossos encontros
mensais na faculdade. Diferentemente das abelhas, não nos encontrá-
vamos frente a uma decisão de vida ou morte, mas estávamos frente a
decisões que eram suficientemente difíceis: decisões sobre contratos,
promoções e outros temas com conseqüências de longo prazo para nos-
sa coesa comunidade acadêmica. Provavelmente sou um cego em rela-
ção ao que meus colegas pensam sobre nossa tomada de decisão coleti-
va, mas penso que eles estão satisfeitos com as decisões tomadas, ain-
da que, certamente, nem sempre ocorresse da forma que cada profes-
sor queria. Gostaria de pensar que sua aparente satisfação se deve ao
fato de nossas decisões se basearem em discussões abertas. De qual-
quer modo, explicarei a seguir como apliquei “As Cinco Regras do Gru-
po Altamente Efetivo” que eu aprendi das abelhas trabalhando no meio
universitário.
Para reforçar ainda mais a situação que o aprendido das abelhas tem
relevância para os humanos, discutirei algumas semelhanças intrigan-
tes entre os enxames de abelhas e os encontros da cidade da Nova In-
glaterra no que se refere à forma de sua organização para obter boas
decisões. Porque usar os encontros da cidade da Nova Inglaterra como
ponto de comparação? É porque esta forma especial de governo de pe-
quenas cidades, que existe há mais de três séculos e é defendido como
a forma mais autêntica de democracia entre as pessoas no mundo, usa
um processo coletivo de tomada de decisão não muito diferente do uti-
lizado pelo enxame de abelhas. Uma vez por ano, no Dia do Encontro
da Cidade - tradicionalmente a Terça-feira após a primeira Segunda-
feira de Março - os cidadãos se reúnem numa assembléia aberta, face a
face e apresentam decisões coletivas (leis) que governam as ações de
qualquer um em sua cidade. Cada encontro da cidade é uma mistura
fascinante de ambiência comunitária e iniciativa individual, como é ca-
da enxame de abelhas. Veremos que existem semelhanças incríveis na
ação subjacente a estas duas formas comprovadas de democracia. Não
penso que o que é bom para os enxames de abelhas seja bom também
para os encontros das cidades.
Capítulo 1. Introdução
Página 3: Citação de George Bernard Shaw, em Shaw, G. B. 1903. Man and
Superman. Act II, linha 79. The Univertsity Press, Cambridge, MA.
Página 3: O alcance e valor econômico da polinização pelas abelhas foi revi-
sado em detalhes em dois trabalhos clássicos. McGregor, S. E. 1976. Insect Pol-
lination of Cultivated Crop Plants. Agricultural Handbook 496. United States
Department of Agriculture, Agricultural Research Service, Washington DC; and
Free, J. B. 1993. Insect Pollination of Crops. Academic Press, London.
Página 3: Os taxonomistas da abelha nos dizem que existem pelo menos
nove espécies de abelhas, todas membros do gênero Apis. A biologia e distribu-
ição geográfica de cada espécie, incluindo a familiar abelha do oeste, Apis melli-
fera, são descritas em detalhe em Ruttner, F. 1988. Biogeography ant Taxo-
nomy of Honeybees. Springer-Verlag, Berlin. Um trabalho recente atualiza o
que é conhecido sobre as abelhas vivas e fósseis (gênero Apis) e discute a bio-
geografia destas abelhas frente à notável descoberta recente de um fóssil de a-
belha (Apis nearctica) recuperado do xisto na Nevada no oeste dos Estados U-
nidos. Ver Engel, M. S., I. A. Hinojosa-Diaz, e A. Rasnitsyn. 2009. A honeybee
from the Miocene of Nevada and the biogeography of Apis (Hymenoptera: Api-
dae: Apini). Proceedings of the California Academy of Sciences 60:23-38.
Página 5: Uma boa revisão dos estudos sobre a influência dos feromônios
da rainha sobre as operárias foi feita por Winston, M. L., e K. N. Slessor. 1992.
The essence of royalty: honey bee queen pheromone. American Scientist 80:374-
385.
Página 6: A analogia entre as abelhas numa colméia e as células num corpo
- em ambos os casos, uma constelação de unidades num nível de organização
biológica coopera intimamente para construir uma entidade de nível maior - é
discutida com detalhe em Hölldobler, B., e E. O. Wilson. 2009. The Superorga-
nism: The Beauty, Elegance and Strangeness of Insect Societies. Norton, Nova
York.
Página 7 a 8: O estudo de neurobiologia da tomada de decisão pelos prima-
tas possibilitou o mais notável progresso no entendimento de como são toma-
das decisões simples a partir da percepção, isto é, como o sistema nervoso de
um indivíduo transforma informação sensorial em percepção e depois em res-
posta comportamental apropriada. Duas revisões recentes neste campo de es-
tudo são Gold, J. I., e M. N. Shadlen. 2007. The neural basis of decision ma-
king. Annual Review of Neuroscience 30:535-574; e Heekeren, H. R., S. Marrett,
e L. G. Ungerleider. 2008. The neural systems that mediate human perceptual
decision making. Nature Reviews Neuroscience 9:467-479.
Página 8: Citação de Henry David Thoreau, de Thoreau, H. D. 1838. Jour-
Thomas D. Seeley 231
nal entry, March 14.
Página 8: Citação de Friedrich Nietzsche, de Nietzshe, F. 1966. Beyound
Good and Evil. Random House, Nova York. Kaufmann, W,. transf. 1886. Jen-
seits von Gut und Bose. P. 90. Naumann, Leipzig.
