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concepção e realização

ORGANIZAÇÃO
Associação de Prostitutas de Minas Gerais – Aprosmig
Carolina Macedo
Coordenação Maria Aparecida Vieira
Maria Aparecida Vieira Pedro Kalil
Escritoras
Blanca, Camila P., Fátima Muniz, Jeane Corrêa, Isadora,
Laura, Mariely da Silva, Lourdes Barreto, R. P. B., S. P. S.,
S.V. e Vânia Rezende

Projeto editorial e edição


Carolina Macedo

Coordenação das oficinas literárias


Pedro Kalil

Organização
Carolina Macedo e Pedro Kalil

Revisão
Maria Fernanda Moreira
Guaicurus:
Capa, diagramação e produção gráfica
Philippe Albuquerque a voz das putas
Ilustração
Thereza Nardelli

Estagiária
Lauane Costa

ISBN
978-65-80237-00-5

Site e audiolivro
avozdasputas.wordpress.com

1ª edição

Belo Horizonte
* Este livro foi viabilizado com recursos do
Fundo Estadual de Cultura de Minas Gerais. Aprosmig
Projeto 0502/01/2016/FEC 2018
apresentação 6

S.V. Jeane Corrêa


Sobrevivi com esse trabalho, vou contar pra vocês 10 Meu tempo 76

Camila P. Isadora
16 fatos que se passam Quatro anos 82
na vida de uma garota de programa 28
Tudo 31 Mariely da Silva
Namorada 32 Trinta e três 92

Blanca Fátima Muniz


Geovane 36 Manual do Cliente 96
Bolo 40
Beijo 44 Laura
A dor da saudade não tem cura
S. P. S. ou Xô Preconceito! – O Meu Nome é Felicidade 102
Lulu 58 Poema para Dalvinha 113

R. P. B. # Escritoras convidadas
Palavra em movimento 64
Um dia fui criança 65 Vânia Rezende
Mundo estúpido 66 Vida fácil 116
Meus gigantes 67
Pintura Viva 68 Lourdes Barreto
Mundo selva de concreto 70 Puta 120
Autoestima 71
Estigma 72 Nota dos organizadores 123

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apresentação

Personagem de literatura, teatro, cinema, pintura, can-


ções, performance, novela, bloco de carnaval, do imaginá-
rio, do imaginável, da presença e da plurivivência.

Sob olhares de desejo, curiosidade, repulsa, admiração,


amor, desdém, preconceito, inveja, respeito e querência.
Quem olha nos vê?

Guaicurus – A Voz das Putas é uma obra escrita a


varias mãos e, essencialmente, escrita por nossas mãos.
Histórias nossas, de muitas vozes e sempre diferentes
entre si. Vozes que têm história, que vêm de longe, que
costuram os retalhos das experiências, memórias e dese-
jos de futuro.
Garota de programa,
messalina, meretriz, mulher da Saudamos os Encontros Nacionais de Prostitutas, a
Rede Brasileira de Prostitutas e tantos outros e diversos
vida, mulher perdida, quenga, movimentos pelo país – os que já existiram e os ainda em
rodada, devassa, profissional atividade –, suas articulações e luta cotidiana pelo nosso
pleno exercício da cidadania, por direitos e pelo fim do
do sexo, mulher de vida fácil, estigma e da discriminação. Saravá! Dedicamos especial-
prima, rapariga, vadia, rameira, mente às mulheres prostitutas, anônimas ou não, às de
ontem e de hoje, as suas permanências e escapatórias.
biscate, trabalhadora sexual,
prostituta, puta. Este é um livro de escritoras putas. Putas escritoras.

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S. V.
Sou do interior e criada em Belo
Horizonte. Mais de 30 anos de rua
Guaicurus, rua São Paulo, avenida
Paraná e praça. Com meus filhos
criados, o meu sonho agora é acabar
de reformar minha casa.

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Morei com minha avó até meus 6 anos, quando vim
morar com a minha mãe em BH. Depois minha avó mor-
reu. Eu era muito mimada pela minha avó. Cheguei para
morar com a minha mãe em um cômodo sem luz, um
irmão e ela esperando outro filho. Minha mãe me ensinou
a cuidar dos meus irmãos para ela trabalhar. Ela se mudou
para o bairro Goretti, depois comprou uma casa em outro
lugar. Só que eu estudava e olhava meus irmãos, e brin-
cava depois que arrumava a casa e a cozinha. Brincava
de queimada, rouba-bandeira, de casinha, caí no poço e
passa anel.
Era uma moça muito comportada, mas, quando fiz
17 anos e meio, virei outra pessoa. Conheci uma colega
que gostava de dançar. Ela me chamou para ir com ela na
matinê – era das 14 às 18h. A gente ia embora, só que eu
comecei a conhecer os rapazes, comecei a namorar. Depois
da matinê, minha colega deu a ideia de falar com a minha
Sobrevivi com esse trabalho, mãe que a gente ia para a igreja. Era mentira. A gente ia
para o parque. Antigamente, tinha parque nos bairros.
vou contar pra vocês Ficávamos um tempo, depois íamos embora. Aí comecei a
beijar um, a beijar outro e arrumei namorado para namo-
Sou S.V., nascida no interior. Minha mãe, quando estava rar em casa. Terminava com ele, arrumava outro, depois
me esperando, teve gripe asiática. Por isso, quando nasci voltava com ele. Só que a gente começou a sarrar para
de parteira, eles acharam que eu estava morta e me joga- valer, só não transava. Mas eu comecei a deixar pôr na
ram para lá. Foram cuidar da minha mãe que passava minha perna. Vocês acreditam que eu engravidei só sar-
muito mal. Aí eu mexi, disse minha mãe. A parteira falou rando nas coxas sem ele me penetrar. Não tinha certeza
“nossa, ela está viva”, e me arrumou e me enrolou, mas eu de que estava grávida, porque eu sempre o deixava pôr
também estava passando muito mal. Minha avó me levou na minha coxa e nunca tinha acontecido nada. Pois eu
ao médico. Depois de uma semana, ele falou “sua neta tem estava mesmo grávida.
pouco tempo de vida, não vai durar nem um mês”. Minha Eu trabalhava em casa de família na época. Vocês
avó então me batizou para eu morrer, porque não podia sabem o que é chiqueirinho, onde os bebês brincam? Fui
morrer pagã naquela época. Depois descobriram que eu fazer a faxina, aí peguei aquele chiqueirinho cheio de
tinha nascido com asma. brinquedos. Eu tive cólica, trabalhei o dia inteiro sentindo

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cólica. Eu dormia no serviço. Quando foi de noite, estava a passar aperto, minha família estava cansada de me aju-
com muita dor. Fui tomar banho. Desceu uma bola e eu dar, porque um filho ano sim, ano não. Pedi ajuda numa
passando mal a noite toda, depois tive hemorragia o dia creche para deixar meus filhos lá e ir trabalhar, fim de
inteiro. Esperei minha patroa chegar e falei que ia resol- semana eu ia lá pegá-los. Ela falou “assim não tem. Tem
ver alguma coisa. Fui no serviço da minha colega que me assim: você leva os três filhos de manhã e busca à tarde”.
levou na Santa Casa; me transferiram para a maternidade E em outra: “pega duas passagens para ir, duas para vol-
para eu fazer uma curetagem. tar” – não dava para mim. Elas ficaram olhando para mim;
Daí seis meses depois engravidei de novo. Nasceu um eram três mulheres. De repente, uma falou “para ficar fácil
menino, mas o pai e eu não demos certo. Era meu namo- para você, deixa esse menino que está no seu colo aqui, a
rado, terminei com ele e arrumei serviço. Fiquei quase gente põe para adoção. Com dois filhos, fica mais fácil para
um ano sem ter relações sexuais, mas aí eu conheci um você”. Saí de lá com meu filho no colo, nem olhei para trás.
colega da minha amiga de serviço, comecei a namorá-lo. E falei “vou me virar sozinha, não vou pedir ajuda para
Em menos de um mês tive relação sexual com ele e engra- ninguém”. Mas fui pedir ajuda em outro lugar, para eu
videi de novo. Falei com ele que estava grávida, ele falou ganhar leite em pó. Não passei também, porque só daria se
com a mãe dele. Ela disse que olhava meu outro filho, meus filhos estivessem desnutridos e ficassem com menos
que eu podia morar perto dela. Só que eu falei com ele peso. Pensei, “sabe o que eu vou fazer? Vou fazer vida”.
que não ia, porque não o amava a ponto de morar junto. Comecei na praça. Queria subir para a rua Paraná à
Continuei grávida e ganhei o menino já trabalhando de noite. As meninas da praça diziam que não podia, porque
carteira assinada. Arrumei outros namorados, mas não as mulheres iriam brigar comigo. Um dia, estava cheia de
deu certo, terminei, fiquei uns tempos sem ter relações contas para pagar e falei “vou subir para a Paraná”. Fui de
sexuais, porque não podia tomar remédios para evitar calça verde, tênis, uma blusa de manga comprida xadrez.
gravidez, porque eu passava mal, muito mal. Dormi na Fiquei lá no paredão sem ganhar dinheiro um mês. Mas
fila para pôr o DIU. Chegou a minha vez, ela perguntou eu chamava os homens, pedia a eles um real. Aí de manhã
“você está menstruada?”, eu falei “não”; “então não pode tinha dinheiro, pão, leite, verdura. Uma mulher trabalhava
pôr o DIU”, ela disse. Naquela época, a gente era muito lá e falou “você tem filhos, também tenho”. Ela falou “deste
mal informada. jeito você não vai ganhar dinheiro não, tem que vir com
Em 1983, arrumei outro namorado, primeira rela- roupa curta, saia curta”. Recebi o acerto da firma, com-
ção sexual, engravidei de novo. Aí era o terceiro filho. A prei saia curta e fui trabalhar. Comecei a ganhar dinheiro,
empresa onde eu trabalhava perdeu o contrato; a firma paguei jardim para os meus filhos. Fiz casa, dois cômo-
que entrou fixou os empregados antigos. Eu não podia ser dos. Mas eu ficava a noite toda na rua, batalhando, só ia
fixada porque estava grávida. Ganhei menino, fiquei três embora 6 horas: chuva, frio. Eu fui cansando, aí comecei
meses de licença, voltei a trabalhar e aí eles me manda- nos hotéis da Guaicurus. Só na Guaicurus fiquei 25 anos.
ram embora. Eu, com três filhos, desempregada. Comecei Na rua, teve muita briga comigo. As mulheres antigas

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brigavam muito comigo. Depois elas se acostumaram. deitada. Vi uma mulher do hotel gritando, aí fiquei em pé
No meu primeiro dia na zona boêmia, eu subi e um na porta para ver o que tinha acontecido. Ela gritando e
homem lá falou “veio procurar quarto?”. Falei “vim, né”. falando que tinham roubado o dinheiro dela todo, e ela
“Cadê seu lençol?” Eu falei que não trouxe não. “Cadê guardava o dinheiro debaixo da cama. Vi outras mulheres
toalha, sabonete, papel toalha?” Não tinha levado nada, comentando que o homem tinha roubado a calcinha dela
porque não sabia que precisava. O homem me arrumou trabalhar; outras reclamavam que eles roubavam sutiã,
tudo e fui para o quarto. “Tem que ficar só de calcinha e outras que eles roubavam consolo. Aí eu pensei “nossa,
sutiã”. Abri a porta, um tanto de homem parado em frente esses homens roubam tudo, vou malocar meu dinheiro,
à minha porta. Fiz uns programinhas, mas é muito dife- só vou deixar uns trocadinhos para dar troco”. Quando
rente trabalhar na rua e no hotel. No primeiro dia, fiquei os homens entrarem no quarto, vou ficar de olho neles
umas três horas apenas, não quis mais ficar. Falei com o até irem embora.
homem que era o gerente, “estou indo embora, não vou Um dia, entrou um para fazer programa. Quando ele
ficar mais”. Nesse dia, ele nem cobrou a diária. As coisas tirou a blusa falou “saí da cadeia agora”. Aí eu falei que eu
foram se ajeitando. Não queria trabalhar na rua, porque também já fui presa e isso deu uma quebrada. Abaixou a
tinha de ficar a noite toda. Voltei para o hotel e fiquei tra- voz, fez o programa e pagou. Lembro de um que entrou
balhando. Eu me apaixonei quatro vezes. Eu achava que e falou “eu moro na Cabeça de Porco, Cabeça de Porco é
só se amava uma vez só, e não – eu amei e me apaixonei favela perigosa”. Quando ele fechou a boca, eu falei “eu
quatro vezes. moro na Pedreira Prado Lopes”. Ele falou “você mora lá?”
Na zona, eu aprendi muita coisa, o negativo e o posi- Eu falei “moro”. “Você conhece fulano de tal?” Eu falei
tivo. Presenciei história verdadeira. Uma era de uma “conheci”. Aí ele abaixa o tom, transa, paga e vai embora.
mulher que trabalhava perto de mim. Ela tinha freguês Transei várias vezes com homem com revólver; deixa o
que vinha toda semana, fazia programa com ela e depois revólver em cima da mesa, eu nem pergunto se é polícia
falava “vou tirar você deste lugar quando eu receber uma ou malandro. Só uma vez que um deles me falou que era
herança”. Ele ficou falando isso durante um ano. Um dia, ladrão. Já transei com homem com faca – tirou a roupa,
quase chegando o Natal, ele chegou e falou “pode arrumar pôs a faca em cima do tênis e a calça por cima, mas ele
suas coisas, vim te buscar, porque recebi a herança”. Ela não viu que eu estava reparando. Pra esse, depois que
arrumou e foi embora com ele. vestiu a roupa, eu perguntei porque ele estava com faca.
Vou contar para vocês as experiências, malícia e mal- Ele falou que um ladrão o roubou na avenida Olegário
dade, que eu tive de aprender sozinha. Um dia um homem Maciel. Eu ficava bem atenta com eles... Se eu percebesse
entrou para fazer programa comigo, eu não tinha troco algum perigo, ia para perto da porta. Gostava de fazer
para dar a ele. Ele falou “vou descer lá embaixo, troco e amizade com as mulheres, porque elas também salvavam
trago o dinheiro para você”. Ele está até hoje trocando o a gente. Eu também, quando via o homem gritando com
dinheiro. Um dia eu estava deitada, porque eu trabalhava a mulher, “não vou pagar, não vou”, chamava o segurança

