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SOBRE AS

CANONIZAÇÕES
Publicado em 3 de junho de 2016 por Karlos Guedes

Texto a seguir faz uma comparação interessante entre o antigo processo de canonização e o
processo reformado. Não temos necessariamente a mesma opinião do autor, mas o quadro
comparativo é bastante interessante.

****************

Canonização: comparação do Velho vs. Novo


 

Os céticos às canonizações modernas muitas vezes notam que os processos com o quais a
Igreja eleva santos aos seus altares foram “mudados” desde o Concílio Vaticano II. Quais
foram essas mudanças? O Papa Paulo VI começou a mudança em 1969. Seu decreto Sacra
Ritua Congregatio dividiu a Congregação dos Ritos em duas congregações: a Congregação
para o Culto Divino e a Congregação para as Causas dos Santos. Essa última foi
subdividida em três departamentos, levando a uma consequente reestruturação do processo
de canonização. Entre 1969 e 1983, essa mudança correu de forma fluida. Em 1983, João
Paulo II em sua [Constituição Apostólica] Divinis Perfectionis Magister simplificou ainda
mais o processo, como também fez a famosa abolição do cargo de Promotor
Fidei (“Advogado do Diabo”) para tornar a função [dos departamentos] menos
contraditória.
Mas em que mais diferem-se os processos pré-1969 e pós-1983? Quanto realmente mudou
nesse decurso?

Para ajudar a responder essa questão, preparamos um quadro comparativo do processo pré-
1969 (que permaneceu relativamente intacto desde 1588) com a reestruturação pós-1983. É
importante notar, uma vez que entre os anos de 1969 e 1983 foram como uma espécie de
período provisório em que o sistema estava em mudança, que ele não está incluso aqui,
embora um estudo sobre as mudanças desse período seria muito esclarecedor. Nós
apresentamos meramente o sistema antes de Paulo VI em contraste com as revisões feitas
por João Paulo II em 1983, revisões que caracterizam o atual processo seguido em
beatificações e canonizações.

