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BYERS, V. Por que estudar História da Matemática?

International Journal Mathematics


Education, Science and Technologie, 1982, vol 13, n. 1, p. 59-66. Tradução, para fins
didáticos, cotejando-se duas traduções preliminares, das professoras Regina Buriasco e
Maria Queiroga Anastácio. Revisão de Carlos Roberto Vianna. Disponível em
http://www.uff.br/historiadamatematica/siteantigo/Arquivos/Porque_estudar_a_Historia_da
_Matematica_Vitor_Byers.pdf. Acesso em 11/10/2010.

Por que estudar a História da Matemática?

Vitor Byers
Departamento de Matemática
Universidade de Concórdia
Montreal – Quebec – Canadá

RESUMO: Este artigo coloca a proposta de que há necessidade de repensar a função da


história na educação matemática. O “princípio genético” e outras formas pelas quais a
história pode ser útil ao professor são examinadas e mostra-se que a maioria delas possui
valor limitado em situações escolares. Reivindica-se que a principal razão para estudar
história da matemática, no ensino, é lançar alguma luz sobre a natureza da disciplina. E,
além disso, reindica-se que o papel principal desta conexão é dado pela distinção e
interação entre o conteúdo e a forma da matemática.

1 - Introdução

Aparentemente existe um consenso universal de que a história e o ensino da


matemática estão de alguma forma relacionados. Este consenso inclui a compreensão de
que o futuro professor de matemática – exceto aqueles que desejam ensinar em cursos
universitários – deveria cursar História da Matemática. “Recomendações para a inclusão
de algum curso e História da Matemática no programa de formação de professores são
fundadas em muitos estudos e relatórios de comitês em vários países” (1). De fato, na
opinião deste autor, professores constituem a clientela para cursos introdutórios de
História da Matemática. Entretanto, o consenso vai por água abaixo quando se coloca a
questão de qual deveria ser o conteúdo deste curso. Existe menos acordo ainda quanto
ao que fariam os professores com a história que tivessem aprendido.

2 - O Princípio Genético

A criança vai reeditar a História.