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ou o porteiro. Por isso, acho importante sermos amigas igual aqui: mora a família toda no lote, tio-primo-sobrinha-
umas das outras. -irmã”. Pensei “não vou não”. Teve um dia que ele chegou e
Na zona, a gente não pode ficar com medo de nada. Se falou “os pais dela estão esperando a senhora tal dia, vão
eles percebem que a gente está com medo, transam e não fazer até uma festa”. Eu não fui. Namorando ela, os pais
pagam, e ainda roubam. Nunca aconteceu isso comigo, dela o cobraram por mim e por outras coisas que acontece-
mas eu sei que já aconteceu com algumas mulheres. Outra ram com eles. Eles terminaram sem eu conhecer a família
coisa, não transo com homens casados que são vizinhos dela. Passaram-se uns meses, arrumou outra namorada e
meus. Eles chegam, falam comigo “quanto você cobra?”. não fui conhecer a família dela também. Arrumou outra,
“Não vou transar com você”. Ele fala “eu te dou mais”, eu ela me chamava, eu não ia. Eles já estavam juntos há 2
falo “não”, “pode transar com outras mulheres daqui, não anos e meio e eu não conhecia os pais dela. E ele começou
tenho nada com a sua vida”. Eu nunca contei para elas que primeiro, a irmã dela começou depois e a sogra já tinha
via os maridos na zona. E, por coincidência, na semana ido lá. Aí teve namorada do meu filho que sentou perto
seguinte fui fazer compras e a esposa de um deles falou de mim e falou “eu te chamo várias vezes para você ir lá
“S, você vai comprar, entra que te dou carona”. Entrei no em casa conhecer meus pais e você não vai. Minha irmã
carro dela, fomos conversando dentro do carro. Aí pen- tem pouco tempo e os pais dele já foram lá. Minha irmã
sei, “tá vendo, se eu tivesse ficado com o marido dela, não falou comigo que acha que você não gosta de mim”. “Não,
tinha coragem de pegar carona com ela”. Mas também não e isso não, porque estou trabalhando, fico um pouco
não comentei nada com ela. Uma das meninas falou sem tempo”. “Então vou fazer meu aniversário tal e espero
uma palavra: “submissa”. Mas eu a entendo. Esse mundo você lá”. Eu falei “eu vou”, e fui tremendo. Ela chegou me
nosso é muito louco. Eu, quando ia na formatura dos meus apresentando para todos os parentes, e lá fui eu para o
filhos, eu não ficava à vontade. Ficava pensando “será que marido da prima. A prima estava perto. Na hora que pegou
alguém aqui me conhece do hotel?” Ficava cismada. Na na minha mão ele falou “parece que eu te conheço”. Aí
minha cabeça, eles iam ficar gozando dos meus filhos, e eu eu disfarcei, “tem muita gente que se parece”. Sempre eu
não queria que eles passassem por isso. Naquele tempo, estava indo na casa da mãe dela, aí quebrou esse tabu.
não tinha a Aprosmig, não tinha estagiários, não tinha No começo, sempre escutava os conselhos das mais
ninguém para gente saber dos nossos direitos. Lembro experientes. Lembro que uma falou comigo “para não
uma vez em que meu filho – com 17 anos e meio – começou ter infecção urinária, você compra na farmácia Sepurin”.
a namorar uma moça em casa. Quando ele namorava já há Aprendi pela experiência que se o homem está com roupa
uns nove meses, sempre falava “mãe, os pais dela querem suja, largando serviço, não tem problema ficar com ele.
conhecer a senhora”. Eu falava “tá bom, qualquer dia eu Eu ficava com qualquer homem, de preservativo mesmo.
vou lá”. Aí pensava comigo, “não vou não. E se o pai dela já Só de conversar com o homem, eu sabia se ele estava
me viu na zona ou algum parente dela”. Perguntei ao meu bêbado, drogado ou se vai dar trabalho para mim. Do
menino se os pais dela é que moram no lote, “não, mãe, é bêbado cobrava adiantado. Bêbado não goza. Quando dava

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o tempo, eu falava “acabou o tempo, vai ficar?” Tinham uns “sou eu”, ela abriu. Quando abriu, o namorado da amiga
que ficavam, outros iam embora. Os que ficavam eu falava – que era traficante – entrou e enforcou ela. Ela morreu
“então levanta e pega o dinheiro, porque é adiantado”. Mas e eles roubaram o dinheiro. Eu conheci a que morreu e a
eu tinha muito freguês. Uns me davam material escolar que matou. A polícia prendeu todos os envolvidos. Na hora
para os meus filhos, davam presente, cesta básica. em que ele estava a enforcando, tinha uma mulher dando
Não pode falar com ninguém quanto você ganha. descarga para ninguém escutar o barulho. O traficante
Porque, no hotel, trabalhava uma mulher que, eu acho, foi preso, mas depois foi solto. Eles o mataram porque ele
era do Espírito Santo. Ela trabalhava no hotel Brasil, aí ela estava devendo droga. Essa mulher, que deu todas as dicas,
mudou de hotel, foi para o Imperial. Ficou trabalhando a polícia sumiu com ela. Eu nunca mais a vi.
um mês, mas estava chegando o Natal e, no Natal, o hotel Na zona, eu não escolhi homem para transar. Quem
não ia abrir. Ela tinha uma colega que conheceu na zona e escolhe muito, na hora do almoço e na diária não vai ter o
tudo ela falava com ela. Falou para a colega “vou arrumar dinheiro. Transava com novo, idoso, deficiente, com qual-
um lugar para eu dormir e ficar o dia inteiro, porque o quer um; chulé, quando acabava eu abria a janela e pas-
hotel só vai abrir no dia 26 de dezembro”. Mas ela já tinha sava desinfetante.
falado com a colega dela que já tinha arrumado vinte mil Vou contar para vocês meu envolvimento com droga
reais, mas precisava mais para fazer a festa de 15 anos da na prostituição. Maconha fumei três vezes. Não gostei,
filha dela. A colega dela namorava um traficante e comen- quase morri, meu coração acelerou. Cocaína cheirava só
tou com ele do dinheiro que ela tinha. Ele falou “vamos quando o freguês trazia para cheirar. Eu cheirava uma
roubá-la, você falou que ela não tem onde dormir. Vamos carreira, mas não gostava, e nunca comprei nem maconha
chamá-la para ela ir para Motel Carmo, lá nós a rouba- nem cocaína. Uma vez, eu estava no quarto, aí chegou
mos”. Aí ela com a amiga “olha, você não tem onde dormir, um rapaz falando “eu vendo comprimido, você não vai
quando o hotel fechar, eu sei de um lugar tranquilo. Fico engordar e vai ficar mais animada”. Eu falei “me dá dois”,
aqui na zona, mas durmo lá todos os dias. Se quiser, eu sempre fim de semana eu tomava dois. Eu trabalhava no
te levo”. Aí ela “quero sim, à noite você me chama que eu hotel Brasil e lá fechava às 2 horas da madrugada, sexta e
vou com você”. Ela arrumando a bolsa dela e falou com sábado. Porque, antigamente, eram só onze hotéis e eles
a amiga “vou guardar este dinheiro direito, é para fazer fechavam meia-noite, aí era muito homem que subia. O
a festa da minha filha de 15 anos e ainda falta”. A amiga rapaz passou vendendo um comprimido capetinha. Ele
já tinha visto onde ela tinha guardado. Elas foram para era vermelho. Eu tirava a bolinha da cápsula e tomava com
Motel Carmo. Chegaram, o porteiro deu a chave a ela, eles água. Ficava muito doida, transava várias vezes e não can-
foram jantar juntos, ela voltou, tomou banho. Quando deu sava, guardava dinheiro. Só que, quando fechava o hotel,
uma hora, não sei a hora certa, foi depois de uma hora, a ia tomar banho, deitava na cama, não conseguia dormir.
amiga dela bateu no quarto dela. Ela já estava dormindo. Fechava os olhos doida para dormir e não conseguia. Via
Ela bateu, acordou e falou “quem é?”. A amiga dela falou o dia amanhecer sem dormir. Então era sábado de manhã,

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o hotel já aberto e lá eu deitada, toda amarrotada, porque viciada. Teve um sábado que desci lá embaixo e comprei
não tinha dormido à noite. O que eu tinha ganhado à meu almoço. Até hoje me lembro do almoço, marmitex,
noite, perdia no outro dia, porque não trabalhava. Pedia quentinha. Era arroz, maionese, carne assada, farofa.
para o fazedor de mandado buscar miojo completo para Comi quatro colheres, aí bateu no meu quarto, perguntei
mim, porque comida normal não descia. Ia enrolando o quem era, ele falou “fulano de tal”, era o traficante. Parei
dia e tendo prejuízos, porque sábado de manhã é bom o de comer e comprei a droga. Fui até 2 horas sem comer e
movimento. Quando dava 4 horas, comprava o compri- só comprando droga.
mido e tomava, aí eu começava a trabalhar de novo. Uma vez, foi eu e dois rapazes comprar droga na favela
Teve uma tarde que uma conhecida da zona me cha- Nova Granada. A gente dava o dinheiro e ele dava a droga.
mou no quarto dela e falou “S, eu uso isso para eu traba- Ele não me via, nem eu o via. Só que nesse lugar não tinha.
lhar. Experimenta para você ver”. Nem sabia direito como A gente rodou a favela toda, procurando até achar. Fomos
que usava aquela droga, mas ela me ensinou, “é assim, em outras favelas, onde o beco não tem luz, tudo escuro.
olha, você faz assim, e assim”. Ela me deu umas quatro Perdi muitas conhecidas por causa da droga. Ficavam
vezes. Alivia rápido. Fui lá no quarto, pedi a ela, ela falou devendo traficante e eles matam. Tinha uma que quando
“eu não tenho, mas o rapaz vai me levar na favela para eu comecei a usar essa droga ela já usava e a gente usava
buscar, você vai com a gente e compra, ajuda na gaso- juntas. Vou usar. Depois se acha que tem gente perse-
lina”. Eu falei “fechou, quando ele chegar, se eu estiver guindo; acha que tem polícia no corredor. É muito ruim,
ocupada, você bate”. O rapaz chegou e eu fui comprar e eu só emagrecendo. Fui ao médico e ele falou “você está
outro tipo de droga. Fiquei viciada. Ia na favela com- muito abaixo do seu peso, vai pegar seu peso”. E eu só
prar. Se algum homem tivesse, trocava sexo pela droga. usando essa droga maldita. Uma vez, fui tomar banho
O hotel em que eu trabalhava passou a ter muitos trafi- e notei um caroço no meu seio. “Opa, o que é isto?” Fala
cantes vendendo essa droga. Só que, quem usa essa droga, na televisão que qualquer caroço no seio tem que ir ao
perde o respeito. Lembro de uma noite em que eu estava médico. Eu fiz exame, fiz biópsia. Deu que era benigno e
com a porta aberta e o traficante entrou com revólver e estava do tamanho de um caroço de feijão. Eu falei “tem
copo de bebida. Simplesmente entrou com um tanto de que tirar, falam na televisão que não pode deixar”. Fiz mais
droga para enrolar, para vender. Eu ficava pensando, “meu exames, mamografia, aí eles resolveram tirar o caroço. Eu
deus, se a polícia chegar, vai me prender por este tanto de com ponto no seio e querendo usar droga. Só não usei
droga”. Ele enrolava e ia embora. Um outro que vendia porque não encontrei. Eu estava em casa, um ano depois
droga para mim falou “eu consegui casa, carro, moto, vida que eu tirei o nódulo e ainda estava na droga. Caí de cama
boa em menos de um ano, só vendendo droga”. Esse era em casa, fiquei muito doente, não conseguia levantar. No
discreto, educado; se eu tivesse ocupada, ele me esperava quarto dia, eu falei “tenho que ir ao médico”. Levantei 5h30
para vender droga. Algumas mulheres o chamavam para da manhã, subi o morro para pegar o ônibus, porque eu
transar e ele “não, estou esperando a S”. Mas fiquei mesmo pegava na BR. Toda hora eu sentava porque meu corpo

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estava muito ruim. Cheguei lá em cima 6h15 e peguei o buscava todas as noites. Quando ela chegou lá em casa,
ônibus, parei quase na porta do hospital. Fui falar com a conversa vai, conversa vem, ela era cunhada da minha
moça “onde faz a ficha?” Ela falou “aqui está de greve, vai colega; ela foi muito generosa comigo. Chegava para apli-
lá na Santa Casa”. Eu fui na Santa Casa. Cheguei lá, eles car a injeção, tirava minha pressão primeiro. “Gente, eu
falaram “não estamos atendendo, vai no Odilon Behrens”. não tinha dinheiro para pagar conta de luz, água”. Falei
Eu cheguei lá eram 7h da manhã e não tinha dinheiro para com meu cunhado para ele pagar que depois eu o pagava.
ir ao Odilon. Voltei para a clínica que estava de greve e Geladeira vazia. Passou uma mulher vendendo iogurte, de
fiquei sentada. Chegavam idosos, outras pessoas, e a moça morango e de coco, e pagaria dali um mês. Comprei, enchi
falava “estamos de greve”. Eles iam embora e eu fiquei a geladeira. Iogurte. Ficava olhando para os meus filhos
sentada lá, porque estava passando muito mal e não dava e família, todo mundo preocupado. Eu sentava e pensava
para eu voltar para casa daquele jeito. Quando foi quase “eles nem sabem porque eu estou doente”. Foi por causa
meio-dia, a moça de manhã saiu para almoçar e a outra da droga. Pensei “vou parar, meus filhos precisam de mim”.
moça sentou lá. Eu levantei e falei com ela se tinha jeito de Na época, eles eram adolescentes e o mais velho era jovem.
me atender que eu estava passando muito mal. Ela falou Tomei as injeções todas, fiquei mais forte. Fiquei vinte
“espera aí que eu vou perguntar direito”. Falei com ela “vou dias em casa. Aí fui para zona de novo, pensei “não vou
sentar no banco porque não estou conseguindo ficar em para o hotel Brasil não, porque lá tem muito traficante.
pé”. Ela saiu lá de dentro e fez sinal para mim. Fui até ela Vou para o Imperial”. Assim eu fiz, fui para o Imperial,
e ela falou “pode entrar”. Eu entrei e fui para uma sala. Lá fiquei quietinha no 3º andar. Arrumei um dinheirinho, fim
estavam o médico e os alunos dele. Eu fiz exames, raio X, de semana voltei para casa. Não ganhei muito dinheiro
e deu que eu estava com pneumonia muito grave e sinu- não, porque estava muito magra. Depois voltei para o
site. Eles me perguntaram se eu bebia ou usava droga. Eu Imperial para ficar quinze dias. Estou lá tranquila quando
falei “uso droga, uso pedra”; eles falaram “crack”. O médico chega um freguês que usava crack. Quase todos os dias ele
falou “você vai ter que escolher, ou morre ou vive. Para ia lá, levava, aí eu usava com ele. Foi embora. Passaram-se
viver, vai ter que parar de usar droga. Nós aqui vamos três meses depois da pneumonia, fui para o hotel Brasil
dar a primeira injeção, você vai levar a receita e serão 19 de novo. A maioria dos traficantes estavam presos; só
injeções, de manhã e à noite”. Eles me liberaram 7h da havia dois. Chegou um e falou “você vai querer?”. Eu falei
noite. No outro dia, já em casa, pedi a meu filho para ir no “não”, ele foi embora. Depois chegou o outro e eu falei
posto pegar. Ele trouxe o remédio, mas esqueceu de pedir “não quero não”. “Vou vender não, tem aqui para nós dois”.
a seringa e a agulha. Voltou lá e trouxe seringa e agulha. Ele entrou, eu usei. Depois ele voltou, “quer comprar?”, eu
Eu não tinha dinheiro e a família preocupada com minha comprei. Fiquei usando depois que o hotel fechou, não
doença. Não tinha ninguém para aplicar a injeção. À noite, dormi direito, fiquei me sentindo culpada. Lembrei do
minha irmã ligou para uma outra e ela achou uma mulher que o médico tinha falado e me deu uma revolta. Pensei
para aplicar, mas ela não cobrou nada. Meu cunhado a “meu Deus, meus filhos ainda precisam de mim, tenho