Canonização Pré-1969 Canonização Pós-1983

 O Bispo da diocese em que o  O candidato deve estar morto


indivíduo morreu, por sua há pelo menos 5 anos.
autoridade ordinária, forma  O Bispo da diocese onde o
um tribunal para tratar da indivíduo morreu pode
causa. Pessoas são requerer à Santa Sé a abertura
convocadas ao tribunal para da Causa para beatificação ou
testemunhar pela reputação canonização. Em caso de
de santidade. Um cuidadoso religiosos, o requerimento é
escrutínio é realizado nos feito por seu instituto
escritos do candidato. O religioso.
candidato é, então,  Os dicastérios apropriados,
considerado “Servo de Deus”. especialmente a Congregação
 Quando estas inquirições são para a Doutrina da Fé,
concluídas, seus resultados revisam as petições. Se eles
são anexados e enviados não tiverem objeções, emitem
à Sagrada Congregação dos um nihil obstat para o Bispo,
Ritos. A Congregação revisa permitindo o início do
os documentos do tribunal processo. O indivíduo é agora
diocesano. Se sua análise for considerado um Servo de
favorável, eles prosseguem e Deus.
formam uma comissão para a  O Bispo ou instituto religioso
Causa do candidato. aponta um Postulador, cuja
 A Congregação aponta tanto função é promover a Causa,
um Postulador Geral, como também juntar
responsável por promover a testemunhas sobre a vida e
Causa, quanto um Promotor virtudes do Servo de Deus.
Fidei, comumente conhecido Todos os escritos públicos e
como Advogado do Diabo. O privados do Servo de Deus
papel do Promotor é levantar devem ser reunidos e
objeções à Causa, como examinados. Esta fase
também assegurar que a documental pode levar muitos
adequada forma canônica seja anos [para ser concluída].
seguida em todo o decurso.  Após a fase documental ser
 O Promotor Fidei formula concluída, a Postulador
suas objeções. apresenta toda sua
 O Promotor Geral tem uma documentação ao tribunal
oportunidade de responder às diocesano, que decide se as
objeções, tanto diretamente virtudes heroicas do Servo de
quanto através de um Deus foram demonstradas. Se
advogado nomeado por ele. o Bispo julgar
 Os Cardeais da Sagrada favoravelmente, seu
Congregação dos Ritos, julgamento junto dos volumes
tomando em conta os encadernados de
argumentos do Promotor documentação (Acta) são
Fidei e do Postulador Geral, enviados à Congregação para
emitem um parecer. Se o a Causas dos Santos.
parecer for favorável, esse é  As Acta resultantes das fases
enviado ao Santo Padre para documental e informativa do
[receber] sua assinatura. O processo são dadas pela
Papa assina o documento com Congregação a um Relator
seu nome de batismo – não apontado entre o Colégio de
com seu nome pontifício. Relatores da Congregação,
 Neste momento, cuja tarefa é superintender a
uma positio geral é composta Causa pelo resto do processo.
por um advogado e  Trabalhando junto de uma
estabelecida ante a comissão teológica
Congregação. Isso inclui uma estabelecida pela
declaração completa da Congregação, o Relator usa
Causa, um sumário das toda a documentação
objeções levantadas disponível para preparar
pelo Promotor Fidei com as uma positio resumindo a vida
réplicas do advogado, como e virtudes do Servo de Deus.
também um resumo do  Quando concluída, a positio é
processo canônico a ser apresentada ante a comissão
seguido. A Congregação dá teológica, que presta um voto
à positio sua homologação e positivo ou negativo.
uma declaração é emitida  Os resultados da comissão
para o seguimento da Causa. são, por sua vez, passados aos
 O Papa emite cartas membros superiores da
remissórias ao Bispo da Congregação, todos Bispos,
diocese onde o Servo de Deus Arcebispos e Cardeais. Se
faleceu. É requerido ao Bispo votarem negativamente, a
convocar um tribunal com Causa morre. Se votarem
não mais que três meses após afirmativamente, um Decreto
receber a carta e concluí-lo de Virtude Heroica é enviado
em até dois anos. ao Santo Padre para seu
 O tribunal do Bispo é julgamento.
formado, consistindo de cinco  Se o Santo Padre concordar
juízes, dois sub-promotores e com os achados da
um notário. Testemunhas da Congregação, o Servo é
santidade do Servo de Deus considerado Venerável.
são entrevistadas de acordo  O candidato permanece
com interrogatórios pré- Venerável até que um milagre
estabelecidos elaborados ocorra e possa ser atribuída a
pelo Promotor Fidei. A sua intercessão. O milagre
evidência de virtudes deve ser escrutinado por
especiais e de milagres é tribunais tanto científicos
devidamente registrada. quanto teológicos. O
 Uma cópia do processo propósito do tribunal
inteiro (Acta) é elaborada e científico é de excluir
enviada a Sagrada qualquer explicação natural; o
Congregação. propósito do tribunal
 A Congregação considera a teológico é determinar se o
validade do tribunal fenômeno é um milagre em
diocesano. É apresentada uma sentido estrito (atribuído a
segunda positio, essa Deus) e, segundo, se é devido
resumindo os procedimentos à intervenção do Venerável,
usados no tribunal diocesano, apenas. A evidência do
cujo intuito é demonstrar que milagre é proposta da diocese
todas as regras foram na qual o milagre ocorreu
obedecidas. (não necessariamente a
 Uma discussão é realizada em diocese da Causa). É trabalho
uma assembleia geral da da diocese examinar esses
Congregação sobre a validade milagres.
dos processos em nível tanto  A documentação do milagre é
diocesano quanto apostólico. enviada à Congregação das
Se o julgamento for Causas dos Santos, a qual
favorável, é confirmado pelo estabelece seus próprios
Papa, que publica o Decreto tribunais científicos e
de Validade atestando a teológicos. O tribunal
solidez do método. científico deve dar um voto
 Em seguida vêm as sessões afirmativo antes de [a Causa]
para determinar a prova de passar ao tribunal teológico.
heroísmo no exercício das O voto afirmativo da
virtudes particulares (ou da comissão teológica é, então,
prova do martírio). Isso leva transmitido para a
três sessões: uma Assembleia Geral dos
antepreparatória em que membros cardeais e
participam apenas oficiais da episcopais, cujo julgamento
Causa; uma preparatória, com favorável é encaminhado ao
todos os Cardeais da Sumo Pontífice.
Congregação presentes; e, (NOTA: O milagre pode ser dispensado em
finalmente, a assembleia caso de martírio)
geral, onde participam todos
os Cardeais e oficiais da
 Se o Santo Padre aprovar o
Causa na presença do Santo
voto da Congregação quanto
Padre.
à autenticidade do milagre, o
 Se todas as três sessões
Venerável é beatificado e,
confirmarem a presença de
desde então, conhecido como
virtude heroica, um decreto
Beato. Beatos podem receber
para este efeito é emitido pelo
veneração pública a nível
Santo Padre. Daqui em
local ou regional, usualmente
diante, o candidato pode ser
restrito àquelas dioceses ou
chamado Venerável, embora
institutos religiosos
a veneração pública ainda não
intimamente associados com
seja permitida.
a vida do candidato.
 Milagres são necessários para
 Após a beatificação, a Igreja
a beatificação, mas seu
procura por um segundo
número depende de alguns
milagre antes de proceder à
poucos fatores. Dois são
canonização. O processo é o
necessários se depoimentos
mesmo para o milagre que fez
de testemunhas oculares
a beatificação possível. O
puderem ser produzidos; três,
alegado milagre é estudado
se as testemunhas oculares
por comissões científicas e
estavam acessíveis na fase de
teológicas na diocese no qual
documentação inicial, mas
se alega sua ocorrência.
tenham falecido desde então;
 Depois da conclusão do
quatro milagres são
processo diocesano, o
necessários se a evidência se
proposto milagre é estudado
baseia inteiramente na
por uma comissão científica e
tradição ou em fontes
teológica da Congregação
textuais.
para as Causas dos Santos. O
 As evidências dos milagres
voto dessa comissão é
são compiladas pelas
encaminhado aos membros
autoridades diocesanas
episcopais da Congregação
competentes nas dioceses
cujo voto afirmativo é
onde os milagres ocorreram.
comunicado ao Santo Padre.
Elas são enviadas à
Congregação, que passa ao  O consentimento do Santo
julgamento quanto à validade Padre para a decisão da
do processo na instância Congregação resulta em um
diocesana, como também Decreto de Milagre. A
[quanto à validade] dos fatos canonização agora é possível.
dos casos. Se os milagres são  Pelo Rito de Canonização, o
críveis, um decreto é emitido Sumo Pontífice declara o
para este efeito. candidato como um santo.
 Depois disso, a Congregação
debate se a Causa deve ou
não proceder à beatificação. É
costumeiro permitir passar
um curto período de tempo
antes que Santo Padre tome
medidas sobre o caso.
 O Santo Padre emite um
breve pontifício no qual
anuncia a data para a solene
beatificação, ao mesmo
tempo em que estabelece uma
Missa e um Ofício em honra
ao beato, como também
festividades especiais,
usualmente um Triduum.
 Antes da Causa proceder à
canonização, devem ser
atribuídos ao beato mais dois
milagres (se foi formalmente
beatificado) ou três milagres
(se foi concedida beatificação
equivalente). Isso pode
acontecer anos ou mesmo
séculos após a beatificação.
 Tão logo quanto um milagre
possa ser submetido, o
Postulador pode requerer à
Santa Sé uma comissão para a
‘ressubmissão da Causa’. O
Postulador prepara
a positio para a reabertura da
Causa.
 Os argumentos do Postulador
são considerados na próxima
assembleia geral da
Congregação. Se o
julgamento for favorável,
recomenda-se ao Santo Papa
a publicação de um decreto
reabrindo a Causa, o que o
Santo Padre faz.
 A cúria das dioceses onde
ocorreram os milagres institui
processos para documentar
todos os fatos relativos aos
milagres. Esses processos são
ditados pela Congregação.
 Essas novas Atas são
submetidas à Sagrada
Congregação dos Ritos para
revisão. Se seu julgamento
for favorável, o Santo Padre
emite um decreto constare de
miraculis, declarando que os
milagres foram provados e
são críveis.
 O Papa requisita um
julgamento da Sagrada
Congregação dos Ritos se o
beato deve ou não proceder à
canonização. Se o voto for
favorável, o Papa emite um
decreto “De Tuto”,
declarando que o processo
pode seguir seguramente para
a etapa final. A canonização é
anunciada, ainda sem data
definida.
 O Sumo Pontífice preside
diversos consistórios, nos
quais toda a questão é
discutida novamente. Este é
um momento para um
sumário de todas as
evidências em favor da
canonização. Finalmente, a
data para a canonização é
anunciada em um consistório
público ou semipúblico.
 A solenidade da canonização
ocorre na Basílica de São
Pedro. O candidato é
considerado agora um Santo.
Seu Postulador organiza uma
novena de celebrações (ou
um Triduum) a ser realizado
em alguma igreja ligada ao
Santo.