Na virada do século a razão para a exigência de que professores estudassem a
história da matemática era dada pelo “princípio genético” defendido por matemáticos
influentes tais como Felix Klein e Henri Poincaré. Já discutimos este princípio em outro
texto (2). Ele veio para a educação através da biologia via a lei biogenética fundamental
de Haeckel: “a Ontogenia recapitula a Filogenia” (3). Este princípio pode ser estabelecido
da seguinte forma: a aprendizagem efetiva requer que cada aluno refaça os principais
passos da evolução histórica do assunto estudado.
No que diz respeito ao planejamento da instrução em matemática em larga escala,
o “princípio genético” provou ser singularmente efetivo. Assim em 1923 a Associação
Matemática (Grã-Bretanha) distribuiu um documento que dividia o ensino da geometria
em etapas práticas, dedutiva e sistemática. Evidentemente estas “etapas” eram sugeridas
pelos contrastes entre a matemática pré-helênica e grega, de um lado; e o Cálculo de
século XVIII e a Análise do século XIX do outro (4).
Entretanto, a preocupação básica do professor é a seqüência de ensino em escala
mais reduzida. Interpretado neste sentido, o princípio genético pode ser facilmente
refutado. De fato, ninguém jamais sugeriu que uma criança devesse ignorar o conceito de
zero até que completasse o estudo da geometria grega na qual este conceito não
aparece.
Então, o princípio genético não pode ser aplicado literalmente. Além disso, seria
difícil visualizar um mecanismo que levasse em conta a correspondência entre o processo
cognitivo de apreensão dos conceitos matemáticos e sua evolução enquanto produtos
culturais.
Foi possivelmente por razões como estas que Polya formulou o princípio genético
de um modo ao mesmo tempo mais fraco e mais forte, soando como um alerta: “O
princípio genético é um guia, não um substituto, para o julgamento”. A forma enfraquecida
do princípio genético pode ser parafraseada afirmando-se que a habilidade de uma
criança para adquirir conhecimento matemático é aumentada se a apresentação deste
conhecimento é examinada à luz da aquisição histórica deste mesmo conhecimento.
Embora não faça justiça ao princípio original, em minha opinião tal afirmação é
eminentemente sensata. A sequenciação do material instrucional e o ensino efetivo de um
tópico matemático poderiam requerer um exame da história das ideias matemáticas
relevantes. Como um caso particular, tal exame poderia deixar fora das escolas a
definição estéril de função como par ordenado (5).
As atitudes atuais em relação ao princípio genético são um tanto ambivalentes.
Por um lado a lei de Haeckel foi invocada recentemente, 1973, pelo matemático René
Thom (6).
Por outro lado o princípio genético foi descrito como completamente absurdo e
praticamente inútil, a não ser que seja tomado como referência à motivação (7). Foi
também sugerido que, por toda sua plausibilidade, este princípio não é independente de
outros fatores que afetam a sequenciação do material instrucional porque seu uso tende a
apresentar as ideias matemáticas em ordem crescente de abstração ou decrescente de
familiaridade (8). Grattan-Guiness adota um enfoque diferente; em sua opinião “nos
estágios iniciais, principalmente na educação primária, a história é de pouca valia”; mas
ele se esforça para convencer os professores universitários quanto ao uso da história da
matemática em seus cursos (9).
Grattan-Guiness distingue entre a apresentação epistemológica, história e
heurística de uma teoria em uma determinada área do conhecimento. Deve-se consultar
seu artigo para uma definição desses termos. Para nossos propósitos é suficiente
observar que a ordem epistemológica de apresentação é “aproximadamente o inverso da
história uma vez que procede através de uma seqüência de resultados que foram
descobertos em ordem cronologicamente inversa”. Evidentemente uma apresentação
epistemológica mostra a matemática naquela que nós chamamos de ordem lógica ou
matemática.
Grattan-Guiness enfatiza que a apresentação heurística é relevante para a
metodologia de ensino; ele acrescenta: “para ser bem sucedido deve-se certamente imitar
a história mais do que a epistemologia”.
Devemos acrescentar que a escolha da ordem histórica como a ordem ótima de
ensino não é – ou não deveria ser – uma questão de metodologia pré-estabelecida, mas
uma decisão educacional multivariada. Desnecessário dizer que para tomar tais decisões
inteligentemente é preciso conhecer alguma história. Entretanto isso está bem longe de
significar que existe uma rota direta entre a história da matemática e o seu ensino.