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que parar com essa droga”. Quando foi à noite, ele deu um
passo no meu quarto, eu falei “nunca mais você entra no
meu quarto. Não vou usar droga nunca mais”. Aí eu parei,
nunca mais usei. Foi embora e voltou na outra semana.
Quando cheguei era sábado à tarde no hotel. Uma conhe-
cida minha falou “S, lá no jogo do bicho tá tendo mega
bicho, 4-5-6 você ganha. Eu joguei e ganhei dinheiro bom.
Paguei minhas dívidas, paguei meu cunhado. Fiz compras
para casa. Só sei que nesse jogo eu ganhei cinco vezes.
Minha vida melhorou muito depois que eu parei de usar
droga. E sabe aquele rapaz que tinha moto-casa-carro?
Perdeu tudo, foi preso e perdeu tudo.
Hoje eu estou fazendo 60 anos. Era para eu ter um
carro na garagem, casas alugadas, mas droga, bebida e os
namorados da zona me atrapalharam um pouco. Mas não
tem problema. Hoje eu estou com saúde, os filhos criados,
todos moram perto de mim – só um mora comigo. Agora
sim eu estou mais perto da família, participando mais com
a minha família.

23/04/2018

24
Camila P.
GP.

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1. Alguns homens me procuram somente para conversar.
Me pagam pelo diálogo que não conseguem ter em casa.

2. Brochar é mais normal do que você pode imaginar.

3. Garotas de programa conseguem ganhar tanto dinheiro


porque realizam fetiches que os homens não têm coragem
de confessar a ninguém.

4. Tem muito homem do tipo machista que procura uma


garota de programa para ser passivo. Muito mesmo.

5. A história de que uma mulher sempre faz sexo oral


melhor em uma mulher do que um homem é mito. Já
testei. Essa teoria nem sempre procede.

6. A maioria dos puteiros têm problemas com roupa de


cama e, muitas vezes, os lençóis são trocados uma vez por
dia. Tudo em nome da economia.

7. Uma média de 75% dos homens que nos procuram são


casados. Outros 10% são noivos ou namoram.

8. As explicações que os homens comprometidos dão


sobre procurar uma garota de programa geralmente são
duas: enjoaram do sexo com a mulher ou têm vergonha
de revelar suas fantasias.

9. O pior é o dia em que uma garota de programa sai da


16 fatos zona só com o dinheiro da passagem.

que passam na vida 10. O horário do almoço: tem garota de programa que nem
de uma garota de programa almoça ou não tem o dinheiro ou não pode gastar.

28
11. Tem homem que faz programa diferente, estranho.
Eu, como garota de programa, não gosto e às vezes tenho
medo de morrer.

12. Acreditem: tem homem que pede para transar sem


camisinha, mesmo sabendo dos riscos.

13. O segredo de um oral bem feito é a vontade e a atitude.


Preguiça é algo que não pode existir na vida de uma GP.

14. A época do 13º é quando temos mais procura.

15. Se você acha que a vida de uma garota de programa é


fácil, experimente transar cinco vezes por dia.

16. As coisas na vida dependem sempre de um ponto de


vista. Pergunte, por exemplo, a uma GP o que ela pensa
sobre quem transa com várias pessoas sem cobrar.

Tudo
Serei um pouco de tudo
Um pouco do melhor deste mundo
Cabe em mim tudo que é luz
Que ensina e que conduz
Serei: sempre evolução.

30
Namorada

Garota de programa
só é traição
se sua namorada
for real.

32
Blanca
“Capitu, apesar daqueles olhos que o
Diabo lhe deu... Você já reparou nos
olhos dela? São assim de cigana oblí-
qua dissimulada. Pois, apesar deles,
poderia passar, se não fosse a vaidade
e a adulação”.

Dom Casmurro, 1899, de Machado de Assis

34
Ele chega, com uma sacolinha das lojas Americanas.
Com Rafaello (eu amo e ele sabe) e três barras de Diamante
Negro. Ele me abraça. Me beija. Afinal, além de cliente,
somos amigos.
Ele conhece a Pâmela.
Ele é do tipo de cliente para quem não sei mentir. Ao
olhar nos meus olhos, ele conhece o fundo da minha alma.
Talvez porque é muito parecido comigo. O que ele menos
está preocupado ali é com o sexo.
Moreno, malhado, um sorriso que me entorpece. Diz
que estava com saudades e logo caio em seus braços,
dando um beijo, daqueles cinematográficos. Geovane é
tão perdido quanto eu. Por isso acho que a gente com-
bina tanto.
Ele senta na ponta da minha cama. Entrelaço-o por trás
com as minhas pernas. Na verdade, eu faço isso com todos
que chegam ao meu quarto. Dá uma espécie de aconchego
misturado com sensualidade. Ele passa os olhos no meu
quarto, repara o Albocresil em cima da estante. Pergunta
se estou com algum problema ginecológico.
Olho para ele com um tom irônico e peço para ele
examinar com a língua, já que está tão desconfiado. Ele
levanta as sobrancelhas e ri. Geovane é minha versão
feminina. Ele não sabe, mas eu daria para ele o dia todo
de graça. Noto que ele trocou o perfume. Já o disse o quão
Geovane sou ligada em cheiros. Ele me dá um beijo na testa e repara
que meu cabelo cresceu. Que estou mais magra. Agora ele
está desabotoando meu babydoll.
Sexto cliente do dia (e ainda não é nem meio dia). Ele beija meu corpo todo. Eu me viro num movimento
Estava deitada, de bruços, como sempre. Olho alguém surpresa e fico por cima. Ameaço chupar o pau dele sem
parado me observando na porta. Quando olho para cima colocar camisinha. Ele me segura pelo cabelo e me dá um
chego a ter até um frio na espinha. tapa de leve em minha cara. Ele é extremamente vaidoso
Geovane, 27 anos. e um nojo com esse pau dele. E, claro, só ameaço chupar

36
ele sem nada porque sei que vou o irritar. “Uma hora, prostituta. Quando estou com ele, vejo o quanto sou
quando você menos esperar, vou sentar com força, sem perigosa. O quanto um bom sexo é perigoso. Ele me faz
camisinha”. entender o motivo pelo qual meus clientes me esperam
Com Geovane não tem nada que eu possa fazer que na porta por horas corridas.
ele não conheça. Ele conhece muito meu universo. Afinal, É muito louco essa coisa que temos. Com ele não
está infiltrado nele. Geovane que é Geovane para mim é adianta fingir que gozei ou dar aquela travada com a
Bernardo para seus clientes. buceta na ponta do pau dele. Ele tem o total controle da
Ele é garoto de programa. E dos bons. Ele é o único situação. E me olha com superioridade, da mesma forma
cliente que quando fico de quatro não me preocupo se a que eu olho para meus clientes. Ele é superior. Afinal, eu
camisinha vai sair. Afinal, ele é ainda mais chato do que eu. que gozei primeiro.
É muito louco isso, né? Ele come e dá para outros caras. Ele é superior, mas paga por isso. Ele que me faz gozar
Pega o dinheiro para gastar com uma prostituta. Segundo ou eu que estou recebendo para ele me fazer gozar e ser
ele, Pâmela é a melhor terapia que ele já fez até hoje. Ele, ao superior? Não há nada que eu faça que o surpreenda,
contrário de mim, se deprime porque tem essa profissão embora, ele diz, o jeito que eu faço é diferente.
e fica na dúvida se é gay ou não. Ele pode até me fazer ter orgasmos, mas, a pomba gira
– Eu como outros caras pensando em você. aqui é das boas. O santo é forte.
– Então, meu amor, você não é gay. Isso é trabalho. Ele goza e ainda diz que gozou porque quis.
– Cê tá rebolando muito forte, a camisinha vai estourar. Eu o questiono e pergunto por que ele está lá na zona.
– É essa a ideia, haha, quero te dar um filho! Me responde que eu sou macumbeira. Ainda bem que ele
Ele me trava com as pernas. Ele sabe exatamente sabe. Nós rimos. Ele me paga. Diz que volta. Eu afirmo
quando eu estou quase gozando sem eu dar uma palavra. que volta. Ele diz que eu sou tipo uma droga. Que vício.
Com o Geovane não tem buceta travando certa. Não tem Eu respondo que coloco cocaína na pepeca. Eu tomo um
garganta profunda certa. É realmente pau a pau. Parece banho. Ele desembaraça meus cabelos com a escova. Eu
até uma disputa de ego. Para ver quem é o mais gostoso desembaraço todo aquele psicológico dele. Que é tão
e quem aguenta mais. fodido quanto o meu.
Ele para de me comer. Enfia os dois dedos exatamente
no meu ponto G.
– Isso é pra você aprender a não se achar tanto.
Vou para o céu. E quando estou toda mole, ele enfia o
dedo de novo.
– Isso é pra você saber quem é teu homem.
Ele não me faz gozar. Me faz ter orgasmos.
Ele se prostitui para vir fazer “terapia” com uma

38
Dormi com o estômago roncando e acordei com uma
dor de barriga dos infernos. Não saí de casa nos próximos
três dias: sem amor, não tinha vontade de tomar banho
nem de escovar os cabelos. Não queria olhar o céu e nem
os olhos das pessoas. No quinto dia sem amor, não quis
abrir as pálpebras muito menos as janelas da casa.
Prestes a perder as forças, olhei para a mesa e resolvi
tentar de novo. O estômago reclamou, mas não devolve.
O intestino resolveu não opinar. Fui dormir indigesta e
ao mesmo tempo aliviada. Pela manhã, as maquiagens
do banheiro voltaram a fazer sentido. As roupas no chão
pediram para serem penduradas. A maçaneta da porta
pedia para ser girada e eu obedeci.
A cada passo, sentia o estômago revirar, mas também
sentia que estava viva. Segui na rua disfarçando uns arro-
Bolo tos enquanto olhava vitrines.
À noite, resolvi encarar o bolo de novo.
Pedi um amor e ele me deu um bolo mofado. “Eu pedi Ele não pareceu tão ruim quanto no dia anterior. Na
amor”, disse. verdade, olhando de lado nem dava para ver a parte feia.
– Isso é amor. Segui comento o bolo, segui com o estômago revirado e,
– Mas não vai me fazer mal? mais importante, segui com vontade de entrar no ônibus
– Talvez. e pagar minhas contas.
Olhei de novo e percebi uma larvinha de mosca saindo Até que o bolo acabou.
da cobertura. Preocupada, fui até ele pedir mais amor. O bolo que
– Vai querer ou não? – Ele olhava a larva também. ele me entregou estava coberto de moscas.
– Não sei. – A larvinha agora afundava cada vez mais - Está fedendo demais. – comentei.
no bolo. - É o que eu tenho.
– Eu não vou ficar parado o dia todo aqui, sabe. Não consegui colocar sobre a mesa da sala já que atraía
Lembrei que não sabia cozinhar e levei o bolo para a mais moscas. Botei dentro do forno e cortei uma fatia:
casa. Primeiro tentei tirar tudo que se movia na cobertura, o cheiro era insuportável. Tampei o nariz, aproximei o
mas era impossível. Me contentei em raspar o mofo, fechar garfo da boca, tentando não mastigar as moscas mortas.
os olhos e engolir uma garfada. Sabendo que não poderia ficar sem amor e nem me livrar
Vomitei. de todos os insetos, engoli. O estômago não roncou nem

40
a garganta contraiu: já estavam habituados.
Quando o amor acabou, ele me entregou um prato
fundo.
– Mas isso é vômito!
– Eu chamo de amor.
Entendi que era bolo vomitado e resolvi guardar na
geladeira. No dia seguinte provei uma colherada antes
de ir trabalhar e, para a minha surpresa, eu já não sentia
mais gosto de nada. Tomei outra colherada à noite, para
garantir que iria ter vontade de tomar banho e sair com
meus amigos.
No dia seguinte tive um pouco de febre, mas segui
dando umas colheradas.
Dois dias depois, a cabeça doeu.
A febre voltou.
A garganta inchou.
Sem conseguir engolir o amor, fechei as cortinas e
esperei a morte bater. Quando ouvi o som da campainha,
suspirei aliviada.
Mas não era ele.
Não era alguém que eu conhecesse. Um ar de esqui-
sito, braços tatuados e trazia um prato com uma espécie
de massa branca. Leve, limpa, tinha cheiro de primavera.
– Isso não é amor. – Eu disse.
– É amor, sim. – Parecia surpreso.
– Não, não é. – Eu ri.
Os olhos dele encheram de lágrimas. Antes que eu
pudesse mudar de ideia, pegou a torta de creme e deu
pedaço por pedaço em minha boca.

