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Física nas Férias - Cosmologia

Notas de aula

Física nas Férias - Cosmologia


A história de tudo que existe

Eduardo A. Sato

Julho 2019

Universidade Estadual de Campinas


Instituto de Física "Gleb Wataghin"
Física nas Férias - Cosmologia

Creative Commons Licence


c b n Este trabalho está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-
NãoComercial 4.0 Internacional (CC BY-NC 4.0).
Maiores informações: https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/
"Nós somos apenas uma raça avançada de macacos em
um pequeno planeta de uma estrela comum. Mas nós
conseguimos entender o universo. Isto nos torna algo
muito especial."

– Stephen Hawking
Prefácio

Esta é a primeira versão das notas de aula para o curso de Cosmologia do Física nas
Férias, evento organizado pela secretaria de extensão do Instituto de Física "Gleb
Wataghin"da Universidade Estadual de Campinas. Prevejo que este conteúdo possa
ser coberto em aproximadamente 10 aulas e que possa ser acompanhado sem grandes
dificuldades por um aluno do último ano do ensino médio.
O material pretente ser apenas uma pequena introdução a Cosmologia, que é uma
grande área de pesquisa da atualidade. Os tópicos foram escolhidos por preferência
do autor e não cobrem todos os assuntos tratados pela cosmologia, além disso, evitei
tratar de alguns conceitos de relatividade geral, pois exigem matemática avançada e
fogem do objetivo do trabalho.
Espero que esta breve introdução possa encantar aos alunos, assim como eu me encanto
cada vez que aprendo algo novo em Cosmologia, despertando interesses mais pro-
fundos nesta área fascinante e mostrando que Cosmologia é uma ciência extremanete
rigorosa e que pode responder perguntas muito profundas sobre o Universo.

Eduardo A. Sato
Índice

Prefácio v

Índice vi

1 Distâncias astronômicas 1
1.1 Sobre o Sistema Solar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Método da paralaxe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
Medida de Cassini-Richer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
Paralaxe Estelar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
Atividade Experimental: Calibração de uma câmera para medir distân-
cias via paralaxe . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.3 Método das Velas Padrão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
Cefeidas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Supernovas Ia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

2 Expansão do universo 11
2.1 Leis de Kirchhoff para espectroscopia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2 Emissão de corpo negro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Lei de Wein . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
2.3 Átomo de hidrogênio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Fórmula de Rydberg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Modelo de Bohr . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Exemplo: composição química do Sol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.4 Efeito Doppler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Medindo velocidade através do redshift . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.5 Diagrama de Hubble . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.6 Relacionando distâncias ao redshift . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.7 Atividade Experimental: Expansão sem centro? . . . . . . . . . . . . . . 19
2.8 Energia escura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3 Composição e idade do Universo 23


3.1 Equação de Friedmann . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Sistema de coordenadas comóvel . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
Cosmologia Newtoniana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
3.2 Densidades e componentes do universo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Matéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Radiação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Energia Escura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Idade do Universo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

4 Matéria Escura 31
4.1 Curvas de rotação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
4.2 Aglomerados de galáxias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
4.3 Formação de estruturas e oscilação acústica de bárions . . . . . . . . . 34
4.4 Nucleossíntese e matéria bariônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
4.5 Qual a natureza da matéria escura? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
5 Geração de matéria 37
5.1 Quarks, léptons e bósons . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Mar de Dirac . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
Assimetria matéria-antimatéria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
5.2 Hadronização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
5.3 Nucleossíntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
5.4 Recombinação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42

Bibliografia 43
Distâncias astronômicas 1
A Cosmologia como uma ciência que estuda o universo surge apenas 1.1 Sobre o Sistema Solar . . . . . 1
no começo do século XX, com o desenvolvimento da relatividade 1.2 Método da paralaxe . . . . . . 3
geral,proposta por A. Einstein em 1915. Já em 1917, Einstein usa a Medida de Cassini-Richer . . 3
teoria récem criada para analisar o universo. [1] Paralaxe Estelar . . . . . . . . . 4
Atividade Experimental: Cali-
Mas muito antes disso, a Astronomia já nos dava muito informação bração de uma câmera para medir
sobre o universo. Afinal, é essencial para um cosmólogo ter noção das distâncias via paralaxe . . . . . . 5
escalas de distância que compoem nosso objeto de estudo. 1.3 Método das Velas Padrão . . 8
Cefeidas . . . . . . . . . . . . . 9
Vamos começar pelo Sistema Solar. Como podemos medir a distância Supernovas Ia . . . . . . . . . 9
entre dois planetas? Com toda certeza, não será construindo uma
régua gigante entre os dois astros. Precisamos ser mais espertos, mas
como?

1.1 Sobre o Sistema Solar

Até o começo do séc. XVII não haviam boas medições da distância


Terra-Sol. Porém, usando trigonometria, era possível saber a distância
de outros planetas em função da distância Terra-Sol. Vamos definir
uma unidade de distância astronômica (1 u.a) como a distância média
entre a Terra e o Sol.
Os dados disponíveis eram similares aos dispostos na tabela:
Figura 1.1: Albert Einstein (1879-1955)
Tabela 1.1: Dados sobre os planetas disponíveis no século XVII.

Planeta Semi-eixo maior da órbita (u.a) Período (dias) R3 /T 2 (10−6 u.a3 /dias2 )
Mercúrio 0.389 87.77 7.64
Vênus 0.724 224.70 7.52
Terra 1.000 365.25 7.50
Marte 1.524 686.95 7.50
Júpiter 5.2 4332.62 7.49
Saturno 9.510 10759.2 7.43

Este dados foram suficientes para que J. Kepler as leis do movimento


planetário, são elas:

1. Os planetas se movem em orbitas elípticas e o Sol está em um


dos focos.
2. O segmento de reta que une o Sol ao planeta varre áreas iguais
em tempos iguais.
3. O período orbital do planeta e o semi-eixo maior de sua órbita
respeitam uma proporção que é igual para todos os planetas.
2 1 Distâncias astronômicas

Em especial, a terceira lei de Kepler, diz que o quadrado do período


orbital de um planeta é proporcional ao cubo do semi-eixo maior da
orbita elíptica, isto é, em termos matemáticos temos:

R3 = αT 2 (1.1)

Mas como estas potências foram descobertas? Será que o Kepler ficou
testando uma a uma até descobrir alguma? Claro que não. Vamos
partir de uma relação genérica:

Rn = αT m (1.2)

Aplicando a função logarítmica 1 nos dois lados da equação, obte-


1: Aqui não importa a base do logarítmo,
as mais comuns são a base 10 e a base e. mos:

 
m 1
log(R) = log(T) + log(α) (1.3)
n n

Note que caso a equação 1.2 seja válida, então um gráfico Log(R) vs.
Log(T) será representado por uma reta, e o coeficiente angular dará a
razão entre os expoentes m e n.
Exercício 1 A tabela 1.2 mostra os dados atuais dos planetas do Sis-
tema Solar.
Tabela 1.2: Dados sobre os planetas do Planeta Semi-eixo maior da órbita (u.a) Período (dias)
Sistema Solar. Fonte: Wolfram Alpha
Knowledgebase Mercúrio 0.38710 87.9693
Vênus 0.72333 224.7008
Terra 1.000 365.2564
Marte 1.52366 686.9796
Júpiter 5.20336 4332.8201
Saturno 9.53707 10775.599
Urano 19.1913 30687.153
Netuno 30.0690 60190.03

Calcule o logarítmo na base 10 dos dados dessa tabela, preenchendo a


tabela 1.3:
Tabela 1.3: logarítmos dos dados da ta- Planeta log10 (R) log10 (T)
bela 1.2, onde R é o semi-eixo maior da
órbita em unidades astronômicas e T é o Mercúrio
período em dias. Vênus
Terra
Marte
Júpiter
Saturno
Urano
Netuno

Faça um gráfico com dados calculados para a tabela 1.3. Estime a


melhor reta que descreve os pontos e a partir do coeficiente angular,
mostre a validade da terceira lei de Kepler.
1.2 Método da paralaxe 3

1.2 Método da paralaxe

Perceba que apesar da terceira lei de Kepler dar uma medida relativa
de distância, sem saber a distância do semi-eixo maior da orbita Terra-
Sol, não temos uma escala bem definida para o Sistema Solar. Além
disso, como podemos medir nossa distância em relação a objetos fora
do Sistema Solar, como por exemplo, outra estrela?