Página 9 a 11: Uma descrição concisa de como Karl von Frisch decodificou
gradualmente a dança do requebrado encontra-se no capítulo 3 de von Frisch,
K. 1971. Bees: Their Vision, Chemical Senses and Language. Cornell Univerity
Press, Ithaca, NY. O relato completo da análise experimental deste sistema de
comunicação se encontra em von Frisch, K. 1993. The Dance Language and O-
rientation of Bees. Harvard University Press, Cambridge, MA. Uma confirmação
recente de sua conclusão que as abelhas compartilham informação sobre fon-
tes ricas de alimento através das danças do requebrado está em Riley, J. R., U.
Greggers, A. D. Smith, D. R. Reynolds, and R. Menzel. 2005. The flight paths of
honeybees recruited by the waggle dance. Nature 435:205-207.
Página 9: Citação de Karl von Frisch, em von Frisch, K. 1954. The Dancing
Bees: An Account of the Life and Senses of the Honey Bee. Methuen, London.
Pp. 101, 103.
Página 12: Para informação biográfica detalhada de Martin Lindauer, ver
Seeley. T. D., S. Kühnhoz, e R. H. Seeley. 2002. An early chapter in behavioral
physiology and sociobiology: the science of Martin Lindauer. Journal of Compa-
rative Physiology A 188:439-453.
Página 13: Citação de Martin Lindauer sobre um mundo de humanidade,
de Seeley. T. D., S. Kühnhoz, e R. H. Seeley. 2002. An early chapter in behavio-
ral physiology and sociobiology: the science of Martin Lindauer. Journal of
Comparative Physiology A 188:439-453. P.442.
Página 13: Citação de Martin Lindauer sobre um belo experimento, de See-
ley. T. D., S. Kühnhoz, e R. H. Seeley. 2002. An early chapter in behavioral
physiology and sociobiology: the science of Martin Lindauer. Journal of Compa-
rative Physiology A 188:439-453. P.447.
Página 14: Citação de Martin Lindauer sobre as dançarinas sujas, em Lin-
dauer, M. 1955. Schwarmbienen auf Wohnungssuche. Zeitschrift für verglei-
chende Physiologie 37:263-324. P.266. Translated by T. D. Seeley.
Página 14 - 16: A descoberta de Lindauer que as abelhas podiam usar as
danças do requebrado para anunciar tanto local de nidificação quanto fontes
de alimento foi relatada pela primeira vez por Lindauer, M. 1951. Bienentänze
in der Schwarmtraube. Die Naturwissenschaften 38:509-513.
Página 17: Roger A. Morse foi professor de apicultura na Universidade de
Cornell por 40 anos, de 1957 a 1997. Ele coordenou os estudos de mais de 30
estudantes graduados e pós-doutorados e escreveu muitos livros sobre apicul-
tura incluindo The Complete Guide to Beekeeping (1972, Dutton, Nova York) e
Bees and Beekeeping (1975), Cornel University Press, Ithaca, NY.
Página 17: Ver Wilson, E. O. 1971. The Insect Societies. Harvard University
Epílogo
Página 233: Citação de Martin Lindauer sobre a bela experiência, em See-
ley, T. O., S. Kühnholz, e R. H. Seeley. 2002. An early chapter in behavioral
physiology and sociobiology: the science of Martin Lindauer. Journal of Compa-
rative Physiology A 188 :439-453. P. 447.
Página 233: Infelizmente, é difícil aplicar as lições das abelhas sobre a bela
tomada de decisão democrática em grupos compostos de indivíduos com inte-
resse fortemente conflitantes. Em tais grupos adversários, os indivíduos não se
comportarão como batedoras: trabalhando com honestidade total e confiada-
mente. Espera-se que eles profiram mentiras e ajam levianamente pois ao fazê-
lo conseguem benefícios mesmo que ao fazê-lo reduzam o sucesso do grupo.
Não obstante, porque muitas pequenas organizações democráticas estão com-
postas de pessoas com interesse fortemente comuns, penso que as lições ensi-
nadas pela busca da casa das batedoras tem valores relevante para a vida hu-
mana.
"Das abelhas aos cérebros, Seeley nos leva através de uma notável jornada
científica de descoberta. Através de uma marcante série de estudos, ele explora
como os enxames de abelhas decidem para onde ir e, desta fascinante história
de vida ou morte, ele nos fornece profundo insight como os sistemas sociais
podem fazer boas escolhas sem informação global ou liderança direta. Este li-
vro é uma obra prima de investigação intensa, pensamento cuidadoso, escrita
clara e amor pelo assunto."
John Miller, Carnegie Mellon University e Santa Fe Institute.
"Democracia das Abelhas nos apresenta uma das maiores histórias da biolo-
gia e se destina aos leitores em geral."
Bernd Heinrich, autor de Winter World: The Ingenuity of Animal Survival
"Democracia das Abelhas é leitura atraente. Seeley possui amor e respeito ci-
entífico pelas abelhas, a ingenuidade necessária para desvelar os segredos da
vida das abelhas e a graça necessária para fazê-lo. Numa era dominada pelas
grandes ciências e suas tecnologias, este livro lembra-nos que um inseto co-
mum e alguns pesquisadores engenhosos, armados com equipamentos obtidos
de lojas locais podem nos levar a um mundo admirável."
Francis Ratnieks, University of Sussex