42
Pois bem, seguia meus dias assim, cercados de
monotonia e comodismo, até que um dia fui con-
vidado por amigos a ir aos hotéis da zona boêmia
de Belo Horizonte, coisa que não fazia desde a ado-
lescência. Nunca tinha visto “graça” em ir a esses
lugares e pagar por sexo; não entendia como alguns
homens, mesmo com mulheres “bacanas” em casa,
iam a esses lugares para fazer sexo com uma pessoa
desconhecida. Não entendia a graça até me ver na
situação de muitos deles, vivendo em um relaciona-
mento sem paixão.
Nesse primeiro retorno aos hotéis vi algumas
garotas realmente lindas que, fora daquele contexto,
muitos ignorantes e machistas classificariam como
sendo “meninas pra casar”. Porém nessa primeira
ida não tive coragem de fazer nenhum programa.
Alguns dias depois, voltando para casa sozinho,
resolvi dar uma volta por lá, onde acabei encon-
trando uma garota cujo nome não me recordo, que
era muito bonita e bastante simpática, acabando
por me convencer a fazer um programa com ela.
Depois dessa primeira experiência, acabei frequen-

Beijo
tando esses hotéis de forma mais rotineira.
Em um dia, como outro qualquer, acabei indo
em um desses hotéis como quem não quer nada,
Como mais um clichê dos dias atuais, seguia mais para matar o tempo do que realmente para
eu minha vida monótona e cômoda: uma compa- fazer algum programa, até que eu vi uma garota
nheira, alguns animais, casa, carro e nenhuma feli- que de algum modo me chamou atenção. A princí-
cidade. Não em razão de algum problema pessoal pio fiquei meio sem jeito e confuso, passando pela
com a pessoa com quem partilhava meus dias, mas sua porta algumas vezes. Lembro que ela estava dei-
por conta do motivo pelo qual estávamos juntos e tada, muito bonita, lendo um livro. Tomei coragem,
insistíamos em não aceitar o fim: comodismo. Sim, fui até sua porta, conversamos um pouco e combi-
o fator que hoje em dia une muitos casais. namos como seria nosso programa. Ao entrar em

44
seu quarto começamos a conversar. Ele disse seu era apenas tesão, mas de certa forma isso criava um
nome, mas prefiro chamá-la de “Paixonite”. Durante conflito em mim e meu subconsciente tentava negar
a conversa percebi que tínhamos algumas coisas em esse sentimento.
comum. Após um breve banho, ela saiu do banheiro Alguns meses depois, mesmo fazendo programas
e começou a passar um hidratante em seu corpo, com outras garotas, Paixonite ainda povoava meus
me dando a oportunidade de admirá-la, e ela era pensamentos. Eu não conseguia esquecer aquele
realmente linda! beijo! Andava pelos corredores e sempre que via
Ao me aproximar fiquei embriagado pelo seu per- alguma garota com o tipo físico parecido com o
fume e quando senti o toque da sua pele foi como dela ia correndo em sua direção, na esperança de
se uma corrente elétrica atravessasse todo o meu ser Paixonite. Já havia perdido as esperanças até
corpo. Nunca havia experimentado tal sensação e que, um dia, já conformado, ao passar por um corre-
fui me deixando levar. Beijei seu pescoço, seu rosto dor, vejo uma garota em um quarto deitada e lendo,
e acabei lhe dando um leve beijo nos lábios. Pensei muito parecida com Paixonite. Parei no corredor
que ela iria reclamar e até brigar comigo, mas para e pensei “não é ela”. Voltei a caminhar, mas uma
minha surpresa ela me puxou e me deu um beijo. voz me dizia para eu voltar e conferir, e eis que era
A partir daquele dia nunca mais esqueci aquele Paixonite! Tentei disfarçar minha felicidade em revê-
beijo. Fui para casa e a rotina voltou ao normal, -la, mas sei que foi em vão. Porém, ao ver sua reação
quer dizer, quase ao normal, pois aquele beijo insis- e perceber que ela também estava feliz em me rever,
tia em voltar aos meus pensamentos. Resolvi vol- isso me deixou nas nuvens.
tar ao hotel para rever Paixonite, mas confesso que
fiquei com medo dela não se lembrar de mim. Eu Estar com Paixonite sempre foi algo muito inco-
mais parecia um adolescente indo encontrar com mum, era como se eu a conhecesse minha vida toda.
sua paixão de escola e quando a vi, para minha sur- Era tão familiar seu toque, a maneira como nos
presa e alegria, ela se lembrou, deixando até trans- encaixávamos; era algo que eu realmente não con-
parecer um pouco de alegria em me ver. seguia explicar. Voltamos a manter uma constância
Depois do segundo encontro, minhas “visitas” à de encontros. Até que em uma tarde de novembro ela
Paixonite se tornaram mais corriqueiras, até que me disse que no final de 2017 iria parar, que voltaria
um dia, ao voltar ao hotel, ela não estava lá. Várias para sua cidade e teria uma vida “normal”. Apoiei
semanas se passaram sem eu vê-la ou saber notí- sua decisão, pois apesar de saber que nunca mais
cias suas. Confesso que fiquei um pouco abalado, a veria e que isso partiria meu coração, sabia que
mas aceitei o fato, afinal, esse seria o destino mais isso era o certo a se fazer. Ao longo de dezembro
óbvio. Que futuro teria essa relação? No fundo sen- fui me preparando para a despedida que ocorreu
tia alguma coisa a mais por Paixonite, sabia que não próximo ao réveillon. Nunca vou esquecer daqueles

46
momentos e do prazer (em sentido amplo) que senti
naquele dia. pela traição e vergonha que a fiz passar, e Paixonite
pelo fato de eu ter mentido que era solteiro e, de
Fui para casa arrasado, mas não entendia o por- certa forma, também a traído. Eu também fiquei
quê. Na verdade, eu entendia sim, mas minha cons- arrasado. Nunca tive a intenção de magoar nin-
ciência insistia em negar o que eu sentia. Antes de guém, mas minha covardia acabou machucando
ir embora trocamos contatos, mas imaginava que duas pessoas. Pedi perdão e fiz de tudo para dimi-
ela nunca entraria em contato comigo. Eis que na nuir o transtorno para ambas e me afastei.
virada de ano recebo uma felicitação que nunca Apesar do meu afastamento e de tudo que pas-
esperei: era Paixonite me desejando um feliz ano sou, confesso que ainda pensava muito em Paixonite.
novo. Fiquei receoso, mas respondi, e, quando nos Eu estava apaixonado por ela e não conseguia tirá-
demos conta, havíamos passado toda a madrugada -la de meus pensamentos, mas, atendendo aos seus
conversando. No dia seguinte, ao refletir sobre tudo, pedidos, não mais voltei ao hotel e nem tentei qual-
meu coração falou mais alto que minha razão e per- quer contato. Até que um dia, em pleno sábado de
cebi o que há muito eu já sabia: estava apaixonado carnaval, eu estava em casa, ainda magoado com
por Paixonite. tudo o que havia feito, e eis que Paixonite me chama.
Porém, como isso era possível? Tinha meu rela- A princípio pensei que ela pudesse estar planejando
cionamento, responsabilidades. Como viver essa alguma vingança ou algo do tipo, mas eu estava
paixão? A princípio fiz o que a maioria das pes- apaixonado e louco para vê-la. Resolvi então aceitar
soas faria: fui covarde e neguei o que sentia. Disse seu convite e ir ao seu encontro. Hoje tenho certeza
a Paixonite que era melhor nunca mais nos vermos que foi a decisão mais acertada que tomei. Foi uma
e que deveríamos seguir nossas vidas. Não consigo noite maravilhosa, que se repetiu por quase todo o
descrever como isso foi difícil. Porém, o destino feriado. Percebi que tudo o que sentia por Paixonite
quando quer pregar uma peça... Eis que não resisti era recíproco, e que ela também estava apaixonada
e voltei a conversar com Paixonite. Nessa conversa por mim e que nós não conseguíamos mais parar
tomei conhecimento de que ela havia voltado para o de pensar um no outro.
hotel e resolvi voltar a me encontrar com ela. Numa Passamos a nos ver regularmente, agora fora
noite, minha companheira, já desconfiada em razão do hotel, hotel este onde Paixonite não mais vol-
do abismo que nos separava estar cada vez maior, tou a trabalhar. Passaram-se algumas semanas,
passou por mim e acabou descobrindo toda minha alguns meses e, sim, estamos juntos até hoje. E, sim,
relação com Paixonite. é uma história clichê de um cara que conhece uma
garota em um bordel e eles se apaixonam. E, digo
Ambas ficaram arrasadas: minha companheira mais, nunca estive tão feliz em toda a minha vida.

48
É, caro leitor, às vezes histórias românticas tipo as minha religião, suicídio é inaceitável. Eu me sentia um lixo,
dos filmes do Adam Sandler acontecem na via real. estava acabada psicologicamente e não conseguia acredi-
Eu não vim para me explicar. Nunca me imaginei em tar que alguém pudesse pagar para sair comigo. Porém,
tal situação que o destino me colocou e jamais imaginei o para manter a vida que eu levava e ajudar a minha família,
rumo que minha vida tomaria. Talvez, se me contassem o não tinha muitas opções. Perdi até a bolsa da faculdade;
que aconteceria comigo, com certeza eu iria rir, debochar era prostituição ou tráfico.
e, soberba do jeito que sou, iria querer pisar no destino, As contas não esperam e eu, prestes a me formar, sem-
nessas linhas que foram escritas certo, mas que, se não pre pensava que isso tudo acabaria. Por diversas vezes,
fossem tão tortas, não teriam se cruzado. no final do expediente, cheguei a tomar banho com cân-
Na vertente do sincretismo ketu, de origens africa- dida pois me sentia suja. Até entender que eu não estava
nas, sou filha de Iemanjá, e podem ter certeza que sou de tão errada, e me perdoava por tudo isso. Com o tempo
Iemanjá todinha. Até então eu morava muito próxima à me acostumei e eu era uma das garotas mais procuradas
praia, e sempre ia conversar com minha mãe, nunca me do lugar onde eu trabalhava. Ficava 15 dias aqui e 15 na
achei digna de pedir nada a ela, fora saúde e proteção. praia. Sempre fui muito profissional e estabelecia uma
No dia 31 de dezembro de 2017 foi diferente e, logo, vocês relação muito saudável com meus clientes – era muito
entenderão o porquê. difícil alguém sair insatisfeito do meu quarto. Até então
Eu tinha uma vida meio que “perfeita”, porém vazia. não sentia o peso da palavra prostituta: eu era meio que
Sempre que conversava com minha mãe eu me pergun- “namoradinha de todo mundo” com direito a ganhar cho-
tava o porquê. Morava em frente à praia, tinha um namo- colate e massagem. Eu era a rainha dos clientes estranhos:
rado que fazia tudo por mim, estudos e por aí em diante. muitos entravam no meu quarto só por atenção mesmo,
O que eu ainda não sabia é que meu “namorado perfeito” pra conversar, lamber meu pé. A Blanca agradava a quase
não passava de um manipulador e que eu vivia um conto todo mundo.
de farsas em um relacionamento para lá de abusivo. Um Minha rotina de garota de programa era muito orga-
dia, farta de tudo, pedi à minha mãe Iemanjá que se meus nizada, com direito a pró-labore e livro de caixa. Blanca
planos não coincidissem com os dela, que a vontade dela era uma empresa. Minha matemática era muito sim-
prevalecesse, só não sabia que ela levaria isso tão a sério. ples: 26x50 que daria uma média de R$1.300,00 ao dia.
Num lapso de brigas e insinuações sem fundamento, meu Geralmente batia essa meta sexta, sábado e segundas.
relacionamento acabou. Acreditem, foi aí que a minha No resto do tempo me contentava quando batia R$800,00.
vida começou. Isso era mais do que o suficiente para fazer meus planos e
Quando cheguei em Belô, era viciada em antidepres- ajudar minha família. Aliás, era mais que esperei ganhar
sivos. Todo tipo de remédios que você pode imaginar – em toda minha vida. Quando pensava o tanto que minha
misturava tudo. Na verdade, acho que queria morrer, mas mãe e irmã estavam precisando, a prostituição ficou uma
não era suficientemente corajosa para isso, até porque, na