Medida de Cassini-Richer

Estique seu braço com o polegar para cima, olhando para ele com
somente um dos olhos abertos e vendo sua posição aparente em relação
a algo bem distante. Agora, troque o olho aberto e faça novamente esta
observação. Percebe que houve uma mudança aparente na posição do
polegar em relação ao fundo distante? Este efeito é chamado paralaxe,
e ocorre devido a mudança de posição do observador. Podemos usar
essa mudança aparente para medir a distância de objetos!
Este método foi usado por G. A. Cassini e J. Richer para fazer uma Figura 1.2: Testando o efeito da paralaxe
usando os olhos como observadores di-
das primeiras medidas precisas em escala solar. Entre 1671 e 1673, eles ferentes.
fizeram medidas simultâneas da posição de Marte no céu durante o
perigeo, Cassini na França e Richer na Guiana-Francesa. Com isto, foi
possível medir a distãncia Terra-Marte e a partir desta outras distân-
cias que tinham sido determinadas de forma comparativa puderam
ser determinadas. Isto é, descobrimos qual a escala de tamanhos do
Sistema Solar! Fonte: https://spaceplace.nasa.gov/dr-
marc-planet-distances/en/
Para Cassini, 1 u.a era equivalente a 140 milhões de kilometros. Atual-
mente definimos este valor como 149.597.870.700 metros.
Considere a figura 1.3:

Figura 1.3: Medida de distância através


do método da paralaxe. D é a distância
entre os observadores, d é distância até
o objeto de interesse e p é o chamado
ângulo de paralaxe.

A partir desta figura, conseguimos obter a distância de interesse (d),


desde que saibamos o ângulo de paralaxe (p) e a distância entre os
observadores (D). Matematicamente, temos:

D
d= (1.4)
2 tan(p)

Note que os ângulos de paralaxe são pequenos. Considere a medida


de Cassini-Richer, a distância entre Caiena (Guiana Francesa) e Paris
(França) é de aproximadamente 7100 km. Usando o dado atual da
4 1 Distâncias astronômicas

Figura 1.4: Medida da distância de uma


estrela usando paralaxe estelar.

distância Terra-Marte no perigeo, temos d = 2.06 × 108 km. Usando a


expressão 1.4, temos que o ângulo de paralaxe é da ordem de 4"!
Uma aproximação comum para ângulos pequenos é tan(p) ≈ p (valida
para p em radianos!), assim:

D
d= (1.5)
2p

Paralaxe Estelar

O método da paralaxe depende da distância entre as observações (D),


quanto maior este valor, maiores serão as distância que poderemos
medir, pois o ângulo de paralaxe (p) será maior. Uma aplicação bas-
tante engenhosa é usar o movimento da Terra ao redor do Sol, assim
teremos D = 2 u.a se fizermos medidas com intervalo de 6 meses (ver
figura 1.4).
Para o método funcionar, precisamos que o objeto de interesse esteja
longe, para que seu movimento próprio não interfira na medida. Em
geral, os ângulos de paralaxe são da ordem de arco de segundo.
Quando o ângulo é exatamente p = 1", definimos a medida até a
distância como d = 1 pc (parsec, do inglês parallax second). No sistema
internacional de unidades, 1 pc = 3.0857 × 1016 m, ou em termos de
anos-luz, 1 pc = 3.262 ly.
Para termos uma noção de escala, a estrela mais próxima do Sol é
Proxima Centauri, que apresenta paralaxe estelar de p = 0.7687", o que
equivale a uma distância de d = 1.3 pc. Isto significa que a luz leva
cerca de 4.24 anos para atravessar esta distância!
Usando a paralaxe estelar podemos medir distâncias de até 100 pc!
Incrível, não?
1.2 Método da paralaxe 5

Exercício 2 Mostre que a distância medida através da paralaxe estelar


é d = 1/p, onde p é o ângulo de paralaxe em arcos de segundo e d é
dado em parsecs.

Atividade Experimental: Calibração de uma câmera


para medir distâncias via paralaxe

Para melhor compreender o método da paralaxe, vamos usar uma


câmera de celular para medir a distância de um objeto distânte (Por
exemplo: uma árvore) [2] . Para tanto, precisamos primeiro aprender a [2]: Catelli et al. (2018), «Um problema
medir o ângulo de paralaxe. didático: como determinar ângulos de
paralaxe trigonométrica»
O método da paralaxe é baseado na idéia de comparar o objeto de
interesse em relação a objetos tão distântes que estes parecem imóveis.
Considere a figura 1.5:

Figura 1.5: Método da paralaxe. A figura


está totalmente fora de escala, note que
em uma escala real, as duas retas que
ligam os observadores a estrela de com-
paração no fundo são aproximadamente
paralelas, o que torna os ângulos θ e θ ∗
aproximadamente iguais,

Na figura, caso as estrelas de referência estejam suficientemente dis-


tantes, podemos dizer que retas ligando os observadores A e B a uma
mesma estrela são aproximadamente paralelas. Se isto é verdade, então
os ângulos θ (o dobro do ângulo de paralaxe, i.é θ = 2p) é aproxima-
damente igual a θ∗ (o ângulo entre as estrelas de referência para um
dos observadores). Assim, podemos determinar o ângulo de para-
laxe usando somente as estrelas de fundo, para qualquer que seja o
observador.
Para calibrar nossa câmera, precisamos medir seu campo de visão
(Ω). Para tanto, precisamos de um objeto de tamanho conhecido (use
uma trena), neste exemplo usarei meu computador. Vamos distanciar
a camera do objeto de forma que ele caiba exatamente na foto.

Figura 1.6: Montagem para medida do


campo de visão Ω. Na figura, D repre-
senta o tamanho do objeto e h a distância
da câmera até o objeto.
6 1 Distâncias astronômicas

Veja a figura 1.6. Usando um pouco de trigonometria, concluímos


que:

 
D
Ω = 2 arctan (1.6)
2h

Realizei o procedimento para a câmera do meu celular e obtive a


seguinte foto:

Figura 1.7: Foto para encontrar o campo


de visão da minha câmera. Note que a
foto está desfocada, pois coloquei o foco
da foto no infinito para evitar possiveis
distorções na figura,

A base do laptop mede d = 38 cm, e nesta foto a câmera está a h = 28.1


cm do computador. Assim, usando a equação 1.6, temos:

 
38
Ω = 2 arctan = 68.12o (1.7)
2 × 28.1

Considerando que a câmera não distorce as fotos, podemos usar uma


simples regra de três para medir ângulos, considerando que o tamanho
completo (na horizontal) da foto representa o campo de visão da
câmera. Assim, nossa câmera está calibrada para medir ângulos! Mas
como podemos usá-la para medir distâncias?
Vamos tentar medir a distância de algo razoavelmente longe, neste
exemplo usaremos uma árvore. Vamos tirar uma foto desta arvore,
nos deslocar de forma perpendicular e tirar outra foto, assim podemos
usar a mudança de posição aparente da árvore para medir o ângulo de
paralaxe. É bastante recomendável aqui o uso de um tripé fotográfico,
para diminuir as fontes de erros.
Considere as fotos apresentadas na figura 1.8. Ao mover o tripé foto-
gráfico 5 metros, a árvore deslocou-se 2.68 cm. A largura das fotos é
de 45.05 cm, assim o ângulo de paralaxe é:

2.68 cm × 68.12o
2p = ⇒ p = 2.25o (1.8)
45.05 cm
1.2 Método da paralaxe 7

Figura 1.8: Fotografias de uma mesma árvore onde a câmera foi deslocada em 5 metros.Os valores numéricos apresentados foram
medidos em uma tela de computador e serão diferentes dos apresentados em papel ou em outra tela com dimensões diferentes.
8 1 Distâncias astronômicas

Figura 1.9: Determinação da distância


usando o Google Maps.

Aplicando agora a equação 1.4, obtemos a distância até esta árvore.

5m
d= ≈ 63.6m (1.9)
2 tan(2.25o )

Concluimos então que a árvore está a 63.6 metros em relação ao ponto


médio entre as observações. Para fins de comparação, podemos usar
imagens de satélite do Google Maps https://www.google.com.br/
maps/ para determinar a distância entre os pontos.

Como pode ser visto na figura 1.9, a distância real é algo entorno de
66.15 metros, assim nosso erro é menor que 4%!

1.3 Método das Velas Padrão

O método da paralaxe não costuma funcionar muito bem para dis-


tância maiores que 100 pc, pois o ângulo de paralaxe se torna muito
pequeno sendo muito difícil determiná-lo. Porém temos uma outra
maneira de medir distâncias, as velas-padrão.
Considere uma fonte de luz homogênea e isotrópica. A intensidade da
luz emitida cai com o quadrado da distância, pois deve se distribuir
igualmente em uma casca esférica de raio r, isto é:

I0
I= (1.10)
r2

Podemos detectar a luz de astros e caso saibamos a intensidade inicial,


podemos inferir a distância da fonte luminosa. Objetos que tem a
intensidade luminosa bem definida são chamados de velas-padrão.
Porém, ao invés de usar luminosidade, astronomos usam uma medida
chamada magnitude. A magnitude absoluta (M) de uma estrela é o
logaritmo na base 10 da luminosidade vista a uma distância de 10
pc. Já a magnitude aparente (m) é o logaritmo da luminosidade vista
1.3 Método das Velas Padrão 9

da Terra. A distância até a estrela (D) é então dada pela seguinte


expressão:

5 log10 (D) = m − M − 10 (1.11)

Onde D é dado em kpc.

