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LISTA A DE EXERCÍCIOS – LEI DE GAUSS

A Lei de Gauss está baseada no conceito de fluxo do campo eletrico através de uma
superfície fechada (SF)...o conceito é exatamente semelhante ao conceito geral de fluxo,
que pode ser de um líquido, gas, partículas sólidas, etc, que aqui vamos chamar de matéria.
Se você tem uma fonte de matéria e você envolver essa fonte com uma superfície SF, a
quantidade de matéria que atravessa a área dessa superfície (fluxo positivo se sai e negativo
se entra na SF) não pode depender da forma da SF (tamanho, geometria, etc)...isso vem da
conservação da quantidade de matéria...por exemplo, uma fonte de partículas solidas expele
100 partículas, então na SF que envolve essa fonte só podem atravessar as 100 partículas,
nem mais (“nasceram” novas partículas??) nem menos (“desapareceram/sumiram”
partículas??).

O fato de o fluxo não depender da forma da SF nos dá uma enorme vantagem, pois
podemos usar qualquer SF que queiramos. Na Física 3, as SF’s que usaremos para calcular
o campo eletrico E serão, em sua grande maioria, SF esféricas, cilíndricas ou planas. Qual
SF usar vai depender da simetria do E:

a) campos E com simetria radial esférica, que são os campos gerados por distribuições de
carga esféricas (esferas maciças, cascas esféricas, uma carga puntiforme, etc;

b) campos E com simetria radial cilíndrica, gerados por distribuições de carga cilíndricas
(cilindros maciços, cascas cilíndricas);

c) campos com simetria plana, na grande maioria campos uniformes, aqueles em que o
vetor E tem o mesmo módulo, direção e sentido em todos os pontos próximos a
distribuição de carga, como exemplo uma chapa muito grande (infinita) carregada com
certa carga elétrica).

A Lei de Gauss nos diz que o fluxo do campo eletrico E através de uma SF, Φ, só pode
depender da fonte de E que está dentro da SF ou seja, da carga elétrica total interna a SF

Φ = qi/ε0

Sendo qi a carga total interna a SF (também chamada de superfície gaussiana) e ε0 uma


constante. Cargas fora da SF não contribuem para o fluxo (“o que entra de um lado sai pelo
outro”, dando fluxo total zero).

Como discutido nas notas de aula, o fluxo é dado por:

𝛷 = ∮ 𝑬. 𝒅𝑺
Então

ε0∮ 𝑬. 𝒅𝑺 = qi

Vale ressaltar que no caso geral qi pode ser uma carga puntiforme q, pode ser ∫λ.dx (reta)
ou ∫λ.ds (arco), ∫σ.dA ou ∫ρ.dv se λ, σ, ρ forem variáveis. A grande maioria dos problemas
da Fis3 essas distribuições de carga são uniformes, constantes, de modo que qi se reduz a
λ.L, σ.A ou ρ.v.

Vamos fazer 2 exemplos de cálculo de E usando a lei de Gauss, um com campos elétricos
de simetria esférica e outro com simetria cilíndrica.

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A) Explo 1: Campos com simetria esférica são gerados por corpos carregados que tem
forma esférica, como esferas maciças, cascas esféricas, etc. Vamos resolver o seguinte
problema:

Uma casca esférica isolante, de raio interno R1 e externo R2, está uniformemente
carregada com uma densidade volumétrica de cargas ρ. Calcular o campo eletrico E em
todo o espaço.

Bom, em todo espaço significa calcular o campo E em pontos P(r) situados a uma distancia
r qualquer do centro da casca, que ficam em todas as diferentes regiões, que aqui são 3:

a) externamente à casca esférica, com r>R2;

b) dentro da casca, com R1< r < R2;

c) dentro do “buraco”, r < R1.

Em todas as 3 possíveis regiões, o campo será de simetria radial esférica e então a


discussão a seguir serva para todas elas.

