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Espalhamento Rutherford
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62 3 Espalhamento Rutherford
Com essa hipótese, Rutherford obteve uma expressão detalhada para o es-
palhamento, que foi mais tarde verificada em experimentos subseqüentes e
que nos levaram à imagem que temos hoje do átomo.
• Cargas positivas
Considerando o núcleo como uma carga puntiforme, então o campo
elétrico é simplesmente
~ p = Ze r̂ .
E
4π0 r 2
• Carga negativas
Como estamos interessados somente na região interna do átomo, us-
amos a lei de Gauss, que nos diz que para qualquer superfı́cie gaussiana,
vale
~ = qint ,
I
~ n · dS
E
S 0
onde dS ~ = n̂dS e n̂ é o vetor unitário normal à superfı́cie S em cada
ponto. O lado esquerdo da equação representa o fluxo de campo elétrico
através da superfı́cie arbitrária fechada S, o qual é proporcional à carga
interna qint à essa superfı́cie – cargas externas a essa superfı́cie não têm
nenhuma influência sobre esse campo.
A superfı́cie de Gauss é esfericamente simétrica, concêntrica com a
carga puntiforme Ze. A razão de termos escolhido essa superfı́cie é
porque sobre ela, por simetria, o campo elétrico estará apontando ra-
dialmente para fora e seu módulo é constante sobre a superfı́cie. Então,
a lei de Gauss pode ser escrita na seguinte forma mais simples
I I
~ ~
En · dS = En r̂ · n̂dS,
S S
RN
~
E
nuvem
~
E eletrônica
(a) (b)
que
qint
I I
~ n · dS
E ~ = En dS = En 4πr 2 = ,
S S 0
r é o raio da superfı́cie Gaussiana.
Quanto vale qint ? Essa é a carga interna à superfı́cie Gaussiana escol-
hida. Ela é uma fração da carga total −Ze proporcional à razão entre
o volume delimitado pela superfı́cie Gaussiana e o volume do átomo,
ou seja,
4
πr 3 r3
qint = −Ze 43 3 = −Ze 3 .
3
πR R
O campo fora dessa distribuição é obviamente nulo, uma vez que o átomo é
eletricamente neutro. Então, para essa imagem simples, onde consideramos
o núcleo puntiforme, temos que a força sobre a partı́cula α é tanto maior
quanto mais próxima ela chegar do núcleo atômico.
Se, no entanto, relaxarmos a hipótese de que o núcleo seja puntiforme, vere-
mos que a força máxima que a partı́cula α sente será quando ela passar rente
ao núcleo. Vamos, então, atribuir um raio RN ao núcleo e recalcular o campo
elétrico na região r < RN . Da mesma forma que fizemos para o cálculo das
3.1 Estimativa simples da consistência das idéias de Rutherford 65
F~
puntiforme
tamanho finito
RN R r
~ p = Ze r r̂.
E 3
4π0 RN
Para as cargas negativas, devemos ter E = 0, já que não há nenhuma carga
negativa dentro do núcleo.
Para a região fora do núcleo, o cálculo é o mesmo feito anteriormente quando
consideramos uma carga puntiforme, pois a carga interna à superfı́cie gaus-
siana é, simplesmente, a carga total do núcleo. Podemos sintetizar os resul-
tados como segue:
r
3
se r < RN ,
RN
Ze h r i
E= × r −2 − 3 se RN < r < R, (3.1)
4π0 R
0 se r > R.
Este resultado pode melhor ser visualizado no gráfico da Fig. 21, onde
podemos confirmar a predição de que a força máxima sentida pela partı́cula
α será quando esta se aproxima da superfı́cie do núcleo1 .
1
Obs: Para sermos mais exatos no cálculo da contribuição das cargas negativas, de-
verı́amos subtrair o volume do núcleo do volume total do átomo. No entanto, como
3
sabemos, RN R, e portanto o volume do núcleo (∼ RN ) é completamente desprezı́vel
quando comparado ao volume do átomo (∼ R 3 ).
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e Z 79
V = = 1, 44 MV · fm ×
4π0 RN 6, 6 fm
= 17 MV.
2Ze2
r= .
4π0 K0
2 × 79 × 1, 44 MeV · fm
r= = 46 fm.