Você notará, obviamente, que o sistema pré-1969 é bem mais longo. Entretanto, o mero fato
de ser mais longo não significa que seja mais minucioso ou melhor; é de conhecimento
comum que em burocracias muito papel seja necessário e muitos relatórios emitidos entre
departamentos, mas tal coisa não é garantia de que algo produtivo esteja acontecendo.
A diferença entre o velho e o novo processos não é a sua extensão, mas o seu caráter. No
sistema pré-1969, você notará o cuidado com que a integridade do processo em si é
salvaguardada. A Sagrada Congregação deve atestar a validade da metodologia usada nos
tribunais diocesanos. O Promotor Fidei deve assinar no formulário canônico de cada ato do
Postulador e da Congregação. A validade das inquirições dos milagres do candidato é
escrutinada. Há uma estrita atenção à forma e à metodologia no processo pré-1969 que
simplesmente falta no sistema pós-1983.
Ainda que o [cargo do] Promotor Fidei não tenha sido abolido em 1983, seu papel foi
grandemente reduzido. Esse foi outro exemplo de como há menos atenção ao método no
sistema pós-1983, uma vez que um dos principais papéis do Promotor Fidei era escrutinar
os procedimentos pelos quais caminhava o processo.
Essencialmente, enquanto o processo de canonização moderno mantém os detalhes do
sistema pré-1969, o aspecto de equilíbrio de poderes que caracterizava o sistema pré-1969
foi enfraquecido. A rígida fiscalização está em falta no sistema contemporâneo. Não vamos
revisar esse argumento inteiramente, mas recomendamos que o leitor consulte nosso longo
artigo “História de Advogado do Diabo” para mais em como o caráter da canonização foi
mudado.
Nada disso é para sugerir que as canonizações modernas são inválidas, naturalmente; a
validade da canonização nunca foi dependente de um processo particular adotado até a
chegada à canonização, que mudou através dos séculos. Entretanto, uma comparação
objetiva no velho e novo sistemas dá motivos para preocupação, uma vez que a integridade
do processo contemporâneo é menor – não tanto pela falta de algo encontrado no velho
sistema, mas por uma mudança de paradigma no entendimento do que deve realizar. [1]

NOTAS
Detalhes do processo de canonização e beatificaçao pós-1983 foram tirados de The Process
of Beatification and Canonization, EWTN,
<https://www.ewtn.com/johnpaul2/cause/process.asp>, Accessed 6 Sept, 2015.
O processo de canonização pré-1969 foi tirado do ensaio The Process of Beatification and
Canonization por Rev. Abbot Aloysius Smith, CRL, DD., encontrado em The English
Martyrs, ed. Rev. Dom Bede Camm, OSB (1929, Herder Book Company, Cambridge,
England), pp. 43-54.

1. O status das canonizações


Embora historicamente a maioria dos teólogos têm defendido o ponto de vista da
infalibilidade das canonizações – especialmente teólogos neo-escolásticos que tendem a
ser ultramontanistas radicais [1] – a própria Igreja, de fato, nunca ensinou que esta é
uma doutrina infalível a qual estamos obrigados a dar o assentimento da fé [2]. O status
exato das canonizações continua sendo um assunto legítimo de debate teológico, e é
ainda mais controverso quando se leva em conta as mutáveis expectativas,
procedimentos e motivações para o ato da canonização em si.

A infalibilidade das canonizações não é ensinada pela Igreja, nem está implícita em
nenhuma das doutrinas da Fé. Aos católicos, portanto, não é requerido acreditar como
verdade de fé e podem até por sérios motivos duvidar ou questionar a veracidade de
certas canonizações. Esta conclusão é rigorosamente estabelecida e defendida por John
Lamont em seu artigo “A Autoridade das Canonizações”(Rorate Caeli, 24 de agosto de
2018), que, na minha opinião, é o melhor tratado sobre o assunto já publicado e que vale
a pena ler na íntegra, especialmente para aqueles que têm objeção de consciência sobre
esta questão [3].

O propósito das canonizações. 


Tradicionalmente, a canonização não é meramente um reconhecimento de que certo
indivíduo está no céu; é o reconhecimento de que tal indivíduo viveu uma vida pautada
por virtudes heróicas (acima de todas as virtudes teologais da fé, esperança e caridade),
que ele cumpriu de maneira exemplar seus deveres de estado (e isso incluiria, para um
clérigo, os deveres de ofício) e que praticou o ascetismo como convém a um soldado de
Cristo de tal modo que a veneração pública ( inclusive litúrgica) deveria ser oferecida a
ele por toda a Igreja Universal e seu exemplo proposto como digno de ser seguido e
como um modelo a ser imitado (conforme 1 Coríntios 11: 1) [4].  Nós podemos
constatar todas essas características resplandecendo nos santos “clássicos”, pelos quais
há muita devoção popular.

Nos pontificados recentes, vimos uma mudança de paradigma tomando forma, fazendo
com que um grupo de indivíduos – ou pelo menos certos indivíduos – estão sendo
canonizados. Donald Prudlo observa:

Como historiador da santidade, minha maior hesitação


com o atual processo das canonizações vem das
canonizações feitas pelo próprio João Paulo II. Embora
fosse louvável a sua intenção de fornecer modelos de
santidade extraídos de todas as culturas e estados de vida,
ele tendia a divorciar o processo de canonização de seu
propósito original e fundamental. Deveria haver um
reconhecimento oficial, público e formal de um culto
existente por parte dos fiéis, confirmado pelo testemunho
dos milagres. O culto precede a canonização e não era
para ser o contrário. Corremos o risco de usar a
canonização como uma ferramenta para promover
interesses e movimentos, em vez de ser um
reconhecimento e aprovação de um culto já existente. [5]
Prudlo está deixando óbvio o ponto de que a beatificação e a canonização deveriam ser
respostas da Igreja a uma forte devoção popular demonstrada por um particular
indivíduo, cuja intercessão foi confirmada por Deus através da demonstração de vários
milagres. Não é tarefa do Vaticano sair carimbando certos indivíduos como santos só
porque tem interesse em promovê-los. Não existe nenhum culto sério a Paulo VI, nem
nunca houve, e é duvidoso que um decreto papal possa criar um culto do nada (ex
nihilo.)
Na realidade, vemos que o Papa Francisco levou à extrema “politização” o processo de
canonização, em que o indivíduo beatificado ou canonizado é instrumentalizado para
uma agenda. Como Padre Hunwicke aponta:

Tem havido, em alguns setores, uma suspeita


desconfortável já por algum tempo, de que as
canonizações se transformaram numa forma de colar um
selo de aprovação sobre as políticas de alguns papas. Se
essas “políticas” são em si mesmas matéria de discussão
e debates divisivos, então a promoção da idéia de que as
canonizações são infalíveis torna-se um elemento
adicional no conflito. Canonização, lembrem-se,
teologicamente não implica na aprovação de tudo o que
um Santo fez ou disse. Não formalmente, de fato. Mas a
suspeita entre alguns é que, de fato e humanamente, tal
pode parecer ser o seu objetivo. Isto é confirmado por
uma suposição prevalecente em todos os lados de que as
canonizações dos ‘Papas Conciliares’ têm alguma espécie
de significado ou mensagem.
Da mesma forma, o padre “Pio Pace” escreve:

Nós ousamos dizer que: canonizando todos os papas do


Vaticano II, é o Vaticano II que está sendo canonizado.
Mas, da mesma forma, podemos dizer que a canonização
em si é desvalorizada quando se torna uma espécie de
medalha jogada sobre um caixão. Talvez um Concílio que
foi “pastoral” e não dogmático seja digno de
canonizações “pastorais” que não são dogmáticas. [6]
Mais profundamente, o Prof. Roberto de Mattei observa:

Para o “papólatra”, o papa não é o vigário de Cristo na


Terra que tem a obrigação de transmitir a doutrina que
ele recebeu, mas é um sucessor de Cristo que aperfeiçoa a
doutrina de seus predecessores, adaptando-a à mudança
dos tempos. A doutrina dos Evangelhos está em perpétua
evolução, porque coincide com o magistério do pontífice
reinante. O Magistério “vivo” substitui o Magistério
perene, expresso pelo ensinamento pastoral que muda
diariamente, e tem a sua regula fidei (regra de fé) no
sujeito da autoridade e não no objeto da verdade
transmitida.
A consequência da papolatria é o pretexto de que ao canonizar todo e cada Papa do
passado, retroativamente cada palavra e atos deles também tornam-se
“infalibilizados”.  Todavia, isso só diz respeito aos Papas que se seguiram ao Concílio
Vaticano II e não aos que precederam o Concílio.

Neste ponto, surge a questão: a idade de ouro da Igreja é a Idade Média e todavia os
únicos Papas da era medieval canonizados foram Gregório VII e Celestino V [também
precisaríamos incluir Leão IX – PK]. Nos séculos XII e XIII, houve grandes papas, mas
nenhum deles foi canonizado. Por setecentos anos, entre os séculos Quatorze e Vinte
somente São Pio V e São Pio X foram canonizados. Todos os outros eram papas
indignos e pecadores? Certamente não. Mas o heroísmo ao governar a Igreja é uma
exceção, não uma regra, e se todos os Papas fossem santos, então ninguém é santo.
Santidade é uma excessão que perde seu significado quando se torna regra.[7]

Este último parágrafo tem uma ênfase particularmente significativa: deve causar o mais
profundo espanto e ceticismo perceber que enquanto a Igreja canonizou exatamente dois
papas em um período de 700 anos [8], nos últimos anos, ela “canonizou” três papas de
um período de pouco mais de 50 anos – meio século que coincide magicamente com a
preparação, execução e rescaldo do mais mágico de todos os Concílios, o Vaticano II.
Deve ser esse efeito o “novo Pentecostes”. Se isso não for suficiente para deixar alguém
com a pulga atrás da orelha, não sei mais o que seria[9].

O processo de canonização
A fim de agilizar a fabricação de santos, João Paulo II introduziu muitas mudanças
significativas no processo de canonização que estava seguramente estabelecido pelo
Prosper Lambertini (1734-1738) e que mais tarde se tornou o Papa Bento XIV (1740-
1758). Este processo foi baseado em normas que vem desde o período do Papa Urbano
VIII (1623-1644). E não foi outro senão Paulo VI que nesta área, assim como muitas
outras, iniciou uma simplificação dos procedimentos em 1969, um processo que João
Paulo II completou em 1983.

Fazer um estudo comparando o processo antigo e o novo processo é esclarecedor. Um


quadro comparativo foi fornecido pelo site Unam Sanctam Catholicam. Depois de
avaliar o fato óbvio de que o antigo processo é consideravelmente mais detalhado,
Unam Sanctam profere a seguinte avaliação:
A diferença entre o antigo e o novo procedimento não está
no seu tamanho, mas no seu caráter. No procedimento
anterior a 1969, nota-se o cuidado com que a integridade
do processo em si é salvaguardada. A Sagrada
Congregação deve atestar a validade da metodologia
usada pelos tribunais diocesanos. O Promotor Fidei deve
aprovar e assinar a forma canônica de cada ato do
Postulador e da Congregação. A validade das
investigações sobre os milagres do candidato passa por
rigoroso escrutínio. Há uma atenção muito rigorosa à
forma e à metodologia no procedimento anterior a 1969,
que é simplesmente inexistente no sistema pós-1983. …
Essencialmente, enquanto os procedimentos de
canonização modernos mantém algumas notas do sistema
pré-1969, o aspecto de “pesos e balanços” que
caracterizava os procedimentos pré-1969 é enfraquecido.
A supervisão rígida está faltando no sistema [moderno].
[10]
O papel do promotor fidei, o chamado “advogado do diabo”, foi massivamente
reduzido. No antigo sistema, o papel crucial dessa pessoa era:

… prevenir qualquer decisão precipitada concernente a


milagres ou virtudes dos candidatos às honras do altar.
Todos os documentos dos processos de beatificação e
canonização deveriam ser submetidos à sua apreciação, e
as dificuldades e dúvidas que ele levantava sobre as
virtudes e milagres eram colocados diante da
congregação e deveriam ser satisfatoriamente
respondidas antes que quaisquer medidas fossem tomadas
nos processos. Era sua tarefa sugerir explicações naturais
para os milagres ou apresentar motivos humanos e
egoístas para feitos que eram considerados como virtudes
heróicas [.] Sua tarefa requeria preparar em escrito todos
os argumentos possíveis contra o levantamento de
qualquer um às honras do altar. O interesse e a honra da
Igreja eram levados em conta na prevenção de que
qualquer um cuja morte não fosse provada “preciosa aos
olhos de Deus” fosse elevado às honras do altar. [11]
Este parágrafo traz uma leitura repetida. Decisões precipitadas concernentes a milagres
ou virtudes … todos os documentos devem ser apresentados … virtudes aparentes
devem ser questionadas  … o interesse e a honra da Igreja devem ser defendidos a todo
o custo …

O relaxamento do processo, junto aos caos que frequentemente parece reinar nos anos
pós-conciliares, em nada é comparável ao papel do advogado do diabo” que
desapareceu desde 1983 (e, possivelmente desde 1969, quando a instabilidade foi
introduzida pela primeira vez no processo).