3 - Os Usos da História

Contrastando com Grattan-Guiness, Jones considera a história da matemática


como uma ferramenta de ensino a qual pode ajudar o professor a alcançar o objetivo de
ensinar pelo significado e compreensão. O eclipse parcial do princípio genético trouxe
com ele a necessidade de listar um número de razões pelas quais um professor deveria
estudar a história da matemática. Na verdade Jones classifica os “porquês” a serem
respondidos pelo estudo e ensino da história em porquês cronológicos, lógicos
(motivacionais) e pedagógicos. O primeiro tipo de porquê responde a questões tais como
“porque existem 60 minutos em um grau e em uma hora?” ou atende a “discussões sobre
a necessidade e arbitrariedade de definições e de termos indefinidos”.
Por outro lado, Grabiner, tal como Grattan-Guiness, focaliza o uso da história na
matemática universitária. Ela discute “o valor da história da matemática... – para o
matemático – no ensino e compreensão da matemática”. Embora seu enfoque seja
menos detalhado que o enfoque de Jones, ela também lista três formas pelas quais um
pano de fundo histórico pode ajudar a ensinar matemática. Estas formas são: o
reconhecimento da dificuldade inerente a certos conceitos matemáticos, a proposta de
motivação aliada a um sentido de desenvolvimento e a consideração da relação entre a
matemática e o resto do pensamento humano. Esta lista é aplicável a um professor de
matemática que não seja um matemático?
O primeiro ponto de Grabiner com relação à dificuldade de conceitos “que levaram
centenas de anos até se desenvolverem” é um caso especial do princípio genético.
Embora esta especialização do princípio tenha sido usada por Morris Kline como
um argumento contra a “matemática moderna”, parece ser bem mais relevante para o
trabalho de um professor do nível elementar. Não obstante as dificuldades dos
estudantes, este professor do nível elementar tem que ensinar a notação do ponto
decimal no primeiro grau muito embora isto tenha custado aos matemáticos milhares de
anos para ser aceito.
Com relação ao seu último ponto, Grabiner escreve: “ver a matemática passada no
seu contexto filosófico, científico e social ajuda-nos a Ter uma compreensão melhor do
lugar da matemática no mundo”.
Certamente é desejável que um professor de matemática esteja atento à conexão
entre a matemática e outros assuntos do currículo escolar. Ajudaria também se ele
pudesse mostrar a seus alunos que, longe de ter uma aplicação imediata a outros ramos
de conhecimento, a matemática não se desenvolveu independentemente das
necessidades sociais e da cultura geral. Contudo o impacto descrito na última referência
não é provavelmente alcançado sem um entendimento mais profundo da história do que
aquele que normalmente os professores atingem.
Consideremos a motivação. Usualmente assume-se que um professor usará a
história como motivação e espera-se que ele aprenda bastante história para usá-las com
propósito motivacionais. Não há dúvida de que o material anedótico e bibliográfico
alimenta o ensino em classe. Isto também humaniza e desmistifica a matemática. E, além
de mostrar que a matemática como nós conhecemos é fruto de um trabalho árduo tende a
diminuir um pouco o terror com que o assunto é considerado por muitos estudantes.
Contudo, este não é o sentido com que Grabiner usa a palavra motivação. Tinha
ela em mente o efeito motivacional, conceitos e demonstrações. Todo bom estudante já
se perguntou ocasionalmente como algumas das demonstrações de Euclides se
originaram e se identificam com o grande geômetra numa tentativa de encontrar a
resposta. Um estudante que entra no espírito de uma época matemática pode “reviver”
suas descobertas e colocar a compreensão, no lugar da tão comum memorização de
definições e demonstrações.
Desnecessário dizer que de uma criança ou de um adolescente em idade escolar
não se pode esperar a imersão no mesmo clima intelectual que produziu uma descoberta
matemática. Instado a acessar o conhecimento e em face de sua ignorância, ele teria que
usar a imaginação. Presume-se que a tarefa do professor seja a de fornecer material que
estimularia e direcionaria a imaginação dos seus alunos. De uma forma ideal, este
material deveria reconstruir os processos de pensamento de determinados matemáticos
sobre o “pano de fundo” da época matemática em que viveram. Entretanto, o
fornecimento de tal material não é uma tarefa fácil.
Talvez seja por isso que Grattan-Guiness sugere que o professor use a “história
satírica” ou a imitação da história, mais do que a própria história. Mas a imitação bem
sucedida pressupõe conhecimento e conhecimento profundo dela. Qualquer que seja a
maneira como é chamado tal uso da história, nos coloca face a face com os problemas de
motivação do professor.

4 - A História e o Professor

O professor que venha simular para seus alunos o pensamento matemático de


muito tempo atrás é confrontado com quatro tipos de dificuldades. A primeira é que o
conhecimento histórico pertinente é esparso. É mais difícil, provavelmente, escrever uma
boa história da matemática escolar do que, digamos, da matemática babilônica. Mas
mesmo quando o registro matemático está bastante completo e acessível, sua forma
causa uma segunda dificuldade. Embora a descoberta matemática normalmente envolva
processos não lógicos, todas as referências a eles são usualmente expurgadas quando
os resultados matemáticos são preparados para a publicação. Assim, a reconstrução dos
processos de pensamento que serve de base para uma descoberta particular é um
grande empreendimento mesmo para um historiador profissional.
A terceira dificuldade é uma falta de modelos de ensino adequados. Grattan-
Guiness assinalou que um enfoque histórico para um curso de matemática universitária
exigiria mais do estudante do que cursos apresentados de forma usual. O estudante
“diante dos problemas originais teria de despender horas tentando reconstruir a situação a
partir de ideias não familiares”. É pouco provável que um professor ou futuro professor
viesse a assistir esse curso supondo-se que estivesse disponível.
A quarta dificuldade reside na própria formação do professor de matemática. É
improvável que o professor de matemática trate a precisão matemática como uma
variável dependente do tempo. Assim, o estudante é treinado para pensar historicamente.
De acordo com Lakatos, é o formalismo que divorcia a matemática de sua história.
Mas é bem sabido que o enfoque formalista foi predominante para a matemática durante
a primeira metade do século XX. A onda formalista realmente alcançou a sua crista nos
anos 50 – época em que muitos dos professores e professores dos professores atuais
receberam sua formação de graduação.
Parece razoável concluir que, sob circunstâncias não triviais, o uso direto da
história em salas de aula está fora do alcance da maioria dos professores. Assim, se o
papel da história da matemática é ajudar na compreensão da matemática, deve-se
fornecer ao professor o tipo de compreensão do assunto, que é uma pré-condição, para o
bom ensino.