Cefeidas

A primeira vela padrão foi descoberta por H.S. Leavitt, são as cha-
madas estrelas cefeidas. Cefeidas são estrelas pulsam radialmente,
alterando seu brilho de forma periódica. Além disso, a magnitude
do brilho de uma cefeida está diretamente ligada ao periodo destes
pulsos, assim, para saber a luminosidade desta estrela basta analisar a
periodicidade do pulso.

Figura 1.10: Henrietta Swan Leavitt


(1868-1921)

Figura 1.11: Magnitude absoluta do brilho de uma cefeida em relação ao seu período.

Usando estrelas cefeidas podemos medir distâncias até aproximada-


mente 1 Mpc (1.000.000 pc)!

Supernovas Ia

Supernovas tipo Ia acontecem em sistemas binários onde um dos


astros é uma anã branca.
Anãs brancas são estrelas super densas, em geral elas tem cerca de uma
massa solar (1M ) e um raio terrestre (1R ⊕ ). Elas sáo táo densas que
todos os átomos estão ionizados, e os elétrons se comportam como um
Figura 1.12: Binária de Sirius, a estrela
gás de férmions. Férmions são partículas que respeitam o princípio de maior é Sirius A, uma estrela de sequên-
exclusão de Pauli, isto é, são partículas que não podem ter exatamente cia principal com cerca de 2M . A
os mesmos números quânticos. seta branca aponta para Sirius B, uma
anã branca com aproximadamente 1M .
Nas anãs brancas não ocorrem processos nucleares, a pressão gra- Note como anãs brancas são pequenas
em relação a estrelas de sequência prin-
vitacional gerada pelas partículas se atraindo devido a gravidade é cipal, sendo bastante densas. Sirius B é a
compensada pela pressão gerada pelo princípio de Pauli, para que anã branca mais próxima do Sol, distante
2.64 pc
estas partículas não ocupem os mesmos estados quânticos.
10 1 Distâncias astronômicas

Este equilíbrio é mantido para anãs brancas de até 1.44 M , conhecido


como limite Chandrasekhar.Nos sistemas binários com anãs brancas,
estas vão absorvendo massa do parceiro até ultrapassarem o limite,
então a pressão gravitacional vence a pressão de degenerescencia, de
forma que a anã branca colapsa dando origem a uma supernova.
Este mecânismo é muito bem conhecido e como sabemos a massa da
estrela que deu origem a supernova, podemos inferir a magnitude
do brilho, de modo que supernovas Ia são velas-padrão. Em geral, a
magnitude de uma supernova Ia é M = −19.3 ± 0.3
Usandos supernovas Ia, podemos medir distâncias da ordem de até
100 Mpc, inclusive podemos ver muitos objetos fora da nossa galáxia!
Para fins de comparação, nossa galáxia tem um diâmetro de cerca de
32 Mpc.

Figura 1.13: Subrahmanyan Chandra- Existem alguns outros métodos de medidas de distância astronômicas,
sekhar (1910-1995) aqui apresentei alguns dos métodos mais utilizados. Caso se interesse
pelo assunto procure por "Cosmic Distance Ladder".
Expansão do universo 2
Para entender a expansão do universo não basta saber medir a distân- 2.1 Leis de Kirchhoff para espec-
cia entre os objetos como apresentado no capítulo anterior, precisamos troscopia . . . . . . . . . . . . . . 11
de informações sobre a velocidade dos astros. Não podemos simples- 2.2 Emissão de corpo negro . . 12
mente acompanhar a variação da distância em relação ao tempo, pois Lei de Wein . . . . . . . . . . 12
2.3 Átomo de hidrogênio . . . . 13
assim apenas teriamos uma velocidade média sobre um longo período
Fórmula de Rydberg . . . . 13
de observação, então como podemos obter outras informações sobre
Modelo de Bohr . . . . . . . 13
estrelas e como estas levam a hipótese do universo em expansão? É Exemplo: composição química
sobre isto que tratamos neste capítulo. do Sol . . . . . . . . . . . . . . . 15
Vamos começar falando de algo que aparentemente nada tem a ver com 2.4 Efeito Doppler . . . . . . . . 16
Medindo velocidade através do
o estudo de Cosmologia: como objetos quentes emitem luz quando
redshift . . . . . . . . . . . . . . 17
submetidos a altas temperaturas.
2.5 Diagrama de Hubble . . . . 18
2.6 Relacionando distâncias ao
redshift . . . . . . . . . . . . . . 18
2.1 Leis de Kirchhoff para espectroscopia 2.7 Atividade Experimental: Expan-
são sem centro? . . . . . . . . . 19
2.8 Energia escura . . . . . . . . 22
Espectroscopia é a área da Física que estuda como a matéria emite
e interage com a radiação eletromagnética. Dois dos pioneiros nesta
área são G. Kirchhoff e R. Bunsen, que estudaram como a composição
química do corpo quente afeta o espectro de radiação eletromagnética
3 emitido por este corpo.
3: Um espectro eletromagnético é um
gráfico de intensidade da luz em função
A grande vantagem do aparato experimental de Kirchhoff e Bunsen do comprimento de onda
foi o avanço na produção de chamas em laboratório, usando um equi-
pamento que atualmente é conhecido como bico de Bunsen, bastante
comum em laboratórios de Química.
Analisando diversos elementos químicos, eles chegaram nas chama-
mas três leis de Kirchhoff para a espectroscopia:

1. Um corpo incandescente sob altas pressões emite um espectro


contínuo, isto é emite em todos os comprimentos de onda dentro
de um intervalo.
2. Um gás incandescente sob baixas pressões emite luz somente em
alguns comprimentos de onda específicos, e estes comprimentos
de onda são determinados pela composição química deste gás,
isto é chamado de espectro de emissão.
3. Quando um espectro contínua passa por um gás frio, alguns
comprimentos de onda são absorvidos, de forma que o espectro
final é quase contínuo, com exceção dessas linhas faltantes que
coincidem com o espectro de emissão do gás frio. Chamamos o
resultado obtido de espectro de absorção.
12 2 Expansão do universo

2.2 Emissão de corpo negro

Um corpo negro é um corpo que absorve toda a luz que é incidida


nele, assim, como este corpo não reflete luz, toda luz que detectarmos
vinda deste objeto é luz própria.
Corpos negros tem um espectro bem conhecido que é definido pela
temperatura como mostra a lei de Planck:

2hc2 1
B(λ, T) = (2.1)
λ e λkT − 1
5 hc

Onde I é o radiancia espectral do corpo negro, h é a constante de


Planck, c é a velocidade da luz e k é a constante de Boltzmann.

Figura 2.1: Max Planck (1858-1947)

Figura 2.2: Espectros de corpo negro


para diferentes temperaturas, note como
a forma se altera e o pico de emissão
muda em função da temperatura

Analisando a lei de Planck, percebemos que o comprimento de onda


mais intenso (pico do espectro) muda para cada temperatura, assim
podemos saber a temperatura do corpo que produziu o espectro!

Lei de Wein

A relação entre a temperatura do corpo negro e o comprimento de


onda mais intenso de seu espectro é chamada lei de Wein:

T × λmáx = 2.898 × 10−3 m.K (2.2)

Este resultado pode ser usado para medir a temperatura de uma


estrela, desde que possamos separar o seu brilho em diferentes com-
primentos de onda e analisar as intensidades. Isto pode ser feito com
um equipamento chamado grade de difração.
2.3 Átomo de hidrogênio 13

Exercício 3 O pico do espectro solar é em λmáx = 501 nm, qual a


temperatura da superfície do sol?

2.3 Átomo de hidrogênio

A descoberta dos espectros de emissão dos elementos químicos foi


uma revolução no entendimento da física atômica. Isto porque cada
átomo tem uma assinatura única, emitindo luz em comprimentos de
onda bem específicos.
Com o avanço nas pesquisas, descobriu-se que os valores dos compri-
mentos de onda emitidos não são aleatórios, mais podem ser descritos
por formulas matemáticas.

Fórmula de Rydberg

Analisando os resultados experimentais, J. Rydberg concluiu que todos


os comprimentos de onda emitidos por um gás de hidrogênio podem
ser descritos pela seguinte fórmula:

!
1 1 1
= RH 2 − 2 (2.3)
λ n1 n2

Onde RH = 1.097 × 10−7 m−1 é a constante de Rydberg e n1 e n2 são


número inteiros positivos.

Figura 2.3: Linhas de emissão do hidro-


gênio no espectro visível.

Como esta fórmula foi descoberta de forma empirica, não havia uma
explicação teórica para seu sucesso. Isto mudou quando Bohr desen-
volveu seu modelo de atômico.