Entre outras coisas, ignorou-se completamente que todos os arquivos documentados


relativos a um candidato proposto para beatificação ou canonização fossem
cuidadosamente revisados sobre aspectos doutrinais, morais ou psicológicos que
pudessem levantar suspeitas.

Aqui devo compartilhar algumas informações perturbadoras. Uma pessoa que trabalha
no Vaticano, na Congregação para a Causas dos Santos, disse-me que as ordens foram
recebidas “do alto” para que o processo de canonização de Paulo VI fosse aviado o mais
rápido possível. E como resultado, a Congregação não examinou todos os documentos
por ou sobre Paulo VI guardados nos arquivos do Vaticano. Esta lacuna gritante é tanto
mais grave quando lembramos que Paulo VI foi acusado de ser um homossexual ativo,
uma acusação que foi levada a sério o suficiente a ponto de ser negado. [12] Também
pesa sobre ele a grave acusação de seu envolvimento em negociações secretas com os
comunistas e seu endosso da “Ostpolitik”, sob a qual muitas injustiças foram cometidas.
[13] Alguns poderiam pensar que um desejo por transparente verdade sobre cada
aspecto de Montini teria levado a um exame exaustivo dos documentos relevantes. No
entanto, isso foi intencionalmente contornado. É possível dizer que essa falta de devida
diligência por si só joga dúvidas sobre a legitimidade da canonização.

Indiscutivelmente, a pior mudança no processo é o número de milagres necessários.


Dois milagres foram requeridos tanto para a beatificação quanto para a canonização –
isto é, um total de quatro milagres investigados e certificados. O motivo desse
requerimento é dar à Igreja suficiente certeza moral sobre a “aprovação” de Deus para o
proposto santo ou beato, por meio da evidência de seu poder de intercessão.  Além do
mais, os milagres tradicionalmente devem ser indiscutíveis em sua clareza, isto é, não
admitindo nenhuma explicação natural ou científica possível.

O novo sistema corta o número de milagres pela metade, o que poderíamos dizer que
corta a certeza moral também pela metade- e como muitos observaram, os milagres
apresentados parecem tão simples que deixam qualquer um com a pulga atrás da orelha:
foi realmente um milagre ou foi apenas um evento extremamente improvável? Os dois
milagres para Paulo VI (um deles pode ser lido sobre ele aqui) são, para ser franco, nada
espantosos. Quero dizer, é maravilhoso que dois bebês foram “curados” ou “protegidos”
da maneira descrita, mas dizer que estamos lidando com uma intervenção sobrenatural,
naturalmente inexplicável, pelas orações de Paulo VI, não é patentemente óbvio. Quatro
milagres robustos, como a restauração da visão dos cegos ou a ressurreição de um morto
seriam uma convicção.

Com o crescente número de canonizações; a remoção do número de milagres requeridos


pela metade(que às vezes são até dispensados [14]); a falta de um papel robusto como
do advocatus diaboli; e, às vezes, a maneira apressada em que a documentação é
examinada ou completada (como, aparentemente, tem sido o caso com Paulo VI), me
parece que se tornou não apenas impossível afirmar que as canonizações de hoje sempre
exigem nosso consentimento, mas também que podem haver canonizações sobre as
quais ninguém teria a obrigação de afirmar seu consentimento.

4- O que é objetável em Paulo VI?


Além das considerações gerais sobre o estado das canonizações, o propósito que deveria
animá-las, e os procedimentos pelos quais elas são seguramente ou inseguramente
conduzidas, devemos também considerar os méritos particulares do caso em questão.
Por que, especificamente, os católicos tradicionais se opõem à canonização de Paulo
VI?

Durante seu pontificado, Montini apresentou uma falta de virtudes heróicas ao


negligenciar suas responsabilidades solenes como pastor do rebanho universal. Em vez
disso, ele demonstrou uma incapacidade habitual para efetiva disciplina, na medida em
que ele oscilava entre a radical indulgência e a rigidez extrema (por exemplo, raramente
punia os teólogos mais ofensivamente heréticos, mas no tratamento do Arcebispo
Lefebvre agia como se ele fosse pior do que Martinho Lutero, ou dava plenos poderes a
Annibale Bugnini com acesso papal contínuo e apoio no curso da reforma litúrgica, (e
de repente baniu-o para o Irã). Os sinais contraditórios que ele deu – incentivando o
modernismo, e em seguida, tentando cerceá-lo; intervindo em matérias controversas e
depois abandonando-as, para a frente e para trás, como Hamlet,( um personagem com o
qual ele se comparou em uma nota privada em 1978) apenas agravou a confusão e a
anarquia do período, quando o que era preciso era um piloto com mão firme no meio da
tempestade e não um leviano modernista cheio de dúvidas e sofrendo de uma crise
existencial.

Áreas problemáticas gritantes particularmente incluem a reforma litúrgica, onde Paulo


VI deu ampla evidência de operar sob princípios racionalistas Pistoianos incompatíveis
com o Catolicismo e de negligência grave na revisão desses materiais. (Parece que
houve um grande número de documentos que ele assinou sem estar familiarizado com
os seus detalhes.) Sua Ostpolik no trato com os comunistas, incluindo sua desobediência
a Pio XII, são bem conhecidos. Embora Paulo VI tenha chegado à conclusão correta
sobre o controle da natalidade, o modo como ele falhou em responder aos ataques da
mídia conectada à Comissão Pontifícia sobre Controle da Natalidade, como também
falhou em disciplinar os dissidentes da Humanae Vitae, permitindo que aqueles que
apoiavam a encíclica fossem marginalizados, só contribuiu para minar a legitimidade e
a efetividade da mesma.

A irracional dureza com a qual ele tratou os Católicos tradicionais foi simplesmente
vergonhosa, como quando ele ignorou a petição de um grande grupo de 6.000 padres
espanhóis [15] que apenas desejavam continuar celebrando o imemorial rito de São
Gregório e São Pio V, ao passo que dava essa mesma permissão a alguns padres da
Inglaterra e do País de Gales – mais uma vez demonstrando as contradições das quais os
Hamlets são feitos). Ele abusou de sua autoridade papal descartando o que deveria ser
reverenciado e tratando como proibido o que jamais poderia ser proibido.