5 - A Unidade da Matemática

Que tipo de quadro da matemática deveria o professor obter de um estudo


sistemático de sua história? Se, como Grabiner sugere, é importante para o matemático e
para o estudante ter uma visão unificada da matemática, esta visão é muito mais
importante para o professor. É fundamental que este veja as interrelações entre tópicos
em estudo e diversos ramos de matemática.
Durante a primeira metade deste século, os matemáticos buscavam um enfoque
que unificasse a matemática. Os educadores matemáticos, por seu lado, buscavam os
“princípios unificadores” que dessem coerência à matemática escolar. Os matemáticos
profissionais chegaram a uma melhor compreensão da sua disciplina através da
reconstrução de vários ramos da matemática usando a teoria dos conjuntos como
fundamentos. Como resultado, líderes matemáticos, como os bourbaquistas, alimentaram
a esperança “de ver estruturas matemáticas surgirem naturalmente a partir de uma
hierarquia de conjuntos”. Nestas circunstâncias, quase não é surpreendente que os
conjuntos tenham se tornado o princípio unificador da “matemática moderna”. Na prática
educacional a esperança torna-se um “fato”. Assim declarou Papy: “qualquer professor de
matemática tem que começar reconhecendo um fato fundamental: a matemática de hoje
recupera a sua unidade na universidade do conjunto”.
Dez anos mais tarde nenhum matemático competente endossaria tal afirmação.
Além disso, não importando o valor da teoria dos conjuntos na sistematização da
matemática mais avançada, o efeito sobre a matemática escolar do estudo de “conceitos
e terminologia de conjuntos” foi bastante desapontador. O fato é, contudo, que a unidade
da matemática não foi demonstrada pela teoria dos conjuntos, pelo conceito de estrutura
abstrata ou qualquer outro meio. Se houve alguma prova foi do contrário:

O método axiomático por um tempo considerado a resposta para todos


os problemas sobre fundamentos revelou-se o calcanhar de Aquiles na
teoria lógica e de conjuntos que ele supõe. Despido em sua essência é
visto como fortemente dependente da teoria particular de lógica e de
conjuntos empregada. Em nenhum desses casos é uma coisa único.

As tentativas de unificar os principais ramos da matemática continuaram (por


exemplo: teoria das categorias), mas agora e geralmente aceito que uma sistematização
final nunca será alcançada. Não há dúvida de que a matemática possui uma unidade
inerente, não obstante, é igualmente evidente que, na análise final, a unidade matemática
está na sua história. Isto é uma das coisas que um professor deveria aprender ao estudar
sua história.