5, 0 MeV
Então, Rutherford podia sondar distância dessa ordem com o “aparelho ex-
perimental” de que dispunha. Para chegar mais perto do núcleo e descobrir
se este tinha um tamanho finito, eram necessárias energias maiores, o que só
foi feito posteriormente com a criação dos aceleradores de partı́cula.
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área a detector
alvo
fluxo
incidente
Note da estimativa obtida para os ângulos como função da distância que para
se obter Θα ∼ π, a carga positiva deveria estar concentrada numa região pelo
menos da ordem de 10−4 vezes menor que o raio do átomo. É claro que a
estimativa não é boa para ângulos grandes (você saberia explicar por quê?),
mas esse resultado já indica que o centro espalhador do modelo de Rutherford
deve ser ordens de grandeza menor que o átomo de Thomson.
P ∝ σ = πR2 .
caso contrário, onde a área do feixe é menor que a do alvo é tratada no Ex.
3.1) e a taxa de incidência de partı́culas é ∆N/∆t, então o fluxo incidente
será
∆N
Φ= , (3.4)
a∆t
e a taxa de espalhamento – número de partı́culas espalhadas por unidade de
tempo – deve ser igual à taxa de partı́culas incidentes vezes a razão entre a
área do alvo e a área do feixe, isto é,
πR2 ∆N
Resp = . (3.5)
a ∆t
A seção de choque é a taxa de espalhamento divida pelo fluxo incidente, ou
seja,
Resp
σ≡ = πR2 . (3.6)
Φ
Num caso mais geral, podemos ter partı́culas do tipo A incidindo em partı́culas
do tipo B com a reação
A + B → Estado final.
1 b ≡ 10−28 m2 .
O fluxo incidente não depende da área do feixe contanto que esta seja
menor do que a área da seção de corte do alvo. O fluxo incidente
depende no entanto do comprimento do alvo porque cada próton in-
cidente encontra prótons alvos ao longo de todo o caminho no alvo.
dΩ
F~
A M
θ
b ~r
ϕ
O
db
dθ
b θ
Então, para obter a distribuição angular prevista pela teoria clássica e com-
pará-la com a distribuição angular medida, precisaremos relacionar b com θ.
É claro que essa relação depende fortemente do potencial espalhador. No
caso do espalhamento Rutherford, o alvo é constituı́do de inúmeros prótons,
e este número deve ser levado em conta no cálculo da seção de choque. Além
disso, o problema tem uma simetria axial, isto é, a interação da partı́cula α
com o núcleo não depende do ângulo em torno do eixo pontilhado da Fig. 23.
Este é o caso de todos os potenciais centrais, como o potencial coulombiano
ou gravitacional. Assim, temos
dσ dN 1
= , (3.10)
dΩ dΩ In
onde agora, o ângulo sólido é simplesmente dΩ = 2π sen θdθ e I corresponde
ao número de partı́culas incidentes sobre um alvo que contém n núcleos por
unidade de área – este caso é análogo ao estudado no Ex. 3.1.
A comparação teórico-experimental pode ser feita usando a expressão teórica
dσ/db e reescrevendo-a em termos de θ:
dσ dσ d(cos θ)
= .
db d(cos θ) db
Vamos analisar mais uma vez a Fig. 23. O ponto O é o centro da força. M
representa a partı́cula α lançada com velocidade vα . O parâmetro de impacto
b é a distância perpendicular entre a direção de ~vα e a linha traçada de O
paralelamente a ~vα . Sendo a força repulsiva, a trajetória é delineada pelos
pontos AMB. A forma dessa curva depende de como a força varia com a
distância. Para a força coulombiana, temos
2kZe2
|F~ | = , (3.11)
r2
e a trajetória será uma hipérbole. Quando a partı́cula está em A, seu mo-
mento angular é L = mα vα b. Numa posição qualquer M, seu momento
angular será L~ = ~r × p~ = ~r × mα~vα . A velocidade da partı́cula α num ponto
qualquer da trajetória é dada pelo vetor
dr dϕ
~vα =r̂ + r ϕ̂. (3.12)
dt dt
Assim encontramos para o momento angular
~ = ~r × mα dr r̂ + r dϕ ϕ̂
L
dt dt (3.13)
dϕ
= mα r 2 ẑ,
dt
3.2 Formulação de um problema de espalhamento 75
dvy 2kZe2 dϕ
= sen ϕ . (3.17)
dt mα v α b dt
Para o cálculo da deflexão da partı́cula, devemos integrar essa equação de
um extremo a outro da trajetória. No ponto assintótico de onde a partı́cula
vem, temos vy = 0, pelo fato do momento inicial ser paralelo a x e ϕ = 0.