O papa tem a solene obrigação de sustentar e defender as tradições e ritos da Igreja; ele
não tem autoridade moral para modificá-los ignorando o reconhecimento passado.
Nenhum papa na história de 2.000 anos da Igreja Católica chegou perto de modificar
tradições e ritos Católicos tão extensivamente como fez Paulo VI. Isso por si só deveria
torná-lo sempre suspeito aos olhos de qualquer fiel mais ortodoxo. Ou este papa foi o
grande libertador que libertou a Igreja de séculos, talvez mais de um milênio, da
escravidão de formas prejudiciais de culto – e nesse caso, o Espírito Santo teria dormido
no trabalho e os protestantes estavam corretos o tempo todo ao afirmar que a verdadeira
Igreja Cristo desapareceu ou foi para as catacumbas_ ou ele foi o grande destruidor que
demoliu o que a Divina Providência construiu com tanto amor, vendendo a Igreja à
escravidão do modismo intelectual que é mais humilhante do que a servidão física
sofrida pelos israelitas.

Paulo VI não assistiu impotente à “autodemolição” da Igreja (seu próprio termo para o
colapso que veio depois do Concílio); ele não se limitou a liderar o maior êxodo de
leigos, clérigos e religiosos católicos desde a revolta protestante. Ele ajudou e encorajou
essa devastação interna por suas próprias ações. Ao empurrar à toda velocidade uma
radical reforma litúrgica e institucional ele não deixou nada intocado e multiplicou por
cem as forças desestabilizadoras que atuavam nos anos 60. Qualquer um que tenha
apreço pela funcionalidade da razão, seria capaz de ver que isso era perigoso, para não
mencionar ímpio, de mudar tanto e tudo, tão rápido. Mas não: Paulo VI era um adepto
voluntário da ideologia da modernização, um alto prelado do progresso, que ousou ir
onde nenhum de seus predecessores jamais foi.

Ironicamente, é ninguém menos que o papa Francisco, o canonizador intencional de


Paulo VI, que também demonstra acima de qualquer dúvida a mesma auto-destrutiva
trajetória do catolicismo pós-conciliar, quando suas próprias tendências são as de agir
sem restrição (sim, como Theodore McCarrick agiu por conta própria seguindo suas
tendências sem restrição).

É certo que muitos católicos estão legitimamente de cabelo em pé com o pontificado do


Papa Francisco. Mas o que ele tem feito nos últimos cinco anos é sem dúvida café
pequeno comparado com o que Paulo VI teve a audácia de fazer: substituiu a antiga
Missa Romana e ritos sacramentais por uma nova liturgia, causando a maior ruptura
interna que a Igreja Católica jamais sofreu. Isso foi o equivalente a deixar cair uma
bomba atômica no meio do Povo de Deus, que eliminou de vez sua fé ou causou vários
tipos de câncer por sua radiação. Foi a própria negação da paternidade, da função
paterna do papado de conservar e transmitir a herança da família. Paulo VI não é mais
do que um eco dessa violação do templo sagrado. Uma vez que a coisa mais sagrada é
profanada, nada mais é seguro; nada mais é estável.

Neste ponto, alguém pode objetar: “Ok, e se Paulo VI não fosse muito bom em ser
papa? Certamente ele poderia ter sido um homem santo internamente. Ele estava
vivendo em um período de tempestade, quando todo mundo estava confuso e ele estava
fazendo o melhor que podia. Devemos admirar suas intenções e seus grandes desejos,
mesmo que possamos criticar em retrospecto certas decisões e ações. Santidade não é
um cobertor de aprovação sobre tudo que uma pessoa diz ou faz.

O problema com este tipo de objeção é que ela falha em reconhecer que como um
Católico vive sua vocação primária na vida é parte e parcela de sua santidade. Como um
bispo da Igreja – e acima de tudo um papa – exerce seu ofício eclesiástico não é
incidental, mas essencial à sua santidade (ou falta dela). Imagine-o desta forma:
poderíamos canonizar um homem que, apesar de bater na sua esposa e negligenciar seus
filhos, era obediente em ir à missa diariamente, rezar o Rosário, e dar esmolas aos
pobres? Seria absurdo, porque diríamos com razão: “um homem casado com filhos tem
que ser santo como marido e pai, e não apesar de ser marido e pai”. Portanto não seria
menos absurdo dizer: -como um papa foi negligente, irresponsável, indeciso, ríspido e
revolucionário em suas decisões papais, mas seu coração estava no lugar certo, e ele
estava sempre se esforçando para a glória de Deus e a salvação dos homens. “Um Papa
é um santo porque ele exerceu bem o papado”. Mostrou fé heróica, esperança, caridade,
prudência, justiça, fortaleza, temperança, etc. em sua própria atividade de governar a
igreja. Isso não pode ser razoavelmente dito de Paulo VI.

Se devemos venerar Paulo VI, então inconsistência, ambiguidade, pusilanimidade, a


injustiça, a mudança imprudente, negligência, indecisão, a sinalização falsa, desânimo,
pensamento positivo, irritabilidade, escárnio e desprezo pela tradição não são apenas
virtudes, mas virtudes que se pode exercitar a um grau tão heróico que se tornam na
verdade, fontes de graça santificante, merecedores de admiração geral, veneração e
emulação. Desculpe, mas nada disso me convence. Tais coisas sempre foram e sempre
serão vícios. Montini foi um governante terrível da Igreja, e se o cumprimento virtuoso
das próprias responsabilidades no próprio estado de vida é constitutivo de santidade,
podemos concluir que é impossível imaginar um modelo pior para qualquer governante
que Montini.

Para ler mais sobre as falhas de Paulo VI como papa, recomendamos o seguinte:

“O Enigma do Papa Paulo VI”, de John Knox [Mons. F.D. Cohalan]

“O papado de Paulo VI” por Henry Sire

“50 anos atrás: Dietrich von Hildebrand confronta o papa Paulo VI”

“Liturgia, abuso e Humanae Vitae: algumas conexões?”


“Dom Lefebvre, papa Paulo VI e tradição católica” de Neil McCaffrey

 5- O que é admirável em Paulo VI?