Modelo de Bohr

O modelo atômico de Bohr surgiu para consertar um problema no


modelo atômico de Rutherford. O modelo de Rutherford é inspirado
no sistema solar, onde elétrons orbitam em torno de um núcleo cons-
tituído de prótons e neutrons, assim como os planetas orbitam o Sol,
porém a atração entre elétrons e núcleo é devido a uma força de Cou-
lomb.
Elétrons acelerados, como no caso de um movimento circular, perdem
energia emitindo radiação eletromagnética. No modelo de Rutherford,
Figura 2.4: Niels Bohr (1885-1962)
eletrons perderiam energia cinética e quando isto acontece o tamanho
14 2 Expansão do universo

de sua orbita diminuiuria até um ponto onde o elétron cairia no núcleo


atômico. Desta forma, o átomo de Rutherford não é estável.
Para resolver este problema, N. Bohr admitiu as seguintes hipóteses:

I Existem órbitas estáveis com raios bem definidos no átomo onde


os elétrons não perdem energia que são chamadas órbitas estaci-
onárias.
I Os elétrons não podem estar entre estas órbitas, podendo so-
mente ocupar uma órbita estacionária
I Elétron podem pular de uma órbita para outra absorvendo ou
emitindo quantas de energia, isto é, fótons. Estes fótons devem
ter energia exatamente igual a diferença de energia entre estas
Figura 2.5: Modelo do átomo de Bohr, órbitas.
elétrons possuem órbitas estáveis defi-
nidas pelo núimero quântico principal Fótons são partículas de luz provenientes da quantização do campo
(n) e podem passar de uma órbita para a eletromagnético. Usando a relação de Planck, temos que a energia de
outra emitindo ou absorvendo fótons.
um fóton é determinada pelo seu comprimento de onda:

hc
Eγ = (2.4)
λ

Onde o produto da constante de Planck e a velocidade da luz vale


4: Eletron-volt é uma unidade de ener- hc ≈ 1240 eV.nm. 4
gia comumente usada em Física atômica,
1 eV = 1.6 × 10−19 J Usando o modelo de Bohr podemos calcular os níveis de energia de
cada órbita estacionária:

E0
En = − (2.5)
n2

Onde E0 é a energia do estado fundamental do elétron no átomo de


hidrogênio E0 = −13.6 eV, e n é o chamado número quântico principal
e serve para diferenciar as órbitas estacionárias permitidas. Quanto
menor o valor de n, mais interna a órbita, isto é, menor é seu raio.
Assim como n ≥ 1, a menor órbita (n = 1) é a mais estável, pois é a
menos energética, e o elétron não pode se aproximar mais do núcleo
de modo que o problema do átomo de Rutherford não existe. Por
este motivo, quando n = 1 dizemos que o elétron está no seu estado
fundamental.
Considere um gás de hidrogênio quente. A alta temperatura indica
que a energia média das partículas que compõem o gás é alta, assim
os elétrons estarão em orbitas mais energéticas que o estado funda-
mental. Se os elétrons nestes estados excitados (n2 , 1) passa para uma
órbita menos energética (n1 < n2 ), emitirá um fóton que terá energia
determinada pela equação 2.5:

! !
1 1 1 1
Eγ = En2 − En1 = −E0 − = E0 2 − 2 (2.6)
n22 n12 n1 n2
2.3 Átomo de hidrogênio 15

Mas usando a relação de Planck (Eq. 2.4), temos que:

!
1 E0 1 1
= − 2 (2.7)
λ 2
hc n1 n2

Que é a fórmula de Rydberg e por tanto o átomo de Bohr explica as


linhas de emissão do Hidrogênio e dos demais elementos! Desta forma,
podemos identificar elementos químicos em estrelas se detectarmos as
linhas de emissão corretas em seu espectro!
E0
Exercício 4 Verifique que RH = hc é uma expressão numericamente
válida, de forma a podermos comparar a eq. 2.7 com a fórmula de
Rydberg.

Exemplo: composição química do Sol

O Sol é de forma muito aproximada um corpo negro, e portanto emite


um espectro contínuo. Porém, devido a terceira lei de Kirchhoff, os
gases presentes na região acima da sua superfície absorveram alguns
fótons em comprimentos de onda idênticos ao do seu espectro de
emissão. isto acontece pois estamos excitando elétrons dos átomos
desses gases para órbitas mais energéticas (note que o modelo de
Bohr também explica a terceira lei de Kirchhoff). Assim, analisando o
espectro eletromagnético que chega até nossos experimentos terrestres,
podemos identificar os elementos químicos presentes no Sol!

Figura 2.6: Espectro de absorção do Sol


onde as linhas absorvidas estão identi-
ficadas pelo elemento químico absorve-
dor.

Atualmente podemos enxergar o espectro de absorção do Sol com


muita precisão, veja por exemplo a figura

Figura 2.7: Espectro solar com melhor


precisão que na figura anterior. retirado
de [3].
16 2 Expansão do universo

2.4 Efeito Doppler

O que tudo isso tem a ver com medidas de velocidade? Tudo! Pois é
essencial saber um comprimento de onda emitido a priori por uma
estrela para conseguir medir a velocidade desta através do método
que descrevo nesta sessão, a medida através de efeito Doppler.
O efeito Doppler acontece quando uma fonte emissora de ondas se
move em relação a um observador. Devido ao movimento relativo,
o observador vai detectar uma frequência diferente da emitida pela
fonte, pois receberá mais ou menos frentes de onda em função do
tempo.

Figura 2.8: Ilustração do efeito Doppler.


Quando a fonte se aproxima do obser-
vador, ele recebe mais frentes de onda
e enxerga uma frequência maior. Ana-
logamente, quando a fonte se afasta, a
frequência aparente é menor.

Você já deve ter notado este efeito com ondas sonoras, quando vemos
um carro de formula 1 ou uma sirene de uma ambulância ouvimos
um som característico que é bastante agudo quando a fonte está se
aproximando de você e torna-se grave quando a fonte passa a se
distanciar. O som de uma sirene quanto a ambulancia está parada é
praticamente constante, então esta mudança de frequência aparente é
devido ao efeito Doppler.
A luz é uma onda eletromagnética e por tanto também pode sofrer
efeito Doppler. Lembrando que frequência (ν) e comprimento de onda
(λ) estão conectados pela relação v = λν e que a velocidade da luz
é constante (v = c ≈ 3 × 108 m/s), concluímos que o efeito Doppler
altera também o comprimento de onda da luz, isto é, as cores do seu
espectro, modificando o espectro de emissão de uma estrela!
A relação entre o comprimento de onda observado (λobs ) e o emitido
pela fonte (λe é:

s
1± β
λobs = λe (2.8)
1∓ β

Onde β = v/c e v é a velocidade relativa entre a fonte e o observador.


O sinal na equação 2.8 depende se a fonte está se aproximando ou
afastando em relação ao observador. Quando a fonte se afasta, usamos
os sinais superiores, neste caso, o comprimento de onda aumenta e
dizemos que a luz sofreu um "desvio para o vermelho", ou em inglês,
sofreu redshift. Analogamente, quando a fonte se afasta, usamos os
2.4 Efeito Doppler 17

sinais inferiores, o comprimento de onda diminui e dizemos que a luz


sofreu um "desvio para o azul", isto é, um blueshift.
E. Hubble analisou diversas estrelas cefeidas usando o efeito Doppler
e concluiu que independente da direção que escolhesse, as estrelas
sempre apresentavam redshift, de forma que todas estavam se afas-
tando de nós. Este foi o primeiro indício de que o universo está em
expansão e um grande marco na história da Astronomia!

Medindo velocidade através do redshift

Astronomos costumam definir uma grandeza conhecida como redshift


(z), através da seguinte expressão:

λobs − λe
z= (2.9)
λe

Usando a expressão 2.8, podemos reescrever o redshift como:

s
1+ β
1+z = (2.10)
1− β

Usando um recurso matemático chamado "expansão em série de Tay-


lor", podemos escrever a seguinte relação:

s
1+ β 1 1 3
= 1 + β + β2 + β3 + β4 + (. . . ) (2.11)
1− β 2 2 8

Para pequenas velocidades (β << 1 ⇒ β2 << β, podemos desconsi-


derar os termos desta equação com potências quadráticas ou maiores,
pois estes terão valores desprezíveis. Então, substituindo 2.11 em 2.10,
temos:

v
z≈ (2.12)
c

Assim podemos medir a velocidade das estrelas usando o redshift de


algum comprimento de onda conhecido. Existem elementos químico
que esperamos que existam na composição desta estrela (hidrogênio,
por exemplo), então podemos procurar as linhas de emissão destes
elementos no espectros, e observando como estas linhas estão desloca-
das, podemos determinar a velocidade radial desta estrela em relação
a Terra.
Note que se a aproximação de baixas velocidades não for válida, pre-
cisamos usar a equação 2.10, isto é verdade para objetos que estão
bastante longe, como supernovas.
18 2 Expansão do universo

Figura 2.9: Diagrama de Hubble, note


que a velocidade radial medida através
de redshift tem uma relação linear com
a distância da estrela em relação a Terra.
Adaptado de Wikimedia Commons, cre-
ditos a Brews Ohare.