Primeiramente, devemos considerar que “campo de simetria radial esférica” significa que o
E tem direção radial (ao logo dos raios da esfera), o módulo só depende de r, que é a
distancia do centro ao ponto P e o sentido de E é para fora da esfera se a carga for positiva e
para dentro da esfera se a carga for negativa.
.P
E
r

R1

R2

Veja que se você considerar uma SF esférica envolvendo a casca esférica carregada, o
módulo de E, que depende de r, será o mesmo para todos os pontos da SF. Além disso,
como dS, por definição, é sempre perpendicular à SF e sempre apontando pra fora, os
vetores E e dS sempre serão paralelos ou antiparalelos. Então, para campos elétricos com
simetria radial esférica e com SF esférica fica moleza resolver a integral de superfície da lei
de Gauss:

ε0∮ 𝑬. 𝒅𝑺 = qi
mas E e dS são paralelos, então E.dS = E.dS.cos(0) = E.dS...logo,

ε0∮ 𝑬. 𝒅𝑺 = qi = ε0∮ 𝐸. 𝑑𝑆
Mas E, por ter simetria radial esférica, é constante sobre a SF esférica, e como a integral é
de superfície, ou seja, os valores de E no integrando são os valores de E sobre a superfície
que escolhemos, E é constante para essa a integral,

ε0∮ 𝐸. 𝑑𝑆= qi

ε0𝐸 ∮ 𝑑𝑆= qi

∮ 𝑑𝑆 = 4𝜋 r2

Assim

ε0 E.4π r2=qi

O LADO ESQUERDO DA LEI DE GAUSS SERÁ SEMPRE ε0 E.4π r2


PARA QUALQUER DISTRIBUIÇÃO DE CARGA QUE GERE CAMPOS
DE SIMETRIA RADIAL ESFÉRICA!!!!!!

a) Calculo de E(r>R2)

Agora vamos resolver para pontos P(r > R2)...nesse caso imaginamos a SF gaussiana
passando pelo ponto P. Essa superfície tem internamente dentro de si (redundância...) uma
carga elétrica que é a carga total da casca, q = ρ.v, sendo v o volume que contem cargas
elétricas, aqui = 4/3 πR23 - 4/3 πR13 = 4/3.π (R23–R13)

ε0 E.4π r2= ρ 4/3.π (R23–R13)


Cancelando coisas,

E(r>R2)= ρ.(R23–R13)/3ε0r2

b) Calculo de E (R1<r<R2)

Nesse caso o ponto P estará dentro da distribuição de cargas, a uma distancia r do centro.
Então nossa superfície gaussiana será uma superfície esférica que passa pelo ponto P cujo
raio é r. O lado esquerdo da lei de Gauss, que só depende da simetria do campo dá:

ε0 E.4π r2
A carga elétrica total interna a essa superfície gaussiana será:

qi = 4/3.π (r3–R13)

E portanto,

E(R1<r<R2)= ρ.(r3–R13)/3ε0 r2

c) E(r<R1)

Agora o ponto P está dentro do “buraco, onde não há carga elétrica. Se houvesse campo
nesse ponto, o mesmo seria de simetria radial esférica...então, usando uma SF gaussiana
passando por P, com raio r<R1, o lado esquerdo da lei de Gauss nos daria

ε0 E.4π r2
A carga total internamente a essa SF é zero, de modo que

ε0 E.4π r2= 0
ε0, 4, π, r não são = 0...logo, sobrou para E!

E(r<R1) = 0

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Observem que dá para brincar um pouco com esses resultados...por exemplo, se ao invés de
ser uma casca esférica, fosse uma esfera maciça de raio R, sem “buraco”? Basta pegar a
solução de E(r>R2) e fazer R1 = 0 e R2 = R. O campo E fora de uma esfera maciça
uniformemente carregada com uma densidade volumétrica de carga ρ será:

E(r>R2)= ρ.(R3)/3ε0 r2

Por outro lado, o campo dentro da esfera maciça será:

E(r<R) = ρ.r/3ε0

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Mais uma brincadeira...a solução para pontos dentro da casca

E(R1<r<R2)= ρ.(r3–R13)/3ε0 r2
Pode ser reescrita como sendo

E(R1<r<R2)= ρ.r3/3ε0 r2– ρ.R13/3ε0 r2

E(R1<r<R2)= ρ.r/3ε0 – ρ.R13/3ε0 r2

Olha que legal!!! O primeiro termo a direita é o campo gerado dentro de uma esfera maciça
e o segundo termo mostra que o “buraco” se comporta como se fosse “cheio” de uma carga
elétrica negativa = - ρ.4/3.π R13.

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Outra discussão legal que dá pra fazer é considerar que, se ao invés de a casca ser isolante,
ela fosse condutora.