Será que os Católicos de mentalidade tradicional têm algum motivo para admirar Paulo
VI? Sim, claro. Seríamos insensatos em não reconhecer o bem que ele fez. Mas esse
bem não é suficiente para cancelar os vários e sérios problemas discutidos na seção
anterior. Na verdade, a história do pontificado de Montini é a vívida demonstração de
como se poderia desejar a diferença entre a pessoa e o seu ofício. No caso dos papas
santos, a graça do ofício parece elevar-se e envolver a pessoa transformando-a em um
ícone luminoso de São Pedro e de Cristo. No caso de maus ou medíocres papas, a graça
de ofício é algo que, ocasionalmente se acende, que sai de seu esconderijo em situações
de emergência, mas não transforma o incumbente da mesma maneira. E é isso que o
editorial do Rorate Caeli, expressou astutamente com relação a Paulo VI (com minha
ênfase):

O Papa Paulo VI é descrito pela maioria dos


historiadores como uma espécie de figura trágica,
tentando controlar o turbilhão de eventos que o cercam,
mas incapaz de fazer muito. É provavelmente por causa
disso, porque muitas vezes Montini parecia se dobrar às
opiniões do mundo, porque parecia que ele
frequentemente aceitava as noções fabricadas e textos que
as comissões de falsos sábios entregavam a ele (com
muito pequenas modificações) que o momentos em que ele
não se curvou, brilhou claramente com o simples brilho
de Pedro. A Nota Prévia da Lumen Gentium, a vigorosa
defesa das doutrinas eucarísticas tradicionais (no
Mysterium Fidei) e os ensinamentos sobre as indulgências
(em Indulgentiarum Doctrina), e o Credo do Povo de
Deus são pilares que permanecem de pé em um edifício
em ruínas, sinais de proteção sobrenatural. Em meio ao
colapso moral da década de 1960, e contra a comissão
estabelecida por seu predecessor para reexaminar o
assunto, Pedro falou através do [o Papa] Paulo na
Humanae Vitae: “nunca é lícito, nem sequer por razões
gravíssimas, fazer o mal para que algum bem possa vir
disso. “
Se tais boas ações tivessem sido habituais, normais e características de Paulo VI e se
tivessem sido imbuídas das virtudes cristãs que São Tomás discute na segunda parte da
Summa, e além disso, um culto popular tivesse surgido em torno de um pontífice
amado, culminando em muitos milagres incontestáveis, então – e somente então –
teríamos razão para elevar Paulo VI aos altares.

Aqui vale a pena ressaltar que o tempo dirá, como já começamos a ver, que o bem pelo
qual Paulo VI foi responsável não foi de forma alguma o motivo de sua canonização. Na
verdade, todas as coisas listados acima como “bons momentos” são contrários às
tendências prevalecentes do partido Bergogliano. Portanto, somos testemunhas do caso
mais cínico de “ut promoveatur amoveatur” jamais visto na história da Igreja – ou seja,
promover alguém, normalmente de uma posição geralmente mais distante, a fim de
removê-los de sua atual posição mais influente. Eu argumentei este ponto aqui

7- Os limites do significado da canonização


Há, como de costume, uma divina ironia em tudo isso. Mesmo que a canonização de
Paulo VI tenha sido legítima – qualquer um pode ter sérias dúvidas, obviamente, mas
não se pode descartar essa possibilidade completamente – não conseguiria, estritamente
falando, realizar o que seus defensores políticos pretendem através dela. Eles julgam
que canonizando Paulo VI, eles efetivamente canonizam todo o seu programa do
Vaticano II e, acima de tudo, a reforma litúrgica. Mas, como Shawn Tribe do Liturgical
Arts Journal observou:

Qualquer um que tente usar a canonização de Paulo VI


para propor seriamente que, todas as reformas eclesiais e
litúrgicas que ocorreram em torno de seu pontificado são,
portanto, canonizadas e não podem ser questionadas (e
muito menos reformadas / rescindidas) ou está sendo
intencionalmente e enganosamente manipulador ou é
lamentavelmente desinformado e não catequisado. A
santidade pessoal não equivale à infalibilidade; os santos
são freqüentemente encontrados em contradição com
outros santos; nem todo o enunciado / política / decisão /
opinião de um santo resiste ao teste do tempo ou ao
eventual julgamento da Igreja, nem é dogmático – para
não mencionar que todas as reformas litúrgicas e
conciliares não são somente de autoria pessoal de Paulo
VI mas de uma série de pessoas e figuras.
Gregory DiPippo estende o mesmo argumento no Novo Movimento Litúrgico:
A canonização de um santo não muda os fatos de sua vida
terrena. Ela não corrige os erros que ele pode tê-los feito,
consciente ou inconscientemente. Não muda seus
fracassos em sucessos, quer tenham ocorrido por culpa
deles ou de outros. …
Os méritos intrínsecos ou deméritos da reforma pós-conciliar, e seu status como um
sucesso ou um fracasso, não vão mudar de qualquer maneira, forma ou conteúdo, se o
Papa Paulo VI é de fato canonizado. Ninguém pode honestamente dizer o contrário, e
ninguém tem o direito de criticar, atacar, ou silenciar outros católicos se eles contestam
essa reforma. Se essa reforma foi muito além do espírito e da letra do que o Vaticano II
pediu para o Sacrosanctum Concilium, como seus próprios criadores, abertamente se
gabam de que sim; se foi baseado em estudos ruins ou num grau significativo de
incompetência básica; Paulo VI está canonizado. Assim como as canonizações de Pius
V e X e uma futura canonização de XII não puseram suas reformas litúrgicas acima de
questionamentos e debates, a canonização de Paulo VI não colocará nada sobre sua
reforma acima de debate e ninguém tem o direito de dizer o contrário.

Consequências práticas
Diante do exposto, quais são as consequências práticas para o clero, religiosos e leigos,
que duvidam da validade dessa canonização? Este tópico merece um tratamento mais
completo separadamente, mas brevemente, qualquer pessoa com uma dúvida tal ou
dificuldade é permitida abster-se de orar a Paulo VI e não precisa apoiar seu culto. Nós
todos somos obrigados a rezar pela salvação do Santo Padre e pela liberdade e exaltação
de nossa Santa Madre Igreja na Terra. Essa intenção implicitamente inclui a petição
pelo Papado, a Cúria Romana, a Congregação para a causa dos Santos e o próprio
processo de canonização a ser reformado na estação favorável de forma que eles possam
servir melhor às necessidades dos fiéis de Cristo e dar glória ao Deus Todo-Poderoso,
que é “maravilhoso em seus santos” (Sl 67:36).

NOTAS
[1] Por exemplo, argumentando que todos os atos disciplinares papais que afetam toda a
igreja devem ser inerrantes e certamente favorecem o bem comum_ uma posição que
qualquer um poderia defender nos primórdios da história mas que, no momento atual,
não é nada menos que grosseiramente risível.

