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I) Introdução
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Jean Leison Simão: diplomado em filosofia pela Universidade Federal de Santa
Maria (UFSM), em psicologia pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) e
atualmente mestrando em filosofia pela UFSM. Telefone: (55) 99357183; endereço:
São Pedro do Sul - RS, Rua XV de Novembro, 690. Centro, CEP: 97400-000.
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mesmo que ela seja imaginada, ainda assim podemos conceber que a idéia
da cera presente à imaginação é verdadeira. Mas qual a origem dessas
idéias? Descartes, na terceira meditação irá afirmar que elas têm a sua
origem em Deus, que é concebido em meu espírito como uma idéia mais
perfeita.
É justamente nesse ponto que irão convergir muitas das críticas dos
empiristas. Eles afirmarão que o pensamento de Descartes é altamente
especulativo e conseqüentemente metafísico, e que qualquer proposta de ir
além da experiência deve ser rejeitada. Hume (séc. XVIII), por exemplo,
parte e permanece no sujeito das operações psicológicas. Para ele toda e
qualquer ação ou operação da mente – julgar, amar, odiar, pensar, etc – são
percepções. Há dois gêneros de percepção: Impressões e idéias. Sensações,
paixões, emoções estão incluídas no primeiro gênero, que tem como
principal característica a força e a violência com que penetram na mente
humana. Assim, as impressões possuem um grau de vividez elevado,
enquanto, as idéias, ao contrário, são lânguidas, são “pálidas imagens das
impressões no pensamento e no raciocínio” (Tratado da Natureza Humana,
p. 25).
O sujeito de Hume não é transcendental. As ligações entre as impressões e
as idéias se dão por meio de leis de associação, as quais se encontram na
base de qualquer crença, a qual é provável, pois deriva do hábito da
experimentação de um determinado evento. Assim, por exemplo, ao
perceber que o sol nasce e se põe todos os dias até o presente momento,
pode-se concluir – com uma probabilidade imensamente elevada – que ele
continuará a nascer e se pôr nos dias seguintes. Essas leis de associação que
estão na base da crença são leis da razão, que “[...] não é senão um
maravilhoso e ininteligível instinto de nossas almas, que nos conduz por
certa seqüência de idéias, conferindo-lhes qualidades particulares em virtude
de suas situações e relações particulares” (Tratado da Natureza Humana, p.
212) [o grifo é nosso]. Ora, uma razão vista sob este ângulo conduz a idéia
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Até aqui podemos entender o conceito de consciência tal como foi concebido
outrora por Brentano, que foi mestre de Husserl. Para Brentano “Toda a
consciência é consciência de um objeto”, ou seja, toda a consciência (que é
sinônimo de razão) é intencionalidade, visa intencionalmente um objeto.
Entretanto mesmo Brentano não escapa da dicotomia subjetivo-objetivo, e
conseqüentemente da atitude natural. Eis que Husserl tem a brilhante
intuição do a priori universal a partir da concepção de intencionalidade
brentaniana. Parafraseando San Martin (1987): Husserl nota que se toda a
consciência é consciência de um objeto, todo o objeto somente é objeto para
uma consciência.
Mais do que uma nova conceituação de intencionalidade, Husserl vê no a
priori universal da consciência uma via para escapar da tese natural da
existência do mundo e ir a origem mesma de todo o conhecimento, a saber,
os fenômenos tais como eles nos aparecem em pessoa na esfera subjetiva.
Com efeito, o sujeito do qual Husserl parte é o sujeito das vivências, atual e
situado num mundo circundante (umwelt) e, portanto, não supra-hitórico
como nos modernos.
Partir dos fenômenos tais como eles aparecem é uma maneira de ter uma
evidência absoluta e indubitável, tal como aquela do cogito cartesiano. Todas
aquelas modalidades do cogito, a saber, conceber, negar, duvidar, imaginar
perceber e muitas outras, são modalidades da consciência.
O método que Husserl utiliza para se desconectar da atitude natural e ir
aquilo que aparece, os fenômenos, é o da Epoché ou redução
fenomenológica. Tal método de reflexão consiste numa postura ativa de
colocar entre parênteses a tese natural da existência do mundo. Colocar
entre parênteses não significa negá-la como Descartes, pois não temos o
poder de aniquilar o mundo que faz face. Ao efetivar a epoché somos
conduzidos ao fluxo de fenômenos subjetivos. Ali podemos perceber em
pessoa que o objeto (gegenstand) percebido na percepção é de uma
modalidade fenomênica diferente de um objeto imaginado dado pela
10
V) Fenomenologia e Ensino
concreto, estar envolvido nesse mundo sedimentado das tradições, mas não
se afastar desse mundo, senão – durante o processo reflexivo – voltar-se
constantemente a ele para compreendê-lo e se compreender melhor, pois é
no ato de reflexão que o sujeito pode se ver livre. E essa reflexão deve
apresentar a si mesma, em carne e osso, o objeto refletido, e não por meio
da busca de uma causa exterior que não pode ser evidenciada. Tal é a
proposta da fenomenologia husserliana.
Para adaptá-la ao modelo do processo de ensino de Obiols, devemos em
primeiro lugar nos preocupar com a terminologia. Devemos não utilizar o
termo que qualifica como “abstrato” o segundo momento do processo que é
o do desenvolvimento, na medida em que a atividade filosófica em
fenomenologia é toda ela concreta. Expliquemos: a abstração é um termo
que, em fenomenologia, pressupõe a construção de uma tese que se
fundamenta na tese da existência do mundo preconcebida, isto é, na atitude
natural; por esse motivo, em vez de desenvolvimento abstrato, utilizaremos
o termo desenvolvimento reflexivo. Ressalva feita, o modelo de Obiols
transposto para o processo de atividade reflexiva fenomenológica seria o
seguinte:
Referências Bibliográficas
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa, PO: Nova Cultura, 1987.