50
coisa tão banal que eu tirava de letra. Eu era um perso- houve, mas não consegui disfarçar o sorriso. Eu decidi
nagem e ponto. parar em dezembro, que janeiro não voltaria, mas já estava
No dia 17 de maio, um dia como outro qualquer, mal apaixonada e não entendia o por que dele ter me dado um
sabia eu que tudo o que eu acreditava iria cair por terra, fora. Pasmem! O embuste era casado.
por causa de um beijo (iniciantes, não beijem!). Eu estava Era 2:36 da manhã e eu acordo assustada com uma
lendo deitada na cama e a regra na minha porta sempre ligação e, por incrível que pareça, era o cara que havia me
foi muito clara: se passar a mão em mim tinha que pagar dado um fora, na semana anterior. Eu acordo a Isadora,
o programa, afinal, não estava lá de graça. Estava lendo minha amiga, e mando mensagem para ele: “O que tu
“Gisele, a amante do inquisidor” – foi desse livro que tirei quer comigo?” Ele me enche de perguntas, mas como era
“Blanca” – quando olhei para a minha porta e vi um cara um fresco, seria bem a cara dele fazer isso. Quando ele
meio esquisito – mas, não sei explicar, parecia que eu o escreve “oque” junto já olho para Isadora e falo: “não é ele,
conhecia. mas vamos ver quem é”. Ela, a esposa, me chama para ir à
Nesse dia, já havia atendido 18 clientes, já era noite e casa dele, me confessa que ele é casado. Isadora, treteira,
eu estava com minha meta batida, mas estava com pre- já estava se trocando: “vamos lá, se ela tiver lá, arreben-
guiça de fechar a porta e nem era tão tarde assim. Ele me tamos ela”.
perguntou quanto cobrava para fazer um programa “mais Eu sempre durmo com música. A música que estava
tranquilo” e logo fechamos. Eu o acomodei em meu quarto tocando na hora era a poesia acústica do meu perfume,
e logo fui tomar um banho. Sempre fazia isso em progra- Poison Girl. Eu nunca mais usei aquele perfume depois
mas mais demorados, até porque eu sou muito olfativa e disso. Aquele perfume tem cheiro de “olha o que você faz
muito vaidosa nesse aspecto. Tomei banho olhando para na vida das pessoas, maldita”. Eu lembro de flashes de
o espelho. Vai que ele inventava de me roubar, né? mim, vomitando e chorando encostada na porta (coisa de
Cheguei perto dele e ele, muito atrevido, beijou minha canceriana que ama um drama) depois que ela desligou
boca (o erro mais certo de toda minha vida). Acabei bei- o telefone chorando também. Era uma angústia que se
jando de verdade (e que beijo!). Resumindo, ele passou a desatinava no meu peito e um sentimento de culpa.
virar frequentador do meu quarto. Quando fui para casa Caramba! Eu já estava apaixonada, e não sabia o que
fiquei uns meses sumida, mas pensava nele frequente- fazer. Ameacei ele de morte; ameacei quebrar o carro dele;
mente. Eu mal sabia o nome dele e ele só sabia que eu ameacei milhares de coisas e planejei outras milhões. Eu
era “Blanca” e, acreditem, foi o suficiente para eu me estava tão engajada numa vingança e estava gastando
apaixonar. tanta energia nisso que todos à minha volta já previam o
Na minha cabeça era brisa errada porque eu traba- que eu não queria ver: eu realmente estava apaixonada.
lhava muito chapada, mas todo mundo via que, sei lá, eu Até então, sinceramente, eu nunca havia sentido o peso
tinha um carinho pelo policial que acabou sendo minha da prostituição, até ver a moça com quem sem querer
paixonite. Quando o reencontrei não soube explicar o que eu fiz uma puta maldade. Minha amiga me convence de

52
que eu tinha que falar com ele. Na verdade, eu já estava
convencida, só queria que alguém me ajudasse. Amiga é
para essas coisas, não? Ela falou com ele e pasmem! Depois
de tantas ameaças ele foi me ver (cômico, né?). A minha
vontade era enfiar um machado na cabeça dele.
Chegou o carnaval: foda-se, vou meter o louco esses 3
dias. G. me chama para ir para o Rio. Um médico bonitinho
me chama para ficar com ele e eu decido viajar com minha
melhor amiga. Chegando lá, me dá a louca e volto para
casa. Eu sentia ódio porque estava morrendo de saudades
e não queria mais ninguém que não fosse aquele desgra-
çado. Ele fodeu com meu perfume e minha música, mas
a vontade de ficar com ele foi maior. Eu só não sabia que
essa vontade, esse borbulho todo, era amor. E foi por amor
que tive coragem de sair da prostituição de uma vez por
todas. Acho que se não fosse por essa paixonite, esse amor,
essa coisa que nem eu sei descrever, não seria tão forte.
De tudo que eu aprendi na vida só tenho duas coisas
a dizer: 1) nada é certo e 2) a vida sempre continua. E eu,
da forma mais louca e esquisita do mundo, encontrei a
pessoa que quero passar o resto dos meus dias. Portanto,
meninas, não beijem, não peçam nada a Iemanjá que vocês
realmente não queiram e, acima de tudo, não importa com
quantos você ficou, o que importa é o último.

54
S. P. S.
55 anos, mãe de um menino, avó de
uma menina. Sou profissional do
sexo, conhecida por Lu.
Largando a profissão.

56
Esta conversa levou a um namoro de 8 anos. Era pura
paixão! Eu era uma profissional do sexo, ele casado, pai de
4 filhos e avô. Foi uma paixão avassaladora. Eu, a MULHER
MAIS FELIZ DO MUNDO! Éramos só felicidade. Ele não
tinha hora para voltar para casa; eu me sentindo amada.
Foi aí que descobri que meu mundo era rosa. Minha vida
era amar e Ser amada.
De noite eu era Santuza. De dia a Lulu da Guaicurus.
Meu coração estava em festa, os meus familiares o ado-
ravam e éramos o casal nota 1000! Mas ele não sabia a
minha verdadeira profissão.
Barzinhos, motéis, passeios à beira da Lagoa da
Pampulha, idas ao aeroporto para olhar os aviões deco-
larem, almoços no Verdinho e jantar à luz de velas. Tudo
perfeito. Achei que estava grávida e ele feliz por ser pai
pela quinta vez.
Mas tudo que construímos sobre mentiras tende a ruir.
Meu mundo ruiu. Uma Mulher que trabalhava nos hotéis
nos viu e contou tudo para ele. O mundo é pequeno. Eles
se encontraram no Sacolão do Caiçara:
– Oi. Aquela mulher, a Lulu, que se encontrava de mãos
dadas com você é sua esposa?
– Não, ela é minha namorada.
– Você sabe onde ela trabalha?
– Ela tem uma pensão do ex-marido.
– Aquilo não passa de uma puta lá da Guaicurus. Vai
lá no hotel “tal” quarto “tal” que você vai ver a pensão.
Lulu ...
“DEUS, DEUS! Quem está na minha porta, parado,
– Oi, oi. Tudo bem? olhando para mim com os olhos cheios de lágrimas!”
– Tudo. Eu não falei nada, ele também não. Só nos olhamos.
– Tomando uma cerva? O mundo parou. Silêncio total. Nunca mais nos falamos.
– Muito calor! Gosto daqui muito. Mas a mulher que me entregou, eu a joguei debaixo de

58
um ônibus, mas Deus colocou sua mão e ela não morreu.
Nós, profissionais do sexo, vivendo em um mundo de
mentiras. Nosso mundo é construído assim: somos mar-
cadas pelo preconceito de nós mesmas. Não somos amigas
umas das outras, puxamos o tapete uma das outras, aí
sim achamos que somos felizes. Destruíram minha vida.
Nunca mais amei ninguém e agora sou somente a Lulu
do quarto 226.

Aquece sua alma


Descanse o coração
Tranquilize os pensamentos
Deixe Deus trabalhar
Ele não dorme
E da gente, sempre vai cuidar.

60
R. P. B.
Eu nasci no interior de Minas Gerais.
Perdi minha mãe com 8 anos de
idade. Fui criada pela minha avó. Fui
ensinada a ser independente desde
muito cedo. Comecei a trabalhar
com 17 anos de idade. Minha música
preferida é Os Anjos, d’O Rappa.

62
Palavra em movimento Um dia fui criança

Movimento a palavra amor em ações gestos canções. Um dia fui criança colhendo as estrelinhas
Movimento a palavra alegria em sorrisos abraços no azul da imaginação.
amigos. Eu era a poesia de viver uma vida sem
Movimento a palavra coragem em batalhas e intensa rancor. Metade de mim era música
liberdade. e a outra era amor, mas a violência
Movimento a palavra carinho quando pego a sua mão e já habitava o meu pequeno mundo.
sou
um abraço apertado que até escuta o som sonoro do Alcoolizada, espancada sempre
seu coração. subestimada, hoje eu cresci, mas ainda
Movimento a palavra chuva quando permito gotas de sou chamada de vagabunda,
carinho cair Vagabunda mesmo é arte que as pessoas conhecem
sobre um irmão. de falar tanta asneira.
Movimento a palavra tempo quando não me paraliso
diante Às vezes eu me disfarço de mar.
do triste momento e corro em direção ao sol esse sol, É para transbordar a liberdade
esse para não viver assim presa nas garras
que brilha na estrada e se chama amor! da maldade.
Movimento a palavra sonho quando sou movida pelo
desejo de vencer. Às vezes eu me disfarço de espelho.
Movimento a palavra estrutura quando permaneço É para ver se alguém se olha em
forte e inabalável mim e vê que por trás das pinturas
em meio à fúria do impetuoso vento. desse mundo a alma é um jardim.
E assim com força e pensamento eu movimento cada
movimento cada
Momento.

64
Mundo estúpido Meus gigantes

O preconceito é cego não vê a beleza da flor que vai Eu queria que o amor, a compaixão e a disciplina
além da cor além dos olhos além da dor. fossem estrelas guiando o meu olhar.
A misoginia é uma roda que esmaga mulheres todos os Mas, todos os dias, tenho que derrubar meus gigantes:
dias ignorância cega que nada constrói. preconceitos, violências, violações dos meus direitos.
Raio de sol é minha esperança corpo de mulher cora-
ção de eterna criança para me livrar da discriminação No mundo das aparências
tão vazia e tão fria é pura hipocrisia é pura estupidez ninguém vê meu coração,
mundo estúpido sem calor sem muito menos a música
Sensatez. que pulsa no meu peito.

Ainda bem que a esperança é raio de sol


nos meus dias de chuva
e a bondade é chuva nos meus dias de sol.
Sou a arte pintada pelas mãos de Deus,
um pequeno girassol.

Se não, o que seria de mim?


Apenas os cacos de tudo que se quebrou.
Por isso que eu prefiro minhas verdades
para viver de beleza
mesmo sob as sombras da
Maldade.

66
Pintura Viva Preconceito

Meu rosto é a pintura de um antigo pintor. Conceito pré-concebido se faz inimigo não pode ser
Minha alma é o mistério de antigo amor. amigo.
Quem é o homem para julgar a beleza da flor? Nas asas do sonho e da liberdade me abrigo é para fugir
do perigo,
Estou buscando o sol da minha liberdade, Que não ouve o meu clamor quando meu coração san-
mas é que ele só brilha em raios fúlgidos nos palácios de grando clama por justiça.
Brasília.
Se Deus não fosse a luz sol que brilha aqui dentro Preconceito é uma sombra dos olhos que não tem luz.
a vida seria tão fria. Eles julgam a beleza e regam com violência ao invés de
regar a alma com amor.
Eu sou uma flor rosa Maria de todas as Marias Às vezes o meu mundo fica sem cor, então eu me lem-
que como eu são subestimadas rotuladas julgadas sim bro de quem eu sou.
eu sou
flor Maria aquela que também teve seu sonho de amor Se o amor fosse a chuva que rega nossa semente
destruído pela violência. Talvez nossos bosques tivessem mais flores na prática e
não apenas no hino nacional,
Eu só acho agora que uma Mulher quando é vista Mas é que a prática é difícil quando a misoginia é uma
sozinha devia ser símbolo de independência e liberdade roda que esmaga Mulheres.
não de vadiagem ou de abandono.
E depois me perguntam por que sou feminista.
A primeira coisa que a Ignorância matou nesse mundo Feminista sim porque eu não posso aceitar que
foi a mulher. A maldade desse mundo me faça sangrar.
Sempre subestimadas sempre objetificadas sempre
negadas
e às vezes fazem isso em nome de Deus.
Deus não é misógino.
Melhor seria que aquele cristão cínico fosse ateu.

68
Mundo selva de concreto Autoestima

Para enfrentar a maldade do mundo tem que ser Quando tentarem te fazer chorar, cante.
Guerreira. Coragem, força, ousadia, disciplina. Quando tentarem te derrubar, se levante.
Mas muitos querem subestimar minha capacidade. Quando te rotularem, deixa a beleza
Sou fera, sou flor e sou de verdade. de dentro transbordar como se fosse
Mar. O que a bravura dessas águas vai
Eu me abrigo nas asas do sonho para fugir mostrar? Que as palavras se tornam
Do perigo. Eu me abrigo nas asas de Deus pequenas diante da real beleza.
Para fugir da maldade. Estou sempre
Fugindo, pois querem mutilar a minha Palavras apenas palavras pequenas.
Liberdade.

Eu me entorpeço de esperança e fé.


É para não sentir as dores. Pinto o
Meu universo de cores alegres.
É medo de chorar então vou me
Pintar me alegrar me curar.

Os violentos invadiram o meu íntimo


Jardim e arrancaram minhas flores.
Mas não estou só, o pintor das
Estrelas está comigo e é nas asas
Desse velho amigo que eu me abrigo.
Deus não quer o meu sexo, quer o
Meu sorriso.

70
Estigma É fácil julgar difícil e viver na minha pele enfrentar
minhas batalhas
onde a injúria corta como fio de navalha para ser eu
Um sinal uma marca ou uma cicatriz mas quem vê os tem que ser
sinais de fibra de raça de cristal se quebra e docinho se derrete
que o mundo me deixou não vê dentro de mim a beleza quem
interior sabe das minhas verdades comigo não se mete e se
que o mundo não roubou. meter tem
que admitir que eu sou apenas ser humano com o
direito de sorrir.

Para iluminar meu universo busco minha estrela bem


querer
o defensor dos pecadores o rei que usou coroa de
espinhos
sou pintada nos cenários desse mundo com pinturas
estranhas
que não fazem jus à minha luta não fazem jus ao meu
caráter as garras
da mentira me arranham beleza interior me encanta
porque
julgar a vida é uma atividade insana.

Não sou vulgar e muito menos santa mas para os


machistas
misóginos eu sou apenas a caça do dia e ainda falam
que
lugar de mulher é no fogão e na pia lugar de mulher é
lutando
direito dona do jogo fazendo as regras roubando a cena
o preconceito a nossa vida envenena então o orgulho
e a discriminação têm que morrer para a verdade
nascer.

72
Jeane Corrêa
Sou do Espírito Santo. Tenho três fi-
lhos. Gosto muito de escrever roman-
ces. Tenho dez escritos. Meu sonho é
publicá-los. Também sou artesã: faço
jogo de banheiro, tapetes e várias
coisas de crochê.

74
Meu tempo

1. 2.

O céu está nublado Você me fez te amar perdidamente


Meu coração acelerado Me fez perder meu tempo com você
Sentindo a emoção Eu tinha a vida toda pela frente
De estar junto do seu coração Hoje não tenho tempo para viver

O amor que sinto O tempo passou depressa


Consome a minha alma Apaixonada eu não percebi
Não vejo a hora de colar Nos seus braços eu fiquei
A minha boca na sua E por muito tempo me distrai
Meu corpo colado ao seu Eu não enxergava
E as batidas do meu coração O que não me fazia tão bem assim
Baterem no ritmo do seu Hoje confesso desesperada
Eu não tenho mais tempo para mim.
Ah, como é bom estar amando alguém assim como amo
você
Sentir meu corpo tremer ao te ver
Falta até a respiração e perco a voz ao ouvir você
Ai como é bom amar você, contigo o paraíso conhecer.