Sabemos, conforme nossas Notas de Aula, que em um corpo isolante as cargas não podem
se mover e, portanto é possível ter carga elétrica distribuída no volume de um corpo, o que
implica na existência de campo eletrico no interior de um corpo isolante carregado.

Por outro lado, nos materiais condutores as cargas são livres para se mover no interior do
corpo (elas só não podem sair “pra fora” do corpo condutor). Agora imagine que nós
peguemos certa quantidade de carga q e colocamos sobre um corpo condutor...como elas
podem se mover, a tendência é que, devido a repulsão entre cargas de mesmo sinal, elas se
afastem uma das outras, indo para uma posição de equilíbrio eletrostático, atingido quando
não há mais nenhum movimento de carga. Nessa condição de equilíbrio eletrostático, o
campo eletrico dentro do corpo condutor TEM que ser zero, pois se houver campo haverá
movimento de cargas e então o equilíbrio eletrostático ainda não teria sido atingido. Nessa
parte da Fis3 nós só tratamos do calculo de E em condições de equilíbrio.

Na verdade uma analise mais detalhada do que acontece, por exemplo, em um condutor
metálico é um pouco mais complicada e não vamos fazer isso aqui.

O resultado que nos interessa é que quando colocamos uma quantidade de carga elétrica q
em um corpo condutor, após um tempo da ordem de ~1 ns (10-9 seg), todas as cargas vão
para a superfície do corpo e o campo eletrico dentro do corpo condutor será
obrigatoriamente zero!!Fora do corpo poderá sim ter campo eletrico não nulo.

Outra coisa que é importante para nós é que se, nas condições de equilíbrio eletrostático, as
cargas vão para a superfície do corpo, então não podemos/não temos como falar em
densidade volumétrica de cargas ρ. Em geral, na maioria dos exercícios especificamos a
quantidade de carga q que foi colocada no corpo. No caso de nossa casca, o enunciado seria
algo do tipo:
Uma casca esférica condutora, de raio interno R1 e externo R2, está uniformemente
carregada com uma quantidade de cargas Q. Calcular o campo eletrico E em todo o
espaço.

.P
E
r

R1

R2

Por ser um condutor, as cargas Q estarão na superfície externa da casca, e o campo eletrico
E dentro da casca tem que ser zero.

a) E(r>R2)

Usando a lei de Gauss para campos de simetria radial esférica,

ε0∮ 𝐸. 𝑑𝑆= qi

ε0𝐸 ∮ 𝑑𝑆= qi
∮ 𝑑𝑆 = 4𝜋 r2

Assim

ε0 E.4π r2=qi
A carga total interna à uma superfície exterior à casca é a carga Q...então

ε0 E.4π r2=Q
ou

E=Q/4πε0 r2

b) E (R1<r<R2)

Podemos dar 2 respostas:

b.1) ε0 E.4π r2=0


E=0

b.2) dentro de um corpo condutor carregado isolado em equilíbrio eletrostático E=0.

c) E(r<R1)

ε0 E.4π r2=0
E=0

SUGESTÃO: resolver o mesmo problema das cascas (isolante e condutora) na situação em


que uma carga puntiforme q0 é colocada no centro de simetria (origem).

B) Explo 2: Campos com simetria cilíndrica são gerados por corpos carregados que tem
forma cilíndrica, como cilindros maciços, cascas cilíndricas, retas/bastões infinitos etc.
Vamos resolver o seguinte problema:
Uma casca cilíndrica isolante, de raio interno R1 e externo R2, está uniformemente
carregada com uma densidade volumétrica de cargas ρ. Calcular o campo eletrico E em
todo o espaço.

Antes de tudo, há uma peculiaridade no caso de distribuições cilíndricas de carga: o


comprimento dos corpos cilíndricos tem que ser, em principio, infinitos...ou muito longos
para garantir campos elétricos com simetria radial cilíndrica...o problema é que nas pontas
o campo eletrico tem distorções que nós, na Fis3, não sabemos resolver. Para você ter uma
ideia do que acontece, volte ao problema do bastão finito, de comprimento L, carregado
com densidade linear de carga (lista de exercícios parte 1_1), e desenhe como são os
vetores E ao redor do bastão...é algo como a figura abaixo. Observe que só na região
central do bastão podemos considerar E com simetria cilíndrica. Para nos livrar desse
problema, basta considerar o bastão/cilindro carregado muito longo/infinito e então as
pontas, origem do problema, ficam bem longe!!