6 – Conteúdo e Forma

Existe algum outro aspecto da matemática, como disciplina, que pode ser inserido
de um estudo da sua história? Vamos começar com uma questão que gerou uma grande
polêmica entre historiadores da matemática. As revoluções ocorrem na matemática?
A primeira vista, a resposta a essa questão é obvia; na realidade foi dada por
Hnakel em 1869: “Em muitas ciências uma geração destrói o que a outra construiu e, o
que uma estabeleceu, a outra desfaz. Apenas na matemática, cada geração constrói uma
nova história para a antiga estrutura”.
Contudo, embora os resultados matemáticos não fiquem fora de moda, a
característica dos trabalhos matemáticos representativos mudou mais do que uma vez
durante a longa história da disciplina. Além disso, um reconhecimento deve ser dado às
crises nos fundamentos da matemática, sejam as ocasionadas pela descoberta dos
incomensuráveis, seja pelos paradoxos na teoria dos conjuntos. Alguns historiadores
respondem a questão acima afirmativamente.
Crowe assume a posição de que as revoluções não ocorrem na matemática, mas
sim em áreas tais como nomenclatura matemática, simbolismo e padrões de rigor e
também na metamatemática. Tal posição torna-se mais fácil de compreender se se
distingue entre o conteúdo da matemática e sua forma.
De acordo com certas definições formalistas, a matemática não tem conteúdo.
Tais visões, contudo, são de valor duvidoso na educação matemática. Nós assumiremos
por isso que, como outras disciplinas, a matemática apresenta dois aspectos: o conteúdo
e a forma. A matemática é usualmente classificada como uma ciência formal porque a
forma é mais proeminente na matemática de hoje em dia do que o é em outras ciências;
na realidade, a forma matemática é freqüentemente emprestada a outros ramos do
conhecimento. Em uma primeira aproximação, o conteúdo da matemática consiste em
seus métodos e resultados; a forma matemática envolve notação simbólica e cadeias de
argumentos lógicos. Pode-se dizer então que a matemática é a mais conservadora das
disciplinas, mas algumas mudanças históricas na sua forma só podem ser descritas como
revolucionárias.
A unidade da matemática se estende a uma notável unidade entre seu conteúdo e
sua forma; então, a distinção acima tem que ser considerada com cuidado. Embora a
demonstração pertença à forma da matemática é possível falar do conteúdo da
demonstração. Outra vez, a forma matemática pode bem ser o conteúdo de um tópico
educacional. E, ainda mais, muito do conteúdo da matemática não teria sido descoberto
se não tivesse sido por avanços na sua forma. A “profunda relação entre conteúdo e
forma” foi mencionada por Struik. Como ele diz ao avaliar o trabalho de Viète:

Novos resultados freqüentemente têm se tornado possível devido a um


novo método de escrever. A introdução dos algarismos Hindu-Arábicos é
um exemplo; a notação de Leibniz para o cálculo é outro. Uma notação
adequada reflete melhor a realidade do que uma notação pobre, e, como
tal, aparece dotada de uma vida própria, que por sua vez cria nova vida.
Progressos na forma também tornaram mais fácil aprender matemática. Assim,
aplicação do método de análise para a solução de problemas aritméticos colocou ao
alcance da escola infantil de nossos dias problemas que intrigam os melhores
matemáticos da Europa há mil anos. Não obstante, a transição da aritmética sintética para
a análise da álgebra apresenta problemas para muitos estudantes. Em geral é a forma
matemática que freqüentemente impede o caminho para a compreensão e causa
dificuldades no aprendizado. Como observou o psicólogo Ginsburg:

Deveria ser mais fácil calcular 23 + 18 no papel do que mentalmente.


Mas, é? As crianças freqüentemente encontram na escrita matemática
quase uma impossibilidade e, por outro lado, confiam nas técnicas de
contagem informal ou estratégias inventadas. Em geral, a aritmética
informal das crianças é poderosa e sua compreensão de símbolos
escritos é fraca.
Assim, acima da compreensão do conteúdo da matemática está a sua forma, que
requer atenção na educação matemática.
O problema básico aqui parece ser que a forma matemática não pode ser toda
aprendida de uma só vez. Considere o conceito de área. Pode ser entendido de, no
mínimo, quatro maneiras as quais formam uma progressão natural: (1) intuitivamente, (2)
em termos de fórmulas de medida e/ou vendo áreas de triângulo e paralelogramos em
relação à área de um retângulo; (3) em termos de área sob uma curva no cálculo e (4) na
teoria da medida. Um formalista rígido afirmaria que os termos iniciais desta sequência
poderiam ser omitidos.
Observe-se que a progressão acima corresponde a duas outras: (a) as variedades
dos objetos matemáticos cujas áreas os alunos devem encontrar, e (b) a ordem histórica
na qual o conceito de área foi desenvolvido. Evidentemente há transformações maiores
em resposta às mudanças no conceito do que as mudanças ocorridas anteriores na
forma. Correspondentemente, a compreensão matemática de um estudante se
transforma quando ele aprende novas formas – desde que este aprendizado resulte de
seu conhecimento do conteúdo e leve a uma expansão desse próprio conhecimento.
Esta, logicamente, é uma declaração do princípio genético no sentido amplo.
Um professor tem que ensinar e um estudante deve aprender ambos os aspectos
da matemática e o professor formador de professores tem que pelo menos sentir a
relação entre os dois. Não é necessário dizer que tal apreciação requer uma perspectiva
histórica.