2.5 Diagrama de Hubble

Outro fato notado por Hubble, é que além das estrelas estarem se
afastando, a velocidade aumenta quanto mais longe a estrela está.
Fazendo um gráfico da relação entre velocidade radial e distância, ele
obteu algo similar a 2.9.
Este gráfico ficou conhecido como diagrama de Hubble. Note que a
velocidade (v) cresce linearmente com a distância (d), esta é a chamada
lei de Hubble-Lemaitre:

v = H0 d (2.13)

Onde H0 ≈ 68 km/(s.Mpc) é o parâmetro de Hubble. Isto significa que


uma estrela a 1 Mpc estará se afastado da Terra com uma velocidade
radial de 68 km/s.
O motivo desta aparente expansão do universo foi descrito por G.
Lemaitre usando a Relatividade Geral.

2.6 Relacionando distâncias ao redshift

Considerando a lei de Hubble válida, podemos usar o redshift para


medir a distância de uma estrela. Para baixas velocidades, podemos
substituir 2.13 em 2.12:

cz
d= (2.14)
H0

Assim, temos outra maneira de medir distâncias astronômicas!


2.7 Atividade Experimental: Expansão sem centro? 19

2.7 Atividade Experimental: Expansão sem


centro?

Como todas as estrelas estão se afastando de nós, podemos concluir


que o universo está em expansão. Mas nós estamos no centro desta ex-
pansão? A resposta é não! Segundo o modelo cosmológico a expansão
não tem um centro. Proponho aqui uma atividade para mostrar que é
perfeitamente possível haver uma expansão sem um centro geométrico
que pode ser feita com materiais de escritório simples.

I Clipes de papel (ao menos 5)


I Fio elástico (igual aqueles usados em mascaras)
I Fita adesiva
I Régua
I Papel milimetrado ou algum programa que faça gráficos como o
Excel.

E é isso! Vamos a preparação:


Corte pedaços de elástico em tamanhos diferentes e amarre os clipes
em fileira, como na foto a seguir.

Figura 2.10: Montagem inicial do experi-


mento

Em seguida, fixe os clipes das extremidades sem esticar os elásticos


como na figura 2.11.
20 2 Expansão do universo

Figura 2.11: Fixação para medida

Cada um dos clipes representa uma estrela, vamos nomeá-los como


“Estrela A”, “Estrela B” e assim por diante. Escolha duas (ou mais)
estrelas e meça a distância entre essas estrelas de referência e todas as
outras estrelas do conjunto como na figura 2.12.

Figura 2.12: Exemplo de medida entre


as estrela A e B. Importante escolhe um
ponto de referência para as medidas, por
exemplo a extremidade direita.

Faça uma tabela com esses dados, realizando este experimento ob-
tive a tabela 2.1. (Dica: escolha um ponto de referência no clipe para
padronizar as medidas, por exemplo a ponta direita do clipe)
Agora solte a ponta de uma das extremidades, estique o sistema e
prenda a ponta na nova posição. Isto simula uma passagem de tempo,
aonde o universo expandiu e as distâncias entre estrelas aumentou.

Tabela 2.1: Tabela com os dados coleta-


dos
2.7 Atividade Experimental: Expansão sem centro? 21

Figura 2.13: Experimento esticado para


simular passagem do tempo no uni-
verso.

Atualize a tabela anterior com relação as mesmas estrelas de referência


e adicione uma coluna com o tamanho da expansão, isto é, a distância
nova menos a distância inicial.
Tabela 2.2: Tabela de dados atualizada.

Vamos fazer agora um gráfico de expansão em função da distância


inicial para cada estrela de referência. Estes gráficos são similares ao
diagrama de Hubble, que coloca velocidade em função da distância
para estrelas distantes. Porém como não temos um “tempo de expan-
são”, usaremos o apenas o valor absoluto de expansão ao invés da
velocidade.

Figura 2.14: Gráfico obtido usando os da-


dos coletados para as estrelas de referên-
cia A e D.

Desenhe uma reta que melhor aproxime seus pontos experimentais


(ou faça um “ajuste linear” no Excel) para cada gráfico. Agora meça
o coeficiente angular dessa reta, isto é, a tangente do ângulo entre a
reta e o eixo das abscissas. Este valor é equivalente ao parâmetro de
22 2 Expansão do universo

expansão de Hubble (porém, sem unidade), compare o valor obtido


nos dois gráficos.
Se tudo ocorreu bem, os valores dos coeficientes angulares serão os
mesmo (ou valores muito próximos!). No meu caso, os valores obtidos
foram 0,50 e 0,53 paras as estrelas de referência A e D, respectiva-
mente.
Isto mostra que independente do ponto de referência, veremos a ex-
pansão do universo da mesma forma e por tanto a expansão não tem
centro geométrico definido!

2.8 Energia escura

O diagrama de Hubble foi bastante atualizado com o passar do tempo,


adicionando estrelas cada vez mais distântes. Porém, em grandes
escalas percebemos que os dados não podem mais serem descritos por
uma reta.

Figura 2.15: Gráfico análogo ao dia-


grama de Hubble para supernovas Ia,
onde a magnitude está relacionada a dis-
tância e o redshift a velocidade. Dados
obtidos com o Wide Field Imager, crédi-
tos a ESA

Isto acontece pois o parâmetro de Hubble não é constante, variando no


tempo. H0 como definido na sessão anterior é o parâmetro de Hubble
atual, mas ainda precisamos descobrir como H(t) evolui no tempo. Isto
será o tópico do próximo capítulo.
Uma descoberta interessante que levou ao premio Nobel de 2011 para
S. Perlmutter, B. Schmidt e A. Riess é que a expansão do universo está
acelerando! Esta descoberta é bastante contra-intuitiva, pois como a
gravidade é uma força atrativa, esperariamos que a expansão estivesse
freiando, ficando cada vez mais fraca em relação ao Big Bang.
A expansão acelerada do universo é causada pelo chamada energia
escura, que ainda não entendemos muito bem e é alvo de pesquisas
Figura 2.16: Físicos laureados com o pre- na atualidade.
mio Nobel de 2011.
Composição e idade do
Universo 3
3.1 Equação de Friedmann . . . 23
3.1 Equação de Friedmann Sistema de coordenadas comó-
vel . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
A equação de Friedmann dita como o parâmetro de Hubble evolui com Cosmologia Newtoniana . . 24
o tempo. Sua derivação exata necessita de conceitos de Relatividade 3.2 Densidades e componentes do
Geral, porém farei aqui uma derivação aproximada usando mecânica universo . . . . . . . . . . . . . . 26
Matéria . . . . . . . . . . . . . 27
newtoniana baseado em [4].
Radiação . . . . . . . . . . . . 27
Energia Escura . . . . . . . . 28
Idade do Universo . . . . . . 28
Sistema de coordenadas comóvel

Antes de começarmos precisamos definir um sistema de coordenadas


conhecido como comóvel. Vamos considerar que a expansão do uni-
verso é isotrópica e homogênea, isto é, ocorre igualmente para todos
os pontos e para todas as direções. Com isso podemos escrever um sis-
tema de coordenadas que cresce junto com a expansão do universo, de
forma que a distância entre os pontos mudam, mais o valor numérico
das coordenadas de um determinado objeto se mantem fixos.

Figura 3.1: Sistema de coordenada comó-


vel. O sistema cresce junto com a expan-
são do universo, assim os objetos conti-
nuam no mesmo ponto, o que muda com
o tempo é como medimos as distâncias

Assim, seja r®(t) o vetor distância real entre dois pontos no espaço físico
e ®(x) a coordenada do vetor no espaço comóvel, podemos escrever:

r®(t) = a(t) x®(t) (3.1)

Onde a(t) é o chamado fator de escala do universo, que descreve


completamente a evolução do universo. Por convenção, adotamos o
valor atual do fator de escala como 1 (a(t0 ) = 1), onde usamos a notação
24 3 Composição e idade do Universo

t0 para o tempo atual. Sempre que escrevermos termos com o índice 0


estamos falando de seu valor atual.
Note que no sistema de coordenada comóvel, a medida de distân-
cias físicas depende do tempo. Para um universo plano, podemos
escrever:

∆r 2 = a(t)2 [∆x 2 + ∆y 2 + ∆z 2 ] (3.2)