76
3. 4.

Não sei como começar A corrida dessa vida


Sempre na minha adolescência sonhei casar É preciso entender
Casei, amei, chorei Que você vai cair
Com as traições e desilusões Rastejar, sofrer
Cada segundo a mais
O tempo passou Você vai entender
Fui em busca da felicidade Que tudo vale a pena
Saí do interior Para crescer
Para a grande cidade
Encontrar o meu príncipe encantado E sentindo o cheiro das flores
E aprendendo com as dores
Ele me pegou nos braços E passando por provações
Me beijou nos lábios e me levou para a prostituição E às vezes é no escuro que se enxerga a direção
O tempo passou e não percebi
Nos braços dele fiquei por muito tempo, me distraí A gente aprende quando chora
Quando sente saudade
Hoje, Aprende até quando alguém
Cansada Falta com a verdade
Velha
E abatida Aprende também com a ingratidão
Eu não tenho tempo mais para mim. Maldade, inveja e com a solidão
Tudo na corrida da vida
Temos como lição.

78
Isadora
Tenho 28 anos e sou garota de pro-
grama há quatro anos.

80
Em letras grandes o anúncio dizia: contrata-se garotas de
18 a 28 anos para trabalhar como acompanhante de luxo,
alimentação e transportes pagos. Já imaginava de que tipo
de trabalho aquele anúncio tratava, mas mesmo assim
criei coragem, peguei o telefone da vizinha emprestado
e liguei. Do outro lado da linha um homem com voz de
sono respondeu:
– Felinas Nightclub. – Eu tremia do outro lado da
ligação.
– Alô, queria saber sobre o anúncio do jornal. – Ele me
interrompeu dizendo:
– Qual sua idade?
– 24. – Respondi.
– Sua altura? Peso? Cor? – Eram tantas perguntas que
estava ficando ainda mais nervosa, mas respondi a todas.
– Então te espero às cinco. – Me passou o endereço e
disse que um carro me esperaria no final do metrô.
Quando cheguei ao endereço um carro velho me espe-
rava com um homem com cara de bandido e ele disse:
Quatro anos – Prazer, meu nome é Cobra.
Eu tremia e pensava em milhões de coisas horríveis,
quando ele, para quebrar o silêncio, perguntou:
Assim começa minha história como profissional do – Já trabalhou em algum lugar antes? – Eu respondi
sexo: com um filho de quatro meses, morando em um que não. Ele, para quebrar o clima de tentação, me pergun-
barracão de piso de terra, paredes só no tijolo sem reboco, tou se eu sabia que tinha teste de sofá para as novatas.
um colchão de solteiro, um fogão velho, uma geladeira – Como assim?
velha, sem portas e sem janelas na casa. Era assim que eu – Brincadeirinha. – Quando chegamos... imagine um
morava, sem dinheiro para comprar comida nem roupas lugar feio. Logo na entrada veio uma moça, com um ar
para meu filho – trabalho não tinha. Foi quando eu pedi barraqueiro, totalmente nua, dizendo:
um jornal velho à vizinha e comecei a procurar emprego. – Nossa, mais uma novata, assim fica difícil ganhar
Não me encaixava em nenhuma vaga, quando ao folhear dinheiro.
o jornal lá estava o salário dos meus sonhos, R$1.500,00 Eu baixei a cabeça e subi as escadas. Cheguei em um
por semana. Como poderia alguém ganhar tanto dinheiro? bar com uma sinuca, um pole dance, paredes pretas e

82
vermelhas e uma estrela grande brilhante no teto. Achei cama que vou dividir com você.
a decoração de péssimo gosto e tinha também um sofá. A Para mim não foi nenhum sofrimento. Terminei a noite
faxineira estava limpando o chão, me tratou muito bem nos braços do cafetão.
e me perguntou se era a minha primeira vez. Balancei a Quando o dia amanheceu fui embora e deixei ele dor-
cabeça dizendo que sim. mindo. No metrô me bateu um arrependimento e pensei
– Posso fazer algumas perguntas? – Ela me respondeu em me jogar na frente do trem, me matar, mas os R$930,00
que sim. Eu perguntei como funcionava tudo, o que tinha que estavam no meu bolso não deixaram. Parei na ave-
que fazer no quarto e ela me explicou. nida Brasília do bairro São Benedito e comecei comprar.
Nesse momento chegou o dono – era muito bonito, o Comprei roupa, sapatos, comida para o meu filho, muita
tipo de homem que gosto. Ele veio em minha direção e fralda e um chiqueirinho para servir de berço para ele.
me deu um beijo na boca. Eu fiquei vermelha igual a um Uma felicidade tomou conta de mim. Cheguei em casa
pimentão e ele disse: de taxi, com tudo o que tinha comprado e meu irmão que
– Senta, o beijo foi só para dar sorte. estava construindo o barraco para mim perguntou:
Conversamos muito. Ele era divertido e muito engra- – Onde arrumou tudo isso? – Eu, sem pensar duas
çado – parecia que eu já o conhecia –, me perguntou qual vezes, disse:
nome eu iria usar e eu respondi que seria o meu, claro. – Me tornei puta. Não aceito nenhum julgamento.
Aí ele disse: Ele fez uma cara para o meu lado e eu lhe disse:
– Você não deve usar teu nome verdadeiro e nunca – Vai ficar aí parado? Me ajuda a subir com as compras.
diga seu nome verdadeiro a ninguém, nem quanto você – Acho que nesse dia engordei meu filho uns cinco quilos.
ganha – vai ter muita gente querendo te derrubar. No segundo dia de trabalho escovei o cabelo, fiz a unha
Escolhi Isadora, o nome que uso até hoje. que estava horrível e fui trabalhar. Nesse momento todo
Fui me arrumar e vesti um vestido vermelho, uma san- mundo já sabia que eu tinha dormido com o dono. As
dália bege, um batom e pronto, era o que eu ainda tinha. meninas já me odiavam e as piadinhas começaram:
Subi as escadas e as mulheres me olharam com um olhar – Chegou ontem e acha que já está sentando na janela.
de ódio. Trabalhei demais nessa noite e ganhei R$930,00 – Eu fingia que não escutava. Estava ali para sustentar
em uma só noite. Precisava tanto daquele dinheiro que meu filho, e não para picuinhas. Falavam mal de mim para
os céus resolveram me escutar. os clientes, me xingavam e eu nem ligava. Quanto mais
No final da noite, pedi para que, se possível, eu pudesse me xingavam, mais eu trabalhava. Quando terminou a
me deitar um pouco para descansar até o dia acabar de noite, fui dormir em um quarto de programa quando o
amanhecer. O dono só pagou a mim naquele dia, liberou dono me chamou e disse:
todo mundo do bar, menos eu, jogou um lençol no sofá – Onde você acha que vai?
e disse: – Vou dormir um pouco.
– Pode se deitar, mas o problema é que esta é a minha – A partir de hoje você dorme comigo.

84
Os dias foram passando e eu me tornei a garota que dele e as mulheres faltavam se jogar em cima dele. Tinha
mais trabalhava na casa. Os homens queriam ficar com a crises de ciúmes, não sei se por insegurança ou cansaço,
namorada do chefe. Quantas vezes ele, com crise de ciú- mas minhas crises eram horríveis. Ele tentava me acalmar
mes, descia e ficava sentado em frente à janela em que e dizia que me amava, mas eu não conseguia acreditar, até
eu estava fazendo programa para ouvir se eu estava gos- que apareceu uma amiga de infância. Ela em beleza não
tando... Baguncei a cabeça do dono e ele não deixava eu se comparava a mim, era bem mais velha que eu, gordi-
tocar nele com cheiro de outro homem. Um dia ele me nha, um tipo que ele não gostava, mas, mesmo assim, ela
chamou e me perguntou se eu não queria parar de fazer faltava se jogar nua em cima dele e eu morria de ódio. Até
programa e gerenciar a casa. Eu aceitei – estava muito que um dia, já cansado de tanto ciúmes, numa sexta-feira,
apaixonada por ele. Foi tão bom quando desci a escada e começou a beber cedo e essa mulher chegou e começou a
aquela mesma garota me disse: beber com ele – e eu já cansada, estava virada de sono há
– Ah lá, a patroinha acha que o dono a leva a sério, uma semana. Juntei minhas coisas sem ninguém perce-
acha que está sentada na janela. – Pela primeira vez eu ber e fui embora.
respondi: Ele me ligou desesperado, mas eu já tinha pegado
– Só você ainda não percebeu que eu não estou sentada um ônibus, deixado meu filho com meu irmão e via-
na janela, estou dirigindo o carro. jado para uma boate no interior de Minas. Voltei a ser
Na mesma noite ele me apresentou como gerente da garota de programa, mesmo com o coração partido. Fui
casa para os funcionários e as garotas faltaram morrer. embora. Precisava viver, ser eu, não mais uma sombra
Ele me colocou como gerente geral. Não ligava, comecei dele. Trabalhei em quase todas as boates do interior de
a ficar responsável por tudo: estoque, propaganda, entre- Minas. Fui para São Paulo, onde só passei raiva e não
vistar garotas, tudo se resolvia comigo. O dono vendo que ganhei dinheiro – não sabia como trabalhar lá. Voltei
eu era muito responsável começou a ficar cada vez mais para o interior e foi quando o movimento começou a cair
ausente e eu me sentindo cada vez mais sozinha. Não muito. Fiquei desesperada e uma menina de boate me
queria ser só a funcionária perfeita, queria aquele homem falou do sobe e desce chamado Brilhante. Eu já conhecia
para mim. Tudo que qualquer um ia resolver, ele nem se de nome, mas achava que era fim de carreira – tinha uma
mexia mais e dizia: imagem horrível daquele lugar. Imagine, me prostituir por
– Resolve com a Isa. R$40,00? Impossível.
Eu queria nós dois juntos, não só eu. Nesse momento eu morava com uma amiga e ela tam-
Depois de um ano com essa rotina eu ia em casa no bém estava desesperada, pois também tinha um filho.
máximo uma vez por semana. Vivia minha vida para ele, Meu filho morava com babá e as contas não paravam de
em função dele; parecia que ele exercia um poder sobre chegar. Resolvi conhecer. Quando cheguei pensei: “que
mim. Mesmo eu não querendo aquela situação, não que- lugar estranho”. As mulheres seminuas ou nuas na porta,
ria deixá-lo. Amava ele mais que a mim, morria de ciúmes bem diferente de boate. Não deixei de observar o quanto

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todas eram lindas e pensei o por quê dessas mulheres não falso porque gosta, e sim por necessidade. Além de sofrer
estarem na noite – se estão aqui, deve dar dinheiro. Fui com trabalho ainda sofremos com o preconceito, tanto da
à gerência e fui muito bem tratada pela gerente. Ela me sociedade como dos próprios homens que frequentam
explicou como tudo funcionava, me alugou um lençol, me os hotéis. Das religiões nem se fala! É um caso à parte,
vendeu camisinha e papel. Para mim, dentro do quarto, foi até porque se existe um céu chegaríamos primeiro, como
normal, já sabia como trabalhar. Ganhei R$550,00 em três diz a bíblia. Alguns deles têm coragem de entrar, transar
horas, fora a diária. Para mim foi bom para o primeiro dia. e, depois, dizer que se continuarmos com esse trabalho
Nunca trabalhei nua, não sei se por vergonha ou timidez, iremos para o inferno, pois Deus não aceita um pecado
mas isso deixa os homens curiosos. como esse. Sério?
Fiquei um ano no Brilhante à tarde e de manhã em
outro hotel chamado Cristal, que conheci por acaso.
Estava passando na rua quando uma cara me pegou
pelo braço e me levou para conhecer – parecia que estava
escrito na minha cara: “procura-se zona”. Trabalhei assim
de 8 às 21h, de segunda à sábado. Não sei por qual motivo
tudo que conquistei com programas eu perdi, meu carro,
casa e mobília. Perdi para o meu irmão. O mesmo irmão
que passou fome comigo me deu um grande prejuízo, e
as economias emprestei para uma grande amiga e perdi
também. Só não perdi o que eu gastei aproveitando com
meu filho, que hoje em dia mora comigo. Hoje já estou
cansada de trabalhar assim e não tenho como sair. Vou
voltar a estudar para conseguir um emprego que, mesmo
que não me pague tudo que recebo nos hotéis, me dê con-
dições de criar meu filho dignamente.
Quatro anos se passaram desde que coloquei pela
primeira vez meu pé em um bordel. Hoje vejo o quanto
amadureci nesse tempo. Vi e vivi coisas que uma pessoa
com 50 anos não viu. Vi garotas machucadas, estupradas,
viciadas em drogas, humilhadas e penso no porquê de nós
garotas termos que passar por essas situações. É só um
trabalho e um trabalho muito difícil, mas é só um trabalho.
Quase nenhuma garota está ali dentro com aquele sorriso

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Mariely da Silva
Tenho 33 anos.

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Trinta e três

Meu nome é Mariely. “Mãe,


Tenho 33 anos e sou de São Paulo. Eu vou cursar
Vim para Belo Horizonte após uma E me formar
Separação. Em Enfermagem”.

Sempre trabalhei como profissional


Do sexo. Desde os 20 anos,
Pois não tinha estudos e nem
Profissão, porque
Eu era casada e meu ex não
Deixava eu trabalhar.

Então decidi entrar pra vida,


Pois o dinheiro entrava rápido
E em grande quantidade,
E assim permaneço
Há 13 anos.

Tenho quatro filhos.


O mais velho mora em São Paulo,
Meus 3 comigo.
Ganhei um bebê há 12 dias.
Moro em Belo Horizonte
Há 6 anos.

Tenho planos:
Terminar o curso de técnico em Enfermagem.
Foi promessa para minha mãe
Já falecida.