7 – Um Modelo de História

Não é realista apresentar a uma professora ou a um futuro professor um tratado de


700 páginas sobre história da matemática porque, mesmo se ele o lesse, perder-se-ia em
detalhes sem uma visão global; veria as árvores, mas não visualizaria a floresta. Ela
necessita um modelo de história acessível. Vamos ver se tal modelo não pode ser obtido
ao dividir a história da matemática em períodos de acordo com as características exibidas
pela forma matemática dominante.
Apesar da notação babilônica de lugar-valor, a forma não era mais proeminente na
matemática oriental pré-helênica do que é, digamos, na física de hoje em dia. Na
realidade parece ser de concordância geral que os primeiros 2500 anos da sua história a
matemática era uma ciência empírica. Ninguém duvida que nos mil anos seguintes da
ascendência grega sobre a matemática ela tornou-se primeiro uma ciência demonstrativa
e depois axiomática. O próximo período, para nossos propósitos, pode ser tomado
estendendo-se de 400 a 1600 depois de Cristo. Este foi um período computacional,
primeiro na aritmética depois na álgebra. O trato característico de forma matemática não
era mais o silogismo, mas os símbolos aritméticos e algébricos. Pode-se dizer que
durante este período a matemática perdeu seu caráter axiomático, mas não seu caráter
demonstrativo.
Não há dúvida que a descoberta da geometria analítica “mudou a face da
matemática”, mas é mais difícil analisar, nos termos que estamos usando, o status da
matemática nos séculos XVII e XVIII. Pode-se, contudo notar que não eram apenas as
partes mais importantes da matemática que não apresentavam uma base axiomática,
mas foi a própria disciplina que readquiriu algumas características de ciência empírica. Os
matemáticos mantinham fortes conexões com as ciências observacionais e
experimentais, estavam mais interessados nos resultados que no rigor e usavam a
verificação numérica e a indução incompleta para justificar suas descobertas. Ainda
assim, quase não se pode dizer que durante esse período a matemática tenha deixado de
ser uma ciência demonstrativa. Talvez parafraseando Viète, dever-se-ia chamar a
matemática deste período de uma ciência analítica. No século XIX, em 1872 para ser
mais preciso, a matemática tornou-se, mais uma vez, uma ciência axiomática.
Possivelmente são as transições entre os períodos acima, mais do que a “crise”
convencional, que deveriam ser vistas como revoluções na matemática. De qualquer
modo, se nosso esquema grosseiro prova alguma coisa, então está provado que é
impossível entender a natureza da matemática exceto pela sua história. A mera
classificação da matemática como um campo do conhecimento requer referencias à
história.
Em vista das dificuldades associadas ao uso da história na aula de matemática
estamos aparentemente diante de uma escolha. Deve-se admitir que - além do folclore,
das curiosidades históricas adicionais e de algumas anedotas – a história da matemática
é inútil para o professor, ou adotar uma visão diferente do papel da história nos níveis pré-
universitário da educação matemática. Tanto quanto entendo do assunto, a principal
razão para estudar a história da matemática é trazer alguma luz à natureza da própria
matemática. Certamente é razoável esperar que um professor tenha uma concepção
global do assunto que está ensinando. Parece igualmente razoável sugerir que cursos e
livros-texto sobre a história da matemática sejam planejados de forma adequada.

Notas Bibliográficas:

(1) JONES. P.S, 1969, The history of mathematics as a teaching tool, Historical Topics for
Mathematics Classroom, edited by A.E. Hallenberg. NCTM 31st Yearbook, pp. 1-17.
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(3) POLYA, G., 1965, Mathematical Discovery II (Wiley), pp. 132-133
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(7) MOISE, E. E., 1965, Math. Monthly, 72(4)
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(20) GINSBURG, H., 1977, Children’s Arithmetic: The Learning Process (Van Nostrand)
pp. 121 and 90

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