Onde x,y,z são as três coordenadas do espaço. Note que é preciso então
saber o fator de escala para medir distâncias. Esta expressão é uma
pequena modificação em relação a medida de distância euclideana,
onde usamos o teorema de pitágoras (∆r 2 = [∆x 2 + ∆y 2 + ∆z2 ]). Caso
o universo seja curvo, a expressão fica mais complicada e precisamos
usar geometria diferencial para calcular essa distância.
A velocidade instantânea do objeto devido a expansão do universo
é:

r®(t + ∆t) − r®(t)


v® = lim (3.3)
∆t→0 ∆t

Esta expressão diz que a velocidade é variação instanânea do espaço


devido tempo, ou em linguagem matemática, é a derivada do espaço
em função do tempo. Normalmente escrevemos isto como v = r. Û Subs-
tituindo 3.1 em 3.3, temos:

a(t + ∆t) − a(t) Û


a(t)
v® = lim x® = r® (3.4)
∆t→0 ∆t a(t)

E tirando o módulo da equação:

Û
a(t) Û
a(t)
|®v | = r| =
|® r®d (3.5)
a(t) a(t)

Assim o parâmetro de Hubble pode ser expresso em função do fator


de escala pela seguinte expressão:

Û
a(t)
H(t) = (3.6)
a(t)

Cosmologia Newtoniana

6: ∆U = mgh é um caso especial onde Considere a energia potencial gravitacional na teoria newtoniana 6 :
consideramos o campo gravitacional cons-
tante g = G M
2
r Mm
U = −G (3.7)
r
Exercício 5 Mostre que ∆U = mgh, considerando g = GM
r2
, onde r é o
raio da Terra e h é a altura do objeto acima da Terra.
Dica: A aproximação 1
1+x ≈ 1 − x é valida quando x << 1.
3.1 Equação de Friedmann 25

Considere uma partícula teste de massa m em um meio homongêneo


de densidade constante ρ com uma distância r do centro deste meio. 7
Sabemos por teorema que a energia potencial sentida pela particula 7: Para deduzir a equação de Friedmann
teste é equivalente ao potencial causado por uma partícula pontual pela mecânica newtoniana é preciso adi-
cionar um "centro"do universo, porém
com massa igual a de uma esfera de raio r e densidade ρ a uma
na dedução formal usando Relatividade
distância r. Geral, este centro não existe.

GρV m 4πr 3 m 4πGρr 2 m


U=− = −Gρ =− (3.8)
r 3 r 3

Para calcular a energia dessa partícula teste, basta somar a energia


cinética com a energia potencial E = K + U:

mv 2 4πGρr 2 m
E= − (3.9)
2 3

Substituindo nesta expressão a lei de Hubble e passando para coorde-


nadas comóveis temos:

1 2 2 4π
E= maÛ x − Gρa2 x 2 m (3.10) Figura 3.2: Por teorema, sabemos que
2 3 apenas a região cinza contribui na ener-
gia potencial gravitacional. Contribui-
Ou rearranjando os termos: ções das outras regiões se cancelam.

 2
aÛ 8πGρ kc2
H =
2
= − 2 (3.11)
a 3 a

Onde definimos k ≡= −2E


mx 2
. A equação 3.11 é a chamada Equação de
Friedmann e descreve a evolução temporal do parâmetro de Hubble.
Porém, como dito anteriormente, sendo a gravidade uma força atrativa,
ao resolver esta equação não conseguimos descrever um universo em
expansão acelerada. Para resolver este problema colocamos um termo
extra na equação dependente da chamada "constante cosmológica"(Λ)
que fará o papel da energia escura:

8πGρ kc2 Λc2


H2 = − 2 + (3.12)
3 a 3

Nesta equação k representa a curvatura do universo, dados experimen-


tais atuais sugerem que o universo é plano, logo, k ≈ 0. Além disso, a
constante cosmológica, como o nome sugere, é constante, isto é, não
evolue no tempo.
Assim, para saber como é a evolução da expansão do universo, preci-
samos saber como a densidade do universo varia.
26 3 Composição e idade do Universo

3.2 Densidades e componentes do universo

A derivação newtoniana considera atração entre corpos massivos. Po-


rém, na Relatividade Geral, o que distorce o espaço-tempo é a energia
e não somente a massa. Massa e energia estão ligados pela equação
de Einstein E = mc2 , o que implica em  = ρc2 , onde  é a densidade
de energia. Então daqui em diante quando me referir a densidade ρ,
implicitamente estarei fazendo a conexão ρ = c2 , o que significa que
mesmo fótons, que são partículas não-massivas terão densidade.
Antes de descrever a evolução temporal da densidade do universo,
precisamos dividir esta densidade em diferentes componentes, pois
eles evoluem de maneira diferente. São eles: matéria (m), radiação (R)
e energia escura (Λ).
Assim podemos escrever:

ρ = ρm + ρ R (3.13)

E definimos a desidade de energia escura como:

Λc2
ρΛ = (3.14)
8πG

De forma que para um universo plano, a equação de Friedmann pode


ser escrita como:

8πG
H2 = (ρm + ρR + ρΛ ) (3.15)
3

Podemos definir uma grandeza comum em Cosmologia, chamada


densidade crítica ρc , se a densidade do universo é a critical, então o
universo é plano.

3H 2
ρc (t) = (3.16)
8πG

Além disso, podemos definir os parâmetros de densidade ΩX , que é a


densidade da componente X (X ∈ {m, r, Λ}), em frações da densidade
crítica:

ρX
ΩX = (3.17)
ρc

Em um universo plano, a soma das densidade deve dar ρc , logo temos


o seguinte vínculo nos parâmetros de densidade:

Ω m + Ω R + ΩΛ = 1 (3.18)

Atualmente estes valores são: Ω0,m = 0.3111 ± 0.0056, Ω0,Λ = 0.6889 ±


0.0056 e Ω0,R ≈ 2.47 × 105 .[5] Isto é, cerca de 68.9% do universo é
energia escura, 31.1% é matéria e 0.02% é radiação. Podemos dividir
3.2 Densidades e componentes do universo 27

Figura 3.3: Composição do universo

matéria em duas componentes: matéria bariônica (que interagem com


a luz) e matéria escura (que não interage com a luz), usando esta
distinção a matéria bariônica constituí 4.8% do universo e matéria
escura 26.3%.
Ainda não sabemos o que constitui a energia escura e a matéria escura,
estas são grandes perguntas em aberto para a Cosmologia que são
temas de pesquisa para diversos cientistas pelo mundo. Falaremos um
pouco mais de matéria escura no próximo capítulo.
Mas como estes parâmetros de densidade evoluem com o tempo?

Matéria

Densidade de matéria depende do número de partículas em um deter-


minado volume. Devido ao fator de escala, o volume está expandindo
e cada coordenada expande proporcionalmente a este fator, assim
o volume aumenta proporcionalmente ao cubo do fator de escala
V(t) ∝ a(t)3 .
Assim, sabendo que a(t0 ) = 1, podemos escrever:

ρm (t) = ρ0,m a(t)−3 ⇒ Ωm (t) = Ω0,m a(t)−3 (3.19)

Radiação

Radiação se refere a partículas relativísticas como o fóton. Sabemos


que os fótons tem energia inversamente proporcional ao comprimento
de onda (Eq. 2.4), como o universo está em expansão, este compri-
mento de onda está aumentando (redshift) e portanto a energia está
diminuindo.
28 3 Composição e idade do Universo

lembrando que ρ = /c2 , e que novamente o volume varia com a(t)−3 ,


temos que a densidade de radiação tem a seguinte dependência:

ρR (t) = ρ0,R a(t)−4 → ΩR (t) = Ω0,R a(t)−4 (3.20)

Energia Escura

A energia escura é dependente da constante cosmológica, que não


varia temporalmente. Assim:

ΩΛ (t) = Ω0,Λ (3.21)

Destas equações podemos ver que a componente dominante do uni-


verso varia com o tempo, começando com um universo dominado
por radiação, passando para um universo dominado por matéria e
atualmente temos um universo dominado por energia escura.

Figura 3.4: Evolução das densidades em


relação ao tempo. Note as três fases: o
universo dominado por radiação, domi-
nado por matéria e atualmente domi-
nado por energia escura.

Idade do Universo

Usando estas informações, podemos reescrever a equação 3.15 em


função dos parâmetros de densidade atuais:

H 2 = H02 [Ω0,m a(t)−3 Ω0,R a(t)−4 + ΩΛ ] (3.22)

Lembrando que (H = a/a),


Û vemos que esta é uma equação diferencial
que mostra como o fator de escala a varia com o tempo. Resolvendo
esta equação, descobrimos que existe um tempo t∗ onde a(t∗ ) = 0, isto
é, todas as distâncias entre objetos são nulas. Chamamos este ponto
3.2 Densidades e componentes do universo 29

de Big Bang, se escolhermos a origem da coordenada temporal neste


ponto, isto é, t∗ = 0, podemos calcular a idade do universo e o resultado
obtido é:

t0 = (13.787 ± 0.020) × 109 anos (3.23)

Isto é o universo tem cerca de 13.8 bilhões de anos.