92
Fátima Muniz
49 anos, maranhense. Mãe, filha, avó.
Puta ativista, profissional do sexo.

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Antes de entrar no quarto:

• Não chegue gritando nas portas: converse baixo com


a garota. O hotel, clientes e garotas não precisam
saber o combinado para o programa. Cada garota tem
um jeito de trabalhar e seu próprio tipo (anal, beijo,
carinho, tempo, seios, etc.).
• Não me chame de tia ou prima. Além de não ser legal,
nos incomoda. Primeiro que você não está na pré-es-
cola. E, em segundo lugar, temos sobrinhos e primos
de sangue e seria errado fazer sexo com eles.
• Não nos pergunte se damos o “cu”. Pergunte se faze-
mos anal ou completo. É mais educado e, se a garota
não fizer, não insista. Tem muitas garotas que fazem
e é só combinar o preço.

Manual do Cliente • Combine preço, tempo e tipo de programa. Pergunte


o que a garota faz ou não faz. Assim não haverá
engano.
Regras de limpeza: • Não fique chateado se as garotas não ficarem con-
versando com vocês nas portas. Isso nos atrapalha
• Não cuspa no chão. porque pode haver cliente interessado em ficar com
• Não coloque os pés nas paredes. a garota e pode ir embora procurar outra. Tempo
• Use as lixeiras (não coloque lixo nas escadas é dinheiro e só ganhamos com o cliente dentro do
ou janelas). quarto, com a porta fechada.
• Seja asseado: lave as mãos e pênis antes e • Não se faça de bobo ou besta. Quando parar na
depois do sexo. nossa porta e perguntarmos se você quer fazer um
• Faça xixi após o sexo: a urina é ótima para programa você não precisa responder “O quê? Não
limpar e matar bactérias. entendi!” Você está na zona. O que você acha que
• Não coloque seus dedos na vagina ou ânus. estamos perguntando ou oferecendo? Sexo, é claro.
Suas unhas estão cheias de sujeira e bacté- • Não nos pergunte “E aí, você aguenta fazer com dois?”
rias e as unhas podem machucar. Fazemos na média 25 a 30 programas por dia. A ques-
• Não fume nos corredores: todo mundo sabe tão não é aguentar dois: é questão de segurança não
que é proibido. ter dois homens no quarto ao mesmo tempo.

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• Se você não foi bem atendido na porta, se você Após entrar no quarto:
achar que a garota não foi educada ou não te deu
atenção, vá para a próxima e tente até que uma seja • Tenha a certeza do combinado no programa: tempo,
legal e você ache que vai dar certo. tipo de sexo e preço.
• Pergunte só o essencial ao programa. Nosso signo, • Se a garota não fizer algum tipo de sexo (oral sem
idade, nome verdadeiro, estado civil, onde nascemos camisinha, anal, beijo na boca, tocar nos seios, colo-
ou filhos é particular e gostamos de manter isso car dedos na vagina ou ânus) não insista: é opção
fora do nosso local de trabalho. Não são todas, mas da garota, respeite. Por isso, é importante combinar
respeite as que não querem falar sobre o assunto. antes. Assim, quando você entrar no quarto já sabe
• Não fique na porta nos elogiando – “Nossa, você é como será o programa.
linda e gostosa”. O maior elogio é nos escolher para • Não fique zangado se a garota perguntar depois que
o programa. Só assim teremos dinheiro para a diária você entrar no quarto se você quer um programa
e para pagar as nossas contas. mais demorado ou mais caprichado: estamos ofere-
• Não faça do hotel uma praça pública. Não fique cendo nossos serviços. Você aceita ou não e ainda
parado nos corredores e na frente dos quartos vale o primeiro combinado.
batendo papo com os amigos, falando alto: tem pes- • Acabou o tempo combinado e a garota avisou, você
soas trabalhando e nossos trabalho precisa da con- tem duas opções: continuar e combinar outro preço
centração dos clientes. O barulho pode atrapalhar. e tempo ou parar. O que não pode é pedir mais um
• Não bata nas portas quando fechada. A mulher está tempinho falando que está “quase gozando”, que
ocupada trabalhando e o cliente está pagando. Seja “está vindo” e assim ficar enrolando. Pague mais e
educado: espere ou dê uma volta. continue o programa tranquilo.
• Não ande nos corredores com o telefone na mão e • Bebidas, estresse, cansaço e falta de sono atrapa-
ligado. As meninas precisam de privacidade para lham na ereção. Esteja ciente disso e não nos culpe
exercer a profissão: elas têm receio de serem filma- se seu amiguinho não levantar.
das e colocadas na internet. • O não pagamento do programa pode gerar processo,
no caso, de estupro. Mesmo nós sendo “putas”, foi
combinado e acertado o preço. Estupro é crime e
não tem fiança.

98
Laura
Nasci em Caraíbas. Meu nome é
Laura. Tenho 60 anos e trabalho há
32 na Guaicurus. Em 1973 comecei a
trabalhar em uma confecção como
aprendiz e saí como costureira.
Comecei em 1981. Sou cruzeirense
apaixonada. A música que mais
gosto é “Boate Azul” e a flor que mais
gosto é orquídea, de preferência azul.
Na minha história, conheci italiano,
argentino, japonês, coreano, inglês,
português. Conheci juiz, desembarga-
dor, advogado, engenheiro, contador
e homens simples, pessoas maravi-
lhosas e de muito caráter.

100
Meu nome é Laura e tenho 60 anos. Nasci em
Paraopeba. Na verdade, em um arraial que se chama
Caraíbas, distrito de Paraopeba. Nasci no dia 21 de julho
de 1957 e sou do signo de câncer. Talvez isso faça jus ao
lado família que tenho. Sou muito caseira, mas gosto
muito de passear, de curtir a vida, porque a vida é feita
de momentos.
Mas, vamos lá. Deixe eu falar um pouco sobre a minha
infância. Começo de quando, como se diz, me conheço por
gente. Nasci de uma família de dez irmãos, seis mulhe-
res e quatro homens. As mulheres nasceram primeiro,
depois vieram os homens. Sou filha de pais de origem
muito humilde. Meu pai era lavrador, capinava na roça e
plantava arroz, feijão e melancia. Enfim, o que se chama
de boia-fria. Minha mãe cuidava da casa e das crianças.
Ela fazia o almoço e ia para roça ao meio dia ajudar meu
pai. Na verdade, quando já estávamos no grupo, que ficava
em uma fazenda, era minha irmã mais velha que cuidava
da casa e que nos levava para a escola.
Lembro que tive uma infância sofrida, pois, para che-
gar à escola, tínhamos que ir a pé; caminhávamos 40 minu-
tos para chegar ao Grupo e mais 45 para voltar para casa.
Tínhamos que enfrentar uma estrada de terra que, às
vezes, agradava, pois tinha cheirinho de natureza. Quando
era época da colheita de pequi, goiaba ou araçá, o cheiro
A dor da saudade encantava. Era maravilhoso sentir esse cheiro. Apesar de
não tem cura todo sacrifício e pobreza, éramos felizes.
Em Caraíbas só tinham oito casas. A da minha família,
ou a da minha tia e de algumas pessoas que trabalhavam no
Xô Preconceito! arraial. Minha tia se chamava Geralda e tinha 14 filhos.
Alguns deles iam com a gente para a escola. O grupo esco-
– O Meu Nome é lar era muito grande e ao lado tinha uma igrejinha que se
Felicidade chamava Capela de São Geraldo. Minha professora, por

102
incrível que pareça, se chamava Laura Maria Lopes. Era da minha irmã sozinha. E, acredite se quiser, no meio do
minha prima de terceiro grau. Era uma professora muito pasto, ao lado de um curral, nascemos. Às oito horas da
linda, com seus cabelos longos. Era muito carismática e manhã, ela contava, meu pai, Américo do Espírito Santo,
tratava todos os seus alunos com o maior carinho. Ela tinha saído para fazer compra em Paraopeba. Tinha saído
tinha uma verdadeira adoração por mim e pela minha às cinco da manhã e ela tinha ficado em casa com meus
irmã gêmea, a Áurea. Íamos para a escola descalças, muito irmãos. Foi quando começou a se sentir indisposta: ela
mal arrumadas, mas todas limpinhas. Chamávamos aten- parecia estar adivinhando que aquele dia não seria como
ção pela nossa beleza, uma beleza natural. Estudávamos qualquer outro. Ela levou minhas irmãs para a casa da
com dedicação e tínhamos a nossa infância e nossa minha tia Geralda e, quando voltava, sozinha para casa,
ingenuidade. começou a sentir contração. Minha mãe deitou na grama,
As manhãs, em dias de aula, eram frias. Na roça, se você ao lado do curral. Às oito da manhã nasceu minha irmã
colocava uma vasilha d’água do lado de fora da casa, no Áurea. Eu demorei meia hora para nascer. Eu não sei por-
outro dia ela estava congelada. Às vezes era difícil tam- que demorei tanto tempo para nascer, pois eu, Laura, sou
bém porque nem sempre a gente tinha o que comer, pois uma mulher de atitude e transparente. Será que estava
tudo dependia da colheita. Se era época de banana ou de com medo de encarar esse mundo louco? Depois que deu
laranja, tudo bem. Tinha merenda na escola: mingau de à luz, foi socorrida por um padeiro, o Waldecir. Passando
aveia, mingau de trigo e sopa de legumes. Para comer no pela porteira, ele encontrou minha mãe naquela situa-
caminho para a escola, que era longo, levávamos farinha ção e, assim, foi à casa da minha tia pedir ajuda. À noite
com açúcar ou fubá molhado. Na roça, a gente pegava o aconteceu uma grande festa, a notícia já tinha se espa-
fubá, afogava na água e colocava o óleo e mexia. lhado. Naquela manhã nasceram as gêmeas de Caraíbas
A gente tomava banho no rio: um banho de água fria. e à noite todo mundo queria as conhecer. O comentário
Em Caraíbas tinha uma fartura de água, de peixes. Talvez foi um só: o nascimento no pasto, ao lado do curral, das
isso explique porque a gente conseguia sobreviver a tanta gêmeas de Caraíbas.
miséria. Às vezes se comia peixe, alguns ovos de galinhas Continuamos por anos em Caraíbas. Minha irmã,
e se comia da plantação. Quando meu pai precisava fazer Dalvinha, linda e loira, nasceu. E, depois de um ano, nasceu
alguma compra, ele tinha que sair de Caraíbas e ir até Glorinha. Daí veio Roberto, o primeiro homem da famí-
Paraopeba a cavalo. Eram três horas de viagem. lia. Ele nasceu doente, com um mês já estava com bron-
Lembro que minha mãe sempre reclamava da vida que quite asmática. Como não tinha um hospital por perto,
a gente levava no interior. Ela era uma mulher semianal- sua saúde foi só piorando. Com um ano e doze meses,
fabeta. E era muito bonita e guerreira. Trabalhava muito e faleceu. Nesse dia, tinham muitas pessoas do arraial no
ajudava meu pai a capinar. Era uma mãe muito carinhosa, enterro: aquele caixãozinho branco, tão pequeno, e aquele
nunca deixava a peteca cair: era uma mulher guerreira, corpinho tão frágil. Mesmo novinha eu não sabia como
uma fortaleza. Ela era tão corajosa que fez o meu parto e expressar tanta dor e tanto sofrimento que tinha por toda

104
a família. Nossa casa estava repleta de pessoas que foram um asilo. Na nossa rua era onde tinham grandes festas.
se despedir do meu irmãozinho. Meu pai e minha mãe Em todo mês de maio tinham barraquinhas com quen-
choravam. Nossa ingenuidade era tanta que, quando o cai- tão, pipoca, pé de moleque. Nessas festas também tinha
xão saiu para ser enterrado, minha irmã Edna perguntou música ao vivo e eu e minha irmã, Áurea, éramos as mais
para minha mãe se Roberto só estava indo passear. Mas, solicitadas para dançar. Éramos muito bonitas. Os rapa-
minha mãe, em lágrimas, disse: “não, minha filha, ele foi zes ficavam encantados com nossa beleza e ofereciam
morar com o papai do céu”. Cresci pensando nas palavras músicas para gente. Lembro que a música mais tocada
de minha mãe, mas, ainda assim, achava que, um dia, ele era Índia. Ela sempre se repetia, tal como na versão de
voltaria. Só com o tempo começamos a entender o que Paulo Sérgio. Dedicavam a música para nós duas.
tinha acontecido. O tempo passou e continuamos em Paraopeba por um
Em um Natal, minha tia e primos foram passar a festa bom tempo. Mas nem tudo foram flores. Meu pai pas-
com a gente. Foi um grande dia. Ganhamos presente – sou a agredir a minha mãe e começou a ir para a gandaia
bonecas, pulseiras e brincos – e minha mãe ganhou uma só voltando no outro dia. Se a vida era boa antes, foi aí
grande cesta de Natal. Era um momento bom, mágico. que começou o nosso calvário. Meu pai não era o mesmo:
Nunca tínhamos ganhado tantos presentes: era sinal do arrumou uma amante em Caetanópolis, cidade vizinha,
progresso que começava a chegar à Caraíbas. Meu tio e todo dinheiro que ganhava gastava na farra. O patrão
tinha uma situação financeira melhor: ele tinha terras começou a reclamar da falta de responsabilidade com o
e vendeu um pedaço delas para um açougueiro que se serviço. Continuava nos ajudando, mas já não era mais a
chamava Nhô Leandro, uma pessoa que, como se diz, é mesma coisa. Não tínhamos mais controle. Minha mãe,
iluminada por Deus. Ele ficou amigo de meu pai e foi como então, escreveu para outro compadre dela que morava em
um anjo em nossas vidas: deu emprego para meu pai e, Belo Horizonte e pediu ajuda a ele.
com o tempo, nos tornamos muito unidos. Nossa família Esse compadre deixou que a gente morasse no barra-
passou a se entrosar com a família dele, nascendo uma cão dele por três anos, até que a situação melhorou. Eu
grande amizade. Meu irmão, José Antônio, é afilhado de me lembro bem do dia que chegamos à BH. Foi em um
batismo de Nhô Leandro. Foi trabalhando para ele que domingo de manhã. Lembro que o motorista que trouxe
meu pai nos levou para morar em Paraopeba. Em Caraíbas a nossa mudança de Paraopeba tinha o apelido de Deco
só tinha grupo escolar e na cidade já tinha o colégio, para e era cruzeirense doente. Ele já era nosso amigo há muito
nossas séries mais avançadas. tempo. No dia, teve o jogo Cruzeiro versus Bahia e ele nos
Quando chegamos em Paraopeba, minha irmã foi tra- levou ao Mineirão. Eu nunca mais me esqueci daquele
balhar em uma fábrica de tecelagem e eu como empre- jogo. Para minha surpresa, o time ganhou: foi amor à pri-
gada doméstica. Nossa vida era tranquila, mudamos para meira vista. Eu era uma torcedora pé quente. Nesse dia me
uma casa grande, com um grande pé de abacate na frente. apaixonei pelo Cruzeiro e, sempre que podia, ia aos jogos
Tinha uma padaria na rua e perto tinha uma delegacia e do time, junto com minha irmã Áurea. Fomos convidadas