[2] É, portanto, prejudicial quando as pessoas tentam popularizar coisas como esta: “A
beatificação requer um milagre atestado e permite que a pessoa beatificada seja
venerada por sua igreja local. A canonização exige dois milagres atestados e permite a
veneração do santo pela Igreja universal. Canonização é uma afirmação infalível da
Igreja de que o santo está no céu “(https://www.catholic.com/qa/what-is-the-difference-
between-saints-and-blesseds). Isso é fazer declarações demais, a menos que algumas
qualificações sejam adicionadas.
[3] De modo a não deixar meu artigo muito longo, eu não vou resumir seu argumento
aqui, mas meramente deixar claro que ele responde plena e amplamente às objeções
geralmente levantadas pelos proponentes da infalibilidade das canonizações. Inter alia,
Lamont refuta a afirmação de que o uso de certos termos em latim no rito de
canonização é que estabelece adequadamente sua natureza infalível. Tratamentos
adicionais valiosos do assunto incluem isto e isto.

[4] Por exemplo: “A canonização … é um decreto formal papal de que o candidato era
santo e agora está no céu com Deus; o decreto permite a lembrança pública do santo nas
liturgias em toda a igreja. Isso significa que igrejas podem ser dedicadas à pessoa sem
especial permissão do Vaticano. … ‘Além de nos tranquilizar de que o servo de Deus
vive no céu em comunhão com Deus, milagres são a divina confirmação do julgamento
expresso pelas autoridades da Igreja sobre a virtuosa vida vivida pelo candidato. Papa
Bento disse em discurso aos membros da Congregação para as Causas dos Santos em
2006 “(http://www.catholicnews.com/services/englishnews/2011/holy-confusion-
beatification-canonization-are-different.cfm, ênfase adicionada).
[5] Citado por Christopher Ferrara em “A Crise da Canonização”.

[6] https://rorate-caeli.blogspot.com/2018/02/guest-note-paul-vi-pastoral.html. Pe.
Hunwicke também observou antes do evento: o Papa Francisco pretende este mês
realizar o ato altamente divisivo de canonização. Julgando pelo que ele disse ao dar essa
informação ao clero da cidade com uma risadinha sarcástica: “e Bento e eu estamos na
lista de espera”. Uma piada muito espirituosa. Este é um projeto que pode ser usado
como um projeto político para o Papa Francisco, já que é ele mesmo o campeão e
beneficiário da obra de Paulo VI no Vaticano II e depois “.
[7] http://www.robertodemattei.it/en/2018/04/11/tu-es-petrus-true-devotion-to-the-
chair-of-saint-peter/; ênfase adicionada. De Mattei está evidentemente restringindo o
termo “Idade Média” ao período após o ano 1000. Além disso, Vitor III e Urbano II, os
dois papas depois de Gregório, são bem-aventurados.
[8] Isto certamente não é por falta de muitos indivíduos com virtudes heróicas em um
período de 700 anos – mas, como dissemos, se não houvesse culto por causa de
milagres indiscutíveis, a Igreja não iria vasculhar os arquivos para encontrar quaisquer
candidatos para honrarias ou pra empurrar suas causas.

[9] Eu poderia acrescentar que nosso ceticismo deveria se estender também à


canonização de João Paulo II, já que seu próprio governo da Igreja se encontrava
severamente problemático em muitos aspectos. RIP Vaticano II Catolicismo (1962-
2018). “Veja também” A Verdade da Pensilvânia: João XXIII, Paulo VI e João Paulo II
não eram santos “.

[10] http://www.unamsanctamcatholicam.com/theology/81-theology/555-canonization-
old-vs-new.html
[11] Do artigo “Promotor Fidei” na antiga Enciclopédia Católica. Para saber mais sobre
o “advogado do diabo”, leia este artigo informativo.

[12] Wikipedia traz resumidamente as informações básicas: “Roger Peyrefitte, que já


escreveu dois livros sobre Paulo VI, afirma que ele teve um relacionamento
homossexual de longa data, e repetiu tais acusações em entrevista a uma revista
francesa, mais tarde publicada em Italiano, e que causou enorme alvoroço. Ele disse que
Paulo VI era um hipócrita que tinha um longo relacionamento com um ator de cinema.
Rumores generalizados identificaram o ator como Paul Carlini, que teve uma pequena
participação no filme de Audrey Hepburn, Roman Holiday (1953). Em uma audiência
pública para 20.000 pessoas na praça de São Pedro, em 18 de abril, Paulo VI chamou as
insinuações horríveis e caluniosas as acusações e pediu orações em seu nome. … As
acusações ressurgiram periodicamente. Em 1994, Franco Bellegrandi, um ex mordomo
de honra do Vaticano e correspondente do jornal do Vaticano, L’Osservatore Romano,
alegou que Paulo VI tinha sido chantageado e tinha promovido outros homens gays a
posições de poder dentro do Vaticano. Em 2006, o jornal L’Espresso confirmou a
história de chantagem baseada nos documentos privados do comandante geral da polícia
General Giorgio Manes. Ele informou que o primeiro-ministro italiano Aldo Moro foi
chamado para ajudar. “Por incrível que essa história possa parecer, estamos mais
inclinados a acreditar hoje, devido à evidência indiscutível que temos de papa Francisco
promovendo homossexuais a posições de poder dentro do Vaticano.

[13] Veja George Weigel sobre Ostpolitik. Bergoglio está simplesmente seguindo os
passos de Montini em suas negociações com a China Comunista.

[14] Ou redefinido: veja este artigo revelador de John Thavis. O Papa Francisco
dispensou a exigência de um segundo milagre para a “canonização” de João XXIII.
Assim, incrivelmente, um papa que não se destaca pela santidade notável e que nunca
teve nenhum culto público particularmente forte ou generalizado foi elevado às honras
dos altares com base em um milagre. Podemos ver nisso um belo exemplo do abuso
grosseiro do poder pontifício que Francisco usa para sua consolidação ideológica.

[15] Ou seja, a “Hermandad Sacerdotal Espanola de San Antonio Maria Claret y San
Juan de Ávila”, que foi formada pela “Hermandad Sacerdotal Espanola”, fundada em
1969 por padres espanhóis para defender a tradição em face das mudanças na Igreja e
um outro grupo similar da Catalunha, chamado “Asociación de Sacerdotes y Religiosos
de San Antonio Maria Claret.” Eles enviaram uma carta ao Vaticano em 1969
solicitando o uso continuado do antigo missal romano – e Paulo VI recusou-os
categoricamente. Infelizmente, como o Tradicionalismo Espanhol e Italiano era
caracterizado por obediência cega a Roma, o Novus Ordo acabou sendo aceito sem
resistência e até hoje a Tradição tem dificuldade em se expandir nessas esferas culturais.

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