Matéria Escura 4
Matéria escura é um componente do universo que não interage ele- 4.1 Curvas de rotação . . . . . . 31
tromagneticamente, dai o nome "escura". Temos diversos indicios 4.2 Aglomerados de galáxias . . 33
experimentais de matéria escura devido a efeitos gravitacionais, po- 4.3 Formação de estruturas e oscila-
rém ainda não entendemos sua natureza. Muitos físicos acreditam ção acústica de bárions . . . . . 34
4.4 Nucleossíntese e matéria bariô-
que a matéria escura seja composta por partículas e existem diversos
nica . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
experimentos que tentam encontrar essa partícula.
4.5 Qual a natureza da matéria es-
Vamos discutir algumas da evidências existentes para a matéria escura cura? . . . . . . . . . . . . . . . . 35
neste capítulo.

4.1 Curvas de rotação

Figura 4.1: Galáxia de cata-vento (NGC


5457)

Uma grande evidência vem do estudo de galáxias espirais. Estrelas


rotacionam em torno do centro de uma galáxia realizando órbitas que
são descritas pelas leis de Kepler. Considerando que a força gravitacio-
nal causa uma resultante centrípeta nessas estrelas, uma estrela com
distância R em relação ao centro da galáxia e massa m, temos:

mv 2 mM(r)
=G (4.1)
R R2

Onde usanmos o mesmo teorema que utilizamos para deduzir a equa-


ção de Friedmann de forma que M(R) é a massa de uma esfera de raio
32 4 Matéria Escura

R com centro igual ao da galáxia. A velocidade desta galáxia deve


ser:

r
GM(R)
v(R) = (4.2)
R

Esperamos que M(R) cresça até R chegar próximo ao raio da galáxia.


Acima deste valor, M(R) deve se tornar constante, de forma√que v(R)
cresce até um certo ponto e depois cai proporcionalmente a R.
V. Rubin desenvolveu um método para medir a velocidade orbital
de estrelas com grande precisão e comparando com a massa inferida
por métodos luminosos descobriu que a equação 4.2 não descreve os
dados experimentais! O gráfico de velocidade orbital em função da
distância ao centro de uma galáxia ficou conhecido como curva de
rotação.

Figura 4.2: Vera Rubin (1928-2016)

Figura 4.3: Curva de rotação da galáxia


M33 em comparação com a previsão teó-
rica sem matéria escura. Retirado de [6]

As curvas de rotação podem ser explicadas se existir um perfil de


densidade de matéria escura, pois assim não estariamos levando em
consideração total a massa existente na galáxia. Este foi um dos pri-
meiros indícios experimentais de matéria escura.
4.2 Aglomerados de galáxias 33

Figura 4.4: Distribuição de matéria es-


cura (em azul) esperada de uma galáxia.

4.2 Aglomerados de galáxias

Aglomerados de galáxia são estruturas que contem centenas de galá-


xias ligadas devido a atração gravitacional, sendo uma das maiores
estruturas conhecidas do universo. Estudando estes aglomerados em
diversos comprimentos de onda, astronomos descobriram que existem
estrelas entre as galáxias e também um gás quente e difuso.

Figura 4.5: Duas detecções do aglomerado Abell 2029, em raio-x podemos ver o gás quente e difuso e no visivel vemos as galáxias que
compõem o aglomerado.

Além disso, em termo de massa, o gás quente é de 5 a 10 vezes mais


representativo que as estrelas! Porém, mesmo levando isto em consi-
deração, a massa inferida através destes métodos não é suficiente para
manter a estrutura estável! Assim, aglomerados de galáxia também
são uma evidência bastante direta da existência de matéria escura.
34 4 Matéria Escura

4.3 Formação de estruturas e oscilação


acústica de bárions

Uma das áreas mais ativas em Cosmologia é tentar entender como


estruras como galáxias, aglomerados de galáxia e superaglomerados
são formados. Atualmente, precisamos considerar que no começo do
universo haviam pequenas irregularidades na densidade do universo,
que seviram de atratores para a matéria que acaba se acumulando nos
pontos com maior densidade inicial gerando estruturas.
Nesta época, o universo é dominado radiação. A forte interação dos
fótons com os bárions provoça uma pressão para fora destes centros
atratores na matéria bariônica, enquanto se matéria escura existir, ela
se concentrará onde o potencial gravitacional for menor.

Figura 4.6: Visualização da oscilação


acustica de bárions, a matéria é atraída
para lugares com sobredensidade e os fó-
tons criam uma pressão que tenta afastar
a matéria destes centros.

A atração gravitacional e a pressão dos fótons faz com que a matéria


bariônica se oscile em um anel em torno do ponto de sobredensidade
conhecido como horizonte acústico. Com o passar do tempo, o uni-
verso vai ficando mais frio e a luz passa a interagir menos com as
bárions e se desacopla da matéria. A matéria se agrupa em galáxias e
outras estruturas mas essa separação entre parte com aglomeração de
matéria e partes vazias se mantem.
A oscilação acústica de bárions nos fornece uma espécie de "régua
padrão", assim ao detectarmos uma galáxia em uma região do espaço,
existirá uma distância em relação a essa galáxia onde é mais provável
encontrar outras galáxias. Essa distância pode ser usada para determi-
nar o conteúdo de matéria escura no universo, e esta observação não
pode ser explicar sem assumir a existência de matéria escura.
4.4 Nucleossíntese e matéria bariônica 35

Figura 4.7: As "cascas"de matéria man-


tem seu formato, apesar de seu tama-
nho aumentar devido a expansão do uni-
verso. Podemos inferir dados sobre o
conteúdo do universo estudando a distri-
buição das galáxias no universo no con-
texto de oscilação acústica de bárions.

4.4 Nucleossíntese e matéria bariônica

Nuclessíntese é o processo que criou o núcleo de elementos químicos


leves (H,D,3 He,4 He,Li) no universo primodial através de reações de
fusão nuclear. A proporção entre estes elementos leves criados é dire-
tamente dependente da quantidade de matéria bariônica existente no
universo.
Medindo a proporção entre elementos leves em estruturas antigas,
podemos ter uma noção da proporção criada durante a nucleossínte e
assim inferir a quantidade de matéria no universo.
Podemos comparar esta quantidade com a quantidade de matéria
interida usando diagramas de Hubble, que não distingue matéria
bariônica e matéria escura. As duas medidas são bastante distintas,
assim concluímos que existe matéria escura no universo.
Discutiremos este mecânismo com um pouco mais de detalhe no pró-
Figura 4.8: As curvas mostram a previ-
ximo capítulo, são teórica da proporção entre os ele-
mentos leves em relação ao Hidrogê-
nio em função da densidade bárions do
universo. Os círculos mostram as obser-
4.5 Qual a natureza da matéria escura? vações experimentos de cada elemento,
note que a mesma densidade de bárions
consegue explicar todas as proporções,
dando uma ótima medida para a densi-
Visto que existem diversas obervações do universo que só podem ser dade de bárions do universo.
descritas por matéria escura, e que estas prevem a mesma densidade
de matéria escura, temos uma confiança muito grande que matéria
escura existe,
Mas apesar disso, sabemos apenas algumas caracterísculas sobre ela,
como ser eletricamente neutra e qual sua densidade. Ainda não temos
uma teoria que explique o que a materia escura é. Muito físicos supõem
que ela seja composta de partículas elementares que não interagem
eletricamente, mas podem interagir com matéria bariônica através da
força fraca, este é a hipótese dos WIMPs (Weakly Interacting Massive
36 4 Matéria Escura

Particle) e se esta estiver correta, podemos detectar matéria escura em


experimentos de física de partículas. Até o presente momento não há
nenhum indício de WIMPs nas observações experimentais, de forma
que matéria escura ainda é um grande problema em aberto para a
Física e a Cosmologia.
Geração de matéria 5
Os elementos químicos não existem desde o Big Bang, mas foram 5.1 Quarks, léptons e bósons . 37
formados durante a evolução do universo. Os elementos mais leves, Mar de Dirac . . . . . . . . . 38
até o Berílio, foram formados no universo primordial em um período Assimetria matéria-
chamado Nucleossíntese. Elementos mais pesados, até o ferro, são antimatéria . . . . . . . . . . . . 39
5.2 Hadronização . . . . . . . . . 40
formados em núcleos de estrelas. Já os demais elementos são formados
5.3 Nucleossíntese . . . . . . . . 41
em supernovas. Vamos discutir a formação dos elementos durante o
5.4 Recombinação . . . . . . . . 42
universo primordial neste capítulo.