Essa imposição tem uma consequência: se consideramos nosso corpo cilíndrico infinito,
nós temos que falar necessariamente em densidade de carga, e não em carga: um corpo de
comprimento infinito armazena uma quantidade infinita de carga, embora a quantidade de
carga/comprimento (λ) ou /volume (ρ) possa ser constante e finita. Quando consideramos
um corpo cilíndrico longo, de comprimento L - mas tem que ser longo o suficiente para nos
livrar dos efeitos das distorções de E nas pontas – aí sim podemos dizer que esse corpo
cilíndrico, de comprimento L, possui uma quantidade finita de carga q.
E

dS
P
r

R ρ

T2 T1

sc

Aplicando a lei de Gauss

ε0∮ 𝑬. 𝒅𝑺 = qi
a uma superfície fechada FS gaussiana cilíndrica (vermelho) de raio r e comprimento H,
que passa pelo ponto P onde queremos saber o campo eletrico E, observamos que a SF é
composta por 3 superfícies abertas que são as “tampas” T1 e T2 e a parte cilíndrica sc.
Assim podemos decompor nossa integral de superfície fechada em 3 integrais de superfície
abertas:

∮ 𝑬. 𝒅𝑺 = ∫T1E.dS + ∫T2E.dS + ∫scE.dS


Para a superfície cilíndrica sc E e dS são paralelos, então E.dS = E.dS.cos(0) = E.dS,
enquanto que para as tampas 1 e 2 E e Ds são perpendiculares e E.dS = E.dS cos(90) = 0.
Então

∮ 𝑬. 𝒅𝑺 = 0+ 0 + ∫scE.dS
Como E tem simetria radial, seu modulo é o mesmo para todos os pontos a mesma distancia
r do centro e portanto E é constante para a integral executada na sc...

∮ 𝑬. 𝒅𝑺 = ∫scE.dS = E.∫sc.dS
Mas .∫sc.dS é simplesmente a área da parte cilíndrica da superfície gaussiana, = 2.π.r.H.
Logo,
∮ 𝑬. 𝒅𝑺 = = E.∫sc.dS = E. 2πrH

ATENÇÃO: ESSE RESULTADO VALE PARA TODOS OS PROBLEMAS DE


CALCULO DE CAMPO ELETRICO COM SIMETRIA RADIAL CILÍNDRICA
QUANDO USAMOS A LEI DE GAUSS!!!!

Então, voltando na lei de Gauss,

ε0 E. 2πrH = qi

De posse dessas informações, podemos agora calcular o campo eletrico E gerado pela casca
cilíndrica do enunciado do Explo2 para:

a) E(r>R2)

Para pontos fora da casca cilíndrica, o lado esquerdo da lei de Gauss, como vimos, é ε0 E.
2πrH. Internamente à superfície gaussiana que passa pelo ponto que está no exterior, a
carga qi é a carga da parte da casca de comprimento H, cujo volume é π.R22.H - π.R12.H =
π.(R22 - R12.).H e então a carga encerrada, dada por qi = ρ.v é:

qi = ρ π.(R22 - R12).H

inserindo na lei de Gauss:

ε0 E. 2πrH = ρ π.(R22 - R12).H

Cancelando o que é possível

ε0 E.2r = ρ.(R22 - R12)

e então

E=ρ(R22 - R12)/2ε0 r

b) E(R1<r<R2)

Neste caso o ponto onde queremos calcular E, P(r) está dentro da distribuição de carga, a
uma distancia r do centro...a nossa superfície gaussiana (SG) então passa por esse ponto, de
modo que agora o raio da SG é igual a r. A carga elétrica total encerrada internamente a SG
é
qi = ρ π.(r2 - R12).H

e da lei de Gauss,

ε0 E. 2πrH = ρ π.(r2 - R12).H

cancelando coisas,

E= ρ(r2 - R12)/ 2ε0 r

c) E(r<R1)

Agora a superfície gaussiana está inteirinha dentro do “buraco”, onde não há carga
elétrica...se houvesse campo, teria simetria radial cilíndrica de modo que a lei de Gauss
daria:

ε0 E. 2πrH = qi

Como qi = 0,

ε0 E. 2πrH = 0

Mas ε0, 2, π, r, H não são zero, sobrou para o E...

E=0

SUGESTÃO: Fazer as mesmas brincadeiras que foram feitas no exemplo da casca


esférica!! Não deixe de fazer!

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