Já no outro ponto assintótico de destino da partı́cula, temos vy = vα sen θ
e ϕ = π − θ. Note que neste ponto, a velocidade da partı́cula deve ser
novamente igual a vα , pois o espalhamento é elástico. Então, temos
Z vα sen θ
2kZe2 π−θ
Z
dvy = sen ϕ dϕ.
0 mα v α b 0
Então,
2kZe2
vα sen θ = (1 + cos θ).
mα v α b
Lembrando que cotg 12 θ = (1 + cos θ)/ sen θ, teremos
1 mα vα2
cotg θ = b. (3.18)
2 2kZe2
A expressão acima nos dá a relação procurada entre b e θ. Podemos agora
obter a seção de choque. Para obtermos a relação entre a seção de choque
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Zke2 θ
b(θ) = cotg .
Kα 2
Logo, para um ângulo de 90◦ ,
47 × 1, 44 MeV · fm
b(90◦ ) = cotg(45◦ ) = 5, 64 fm
12 MeV
σ = πb(90◦ )2 = 1, 0 × 102 fm2 = 1, 0 b
Assim, temos
Este resultado equivale a dizer que apenas 2,6 % das partı́culas inci-
dentes são espalhadas em ângulos maiores do que 0,1 rad, ou cerca de
6◦ !
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106
105
4
10
dN/dΩ
103
102
10
-1 -0.5 0 0.5 1
cos θ
Fı́sica Clássica.
A primeira objeção era simples: se toda carga positiva está concentrada no
centro do átomo, e este núcleo tem dimensões tão pequenas, como explicar
porque a repulsão coulombiana não destrói esse aglomerado de partı́culas
positivas? A solução dessa charada veio com a descoberta do nêutron, por
James Chadwick (1891-1974), em 1932. O nêutron é uma partı́cula neu-
tra que atrai os prótons, com uma força da ordem de 200 vezes a repulsão
eletrostática – é a força nuclear forte. Uma das diferenças fundamentais
entre essas duas forças é que a força eletromagnética tem longo alcance, en-
quanto que a força forte tem um alcance curto. Este fato explica porque não
podemos ter núcleos estáveis de qualquer tamanho – a atração provocada
pelos nêutrons é limitada a alguns vizinhos próximos, enquanto que a força
coulombiana age em todas as cargas presentes no núcleo. Então, núcleos
muito pesados, apesar de terem uma quantidade maior de nêutrons do que
de prótons, são bastantes instáveis.
A segunda objeção era a seguinte: o modelo dinâmico do tipo sistema planetário
proposto por Rutherford apresenta uma dificuldade insuperável dentro da
Fı́sica Clássica. Segundo as equações de Maxwell, cargas aceleradas irradiam
e perdem energia desse modo. Para uma órbita de dimensões atômicas, o
colapso do átomo se daria em 10−9 s. A matéria não seria estável!
Essa última charada só foi resolvida através do modelo de Bohr, que intro-
duziu postulados sobre a estabilidade das órbitas dos elétrons nos átomos.
Um embasamento sólido desse fato só veio com a Mecânica Quântica de
Schrödinger e Heisenberg.
Exercı́cios
3.1 Pesquisadores desejam estudar as propriedades de uma partı́cula
que é produzida em colisões próton-próton com uma seção de
choque de 1 nb. Eles desenharam um alvo de hidrogênio lı́quido
cilı́ndrico com 0,05 m de diâmetro e 0,5 m de comprimento. O
feixe de prótons tem uma intensidade de 108 por segundo. Se o
aparato pode detectar a partı́cula rara com uma eficiência de 10
%, quanto tempo vai demorar para que se colete 106 eventos?
3.2 Um feixe colimado de prótons é enviado para dentro de uma
câmara de bolhas com deutério lı́quido, cuja espessura é de 0,5
m. A densidade do deutério lı́quido é 162 kg/m3 . Uma amostra
com 105 figuras é analisada e três eventos raros são encontrados.
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