5.1 Quarks, léptons e bósons

Segundo o modelo atual, apenas partículas elementares foram criadas


nos primeiros instantes do universo. Partículas elementares são os
constituíntes primários da matéria e não possuem estrutura interna,
isto é, não podem ser divididos em elementos menores. Até mesmo
partículas como prótons e neutrons não são elementares, eles são
constituidos de partículas chamadas quarks.
Partículas elementares são descritas por alguns dos chamados números
quânticos (spin, carga elétrica, carga de cor, isospin e hipercarga), além
da massa da partícula. O spin descreve o momento angular intrinseco
da partículas e pode ter valores inteiros ou semi-inteiros (um número
inteiro e meio).
Quando a partícula tem spin semi-inteiro, não podemos ter duas partí-
culas idênticas com todos os números quânticos iguais (por exemplo, o
número quântico principal que vimos em física atômica), isto é conhe-
cido como princípio de exclusão de Pauli. Chamamos estas partículas
de férmions.
Já partículas de spin inteiro, não respeitam o princípio de exclusão, po-
dendo se condensar no estado fundamental do sistema (Condensado
de Bose-Einstein). Estas partículas são chamadas de bósons.
Além disso, férmions são divididos em quarks e léptons, onde quarks
são partículas com carga de cor não nula, isto é, que sentem interações
devido a força forte. Já os léptons possuem carga de cor nula e portanto
não interagem fortemente, mas podem interagir de maneira fraca,
eletromagnética e gravitacional.
O atual conteúdo de partículas elementares conhecido é apresentado
na figura 5.2.
Cada uma destas partículas possui um par que possui a mesma massa, Figura 5.1: O diagrama de Pauling usado
o mesmo spin e o mesmo tempo de vida, porém possuem cargas com para encontrar a distribuição eletrônica
de um átomo é uma consequência do
sinais trocados que são conhecidos com "antipartículas". Antipartículas princípio de exclusão de Pauli. Caso os
são previsões comprovadas da mecânica quântica relativísta, uma das elétrons fossem bósons, todos eles pode-
possíveis descrições é o chamado "mar de Dirac". riam estar no mesmo nível de energia.
38 5 Geração de matéria

Figura 5.2: Partículas elementares desco-


bertas até o momento.

Mar de Dirac

Quando tentamos desenvolver uma teoria quântica relativística, apa-


recem infinitas soluções com energias negativas. Isto causou um pro-
blema imenso, pois como a partícula não um estado de energia mínima,
ou seja, um estado fundamental, ela poderia cair para níveis de energia
cada vez menores emitindo fótons de forma indefinida. Poderiamos
tirar energia infinita dessa energia, assim por muito tempo considera-
mos que não era possível fazer uma teoria quântica relativística.
Isto mudou quando P. Dirac desenvolveu a teoria que ficou conhecida
como mar de Dirac. Dirac queria descrever um elétron relativístico e
para se livrar do problema dos niveis negativos de energia, propos o
seguinte: Todos os níveis de energia negativa estão já ocupados por
elétrons. Isto significa que o vácuo não é vazio de verdade, mas sim
composto de uma infinitade de elétrons com energia negativa, o mar
de Dirac.
O mar de Dirac tem duas consequências fundamentais, a primeira
é que podemos excitar um elétron do mar de Dirac para um estado
positivo de energia através de um fóton. Quando isto acontece, um
buraco é formado no mar de Dirac. Quando observamos este efeito,
vai parecer que um elétron foi criado do vácuo e veremos também
uma ausência de carga negativa formada por este buraco que pode ser
interpretada como uma partícula de carga positiva: a antipartícula do
elétron, que conhecemos como pósitron.
Esta reação é chamada de criação de pares, onde acumulando radiação
em um ponto vemos a criação de um par partícula-antipartícula. Outra
Figura 5.3: Paul Dirac (1902-1984) consequência é que um elétron pode cair para um nível de energia
5.1 Quarks, léptons e bósons 39

Figura 5.4: Interpretação do mar de Di-


rac. As bolinhas pretas representam es-
tados ocupados e as brancas estados va-
zios (buracos). O vácuo não é vazio, mas
tem todos os estados de energia negativa
ocupados. O pósitron é uma vacância no
mar de Dirac, que interpretamos como
uma partícula.

negativo vago, isto é um buraco. Para um observador, vai parecer que


o elétron colide com um pósitron, os dois se aniquilam e liberam fótons
bastante energéticos. Isto é conhecido como aniquilação de pares.
A previsão de antipartículas de Dirac foi comprovada quando Ander-
son descobriu o pósitron.

Assimetria matéria-antimatéria

Partículas e antipartículas são muito parecidas apesar das cargas opos-


tas, de forma que é comum supor que elas são criadas em igual quan-
tidade no começo do universo. Se isto for verdade, a medida que o
universo esfriasse e não tivéssemos energia suficiente para criar pares
de partícula-antipartícula através da radiação, teriamos que matéria
e antimatéria se aniquilariam e não sobraria matéria para formar as
estruturas que conhecemos.
Deve existir um mecanismo dinâmico que quebra este balaaço entre
matéria e antimatéria, criando uma assimetria que permita sobrar
matéria para o universo evoluir para o estado que conhecemos. Este é
o chamado problema da assimetria bariônica, e é um tema de pesquisa
em aberto para física de partículas e cosmologia.
40 5 Geração de matéria

Figura 5.5: Produção e aniquilação de


pares, duas reações que caracterizam an-
tipartículas.

5.2 Hadronização

Considerando que a assimetria bariônica seja criada, o universo conti-


nua a evoluir. No universo primordial, as partículas elementares não
estão confinadas em partículas compostas, como prótons e neutrons,
mas sim existem em um estado similar a um líquido conhecido como
quark-gluon plasma.

Figura 5.6: Composição dos prótons e


neutrons. Prótons são compostos pela
combinação uud e neutrons por udd.

Conforte a temperatura vai diminuindo, o universo como um todo


10: Uma transição de fase é uma mu- passa por uma transição de fase 10 onde quarks passam a se confinar
dança de comportamento em um sistema em partículas compostas conhecidas como hadrons. Existem dois tipos
devido a mudanças na temperatura, den-
de hadrons, os compostos de três quarks conhecidos como bárions e
sidade ou pressão.
os compostos de um par quark-antiquark chamados de mésons.
5.3 Nucleossíntese 41

Figura 5.7: Evolução da matéria desde o


quark-gluon plasma até a formação dos
átomos

Neutrons e prótons são bárions e por tanto se formam nesta época. Pró-
tons tem composição uud e neutrons são formados pela combinação
udd.

5.3 Nucleossíntese

A temperatura continua a diminuir, até chegar ao ponto onde liga-


ções entre prótons e neutrons começam a ficar estáveis. Antes disso,
qualquer ligação que poderia se formar era facilmente quebrada por
alguma colisão devido a alta temperatura do universo.
Reações de fusão nuclear começam a se tornar relevantes, dando ori-
gem aos elementos leves: H, D, 3 He, 4 He e 7 Li. Além disso, alguns
traços de T e 7 Be são formados.
As reações relevantes são mostradas a seguir.

Figura 5.8: Reações nucleares importan-


tes para a formação de elemento leves
no universo primordial

Levando estas reações em consideração estas reações, descobrimos que


a proporção entre elementos leves depende de quanta matéria bariô-
nica sobrou depois das aniquilações de pares, isto é, a nucleossíntese é
bastante dependente da assimetria bariônica do universo. Usando as
proporções medidas, podemos inferir quanta matéria bariônica existe
no universo.
42 5 Geração de matéria

Figura 5.9: Processo de recombinação,


onde os elétrons se ligam a núclos atômi-
cos, formando os primeiros átomos.

5.4 Recombinação

A temperatura cai ainda mais e os núcleos formados anteriormente


conseguem se combinar com elétrons, formando os primeiros átomos.
Isto acontece pois os fótons não tem mais energia para separar os
elétrons dos núcleos.
Considera o átomo de Hidrgênio. Como já vimos os níveis de energia
do elétron são descritos pela seguinte expressão:

−13.6 eV
En = (5.1)
n2

Se um fóton com energia 13.6 eV é absorvido por um elétron no estado


fundamental, este é mandado para o orbital de n → ∞, isto é apenas
uma maneira de dizer que o elétron não está mais preso ao átomo, isto
é, essa é a energia de ionização do hidrogênio.
Assim, quando os fótons do universo primordial não tem mais energia
para ionizar os átomos, eles se tornam estáveis. Este processo se chama
recombinação.
Bibliografia

Aqui estão as citações em ordem de apresentação.

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[2] Francisco Catelli, Odilon Giovannini e Paula Hoffmann. «Um problema didático: como determinar
ângulos de paralaxe trigonométrica». pt. Em: Revista Brasileira de Ensino de Física 40 ( de 2018) (ver
p. 5).
[3] R. L. Kurucz et al. Solar flux atlas from 296 to 1300 nm. 1984 (ver p. 15).
[4] Andrew R. Liddle. An introduction to modern cosmology. 1998 (ver p. 23).
[5] N. Aghanim et al. «Planck 2018 results. VI. Cosmological parameters». Em: (2018) (ver p. 26).
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10.3367/UFNe.2016.03.037751 (ver p. 32).

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