106
por Aldair Pinto para participar da charanga do Cruzeiro. cura mesmo. E sempre quando Roberto Carlos voltava
Até porque, com nossa beleza, a gente encantava qualquer para fazer shows em Belo Horizonte eu ia, quase sempre
cruzeirense que estava do lado da charanga. sozinha, e ficava pensando em Glauco, naquele homem
Com o passar do tempo eu arrumei um emprego. Fui maravilhoso, que tinha aparecido em minha vida, mas
trabalhar na confecção Tony, no Carlos Prates. Entrei lá que ficou tão pouco tempo ao meu lado.
como aprendiz e saí de lá como costureira profissional. Era O tempo foi passando. Mesmo sentindo a falta de
meu primeiro emprego de carteira. Era feliz, pois era uma Glauco, eu arrumei um namorado chamado Gilberto. Era
jovem bonita e sonhadora. Trabalhava muito. Acordava um moreno muito bonito e trabalhava na COPASA, mas
5:30 e andava a pé para o serviço todos os dias. era um rapaz muito possessivo, ciumento. Lembro que,
Conheci um rapaz muito bonito que se chamava certa vez, eu e minha irmã Dalvinha iríamos a um show
Glauco. Ele me mandava flores, telegramas. Me mandava do Roberto Carlos e comentei com ele. Ele me disse que
telegramas com letras do Roberto Carlos. Comecei a amar se eu fosse ao show ele terminaria o namoro. Eu, muito
ainda mais as músicas do Roberto, maravilhosas. Glauco brincalhona, respondi: “mais vale um show do Roberto do
era um bom rapaz, chegamos a namorar. Para mim, era que o meu Gilberto”. E eu fui ao show, no sábado. Quando
um grande recomeço. Ele morava quase em frente de onde foi domingo, para minha surpresa, ele apareceu na minha
eu trabalhava. Certo dia, chegando em casa, encontrei um casa, com toda a sua família, para almoçar lá. Falei que fui
telegrama com a seguinte frase: “onde você estiver, não se ao show e ele disse que não ia terminar o namoro porque
esqueça de mim”. Essa frase me tocou tanto que até hoje, me amava e por eu ter sido uma mulher transparente e
às vezes, sinto saudade daquele tempo. Ele era um rapaz por ter contado tudo para ele.
muito bacana, mas tinha uma doença grave, degenera- Eu e Gilberto continuamos namorando. Eu era ainda
tiva. Quando ele morreu, fiquei muito triste porque eu muito nova, mas ele queria se casar. Eu falei que não que-
gostava muito dele. Ele era filho de italianos. Eu nunca ria me casar ainda e daí terminamos o namoro. Eu conti-
esqueci aquele rapaz tão lindo e deficiente. Seu rosto era nuei trabalhando na confecção até que ela decretou em
tão lindo, tão suave. Ele tinha uma alegria contagiante falência. E, no meio disso tudo, eu também descobri que
pela vida, por estar ao meu lado. Glauco era um anjo que estava grávida da minha pequena K., e como não tinha
só veio ao mundo para trazer o amor e a felicidade, pois, como comprar enxoval para minha filha, tudo ficou muito
quem estava ao seu lado, jamais sentia tristeza. Eu era complicado. Arrumei um emprego de vendedora de roupa
muito feliz com ele. de porta em porta, mas as coisas não deram muito certo,
Algum tempo depois, o Roberto Carlos veio dar um porque trabalhar como vendedora às vezes dava mais pre-
show em Belo Horizonte e fui lá, tentar acalentar o meu juízo do que lucro. Tive que me virar porque minha mãe
coração, pois, quando Glauco faleceu, ficou uma dor muito não aceitou bem a notícia de que seria avó. Para ela, que
profunda no meu coração. Aquela dor de que se fala, a dor vinha do interior, semianalfabeta, mãe solteira era pros-
da saudade; e a dor da saudade não tem cura e não tem tituta. Minha mãe não me deu apoio e acabou sendo uma

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fase muito difícil quando eu mais precisava. Os próprios donos dos hotéis falavam para elas me pro-
Só Dalvinha tinha me dado suporte, mas acabou curarem. Não sei quantas garotas eu já ajudei, levando
indo embora com o namorado, que era caminhoneiro, para o médico, fazendo acolhimento, trabalhando como
para Goiás. Veja que destino: tão linda, trabalhava como redutora de danos.
demonstradora de beleza da Perfumaria Lourdes. Ela O tempo passou e eu continuo na Guaicurus. Essa era
abandonou tudo por um grande amor. Infelizmente, a missão que eu tinha que carregar. Hoje em dia não existe
quando ela estava lá, as coisas não foram como o esperado. mais a Associação das Profissionais do Sexo. Atualmente
Ela ficou grávida e, quando nasceu o Juliano, passados 16 eu trabalho na Aprosmig – Associação das Prostitutas de
dias, ela morreu de infecção hospitalar, por causa do parto. Minas Gerais, uma ONG sem fins lucrativos, fundada em
Eu perdi o chão, porque além de perder a minha irmã, 2009. Sou vice-presidente e amo o trabalho que faço, mas
minha parceira, minha melhor amiga, não tinha mais uma às vezes penso em me aposentar. Por enquanto, pretendo
conselheira que me apoiava. Foi um vazio tão grande, por- ficar mais uns três anos, pois só não saí até hoje porque
que a dor da saudade não tem cura. Hoje vejo ela na minha não quis, já que recebo pensão pela morte do meu marido,
sobrinha, já que elas se parecem muito. Temos que con- por termos ficado juntos por sete anos. Tivemos uma vida
tinuar mesmo sentindo muita saudade, esperando o dia tranquila, mas, infelizmente, ele faleceu.
em que nos encontraremos na eternidade. Sou católica e Hoje eu tenho um apartamento e pude ajudar muito
acredito que, um dia, vamos nos encontrar. a minha família. Ajudei também minha filha, que morou
Lembro quando minha mãe me colocou para fora de na Europa, fazendo faculdade. Eu dei força para ela, para
casa quando minha filha estava com 4 anos de idade. Sofri ela se sentir amparada fora do Brasil. Hoje eu me sinto
muito, mas essa dor não se comparava à dor que senti realizada: tenho uma filha linda que só me dá orgulho. Ela
quando minha irmã faleceu. Eu precisava ser forte, tinha é a prova de que para ser uma boa mãe não se precisa de
que cuidar da minha filha. Quando Dalvinha morreu eu muito. Uma boa mãe é aquela que é amiga de seus filhos,
já estava na rua São Paulo, fazendo programa. Eu não tive que os respeita e que tira ao menos duas horas na semana
escolha: devido a tantas dificuldades e necessidades, tive para se dedicar a eles. Hoje, eu, Laura, aconselho a todas
que continuar me prostituindo. Trabalhei muitos anos as mães que cuidem mais de seus filhos, que amem mais
nesse hotel e lá fui convidada a ser vice-presidente da os seus filhos, porque, diante de tantas coisas que acon-
Associação das Profissionais do Sexo. As reuniões eram teceram em minha vida, eu me considero uma mulher de
no Hotel Montanhês, na rua Guaicurus. Depois nos muda- atitude, uma mulher de caráter, uma mãe guerreira, uma
mos para o Centro Cultural da UFMG, na avenida Santos mulher que lutou pela filha e que sabe que a filha tem um
Dumont. Aceitei ser vice-presidente porque eu sempre me futuro brilhante. Me considero uma mulher feliz, vito-
identifiquei como sendo uma mulher família que gosta riosa, porque tenho muito amor para dar, independente
de ajudar as pessoas. Como 90% das garotas de programa de tudo o que vivi. Eu amei e fui amada.
são de outros estados, elas sempre me pediam conselhos. Porém, meu coração hoje está triste. Eu conheci um

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canadense que viria me buscar, mas abri mão desse amor Poema para Dalvinha
porque minha filha era muito nova. E eu, como uma mãe-
zona que sou, nunca teria coragem de levar minha filhinha
para morar em um lugar tão frio e tão distante. Não me Dalvinha,
arrependo de ter aberto mão desse amor, apesar de ser No seu corpo
o único homem que me fez feliz depois de tanto tempo Germinou a semente
na Guaicurus. Esse foi o único por quem me apaixonei E foi Deus quem a plantou.
enquanto fazia programa. Até hoje brinco que sinto o calor Um dia estaremos juntas
da sua pele em meu corpo. Quando abri mão desse amor, Na eternidade.
eu me senti vazia por dentro. Se fosse hoje, eu acho que
iria, já que minha filha já é uma garota independente, estu- Felicidade
dou, já se formou, morou na Europa, é professora. Não é tudo que a gente
Hoje eu me sinto realizada, mas, antes da minha apo- Consegue alcançar.
sentadoria, quero deixar o meu legado. Brinco que sou A vida, às vezes,
patrimônio histórico da Guaicurus. Por isso, no carnaval, Tem momentos felizes
subi no palco da Guaicurus e anunciei que vou fundar o E momentos tristes,
meu bloco de carnaval, o Xô Preconceito! – O Meu Nome Mas todos nós dizemos
é Felicidade. Quando ele for para rua, aí sim eu vou ser Que temos que aproveitar
uma mulher realizada. Mas, mesmo aposentada, vou con- Os bons momentos
tinuar a visitar as garotas e trabalhando como voluntária. Que temos na vida.
E vou pegar o meu passaporte e fazer uma grande via-
gem internacional. Quem sabe ao Canadá, ao encontro Porque a vida
da felicidade? É feita de momentos.
Espero que, com toda essa história que contei, resu- Muitas vezes,
mida em alguns tantos, as pessoas gostem, porque, apesar Por um segundo,
de tudo que passei, sou uma mulher feliz e realizada. Eu A nossa vida não é mais feliz.
quero continuar a ajudar as pessoas. Eu sou uma mulher
que venceu e tenho uma vida muito boa.

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Vânia Rezende
65 anos. Mãe, avó, 2°grau completo,
moradora de Olinda e nascida no
Recife. Prostituta, bissexual, coorde-
nadora administrativa da Associação
Pernambucana das Profissionais do
Sexo. Integrante do fórum LGBT-PE,
do Movimento Negro Uiala Mukaji.

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Vida Fácil

me chamam de puta
rapariga prostituta
garota de programa
messalina meretriz
quenga profissional do Sexo
trabalhadora sexual vadia
vagabunda mulher da vida fácil
kkkk
vida fácil.
Vida vivida sofrida estigmatizada
marcada como um ferro que fere as entranhas.
Vida sim porque mulher
é vida
e toda mulher
é mulher da vida.

116
Lourdes Barreto
77 anos, nascida na Paraíba e radica-
da no Pará. Puta ativista desde 1979,
fundadora do Grupo de Mulheres
Prostitutas do Estado do Pará
(Gempac) e, junto com Gabriela Leite
(1951-2013), criadora da Rede Brasileira
de Prostituição.

118
Puta
Sou puta de raiz, uma puta que quer ganhar o mundo,
uma puta que veio ao mundo. Sou uma puta com-
panheira, uma puta de luta, que busca por direitos e
cidadania em uma sociedade hipócrita e falso mora-
lista. Sou uma puta mulher para fazer a diferença, uma
puta como sempre, e serei sempre. De todas as horas, de
todas as noites, de todos os dias e de todas as manhãs:
uma puta de coragem. Na boate, no cabaré, na rua, na
esquina, na noite, no navio, no garimpo e nas barragens.
Uma puta das pepitas, da luz vermelha, da penumbra,
do laquê, puta da estrada, de todos os lugares, nos pos-
tos de gasolina, nas garagens, no sistema prisional, que
vai em qualquer lugar sem medo de ser feliz, de viver
as fantasias (nossas e dos outros). Uma puta bem puta
mesmo, uma puta que questiona e que luta, uma puta
mãe, uma puta avó, uma puta mulher, uma puta de raiz,
uma puta como sempre.

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nota dos organizadores O projeto A Voz das Putas surgiu do desejo de que
mulheres que trabalham como prostitutas na rua
Guaicurus pudessem contar suas histórias e, principal-
mente, que contassem elas mesmas. Mulheres de dife-
rentes idades manifestaram a vontade de participar,
configurando um grupo bastante diverso de escritoras.
Algumas possuíam contato com a escrita, outras menos.
Para a construção do livro, foram realizadas oficinas de
criação literária desenvolvidas exclusivamente para elas.
Durante os encontros, compartilhamos a reflexão sobre a
importância da literatura, sobre textos literários de outras
autoras mulheres (como Ana Martins Marques, Carolina
Maria de Jesus, Tatiana Pequeno, Wislawa Szymborska,
entre outras), para que elas compartilhassem entre si suas
criações. Esses encontros não funcionaram como uma
oficina tradicionalmente poderia funcionar. Era necessá-
rio criar um espaço com o mínimo de poder e o máximo
de prazer para que elas apresentassem e, a partir de suas
experiências de vida e de seus contatos com a literatura,
discutissem os textos umas das outras.
Os textos aqui apresentados são, em quase a totali-
dade, oriundos das oficinas em que a escrita foi estimu-
“Se as ciências lada como forma de simbolizar a própria vida e o acesso
à literatura como um direito de todos. Em Guaicurus – A
sociais descrevem Voz das Putas, facetas literárias se apresentam com um
as regras do jogo, sabor, por vezes, pouco estimulado e conhecido, mas que
é, à sua maneira, marcante. Que suas leitoras e leitores
a literatura ensina compartilhem desse pequeno festim de palavras. E que
como jogar” espaços de leitura, produção e criação literária se espa-
lhem e adentrem cada vez mais nossa sociedade, com a
participação das vozes pouco ouvidas, que hão de ser cada
Gayatri Chakravorty Spivak vez mais escutadas.

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